Post on 08-Nov-2018
Ficha Catalográfica
Teixeira, Maria da Glória Lima Cruz. Dengue e espaços intra-urbanos: dinâmica detransmissão viral e efetividade das ações de combatevetorial / Maria da Glória Lima Cruz Teixeira. -Salvador : 2000.
199 p. : il. ; 30 cm.
Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia.
1. Dengue. 2. Controle vetorial. I. Título.
Universidade Federal da BahiaInstituto de Saúde Coletiva
Dengue e espaços intra-urbanos: Dinâmica de circulação viral e efetividade
de ações de combate vetorial
Tese de doutoramento apresentada ao Curso dePós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto deSaúde Coletiva da Unversidade Federal da Bahia
Aluna: Maria da Glória Lima Cruz Teixeira
Orientador: Prof. Dr. Maurício Lima Barreto
Salvador – Bahia2000
A Dega e Flora, meus pais, ignorantes da ciência, masiluminados pela inteligência e força da vida. Depois de umárduo dia de luta nos colocavam para estudar em volta de
uma grande mesa à luz de um lampião, e, mais do que o quehavia nos livros, aprendíamos princípios fundamentais - o
valor do conhecimento, do trabalho, da honestidade, dasolidariedade e da honradez. No colo de Dega me alfabetizei,
ouvindo minha mãe tomar a lição dos mais velhos,crescendo em um ambiente em que ler e estudar eram parte
das obrigações diárias.
A meus nove irmãos, que absorveram aqueles valores e ostomaram como diretrizes para a vida, e cujo cuidado em me
orientar e sustentar permitiram-me trilhar o mesmocaminho.
Com grande amor, a meus filhos Rafa, Duda, Nando e Juju,aos quais tento transmitir os ensinamentos dos meus pais.
A Tramm, meu companheiro, que fazda alegria uma estratégia de vidae tem o dom de acolher e apoiar
nas horas difíceis.
A G R A D E C I M E N T OS
Ao corpo docente do Instituto de Saúde Coletiva, que me recebeu com entusiasmoe incorporou-me ao projeto de construção dessa nova instituição, da qual meorgulho em participar. A convivência com a riqueza de conhecimento e o fervilharde idéias desse conjunto de professores e pesquisadores impulsionaram o meucrescimento e redirecionaram minha vida profissional.
Ao meu orientador, Maurício Barreto, que tem como principal característicainstigar todos os que o rodeiam a formular questões científicas e a tentarrespondê-las. Sua capacidade para, generosamente, criar terreno favorável aocrescimento de sua equipe, doutorandos, mestrandos e alunos de iniciaçãocientífica, parece ser inesgotável. Discutir com Maurício e ouvir suas valiosassugestões foi e continua sendo de fundamental importância para minha formaçãoacadêmica e científica.
À amiga, companheira e colega de muitas jornadas, Conceição Costa, solidária edisponível a toda hora, que, com muita simplicidade, pôs sua vasta experiência naárea de epidemiologia e orientação de alunos à minha disposição. É autora principalde um dos artigos aqui apresentados e co-autora em outros três. Sua valiosacontribuição foi indispensável em todas as fases do meu curso de doutorado e deelaboração desta tese.
A Naomar, que, como professor, consegue apresentar de forma leve e clara temascomplexos - com os quais não custávamos lidar ou que nem sequer chegavam a serobjeto de nossas preocupações - descortinando uma outra forma de ver a práticacientífica. Obrigada ainda pela confiança que vem depositando na minha capacidadeprofissional.
A Jairnilson, que tanto contribuiu para que, no desenvolvimento das minhasatividades profissionais nos serviços de saúde, eu mantivesse a minha percepção eatitude acadêmicas e, na academia, eu não me distanciasse da sensibilidade própriado fazer cotidiano do serviço. O alicerce da minha formação em Saúde Pública veiodas suas orientações, sempre sábias.
A Vanize, Fabíola e a todos os outros que compartilharam o sonho, para muitos,utópico, de desenvolver no Brasil um programa de intervenção em Saúde Pública,considerando a importância de atuar nos fatores condicionantes e determinantesda produção da doença.
A Jarbas Barbosa, um dos poucos dirigentes do setor saúde a entender que oavanço das ações nesse campo passa pela interação entre os serviços e a pesquisacientífica. Ao propor uma avaliação independente do programa de combate aoAedes aegypti no Brasil, viabilizou a constituição de um amplo programa de
pesquisa sobre dengue no país, que poderá contribuir para o aperfeiçoamento dasestratégias de intervenção.
A Jorge Travassos da Rosa, que se empenhou desde o primeiro momento para quese realizasse esta investigação, tendo disponibilizado a estrutura do InstitutoEvandro Chagas da Fundação Nacional de Saúde para sua execução.
A Pedro Vasconcelos e Amélia Travassos da Rosa, amigos e colegas do Laboratóriodo Serviço de Arbovírus do Instituto Evandro Chagas, pelas sugestões econtribuições ao projeto e pela realização, em tempo recorde, dos examessorológicos.
A Fabiano, Paulo Selera e Vilarinho, dirigentes do Programa de Erradicação doAedes aegypti (PEAa) na Fundação Nacional de Saúde, que não mediram esforçospara a liberação dos recursos necessários à investigação empírica em que sefundamenta este trabalho.
Aos Professores José Tavares Neto e Rita Barata Barradas que durante o examede qualificação incentivaram e trouxeram contribuições para o aperfeiçoamento doProjeto.
A Gerson Penna, chefe, companheiro e grande amigo. Mesmo distante, acompanhae sabe ficar perto, sempre presente para ajudar-me em muitos aspectos da vida.
A Lorene, pelo apoio e pela compreensão da importância deste trabalho para oconhecimento do dengue em nosso meio, oferecendo as condições para que pudesseser realizado.
A Marlene, chefe e grande amiga, que desempenha sua função comresponsabilidade, dedicação e criatividade. A cada reunião um novo desafio nos eraproposto e, obstinadamente, eram perseguidos os meios para enfrentá-los.
A Vilma Santana, pelo aporte de conhecimentos como professora e amiga, semprepronta a responder às questões formuladas. Devo-lhe ainda um grandeagradecimento pela carinhosa insistência no meu retorno a Salvador, efetivada nacontribuição para o estabelecimento das condições concretas que o permitiram.
A Leila, pela paciência em fazer e refazer as análises estatísticas e pelas valiosascontribuições na elaboração do artigo empírico.
A Regina e Margarita da COADE/CENEPI, pelos cuidadosos pareceres aos projetosenviados para solicitação de financiamento ao CENEPI, contribuindo paraaperfeiçoá-los.
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A Florisneide, que transmite paz e compreende que o trabalho não deve ser feitoapenas para o cumprimento de uma jornada. Sempre disponível, solidária eorganizada, possui virtudes fundamentais que superam a minha agitação edesorganização.
A Juarez, Zé Carlos, Matildes e Valda, equipe que operacionalizou os trabalhos decampo. Ao tempo em que resolviam os problemas operacionais, tinham os cuidadosnecessários para manter a qualidade dos dados.
A Vanessa, que apostou neste programa de investigação e, mesmo com prejuízo desua vida funcional de servidora pública, aí pôs sua experiência profissional nocampo das zoonoses.
À equipe da DIVEP/SESAB - Alcina, Gerluce, Orgali, Neci, Eduardo e Juca - pelasolidariedade e pela compreensão para com minhas ausências.
Às alegres colegas do CIS - Isani, Eliana, Estela, Zenaide, Márcia e Angela - pelasprontas informações e boas energias transmitidas, estimulando a continuidade dostrabalhos.
A Edite, que há alguns anos vem fazendo, sempre com competência e carinho, aeditoração de vários dos trabalhos de que participo e, pacientemente, também feze refez a desta tese.
À equipe do Projeto de Avaliação do Impacto Epidemiológico do Bahia Azul,sempre pronta a colaborar na disposição não só dos bancos de dados, mas de toda aestrutura material e apoio humano, sem os quais não teria sido possível realizar acoleta de dados.
A Erivaldo, Solange, Ivonete, Elvira e Geraldo, amigos do CENEPI, por todaatenção, carinho e empenho para superar os entraves burocráticos para a liberaçãode recursos.
Aos funcionários do ISC, por não medirem esforços para atender às nossassolicitações, conseguindo imprimir agilidade a uma instituição pública, com sériasdificuldades de infra-estrutura.
À população das “áreas sentinelas”, que concordou em contribuir para odesenvolvimento desta pesquisa, mesmo tendo sido esclarecida quanto ao fato deque não haveria nenhum ganho imediato com os resultados dos exameslaboratoriais. De alguma forma, todas essas pessoas entenderam que oconhecimento científico é construído lentamente e que muitos dos fragmentos queparecem se perder no presente podem ser importantes para gerações futuras.
SUMÁRIO
Apresentação 1
Porque devemos, de novo, erradicar o Aedes aegypti ? 4Resumo 5Summary 6Introdução 7O Aedes aegypti e o Dengue 8Dengue nas Américas 12Dengue e Febre Amarela no Brasil 15Controle do Dengue nas Américas e no Brasil 18Aedes aegypti: Controle ou Erradicação? 22Considerações Finais 28
Referências Bibliográficas 29
A Concepção de “Espaço” na Investigação Epidemiológica 33Resumo 34Summary 35Introdução 36A Geografia e a Definição do seu Objeto 37O Espaço Geográfico, a Medicina e a Epidemiologia 40A Transcendência do Espaço Geográfico 44Limitações Metodológicas e Possibilidades de Superação 46
Referências Bibliográficas 50
Áreas Sentinelas: uma Estratégia de Monitoramento em SaúdePública 54
Resumo 55Summary 56Introdução 57Monitoramento Sentinela em Saúde 58Monitoramento de Áreas Sentinelas 62Pressupostos e Procedimentos para Constituição das “Áreas
Sentinelas” de Salvador 64Comentários Finais 68
Referências Bibliográficas 71
Epidemiologia e Medidas de Prevenção do Dengue 73Resumo 74Summary 75Introdução 76O Vírus e seus Transmissores 78Dinâmica de Transmissão do Vírus do Dengue 81Epidemiologia 88Prevenção 103Desafios e Perspectivas 113
Referências Bibliográficas 118
Epidemiologia do Dengue em Salvador-Bahia,1995-1999 124Resumo 125Abstract 126Introdução 127Material e Métodos 128Resultados 130Discussão 135
Referências Bibliográficas 140
Dinâmica de Circulação do Vírus do Dengue em um ComplexoCentro Urbano 142
Resumo 143Summary 144Introdução 145Metodologia 147Resultados 155
Discussão 171 Referências Bibliográficas 180
Conclusões 184
1
Apresentação
Em 1995, ao ingressar no Instituto de Saúde Coletiva, o meu campo de interesse
centrava-se na importância da reabertura do debate sobre as estratégias de intervenção
relativas a um dos mais graves problemas de saúde da atualidade na área de doenças
transmissíveis, a reemergência das infecções pelos vírus do dengue. Por sugestão da
ABRASCO, algumas iniciativas neste sentido estavam sendo adotadas, no cenário
nacional, pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), contando com o apoio de dirigentes
do Ministério da Saúde. Uma Comissão Técnica foi instituída por deliberação do CNS,
tendo como principal finalidade examinar a possibilidade de erradicação do Aedes
aegypti, transmissor urbano do dengue e da febre amarela.
Foi no contexto de uma participação ativa naquela comissão que ingressei no
Curso de Doutorado do ISC e, sob a tutela do meu orientador, elaborei o primeiro
artigo deste trabalho de tese, intitulado “Por que devemos, de novo, erradicar o Aedes
aegypti”. Dessa forma, foi sistematizada a discussão daquele momento, defendendo-se
e fundamentando-se a tese de que a estratégia de controle é pouco efetiva na maioria das
situações, e evidenciando-se as possibilidades técnicas da estratégia de erradicação e os
seus aspectos humanos e éticos, uma vez que o novo modelo desenhado naquela
oportunidade se alicerçava no saneamento ambiental e na educação em saúde, indo
muito além do combate específico ao vetor.
O Plano Diretor de Erradicação do Aedes aegypti do Brasil e o Projeto Piloto de
Erradicação do Aedes aegypti - Salvador/Bahia, elaborados em 1996, apontavam a
necessidade de desenvolver-se pesquisas visando ao aperfeiçoamento do conhecimento
científico e tecnológico e mecanismos de avaliação e acompanhamento da efetividade
dos trabalhos de erradicação, evidenciando uma outra necessidade: a de que se
aproximassem a área acadêmica e os órgãos executores do projeto de erradicação. Em
consonância com esse objetivo, o CENEPI/FNS solicitou ao Instituto de Saúde Coletiva
que elaborasse uma proposta de avaliação da efetividade das ações do Plano de
Erradicação do Aedes aegypti (PEA). Este havia sofrido um ajuste, em 1997 (PEAa),
que o afastava radicalmente da proposta original, em que pese se ter mantido o termo
“erradicação”’ no seu nome. Desse modo, foi-me apresentada pela direção do ISC a
oportunidade de elaborar e coordenar o projeto que resultou no “Programa de Avaliação
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da Efetividade das Ações de Combate ao Aedes aegypti-ISC/UFBA”, financiado pelo
CENEPI/FUNASA, devendo ser ressaltado que parte dos dados empíricos desse
programa integram esta tese.
O desenho desse programa de avaliação adotou a estratégia de monitoramento de
“áreas sentinelas”, que já vinha sendo utilizada para a “Avaliação de Impacto
Epidemiológico das Obras de Saneamento do Projeto Bahia Azul” . Esta abordagem
utiliza o espaço como categoria privilegiada de investigação de problemas de saúde,
tornando-se assim necessário explicitar este marco teórico de referência, o que veio a
resultar no segundo artigo desta tese, intitulado “A concepção de espaço na
investigação epidemiológica”, elaborado com a Professora Maria da Conceição
Nascimento Costa.
No terceiro artigo, “Áreas sentinelas: uma estratégia de monitoramento em
Saúde Pública”, encontram-se os pressupostos teóricos e práticos que norteiam a eleição
de espaços intra-urbanos para investigações e monitoramento, os delineamentos
metodológicos de sua constituição e as potencialidades do seu uso em saúde pública,
justificando-se a utilização dessa estratégia para o desenvolvimento desta pesquisa.
No quarto artigo apresenta-se uma revisão sobre dengue, nosso tema de
interesse, em que se discorre sobre os fatores determinantes da circulação do vírus, a
distribuição da doença no mundo, nas Américas e no Brasil, e sobre as medidas de
prevenção. Desenvolve-se e discute-se um modelo explicativo que incorpora a
organização do espaço social como elemento fundamental no processo de determinação
da circulação viral. Retoma-se, por fim, o debate sobre a pertinência da proposta de
erradicação de 1995, que não chegou a ser implantada no Brasil, ressaltando-se que o
ajuste realizado e sua posterior implementação, procedida em 1997 (PEAa), não vem
resultando em impacto sobre a ocorrência destas infecções, como evidenciado pelos
dados epidemiológicos de tendência da doença no país.
À guisa de introdução ao estudo prospectivo e para facilitar a compreensão do
leitor foi escrito um artigo, o quinto, apresentando-se o contexto epidemiológico da
cidade onde viria a se desenvolver a pesquisa empírica desta tese, para o que se contou
com dados secundários dos órgãos de saúde pública.
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À luz dos resultados apresentados no sexto artigo, a autora tem a oportunidade
de demonstrar, mediante o desenvolvimento de um estudo de coorte, que a intensidade
de circulação do vírus do dengue quase que não se reduz com a estratégia de combate
vetorial adotada. Essa estratégia não consegue alcançar índices de infestação próximos
de zero, tese defendida no primeiro destes artigos e efetivamente comprovada. Tais
achados, ponto central desta investigação, são amplamente discutidos neste artigo e
retomado no capítulo de conclusões, indicando a necessidade de continuar-se a
desenvolver este debate com a comunidade científica e a sociedade brasileira, com
vistas ao redirecionamento da atual política de intervenção.
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Artigo 1
PORQUE DEVEMOS, DE NOVO,ERRADICAR O AEDES AEGYPTI
Maria da Glória Teixeira*Maurício Lima Barreto*
Publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva, 1:122-135, 1996
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RESUMO
A ocorrência de epidemias de Dengue Clássico, Febre Hemorrágica do Dengue e
Síndrome de Choque do Dengue no Brasil e nas Américas coloca essa virose como um
dos grandes problemas de saúde pública do continente, o que impõe uma reflexão sobre
sua situação epidemiológica e as estratégias de seu enfrentamento. Neste sentido, um
importante debate nacional vem se processando, desde o início do ano de 1995 sobre, a
estratégia de prevenção que deve ser adotada no Brasil. O Conselho Nacional de Saúde
ao criar uma Comissão Técnica para analisar o problema, não descartou a readoção de
uma proposta de erradicação do Aedes Aegypti, que foi a estratégia adotada até 1985,
quando foi substituída por um programa de controle. Seminário promovido pelo
Conselho Nacional de Saúde e Ministério da Saúde em novembro de 1995, com a
participação da comunidade científica (ABRASCO, SBMT e SBP), CONASS,
CONASSEMS e de profissionais de saúde que desenvolvem trabalho nesta área, revelou
a existência de opiniões favoráveis e desfavoráveis à erradicação do Aedes aegypti. Este
artigo sistematiza esta discussão e a opinião dos autores é de que dentro das diretrizes
técnicas e políticas imprimidas ao Plano Nacional de Erradicação do Aedes aegypti do
Brasil emanadas do Conselho Nacional de Saúde, e referendadas pelos participantes do
Seminário, é de que os profissionais de saúde e a sociedade brasileira deva lutar para a
sua implantação, pois, apesar de todas as questões técnicas envolvidas o plano além de
factível, é defensável pelos seus aspectos humanos, éticos e pela capacidade de resgatar
questões essenciais como o próprio Sistema Único de Saúde e a luta pela equidade
social e inter-regional no país.
Palavras chave: dengue; febre hemorrágica; síndrome de choque; erradicação.
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SUMMARY
The occurence of epidemies of Classic Dengue, Dengue Hemorragic Fever and
Dengue Shock Syndrome in Brazil and other American countries put this viroses as in
important public health problem in the continent. This stressira the need of permanent
evaluation of its epidemiological picture and the developments of strategis to confront
it. Since 1995 an important national debate come out on the strategy of prevention that
must be adopted in Brazil. The National Health Council (CNS) in the act of creating a
task force to analyse the problem, do not exclude the readoption of erradication of the
Aedes aegypti. It was the strategy used until 1985 when it was replaced by a control
approach. A seminar promoved By CNS in November, 1995 with the participation of
members of scientific community, representatives of the State and Municipal Health
Secretaries Councils, and professional from several different public offices disclosed the
existence of favourable and unfavourable opinions, as far as, Aedes aegypti erradication
is concerned. This article aim to present a summary of such discussion. The authors
conclude the proposes Aedes aegypti National Erradication Plan that come out from
CNS and supported by the seminar participants must be implemented. Despite its
techinical and scientifical problems the plan is feasible, defensible by its capacity to
reintroduce essential questions such as the proposal of the Unified Health System (SUS)
and the struggle for a better social and inter-regional equity in the country.
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1. Introdução
O Brasil vem convivendo com epidemias de dengue desde o ano de 1981. A
presença do Aedes aegypti em grande parte do território nacional e a existência de
grandes contingentes populacionais com os requisitos imunológicos para desenvolver
formas severas da doença definem as condições epidemiológicas necessárias para a
eclosão de surtos de dengue em que as formas hemorrágicas e outras apresentações
severas da doença podem se constituir em proporções importantes do total de casos.
Desde 1990, a circulação de dois sorotipos do vírus (DEN-1 e DEN-2) tem sido
identificada, com a ocorrência de casos de dengue hemorrágico, inclusive levando a
óbitos. Até bem recentemente, a abordagem desse problema esteve limitada às
instituições de saúde responsáveis pelo controle do vetor e aos círculos acadêmicos.
Frente a gravidade da situação, o Conselho Nacional de Saúde provocou a abertura de
uma ampla discussão sobre a questão, na perspectiva da adoção de medidas mais
enérgicas de prevenção para resolução deste problema. Este debate tem sido rico e
inovador, desde quando uma doença epidêmica passou a ser entendida, não mais como
um problema restrito às instituições de saúde, mas como um problema a ser enfrentado
por toda a sociedade. Desde o início, entendeu-se que a solução desejada impõe ações
que ultrapassam o combate químico ao vetor, passando por propostas mais abrangentes
sobre os determinantes da sua existência e proliferação e que deveriam estar inseridas
no processo de luta pela descentralização das ações de saúde e pela melhoria da
qualidade de vida da população brasileira. Neste artigo, busca-se sumarizar essas
discussões e defender a tese de que a proposta de erradicação do Aedes aegypti, nascida
neste debate, (apesar de todas as questões técnicas envolvidas), além de factível, é
defensável pelos seus aspectos humanos, éticos e pela capacidade de resgatar questões
8
essenciais, como o próprio Sistema Único de Saúde e a luta pela equidade social e inter-
regional.
2. O Aedes Aegypti e o Dengue
A Febre Amarela e o Dengue são viroses que embora tenham manifestações
clínicas e respostas imunológicas bastante diferenciadas, epidemiologicamente, se
entrelaçam, em virtude de apresentarem no seu ciclo um vetor comum que é o Aedes
aegypti. Possivelmente, este foi introduzido nas Américas, no início da sua colonização
proveniente do continente africano (Francisco,1983; Brés,1986). Desta forma, a
ocorrência destas viroses está intimamente relacionada à distribuição e a dispersão deste
mosquito e das formas como o mesmo foi combatido ao longo do tempo. Isso significa
que a história da erradicação da Febre Amarela urbana, nas Américas, contribuiu
significativamente para diminuir, ou mesmo impedir, a circulação dos vírus do Dengue
no continente até a década de 1960.
Até bem recentemente, nenhum país do continente americano desenvolvia
programas de prevenção especificamente voltados contra o Dengue. Todos os esforços
de controle ou de erradicação do Aedes aegypti tinham a perspectiva de impedir a
reurbanização da Febre Amarela. No Brasil, a primeira campanha sanitária instituída
contra a Febre Amarela data de 1690, quatro anos após o início de uma epidemia em
Recife, a qual teve sua origem em São Domingos, nas Antilhas (Franco,1976). Deve-se
notar que, nesta época, não se tinha o conhecimento do ciclo epidemiológico da doença,
nem que a mesma era transmitida por um vetor. Predominavam as concepções
miasmáticas e as medidas de controle recomendavam a purificação do ar, através da
queima de ervas cheirosas, tiros de artilharia, caiação das casas onde havia mortos,
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como também a limpeza das ruas. Estas recomendações, mesmo sem se fundamentar no
conhecimento da transmissão vetorial, tinham a potencialidade de reduzir a população
de mosquitos e o número de criadouros. Apesar disso, esta primeira epidemia durou
mais de dez anos.
Apenas em 1881, foi que Carlos J. Finlay relacionou o Aedes aegypti com a
transmissão da Febre Amarela (Rodríguez Exposito, 1971). Em 1906, Bancroft publicou
as primeiras evidências de que o Aedes aegypti estava também relacionado com a
transmissão do dengue. Em 1908, foi confirmado por Agromonte e outros autores
(Center for Disease Control, 1979).
Essas informações deram o suporte técnico-científico para o desenho das
campanhas de combate à Febre Amarela do início do século. No Brasil, as primeiras
campanhas foram instituídas por Emílio Ribas, nas cidades de Sorocaba, em 1901; em
São Simão, 1902 e Ribeirão Preto 1903. A base da campanha era a eliminação dos focos
de mosquitos, com a remoção das latas vazias, dos cacos de garrafas e de outros
receptáculos, que pudessem servir para a proliferação do vetor; e envolvia, ainda, a
extinção dos capinzais no perímetro urbano e o “expurgo” dos cômodos das casas dos
doentes. Estes eram internados ou alternativamente, isolados em seus domicílios, com o
uso de cortinados em torno de seus leitos (Franco,1976).
Em abril de 1903, Oswaldo Cruz iniciou, talvez a mais famosa campanha contra
a Febre Amarela, na cidade do Rio de Janeiro, cujas bases eram: evitar que os
mosquitos se infectassem ao picar os doentes (isolamento) e impedir a proliferação dos
mesmos. O sanitarista chamava a atenção para o fato de que o efeito da campanha
dependia da não interrupção dessas atividades. Para isso, lançou mão de instrumentos
jurídicos coercitivos “... que tornem efetivas as disposições regulamentares já existentes
10
sobre a notificação compulsória, estabelecendo medidas repressivas contra os
sonegadores de doentes.” (Franco,1976, p.77). Oswaldo Cruz alicerçou-se no
conhecimento técnico-científico recém adquirido na época para desenhar sua campanha
e, ao mesmo tempo, lançou mão do aparato repressivo para garantir que as ações fossem
colocadas em prática, independente da opinião popular. Isto ocasionou muita reação da
classe política e também por parte da população, incluindo levantes violentos (Costa,
1985). Esta campanha conseguiu finalmente eliminar a Febre Amarela do Rio de
Janeiro, no ano de 1909.
Após as experiências de São Paulo e do Rio de Janeiro, várias outras cidades
brasileiras realizaram campanhas semelhantes contra a Febre Amarela. Em 1940, o
responsável pelo Serviço de Controle da Febre Amarela, em Recife, iniciou um trabalho
que chamou de “Marcha para a Erradicação do Aedes aegypti”, em que inspecionava e
tratava 100% dos domicílios dos municípios infestados (Ruanet, 1940). Os resultados
deste trabalho levaram o Governo Brasileiro, a estabelecer a meta de erradicação para o
vetor através do Decreto Nº 8645 de 4 de fevereiro de 1942. Pela primeira vez, foi
admitida a erradicação do Aedes aegypti em caráter oficial. O trabalho que o Brasil
desenvolveu foi reconhecido internacionalmente e a experiência absorvida por outros
países americanos (OPAS, 1942). Em 1947, o Brasil solicitou ao Conselho Diretor da
OPAS a erradicação do Aedes aegypti em todo o continente americano. A solicitação foi
acatada (OPAS, 1947), sendo iniciada campanha de âmbito continental. Neste mesmo
período, teve inicio a utilização do primeiro inseticida de ação residual, o DDT, no
combate ao vetor (Franco, 1976), o que provocou um grande impacto no conjunto das
lutas antivetoriais.
A Campanha de Erradicação Brasileira cobriu praticamente todo o território
nacional, tendo atingido 1882 dos 1894 municípios existentes. O mosquito foi
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identificado em 1187 municípios, ou seja 63% do total. Só foram excluídos 12
municípios, por estarem situados na selva amazônica e por acreditar-se que lá o vetor
não seria encontrado (Franco, 1976). A campanha de erradicação debelou o último foco
do mosquito, no ano de 1955, em Santa Terezinha, um município baiano. Em 1958 a
certificação da erradicação foi outorgada ao Brasil e a mais dez nações americanas
(OPAS, 1958), e posteriormente a outros países do continente (OPAS, 1960, 1961,
1963, 1965).
Entretanto, o fato de muitos países do continente não terem feito o esforço de
erradicação possibilitou, junto com outras causas, que o mosquito fosse reintroduzido
não só no Brasil, como em outros países que também o haviam erradicado. Hoje quase
todos os países do hemisfério já se reinfestaram com exceção de Bermuda, Canadá,
Chile e Uruguai (Nelson, 1996). Assim, em 1967 e 1969, foi constatada a presença do
vetor na cidade de Belém e as medidas de controle deste foco fizeram com que a cidade
estivesse novamente livre do Aedes aegypti em 1973 e que o mesmo não se dispersasse
para outros locais (Amaral, 1983; Marques, 1985).
Em 1976, o Aedes aegypti, foi novamente identificado no país, na área portuária
de Salvador (Amaral, 1983; MS/FNS, 1996). Em seguida, foram observados outros
focos no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras (Amaral 1983). A epidemia de
Dengue em Boa Vista (Roraima), em 1981, surpreendeu as autoridades sanitárias
brasileiras, desde quando não havia a suspeita da presença do mosquito naquela área
(Osanai, 1984). Logo após, em 1986, explode a epidemia do Rio de Janeiro, e a partir
daí o Aedes aegypti rapidamente se dispersa por extensas áreas do território nacional.
Atualmente, o vetor já foi identificado em pelo menos 1754 municípios, distribuídos em
18 unidades federadas. Estes dados dizem respeito apenas às áreas cobertas pelas
12
atividades da Fundação Nacional de Saúde, significando que um número ainda maior de
municípios podem estar infestados (MS/FNS, 1986).
3. Dengue nas Américas
O vírus do Dengue foi isolado, pela primeira vez, na década de 50. Antes desta
época, os registros de casos ou de epidemias eram baseados em critérios clínico-
epidemiológicos. Sabe-se que muitas são as infecções capazes de produzir sinais e
sintomas típicos do Dengue, os quais incluem febre, cefaléia, mialgias e exantemas. No
entanto, o Dengue é a única infecção capaz de apresentar-se sob a forma de epidemias
explosivas, que se correlacionam com a dispersão e a densidade do Aedes aegypti. Esta
característica súbita e maciça, possibilitou, com alguma segurança, a caracterização e
descrição de algumas epidemias de dengue, antes mesmo do conhecimento do vírus e
da disponibilidade dos diagnósticos virológico e sorológico (Ehrenkranz, 1971).
Considera-se que as primeiras epidemias de dengue, registradas na literatura,
tenham ocorrido na ilha de Java (Jakarta) e no Egito, ambas em 1779, e em Filadélfia
(USA), no ano seguinte (Torre, 1990). Ao longo dos três últimos séculos, tem-se
registrado a ocorrência de Dengue em várias partes do mundo, com pandemias e
epidemias isoladas, atingindo as Américas, a África, a Ásia, a Europa e a Austrália.
Por um longo período, essa virose foi considerada uma doença benigna e,
somente após a segunda guerra mundial, ocorreram surtos de uma febre hemorrágica
severa que posteriormente seria identificada como uma forma do Dengue. O primeiro
desses eventos, foi descrito nas Filipinas, em 1953, sendo confundido com a Febre
Amarela e com outras arboviroses do grupo B, e, só posteriormente, em 1958, com a
epidemia de Bankok (Tailândia), esta febre hemorrágica foi descrita como Dengue.
13
Entretanto, através de diagnóstico retrospectivo, aceita-se hoje que a primeira epidemia
de Dengue Hemorrágico tenha ocorrido na Grécia em 1927/1928, alcançando incidência
alarmante e alta letalidade. A investigação de soros de sobreviventes indicou a
circulação dos vírus DEN-1 e DEN-2 (Papangelou & Halstead, 1977; Halstead &
Papangelou, 1980). Outros países do sudeste asiático que vêm apresentando o Dengue
Hemorrágico incluem o Vietnam do Sul (1960), Singapura (1962), Malásia (1963),
Indonésia (1969) e Birmânia (1970). Nesta região, sob a forma epidêmica ou endêmica,
milhares de casos e de óbitos ocorrem a cada ano, predominantemente em crianças.
Essa apresentação clínica tem sido associada à circulação dos vírus 1, 2 e 3.
Nas Américas, o vírus do Dengue circulou, desde o século passado até as
primeiras décadas do atual. Em seguida, houve um silêncio epidemiológico e considera-
se que a sua reintrodução deu-se nos anos sessenta (sorotipos 2 e 3), associando-se com
a ocorrência de várias epidemias de Dengue Clássico. Em 1963, registraram-se os
primeiros casos de Dengue na Jamaica (DEN-3) os quais proliferaram na Martinica, em
Curaçau, na Antigua, em Saint Kitts, em Sanguilla, na Venezuela e em Porto Rico; logo
após atingiu o Norte da América do Sul (Venezuela e Colômbia) e casos importados
foram notificados nos EEUU (Donalísio, 1995). Entre 1968 e 1970, epidemias com os
vírus 2 e 3 foram registradas no Caribe, na Guiana Francesa e na Venezuela. Na década
de setenta, também ocorreram na Colômbia, em Porto Rico e em Saint Thomas, com
isolamento dos mesmos vírus. Em 1977, o vírus sorotipo 1 se introduz na Jamaica e se
dissemina em todas as ilhas do Caribe e na América Tropical. Entre esse ano e 1980
foram notificados 702 mil casos de Dengue Clássico nas Américas, quase todos pelo
vírus sorotipo 1 (OPAS, 1995a).
A década de oitenta se destaca pel aumento da circulação dos vírus no continente
americano e os países que mais notificaram casos foram: Brasil, Colombia, Guatemala,
14
Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Porto Rico e Venezuela. Também no início
desta década, foi isolado o vírus DEN-4.
Os primeiros casos de Dengue Hemorrágico nas Américas ocorreram em
Curaçau e na Venezuela na década de 60, e em Honduras, Jamaica e Porto Rico, nos
anos 70, com poucas confirmações laboratoriais (OPAS, 1995a).
O acontecimento epidemiológico mais relevante na história do Dengue nas
Américas foi a epidemia de Dengue Hemorrágico e Síndrome de Choque do Dengue
(DH/SCD) que ocorreu em Cuba no ano de 1981. Foram notificados 344.203 casos,
com 116.143 hospitalizações. Foram considerados graves 10.312 casos, e 158
resultaram em óbitos, dos quais 101 acometeram crianças (Kouri, 1986; OPAS, 1995a).
O vírus associado a essa epidemia foi associada ao vírus DEN-2 e precedida por outra
causada pelo vírus DEN-1 .
Em outubro de 1989, eclodiu na Venezuela um surto de DH /SCD com um total
de 8.619 casos e 117 óbitos. Foram isolados os vírus DEN-1, DEN-2 e DEN-4. Dois
terços dos casos constituíam-se de crianças menores de 14 anos. Este episódio é
considerado o segundo mais grave nas Américas. Desde 1981 casos de Dengue
Hemorrágico no continente americano têm ocorrido sistematicamente, registrando-se
até 1995, 37.030 casos, com 526 óbitos, o que corresponde a uma letalidade de 1,5%. O
país que mais contribuiu para aquele total foi a Venezuela (20.490 casos) seguido de
Cuba, Nicarágua, Colômbia e Brasil (Pinheiro, 1996).
Nos anos 90, o quadro epidemiológico das Américas e do Caribe se agravou. Os
quatro sorotipos do vírus passaram a circular e epidemias de Dengue Clássico tem sido
freqüentemente observadas em vários centros urbanos, muitas delas associadas a
ocorrência de casos de Dengue Hemorrágico. Em algumas áreas a virose já se apresenta
sob forma endêmica.
15
4. Dengue e Febre Amarela no Brasil
Os primeiros registros de casos de Dengue no Brasil datam de 1916, em São
Paulo, e de 1923, em Niterói. Neste último ano, um navio francês aportou em Salvador
(Bahia) com casos suspeitos, porém não foram registrados casos autóctones na cidade
(Soares, 1928). Um inquérito sorológico realizado na Amazônia em 1953/1954
encontrou soro positividade para Dengue, sugerindo que o vírus havia circulado na
região (Causey & Theiler, 1962).
No país, a primeira epidemia de dengue confirmada clinica e laboratorialmente
aconteceu em 1981, em Boa Vista (Roraima) (Osanai, 1984). Estimou-se a ocorrência
de 12 mil casos, tendo sido isolados dois sorotipos dos vírus no curso do evento: DEN-1
e o DEN-4. A propagação viral, para o resto do país, não se deu à partir desse episódio,
pelo fato do mesmo ter sido rapidamente controlado.
O Dengue só reapareceu no Brasil cinco anos depois, na cidade de Nova Iguaçu
(Rio de Janeiro), tendo sido identificado o DEN 1. A partir daí a virose disseminou-se
para outras cidades vizinhas, inclusive Niterói e Rio de Janeiro. Foram notificados
93.910 casos entre abril de 1986 e julho de 1987. Figueiredo (1991) estimou, através de
um inquérito sorológico, em escolares, que a infecção atingiu mais de um milhão de
indivíduos no Rio de Janeiro.
De julho de 1987 até meados de 1990, a doença permaneceu endêmica no Rio de
Janeiro, quando nova epidemia de grandes proporções de Dengue Clássico ocorreu em
virtude da introdução do vírus 2. Em 1991, foram notificados 1316 casos graves, dos
quais 150, foram confirmados como Dengue Hemorrágico. Em 1995, voltou-se a
registrar casos de Dengue Hemorrágico no Rio de Janeiro, com 105 notificacões e dois
óbitos, além de 26.563 de Dengue Clássico (MS/FNS, 1995a).
16
Em 1986, casos de Dengue foram ainda observados em Alagoas e Ceará, onde
foram notificados, respectivamente, 12.608 e 26.932 casos. No ano seguinte, houve
epidemias em Pernambuco (2.118 notificações), na Bahia (em Ipupiara, pequena cidade
do interior, com 623 casos) e em Minas Gerais (na cidade de Pirapetinga, com 527
notificações).
Após estas primeiras epidemias, o vírus do dengue propagou-se rapidamente por
outras áreas do território brasileiro e, até meados de 1996, sua transmissão já foi
registrada em 638 municípios de 18 Unidades Federadas (MS/FNS, 1996). Cabe
destacar a epidemia de 1994 do Ceará, com 47.221 notificações, registro de 185 casos
suspeitos de Dengue Hemorrágico com 25 confirmações e 12 óbitos (MS/FNS, 1995a).
