Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

81
LITERATURA PORTUGUESA 1. Do Romantismo ao Realismo : 1.1 Contextualização histórica e cultural (finais do séc. XVIII e início do séc. XX) : Na Europa : - aumento da população e emigração intensa para outros países, especialmente para a América ; - transformações económicas : - desenvolvimento da agricultura (aparecimento dos adubos e fertilizantes e consequente aumento da produção) ; - desenvolvimento industrial : substituição gradual das pequenas oficinas por fábricas mecanizadas que permitiram o aumento da produção ; - ascensão da burguesia : a burguesia, especialmente a ligada à indústria, cresce em número e em poder ; - ideais políticos em confronto : - incremento do liberalismo (teoria segundo a qual o Estado não deve intervir nas relações económicas que existem entre indivíduos). Esta doutrina interessava à burguesia endinheirada ; - aparecimento das doutrinas socialistas : fruto de uma profunda desigualdade social surgem os movimentos socialistas - primeiro, o socialismo utópico de Saint-Simon e Fourier ; depois, o socialismo científico de Engels e Marx. Em Portugal : - aumento da população que, na sua maioria, se concentrava a norte do rio Tejo e no litoral e se ocupava na actividade primária - a agricultura.

Transcript of Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Page 1: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

LITERATURA PORTUGUESA

1. Do Romantismo ao Realismo :

1.1 Contextualização histórica e cultural (finais do séc. XVIII e início do séc. XX) :

Na Europa :- aumento da população e emigração intensa para outros países, especialmente para a América ;- transformações económicas :

- desenvolvimento da agricultura (aparecimento dos adubos e fertilizantes e consequente aumento da produção) ;- desenvolvimento industrial : substituição gradual das pequenas oficinas por fábricas mecanizadas que permitiram o aumento da produção ;

- ascensão da burguesia : a burguesia, especialmente a ligada à indústria, cresce em número e em poder ;- ideais políticos em confronto :

- incremento do liberalismo (teoria segundo a qual o Estado não deve intervir nas relações económicas que existem entre indivíduos). Esta doutrina interessava à burguesia endinheirada ;- aparecimento das doutrinas socialistas : fruto de uma profunda desigualdade social surgem os movimentos socialistas - primeiro, o socialismo utópico de Saint-Simon e Fourier ; depois, o socialismo científico de Engels e Marx.

Em Portugal : - aumento da população que, na sua maioria, se concentrava a norte do rio Tejo e no litoral e se ocupava na actividade primária - a agricultura. O aumento da população e a escassez de recursos do país, levou a um grande Surto migratório, especialmente para o Brasil ;

- produção agrária e industrial : aproveitamento dos recursos agrários e mineiros, introdução da máquina a vapor e lançamento da rede ferroviária e

viária. Porém, existia uma grande incapacidade de concorrer, em qualidade e preços, com países industrializados como a Inglaterra e França ;- ideais políticos : com o aparecimento das doutrinas socialistas, de uma forma ténue, o movimento do proletariado industrial cresceu, sem que, no entanto, atingisse grande destaque. Surgem os primeiros partidos políticos : o Partido Republicano e o Partido Socialista. Em 1890, a Inglaterra, a propósito da questão do Mapa Cor-de-Rosa, impõe um Ultimato a Portugal, o que acabou fomentar a oposição republicana ao regime monárquico.

Concluindo :Portugal era um país subdesenvolvido em virtude dos seguintes factores :

- dependência económica em relação a outros países da Europa e às colónias ;- certa incapacidade de desenvolvimento industrial e agrícola ;- distribuição injusta de terras ;- distribuição desequilibrada da população ;- índices elevados de emigração e analfabetismo ;- falta de consciência política e capacidade reivindicativa ;- organização empresarial de fraco nível ;- etc.

Page 2: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

2. A evolução do Romantismo em Portugal e as primeiras reacções realistas :

2.1 O Romantismo português :

O Romantismo português teve uma larga abrangência temporal e torna-se difícil delimitá-lo no tempo uma vez que, mesmo depois de ter sido introduzido e cultivado o Realismo e o Naturalismo, vários escritores continuaram a desenvolver uma estética literária em que predominavam típicos elementos românticos.

Segundo alguns autores, em Portugal o Romantismo não teria revelado traços de originalidade pois, de uma forma notória, limitou-se a imitar ambientes e estilos cultivados pelos grandes escritores românticos europeus.

No movimento romântico português podem distinguir-se três fases :- o primeiro romantismo ou romantismo vintista (1820/1840) com Almeida Garrett e Alexandre Herculano que se caracterizou pela adopção e imitação dos grandes escritores românticos europeus ;- o segundo romantismo ou Ultra-romantismo que se caracterizava pelo exagero temático e formal das características originais do romantismo e que, em Portugal, foi representado por António Feliciano de Castilho, João de Lemos, Soares dos Passos, João de Deus, entre outros ;- o terceiro romantismo que se desenvolve paralelamente com o Realismo e do qual são exemplos Antero de Quental e o próprio Eça de Queiroz, os quais, nas suas produções literárias fizeram coexistir os dois géneros literários.

2.2 A “Questão Coimbrã” :

Como se disse, o Romantismo português, particularmente o cultivado pela segunda geração de românticos, evoluiu para o chamado Ultra-Romantismo, que se distinguia do primeiro romantismo pelos seguintes elementos :

- exagero formal : o poeta ultra-romântico era obcecado pela perfeição formal, em detrimento do conteúdo ou tema do poema ;- exacerbação levada ao extremo no que diz respeito ao cultivo do “eu”, à fuga para o medievalismo como ambiente de eleição e o abandono do pitoresco e do tipicamente nacional ;Para além destas características, a literatura passou a ser considerada como uma forma de

ascensão social e política daí resultando que qualquer escritor reconhecido e “recomendado” por António Feliciano de Castilho” – o “patrono” dos ultra-românticos - tinha o seu futuro assegurado quer no que diz respeito à promoção das suas obras literárias, quer no que concerne à sua projecção pessoal.

