A construção de saber na análise com crianças: um estudo...

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Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. iX – Nº 4 – p. 1323-1340 – dez/2009

A construção de saber na análise com crianças: um estudo de caso

Cynara Teixeira Ribeiro

Psicóloga formada pela UFRN. Mestre em Psicologia pela PUC/SP. Atualmente, professora da UFRN.

End.: Raimundo Chaves, 1652, 2-Q-B, Candelária. Natal-RN. CEP: 59064-390.

E-mail: cynara_ribeiro@yahoo.com.br

ResumoAtravés de um estudo de caso, o presente trabalho visa ilustrar o percurso realizado por uma criança durante o seu tratamento analítico e o delicado manejo clínico que lhe possibilitou um reposicionamento em relação às formas de satisfação pulsional. No caso em questão, o vínculo transferencial com a analista permitiu a Vitório, garoto de seis anos, repetir, durante as sessões, o horror da vivência de um abandono e de um não saber sobre as suas origens que o deixava com receio de ser novamente abandonado, à mercê do enigma do desejo do Outro. Com o trabalho de análise, porém, Vitório pôde caminhar em direção ao que não podia ser visto/conhecido, elaborando um saber e colocando-o em ato, fazendo a escolha de não permanecer no lugar de abandonado e elaborando simbolicamente o significado de ir embora, ressignificando a experiência vivida na relação com a sua mãe. Sendo assim, o caso exemplifica uma proposta de saber que Vitório pôde, de algum modo, aceitar e através da qual ele conseguiu (re)estruturar sua fantasia, o que, consequentemente, teve efeitos sobre o seu sintoma. Dessa forma, a partir da singularidade

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do caso apresentado, pode-se concluir que a construção de saber é um dos resultados possíveis de serem obtidos na análise com crianças e que essa construção propicia um movimento do sujeito em relação ao seu sintoma. Tais conclusões permitem fazer avançar o campo dessa clínica.

Palavras-chave: clínica, análise com crianças, transferência, saber, mudança subjetiva.

AbstractThrough a case study, this paper aims to illustrate the route taken by a child during his analytic treatment and the delicate management that enabled him to reposition in the ways to drive satisfaction. In this case, the link transference to the analyst led to Vitório, a boy six years, again during the sessions, the horror of living as an abandonment and a lack of knowledge about their origins that made him afraid to be again left at the mercy of the enigma of Other’s desire. With the work of analysis, but Vitório could walk toward what could not be seen / known, developing a knowledge and putting it into action, making the choice not to remain in place for abandoned and symbolically elaborating the meaning of leaving , giving new meaning to the experience in relation to his mother. Thus, the case exemplifies a proposal knowing that Vitório was able to somehow accept and by which he did (re)structure their fantasy, which in turn had an effect on their symptoms. Thus, from the uniqueness of the case presented, we can conclude that the construction of knowledge is one of the possible results to be obtained from the analysis with children and that this construction provides a movement of the subject in relation to their symptoms. These findings allow to advance the field of that clinic.

Keywords: clinic, children’s analysis, transference, knowledge, subjective change.

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Opresentetrabalhoconsisteemumestudodecasoclínico,cujorelatoseráesquematizadoemtrêsmomentos,tomandocomoreferênciaaconstruçãodesabereomovimentosubjetivo,tornadospossíveisaolongodeumprocessoanalítico.Aescolhaporestaformadesistematizaçãodocasosedeveaofatodeconsiderarmosqueumrelevantepercursodetrabalhofoirealizadopeloanalisante,oqualefetuouumamudançadeposiçãoquefoievidenciadaporumatodecidido,quefezaparecerosujeitoemtodaasuasingularidade.Dessaforma,tomandocomopontodepartidaaespecificidadedaclínicacomcrianças,otrabalhopretendedemonstrarcomoodeslizamentodesignificanteseaconstruçãodeumsaberemanálisepermitiramumamudançanolugarreservadoaosujeitoe,consequentemente,umdescolamentodoseusintoma.

Vitório e o sintoma de não saberVitórioeraumgarotodeseisanosdeidadequandochegou,

trazidopelasuaavópaterna,aqualrequisitavaparaele‘atendi-mentopsicológico’,alegandoqueeleeraagressivoeiamalnaescola,poisaindanãosabialer,nãoparavaquietoebrigavacomoscolegaseaprofessora.Estaeraaqueixainicialdessamulher.Porém,comodesenrolardasentrevistaspreliminares,elacontou,comoqueporacaso,queVitórioeoseuirmãohaviamsido‘aban-donados’pelamãehácercadequatroanoseque,apartirdesseacontecimento,eraelaquemseencarregavadecuidardosdois.Aindasegundoaavó,amãedosmeninosfoiemboraporser‘semvergonhamesmo’,‘ganhouomundo’enuncamaisdeunotíciase,porcausadisso,aavóachavaqueosdoisnãodeviamficarlem-brando-sedela.ApesardeaguardalegaldeVitórioedeseuirmãoserdopaideambos,ouseja,dofilhodessamulher,elaentraracomumaaçãojudicialnaVaradeFamília,requerendo-aparasi,alegandoque‘paiéqualquerum’,‘searranjaemqualquerlugar’eque‘mãeéquemcria’.Pormuitasvezes,inclusive,elareferia-seaVitóriocomo‘filho’echegouapedirparaaprofessoradelequeensinasseque‘mãeéquemcria’tambémemsaladeaula,aoqueestaprontamenteobedeceu–oque,noa posteriori,pode-