O Quadro 1 apresenta um sumário dos casos de dengue no Brasil acumulados desde
1986, por Unidade Federada e sorotipos circulantes (MS/FNS, 1996).
Os últimos casos de Febre amarela Urbana no Brasil foram registrados em Sena
Madureira (ACRE), em 1942. Entretanto, o ciclo silvestre se mantém em extensas áreas
com florestas nas regiões Norte, Centro Oeste e Nordeste (restrita ao oeste do
Maranhão), onde o vírus amarílico circula entre primatas não humanos. Surtos
esporádicos ou casos isolados ocorrem no homem, afetando madeireiros, agricultores,
caçadores, pescadores e outros indivíduos que mantém contato com a mata da área
enzoótica (Amaral, 1983; Marques, 1985). Nos últimos anos, o número de casos tem
variado de 2 casos em 1990 a 66 casos em 1993. Entre 1982 e 1994, a taxa de
letalidade média foi de 55,2%, sendo 100% em 1983 e de 27,3 % em 1993 (MS/FNS,
1995b).
17
Quadro 1 - Número de Municípios com Aedes Aegypti e com Transmissão deDengue, Sorotipos Circulantes e Número de Casos por Unidade Federada.
Brasil – 1995
EstadosNº de Municípioscom Aedes Aegypti
Nº deMunicípioscom Dengue
SorotipoCirculante
Nº de CasosNotificados
01. Alagoas 54 8 DEN II 79402. Bahia 149 119 DEN II 34.50703. Ceará 113 12 DEN II 1.99104. Espírito Santo 19 16 DEN II 99505. Goiás 153 41 DEN II 8.19106. Rio G. Norte 46 14 DEN II 5.18107. Rio de Janeiro 49 36 DEN I e II 26.56308. Mato Grosso 63 34 DEN I e II 11.62809. Mato G.do Sul 73 53 DEN I 5.11510. Pernambuco 42 20 DEN I e II 9.29511. Paraná 259 112 DEN I 3.11612. Piauí 46 10 DEN I 3.26013. Minas Gerais 126 16 DEN I e II 2.66514. São Paulo 416 97 DEN I 4.88815. Tocantins 67 22 DEN I 3.19316. Paraíba 49 3 DEN II 1.70117. Pará 6 2 DEN I 2818. Maranhão 24 23 DEN I e II 1.776Total 1.754 638 124.887
Fonte: MS/FNS/DEOPE/CCDTV/GT-FAD
O Programa de Controle de Febre Amarela vem trabalhando na perspectiva de
impedir a sua reurbanização. Até 1994, a vacinação anti-amarílica era feita apenas nos
habitantes da zona enzoótica e em viajantes que se dirigiam para estas regiões. Com o
avanço da infestação do Aedes aegypti para áreas próximas a zona enzoótica, essa
vacina tem sido aplicada, rotineiramente, na população de todos os municípios, a partir
de um ano de idade. Face a rapidez dos deslocamentos humanos, através dos meios de
transportes atuais, tem-se discutido a necessidade de se ampliar a cobertura vacinal para
outros estados brasileiros, já que existe a possibilidade de introdução do vírus amarílico
em qualquer local infestado pelo Aedes aegypti, com risco de ocorrência de epidemias
de Febre Amarela urbana (CNS / MS, 1995; MS, 1996). Pelas suas interrelações, essa
18
questão tem sido objeto de interêsse nas discussões sobre o Dengue e a erradicação do
Aedes aegypti.
5. Controle do Dengue nas Américas e no Brasil
Como já visto, o Brasil e vários outros países americanos adotaram com sucesso
a estratégia de erradicação do Aedes aegypti em 1948, conseguindo-se eliminar a Febre
Amarela urbana e impedir a circulação dos vírus do dengue durante muitas décadas. A
OPAS, até 1982, reiterava a política de erradicação para o continente. Em 1985, foi
oficialmente alterada a estratégia de erradicação, dando-se a opção aos países pelo
controle ou pela erradicação (OPAS, 1985). O Brasil, apesar da resistência da área
técnica dos órgãos responsáveis pela erradicação (Amaral, 1982; Marques, 1985),
também modificou a sua estratégia, criando o Programa de Controle de Dengue e Febre
Amarela.
Nos últimos onze anos, as experiências de controle nas Américas, mostram que
esse é um objetivo possível de ser alcançado, porém difícil de ser sustentado por longos
períodos de tempo, em parte, devido, às modificações climáticas sazonais que ocorrem
em grandes áreas da América Tropical, pois em determinadas épocas do ano a umidade
e a temperatura favorecem consideravelmente a proliferação do Aedes aegypti. Isto
significa que, com a estratégia de controle os recursos e esforços dispendidos, por não
lograrem a completa eliminação do Aedes aegypti nas suas várias formas evolutivas são,
em parte, desperdiçados, com a rápida elevação dos índices de infestação do Aedes
aegypti. A isto se soma as descontinuidades no suprimento de recursos a tais programas,
prática comum com relação às intervenções no campo social nos vários países do
continente. É importante ressaltar que, em algumas áreas, a estratégia de controle
19
consegue diminuir a infestação para níveis que impedem a circulação viral; entretanto,
observa-se que as atividades desenvolvidas em tais áreas têm caráter diferenciado, com
metodologias e intensidade que as aproximam das campanhas tradicionais de
erradicação.
A semelhança entre a gravidade da situação epidemiológica, em diferentes
tempos, do Sudeste Asiático, das Américas e do Brasil encontra-se sumarizada no
Quadro 2. Em nosso continente, os acontecimentos relacionados ao Dengue vêm
ocorrendo com um intervalo de aproximadamente vinte anos, quando comparado aos
eventos registrados no Sudeste Asiático. Os esforços feitos por muitos dos países
americanos, ao perseguirem a meta de erradicação do Aedes aegypti impulsionados pela
possibilidade de reurbanização da Febre Amarela, dificultaram também a circulação dos
vírus do Dengue por um longo período, justificando essa diferença de tempo nas
histórias epidemiológicas do Dengue nos dois continentes. Nessa perspectiva podemos
projetar para o futuro do continente americano a possível continuidade das epidemias,
com o aumento gradativo ou súbito das formas severas da doença.
Nessa linha de preocupação, o Conselho Nacional de Saúde, após análise da
situação epidemiológica nacional e do Plano de Intensificação das Ações de Controle do
Dengue da FNS (MS/FNS, 1995b), por proposta da representante da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) / Associação Brasileira de Saúde
Coletiva (ABRASCO), criou uma Comissão Técnica (CNS, 1995) que teve a tarefa de
examinar a possibilidade de transformar a intensificação do controle em um projeto de
erradicação do Aedes aegypti. Esta ação inédita do Conselho estimulou a mobilização
de setores da comunidade científica brasileira vinculados à ABRASCO, Sociedade
Brasileira de Medicina Tropical e Sociedade Brasileira de Parasitologia e a discussão
tem extrapolado para incluir setores mais amplos da sociedade brasileira.
20
Neste sentido, em novembro de 1995, em Brasília, foi realizado o seminário
“Erradicação do Aedes aegypti: um desafio para as Américas”, organizado pelo
Conselho Nacional de Saúde e Ministério da Saúde por recomendação da Comissão
Técnica (CNS), tendo como principal objetivo ampliar a discussão e ouvir a opinião da
comunidade acadêmica e científica da área. Discutiu-se sobre a viabilidade,
factibilidade e oportunidade do Brasil elaborar e implantar um plano de erradicação do
vetor do Dengue. A Comissão Técnica apresentou, nesse seminário, um documento para
discussão (MS/CNS, 1995) que levava em consideração os argumentos favoráveis e
desfavoráveis a idéia de erradicação e apontava os princípios e diretrizes técnico-
políticas para a construção de um projeto de erradicação para o país: ter a participação
da sociedade; fortalecer a descentralização, segundo princípios e diretrizes do SUS; e
contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações urbanas.A maior parte
dos seus 120 participantes entenderam, após intensas discussões, que o país deveria
elaborar um programa de erradicação do Aedes aegypti e buscar apoio dos outros países
americanos no sentido disto vir a ser adotado como uma estratégia continental
unificada.
21
Quadro 2 - Semelhança na Seqüência de Fatos que Causam Febre Hemorrágica doDengue (Fhd) no Sudoeste Asiático e nas Américas.
(Adaptado de Gluber, 1987)
Fatos Sudeste Asiático Américas* Brasil**
Aumento dadistribuição edensidade do Aedesaegypti
Durante e depois daII Guerra Mundial
1940 - 1970
Depois do insucessodo programa de
erradicação
1970 - 1990
Após a reintroduçãodo Aedes aegypti em
1976.
1976 - 1996
Aumento datransmissão dodengue
1950 - 1970 1970 - 1990 1982 - 1996
Vários sorotiposdengueconfirmados
1950 - 1970 1970 - 1990 1982 - 1996
Aumento dafrequência deepidemias
1950 - 1970 1970 - 1990 1986 - 1996
Casos esporádicosda FHDconfirmados
1950 - 1970 1970 - 1990 1991 - 1996
Primeira epidemiada FHD 1950 1981 1991
Diversas epidemiasda FHD comcentenas demilhares de casosnotificados emilhares de óbito
1950 - 19701960 - 1980
1980
1990 - 1996Milhares de casos ecentenas de óbitos.
1996 ... ?Risco de graves
epidemias da FHD
Fonte: Eric Martinez Torres. Dengue Hemorrágico em Crianças. Editora José Martí, 1990*Acrescentada a situação das Américas 1990 -1996. ** Acrescentada a situação do Brasil em todo operíodo.
22
Com esse respaldo, o CNS/MS intensificou os trabalhos da comissão técnica e
ampliou o número de técnicos e pesquisadores envolvidos no processo, culminando com
a elaboração do Plano Diretor de Erradicação do Aedes aegypti (MS, 1996) que teve a
sua aprovação e regulamentação definido pelo Presidente da Republica e 16 Ministros
de Estado, através do Decreto no. 1934, de 18 de junho de 1996.
No plano externo, o Conselho Diretor da OPAS criou um Grupo Técnico
Assessor (OPAS, 1995c), com o objetivo de examinar a questão da erradicação do
Aedes aegypti nas Américas. Este grupo, reunido pela primeira vez em abril de 1996,
concluiu positivamente pela factibilidade, oportunidade e conveniência da erradicação
(OPAS, 1996). No plano interno tem-se intensificado a discussão do Plano Diretor com
amplos segmentos da sociedade, conselhos de saúde e técnicos e profissionais da área
da saúde. Enquanto o Plano de Erradicação em nível nacional está planejado para
iniciar-se no próximo ano, Projetos Pilotos estão sendo elaborados para serem
implantados em curto período de tempo, visando construir e acumular experiências com
relação as estratégias propostas.
6. Aedes aegypti: Controle ou Erradicaçäo?
Ao longo do tempo, a Saúde Pública vem desenvolvendo conhecimentos e
experiências para a prevenção de doenças e agravos específicos, que são idealmente
aplicados, de acordo com o desenvolvimento científico e tecnológico disponível para o
seu enfrentamento. Payne (1967) define vários estágios no processo de prevenção. O
primeiro nível é a prevenção aplicada ao indivíduo. O segundo nível é o controle
aplicado a uma comunidade, seja pequena ou grande; nesse patamar aceita-se a
ocorrência da doença com freqüência e/ou severidade reduzida, as quais podem variar
23
com o problema de saúde e com a atitude da comunidade. O terceiro patamar é a
eliminação do agravo: neste estágio, seu efeito no homem é reduzido de modo a não
mais se constituir em um problema de saúde pública, pois a doença clínica é ausente ou
extremamente rara, embora o agente causal químico, físico ou biológico permaneça. O
quarto e último nível é a erradicação. Esta palavra é derivada da raiz latina “radix”, e
literalmente significa “arrancando-se pela raiz”. Trata-se de processo mais completo
que o da eliminação, pois pressupõe a extinção tanto da doença clínica como de sua
causa. É o último estágio de resolução do problema, o mais difícil de ser alcançado, mas
sem dúvida, o mais efetivo e eficaz.
Os parâmetros técnicos que mais têm sido utilizados na priorização de doenças e
agravos como objetos de intervenções são a magnitude, a transcendência, a
vulnerabilidade e o custo (Teixeira & Risi, 1995). Mede-se a magnitude pela
prevalência e pela incidência; a transcendência, pela gravidade e pelo valor social, ou
seja, seu impacto atual ou potencial e suas repercussões no desenvolvimento sócio-
econômico; e a vulnerabilidade pela existência de recursos tecnológicos para a
prevenção e controle. A análise desses parâmetros, bem como o cotejamento do volume
de recursos necessários e disponíveis, em tese, definem a meta final a ser alcançada pelo
programa: prevenção individual, controle, eliminação ou erradicação. Entretanto, no
mundo real, observa-se que a concretização das prioridades das ações de saúde resulta,
em ultima instância, de decisões de ordem política, com maior ou menor grau de
fundamentação nos conhecimentos técnicos científicos disponíveis. Estas decisões nem
sempre expressam os interesses ou necessidades dos grupos sociais atingidos pelo
problema em foco.
Por ser o dengue uma doença infecciosa e de transmissão vetorial, associado ao
fato da inexistência, até o momento, de uma vacina e de drogas antivirais, a questão da
24
sua prevenção situa-se em torno de intervenções que limitem a população do Aedes
aegypti, podendo-se optar pelo controle, eliminação ou erradicação. O controle tem sido
definido como o uso integrado e seletivo dos diferentes métodos de combate vetorial de
forma eficaz, econômica e segura para reduzir o vetor e a transmissão a níveis aceitáveis
(OPAS, 1996b). Esses níveis não têm sido definidos quantitativamente. As
intervenções, para o controle, vêm sendo centradas em dois conjunto de ações: o
combate químico e o manejo ambiental (OPAS, 1995b, 1996). O combate químico
permite atuar nas formas larvárias ou adultas do vetor. As larvas são eliminadas em seu
habitat (coleções de água acumuladas) através do uso de larvicidas de poder residual e
as formas aladas através da pulverização do meio ambiente com inseticidas piretróides
ou organo-fosforados a ultra baixo volume (UBV). Tem-se experimentado, com
perspectivas promissoras, a utilização de métodos biológicos de controle de larvas
(OPAS, 1995b). O manejo ambiental, nos atuais programas de controle, tem, em geral,
ficado restrito à destruição de potenciais criadouros no ambiente domiciliar e peri-
domiciliar sem intervir em outros elementos da infra-estrutura urbana (coleta de lixo,
suprimento de água etc.) e do modo de vida das populações.
Apesar de vários países das Américas terem sido considerados como livres do
Aedes aegypti, em passado recente, existe a discussão sobre as dificuldades ou mesmo a
impossibilidade de se erradicar uma espécie biológica de uma extensa área geográfica.
Entretanto, este vetor não é autóctone desse hemisfério e sim do continente Africano, e
no nosso meio adaptou-se a ambiente estritamente humano, no domicílio e
peridomicílio (Amaral, 1983). Deste modo, por não ser encontrado em nicho natural,
possibilita uma maior eficácia das medidas de combate aplicadas, o que facilita a sua
erradicação.
25
Com relação ao Dengue constata-se que o seu atual quadro de ocorrência no
Brasil define uma situação que poderíamos considerar de elevada magnitude, devido às
freqüentes e explosivas epidemias em importantes centros urbanos. Por sua vez, o
Dengue Hemorrágico e a Síndrome do Choque do Dengue, já estão presentes em
algumas áreas, associando-se a uma alta letalidade no estado do Ceará (MS/FNS,
1995a). A possibilidade do desencadeamento de epidemias explosivas dessa forma da
doença torna sua transcendência inquestionável. Por outro lado, a incidência do Dengue
Clássico tem sido muito elevada em várias capitais brasileiras, com repercussões na área
do absenteísmo ao trabalho e às escolas, pois em uma grande parte dos indivíduos
acometidos impede o desempenho das atividades habituais, durante vários dias. A
vulnerabilidade do dengue às ações preventivas se restringe ao impacto das ações de
combate ao mosquito transmissor, o Aedes aegypti. Neste contexto é que se deve
orientar a discussão sobre as alternativas: controle ou erradicação?
Argumentos favoráveis e desfavoráveis com relação a ambas alternativas têm
sido apresentados. Alguns estão sendo superados, construindo-se um consenso, outros
vêm causando dificuldades ou mesmo impasses no campo das idéias e das práticas a
serem estabelecidas. Os principais fatores que têm sido levantados como impeditivos
para o alcance da meta de erradicação incluem o fato do vetor já encontrar-se disperso
em quase todo o continente e em grande área do território brasileiro; a complexidade da
malha dos grandes centros urbanos; as dificuldades dos agentes sanitários e das ações de
saúde em atingirem as áreas de difícil acesso, como as favelas; e a inexistência de um
pacto continental de erradicação. Os defensores do controle argumentam ainda que este
só tem falhado em virtude das dificuldades administrativas e operacionais, e não por ser
tecnicamente incorreta. Por outro lado, teme-se que a opção por uma estratégia de
erradicação possa favorecer a retomada do modelo campanhista, no estilo de operação
26
militar com comando único central, e como este modelo vertical se contrapõe às
diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), constitua-se em um novo obstáculo ao seu
desenvolvimento.
Em contrapartida, vários têm sido os argumentos dos defensores da erradicação.
O primeiro relaciona-se à necessidade de uma mudança de estratégia face à gravidade
da situação epidemiológica do Brasil e das Américas, com risco de ocorrência de
grandes epidemias de dengue hemorrágico e de Febre Amarela urbana, desde quando,
durante os últimos onze anos, período de existência dos programas de controle, não tem
sido registradas vitórias contra o avanço do dengue e do vetor. Destacam que o Brasil e
outros países americanos já erradicaram o Aedes aegypti, o que aponta para a
viabilidade de se repetir com êxito esta proposta e que, por outro lado, os meios de
comunicação, informação e educação evoluíram significativamente nos últimos anos,
possibilitando o enfrentamento das dificuldades relacionadas à complexidade da malha
urbana e o desenvolvimento dos trabalhos em áreas de difícil acesso. Apontam para a
possibilidade de construção de um consenso entre os países do continente americano
em torno de uma proposta de erradicação, como o exemplo recente da poliomielite, cuja
erradicação foi conquistada a partir de um pacto continental e de ações efetivas e
contínuas, cobrindo toda a extensão territorial dos países do hemisfério.
A reflexão sobre a epidemiologia do Dengue e os seus determinantes recoloca o
problema em uma esfera político - social mais abrangente, pois a reinfestação, pelo
Aedes aegypti,do continente e particularmente do Brasil, foi favorecida pelas péssimas
condições sanitárias dos centros urbanos, fruto da ocupação desordenada dos espaços e
dos insuficientes investimentos em saneamento básico. A despeito do desenvolvimento
industrial e urbano, as atuais condições de higiene das grandes cidades brasileiras, se
assemelham em muitos aspectos àquelas do início do século quando ocorreram as
27
grandes epidemias de Febre Amarela. Os aglomerados populacionais, sob a forma de
favelas ou de habitações em palafitas, onde inexiste, em muitas áreas, a coleta de
resíduos sólidos; o acúmulo desses resíduos dentro e fora dos domicílios; os deficientes
sistemas de abastecimento de água levando ao seu armazenamento em condições
propícias ao desenvolvimento das formas evolutivas do vetor, são fatos que devem ser
considerados nesse debate atual, pois enfatizam a complexidade e a importância da
determinação social na ocorrência do Dengue. A inexistência de uma vacina eficaz e de
tratamento específico, diferencia o problema da erradicação do Dengue de outras
doenças anteriormente erradicadas. A necessidade de centrar-se o processo de
eliminação da circulação viral no combate ao vetor implica a impossibilidade de
dissociar-se o seu processo de prevenção de ações sobre os fatores condicionantes e
determinantes, o que significa intervenções que melhorem a qualidade de vida das
populações.
A simples proposta de controle vetorial tem sido alicerçada fundamentalmente
no combate químico, com intervenções restritas na área ambiental, organizadas ainda
em um modelo vertical e portanto sem nenhum poder de motivação da sociedade e
mesmo das populações envolvidas. As descontinuidades administrativas e operacionais
desses programas não são mais do que reflexos da sua baixa capacidade de gerar
compromissos sociais e da pouca priorização por parte do sistema político-
administrativo.
28
7. Considerações Finais
A construção de um projeto nacional de erradicação, com as características
acima apresentadas, traz novos elementos que o tornam defensável, tanto do ponto de
vista técnico como político e social, além de se constituir em um experimento para
futuras inovações na área da saúde pública no país. Do ponto de vista técnico, ele é
inovador por considerar a questão da determinação da doença e apontar para uma
estratégia técnico-científica de enfrentamento, não apenas fundamentado em ações
sobre a base biológica do problema, mas, principalmente, sobre a sua base ambiental e
social. Do ponto de vista político, este é um projeto que nasceu fora da burocracia
estatal, na medida em que foi uma proposta de iniciativa do Conselho Nacional de
Saúde e que rapidamente mobilizou parcelas significativas da inteligência nacional e da
sociedade como um todo. A sua execução trará benefícios sociais de grande monta, pois
além da eliminação da circulação dos vírus do Dengue, terá impacto sobre a incidência
de doenças associadas à falta de saneamento básico como as diarréias, leptospirose,
hepatite A e cólera. O seu desenho impõe um desafio para a saúde publica no
continente, pois assume a maioria dos princípios e diretrizes que nortearam as reformas
sanitárias gestadas dentro dos movimentos populares e de profissionais de saúde: por ser
descentralizado, fortalece o processo da municipalização das ações de saúde; exige
ampla participação e compromisso social; envolve as três esferas de governo e vários
setores das suas organizações político-administrativa. Além disso, esse novo modelo de
erradicação estimula o desenvolvimento e a aplicação de novos conhecimentos
científicos e tecnológicos, ao tempo em que procura resgatar as experiências anteriores
de erradicação e de controle, enfatizando seus elementos positivos. Por fim, entende que
as ações químicas e de saneamento domiciliar e peri-domiciliar são relevantes, porém
insuficientes para a sustentabilidade dos resultados alcançados, a qual só se dará em
29
função de ações estruturais sobre o espaço urbano em sua globalidade somadas às
iniciativas dos indivíduos de manter e preservar a qualidade do seu ambiente. A
convergência de todas essas ações deverá resultar na melhoria da qualidade de vida das
cidades brasileiras e do nível de educação sanitária de suas populações.
Pelo exposto acima, a concepção técnica, política e organizativa do Plano
Diretor de Erradicação do Aedes aegypti do Brasil deve ser defendida e a sua
implantação acompanhada e avaliada pelos profissionais da área de saúde pública e pela
sociedade em geral. Como tem ocorrido com a própria implantação do SUS e outras
conquistas sociais no país, possivelmente, no decorrer desse processo, muitas
dificuldades podem susrgir, particularmente no campo político - administrativo. A
comunidade científica, os profissionais de saúde e a sociedade, em geral, devem estar
mobilizados para lutar pela sua execução e pela observância das suas diretrizes.
Emanado do Conselho Nacional de Saúde, o Plano repõe questões essenciais para o
próprio SUS e, mais do que isto, para a própria saúde publica, ao possibilitar a
recuperação desta, como parte dos grandes movimentos pela melhoria da qualidade do
viver. As eventuais deficiências e insuficiências, devem ser entendidas como parte do
processo de sua construção e, na medida em que sua estrutura democrática e
participativa seja garantida e a gestação de alternativas seja estimulada, tais obstáculos,
por certo, poderão ser superados.
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33
Artigo 2
A CONCEPÇÃO DE “ESPAÇO” NAINVESTIGAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA
The Conception of Space in Epidemiological Investigation
Maria da Conceição Nascimento Costa Maria da Glória Lima Cruz Teixeira
Publicado nos Cadernos de Saúde Pública 15(2):271-279, abr-jun, 1999.
34
RESUMO
As atuais fragilidades conceituais e metodológicas da epidemiologia são fatores
que têm restringido o estudo dos fenômenos de saúde que atingem as coletividades
humanas, e se constituído em um desafio para esta disciplina. Neste artigo alguns
princípios básicos são apresentados como resultado da observação do percurso da
geografia na definição do seu objeto - o espaço - e da sua aplicação na medicina e na
epidemiologia. Esses princípios fundamentam a pertinência da estratégia conceitual e
metodológica que tem como perspectiva a abordagem do espaço geográfico, já que este,
revestido do caráter social e humano, é entendido como expressão das condições de vida
da população. A aplicação desse conceito na prática da investigação epidemiológica
ainda é limitada, embora em outras áreas do conhecimento já se tem desenvolvido
algumas propostas de superação. Os estudos de agregados, cuja unidade de análise é o
grupo, mais freqüentemente os agregados espaciais, e o modelo ecológico que se baseia
na idéia de interrelação de fatores, se aperfeiçoado, podem vir a ser uma alternativa
promissora nesta direção. Os autores destacam que os investigadores devem ter a
totalidade como referência científica, visando garantir o não afastamento dos complexos
processos interativos determinantes dos fenômenos de saúde na população.
Palavras Chaves: Epidemiologia e Espaço; Geografia Médica; Epidemiological
Investigation.
35
SUMMARY
Epidemiology’s conceptual and metodological weakness have been restricting
the study of health phenomena concerning to human communities and come to
constitute a disciplinary challenge. In this paper some basic principles are presented as a
result of observing the trajectory of Geography in the definition of its object – space –
and the application of this object to medicine and epidemiology. These principles state
the pertinence of a conceptual and methodological strategy wich has as perspective the
approach of geographic space meaning the living conditions of the population. The
application of this concept in the practice of epidemiological studies is still limited
although in orther areas of knowledge such proposals have already been developed.
Ecological studies, whose unit of analysis is the group and ecological model that is
based on the idea of the inter-relationship of factors, if improved, can come to be one
promising alternative in this direction. The authors emphasise that the investigators
should have wholeness as a scientific reference, aiming to guarantee the non-saparation
of the complex interactive determining processes of the phenomena of health in the
population.
Key Words: Epidemiology and Space; Medical Geography; Epidmiological
Investigation.
36
1. Introdução
A existência humana é marcada pelas características biológicas dos indivíduos e
pela construção das interações sociais que compõem a história das sociedades. Por sua
vez, a formação destas abrange um mosaico de relações que as tornam estruturalmente
heterogêneas e estabelecem distintas condições econômicas e sociais para os diversos
grupos populacionais. Assim, a saúde e a oença devem ser entendidas como um
processo integrante da vida, pois no sentido mais amplo do conceito de enfermidade não
se vive absolutamente livre de algum tipo de doença (Castellanos, 1991). A investigação
da saúde-doença nas populações é complexa, envolvendo uma série de variáveis, o que
no atual estado da arte dificulta a apreensão da realidade.
A epidemiologia, disciplina cujo propósito fundamental é estudar a saúde-
doença enquanto fenômeno coletivo, tem sido desafiada a desenvolver bases conceituais
e metodológicas capazes de integrar o conhecimento biológico aos fenômenos sociais
(Possas,1989). Contudo, tem-se que se considerar que nenhum campo do saber, ou
qualquer categoria de estudo isolada, tem dado conta da pluralidade de fatores
implicados no processo saúde/doença, o que exige um esforço conceitual e
metodológico para a identificação de recortes mais adequados e de métodos mais
sensíveis para apreendê-los concretamente na prática investigativa. Assim, é necessário
o aporte de outros campos do conhecimento, adotando-se uma perspectiva inter (ou
trans) disciplinar.
Neste sentido, este ensaio tem como objetivo apresentar os fundamentos que
colocam o espaço, objeto da geografia, como uma categoria de estudo privilegiada para
a investigação do processo saúde-doença nas populações.
37
2. A Geografia e a Definição do seu Objeto
Por ser considerada uma disciplina de síntese entre as ciências da natureza e as
ciências do homem, a geografia teve grandes dificuldades no campo epistemológico. A
imprecisão e conseqüente retardamento na definição do seu objeto de estudo, tornou
problemática a sua aceitação no meio acadêmico. Buscando um caráter científico, os
geógrafos apoiaram-se de início no modelo das ciências naturais (Vasconcelos, 1995),
calcado apenas na contemplação da natureza física do espaço, que em seu sentido mais
amplo e determinista corresponde a toda a superfície terrestre e a biosfera.
Somente no início do século XIX, na Alemanha, o conhecimento deste campo
do saber passou a ser sistematizado. Mantendo ainda a idéia de ciência de síntese, o
geógrafo alemão Humboldt restringiu a geografia ao estudo dos aspectos visíveis da
paisagem, porém avançou no sentido de procurar identificar a associação entre os
fenômenos da natureza buscando conexão entre os elementos. Por sua vez, Ritter, um
seu contemporâneo, enfatizava a individualidade do lugar, considerado um conceito
mais restritivo do pensamento geográfico, porém mais generalizador e explicativo da
natureza, porque tinha como finalidade entender o caráter particular de cada local, onde
o homem era seu elemento principal (Moraes, 1994). Fortalecendo ainda mais a visão
naturalista, Ratzel, nas últimas décadas do século XIX, define como objeto da geografia
o estudo da influência da natureza sobre os indivíduos e na sociedade, na qual sua ação
seria mediada pela riqueza que propicia. Para ele a natureza era fundamental para a
expansão de um povo e na formação do Estado, onde o território representava as
condições de trabalho e de existência de uma sociedade (Santos, 1980; Moraes, 1994).
38
A concepção determinista da relação entre o homem e a natureza só foi rompida
quando o francês Vidal de La Blache, no final do século XIX e início do século XX,
ainda mantendo o pensamento positivista, define como objeto da geografia a relação
homem-natureza, entendendo o primeiro como um ser ativo que sofre a influência e ao
mesmo tempo atua sobre o meio. A natureza passou a ser vista como possibilidades para
a ação humana, razão pela qual tal movimento recebeu o nome de Possibilismo. A partir
de La Blache o conceito de região, originário da Geologia, foi explicitado e
humanizado, correspondendo a uma unidade de análise geográfica, sujeita a
delimitação, descrição e explicação, o que retrataria a forma dos homens organizarem o
espaço terrestre (Santos, 1980; Moraes, 1994).
Procurando compreender a manutenção e a ruptura do equilíbrio entre o homem
e a natureza, Max Sorre, na década de trinta, aperfeiçoou as concepções de La Blache, e
para isto, buscou relacionar conhecimentos de ciências afins como a biologia, sociologia
e a medicina, o que representou um avanço significativo na constituição da ecologia
humana. Ao formular a teoria de Complexo Patogênico (Sorre, 1955), criou o conceito
de habitat, apresentando a interrelação existente entre o homem, o agente biológico,
seus vetores e o ambiente. Este cientista destacou as conseqüências da relação dos
indivíduos com o meio, e a necessidade da geografia apreender tal processo (Ferreira,
1991; Moraes, 1994).
Além do Determinismo e do Possibilismo, a “Geografia Racionalista”
constituiu-se no outro grande movimento da “Geografia Tradicional”, diferenciando-se
dos anteriores por seu menor peso empiricista e maior ênfase no raciocínio dedutivo.
Para seu criador, o alemão Hettner, cujas obras foram publicadas entre 1890 e 1910, a
Geografia era a ciência que explicava as diferenças entre as porções da superfície
terrestre - as áreas. Possivelmente o domínio do Possibilismo e/ou o isolamento cultural
39
da Alemanha naquela ocasião tenham sido os responsáveis pela pouca divulgação de
suas idéias, o que só ocorreu após as mesmas terem sido desenvolvidas e publicadas por
Hartshorne entre 1939 e 1959. Os conceitos básicos formulados por este americano
foram “integração” e “área”, sendo esta considerada como uma parcela da superfície
terrestre diferenciada pelo observador, construída no processo da investigação. Uma das
diferenças de sua proposta reside no fato de que para ele não seriam os objetos
singulares que definiriam as ciências e sim os métodos próprios, devendo a Geografia
nos seus estudos trabalhar o real na sua complexidade, lidar com suas inter-relações não
isolando os elementos (Santos, 1980; Moraes, 1994).
A globalização dos fluxos e das relações econômicas resultantes do
desenvolvimento do capitalismo, tornou a realidade muito mais complexa, fazendo com
que o planejamento territorial passasse a ser considerado como um instrumento
privilegiado para a organização do espaço, tal como o planejamento econômico era para
a intervenção do estado. As demandas decorrentes desse processo, aliadas às
fragilidades internas da própria disciplina, como a imprecisão do seu objeto,
contribuíram para o desencadeamento de uma crise na geografia, já que os seus
pressupostos cada vez mais tornavam-se insuficientes para responder e explicar as
mudanças que vinham ocorrendo (Santos, 1980; Moraes, 1994).
Neste contexto, surge o movimento denominado Geografia Pragmática, que,
mantendo as bases conceituais dominantes, apresenta-as numa feição tecnológica,
concretizada através da Geografia Quantitativa e da Geografia Sistêmica, que se
fundamentavam nos princípios da quantificação e no uso de modelos genéricos e teoria
dos sistemas, respectivamente. Outra vertente da Geografia Pragmática, a Geografia da
Percepção busca entender o valor subjetivo do território (Santos, 1980; Moraes, 1994).
40
Embora os paradigmas da Geografia Tradicional já estivessem sendo
questionados desde os anos cinqüenta, foi na década de setenta que se tornou dominante
um novo movimento, a Geografia Crítica, com oposições radicais, que ultrapassavam os
limites acadêmicos, incorporando explicitamente a política no discurso científico e
estabelecendo suas raízes nas questões sociais. O espaço passa então a ser considerado
fruto da dinâmica de sua complexa organização e interações, incluindo todos os
elementos, inclusive o físico (Santos, 1980; Carmo et al, 1995) ou seja, é concebido
como espaço geográfico humanizado pelas relações sociais.
3. O Espaço Geográfico, a Medicina e a Epidemiologia
Atribui-se à Hipócrates (480 A.C.) os primeiros registros sobre a relação entre a
doença e o local/ambiente onde ela ocorre. No seu livro Ares, Águas e Lugares, além de
enfatizar a importância do “modo de vida” dos indivíduos, analisou a influência dos
ventos, água solo e localização das cidades em relação ao sol, na ocorrência da doença
(Trostle, 1986; Pessoa, 1978). Porém este enfoque analítico e ambiental foi logo
suplantado pela teoria da causa divina da doença (Trostle, 1986).
A aproximação entre o saber médico e a geografia só foi impulsionada a partir
do século XVI com os grandes descobrimentos, que colocaram a necessidade de se
conhecer as doenças nas terras conquistadas, visando a proteção de seus colonizadores e
o desenvolvimento das atividades comerciais. Esse período corresponde ao predomínio
da concepção determinista da geografia sobre a relação homem/natureza, de modo que
as características geográficas principalmente o clima eram colocadas como responsáveis
pela ocorrência das doenças. Tal movimento favoreceu o nascimento da Medicina
Tropical, especialidade médica que adota a concepção de que parte das doenças
infecciosas e parasitárias eram específicas de uma faixa do globo terrestre, os trópicos,
41
onde o clima quente debilitaria o organismo humano expondo-o a estas enfermidades
(Pessoa, 1978). Durante os dois séculos seguintes predominaram na literatura médica
trabalhos eminentemente descritivos destacando a influência do meio ambiente sobre o
homem.
No século XIX, observa-se um intenso embate entre aqueles que acreditavam
que as doenças resultavam de miasmas (teoria miasmática) e os que consideravam que
estas eram causadas por organismos contagiosos propagados pelo contato ou objetos
contaminados (teoria do contágio). Na busca dos efeitos do ambiente sobre a saúde, os
trabalhos produzidos nessa época distinguiram-se por uma maior ênfase
biológica/contagionista, geográfica ou sociológica (Trostle, 1986).
Identifica-se como exemplo da corrente contagionista, o estudo de Snow em
1855, considerado um marco na constituição da epidemiologia, que, através da
distribuição espacial dos casos de cólera na cidade de Londres, consegue identificar o
veículo de transmissão da doença antes mesmo da descoberta dos micróbios. Os
trabalhos de Hirsh em 1860, representam a vertente geográfica com o privilegiamento
das categorias “tempo”e “lugar” nas suas análises enfatizando as comparações em
escala internacional. Por sua vez, os estudos de Virchow em 1847 e os de Durkheim em
1897, destacavam que os fatores sociais também desempenhavam um papel etiológico
causal (Trostle, 1986 ). Estes, ao lado dos estudos de Villermé em 1840, sobre a saúde
dos trabalhadores da indústria textil demonstrando a relação entre a saúde e os
processos produtivos em diferentes setores de Paris, e dos de Chadwick em 1842, sobre
a situação de saúde das classes trabalhadoras na Inglaterra, são considerados como
alguns dos principais representantes do movimento da Medicina Social originário da
França, que resultou em uma importante reforma sanitária nos estados republicanos da
Europa.
