Prolegômenos a uma nova teoria do espaço ficcional

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PROLEGÔMENOS A UMA NOVA TEORIA DO ESPAÇO FICCIONAL: DA TOPOLOGIA ESTRUTURAL À ESPACIALIDADE DISCURSIVA Erimar Wanderson da Cunha Cruz Fazer uma reflexão de caráter teórico em um trabalho que se assume como pós-colonial pode aparentar uma contradição metodológica. Desde o pós- estruturalismo passando pela virada cultural às análises feministas e marxistas, a teoria era vista, não sem razão, como um conjunto de afirmações condicionadas por um sistema de dominação que encerrava o mundo num esquematismo formalizante. A teoria opunha-se na visão das citadas abordagens à vivência concreta e significativa. E, de fato, o modelo de teoria construído a partir das reminiscências do cientificismo novecentista, colocava a reflexão teórica em um nível de abstração que tornava a ciência algo de misterioso, acessível apenas àqueles seres privilegiados capazes de interpretá-la. Aos meros mortais (no jargão científico: os leigos, a massa, o vulgo) restava acatar o que dizia a ciência, pois em sua pretensa ignorância não teriam propriedade para questioná-la. Ao lado deste ceticismo de que o pensador crítico não poderia compactuar com a teorização, o discurso da ciência normativa continuou a desenvolver-se sem os contrapontos que as abordagens contextuais poderiam oferecer. Fenômeno que acabou construindo um abismo entre o pensamento crítico e as instâncias de produção e divulgação do conhecimento. Ou seja, os pensadores críticos produziam, mas o que era ensinado nas escolas e universidades eram teorias puras. Observando este hiato, os estudos pós-coloniais começaram a repensar o papel da teoria enquanto instrumento de ruptura com os discursos de dominação. Surgiu assim, Orientalismo (2007) de Edward W. Said, O local da cultura de Homi Bhabha (1998) e a Crítica da razão pós-colonial (1999) de Gayatri C. Spivak, todas, obras de ampla envergadura teórica e nem por isso menos reacionárias com os discursos hegemônicos. Os estudos pós-coloniais criaram assim uma percepção nova do exercício teórico. Na trilha da différance derridiana, o discurso científico servia de ferramenta para desconstruir imagens hegemônicas deste mesmo discurso, assim como o Mestrando em Estudos Literários no Programa de Pós Graduação em Letras da Universidade Federal do Piauí. Email: [email protected]

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Um estudo teórico sobre as atuais modalidades de análise do espaço ficcional e a proposta de um paradigma dinamizado e social da espacialidade, a partir d'Os versos satânicos de Salman Rushdie.

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PROLEGÔMENOS A UMA NOVA TEORIA DO ESPAÇO FICCIONAL:

DA TOPOLOGIA ESTRUTURAL À ESPACIALIDADE DISCURSIVA

Erimar Wanderson da Cunha Cruz

Fazer uma reflexão de caráter teórico em um trabalho que se assume como

pós-colonial pode aparentar uma contradição metodológica. Desde o pós-

estruturalismo passando pela virada cultural às análises feministas e marxistas, a

teoria era vista, não sem razão, como um conjunto de afirmações condicionadas por

um sistema de dominação que encerrava o mundo num esquematismo formalizante.

A teoria opunha-se na visão das citadas abordagens à vivência concreta e

significativa. E, de fato, o modelo de teoria construído a partir das reminiscências do

cientificismo novecentista, colocava a reflexão teórica em um nível de abstração que

tornava a ciência algo de misterioso, acessível apenas àqueles seres privilegiados

capazes de interpretá-la. Aos meros mortais (no jargão científico: os leigos, a massa,

o vulgo) restava acatar o que dizia a ciência, pois em sua pretensa ignorância não

teriam propriedade para questioná-la.

Ao lado deste ceticismo de que o pensador crítico não poderia compactuar

com a teorização, o discurso da ciência normativa continuou a desenvolver-se sem

os contrapontos que as abordagens contextuais poderiam oferecer. Fenômeno que

acabou construindo um abismo entre o pensamento crítico e as instâncias de

produção e divulgação do conhecimento. Ou seja, os pensadores críticos produziam,

mas o que era ensinado nas escolas e universidades eram teorias puras.

Observando este hiato, os estudos pós-coloniais começaram a repensar o papel da

teoria enquanto instrumento de ruptura com os discursos de dominação. Surgiu

assim, Orientalismo (2007) de Edward W. Said, O local da cultura de Homi Bhabha

(1998) e a Crítica da razão pós-colonial (1999) de Gayatri C. Spivak, todas, obras de

ampla envergadura teórica e nem por isso menos reacionárias com os discursos

hegemônicos.

Os estudos pós-coloniais criaram assim uma percepção nova do exercício

teórico. Na trilha da différance derridiana, o discurso científico servia de ferramenta

para desconstruir imagens hegemônicas deste mesmo discurso, assim como o

Mestrando em Estudos Literários no Programa de Pós Graduação em Letras da Universidade Federal do Piauí. Email: [email protected]

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colonizado poderia se servir da linguagem do colonizador para questionar a sua

dominação. Postura discursiva entendida pelo filósofo alemão Max Horkeimer (1975)

como uma teoria crítica oposta à teoria tradicional:

Mas existe também um comportamento humano que tem a própria sociedade como seu objeto. Ele não tem apenas a intenção de remediar quaisquer inconvenientes; ao contrário, estes lhe parecem ligados necessariamente a toda organização estrutural da sociedade. [...]. As categorias: melhor, útil, conveniente, produtivo, valioso, tais como são aceitas nesta ordem [social], são para ele suspeitas e não são de forma alguma premissas extracientíficas que dispensem a sua atenção crítica. [...], o pensamento crítico não confia de forma alguma nesta diretriz, tal como é posta à mão de cada um pela vida social. A separação entre indivíduo e sociedade, em virtude da qual os indivíduos aceitam como naturais as barreiras que são impostas à sua atividade, é eliminada na teoria crítica, na medida em que ela considera ser o contexto condicionado pela cega atuação conjunta das atividades isoladas, isto é, pela divisão dada do trabalho e pelas diferenças de classe, como uma função que advém da ação humana e que poderia estar possivelmente subordinada à decisão planificada e a objetivos racionais (HORKHEIMER, 1975, p. 138).

A teoria crítica entra no pensamento científico como resposta aos

extremismos da teoria ou da prática pura. Nesta medida, pensar o exercício teórico

crítico torna-lhe um importante instrumento de reflexão e denúncia das condições

sociais e, além disso, atribui ao discurso científico a possibilidade de trazer para si

tensões sociais menos perceptíveis.

Tomando por exemplo O orientalismo de Edward Said: O processo do

orientalismo estético na literatura do século XIX sempre foi descrito na história das

ideias. Mas, foi o tratamento teórico do pensador palestino que conseguiu esclarecer

as raízes sociais e ideológicas deste fenômeno. Evidenciou-se que o “orientalismo”

não se tratava de um modismo artístico, e sim um largo processo de construção

simbólica, surgido no Ocidente para configurar uma imagem, muitas vezes

distorcida, do Oriente. Em suma, um estudo que nasceu como análise comparada

de um período literário demarcado, desvelou uma instituição social que teve início na

Grécia e vinha se propagando despercebida até atualidade - a invenção do Oriente

pelo Ocidente. A teoria reabilitou a experiência, desfazendo um equívoco milenar de

pensar a oposição meridional como um simples dado de cartografia.

Pensar na teoria do espaço ficcional cumpre o mesmo escopo: de um lado,

refletir sobre um discurso baseado numa ideia de espaço que por sua vez reflete-se

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na teoria literária, do outro, pensar que consequências essa teoria tradicional incute

na atual interpretação do espaço representado na obra literária. Não se trata,

portanto, de um exercício erudicional ou uma cronologia de todas as propostas

dadas para a narratologia espacial, mas, a apresentação de modelos que continuam

a ser empregados na teoria literária sem o questionamento se tais metodologias

ofertam uma visão global de seu objeto. O panorama teórico serve ainda para

demonstrar que apesar das diferenças nos modelos da crítica, todos admitem uma

imagem reducionista do espaço consolidada no século XIX e que nos últimos 50

anos vêm sendo criticada por diversos setores da geografia humana (TUAN, 1980;

SOJA, 1990, 1996; SAID, 2007) e da filosofia social (LEFEVBRE, 2006), num

movimento que recebeu o título de virada espacial.

A virada espacial aparece com o propósito de substituir a imagem milenar do

espaço enquanto uma entidade estática e isolada, por uma representação de

espaço relacionada com a vivência histórica e social, dinamizando-o. Esta

mobilização teórica demonstra-se oportuna para desfazer a estagnação dos

modelos predominantes na análise atual do espaço na literatura, que como se

poderá observar na continuidade deste texto, fundamentam-se quase

exclusivamente na identificação, categorização e classificação de elementos

narrativos isolados.

O emprego da formalização e esquematização das narrativas, como reflexo

da análise matematicista e anacrônica do espaço, levou a considerá-la um

paradigma descritivista-classificatório à semelhança do fora o estruturalismo para os

estudos de linguagem.

A assunção e aplicação do espaço social e dinamizado como ferramenta de

análise na presente investigação sobre a representação da metrópole n’Os versos

satânicos de Salman Rushdie (RUSHDIE,1998) vêm para suprir uma lacuna que a

teoria tradicional do espaço ficcional não aprofundaria: o discurso pós-colonial. Mas

como alcançar tais lacunas, imperfeições sem mergulhar na incerteza da reflexão

teórica? Para encontrar a différance, o avesso da representação hegemônica do

espaço e buscar um paradigma (des)construtivista é necessário entender a teoria

como uma caminho intermitente tal qual Lefebvre (2006, p. 20) pensava:

A teoria que se busca, que se ressente de um momento crítico e que desde logo recai no saber em migalhas, essa teoria se pode designar, por analogia, como “teoria unitária”. Trata-se de descobrir

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ou de engendrar a unidade teórica entre “campos” que se dão separadamente, assim como na física as forças moleculares, eletromagnéticas, gravitacionais. De quais campos se trata? De início, do físico, a natureza, o cosmos. Em seguida, do mental (aí incluídas a lógica e a abstração formal). Por fim, do social. Dito de outro modo, a pesquisa concerne ao espaço lógico-epistemológico – o espaço da prática social -, aquele que os fenômenos sensíveis ocupam, sem excluir o imaginário, os projetos e projeções, os símbolos, as utopias (LEFEBVRE, 2006, p.20, sem grifos no original).

1.1 A VISÃO DO ESPAÇO DE FORMA GERAL

O espaço é um dos elementos mais inerentes da vida humana, seja

representado por uma choupana ou por castelo, seja por uma luxuosa suíte ou uma

sombria floresta, toda experiência individual ou social é acompanhada

inexoravelmente pela espacialidade. Em quaisquer momentos, solenes ou reclusos,

ele nos acompanha como testemunha silenciosa de nossos atos e emoções.

Nenhum outro componente existencial nos é tão próximo e necessário quanto lugar

que convivemos. De tão simples, o espaço passa por um objeto cujo entendimento

integral não necessitaria nada além de um olhar mais atento.

A espacialidade, nesta perpectiva imediatista, é tratada como um fenômeno

estático, limitado e definido, cuja realização e interpretação não ultrapassariam o seu

exame pelos sentidos. Tal imagem determinista do espaço acabou por lhe envolver

de uma atmosfera de obviedade, onde “qualquer sujeito é capaz de definir o

espaço”.

Salman Rushdie afirma n’Os versos satânicos: “o que é comum acaba ficando

invisível” (RUSHDIE, 1998, p. 181). Este princípio é verificável no volume resoluto de

incursões teóricas a versarem de modo profundo sobre a questão espacial. Tomado

por um fenômeno demasiado simples, a espacialidade durante muito tempo não

recebeu uma atenção mais exaustiva dos pensadores das humanidades, sendo por

muitas vezes relegado exclusivamente às metodologias de análise importadas da

geografia física.

Assoma-se a este quadro de automatização significativa um grau de

dependência entre o conceito de espaço com outros fenômenos, como os objetos,

as ações e os seres. Conforme se lê numa definição semiótica:

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Espaço é o substrato em que se desenrolam os fenômenos dimensionais, efeito desta inserção. Como o tempo possui uma posição e uma duração; o espaço possui uma posição e uma medida. Mas, diferente do tempo, o espaço tem forma (HÉBERT, 2012, p. 98)1.

Evidencia-se na definição de Louis Hébert (2012) o estado de coadjuvação da

espacialidade, tratada apenas como um efeito da existência das coisas, um pano de

fundo sem representatividade. Como se o espaço fosse um vazio sobre o qual

estivesse a realidade e tivesse papel pouco significante para a sua formação. A ideia

de espaço enquanto uma vacuidade é recorrente, observe-se, por exemplo, na

seguinte citação:

Ambiente ideal, caracterizado pela exterioridade de suas partes, no qual se localizam nossas percepções, e que por consequência tudo que se entende como finito. O espaço tal como o considera a intuição comum é caracterizado como homogêneo (os elementos que podem ser distinguidos pelo pensamento são qualitativamente indiscerníveis), isótropo (todas as direções possuem as mesmas propriedades), contínuo e ilimitado (LALANDE, 1997, p. 298)2.

André Lalande (1997) expõe em seu conceito de espaço, uma descrição

influenciada pelos princípios que o caracterizam na geometria, isto é, enquanto uma

abstração localizada no plano da lógica formal. O espaço nessa condição assume

um papel de total neutralidade e homogeneidade, isento de quaisquer diferenças,

mesmo perceptivas. Se admitida essa pressuposição, a espacialidade seria um

elemento não apenas vazio, mas também anacrônico, já que não estaria sujeito à

relativização subjetiva e interpretativa da consciência social e individual.

Todo este quadro conduz para uma análise realista-materialista da

espacialidade, pois, cria a impressão de que tal fenômeno seria algo per se, cuja

apreensão estaria isenta de interpretações. O espaço, nessa perspectiva, é somente

um dado puro da realidade e para analisá-lo bastaria constatar, através dos

1 Tradução livre, do original: Espace : Substrat dans lequel se déploient les phénomènes

dimensionnels, effet de ce déploiement. Demême que le temps est à la fois une position et une durée, l’espace est à la fois une position et une étendue (aire ou volume). Mais il est également, en cela il n’est plus comparable au temps, une forme. 2 Tradução livre, do original: Milieu idéal, caractérisé par l’extériorité de ses parties, dans lequel sont

localisées nos percepts, et qui contient par conséquent toutes les étendues finies. L’espace tel que le considère l’intuition commune est caractérisé par ce fait qu'il est homogène (les éléments qu'on peut y distinguer par la pensée sont qualitativement indiscernables), isotrope (toutes les directions y ont les mêmes propriétés), continu et illimité.

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sentidos, seus elementos constitutivos dentro de categorias objetivas (extensão,

altitude, relevo etc.).

1.2 O ESPAÇO DENTRO DA CRÍTICA LITERÁRIA

O espaço é, ao lado do tempo, um dos elementos mais fundamentais na

construção de obras ficcionais, conforme ressalta Salvatore D’Onofrio (1995): “[...]

todo texto literário possui seu espaço, na medida em que encerra um pedaço da

realidade, estabelecendo uma fronteira entre ela e o mundo imaginário. O espaço da

ficção constitui o cenário da obra, onde as personagens vivem seus atos e seus

sentimentos” (D’ONOFRIO, 1995, p. 98).

Apesar de tal relevância é raro encontrar na bibliografia especializada um

exame detalhado das manifestações espaciais na ficcção. Tal fato condiciona que a

teoria do espaço na narratologia seja bastante esparsa, constituída basicamente por

artigos e por reflexões episódicas nas obras de maior envergadura. Mesmo em

teóricos consagrados na análise estrutural da narrativa como Todorov (cf. 1982,

1996, 2003, 2006), Genette (cf. 1969, 1972a, 1972b, 1998, 2000) e Barthes (cf.

1968, 1972, 1991), o aspecto espacial é parcamente tratado, o que exige do analista

a necessidade de impor uma organização que permita sistematizar uma teoria de

fontes tão desconectas.

Neste particular, a Narratologie des Raumes [Narratologia do espaço] de

Katrin Dennerlein (2009) demonstra-se uma importante ferramenta para ultrapassar

o obstáculo trazido pela falta de concentração bibliográfica. A obra recenseia a maior

parte da produção de caráter crítico-literário acerca do espaço produzida durante

todo o século XX e início do XXI. A partir do estado da questão apresentado por esta

obra, torna-se mais simples entender as linhas de pensamento que foram

desenvolvidas historicamente na análise do espaço na literatura.

Conforme ressalta Dennerlein (2009), o aspecto espacial desde sempre foi

um traço que chamou a atenção do público leitor, que se focava na capacidade que

o texto literário tem de aguçar através da imaginação a recriação dos elementos

imagéticos que compõem as tramas ficcionais. Assim, o exercício de imaginar a

Ítaca de Ulisses na Odisseia (2007), o Inferno de Dante na Divina Comédia (2003)

ou a Casa Verde d’O Alienista (2003) de Machado de Assis era uma das partes mais

lúdicas e instigantes da leitura literária.

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Tratando especificamente da leitura do espaço ficcional pela crítica, observa-

se que desde o começo do século XVIII os estudiosos tiveram uma forte inclinação

em estabelecer qual a relação existente entre os espaços ficcionais e os espaços

concretos que lhe serviriam de modelo. Tal investigação se propunha,

principalmente, em reconstituir as paisagens históricas que se encontrariam

decalcadas nas narrativas literárias, por exemplo: se procurava resgatar a Grécia do

Período Micênico através da Odisseia e da Ilíada, a Europa do século XVIII por meio

das obras de Hugo, Dumas ou Schiller e assim por diante. Havia o entendimento da

obra literária como um documento, o que refletia numa análise historicista das

narrativas, mesmo as ficcionais. O historicismo e o cientificismo que dominava a

crítica literária novecentista assumiu a premissa de que o espaço, tanto concreto

quanto narrativo deveria ser entendido através das premissas da Geografia, que

ganhara neste mesmo século o status de disciplina científica a tratar da descrição

dos lugares.