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mosrelacionarcomos‘problemasescolares’deVitório.AavódeVitóriodeixavaclaroquenãoestavaacostumadaasercontrariadaesempredavaumjeitoparaquetudoacontecessedaformacomoqueria.Elademonstravaacreditarqueissoiriaserepetirno‘aten-dimentopsicológico’doneto,poischegavaàssessõesdizendooquedeveriaserfeito–damesmaformaquefaziacomaprofessoradele.EademandaimplícitaqueaavódeVitórioendereçavaàana-listaeraadeque‘curasse’Vitóriodesuaagressividade,semqueissoimplicasseseperguntarminimamenteaquêestarespondia.

Porsuavez,Vitóriochegouàsprimeirassessõessilencioso,tímidoefazendoexatamenteoqueasuaavóomandavafazer:di-zendo‘bomdia’aochegar,pedindo‘licença’paraentrarnasalaesedespedindocomum‘obrigada’.Quando,logonaprimeirases-sãocomele,opergunteiomotivodeestarali,Vitóriorespondeuqueeraporqueaavóqueria.Apósalgumainsistênciadaminhaparteparaquefalassemaissobreoporquêdeeleestarali,Vitóriodissequeasuaavóachavaqueeletinha‘problemadevista’equequeriaqueeleusasseóculos,masqueelenãoqueriadejeitone-nhum,porque,segundoele,enxergava‘melhor’queaavóequeopai.Respostaquese,emumprimeiromomento,podeparecerdes-propositada,aolongodaconduçãodocaso,sereveloucrucialparaaimplicaçãodeVitórioemseuprocessodeanálise,poispossibili-touqueele,posteriormente,pudessemeendereçarumademandapropriamentedele,descoladadademandaformuladapelaavó.Alémdisso,essaafirmaçãodeVitório,dequeenxergamelhorqueaavóeopai,apontamparaaexistênciadeumgozonessaposi-çãosubjetivade,diantedaavóedopai,colocar-secomoquemnãosabe(nãovê/nãolê).Defato,ésabidoqueosujeitogozadoseusintomanamedidaemqueobtém,apartirdeste,umasatisfa-çãoparadoxalque,nocasodeVitório,ofaziapermanecernolugardenãosaber,especialmentefrenteàavóeaopai,apesardeafir-marqueconseguiaenxergarmelhorqueosdois.

Apósalgunsdiasdecorridosdasprimeirassessões,Vitórioapareceudeóculos.Nitidamenteincomodadocomestes,elepor-tava-sedeformabastantepeculiar:assimquechegavaàsessão,tirava-osecolocava,emseulugar,máscarasdebrinquedo,que,aocontráriodosóculos,dificultamavisão;esqueciaosóculosemcasaetambémnasaladeatendimentoaoirembora–oquefazia

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asuaavódesesperar-seevoltaràclínicapararecuperá-los.Vitórioestavasempretentandodarumjeitodenãoveroqueaavóque-riaqueelevisse,edeveroqueelaqueriaqueelenãovisse.Eracomorespostaaesteimpassequeseusintomaaparecia:osin-tomadenãosaber,que,naescola,tomavaaformadonãosaberler,mas,nassessões,mostrava-secomoumnãosabersobreasuamãeesobreassuasorigens.Épossívelperceberaítambémumamensagemdirigidaàanalista:nasaladeatendimento,Vitóriodemonstravanãoprecisardeóculosparaenxergaroquequeria,dandoaentenderqueeracapazdever,adespeitodassuposiçõesdaavóedopai.Alémdisso,nasbrincadeirasduranteassessões,Vitóriogostavaespecialmentedepegararmasedebrincardeati-rarnaanalista,amaioriadasvezesmirandoemseusolhos.Porvezes,arranhavaapoltronadasalaeamassavaumurso.Aobrin-carcombonecos,batiacommuitaforçaemdois:umbonecodecabelospretoseumabonecadecabelosbrancos,aqualelecha-mavade‘vovó’ede‘velhacoroca’.Vitóriojogavaessesbonecosparalonge,expressandosimbolicamentetodaaraivaquesepodesuporqueelesentiaporaqueles(paieavó)estaremescondendodeleahistóriadassuasorigens.Vitórioencontrou,assim,umes-paçoparaexpressaroquesentia,semqueissofossereprimidoe/outomadopelooutrocomo‘agressividade’(nosentidopura-mentenegativodessetermo).