Por volta de 1865, a contestação a este estado de coisas e ao rumo que as letras portuguesas estavam a seguir, começou, a despontar no seio de um grupo de estudantes de Coimbra liderados por Antero de Quental e Teófilo Braga, estudantes esses que tinham já tomado contacto com os ideais socialistas e positivistas correntes na Europa

Numa primeira instância, estes estudantes insurgiram-se contra os excessos formais e os desvios estilísticos que o Romantismo estava a seguir. Protestavam ainda contra a prática de “patronato” e “clientelismo” corrente entre os ultra-românticos chefiados por António Feliciano de Castilho.

Mas, o grande objectivo desses estudantes de Coimbra era o de divulgarem uma nova concepção da criação literária na qual pudessem expor as suas preocupações e aspirações de ordem social em detrimento de uma literatura até aí demasiado centrada na problemática do “eu”.

A “Questão Coimbrã” arrastou-se ao longo de quase um ano, durante o qual se trocaram acusações e insultos em cartas, crónicas, artigos da imprensa, poesias e textos satíricos. A disputa

Page 3: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

ideológica foi de tal modo grave que chegou mesmo a disputar-se um duelo à espada entre Antero de Quental e Ramalho Ortigão - outro dos ultra-românticos -, do qual o primeiro acabou por sair vencedor.

A “Questão Coimbrã” é considerada como o ponto de partida para a renovação da literatura portuguesa rumo ao Realismo.

2.3 A Geração de 70 e as Conferências Democráticas do Casino :

Do “combate” ideológico travado pelos estudantes de Coimbra sairia a chamada “Geração de 70”, que alguns críticos consideram como a mais brilhante da história literária moderna.

Dessa geração de escritores e pensadores faziam parte, entre outros, Antero de Quental, Eça de Queirós, Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel Arriaga e Teófilo Braga.

Já em Lisboa, em 1868, estes intelectuais formam o chamado Cenáculo que consistia na realização de reuniões periódicas onde se discutia política, letras, religião, filosofia, arte, etc.

É numa dessas reuniões do Cenáculo que surge a ideia da realização de conferências abertas a um público mais vasto. Assim, é alugada uma sala no Casino Lisbonense onde, a partir de 1870, se passam a realizar as célebres Conferências Democráticas do Casino.

O objectivo principal dessas conferências era o de analisar as causas do atraso de Portugal em relação aos outros países europeus, propondo, ao mesmo tempo, soluções que pudessem permitir que o país rumasse à modernidade. Essas soluções, como é óbvio, passariam pela transformação moral, social e política do país por forma a que Portugal pudesse acompanhar o desenvolvimento que se verificava nos países mais evoluídos da Europa.

Realizaram-se as seguintes cinco Conferências :- na primeira, proferida por Antero de Quental, foram apresentados os objectivos das Conferências : “agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da ciência Moderna” ; “estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da Sociedade portuguesa” e “ligar Portugal com o movimento moderno”. ;- a segunda Conferência - “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares” - foi igualmente proferida por Antero de Quental, o qual identificou as seguintes causas que explicavam o atraso de Portugal : a monarquia absoluta, o poder da Igreja e as conquistas ultramarinas. Como soluções, Antero preconizava a democracia, o trabalho livre sem qualquer interferência do Estado, a liberdade de expressão e a aposta na educação e o desenvolvimento tecnológico ;- a terceira Conferência foi subordinada ao tema “A Literatura Portuguesa Contempo- rânea” e foi proferida por Augusto Soromenho. Este autor defendeu que em Portugal não existia literatura própria por falta de originalidade e de inspiração. ;- a quarta Conferência foi proferida por Eça de Queirós e teve como tema “A Afirmação do Realismo como Nova Expressão da Arte”. Nesta Conferência, Eça de Queirós apresenta o Realismo como uma reacção contra o Romantismo. Segundo Eça, o Realismo interessa-se pelo contemporâneo, pela realidade envolvente e pela sociedade, contrapondo-se, assim, ao idealismo , ao sentimentalismo piegas e à fuga no tempo empreendida pelos românticos.Para além destas Conferência realizou-se ainda mais uma outra proferida por Adolfo Coelho e

na qual este criticou a educação nacional cujas metodologias estavam completamente ultrapassadas.As restantes Conferências (deveriam ter sido nove no total) acabaram por ser cancelas e

proibidas pelo Estado uma vez que “sustentavam doutrinas e proposições que atacavam a religião e as instituições políticas do Estado”.

Em jeito de resumo poderá, pois, dizer-se que, através deste conjunto de intelectuais e das suas acções - a “Questão Coimbrã” e as “Conferências Democráticas do Casino” -, estavam lançadas as bases para o aparecimento do Realismo como corrente estético-literária que viria a dominar a literatura da segunda metade do séc. XIX no nosso país.

Page 4: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

3. Características do Realismo :

O Realismo foi uma corrente literária que surgiu na segunda metade do séc. XIX como reacção aos excessos e artificialismos da estética romântica e em sequência da “Questão Coimbrã” e das “Conferências Democráticas do Casino”.

Por definição, pode afirmar-se que o Realismo é a representação objectiva da realidade contemporânea, o que, desde logo, se contrapõe à estética romântica como, a seguir, se verificará.

Principais características do Realismo :- anti-idealista (combatia a evasão do “eu” romântico) ;- interesse pelo contemporâneo (contrário à fuga medievalista dos românticos) ;- observação da realidade circundante e análise objectiva da sociedade (contrário ao pendor fantasioso dos românticos) ;- linguagem corrente e equilibrada (contrário aos exageros formais dos românticos) ;- gosto pela paisagem colorida, pelo minucioso e pelo exacto (contrário ao “locus horrendus” dos românticos) ;- crença na ciência e no progresso.

No aspecto temático, os escritores realistas abordam, geralmente, os seguintes temas :- representação da vida burguesa (especialmente os aspectos mais desagradáveis como a ambição, a avareza, a corrupção, etc.) ;- a representação da vida urbana, porque é nos grandes meios que as tensões sociais mais se fazem sentir ;- a frustração, o vício, os erros, a injustiça social.

