Post on 18-Jan-2019
O desdobrar da lei: diálogos e ideias para a implementação de uma política habitacional
em São Paulo no começo do século XX
PHILIPPE ARTHUR DOS REIS1
Resumo
O presente paper apresenta o embate travado entre vereadores da Câmara Municipal de
São Paulo no ano de 1907 sobre os diferentes modelos de implementação de uma política
para a construção de casas voltadas à população pobre da cidade, dado que se agravou
pela indisponibilidade das mesmas o crescente preço dos aluguéis. Como medida de
intervenção, o poder público municipal percebe a necessidade de agir por meio da
implementação de uma lei que fosse de encontro à problemática. Assim, a lei 1.098 de 08
de julho de 1908, de autoria do vereador Affonso Celso Garcia da Luz, teve como
principal eixo a concessão de “favores para a construcção de casas operárias”.
Não buscamos tomar esta lei como um objeto pronto, que simplesmente respaldou a
intensificação da construção civil na cidade de São Paulo, mas de nos atentarmos aos seus
processos de debate e interlocução de ideias dos sujeitos envolvidos na sua elaboração
em diálogo com a literatura internacional sobre a moradia para as populações mais pobres.
Percebe-se que os sujeitos ligados à Câmara Municipal paulistana do começo do século
XX possuíam um profícuo interesse e conhecimento das experiências urbanas de outras
cidades, notadamente francesas e alemãs, os quais estabeleceram um intenso diálogo
através de ações já realizadas, e como estas poderiam dialogar com os problemas urbanos
da capital paulista2.
A cidade e a lei: questões historiográficas
A legislação urbana tem sido encarada como um importante material para a
compreensão das ações governamentais acerca da história das cidades, sobretudo por
1 Doutorando em História, Universidade Estadual de Campinas. 2 Este trabalho é resultante do desdobramento do texto “Propostas de habitação para São Paulo: Celso
Garcia e os embates na Câmara Municipal” apresentado no III Seminário Urbanismo e Urbanistas no Brasil,
em setembro de 2017, na cidade de Recife. Disponível em: <http://www.lup-
ufpe.net.br/3suub/anais/3SUUB_anais.pdf>, acesso em 28.04.2018
trazer em perspectiva os desdobramentos políticos, econômicos, sociais e culturais que
estavam congregados em sua época de promulgação e vigor. Atrelado a este debate, o
conjunto de leis, decretos e códigos que orientavam os modos de construir e morar nas
cidades foram largamente explorados pela historiografia, sobretudo para se compreender
em que medida estavam interligadas aos processos de transformação do espaço urbano e
de atender aos interesses de determinados grupos.
Podemos dizer que a legislação urbana se tornou um paradigma para os estudos
históricos urbanos, utilizadas largamente como um “documento fiel” de uma época que
evidencia seus agentes e as intenções relacionadas, o que também permitiu evidenciar
conexões de diferentes sujeitos no processo construtivo e de intervenção nas cidades, seja
ligado ao mundo público e privado. Ao encararmos as leis que regularam as intervenções
urbanas das cidades modernas, percebemos o peso das mesmas sobre a materialidade
construída, a exemplo dos diferentes programas e partidos edilícios, como casas, fábricas
e edifícios comerciais, e mesmo em áreas públicas como ruas, praças e avenidas,
permitindo percebermos sua dimensão como um conjunto de normas regulador da
sociedade, e ao mesmo tempo carregada de ideologias dos grupos que estiveram
envolvidos em seu processo de elaboração.
A historiografia sobre a urbanização das cidades brasileiras avançou
consideravelmente ao trazer em evidência o papel da legislação no processo de
implantação e adequação de serviços sanitários, pagamentos de taxas, compra e venda de
lotes, e principalmente em torno da construção de edifícios voltados à morada, com
regulações, normas e decretos que orientavam suas dimensões, altura, materiais a serem
empregados, utilização de seus espaços. Com a intensificação das migrações e o aumento
populacional nas cidades, a habitação tornou-se o centro das atenções de debates políticos
e científicos na segunda metade do oitocentos, encarada como espaço privilegiado do
aumento de doenças como tuberculose, tifo e febre amarela, e a consequente baixa do
operariado empregado, medo que capitalistas, industriais e mesmo os profissionais da
cidade3 possuíam. Assim, a promulgação de muitas leis ia de encontro às prescrições
médico-científicas, interferindo nos modos de construir e planejar as cidades, como
3 Sobre o conceito, ver CERASOLI, 2004.
relatado por Peter Hall sobre a cidade de Londres que contou com um extenso conjunto
de normas aprovado ao longo da segunda metade do século XIX, como a “Lei Torrens
(Lei para Moradias de Artesãos e Operários, de 1868), que permitia às autoridades locais
construírem novas moradias para as classes trabalhadoras, e Lei Cross (Lei para a
Melhoria das Moradias de Artesãos e Operários, de 1875)” e mesmo a “Lei para Moradia
das Classes Trabalhadoras de 1885” ou a ampliação da antiga “Lei para Casas de
Cômodos, de 1851” (HALL, 2013: 26). O conjunto de normas londrino recaía sobretudo
em áreas que contavam com as casas habitadas pelas classes trabalhadoras, o que dava a
impressão de que “o parlamento vitoriano iria tolerar o socialismo municipal no setor da
habitação” (WOHL, Apud, HALL, Idem), e assim, resolver os problemas referentes à falta
de moradia na cidade, mas que efetivamente suas autoridades locais não realizaram muito
para suprir as grandes demandas por habitação que havia na Londres do final do
oitocentos4.