O processo de construção de um saber em análiseComopassardassessões,Vitóriofoisemostrandocada

vezmaiscarente.Quandoterminavamosatendimentos,eledes-pedia-sedetodososbrinquedoscomosquaishaviabrincadoeafirmavasemprequehaviaperdidoalgumacoisa:aoportunida-dedebrincarcomoutrosbrinquedos,osjogosquedisputava,otempodasessãoetc.Alémdisso,tentavaansiosamentebrincarcomtodososbrinquedosqueexistiamnasala(tentandoevitarperdermaisalgumacoisa)equestionavainsistentementesobreotempodasessão,mostrando-sesempremuitotristequandoestaacabava.Muitasvezes,Vitóriochegouinclusiveatentarimpediroupostergarotérminodamesma:fingianãoouvirquandoeraanunciadoofim,demoravamuitoparaguardarosbrinquedose,àsvezes,tentavaprenderaanalistaàcadeiracomumaalgemade

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plásticooutrancavaaportadasala,guardandoachavenobolso,tentandodepoisjogá-lafora,comoformadeevitarquesaíssemosdali.Eletratavacadasessãocomosefosseaúltimaeperguntavarepetidamente:‘voumesmopoderbrincarmaisdapróximavez?’.Tambémnãoeraincomumeleperguntaràanalistaseamesmaestarialánapróximasessão–oque,noa posteriori,podemoslercomoummedodeque,talcomoaconteceucomasuamãe,elatambémsumisse.Nestemomentodotratamento,Vitóriodemons-travanãoestarpreparadoparamaisnenhumaperda.

Alémdisso,transferencialmente,Vitórioapresentava-senavertentedoamordetransferência(Freud,1996c):abraçavaforte-menteaanalistasemprequeaviaeaosedespedir,perguntavaseelaatendiatambémoutrosmeninose,certavez,aproximouumbonecodasuabocaefezobarulhodeumbeijo,dizendo‘eulhedeiumbeijo’.Outravez,quandofoinecessárioaanalistades-marcarumasessãoporqueiaviajar,eleperguntou-aseiaparaosEstadosUnidosencontraronamoradoe,porcausadisso,nãoiriaatendê-lo–valesalientarque,naépoca,estavapassandonate-levisãoumanovelaemqueapersonagemprincipalabandonavaumhomemparairparaosEUAembuscadeoutrohomem.Aale-gadaagressividadedeVitórioficavacadavezmaisdistantee,emseulugar,apareciaumafortedemandadeamor.

Comatransferênciaestabelecida,Vitóriopassouamos-trarcadavezmaisasuaquestão:queriaveralgumacoisa,masnãoconseguia,queriatestarsealguémconseguiaver,aomesmotempoemque,nassessões,escondiacoisaseescondia-se,sem-prepedindoparaaanalistaadivinharondeeleeascoisasqueeleescondiaestavam.Assim,parececlaraarelevânciadopar‘ver–nãover’navidapsíquicadeVitório,oquepodemoslercomoumaatualizaçãodapresença-ausênciadesuamãe,talcomoojogodofort-daobservadoporFreud(1996d).Aomesmotempo,Vitóriode-sejavaenãodesejavaver,achavaqueenxergavamelhorqueopaieaavóporqueconseguiaverparaalémdoqueessesdoisqueriamqueelevisse,masescondiaalgumascoisasdesipróprio,comoseelemesmonãoquisesse,ounãopudesseainda,vê-las.

Assuasbrincadeirasrevelavamesseestatuto:elegostavadeabrirefecharasportasdeumaestanteedeficarolhandooque

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tinhalá,comoqueprocurandoalgoquenuncativessevistoantes,alémdeàsvezesdizeràanalista:‘vocênãoestámevendo’,‘vocênãopodemever’.Assimcomotambémbrincavadeficarrepeti-damenteabrindoefechandoaspersianasdeumajanelacobertacompapeldeparedequetinhanasaladeatendimentoetentan-do,emvão,abri-la,postoqueeratrancada.Vitóriofaziaissoparatentarolharoqueestavadooutrolado;colavaosolhosnajane-laebuscavaenxergar,atravésdealgumasfalhasexistentesnopapeldeparedequearecobria,oqueestavaportrásdela,dizen-docomaflição:‘nãoconsigoveroquetemdooutrolado’.Dessaforma,parececlaratambémumaequivalênciasimbólicaqueVitórioestabeleceuentreveresaber:oquererver,queeleexpressavadi-retamentenassessões,apontavaparaumquerersabersobreasuamãe.ÉpossívelpensarquetaisaçõesdeVitório,dequererveroquenãodavaparaenxergar,consistiamemumarespostafan-tasmáticaaoenigmadoDesejodoOutro.Écomoseàpergunta“Quequeres?”(Che vuoi?),Vitóriotivesseforjadoaresposta“quemeprocures/quemevejas!”.