Page 5: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

ANTERO DE QUENTAL

1. Biografia :

- nasceu em Ponta Delgada em 1842 no seio de uma das famílias mais prestigiadas da ilha de S. Miguel ;- em 1847 veio para Lisboa onde fez os seus primeiros estudos ;- em 1850 mudou-se para Coimbra onde tinha um tio que era professor na Faculdade de Medicina ; - matriculou-se na Faculdade de Direito de Coimbra em 1859 e concluiu o seu curso em 1964 ;- em Coimbra, Antero destaca-se não só pelo seu génio literário, mas também pelos protestos contra os métodos e processos em uso na Universidade ;-. Após a publicação de Odes Modernas, viu-se envolvido na polémica criada em torno da célebre “Questão Coimbrã” ;- participou activamente nas Conferências Democráticas do Casino, tendo feito uma análise às causas do atraso estrutural do país e proposto soluções que conduzissem à modernidade ;- para além da sua actividade literária, Antero ocupou-se como professor primário, advogado e proprietário, mas um constante sentimento de insatisfação nunca lhe permitiu fixar-se numa actividade permanente e duradoura ;- em 1867 e com a finalidade de conhecer o mundo operário, emigrou para França onde se tornou empregado numa tipografia. No entanto, a sua natural insatisfação, aliada a uma profunda angústia e solidão, fizeram com que depressa regressasse a Portugal ;- após a morte do pai (1873) passa por uma grave depressão que se repete em 1876 com o falecimento da mãe ;- procura tratamento em França onde se apaixona por uma francesa, o que só veioi a agravar o seu estado depressivo ;- vivendo um constante conflito interior, Antero acaba por suicidar-se com dois tiros de pistola, em Ponta Delgada, no ano de 1891.

2. Antero de Quental - as influências recebidas :

2.1 A influência de Hegel :- a ideia de progresso : segundo Hegel, nada é acidental nem fortuito mas sim fruto do pensamento de acordo com uma lógica dialéctica - afirmação, negação e negação da negação ou síntese. Esta síntese constitui uma nova afirmação que, por sua vez fica sujeita a um novo processo dialéctico e assim sucessivamente. Este processo dialéctico explica, de certa forma, a permanente insatisfação de Antero.- negação do providencialismo cristão e crença na realização inconsciente do destino : segundo Hegel, os indivíduos e povos,, quando julgam defender os seus interesses, realizam, inconscientemente, o seu destino ;- o governo do mundo é atribuído à Razão sendo o Homem um mero instrumento dessa Razão.

2.2 O Positivismo : doutrina filosófica que defende que o espírito humano deve renunciar ao conhecimento da natureza das coisas aceitando apenas as verdades retiradas pela observação e experiência dos fenómenos. Para os positivistas, será o progresso da ciência que permitirá a reorganização da sociedade tendo em vista a construção da sociedade perfeita.

Page 6: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

2.2 Influência de Proudhon :Proudhon foi um socialista utópico que defendia uma sociedade “mutualista” (sistema de sociedade baseada na solidariedade e na ajuda mútua) no plano económico e social e federalista no plano político.

2.3 A influência de Michelet : Michelet foi um historiador francês que defendia ser indispensável o estudo do passado para a compreensão do presente e do futuro.

3. A influência de Antero de Quental no aparecimento do Realismo em Portugal :

Antero de Quental preocupava-se com a dimensão social da literatura e, por isso, foi um dos principais protagonistas da “Questão Coimbrã” e das “Conferências Democráticas do Casino”, iniciativas que, como se viu, abalaram o panorama cultural português da segunda metade do séc. XIX.

Nesses movimentos intelectuais, revoltou-se contra os rumos e excessos que o Romantismo estava levando, acusando os ultra-românticos de estarem completamente alheios da realidade portuguesa em todos os aspectos.

Ao mesmo tempo que analisava as causas que contribuíam para o atraso estrutural do país, Antero propunha também a renovação social, política e económica do país tendo em vista não só a modernidade ideológica, mas também a social e económica segundo o modelo de socialismo utópico de Proudhon.

Para que essa modernidade se concretizasse, Antero defendia os seguintes princípios :- apologia do ideal da racionalidade científica : para Antero, tudo se explica e realiza

tendo por base a Razão, sendo esta sustentada pelo método científico da observação e da experimentação ;

- progresso tecnológico que proporcionaria melhores condições de vida e desenvolvimento económico.

No entanto, apesar de, com as suas ideias e actuação, abrir novos horizontes ao pensamento e mentalidades portuguesas da segunda metade do séc. XIX e, assim, preparar caminho para a implantação do Realismo como novo movimento literário, Antero de Quental pode ser considerado como um escritor predominantemente romântico, bem expresso na sua ânsia do infinito e do ideal, quer no aspecto da sociedade, quer no aspecto do amor.

Porém, confere uma outra profundidade ao Romantismo abrindo-lhe novos horizontes que passam pela intervenção e pela justiça social. Para além disso, Antero aborda também temas que, segundo ele poderiam conduzir à sociedade perfeita.

Desta forma, pode dizer-se que o Realismo português não teria sido possível sem o intervencionismo sócio-cultural levado a cabo por Antero, intervencionismo esse que, particularmente no âmbito da “Questão Coimbrã” e das “Conferências Democráticas do Casino”, vai provocar um choque de mentalidades entre a realidade portuguesa de então e a modernidade que, a esse tempo, já se vivia na Europa.

Assim, Antero de Quental, pode considerar-se não só um combatente em relação aos rumos que o Romantismo português estava a tomar (excessos formais, desvirtuamento temático e política de patronato) mas, sobretudo, um intervencionista que analisando as causas do atraso material e mental de Portugal, se bateu por um conceito de modernidade sociológica e cultural.

Como conclusão, pode afirmar-se que, sem as intervenções e opiniões de Antero de Quental, não teria sido possível a Eça de Queirós iniciar formalmente o Realismo.

Page 7: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

4. Fases da produção poética de Antero ou linhas temáticas da sua poesia :

4.1 A expressão do amor - o amor espiritual :- exprime o amor espiritual à maneira de Petrarca, sem sensualidade ;- a mulher é um ser adorável, mas é uma visão ;-o idealismo platónico, o devaneio, a evasão romântica .Poemas representativos desta fase : “Ideal”, “Idílio”, “Abnegação”, “Beatrice”.