É evidente, no entanto, que a própria estética literária da época concorria para

tais procedimentos descritivos: a literatura romântico-realista rompeu com um

paradigma de centrar suas tramas em locais imaginários (Tróia, a Jerusalém

medieval, a Ilha dos Prazeres etc.) e passaram a ocupar ambientes conhecidos e

concretos, em especial, as grandes cidades europeias modernas, que acumulavam

os centros intelectuais e artísticos do Ocidente. Assim, os romances alemães

adotam Berlim; os ingleses, Londres, e assim por diante; tornando o espaço fictício

uma tentativa de representação do espaço concreto.

Este movimento é perceptível, inclusive na Literatura Brasileira. Em romances

urbanos como os de Machado de Assis e José de Alencar existe uma configuração

espacial que traz para a Literatura muitos elementos descritivos do concreto, a

começar pelo emprego do nome de lugares reais como o Passo Imperial, a rua do

ouvidor, pela descrição dos prédios, fachadas, ruas.

A partir deste momento começa uma substancial migração dos conceitos da

geografia física e matérias relacionadas com esta (cartografia, topologia etc.), que se

cristalizaram como parte do jargão da análise literária. Isso ocorreu com tal

naturalidade ao ponto de não sentir-se estranhamento em termos como “espaço

geográfico na narrativa” ou “topologia narratológica”. Alguns destes termos

passaram a nomear linhas de estudo razoavelmente autônomas dentro da crítica

literária, como a “cartografia literária”, contando inclusive com uma tradição à parte

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na bibliografia dos estudos espaciais da literatura. Cristalizou-se desta maneira o

primeiro modelo de descrição do espaço ficcional, o modelo concretista.

1.2.1 O Modelo Concretista

O estudo sistemático do espaço ficcional foi iniciado ainda no século XVIII e

ganhou corpo na primeira metade século XIX, época em que predominava um

discurso de tempo e espaço guiado pelo ideal teleológico da objetividade, unidade e

universalidade (influenciado pela tradição hegeliana). Neste contexto, havia a

assunção de que as artes em geral, eram uma tentativa de representação dos

objetos concretos. E entendia-se representação como uma tentativa de aproximação

da realidade, uma imitação de caráter estético, mas, ainda arraigada ao modelo que

servia de inspiração ao artista. O estético residia, segundo o pensamento da época,

principalmente no seu aspecto não instrumental, conforme se dizia “a arte é um fim

sem fim”, ou seja, um objetivo sem propósito definido ou nas palavras de Kant

(2010) na Crítica do Juízo:

A intenção proposital pode ser vista por meio da relação variada com um determinado objetivo, ou através de um conceito. Isso evidencia o seguinte: que o Belo, é avaliado por um mero propósito de forma, isto é, um objetivo sem propósito, que é integralmente independente de uma relação com o Bom, deste modo há uma intenção proposital, isto é, a intenção de um determinado propósito se dá (KANT, 2010, p. 142)3.

.

Fica evidente que a estética novecentista ainda cria na relação dos objetos

estéticos com algo para além destes, a realidade concreta; a arte, portanto não era

um domínio autossuficiente. No caso da literatura, esse fenômeno se repetia: a partir

do romantismo, os elementos das narrativas são importados da realidade próxima

dos escritores: seus personagens, temas e intrigas têm como fontes o cotidiano e as

questões culturais daquele momento. Isso é especialmente claro no que trata o

espaço ficcional, a partir da consolidação do romance como forma dominante

3 Tradução livre, do original: Die objektive Zweckmäßigkeit kann nur vermittelst der Beziehung des

Mannigfaltigen auf einen bestimmte Zweck, also nur durch einen Begriff erkannt werden. Hieraus allein schon erhellet: daß das Schöne, dessen Beurteilung eine bloß formale Zweckmäßigkeit, d.i. eine Zweckmäßigkeit ohne Zweck, zum Grunde hat, von der Vorstellung des Guten ganz unabhängig sei, weil das letztere eine objektive Zweckmäßigkeit, d.i. die Beziehung des Gegenstandes auf einen bestimmten Zweck, voraussetzt.

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narrativa, os ambientes narrativos começaram a adentrar as grandes cidades, se

desviando dos lugares comuns representados até o Classicismo. As personagens se

movimentavam por um mundo cujos nomes e linguagens eram assemelhados ao do

público leitor. Isto é falava-se não de pátrias legendários ou passados imemoriais,

mas de atuais subúrbios parisienses ou praças londrinas.

O limite entre o real e o ficcional era tênue, e não era difícil encontrar críticos

que censurassem obras que não escapassem a este paradigma de representar o

ficcional segundo as demandas que o mundo real exigia. Tratava-se o espaço

presente na literatura tal qual uma tentativa de decalque dos locais concretos, daí o

forte descritivismo presente na prosa romântico-realista, que acaba dando ao

espaço ficcional uma forte aparência de realidade.

Dentro deste raciocínio surge o modelo concretista do espaço ficcional, que

procurar investigar o espaço nas obras literárias na medida de sua aproximação com

suas referências concretas. O modelo concretista admite as seguintes

características para o espaço consoante Dennerlein (2009):

(a) Objetividade e reificação

“O espaço é concebido como uma realidade independe de um observador.

Ele é tratado como um objeto cuja existência, lhe determina univocamente.

‘Espacial’ é um conceito que opõe à ‘social” (DENNERLEIN, 2009, p 58) 4.

A espacialidade é um elemento objetificado e autossuficiente, sua existência

se limita aos caracteres imediatamente percebidos, não sendo possíveis flutuações

interpretativas significativas entre observadores distintos. O espaço é neutro, e,

portanto, não está sujeito a alterações provenientes da percepção subjetiva.

(b) Possibilidade de categorização e diferenciação

“O espaço, bem como o tempo, é uma categoria fundamental de classificação

e distinção. Qualquer identificação exige um tempo e um espaço. Baseado nesta

4 Tradução livre, do original: Objektivität und Objekthaftigkeit: Dem ‚Raum‘ wird eine

beobachterunabhängige Seinsweise zugesprochen. Er wird als Gegenstand behandelt, dessen Existenzart es ‚richtig‘ zu bestimmen gilt. ‚Raum‘ ist ein oppositioneller Begriff zum ‚Gesellschaftlichen‘.

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diferenciação são identificados categorialmente. Dentro de localizações espaciais

como esquematizações para objetos associados (pessoas, cultura, artefatos) tais

qualidades: divisibilidade, distinção servem de bases para fronteiras nítidas (cada

homem, cada edifício, cada cultura está em um nível de localização, como em uma

categoria)” (DENNERLEIN, 2009, p 58) 5.

Toda percepção espacial liga-se à oposição com mais de uma espacialidade.

É por meio da diferenciação (certo espaço é o que outro não é) que somos capazes

de reconhecer o espaço no qual nos encontramos. Em suplemento a esta atividade

cognitiva, o espaço também é compreendido por meio de categorias como: medida e

extensão, que permitem separar o espaço em unidades menores.

(c) Separação e aditividade

“O espaço é algo que se distingue por ser segmentado em unidades que não

se sobreponham, e sua extensão integral é uma totalidade ilimitada. O espaço do

mundo (território) é a soma suas partes discretas, lotes delimitados” (DENNERLEIN,

2009, p 58) 6.

O espaço é limitado pela nossa percepção, deste modo, é possível

estabelecer fronteiras que facilitem a sua compreensão. O espaço total de uma

extensão é uma soma das suas partes limitadas, assim, por meio de um exercício de

abstração somos capazes de imaginar áreas não imediatamente visíveis, como os

continentes.

(d) Descontinuidade, Distinção, Continuidade/Homogeneidade

“Numa dimensão espacial, as unidades discretas são descontínuas em

termos de uma diferenciação (‘é distinto’). Dentro de categorias de semelhança,

5 Tradução livre, do original: Kategorialität und Disparatheit: Der Raum ist – neben der Zeit – eine

grundlegende Kategorie der Einordnung bzw. Zuordnung. Jegliches hat seine Zeit und seinen Ort. Auf dieser Basis werden Ungleichheiten kategoriell erfasst. Indem Raumausschnitte als Projektionsflächen für Sachverhalte dienen, bekommen auch die eingeordneten Gegenstände (Menschen, Kultur, Artefakte etc.) die gleichen Qualitäten: Teilbarkeit, Unterscheidbarkeit auf der Grundlage trennscharfer Grenzen (jederMensch, jedes Bauwerk, jede Kultur gehört auf einer Ebene genau einer Kategorie an). 6 Tradução livre, do original: Diskretheit und Additivität: Raum ist etwas, das sich abgrenzen und in

Einheiten zerlegen lässt, die sich nicht überschneiden und in ihrer Summe eine endliche Ganzheit ergeben. Die räumliche (territoriale) Welt ist die Summe ihrer diskret begrenzten Raumausschnitte.

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conexão, uma uniformidade (homogeneidade) é assumida” (DENNERLEIN, 2009, p

58) 7.

Não se deve confundir o espaço com o seu conteúdo. Numa perspectiva

concretista, o espaço é apenas o substrato onde estão as coisas, sendo diferenciado

por meio da categorização. Por si mesmo o espaço é homogêneo e contínuo.

(e) Extensão finita

“Os espaços têm um interior e exterior, estes são entendidos como unidades

discretas com uma dimensão limitada (planimétrico) ou uma expansão (espaço-

conteúdo)” (DENNERLEIN, 2009, p 58) 8.

O espaço tal qual é observado na realidade empírica é sempre atrelado a

uma limitação, em oposição a outro espaço determinado. A dimensão do espaço é

identificada na sua extensão horizontal ou vertical, daí ser entendido como

planimétrico. Entretanto duas dimensões espaciais podem ser cruzadas de modo a

expressar um conteúdo (altura X área).

(f) Estabilidade/Constância

“O espaço é, enquanto uma dimensão adicional ao dinâmico tempo,

atemporal (anacrônico) em conotação. Circunstâncias são fixadas por sua

localização, e são dadas por um caráter estático da representação do espaço”

(DENNERLEIN, 2009, p 59) 9.

Para ser apreendido enquanto uma dimensão existencial autônoma, o espaço

tem que ser isolado do tempo. Por consequência, a espacialidade é imutável dentro

de uma cronologia, e não sendo dotado da dinamicidade do movimento temporal, é

também estático.

7 Tradução livre, do original: Diskontinuität, Distinktion und Kontinuität/Homogenität: In einer

räumlichen Dimension sind die diskreten Einheiten diskontinuierlich im Sinne einer Unterschiedlichkeit (‚distinkt‘). Innerhalb der Kategorien wird von einem lückenlosen, kontinuierlichen Zusammenhang und einer Gleichartigkeit (Homogenität) ausgegangen. 8 Tradução livre, do original: Endliche Extensität: Räume haben ein Innen und ein Außen, sie werden

als begrenzte Einheiten mit einer endlichen flächenhaften (planimetrischen) Ausdehnung aufgefasst (‚Containerraum‘). 9 Tradução livre, do original: Stabilität/Konstanz: Raum ist – als Dimension neben der dynamischen

Zeit – in seiner Konnotation selbst zeitlos. Gegebenheiten sind durch ihre ‚Verortung‘ fixiert und erhalten in der räumlichen Repräsentation einen statischen Charakter.

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Percebem-se nas descrições mencionadas que as propriedades apontadas

para o espaço ficcional são simples recolocações das imagens convencionalmente

atribuídas ao espaço empírico, não se observa um refinamento ou uma adaptação

dos conceitos geográficos para aplicação nas narrativas ficcionais. Conforme se

poderá observar nos críticos literários que comungam com este modelo.

Gabriel Zoran (1984) afirma que a ficção se alicerça em duas coordenadas

básicas, o tempo e espaço, que por sua vez refletem as referências mais ou menos

decalcadas da realidade factual. No caso da narrativa ficcional, o ponto de

afastamento das experiências concretas é uma correlação, mas não uma

concomitância do espaço e do tempo. Isto é, o tempo e espaço narrativos estão

imbricados na ficção, mas tem certo grau de independência e seguem uma lógica

diferenciada daquela observável na existência empírica, admitindo regimes

particularizados de significação:

A relação entre o espaço e tempo no texto da narrativa é lacunar tanto a clareza e a simetria que possui quanto aplicada ao campo da realidade. [...] A existência de espaço é empurrado para um canto, por assim dizer. Ele não é totalmente descartado, mas também não têm um estatuto reconhecido e clara no texto. Ele pode ser entendido de várias maneiras, mas nenhuma é tão clara e inequívoca como o tempo de duração. Essa falta de simetria na relação entre espaço e tempo é evidente não só no seu status no texto, [...] No entanto, apesar da possibilidade de distinguir entre o espaço do texto e do mundo, não se pode apontar para qualquer correlação constante entre eles (Zoran, 1984, p. 310) 10.

O crítico israelita defende deste modo alguns pontos específicos que

caracterizam a ontologia do ambiente ficcional: a assimetria do espaço-tempo, a não

homologia entre as referências narrativas e empíricas e a independência dos

10

Tradução livre, do original: The relationship between space and time in the narrative text lacks both

the clarity and the symmetry it possesses when applied to the field of reality. [...] The existence of

space is pushed into a corner, so to speak. It is not altogether discarded, but neither does it have a

recognized and clear-cut status within the text. It can be understood in various ways, but none is as

clear and unambiguous as the term time. This lack of symmetry in the relationship between space and

time is evident not only in their status in the text, [...] Nevertheless, despite the possibility of

distinguishing between the space of the text and that of the world, one cannot point to any constant

correlation between them.

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Page 13: Prolegômenos a uma nova teoria do espaço ficcional

13

conteúdos espaço-temporais do mundo concreto e dos mundos possíveis ficcionais.

Na mesma menção, Zoran ressalta a ambiguidade que o espaço ficcional apresenta,

pois diferente do tempo que possui uma realidade abstrata plenamente assimilável

pela linguagem no texto literário, o espaço sempre se apresenta uma contradictio in

adjecto uma vez que este se caracteriza por ser um dado material e sensível da

realidade e a linguagem não teria como representar tal materialidade. Para

descrever como a narrativa ultrapassa tal limite, Zoran explica que a linguagem

procurar fazer o máximo de aproximações com o real resultando num processo de

espelhismo verbal:

Espaço como aparece na narrativa é um padrão muito complexo, e apenas uma pequena parte de sua existência no texto baseia-se na descrição direta. Na verdade, é uma combinação de vários tipos e níveis de reconstrução. [...] Um objeto espacial é caracterizado pelo seu ser completo, pleno, e existindo simultaneamente. Na tentativa de dar expressão verbal com a estrutura de tal objeto, o objeto deve primeiro perder alguma da sua “integridade”, já que é impossível dar uma expressão idêntica a todas as suas partes e aspectos: alguns deles podem ser descritos explicitamente , alguns deles implicitamente, e alguns evitados completamente. [...] Em qualquer caso, os aspectos espaciais são cortado s, por assim dizer, a partir de seu contexto espacial e simultâneo, e estão dispostos ao longo de uma linha temporal (ZORAN, 1984, p. 313)11.

Deste modo, Zoran estabelece que a existência do espaço na narrativa

ficcional se dá através de uma série de níveis descritivos que procuram diminuir os

impedimentos da linguagem em representar a “totalidade” que caracteriza os objetos

espaciais. A narrativa literária apresentaria o espaço empírico por meio de

descrições com mais ou menos detalhes, segundo a necessidade do narrador.

Numa forma de esquemática:

11 Tradução livre, do original: Space as it appears in the narrative is a very complex pattern, and only

a small part of its existence in the text is based on direct description. It is actually a combination of various kinds and levels of reconstruction. [...] A spatial object is characterized by its being complete, full, and existing simultaneously. In the attempt to give verbal expression to the structure of such an object, the object must first lose some of its "completeness," since it is impossible to give an identical expression to all its parts and aspects: some of them may be described explicitly, some of them implicitly, and some bypassed altogether. [...] In any case, the spatial aspects are cut off, so to speak, from their spatial and simultaneous context, and are arranged along a temporal line.

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14

Figura 01: esquema das aproximações entre referências linguísticas e

empíricas (ZORAN, 1984, p.315) 12

No esquema se destaca o papel do tempo como diretor da espacialidade, a

representação espacial só existe no modelo de Zoran na medida da sua localização

temporal. Assim, o espaço isolado seria apenas uma série de recortes imprecisos,

flashes do espaço empírico. Na representação esquemática isso se materializa

através da pequena área da figura do espaço, que ganha volume na medida do

tempo, reiterando a contiguidade do aspecto espacial na narrativa.

A partir destas pressuposições metodológicas, Zoran define que a

representação narratológica do espaço se dá em três níveis: (a) o nível topológico, o

espaço como uma entidade estática (no diagrama, expresso pela figura menor no

cubo), (b) o nível cronotópico, o espaço presente nas ações diegéticas, (projeção

semi cilíndrica no cubo) e (c) o nível textual, o espaço significado pela linguagem.