Dooutroladodajanelaqueseprestavaaessa‘brincadeira’deVitórioestavaasaladeesperadaclínicae,assim,semprequeVitórioeaanalistasaíamdasessão,eraparaessasaladeesperaquesedirigiam,afimdeencontraraavó,quegeralmenteestavaesperando-os.Mesmoassim,foiprecisoumtempoparaqueVitórioconcluíssequeaquiloeraooutroladodajanela.Otemposubje-tivonecessárioparaqueelepudesseperceberqueoqueestavadesesperadamentetentandovernãosereduziaaumobjeto,maseraapresençadeumaausência.Vitórioestavaàprocuradealgumsaberquepudessefazê-losimbolizaro‘sumiço’damãe.OfatodeVitórioterpodido,dealgumamaneira,perceberisso,aodizer,certavez,‘ah,éissoquetáportrásdajanela’,demonstraaimportânciadotrabalhoque,aolongodassessões,elefoifazendo.

Apartirdetaiselementos,podemospensarquea‘agressi-vidade’,relatadatantopelaavócomopelaprofessoradeVitório,referia-seaumabuscaincessanteporumaverdadequeasduastentavamtamponar:averdadesobreasuaorigem,averdadesobreasuamãe.Esteassuntonãoerafaladodemaneiraalgumaporninguém,constituindo,assim,umnãodito1quecolocavaVitórioparatrabalhar.Trabalhoquenãoeranemcompreendidonemacei-

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topelasuaavó,queestavaempenhadaemconvencê-lodeoutraverdade:adeque‘mãeéquemcria’eque,portanto,ela(avó)erasuamãe.MasVitórioqueriavermais-além,veroqueestavaportrásdisso,talcomoatuavanacenadajanela.Mas,nessatentati-va,sóenxergavaovaziodeixadopelosumiçodasuamãeepelafaltadepalavrasdopaiedaavó,eissoodeixavaatordoado.AavódeVitórioqueriafazê-locrerqueasuamãeohaviaesqueci-do,nãogostavamaisdeleeque,porisso,eledeveriaesquecê-laenãolembrarmaisdelatambém.Masesseeraum‘esquecimento’cujopreçoVitórionãoestavadispostoapagar.Estaeraaverdadedodesejodasuaavó,devidoaoabandonoqueestatambémso-freu,masnãoadodele.

EmdecorrênciadetaisatitudesdaavódeVitório,foramrealizadas,paralelamenteaotrabalhoqueestavasendodesenvol-vidocomele,algumasentrevistaspontuaiscomessamulher,nointuitodequealgumaretificaçãosubjetiva2fossepossível,afimdenãoinviabilizaraanálisedeVitório.Ealgunsprogressosforamobtidos:se,noiníciodosatendimentos,elaseapresentavacomodetentoradetodoosaberedetodaaverdade,apartirdealgumasintervençõesemanejos,elapôdesedepararcomaprópriafalta,oqueatornoumaistolerantecomasfaltasquepercebianoneto.Dentreosmanejosqueconsideramoscruciaisnessaescutaàavó,destacamosacolocaçãoemquestãodoporquêelahaviaescolhi-dosededicardeformatãointegralàcriaçãodosseusnetos–oquepossibilitouqueelafalassedograndedesejodeterumafilhamulher,dacolocaçãodamãedosmeninosnesselugar(filhaado-tiva)edadecepçãoquandoestaengravidoudoseufilhobiológicoe,maisainda,quandodecidiuirembora,abandonandoatodos.Outromanejoimportantefoiarespeitodaquestãodopagamen-to,naqualopreçoestabelecidopeloatendimentodeVitóriofoimaiordoqueoqueelahaviainicialmenteproposto–decisãoquefoimantidaadespeitodetodasassuascontestaçõeseameaças.Essefoiummanejoimportanteporqueabalouaposiçãodessamulher,queseportavacomodetentoradetodoosaberetodoopoder,especialmentediantedeVitório–oqual,frenteaela,so-menteconseguiaocuparaposiçãodenãosaber.HouvetambématentativadeescutaropaideVitório,atravésdaconvocaçãodesteaumadassessõesdofilhoouatédadisponibilidadedeumhorá-

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rioextraparaele.Masestehomemrecusouasduasofertase,portelefone,dissequenãotinhanadaafalar,alémdenãotertempodecompareceràclínica.

Um saber colocado em ato: a escolha de ir emboraImportanteapontarque,natransferência,Vitóriocolocava