4.2 As preocupações sociais, as ideias revolucionárias :- desejo de construir um mundo novo ;- a importância da poesia e a função do poeta : divulgar e combater pois a poesia é a voz da revolução que pretende implantar a justiça, o amor e a liberdade ;- a Razão é irmã do Amor e da Justiça e deve permitir ao Homem criar a harmonia e conduzi-lo à Liberdade.Poemas representativos desta fase : “Hino à Razão”, “A um poeta”, “Evolução”, “Tese e Antítese”, “A ideia”.

4.3 O pessimismo e a evasão :- busca da evasão através do sonho. Este eleva o espírito e atenua o sofrimento ;- incapacidade de adaptação ao real ; - idealismo e decepção por verificar que o seu ideal não foi concretizado.Poemas representativos desta fase : “O Palácio da Ventura”, “Despondency”, “Nox”.

4.4 A metafísica, Deus e a morte :- a metafísica e o divino, como forma de superar o pessimismo ;- o pensamento de Deus surge , frequentemente, associado à morte, sendo que esta é tida como a verdadeira libertação, como um descanso merecido.Poemas representativos desta fase : “Na Mão de Deus”, “Salmo”, “A um Crucifixo” ,Solemnia Verba”, “Virgem Santíssima”.

Page 8: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Antero de Quental - Análise de textos

1. A expressão do Amor - o Amor espiritual :

Ideal

Aquela, que eu adoro, não é feitaDe lírios, nem de rosas purpurinas,Não tem as formas lânguidas, divinas,Da antiga Vénus de cintura estreita …

Não é a Circe, cuja mão suspeitaCompõe filtros mortais entre ruínas,Nem a Amazona, que se agarra às crinasDum corcel e combate satisfeita …

A mim mesmo pergunto e não atinoCom o nome que dê a essa visão,Que ora amostra, ora esconde o meu destino …

É como uma miragem que entrevejo,Ideal, que nasceu na solidão,Nuvem, sonho impalpável, do desejo …

In Sonetos Completos

1.1 Partes em que se estrutura o poema quanto ao seu sentido :

Quanto ao seu sentido, o poema estrutura-se em duas partes : - na primeira parte, que é composta pelas quadras, o retrato da mulher ideal é confrontado com a típica mulher idealizada pelos clássicos (dois primeiros versos), com Vénus (deusa romana da beleza, da sensualidade e do amor), Circe (“mulher-fatal” dos românticos. Na Odisseia de Homero, Circe é uma divindade que aprisiona Ulisses) e Amazona (mulheres guerreiras da mitologia grega). Dessa confrontação, o sujeito poético conclui que aquela (pronome demonstrativo que denuncia afastamento) não é como as citadas, as quais ele não adora ;

- na segunda parte, o poeta caracteriza pela afirmativa a mulher que vai de encontro ao seu ideal, o qual, à maneira de Petrarca, envolve a concepção da figura feminina como uma visão, uma miragem, uma nuvem que se dissipa e um sonho.

1.2 Relação entre o título do poema e o tipo de mulher que o poeta adora :

O título Ideal refere-se ao tipo de mulher que o poeta adora. Não se trata de uma mulher que o poeta conheça ou por quem estará apaixonado, mas sim de uma visão, de uma miragem ou de um sonho. O poeta revela-nos também que amar uma mulher assim não estaria fora dos seus intentos : “que ora amostra ora esconde o meu destino”. Mas, este verso implica também o reconhecimento de que o poeta nem sequer consegue identificar a mulher ideal, pelo que termina o poema afirmando que a existência de uma mulher assim, não passa de um “sonho impalpável do Desejo”, ou seja, impossível de concretizar fisicamente. (a personificação do Desejo - escrito com letra maiúscula - aponta para o amor carnal).

Page 9: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

1.3 Análise formal do poema :

O poema é um soneto, tendo, portanto, duas quadras e dois tercetos. Os versos são decassílabos. Quanto ao ritmo, temos a considerar :

- ritmo binário : acentuação na sexta e décimas sílabas. Este ritmo encontra-se em todo o poema , à excepção dos versos 5 e 7, os quais têm ritmo ternário uma vez que são acentuados na 4ª, 8ª e 10ª sílabas.Quanto à rima, distribui-se de harmonia com os moldes clássicos, segundo o esquema ABBA / ABBA / CDC / CDC. Existem, assim, rimas interpoladas, emparelhadas e cruzadas.

1.4 Recursos estilísticos :

- comparação : “é como uma miragem que entrevejo” ;- metáforas : (É) Ideal … nuvem, sonho” ;- antítese : “ora mostra ora esconde o meu destino” - revela o conflito interior do poeta ;- adjectivação : predominante nas duas primeiras estrofes. Realça as características da mulher que o “eu” poético não adora

2. As preocupações sociais, as ideias revolucionárias :

Hino à Razão

Razão, irmã do Amor e da Justiça.Mais uma vez escuta a minha prece.É a voz de um coração que te apetece,Duma alma livre, só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediçaDe astros e sóis e mundo permanece ;E é por ti que a virtude prevalece,E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as naçõesBuscam a liberdade, entre clarões ;E os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti, podem sofrer e não se abatem,Mãe de filhos robustos, que combatemTendo o teu nome escrito em seus escudos !

In Sonetos Completos

Page 10: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

2.1 Justificação do título do soneto :O soneto traça um louvor à Razão pois, em seu nome e tendo em vista o progresso da Humanidade, o Homem tem travado uma luta ao longo dos séculos contra o sentimentalismo piegas e as políticas e religiões ilusórias.

2.2 Assunto :Todo o poema constitui uma oração (1ª estrofe) e, ao mesmo tempo, um hino de louvor (2ª, 3ª e 4ª estrofes) dirigido à Razão. Esta, aparece como elemento de uma trilogia divina – Razão, Amor e Justiça - que o poeta homenageia e à qual lança a sua oração.O hino de louvor é motivado pela profunda adoração dedicada pelo poeta à Razão cuja força conduz o mundo à harmonia e as nações à liberdade. Além disso, a Razão faz nascer a virtude e o heroísmo entre os homens, dando-lhes coragem para lutar por um mundo livre e fundado nos valores divinos da Razão, do Amor e da Justiça.