42
O desenvolvimento da microbiologia no final do século XIX, trouxe como uma
de suas conseqüências a concepção da etiologia infecciosa da doença que privilegiava o
agente e considerava como secundário o papel de outros fatores inclusive os da
natureza. Contrapondo-se à hegemonia desta teoria neste período, destacam-se os
trabalhos de Max Von Pettenkofer, nos quais, sem negar a importância do agente
biológico, este higienista alemão considera a influência de elementos da geografia física
como o solo e a água na ocorrência e distribuição da cólera em Londres, fato que tem
sido interpretado como indicativo de ser o mesmo adepto da teoria da multicausalidade
na determinação da doença. Porém o paradigma da unicausalidade era hegemônico e foi
responsável pela estagnação da medicina quanto a compreensão da dinâmica das
doenças e das causas de sua distribuição geográfica (Pessoa, 1978).
É neste cenário que, apoiada na Clínica e na Estatística nasce a Epidemiologia,
preocupada em explicar a ocorrência das doenças transmissíveis, prevalentes na época.
Também ela adota o paradigma dominante da unicausalidade, e, apesar de ser a ciência
que pretendia estudar a ocorrência da doença nas coletividades, o seu foco central era o
indivíduo (8 1995).
Os estudos enfatizando o impacto do ambiente, especialmente o clima, sobre as
condições de saúde do homem voltaram a ser produzidos e valorizados no início do
século XX (Pyle, 1979), mas é entre as décadas de trinta e cinqüenta que se situa o
início da crise da teoria unicausal, com a constatação de que somente a presença do
agente não era suficiente para a produção de enfermidade, e do aparecimento de
determinadas nosologias nas quais não era possível a identificação de um agente
etiológico. Estes fatos aliados ao desenvolvimento das teorias do Complexo Patogênico
de Max Sorre e do Foco Natural de Pavlovsky favoreceram o florescimento da
concepção da doença como resultado do desequilíbrio ecológico. Para Sorre, o clima
43
tinha um papel especial entre os elementos da natureza. Ele também se preocupava em
fornecer à geografia médica uma base conceitual que permitisse investigações
interdisciplinares, e além disso, apresentava os hábitos, as condições de habitação e a
ocupação como gêneros de vida, representando as possibilidades de constituição de
complexos patogênicos (Silva,1985). Apesar da maior capacidade explicativa desta
teoria, foram as idéias de Pavlovsky as mais debatidas e divulgadas no Brasil. Elas
pressupunham a interação homem-ambiente onde o desequilíbrio poderia produzir,
alterar ou transformar os focos de transmissão de doenças (Ferreira, 1991), porém
mostrou-se insuficiente para explicá-las enquanto fenômeno que se incorpora ao espaço
organizado pelo homem (Martins Júnior, 1997). Esta tendência ecológica mantém-se, e
principalmente nos anos sessenta observa-se o seu fortalecimento na medicina e na
epidemiologia. Os conceitos da ecologia são incorporados nos estudos do processo
saúde-doença contribuindo para o desenvolvimento da História Natural das Doenças e
do modelo da multicausalidade (Barreto, 1982). Os trabalhos realizados por Daggy
(1959), Manceau et al (1960), Kurland & Reed (1964) são alguns exemplos nos quais
pode ser observada a ênfase nos fatores ambientais, principalmente o clima, nas análises
sobre ocorrência das doenças.
A diferenciação social e cultural mais uma vez volta a ser considerada como
determinante da variabilidade espacial da saúde doença (Pyle, 1979), agora apoiada
principalmente nos recursos da epidemiologia (Almeida Filho, 1998). Entretanto, tais
fatores são encarados apenas como uma das características do ambiente, e portanto
colocados no mesmo patamar que o clima e o solo, entre outras.
Vale salientar que a epidemiologia, assim como a clínica, utilizava os conceitos
da geografia sem contudo estabelecer-se um diálogo entre estes campos de
conhecimento, existindo apenas esforços isolados não hegemônicos neste sentido.
44
Os avanços alcançados pela matemática e pela estatística a partir das décadas de
sessenta e setenta, bem como o desenvolvimento da computação eletrônica, contribuem
para que a epidemiologia encontre sua identidade provisória e é também através desta
disciplina que se processa o esforço para a matematização da área da saúde (Almeida
Filho, 1998). Concomitantemente vai se acentuando neste campo um debate sobre a
importância dos fatores econômicos e sociais na determinação dos fenômenos coletivos,
que passam a ser entendidos não apenas como atributos individuais ou um elemento do
ambiente físico. Tal movimento já vinha sendo incorporado ao discurso da geografia
desde o início dos anos cinqüenta, conforme referido anteriormente. Estas ciências
questionam a abordagem reducionista até então adotada, apontando para a importância
de se estudar os fenômenos populacionais através de uma visão mais totalizadora,
considerando a historicidade de sua determinação. Nesta linha de investigação podem
ser citados os trabalhos de Barreto (1982), Silva (1985), Silva Júnior (1995), Paim et al
(1997; 1998); Barata et al. (1998).
4. A Transcendência do Espaço Geográfico
O espaço como uma totalidade, é uma instância da sociedade, ao mesmo título
que as instâncias econômica e cultural-ideológica. Os seus elementos - homens,
instituições, meio ecológico e as infra-estruturas - estão submetidos a variações
qualitativas e quantitativas, embora como realidade sejam uno e total (Santos, 1992). O
homem porém, não é apenas o habitante de um determinado lugar, mas é também o
produtor, o consumidor e membro de uma classe social, que ocupa um lugar específico
e especial no espaço, e isto também define o seu valor (Santos, 1993).
45
O processo de ocupação do espaço, desde o seu início (passado) até o momento
(presente) se refletirá no futuro, e é parte inerente dos determinantes das condições de
vida (Santos, 1992). Assim, o espaço humano é necessariamente produto de uma série
de decisões que orientam sua organização, segundo os critérios hegemônicos em uma
dada formação econômica e social, seja pela movimentação do capital, seja pela ação
organizada e planejada da sociedade através do Estado, sendo um processo cheio de
densidade histórica. Conseqüentemente, o estudo do espaço presta-se a enfoques
interdisciplinares, envolvendo a sociologia, a história, a economia e o urbanismo, que
exigem da geografia um permanente intercâmbio cultural com as ciências do homem e
da vida (Ferreira, 1991).
O perpétuo processo de reorganização das formas que apresenta e o seu
conteúdo cultural, impõe que os estudiosos desse campo recorram ao conhecimento
histórico e cronológico. Este fato, induz uma maior aproximação entre a geografia e a
história, porque para explicar a organização atual do espaço, externada em grande parte
na paisagem, é necessário reconhecer a sua interrelação com o tempo (Andrade, 1994).
Este porém, nunca será diretamente percebido ou apreendido, desde que é filtrado pelos
agentes sociais - históricos (Almeida Filho, 1998). Um reflexo concreto desta
historicidade é o recente fenômeno da globalização oriundo da difusão generalizada das
técnicas e das informações, onde as cidades continuam combinando um grande número
de variáveis típicas desta época e de épocas passadas. Logo, na realidade, as metrópoles
não devem ser consideradas espaços homogeneamente globalizados e modernizados,
pois contêm elementos de diversas origens e idades com multiplicidade de relações de
capital, trabalho e cultura (Santos, 1997).
O esforço para atingir uma visão global, coloca para o investigador a
necessidade de utilizar não só sua capacidade de observação e reflexão como também
46
investir na busca de inovações que facilitem o conhecimento da realidade (Andrade,
1994). As generalizações não podem ser feitas, já que as pessoas não são atingidas igual
e linearmente pelas transformações sociais (Santos, 1993), impondo-se interpretações
mais profundas e multilaterais das realidades.
Assumido nessa concepção, o espaço geográfico apresenta-se para a
epidemiologia como uma perspectiva singular para melhor apreender os processos
interativos que permeiam a ocorrência da saúde e da doença nas coletividades. De
acordo com Silva (1997), pelo fato da geografia marxista e da epidemiologia terem
como objeto o centro de uma rede de relações ampla e complexa que não se adequa a
uma visão metodológica estreita, tornou-se bastante interessante para esta última
disciplina o modo como aquela corrente da geografia trabalhou a categoria espaço,
valendo-se da análise do processo de sua organização como esteio das referidas
relações, dando coerência a um aparente caos.
O estudo da constituição dos diferentes espaços recuperando a sua historicidade
permite uma aproximação da realidade sem minimizar a sua complexidade. Entendendo
que a produção e distribuição da doença e a constituição do espaço têm os mesmos
determinantes, este último, enquanto expressão das condições de vida dos segmentos
que o ocupa, representa a mediação passível de informar certas relações entre a
sociedade e a saúde (Paim, 1997).
5. Limitações Metodológicas e Possibilidades de Superação
Mesmo reconhecendo que as abordagens individuais e populacionais não são
excludentes, a epidemiologia ao investigar a saúde e a doença continua dando mais
crédito às correlações individuais (Castellanos, 1998), quando deveria adotar uma
47
abordagem contextual para estar em consonância com a estrutura epidemiológica dos
coletivos humanos (Almeida Filho, 1998). As fragilidades conceituais e metodológicas
no estudo desse processo enquanto fenômeno coletivo têm sido mascaradas pela
interpretação do coletivo como uma associação estatística de dados individuais (Breihl,
1991).
Essa disciplina tem sido então desafiada a aportar os conhecimentos necessários
à superação da crise atual de modo que realmente possa subsidiar o planejamento e
consequentemente, as ações de saúde (Rabello, 1996; MS/CENEPI, 1993). Para isto,
será preciso que novos modelos interpretativos da saúde/doença sejam construídos, de
uma maneira que os torne capazes de integrar conceitos sistêmicos e causas
independentes, pela historicidade do processo e seus determinantes. Concomitantemente
deverão ser buscadas alternativas metodológicas para a pesquisa de processos e práticas
sociais ligadas à saúde (Almeida Filho, 1998). Como salienta Krieger (1994), a rede de
causalidade não atende a esta necessidade por ser orientada pelo pensamento biomédico
e individualista, pois a mesma foi elaborada apenas para dar conta da interrelação
simultânea dos vários fatores envolvidos na produção das doenças. Para se adequar a
uma teoria que realmente integre os conhecimentos biológico e social, a autora sugere
ao invés da rede, uma metáfora a qual denomina de “ecosocial” que corresponderia a
uma estrutura de um objeto de natureza fractal, vez que a interrelação entre os fatores
deve ser entendida como existindo em todos os níveis, do sub-celular ao social,
repetindo-se indefinidamente.
Inicialmente utilizado pela epidemiologia como uma tentativa de integrar o
biológico ao não biológico (Silva, 1985), o espaço geográfico era considerado um lugar
estático, isolado, sem dimensão histórica (Carmo et al, 1995). Ao revestir-se de caráter
social, ele passa a atender também as necessidades explicativas da concepção de
48
determinação social da doença visto permitir que os diferentes fatores que compõem a
estrutura epidemiológica sejam analisados numa perspectiva dinâmica e histórica
(Barata, 1985), estando a sua compreensão diretamente articulada à formação
econômico-social (Laurell, 1983).
O conceito de espaço social recupera a historicidade, incorpora a dinâmica de
sua organização, a complexidade das interações e a totalidade de sua constituição
(Carmo et al, 1995). Desta forma, a distribuição espacial da doença representa a
realização manifesta ou empírica dos processos geradores subjacentes (Mayer, 1983), e
o seu estudo capta a dinâmica da estrutura epidemiológica (Silva, 1985), já que o perfil
epidemiológico dos diferentes espaços é criado pela interação das relações sociais que
caracterizam a sua organização, e modifica-se através do tempo conforme o momento
histórico em que se encontre o estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das
relações sociais, as quais são os fatores definidores da organização do espaço (Breilh,
1991).
Apesar do conceito de espaço social adequar-se enquanto formulação teórica
para a explicação da ocorrência e da distribuição da doença, para que se alcance a
construção do coletivo, é indispensável, além do referencial teórico, o emprego de
métodos e técnicas competentes (Breilh, 1991). Nesta sentido, o antigo instrumento da
cartografia vem sendo utilizado com mais freqüência através das modernas técnicas de
computação eletrônica (Medronho, 1995; Barreto, 1993) e servindo como uma
ferramenta auxiliar de maior precisão e capacidade operacional na apresentação e
intrepretação de informações espaciais.
No momento atual a epidemiologia defronta-se com a incapacidade de
operacionalizar os seus novos paradigmas que têm nos objetos totalizados e na
determinação não linear algumas de suas propriedades fundamentais (Almeida Filho,
49
1998). Alguns esforços nessa direção vêm sendo desenvolvidos por autores latino
americanos, tanto no campo teórico como prático. Samaja (1996), discute as limitações
dos tipos de amostras que vêm sendo tradicionalmente utilizada na epidemiologia
sugerindo sua substituição por uma “representatividade qualitativa” sustentada em
tipologias espaço-populacionais. Outros (Silva Júnior, 1995; Barata, 1998; Paim, 1997 e
1998), vem trabalhando objetivamente em alternativas para a operacionalização da
vigilância da situação de saúde segundo condições de vida, como proposto por
Castellanos (1991; 1998) cuja abordagem privilegia a categoria espaço desenvolvendo
uma metodologia específica, que se encontra em processo de validação.
O modelo ecológico, por se basear na idéia de interrelacionamento entre fatores,
tem sido apontado como o precursor teórico mais avançado para o estudo da
determinação da doença na perspectiva de integrar o conhecimento biológico e social
(Barata,1985; Almeida Filho, 1998), porém ainda não permite a interpretação fiel da
realidade para transformá-la (Barata, 1985). Apesar de já se encontrar quase esquecido
pelos epidemiologistas, este modelo, se melhor fundamentado através da incorporação
da dinâmica do processo, poderá ser aperfeiçoado e se constituir em uma alternativa
(Almeida Filho, 1998).
Na prática investigativa, os desenhos de estudos de agregados, são considerados
pela epidemiologia clássica como de segunda linha (Kleinbaum et al, 1982; Rothman,
1986). Todavia, este tipo de estudo, apresenta-se como a mais adequada ou talvez a
única estratégia metodológica para a apreensão da complexidade desses fenômenos,
pelo fato de usar mais freqüentemente os agregados espaciais como unidade de análise,
e portanto, tomar rigorosamente a dimensão coletiva (Castellanos, 1998; Almeida Filho,
1998; Possas, 1989; Schwartz, 1994). Assim, os efeitos resultantes da agregação nesses
estudos devem ser valorizados ao invés de julgados como restrição, pois os mesmos
50
tornam evidentes processos que muitas vezes produzem efeitos imperceptíveis no
âmbito individual (Almeida Filho, 1998).
Apesar das possibilidades que representa, a abordagem que tem como referência
a concepção de “espaço social”, não vem sendo adequadamente operacionalizada visto
que ainda emprega variáveis, indicadores e medidas de um modo que termina por
reduzir esse conceito. Logo, torna-se necessário o desenvolvimento de um instrumental
metodológico capaz de abordar esta questão entendendo a saúde e a doença enquanto
totalidade, ou que se faça uma apropriação competente daqueles já desenvolvidos em
outras áreas do conhecimento, a exemplo da Química e da Economia (Almeida Filho,
1998).
A complexidade do enfoque conceitual de espaço, proposto pela Geografia
Crítica e posteriormente desenvolvido por vários autores, tem levado a uma
perplexidade ou mesmo a uma imobilidade para a sua operacionalização face a
intrincada dimensão que assume a questão. Entretanto, este impasse deve ser superado
pois por mais complexa que seja a situação, historicamente sempre que se verifica a
insuficiência de um paradigma estabelecido, o homem é instigado a identificar novos
caminhos que aportem aspectos essenciais da solução. O importante no atual estágio do
conhecimento é se ter a totalidade como referência científica, para garantir o não
afastamento dos complexos processos interativos determinantes dos fenômenos que
ocorrem em cada espaço social.
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54
Artigo 3
ÁREAS SENTINELAS: UMA ESTRATÉGIADE MONITORAMENTO EM SAÚDE
PÚBLICA
Maria da Glória Lima Cruz Teixeira1
Maurício Lima Barreto1
Maria da Conceição Nascimento Costa1
Agostino Strina1
David Martins Júnior1
Matilde Prado1
Encaminhado para ser submetido a apreciação do Conselho Editorial da Revista da OrganizaçãoPanamericana de Saúde
55
RESUMO
Eventos, redes de profissionais e unidades de saúde selecionados como
sentinelas têm sido utilizados para alertar o sistema de saúde quanto a necessidade de
intervenção e aportar subsídios ao diagnóstico e análise de situação e de agravos
específicos. Este artigo tem o objetivo de apresentar as bases metodológicas de uma
estratégia para monitoramento de problemas de saúde que emprega espaços intra-
urbanos denominados de “áreas sentinelas” para coleta de informações sociais,
econômicas e comportamentais para uso em Saúde Pública que permitam uma maior
aproximação com a realidade de espaços sociais complexos. Estes espaços
populacionais para monitoramento devem representar as características de uma
determinada situação ou problema e possibilitar a identificação de necessidades sociais.
A inferência a partir desta estratégia não está necessariamente embasada na
“representatividade quantitativa” mas incorpora o elemento da “representatividade
qualitativa” fundamentada em amostras caracterizadas por tipologias prévias de
unidades espaçiais representando distintas realidades. A seleção das áreas deve observar
critérios consonantes com as finalidades para as quais se propõe e com a factibilidade
das atividades a serem desenvolvidas. Os autores apresentam uma experiência que está
sendo desenvolvida em Salvador-Bahia/Brasil, para avaliação de impacto
epidemiológico resultante da implantação de um programa de saneamento ambiental –
Programa Bahia Azul. Destacam os critérios de seleção das áreas e as potencialidades
de uso desta estratégia por possibilitar o emprego dos recursos epidemiológicos pelos
serviços de saúde de forma ágil e a aplicação de seus resultados na reorientação e
aprimoramento das práticas de intervenção em saúde.
Palavras Chaves: áreas sentinelas; monitoramento; saúde pública, vigilância
sentinela.
56
SUMMARY
Sentinel events, health professionals or health care units networks and sentinel
health facilities have been used to alert the health care system for needed interventions
and to provide data for information systems, allowing for more appropriate health
diagnostic or health problems analysis. In this article, methodological fundamentals of a
health monitoring strategy are presented, based on collecting social, economic and
behavior information, to be used by public health workers. This monitoring strategy
comprises the follow-up of inner cities sections named sentinel areas. With this data, it
will be possible to obtain information that represents a closer insight of high complexity
contexts. Inferences do not rely on the concept of "quantitative representativeness", but
in the "qualitative representativeness", drawn from a previous created tipology that
permits the identification of distinct realities. Using sentinel-areas we intend to have a
better understanding of contextual characteristics or problems, and the identification of
social needs. The sentinel-areas selection needs to be coherent with the objectives and
the feasibility of the activities to be implemented. A health impact evaluation project,
which has been carried out in Salvador-Bahia, Brazil, as part of an environmental
sanitation program, the "Bahia Azul Program", is presented as a case-example.
Emphasis is given to selection criteria of the sentinel-areas and in the potential benefits
of this approach, that uses rapid assessment epidemiology tools.
Key Words: sentinel areas, monitoring, public health, and sentinel surveillance.
57
1. Introdução
A coleta sistemática de informações epidemiológicas é fundamental para o
diagnóstico de situações, análise de tendências, predição de situações futuras,
identificação de grupos populacionais ou espaços geográficos com maior
vulnerabilidade, identificação dos fatores determinantes dos problemas que afligem as
populações, avaliação do impacto de programas de intervenção, dentre outros. Os sub-
sistemas que compõem o Sistema de Informações em Saúde (SIS), existentes no Brasil e
em muitos países latino americanos, são compartimentalizados e não se compatibilizam
(morbidade por doenças de notificação compulsória, morbidade hospitalar, mortalidade,
nascidos vivos, etc) o que dificulta as análises de situação de saúde, principalmente
pelos profissionais da rede de serviços.
A conformação destes sub-sistemas têm obedecido a uma lógica centralizadora e
vertical, cujos dados coletados a nível periférico são consolidados nos níveis centrais do
aparelho de estado, formando grandes bases de dados nacionais1. A desagregação das
informações a partir destas bases para se proceder a análises epidemiológicas
territorialmente estratificadas, particularmente, quando se trata de grandes centros
urbanos, é complexa, ou muitas das vezes não exequível.
Atualmente, a disseminação das ferramentas computacionais e analíticas e a
disponibilização desses bancos de dados via CD-Rom e Internet tem facilitado, em
parte, o uso mais sistemático dos dados pelos sistemas locais de saúde. Entretanto, as
informações existentes não são adequadas para a captação dos contextos sociais,
econômicos e culturais nos espaços onde os eventos ocorrem, mesmo quando se acresce
dados oriundos de sistemas extra setoriais como de saneamento, demográficos e
educacionais.
58
2
2,3,4
Este artigo apresenta as bases metodológicas de uma estratégia para
monitoramento de problemas de saúde que emprega espaços intra-urbanos delimitados,
denominados de “áreas sentinelas”. Os autores discutem as potencialidades do uso
desta estratégia como forma complementar aos sistemas existentes de coleta de
informações com vistas ao aperfeiçoamento das práticas de diagnóstico e análise de
situação e do planejamento e avaliação de impacto das ações de saúde, particularmente
no nível local de grandes centros urbanos.
2. Monitoramento Sentinela em Saúde
O termo monitoramento é utilizado em vários campos do conhecimento com
diversos significados, como acompanhar e avaliar, controlar mediante
59
acompanhamento, olhar atentamente, observar ou controlar com propósito especial5. A
estratégia apresentada neste artigo assume uma das definições para monitoramento no
campo específico da saúde pública apresentadas por Last6: “elaboração e análise de
mensurações rotineiras visando detectar mudanças no ambiente ou no estado de saúde
da comunidade” (grifos dos autores). Seguindo esta linha, descreve-se princípios e
procedimentos fundamentais para se instituir um sistema de coleta de dados para o
acompanhamento de alguns problemas de saúde típicos de grandes cidades, na
perspectiva de aportar subsídios ao diagnóstico e análise de situação de saúde.
Uma técnica de monitoramento clássica da saúde pública é a vigilância
epidemiológica, desenvolvida com o objetivo de acompanhar e analisar,
sistematicamente, um elenco de doenças predefinidas, com o propósito de orientar as
intervenções necessárias ao seu controle, eliminação ou erradicação7. Essa sistemática,
quando bem conduzida, possibilita, no mais das vezes, a intervenção oportuna sobre
eventos para os quais se destina e que, em geral, são vulneráveis a instrumentos de
prevenção8. Trata-se de um sistema inicialmente condicionado ao conhecimento das
notificações universais das doenças sob vigilância, as quais são obtidas por meio da
coleta contínua de dados que, para ser útil deve estar articulada à condução e avaliação
dos Programas de Prevenção e Controle em Saúde Pública. Estes, por sua vez, utilizam
as informações oriundas da vigilância epidemiológica e de vários sistemas de
informações, e coletam outros dados epidemiológicos e operacionais de acordo com a
especificidade de cada agravo, as metas estabelecidas, e os mecanismos e estratégias de
acompanhamento e avaliação.
Para a vigilância epidemiológica, o conhecimento de todos os casos suspeitos ou
confirmados de uma doença ou agravo é de fundamental importância, principalmente
para doenças que dispõem de instrumentos de intervenção capazes de interromper a
60
cadeia de transmissão dos agentes. Exemplos clássicos que se enquadram nesta
condição são as infecções causadas pelo C. diphteriae e as situações de suspeita de
exposição de indivíduos ao vírus da raiva. Reconhece-se todavia, que muitos dos
problemas de saúde das populações prescindem do conhecimento de todos os casos para
o planejamento e execução de efetivas intervenções coletivas, e portanto, demandam a
organização de outras formas de coleta de dados e de monitoramento, operacionalmente
mais ágeis.
O termo “sentinela”, quando utilizado em saúde pública, vem antecedido de
diversos substantivos como sítios, eventos, populações, que têm como eixo comum a
coleta de um campo restrito de informações com sensibilidade para monitorar um certo
universo de fenômenos9. Esta designação foi empregada pela primeira vez pela
vigilância epidemiológica quando, em 1976, Rutstein e colaboradores10, chamaram a
atenção para a necessidade de se identificar “eventos sentinelas” em saúde, definindo-os
como doença prevenível, incapacidade ou óbito evitável, a exemplo de casos de difteria
e cegueira em pacientes com glaucoma crônico. Estes autores defendiam o princípio de
que a ocorrência de um evento sentinela deveria ser seguido da pergunta - por que isto
aconteceu? - e imediata investigação epidemiológica. A partir deste princípio foi
elaborada uma seleção de doenças ocupacionais de fácil reconhecimento clínico, que
dispunham de instrumentos de prevenção ou tratamento e que, portanto, justificava uma
cuidadosa pesquisa para identificar as falhas na atenção médica e adoção de medidas
para impedir novas ocorrências11. Nos anos seguintes, este conceito foi sendo ampliado
passando a incluir não só eventos únicos, como também, eventos raros localizados, e
mudanças em padrões lógicos de ocorrência12.
Com esta conotação, os sistemas de vigilância epidemiológica de doenças
transmissíveis vêm utilizando hospitais especializados como “unidades de saúde
61
sentinelas”, que, na sua maioria, são os antigos hospitais de isolamento, existentes em
muitas grandes cidades, e que ainda mantêm a tradição de internar, quase que
exclusivamente, doenças infecciosas. Deste modo, a elevação no número de casos de
doença grave que exige atenção hospitalar, tem reflexo imediato no número de
internamentos destas unidades, funcionando como alerta para investigação e adoção de
medidas de controle13.
Nas duas últimas décadas têm sido desenvolvidas em vários países novas
estratégias com o propósito de instituir modalidades especiais de coleta de informações
de morbidade de doenças transmissíveis e não transmissíveis e de padrões
comportamentais, que são organizados de modo diversificados de acordo com os
problemas que se quer monitorar14,15. Entre elas encontram-se os sistemas que coletam
dados mediante informantes chaves, especialistas ou clínicos gerais, que formam redes
de profissionais sentinelas. Uma recente avaliação de algumas dessas redes de coleta de
dados constatou a validade das informações geradas por este método, apontando
inclusive para a possibilidade de estender seu uso para estudos epidemiológicos
analíticos além dos descritivos para os quais já vinham sendo aplicados16.
A área de saúde ambiental também se apropriou da estratégia de identificação de
eventos sentinelas, a exemplo de malformações congênitas, tipos específicos de
cânceres, alergias não usuais, visando investigar a associação com riscos ambientais e
conseqüentes intervenções. Os requisitos definidos para a instituição de um sistema de
vigilância sentinela ambiental também são a pré-definição e registro de uma lista de
agravos e análises epidemiológicas para identificação de padrões e de suas alterações12.
62
3. Monitoramento de Áreas Sentinelas
Na América Latina vem sendo desenvolvidas experiências localizadas de uma
nova estratégia de acompanhamento de problemas de saúde mediante a seleção e
delimitação de espaços intra-urbanos, denominados de “áreas sentinelas”, diferenciados
entre si, de modo a representarem as características de uma determinada situação,
problema, ou mesmo a identificação de necessidades sociais, particularmente de saúde.
Em analogia com a escolha de pontos estratégicos para o monitoramento de
poluição ambiental, as áreas sentinelas lança mão de pontos hierárquicos de observação,
representados pelos espaços populacionais, onde se acompanha traçadores específicos
de problemas de saúde, econômicos e sociais com potencial para gerar conhecimentos
que contribuam para o entendimento da estrutura epidemiológica das populações sob
vigilância, em cada contexto9. Essa dinâmica alimenta a formulação de diagnósticos dos
problemas de saúde e conseqüentes definições dos processos de intervenção para cada
situação particular.
A generalização ou extrapolação a partir de informações geradas com o emprego
desta estratégia é possível, na medida em que se incorpore ao conceito de “áreas
sentinelas” a noção de ”representatividade qualitativa”, que, para possibilitar a
inferência, ao invés de utilizar argumentos formais baseados em probabilidades
estimadas a partir das propriedades das distribuições estatísticas obtidas de grande
número de amostras como acontece na “representatividade estatística”, sustenta-se em
argumentos substantivos, pois são considerados os conhecimentos pré-existentes sobre o
universo e as unidades espaço-populacionais estudadas para formar elementos de juízo
sobre diferenças e semelhanças encontradas. A pertinência deste argumento encontra-se
no fato desta estratégia não estar direcionada para o conhecimento quantitativo, e sim,
para a detecção de indícios de alterações nos padrões normais ou de ocorrência de novos
63
problemas de saúde. As modificações dos padrões epidemiológicos devem servir como
“vozes de alerta” para motivar e orientar a intervenção, detectar impacto, ou mesmo
indicar a necessidade de execução de estudos especiais9.
Estratégia desta natureza foi implantada, em 1986, pelo UNICEF na Guatemala
e posteriormente na Nicarágua e Honduras, para estudar tendência de mortalidade
infantil, cobertura vacinal, conhecimento e uso de terapia de rehidratação oral, grau de
alfabetização, dentre outros, cujos resultados vêm se constituindo em fonte
complementar e elemento irradiante do sistema rotineiro de informações17.
Em uma grande e complexa cidade brasileira - Salvador/Bahia - também foram
constituídas “áreas sentinelas” com o objetivo de avaliar o impacto sobre a saúde da
população resultante da implantação de um extenso projeto de intervenção ambiental
centrado em esgotamento sanitário, ampliação da rede de abastecimento de água e
melhoria do sistema de coleta de lixo, denominado de Programa Bahia Azul18. No curso
desta experiência, cujo desenho será apresentado a seguir, foi-se constatando a riqueza
de informações que estavam sendo obtidas e as possibilidades de utilização destes
espaços para responder a algumas perguntas demandadas pela equipe de vigilância desta
cidade. Os resultados deste trabalho, ainda que preliminares, já estão se constituindo em
fonte complementar de informações para as análises de situação de saúde e propiciando
o desenvolvimento de estudos epidemiológicos especiais desenhados pela equipe de
investigadores.
64
4. Pressupostos e procedimentos para constituição das “áreassentinelas” de Salvador
As discussões sobre o desenho para avaliação do impacto do Programa Bahia
Azul sobre a saúde da população, resultaram na indicação de um estudo longitudinal
com dois componentes: o primeiro de acompanhamento de morbidade e mortalidade de
doenças relacionadas com o saneamento utilizando-se de dados oficiais secundários; e,
o segundo, sobre os episódios e duração de diarréias infantis agudas, prevalência de
geohelmintoses e influência destas condições sobre o crescimento e desenvolvimento
infantil. A inexistência de registros sistemáticos destas últimas informações apontaram
para a necessidade de coleta de dados primários, mas a extensão geográfica e densidade
populacional da cidade não permitia a implantação de um sistema universal. Elegeu-se
então a utilização de espaços intraurbanos - “áreas sentinelas”- para se efetuar o
monitoramento do segundo componente por ser mais simples, apresentar sensibilidade
para avaliação de impacto no padrão de saúde e ser de custo operacional compatível
com o disponível para a avaliação.
Os critérios para a seleção e delimitação das “áreas sentinelas” de Salvador
foram consonantes com o propósito da sua implantação e com a factibilidade das
atividades a serem desenvolvidas. Para uma primeira aproximação com a realidade de
saúde e saneamento da cidade foi feito um levantamento dos dados oficiais e de
publicações científicas existentes sobre a estrutura social e econômica da cidade, sua
extensão geográfica; freqüência dos problemas que se pretendia monitorar, recursos
disponíveis para o empreendimento, dentre outros. Decidiu-se que, para a caracterização
e delimitação inicial das áreas, poder-se-ia utilizar fontes de informações secundárias
formais ou informais, mesmo que não fossem rigorosamente precisas, pois aquelas
consideradas mais relevantes para os problemas que se desejava estudar, poderiam ser
65
levantadas no início ou no curso do acompanhamento para aperfeiçoamento dos
critérios de classificação dos espaços, de acordo com novos padrões identificados.
Para a constituição destas “áreas sentinelas” e para os estudos de
monitoramento, alguns requisitos básicos foram atendidos, tais como, registro de
número suficiente de variáveis para possibilitar o enriquecimento das análises sem
perder de vista a sua operacionalidade e seleção de eventos (fatores de risco, doenças,
agravos, etc) com freqüência suficientemente alta cujas modificações pudessem ser
observadas em amostras pouco numerosas.
Para a seleção das “áreas sentinelas”, foi considerado que o acesso a saneamento
básico e nível de renda constituiam-se em um proxy relativamente válido e objetivo das
condições de vida19. Utilizando-se dados do Censo Demográfico de 1991, os 1765
Setores Censitários (SC) de Salvador foram classificados em 3 níveis de saneamento
(predominantemente saneados, quando 80% ou mais dos domicílios do setor eram
saneado; moderadamente saneados, quando a proporção de domicílios saneados era de
50-70%; não saneados, quando menos de 50% dos domicílios eram saneados), e três
níveis de renda familiar (alta, quando em mais de 50% dos domicílios a renda familiar
era maior que 5 salários mínimos; média, quando não havia predomínio de domicílios
onde a renda familiar era alta ou baixa; baixa, quando em mais de 50% dos domicílios a
renda familiar era inferior a 1 salário mínimo). Como no estrato de renda familiar alta
não houve nenhum setor que se enquadrasse nos níveis de moderadamente saneado ou
não saneado foram constituídos apenas sete tipos de estratos: a) renda familiar alta e
predominantemente saneado; b) renda familiar média e predominantemente saneado; c)
renda familiar média moderadamente saneado; d) renda familiar média e não saneado;
e) renda familiar baixa e predominantemente saneado; f) renda familiar baixa e
moderadamente saneado; g) renda familiar baixa e não saneado. Cada um dos SCs foi
66
classificado em seu respectivo estrato de renda e saneamento para em seguida,
identificar-se em qual Bacia de Esgotamento (BE) e Zona de Informação (ZI) pertencia.
Esta última corresponde a cada uma das 75 áreas em que a cidade foi subdividida pela
Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador (CONDER), de
acordo com critérios físico-urbanísticos, administrativos, de planejamento, e de
compatibilização com os SC da cidade19.
Para maximizar a capacidade de apreensão do impacto epidemiológico que
porventura venha a ocorrer em função da implementação progressiva do Programa
Bahia Azul, optou-se por privilegiar condições extremas, quando dos procedimentos da
escolha destes sítios. Definiu-se então que seriam estudadas 30 unidades amostrais, três
para cada BEs, sendo 27 selecionadas nos espaços geográficos superponíveis a 9 das 18
bacias a serem beneficiadas pelo referido programa, e três em uma área (Barra), que
apesar de não incluída no programa já se encontrava saneada. Foram sorteadas 24
unidades amostrais nos estratos “e”, “f “, e “g”, localizadas em 8 BEs (Calafate, Cobre,
Lobato, Mangabeira, Médio Camurujipe, Paripe, Periperi e Tripas), e três foram
selecionadas em diferentes estratos na Bacia de Armação, também pertencente ao grupo
que seria beneficiado, mas que no início da investigação, já se encontrava com as obras
de esgotamento sanitário em fase de implantação. O “padrão ideal” de referência foi
constituído pelas três unidades localizadas na bacia da Barra, área nobre da cidade,
correspondentes a SCs escolhidos no estrato “a”. Para a delimitação destas áreas
utilizou-se mapas fornecidos por instituições oficiais que continham a definição dos
limites dos SCs e das ZIs e a localização das BEs19,20.
Após a conclusão desta fase de constituição das “áreas sentinelas”, foi realizado
um censo populacional em cada uma delas, que serviu para a formação de um banco de
67
dados das famílias e dos indivíduos residentes, que vem viabilizando a construção de
amostras específicas para estudos de várias naturezas.
Esta experiência vem apresentando algumas importantes contribuições ao
sistema de saúde, como o acompanhamento de ocorrência de diarréia na população de 0
a 3 anos nas “áreas sentinelas”, que mostram a não uniformidade na distribuição da
“prevalência longitudinal” e da incidência destes episódios nas diferentes áreas, sendo
os valores mais baixos observados em crianças residentes nas áreas com melhores
condições de saneamento. A comparação destes resultados com aqueles que serão
obtidos após a implantação da intervenção ambiental irá indicar o impacto alcançado
pelas obras de saneamento20,21. Também estão sendo conduzidos estudos de prevalência
de parasitos intestinais e de taxas de reinfecção em populações de escolares20,22; sobre a
situação de saneamento ambiental; soroprevalência e incidência das infecções pelos
vírus do dengue23; fatores de risco da soronegatividade para anticorpos IgG contra o
sarampo24; prevalência de diabetes e doenças cardiovasculares; estudo antropológico do
processo perceptivo quanto a situação ambiental, dentre outros.
Os resultados preliminares de alguns destes estudos, já estão apontando para a
riqueza e oportunidade de uso desta estratégia, subsidiando a vigilância epidemiológica
da cidade com informações acerca da elevada soroprevalência de dois sorotipos dos
vírus do dengue e da sua intensa circulação em período considerado de baixa
endemicidade, até então desconhecidas, e na identificação dos determinantes da
distribuição desigual da diarréia infantil, além de possibilitar a realização de um estudo
caso-controle para identificação de fatores de risco para soronegatividade para
anticorpos IgG contra o sarampo em uma situação de cobertura vacinal próxima a
100%.