aanalistaemumlugarmaternal–oqueexplicaoseureceiodequeelatambémodeixasse.E,curiosamente,eraoque,apósumanodeatendimento,estavaprestesaacontecer:aanalistairiasairdacidade,nãoteriacomocontinuaraatendê-lo.TalvezVitório,dealgumaforma,tenhapercebidoisso,pois,certodia,repentinamen-te,nãoquisiràsessão,coisaquenuncatinhaacontecidoantes.Nomomentoemqueissoaconteceu,poucashorasantesdases-sãomarcada,elecomunicouàavósuadecisãoenãocedeunemdiantedainsistênciadesta,coisaquetambémnuncaacontece-raantes,vistoqueaavótinhagrandeautoridadeparacomVitórioeelenuncaahaviadesafiadodeformatãoclara.AavódeVitóriofoi,então,aomeuencontro,comunicar-medadecisãodonetoemnãomaiscontinuarotratamento,afirmandoqueachavaquenãotinhaquemofizessemudardeideia.Nãoédemaissuporque,dealgumamaneira,Vitórioconseguiuanteverqueaanalistaestavaprestesairembora.Pois,segundoLacan(1998c),umadaspro-vasdequeoinconscientedosujeitoéodiscursodoOutroéofatodehaver“coincidências”entrecertosposicionamentosdosujei-toefatosdequeelenãoestáinformado,“masquecontinuamasemovernasligaçõesdeumaoutraexperiênciaemqueopsica-nalistaéinterlocutor”(p.266).AindadeacordocomLacan,Freud(1996e)haviachamadoessascoincidênciasdeumaformaespe-cialdetelepatia,aqualconsisteemumamodalidadenãohabitualdecomunicaçãoquepodesemanifestarnocontextodeumaex-periênciaanalíticaequesearticulaàexistênciadeumvínculoafetivoforte,comoéocaso,porexemplo,dovínculotransferen-cial(Bernardino,2004).

Nessesentido,julgamosteracontecidoumadessas“coin-cidências”entreadecisãodeVitóriodefinalizarotratamentoeanecessidadedaanalistaemsairdacidade(queaindanãotinhasidocomunicadaaVitório,masquetalvezpossatersidoantevistaporeledevidoaofatodeaanalistaterrealizadoalgumasviagenseremane-

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jamentosdehorários).Essasuposiçãofoilevantadaemsupervisãoeestáalicerçadanaconstataçãodeque,atéessemomento,Vitórionuncahaviaesboçadoodesejodedeixardecompareceràsses-sões–muitopelocontrário,conformeditoanteriormente,elesempretentavaprolongá-lasemostrava-semuitotristequando,poralgummotivo,asmesmaseramadiadasoudesmarcadas.

Dessaforma,diantedetalantecipaçãofeitaporVitórioe,frenteaoinsuportávelqueseriamaisesse‘abandono’,umarepe-tiçãoemsuavidaqueoconfirmarianolugarde‘abandonado’,oqueVitórioestavadecididoafazerpodeserlidoaomesmotempocomoumaantecipaçãoeumainversão–estaúltima,umdosdes-tinospossíveisparaapulsão,segundoFreud(1996b).Ao‘sumir’,Vitóriosituar-se-ianaposiçãoqueforatambémadasuamãe.Masessadecisãodeiremborasemsedespedirou,emoutraspalavras,de‘sumir’,ratificariaalgodaordemdeumacompulsãoàrepeti-ção.Porisso,apostandonapossibilidadedequeVitóriopudessefalarsobreessasuadecisão,simbolizá-la,e,apartirdaí,podernãoficaraprisionadonessadíade‘serabandonado–abandonar’,aanalistadecidiutelefonarparaeleedizerquequeriavê-loumavezmais.Eleconcordouecompareceuàsessãomarcada.Brincouduranteamaiorpartedotempo,masacabourevelandoterpen-sadoemnãoirmaisaliemostrou-seemdúvidasobreoquefazer:irounãoembora.Perguntouàanalistaseelacontinuariagostan-dodelemesmoqueelefosseembora–umparalelocomoqueaavóhavialhedito:quecomoasuamãesefoienãodavamaisno-tícias,nãogostavamaisdele.

Podemosavaliar,assim,noa posteriori,queomanejoreali-zadosurtiuefeitos:aocompareceramaisumasessão,Vitóriopôdefalardomedoqueeletinhadequeaanalistadeixassedegostardele(talcomooqueaavófalavasobresuamãe)etambémperguntar,nasentrelinhas,sepelofatodeamãeohaverabandonado,elenãodeveriamaisgostardela.Aanalistaafirmou,então,paraVitório,quenãoéporquedeixamosdeverumapessoaquedeixamosdegostardela,elapodecontinuarpresentenanossamemóriaemuitasvezescontinuamosasentirumgrandecarinho,mesmopelaspessoasqueestãodistantes.Aapostafoique,apartirdetalenunciado,Vitóriopoderiaressignificarsuahistória,apartidadesuamãeesuaposiçãosubjetivaemrelaçãoaisso,deixandodesesituarcomo‘abandona-

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do’,aqueleque‘perde’,‘nãovê’,‘nãosabe’.Aoouvirestaafirmação,Vitóriocomeçouachorar.Perguntousepoderialigarcasotivessevontade.Aanalistadissequesimeele,maisconfiante,escolheuirmesmoembora,deu-lheumbeijoeumabraço(oquenãopuderafazerquandosuamãepartiu)eencerroualisuaanálise–pelomenosnosentidodenãoconsiderarmaisnecessárioencontrar-secomaanalista,talqualadefiniçãodeFreud(1996f)notextoAnálise ter-minável, análise interminável.