2.3 Análise das estrofes :- na primeira estrofe, o poeta confessa-se submisso à Razão, a qual irmana com o Amor e a Justiça. Poderá parecer contraditória a associação destas virtudes aparentemente tão diferentes, mas tem a seguinte fundamentação : a Razão e sinónimo de fraternidade e solidariedade ; o Amor é igualmente fraternidade e a Justiça exige igualdade. Assim, em vez de uma dissociação entre estes três elementos, há, isso sim, uma complementaridade. Na primeira estrofe, o poeta, através do imperativo “escuta”, implora que a Razão o oiça a ele que tem uma alma livre e a deseja de coração.- na segunda estrofe o poeta justifica a sua crença na Razão : é pela Razão ou em seu nome que :

- permanece a harmonia do Universo ;- prevalece a virtude ;- desenvolve-se e floresce o heroísmo.

- na terceira e quarta estrofes, o sujeito poético continua o seu hino de louvor à Razão. Por ela :

- no meio dos conflitos, as nações buscam a liberdade ;- podem sofrer mas mantêm a esperança todos os que pensam ;

O poema termina com a afirmação de que a Razão é como uma Mãe cujos fortes filhoscombatem com o seu nome gravado nos escudos.

2.4 Análise formal do poema : - soneto (duas quadras e dois tercetos) ;

- versos decassilábicos ;- ritmo binário (acentuação na 6ª e 10ª sílabas) em todo o poema, excepto nos

versos 5 e 7 cujo ritmo é ternário (acentuação na 4ª, 8ª e 10ª sílabas).- esquema rimático : ABBA / ABBA / CCD / EED (rimas interpoladas, e

emparelhadas).

2.5 Recursos estilísticos :- metáfora : “Razão, irmã do Amor e da Justiça” ; “…na arena trágica…” ; “flor do heroísmo”, “mãe de filhos robustos” (= sugere os homens que lutam

em nome da Razão) ;- personificação : “Razão, irmã do Amor e da Justiça” ;- sinédoque :”… a voz dum coração” (o todo – o Homem - pela parte – a voz do coração) ;- antítese : “alma livre, só a ti submissa” (princípios opostos, mas que têm um sentido lógico uma vez que a Razão conduz à liberdade) ;

- aliteração : “os astros, e sóis e mundos” (repetição do mesmo som s , para conferir ritmo) ;

Page 11: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

- anáfora : “Por ti … Por ti … Por ti …”.

2.6 Emprego de tempos verbais :- predomina o Presente do Indicativo, o que pretende traduzir a intemporalidade da luta do Homem ;- “escuta a minha prece” : uso do imperativo. Exprime o apelo do poeta para que a Razão o ouça.

3. O pessimismo e a evasão :

O Palácio da Ventura

Sonho que sou um cavaleiro andante.Por desertos, por sóis, por noite escura,Paladino do amor, busco anelanteO palácio encantado da Ventura !

Mas já desmaio, exausto e vacilante,Quebrada a espada já, rota a armadura …E eis que súbito o avisto, fulguranteNa sua pompa e aérea formosura !

Com grandes golpes bato à porta e brado :Eu sou o Vagabundo, o Deserdado …Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais !

Abrem-se as portas d’ouro com fragor …Mas dentro encontro só, cheio de dor,Silêncio e escuridão - e nada mais !

In Sonetos Completos

3.1 Estrutura narrativa :Segundo António Sérgio, é possível estruturar o poema em quatro momentos :

- o entusiasmo do primeiro arranco (1ª quadra) : o poema inicia-se com o poeta a afirmar que sonha ser um “cavaleiro andante” em busca do palácio encantado da Ventura. Tal

como D. Quixote, movido por ideais superiores, o poeta, verdadeiro “paladino do amor” (= homem que defende com ardor a grande causa do amor), lança-se entusiasticamente na sua heróica caminhada “por desertos, por sóis, por noite escura”, em busca do “palácio encantado da Ventura” (= sonho / objectivo / ideal, de encontrar a Justiça, o Amor e a Liberdade) ;- o desalento do insucesso (versos 5 e 6) : porém, o entusiasmo que caracteriza o início da heróica jornada, logo se transformou em desalento e o poeta está “exausto e vacilante”. O facto de a espada e armadura - objectos de defesa do “cavaleiro” - se encontrarem já

Page 12: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

quebradas e rotas revelam o grau de dificuldade da empresa que o poeta se propunha levar a cabo. A ideia da dificuldade em o poeta concretizar o seu sonho prenuncia-se logo na estrofe anterior quando, a propósito da noite, o poeta utiliza o adjectivo “escura”. Também o uso da conjunção coordenativa adversativa “mas”, deixa antever dificuldades. - O renascimento da esperança (versos 7 a 12) : ainda assim, o “cavaleiro” não se deixa abater pelas dificuldades e, ao avistar de novo o objectivo tão desejado, reinicia a sua marcha e ansiosamente, “com grandes golpes”, bate à porta e brada. Quanto à caracterização do palácio, o adjectivo “fulgurante” e os substantivos “pompa” e “formosura” dão-nos a ideia da dimensão do desejo do poeta que, depois, se vai apresentar como “Vagabundo” (= aquele que anda pelo mundo em busca de algo, neste caso, da realização

pessoal) e “Deserdado” (= aquele que não tem quaisquer bens e que, como tal, se crê merecedor de alcançar o

seu sonho). A ansiedade e desespero do sujeito poético ficam bem patentes precisamente através da utilização do adjectivo “grandes” e com as formas verbais “bato” e “brado”, as quais deixam perceber que o encontro com o objectivo representou um momento de grande intensidade emocional.- a decepção final (versos 13 e 14) : após o anterior momento de clímax em que “as portas de ouro, com fragor” se abrem, eis que o poeta se depara com uma enorme frustração (denunciada pela conjunção adversativa “mas”). Na verdade, opondo-se à beleza e esplendor do palácio - o que até poderia dar a perceber que o sonho se concretizaria - o “cavaleiro” apenas encontra “ dor / Silêncio e escuridão - e nada mais”. Tratou-se, pois, de uma luta em vão porque, no final, o que vai prevalecer é a desilusão e a sensação de ter fracassado no seu objectivo.