Estes níveis se inter-relacionam na estrutura narrativa para resgatar as suas

referências empíricas:

Estes níveis todos pertencem ao mundo reconstituído, e podem ser considerados como três níveis de reconstrução. O nível mais imediato de reconstrução é a textual, em que o mundo ainda mantém vários dos padrões estruturantes do texto. No nível cronotópico, o mundo já reconstruído é independente do arranjo verbal do texto, mas é ainda dependente do enredo. Finalmente, no nível mais alto de reconstrução, o topográfico, o mundo é percebido como existindo por si, com sua própria estrutura "natural", recortado inteiramente a

12

Tradução livre: Contínuo verbal, contínuo dos eventos no tempo, espaço-tempo, espaço.

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15

partir de qualquer estrutura imposta pelo texto verbal e ao enredo (ZORAN, 1984, p. 315) 13.

O teórico israelita estabelece uma hierarquia que permite compreender de

que modo a narrativa se apropria da língua para constituir o seu efeito imagético. De

outro lado identifica os modos de apresentação do espaço no texto: (a) lugares,

ambientes caracterizados pela condição de ponto, plano, volume ou espacialidades

contínuas, cujas fontes são as extensões delimitadas na realidade objetiva. Nesta

categoria estariam as casas, cidades, ruas, campos e montanhas presentes como

cenários das ficções; (b) zona de ação, ambientes onde notadamente se desenrolam

as ações narrativas, não são espacialidades definidas, mas, o terreno onde jazem

quaisquer diegeses, no caso de uma ligação telefônica entre dois personagens a

zona de ação é a superposição dos lugares onde estão, que são por sua vez

fundidos num só espaço abstrato; (c) campo de visão, este ambiente bem como o

anterior é igualmente indefinido, e parte de uma condição particular da percepção

humana de opor o espaço visível como “aqui” e o espaço já visto ou ainda a se ver

como “ali” e “lá”, esta condição sensorial leva que cada personagem tenha uma

contrução espacial demarcada pelo momento imediato ou lembrado em que

visualiza certa espacialidade, cada uma destes flashes espaciais é um campo de

visão.

A apreciação do modelo espacial de Zoran demonstra que este assume a

espacialidade textual enquanto um signo estável. A composição de suas categorias

analíticas permite uma classificação orientada por critérios imediatistas como a

segmentação e a diferenciação. Apesar de lidar com os níveis de representação

referencial se limita a elaborar uma descrição que define o que um recorte textual

descritivo é, mas não demonstra uma preocupação em tratar a narrativa e seu

13 Tradução livre, do original: These levels all belong to the reconstructed world, and can be

regarded as three levels of reconstruction. The most immediate level of reconstruction is the textual

one, in which the world still retains several of the structuring patterns of the text. In the chronotopic

level, the reconstructed world is already independent of the verbal arrangement of the text, but is still

dependent on the plot. Finally, on the highest level of reconstruction, the topographic one, the world is

perceived as existing for itself, with its own "natural" structure, cut off entirely from any structure

imposed by the verbal text and the plot.

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aspecto espacial como uma totalidade significativa. O autor mantém uma correlação

imediata entre o espaço empírico e a espacialidade narrativa, ressaltando-se como

máxima a limitação da representação linguística do espaço frente a sua referência

concreta. Além disto, no modelo de análise não se distingue com clareza as

particularidades da narração literária e narrativa em geral, o que acaba criando uma

análise que não se atém às possíveis flutuações históricas da representação

espacial através de estéticas literárias diferenciadas.

A proposta de análise de Zoran direciona para uma formalização da

espacialidade narrativa, os elementos espaciais que se encontram plasmados no

texto literário, seja em nível verbal (substantivos concretos de natureza imagética)

ou em nível diegético (cenários, ambientes da ação narrativa), seriam

autoexplicativos e o objeto do crítico seria o levantamento destes e sua posterior

categorização.

Este mesmo procedimento é empregado em Dimensions of semiotic space in

narrative de Lawrence O’toole (1980), no ensaio o estudioso norte-americano se

apropria do modelo semiótico de matriz franco-soviética para propor uma

sistematização do espaço narrativo através de oposições binárias e de modelos

abstratos. Conforme este afirma:

A observação e interpretação das relações espaciais em textos narrativos é um relevante tema recorrente na semiótica recente. Oposições binárias, tais como alto / baixo, perto / longe, fechado / aberto têm sido interpretados como realizações textuais sistemáticas de categorias fundamentais da mítica [...], de códigos morais ou culturais [...], e em termos de oposições psicanalíticas [...], outros, têm tentado relacionar oposições espaciais na narrativa literária à dinâmica da trama e ponto de vista ou a delimitação de caráter. [...]. A oposição puramente binária, no entanto, ao mesmo tempo, nos oferta propostas diretas e valiosas sobre relações indiciais em uma narrativa [...], pode borrar a nossa percepção de outros aspectos do espaço semiótico, por exemplo, na medida em que ele pode não ter correlações espaciais de todo, e a extensão em que as suas dimensões são mensuráveis, ou seja, percebidas em nossa leitura consistindo estas mesmas de relações graduadas (O’TOOLE, 1980, p. 135) 14.

14

Tradução livre, do original: The observation and interpretation of spatial relationships in narrative texts is a significant recurrent theme in recent semiotics. Binary oppositions such as high/low, near/far, enclosed/open have been interpreted as systematic textual realizations of fundamental categories of mythic [...], of moral or cultural codes [...], and in terms of psycho-analytic oppositions [...] , among others, have attempted to relate spatial oppositions in literary narrative to the dynamics of plot and point of view or the delineation of character. [...]. A purely binary opposition, however, while giving us direct and valuable insights into indicial relations in a narrative [...], may blur our perception of other aspects of semiotic space, for example, the extent to which it may have no spatial correlates at all,

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17

Continuando em sua exposição, O’Toole (1980) ressalta que todos os

elementos espaciais de certo texto ficcional poderiam ser formalizados na forma de

signos algébricos. O crítico poderia escolher numa narração os elementos cênicos

que lhe comporiam e lhe atribuiria, por exemplo, uma letra, assim, A para uma

árvore, B para uma montanha, e assim por diante. Depois de inventariar as

espacialidades, se ajuntariam as demais narrativas de uma obra e se observariam

como as séries espaciais sofreriam alternâncias, continuidades ou omissões.

Conforme um esquema oferecido pelo próprio teórico norte-americano para a

narrativa bíblica (Gn 37-50) de José, filho de Jacó:

L 3 {Todo Egito ... Canaã ... Mesopotâmia} L 2 {fazenda de Jacob ... deserto ... estrada para Canaã ... Gochen} L + 1 {palácio do rei ... acampamento do irmão} L {aposentos privados do rei, de Potifar, José, Jacó} L-1 {aposentos do rei, quarto de Potifar, câmara de conselho, parede, câmara, sala privada de J[osé], o quarto de J[osé]} L-2 {cama x 4, saco de milho} L-3 {copo, bolsa de dinheiro} (O’TOOLE, 1980, p. 139) 15.

Tendo como ponto de partida a citada narrativa do Gênesis, Otoole aplica o

seu modelo e faz um inventário de todos os ambientes presentes na trama e os

organiza numa série de níveis, de acordo com a sua extensão. De modo que nos

mesmos encontram-se respectivamente: os territórios, os locais, as construções, os

cômodos e os objetos. O’Toole elabora o mesmo procedimento com a diegese e as

dimensões da história de José e faz um cruzamento entre essas formalizações, que

teria como resultado uma matriz como esta na qual o autor aponta a formalização de

um jardim fictício:

and the extent to which its dimensions are measurable, i.e., perceived in our reading as themselves consisting of graded relationships. 15

Tradução livre: L+3 All Egypt... Canaan ... Mesopotamia} L +2 {Jacob's farm... wilderness... road to Canaan ... Goshen} L + 1 {King’s palace... brother's camp} L {private quarters of king, Potiphar, Joseph, Jacob} L- 1 {king's bedroom, Potiphar's bedroom, council chamber, well, cell, J's private room, J's bedroom} L-2 {bed x 4, sack for corn} L-3 {cup, money bag}

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18

Figura 02- Formalização da espacialidade de um jardim (O’TOOLE, 1980, p.

141)16

O crítico defende que o cruzamento destas tabelas de dados disponibilizaria

para análise das narrativas um grau de elevada precisão e permitiria uma análise

global dos planos cronotópicos e diegéticos em sua simultaneidade. Pois, ao

esquematizar-se cada uma das dimensões na forma de linhas, o polígono que lhes

sintetiza oferta uma representação tridimensional que caracterizaria a sua totalidade

significativa. Segundo O’Toole cada um dos vértices da figura manifestaria uma

percepção particular da diegese, dando conta dos múltiplos pontos de vista

possíveis numa narrativa.

Figura 03- O cruzamento entre as dimensões narrativas da diegese

(O’TOOLE, 1984, p. 142)17

As propostas de O’Toole seguem pressupostos assemelhados aos de Zoran

(1984), o espaço é tratado como um elemento cuja análise se fundamenta na

segmentação e classificação de unidades discretas. Preserva-se a ligação do exame

espaço-temporal como exigência compulsória e uma focalização no tempo como

16

Tradução livre: A1-6- as diversas áreas do jardim, RR- rosas vermelhas, YR- rosas amarelas, H- ervas, SH- arbustos, F- árvores frutíferas, C- pinheiros, D- árvores temperadas, L- gramados, AN- vegetações sazonais, V- legumes. 17

Tradução livre: A- diegese, B- espaço, C- cronótopo (espaço X tempo), D- tempo.

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19

dimensão mestra da ontologia ficcional. O que mais chama a atenção em sua

proposição é a assunção da topologia, disciplina originalmente matemática, como

instrumento da análise do espaço ficcional:

O ramo da matemática conhecido como topologia pode nos ajudar a mapear e medir essas relações sistemáticas complexas [de tempo, espaço e diegese], de modo a ter em conta todos os tipos de espaço semiótico, para evitar o excesso de simplificação da simples combinação de oposições binárias, e para dar um significado real para a noção de uma obra de arte como um signo semiótico complexo, integrante de uma rede de relações semióticas (O’TOOLE, 1980, p. 136) 18.

Uma das consequências mais naturais do método concretista, além das já

citadas categorização, objetificação, simplificação, anacronismo e automatização de

significados imediatos, é o emprego de metodologias exógenas à hermenêutica

literária. Tais instrumentos analíticos geralmente têm sua origem nas ciências

exatas, que investigam o espaço empírico em sua medida geométrico-formal

(topologia dos espaços métricos) e físico-geográfica (topologia física ou cartografia).

A entrada destas modalidades de estudo, se justificaria para oferecer interpretações

mais “precisas” e “inovadoras” das obras literárias, como ressalta O’Toole (1980):

[...] os procedimentos oferecidos para análise e síntese poética pela topologia estão longe de ser "reducionistas", como tantos modelos importados para a lingüística e a poética das chamadas ciências "duras" tendem a provar. Pelo contrário, eles são extremamente flexíveis, tão delicados e precisos quanto qualquer peça particular de análise, e tem uma elegância estética que tanto corresponde à estrutura de nossas próprias intuições sobre a obra de arte e oferecem mais novas e ricas intuições nas leituras subsequentes. Topologia pode até mesmo oferecer-nos alguma interpretação do papel da arte na sociedade e nas nossas vidas individuais (O’TOOLE, 1980, p. 136) 19.

18

Tradução livre, do original: The branch of mathematics known as topology may help us in mapping and measuring these complex systematic relations so as to take account of all kinds of semiotic space, to avoid the over-simplification of merely matching binary oppositions, and to give some real meaning to the notion of a work of art as a complex but integral semiotic sign made up of a network of semiotic relations. 19

Tradução livre, do original: [...] the procedures offered to poetic analysis and synthesis by topology are far from "reductionist" in the way so many models imported into linguistics and poetics from the so-called "hard" sciences tend to prove. On the contrary, they are extremely flexible, as delicate and precise as any particular piece of analysis requires, and have an aesthetic elegance which both matches the structure of our own intuitions about the work of art and prompts new and richer intuitions in subsequent readings. Topology may even offer us some interpretation of the role of art, both in society and in our individual lives.

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Nas palavras do teórico norte americano identifica-se uma defesa prévia de

possíveis críticas relacionadas ao reducionismo que análise formal poderia trazer

para a interpretação literária. Questionando tal suspeita, O’Toole argumenta que,

pelo contrário do que se poderia pensar à primeira vista, a topologia estatística de

dados espaciais poderia captar detalhes sutis da estrutura visual dos textos

literários. Entretanto, nas análises oferecidas pelo estudioso não fica claro quais

seriam estas novidades interpretativas trazidas pelo modelo matemático, uma vez

que a sua proposta se limita a tornar mais precisos os dados da espacialidade com o

emprego de níveis e categorias, mas não há um entendimento do papel do espaço

na construção do significado da obra enquanto uma totalidade. Além disto, ao tentar

estabelecer a relação entre os componentes da narrativa, isto se realiza de modo

deficitário, uma vez que o método de matriz não explica o que representam as

variações e constâncias, apenas as identificando. Tal lacuna metodológica

determina limite em tal teoria, que serviria somente para inventariar as

espacialidades sem entendê-las como elementos significativos desta.

Apesar das limitações da análise oferecida por O’Toole (1984), a sua leitura é

relevante para constatar a existência de um paradigma recorrente na análise do

espaço narrativo, o uso do que se costumou denominar topologia. O termo topologia

é originário da geografia e reporta-se ao estudo, descrição e mapeamento dos

acidentes topográficos da superfície da Terra, isto é das montanhas, planícies, etc. A

topologia física trata do espaço natural e horizontal, e por analogia, dos espaços em

geral na sua neutralidade, sem as intervenções do homem sobre este.

A topologia adentra na crítica literária moderna, como a “ciência que estuda o

espaço” e, consequentemente como a “análise do espaço” (topo-análise) por reflexo

da sua etimologia20. Entretanto, o sentido da palavra na bibliografia criticista não é

único, por exemplo: Curtius (1996 [1ª ed. 1957]) foi quem consolidou seu uso na

obra, Literatura europeia e idade média latina, cujo método foi denominado

topológico ou topologia (toposgemeinschaft). O pensador alemão, diferente do

outros autores citados, entende a topologia na medida da tópica, figura da retórica

clássica entendida como:

20 Do grego: πος, topos- “lugar, espaço, ambiente”; e γος, ογ α, logos, logia- “discurso acerca de

algo, ciência, estudo”.

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[...] um ‘pensamento infinito (na sua forma infinita, formulado ou não formulado), pensamento esse que, num determinado círculo cultural, por formação escolar e tradição literária, ou pelos efeitos de instâncias educacionais análogas, se tornou propriedade tradicional comum (LAUSBERG, 1972, p. 110).

Conforme se observa na releitura de Heinrich Lausberg (1972), Curtius

emprega o conceito de topos não na medida do lugar enquanto uma espacialidade,

e sim como uma metáfora, “os locais comuns” (loci comunes) da produção literária,

isto é, os temas, fórmulas e estruturas desenvolvidas em determinada tradição

estética. O que não exclui certos tipos de espacialidades narrativas, como o locus

amoenus, o Elísio, o Paraíso, o Olimpo, etc. Todavia, deve-se entender que Curtius

assume o espaço como todos os ambientes da representação da literatura, no seu

modelo surgem topos não espaciais: a Idade do Ouro (tópica temporal), o amor

impossível (tópica temática), o elogio (tópica retórica), o salvador (tópica diegética

de personagem).

Além da proposta de Ernst Robert Curtius existe a compreensão da topologia

literária como um reflexo da topologia física. Este modo de entendimento do espaço

narrativo, apesar de ser bastante presente na bibliografia, inclusive em autores já

mencionados ao início deste, não apresenta um método definido. A topologia como

é apresentada em O’Toole (1980), Zoran (1984), Loriggio (1990), Szegedy-Maszák

(1990) e D’Onofrio (2001), trata-se do levantamento das ocorrências espaciais numa

determinada narrativa, sendo classificadas segundo critérios absorvidos da análise

do espaço geográfico, principalmente pela extensão das referências empíricas que

lhe serviriam de base.

Complementando a abordagem concretista, a topologia relaciona-se com a

representação gráfica dos espaços ficcionais, isto é ao seu mapeamento. A

chamada cartografia literária é uma matéria que apresenta razoável tradição nos

estudos literários, e se propõe a construir mapas das espacialidades presentes nas

narrativas ficcionais, conforme descreve Dennerlein (2009):

A tradição dos atlas literários aparece com o primeiro em 1907, ora pontuais, globais ou contextuais espacialmente falando, isso demonstra uma impressionante marca (Nagel, 1907): O atualmente muito popular Atlas da Literatura de Bradbury está divido entre épocas e lugares (Bradbury, 1996). No capítulo seis “O Mundo Moderno”, há subcapítulos para Viena, Praga, Dublin, Paris e Berlim. Residências, locais de trabalho e pontos de encontro de escritores,

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seus locais de escrita são apresentados em mapas. O Dicionário de Locais Imaginários, entretanto, apenas são lugares mencionados listados que não têm um sentido secular equivalente e neste sentido são imaginários (Maguel/Guadalupi, 2000) (DENNERLEIN, 2009, p. 01) 21.

O panorama bibliográfico da cartografia literária admite uma variedade de

temas, desde a própria elaboração de mapas “ficcionais” baseados em cartas

geográficas empíricas até a construção de modelos visuais (fotografias, gravuras)

dos cenários das narrativas. Entretanto, o seu uso mais comum é o primeiro citado,

a geografia literária, como preferem alguns autores, tem como meta principal:

Um atlas do romance. Por trás dessas palavras, encontra-se uma ideia muito simples: que a geografia não é um recipiente inerte, não é uma caixa onde a história cultural "acontece", mas uma força ativa, que permeia o campo literário e molda-lo em profundidade. Fazendo a ligação explícita entre geografia e literatura, então - mapeá-lo: porque um mapa é exatamente isso, uma conexão visível nos permitirá ver algumas relações significativas que até agora nos escaparam (MORETTI, 1998, p. 03) 22.