Aofinaldestaúltimasessão,aanalistaeVitóriosedirigiramàsaladeespera,ondeaavódissequeVitóriojáestavaconseguindoleralgumascoisasenãoestavamaistão‘agressivo’–oqueparecesignificarqueeleestavaconseguindo,minimamente,noSimbólico,elaboraraperdaquetivera,demodoqueasatitudesantescon-sideradasagressivas,atravésdasquaisVitórioimaginariamentedesafiavaasuaavó,jánãoerammaistãonecessárias.

Algumas considerações sobre o casoPodemosconsiderarqueVitório,aoencontraroutraposi-

ção,diferentedadenãosaber,aonãoseconfirmarnolugarde‘abandonado’,fezumpercursodeanálisequeopermitiufazerumaescolhanãoforçada,emoposiçãoàescolhaforçadadaalie-nação–emqueosujeitosealienaaumOutro,permanecendoemumaposiçãodesubmissão.SegundoLacan(1964/1998),aesco-lhaforçadaéaquelanaqualqualquerquesejaaescolha,háumelementoqueseránecessariamenteperdido.Lacanexemplifica-apeloaforismo“abolsaouavida”:casoescolha-seabolsa,perde-seasduas,poissemavida,abolsanãotemnenhumvalor.Então,qualquerquesejaaescolha,abolsasempreseráperdida.Naes-colhaforçadatrata-se,portanto,deumaescolharestrita,naqualaúnicapossibilidadedesecontinuarvivendoéescolherumavidadecepadadabolsa–decepadapelasubmissãoaoOutro,pelaalienaçãoaoOutro.

Lacan(1964/1998)chamoudealienaçãoeseparaçãoasduasoperaçõesconstitutivasdosujeito.Porém,enquantodesig-nouaprimeiracomodestinodetodofalante,umaescolhaforçada,pelofatodeseraúnicapossibilidadedeexistênciadosujeito,ca-racterizouasegundacomonãosendodestino,umaescolhanão

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forçada,poisosujeitopodeescolhê-laounão,deacordocomomododesuarelaçãocomoOutro.NocasodeVitório,épossí-veldizerque,apartirdasuaanálise,elepôdefazerumaescolhanãoforçadanamedidaemqueconseguiuconstruirumsaberpró-prio,descoladodeumsaberreinante,queatéentãosubmetia-o.Sendoassim,afirmamosque,atravésdessaconstruçãoemaná-lise,Vitórioconfirmoualgodaoperaçãodeseparação,deixandodeestartotalmenteàmercêdosdesígniosdoOutro.Valeaindasalientarque,segundoLacan(1964/1998),aoperaçãodesepara-çãoéoquepermiteaosujeitoengendrar-se,constituir-secomotal.Nessesentido,consideramosqueaanálisedeVitóriopôdefa-voreceresseprocessodeengendramentosubjetivo–oqualétãoimportantenocampodaclínicacomcrianças,hajavistaqueumadasespecificidadesdainfânciaécaracterizar-secomoummo-mentodeconstituiçãodosujeito.

Assim,podemosdepreenderoutrasconsequênciasdessaescolhadeVitórioemrelaçãoaotérminodoseuprocessoanalítico:épossíveldizerque,peladecisãodeiremboraededeixaraana-lista,elerecusou-seaocupartantoolugardeassujeitado(fosseàmãe,àavóouatémesmoàanalista,pelatransferência)comoode‘abandonado’.Atravésdessarecusa,Vitóriopôde(re)estruturarsuafantasia,queaindaestavaseconstituindo,eefetuarsuaconstru-çãofantasmática3–oqueopermitiusefazervalerenquantosujeito,inscrevendooobjetocausadeseudesejo(objetoa)comoperdido,nãosubstancializando-onemnamãenemnaanalista.Issoporque,apartirdocaso,épossívelafirmarqueosintomadeVitóriodesi-tuar-secomoaquelequenãosabearticulava-seaumaformaçãodecompromissoentreinterrogar,masnãodesafiarcompletamen-te,aversãosegundoaqualeleforaabandonadoeesquecidoporsuamãe.Emoutraspalavras,nãosabersignificavaparcialmenteaceitarosignificante‘abandonado’enãocontestaraverdadequeestavasendoimpostasobreele.Duranteopercursodeanálise,porém,Vitóriopôdesimbolicamenteconstruirumsaberpróprioecolocaressesaberemato,quando,diantedapossibilidadedesermaisumavezdeixadoporumamulherqueiaembora,eleescolheuantecipar-seeencerraroseuprocessoanalítico.Consideramosqueo‘irembora’consistiuemumato,nosentidopsicanalíticodotermo,namedidaemquecomportou,aumsótempo,adimen-

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sãodaaçãoeadaintervençãosignificante,constituindoumdizerparaalémdaspalavrasquefoicapazdeabalarosentidodoquevinhasendoconstruídoatéentão.Poisoatoéumfeito,queporsuadimensãodecorte,inscrevenecessariamenteumanteseumdepois,suspendendotodaaordempréviadevidoàirrupçãodonovo(Guimarães,2009).Nessesentido,oatodeVitórioeviden-ciaamudançadeposiçãodosujeito.Alémdisso,pensamosqueesseatodeVitórioapontouparaumanovamaneiradeosujeitoposicionar-sediantedoOutro,poisoatosempreimplicaoOutro,namedidaemque,paraseconstituircomotal,precisaserteste-munhadoerecebidopeloOutro(Guimarães,2009).Porsuavez,essereposicionamentotemimplicaçõesnaconstruçãodafanta-sia($ ◊ a),quedizrespeitoaomodocomoosujeitoseconstituidiantedoOutro.