3.2 Análise formal :

- soneto (duas quadras e dois tercetos) ;- versos decassilábicos ;- ritmo binário (acentuação na 6ª e 10ª sílabas) em todo o poema, excepto nos versos 5 e 7 cujo ritmo é ternário (acentuação na 4ª, 8ª e 10ª sílabas) ;- esquema rimático : ABAB / ABAB / CCD / EED (rimas cruzadas, emparelhadas e interpoladas).

Page 13: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

4. A Metafísica, Deus e a Morte :

Na Mão de Deus

Na mão de Deus, na sua mão direitaDescansou afinal meu coração.Do palácio encantado da IlusãoDesci passo a passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeitaA ignorância infantil, despojo vão,Depus do Ideal e da PaixãoA forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,Que a mãe leva ao colo agasalhadaE atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto …Dorme o teu sono, coração liberto,Dorme na mão de Deus eternamente !

4.1 Tema do poema :Este poema insere-se na fase do poeta em que este, encarando a morte como um descansado para a sua alma atribulada e insatisfeita, volta os seus pensamentos para Deus e para a Metafísica. O poema revela-nos a superação do pessimismo pela via do abandono da luta pela felicidade e realização pessoal por parte do autor e, ao mesmo tempo, a sua aspiração de descansar eternamente no Bem.

4.2 Análise do assunto das estrofes :- na primeira estrofe, o poeta revela ter desistido do seu objectivo de alcançar a Justiça, o Amor e a Paz - constituindo estas um “palácio encantado da Ilusão” impossível de atingir.Por isso, o autor procura algum conforto espiritual numa entidade superior - Deus, descansando o seu coração na Sua mão direita (referência bíblica), crendo, assim, que a protecção divina seria maior.Ao “abandonar” o palácio encantado da Ilusão, ou seja, a sua própria realização pessoal, o autor fê-lo “passo a passo” pela “escada estreita”, o que denuncia que a decisão do poeta foi muito ponderada e sofrida.- na segunda estrofe, o autor complementa a sua renuncia ao palácio encantado da Ilusão reconhecendo que o Ideal e a Paixão sempre tinham assumido em si uma “forma transitória e imperfeita”, ou seja, confessa que nunca foi suficientemente perfeito para conseguir atingir o seu objectivo.Para realçar esta ideia, o autor estabelece uma comparação afirmando que, da mesma forma que as flores de nada valem para enfeitar os despojos de uma criança, assim, de nada valeram os seus esforços para alcançar o palácio encantado da Ilusão.- na terceira e quarta estrofe, de novo o autor estabelece uma comparação com uma criança : da mesma forma que uma criança se sente protegida pela sua mãe numa caminhada triste e difícil, assim o poeta se sente protegido ao entregar o seu coração (= o seu espírito até aí atribulado) na mão direita de Deus.

Page 14: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

As preocupações sociais, as ideias revolucionárias :

A um poeta

Tu que dormes, espírito sereno,Posto à sombra dos cedros seculares, Como um levita à sombra dos altares,Longe da luta e do fragor terreno.

Acorda ! É tempo ! O sol, já alto e pleno,Afugentou as larvas tumulares …Para surgir do seio desses mares, Um mundo novo espera só um aceno …

Escuta ! É a grande voz das multidões !São teus irmãos, que se erguem ! são canções …Mas de guerra … e são vozes de rebate !

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,E dos raios de luz do sonho puro,Sonhador, faze espada de combate !

1. Estruturação do poema em partes lógicas :

- 1ª estrofe : O poeta começa por identificar o destinatário da mensagem do poema e, por isso, dirige-se a um “tu” (= ao poeta romântico) que, indiferente ao clamor das multidões, parece encontrar-se adormecido e alheio ao mundo circundante.Este “tu” representa o poeta de atitude passiva e contemplativa, deitado à sombra da sua poesia secular (= “posto à sombra dos cedros seculares”) e manifestando, assim, um grande desfasamento em relação às convulsões sociais que o cercam (= “ a luta e o fragor terreno”). O autor compara mesmo esse “tu” a um levita (= sacerdotes que cuidavam do templo), pois da mesma forma que este, também o poeta não se revela capaz de inovar, de ser interveniente.- 2ª estrofe :

Na 2ª estrofe, o poeta, em tom imperativo ( = “Acorda !”), pede a esse “tu” que acorde porque a luz da Razão já ilumina e mundo (= o sol, já alto e pleno”) e ofusca todos aqueles que se encontram presos ao passado, ou seja, os românticos (= “afugentou as larvas tumulares). Termina a segunda estrofe dizendo que, para que as novas ideias surjam no meio das multidões (= desses mares”), só é preciso um aceno (= um profeta).- 3ª estrofe :

Também em tom imperativo, o poeta pede ao “tu” que escute a grande voz das multidões que anseiam por um mundo novo. Espelhando o ideal da fraternidade e igualdade, o poeta argumenta que o “tu” deve ser actuante porque são “os teus irmãos que se erguem”, entoando canções de revolta e de alerta.- 4ª estrofe :

Por fim, ainda em tom imperativo, o poeta “exorta” o “tu” a ser o obreiro do mundo novo (= soldado do futuro) e a usar como “espada de combate” os “raios de luz” (= a Razão, a Justiça e o Amor).

2. Recursos estilísticos e pontuação : “Soldado do Futuro”

Page 15: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

- Gradação : apresentação de vários elementos ( neste caso, os apelos) segundo uma progressão : “Acorda … Escuta … Ergue-te” ;- Apóstrofe : “Tu” (= ó Tu) ;- Metáfora : “Soldado do Futuro” , “…as multidões” ;- aliteração : repetição intencional dos mesmos sons consonânticos : “surgir do seio desses mares”.

- uso do Imperativo : as formas verbais no Imperativo - “Acorda … “Escuta …Ergue-te” - forma utilizadas para reforçar o apelo do poeta.- o uso das reticências sugerem a reflexão e a interiorização da nova realidade social.

Page 16: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

REALISMO E NATURALISMO

Realismo - procura a conformação com a realidade. Reflecte as novas descobertas científicas, as evoluções tecnológicas e as ideias sociais, políticas e económicas da época.Preocupa-se com a verdade dos factos, a realidade concreta, a explicação lógica dos comportamentos.