Franco Moretti (1998) nesta menção vai ao encontro de O’Toole (1980), o

crítico italiano como o americano, defende o emprego de métodos formais na análise

do espaço ficcional, e explica que o mapeamento se faria necessário para fazer

literalmente uma “conexão visível”, capaz de ser vista, entre os conteúdos

imagéticos expressos pela linguagem no texto e os leitores ou críticos, coisa que só

poderia se levada a cabo, no caso da espacialidade, por meio de um modelo gráfico-

visual, isto é, por um mapa.

A cartografia literária, diferente da topologia, possui um método mais

sistemático, em consonância com a cartografia geográfica. A maior distinção de uma

21 Tradução livre, do original: Die Tradition der Literaturatlanten, deren erster bereits 1907 erschien

und auf dendeutschen Sprachraum beschränkt ist, zeigt dies auf eindrückliche Weise (Nagel 1907): Der zur Zeit recht populäre Atlas of Literature von Bradbury ist nach Epochen gegliedert und dort nach Schauplätzen (Bradbury 1996). In Kapitel sechs „The Modern World“ gibt es Unterkapitel zu Wien, Prag, Dublin, Paris, Bloomsbury und Berlin. Wohnorte, Wirkungsstätten und Treffpunkte von Schriftstellern sowie auch die Schauplätze ihrer Texte werden auf Karten abgebildet. Im Dictionary of Imaginary Places werden hingegen nur solche Schauplätze aufgezählt, die kein realweltliches Äquivalent haben und die in diesem Sinne imaginär sind (Manguel/Guadalupi 2000).

22

Tradução livre, do original: An atlas of the novel. Behind these words, lies a very simple idea: that geography is not an inert container, is not a box where cultural history 'happens', but an active force, that pervades the literary field and shapes it in depth. Making the connection between geography and literature explicit, then - mapping it: because a map is precisely that, a connection made visible- will allow us to see some significant relationships that have so far escaped us.

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para outra são as fontes, enquanto a geográfica lida com dados empíricos e

estáveis, a literária, parte de cartas já produzidas pela geografia e aplica as

informações presentes nas narrativas (desde os nomes de lugares até metragens de

percursos feitos por personagens) para gerar pontos aproximativos daquilo que é

citado com o espaço concreto. O resultado são plantas baixas que mapeiam o

campo de ação, as localidades ou os ambientes específicos de uma ou mais

narrativas. As cartas podem ser mais ou menos amplas de acordo com a escala

dimensional aplicada pelo analista, conforme se observa nos seguintes exemplos.

Figura 04- Mapa do espaço territorial do romance picaresco espanhol do

século XVI e XVII (MORETTI, 1996, 49) 23

23 Tradução livre:

___ Romance Picaresco

___ Dom Quixote

...... O Caminho de Santiago

No mapa demonstram-se os seguintes romances.

B- Francisco de Quevedo, O traficante LT- Anônimo, O Lazarillo de Tormes DQ- Miguel de Cervantes, Dom Quixote PJ- López de Ubeda, A pícara Justina

GA- Mateo Alemán, Gusmão de Alfarache RC- Miguel de Carvantes, Riconete e

Cortadillo

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Figura 05 – Mapa da encruzilhada das três milhas, do conto Nosso vilarejo da

escritora britânica Mary Mitford (MORETTI, 2005, p. 36)

No primeiro caso, o mapa elaborado por Moretti é mais simplificado e trata de

demarcar os percursos dos personagens dos principais romances picarescos

espanhóis dos século XVI e XVII, tomando por base as cidades e vilarejos citados

neste. Para fazer um comparativo entre outras referências, o critico delineia as

locações citadas no Dom Quixote de La Mancha de Miguel de Cervantes e o

tradicional caminho de peregrinação de São Tiago de Compostela. O segundo

exemplo, é uma mapa mais detalhado (por conta da escala usada) e apresenta uma

localidade mencionada no conto Nosso vilarejo, o fato de tratar-se de um ponto de

pequena extensão, exigiu do crítico o contato com plantas mais específicas,

representando minúcias como a área do entorno, as regiões vizinhas, pontos de

referências, estradas, etc. Moretti reutiliza um mapa feito pelo historiador Thomas

Moule para o livro As cidades inglesas delineadas, cuja edição é contemporânea a

de Mary Mitford.

Dentro da cartografia literária mais recente, tem-se esforçado para criar

metodologias precisas para a geração de mapas literários cada vez mais

sofisticados. A produção passa pela topologia na seleção e categorização dos dados

textuais e pelo uso de programas de computador que produzem cartas com

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interfaces visuais (cores, gráficos e códigos) padronizadas. De modo geral, as

modificações são de caráter gráfico, as cartas resultantes deste processo são

mapas mais detalhados e permitem a interação com os usuários, uma vez que são

digitais e disponíveis pela rede mundial de computadores.

Entretanto, no que trata do aspecto teórico, isto é, em que tal apuramento

gráfico contribui para o entendimento das obras literárias e das espacialidades

contidas nestas; isto continua a ser dúbio. O que leva certos autores como William

Benzon (2011) a considerem este tipo de modelo cartográfico exterior a crítica

literária, um elemento paraliterário (cf. GENETTE, 1997).

Estabelecendo um comparativo entre a topologia e cartografia literárias,

observa-se que o seu escopo teórico é similar: reunir os elementos textuais

referentes à espacialidade, classificar tais elementos em categorias decalcadas do

espaço empírico e apresentá-los em modelos abstratos, sejam esquemáticos

(tabelas, figuras e gráficos) ou visuais (mapas ou figuras). Em ambos os casos, o

espaço é encarado de modo imediatista e isolado, ou sem autonomia. Nas

propostas não se identifica uma atenção ao conteúdo significativo da espacialidade,

nem de sua correlação para formação do discurso global da narrativa. As categorias

analíticas produzidas nesta perspectiva servem mais à identificação e classificação

de elementos pontuais das narrativas e contribuem parcamente para o entendimento

de como estes se particularizam de obra para obra, ou como a espacialidade se

modificou através das diferentes estéticas na história.

1.2.2 Modelo Psicológico

O modelo psicológico do espaço surge a partir da influência d’A Póetica do

Espaço (1978) do filósofo francês Gaston Bachelard. Esta obra é bastante relevante

por ter sido uma das primeiras a tratar com profundidade do espaço, rompendo com

um longo hiato da história da filosofia no que tange o reflexão sobre o espaço.

Bachelard aplica ao espaço uma análise fenomenológica, isto é, o pensador tenta

entender o espaço não partir de suas referências imediatas, mas da experiência

deste como uma existência. Em suma, não é uma investigação de caráter

metafísico, procurando determinar os pontos comuns a todas as manifestações de

espaço (essência do espaço), é sim, uma busca pela poética (no sentido grego de

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composição, feitura) da experiência particular da espacialidade. Bachelard assim

descreve o seu método:

Esta última observação define o nível da ontologia em que trabalhamos. Como tese geral, pensamos que tudo o que é especificamente humano no homem é logos. Não chegamos a meditar sobre uma região que estaria antes da linguagem. [...] Assim, a imagem poética, acontecimento do logos, é para nós inovadora. Não a tomamos mais como "objeto". Sentimos que a atitude "objetiva" do crítico sufoca a "repercussão", recusa, por princípio, a profundidade, de onde deve tomar seu ponto de partida o fenômeno poético primitivo. [...]. Admitindo uma imagem poética nova, experimentamos seu valor de intersubjetividade. Sabemos que repetiremos para comunicar nosso entusiasmo. Considerada na transmissão de uma alma para outra, vê-se que uma imagem poética escapa às pesquisas de causalidade (BACHELARD, 1978, p. 188).

O filósofo francês inverte o foco comum da investigação do espaço, partindo

do sujeito para espaço. O principal escopo de sua pesquisa é identificar de que

maneira o sujeito localiza sua identidade no espaço, isto é, como o homem cria sua

existência na relação com os espaços habitados por este em sua vida:

[...] a novidade essencial da imagem poética é colocar o problema da criatividade do ser falante. Por essa criatividade, a consciência imaginante se descobre, muito simplesmente, mas com toda a pureza, como uma origem. Todo esse valor de origem de diversas imagens poéticas é o que deve interessar, num estudo da imaginação, a uma fenomenologia da imaginação poética (BACHELARD, 1978, p. 188).

Bachelard propõe que a oposição básica do sujeito com o espaço é a

percepção do espaço feliz, “as imagens do espaço feliz. Nossas pesquisas

mereceriam, sob essa orientação, o nome de topofilia. [...] o valor humano dos

espaços de posse, espaços proibidos a forças adversas, espaços amados”

(BACHELARD, 1978, p. 196), e a sensação do espaço hostil, “os espaços de

hostilidade são apenas evocados [...]. Esses espaços do ódio e do combate não

podem ser estudados senão referindo-se a matérias ardentes, às imagens de

apocalipse” (BACHELARD, 1978, p. 197).

A partir deste jogo de lugares agradáveis (tópicos) e desagradáveis tópicos, o

pensador francês elabora mais uma categoria topofílica hiperbólica, o espaço

utópico, caracterizado pelo sonho, imaginação e desejo de realização transcendental

do homem. Diferente das outras formas de espacialidade citadas, o lugar da utopia

não se liga a qualquer materialidade objetiva, é um espaço mental, onde os limites

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impostos pela matéria são dissolvidos. Bachelard exemplifica esta última condição

espacial como o sonho e a fantasia estimulada pela ficção. O pensador francês

ressalta ainda que por ser fundamentado pela imaginação individual, o espaço

utópico é lugar, por excelência, da consciência humana.

Nos dez capítulos de sua obra, Bachelard esquematiza aqueles que seriam

os arquétipos dos espaços emotivos do homem, a saber: I- A casa. Do porão ao

sótão. O sentido da cabana, II- Casa e universo, III- A gaveta. Os cofres e os

armários, IV- O ninho, V- A concha, VI- Os cantos, VII- A miniatura, VIII- A imensidão

íntima; IX- A dialética do exterior e do interior e X- A fenomenologia do redondo. Em

cada uma destas espacialidades, o pensador descreve as particularidades usando

critérios como abertura, fechamento, extensão e contiguidade, posteriormente

aplicando as oposições topofílicas antes descritas.

Apesar de Bachelard negar a natureza psicológica ou psicanalítica de seu

trabalho, inclusive criticando em alguns pontos dizendo que “O psicanalista pode

estudar bem a natureza humana dos poetas, mas não está preparado, pelo fato de

estagiar na região passional, para estudar as imagens poéticas em sua realidade

superior” (BACHELARD, 1978, p. 193). É muito evidente a aplicação do método

arquetípico desenvolvido pelo psicanalista suíço Carl Gustav Jung no livro Os

arquétipos e o inconsciente coletivo (JUNG, 2002), tanto na seleção de

macroestruturas de significação, quanto na criação de eixos temáticos de

explicação. Além disso, concorre para o entendimento da metodologia

fenomenológica de Bachelard como psicológica, a focalização do espaço enquanto

uma dimensão afetivo-emocional criada pela percepção do sujeito em sua

individualidade.

No que trata especificamente das inovações trazidas pelo método psicológico

para a análise do espaço de maneira geral esta se circunscreve ao questionamento

que Bachelard faz ao ideal geométrico. Para o pensador francês, o espaço puro

inexiste na realidade empírica, é o ser humano em sua subjetividade que traz a

significado para este, isolado do homem, a espacialidade é vazia. O que representa

um avanço considerável à inércia modelo concretista.

No caso da crítica literária, as propostas de Bachelard foram determinantes

para ampliar o horizonte de entendimento da espacialidade ficcional, pois, o modelo

concretista de análise fixava-se na descrição de elementos visuais mais

monumentais, reflexo dos cenários dos romances históricos novecentistas. As

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tramas romanescas do século XIX, geralmente, se debruçavam em histórias que

relatavam acontecimentos históricos, que se desenrolavam nos grandes castelos,

mansões, campos de batalha ou praças públicas; o que imprimia a sua

espacialidade um foco nas grandes construções. Como o modelo crítico concretista

se desenvolveu com este tipo de ficção, outros tipos de espaços e lugares recebiam

pouca atenção dos especialistas. A Poética do Espaço inverte este paradigma ao

focar nos espaços mais íntimos da vida humana para desvendar-lhe os seus

contornos:

Inicialmente, como deve ser feito no caso de uma pesquisa sobre as imagens da intimidade, colocamos o problema da poética da casa. As perguntas são muitas: como aposentos secretos, aposentos desaparecidos se constituem em moradias para um passado inesquecível? Onde e como o repouso encontra situações privilegiadas? Como os refúgios efêmeros e os abrigos ocasionais recebem às vezes, de nossos devaneios íntimos, valores que não têm qualquer base objetiva? [...] Com a imagem da casa, temos um verdadeiro princípio de integração psicológica. Nosso inconsciente está "alojado". Nossa alma é uma morada. E quando nos lembramos das "casas", dos "aposentos", aprendemos a "morar" em nós mesmos. Vemos logo que as imagens da casa seguem nos dois sentidos: estão em nós assim como nós estamos nelas (BACHELARD, 1978, p. 196-197).

Esta proposta de entender a intimidade espacial foi assimilada pela crítica

literária com o objetivo de descrever uma estética literária surgida no início do século

XX, o nouveau roman. O nouveau roman trata-se de uma forma diferenciada de

relato romanesco, como se afirmou anteriormente, o romance clássico assumia

como tema principal o relato do drama da nação, seus sucessos e fracassos, era um

mote fortemente social, vinculado aos espaços públicos. Com o advento do nouveau

roman, as tramas romanescas começaram a abandonar alguns caracteres, que lhe

conferiam um caráter épico: há uma perda da linearidade narrativa, não existe a

necessidade de uma teleologia dos motes, o objeto da narrativa deixa de ser a

comunidade para tratar dos dramas individuais e a diegese passar a ser cada vez

mais interiorizada.

O emprego desta narrativa intimista trouxe a narrativa para espaços mais

cotidianos e comuns, espaços estes que não eram contemplados pela crítica

concretista novecentista. O modelo psicológico alargou o horizonte espacial da

crítica literária, minimizando a aparente banalidade que o espaço interior costuma

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causar à primeira vista. Nas palavras de Salvatore D’Onofrio (2001, p. 98): “O

espaço interior é o espaço subjetivo, do eu que fala, o espaço da enunciação”.

Tratando especificamente do modelo psicológico enquanto uma metodologia

crítica, observa-se que embora, este tenha trazido novidades para uma concepção

mais aberta e subjetiva do espaço, permanece o uso de classificações pré-

estabelecidas de análise (espaço tópico/atópico/utópico) e do emprego de

categorias de significação automatizada (os arquétipos espaciais). O modelo

psicológico funciona mais como um complemento da análise concretista, do que

realmente como uma proposta modificadora da visão mecanicista a qual a análise

do espaço ficcional estava atrelada; substituem-se categorias concretas por

categoria psicológicas, sem a preocupação com o conjunto e particularidade da

espacialidade de uma obra literária pra outra.

1.2.3 Modelo Gestalt-Cognitivo

A teoria gestaltista ou configuracionista é uma abordagem que procura

verificar a partir de que universais de percepção o ser humano constrói a sua noção

de ambientes externos e de realidades abstratas, como o tempo. Dentro desta

teoria, o investigador analisa os dados extraídos por certo indivíduo buscando

entender como este a partir das sensações estabelece redes de significação que

possibilitam alcançar uma consciência e conhecimento do meio em que se localiza.

Conforme esclarece Lannoy Dorin (1978, p.120):

A percepção é uma tomada de consciência das sensações e estas

são tipos simples de experiências, como já foi dito. Nas percepções

há, então, análises, associações e sínteses. Razão pela qual o

estudo da percepção requer primeiramente o conhecimento da

estrutura e funções dos órgãos de sentido e do sistema nervoso

central, porque, se entendermos que a percepção é sempre uma

interpretação pessoal de um acontecimento, temos que

entender como esse acontecimento chega aos centros nervosos

superiores. [...] Para os gestaltistas, devemos estudar os

objetos pela sua forma, dado que matéria e forma não se

dissociam num ser (DORIN, 1978, p. 120, sem grifos no

original).

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A teoria gestaltista propõe que o mundo não é percebido da mesma por todos

os indivíduos, a todo o momento suas disposições pessoais, emocionais e sociais

agem para demarcar uma impressão naquilo que o sujeito apreende do mundo.

Deste modo, é impossível existir um mundo puro e livre de interpretações, pois

mesmo, o olhar que é considerado o mais objetivo dos sentidos está sujeito à

particularização do ponto de vista.

Os gestaltistas creem na existência de uma tendência (inata ou desenvolvida)

para percebermos conjuntos e não flashes desconexos da realidade. A mente

humana, em seu sentido cognitivo, criaria sínteses através dos seguintes

mecanismos de interpretação: 1- similaridade, a tendência a perceber elementos

com formas, tamanhos ou características aparentadas; 2- proximidade- tendência

para agrupar coisas semelhantes, formando conjuntos mais complexos; 3-

continuidade, tendência que permite dar continuidade ou ordem a alguns elementos;

4- totalidade, uma tendência da mente humana para observar as figuras como um

todo, completando, inclusive as lacunas de um objeto para que este alcance uma

significação completa.

Partindo destas tendências de interpretação, a percepção do espaço poderia

ser resumida na seguinte série de oposições qualificativas:

Fig. 06 – Esquema do sistema da espacialidade (ECO, 1984, p. 41)

Conforme vemos nesta figura inspirada em Algirdas Julien Greimas (1976) se

elaboram os níveis semânticos de descrição espacial de modo a criar categorias

unificantes do espaço. Quaisquer fenômenos espaciais poderiam ser reduzidos à

soma destes traços distintivos.