Dessaforma,atravésdoencerramentodoseuprocessoana-lítico,VitórioendereçouàanalistaumaquestãoqueécrucialnoprocessosubjetivodeseparaçãodoOutro:“podesmeperder?”.SegundoLacan(1964/1998),atravésdacolocaçãodessaquestão,osujeitopõeemjogoasuaprópriaperdaparaverificarafaltanoOutro,afimdecertificar-sedequenãoestáaprisionadonodesejodoOutroeque,portanto,podedeleseparar-se.OendereçamentodessaquestãoàanalistamostraqueVitórioestavatambémàsvol-tascomoprocessodeseparaçãosimbólica,jáqueestefazpartedaconstituiçãodosujeito.Assim,aanálisefavoreceuqueVitórioencontrasseumasaídaparaesseimpasse,dandoprovasdepodersuportarafaltadoOutroeefetivandoumcortequenosfazinterro-gar-nossobreapertinênciadesefalaremumfinaldeanálisenessecaso.Pois,anossover,talatodeVitórioevidenciaaconclusãodesseprocessodeanálise,oqual,apesardenãotersidoumfimdeanálisestricto sensu4,possibilitouaVitórioumdeslizamentonacadeiasignificanteeumreposicionamentosubjetivo:pelotrabalhodeanálise,ele,queocupavaolugardeabandonado,objeto-dejetonoDesejodaMãe,conseguiucolocar-seemoutrolugar.Oquesófoipossívelporqueaanalista,aofazersemblantedeobjetoa(naduplaacepçãodesteconceito:objetocausadedesejo,natrans-ferência,eobjeto-dejeto,aofinaldoprocesso)pôdefazeroperaroDiscursodoAnalista,talcomosistematizadoporJacquesLacan(1969-1970/1992):a→

S2∕∕S1

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Ondeselê:oanalista,colocando-secomoobjetoa(causadedesejoeobjeto-dejeto),ancoradonaverdadedeumsemissabersobreoinconsciente(S2),dirige-seaumoutrocolocadonaposiçãodesujeito($),convocando-oadesfilarossignificantesmestresdasuahistória(S1).Assim,aafirmaçãodequeoDiscursodoAnalistapôdeoperarnaanálisedeVitóriosustenta-seporqueoseutrata-mentopossibilitouaproduçãodenovossignificantesmestres(S1)quepermitiramaVitóriooutraposiçãosubjetiva,diferentedaapre-sentadanoiníciodoprocesso.PoisVitóriochegouaotratamentoanalíticoemumaposiçãodeassujeitamentoaodizerdaavó,mas,aolongodomesmo,implicou-sedetalmodocomasuaanálise,quedecidiu,atravésdeumatosingular,delasair.

EntreaentradaeasaídadeVitóriodoprocessoanalítico,decorreu-seumtrabalhoqueopermitiurepetirsua‘perda’,seu‘nãover’eseumedodesernovamenteabandonado–semquefossevisado,comisso,umaremissãosintomática.Coubetambémàanalistasuportar,darsuporteaessarepetição,postoqueelaéoquedefineosujeitonomaisíntimodoseuser.Alémdoque,Freud(1996a)jánosalertouquearepetiçãoécondiçãoconstitutivadopróprioamordetransferência,oqual,porsuavez,podeconverter-seemmolamestredaanálise.Assim,foiapartirdatransferênciacomorepetição/atualizaçãodarealidadedoinconsciente(Lacan,1964/1998)queVitóriopôdetrabalhareconstruirumsabercolo-cadonolugardeverdadeparaosujeito–umsaberquese,porumlado,nãoécompleto,poroutrolado,pôdepermitiraVitórioescre-verumaoutrahistória.

SegundoRosa(2000),asupressãodesignificantesdahistóriadacriançaconstituiumnãoditosoboqualsefundaumarepeti-ção,poisseconstata,naclínicapsicanalítica,queacriançarepete,comsuasaçõesesintomas,oquenãofoiditoporseuspais.Dessaforma,oqueaanálisepossibilitouaVitóriofoiumamaneiradesim-bolizaroquenãoeraditocompalavras,ouseja,aausênciadasuamãeeasimplicaçõesdasuapartida.Nessecasoemparticular,Vitóriopôde,aolongodoseuprocessoanalítico,atravésespecial-mentedassuasatuaçõesebrincadeiras,elaborarumsabersobresuahistória,descoladodosaberdasuaavóedoseupai.Alémdisso,Vitórioconseguiuperceberqueoqueestavaprocurandocomoseuolharnãoeraalgoquesepodever,masdiziarespeitoàconstru-