Naturalismo - considera a Natureza como a única realidade existente, recusando explicações que transcendam as ciências naturais. Para além de, tal como sucede com o Realismo, traçar quadros objectivos da realidade, analisa também as circunstâncias sociais que envolvem cada personagem.

Realismo Naturalismo

captação e análise da realidade com análise das circunstâncias sociais precisão objectiva ; que envolvem as personagens ; representação do mundo exterior de análise aos problemas e doenças uma forma fidedigna ; hereditárias, aos antecedentes fa- análise exacta da vida, do mundo e miliares, à educação, ao meio social, dos seus vícios ; à posição económica ; influências do liberalismo e do socia- preocupações sócio-culturais e cri- lismo utópico ; ticas aos costumes, como o Realismo ; temas cosmopolitas e de incidência carácter determinista, apresentando-se colectiva : educação, adultério, como uma espécie de Realismo cientí- opressão, corrupção, jornalismo e fico ; política ; o Homem é determinado por factores uso da narrativa, que se articula com que o condicionam : hereditariedade, a descrição, intercalando a represen- meio social, momento histórico, e os tacão de uma acção com a descrição fenómenos humanos são consequên- dos espaços sociais ; cias inevitáveis dessas determinações ; presença de personagem-tipo que funda-se, ideologicamente, no Posi- permite a reflexão crítica sobre o tivismo ; Homem e sobre os seus problemas ; usa a indução e os métodos experi- a construção da personagem está em mentais, descrevendo, por exemplo, conexão com o mundo profissional, as emoções, e justificando as mani- cultural, económico, social e psico- festações físicas pelos estudos fisio- lógico. lógicos e de carácter ;

dá relevo à importância das leis da Natureza.

OS MAIAS , de EÇA DE QUEIRÓS

Page 17: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

(Biografia de Eça de Queirós : ver Manual.)

1. A Arquitectura do Romance :

Em esquema, a arquitectura d’ Os Maias pode ser representada da seguinte forma :

Chave :1. Introdução ( 5 páginas) : marco inicial da acção ; o Ramalhete ; Afonso.2. Preparação (cerca de 85 pág.) :

a) a juventude de Afonso ;b) infância de Pedro ;c) juventude, amores e suicídio de Pedro ;d) infância e educação de Carlos ;e) Carlos estudante em Coimbra ;f) Primeira viagem de Carlos.

3. Acção (cerca de 590 pág.).4. Epílogo (cerca de 27 pág.) :

a) viagem de Carlos e de Ega ;b) cenas da estada de Carlos em Lisboa, oito anos depois (1877).

Notas :- as setas ascendentes indicam a cronologia do narrado ;- as curvas a tracejado indicam analepses, ou seja, recuos ao passado, que vêm preencher lacunas da narrativa.

Page 18: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

2. O título :O título - Os Maias - remete-nos para a história de uma família, os Maias, ao longo de três gerações.O subtítulo Episódios da Vida Romântica revelam uma certa intenção de descrever um determinado estilo de vida - o romântico -, de uma certa sociedade - a lisboeta -, num determinado espaço de tempo - 2ª metade do séc. XIX.O título justifica-se porque nos apresenta uma personagem - Carlos da Maia - integrado numa família que nos é descrita e apresentada desde os tempos do seu avô, Afonso da Maia.O subtítulo também se justifica porque nos oferece múltiplos casos e atitudes próprias do Romantismo, cujas características nos são reveladas por via da crónica de costumes da sociedade lisboeta e, por extensão, de Portugal na segunda metade do séc. XIX.

3. A Acção :Existem em Os Maias dois níveis de acção : a intriga e a crónica de costumes. A intriga central conta a história de uma família nas suas várias gerações (Caetano, Afonso, Pedro e Carlos) e ocupa cerca de 590 páginas do romance. Trata-se de uma acção fechada.

A crónica de costumes é constituída por múltiplos episódios caracterizadores da sociedade lisboeta do último quartel do séc. XIX. Tem alguma autonomia em relação à acção principal e a sua finalidade é a de ajudar a compreendê-la. É uma acção aberta.

3.1 A intriga :3.1.1 Estrutura :

- Introdução e preparação da acção :- Introdução : fala-nos do Ramalhete no Outono de 1875 e de Afonso da Maia ;- instalação dos Maias no Ramalhete ;- Preparação (grande analepse) - relato dos antecedentes familiares :

- juventude de Afonso (cerca de 1820) e exílio na Inglaterra ;- vida de Pedro da Maia : infância, juventude, educação, relação e casamento com Maria de Monforte, nascimento de Carlos e de Maria Eduarda, adultério de Maria de Monforte e fuga com Tancredo, suicídio de Pedro.- Carlos da Maia : infância e adolescência em Santa Olávia, formação em Coimbra e viagem pela Europa (1875).

Nota - esta analepse envolve um período de cerca de 55 anos, condensados em cerca de 85 páginas e os acontecimentos sucedem-se velozmente. Os acontecimentos contêm frequentes sumários e elipses (= omissão de uma palavras ou palavras, as as quais se subentendem com maior ou menor dificuldade) e predomina o narrador omnisciente, tipicamente realista.

- A acção : cronologicamente dura apenas 14 meses. Ocupa a maior parte da obra.- O epílogo :

- 1877 / 78 : viagem de Carlos e Ega pela Europa durante cerca de ano e meio ;- 1887 : regresso de Carlos e passeio final, em tom de reflexão, pelas ruas de

Lisboa.