68
5. Comentários finais
A essência desta estratégia está na possibilidade de permitir uma maior
aproximação com a realidade concreta onde ocorrem os fenômenos interativos que
permeiam o processo saúde doença por privilegiar o “espaço” enquanto categoria de
estudo, incorporado do caráter histórico e social do seu processo de ocupação, parte
inerente aos determinantes das condições de vida. Especialmente quando se trata de
grandes metrópoles a importância do “espaço” reveste-se de maior significado por estas
conterem elementos de diversas origens e idades com multiplicidade de relações de
capital, trabalho e cultura25.
Considerando que a cada perfil de necessidade corresponde um perfil de
problemas e que estes podem estar expressos diferentemente em distintos espaços
sociais compreendidos como expressão das condições de vida da população26, o estudo
em profundidade de áreas delimitadas pode possibilitar procedimentos de análises de
um grande número de variáveis, importantes para a orientação dos processos de
intervenção no campo da saúde pública.
São inerentes às “áreas sentinelas” duas características fundamentais que
evidenciam as potencialidades desta metodologia como estratégia complementar para
superação de alguns limites e deficiências dos sub-sistemas de informações em saúde. A
primeira diz respeito a sua própria concepção, que permite a identificação dos
problemas de saúde em uma escala temporal mais próxima da ocorrência dos eventos;
possibilita proceder levantamentos e análises de informações nos diferentes contextos
sociais representados pelas distintas tipologias de cada “área sentinela”; contribui para o
estudo de processo e condições que estão fora do alcance das estratégias tradicionais; e
viabiliza a incorporação de outros elementos (percepção, comportamentos e atitudes)
nas análises e intervenções. A segunda, refere-se a sua operacionalidade e custo que são
69
passíveis de serem absorvidos pelos níveis locais do sistema de saúde, desde quando
utiliza a infra estrutura de recursos humanos e materiais pré-existentes e por se limitar a
um pequeno universo localizado no interior dos seus territórios de abrangência.
Entre as aplicações desta estratégia destacam-se o acompanhamento de eventos
de elevada magnitude que compõem a relação das doenças sob vigilância; levantamento
oportuno de dados sobre assistência à saúde individual e coletiva; inquéritos específicos
abrangendo desde informações sobre a percepção dos problemas de saúde até as
estimativas de prevalência de marcadores biológicos específicos; e levantamentos de
dados sobre o contexto ambiental e sócio-econômico das populações. No quadro
seguinte encontra-se uma relação com algumas situações e sugestões de abordagens nas
quais o uso de “áreas sentinelas” poderá contribuir para a melhoria da qualidade do
sistema de saúde quando associado às práticas institucionais rotineiras. Nas
aproximações apresentadas incluem-se desenhos de estudos epidemiológicos que podem
ser desenvolvidos pelos profissionais da rede de serviços associados aos das instituições
acadêmicas, facilitados pela constituição das “áreas sentinelas” .
Por oferecer oportunamente outros elementos que o sistema de informações
tradicional não capta, aliado a possibilidade de utilização do potencial facultado pelos
recursos da epidemiologia, esta estratégia possibilita o desenvolvimento de estudos de
maneira mais simples mantendo-se contudo o rigor científico, rapidez na incorporação
das inovações, tecnologias e informações geradas no sistema de produção técnico -
científico, além de informar sobre fatores de exposição, freqüência, distribuição espacial
dos fenômenos de saúde-doença, viabilizando o delineamento de um quadro mais
próximo da realidade. Entende-se então, que esta estratégia poderá contribuir para o
redirecionamento e aprimoramento das práticas de intervenção em saúde.
70
Potencialidades de Aplicação do Monitoramento de “Áreas Sentinelas”*
Campo de Aplicação Aporte de Informações**Sugestões de abordagens
metodológicasDoenças de veiculaçãohídrica
Incidência (por episódios e por pessoa);variações temporais; cuidados domiciliaresaos pacientes; percepção de gravidade doproblema qualidade da assistência médica;principais agentes etiológicos circulantes;detecção precoce de surtos; etc
Inquéritos de morbidade,coprológicos, soroprevalênciae antropológicos;Estudos de coortes ou caso -controle;Estudos ecológicos
Vigilância de doençasfebris
Maximização do conhecimento de casossintomáticos e oligo-sintomáticos de doençasfebris exantemáticas ou não, marcadores deexposição, efetividade de programas decontrole, absenteísmo escolar e laboral, etc
Inquéritos de morbidadeInquéritos de soroprevalênciaEstudo de coorteEstudos de caso controle
Doenças transmitidaspor vetores
Incidência e gravidade da doençaImpacto de medidas de controleQualidade da assistênciaEfetividade de intervenções
Inquéritos de morbidadeEstudo de coorteEstudo caso controleEstudo ecológicoEstudo quasi-experimental
Infecções respiratóriasagudas
Incidência e gravidadeImpacto da assistênciaQualidade da assistência
Inquéritos de morbidadeEstudo de coorteEstudo caso controle
Helmintoses eProtozooses
Incidência /prevalênciaAssociação com doenças carenciais
Inquéritos de morbidadeInquéritos coproscópicos
Doenças Reumáticas PrevalênciaGrau de incapacitaçãoNecessidades de serviços especializados
Inquéritos de morbidade
DoençasCardiovasculares
IncidênciaPrevalênciaFatores de riscos associados aodesenvolvimen-to da doença nos diferentescontextosPercepção sobre fatores de riscos enecessidade de atenção médica
Investigação de eventossentinelas (AVC)Inquéritos de morbidadeEstudos EcológicosEstudos de caso-controle
Diabetes Incidência na comunidadeFatores de riscos associados aodesenvolvimento da doença nos diferentescontextosPercepção sobre os riscosPercepção da necessidade de atenção médicaPercepção da qualidade da assistência médicaPercepção sobre riscos potenciais da doença
Investigação de eventossentinelas (comas, pédiabético)Levantamentos nacomunidadeEstudos de coorteEstudos de caso controle
Carências nutricionais PrevalênciaFatores de riscosGravidade
Inquéritos de morbidadeEstudos ecológicosEstudos de coorte
Avaliação de impactoepidemiológico deintervenções
Alterações na freqüência de eventos objeto deintervenção
InquéritosEstudos de coorteEstudos quasi-experimental
Avaliação daqualidade/quantidadede serviços de saúde ede outros serviçosbásicos
Cobertura vacinaisCobertura de consultas ambulatoriais e deleitos hospitalares; Percepção quanto aqualidade da assistênciaPercepção sobre necessidades de atençãoPercepção dos problemas relacionados com afalta de infra estrutura
InquéritosEstudos antropológicos
71
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73
Artigo 4
EPIDEMIOLOGIA E MEDIDAS DEPREVENÇÃO DO DENGUE
Maria da Glória Lima Cruz TeixeiraMaurício Lima Barreto
Zouraide Guerra
Aceito para publicação no Informe Epidemiológico do SUS 8:4, 1999.
74
RESUMO
O dengue apresenta-se nos grandes centros urbanos de várias regiões do mundo
inclusive do Brasil, sob a forma de epidemias de grande magnitude, quando ocorre a
introdução de um novo sorotipo do vírus, e sob a forma hieperendêmica, nos lugares
onde um ou mais sorotipos circularam anteriormente. Mesmo considerando-se as
lacunas dos conhecimentos disponíveis para se predizer sob firmes bases científicas as
futuras ocorrências de epidemias das formas graves desta enfermidade, a atual situação
epidemiológica e entomológica de extensas áreas de vários continentes, evidenciam
grandes possibilidades para agravamento do cenário atual, pois os fatores que
determinam a reemergência destas infecções são difíceis de serem eliminados. O
acompanhamento da atual situação de circulação dos quatro sorotipos dos vírus do
dengue, o conhecimento das dificuldades que estão sendo enfrentadas para impedir a
ocorrência destas infecções e do risco potencial do reflexo destes acontecimentos para
as populações, são fundamentais para que dirigentes e profissionais da rede de serviços
do SUS possam discutir, posicionar-se e orientar suas estratégias de intervenção neste
campo. Este artigo tem como objetivo fazer uma revisão dos fatores determinantes
destas infecções, da distribuição da doença, assim como, apresentar e discutir as
medidas de prevenção disponíveis, apontando algumas reflexões para o debate.
Palavras Chaves: dengue; fatores determinantes; epidemiologia; prevenção.
75
SUMMARY
In the past years dengue has been present in epidemic or endemic form in a large
number of urban centers worldwide. The epidemiologic and entomological situation
found in those centers, the technical difficulties or the lack of political determination to
change the situation as well as the gaps in the knowledge to predict on scientifical basis
new epidemics of the severe form of dengue, are evidences of the potential to increase
the occurence of dengue and, in special, the hemorragic dengue fever in the near future.
The surveillance of the occurrence and spread of each of the four serotypes of the
dengue virus, the problems related with its control and the potential risks to the
population of the country, in general, or from each municipality, in particular, are
fundamental to generate informations to increase the competence of professionals and
managers of the health network of the Unified Health System (SUS) to discuss and take
positions towards the strategies of intevention to tackle this problem. The aim of this
article is present a commented review of the several aspects of the dengue pandemia,
that is considered one of the most restlessness problem for the future of the population’s
health in all the continents.
Key Words: Dengue; determinants factors; epidemiology; prevention.
76
1. Introdução
O processo dinâmico e progressivo de seleção adaptativa para a sobrevivência
das espécies que ocorre cotidianamente na natureza, envolve importantes fenômenos
que interferem no estado de saúde das populações humanas. Isto pode ser bem
evidenciado na força da reemergêencia das infecções causadas pelos vírus do dengue,
pois as agressões dos quatro sorotipos destes agentes às populações humanas, vêm
crescendo em magnitude e extensão geográfica, desde meados do século XX1, em
função da velocidade de circulação e replicação viral, facilitada pela extraordinária
capacidade de adaptação das populações de mosquitos que lhes servem como
transmissores, e pela incapacidade do homem, neste momento, de se proteger contra
estas infecções.
Por questões econômicas, sociais e políticas os países das Américas que
erradicaram o Aedes aegypti, principal transmissor do vírus do dengue, nas décadas de
cinqüenta e sessenta, em virtude da necessidade de eliminar a febre amarela urbana,
não utilizaram oportunamente e com o rigor necessário, os conhecimentos técnicos e
científicos adquiridos durante a execução daquela campanha, quando detectaram nos
anos setenta a reinfestação de algumas áreas, por este vetor. Como o ambiente dos
atuais centros urbanos favorece sobremaneira a dispersão e a elevação da densidade das
populações desse mosquito, e as estratégias de combate que vêm sendo instituídas têm
sido falhas, a circulação dos vírus do dengue se estabeleceu e se expandiu, passando a
se constituir em um grave problema de Saúde Pública neste final de século.
Estima-se que cerca de 3 milhões de casos de Febre Hemorrágica do Dengue e
Síndrome do Choque do Dengue, e 58 mil mortes já foram registradas nos últimos
quarenta anos1. Os mecanismos que definem a ocorrência das formas graves destas
77
infecções ainda não estão reconhecidos integralmente, e estudos populacionais e
individuais devem ser conduzidos para que se possa esclarecer os pontos obscuros.
Neste sentido, tem-se que buscar aliar esforços de epidemiologistas, virologistas e
clínicos na perspectiva de trabalhos inter-disciplinares capazes de contribuir para o
avanço do conhecimento dos mecanismos envolvidos na circulação viral nas populações
humanas, visando identificar os fatores que influenciam nesta dinâmica, e que
modulam a transição entre o aparecimento do Dengue Clássico e Febre Hemorrágica do
Dengue.
Mesmo considerando-se as lacunas dos conhecimentos disponíveis para se
predizer sob firmes bases científicas as futuras ocorrências de epidemias das formas
hemorrágicas do dengue, a atual situação epidemiológica e entomológica de extensas
áreas de vários continentes, evidencia maiores possibilidades para um agravamento
deste cenário, pois os fatores que determinaram a reemergência destas infecções são
difíceis de serem eliminados. A Organização Mundial da Saúde, desde 1984, colocou
em sua pauta de prioridades o apoio a pesquisas direcionadas para a produção de
imunobiológicos capazes de conferir proteção contra os quatro sorotipos dos vírus do
dengue, como parte do seu programa para desenvolvimento de vacinas, todavia, apesar
de alguns avanços, ainda não se tem disponível nenhum imunoprotetor para uso em
populações2.
Tendo em vista a magnitude e relevância deste problema este artigo tem como
propósito fazer uma breve revisão comentada dos fatores identificados como
determinantes destas infecções, da distribuição da doença no mundo com especial
destaque para as Américas e Brasil, assim como, apresentar e discutir os instrumentos e
estratégias de controle disponíveis, apontando algumas reflexões para debate.
78
2. O Vírus e seus Transmissores
Os agentes etiológicos da febre amarela e do dengue foram os primeiros
microorganismos a serem denominados vírus, em 1902 e 1907, respectivamente,
descritos como agentes filtráveis e submicroscópicos. Só 36 anos depois desta precoce
observação, foi que se alcançou o conhecimento e tecnologia necessários para o
desenvolvimento de pesquisas laboratoriais com estes agentes. Em 1906, as primeiras
evidências do ciclo de transmissão do dengue foram publicadas por Bancroft, que
levantou a hipótese do Aedes aegypti ser o vetor da infeçcão, o que, logo depois, foi
confirmado por Agramonte e outros pesquisadores3. Com isto, foi possível estabelecer
os elos epidemiológicos envolvidos na transmissão da doença resumidos na cadeia:
Mosquito infectado homem susceptível homem infectado mosquito infectado.
O isolamento dos vírus só ocorreu na década de quarenta, por Kimura em 1943 e
Hotta em 1944, tendo-se denominado Mochizuki a esta cepa. Sabin e Schlesinger, em
1945, isolaram a cepa Havaí, sendo que o primeiro, neste mesmo ano, ao identificar
outro vírus em Nova Guiné, observou que as cepas tinham características antigênicas
diferentes e passou a considerar que eram sorotipos do mesmo vírus. Às primeiras cepas
ele denominou sorotipo 1 e à da Nova Guiné sorotipo 2. Em 1956, no curso da epidemia
de dengue hemorrágico no Sudeste Asiático foram isolados os vírus 3 e 4, definindo-se
a partir daí, que o complexo dengue é formado por quatro sorotipos: DEN-1, DEN-2,
DEN-3 e DEN-43.
Esses vírus, que pertencem à família Flaviviridae, são sorologicamente
relacionados mas antigênicamente distintos e têm sido isolados in natura de mosquitos
do gênero Aedes, subgênero Stegomya espécies aegypti, albopictus e polynesiensis. Na
África e na Ásia, tem-se demonstrado que os vírus circulam entre os macacos, não
79
estando claro se é um ciclo primitivo ou um ciclo humano retrógrado4. Recentemente,
Silva et alli5 realizaram um inquérito sorológico que diagnosticou uma epizootia focal
em macacos no Sri Lanka.
Nas Américas, o Aedes aegypti é o único transmissor desses vírus, com
importância epidemiológica. Esta espécie de mosquito é originária da África sub-
sahariana, onde se domesticou e se adaptou ao ambiente criado pelo homem, tornando-
se antropofílico, sendo suas larvas encontradas em depósitos artificiais. Estas
características de adaptação permitiram que se tornassem abundantes nas cidades e
fossem facilmente levados para outras áreas, pelos meios de transporte, o que aumentou
sua competência vetorial, ou seja, a sua habilidade em tornar-se infectado por um vírus,
replicá-lo e transmiti-lo6. Da África, o Ae. aegypti se dispersa, para todo o hemisfério
ocidental no século XVII, para o Mediterrâneo no século XVIII, para a Ásia tropical no
século XIX e para as Ilhas do Pacífico no final do século XIX e início do século XX4.
O Ae. Aegypti foi erradicado do Mediterrâneo, na década de 50, e de grande
parte das Américas, nos anos 50 e 60. No entanto, houve reinfestação na maioria das
áreas de onde havia sido erradicado e, hoje, este vetor é considerado uma espécie
“cosmotropical”4, observando-se que sua capacidade de adaptação está se ampliando,
pois, em 1987, foi registrada a sua sobrevivência em áreas situadas a 1.200 metros
acima do nível do mar7. Além disto, ao contrário do que se pensava anteriormente, o Ae.
Aegypti tem a capacidade de fazer ingestões múltiplas de sangue durante um único ciclo
gonadotrófico, o que amplia a sua possibilidade de infectar-se e de transmitir os vírus8.
O Aedes albopictus é uma espécie oriunda das selvas asiáticas e até
recentemente restrita a este continente. Nos últimos quatorze anos, em conseqüência do
intenso comércio intercontinental de pneus, por intermédio dos transportes marítimos se
80
dissemina para as Américas, sendo incialmente detectado nos Estados Unidos, em 1985,
onde já está presente em 25 estados. Logo depois, em 1986, é identificado no Brasil, já
tendo se disseminado para 1465 municípios distribuídos em 14 unidades federadas.
Atualmente, está presente também em mais seis países da América Central e do Sul, na
África, na Nigéria, em algumas Ilhas do Pacífico e no Sul da Europa4.
O Ae. albopictus não é doméstico como o aegypti, prefere os ocos de árvores
para depositar seus ovos e tem hábitos antropofílicos e zoofílicos diurnos e fora dos
domicílios. Sua competência vetorial vem sendo objeto de investigação, vez que tais
hábitos podem estabelecer um elo entre o ciclo dos vírus do dengue nos macacos e no
homem, além de haver referência quanto à sua responsabilidade pela transmissão de
surtos epidêmicos de dengue clássico e hemorrágico na Ásia9, 10.
Ibanez-Bernal et al11, de outro lado, em 1997, registram, pela primeira vez nas
Américas, a infecção natural do Aedes albopictus pelos vírus do dengue, em espécimes
coletadas durante um surto que ocorreu na cidade de Reynosa no México. Estes autores
chamam a atenção para o fato de que os sorotipos 2 e 3 foram detectados em um “pool”
de dez mosquitos machos, o que indica haver transmissão transovariana nesta espécie,
como acontece com o Ae. aegypti. Este novo achado é de grande importância
epidemiológica pelo potencial de transmissão dos vírus do dengue para outras áreas
geográficas livres do Ae. aegypti, mas que estão infestadas pelo Ae. albopictus, a
exemplo do sul da Europa e dos Estados Unidos.
81
3. Dinâmica de Transmissão do Vírus do Dengue
3.1. Condicionantes da Circulação Viral
É muito complexa a interrelação dos fatores envolvidos na dinâmica da
circulação dos quatro sorotipos dos vírus do dengue, o que gera confusão e incertezas
em vários campos do conhecimento, principalmente no que diz respeito aos
determinantes das suas apresentações clínicas e epidemiológicas que são pleomórficas.
Assim, observam-se epidemias graves, como as ocorridas no Sudeste Asiático, onde as
formas hemorrágicas têm sido freqüentes12,13; as epidemias clássicas consideradas
benígnas, como a de 1979, em Cuba, causada pelo sorotipo DEN-1, e que logo foi
seguida por outra, em 1981, vinculada ao sorotipo DEN-2, surpreendentemente grave,
com milhares de casos hemorrágicos14. Em contraponto, as primeiras epidemias dos
grandes centros urbanos brasileiros foram seguidas de outras, nas mesmas áreas e
provocadas por agentes pertencentes a sorotipos diferentes, com poucos registros de
dengue hemorrágico, não confirmando, desta forma, as previsões de gravidade feitas a
partir dos eventos de Cuba15.
A capacidade de predição e de explicação das apresentações epidemiológicas e
clínicas, no atual estado da arte, ainda é muito limitada, o que demanda esforços de
pesquisadores de todas as áreas do conhecimento, para a elucidação dos intricados
fenômenos envolvidos. Dentre estes, deve-se destacar a importância do estudo dos
fatores que influenciam na dinâmica da circulação viral, ou seja, dos determinantes e
condicionantes da produção das infecções no que diz respeito a sua freqüência,
distribuição e gravidade que se expressam em distintas apresentações epidemiológicas,
ressaltando-se as epidemias explosivas ou mais limitadas com ou sem casos graves; os
82
períodos endêmicos com maior ou menor incidência de casos aparentes; as epidemias
com exacerbação de formas clínicas graves16,3,17,15.
Em 1995, Kuno17, chama a atenção para o fato de que, nas últimas décadas, as
investigações sobre dengue estão centradas no controle vetorial, na biologia molecular
dos vírus, no desenvolvimento de vacinas e na patogênese do dengue hemorrágico e da
síndrome do choque do dengue. São poucos, segundo este autor, os esforços dirigidos
para a compreensão dos fatores que modulam a dinâmica da transmissão viral, cuja
análise tem sido negligenciada, embora seja fundamental do ponto de vista científico e
para a adoção das estratégias de controle.
Os principais fatores que têm sido apontados como condicionantes das
apresentações epidemiológicas e clínicas do dengue, são relacionados na Figura 1. No
modelo explicativo de produção das infecções que apresentamos (Figura 2) além dos
fatores listados, inclui-se com destaque e considera-se como fundamental na
determinação da circulação dos vírus, a forma em que se organiza o espaço geográfico
dos centros urbanos, do modo de vida de suas populações, os seus reflexos no ambiente,
que criam as condições para a proliferação dos vetores18,19. O espaço social organizado
influencia na interação sinérgica dos três elementos da cadeia biológica e
epidemiológica. Entretanto, o dengue distingue-se das outras doenças infecciosas e
parasitárias, desde quando a ocorrência da maioria delas está estreitamente relacionada
com as más condições sociais e econômicas das populações, produzindo diferenciais na
sua freqüência e distribuição, refletindo as desigualdades de cada sociedade20,21. Já a
distribuição e freqüência das infecções pelos vírus do dengue estão intrinsecamente
relacionadas com a plasticidade e poder de adaptação do Ae. aegypti ao ambiente
habitado pelo homem, principalmente, aos espaços com grandes adensamentos
populacionais como os encontrados nas metrópoles modernas, pois a transmissão e
Figura 1 - Fatores que Modulam a Transmissão e Circulação dos Vírus do Dengue
Vetor
Dinâmica das populações
Distribuição
Dispersão
Movimento do vetorRaio de dispersãoTransporte (terrestre, marítimo, aéreo)
Densidade
Taxa de reprodução e longevidadeClima: chuvas umidade temperaturaSaneamento ambiental
(criadouros potenciais): Domiciliar Peridomiciliar Logradouros públicos
Quantitativo de mosquitosRelação entre adultos machos e fêmeas
Ovos depositados
A INTERAÇÃO DESTESFATORES DETERMINAM ACOMPETÊNCIA VETORIAL
Hospedeiro (Homem)
Susceptibilidade (universal)
Imunidade – individual
Den 1Den 2 Várias combinaçõesDen 3 possíveisDen 4
Imunidade – coletiva
Den 1Den 2 Várias combinaçõesDen 3 possíveis com diferentesDen 4 graus de imunidade de grupo
Fatores individuaisRaça?Estado nutricional?Doenças pré existentes?Intervalo entre as infecções?
Organização do espaço socialDensidade populacionalHábitos e modo de vida
PROBABILIDADE DE ADQUIRIRINFECÇÕES (BENÍGNAS OU GRAVES)
Vírus
Sorotipos
Den 1
Den 2
Den 3
Den 4
Diferenças genéticas
Topotipos associados a origem geográfica
Virulência das cepas
Quantidade de vírus inoculado no hospedeiro
Circulação prévia de outros vírus nas populações
Intervalo de tempo ocorrido entre as infecções noindivíduo e nas populações
Ordem sequencial das infecções dos 4 sorotipos(combinações possíveis)
Transmissão transovariana
PROBABILIDADE DE TRANSMISSÃO
83
circulação destes vírus são condicionadas pela densidade e dispersão deste mosquito.
Cada sorotipo específico dos vírus do dengue quando introduzido em grandes cidades
indenes, com elevada densidade vetorial se transmite rapidamente, provocando
epidemias explosivas. De acordo com Rodhain & Rosen4 a persistência destas infecções
nas populações humanas só ocorre nos espaços urbanos que mantém elevados índices de
infestação de Ae. aegypti e grandes adensamentos populacionais que, aliado as taxas de
nascimentos, vai repondo o estoque de indivíduos susceptíveis à infecção. Isto porque, a
principal ou talvez única fonte de infecção do vetor é o homem, e a viremia humana
persiste por apenas sete dias na fase aguda da infecção e nunca foi demonstrada viremia
recurrente com o mesmo sorotipo.
Figura 2 – Dengue: Modelo Explicativo de Produção das Infecções
84
Estas condições descritas acima são propiciadas pela forma de organização
social do espaço, pois são inerentes a estes centros urbanos a grande densidade
populacional. O modo de vida de suas populações, gera, em escala exponencial, os
habitats para a ovoposição e conseqüente proliferação do Ae. aegypti22,18, tanto em
locais onde as condições sanitárias são deficientes, quanto em outros, onde se considera
que existe adequada infra-estrutura de saneamento ambiental. Nas áreas mais pobres,
que correspondem àquelas deficientes em estrutura urbana, os criadouros potenciais
mais encontrados são vasilhames destinados ao armazenamento de água para consumo,
devido à freqüente intermitência ou mesmo inexistência dos sistemas de abastecimento,
e recipientes que são descartados mas permanecem expostos ao ar livre no peri-
domicílio, por não se dispor de coleta de lixo adequada. Os hábitos culturais das
populações de classe mais elevada também mantém no ambiente doméstico, ou próximo
a este, muitos criadouros do Ae. aegypti, mas que têm diferentes utilidades, pois, em
geral, são destinados à ornamentação (vasos de plantas com água) ou tanques para
armazenamento de água tratada sem tampas. Por outro lado, o processo de apropriação
do espaço destas metrópoles favorecem a proximidade espacial das populações de
diferentes classes sociais, seja pela favelização de áreas situadas dentro de bairros
nobres, seja pela ocupação de prédios antigos onde se instalam moradias sob a forma de
cortiços23.
Ainda nestes centros, outro aspecto que permite a manutenção da infestação
vetorial são as dificuldades para o desenvolvimento das intervenções sobre a população
de mosquitos, que também decorrem de distintos hábitos de vida. Como exemplos
marcantes e antagônicos observa-se que em muitas residências de bairros nobres, por
questões de segurança, não se consegue a permissão dos moradores ou síndicos para a
atuação intra e peri-domiciliar dos agentes de saúde dos programas de controle do
85
mosquito, básica para a atuação química e físico contra o vetor, e, em algumas áreas de
favelas com registro maior de violências, particularmente, quando dominadas pelas
quadrilhas do narcotráfico, onde os agentes têm receio de trabalhar, preocupados com
sua própria segurança ou são impedidos de fazê-lo. Desta forma, as taxas de recusas
nestas áreas são muito elevadas, constituindo-se verdadeiras ilhas de difícil intervenção,
que não só permanecem infestadas, como prejudica a eliminação do vetor nas áreas em
torno, mesmo onde o programa alcança cobertura próxima ao ideal, qual seja o
tratamento com larvicida de 100% dos domicílios com presença das formas imaturas do
Ae. aegypti. Isto prejudica sobremaneira a eficiência e efetividade destas ações nos
complexos urbanos.
Assim, os contrastes que resultam da organização social dos espaços urbanos
modernos favorecem a proliferação dos mosquitos transmissores do dengue tanto por
fatores ligados ao conforto, bem estar, e suposta segurança, como por outros associados
a suas mazelas expressos em grandes adensamentos populacionais, violência,
precariedade de infraestrutura de saneamento, produção desenfreada e disposição no
meio ambiente de recipientes descartáveis e pneus, dentre outros. Assim, pode-se
observar em nível macro que os depósitos predominantes de Ae. aegypti na região
nordeste, a mais pobre do país, são aqueles que se destinam ao armazenamento de água
no domicílio, enquanto na mais rica, região sudeste, são vasos de planta (Figura 3).
86
Pesquisa NegativaPneuTambor/Tanque/barril/Tina/Tonel/Dep. de BarroVaso de PlantaMaterial de Construção/Peça de CarroGarrafa/Lata/PlásticoPoço/Cisterna/CacimbaCaixa d´águaSem Informação
Fonte: CR’s/FNSCENEPI/GTDVA/GT-FAD
Figura 3 – Tipos de criadouros potenciais predominantes de Aedes aegyptipor município. Brasil, 1999
Alguns inquéritos soroepidemiológicos nacionais que utilizaram amostras
populacionais, evidenciaram que a distribuição das infecções dos vírus circulantes em
grandes capitais não pouparam os bairros nobres24,25,26, entretanto, estes achados não
são concordantes com outros que utilizaram inquéritos de alunos de escolas públicas
27,28 ou taxas de incidência dos dados oficiais do sistema de notificação compulsória29,30.
Entende-se que estas discrepâncias se devem ao fato de que alunos da rede pública de
ensino e grande parte dos registros de notificação compulsória de doença, são de
indivíduos que residem em áreas mais pobres das cidades, o que pode propiciar
distorções nas análises de freqüência da distribuição espacial.
87
3.2. Condicionantes das Formas Hemorrágicas
Algumas teorias têm sido desenvolvidas para explicar a ocorrência das formas
hemorrágicas do dengue. A primeira, denominada teoria imunológica de Halstead30,31,32,
associa a ocorrência destas formas a duas infecções seqüenciais, por diferentes
sorotipos, após ter transcorrido um tempo mínimo entre as mesmas de,
aproximadamente, três anos, quando, então, a resposta imunológica do indivíduo
sensibilizado seria ampliada pela segunda infecção, em função da existência prévia de
anticorpo heterotípico (Antibody dependent enhancement-ADE). A segunda, defendida
por Rosen33,34, relaciona as formas graves a uma maior virulência de determinadas
cepas dos vírus. Watts et alli35 em estudo de vigilância das características clínicas e
sorológicas de casos de dengue no Peru, que tiveram como agente etiológico o genotipo
Americano do vírus DEN-2 concluem, que, possivelmente esta cepa não detém as
propriedades necessárias para causar formas severas da doença, que, em parte, reforça o
pensamento de Rosen. A terceira teoria, reconhece que as duas primeiras não explicam
de forma isolada os eventos epidemiológicos que vêm ocorrendo no mundo, e propõe
uma teoria integral de multicausalidade, segundo a qual se aliam vários fatores de risco:
individuais - idade, sexo, raça, estado nutricional, pré-existência de enfermidades
crônicas, presença de anticorpos, intensidade da resposta imunológica a infecções
anteriores (ADE) -; fatores virais - virulência da cepa circulante, sorotipo(s) viral(is)
envolvido(s) em cada evento epidemiológico -; e os fatores epidemiológicos -
imunidade de grupo, competência vetorial, densidade vetorial, intervalo de tempo entre
as infecções por diferentes sorotipos; intensidade da circulação viral36,37,3. Esta última
teoria é uma tentativa de explicação mais totalizadora, ao reconhecer que o resultado
das apresentações epidemiológicas e clínicas no indivíduo e nas populações, depende de
todos os elos e fatores interligados, aproximando e considerando a complexidade dos
88
fenômenos envolvidos na determinação destas infecções. O esquema explicativo
proposto (Figura 2) adota esta como referencial teórico, por ser mais abrangente e
articular as três espécies de seres vivos envolvidos no processo de transmissão, ao
tempo em que coloca em maior evidência o papel da organização social do espaço.
Todavia, as investigações epidemiológicas e/ou biológicas, por fragmentar o
processo de estudo, buscando associações lineares, e em virtude dos limites
metodológicos e técnicos disponíveis, não fornecem subsídios suficientes para a
compreensão das condições em que se dá o aparecimento das formas graves da doença,
mesmo quando se adota como referencial a terceira teoria. Discussões continuam acerca
do potencial explicativo de cada uma destas três teorias com relação ao aparecimento de
epidemias de dengue hemorrágico. Os conhecimentos biológicos e epidemiológicos são
insuficientes para o estabelecimento de previsões, sob firmes bases científicas, qualquer
que seja a teoria que nos referencie.
4. Epidemiologia
A descrição das epidemias atribuídas ao dengue ocorridas antes da identificação
dos microrganismos causadores da doença, dá margem a dúvidas quanto ao fato de
todas terem os vírus do dengue como agentes, se foram causadas pelo mesmo sorotipo
ou pela mesma cepa. Relatos clínicos e epidemiológicos potencialmente compatíveis
com dengue são encontrados em uma enciclopédia chinesa datada de 610dc, não
havendo precisão quanto ao ano exato desta ocorrência. São descritos, também, surtos
de uma doença febril aguda no Oeste da Índia Francesa, em 1635, e no Panamá, em
1699, não existindo consenso quanto a terem sido febre do dengue ou Chikungunya12.
Os eventos de melhor documentação na literatura, neste período anterior à identificação
89
dos agentes, são as da ilha de Java, em Jakarta, e as do Egito, ambas em 1779, além da
de Filadélfia, USA, no ano seguinte3.
Ao longo dos três últimos séculos, tem-se registrado a ocorrência do dengue em
várias partes do mundo, com pandemias e epidemias isoladas, atingindo as Américas, a
África, a Ásia, a Europa e a Austrália. De acordo com Howe38, no mundo ocorreram
oito pandemias, com duração de três a sete anos, no período compreendido entre 1779 e
1916.
Um inquérito sorológico retrospectivo indicou que o sorotipo DEN-1
predominou nas Filipinas, na década de vinte e durante uma intensa circulação nas
regiões do Pacífico Sul e na Ásia, iniciada nos anos trinta e que perdurou por todo o
período da segunda guerra. Existem algumas evidências de que no século XIX e
primeiras décadas do século XX, quando os meios de transporte ainda não eram tão
rápidos, um sorotipo único persistia circulando em determinadas regiões, por alguns
anos, causando surtos epidêmicos periódicos, devido a alterações na coorte de
susceptíveis12.
Por um longo período essa virose foi considerada doença benigna e somente
após a segunda guerra mundial, que favoreceu a circulação de vários sorotipos em uma
mesma área geográfica, ocorreram surtos de uma febre hemorrágica severa que,
posteriormente, seria identificada como uma forma do dengue. O primeiro destes
eventos, é descrito nas Filipinas, em 1953, sendo confundido com a febre amarela e
com outras arboviroses do grupo B, e, só depois, em 1958, com a epidemia de Bankok,
Tailândia, a febre hemorrágica é associada ao dengue3. De acordo com Gubler12 esta
forma clínica já ocorria antes do século XX, pois, desde 1780, há relatos esporádicos de
doença hemorrágica associada a severas epidemias de dengue. Na Grécia, em
90
1927/1928, por meio de diagnóstico retrospectivo, identificou-se a ocorrência de uma
grave epidemia de dengue hemorrágico de incidência alarmante e alta letalidade. A
investigação de soros de sobreviventes indicou a circulação dos vírus DEN-1 e DEN-
239.
Progressivamente, outros países do Sudeste Asiático foram apresentando surtos
de dengue hemorrágico: Vietnã do Sul (1960), Singapura (1962), Malásia (1963),
Indonésia (1969) e Birmânia (1970). Nesta região, nos anos oitenta, a situação agrava-
se e a doença expande-se para a India, Sri Lanka, Maldives e leste da China.
Atualmente, sob a forma de epidemia ou endemia milhares de casos e de óbitos vêm
ocorrendo a cada ano, predominantemente em crianças12.
Em 1964, após 20 anos sem registro da doença, um pequeno surto de DEN-3 é
diagnosticado no Tahiti, ilha do Pacífico Sul, o qual não se dissemina para as outras
ilhas próximas. Cinco anos após, um novo episódio causado pelo mesmo vírus
evidencia que este permaneceu circulando no local, sob a forma endêmica. Nos anos
seguintes, epidemias de DEN-2 ocorreram em várias ilhas do Pacífico, e em 1975 o
DEN-1 foi introduzido nesta Região. Na Austrália, registros de dengue vêm sendo feitos
desde 1800, com múltiplas epidemias ocorrendo até 1955. Em 1981 a virose reaparece
provocando severas epidemias em várias cidades. A circulação dos vírus DEN-1 e
DEN-2 vem se mantendo até o momento atual12.
4.1. Dengue nas Américas
Nas Américas, o vírus do dengue circula desde o século passado até as primeiras
décadas do século XX, quando então há um silêncio epidemiológico, registrando-se nos
anos sessenta a reintrodução dos sorotipos 2 e 3, associada à ocorrência de várias
epidemias de dengue clássico. Em 1963, detectam-se os primeiros casos na Jamaica
91
relacionados ao DEN-3, que depois se dissemina para a Martinica, Curaçau, Antigua,
Saint Kitts, Sanguilla, e Porto Rico. Logo após atinge o Norte da América do Sul,
Venezuela e Colômbia, e são notificados nos Estados Unidos casos importados15. Entre
1968 e 1970, epidemias com os vírus 2 e 3 são registradas no Caribe, na Guiana
Francesa e na Venezuela.
Na década de setenta, da mesma forma, ocorrem epidemias na Colômbia, em
Porto Rico e em Saint Thomas, com isolamento dos mesmos vírus. Em 1977, o
sorotipo 1 é introduzido na Jamaica disseminando-se por todas as ilhas do Caribe e na
América Tropical. No início da década de oitenta é isolado o vírus DEN-4, no entanto
este período se destaca pela intensa circulação dos vírus no continente americano e os
países que mais notificaram casos foram: Brasil, Colombia, Guatemala, Honduras,
México, Nicarágua, Paraguai, Porto Rico e Venezuela40.