O modelo gestalt-cognitivo está presente na crítica literária como uma

consequência do modelo concretista. Para não se limitar análise à simples paráfrase

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e enumeração das espacialidades contidas numa obra, alguns estudiosos

(D’ONOFRIO, 2001; MITCHELL, 1980) ressaltam o caráter sensorial (quando um

dos sentidos seria mais aguçado que outros numa determinada narrativa) ou a

predominância de uma destas oposições em uma trama. A presente abordagem,

bem como as anteriores, que lhe são complementares reforça o princípio de que o

espaço é uma entidade anacrônica, redutível a categorias pré-estabelecidas.

1.3 UM EXAME CRÍTICO DAS ABORDAGENS TEÓRICAS DO ESPAÇO

FICCIONAL

Depois de fazer um panorama das principais propostas de análise espacial na

narratologia, fica a impressão de que estas não possuem uma correlação intrínseca,

por ofertarem resultados tão diversos mesmo tendo o mesmo objeto de análise. A

diferença é significativa o suficiente para levar a pensar que poderiam não estar

tratando da mesma coisa. E tal suspeita não é de todo injustificada, cada um dos

modelos apresentados na teoria da literatura para o espaço tem um escopo

particular, que à primeira vista passam como sendo o mesmo. Para tornar mais claro

este fenômeno primeiro há de entender-se que o espaço literário se manifesta em

níveis existenciais, conforme descreve Louis Hébert (2012):

(a) o espaço da produção (espace de la production), associado ao espaço

contextual, isto é onde a obra surgiu, o espaço habitado pelo autor e seus

contemporâneos.

(b) o espaço da recepção (espace de la réception), espaço onde ocorre a recepção

das obras literárias, onde estas são lidas e valoradas no contínuo histórico.

(c) o espaço tematizado (espace thématisé) na produção, isto é, o espaço que se

encontra representado na própria obra literária através do discurso.

Destes três, o que está presente imediatamente na narrativa e é apreensível

por meio desta é o espaço tematizado. Portanto, é a ele que a teoria literária se

dedica, os demais fazem parte das dimensões da prática literária e são domínio da

sociologia da literatura (no caso de ‘a’) e da história literária (no caso de ‘b’). Neste

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esquema fica claro, que o espaço empírico não é terreno da teoria literária, pois o

que se presentifica na obra literária não é o concreto, mas sua representação.

1.3.1 O estatuto ontológico do espaço na narrativa

O mundo concreto, isto é as coisas e a dimensão cronotópica, não está

decalcado na literatura, mas sim, representado através da linguagem (discurso). A

linguagem poética procura fazer aproximações do mundo por meio das descrições.

Todavia, nem só de aproximações se faz o relato ficcional, muitos elementos

concretos são propositalmente diferenciados na narrativa, sem que isso signifique

uma contradição. Pois a coerência do texto literário possui certo grau de autonomia

com o seu referente, a polissemia é um traço inerente, e não um fenômeno

ocasional como acontece com a linguagem em seu regime utilitário. A relação entre

o concreto e o ficcional é sui generis e complexa, conforme descreve Roman

Ingarden (1980):

As objetividades apresentadas na obra literária são atividades pura e derivadamente intencionais projectadas unidades de significação. [...] os correlatos puramente intencionais das frases conexas podem entrar em múltiplas relações e conexões. [...] os objectos apresentados não estão isolados e estranhos uns aos outros, mas reúnem-se graças a múltiplas conexões ontológicas numa esfera una de ser (INGARDEN, 1980, p. 239-240).

O filósofo polonês ressalta em sua exposição que uma das principais

particularidades do discurso literário é que as objetividades são intecionais, isto é, os

elementos concretos representados neste, são interligados pela força significativa de

sua narração. Todos componentes que integram a obra literária são unidos por meio

de sua significação global e não apresentam, como na realidade empírica, um limite

unívoco. Mesmo em se tratando de elementos cuja referência concreta é limitada:

[As partes da obra literária] constituem [...] um sector de um mundo não definido nos seus pormenores mas determinado no que respeita ao seu tipo de ser ser, sector esse que nunca fica rigorosamente limitado nos seus limites. Tudo se passa como se um cone de luz iluminasse parte de uma região, submergindo-se o resto numa névoa indefinida sem deixar de existir neste seu estado indeterminado (INGARDEN, p. 240).

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Explica-se deste modo, um aspecto sobre o qual o modelo concretista para

evocar o espaço literário como cópia imprecisa do concreto. Na verdade, a variação

dos níveis de descritividade espacial no texto literário, não é uma limitação e sim

efeito da intencionalidade narrativa. Quando a diegese parece mergulhar um de

seus traços na penumbra, tal não representa uma contiguidade a ser sanada pelo

uso de esquemas, mas traço da possibilidade de resignificação inerente do discurso

literário. A narrativa literária tem, portanto, uma significação própria que não passa

pelo crivo do concreto, não lhe é superior ou inferior, mas uma forma própria de

existência.

Em tratando especificamente do espaço tal noção é extremamente relevante,

pois apesar da ficção evocar através de nomes (toponímia, prosopografia, etc.)

espaços que nos são reconhecidos como concretos, sua intenção com essa

atividade não é o de dizer que eles estejam ali tal qual se encontram na realidade e

sim suprir a narrativa de pontos de referência que possibilitem ao receptor

reconstituir imaginativamente o contexto ficcional que esta propõe: “Quando numa

obra literária se trata de objectos que são “reais” pelo seu conteúdo e se pretende

conservar o seu tipo de realidade, então eles devem ser apresentados como

temporais e existentes no espaço” (INGARDEN, 1980, p. 244).

Conforme, ressalta o crítico polonês, sempre existe uma intencionalidade

semântica. Quando uma obra literária decide incluir em seu bojo narrativo uma

paisagem, um monumento reconhecido pelo leitor; tal conhecimento condiciona que

esta mantenha um mínimo de elementos que permitam a associação entre o espaço

representado e o espaço evocado. Todavia, este vínculo, por assim dizer realista

não é obrigatório e tem uma relação muito próxima com a estética literária de cada

momento. Assim, em estéticas mais descritivistas, como as prosas romântico-

realistas este processo é mais empregado, enquanto as simbolista-surrealistas isto

acontece como menos frequência, sendo até mesmo substituído pela alegoria. Para

exemplificar este fenômeno, Ingarden (1980) apresenta uma descrição espacial da

primeira cena do 1° ato de Emilia Galotti de Lessing:

Nela conhecemos um príncipe no seu gabinete a dar despacho a várias petições. Estas petições já nos indicam objectividades que se encontram fora da sala que vemos. Mas esta sala é de antemão apreendida como parte do palácio do príncipe. O que nos é apresentado não termina nas paredes do gabinete mas estende-se

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também às restantes salas do palácio, à cidade etc., apesar de tudo isto não ser dado directamente (INGARDEN, 1980, p. 240).

Fica demonstrada outra distinção fundamental entre o espaço concreto e o

espaço tematizado, este último não apresenta as contingências do primeiro. Apesar

de a descrição ofertar certos limites, tais fronteiras não são obrigatórias nem

determinantes, o receptor tem plena liberdade de ultrapassar o que está

imediatamente expresso no texto e construir analogias que lhe ofertem uma visão

global da espacialidade narrativa. Uma sala dentro da ficção tem paredes, mas não

se encontra aprisionada a esta contiguidade, ela mantêm uma continuidade

semântica com o todo da obra, e pode representar mais que apenas uma sala. A

identificação destes traços direciona para as idiossincrasias do espaço narrativo:

O espaço [...] aqui [na narrativa] não é o espaço real e único do mundo nem tão-pouco o “espaço de orientação” [...]. Por outro lado, não é o espaço geométrico, homogêneo, ideal, a pura multiplicidade tridimensional dos pontos. [...]. É, pelo contrário – por assim dizer –, um espaço próprio. [...] Os espaços explícita e realmente apresentados são, neste caso, separados por uma espécie de lacunas e ostentam, por assim dizer, lugares de indeterminação. Todas estas situações são absolutamente impossíveis num espaço real. Deparamos, assim, com uma particularidade geral. [...] Nunca é permitido identificá-los com o objeto da representação. Menos ainda [...] derivadamente pelas significações das palavras [...] e com algo que constitui componente real de vivências psíquicas concretas. [...] O espaço em que ele se encontra é o espaço apresentado. Na verdade, aquilo nele existe [tem] o caráter de algo representado e interpretado perante alguém (INGARDEN, 1980, p. 244-246, sem grifos no original).

Conforme descreve Ingarden (1980) o espaço narrativo não é outra coisa que

não ele próprio. Ele não se ancora no espaço concreto para existir, mas se vale

deste para constituir referências reconhecíveis pelo receptor; a ligação entre o real e

o ficcional é relativa. Todavia, mesmo não sendo concreto, o espaço ficcional tem

uma existência relativamente autônoma e se organiza em níveis significativos que

lhe oferecem um funcionamento particular, mas não arbitrário.

O espaço ficcional se manifesta através da linguagem, em sentido global

(discurso) e não pontual (palavras), deste modo não se pode reduzir a espacialidade

narrativa ao conjunto dos substantivos ou locuções que expressam lugares ou

objetos, pois, isolados da obra tais ocorrências não são significativos, pois perdem o

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seu contexto narrativo se tornando meros elementos linguísticos. Só é possível

entender a espacialidade de uma obra se cada um de seus componentes é

apreendido com base no sentido particular que tal elemento representa para cada

obra e, ainda, nas relações significativas mantidas com outros elementos.

A espacialidade, como qualquer outro aspecto do texto literário não pode ser

reduzido a um padrão único, que é continuamente repetido sem alteração através

dos tempos. A linguagem literária, diferente da linguagem cotidiana se baseia na

diferença, não existe necessariamente a existência de regras pré-estabelecidas.

Cada narrativa tem um arranjo particular que lhe distingue de outras, por sua vez,

essa particularidade é uma atualização da própria língua literária, que lhe assimila e

lhe revigora.

Este aspecto de contínua atualização do sistema espacial na narrativa exige

que o analista não se prenda apenas à formalização. Pois esse processo analítico

faz uso de generalizações que em longo prazo não encontram justificativa

hermenêutica. Por exemplo, digamos que um crítico faça um esquema algébrico de

um jardim num romance de Jane Austen e na narrativa bíblica do Gênesis. Em

ambos encontraríamos elementos discretos que fazem parte da espacialidade

reconhecida como um jardim: árvores, ervas, flores etc. É óbvio que haveria uma

variação no número destes elementos e até uma maior ou menor descritividade

entre as narrativas (mencionando diferentes espécies de cada tipo de planta).

Mas ao final do levantamento o que importaria seria cada uma das classes e

não o valor destas para a narrativa. Assim, nos resultados uma árvore seria tratada

como a mesma coisa nas duas obras. O que tornaria a interpretação inverossímil,

pois, a árvore no Gênesis tem uma significação que extrapola o sentido imediato e a

sua referência concreta, não se trata apenas de um objeto do reino biológico das

plantas, esta é signo da ancestralidade, da efêmera condição humana e da

teodicéia, ou seja, da eterna busca do homem por suas origens.

1.3.2 O Espaço Narrativo enquanto uma Dimensão Semiótica

As propostas feitas por Roman Ingarden (1980) direcionam para o

reconhecimento do espaço narrativo como um fenômeno de pura significação. Ou

seja, de que a espacialidade na ficção é um elemento semiótico. É evidente que

crítico fenomenologista não alcança esta conclusão por conta da influência

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husserliana que preferia tratar o sentido em termos de lógica e não de uma disciplina

a parte que dedicasse ao estudo dos signos. Mas fica evidente no modelo do

pensador polaco que a narrativa literária tem um regime de significação próprio,

diferente do que verifica na realidade concreta, condição que lhe coloca no rol das

manifestações sígnicas.

O entendimento do texto literário enquanto uma entidade semiótica não é

novo, desde o formalismo russo, passando pelo estruturalismo tcheco e francês, os

estudiosos ressaltam o caráter sígnico da literatura. Em sendo composto por signos,

a linguagem literária tem 03 níveis de representação, conforme o modelo de Ogden

& Richards (1970):

referência

símbolo referente

Figura 07- modelo sígnico de Ogden-Richards (OGDEN & RICHARDS, 1970,

p. 11)

O signo é nas palavras de Jan Mukařovsky “uma realidade sensível cuja

função é a de evocar uma realidade, à qual se refere” (MUKAŘOVSKY, 1978, p.

133). Ou seja, o signo trata-se de uma materialidade (visual, sonora ou gestual) que

faz referência a um dado que lhe é imediatamente atribuível. O elemento básico da

condição de signo é evocar algo que não está presente em si mesmo, apontar para

uma realidade que não é a sua própria materialidade. Assim, a palavra “cadeira” é

um signo, pois, em sua facticidade esta é apenas uma sequência de sons (letras, no

caso da escrita), que se unidos a uma significação particular passa a evocar o objeto

que nos é reconhecível.

O signo, portanto é a união de três instâncias: uma materialidade apreensível

pelos sentidos, o símbolo (ou significante); uma significação que irá ser ligada a

essa materialidade, a referência (ou significado) e a realidade evocada pelo ato

significativo, o referente. Diferente do que se possa imaginar, o referente não é

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necessariamente um objeto concreto, mas o objeto da significação. No caso, da

palavra amor, o referente não se trata de uma entidade empírica, mas de um

conjunto de evidências comportamentais ou emocionais que são reconhecidas

através de noções reconhecidas num certo contexto.

Partindo da pressuposição do espaço narrativo enquanto uma semiose,

alguns aspectos metodológicos das abordagens explanadas ao início deste capítulo

se delineiam com mais clareza. A saber: quando a abordagem concretista da

espacialidade ficcional se dedica ao escopo de reconstituir com mapas ou esquemas

o espaço narrativo, o que está fazendo, de fato é buscar o nível referencial do signo

literário.

1.3.3 Crítica ao Modelo Concretista

Da citada constatação surge uma controvérsia que não se resolve dentro do

modelo, o tratamento dispensado por O’Toole (1980) e Zoran (1984) equipara a

linguagem literária à língua em sua dimensão pragmática, o que lhes permitem

reduzir a expressão da espacialidade em termos discretos. Entretanto, este

procedimento, ignora traços da dinâmica do discurso literário. A linguagem do

cotidiano é empregada em contextos determinados de uso que se localizam num

contexto específico (um momento demarcado no tempo e no espaço, com uma dada

intenção comunicativa), isto lhe impõe o reconhecimento referencial claro e definido

para que cada palavra assuma nesta situação uma significação inteligível por dois

(ou mais) interlocutores, para que a comunicação de decorra sem ruídos.

O significado tem na circunstância demonstrada uma estabilização

condicionada pelo ambiente concreto e referencial. Se uma pessoa diz a outra “pode

sentar na cadeira, ela está desocupada”, cada termo realmente invoca um traço

imediatamente observável na realidade contextual. Neste caso, é plenamente

aceitável que a análise da significação possa ser dada palavra a palavra. No entanto

se a mesma frase for encontrada numa narrativa ficcional, tal não se verifica, pois a

referência do texto literário se encontra numa realidade que não é exatamente a

empírica, mas o conjunto das imagens significativas estimuladas pelo seu conjunto,

incluindo as alterações intencionais do real. Associar a espacialidade de um texto ao

conjunto das palavras que expressam lugares e suas respectivas referências

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concretas é um procedimento limitado, visto que só dá conta de uma pequena parte

deste fenômeno.

Mais uma vez retomando o que Ingarden (1980) esclareceu acima, o que o

discurso literário representa não coincide com o que está expresso pelas palavras,

nem tão-pouco os pontos de referência que este absorve do mundo empírico. A

base da representação literária é a reconstrução, a partir do momento em que a

palavra e os elementos do concreto adentram uma narrativa ficcional seus contornos

cindem e passam a integrar uma estrutura determinada pela motivação e

significação próprias. No texto literário os elementos assumem significações de

acordo com as múltiplas funções que estes possam ter em diferentes níveis de

organização textual, narrativa e estética. Deste modo, nem sempre o sentido de uma

palavra numa obra coincidirá com o sentido mais recorrente desta na comunicação

cotidiana, sendo possível inclusive a total inversão desta significação imediata, como

no caso da ironia ou da alegoria.

1.3.4 Crítica ao Modelo Psicológico e Gestalt-Cognitivo

Outro importante ponto que o modelo semiótico da espacialidade elucida é a

denominada análise psicológica da espacialidade, segundo ela o espaço está

condicionado pelas relações emocionais do narrador e dos personagens. No sistema

de Gaston Bachelard (1978) esta marcação é estabelecida através da oposição

entre o local agradável (tópico) e o local desagradável (atópico). O que fica em

suspenso nesta classificação é explicar o que esta possui de psicológica, e o que tal

informação teria de relevante para a análise da espacialidade ficcional. Ao mesmo

tempo se uniriam a tal questionamento as categorias espaciais propostas pelo

filósofo francês como base da percepção psicológica: o lar, casa, ninho, mundo,

cantos; universo e imensidão íntima.

Para responder esta questão deve ficar claro que para que existir uma

verdadeira análise psicológica é necessário que exista uma pessoa de carne osso,

cujo comportamento forneceria dados para identificar os processos psicanalíticos

(do inconsciente) que estariam subjacentes a este. Nas obras literárias tal evento

não se verifica, já que não há seres concretos na narrativa dos quais a mente

poderia ser analisada. A obra literária é um fenômeno cuja matéria é a linguagem,

em seu sentido estrito (sistema linguístico) e amplo (discurso). Deste modo, o

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fenômeno ao qual Bachelard (1978) se referia como “psicológico” trata-se de um

dado puramente linguístico, a subjetividade da linguagem, mal conhecido à época

em que o filósofo escreveu, mas que hoje é terreno dos estudos de linguagem.