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çãodeumsaberqueestivessearticuladocomasuaverdade.Pois“oolharcomoobjetopulsionalnãoéovisível,éoquenãosevê”(Fingerman,D.eDias,M.M.,2005,p.84),sendoesseinvisívelquefazcomqueosujeitosigasempreembuscadeumobjeto,natri-lhadodesejo:umobjetoque,aomesmotempo,assimcomofaziaVitório,dar-seavereseesconde(oobjetoa).Adiferençaéqueseosujeitosecolocanessabuscasimplesmentecomoobjeto-deje-to,háumapetrificaçãosubjetivaquefazentraveaodeslizamentodacadeiasignificante,oqueimplicaumarepetiçãodomesmoquepodechegaraparalisarosujeito–posiçãodaqualVitóriopareceterpodido,atravésdaanálise,minimamentesemover.

Finalmente,acercadainterrogaçãosobreapossívelequi-valênciaentreaconclusãodesteprocessoanalíticoeoqueseconcebecomosendoumfinaldeanálisecomcrianças,argumen-tamosque,seoqueseesperadeumaanáliseéque,aoseufinal,seproduzaalgodaverdadedosujeito,nãosepodedesprezarapassagemqueseoperounestecasodeumsofrimentomudoepassivoaumnadamaisadizer,decantadodainserçãodosujeitonadialéticadodesejo.Ofatodeomomentodeconcluirrequerersempreumaantecipaçãológica(Lacan,1998b)indicaquenãoénecessáriolevarumaanáliseatéoseulimite,nãoépertinentees-perarquedelaseproduzaumsaberexaustivo,semfalhas,masapenasque,dessesaber,osujeitopossaviraconstruirumsaber-fazer,umsaberlidar,comosintoma(Vidal,2001).ComrelaçãoaosefeitosdessaexperiêncianofuturodeVitório,contentamo-nosemdizer,comLacan(1967/2006),quecadaumteráaliberdadeparademonstraroquefazcomosaberquedaexperiênciaanalíticadecanta.E,nessesentido,épossívelconsiderarquetodofinaldeanálisemarca,aomesmotempo,ofimdeumcomeço(oquejáfoifeito)eocomeçodofim(oquesefaráapartirdoquefoifeito),jáqueumaverdadenuncadizsuaúltimapalavra.ComojádiziaFreud:análiseterminável,análiseinterminável...

Notas1. DeacordocomRosa(2000),onãoditoconsisteemalgoque

afamíliaseesforçaporesconderoudeixaresquecido,nãootransmitindoformalmenteàscrianças.Ointeressanteéque,aindaassim,algosetransmiteenãoraroérepetidopelas

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criançasdessasfamílias,convertendo-seemsintomas.NocasodeVitório,essesintomaeraseualegado‘nãosaber’esuabuscaincessanteporalgoqueelenãoconseguiaver.

2.Retificaçãosubjetivaéareviravoltasubjetivanecessáriaparaqueosujeitoseimpliquenasuaqueixa,reconhecendoadimensãodeescolhapresentenoseusintomaecomoconcerneparaasuafabricação.

3.Construção fantasmáticadiz respeitoà (re)construçãodafantasia fundamentalpossívelpelo trabalhodeanálise.Afantasiafundamentalérepresentadapelomatema$◊a,quesignificaaposiçãoqueosujeitoocupouestruturalmentefrenteaoOutro–posiçãoqueéessencialmentedeobjetoa.Emumaanálisepropriamentedita,épossívelaosujeitoatravessarestafantasia,seexperimentandonosdoispólosdafórmula:sujeito($)eobjeto(a).ParaLacan,éesseatravessamentoquedizdoencerramentodeumaanálise.Porém,NicolaueFigueiredo(2008)afirmamqueumadasespecificidadesdaanálisecomcriançaséofatodequeestadizrespeitonãoaumatravessiadofantasma,comoseriapossívelesperarnumaanálisecomadultos,massimàconstruçãodeste.

4.Análisestricto sensuéaquelaqueproduz,aoseufinal,umanalista.Nocasodapsicanálisecomcrianças,Laurent(1994)afirmaque,pelaimpossibilidadedacriançaseconverteremumanalista,oqueéválidoesperaraotérminodoprocessoanalíticocomelaséqueosujeitofaça-seresponsávelporseugozo,fazendoumpercursodeseparaçãoemrelaçãoaogozodoOutro,demodoqueseucorponãomaissejaoferecidocomocondensadordegozodamãe,paraqueacriançaconsigaconstruirumaficçãoqueapermitaresponderàperguntasobreogozodamãe.Nessesentido,consideramosqueVitóriorealizouumpercursodeanáliseque,aopermitir-lheexperimentaralgodogozode‘irembora’dasuamãe,chegouaomomentodeconcluir.

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Recebido em 11 de maio de 2009Aceito em 23 de maio de 2009Revisado em 07 de junho de 2009