O acontecimento epidemiológico mais relevante na história do Dengue nas
Américas é a epidemia de dengue hemorrágico e síndrome de choque do dengue
(DH/SCD) que ocorre em Cuba, no ano de 1981, quando são notificados 344.203 casos,
com 116.143 hospitalizações. Dentre os 10.312 casos considerados graves, 158
resultaram em óbitos, e destes 101 foram em crianças. O vírus DEN-2 é associado a esta
epidemia, que foi precedida por outra, causada pelo vírus DEN-1, em 197714. Este país
implantou um programa de erradicação do Ae. aegypti a partir de 1982 e manteve
índices de infestação próximos a zero, até primeiros anos da década de noventa. Em
1997, uma nova epidemia explode em Santiago de Cuba quando se confirmam 2.946
casos, com 102 da Febre Hemorrágica do Dengue, e 12 óbitos. Observou-se que os
casos hemorrágicos foram em adultos em quase sua totalidade, sendo a menor idade 17
anos, em um único indivíduo. O vírus circulante foi o DEN-2, e os casos hemorrágicos
apresentavam anticorpos para duas infecções. A análise destas informações associadas a
92
história das duas epidemias anteriores permitiu concluir que os casos hemorrágicos
ocorreram em indivíduos que foram infectados em 1977, pelo vírus 141. O estudo desta
epidemia revelou que o fenômeno da imunoamplificação pode se manter durante muitos
anos ou talvez toda a vida41, e não de seis meses até cinco anos, como se pensava
anteriormente, em função do padrão de intervalo das epidemias de dengue hemorrágico
no Sudeste Asiático30.
Em outubro de 1989, eclode na Venezuela um surto de DH /SCD com um total
de 8.619 casos e 117 óbitos, com isolamento dos vírus DEN-1, DEN-2 e DEN-4. Dois
terços dos casos ocorrem em crianças menores de 14 anos, sendo considerado o segundo
episódio mais grave nas Américas40.
Nos anos 90, o quadro epidemiológico das Américas e do Caribe vem se
agravando, e epidemias de Dengue Clássico são freqüentemente observadas em vários
centros urbanos, muitas delas associadas a ocorrência de casos de Dengue Hemorrágico.
Atualmente, os quatro sorotipos estão circulando neste continente e só não há registro
de casos no Chile, Uruguai e Canadá (Figura 4), com ocorrência sistemática de casos
de dengue hemorrágico. Até 1998, 54.248 casos, com 689 óbitos, o que corresponde a
uma letalidade média de 1,3%. Os países que mais vêm contribuindo para este
quantitativo são Venezuela com 28.479 casos, México 12.422, Cuba 10.517, Colômbia
8.236, Nicarágua 2.709, e Brasil 82142.
Em 1998, dezessete países notificaram casos de dengue nas Américas (Tabela
1), com proporção muito variável de casos hemorrágicos (de 0,002% a 15,2%). Estas
variações podem ser imputadas a múltiplos fatores, destacando-se o número de
sorotipos e o tempo em que estão circulando em cada espaço; a magnitude das
epidemias de dengue clássico anteriores e atuais que determinam o estado imunológico
93
das populações expostas a novas infecções; às diferenças genéticas entre as cepas; os
atributos pessoais como idade e raça dos indivíduos; diferenças nos critérios de
classificação diagnóstica das formas de dengue o que confere maior ou menor
sensibilidade ao sistema de detecção de casos, bem como qualidade e cobertura dos
sistemas de saúde de cada país.
Estados Unidos *1234Costa Rica13Equador124México1234Peru12Suriname124Bolívia 12Colômbia124Venezuela234Trinidad Tobago12Guyana Francesa124Guyana1214Paraguay1Brasil12Panamá13El Salvador124Nicarágua123Guatemala1234Belice134RepúblicaDominicana124IlhasVirgenesS. Vicente yGranadinas1GuadalupeMontserrat12Barbados111Dominica12Jamaica124Honduras1234Puerto Rico12Haiti124Cuba2
Figura 4 – Dengue nas Américas
94
Tabela 1 - Número de casos de dengue e febre hemorrágica do dengue nasAméricas segundo país, 1998
País Casos de dengue Casos DH/SCD* %
Brasil 559.285 105 0,02
Colômbia 63.182 5.171 8,2
Venezuela 37.586 5.723 15,2
México 23.639 372 1,6
Honduras 22.218 18 0,08
Porto Rico 17.241 173 1,0
Nicarágua 13.592 432 3,2
Rep. Dominicana 3.049 176 5,8
Trinidad 3.120 136 4,4
Jamaica 1.551 42 2,7
Guatemala 4.655 2 0,04
El Salvador 1.688 2 0,12
Outros1 4.411 15 0,34
* Dengue Hemorrágico e Síndrome de Choque do Dengue1 Panamá, Belice, Guiana Francesa, H. Lucia, Suriname.
4.3. Dengue no Brasil
Algumas evidências apontam para a ocorrência de epidemias de dengue no
Brasil desde 1846, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Outros surtos
relacionados a esta virose em São Paulo, no período compreendido entre 1851 e 1853,
também estão referidos43. Entretanto, as primeiras referências a casos de dengue na
literatura médica datam de 1916, naquela cidade, e de 1923, em Niterói44. Neste último
ano, um navio francês com casos suspeitos aportou em Salvador, Bahia, mas não foram
registrados casos autóctones nesta cidade45.
95
Um inquérito sorológico realizado na Amazônia em 1953/1954, encontrou soro-
positividade para dengue, sugerindo que houve circulação viral na Região46. Entretanto,
a primeira epidemia de dengue com confirmação laboratorial acontece em 1982, na
cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima, com a ocorrência de 11 mil casos
segundo estimativas, o que correspondeu a aproximadamente uma incidência de 22,6%,
e foram isolados dois sorotipos dos vírus no curso do evento: DEN-1 e o DEN-447.
Estes agentes estavam circulando em diversos países do Caribe e no norte da América
do Sul e sua introdução, possivelmente, se deu por via terrestre, pela fronteira da
Venezuela15. A propagação viral para o resto do país, não se dá a partir desse episódio,
pelo fato do mesmo ter sido rapidamente controlado e porque o Ae. aegypti não estava
ainda disperso no território brasileiro.
O dengue só reaparece no Brasil cinco anos depois, na cidade de Nova Iguaçu,
estado do Rio de Janeiro, com identificação do sorotipo DEN-1. A partir daí, a virose
dissemina-se para outras cidades vizinhas, inclusive Niterói e Rio de Janeiro,
notificando-se 33.568 casos em 1986 e 60.342 em 1987, com taxas de incidência de
276,4 e 491,1 por 100 mil habitantes, respectivamente. Também em 1986, registram-se
casos de dengue em Alagoas e em 1987 no Ceará, com elevadas taxas de incidência de,
respectivamente, 411,2 e 138,1 por 100 mil habitantes. Ainda em 1987, ocorre epidemia
em Pernambuco com 31,2 casos por 100 mil habitantes, e surtos localizados em
pequenas cidades de São Paulo, Bahia, e Minas Gerais.
Após essas primeiras epidemias de dengue clássico, observa-se um período de
dois anos que se caracteriza pela baixa endemicidade. Em 1990, ocorre um
recrudescimento de grandes proporções, conseqüente ao aumento da circulação do
DEN-1 e da introdução do DEN-2 no Rio de Janeiro, onde a incidência atinge 165,7
por 100 mil habitantes, naquele ano e em 1991, 613,8 casos por 100 mil habitantes. É
96
neste período que surgem os primeiros registros de dengue hemorrágico, com 1.316
notificações, 462 confirmações diagnósticas, e oito óbitos48.
Nos dois primeiros anos da década de noventa a incidência da doença se
manteve quase que inteiramente restrita aos estados citados anteriormente,
acrescentando-se poucas notificações oriundas do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Nos anos subseqüentes, a circulação viral (DEN-1 e DEN-2) se expande rapidamente
para outras áreas do território brasileiro (Figura 5). Cabe destacar a gravidade da
epidemia de 1994 no Ceará, com 47.221 notificações e uma taxa de incidência de
711,88 por 100 mil habitantes. São registrados 185 casos suspeitos de dengue
hemorrágico, com 25 confirmações e 12 óbitos49.
Na Tabela 2 observa-se que a transmissão já se estabeleceu em 2.756 municípios
situados em 23 estados, e existe circulação simultânea dos sorotipos DEN-1 e DEN-2
em 19 das 27 Unidades Federadas brasileiras. Santa Catarina e Rio Grande do Sul só
notificaram casos importados, e apenas o Acre e o Amapá não têm nenhum registro de
dengue. O número de notificações acumuladas no período de 1981 a 1998 ultrapassa
mais de um milhão e meio de indivíduos. Todos os estados têm municípios infestados
85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99*
0
100
200
300
400
500
600
Por
100
.000
hab
.
BRASIL NORTE NORDESTE SUDESTE SUL CENTRO-OESTEFonte: CENEPI/FNS/MS*Dados preliminares até setembr 1999.9.
ANO
Figura 5 – Taxa de incidência de dengue segundo ano de ocorrência.Brasil e Regiões, 1986 – 1999*
97
perfazendo um total de 2.910. As epidemias de maior magnitude estiveram
concentradas nos grandes centros urbanos, e a intensidade da circulação viral coloca sob
risco milhões de brasileiros a adquirirem as formas mais graves da doença50.
Entre 1990 e 1999 foram diagnosticados 888 casos de Dengue Hemorrágico com
39 óbitos, letalidade média de aproximadamente 4,4% (Figura 6). Esta incidência
relativamente baixa quando comparada à de dengue clássico e o fato de haver circulação
de dois sorotipos no país há mais de oito anos, tem levado a considerar que os rígidos
critérios diagnósticos estabelecidos para confirmação de caso podem estar subestimando
a incidência das formas graves da doença. Possivelmente, alguns casos de DH/SCD
estão passando despercebidos, mas infere-se que a incidência não deve ser de grande
magnitude, visto não haver registro de óbitos com quadro clínico compatível com
dengue hemorrágico. A elevada letalidade esperada para esta forma da doença, na
ausência de diagnóstico e tratamento adequado, certamente chamaria a atenção da
população e das autoridades sanitárias. Possivelmente, a cepa de DEN-2 que está
circulando no Brasil também não exibe as condições necessárias para produzir grande
quantidade de casos de doença hemorrágica35, mesmo na vigência de infecções
seqüenciais.
98
Tabela 2 – Número de municípios com Aedes aegypti e com transmissão de dengue,sorotipos circulantes e número acumulado de casos notificados
por Unidade Federada
REG/UFNº de
municípios comAedes aegypti
Nº de municípioscom transmissão de
dengue
SorotiposCirculantes
Nº de casosnotificados e
acumulados dedengue(1)
BRASIL 2.910 2.756 1.672.883
NORTE 151 155 82.168
RO 14 14 DEN-1 891
AC 1 -
AM 11 21 DEN-1 32.746
RR 3 3 DEN-2 4.329
PA 35 51 DEN-1 e 2 33.547
AP 2 -
TO 85 66 DEN-1 e 2 10.655
NORDESTE 1.146 1.173 848.775
MA 95 57 DEN-1 e 2 29.931
PI 53 86 DEN-1 e 2 28.823
CE 92 110 DEN-1 e 2 135.241
RN 147 121 DEN-1 e 2 65.195
PB 174 195 DEN-1 e 2 137.063
PE 130 178 DEN-1 e 2 188.559
AL 90 87 DEN-1 e 2 36.773
SE 68 61 DEN-1 e 2 51.456
BA 297 278 DEN-1 e 2 175.734
SUDESTE 899 856 627.617
MG 323 315 DEN-1 e 2 179.094
ES 50 45 DEN-1 60.920
RJ 70 65 DEN-1 e 2 296.254
SP 456 431 DEN-1 e 2 91.349
SUL 356 252 13.167
PR 321 171 DEN-1 e 2 12.848
SC(*) 6 174
RS(*) 29 DEN-1 e 2 145
CENTRO-OESTE 358 320 101.156
MS 77 67 DEN-1 e 2 31.728
MT 92 94 DEN-2 35.296
GO 188 158 DEN-1 e 2 30.006
DF 1 1 DEN-1 e 2 4.126Fonte: MS/FNS/CENEPI/CCDTV/GT-FAD(*) Casos importados(1) Total acumulado 1982 a 1998
99
Fonte: CRs/FNS e SES.
Casos(888)
Óbitos(39)
659RJ
CE 28
PE 71
RN33
ES8
BA 2
GO1
MA2
MG9
MS
2 PI
4SE
1
RJ15
MG4
CE
11
PE
1RN8
Figura 6 – Número de casos e de óbitos de dengue hemorrágico.Brasil, 1990 - 1999
4.2.1 Os padrões epidemiológicos no Brasil
O vírus do dengue altera seu potencial epidêmico e as suas apresentações
clínicas quando se move entre as populações12 o que faz com que as apresentações
epidemiológicas das infecções se expressem de modo muito variadas. Assim, as
epidemias podem ser explosivas evoluindo em curto período de tempo seguidas de
circulação endêmica, outras delineiam dois picos epidêmicos em anos consecutivos e só
depois é que se estabelece um período de baixa endemicidade, também de maior ou
menor duração. Estas distintas apresentações dependem da interação entre os fatores
relacionados nas Figuras 1 e 2. Contudo, alguns padrões podem se repetir,
particularmente quando se trata da introdução de um sorotipo do vírus em populações
virgens de exposição em locais com grandes densidades populacionais e com índices
elevados de infestação pelo Ae.aegypti. Nestas situações, tem-se observado que durante
100
algumas semanas a epidemia se anuncia com o aparecimento de alguns casos, próximos
entre si, para logo depois se configurar uma epidemia explosiva de duração variável51.
No Brasil, no período compreendido entre 1986 e 1993, as epidemias atingem
mais os grandes centros urbanos, e em alguns estados (Rio de Janeiro, Ceará e Alagoas)
delineiam-se duas ondas epidêmicas, em anos consecutivos, com intervalos de alguns
meses entre elas15. Em seguida, observava-se um período de dois anos com baixa
incidência da doença. A partir de 1994 esta tendência de elevação bienal se altera
significativamente.
Na Figura 7, observa-se que excluindo-se o episódio isolado de 1982 ocorrido
em Boa Vista, três ondas epidêmicas foram delineadas nos últimos 13 anos. A primeira,
biênio 86/87, corresponde a introdução do vírus DEN-1 em grandes centros urbanos dos
quais se destacaram as cidades que compõem a grande região metropolitana do Rio de
Janeiro (incluindo Niterói), Fortaleza e Maceió. A incidência para o país como um todo
atinge um pico de 65,1 casos por 100 mil habitantes. Com o recrudescimento da
circulação do DEN- 1 e a introdução do vírus DEN-2 uma segunda alça foi registrada
em 1990 e 1991, com níveis epidêmicos semelhantes a anterior, e registros de casos nas
cidades citadas anteriormente, acrescido de outras nos estados de Pernambuco, Minas
Gerais e São Paulo. Nota-se que logo após dois anos de altas incidências estas se
reduzem bruscamente a menos de 5 casos por 100 mil habitantes.
Diferentemente, a terceira onda epidêmica do Brasil, iniciada em 1994, vai se
elevando nos anos subseqüentes, sem apresentar o declínio das anteriores. Os vírus
DEN-1 e DEN-2 vão rapidamente sendo introduzidos e circulam em muitas outras
cidades intensamente infestadas pelo Ae. Aegypti, e seqüencialmente as epidemias vão
se sucedendo. A circulação se estabelece não só por contiguidade, como, também, pela
101
introdução de casos índices importados em áreas indenes, distantes dos centros onde os
vírus foram isolados anteriormente. Este crescimento e expansão acompanha a
dispersão do Ae. aegypti que progrediu de modo também exponencial, como pode ser
notada na superposição da curva de tendência temporal da doença à progressão do
número de municípios infestados (Figura 8).
Em 1998, algumas unidades federadas registram taxas de incidência superiores a
1000 por 100 mil habitantes, sendo mais elevada na Paraíba, com 1807,4 por 100 mil
habitantes. A região Nordeste (Figura 5) é a que apresenta o maior risco de adoecer
desde 1996, e neste ano atinge 556 por 100 mil habitantes, mais de 60% acima da média
nacional (341 por cem mil habitantes).
Em 1999, vem se observando (Figura 5) um declínio significativo na incidência
do dengue no país (121,6 por 100 mil habitantes até 20/10) que possivelmente se deve
Figura 8 – Incidência de dengue e número de municípios com Aedes aegypti.Brasil, 1986 - 1998
8687888990919293*94959697980100200300400Tx. Inc./100.0000500100015002000250030003500Nº de Munic. Infest.Tx. Inc.35,1865,120,143,7528,0866,12,154,6836,8382,54116,38159,73350,88Nº Munic. Infest.2583483844564546407678689691791277127802910FONTE:GT-Dengue e Febre Amarela/CENEPI/FNS//MS* Número de municípios com Aedes aegypti em 1993 = média de 1992 e 1994.
102
ao esgotamento de susceptíveis nas áreas onde a circulação viral foi muito intensa nos
últimos anos, e a algum efeito na redução nos índices de infestação do vetor,
conseqüente ao seu combate que vem sendo implementado em muitos municípios.
A sazonalidade das infecções (Figura 8) pelos vírus do dengue é bem evidente
no Brasil, na maioria dos estados. A sua incidência se eleva significativamente nos
primeiros meses do ano, alcançando maior magnitude de março a maio, seguida de
redução brusca destas taxas a partir de junho. Este padrão sazonal, que nem sempre é
observado em outros países, tem sido explicado pelo aumento na densidade das
populações do Ae aegypti, em virtude do aumento da temperatura e umidade, que são
registradas em grandes extensões de nosso território, durante o verão e outono.
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Meses
0
20
40
60
80
100
Anos
94
95
96
97
98
Fonte: CRs/FNS e SES.Gerência Técnica de Febre Amarela e Dengue.
Por 100.000 hab.
Figura 8 – Incidência mensal de casos notificados de dengue.Brasil, 1984 - 1998
103
4.2.2. Magnitude dos eventos epidêmicos
São muito freqüentes as infecções oligosintomáticas e inaparentes causadas
pelos vírus do dengue. Em conseqüência a sub-notificação de casos é muito expressiva
mesmo quando o indivíduo apresenta a forma clássica sintomática da doença, em
virtude do quadro clínico ser confundido com muitas viroses febris e/ou exantemáticas,
ou por ser considerada pela população como uma virose benígna, o que nem sempre
impõe a busca de atenção médica. Deste modo, os dados oriundos das notificações
oficiais são muito subestimados e não revelam a força da circulação viral, embora
apontem a tendência de incidência da doença.
Para se estimar esta magnitude, são realizados inquéritos sorológicos que
determinam a soroprevalência de anticorpos para os vírus do dengue. No Brasil, vários
inquéritos foram realizados e os principais, nas grandes cidades, revelam soro-
prevalência média muito elevada como Rio de Janeiro (44,5%)27, Niterói (66%)28,
Salvador (67%)26, Fortaleza (44%)24 e São Luís (41,4%)25, indicando que centenas de
milhares de indivíduos foram infectados em cada um destes centros, o que evidencia
que as epidemias foram de magnitude surpreendente, e que para cada caso notificado
dezenas de infecções deixaram de ser conhecidas. Chama a atenção a taxa reduzida
encontrada em Ribeirão Preto (5,4%)52, cidade de médio porte, que podem ser
decorrentes de medidas de combate vetorial mais efetivas que já vinham sendo
implementadas antes e durante a epidemia.
5. Prevenção
Por não se dispor de vacina, a prevenção primária do dengue só pode realmente
ser efetivada nas áreas sob risco quando a vigilância entomológica ou o combate ao
104
vetor antecede a introdução do vírus. Quando a circulação de um ou mais sorotipos em
uma região já está estabelecida, as medidas de combate ao vetor e a vigilância
epidemiológica da doença tem baixa efetividade e os órgãos responsáveis pela
prevenção do dengue enfrentam uma série de dificuldades técnico-científicas e
operacionais, relacionadas à complexidade epidemiológica dessa doença.
5.1. Combate ao Aedes aegypti
As ações de combate ao Ae. aegypti, único elo vulnerável da cadeia
epidemiológica do dengue, estão centradas em duas estratégias, controle ou erradicação,
que se diferenciam quanto às suas metas, o que implica em distintas extensões de
cobertura, estrutura e organização operacional. Entretanto, ambas incluem três
componentes básicos: saneamento do meio ambiente; ações de educação, comunicação
e informação; e combate direto ao vetor (químico, físico e biológico)51,53,54,55,56.
O componente de saneamento visa reduzir os criadouros potenciais do mosquito
mediante: aporte adequado de água para evitar o seu armazenamento em recipientes que
servirão para ovoposição; proteção (cobertura) de recipientes úteis; reciclagem ou
destruição de recipientes inservíveis; tratamento ou eliminação de criadouros naturais.
Dependendo da estratégia e meta do programa este componente pode ser restrito às
atividades específicas que são desenvolvidas pelos recursos humanos do próprio
programa por meio de orientações aos moradores de cada residência para promoção de
saneamento intra e peri-domiciliar, ou mesmo limitado apenas a estas últimas, ou ser
mais amplo, com envolvimento dos órgãos setoriais de saneamento responsáveis pela
melhoria do sistema de abastecimento de água e coleta de resíduos sólidos55, 57.
Da mesma forma, o segundo componente varia conforme as definições
estratégicas e a importância que é dada às ações de educação, comunicação e
105
informação, que podem ser confinadas apenas à atuação dos agentes de saúde em cada
residência, associada ou não a algumas campanhas pontuais de educação e/ou
comunicação de massa, ou ser bem mais abrangente com participação efetiva de setores
sociais e governamentais; busca da participação das comunidades no processo de
prevenção, implementação de metodologias pedagógicas capazes de proporcionar
mudanças de comportamento no que diz respeito aos cuidados individuais e coletivos
com a saúde, com ênfase na necessidade de redução e eliminação dos criadouros
potenciais do mosquito transmissor da dengue55,57.
O combate físico e químico ao vetor inclui: a) tratamento focal que é a
eliminação das formas imaturas do Ae. aegypti, por meio aplicação de larvicidas nos
recipientes de uso doméstico que não podem ser destruídos, eliminados, ou tratados por
outras formas e a flambagem da parede de recipientes não elimináveis que contém ovos
deste vetor, em focos estratégicos; b) tratamento perifocal, que é polêmico quanto a
sua eficácia, por utilizar aspersão de inseticidas em torno do foco, sem ação residual e
sujeita às intempéries. A justificativa para seu uso é a eclosão do inseto adulto e seu
pouso nas imediações do foco. Este procedimento, é feito mediante rociadores manuais
ou a motor, nas paredes internas e externas dos recipientes preferencias para ovoposição
das fêmeas do vetor, e, no seu entorno.; c) aplicação espacial de inseticidas a ultra baixo
volume (UBV), para redução das formas aladas do Ae. aegypti. Esta técnica, só indicada
em situações epidêmicas, pode ser feita por aplicação no intra e peridomicílio,
empregando-se equipamentos portáteis, ou nas ruas, com máquinas pulverizadoras mais
pesadas montadas em veículos. A efetividade desta última forma de combate é bastante
questionada, mesmo quando são observados cuidadosamente todos os critérios técnicos
preconizados, por se constatar pouco efeito na redução da população das formas
adultas51. As normas e procedimentos técnicos e operacionais das atividades de combate
106
químico, nos diversos países, têm fundamentos comuns, e as variações observadas,
atendem a realidade de cada área, ou a seleção de técnica ou rotina específica com a
qual se tem maior experiência55,56.
O controle biológico, é baseado no uso de organismos vivos capazes de
competir, eliminar ou parasitar as larvas ou formas aladas do vetor, e ainda não se tem
experiência de aplicação em larga escala. O Bacillus thurighiensis H-14(BTI), e peixes
larvicidas das espécies Gambusia afinis e Poecilia spp, têm sido os mais utilizados, e
preconiza-se o seu uso mais amplo nos programas de combate. Ensaios com larvas de
outros mosquitos (Toxorhynchites) e algumas pulgas d’água (Mesoscyclops;
Macrocyclops), também vêm sendo experimentados55.
Atualmente, tanto nas estratégias de erradicação como nas de controle, tem sido
orientado o uso integrado das várias técnicas de combate ao Ae. aegypti disponíveis,
associadas aos outros dois componentes descritos (saneamento e IEC). O que as
diferencia é que na primeira tem-se uma meta estabelecida a ser alcançada (índice de
infestação zero), a implantação é planejada para ser executada em quatro fases bem
definidas (ataque, consolidação, manutenção e vigilância entomológica), e, preconiza-se
que os componentes de saneamento e educação, comunicação e informação, sejam o
mais amplo possível e antecedam o início da fase de ataque, permanecendo em todas as
outras fases, para não criar condições mais propícias à reinfestação. Além disso, alguns
princípios técnicos científicos fundamentam a organização dos programas de
erradicação, que são o da universalidade da implantação das atividades em cada
território; o de sincronicidade de ações dos três componentes; e a continuidade
programática para que não haja desperdícios de recursos e/ou atraso na consecução da
meta. Distintamente, os programas de controle, além de não definir qual a meta a ser
alcançada, indicando apenas que deve-se reduzir e manter as populações de vetores a
107
“níveis aceitáveis”, não são obrigatoriamente organizados dentro dos princípios e
fundamentos acima referidos55.
5.2 Vigilância Epidemiológica
O principal objetivo da vigilância epidemiológica de uma doença é a detecção
precoce de casos para indicar a adoção das medidas de controle capazes de impedir
novas ocorrências. A única forma de prevenção do dengue é a drástica redução da
população do mosquito transmissor (a zero, ou níveis muito próximos de zero), e desse
modo as vigilâncias entomológica e epidemiológica devem ser indissociáveis, e,
idealmente, aliadas às ações de combate ao vetor do dengue. Portanto, estas atividades
devem se constituir em um programa global em cada território, sob responsabilidade de
uma única instituição, mesmo que operacionalizados por profissionais com distintos
perfis de capacitação.
Como são bastante variadas as situações entomológicas e de ocorrência de casos
e/ou circulação viral em cada local, particularmente no Brasil, para efeito de orientação
das condutas de investigação epidemiológica e adoção de medidas de controle, após a
notificação de caso(s) suspeitos e/ou confirmados de dengue, considera-se as diferenças
entre áreas: não infestadas; infestadas porém sem transmissão; no curso de epidemia;
com transmissão endêmica; infestada com ou sem transmissão mas com maior risco de
urbanização da febre amarela58. Os propósitos da vigilância epidemiológica e dos
programas de controle são definidos de acordo com esta estratificação e vão desde o
impedimento de introdução de circulação dos vírus do dengue em áreas indenes, até a
simples redução do número de casos em áreas epidêmicas e endêmicas. Além disso,
institui-se o acompanhamento dos vírus circulantes e monitoramento das formas clínicas
graves.
108
Esta diversidade de situações aliada ao pleomorfismo das apresentações
epidemiológicas e clínicas do dengue impõe uma vigilância ativa da doença em virtude
da baixa sensibilidade da vigilância passiva. Várias são as maneiras de se implementar
uma vigilância ativa sendo quatro os componentes fundamentais: notificação, busca
ativa e investigação de casos; vigilância laboratorial; vigilância das formas clínicas; e
vigilância entomológica. As dificuldades da vigilância se iniciam desde a suspeita e/ou
diagnóstico clínico - epidemiológico já que a forma clássica da doença pode ser
clinicamente confundida com muitas doenças febris, exantemáticas ou não, e as formas
hemorrágicas graves são ainda pouco conhecidas, para a maioria dos profissionais de
saúde dos países americanos, o que leva a sub-notificação e/ou diagnóstico de casos
graves, só após o aparecimento de óbitos. Por outro lado, a não existência de terapia
específica faz com que muitos pacientes não busquem atenção médica, principalmente,
quando apresentam quadros leves. Deste modo, epidemias explosivas assim como a
detecção dos sorotipos circulantes, em muitas situações só são diagnosticadas
tardiamente59,54,58,55.
Neste sentido, o apoio laboratorial, tanto sorológico como o isolamento viral, é
considerado pedra angular da vigilância ativa do dengue, em virtude da necessidade de
confirmação diagnóstica, particularmente logo aos primeiros casos suspeitos em uma
área indene, e, também para a determinação da extensão geográfica da circulação;
identificação dos sorotipos presentes; e informar sobre a possibilidade de ocorrência de
formas severas de acordo com os sorotipos circulantes59. A coleta de material para
isolamento viral e exames sorológicos deve ser feita de todos casos suspeitos de área
indene, e em amostra de indivíduos com manifestações clínicas compatíveis com
dengue, nas áreas onde já se estabeleceu a circulação58.
109
Além desta vigilância ativa que visa conferir maior sensibilidade ao sistema,
tem-se buscado incluir estratégias alternativas que visam superar as deficiências dos
sistemas. A vigilância especial de formas clínicas graves, particularmente nas áreas de
circulação de mais de um sorotipo dos vírus, tem como propósito a emissão de “sinais
de alerta” logo aos primeiros casos suspeitos para instituição de terapêutica adequada, e
conseqüente redução da letalidade. Para facilitar a detecção das formas severas tem-se
indicado a eleição de unidades de saúde sentinelas (básicas e hospitalares) ou redes de
profissionais sentinelas, que são selecionados de acordo com o perfil de enfermidades
que atendem (clínica geral, infecciosas, hematológicas, emergências, etc), base
geográfica, conveniência e cooperatividade54. Para a detecção precoce de aumento de
incidência em áreas endêmicas e introdução de um novo sorotipo, principalmente, em
locais onde o sistema de notificação é deficiente, as unidades de saúde e/ou os
profissionais sentinelas devem ser sensibilizados para solicitar os exames laboratoriais
de um quantitativo de pacientes que apresentarem doenças febris. Para otimizar os
recursos da rede de diagnóstico recomenda-se articulação com os programas de
eliminação de doenças febris exantemáticas, acrescentando-se ao rol de exames
laboratoriais os de dengue, de acordo com rotina e critérios pré definidos54. Em áreas
populosas onde a transmissão já se estabeleceu, e a doença está se manifestando com
baixa endemicidade a estratégia de delimitação de “áreas sentinelas” para instituição de
sistema de monitoramento especial de doenças febris agudas, com implantação de
diagnóstico laboratorial pode ser útil no acompanhamento das alterações de freqüência.
Estes espaços servirão como “áreas de alerta” de modificações da situação
epidemiológica do dengue60,26. Nos países indenes, principalmente onde já se detectou a
presença de vetores potenciais, programas de vigilância de viajantes que apresentam
110
enfermidades febris têm sido implantados54, visando adoção de medidas que impeçam o
estabelecimento da circulação viral.
Inquéritos soro-epidemiológicos podem ser realizados no curso ou após as
epidemias, com técnicas de detecção de IgM e/ou IgG. O desenho amostral deve ser
feito de acordo com os objetivos do estudo considerando-se a situação epidemiológica
da área, no momento da coleta de material. Estes inquéritos fornecem informações mais
acuradas de incidência (quando se usa teste para detecção de IgM) e de soro-prevalência
(IgG) que os dados de notificação de demanda espontânea, ou mesmo, de busca ativa de
casos; quantifica a ocorrência das infeçcões nos indivíduos na vigência de circulação de
mais de um sorotipo dos vírus; identifica as áreas de maior intensidade de circulação,
possibilitando o estudo dos fatores de risco associados às taxas de infeçcão. A
determinação das taxas de soro-prevalência das populações dimensionam a imunidade
de grupo, que associadas a outros indicadores, podem ser utilizadas como parâmetro de
avaliação da efetividade das atividades de controle desenvolvidas em cada região26,25.
5.3. Vacinas
A produção de uma vacina contra os 4 sorotipos do dengue, que seja segura e
efetiva, tem sido apontada pela OMS como prioridade face a gravidade da situação
epidemiológica e a baixa efetividade da maioria dos programas de combate ao Ae.
Aegypti. Em 1984, foi criado um comitê específico com o objetivo de facilitar as
investigações para o desenvolvimento de vacinas contra o dengue e a encefalite
japonesa2. Importantes fatores são limitantes deste objetivo, dentre os quais pode-se
destacar: a existência de quatro diferentes sorotipos e o fenômeno da
imunoamplificação viral, implicando na necessidade de se obter um imunógeno efetivo
para todos os vírus simultaneamente; a presença de anticorpos nas populações onde um
ou mais sorotipos já circulou; baixas produções de partículas virais após a passagem do
111
agente em diferentes sistemas celulares; possibilidade de inversão da virulência quando
se usa vírus atenuado; não se dispor de um modelo animal experimental que desenvolva
as formas graves da doença, o que implica na necessidade de se incorrer em riscos ao se
utilizar voluntários humanos para a verificação definitiva de atenuação da cepa2.
Atualmente, existem vacinas candidatas convencionais ou de primeira geração,
atenuadas ou inativadas; de segunda geração que incluem a expressão de proteínas
recombinantes em diferentes sistemas; e as de terceira geração que são as de DNA61. No
primeiro grupo tem-se monovalente de vírus vivo atenuado e tetravalente Esta segunda,
está sendo considerada bastante promissora por: conter os 4 sorotipos dos vírus do
dengue; já ter sido testada em ratos apresentando baixa neurovirulência, e em macacos
Rhesus produzindo baixa viremia com desenvolvimento de anticorpos neutralizantes
sorotipo específicos; conferir imunidade por mais de 5 anos; ter níveis de viremia pós-
vacinal baixos; apresentar soroconversão em humanos em torno de 95%; manter os
marcadores de atenuação depois de passar pelo homem e mosquito62,63. As vacinas de
proteína recombinante utiliza como modelo animal macacos cynomolgus (macaca
fascicularis), é específica contra o DEN-2, cêpa Jamaica 1409, preparada em Aedes
pseudoscutellaris (AP61). Os estudos vêm demonstrando que esta vacina tem potencial,
por induzir resposta humoral e celular. Embora só tenha sido testado em 6 macacos, os
dados apresentados mostram que este animal pode se constituir em um modelo
experimental adequado64. As de terceira geração são de material genético purificado e
infere-se que seja possível a imunização com uma mescla de seqüências de DNA65.
As vacinas candidatas estão em diferentes estágios de desenvolvimento. Apesar
das investigações serem bastante promissoras ainda não se tem nenhuma vacina
disponível para uso em populações. Entretanto, a tetravalente de vírus vivo atenuado já
112
está em fase avançada e deverá, em breve, entrar em fase III, o que coloca alguma
perspectiva de nos próximos anos dispormos de uma vacina eficaz.
5.4. Efetividade das Intervenções
Dificilmente se consegue a interrupção da transmissão do vírus do dengue
quando o combate ao vetor é instituído após a introdução primária de um ou mais
sorotipos, em grandes e populosos centros urbanos, com elevada densidade de
mosquitos. Isto ocorre ainda que se disponha de uma vigilância ativa da doença e o
diagnóstico de casos seja feito precocemente. Nestas situações, mesmo que se reforçe as
atividades de combate ao vetor, o tempo que decorre até a redução das populações de
mosquito é muito maior que a velocidade de circulação viral, pois a população de
hospedeiros encontra-se quase que universalmente susceptível66. É uma concepção
errônea de que a simples redução da população do Ae. aegypti pode impedir a
ocorrência de casos, pois mesmo na vigência de baixa densidade vetorial (1 ou 2% de
Índice de Infestação Predial) a transmissão dos vírus se processa, se a população não for
imune ao(s) sorotipo(s) circulante(s), e muitas das vezes, a redução da incidência em
uma área tropical epidêmica ocorre “naturalmente”, mais em função da imunidade de
grupo que vai se estabelecendo, do que pelos resultados obtidos com as ações de
controle estabelecidas51.
Desta forma, a epidemia quando se instala segue seu curso e as ações de
combate vetorial mostra pouca ou nenhuma efetividade66. A vigilância epidemiológica,
mesmo quando ativa, não consegue exercer sua principal função que é a de impedir a
ocorrência e disseminação da doença através da orientação das medidas de controle.
Exerce apenas as funções de coleta de informações para estimativa da magnitude e
gravidade do evento e de organização da rede de serviços de saúde, para evitar a
ocorrência de óbitos na vigência de casos de dengue hemorrágico.
113
A vigilância epidemiológica é mais efetiva e necessária nas áreas livres de
circulação viral, ou que estão em fases interepidêmicas. Nestas últimas, onde o risco de
ocorrência de formas graves é muito alto, quando da introdução de um novo sorotipo,
ações contínuas de combate visando a eliminação do vetor e a vigilância ativa da
doença, não podem ser negligenciadas.
6. Desafios e Perspectivas
Como pode ser observado, os desafios para a prevenção das infecções causadas
pelos vírus do dengue são complexos visto ainda ser centrada na eliminação do seu
principal transmissor - o Ae. aegypti - que até os dias atuais se constitui no único elo
vulnerável da cadeia epidemiológica. Esta eliminação envolve agressão ao meio
ambiente pelo uso de inseticidas; investimentos substanciais em saneamento ambiental;
necessidade de participação das comunidades com indução de modificações
comportamentais; permissão da população para o tratamento químico de depósitos de
água intra e peridomiciliares não elimináveis; atividades programáticas contínuas até a
completa eliminação desta espécie de mosquito; manutenção de vigilância
entomológica; e problemas inerentes à biologia do próprio vetor.