A linguagem não é um elemento puro, todo ato comunicativo está envolvido

numa intenção comunicativa. Dentro da subjetividade linguística, o sujeito pode

registrar a sua impressão positiva ou negativa sobre um estado de coisas. Num

exemplo bem simples: “infelizmente, a comida não estava pronta quando cheguei”, o

indivíduo expressa seu descontentamento com uma circunstância inoportuna (por

meio do advérbio felizmente). Este fenômeno é denominado modalização apreciativa

(GREIMAS, 1976), e pode ser encontrado em diferentes níveis discursivos. O mais

importante no exemplo e na constatação teórica, é que em ambos não se lida com

uma consciência particular ou ao estado emocional de um indivíduo qualquer. A

impressão de descontentamento está presente na própria linguagem e é

compreendida pelo seu próprio conteúdo.

A noção de um ambiente agradável ou hostil numa determinada narrativa

segue este mesmo raciocínio, as referências que são reconhecidas como

prazerosas ou desagradáveis estimulam nos leitores esta sensação. Não se trata,

portanto, de uma análise psicológica ou psicanalítica como presume Bachelard, mas

de uma análise semântica do conteúdo textual.

Noutra direção, o emprego dos arquétipos espaciais bachelardianos, é

igualmente uma análise semântica, a associação de categorias temáticas

organizadas em níveis é matéria da análise lexical, e se assemelha ao esquema

topológico de Curtius citado acima (substituindo-se apenas as categorias).

Ao mesmo modo, os universais propostos pela análise gestaltiva-cognitiva. É

questionável até que ponto classificar o espaço de uma obra literária sejam em

categorias matemáticas, físicas, psicológicas ou cognitivas auxilia na geração de

modelos explicativos para a narrativa ficcional. Deve-se refletir se o uso dos modelos

consagrados na tradição da crítica do espaço ficcional encontra seu limite.

1.3.5 Crítica dos Pontos em Comum dos Três Modelos

Uma análise crítica das metodologias de análise do espaço ficcional

apresentadas até aqui recaem numa assunção de difícil justificativa em se tratando

de textos literários, partir da pressuposição de que alguma parcela deste é o real

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(concreto) ou reflexo imediato deste. Todavia esta confusão é consequência de uma

propriedade do texto literário que Roland Barthes (1968) denominou efeito de real.

Em gêneros literários cujo foco é a narrativa de acontecimentos, como o

romance, boa parte de seu texto é constituído por sequências de descrição. A

descrição é um elemento crucial para construção do universo temporal e do universo

espacial sugerido pela narrativa. Toda imagem do mundo ficcional (personagens,

objetos, tempo, espaço e eventos) é modelada através da informação fornecida

pelas descrições. Nas palavras de Vítor Manuel de Aguiar e Silva (1999):

[...] a descrição é um elemento textual privilegiado de que o narrador dispõe para produzir o "efeito de real" [...] e por isso mesmo os indícios e, sobretudo as informações da diegese se encontram com tanta freqüência e com tanta relevância nas descrições [...]. Esta função manifesta-se quer no retrato das personagens — a prosopografia, na terminologia da antiga retórica —, quer na caracterização do espaço social — um espaço indissociável da temporalidade histórica —, quer na pintura do espaço telúrico e geográfico — a topografia, na terminologia antes mencionada —, em geral representado nas suas conexões com o espaço social e concebido como um factor que condiciona ou determina os estados e as acções das personagens (SILVA, 1999, p. 470).

Deve-se ressalvar, que este efeito de real, esta de aparência de concretude é

intencional e está diretamente conectada com o próprio universo referencial da

linguagem literária. Esta realidade da literatura não tenta copiar ou substituir a

realidade concreta, mas ressignificá-la de diferentes modos. Deste modo, é um

esforço controverso fazer que algum ponto da narrativa ficcional seja o reflexo fiel do

empírico, conforme afirma Silva (1999):

Se cometem um erro grosseiro os que admitem, ou postulam, uma relação de estrita fidelidade especular, de imediata dependência analógica entre o texto literário e um concreto contexto empírico, atribuindo, portanto ao discurso literário o funcionamento referencial

que se verifica noutros tipos de discurso (SILVA, 1999, p. 644).

Apesar de se diferenciarem em alguns particulares, os modelos apresentados

convergem para a assunção do espaço ficcional como elemento definido e fixo, seja

em sua imediatez linguística (palavras) ou em sua pretensa imediatez referencial

(espaços concretos). Há uma correlação automatizada entre o signo e o real, como

se a significação do espaço se trata de um dado unívoco.

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Page 41: Prolegômenos a uma nova teoria do espaço ficcional

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Tal fenômeno não é ocasional, como todo discurso, a teoria do espaço

ficcional se alicerça em dois fatores principais: a cosmovisão (weltanschauung) de

um dado momento sócio-histórico e a representação simbólica de certo estado de

coisas. Entender uma teoria não passa apenas pelo reconhecimento de seus

pressupostos, como esta fosse um construto afastado do mundo.

A análise deste paradigma, o qual denominaremos descrivista-classificatório

se baseia na ideia de que o signo é uma realidade concreta, que garante uma

homogeneidade da significação. Esta ideia do signo enquanto uma entidade

autônoma tem sua origem na concepção saussuriana da língua, conforme o

esquema:

Figura 08 – Esquema saussuriano da relação entre significado e significante

no signo linguístico (SAUSSURE, 2008, p. 81; ECO, 1984, p. 08)

No modelo semiótico, a língua está composta por unidades menores, os

signos. Cada um destes signos subdivide-se em dois planos: o significado (expresso

no esquema pelo desenho da árvore) e o significante, uma imagem mental dos sons

contidos num determinado vocábulo de uma língua (expresso no esquema pela

palavra arbre). Ferdinand de Saussure (2008) ressalta que é traço inerente ao signo

a arbitrariedade do significante, não existe relação direta entre o número e tipo de

sons que o compõem e o significado evocado por este.

A arbitrariedade a qual o pensador faz referência atém-se exclusivamente ao

seguinte: “Assim, a idéia de "mar" não está ligada por relação alguma interior à

seqüência de sons m-a-r que lhe serve de significante; poderia ser representada

igualmente bem por outra seqüência” (SAUSSURE, 1998, p. 81-82). Deste modo,

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mantêm-se a relação de espelhismo entre a palavra e coisa (sendo na língua

substituída pelo significado).

O procedimento teórico apontado por esta concepção dá base para entender

o significado com algo imediato e autônomo, pois ao deslocar a significação para a

esfera ideal do signo ou da mente, esta se isenta da possibilidade de ser variável e

polissêmica. A proposta de Saussure (2008) esforça para impor um regime

interpretativo que permitisse ao estudioso obter dados segmentáveis e classificáveis

em categorias universalmente perceptíveis em quaisquer línguas. Para alcançar esta

estabilização metodológica foi indispensável pensar a sua representação como um

sistema imune à interferência da vivência concreta dos falantes e das mudanças

sociais:

[...] a própria arbitrariedade do signo põe a língua ao abrigo de toda tentativa que vise a modificá-la. [...] A massa, ainda que fosse mais consciente do que é, não poderia discuti-la. [...] a língua não é completamente arbitrária e onde impera uma razão relativa, é também o ponto onde avulta a incompetência da massa para transformá-la. Pois tal sistema é um mecanismo complexo; só se pode compreendê-lo pela reflexão; mesmo aqueles que dele fazem uso cotidiano, ignoram-no profundamente. [...] A língua, de todas as instituições sociais, é a que oferece menos oportunidades às iniciativas. A língua forma um todo com a vida da massa social e esta, sendo naturalmente inerte, aparece antes de tudo como um fator de conservação. [...] Justamente porque o signo é arbitrário, não conhece outra lei senão a da tradição, e é por basear-se na tradição que pode ser arbitrário (SAUSSURE, 2008, p. 87-88, sem grifos no original).

O signo ao modo que defendia Saussure é uma entidade hegemônica,

superior às atribulações do real. O signo é todo razão, lógica e autonomia. A língua

constituída por este elemento é em sua complexidade incompreensível pelos que

fazem uso dela. Pois, a língua só é acessível àqueles seres dotados de métodos

privilegiados de “reflexão”, nomeados pelo próprio linguista genebrino:

“especialistas, gramáticos, lógicos, etc.” (SAUSSURE, 2008, p. 88). O sistema da

língua tem por função assegurar a sua inércia, para que esta não venha ser

contaminada pelos movimentos da “massa”.

Neste particular, o uso do termo “massa” assume um papel central. Saussure

o qualifica por adjetivos pouco positivos, no enunciado este é descrito como

“inconsciente”, “incapaz”, “ignorante”; se opondo à complexidade que é atribuída à

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língua. Saussure demonstra um grande esforço por colocar a língua num alto nível

de abstração, chegando a insinuar um completo desligamento entre língua e

sociedade.

Não por acaso, Umberto Eco (1984) interpreta este mister saussuriano como

uma revitalização da doutrina das ideias de Platão (PLATÂO, 2003). Como o filósofo

grego, Saussure não acreditando nos dados imediatos do seu objeto (a vivência

concreta da língua na realidade cotidiana entre seus falantes), cria uma realidade

ideal (o signo linguístico, a imagem acústica) só acessível aos iniciados (linguistas).

A partir desta realidade considerada mais “verdadeira” (cf. SAUSSURE, 2008, p. 07)

emanariam os dados legítimos e dignos de estudo. Sobre este particular assevera

Eco evocando o esquema saussuriano para o signo “árvore”:

O que é essa árvore? Um desenho? Neste caso é outro signifiant. É alusão ao fato de que em nossa mente se delineia, ao ouvirmos a palavra “árvore”, a imagem (Peirce diria o “ícone mental” de uma árvore)? [...] Essa árvore poderia ser também uma idéia hiperurânia de tipo platônico: há uma zona, além da rota dos skylabs, na qual existe a arboreidade, a eqüinidade, etcétera (ECO, 1984, p. 08).

Com um comentário sarcástico, o semioticista italiano ressalta uma inversão

inerente a esta percepção formalista de pensamento. Num primeiro momento, a

teoria constrói categorias baseadas em referência concretas com a proposta de

explicar a realidade. Entretanto o uso compulsivo de formalizações leva a um

instante em que se passa gerar categorias não de fenômenos observados, mas de

categorias pré-estabelecidas. Gerando uma análise que não é mais capaz de

observar as diferenças que constituem o empírico, se satisfazendo com apenas com

os conceitos legados pela tradição. Chegado a este ponto, a modalidade teórica se

esgota em si mesma e passa a tratar seu objeto de modo limitado e reducionista. O

objeto é substituído por rótulos, nem sempre significativos para a interpretação.

No caso do espaço ficcional isto é plenamente verificável, pois em nenhum

dos modelos citados até este momento (o concretista, o psicológico e o gestaltista-

cognitivo) há um esforço para romper com a contingência das classificações.

1.4 POR UM PARADIGMA (DES)CONSTRUTIVISTA DA ESPACIALIDADE

NARRATOLÓGICA

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Como foi apresentada desde o início da presente reflexão, a análise do

espaço ficcional está atrelada a dois discursos hegemônicos surgidos no século XIX

e consolidados na primeira metade do século XX: (a) a ideia da representação

enquanto uma unidade definitiva, homogênea e original, que não está diretamente

relacionada ao contexto sócio-histórico. Desta percepção idealizada da realidade

surge a imagem de que os signos em sua condição abstrata organizam e explicam o

mundo. Assumindo tal abordagem, o estudioso torna-se uma figura privilegiada,

capaz de ordenar a existência através de categorias universalmente válidas. O

objeto da representação abandona sua natureza multirreferencial e formaliza-se. As

diferenças inerentes a qualquer fenômeno são entendidas com desvios de um

padrão pré-estabelecido e são uniformizadas para conferir aos resultados

(esquemas) uma aura de precisão atemporal. (b) uma concepção estática de

espacialidade, baseada em princípios já descritos acima quando da explicação do

modelo concretista (vide 1.2.1).

Para contrapor este paradigma, entendido como descritivista-classificatório

por se fixar mais à identificação e categorização arbitrária de dados isolados que na

formulação de interpretações baseadas no entendimento do conjunto e da

especificidade de cada obra. Faz-se necessário seguir na análise apontando as

limitações de alguns conceitos assumidos pela vertente e sugerindo caminhos

alternativos para reposicionar a análise do espaço ficcional. Tal virada espacial da

análise literária passa por dois momentos, a busca pelo reverso dos signos e a

dinamização do espaço.

1.4.1 Em Busca do Reverso dos Signos

Em todos os modelos apresentados pela crítica literária para o entendimento

do espaço ficcional se faz presente um imperativo, o de torná-lo uma entidade

estática, autossignificativa e anacrônica. Adotá-los tal quais se encontram na

bibliografia levantada esgotaria a análise do espaço narrativo na estatística de

substantivos e na sua classificação. Para ultrapassar esta estagnação metodológica

é preciso desconstruir a ideia saussuriana de um signo diáfano e isolado na “torre de

marfim” da formalização. Contrapor o paradigma descritivista-classificatório da

espacialidade exige assumir o signo nos moldes das propostas Mikhail Bakhtin:

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[O signo é] um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior. Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia (BAKHTIN, 2006, p. 29).

Bakhtin (2006) vai de encontro a Saussure e propõe que os signos não são

elementos de uma realidade paralela ou ideal, mas fazem parte da vida humana,

tanto quanto os objetos concretos. O signo é veículo das ideias construídas pelo

homem, e só ganha sentido na relação direta entre homem, realidade e significação.

Fora de um contexto, o signo é apenas uma materialidade desprovida de justificativa

e de existência.

O pensador russo traz nesta mesma afirmativa algo de bastante caro ao

entendimento do espaço, diferente da perspectiva de Saussure que limitava o

caráter sígnico às palavras, Bakhtin compreende que o que torna algo signo é

impressão significativa que este mantém com a realidade. Deste modo, o espaço

enquanto um fato concreto também pode apresentar-se como um símbolo. Além

disto, Bakhtin ressalta dois caracteres completares da significação, o signo não

apenas reflete uma dada realidade como também a refrata. Isto o signo além de

apontar para uma realidade, carrega para ela uma significação que é representativa

e valorativa. Nesta medida, o signo jamais é neutro, conforme reitera o linguista

russo:

Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra,encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico (BAKHTIN, 2006, p. 30).

Bakhtin questiona mais uma vez caráter de neutralidade do signo, se o

significado é construído com base na interação entre seres humanos, dotados de

particularidades, seria uma contradição acreditar que o signo pudesse ser isolado

desta rede comunicativa. O signo além de representar, ele assume uma posição

diante do seu objeto de representação, ele pode concordar com este, distorcê-lo

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positivamente ou negativamente e até negá-lo. A atividade sígnica, portanto está

sempre envolvida por sistemas de valoração que lhe são inerentes e não

excepcionais. Os sujeitos a todo o momento produzem, alteram e substituem signos,

a prática semiótica é dinâmica e é condicionado pelas demandas simbólicas de cada

momento histórico. O semiótico é deste modo, um fato social:

A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação. Na verdade, qualquer que seja a enunciação considerada, [...], é socialmente dirigida. Antes de mais nada, ela é determinada da maneira mais imediata pelos participantes do ato de fala, explícitos ou implícitos, em ligação com uma situação bem precisa; a situação dá forma à enunciação, impondo-lhe esta ressonância em vez daquela (BAKHTIN, 2006, p. 115-116).

A atividade semiótica está envolvida numa ação intencional, seja a de

informar, questionar, concordar, etc. Não existem signos imotivados, sem intenção

ou valor. É evidente que a capacidade refratária da realidade sígnica lhe permite

ocultar este caráter, mas isso não quer dizer que este traço inexista, e sim que está

implícito à enunciação.

A ideia de que o signo é capaz de se revestir de uma aparência de realidade

e de uniformidade, pode ser entendida como uma forma de hegemonia. Bakhtin

explica que a produção sígnica é contínua e multiforme, no entanto, nem todos os

signos são considerados oportunos por uma comunidade discursiva. Alguns têm

mais valia enquanto outros são estigmatizados, esse movimento ocorre pelo próprio

desdobramento das hierarquias sociais que acabam transferindo suas imagens

simbólicas para os signos produzidos nesta dinâmica. Quanto mais antigo e estável

é um signo mais ele está afinado ao poder tradicional de uma sociedade, pois para

manter sua ordem agem as chamadas forças centrípetas do discurso, conforme

descreve o pensador russo:

Cada enunciação concreta do sujeito do discurso constitui o ponto de aplicação [...] das forças centrípetas [...] as variantes básicas [...] desenvolvem na corrente das forças centrípetas da vida verbo-ideológica que unifica e centraliza. [...] nas altas camadas sócio-ideológicas oficiais, resolve o problema da centralização cultural, social e política do mundo verbal-ideológico (BAKHTIN, 1998, p. 82-83).

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As forças centrípetas do discurso tem a função, como bem ressaltou Bakhtin

vem das classes dominantes, como o objetivo de criar uma representação que apare

as arestas da diferença. Por meio de signos unificantes o discurso impõe sobre a

realidade uma aparência de centralidade cultural, social e política. Livrando a signo

do “conflito dos pontos de vista sócio-linguísticos, [...], do conflito intralinguístico das

vontades individuais ou das contradições lógicas” (BAKHTIN, 1998, p. 83).