São Paulo e outras cidades latino-americanas também estiveram envolvidas no
processo de elaboração de normas jurídicas que fossem de encontro às novas obras e
reformas de edificações realizadas ao longo da segunda metade do século XIX,
principalmente pela atenção ao aumento populacional que a cidade teve, de pouco mais
de 65 mil pessoas passa a 240 mil em menos de três décadas5. Sobre a historiografia que
se preocupou em destacar como o conjunto de leis promulgado na cidade e Província
(posterior Estado) estabeleceram diálogos com as questões sanitárias e de cunho estético,
percebe-se que muitas vezes chamou atenção ao papel de intervenção (e de domínio) das
elites nesse processo, diante de uma suposta passividade da população pobre e mesmo
dos setores médios, interpretados muitas vezes como grupos que aceitavam o conjunto de
normas estabelecidas e não possuíam poder de voz nas dinâmicas sociais e políticas, e
4 É de se destacar que ao mesmo tempo que havia a atenção à situação de moradia das classes pobres, se
construía um discurso de sua identificação como o “perigo da cidade”, sinônimo que se evidencia em
diversas cidades, inclusive brasileiras. Peter Hall coloca que “o verdadeiro terror que dominava a classe
média (...) era de que a classe trabalhadora se sublevasse. E em parte alguma esse medo era maior do que
nos meios governamentais” (HALL, Op. Cit, p. 29). Ver também o capítulo 4 “Os operários, a moradia e a
cidade no século XIX”, em PERROT, 1988. 5 Em 1872 a cidade de São Paulo apresentava uma população de 31.385 habitantes. 18 anos depois, em
1890, alcançou 64.934, e na virada para o século XX, em 1900, 239.820 pessoas, com uma taxa de
crescimento que atingiu a marca de 14%. Em 1940 a cidade já possuía 1.326.261 habitantes, mais que o
dobro de 20 anos antes, com 579.033.
nesse caso, no processo de elaboração das leis, sem fazer oposição ao baronato do café,
lugar comum para se referir aos grupos com maior poder aquisitivo da cidade.
Estudos como o de Raquel Rolnik (1997), Marta Dora Grostein (1987), Carlos
Lemos (1999) e Cândido Malta Campos (2000) trouxeram ao debate o papel da legislação
no processo de ordenamento urbano de São Paulo, destacando como seus agentes
produtores estiveram envolvidos na construção da cidade e como agiam diante das leis
promulgadas desde o último quartel do século XIX, existindo muitas vezes um caráter
teleológico às interpretações históricas. Segundo Cerasolli e Carpintéro:
“Nesses trabalhos, seus autores se preocupam com o futuro das cidades, ou
seja, o estudo da história constitui um aporte pragmático em apoio de suas
próprias pesquisas sobre “a evolução urbana” nos diferentes momentos das
modificações na arquitetura, nos processos construtivos e no traçado da cidade.
A ênfase recai na busca de respostas e soluções capazes de diminuir as “tensões
sociais” inerentes ao crescimento desmesurado das cidades. Este é o traço que
estrutura também os estudos voltados para a questão da habitação popular no
Brasil” (CERASOLLI e CARPINTÉRO, 2009: 69).
Desde a promulgação do primeiro Código de Posturas da Cidade, em 18736, até o
Código de Obras Arthur Saboya7 em 1929, a historiografia se ateve ao impacto normativo
da construção de casas para as populações mais pobres, também chamadas de “casas
operárias”, em virtude dos padrões mínimos estabelecidos para moradia na cidade8. Essa
preocupação do poder público se manifestava essencialmente pelo déficit habitacional
que existia na cidade, e que era regulado principalmente pelo mercado de aluguéis, visto
que poucos eram os proprietários de residências na cidade. Seria a partir da década de
1930 com a regularização da aquisição e construção de casas pelas Caixas de
Aposentadora e Pensão que a moradia foi encarada como um efetivo projeto de Estado,
ainda que não alcançasse a universalização da habitação, estampou-se um salto na
6 Os códigos de posturas estabeleciam normas que regulamentavam o desenvolvimento urbano e
administrativo dos municípios, de modo que aqueles que infringissem a legislação e seus regulamentos
seriam respondidos com penas. Para a cidade de São Paulo, o primeiro código foi substituído por uma nova
versão em 1875, e em 1886 outro fora aprovado pela Câmara Municipal. 7 Lei n. 3427 de 19.11.1929. 8 Apesar do conceito atribuir o local de moradia ao operariado, não significava necessariamente que tais
habitações serviam exclusivas para esta camada profissional, visto que também atendiam aos mais diversos
profissionais. O conceito ia de encontro ao padrão mínimo que devia ser construído, o que pode ter auxiliado
a forjar a identificação de determinados bairros como “operários”, como o Brás. Ver o item “Entre as casas
de operários, as casas de padrões mínimos e a máxima ocupação do lote” em nossa dissertação de mestrado:
REIS, 2017.
produção de “estratégias para o enfrentamento da produção em massa de moradias, com
processos construtivos racionalizados” (ARAVECCHIA-BOTAS, 2016: 16).