Mesmo com todas estas dificuldades, experiências vitoriosas de erradicação do
Ae. aegypti foram conduzidas neste século, em vários países americanos, em função das
epidemias de febre amarela urbana o que contribuiu significativamente para diminuir,
ou mesmo impedir, a circulação dos vírus do dengue neste continente até a década de
sessenta. Entretanto, a reinfestação de muitos destes países nos anos setenta não foi
combatida com eficiência, e como as condições ambientais dos centros urbanos estavam
mais favoráveis à proliferação do vetor, rapidamente ocorreu a sua dispersão por
114
extensas áreas territoriais. A grande preocupação até a década de sessenta era apenas
com a febre amarela urbana, que passou a dispor de uma potente vacina, pois
equivocadamente o dengue era considerado uma doença benígna. Com a erradicação da
febre amarela urbana, os programas de prevenção da sua forma silvestre centraram suas
atividades na vacinação das populações residentes em áreas de risco, onde havia
circulação viral, ou próximas a estas.
A vigilância entomológica do Ae. aegypti foi então descuidada, a estrutura do
programa de erradicação foi sendo paulatinamente desmontado, e as reinfestações das
grandes cidades coincide com um momento de grandes restrições dos recursos
destinados aos programas de Saúde Pública, tanto no Brasil, como em grande parte dos
países latino americanos. Esta limitação, e a crença na benignidade do dengue fizeram
com que a estratégia de erradicação dos programas de combate vetorial fosse
substituída, em 1985, pela de controle55.
De acordo com a OPS55, o reconhecimento da impossibilidade de todos os países
adotarem uma estratégia de erradicação, e que passassem a organizar programas de
controle se constituía em um avanço na política de prevenção do dengue. Entretanto,
considera-se incorreta a concepção de que a redução da densidade vetorial, pressuposto
básico dos programas de controle, diminui a incidência do dengue51,66. Evidências desta
má concepção podem ser constatadas nas sucessivas epidemias dos países americanos
que mantém programas de controle. Também em Singapura, cidade onde o programa de
controle é considerado muito eficiente e vinha mantendo índices de infestação do Ae.
aegypti abaixo de 1%, com o declínio da imunidade de grupo, epidemias de dengue
voltaram a ocorrer66,67. Fatos semelhantes a este têm sido registrado em cidades
brasileiras15.
115
Mesmo os países que adotaram a estratégia de erradicação tiveram problemas
nos últimos anos, sendo o exemplo mais marcante o de Cuba, que instituiu um forte
programa de erradicação do vetor desde 1981, mantendo-se índices de infestação
próximos a zero e livre de circulação viral por 15 anos. Em 1997, este país registrou
uma epidemia em um centro urbano, logo após uma elevação da densidade populacional
do Aedes aegypti41. Assim, torna-se evidente a importância de se estabelecer metas de
redução da população vetorial, que devem ser permanentemente de zero ou próxima a
zero, para evitar a transmissão do dengue, pois índices superiores criam as condições
necessárias a ocorrência de epidemias onde as populações não apresentam elevada
imunidade de grupo para o vírus introduzido.
Existem grandes evidências de que as condições atuais e as perspectivas futuras
das Américas e particularmente do Brasil favorecem a expansão e agravamento dos
eventos relacionados com o Dengue, visto estar se estabelecendo uma situação de
hiperendemicidade, e a circulação de vários sorotipos aumenta a probabilidade de
imunoamplificação53. Grandes contingentes populacionais residentes em dezenas de
centros urbanos brasileiros já possuem anticorpos contra os vírus DEN-1 e/ou DEN-2, e
os índices de infestação pelo Ae. aegypti se mantém elevados. Outros centros, onde
ainda não se estabeleceu a circulação viral estão expostos a infecções massivas em
função das situações entomológicas que exibem. Por outro lado, o processo de
globalização com os intercâmbios internacionais torna iminente a introdução dos outros
dois sorotipos, que já estão circulando em países americanos. Ou seja, as condições
epidemiológicas e entomológicas são muito favoráveis para a ocorrência das formas
hemorrágicas destas infecções, mesmo considerando-se a hipótese de ser baixa a
virulência da cepa do sorotipo DEN-2 que circula nas Américas35.
116
Como em outras regiões, no Brasil, a atual estratégia de combate ao vetor não
tem demonstrado estar tendo efetividade na maioria das áreas onde vem sendo
implementada, e muitos municípios infestados não estão sendo contemplados com
recursos para o combate vetorial. Por outro lado, nas cidades onde os vírus circularam
intensamente está se recompondo a coorte de indivíduos susceptíveis, o que significa
que as populações de lactentes estão expostas tanto às formas clínicas benígnas, pela
circulação endêmica dos vírus presentes, quanto às mais graves, em virtude da
transmissão vertical de anticorpos contra um ou mais sorotipos dos vírus do dengue, o
que favorece o fenômeno da imunoamplificação (ADE), na vigência de introdução de
outro sorotipo ou de cepas mais virulentas dos que já circulam.
A possibilidade do Ae. albopictus se tornar um transmissor destes vírus no
continente americano, como o é no Sudeste Asiático, agrava a situação continental pela
sua presença em amplas faixas territoriais de países indenes e livres do Ae. aegypti. O
desenvolvimento e testagem de vacinas tetravalentes considerada por muitos como
único instrumento capaz de modificar o grave curso da circulação dos vírus do dengue,
apesar dos avanços das vacinas candidatas, ainda levará alguns anos para exibirem os
requisitos para uso massivo.
Deste modo, tem-se que se debruçar na única alternativa de prevenção
disponível que é o combate vetorial. A definição de estratégias técnicas e operacionais
efetivas para sua utilização deve se constituir em prioridade dos governos dos países
infestados. Tem-se que ter como pressuposto que ações de controle mal conduzidas
devem ser abandonadas, por não produzir nenhum impacto epidemiológico, desperdiçar
recursos, promover o desenvolvimento de resistência aos inseticidas, poluir o meio
ambiente sem qualquer benefício para a população, além de abalar a credibilidade dos
serviços de Saúde Pública.
117
O reduzido impacto das ações do programa de combate ao Ae. aegypti que vem
sendo implementado desde a segunda metade da década de oitenta, nos países
americanos e particularmente no nosso, evidenciado pela evolução da incidência da
doença e mais ainda pelos resultados dos inquéritos sorológicos realizados em várias
capitais brasileiras, indica a necessidade dos dirigentes dos órgãos governamentais
refletirem sobre a pertinência da sua manutenção. Os recursos públicos que vêm sendo
alocados para este combate, embora sejam insuficientes para o desenvolvimento de
todas as atividades necessárias à erradicação, são de grande vulto, quando se considera
o total do montante destinado aos programas de Saúde Pública. Os dados entomológicos
apresentados e o curso e percurso das epidemias indicam o agravamento da situação
(Figuras 5 e 8) e, que optando-se por manutenção desta estratégia, não se vislumbra
qualquer perspectiva de controle das infecções, o que não justifica os dispêndios para
este tipo de combate vetorial.
Embora seja objeto de grandes controvérsias a possibilidade de erradicação do
Ae. aegypti51,57 a comunidade científica brasileira por convocação do Conselho
Nacional de Saúde57 e um comitê de especialistas da OPS68 discutiu esta questão,
considerando-a factível. As bases técnicas e científicas foram apresentadas culminando
na elaboração do Plano Diretor de Erradicação do Ae. aegypti (PEA), para o Brasil57.
Este plano não vem sendo executado, e, em substituição foi implementada outra
proposta69, denominado PEAa, baseada na estratificação de risco dos municípios, que
privilegia o repasse de recursos onde as condições epidemiológicas são mais graves,
desconsiderando princípios e pressupostos básicos ao combate vetorial que são: a
universalidade, a sincronicidade, e a continuidade das ações70. Além disso, não
incorporou os três pilares propostos no plano de erradicação elaborado para o Brasil
(saneamento ambiental, educação, informação e comunicação), estando centrado apenas
118
no combate químico e eliminação de alguns criadouros dos mosquitos (saneamento
domiciliar). O componente de educação, informação e comunicação também foi
bastante restringido.
Na impossibilidade de se implantar na totalidade as ações definidas no plano de
erradicação de 1996, a revisão das bases da atual estratégia se impõe, com
estabelecimento de metas regionais mínimas, que se aproximem da eliminação do vetor,
respeitando-se os princípios das quatro fases de programas de combate vetorial,
implantação de vigilância entomológica ativa em áreas geográficas livres do Ae.aegypti.
Desta forma, utilizar-se-á os conhecimentos técnicos - científicos que já estão bem
estabelecidos e das experiências vitoriosas, atuais e passadas, tanto do Brasil como dos
outros países.
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124
Artigo 5
EPIDEMIOLOGIA DO DENGUE EMSALVADOR-BAHIA, 1995-1999
Maria da Glória TeixeiraMaria da Conceição Nascimento Costa
Maurício L. BarretoFlorisneide R. Barreto
Artigo a ser enviado para publicação na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical
125
R E S U MO
Desde 1982, o Brasil tem registrado epidemias de dengue de grande magnitude,
e atualmente já se estabeleceu a circulação simultânea dos sorotipos DEN-1 e DEN–2
em mais de 2700 municípios. Em Salvador, capital do Estado da Bahia, situado na
Região Nordeste do país, ocorreram duas ondas epidêmicas nos anos de 1995 e 1996,
com posterior endemização da doença. Este estudo analisa a incidência desta virose
nesse município, no período de 1995 a 1999, considerando entre outras variáveis, sua
distribuição nos Distritos Sanitários e a situação de densidade do Aedes aegypti. Utiliza
como fonte de dados os registros de casos notificados do Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (SINAN) e do Programa de Controle Vetorial da cidade. A taxa
de incidência de casos notificados de dengue que foram de 691,4 e 393,5 por 100.000
habitantes, respectivamente, em 1995 e 1996, reduziu-se para 65 por 100.000 em 1998.
Nos Distritos Sanitários constituídos em sua maioria por bairros mais carentes, este
indicador alcançou valores superiores a 800 por 100.000 habitantes, no primeiro ano da
epidemia. O Índice de Infestação Predial pelo Aedes aegypti apresentou grande
variabilidade nos espaços da cidade, e no ano de 1997, chegou a atingir 54,1% em um
dos seus bairros. Tendo em vista a importância da reemergência do dengue no mundo,
considerado um dos principais problemas de saúde da atualidade em função da
potencialidade de produção de formas graves e letais da doença, os autores discutem os
possíveis fatores que condicionaram a introdução do vírus, as suas apresentações
epidemiológicas no curso de 4 anos, e a efetividade do programa de combate vetorial.
Palavras chaves: dengue; epidemiologia; Aedes aegypti; epidemia.
126
ABSTRACT
Since 1982, Brazil has registered large scale dengue epidemic surges, and the
simultaneous circulation of the DEN-1 and DEN-2 sorotypes has been established in
over 2,700 counties (municipalities). In Salvador, the capital of the State of Bahia,
located in the Northeastern region of the country, two epidemic surges occurred in the
years of 1995 and 1996, with further endemic spread of the desease. This study analyses
the incidence of the virosis within this municipal area. from 1995 to 1999, considering,
among other variables, its distribution in the Sanitary Districts and the density setting of
the Aedes aegypti. Registers of notified cases in the Aggravation Notifying Information
System (SINAN) and of the city’s Vectorial Control Program were used as data source.
The incidence rate of notified cases of the dengue in 1995 and 1996, which were of
691,4 and 393,5 per 100.000 inhabitants, respectively, decreased to 65 per 100.000
inhabitants in 1998. In the Sanitary Districts, basically constituted of poorer
neighborhoods, this index reached figures over 800 per 100.000 inhabitants in the first
year of the epidemics. The Predial Infestation Index by the Aedes aegypti presented
great variability in the different spaces of the city, and in 1997, it reached 54% in one of
the districts. Bearing in mind the relevance of the re-emergence of the dengue in the
world, and considering it one of the main health problems of today’s world due to the
potentiality of its severe and lethal forms of production, the authors discuss the
possible factors which condition the virus introduction, its epidemiological
presentations in the course of four years, and the effectiveness of the vectorial combat
(eradication) program
Key words: dengue; epidemiology; Aedes aegypti; epidemics.
127
1. Introdução
O sorotipo DEN-1 do vírus do dengue passou a circular no Brasil no ano de
1986, em três grandes centros urbanos, Rio de Janeiro, Niterói, e Maceió, colocando em
alerta as instituições públicas de saúde. Os órgãos de vigilância epidemiológica das
Secretarias Estaduais de Saúde e das Coordenações Regionais da Fundação Nacional de
Saúde das áreas não afetadas passaram então a investigar casos de doenças febris
agudas, provenientes das áreas acometidas, e realizar pesquisas entomológicas nos
locais de ocorrência de casos suspeitos. Neste período, o sistema de vigilância
entomológica do Aedes aegypti, que foi criado, em função da estratégia de manutenção
da erradicação da Febre Amarela Urbana, encontrava-se desestruturado19. Naquele ano
epidêmico o Aedes aegypti foi detectado em 256 municípios brasileiros e embora ações
de combate vetorial tenham sido instituídas, sua extensão e intensidade foram
insuficientes para a eliminação deste vetor20.
Na Bahia, a primeira epidemia de dengue foi detectada em fevereiro do ano
seguinte em Ipupiara, pequeno município do Sudoeste do Estado. O sorotipo
identificado também foi o DEN-1, e cerca de 623 casos foram notificados como
suspeitos, o que correspondeu a uma taxa de incidência em torno de 24.000 casos por
100.000 habitantes. Ações intensas de combate ao Aedes aegypti foram imediatamente
implantadas, e como a cidade era muito pequena em 90 dias o vetor foi completamente
eliminado do território daquele município, e casos da doença deixaram de ser
registradas no início de maio21. Neste mesmo ano, também foram notificados 12 casos
em Santo Antonio de Jesus, recôncavo baiano, todos procedentes do Rio de Janeiro6.
O dengue só voltou a ser detectado na Bahia sete anos após, quando em 1994 o
DEN-2 foi introduzido em um pequeno município situado no extremo Sul do Estado,
128
disseminando-se em seguida, e ainda neste ano atinge centros urbanos de 8 Diretorias
Regionais de Saúde (DIRES). Cerca de 1.988 casos foram notificados sendo a taxa de
incidência de 15 por 100 mil habitantes5,6.
Esta situação se agrava consideravelmente em 1995, havendo registro da doença
em 23 das 30 DIRES (259 casos por 100.000 habitantes), e casos autóctones são
encontrados na maioria dos municípios atingidos. O maior pico epidêmico no Estado
ocorreu em 1996, quando a incidência atingiu 502 por 100.000 habitantes. A seguir,
observa-se um declínio e, em 1998 esta taxa foi de 170 por 100.000 habitantes5. Entre
1994 a 1996 o único sorotipo isolado foi o DEN-2, e somente em 1997 o DEN-1
também passou a circular intensamente.
Tendo em vista a importância da reemergência dos vírus do dengue no mundo, e
a escassez de estudos epidemiológicos sobre esta doença na Bahia, este artigo tem como
objetivo analisar a ocorrência desta virose e a situação de densidade e dispersão do
Aedes aegypti, seu agente transmissor, em Salvador, capital deste Estado.
2. Material e Métodos
Salvador, é a terceira maior cidade brasileira em população, estimada em torno
de 2.307.797 habitantes, em 1997. Essa capital vem sofrendo um processo de
crescimento acelerado e desordenado conseqüente das correntes migratórias do campo
para as áreas metropolitanas, sem um correspondente desenvolvimento de atividades
produtivas e de infra estrutura básica15.
Embora cerca de 90% dos domicílios de Salvador encontrem-se ligados a rede
de abastecimento de água, o seu aporte é intermitente em parte das residências dos
bairros populares. A rede de esgotamento sanitário beneficia apenas 26% das
129
residências, e em 7% não se dispõe de nenhum tipo de instalação sanitária. A coleta
regular de lixo alcança 76,8% da área da cidade1.
O presente estudo foi desenvolvido com dados secundários referentes ao período
de 1995 a 1999, provenientes do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN)
da Secretaria Estadual de Saúde2 (SESAB), dos relatórios do programa de combate
vetorial desenvolvido pelo Centro de Controle de Zoonoses da Secretaria Municipal de
Saúde de Salvador17,18, em articulação com a Coordenação Regional da Fundação
Nacional de Saúde/BA, e do Projeto Piloto para erradicação do Aedes aegypti de
Salvador/ Bahia11.
Os dados do SINAN são coletados rotineiramente pelas unidades de saúde da
rede de serviços da cidade, consolidados na Divisão de Vigilância Epidemiológica da
SESAB e, dentre os quais foram selecionados para o presente estudo aqueles relativos a
identificação dos indivíduos, endereço e semana epidemiológica de início dos sintomas
da doença.
Os relatórios do CCZ/SMS incluem dados consolidados por ciclo de trabalho
trimestral, das atividades desenvolvidas pelos agentes de saúde que operam no
programa de combate vetorial, denominado de Plano de Erradicação do Aedes aegypti
no Município de Salvador. Desta fonte de dados foram levantadas informações acerca
do número de bairros onde se desenvolvem as ações do programa e os valores dos
Índices de Infestação Predial (IIP), que vêm sendo obtidos no período de 1997 a 1999.
As estimativas populacionais total e por faixas etárias empregadas como
denominadores para o cálculo dos indicadores de ocorrência da doença foram
fornecidas pelo Departamento de Informação e Comunicação Social da SESAB.
130
A análise dos dados foi efetuada a partir das freqüências absolutas, percentuais e
taxas de incidência da doença. Os dados do SINAN foram exportados para o Epi-info
versão 6.0, procedendo-se a limpeza no banco para exclusão de duplicidade de registros.
Os valores dos Índices de Infestação Predial foram digitados em planilha Excel, versão
97, estimando-se a seguir as suas médias e medianas, para os anos de referência deste
estudo.
3. Resultados
Observa-se na Tabela e Figura 1, que em 1995, foram registrados 15.458 casos
de dengue no município de Salvador, correspondendo a uma incidência 691,4
notificações por 100 mil habitantes. O maior pico desta epidemia ocorreu na semana
epidemiológica 18 (abril), quando a incidência semanal atingiu 75,1 por 100 mil
habitantes, e até o final deste mês cerca de 8.500 casos já haviam sido registrados. A
partir de maio observa-se uma brusca redução da curva que se acentua no final de junho
quando a incidência semanal decresce para 7,1 casos por 100 mil habitantes. Nas duas
primeiras semanas do mês de julho registra-se uma elevação (23,2 casos por 100 mil
habitantes) e a incidência volta a patamares semelhantes ao mês de maio que eram em
torno de 27 por 100 mil habitantes. A partir deste período delineia-se uma tendência
consistente de redução até a semana epidemiológica 45, que corresponde ao início do
mês de novembro daquele ano. Nas últimas semanas de 1995, verifica-se discretas
elevações de incidência, quando comparadas ao período anterior (de julho até a segunda
semana de novembro).
131
Tabela 1 – Número de casos de dengue e incidência anual por 100.000 habitantes.Salvador-Bahia, 1995 – 1999*
Ano No Incidência
1995 15.458 691,4
1996 10.988 393,5
1997 1.256 44,6
1998 1.478 65,0
1999* 608 16,2
Fonte: SESAB/DIVEP* Dados preliminares até a semana 42.
Figura 1 – Taxa de incidência de dengue (por 100.000 hab.) por semanaepidemiológica. Salvador-Bahia, 1995-1999
Em 1996, registra-se uma nova onda epidêmica em Salvador, que em janeiro
atinge 1.158 casos, e já nos quatro primeiros meses totaliza 7.095 dos 10.988 registros
daquele ano, e a incidência anual atinge 393,5 por 100.000 habitantes. O maior pico
ocorreu entre os meses de abril e maio, alcançando na semana epidemiológica 17 o
FONTESESAB/DIVEP* Dados preliminares.135791113151719212325272931333537394143454749510,0020,0040,0060,0080,00Tx. IncidênciaSemana Epidemiológica 9596979899*
132
valor máximo de incidência semanal que correspondeu a 26,3 casos por 100 mil
habitantes. No segundo semestre deste ano também observa-se uma queda progressiva
da curva epidêmica que mostra discretas elevações nas semanas epidemiológicas 41, 46
e 47.
No ano seguinte, a taxa de incidência de dengue em Salvador reduziu-se
drasticamente, quando comparada a dos dois anos anteriores, ocorrendo apenas 1.256
notificações (44,6 casos por 100.000 habitantes). A mais alta taxa semanal de incidência
em 1997, foi de 2,9 por 100.000 habitantes na semana epidemiológica 18. Mesmo com a
redução de ocorrência da doença pode-se observar que no segundo semestre as taxas de
incidência foram menores que no primeiro.
Em 1998, a taxa de incidência da doença manteve-se em patamares considerados
reduzidos, se são tomados como parâmetros os valores observados nos dois anos
epidêmicos, 1995 e 1996, mas seu valor de 65 casos por 100 mil habitantes, foi superior
ao alcançado em 1997. Os valores das taxas também foram menores nos últimos meses
do ano.
Observou-se em 1999 as menores incidências de dengue durante o período deste
estudo. Até a semana epidemiológica 42, haviam sido registrados 608 novos casos, e
taxa de incidência de 16,2 por 100.000 habitantes. O valor máximo foi na semana 18
quando atinge 1,3 casos notificados por 100.000 habitantes.
No primeiro ano de epidemia as áreas da cidade que apresentaram maiores riscos
para esta doença foram os Distritos Sanitários Sanitários da Liberdade (1.657,8 casos
por 100.000 habitantes) e o Cabula/Beiru (882,8 por 100.000 habitantes) nos quais se
situam muitos dos bairros carentes da cidade (Figura 2). No primeiro semestre do
segundo ano todas as áreas da cidade apresentaram altas incidências, com destaque para
133
os Distritos Sanitários da Liberdade, Pau da Lima e Itapagipe, com incidências que
variaram de aproximadamente 873 a 1560 por 100 mil habitantes.
Nos três primeiros anos desta série de estudo a maior incidência de dengue foi
entre os indivíduos acima de 15 anos de idade, principalmente, na faixa dos 20 aos 29
anos. Em 1998, este padrão se altera, sendo os menores de 10 anos, particularmente a
faixa de 0 a 4 anos, os que apresentaram os maiores riscos (Figura 3). Enquanto entre
1995 e 1997 a incidência desta doença foi significativamente (p=0,0000) maior entre os
indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos que os menores de 15 anos (0,21 e
0,86; 0,26 e 0,58; 0,04 e 0,06 respectivamente). Em 1998 esta distribuição se inverte
(0,06 e 0,04 respectivamente; p=0,0000).
Figura 2 – Incidência de casos notificados de dengue de acordo com distritossanitários. Salvador - Bahia, 1995
Fonte: SESAB/DIVEP
134
Figura 3 - Incidência de casos notificados de dengue (por 100.000 hab.) por faixaetária, Salvador - Bahia, 1995 – 1999
No início da epidemia não se dispunha de dados sobre os IIP da maioria dos
bairros de Salvador e entre aqueles para os quais existia registro desta informação,
53,1% estavam infestados e em 25,5% deles os IIP encontravam-se acima de 2%.
Em fevereiro de 1997, um levantamento deste índice (1o ciclo) foi feito em 141
bairros da cidade correspondendo a 70,7% do total existentes (208). Apenas três não se
mostraram infestados pelo Aedes aegypti e cinco apresentaram IIP abaixo de 2%.
Excluindo-se os bairros não infestados observou-se uma grande variabilidade desses
índices (0,3% a 54,1%), sendo a média de 12,6% e mediana de 11,75%).
O IIP médio encontrado no levantamento realizado em 119 bairros em 1998, foi
de 6,5% e a mediana de 4,9 %. Em seis bairros não se encontrou formas imaturas de
Aedes aegypti e em 14 o IIP estava abaixo de 2%. Os valores variaram de 24,7% a
0,3%, excetuando-se os seis bairros onde não foram detectadas formas imaturas de
Aedes aegypti.
0 a 45 a 910 a 1415 a 1920 a 2930 a 3940 a 4950 a 5965 e +0,00200,00400,00600,00800,001000,001200,00Tx. IncidênciaFaixa Etária9596979899*FONTESESAB/DIVEP* Dados preliminares.
135
No levantamento que se procedeu em janeiro de 1999, em apenas 81 bairros
(39% dos existentes) onde foram desenvolvidas atividades de combate vetorial,
encontrou-se um IIP médio de 6,3% com mediana de 5,8%. Em junho deste mesmo ano
(terceiro ciclo de trabalho) a média foi de 5,8% e mediana 5,0% (Figura 4). Não se
encontrou nenhum bairro sem Aedes aegypti neste último levantamento e em apenas
sete este índice foi inferior a 2%, mínimo de 0,6% e máximo 26,2%
Figura 4 – Índice de Infestação Predial (IIP) pelo Aedes aegypti em três ciclos detrabalho. Salvador – Bahia, 1999.
4. Discussão
A introdução do vírus do dengue em Salvador em 1995, produziu em anos
consecutivos duas ondas epidêmicas de grande magnitude, da forma clássica da doença.
Este padrão foi semelhante ao que ocorreu em muitas capitais brasileiras em anos
anteriores 7. O risco de ocorrência destas epidemias era previsto haja visto a intensa
circulação dos sorotipos DEN-1 e DEN-2 em outros centros urbanos do país.
Entretanto, não se desenvolveu uma intervenção capaz de evitar estas ocorrências pois
eram inexpressivas as ações de combate ao Aedes aegypti que vinham sendo
Gráfico 2 - Índice de Infestação Predial (IIP) deAedesaegypti deacordo com ciclos de trabalho. Salvador, 19991o Ciclo2o Ciclo3o Ciclo01234567I.I.P.%Fonte: SMS/CCZ
136
implementadas na cidade. O número de agentes de saúde disponíveis para este
programa de controle era de apenas 197, quando se estimava ser necessário 1637,
considerando-se a situação entomológica apontada no levantamento parcial de IIP,
realizado naquele ano11,16.
A intensa infestação pelo mosquito transmissor do vírus do dengue aliada a
elevada densidade populacional de Salvador e a inexistência de imunidade de grupo
contra este agente podem ser apontados como possíveis fatores que propiciaram a
ocorrência das epidemias, principalmente da primeira onda que assumiu um caráter
explosivo. O decréscimo de incidência observado entre as duas curvas epidêmicas em
Salvador retrata a sazonalidade da doença no Brasil12, decorrente da redução da
densidade da população de vetores em função da queda de temperatura e umidade que
se registra no período entre julho a outubro, particularmente na Região Nordeste.
Embora o diagnóstico com comprovação laboratorial dos primeiros casos de
dengue em Salvador tenha sido feito em janeiro de 1995, 14 casos foram confirmados
em dezembro de 1994, retrospectivamente, mediante história clínica e vínculo
epidemiológico Similarmente, a segunda onda epidêmica também teve seu início no
mês de dezembro. Estas observações são sugestivas de que a circulação viral está
estreitamente relacionada com o início da estação mais quente do ano e que a
transmissão do agente pode ter sido iniciada meses antes de ser detectada pela vigilância
epidemiológica. Como um surto de rubéola foi registrado em 1994, pode-se aventar a
hipótese de que casos de dengue tenham sido confundidos com esta doença
exantemática3.
As oscilações nas incidências observadas no final do mês de dezembro de 1995,
podem estar associadas a menor demanda aos serviços de saúde devido as festas
natalinas, fazendo com que as taxas de sub-notificação se elevem. Da mesma forma, a
137
redução de incidência correspondente ás últimas semanas do mês de junho de 1995,
pode ser imputada às festas juninas, quando é tradição no nordeste brasileiro a
população se deslocar da capital para o interior do Estado.
As curvas delineadas pelas duas epidemias mostraram-se diferentes não só
quanto a magnitude como também quanto a forma. Em 1995, o pico concentrou-se em
abril e maio, pois a circulação viral foi se estabelecendo na cidade nos primeiros meses
do ano e a inexistência de imunidade de grupo propiciou a explosão da epidemia. Em
1996, após a transmissão ter sido detectada na grande maioria dos bairros o que resultou
em uma parcial imunidade de grupo, as taxas de incidência não alcançaram os mesmos
patamares do ano anterior. Este comportamento, não pode ser atribuído a medidas de
combate vetorial, já que estas ações que eram praticamente inexistentes, não sofreram
alterações, nem tão pouco à subnotificação pois o sistema de informações para dengue
foi intensificado na rede de seviços de saúde e a população estava alerta devido ao
desencadeamento de ações especiais de educação e informação em saúde. Estas foram
desenvolvidas de forma articulada ou independente pelo conjunto de instituições
responsáveis pela área de saúde pública da cidade13,14, mas por não terem sido
acompanhadas de combate direto ao transmissor, possivelmente não contribuíram para a
redução da população de mosquitos, conforme pode ser constatado no levantamento de
IIP realizado em janeiro de 199717.
Nos anos que se seguiram às duas epidemias, as taxas de incidência de casos
notificados de dengue estiveram bastante reduzidas, exceto no mês de abril de 1997. É
importante destacar que foi em março deste ano que foi isolado o sorotipo DEN-1 na
cidade, mas é possível que este sorotipo já estivesse circulando anteriormente em
Salvador.
138
Apesar de nas duas ondas epidemicas as áreas mais afetadas terem sido as mais
densamente povoadas onde se concentra parte da população carente da cidade (Distritos
Sanitários da Liberdade e Cabula/Beiru), é possível que as elevadas taxas de incidência
destes espaços geográficos não representem um risco desigual de acometimento da
doença em função das diferentes características sócio econômicas de sua população,
mas sim o reflexo do viés das notificações. Cabe assinalar que cerca de 90% destes
registros são oriundos de unidades públicas da rede de serviços de saúde (SINAN), que
atendem com maior freqüência camadas mais pobres da população.
Não se tem um comportamento único de ocorrência por idade no dengue,
entretanto, a maior incidência da doença nas faixas etárias mais elevadas é um padrão
observado em áreas indenes logo após a introdução de um sorotipo do vírus9,10, como a
que foi observada neste estudo e em um inquérito sorepidemiológico realizado em São
Luís do Maranhão19, área de circulação viral recente. Em geral, este padrão de
ocorrência se modifica na medida em que se instala o processo de endemização da
doença. A diferença nas faixas etárias encontradas em 1998, já estão apontando nesta
direção.
Em muitos países as ações de combate ao Aedes aegypti vêm apresentado baixa
efetividade8,9, devido a complexidade da biologia deste vetor e sua capacidade de
adaptação ao ambiente humano, além de dificuldades técnicas e operacionais para
execução das atividades para se alcançar níveis de infestação compatíveis com a
eliminação da transmissão que devem ser zero ou muito próximos a zero. Circulação
viral tem sido estabelecida em situações de densidade próximas a 1% de IIP8.
Em Salvador, o insucesso das ações de combate vetorial estão mais relacionadas
à problemas operacionais. Tais ações só foram intensificadas em 1997 após o
estabelecimento da transmissão viral e da ocorrência das epidemias. Ademais, o
139
programa não implantou todos os componentes (saneamento, educação e informação em
saúde e combate químico físico e biológico ao vetor) preconizados no Plano Diretor de
Erradicação do Aedes aegypti do Brasil4. As atividades que têm sido desenvolvidas
referem-se quase que exclusivamente ao combate químico e físico ao mosquito, sem
caráter universal pois não beneficia todos os espaços do território de Salvador, nem
sempre cumprem os ciclos de trabalho no tempo adequado e sofrem solução de
continuidade em virtude de não haver repasse automático de recursos financeiros18.
A decisão dos dirigentes do Programa de Erradicação de Salvador, de beneficiar
parte dos bairros da cidade e fazer um esforço para cumprir todas as atividades dentro
do período estabelecido para cada ciclo de trabalho, vem resultando em uma gradativa
redução dos IIP destas áreas, como pode ser observado em 199918. Entretanto, a
situação entomológica das outras áreas não cobertas pelas ações programáticas podem
estar contribuindo para a lentidão de redução destes índices, e mesmo para sua elevação
em alguns bairros onde as ações são desenvolvidas, devido a grande mobilidade do
vetor.
A ocorrência de casos desta doença pelos sorotipos DEN-1 e DEN-2 durante
todos os meses dos últimos anos, mesmo com baixa incidência, indica que estes agentes
estão circulando já sob a forma endêmica na cidade. Entretanto, a diminuição da
morbidade não pode ser imputada apenas a redução dos IIP conseqüente às ações de
combate vetorial. Tem-se que se considerar que a imunidade de grupo para estes
sorotipos que foi estabelecida na cidade desempenha um importante papel neste
processo.
Entende-se que a estratégia de combate vetorial adotada não vem favorecendo a
obtenção do impacto epidemiológico desejado, que é o de interrupção da circulação dos
vírus circulante, e nem mesmo assegura a redução do risco de introdução de outros
140
sorotipos do vírus do dengue. Os níveis de infestação do mosquito que hoje são
registrados em Salvador, ao contrário, apontam para a possibilidade de ocorrência de
novas epidemias, inclusive com formas graves da doença.
5. Referências Bibliográficas
1. Andrade MR. O saneamento na Bahia: situação atual e perspectivas. Análise eDados 1997; 7:5 - 12.
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6. Dias JR; Relatório sobre a situação de dengue no Estado da Bahia. Revista Baianade Saúde Pública. 22:49-67, jan/dez ,1997.
7. Donalísio MR de C. O enfrentamento de epidemias: as estratégias e perspectivasdo controle do dengue. Tese de Doutorado. Campinas, 1995. 149p.
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10. Halstead SB. Epidemyology of dengue and dengue hemorrhagic fever In: GublerD.J., Kuno G., editors. Dengue and dengue hemorragic fever. New York: CABInternational, 1997. P. 23- 44.
11. Instituto de Saúde Saúde Coletiva/Universidade Federal da Bahia. Projeto pilotopara erradicação do Aedes aegypti-Salvador-Bahia. Salvador; 1996.
12. Silveira AC. Dengue: aspectos epidemiológicos e de controle. Revista daSociedade Brasileira de Medicina Tropical. Suplemento, 31 suppl 2:5 – 14, 1998.
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141
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18. Salvador/Secretaria Municipal de Saúde/ Centro de Controle de Zoonozes. Plano deErradicação do Aedes aegypti no Município de Salvador. Relatório do 3o Ciclo de1999.
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20. Teixeira MG, Barreto ML; Guerra Z. Epidemiologia e medidas de prevenção dodengue. A aceito para publicação no Informe Epidemiológico do SUS.8(4),1999.
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22. Vasconcelos PFC, Lima JW, Raposo ML, Rodrigues S.G, Travassos da Rosa, JFS,Amorim SMC, Travassos da Rosa ES, Moura CMP, Fonseca AN, Travassos daRosa, PA. Inquérito soro-epidemiológico na Ilha de São Luís durante epidemia dedengue no Maranhão. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 32(2):171-179, mar./abr., 1999.
142
Artigo 6
DINÂMICA DE CIRCULAÇÃO DO VÍRUS DODENGUE EM UM
COMPLEXO CENTRO URBANO
Maria da Glória TeixeiraMaria da Conceição Nascimento Costa
Maurício Lima BarretoLeila Denise Alves Ferreira
Pedro Vasconcelos
Este artigo será sub-dividido para ser submetido a publicação.
143
RESUMO
A dinâmica de circulação do vírus do dengue em espaços intra-urbanos de
grandes metrópoles e os fatores de risco destas infecções ainda não são bem conhecidos,
embora sejam importantes para o avanço do conhecimento sobre o controle da doença.
A idéia de que a pobreza é um dos determinantes da maioria das doenças infecciosas e
parasitárias não é nova, entretanto, no caso do dengue este é um assunto controverso. As
tecnologias de prevenção disponíveis não vêm se mostrando suficientes para conter a
expansão e força de reemergência destas infecções. Este estudo teve como objetivos
descrever a distribuição da soroprevalência e incidência de infecções pelo vírus do
dengue em distintos espaços intra-urbanos de uma grande e complexa cidade do Brasil,
verificar a existência de relação entre a intensidade de circulação viral e as condições de
vida da população, bem como com as ações de combate vetorial. Utilizou-se um
desenho de estudo prospectivo de base ecológica e individual, procedendo-se a
inquéritos sorológicos de uma população amostral de indivíduos residentes em 30
distintos espaços da cidade - “áreas sentinelas” - selecionados de acordo com diferenças
extremas de condições de vida. Os resultados revelaram elevadas soroprevalência
(67,7%) e incidência (70,6%) para os sorotipos circulantes (DEN-1 e DEN-2), com
grande variabilidade nos valores entre as 30 áreas estudadas, e que a efetividade das
medidas de combate vetorial é muito reduzida. Conclui-se que a circulação viral ocorreu
em todo o território da cidade e que mesmo adequadas condições de vida não foram
capazes de impedir a ocorrência de elevados riscos de transmissão. Estimou-se que em
um período de apenas 4 anos cerca de 85% da população de Salvador foi infectada, o
que evidencia a força e rapidez de transmissão deste agente.
Palavras chaves: Dengue; epidemiologia; distribuição espacial; efetividade;
controle.