Nesta mesma direção de por à prova a estabilidade dos signos Jacques

Derrida (1977) dá como exemplo a representação semiótica de “água”:

Figura 09- Os “nomes” da água (DERRIDA, 1977)

Em L'écriture et la différence, Derrida explica como uma palavra

aparentemente banal como “água” pode revelar um universo complexo que lhe

subjaz: A água é o elemento mais presente na realidade, apesar disso, sua

realidade concreta é tão múltipla que a cada esforço de limitá-la, essa se nos

escapa. Pois o gelo, também é água, mas é duro e limitado, ao passo que o vapor

nem visível nos é, e não deixa de ser água. Surge então a questão: alguns destes

referentes é menos ou mais água? Se sim ou não, a água é por si mesma

indefinível, e nem por isso deixa de ser menos real.

Para continuar a reflexão, Derrida propõe que pensemos como os

estruturalistas, e por um momento esqueçamos que o concreto existe, pois neste

caos de referências tão variadas não é possível encontrar um conceito racional que

possa ser unívoco. Deste modo, enumeremos os signos que representam a água.

Aqui surge mais um problema, pois em cada língua temos um significante diferente,

qual deles poderia ser usado no conceito? A não ser que se empregasse outro

código, mais convencional, como a notação química H2O, mas aparece outro

problema, isso é igualmente questionável, pois como sabemos as notações são

arbitrárias, então o que num copo d’água o que é H, 2 e O; e no gelo e no vapor?

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Mais uma vez diferenças demais e nenhuma homogeneidade para assegurar a

cientificidade do conceito.

O único caminho restante é sentido, deve haver algo de estável no sentido

que permita, enfim o conceito final da água. Bem para ter esta resposta enumere-se

o máximo de ocorrência na língua que tenham como base a água, aquele traço que

for repetido deve ser a identidade da água. Chuva, piscina, balde, gotas, correnteza,

rio, oceano etc., tudo isto tem relação com água, mas o que de comum entre tudo

isto?

A resposta é, de fato, nada, a não ser esta palavra “água” ou “H2O” que

acompanha o questionamento desde o início. Em ambas, operando o mesmo

processo a escritura. Conforme descreve Derrida a escritura é um processo

associado ao regime de verdade logocêntrico, isto é em que a palavra representa o

real. O processo de escritura logocêntrico inicia-se com os filósofos gregos se

autointitulando mestres da verdade (aletheia), verdade essa que passava

obrigatoriamente pela palavra (logos) dos pensadores autorizados. O pensador

francês demonstra esse fenômeno fazendo um panorama histórico desde Tales de

Mileto, passando pelos medievais, até chegar aos filósofos contemporâneos, dando

especial atenção aos estruturalistas, que àquela altura ocupam o primado do

pensamento francês.

Derrida termina seu percurso ressaltando como o estruturalismo, enquanto novo

representante das filosofias totalizantes conseguia reduzir o universo todo às suas

categorias homogêneas:

Graças ao esquematismo e a uma espacialização mais ou menos declarada, que viaja em um campo mais livremente eliminadas as forças. Eliminadas todas suas forças, mesmo elas sendo a totalidade da forma e significado, então são reformuladas no sentido da forma, e a estrutura torna-se a unidade formal da forma e significado. Dir-se-á que esta neutralização pela forma é o ato do autor antes da crítica e, até certo ponto, pelo menos -, mas é isso, pois é - ele vai estar certo. Em todo caso, o projeto sugere que a totalidade é mais facilmente declarada hoje, e um tal projeto também escapa-se para as totalidades determinadas da história clássica. Por isso, propõe-se ultrapassar-lhes. Assim, o esquema e o contorno das estruturas aparecem melhor quando o conteúdo que é a energia viva de significado é neutralizado. Um pouco como a arquitetura de uma cidade desabitada ou queimada, reduzida a um esqueleto de uma catástrofe da natureza ou da arte. Cidade já não habitada ou simplesmente abandonada, mas sim assombrada pelo significado e a cultura. Esta obsessão que impede aqui de tornar-se natural em geral o modo de presença ou da ausência da própria coisa na

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linguagem pura. Linguagem pura que abrigaria a literatura pura, o objeto da crítica literária pura (DERRIDA, 1977, p. 13) 24.

Fica evidente nesta passagem do filósofo francês, uma pungente crítica ao

formalismo implantado pelo método estrutural no signo. O signo enquanto uma

realidade concreta de significação não é uma estrutura indefinidamente repetida na

história. Os vínculos entre significado e significante são instáveis, e estão sempre

sujeitos às flutuações contextuais do ser humano, a busca formalista por um

significante e um significado primeiros é uma ficção metafísica, que só se sustenta

na medida de romper propositalmente o substrato de onde estes surgem. A

significação, portanto, é uma dinâmica que não se deixa limitar pelo ideal purista de

alguns pensadores. Longe do jogo da significação não há signo, apenas vestígios de

uma existência abstrata.

Derrida propõe então um desafio necessário para romper com o idealismo

abstrato do formalismo, em primeiro lugar assumir que o significado não está

localizado em nenhum outro lugar que não no próprio ato de significar. As palavras e

as coisas não são dotadas de significação, emanando por si mesmas os seus

conceitos. O mundo só ganha significação na relação dos sujeitos com a busca

contínua pelo sentido. Não existe um sentido último, nem primeiro, só existe a

significação de um contexto particular, cuja essência só pode ser resgatada pela

reflexão da diferença. A reconstrução de um sentido é, nesta medida, uma

arqueologia onde um sujeito não pode presumir automaticamente uma significação

que lhe parece coincidir com aquilo que este deseja conceituar. Ele tem de

abandonar a sua posição inicial de portador do discurso (intérprete) e buscar na

24

Tradução livre, do original: Grâce au schématisme et à une spatialisation plus ou moins avouée, on parcourt sur plan et plus librement le champ déserté de ses forces. Totalité désertée de ses forces, même si elle est totalité de la forme et du sens, car il s'agit alors du sens repensé dans la forme, et la structure est l'unité formelle de la forme et du sens. On dira que cette neutralisation par la forme est l'acte de l'auteur avant d'être celui du critique et dans une certaine mesure du moins — mais c'est de cette mesure qu'il s'agit —, on aura raison. En tout cas, le projet de penser la totalité est plus facilement déclaré aujourd'hui et un tel projet échappe aussi de lui-même aux totalités déterminées de l'histoire classique. Car il est projet de les excéder. Ainsi, le relief et le dessin des structures apparaissent mieux quand le contenu, qui est l'énergie vivante du sens, est neutralisé. Un peu comme l'architecture d'une ville inhabitée ou soufflée, réduite à son squelette par quelque catastrophe de la nature ou de l'art. Ville non plus habitée ni simplement délaissée mais hantée plutôt par le sens et la culture. Cette hantise qui l'empêche ici de redevenir nature est peut-être en général le mode de présence ou d'absence de la chose même au langage pur. Langage pur que voudrait abriter la littérature pure, objet de la critique littéraire pure.

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incerteza da visão do outro (alteridade), a significação que se faz presente inclusive

na sua ausência.

A différance tal qual concebe Derrida é um revés à indiferença, ao absoluto, à

totalidade. A différance é, em termos filosóficos, uma abertura ontológica, o ser

deixa de ser regido por algo além dele (a essência) e torna-se sujeito de sua própria

existência. Nas palavras do filósofo:

[...] a différance não é uma essência, não sendo nada, não é a vida se está sendo determinado como ousia, presença, essência/ existência, substância ou matéria. Ela faz pensar a vida como um traço antes de determinar o ser como presença. Ela é a única condição para poder dizer que a vida é a morte, que a repetição e o além do princípio do prazer são originais e contingentes em sua origem aos quais transgride (DERRIDA, 1977, p. 302) 25.

O fechamento do sentido, ou seja, o conceito de alguma coisa só é

possibilitado pelo fim do jogo da significação. Fechamento este, que não é natural,

mas imposto pelas circunstâncias (um indivíduo não podendo levar a reflexão pelo

infinito, decide cindir o contínuo num ponto que lhe convêm) ou pela força do logos,

dos discursos de hegemonia.

Derrida (1977) indica nesta reflexão, que ao mesmo tempo atuam dois

princípios básicos na significação: a escritura, que procura estabilizar os discursos

sobre a realidade através da tradição, criando imagens que aparentam uniformidade

e homogeneidade; e a différance que se opõe a todas as imagens automatizadas,

propondo recategorizações que movimentam o sentido para um lugar não comum,

do qual emerge a diferença. Na Ordem do discurso, Michel Foucault (2002) ressalta

que além de uma questão sígnica, a tendência de homogeneização do sentido se

liga ao jogo do poder na sociedade:

[...] esta vontade de verdade, tal como os outros sistemas de exclusão, apoia-se numa base institucional: ela é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por toda uma espessura de práticas como a pedagogia, claro, o sistema dos livros, da edição, das bibliotecas, as sociedades de sábios outrora, os laboratórios hoje. Mas é também reconduzida, e de um modo mais profundo sem dúvida, pela maneira como o saber é disposto numa sociedade, como é valorizado,

25 Tradução livre, do original: [...] la différance n'étant pas une essence, n'étant rien, elle n'est pas la vie si

l'être est déterminé comme ousia, présence, essence / existence, substance ou sujet. Il faut penser la vie comme

trace avant de déterminer l'être comme présence. C'est la seule condition pour pouvoir dire que la vie est la mort,

que la répétition et l'au-delà du principe de plaisir sont originaires et congénitaux à cela même qu'ils

transgressent.

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distribuído, repartido e, de certa forma, atribuído (FOUCAULT, 2002, p.10).

Foucault alerta que a estabilidade do signo é uma estratégia ideológica,

disseminada das classes dominantes (simbólica e economicamente) e preservada

pelos mecanismos de controle social: a polícia, a escola, ciência, filosofia e estética

(literatura e demais artes). O filósofo francês afirma que o discurso sempre está

pelos interesses sociais, mesmo uma pintura ou um mapa é capaz de se posicionar

nesta dinâmica, mantendo ou subvertendo um sistema de valores.

1.4 DINAMIZANDO O ESPAÇO

O espaço é um traço tão inerente da organização social e da vida moderna

que pensá-la para além da imediatez torna-se um complexo esforço de reflexão.

Essa abordagem de espacialidade, por assim dizer, automatizada do espaço urbano

acaba por fixar sua configuração apenas ao caráter sensorial de sua paisagem.

Conforme afirma o geógrafo chinês Yi-Fu Tuan (1980):

Um ser humano percebe o mundo simultaneamente através de todos os seus sentidos. [...] Na sociedade moderna, o homem tem que confiar mais e mais na visão. Para ele, o espaço é limitado e estático, um quadro ou matriz para os objetos. Sem objetos e sem fronteiras, o espaço é vazio. E vazio porque não há nada para ver, embora possa estar cheio de vento (TUAN, 1980, p. 12-13).

Essa visão realista-materialista do espaço conduz para uma análise

reducionista da espacialidade, pois, cria a impressão de que tal fenômeno seria algo

per se, cuja apreensão estaria isenta de interpretações. O espaço, nessa

perspectiva, é somente um dado puro da realidade e para analisá-lo bastaria

constatar, através dos sentidos, seus elementos constitutivos dentro de categorias

objetivas (extensão, altitude, relevo etc.). O pensador americano Edward W. Soja

(1990) assim descreve este processo:

Esta visão essencialmente física tem influenciado profundamente todas as formas de análise espacial. [...]. Isso inclusive tem tendido a imbuir todas as coisas espaciais de uma persistente sensação de

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primordialidade e composição física, de uma aura de objetividade, inevitabilidade e reificação (SOJA, 1990, p. 79) 26.

A espacialidade seria descrita da mesma maneira, não importando a época, o

contexto cultural ou o sujeito que lhe observasse. Entretanto, o próprio Tuan (1980)

questiona esse caráter de aparente transparência do espaço. Para ele a relação

com a espacialidade não pode ser entendida de forma anacrônica e

descontextualizada, pois, encontra-se continuamente modificada na relação entre

sujeito e lugar:

A superfície da terra é extremamente variada. Mesmo um conhecimento casual com sua geografia física e a abundância de formas de vida muito nos diz. Mas são mais variadas as maneiras como as pessoas percebem e avaliam essa superfície. Duas pessoas não veem a mesma realidade. Nem dois grupos sociais fazem exatamente a mesma avaliação do meio ambiente. A própria visão científica está ligada à cultura - uma possível perspectiva entre muitas (TUAN, 1980, p. 6).

Conforme esclarece o pensador chinês o espaço não fala por si mesmo, este

só ganha significado na sua relação com o ser humano, com a sua subjetividade,

cultura e contexto sócio-histórico. No mesmo sentido, Edward Said (2007) adota

similar posicionamento ao falar de uma entidade geográfica específica, o Oriente:

O Oriente é uma ideia que tem uma história e uma tradição de pensamento, um imaginário e um vocabulário que lhe deram realidade e presença no e para o Ocidente. As duas entidades geográficas [Oriente e Ocidente], portanto, sustentam-se e, em certa medida, refletem uma a outra (SAID, 2007, p. 31).

Destarte, a espacialidade não pode ser entendida como um elemento

anacrônico ou autossuficiente, mas, como uma intricada rede de materialidades

concretas e representações simbólicas. O espaço não é apenas fato, é também uma

representação e uma construção discursiva localizada historicamente. Logo, caberia

ao analista do espaço não limitar-se a descrever os seus elementos visuais (what),

mas, também teria de constatar os elementos discursivos ligados a espacialidade

26 Tradução livre, do original: This essentially physical view of space has deeply influenced all forms

of spatial analysis. [...] It has also tended to imbue all spatial things with a lingering sense of primordiality and physical composition, an aura of objectivity, inevitability, and reification.

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(how), reconstituindo as origens socio-históricas de ambos. Nas palavras de Soja

(1990):

É necessário começar a fazer uma possível e clara distinção entre espaço per se, espaço como um dado contextual e espaço criado pela organização e produção sociais. Partindo de uma perspectiva materialista, quer mecanicista ou dialética, o tempo e o espaço em sentido geral ou abstrato, representam uma forma objetiva de matéria. Tempo, espaço e matéria estão inextricavelmente conectados (SOJA, 1990, p. 79) 27.

1.4.1 Do Espaço Ideal ao Espaço Social

O espaço durante muito tempo foi considerado um dado puro da realidade

determinado por categorias indiferentes a sua experiência e a sua multiplicidade. O

trajeto percorrido até este ponto colocou em destaque que esta visão espacial conta

com uma extensa história e se encontra alicerçada por um determinado discurso,

que ultrapassa os limites da geografia enquanto ciência. Evidencia-se, conforme se

descreveu no tópico anterior, uma certa forma de entendimento do que vem a ser

representação (problema do signo e do discurso) e uma conjuntura interpretativa

(problema da percepção e da ciência).

Para discutir especificamente o segundo problema é importante refletir que

pressupostos epistemológicos fazem entender o espaço como um fenômeno

estático. Historicamente, a primeira disciplina a enunciar a inércia espacial, foi a

matemática, empregando a análise geométrica e tratando o espaço na sua medida

formal, consolidou um paradigma de que a definição universal de espaço é esta:

O espaço [...] é caracterizado como homogêneo [...], isótropo [...], contínuo e ilimitado. Estas propriedades são muito gerais, mas a geometria habitual adiciona as duas seguintes determinações: 1° tem três dimensões, isto é, com um ponto pode se traçar três retas perpendiculares umas às outras [...]; 2° é homoloidal, ou seja, podemos construir figuras semelhantes tem qualquer escala (LALANDE, 1997, p. 298) 28.

27 Tradução livre, do original: It is necessary to begin by making as clear as possible the distinction

between space per se, space as a contextual given, and socially-based spatiality. From a materialistic perspective, whether mechanist or dialectical, time and space in the general and abstract sense represent the objective form of matter. Time, space and matter are inextricably connected.

28

Tradução livre, do original: L’espace [...] est caractérisé par ce fait qu'il est homogène [...], isotrope [...], continu et illimité.

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Esta definição matematizada do espaço vem sendo repetida desde a Grécia

como uma verdade atemporal. Quando uma pessoa é indagada sobre o que é

espaço, geralmente emprega quaisquer dos adjetivos da sentença e dá como

definido o espaço. Este comportamento encontra-se tão interiorizado ao ponto do

sujeito não ter nem mesmo de olhar em volta para verificar, se o espaço no qual este

se encontra é realmente limitado, homogêneo etc. Nas palavras de Henri Lefebvre:

O espaço! Há poucos anos esse termo não evocava nada a não ser um conceito geométrico, o de um meio vazio. Toda pessoa instruída logo o completava com um termo erudito, tal como “euclidiano”, ou “isotrópico”, ou “infinito”. O conceito de espaço dependia, geralmente se pensava,da matemática e tão-somente dessa ciência. O espaço social? Essas palavras causavam surpresas (LEFEBVRE, 2006, p.03).

Lefebvre (2006) ressalta que essa imediatez da compreensão espacial não se

limita ao senso comum, mesmo a filosofia contribuiu para estagnação da reflexão

sobre o espaço. Desde Aristóteles até René Descartes, o espaço foi colocado numa

medida transcendental, que se afina mais à metafísica que a uma experiência

concreta, o espaço era “portanto uma abstração: um recipiente sem conteúdo”

(LEFEBVRE, 2006, p.03):

Na filosofia? Com freqüência, o espaço era desdenhado, tratado como uma “categoria” entre outras (um “a priori”, diziam os kantianos: uma maneira de dispor os fenômenos sensíveis). Às vezes, era carregado de todas as ilusões e de todos os erros: desviando a interioridade de “si”, o desejo e a ação, para o exterior, portanto, a vida psicológica para fora e para o inerte, espedaçante e espedaçado (com e como a linguagem: Bergson).