Outras leis e códigos9 que versavam sobre a construção de moradias em São Paulo
para as populações mais pobres na passagem do século XIX para o XX também foram
exploradas pela historiografia, encaradas muitas vezes como um objeto pronto de
políticos, da elite e dos profissionais da cidade, sem que houvessem conflitos e mesmo
debates até sua promulgação final, além da não manifestação da população diante das
normas estabelecidas. Tais leis, serviram para uma compreensão linear da história da
urbanização paulistana, vistas como exemplos de um projeto vencedor das elites que
estavam no poder, e logo, de uma simples forma de manutenção e controle das massas a
fim de uma suposta uniformidade estética da cidade. Nesse sentido, para Raquel Rolnik,
que procura fazer uma “operação desmonte” da legislação urbanística paulistana, enxerga
que “sua ineficácia em regular a produção da cidade é a verdadeira fonte de seu sucesso
político, financeiro e cultural, em uma cidade em que riqueza e poder estiveram
historicamente bastante concentrados”, denotando ao seu período de estudo (notadamente
entre 1886 a 1936) um profundo anacronismo e não compreensão das relações de poder
e de embates dos sujeitos apresentados, visto que para si, “as bases do populismo e
clientelismo – tão fundamentais para entender a política urbana brasileira até hoje –
[naquele tempo] foram lançadas” (ROLNIK, 1997: 14).
Nesse debate, encaramos a lei 1.098 de 1908 sobre a concessão de favores para a
construção de casas operárias como um dispositivo que buscou favorecer a intensificação
da produção de residências em massa na cidade de São Paulo, atendendo sobretudo os
interesses dos setores médios em explorar esse mercado, e ao mesmo tempo investigar os
indícios de diálogos que o corpo técnico e político ligado à administração pública da
cidade possuíam com outros sujeitos que experenciavam transformações urbanas de
outras partes do Brasil e do mundo. Comumente, as obras que tratam sobre a experiência
de se construir na cidade tomam essa lei exclusivamente como um dos primeiros passos
para a dinamização da construção de habitações na cidade. Rolnik por exemplo a enxerga
9 A exemplo podemos citar os Códigos Sanitários do Estado de São Paulo para os anos de 1894, 1911 e
1918; o já citado Padrão Municipal de 1886; a Lei Municipal nº 315 de 14.08.1897; Lei Municipal nº 498
de 11.12.1900; Lei nº 553 de 14.11.1901; Lei nº 604 de 13.09.1902; Lei 1098 de 08.07.1908.
como um dispositivo simbólico que respaldou o modo de se construir na capital paulista
e que garantiu a exclusividade de determinados espaços serem destinados para as elites,
o que seria a chave para a compreensão de uma demarcação social do território de uma
cidade segregada e feita por e para os integrantes da elite financeira10. Para a arquiteta, “a
Lei, ao definir que num determinado espaço pode ocorrer somente um certo padrão, opera
o milagre de desenhar uma muralha invisível e, ao mesmo tempo, criar uma mercadoria
exclusiva no mercado de terras e imóveis” (ROLNIK, 1997: 47), e desse modo, a lei 1.098
apenas corroborava o lugar comum de ser parte de uma sucessão de outras leis que definia
os lugares das camadas sociais da capital paulista. Já Eva Blay, apesar de se referir aos
debates políticos que estavam em jogo no processo de construção da lei, não percebe as
relações que a lei estabelecia com a situação de moradia de outras cidades, enxergando
ao menos que este tema voltou a ser debatido na Câmara Municipal apenas em 1905,
quando o vereador Celso Garcia alega que a solução da moradia operária caberia ao
Estado, no caso com o projeto nº 40 de sua autoria e que daria origem à lei 1.098, com a
proposta de captação dos “recursos provenientes de fundos reunidos pelos operários, para
seu próprio uso” (BLAY, 1996: 96), no caso, para a construção de vilas operárias.