144
SUMMARY
The process of dengue circulation in intra-urban spaces of great metropolis and
the risk factors of these infections are not well know yet, although they are very
important to the control and prevention of this infection. Despite of poverty be a
determinant for most of the infectious and parasitic diseases, it is still controversial as a
determinant of dengue. The available technologies for control of its agent transmission
has not been capable to avoid the expansion and reemergence strength of dengue
infection. Therefore, the objectives of the study are: to describe the seroprevalence and
incidence of dengue in different intra-urban spaces of a complex city in Northeast
Brazil; to investigate the relationships between viral circulation intensity and life
conditions of the study population and the vectorial combat actions. Ecological and
individual prospective studies were design to investigate a sample of the population who
lives in 30 different areas of the city- “sentinel areas”- selected according to different
social-economic status. The results reveal a low effectiveness of the vectorial combat
measures and high seroprevalence (67,7%) and incidence of infection (70,6%) for the
circulating serotypes (DEN-1 and DEN-2) in the 30 studied areas with great variability
of the rate estimates. The authors concluded that there was viral circulation in the whole
territory of Salvador and that high rates of transmission was also observed among areas
of high social-economic status. It was also estimates that 85% of the population was
already infected by the dengue virus within a time period of only four years, indicating
the strength and velocity of dengue transmission in Salvador.
Key-words: Dengue; prospective; serological survey; spatial distribution;
effectiveness vectorial combat.
145
1. Introdução
Os determinantes do ressurgimento do dengue como um dramático problema
para o mundo nos últimos anos são complexas e ainda não conhecidas totalmente. O
crescimento desordenado dos centros urbanos, a produção desenfreada de descartáveis
que são dispostos no meio ambiente, a rapidez dos transportes aéreos que estabelece
oportunidades para os vírus e o vetor moverem-se entre os países e, a falência dos
programas de controle do Aedes aegypti, são alguns entre aqueles que mais
frequentemente têm sido apontados (Gubler, 1997). A dinâmica de circulação viral nos
espaços intra-urbanos, particularmente das grandes metropóles, e dos fatores que
interferem nos riscos de ocorrência destas infecções também não estão bem
estabelecidos e, de acordo com Kuno (1995), estudos epidemiológicos em torno desta
questão vêm sendo negligenciados, embora sejam importantes para o avanço no campo
do controle e prevenção do dengue.
Em geral, quando um sorotipo do vírus do dengue é introduzido em pequenas
comunidades isoladas, após um período de transmissão com elevadas taxas de infecção
o ciclo se interrompe, como aconteceu em algumas ilhas do Pacífico depois da segunda
grande guerra (Gubler, 1997), por ser a viremia humana a principal e talvez única fonte
de infecção para o Aedes aegypti, mosquito transmissor de maior importância
epidemiológica para estas infecções. Já nos grandes centros urbanos infestados por este
vetor, a persistência da circulação destes agentes é bastante favorecida devido às
elevadas densidades populacionais, taxas de nascimentos, migração, que continuamente
repõem o estoque de indivíduos susceptíveis criando as oportunidades para perpetuar o
ciclo de transmissão destes vírus (Rodhain & Rosen, 1997).
Ainda é um assunto controverso a distribuição dos riscos de exposição às
infecções pelos vírus do dengue em relação às distintas situações sociais e econômicas
146
de grandes cidades, que têm sido relacionados tanto a áreas onde residem populações
com precárias condições de vida quanto àquelas com situações mais favoráveis
(Medronho, 1995; Vasconcelos, 1998). A idéia de que a pobreza é um dos fatores
associados a ocorrência de doenças infecciosas e parasitárias não é nova, e já desafiava
grandes sanitaristas do século XVIII como Chadwick, em 1842 (Chadwick, 1945) e
Vilermé, em 1942 (Vilermé, 1988), mostrando-se como um expressivo problema para
ser equacionado nas próximas décadas.
A redução da mortalidade por este grupo de causas, principalmente em função
do advento de agentes terapêuticos, da implantação dos programas de imunização e
campanhas de combate vetorial e saneamento ambiental, parecia indicar que esta seria
uma questão resolvida com o conhecimento científico e tecnológico disponível, o que
não se concretizou diante da reemergência de novos e velhos agravos pertencentes a
este grupo de enfermidades (Barreto, 1996; Barata,1997). O dengue é um destes
problemas, cuja tecnologia para controle foi desenvolvida na primeira metade do século
XX, mas vem se mostrando insuficiente para conter a sua expansão na atualidade
(Reiter, 1992; Gubler, 1997), de modo que a força de reemergência destas infecções se
mantém, observando-se o agravamento do curso desta pandemia. Por ser o único
instrumental de prevenção disponível, as campanhas de combate vetorial continuam
sendo desenvolvidas por muitos países, com custos operacionais elevados além de
contribuir para a poluição ambiental, em conseqüência da utilização de inseticidas em
larga escala.
A realização de investigações prospectivas de soroprevalência e incidência de
infecções pelos vírus do dengue em populações humanas aliadas ao acompanhamento
dos índices de infestação do mosquito transmissor e do levantamento das condições
econômicas e do ambiente onde se processa a interação entre estes seres, poderá
147
contribuir para a identificação do papel que cada um deles desempenha na manutenção
da circulação viral. O conhecimento dos fatores que regulam a circulação viral poderá
acrescentar elementos para o debate desta questão e das estratégias de controle mais
adequadas.
Este estudo teve como objetivos descrever a distribuição da soroprevalência e
incidência de infecções pelo vírus do dengue em distintos espaços intra-urbanos de uma
grande e complexa cidade e verificar a existência de relação entre a intensidade de
circulação viral e as condições de vida da população, bem como, com as ações de
combate vetorial em curso.
2. Metodologia
2.1. População e Área de Estudo
Trata-se de um estudo prospectivo ecológico e individual, realizado em Salvador
- Bahia, cidade do Nordeste do Brasil que em 1998 possuía mais de 2,3 milhões de
habitantes. Teve como unidades de análise o agregado espaço-populacional denominado
de “Área Sentinela” e, indivíduos residentes nestas áreas. Para a seleção das áreas
sentinelas, foi considerado que o acesso a saneamento básico e nível de renda
constituíam-se em um proxy relativamente válido e objetivo das condições de vida (ISC,
1997). Utilizando-se dados do Censo Demográfico de 1991, os 1765 Setores Censitários
(SC) de Salvador foram classificados em 3 níveis de saneamento (predominantemente
saneados, quando 80% ou mais dos domicílios do setor eram saneados; moderadamente
saneados, quando a proporção de domicílios saneados era de 50-70%; não saneados,
quando menos de 50% dos domicílios eram saneados), e três níveis de renda familiar
(alta, quando em mais de 50% dos domicílios a renda familiar era maior que 5 salários
mínimos; média, quando não havia predomínio de domicílios onde a renda familiar era
148
alta ou baixa; baixa, quando em mais de 50% dos domicílios a renda familiar era
inferior a 1 salário mínimo). Como no nível de renda familiar alta não houve nenhum
setor que se enquadrasse nos níveis de moderadamente saneado ou não saneado foram
constituídos apenas sete tipos de estratos: a) renda familiar alta e predominantemente
saneado; b) renda familiar média e predominantemente saneado; c) renda familiar média
moderadamente saneado; d) renda familiar média e não saneado; e) renda familiar baixa
e predominantemente saneado; f) renda familiar baixa e moderadamente saneado; g)
renda familiar baixa e não saneado. Cada um dos SCs foi classificado em seu respectivo
estrato de renda e saneamento para em seguida, identificar-se em qual Bacia de
Esgotamento (BE) se situava. Para maximizar a capacidade de apreensão do impacto
epidemiológico optou-se por privilegiar condições extremas, quando dos procedimentos
da escolha destes sítios. Definiu-se então que seriam estudadas 30 unidades amostrais -
áreas sentinelas (Mapa) - três para cada Bacia, sendo 24 selecionadas nos estratos “e”,
“f “, e “g” (Calafate, Cobre, Lobato, Mangabeira, Médio Camurujipe, Paripe, Periperi e
Tripas), três na Bacia de Armação classificadas nos estratos “b” e “c”, e três unidades
localizadas na Bacia da Barra, correspondentes a SCs escolhidos no estrato “a”. Para a
delimitação destas áreas utilizou-se mapas fornecidos por instituições oficiais que
continham a definição dos limites dos SCs e das ZIs e a localização das BEs (ISC,
1997).
2.2. Procedimento Amostral
Para se determinar a proporção de indivíduos infectados pelos vírus do dengue
em Salvador, estimou-se uma soroprevalência de 50% para maximizar o tamanho da
amostra . Essa estimativa encontra-se dentro das variações (66% e 44%) dos valores
médios encontrados anteriormente em dois grandes centros urbanos brasileiros
(Figueiredo et al, 1991; Vasconcelos et al, 1998). Um censo realizado nos domicílios
Ár e
as
Sen
tin
e las.
Salv
ad
or
- B
ah
i a, 1
99
9
150
nas "áreas sentinelas", em 1997, computou um total de 68.749 habitantes, que se
constituiu na população de referência deste estudo. Desta retirou-se a amostra estimada
em 1503 indivíduos (Epi Info v.6), através da técnica de amostragem aleatória simples
sem reposição, com realização de pós-estratificação (Cochran, 1977), admitindo-se um
valor máximo para o erro amostral absoluto igual a 2,5% e um nível de confiança de
0,05. Após o acréscimo de 30% para compensar as possíveis perdas este número passou
para 2149 indivíduos, dos quais 1515 participaram do estudo.
2.3. Inquéritos Sorológicos
2.3.1. Procedimentos Éticos
De acordo a Resolução N0 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que dispõe
sobre as Normas e Procedimentos para pesquisa biológica envolvendo seres humanos, o
protocolo desta investigação foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética em
Pesquisa Científica do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz/Fundação Oswaldo
Cruz/Bahia. O consentimento informado era entregue nos domicílios dos indivíduos
sorteados, com antecedência mínima de 48 horas, por visitadoras de campo de cada área
sentinela, que já conheciam as respectivas comunidades. O sangue só era coletado após
este consentimento informado ter sido lido e assinado pelos indivíduos sorteados ou
pelos responsáveis, em caso de menores de 14 anos. Os resultados dos exames foram
entregues em cada residência, também pela visitadora de campo.
2.3.2. Coleta de Amostras
Entre maio e julho de 1998 a primeira amostra de sangue foi coletada na
população desta coorte utilizando-se tubos a vácuo esterilizados de 10 ml. O soro foi
separado das células por centrifugação 2000g, armazenados a -200C, no Laboratório
Avançado de Saúde Pública - LASP/FIOCRUZ-BA, e, posteriormente, enviados por via
151
aérea em caixas térmicas contendo gelo seco para o Laboratório do Serviço de
Arbovírus do Instituto Evandro Chagas (Belém, Pará). Neste laboratório, foram
pesquisados os anticorpos nos espécimens séricos contra os quatro sorotipos dos vírus
do dengue e mais quatro flavivírus associados a doença humana no Brasil: Febre
Amarela (FA), Rocio (ROC), Ilhéus (ILH) e Encefalite Saint Louis (SLE).
O teste de escolha foi o de Inibição de Hemaglutinação (IH) de Clarke & Casals
(1958) usando a microtécnica modificada por Shope (1963). Por ser simples e de
elevada sensibilidade este teste é recomendado para rotina ou triagem, e,
principalmente, em inquéritos sorológicos em virtude dos anticorpos IH persistirem por
longo tempo (Vasconcelos, 1999).
Entre maio e julho de 1999, procedeu-se ao segundo inquérito sorológico
utilizando-se os mesmos procedimentos do primeiro, no qual foram incluídos apenas os
indivíduos que haviam apresentado reação de IH negativa para os dois sorotipos (DEN-
1 OU DEN-2), ou positiva para apenas um deles, estando portanto susceptíveis a uma
nova infecção por um dos agentes circulantes na cidade do Salvador.
2.4. Critérios de Positividade
Foram consideradas como soro-positivas todas as amostras que apresentaram
reações com títulos iguais ou maiores que 1:20 para os antígenos dos sorotipos DEN-1 e
DEN- 2. As respostas imunes heterotípicas foram também assim consideradas, quando
os soros reagiram com mais de um antígeno dos flavivírus em títulos recípocros igual ou
maior que 1:20. Portanto, os títulos menores que 1:20 foram definidos como negativos.
Recentemente, Vasconcelos (1999) reviu amplamante as características das respostas
mono e heterotípicas em exames sorológicos envolvendo a pesquisa de anticorpos
contra flavivírus, tendo também assumido estes critérios de positividade em seus
estudos.
152
2.5. Características das Respostas Sorológicas dos Flavivírus em Testes deInibição de Hemaglutinação
Mesmo sabendo-se que a resposta sorológica para flavivírus é complexa, a
utilização de um painel de antígenos de vírus sabidamente circulantes no Brasil, reduz
as probabilidades de falsas interpretações sorológicas. Em Salvador, não há transmissão
epidêmica de outros flavivírus, exceto do dengue dos sorotipos DEN- 1 e DEN-2
(Teixeira et al, 2000), embora recentemente tenha sido aventada a possibilidade de
ocorrência de circulação do vírus Rocio, não houve isolamento viral (Stratmann et al,
1997). Ademais, a vacina contra a febre amarela não era utilizada nem na rotina do
programa de imunização (PNI) nem sob a forma de campanhas até 1999. Desta forma,
entendeu-se que haveria poucas chances das reações heterotípicas serem por outros
flavivírus que não os do dengue sorotipos DEN-1 e DEN-2.
2.6. Coleta de Dados Biológicos e Sociais
Um questionário estruturado foi aplicado a todos os indivíduos incluídos no
estudo no momento da primeira coleta de sangue, quando se registrou dados de
identificação, sexo, idade, grau de instrução, renda, referência a ter sido acometido por
dengue nos anos anteriores e uso de vacina anti-amarílica.
Durante os meses de abril e maio de 1999 procedeu-se a transcrição das datas
das visitas dos agentes de saúde do programa de combate vetorial do Centro de Controle
de Zoonoses de Salvador, e ao levantamento dos Índices de Infestação Predial de larvas
de Aedes aegypti (IIP) em 100% dos domicílios das 30 áreas sentinelas, utilizando-se os
mesmos procedimentos da Fundação Nacional de Saúde (Brasil/FNS,1997). Este índice
é obtido multiplicando-se o número de imóveis encontrados com larvas de Aedes
aegypti por 100, e dividindo-se o resultado pelo total de imóveis inspecionados.
153
A partir da informação sobre o número de residentes e da extensão territorial de
cada setor censitário que compõem as áreas sentinelas obtidas no Censo Demográfico
de 1996, foram estimadas as densidades populacionais de cada um destes espaços.
2.7. Processamento e Análise
Apesar da imunidade produzida pelo vírus do dengue ser sorotipo específica, e
portanto indivíduos do estudo poderem ter sido acometidos ou vir a apresentar mais de
uma infecção pelos agentes circulantes em Salvador (DEN-1 e DEN-2), optou-se por se
estimar as soroprevalência e incidência de pessoas infectadas e não por número de
infecções.
Na abordagem ecológica a unidade de análise foi a área sentinela para a qual
foram estimadas as medidas de frequência referidas. Realizou-se análise exploratória
para descrição das principais características das áreas do estudo e verificou-se a
existência de associação entre as variáveis de interesse através de diagramas de
dispersão e cálculo dos coeficientes de correlação de Pearson. Procedeu-se ainda a
padronização por idade das soroprevalências e incidência de infecção devido às
diferentes estruturas etárias verificadas nas amostras por área sentinela (Rothman,
1986). Essa padronização foi realizada pelo método indireto para as 30 áreas sentinelas
tomando-se como referência os valores da soroprevalência e da incidência por faixa
etária dos indivíduos componentes do total da amostra estudada. A partir das
informações coletadas no questionário, estimou-se os indicadores de freqüência
considerando a proporção de indivíduos por sexo, idade igual ou superior a quinze anos,
e escolaridade (assumindo-se como risco ter idade igual ou superior a quinze anos e não
possuir o primeiro grau completo), e renda média familiar igual ou menor que dois
salários mínimos. Já a densidade populacional média foi obtida do censo de 1996
realizado pelo FBIGE.
154
Foram estimadas as Razões de Prevalência (RP) e Risco Relativo (RR) tomando
como padrão de referência para a primeira a área sentinela de número 427, e para a
segunda a 7, ambas situadas na Bacia da Barra. Considerando os sete estratos originais
de renda e saneamento (ítem 2.1) as áreas sentinelas foram reagrupadas em três
categorias (1 - estratos “a” “b”; 2 - “e” e “f”; e 3 - estrato “g”), calculando-se as
respectivas soroprevalências e incidências de infecção brutas e padronizadas por idade
pelo método direto (Rothman, 1986) e aplicando-se o teste de Qui-quadrado de
Tendência.
Não se encontra estabelecido o índice de infestação mínimo capaz de impedir a
transmissão do vírus do dengue, havendo referências de que este valor deva estar
próximo a IIP igual ou menor que 1%, baseado nas experiências de transmissão da febre
amarela urbana no Senegal (WHO, 1972). Entretanto, não foi possível assumir este
valor como ponto de corte para cálculo da Fração Prevenível, medida empregada para
avaliação de impacto, em virtude de terem sido poucas as áreas (571 e 575) que
poderiam ser incluídas neste tipo de agrupamento e do reduzido número de indivíduos
que participaram do segundo inquérito sorológico residentes nestas unidades de análise,
o que poderia comprometer os valores das estimativas. Optou-se então por estimar-se a
Fração Prevenível considerando-se como local de residência de indivíduos não expostos
ao risco de infecção: as áreas sentinelas com IIP £ 3,1%.
Mediante análise de covariância (ANACOVA) (Montgomery, 1991) obteve-se
as incidências de infecção para os vírus do dengue para cada grupo de Indice de
Infestação Predial (£3%; 3,1% a 5%; 5,1% a 10%; e >10%), ajustadas para os
confundidores, idade e soroprevalência médias dos residentes das áreas sentinelas, esta
última, por determinar o estoque de susceptível em uma população, e portanto modular
a incidência de infecções.
155
Na abordagem individual, também realizou-se análise exploratória, e avaliou-se
simultaneamente os fatores de risco para ocorrência de infecções pelos vírus do dengue
pelo emprego da regressão logística ponderada, obtendo-se as medidas de associação
(Razões de Prevalência/RP) e Risco Relativo/RR) pelo método Delta (Oliveira et al,
1997). A ponderação deveu-se à correção necessária ao procedimento amostral
empregado. Considerou-se como expostos indivíduos que: tinham idade igual ou
superior a quinze anos; não possuiam o primeiro grau completo (apenas para aqueles
com idade igual ou superior a quinze anos); tivessem renda familiar igual ou menor que
dois salários mínimos.
Foram ainda calculados Sensibilidade, Especificidade e Valores Preditivos (VP)
da informação referida pelos indivíduos sobre ter sido acometido por dengue, nos três
anos anteriores ao inquérito de soroprevalência.
Todos os dados foram digitados no programa Epi-info 6.0 e as análises
realizadas tanto neste Software, como no STATA, e no SAS.
3. Resultados
3.1. Características da Amostra
Dos 1515 indivíduos que participaram do inquérito de soroprevalência 57,9%
eram do sexo feminino e 71,4 % pertenciam a faixa etária acima de 15 anos,
principalmente 15 a 29 (33,3%) e 30 a 49 (29,3%) (Tabelas 1 e 2). A maioria (68,3%)
possuía 8 anos ou menos de escolaridade, e cerca de 25% referia renda familiar inferior
a dois salários mínimos e 50% entre dois e menos de cinco salários mínimos. No
inquérito de incidência estas características mantiveram-se semelhantes (Tabela 2).
Participaram desta etapa do estudo 595 indivíduos, dentre os 860 elegíveis segundo os
critérios estabelecidos, o que representou uma perda de 30,8 %. A grande maioria destas
156
perdas se deveu a mudança de endereço (80%) e os outros 20% por não terem sido
localizados ou por recusa.
Tabela 1 - População do primeiro e segundo inquéritos sorológicos para Dengue,segundo faixa etária e sexo. Salvador - Bahia, 1998 e 1999.
1º inquérito(soroprevalência)
2º Inquérito (incidência deinfecção)Sexo/
Faixa etáriaMasc. Fem. Total Masc. Fem. Total
0-4 43 34 77 5,1 18 21 39 6 ,6
5-9 63 64 127 8,4 34 35 69 11,6
10-14 107 82 189 12,5 47 41 88 14,8
15-19 89 123 212 14,0 37 49 86 14,4
20-29 118 175 293 19,3 38 70 108 18,1
30-39 116 164 280 18,5 30 60 90 15,1
40-49 48 115 163 10,8 13 38 51 8 ,6
50 e mais 54 120 174 11,5 23 41 64 10,8
Total 638 877 1.515 100,0 240 355 595 100,0
Tabela 2 – Características da população do primeiro e segundoinquéritos sorológicos para dengue. Salvador - Bahia, 1998 e 1999
Variáveis 1º Inquérito 2º InquéritoNo % No %
Sexo Masculino 638 42,1 240 40,3Feminino 877 57,9 355 59,7
Idade ≥ 15 anos 1081 71,4 378 63,5< 15 anos 434 28,6 217 36,5
Escolaridade Analfabeto 55 3 ,6 17 3,81o grau incompleto 816 53,9 341 63,31º grau completo 163 10,8 58 10,82o grau incompleto 145 9 ,6 57 10,62o grau completo 164 10,8 49 9,1Superior incompleto 18 1 ,2 6 1 ,1Superior 32 2 ,1 11 2,0
Renda < 2 salários mínimos 378 25,0 156 26,32 a < 5 salários mínimos 757 50,0 298 50,15 a < 8 salários mínimos 147 9 ,7 51 8,68 e + salários mínimos 233 15,4 90 15,1
157
3.2. Abordagem Ecológica
A soroprevalência encontrada foi de 68,7% e, nesta ocasião, 43,2% dos
indivíduos já apresentavam sorologia positiva para duas infecções (DEN-1 e DEN-2)
(Tabela 3).
Tabela 3 - Soroprevalência para dengue na amostra de indivíduosresidentes em 30 áreas sentinelas. Salvador - Bahia, 1998.
Sorologia Nº Prevalência (%)
Positiva para um sorotipo 386 25,5
Positiva para dois sorotipos 655 43,2
Negativa 474 31,3
Total 1.515 100,0
Observou-se uma grande variação nas soroprevalências para um e dois sorotipos
entre as 30 áreas sentinelas. Em 16,7% dessas áreas este valor foi superior a 90%
destacando-se uma localizada em Paripe que atingiu 97,6%, e as menores
soroprevalências foram encontradas em Periperi (16,2% e 38,5%), Armação (42,9%) e
Barra (44,4%). Os valores máximos da soroprevalência para dois sorotipos (87,9% e
87,5%)) foram observados nas áreas sentinelas 243 e 315situadas na Bacia de Tripas,
seguidos de 86,3% na área 263 (Calafate). Nas áreas 1054 (Paripe) e 1011 (Periperi) não
se detectou indivíduo com anticorpos para os dois sorotipos do vírus do dengue, e na
área 191 (Cobre) encontrou-se apenas um (3,3%). As soroprevalências para uma
infecção também revelaram grande variabilidade entre as áreas sentinelas, com valor
mínimo de 3,0 % na bacia de Tripas (área 243) e máximo em Paripe 97,6% (1054). A
158
distribuição das soroprevalências nas áreas sentinelas pouco se alterou após a
padronização por idade (Tabela 4).
As Razões de Prevalência/RP estimadas para a soroprevalência para um e dois
sorotipos tendo como padrão de referência a área sentinela 427, localizada na Bacia da
Barra, por ser a de menor soroprevalência dentre aquelas que pertenciam ao estrato “a”,
indicaram um risco de positividade que variou de 0,36 na área sentinela 1011 (Perperi)
a 2,20 na área 1054 na Bacia de Paripe (Tabela 5).
Observa-se na Tabela 6, que após se reagrupar as 30 áreas sentinelas em três
categorias segundo nível de renda familiar e de saneamento, a soroprevalência para um
ou dois sorotipos (74,0%) foi maior no grupo de piores condições de vida, mantendo-se
esta distribuição após a padronização por idade. O teste de Qui-quadrado de tendência
mostrou que esta diferença era estatisticamente significante (c2 = 8,386 p= 0,004). Para
as infecções por dois sorotipos, a categoria 2, que corresponde às áreas de
intermediários níveis de saneamento e renda familiar foi a que apresentou a menor
soroprevalência (38,2%), e não se observou tendência estatisticamente significante (c2 =
0,179 p= 0,672).
Houve uma fraca correlação negativa entre as soroprevalências brutas (r= -
0,2598; p=0,166) e padronizadas (r = - 0,2778; p=0,137), para um ou dois sorotipos do
dengue e a proporção de indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos com menos
de oito anos de escolaridade, mas sem significância estatística. Também não se
encontrou associação estatísticamente significante entre a renda média e as
soroprevalências brutas ( r= - 0,0374; p= 0,845) ou padronizadas (r= 0,0571; p=0,764),
para um ou dois sorotipos do vírus do dengue (Tabela 7).
159
Tabela 4 - Soroprevalência para dengue (bruta e padronizada),população do estudo, densidade populacional, estrato de condições devida de acordo com áreas sentinelas e bacias de esgotamento sanitário.
Salvador - Bahia, 1998.
Soroprevalência (%)
1 e 2 sorotipos (global) 1 sorotipo 2 sorotiposBacia
ÁreasSentin.
Estrato
Dens.Populac
Hab/Km2
Pop.Amost.
No.posit.
Bruta Padr.No.
posit.Bruta Padr.
No. posit.
Bruta Padr.
Barra 7 a 13200,25 70 40 57,1 54.4 8 11,4 11,8 32 45.7 41,7
444 a 7597,34 50 35 70,0 66.6 10 20,0 20,7 25 50.0 45,4
427 a 27093,30 27 12 44,4 42.2 2 7,4 7,4 10 37,0 34,1
Armação 571 b 3074,11 21 9 42,9 42.3 2 9,5 9,4 7 33,3 38,9
575 b 49745,21 11 9 81,8 80.9 2 18,2 19,4 7 63.6 60,3
595 b 38879,46 114 85 74,6 73.9 12 10,5 14,8 73 64.0 83,8
Tripas 243 f 21247,13 33 30 90,9 90.5 1 3,0 3,0 29 87.9 87,9
309 f 17638,42 31 15 48,4 49.2 4 12,9 13,1 11 35,5 36,1
315 f 25369,13 64 59 92,2 88.9 3 4,7 4,9 56 87.5 79,1
Calafate 204 f 37591,05 63 50 79,4 80.2 8 12,7 13,0 42 66.7 66,8
263 f 48578,09 51 47 92,2 92.1 3 5,9 6,0 44 86.3 85,2
323 f 26206,60 46 33 71,7 72.8 3 6,5 6,5 30 65.2 66,8
Camaragibe 327 g 36910,85 42 32 76,2 77.1 4 9,5 9,1 28 66.7 69,6
322 g 33375,85 44 27 61,4 61.3 4 9,1 9,1 23 52.3 52,0
330 g 49979,27 40 26 65,0 64.3 7 17,5 17,3 19 47.5 46,8
Paripe 1.054 f 23770,24 42 41 97,6 99.0 41 97,6 96,8 0 - -
1.057 f 14810,25 65 39 60,0 58.8 31 47,7 46,6 8 12,3 12,0
1.072 g 28459,30 49 42 85,7 86.4 15 30,6 30,1 27 55,1 56,4
Periperi 1.026 e 16320,92 117 45 38,5 38.1 28 23,9 23,3 17 14.5 14,6
1.025 e 6526,08 63 37 58,7 61.2 29 46,0 45,3 8 12,7 13,7
1.011 e 11953,18 37 6 16,2 16.4 6 16,2 16,0 0 - -
Cobre 191 f 28733,91 30 25 83,3 84.2 24 80,0 76,1 1 3,3 3,5
961 f 17748,87 53 41 77,4 75.9 26 49,1 49,2 15 28.3 27,4
962 f 5698,25 55 39 70,9 69.4 25 45,5 44,6 14 25.5 24,9
Mangabeira 672 f 7363,17 56 28 50,0 53.0 10 17,9 17,9 18 32,1 35,3
677 f 26419,39 55 51 92,7 91.8 11 20,0 19,8 40 72.7 72,0
678 f 1833,97 32 19 59,4 62.8 4 12,5 12,7 15 46.9 50,9
Lobato 118 g 38062,73 33 27 81,8 87.3 10 30,3 31,2 17 51,5 56,1
205 f 26461,79 44 35 79,6 78.8 19 22,7 41,4 25 56.8 57,4
208 f 26558,52 77 57 74,0 77.7 43 55,8 56,2 14 18.2 19,6
a) Renda familiar alta e predominantemente saneado; b) Renda familiar média e predominantemente saneado; e)Renda familiar baixa e predominantemente saneado; f) Renda familiar baixa e moderadamente saneado; g)Renda familiar baixa e não saneado.
160
Tabela 5 - Razão de Prevalência (RP), Razão e Risco (RR) e Intervalosde Confiança (IC) para infecções por 1 e 2 sorotipos do vírus do
dengue, segundo áreas sentinelas. Salvador-Bahia, 1998 e 1999.
Ba cia1º inqué rito ( sor opr eva lência ) 2º Inqué rito ( inc idê ncia de infe cçã o)Ár ea
se ntinelaRP ( 1 ) IC 9 5 % RR ( 2 ) IC 9 5 %
7 1,29 0,81 - 2 ,0 5 1 1,00
Ba rra 44 4 1,58 1,00 - 2 ,49 1,23 0,75 - 2 ,03
42 7 1,00 - 1 ,38 0,89 - 2 ,16
57 1 0,96 0,50 - 1 ,85 0,64 0,24 - 1 ,66Armaç ão 57 5 1,84 1,11 - 3 ,05 - -
59 5 1,68 1,09 - 2 ,59 1,35 0,91 - 2 ,02
24 3 2,05 1,32 - 3 ,16 1,12 0,47 - 2 ,70Tr ipa s 30 9 1,09 0,62 - 1 ,90 1,08 0,61 - 1 ,90
31 5 2,07 1,35 - 3 ,18 1,69 1,20 - 2 ,40
20 4 1,79 1,15 - 2 ,77 1,48 0,96 - 2 ,29Ca lafate 26 3 2,07 1,35 - 3 ,19 1,12 0,58 - 2 ,19
32 3 1,61 1,02 - 2 ,55 0,85 0,45 - 1 ,59
32 7 1,71 1,09 - 2 ,70 1,35 0,85 - 2 ,16Ca maragibe 32 2 1,38 0,85 - 2 ,24 1,04 0,65 - 1 ,70
33 0 1,46 0,91 - 2 ,36 1,04 0,60 - 1 ,81
1.054 2,20 1,44 - 3 ,36 1,42 0,97 - 2 ,08Pa rip e 1.057 1,35 0,85 - 2 ,15 0,95 0,60 - 1 ,51
1.072 1,93 1,25 - 2 ,99 1,33 0,85 - 2 ,07
1.026 0,87 0,54 - 1 ,40 1,12 0,76 - 1 ,63Pe rip eri 1 .025 1,32 0,83 - 2 ,11 1,29 0,88 - 1 ,90
1.011 0,36 0,16 - 0 ,85 1,05 0,67 - 1 ,65
19 1 1,88 1,19 - 2 ,94 1,32 0,88 - 1 ,99Co bre 96 1 1,74 1,11 - 2 ,72 1,19 0,78 - 1 ,82
96 2 1,60 1,01 - 2 ,51 1,03 0,64 - 1 ,66
67 2 1,13 0,68 - 1 ,85 1,42 0,97 - 2 ,08
Ma nga bei ra 67 7 2,09 1,36 - 3 ,20 1,38 0,89 - 2 ,16
67 8 1,34 0,80 - 2 ,22 1,52 1,02 - 2 ,28
11 8 1,84 1,17 - 2 ,89 0,91 0,49 - 1 ,68
Lo bato 20 5 1,79 1,14 - 2 ,80 1,27 0,79 - 2 ,05
20 8 1,67 1,07 - 2 ,59 1,37 0,94 - 1 ,99
(1) 1998; (2) 1999.
161
Tabela 6 - Soroprevalência para dengue de acordo com categorias de saneamentoe renda familiar de 30 Áreas Sentinelas. Salvador - Bahia, 1998.
Soroprevalência
1 ou 2 sorotipos 2 sorotiposCategorias
Bruta Pad* RP IC95 % Bruta Pad* RP IC95 %
1 64,8 62,8 1,0 - 52.6 49,0 1,0 -
2 68,7 69,2 1,06 0,96 - 1 ,16 38,2 38,5 0,73 0,64-0,83
3 74,0 78,4 1,19 1,07 – 1,33 54,8 55,6 1,04 0,88- 1,23
Os estratos originais foram reagrupados da seguinte maneira: 1) estratos “a”, “b”: renda familiar alta epredominantemente saneado; renda familiar média e predominantemente saneado; 2)“e” e “f”: rendafamiliar baixa e predominantemente saneado; renda familiar baixa e moderadamente saneado; 3) “g”:renda familiar baixa e não saneado.*padronizada por idade.
A densidade populacional máxima foi de 49.979,27 e a mínima de 1.833,97 por
Km2, mostrando grande variabilidade entre as áreas sentinelas (Tabela 4). Este índice
apresentou os mesmos valores de correlação (r= 0,4914 e p= 0,006) com as
soroprevalências brutas e padronizadas para um ou dois sorotipos. (Tabela 7 e
Gráfico1).
Gráfico 1 – Relação entre a soroprevalência padronizada para 1 e 2 sorotipos dovírus do dengue e a densidade populacional de 30 áreas sentinelas. Salvador –
Bahia 1998.
Densidade populacional (hab/Km2)
6000050000400003000020000100000
Sor
opre
valê
ncia
( %)
100
80
60
40
20
0
r= 0,4913; p= 0,006
162
Tabela 7 - Coeficientes de correlação ( r ) para as soroprevalênciasbruta e padronizada pelos sorotipos 1 e 2 do vírus do dengue e algumasvariáveis selecionadas de residentes em 30 áreas sentinelas. Salvador -
Bahia, 1998.
Bruta Padronizada(1 )
Variável r p-valor r p-valor
Escolaridade ( prop. ≥ 15anos com 10 grau
incompleto)-0,2598 0,166 -0,2778 0,137
Renda média -0,0374 0,845 -0,0571 0,764
Densidade populacional(hab/km2 )
0,4914 0,006 0,4913 0,006
(1) por idade
A incidência para um e dois sorotipos foi de 70,6% (Tabela 8) com risco de
infecção variando de 50% (área 323) a 90% (678), não se considerando três áreas onde
o tamanho da amostra foi inferior a quatro. Naquelas onde as soroprevalências para um
e dois sorotipos foram mais baixas, a incidência de infecção mostrou-se elevada à
exceção da área 571 (Armação). Em apenas uma área (575) não se encontrou indivíduos
infectados neste segundo inquérito, entretanto, o número de participantes deste espaço
foi de apenas dois, e correspondeu ao mais baixo (0,27%) IIP (Tabela 9). Entre os
indivíduos que no inquérito de soroprevalência haviam sidos negativos, 37,5%
apresentaram risco de se infectar pelos dois sorotipos em um período de
aproximadamente um ano, e dentre os que foram positivos para um dos sorotipos no
primeiro exame, 83,0% tiveram uma segunda infecção, no período (Tabela 8).
Neste segundo inquérito, ao se tomar como referência a área 7 localizada na
Bacia da Barra, por ser dentre as áreas sentinelas do estrato “a” aquela que apresentou
menor incidência de infecção pelos vírus do dengue (tabela 9), o Risco Relativo (RR)
variou de 0,64 a 1,52 excluindo-se a área 575 (Armação) onde não houve novos casos
(Tabela 5).
163
Tabela 8 - Incidência de infecções pelo vírus do Dengue emindivíduos residentes em 30 áreas sentinelas de acordo com a situação
imunológica anterior. Salvador-Bahia, 1999.
Incidência de Infecção1 Sorotipo 2 SorotiposSituação imunológica
anterior NNº % Nº %
Negativos 331 77 23,3 124 37,5
Positivos para 1 sorotipo 264 219 83,0 - -
Total 595 296 49,8 124 20,8
Verificou-se correlação negativa estatisticamente significante entre as
incidências de infecções bruta e padronizada para o dengue e a proporção de indivíduos
com idade igual ou superior a 15 anos que não haviam completado o primeiro grau de
escolaridade (Tabela 10 e Gráfico 2). Para a renda média e densidade populacional
também se encontrou correlações negativas, mas sem significância estatística (Tabela
10).
Durante o levantamento de Índices de Infestação Predial pelo Aedes aegypti
(IIP) constatou-se que todas as 30 áreas sentinelas estavam sendo beneficiadas pelas
ações de combate vetorial que vêm sendo desenvolvidas em Salvador pelo Centro de
Controle de Zoonoses. O IIP médio estimado (Tabela 9) a partir dos dados obtidos neste
levantamento foi de 7,4% (variação de 0,27% a 25,6%) e mediana de 5,2%. As fracas
correlações positivas entre os valores de IIP e a incidência de infecções para dengue
(bruta e padronizada) não se mostraram estatisticamente significantes (Tabela 10 e
Gráfico 3).