Depois das abordagens formais e filosóficas, o pensamento sobre o espaço

recebeu o incremento de propostas de diferentes disciplinas das humanidades,

surgiram assim a ideias de um espaço psicológico, sociológico etc. A variedade de

perspectivas não representava, todavia, o avanço na visão espacial, certos

preconceitos como a categorização e classificação continuavam a limitar a

Ce sont là des propriétés très générales; mais la géométrie usuelle y ajoute les deux déterminations suivantes: 1° il a trois dimensions, c'est à dire que par un point on peut menertrois droites perpendiculaires entre elles, [...]; 2° il est homaloïdal, c'est à dire qu'on peut y construire des figures semblables a toute échelle.

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percepção da espacialidade. O que variavam eram os termos empregados, mas no

fim “as concepções sobre o espaço estavam confusas, paradoxais, incompatíveis”

(LEFEBVRE, 2006, p.03):

Quanto às ciências que dele se ocupavam, elas o repartiam, o espaço se fragmentando segundo postulados metodológicos simplificados: o geográfico, o sociológico, o histórico etc. No melhor dos casos, o espaço passava por um meio vazio, recipiente indiferente ao conteúdo, mas definido segundo certos critérios inexprimidos: absoluto, ótico-geométrico, euclidiano-cartesiano-newtoniano. Se “espaços” eram admitidos, eram reunidos num

conceito cujo alcance permanecia mal determinado (LEFEBVRE, 2006, p.03).

Na opinião do filósofo francês tal panorama conduzia o espaço para um

paradoxo existencial e epistemológico, descrito como “uma contradição (diabólica)

inexprimida, inconfessada, inexplicitada, a prática – na sociedade e no modo de

produção existentes” (LEFEBVRE, 2006, p.03). Pois, como era possível seres

humanos diversos, habitando diferentes rincões, cada um com uma paisagem,

cultura e sociedade particulares, crerem tão facilmente num discurso de

uniformidade do espaço?

A resposta só poderia ser encontrada num elemento que não fosse natural ou

espontâneo na espacialidade. Deste modo, Lefebvre assevera que “o significado do

espaço não está no próprio espaço”. Isto é, o espaço por si só não tem significação,

o sentido constrói-se na medida de uma relação recíproca entre sociedade e

espacialidade. O princípio garante que as representações espaciais não são fixas,

podem ser reposicionadas e questionadas na medida da vivência social de cada

comunidade. Um mesmo local assume diferentes valores de acordo com o contexto

humano no qual se insere. O espaço é modificado na medida de uma dialética entre

discursos tradicionais e discursos de ruptura, e isto se verifica em quaisquer níveis

de representação desde um mapa, passando por uma conversa informal sobre uma

localidade até num tratado de geografia física. A espacialidade é, portanto, um

exercício de significação social contínuo, jamais neutro e articulado com os demais

discursos presentes numa sociedade.

O espaço não pode mais ser concebido como passivo, vazio, ou então, como os “produtos”, não tendo outro sentido senão o de ser trocado, o de ser consumido, o de desaparecer. Enquanto produto,

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por interação ou retroação, o espaço intervém na própria produção: organização do trabalho produtivo, transportes, fluxos de matérias-primas e de energias, redes de repartição de produtos. À sua maneira, produtivo e produtor, o espaço (mal ou bem organizado) entra nas relações de produção e nas forças produtivas. Seu conceito não pode, portanto, ser isolado e permanecer estático. Ele se dialetiza: produto-produtor, suporte de relações econômicas e sociais (LEFEBVRE, 2006, p.03).

O espaço torna-se um fenômeno ideológico, no sentido de refletir em suas

imagens a tensão social entre representações hegemônicas e representações

estigmatizadas. As imagens dominantes do espaço naturalizam um discurso

fechado, alheio à experiência cotidiana do ambiente e as justificam por meio de

figuras de autoridade, como a ciência. Lefebvre (2006) ressalta que a geografia é em

primeiro lugar uma vivência do homem com espaço, e só depois uma disciplina.

Neste sentido, não se pode confundir o discurso científico sobre a espacialidade

com o próprio fenômeno, o resultado de uma ciência não é necessariamente

verdadeiro (mesmo que sempre este tente passar por infalível). Um mapa, uma foto

de satélite, por mais preciso que este possa ser, sempre vai representar uma das

representações possíveis sobre um local e não a última representação deste:

Uma forte corrente ideológica (fortemente agarrada à sua própria cientificidade) exprime, deforma admiravelmente inconsciente, as representações dominantes, portanto, aquelas da classe dominante, talvez as contornando ou delas desviando. Uma certa “prática teórica” engendra um espaço mental, ilusoriamente exterior à ideologia. Por um inevitável circuito ou círculo, esse espaço mental torna-se, por seu turno, o lugar de uma “prática teórica” distinta da prática social, que se erige em eixo, pivô ou centro do Saber (LEFEBVRE, 2006, p. 16).

Outro ponto sobre o qual Lefebvre assenta sua crítica é sobre o excesso

classificatório que sobrecarrega a análise espacial. Para o filósofo francês, o uso de

categorias, só faz sentido numa análise, se tais auxiliam de fato na interpretação de

fenômenos concretos, criar um termo para explicar outro termo, distorce o foco da

investigação espacial, que deve ser a vivência e estudo das diversas representações

da espacialiadade. Falar de espaço através de metalinguagem, como verticalidade

ou prospectividade, sem acompanha-se isto pela reflexão do significado particular

desde dado para a experiência de um ambiente, é um exercício estéril de listagem

ou material para um dicionário. Não se pode limitar a experiência espacial a

categorias fechadas e pré-estabelecidas, pois diferente de outros sistemas de

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significação, o código semiótico de espaço não é gerado em outro lugar que não na

experiência imediata do discurso. Sendo assim, uma categoria criada deveria ser

atualizada, mesmo revista em cada experiência estudada, traço que não é

observado através da formalização:

É preciso, talvez, descobrir algumas relações ainda dissimuladas entre o espaço e a linguagem, a “logicidade” inerente à articulação funcionando desde o início como espacialidade, redutora do qualitativo dado caoticamente com a percepção das coisas (o prático-sensível). [...] Em qual medida um espaço se lê? Se decodifica? A interrogação não receberá uma resposta satisfatória tão cedo. Com efeito, se as noções de mensagem, de código, de informação etc., não permitem seguir a gênese de um espaço [...], um espaço produzido se decifra, se lê. Ele implica um processo significante. E mesmo se não existe um código geral do espaço, inerente à linguagem ou às línguas, talvez códigos particulares tenham se estabelecido ao longo da história, provocando efeitos diversos; de modo que os “sujeitos” interessados, membros desta ou daquela sociedade, acedam ao mesmo tempo a seu espaço e à sua qualidade de “sujeitos” atuando nesse espaço, o compreendendo (no sentido o mais forte desse termo) (LEFEBVRE, 2006, p. 24).

Lefebvre ressalta que a análise do espaço é um contínuo esforço de

interpretação, e não a busca de princípios universais que abarquem todas as formas

de experiência espacial. A espacialidade tem particularidades que não se deixam

categorizar, por exemplo, as categorias centro e periferia não encontram referências

puramente espaciais, um local não é dito centro da cidade por se localizar

precisamente no ponto médio, mas por acumular representações simbólicas de

autoridade e qualidade. Em contrapartida, a periferia seriam espaços desprovidos de

hegemonia ou com representações estigmatizadas. Isso demonstra mais uma vez

que a espacialidade só ganha sentido na sua relação com o social O espaço é

acima de tudo uma representação localizada histórica e socialmente. :

Que o espaço físico não tenha nenhuma “realidade” sem a energia que se desenvolve, isso parece fora de dúvidas. As modalidades desse desenvolvimento, as relações físicas entre os centros, os núcleos, as condensações, e, de outro lado, as periferias, permanecem conjecturais. A teoria da expansão supõe um núcleo inicial, uma explosão primordial. Essa unicidade original do cosmos tem provocado muitas objeções, em razão de seu caráter quase teológico (teogônico). F. Hoyle opôs-lhe uma teoria muito mais complexa: a energia se desenvolve em todas as direções, do infinitamente pequeno ao infinitamente grande. Um centro único do cosmos, seja original, seja final, é inconcebível. A energia-espaço-

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tempo se condensa numa multiplicidade indefinida de lugares (espaços-tempos locais) (LEFEBVRE, 2006, p. 21).

Lefebvre acentua que a representação dos espaços sociais constitui-se de

três práticas simbólicas:

a) A prática espacial, que engloba produção e reprodução, lugares especificados e conjuntos espaciais próprios a cada formação social, que assegura a continuidade numa relativa coesão. Essa coesão implica, no que concerne ao espaço social e à relação de cada membro de determinada sociedade ao seu espaço, ao mesmo tempo uma competência certa e uma certa performance. b) As representações do espaço, ligadas às relações de produção, à “ordem” que elas impõem e, desse modo, ligadas aos conhecimentos, aos signos, aos códigos, às relações “frontais”. c) Os espaços de representação, apresentam (com ou sem código) simbolismos complexos, ligados ao lado clandestino e subterrâneo da vida social, mas também à arte, que eventualmente poder-se-ia definir não como código do espaço, mas como código dos espaços de representação (LEFEBVRE, 2006, p. 36).

Para apreender o mecanismo de construção simbólica da espacialidade de

Henri Lefebvre, Edward W. Soja (1996) propõe um modelo denominado de trialética

da espacialidade “que inter-relaciona uma dialética ligada por uma tríade” (SOJA,

1996, p. 65-68). O resultado deste processo é o esquema abaixo:

Figura 10- Modelo da trialética da espacialidade (SOJA, 1996: p. 74)

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O modelo de espacialidade proposto por Soja (1996) está composto por três

níveis (a, b, c):

a) A prática espacial (espace perçu, o espaço percebido)

A prática espacial é entendida como a produção das representações da

espacialidade desenvolvidas por cada grupo social. Para Soja (1996), “é entendida

como o processo da forma material da espacialidade social; ela é, deste modo,

apresentada tanto como meio quanto propósito da atividade, comportamento e

experiência humanas” (SOJA, 1996, p. 66).

b) As representações do espaço (espace conçu, o espaço concebido)

As representações do espaço são um conjunto de abstrações espaciais

produzidas para convencionar uma percepção do espaço. Estas representações

ordenam, dimensionam e, de certo modo, “impõem um controle sobre o

conhecimento, os símbolos, e códigos [...] da decodificação da prática espacial e da

produção do conhecimento espacial” (SOJA, 1996, p. 66). Segundo Lefebvre (2006,

p. 36-37) este tipo de espacialidade é a forma dominante de espaço em qualquer

sociedade e “um armazém do poder epistemológico”.

c) Os espaços das representações (espace vécu, o espaço vivenciado)

Os espaços das representações se diferenciam das outras duas modalidades

espaciais por se tratar de um uso estratégico do espaço, relacionado às práticas

particulares dos diversos grupos sociais com seu espaço. Estes se ligam com as

atividades não convencionais, sejam as marginalizadas, underground ou mesmo

artísticas, que não costumam estarem cotidianamente presentes em todos os

espaços.

Estas intervenções não automatizadas sobre o espaço reposicionam as

representações estabelecidas do espaço: ora as questionando, ora as atualizando

segundo as demandas da dinâmica comunitária. Daí estas representações estarem

diretamente ligadas à vivência dos sujeitos com sua espacialidade

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O avanço trazido pela trialética de espacialidade é captar os discursos

espaciais imediatamente como representações simbólicas, sem a necessidade do

contato imediato com um lugar concreto. Este refinamento semiótico da abordagem

lefebvriana por Edward Soja permite aplicar a dinamização espacial a fenômenos

puramente discursivos, como o espaço ficcional, e ainda, espaços concretos em sua

dimensão simbólica, como os locais de culto ou o imaginário de grandes cidades

como Londres ou Nova Iorque. Ampliando ainda mais o “esses entrecruzamentos

múltiplos, em lugares e praças assinalados” (LEFEBVRE, 2006, p. 36) inerentes à

espacialidade.

1.4.2 Uma Nota de Autocrítica

O exame das propostas dadas por Henri Lefebvre e Edward W. Soja é

sintomático: é chegado o momento de questionar os mitos de nossa visão espacial:

a) ilusão da transparência, ou seja, a ideia de que o espaço é claro, óbvio,

integralmente inteligível aos olhos de qualquer um. Como se espaço fosse inocente,

sem obscuridades, livre de arestas. Nas palavras de Lefebvre (2006, p. 33): a ilusão

de transparência “revela-se como uma ilusão transcendental, retomando

momentaneamente a velha linguagem dos filósofos: como um engodo, funcionando

por sua própria potência quase mágica, mas remetendo assim e do mesmo

movimento a outros engodos, seus álibis, suas máscaras”. b) ilusão realística,

baseado no primeiro preconceito, a ilusão realística resume o espaço a categorias

abstratas que corresponderiam a seus aspectos universais, como lateralidade,

dimensionalidade etc., que longe do espaço concreto são simples palavras, vazias

de significado. A ilusão realística fornece ao estudiosos o monopólio do discurso

espacial, reduzindo a espacialidade a um amontoado de categorias que pouco

fornece para uma explicação interpretativa da vivência espacial.

A existência destas questões leva a indagar até que ponto a teoria do espaço

ficcional se encontra atenta a tal problemática. O exame dos modelos de análise do

espaço ficcional recenseados ao início de nossa reflexão, e avaliados no seu

decorrer evidenciam a total assunção desta visão estática de espaço acompanhada

por um modelo formalista de análise. Em nenhuma das propostas teóricas houve a

necessidade de refletir o caráter social e contextual da representação espacial na

literatura. Fato que torna o espaço na narrativa uma das matérias mais

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condescendentes com aquilo que Bourdieu chama de crítica pura, que se

caracteriza pela crença na obra de arte como um fenômeno autônomo, sem ligação

com o seu contexto de produção e recepção e que reproduz continuamente os

juízos de críticos consagrados com a interpretação última da obra:

A experiência da obra de arte como imediatamente dotada de sentido e de valor é um efeito do acordo entre as duas faces da mesma instituição histórica, o habitus cultivado e o campo artístico, que se fundam mutuamente: sendo dado que a obra de arte só existe enquanto tal, isto é, enquanto objeto simbólico dotado de sentido e de valor, se é apreendida por espectadores dotados da disposição e da competência estéticas que ela exige tacitamente, pode-se dizer que e o olho do esteta que constitui a obra de arte como tal, mas com a condição de lembrar imediatamente que não o pode fazer sentido na medida em que ele próprio e o produto de uma longa história coletiva, ou seja, da invenção progressiva do "conhecedor", e individual, isto e, de uma frequentação prolongada da obra de arte. Essa relação de causalidade circular, à da crença e do sagrado, caracteriza toda instituição que pode funcionar apenas se é instituída a um só tempo na objetividade de um jogo social e em disposições que predisponham a entrar no jogo, a interessar-se por ele. [...]. O jogo faz a illusio, o investimento no jogo do jogador avisado que, dotado do senso do jogo porque feito pelo jogo, joga o jogo e, com isso, o faz existir (BOURDIEU, 1996, p. 323-324).

É neste jogo onde os críticos literários criam classificações e os analistas as

assumem sem consciência de seus possíveis limites e de suas consequências

discursivas para a representação da espacialidade que jazem os modelos

concretista e seus correlatos. É necessário buscar entender a espacialidade como

um elemento intrínseco do texto literário que se atualiza em cada obra literária. Não

existe a espacialidade enquanto um elemento etéreo, repetido uniformemente por

toda a literatura. O espaço representado em uma obra é sempre particular e nele se

figuram uma rede complexa entre o discurso enquanto linguagem e enquanto pintura

espacial das representações simbólicas surgidas de seu contexto. A postura a ser

admitida por uma análise global da espacialidade deve, portanto consorciar a sua

dimensão linguística, estética e social. Cada análise adotará o critério específico do

conjunto significativo de uma narrativa particular, a espacialidade não é a soma de

suas expressões discretas (substantivos), mas um todo em que cada elemento

transcende a sua individualidade, assumindo uma significação que é específica, só

compreendida na relação concomitante entre as partes.

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O conjunto destas premissas, entendidas como uma metodologia alternativa à

tradicional análise concretista estabelece um paradigma construtivista da

espacialidade ficcional. O termo construtivista é um empréstimo dos estudos da

aprendizagem (CARVALHO & MATOS, 2009), e refere-se ao entendimento de que

os conhecimentos, as significações e os conceitos não são preexistentes nem

universais, desta maneira cada fenômeno é aprendido na relação entre o indivíduo e

a realidade. Cada imagem que é constituída por um sujeito está mediada pelas suas

percepções individuais e pelas representações que absorve na sua relação com a

sociedade. Desta maneira, não existem conceitos padrões e sim conceitos em

contínuo processo de elaboração, abandono e resgate. O paradigma citado obriga o

analista a reconstituir em cada fenômeno a sua singularidade, evitando ao máximo

eleger categorias semanticamente fechadas para não se sentir autorizado a fazer

induções que não estejam de fato presentes no objeto.

A metodologia construtivista afina-se com o discurso dinamizante da

espacialidade, pois questiona o valor da classificação e descrição como fontes de

interpretação. Em termos de crítica literária, o método de análise construtivista

assemelha-se à hermenêutica, partindo da obra para a reflexão e não de categorias

teóricas para trechos isolados de obras. Com a presente investigação vislumbram-se

os fundamentos discursivos e metodológicos que guiarão a análise da

representação do espaço n’Os versos satânicos de Salman Rushdie desenvolvida

nas próximas páginas.

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