Nabil Bonduki é quem consegue expandir a discussão acerca dos mecanismos que
estiveram entrelaçados na lei 1.098, percebendo que desde o Império, existiram várias
iniciativas do poder público para facilitar a construção de moradias para operários. Fora
a lei 493 de 1900, que previa isenção de impostos municipais para viabilizar a construção
de vilas operárias fora do perímetro central, o arquiteto enxerga na lei de 1908 a
reafirmação da lei anterior, quando a Câmara Municipal deixa clara sua intenção de
estabelecer diálogo com o Congresso Legislativo Estadual e ao Congresso Federal para
que a medida fosse ampliada e houvesse um maior investimento de outras instâncias fora
a municipal no processo de construção de “casas baratas e higiênicas e às sociedades de
10 Em oposição podemos destacar o trabalho de Paulo César Garcez Marins em torno do processo de
urbanização dos bairros de Higienópolis e Campos Elíseos, considerados de “elite” pela historiografia.
Surgidos a partir da ação dos imigrantes Frederico Glette e Victor Nothmann no final do século XIX, os
bairros foram associados como redutos de pessoas endinheiradas frente ao elemento estrangeiro, discurso
originado a partir de textos de caráter memorialísticos, que foram incorporados na produção historiográfica,
gerando “uma dimensão imaginária relativa à cidade, formada por diferentes circuitos de representações
coletivas somadas”. MARINS (2011: 210). Ainda sobre o debate acerca das disputadas das elites e das
memórias aí construídas, ver MARINS, 2016.
crédito que facilitassem a compra ou construção dessas casas” (BONDUKI, 1998: 41),
concordando com Blay que a moradia no começo do século XX foi um problema entregue
à iniciativa privada por meio da ação do poder público.
Desdobramentos de uma nova lei para a cidade: troca de ideias e relações com
o urbanismo internacional
A Lei 1.098, de 08 de julho de 1908, decretada pelo prefeito interino Raymundo
Duprat11, tinha em alguns de seus artigos12:
“Art. 1º - As casas destinadas a serem alugadas ou vendidas em prestações a quem
não seja proprietário de casa e não tenha recursos para alugar uma hygienica separada, ficam
isentas, durante 15 annos:
a) De todos os impostos municipaes, sobre aprovação de planta e alvará, sobre a
construcção e reconstrucção, terreno, calçada, alinhamento, andaime e cerca, abertura de
calçamento, da mesma casa;
b) De taxa sanitária;
c) De foros, laudêmios e outras despesas, si os terrenos forem foreiros á
Municipalidade.
Art. 2º - A Camara Municipal, em representação ao Congresso Legislativo do
Estado, pedirá, além de outras concessões que elle julgar convenientes, em favor dessas casas,
isenção, por 15 annos, de impostos (...)
Art. 3º - A Camara Municipal, em representação ao Congresso Federal, pedirá, além
de outros favores que elle julgar conveniente (...)
Art. 4º - Ás associações que construírem maior número dessas casas, a Prefeitura
distribuirá, em prêmios, proporcionalmente vinte contos de réis, sendo o mínimo de vinte
casas
Art. 5º - Para ter direito aos favores desta lei, o proprietário não poderá, á vista do
contracto que será lavrado:
a) Cobrar de aluguel, mensalmente, quantia excedente ao juro anual de 12
por cento sobre o capital effectivamente applicado, descontadas desta, em cada anno, as
amortizações no caso de venda;
b) Cobrar, pela venda, quantia superior ao valor do terreno e da
construcção na data da compra desse terreno e edificação, ou da adaptação do prédio para
a habitação de pobres e operários;
11 Na época o prefeito oficial da cidade era Antônio da Silva Prado, que esteve à frente da administração
municipal entre os anos de 1899 a 1911. 12 O texto pode ser conferido na íntegra em: <https://goo.gl/4o1FRD>, acesso em 28.04.2018. Na
transcrição foram mantidas as referências escritas tal qual no documento.
c) Construir casas e mantel-as sem observancia rigorosa das regras de
hygiene, a que seja obrigado, de accordo com as leis em vigor;
d) Alterar os typos ou compartimentos da casa que forem estabelecidos
por lei;
e) Receber dinheiro, a qualquer título que seja, para dar preferencia a um
inquilino;
f) Requerer despejo, sem aviso anterior, no mínimo de sessenta dias;
g) Alugar ou vender a casa a quem não se obrigou expressamente á
observancia desta lei.
Art. 6º - Provada em qualquer tempo a violação de alguma das disposições desta lei,
ficam cassados todos os favores concedidos, mandando a Prefeitura cobrar todos os impostos
municipaes anteriores.
Art. 7º - Fica a Prefeitura autorizada a fazer concessões de terrenos municipaes, em
logares apropriado e salubres, a particulares, empresas ou associações regularmente
constituídas, que se propuserem á construcção de habitações baratas e hygienicas, mediante
contracto, de acordo com as disposições desta lei.
Art. 8º - Os favores criados pela presente lei só serão concedidos ás casa hygienicas
e baratas, que forem construidas posteriormente á promulgação desta lei e que estiverem de
accordo com o padrão municipal.
Art. 9º - A Camara oportunamente legislará sobre a fundação da “Assistencia Publica
Municipal”, para crianças e pobres, á semelhança das instituições-modelo dos paizes
civilizados, solicitando o auxilio do governo do Estado para tão útil instituição. (...)”