164
Tabela 9 - Incidência de infecção para dengue (bruta e padronizada),população do estudo, estratos de condições de vida, Índice de Infestação
Predial (IIP), segundo Áreas Sentinelas e Bacias de EsgotamentoSanitário. Salvador - Bahia 1999.
Incidência de infecção(%)1 e 2 sorotipos 1 sorotipo 2 sorotipos
IIP
BaciaÁreasSenti
n.
EStrato
Pop.Amos
t. N0
posit. BrutaPadr.
N0
posit. Bruta Padr. N0
posit. Bruta Padr.
Barra 7 a 22 13 59,1 57,5 6 27,3 26,3 7 43,8 43,9 5,40
444 a 11 8 72,7 73,0 4 36,4 34,0 4 57,1 49,9 1,46
427 a 11 9 81,8 80,4 5 45,5 43,8 4 40,0 37,5 5,14
Armação 571 b 8 3 37,5 38,2 2 25,0 25,7 1 16,7 18,8 0,36
575 b 2 - - - - - - - - - 0,27
595 b 25 20 80,0 82,8 9 36,0 37,2 11 61,1 58,9 5,53
Tripas 243 f 3 2 66,0 65,9 - - - 2 66,7 75,0 5,25
309 f 11 7 63,6 67,1 4 36,4 35,6 3 33,3 37,5 6,95
315 f 3 3 100,0 100,0 2 66,7 68,7 1 33,3 37,5 3,46
Calafate 204 f 8 7 87,5 91,9 5 62,5 63,0 2 40,0 37,5 8,06
263 f 6 4 66,7 64,9 3 50 49,8 1 33,3 37,5 2,54
323 f 14 7 50,0 49,6 6 42,9 43,6 1 8,3 9,4 2,48
Camaragibe 327 g 10 8 80,0 83,9 4 40,0 40,5 4 57,1 49,9 4,04
322 g 21 13 61,9 62,3 7 33,3 33,4 6 35,3 37,5 4,14
330 g 13 8 61,5 61,5 3 23,1 23,0 5 45,5 46,9 2,90
Paripe 1.054 f 31 26 83,9 85,0 26 83,9 82,6 - - - 15,83
1.057 f 32 18 56,3 54,3 16 50 49,4 2 11,8 12,4 12,90
1.072 g 14 11 78,6 78,0 8 57,1 58,8 3 60,0 56,3 14,81
Periperi 1.026 e 82 54 65,9 64,5 36 43,9 36,5 18 29,0 29,3 16,73
1.025 e 42 32 76,2 76,5 27 64,3 64,9 5 29,4 31,1 4,75
1.011 e 29 18 62,1 61,8 5 17,2 17,8 13 52,0 54,0 16,06
Cobre 191 f 23 18 78,3 75,8 17 73,9 73,7 1 33,3 37,5 14,40
961 f 27 19 70,4 68,8 17 63,0 62,0 2 28,6 25,1 25,63
962 f 23 14 60,9 59,8 13 56,5 56,0 1 11,1 12,4 5,57
Mangabeira 672 f 31 26 83,9 86,4 15 48,4 49,9 11 47,8 51,8 4,22
677 f 11 9 81,8 83,2 7 63,6 62,3 2 66,7 75,0 4,72
678 f 10 9 90,0 91,1 4 40,0 41,2 5 62,5 62,6 10,02
Lobato 118 g 13 7 53,8 56,8 6 46,2 49,8 1 20,0 18,8 4,49
205 f 12 9 75,0 78,4 7 58,3 56,5 2 40,0 37,5 10,15
208 F 47 38 80,9 81,3 32 68,1 68,8 6 40,0 37,5 3,00
Os estratos originais foram reagrupados da seguinte maneira:a) Renda familiar alta e predominantemente saneado; b) Renda familiar média e predominantemente saneado;e) Renda familiar baixa e predominantemente saneado; f) Renda familiar baixa e moderadamente saneado; g) Renda familiar baixae não saneado.
165
Tabela 10 - Coeficientes de correlação ( r ) para as incidências bruta epadronizada pelos sorotipos 1 e 2 do vírus do dengue e algumas
variáveis selecionadas de residentes em 30 áreas sentinelas. Salvador -Bahia, 1999.
Bruta PadronizadaVariável r p-valor r p-valor
Escolaridade ( prop. ≥ 15Anos com 10 grau incompleto)
- 0,4961 0,005 - 0,4995 0,005
Renda média - 0,0923 0,628 - 0,1216 0,522
Densidade populacional(hab/km2 )
- 0,1723 0,363 - 0,1513 0,425
Índice de InfestaçãoPredial (IIP) 0,2103 0,265 0,1747 0,356
Gráfico 2 -Relação entre incidência padronizada* para 1 e 2 sorotipos do vírus dodengue e proporção de indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos que
completaram o 10 grau de escolaridade, residentes em 30 áreas sentinelas.Salvador- Bahia 1999.
r= -,4995; p= ,005
Baixa escolaridade (%)
120100806040200
Inci
dênc
ia p
adro
n iza
da (%
)
120
100
80
60
40
20
0
166
Gráfico 3 - Relação entre a incidência padronizada para 1 e 2 sorotiposdo vírus do dengue e o Índice de Infestação Predial de Aedes aegypti de 30 áreas
sentinelas. Salvador - Bahia, 1998.Í ndicedeInfestaç ãoPredial(%)302724211815129630100806040200
r= 0,1747; p = 0,356
Reagrupando-se as 30 áreas sentinelas em três categorias segundo as
características sócio econômicas utilizadas, observou-se que diferentemente do
inquérito de soroprevalência as maiores taxas de incidências brutas ou padronizadas,
tanto para 1 e 2 sorotipos quanto para quem apresentou infecções para os dois sorotipos,
estavam na categoria 1, que se refere as áreas sentinelas com melhores condições sócio
econômicas (Tabela 11). O Qui-quadrado de tendência não mostrou significância
estatística tanto para a incidência de infecções para 1 ou 2 sorotipos (c2 = 1,332 e p-
valor= 0,2484) quanto para 2 sorotipos (c2 = 0,41 e p= 0,5229).
167
Tabela 11 - Incidência de infecção (bruta e padronizada) pelosvírus do dengue, Risco Relativo (RR) e intervalos de confiança (IC) de
acordo com categorias de saneamento e renda familiar de 30 áreassentinelas. Salvador - Bahia, 1998.
Incidência
1 e 2 sorotipos 2 sorotiposCategorias
Bruta Pad* RR IC95 % Bruta Pad* RR IC95 %
1 75,0 76,6 1,0 - 46,6 46,1 1,0 -
2 70,6 70,3 0,94 0,81 – 1,09 34,2 34,0 0,73 0,53-1,02
3 66,2 66,7 0,88 0,71 – 1,09 42,2 41,9 0,91 0,58-1,41
Os estratos originais foram reagrupados da seguinte maneira:a) Renda familiar alta e predominantemente saneado; b) Renda familiar média e predominantemente
saneado; e) Renda familiar baixa e predominantemente saneado; f) Renda familiar baixa emoderadamente saneado; g) Renda familiar baixa e não saneado.
A comparação entre as incidências ajustadas por idade e soroprevalências
médias das áreas sentinelas quando agrupadas segundo os gradientes de IIP
considerados (Gráfico 4), revelou que a menor incidência 55,1% esteve no grupo de IIP
igual ou menor que 3% e a maior (76,7%) no de 3,1% a 5%, só havendo diferença
estatisticamente significante a nível de 5% entre o primeiro e o segundo grupos de IIP
(p= 0,0067) e entre o primeiro e o quarto (p= 0,0205).
Gráfico 4 – Incidência de infecção pelos sorotipos 1 e 2 do vírus do dengue,ajustada pela soroprevalência e idade média de residentes em 30 áreas sentinelas ,por grupos de Índices de Infestação Predial (IIP) de Aedes aegypti e respectivosintervalos de confiança. Salvador-Bahia, 1999.
£
3.03.1 - 5.05.1 - 10.0> 10.0020406080100
168
Para se proceder a estimativa de impacto das ações de combate vetorial sobre a
trnsmissão viral, considerou-se como não expostos os indivíduos residentes em áreas
sentinelas onde o IIP era igual ou menor que 3%, encontrando-se Fração Prevenível de
29,7%.
3.4. Abordagem Individual
A distribuição por idade revela que os valores da soroprevalência são menores
nas faixas etárias mais baixas, sendo de 39% para 0 a 4 anos, elevando-se até atingir o
máximo (76,4%) na faixa de 30 a 39 anos. Este padrão se mantém quando se trata de
duas infecções sendo a faixa etária de 40 a 49 anos (43,6%) a de maior risco (Gráfico
5). A incidência para uma e duas infecções foi mais baixa no grupo etário de 0 a 4 anos
(46,2%), mas se eleva consideravelmente a partir da faixa de 5 a 9 anos (78,3%),
mantendo-se em patamares entre 62,7 a 82,8% nas idades mais avançadas. Este padrão é
semelhante para a incidência com dois sorotipos, entretanto os valores são menores
(gráfico 6). Ao se considerar dois grupos etários, menor que 15 anos e igual e maior de
15 anos, observou-se que tanto para a soroprevalência (p=0,000) quanto para incidência
(p=0,03) havia diferença estatísticamente significante entre os dois grupos de idade.
Entretanto, diferença entre estes valores foi menor no segundo inquérito (73,3% e
81,0%) que no primeiro (57,4% e 76,1%) correspondendo a uma variação percentual de
10,5% e 28,6%, respectivamente. A soroprevalência foi maior no sexo feminino
(57,5%) mas não houve diferença significativa entre as proporções de casos positivos
segundo sexo.
169
Gráfico 5 – Soroprevalência do virus do dengue por faixa etária, em 30 áreassentinelas. Salvador-Bahia, 1998
0 a 45 a 910 a 1415 a 1920 a 2930 a 3940 a 49>50020406080Soroprev.1 e 23958,360,872,271,776,471,873,6Soroprev. 2 sorot.19,518,1284140,338,943,631,6
0-045-910-1415-1920-2930-3940-49>50020406080100Incid. 1 e 2 infec.46,278,36770,97568,962,782,8Incid. 2 sorotipos33,363,851,159,361,156,752,971,9
Gráfico 6 – Incidência de infecções pelo virus do dengue por faixa etária, em 30áreas sentinelas. Salvador-Bahia, 1999
170
De acordo com a tabela Tabela 12 verifica-se que tanto a soroprevalência quanto
a incidência de infecções para o vírus do dengue não se mostraram associados nem com
a escolaridade nem com a renda.
Tabela 12 – Soroprevalência, Incidência,Razão de Prevalência (RP),Razão de Risco (RR) e Intervalos de Confiança (IC) segundo fatores derisco para os sorotipos 1 e 2 do vírus do dengue em 30 áreas sentinelas.
Salvador- Bahia, 1998 e 1999.
Fator de Risco Prev.%
RP1 IC95 % Inc.%
RR IC95 %
Escolaridade baixa (prop. ≥ 15anos com 10 grau incompleto)
75 ,0 1,09 0,99-1,18 77,0 0,92 0,84-1,02
Escolaridade alta (prop . ≥ 15anos com 10 grau completo)
69 ,0 83,7
Renda baixa (£ 2 salár iosmínimos)
75 ,4 1,06 0,99-1,14 84,4 1,08 0,99-1,19
Renda < 2 salários mínimos71,0 77,8
(1) 1998 (2) 1999.
A sensibilidade da informação relativa ao conhecimento do indivíduo quanto a
ter sido acometido por dengue foi muito baixa (35,4%), enquanto a especificidade foi
maior, estando em torno de 74,5%. Os Valores Preditivos positivo e negativo foram,
respectivamente, 79,1% e 36,0% (Tabela 13).
171
Tabela 13 - Número de reações positivas e negativas para vírusdo Dengue de acordo com informação do entrevistado quanto a ter sido
acometido por esta doença. Salvador - Bahia, 1998.
SorologiaRespostas
Positiva Negativa
Total
Sim 336 89 425
Não 613 345 958
Total 949 434 1.383
Valor Predi tivo: Positivo = 79,1% Negativo = 36,0%; Sensib ilidade: 35,4%; Especificidade:79 ,5%
4. Discussão
4.1. Intensidade da circulação viral
Foram surpreendentes os elevados valores da soroprevalência (68,7%) e,
particularmente, da incidência (70,6%) de infecções pelos vírus do dengue encontrados,
tendo em vista o curto período de tempo, cerca de 4 anos, decorrido entre a introdução
deste agente em Salvador e a realização deste estudo. Do mesmo modo, quando se
procedeu ao primeiro inquérito (baseline) ainda não havia confirmação de que o
sorotipo DEN-1 já estava circulando na cidade, pois o mesmo só havia sido isolado em
amostra de um único indivíduo, e a investigação do caso foi inconclusiva quanto a sua
autoctonia. Entretanto, a elevada soroprevalência encontrada (42,3%) para os dois
sorotipos, naquela ocasião, indicou que o DEN-1 já circulava na cidade há algum
tempo, intensa e simultaneamente com o DEN-2 .
O valor encontrado de soroprevalência no primeiro inquérito deste estudo foi
superior a de outros realizados em diferentes capitais brasileiras a exemplo de Fortaleza
(44%) (Vasconcelos et al, 1998), Rio de Janeiro (44,5%) (Figueiredo et al, 1991) e São
172
Luís do Maranhão (41,5%) (Vasconcelos et al, 1999), e comparável apenas ao
encontrado por Cunha (1993) em Niterói (66%), evidenciando a força de transmissão
destes vírus durante curto período de tempo da sua introdução em Salvador. Uma
explicação plausível para esta elevada soroprevalência pode ser a quase inexistência de
ações de combate vetorial no início da transmissão viral, em virtude dos recursos para
estas atividades só terem sido liberados em 1997, após o declínio das duas alças
epidêmicas (1995 e 1996) registradas na cidade (Teixeira et al, 2000).
As taxas de incidência de infecções estimadas cerca de doze meses depois do
primeiro levantamento revelaram, que tanto o DEN-1 como DEN-2 permaneciam
circulando intensamente em todos os espaços da cidade, ao contrário do que se poderia
esperar, desde quando o número de casos notificados (360) no período compreendido
entre os dois inquéritos foi bastante reduzido. Supunha-se que as atividades de combate
vetorial instituídas no município desde 1997, e que a imunidade de grupo da população,
mesmo parcial, revelada pelas soroprevalências encontradas no inquérito de 1998,
influenciassem na redução da circulação viral entre os susceptíveis, o que não foi
constatado.
Esta acentuada velocidade de transmissão viral encontrada em Salvador, permite
supor que situação semelhante pode estar ocorrendo em muitos outros grandes centros
urbanos brasileiros que sofreram epidemias pelos sorotipos DEN-1 e DEN-2 e que
permanecem infestados pelo mosquito transmissor. Isto significa que existem grandes
contingentes populacionais expostos ao risco de acometimento de formas graves da
doença, e que epidemias explosivas de dengue clássico poderão vir a eclodir, caso o
DEN-3 e/ou DEN-4 passem a circular.
Os resultados desta investigação também permitiram estimar que no período
compreendido entre 1995 e primeiro semestre de 1998, cerca de 1,5 milhão de
173
indivíduos em Salvador, foram infectados por um ou dois sorotipos dos vírus do
dengue, e que nos doze meses seguintes, aproximadamente 560 mil novas infecções
ocorreram. Entende-se que esta extrapolação tem fundamento e deve se aproximar da
realidade, tendo em vista que o sistema oficial de notificação vem registrando casos em
todos os bairros (Bahia, 2000); que os órgãos responsáveis pelo controle vetorial
declararam que em 1996 toda a cidade estava infestada pelo Aedes aegypti (ISC/UFBA,
1996); que os IIP mantém-se elevados variando de 0,6 a 26,2% nos bairros
beneficiados pelo PEAa (Salvador, 1999), e que a amostra desta investigação incluiu
população residente em espaços com distintas situações de condições de vida.
As estimativas apresentadas evidenciam que a sub-notificação de casos de
dengue é muito alta, mesmo que se considere que 50% das infecções sejam inaparentes
(Cunha, 1993), pois o total acumulado de casos registrados pelo sistema de Vigilância
Epidemiológica desde o início da epidemia até a realização do segundo inquérito, não
ultrapassou 30.000 notificações (Bahia, 2000). A não especificidade do quadro clínico
do dengue clássico que freqüentemente é confundido com muitas outras doenças febris
(Clark, 1995; Rigau-Perez & Gubler, 1997), a não ocorrência de casos graves dando
uma falsa aparência de benignidade da doença. e as falhas do sistema passivo de
vigilância epidemiológica, são alguns dos fatores que podem estar contribuindo para
este sub-registro. A baixa sensibilidade quanto a morbidade referida para dengue
observada nesta investigação, também fortalece estas observações. A rigor, o
diagnóstico só poderia ser realizado mediante auxílio de exames laboratoriais (Clark,
1995; Rigau-Perez & Gubler, 1997), mas na atual situação epidemiológica e nível de
organização da rede de serviços de saúde do SUS, é operacionalmente inviável como
procedimento de rotina a ser indicado diante de todos os casos suspeitos.
174
No período epidêmico, particularmente quando o dengue é uma doença ainda
pouco conhecida em uma área, a população e a rede de serviços de saúde ficam mais
alertas incluindo no critério de suspeição um maior número de quadros clínicos
sugestivos da enfermidade, tornando assim o sistema de registro mais sensível. Quando
o processo de endemização se estabelece, a doença deixa de ficar em evidência, e em
geral o sistema de notificação torna-se ainda mais deficiente. No espaço de tempo
compreendido entre os dois inquéritos foram notificados apenas 360 casos (Bahia,2000)
que correspondem a menos de 0,1% das infecções estimadas pela taxa de incidência.
A questão que se coloca com estas considerações não é a subnotificação em si,
pois não é necessário notificação universal para se perceber a magnitude e gravidade de
um problema de saúde, mas sim, que a redução de incidência de casos que se verifica
após as explosivas epidemias possa ser indevidamente interpretada, particularmente
pelas autoridades de saúde, como se a situação estivesse sob controle. Em geral, nestas
circunstâncias a vigilância e as medidas de prevenção são mais negligenciadas,
desconhecendo-se que nos períodos hiperendêmicos o risco de ocorrência de formas
graves da doença é mais elevado, pela possibilidade concreta de introdução de um novo
sorotipo (Gubler & Clark, 1994). Tem sido observado relativamente poucos registros de
casos hemorrágicos no Brasil, nenhum em Salvador, o que possívelmente possa ser
explicado pela baixa virulência do sorotipo DEN-2 em circulação em muitos países das
Américas (Watts, et al,1999). Entende-se que dificilmente a ocorrência de dengue
hemorrágico passaria despercebida, devido a sua gravidade na ausência de tratamento
adequado. Mesmo que os casos não fossem diagnosticados no início da doença, os
óbitos chamariam a atenção da população e das autoridades de saúde. Todavia, o risco
de vir a ocorrer casos isolados ou epidemias explosivas de dengue hemorrágico na
vigência de introdução de um novo sorotipo, ou mesmo de um DEN-2 mais virulento, é
175
real. Esta possibilidade indica a necessidade de discussão da estratégia de prevenção
que vem sendo adotada e a instituição de um sistema de vigilância ativa tanto de casos,
como do vírus, associado a alerta e treinamento dos profissionais da rede de serviços de
saúde para que se capacitem a realizar pronto diagnóstico e tratamento oportuno do
dengue.
Em Salvador, assim como em São Luís do Maranhão (Vasconcelos et al, 1999),
os indivíduos das faixas etárias mais elevadas apresentaram um risco maior de ter sido
infectado pelo vírus do dengue. Distintamente, em Fortaleza esta diferença não foi
encontrada (Vasconcelos et al, 1998). Esta desigualdade de padrões pode ser explicada
pelo tempo de circulação viral, pois enquanto nas duas primeiras cidades a introdução
do agente é mais recente, na última tem-se registro de epidemias desde 1987. É possível
que o processo de endemização dos sorotipos circulantes, que reduz o estoque de
susceptíveis adultos, resulte em alteração do padrão inicial. Em Salvador, os resultados
da incidência de infecções permitiram evidenciar este processo na medida em que os
adultos continuaram apresentando uma maior taxa, entretanto foi menor a diferença de
risco entre os indivíduos abaixo de 15 anos e aqueles das demais idades, que o
observado no inquérito de soroprevalência.
4.2. Circulação viral e espaço social
As soroprevalências encontradas embora tenham variado, foram bastante
elevadas em quase todas as Bacias de Esgotamento Sanitário estudadas, inclusive em
áreas sentinelas situadas em espaços com condições sócio-econômicas favoráveis. A
análise da evolução do risco de infecção de acordo com os agrupamentos sócio-
econômicos mostrou que as taxas de incidência praticamente se igualaram entre as
categorias de diferentes condições de vida, na medida em que a transmissão viral foi se
176
estabelecendo, deixando de se observar a tendência inversa encontrada no inquérito de
soroprevalência .
Estes achados diferenciam-se daqueles encontrados por Medronho (1995) que,
ao utilizar uma técnica de geoprocessamento (SIG) para fazer a distribuição dos casos
notificados de dengue no espaço da cidade do Rio de Janeiro, concluiu que a doença
atinge mais as populações residentes em áreas de maior adensamento populacional e de
baixa infra-estrutura urbana, o que segundo o autor, corresponderia a populações com
nível sócio econômico mais precário. Fabbro (1997) e Costa & Natal (1998) observaram
correlação entre renda e escolaridade e os coeficientes de incidência de dengue em
Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, duas cidades de médio porte do interior do
Estado de São Paulo, e Pontes (1992) também registrou na epidemia de 1990/1991 em
Ribeirão Preto, uma grande concentração de bairros com alta incidência de dengue,
situados nas áreas com condições de vida mais desfavoráveis. Distintamente,
Vasconcelos et al (1998; 1999) em inquéritos sorológicos realizados em duas capitais
do nordeste brasileiro verificaram que as soroprevalências foram maiores nas áreas com
melhores índices sócio econômicos.
As discordâncias entre os resultados destes estudos podem ser explicadas pelo
fato das três primeiras investigações terem utilizado dados dos sistemas de notificações
oficiais. Estes, em geral, registram os casos que buscam assistência médica nos serviços
públicos, que são mais freqüentados pelas classes populares, não incluindo grande parte
dos casos que ocorrem nos bairros da cidade com melhores condições de vida, o que
pode levar a distorções no conhecimento da distribuição da circulação dos vírus do
dengue. O nosso estudo, a semelhança do de Vasconcelos et al (1998; 1999) refere-se a
inquéritos sorológicos de amostra populacional aleatória, e portanto seus resultados
devem aproximar-se mais da real circulação viral.
177
Apesar das associações estatísticamente significante encontradas entre a
soroprevalência e a densidade populacional e, a incidência de infecção e gradientes de
IIP e escolaridade, pode-se observar que os riscos de infecção nas diferentes áreas foram
elevados em sua grande maioria, inclusive nos espaços com boas condições de vida. É
provável que esta dinâmica, pelo menos em parte, deva-se ao fato de que em Salvador
sejam encontrados densidade populacional e IIP altos tanto em áreas de precárias como
naquelas com melhores condições de vida. Quanto à escolaridade, apesar da relação
inversa verificada no inquérito de incidência, significando que para os maiores índices
de escolaridade correspondem valores mais baixos de incidência de infecção, estes
valores não foram tão reduzidos, e além disso não se observou qualquer tendência entre
as três categorias sócio-econômicas estudadas e a taxa de incidência.
Acontece que, do ponto de vista formal, nas áreas mais privilegiadas os índices
de escolaridade são mais elevados mas nem sempre estes correspondem a uma educação
também direcionada para a conservação do meio ambiente. Se áreas sub-normais
(favelas e cortiços) estão espacialmente próximas de áreas mais ricas, na perspectiva da
classe privilegiada o principal problema a ser enfrentado é a segurança, e os
investimentos privados são aplicados neste sentido. Não há uma preocupação em se
mobilizar a sociedade e os poderes públicos para discutir e oferecer melhores condições
de vida e de infra-estrutura urbana àquelas populações, porque estas classes não se
sentem ameaçadas por este tipo de situação. Por outro lado, embora disponham de
coleta de lixo mais adequada, deixam dispostos nas suas residências inúmeros tipos de
criadouros potenciais do mosquito. Entende-se que se a educação formal das populações
fosse aliada a um maior conhecimento sobre a importância da higiene ambiental de toda
a cidade, possivelmente se ampliaria o potencial de redução dos riscos de transmissão
tanto para o dengue, quanto para todas as outras doenças relacionadas às condições
178
sanitárias. Evidencia-se assim, a importância da forma de organização social das
grandes metrópoles modernas dos países do terceiro mundo na determinação da
transmissão dos vírus do dengue, como apresentado no modelo explicativo do terceiro
artigo desta tese.
A constatação desta possível semelhança de exposição ao risco de se infectar
pelos vírus do dengue nos diferentes espaços intra-urbanos, diferencia este agente
daqueles da grande maioria das doenças infecciosas e parasitárias, particularmente, dos
microorganismos que estão ligados pelo seu ciclo epidemiológico ao meio ambiente.
Mas, observou-se que o grupo de indivíduos com maior incidência foi aquele que já
havia apresentado sorologia positiva para uma infecção no primeiro inquérito, o que
sugere a necessidade de se investigar outras variáveis ambientais, sociais e econômicas
além das que foram aqui consideradas. A continuidade desta linha de pesquisa poderá
discriminar melhor os estilos de vida que propiciam uma maior exposição ao risco de se
infectar pelo vírus do dengue. Estes podem estar relacionados tanto ao domínio público
quanto ao privado, desde quando o ambiente domiciliar e peri-domiciliar influenciam
decisivamente na ocorrência da transmissão.
As informações obtidas com estas investigações poderão fornecer subsídios
adicionais para o aprimoramento das ações de combate vetorial, pois se por um lado a
constatação de que o vírus do dengue em nosso meio não respeita espaços sociais
fortalece o princípio de que as ações de combate vetorial devem sempre ter caráter
universal em cada território, por outro, a discriminação de fatores de risco localizados
em micro ambientes específicos do domínio da vida privada, poderá indicar formas
direcionadas de ação com vistas a sua eliminação.
179
4.4. Efetividade das ações de combate vetorial
A elevada incidência de infecção pelo vírus do dengue entre os indivíduos
susceptíveis da população amostral que participaram do segundo inquérito por si só já é
sugestiva de que o impacto que vem sendo obtido pelo programa de combate ao Aedes
aegypti em Salvador é bastante reduzido. O encontro de valores destas taxas superiores
a 50% em todos os gradientes de IIP considerados no estudo, revela que a transmissão
viral é muito intensa apesar da imunidade de grupo pré-existente e das ações de combate
vetorial que foram desenvolvidas durante cerca de 30 meses.
Esta intensa circulação viral sugere que no decorrer do tempo quase toda a
população será infectada, o que demonstra a baixa efetividade das medidas que vêm
sendo implementadas. Este achado está de acordo com o modelo teórico de transmissão
de dengue baseado na experiência de Singapura, desenvolvido que Reiter et al (1992),
segundo o qual a simples redução da população de vetores que não alcance índices
muito próximos a zero não é capaz de alterar a força de transmissão viral.
A estimativa de impacto também confirma esta reduzida efetividade do
programa de combate vetorial de Salvador, pois mesmo a população residente nas áreas
com IIP igual ou menor que 3% apresentou um baixo nível de proteção, em torno de
30%, contra as infecções pelos vírus do dengue. Vale salientar que em apenas 6 (20%)
das 30 áreas o IIP alcançou este valor. Dois anos e meio após a implantação das
atividades de combate vetorial na cidade, o valor médio de foi de 5, 8%, e também só
em 20% deles este índice encontra-se abaixo de 3%. Além disso, infere-se que este
indicador pode estar mais elevado nos bairros onde estas atividades não são
desenvolvidas, conforme registrado no relatório do próprio Centro de Controle de
Zoonozes da cidade (Salvador,1999).
180
Este baixo impacto possivelmente resulta da estratégia inadequada de prevenção
que vem sendo implementada em Salvador, a qual também vem sendo adotada em
muitas outras cidades do país. Ao Programa de Erradicação do Aedes aegypti, ajustado
(PEAa), não foram incorporados o saneamento do meio ambiente e a
educação/informação da população como eixos centrais de atuação, privilegiando-se
apenas o combate direto ao mosquito transmissor (Brasil, 1997). Os repasses de
recursos têm sido intermitentes e insuficientes mesmo para se executar as atividades
deste último componente, em toda a extensão territorial de cada município infestado. A
modalidade de liberação de recursos do PEAa também desconsidera a questão da
regionalização para desenvolvimento de ações, mesmo em áreas conurbadas como nas
regiões metropolitanas, onde se observa freqüentemente que apenas alguns municípios
são beneficiados. Deste modo, tem sido difícil alcançar níveis de infestação pelo Aedes
aegypti compatíveis com a eliminação da circulação viral, resultando em baixa
efetividade das ações, o que indica a urgente necessidade de revisão desta estratégia.
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184
CONCLUSÕES
185
A reemergência das infeções pelo vírus do dengue tem contribuído para alterar
acentuadamente a tendência do perfil de morbidade, e em alguns países também o de
mortalidade por doenças infecciosas, nas regiões onde este agente está circulando, e as
perspectivas futuras apontam para o agravamento deste problema com importantes
conseqüências para o quadro nosológico mundial nas próximas décadas.
No Brasil, esta doença ainda não alterou significativamente os indicadores de
mortalidade, entretanto, a magnitude da incidência da doença nos últimos quatro anos
tem superado todas as outras doenças infecciosas e parasitárias de notificação
compulsória, modificando consideravelmente a tendência de morbidade que o país
vinha apresentando nos últimos 15 anos, para este grupo de causa.
Insucessos no controle do dengue vêm sendo registrados em todo o mundo,
inclusive nos locais cujos programas de combate aos mosquitos transmissores até bem
pouco tempo eram considerados exitosos, a exemplo de Singapura e Cuba. Esta
tecnologia, única disponível para a prevenção do dengue, não vem causando o impacto
desejado nas áreas onde é aplicada, e a velocidade de disseminação da circulação viral
intra e inter países e continentes é um fenômeno sem perspectiva de solução.
Esforços para o combate vetorial, vêm sendo desenvolvidos por todas as três
esferas de governo no Brasil, mas a sua baixa efetividade, foi evidenciada tanto pelos
resultados encontrados na investigação empírica apresentada, como também nas
revisões e análises de dados secundários disponíveis no Ministério e Secretaria Estadual
de Saúde, conforme descrito nos artigos 4 e 5 desta tese.
Estes resultados sugerem que o custo-benefício do Programa de Erradicação do
Aedes aegypti do Brasil, ajustado (PEAa) não é compatível com o dispêndio de recursos
que vêm sendo aplicados. Mesmo considerando-se que estes são insuficientes para a
execução de todas as ações preconizadas, este quantitativo é elevado se comparado com
186
o total que vêm sendo disponibilizado para o conjunto de programas de Saúde Pública
no Brasil.
Reconhece-se que são limitados os conhecimentos atuais para o enfrentamento
desta situação, e que a conjuntura biológica, ecológica e social dos centros urbanos
modernos é bastante diferente de quando se erradicou o Aedes aegypti das Américas na
década de cinqüenta. Mas, percebe-se também, que os mecanismos de prevenção
disponíveis estão sendo utilizados de forma inadequada no nosso país, desconsiderando-
se princípios técnicos fundamentais para o alcance de alguma efetividade. Problemas
políticos, administrativos, financeiros e técnicos necessitam ser equacionados, e alguns
critérios atualmente definidos devem ser substituídos, visando principalmente garantir
um maior impacto epidemiológico e a otimização da aplicação dos recursos disponíveis.
A concepção de que qualquer redução da população vetorial reduz a incidência
do dengue não pode mais fundamentar o PEAa. O nosso estudo revelou elevadas
incidências de infecções em quase toda a população de Salvador na vigência de
imunidade de grupo e de ações de combate vetorial, independente das condições de vida
e mesmo em áreas com baixos índices de infestação predial. O vírus circulou intensa e
velozmente em índices de infestação abaixo de 3%. O nível de proteção que
teoricamente possa ser imputado às ações de combate vetorial que vêm sendo
desenvolvidas, possivelmente deixará de existir na medida em que não ocorre
interrupção da transmissão ao longo do tempo, pois pelo visto, com este tipo de
estratégia de combate ao Aedes aegypti, não se vislumbra perspectivas de alcance de
Índices de Infestação capazes de impedir a transmissão viral. Esta investigação
demonstrou que em apenas quatro anos cerca de 85% da população de Salvador deve ter
sido infectada por um ou dois sorotipos do dengue que são encontrados nesta cidade.
Deste modo, estão presentes no momento as condições concretas para a transmissão
187
intensa de outros sorotipos, o que representa a possibilidade de ocorrência de epidemias
da Febre Hemorrágica do Dengue.
Atualmente, a discussão sobre a hipótese de se abandonar o combate vetorial,
em função de que, paradoxalmente, a redução de população de mosquitos não impede a
ocorrência de epidemias explosivas das diversas formas clínicas do dengue, já está posta
na literatura. Cabe portanto refletir-se sobre a pertinência de manutenção de um
programa que para ter alguma efetividade exige um volume de recursos considerado
vultoso por um longo período de tempo. Este é um debate controverso, ao tempo em
que extremamente delicado, por envolver questões éticas, devido a inexistência de
outros instrumentos de prevenção. Entretanto, é preciso ser enfrentado não só pelos
cientistas, dirigentes e técnicos dos Órgãos de Saúde Pública, mas, principalmente, pela
sociedade brasileira. Informações detalhadas sobre a epidemiologia da doença, das
dificuldades para o seu controle tanto do ponto de vista técnico quanto social e dos
danos causados ao meio ambiente, têm que ser repassadas para dar substância a esta
iniciativa.
A abertura deste debate só terá sentido na perspectiva de uma tomada de
posição, e caso a decisão seja em favor da continuidade do combate vetorial tem-se que
também indicar as soluções concretas para as dificuldades já identificadas,
particularmente àquelas referentes a complexidade dos grandes centros urbanos e ao
quantitativo de recursos orçamentários e financeiros para todas as áreas geográficas
infestadas. As classes dominantes, em particular, necessitam fazer uma reflexão quanto
a inocuidade de suas formas de enfrentamento dos riscos à saúde, que não levam em
conta a melhoria da qualidade de vida de todas camadas das populações. É importante
alertá-las que o risco de desenvolvimento de formas graves do dengue pode ser igual ou
mesmo maior para as populações com condições sócio-econômicas mais favoráveis, já
188
que experiências em outros países têm demonstrado que o Dengue Hemorrágico atinge
com maior freqüência indivíduos de raça branca e crianças bem nutridas. O avanço
científico e tecnológico ainda não disponibilizou um instrumento de prevenção
individual para esta doença, e o tratamento das formas graves depende do diagnóstico
precoce, que mesmo quando instituído de modo adequado pode resultar em êxito letal.
Na impossibilidade de se adotar a metodologia e estratégia de erradicação
proposta em 1996 no Plano Diretor de Erradicação do Aedes aegypti do Brasil, pelo
CNS e que o governo brasileiro opte por dar continuidade à implementação do PEAa,
deve-se considerar a possibilidade de combate vetorial regionalizado, assegurando-se a
contiguidade e universalidade de ações em cada território, e condições mínimas para
que estas resultem em algum impacto epidemiológico sobre as populações humanas, e
não apenas sobre a população vetorial. Além disso, estudos pilotos devem ser
desenvolvidos de acordo com as modificações técnicas e operacionais definidas para se
verificar da possibilidade concreta de eliminação de circulação viral, o que significa
alcance de Índices de Infestação muito próximos a zero. Assim, só a partir dos
resultados destes estudos, é que se deve proceder a sua implantação em larga escala,
visando impedir o desperdício de recursos e a poluição ambiental sem benefícios à
saúde das populações humanas.
No nosso entendimento, mesmo diante das elevadas magnitude das epidemias de
dengue, o seu controle é uma questão que ainda não conseguiu mobilizar
suficientemente a sociedade brasileira. Apesar das iniciativas do Conselho Nacional de
Saúde (CNS), descritas no primeiro artigo, e da proposta formulada ter como um dos
seus eixos centrais um amplo debate com todos os setores da sociedade, providências
nesta direção não foram adotadas. Como as atuais condições políticas objetivas para se
retomar a iniciativa do CNS não se fazem presente, ao que tudo indica, providências
189
mais enérgicas só serão adotadas na vigência de graves epidemias das formas
hemorrágicas do dengue.
Historicamente os profissionais de saúde pública, tanto da área acadêmica
quanto da rede de serviços de saúde, nunca deixaram de buscar soluções para os
problemas de saúde da população brasileira. Neste sentido, cabe neste momento não só
estimular o embate dos consensos e dissensos das concepções existentes, na perspectiva
do avanço de propostas alternativas, como também considerar que o risco real impõe
alerta e capacitação técnica para a prestação de atenção médica oportuna e correta à
população com vistas à redução das taxas de letalidade, caso epidemias mais graves de
dengue hemorrágico venham a atingir o Brasil.