Apesar da lei permitir sua compreensão como um dispositivo do poder público
encarar a problemática da habitação, que seria financiada pela iniciativa privada a partir
do usufruto de benefícios fiscais, antes de ser decretada, um intenso debate entre os
vereadores pôde ser observado quando analisamos os pareceres originais da Lei, os quais
evidenciam uma multiplicidade de agentes envolvidos na trama, além dos embates e
discussões travadas na tribuna com os pareceres da Câmara adota sobre o tema. Partindo
da assertiva de Carlo Ginzburg, sobre a necessidade de se “examinar os pormenores mais
negligenciáveis” e da necessidade de se basear “em indícios imperceptíveis para a
maioria” (GINZBURG, 1989: 144-145), encaramos a lei 1.098 com outro prisma além
do que foi abordado: de não interpretá-la sozinha, mas de compreender seus impactos na
produção material da cidade, e não apenas como um desdobramento linear das normas
jurídicas que ora foram encaradas como uma forma de segmentar a população da cidade,
e assim, prever o afastamento da população mais pobre dos ricos, ou como uma criação
exclusiva dos políticos e técnicos ligados à municipalidade, sem que houvesse uma
circulação de ideias entre estes sujeitos pelo mundo.
A partir da leitura do processo que deu origem à lei nº 1.098 de 30 de junho de
190813, algumas considerações são importantes para situarmos sua complexidade:
1 – Trata-se de um projeto de lei que envolveu uma longa disputa de distintos grupos na
Câmara Municipal de São Paulo;
2 – Teve como base o intercâmbio de ideias do exterior, seja da experiência de outras
legislações que favoreceram a iniciativa privada no processo de construção de moradias
operárias, seja no diálogo com intelectuais, empresários e profissionais da cidade
envolvidos com a questão da moradia popular.
3 – O projeto vai de encontro às relações que os pequenos proprietários de capital privado
tinham com a Câmara Municipal, permitindo a relativização do lugar comum de entender
os primeiros anos da República como um tempo no qual a elite cafeicultora comandava a
política de então.
Buscamos focar no segundo tópico, para que possamos vislumbrar a circulação
de ideias sobre a construção de moradias populares em diversos países, e assim,
encararmos a problemática da habitação como uma questão transnacional, que não se
encerrava na capital paulista no começo do século XX, além de perceber em que medida
estas experiências foram debatidas e possivelmente incorporadas na Câmara paulistana.
Procuramos fugir do lugar comum de que o urbanismo brasileiro simplesmente
incorporou ideias do estrangeiro, mas de compreendermos como a partilha destas ideias
eram comuns entre os profissionais da cidade e mesmo com os políticos de então, visto
que a correspondência de suas produções (escritas, materiais, iconográficas) circulavam
com um grande dinamismo já no começo do século XX. Segundo Maria Stella Bresciani,
“o levantamento dos problemas urbanos e de como foram enfrentados com bons ou maus
resultados pelas autoridades locais de várias cidades do mundo configura um
procedimento protocolar presente em vários autores da segunda metade do século XIX e
século XX” (BRESCIANI, 2014: 256), assertiva que vai de encontro às nossas
preocupações de se compreender a constituição de uma ideologia dos proprietários de
13 Depositada no Arquivo Histórico de São Paulo, Fundo: Prefeitura Municipal de São Paulo; Série:
Legislação; Caixa: 09.
pequeno capital privado14, associado às experiências de urbanização das cidades do final
do século XIX e começo do XX.
O projeto de lei é composto por diferentes materiais que tratam da temática da
situação habitacional em São Paulo no ano de 1908: o parecer do prefeito Antônio da
Silva Prado; sua correspondência com o Diretor de Obras e Viação, Victor da Silva Freire;
recortes do jornal carioca A Imprensa; reprodução da lei com todos seus artigos
(parcialmente descritos acima); os originais da lei escritos à mão; e o parecer das
Comissões de Justiça, Obras e Finanças acompanhado de um substitutivo escrito pelo
relator Bernardo de Campos, membro da Comissão de Finanças, que analisaremos com
maior acuidade. Com 49 páginas, o parecer contém uma série de considerações acerca
da situação da moradia no Brasil e no mundo, trazendo à tona experiências urbanas de
intervenções do poder público e privado no que concerne à construção de habitações
baratas nas regiões de Hesse, Prússia, Baden, Baviera, Renânia, Lennep, Saar (Sarre) e
Saxe na Alemanha, além das cidades de Bochum, Sttutgard, Nuremberg, Hamburgo,
Düren, Geldern, Rees, Xanten, Dillingen, Düsseldorf, Aix-la-Chapelle, Berlin, München-
Gladbach, Barmen, Frankfurt, Dantzig, Leipzig, Essen, Kettwig, Schiefbahn, Colônia,
Altena; Paris, Lion, Rouen, Reims, Amiens, Marselha e Mulhouse, na França; Dublin, na
Irlanda; Milão, na Itália; Saint Louis; nos Estados Unidos, Londres, na Inglaterra; Buenos
Aires, na Argentina; e na capital federal, o Rio de Janeiro. O relator apresenta uma série
de dados, contas e referências literárias que dão fôlego à situação habitacional
principalmente nas cidades europeias e que estabelecem diálogo com a demanda por
moradia que havia em São Paulo até o ano de 1908, ocasionada pela intensa leva de
imigrantes que se estabeleciam na cidade.
Encarada como uma forma de moralização do cidadão e “fornecer a necessária
educação moral e intellectual, e favorecel-o com o possível bem estar, doptando sua
habitação com os requisitos da salubridade e hygiene”, o parecer foi o resultado de dois
projetos de leis que tramitaram na Câmara Municipal: um, o projeto número 39, de autoria
dos vereadores Carlos Garcia, João Amarante e Raymundo Duprat, e o número 40, de
Affonso Celso Garcia da Luz, que saiu vencedor por abranger a problemática da habitação
14 Também conhecidos como setores médios, pequena burguesia, setores intermediários, etc.
como um desafio a ser encarado pelo município, estado e governo federal, por meio da
isenção de impostos por 15 anos àqueles que edificassem as residências voltadas para as
camadas mais pobres, ao contrário do outro projeto que circunscrevia os benefícios fiscais
por cinco anos.
Para a introdução do projeto de construção de casas baratas para “abrigo de
operários e pessoas desfavorecidas da fortuna”, considerada um dos problemas sociais de
“mais palpitante actualidade em todos os paizes prósperos e de maios desenvolvimento
industrial”, como França, Alemanha, Inglaterra, Rússia e Bélgica, pois vinham estudando
o caso com “carinhoso cuidado, procurando cada um dar-lhe uma solução positiva,
prática”, o relatório tece um panorama da situação habitacional nestes e em outros países,
exemplificando como o Estado e a iniciativa privada encararam a situação, sobretudo por
meio da atenção de escritos de economistas, médicos, engenheiros e empresários, o que
indica não apenas o conhecimento daquilo que estava sendo produzido
internacionalmente, mas o aprimoramento e conexão de ideais que estavam em curso.
Apesar de ser o principal ponto de discussão, no relatório de Bernardo de Campos
a moradia está atrelada à outros bens e serviços como alimentação, vestuário, saúde e
transporte, de modo que estes itens estejam acessíveis àqueles que usufruírem das
habitações, e auxiliem na chamada “educação moral e intelectual” dos residentes nas
habitações operárias. A casa, seria então o espaço que congregaria a proteção dos
residentes, e fornecer um possível bem-estar, sobretudo diante dos inúmeros cortiços que
haviam na cidade, e que comumente eram denunciados por Celso Garcia em seus
discursos na Câmara Municipal. Assim, o relatório apresenta como primeira referência
não uma obra que respalde a situação da condição da moradia das populações mais
pobres, mas que reitere a visão de que era necessário ensinar as classes trabalhadoras a
portarem-se pelos modelos de vida burguesa, através das referências ao ensaísta Emílio
Castelar, presidente da Espanha entre 1873 e 1874, que em um de seus textos15
argumentava
15 A referência cita seu discurso sobre a Liberdade e o Trabalho, além do Discurso sobre o Socialismo,
que, entretanto, não encontramos referências externas sobre os mesmos.
“que o povo, neste século de sua emancipação, precisa antes de tudo alimentar
sua alma com uma moral e sabia educação que lhe mostre, onde se escondeu
as escolhas contra os quais se quebram os seus direitos (...) educar ao operário
e aos filhos do operário é a obra mais meritória que pode cumprir-se aos olhos
de Deus e dos homens”.
Para corroborar os argumentos sobre a condição de vida da população pobre e da
sociedade em geral, Ramalho Ortigão é trazido ao debate por meio do livro Farpas,
escrito conjuntamente com Eça de Queiroz, considerando que em sua época era formada
“evidentemente uma geração apodrecida, uma raça combalida não só em centros nervosos
mas até nas células primordiais da vida pelos effeitos do mais deplorável regimem
municipal nas questões do solo, da alimentação e do ar”. Assim, para respaldar a situação
das populações mais pobres nesse panorama, Pierre Paul Leroy-Beaulieu, economista
francês adepto aos princípios liberais, é trazido ao debate, sobretudo a partir de seu livro
Economia Política, que segundo o parecer da lei “mostra os sérios inconvenientes que
resultam para a classe operaria, quando do rápido augmento do numero de habitantes de
um paiz não corresponde em uma proporção análoga, o desenvolvimento dos capitaes e
das sahidas industriaes”, chamando a atenção para o fato da cidade de São Paulo ser uma
cidade que se mostrava ser um centro receptor de imigrantes e possivelmente não ter um
investimento que os assegure como mão de obra ou como partícipes da economia local.
Para o relator, “é incontestável que a questão referente à população se liga a da
indigência ou do pauperismo”, e as causas para seu surgimento estariam intrinsicamente
ligadas segundo as indicações de Leroy-Beaulieu: enfermidades naturais, acidentes e os
vícios humanos, além de considerar que “certos homens nasceriam assim”, e os acidentes
contribuem para “os vícios humanos [que] são, entretanto, as maiores causas geradoras
da pobreza”, acrescentando que “esta chaga cruel é de alguma forma o resgate de nosso
progresso e o castigo de nossa prosperidade”, e que de forma alguma seria culpa dos
industriais, quando no “país mais industrial do mundo, a Inglaterra”, teria menos pobres
que em outros países “considerados como tendo uma vida mais patriarcal, como a
Noruega, a Baviera, o sul da Itália, visto que apresentava 260 pobres por dez mil
habitantes”, reafirmando o caráter de que o trabalho seria a chave para a eliminação da
pobreza, e consequentemente que permitisse a chamada “educação” ao trabalhador para
que não se tornasse fora dos padrões burgueses, vivendo em “promiscuidade”, conceito
comumente empregado para se referir aos cortiços como um espaço propício para o
desenvolvimento e contágio de doenças e que aos poucos seriam condenados pela
municipalidade.
A associação do espaço urbano como um corpo humano aos poucos se apresenta
no texto, como o exemplo da crença de que na Inglaterra havia a esperança de um dia
“desaparecer a indigência”, “um mal incurável que affecta o organismo social”, e a
solução para se “combaterem as consequências prejudiciais do pauperismo, [seria
encontrada junto aos] publicistas e os poderes públicos [que] estudaram vários remédios,
os quais têm contribuído para a atenção do mal”, sendo um destes “remédios” a
“construção de casas baratas para operários e em geral para os desfavorecidos da fortuna”.
Logo, a casa para operários seria encarada como um espaço de regeneração da
população pobre, assegurando que esta estivesse sempre produtiva e longe dos chamados
vícios e da pobreza encontrados nos cortiços, referenciado por autores conhecidos do
meio intelectual e político paulistano, além de servir de referência ideológica para a
imagem de cidade que crescia e se expandia, sobretudo quando há a lembrança que sua
população estaria crescendo “extraordinariamente em proporção muito superior ao nosso
desenvolvimento industrial”, “crescimento de que dão conta a multiplicação rápida do
número de prédios aqui existentes, o maior consumo de carne verde, do leite, do pão, etc,
que dão elementos da prova a fora aquelle (...) para affirmar o desenvolvimento
progressivo da nossa população”, segundo dados do Annuario Demographico de S. Paulo
para o ano de 1906.
Apesar de existir a referência aos trabalhos de “generosidade e phylantropia de
muitos e por acertadas providencias dos poderes públicos” no tocante à questão da
habitação, promovidas pelas chamadas “innumeras associações de caridade e de auxílios
mútuos aqui fundadas; ás instituições pias, hospitais, abrigos, creches, escolas para
adultos e creanças, etc, etc.”, o problema da falta de moradia existente na cidade devia
ser encarado pela Câmara Municipal, que recorreria à literatura internacional para
“examinar o assumpto, em geral, em face dos exemplos das nações civilisadas e dos
estudos que, a respeito, nos oferecem eminentes publicistas”.
O primeiro autor referenciado é o economista franco-russo Arthur Raffalovich, a
partir de seu texto Casas operárias, prenunciado como alguém que “estudou os diferentes
meios de se alcançar a construção de casas baratas para os operários e pobres” chamando
a atenção para que existisse uma intervenção das autoridades públicas em encontrar
“remédios para o mal” da falta de moradias. Apropriando-se das frases do economista, o
relator coloca que “entre os fatores mais importantes do desenvolvimento physico, moral
e intelectual deve-se collocar em primeiro logar, a habitação, no seio da qual se
desenvolve a vida do indivíduo e de sua família”, citações enriquecidas por passagens
que se remetem as discussões sanitaristas, ao acrescentar que “ninguém nega os
inconvenientes physicos e morais das habitações insalubres occupadas por classes de
operários e indigentes”. Bernardo de Campos vai mais longe ao comparar as condições
habitacionais como “miseráveis” e onde “a promiscuidade reina com seu cortejo de
moléstias de toda espécie, de crimes e de vícios, os perigos que resultam desse facto,
ameaçando a saúde e a ordem publica, têm sido perfeitamente observados”, um dado que
“não se trata de um mal puramente local, pois parece, que se tornou universal; por toda
parte se encontram os mesmos phenomenos dolorosos”.
As associações sobre a condição das moradias operárias com a questão sanitária
observadas por Raffalovich avançam, sobretudo por chamar a atenção pelo
“amontoamento extraordinário de seres humanos em commodos que não foram feitos
para conterem tão grande número de pessoas, situação aggravada pelo absoluto despreso
das regras de hygiene e pela imundície accumulada”16. A fim de corroborar suas ideias, e
reafirmar o caráter de intervenção do poder público no processo de urbanização em curso,
o relator descreve situações para a existência do “amontoamento ou promiscuidade” da
cidade:
“pobresa extrema dos habitantes que não lhes permitte procurar dominicios
salubres, mais vastos e sobretudo mais caras, impedindo-os, ao mesmo tempo,
de se affastarem do local, onde ganham a sua subsistência; o augmento de
população devido aos nascimentos e à imigração dos trabalhadores do campo
16 A recorrência de citações às condições sanitárias destas habitações pode ter suas origens a partir das
experiências de conhecimento dos cortiços de Santa Ifigênia (conhecidos pelo relatório elaborado pela
Comissão de Exame e Inspeção das Habitações Operárias, em 1893) e em outros bairros da cidade
conforme indicações das Séries Intendência e Polícia e Higiene do Arquivo Histórico de São Paulo. Sobre
o tema, ver CORDEIRO, 2010.
para a cidades ou capitais; a demolição de casas habitadas por operários, por
motivo de hygiene ou embellesamento.”
Logo, a única medida enxergada pelo poder público municipal era em criar
medidas legislativas que fossem de encontro à construção de residências para a população
mais pobre e ao mesmo tempo seguissem as predisposições sanitárias, exemplo observado
em “paizes civilisados, para remediar o mal”, respaldados pela recomendação do
economista franco-russo que considerava plausível uma
“missão de hygiene e de policia, movendo guerra incessante aos dominicilios
insalubres que não se poderia pedir ao Estado fornecer domicílios ou alimentos
gratuitamente ou abaixo do preço corrente, sob pena de se commetter uma
injustiça para os contribuintes que não participam destes favores, além dos
grandes prejuízos ao Estado, que desta forma desanima a iniciativa particular,
paralysa a construcção privada obtendo um resultado contraproducente.”
Logo, a construção das casas para a população mais pobre ganharia respaldo no
plano econômico, ao serem encaradas como uma mercadoria produzida por determinados
sujeitos, até porque no 4º artigo da lei 1.098 promovia-se que as associações que
construíssem conjuntos de ao menos 20 casas, haveria a distribuição de vinte mil réis em
prêmios, valorizando as iniciativas de empreendimento de médios e grandes proprietários
de terras da cidade17. Bernardo de Campos vislumbra, juntamente com muitos de seus
pares na Câmara Municipal, que com “o empenho da indústria privada promover a
construcção de casas modelos, de villas operarias, onde os seus capitaes encontram
colocação segura e remuneradora, o que se tem verificado na Inglaterra, França, Estados
Unidos, Bélgica, Dinamarca, cujos capitalistas se satisfazem com uma renda 4 a 6 por
100, se mostraria uma vantagem segura de aplicação do capital, visto o aumento
populacional da cidade e as ideias de salubridade permitirem que exista uma intervenção
do poder público em determinadas áreas da cidade”.
17 A partir dos projetos de construção remetidos para aprovação da Prefeitura, podemos mensurar o impacto
da lei no processo construtivo destas habitações na cidade. A Série Obras Particulares do Arquivo
Histórico de São Paulo, além de apresentar o nome dos envolvidos no processo construtivo (proprietário
do lote / imóvel, construtor, fiscais e engenheiros-arquitetos), a partir de 1893 apresenta uma planta
descritiva dos projetos a serem realizados. Ver os trabalhos de: LODY, 2015; PARETO JR, 2016;
SCHNEK, 2016; REIS, Op. Cit.
A referência aos saberes de outros países não se encerra em Arthur Raffalovich,
ampliando-se à estudos e investigações promovidas pela municipalidade francesa sobre
as casas de operários, que “sempre offereceram numerosas causas de insalubridade”.
Assim, citam os relatórios de Villermé, Blauqui, Frégier, Lestiboudois, Kolb-Bernard,
Ebrington, Henri Roberts e Grainger os quais descreveram as condições de moradias da
população mais pobre, sobretudo em cidades como Paris, Lion, Rouen, Reims, Amiens
visto que nestas “encontravam-se desoladores quadros de miséria”, não muito diferente
da observada em São Paulo pelo olhar de seus vereadores.
Considerações finais
Pensar os debates que envolviam o grupo de vereadores da cidade no processo de
elaboração da lei número 1.098 de 1908, nos permite enxergar questões conexas do
processo de urbanização de São Paulo por meio das ideias partilhadas mundialmente entre
os diferentes sujeitos que articulavam interesses no campo da construção de casas
voltadas para as populações mais pobres.
Ao invés de simplesmente aceitarmos as leis como artefatos prontos, percebemos
como são indícios da circulação de ideias na passagem do século XIX para o XX, e seus
desdobramentos na materialidade da cidade são muito mais profundos que as
recomendações dadas em seus artigos, pois inspiram uma maneira de se pensar a cidade
e evidenciar os jogos políticos que buscavam atender aos interesses dos setores médios
em explorar esse mercado, e ao mesmo tempo investigar os indícios de diálogos que o
corpo técnico e político possuíam com outros sujeitos que experenciavam transformações
urbanas de outras partes do Brasil e do mundo
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