3.1.2 A intriga principal ou central - os amores de Carlos e Maria Eduarda :

Etapas :

Page 19: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

- Carlos vê Maria Eduarda à entrada do Hotel Central e fica deslumbrado com a beleza daquela “deusa” (pág. 156/7) ;- Carlos procura saber quem é aquela mulher e Dâmaso informa-o. Carlos procura-a por toda a parte desejando um encontro (Sintra e corrida de cavalos) ;- a pedido de Dâmaso, Carlos visita Rosa, filha de Maria Eduarda, que se encontrava doente (pág. 260/1) ;- Carlos conhece Maria Eduarda na casa desta, onde fora para consultar a governanta Miss Sara (pág. 348) ;- enquanto cresce a sua paixão por Maria Eduarda, Carlos tem uma paixão com a condessa de Gouvarinho ;- declaração de Carlos a Maria Eduarda (pág. 408/9) ;- consumação do incesto consciente (pág. 429/438).- desfecho trágico : - Guimarães, tio de Dâmaso e residente em Paris, amigo intimo de Maria de

Monforte, vê por acaso Carlos na companhia de Maria Eduarda (pág. 537/8) ;- Clímax e Anagnórise (reconhecimento) - revelações de Guimarães a Ega : Carlos e Maria Eduarda são irmãos (pág. 614/622) ;- revelações de Ega a Carlos (pág. 640/643) ;- revelações de Carlos a Afonso (pág. 644/645) ;- insistência no incesto, agora consciente (pág. 657/658) ;

- morte de Afonso por apoplexia (pág. 668/670) ;- revelações de Ega a Maria Eduarda (pág. 682/684) ;- partida de Maria Eduarda (pág. 682/684 e 687)

- Características trágicas da intriga central :A intriga central revela possuir características bastante vincadas da tragédia grega, tal Como se pode verificar pelos seguintes elementos :- a superioridade social, física e intelectual das personagens (Afonso, Carlos e Maria Eduarda) ;- a força do destino e a fatalidade : são muitas as referências ao destino ao longo da obra como se toda a tragédia fosse consequência da sua inevitabilidade :

- “tu estás aqui (…) ela está talvez em Pequim (…) estais ambos (…), marchando um para o outro” (pág. 152) ; - “Ega (…) sentia-o profundo, absorvente (…) tornando-se daí por diante, para sempre, o seu irreparável destino” (pág. 417) ;- “E afastou-se todo dobrado sobre a bengala, vencido enfim por aquele implacável destino” (pág. 646) .

- os indícios da tragédia (presságios) :- havia uma lenda segundo a qual o Ramalhete era fatal aos Maias ;- Maria Eduarda acha Carlos parecido com a mãe ; Carlos acha a bondade de Maria Eduarda semelhante à do avô ;- a similitude dos nomes : Carlos Eduardo / Maria Eduarda ;- os símbolos presentes na descrição do quarto da Toca : a tapeçaria com os desenhos alusivos aos amores incestuosos de Marte e Vénus ;- a coruja empalhada (prenúncio de desgraça) ; (cap. VIII, pág. 433/434)- o quadro com a cabeça de S. João Baptista.

- Anagnórise ( reconhecimento de um facto inesperado) : as revelações de Guimarães.- Catástrofe : a morte das personagens :

- física, de Afonso ;- sentimental, de Carlos e Maria Eduarda ;- social, da família Maia.

3.1.3 A intriga secundária :A intriga secundária está dominada pelos amores de Pedro e Maria Monforte e está construída

de acordo com os moldes naturalistas, segundo os quais todo o comportamento humano é determinadopela hereditariedade, pela educação e pelo meio social.

Page 20: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Ora, com uma educação católica tradicional que o tornou “um fraco em tudo”, herdando o carácter depressivo da mãe e vivendo no ambiente ocioso, libertino e romântico de Lisboa. Pedro tornou-se numa pessoa desequilibrada e sem força de carácter, deixando-se arrastar por uma paixão fatal e obsessiva por Maria Monforte. O seu fim trágico - o suicídio - , revela bem a fraqueza do seu carácter, incapaz de superar o golpe passional e o abismo psicológico em que a separação o lançou.

3.2 A crónica de costumes :A crónica de costumes é o outro nível em que se desenvolve a acção de Os Maias e é aqui que o

autor vai desenvolver de uma forma intensa uma forte crítica social, particularmente à ociosa sociedadelisboeta dos finais do séc. XIX.

Esta crónica de costumes está bem patente na descrição de vários episódios nos quais se envolvem personagens-tipo representativas da ociosidade, da futilidade e da inutilidade reinante na Lisboa daquela época.

Dentre essas personagens-tipo, destacam-se :- o Conde de Gouvarinho, como representante da alta política ;- Palma Cavalão, que representa o jornalismo sem escrúpulos ; - Eusebiozinho que representa a educação romântica ;- Dâmaso Salcede, que parece congregar em si todos os vícios : o provincianismo, a covardia, a gulodice, a deslealdade.Estas e outras personagem envolvem-se em episódios que ilustram o modo de vida da alta

sociedade lisboeta do último quartel do séc. XIX. Os mais importantes desses episódios são os seguintes :

- jantar do Hotel Central (pág. 157/176) : patrocinado por Ega, este jantar foi ocasião para acaloradas discussões acerca da vida social, política, económica e cultural de Portugal. Todos estes problemas vão acabar em desacatos reveladores da fragilidade moral da sociedade lisboeta, a qual, ainda por cima, se dava ares de civilizada ;- as corridas de cavalos (pág. 312/341) : neste episódio é novamente ridicularizada a tensão da alta sociedade lisboeta em se mostrar civilizada. Estas corridas são organizadas com o intuito de demonstrar que os portugueses também seriam capazes de organizar acontecimentos cosmopolitas e, como diria Dâmaso Salcede “chique a valer”. Porém, em lugar de civismo, essas corridas apenas vieram comprovar o provincianismo da mentalidade dos assistentes, os quais, apesar de representarem a alta sociedade, acabam por se envolver numa desordem ;- o sarau do Teatro da Trindade : neste episódio a intenção crítica do autor foi a de dar a conhecer a superficialidade das conversas, a prepotência do Conde de Gouvarinho, a tacanhez de Eusebiozinho, o modo como o auditório se deixa inflamar por lugares-comuns proferidos pelas oratórias de Rufino e de Alencar. No fundo, a única coisa digna de ser apreciada - a música tocada por Gruges -, foi precisamente a parte do sarau em que o público mais alheado se mostrou ;- o episódio final do passeio de Carlos e Ega pelas ruas de Lisboa : neste epílogo da obra, o autor mostra-nos que, apesar de terem decorrido oito anos, em Lisboa - e, por extensão, no país - tudo continuava na mesma, nada evoluíra. Assim :

- a mesma sentinela sonolenta rondava a estátua de Camões ;- o Hotel Aliança conservava o mesmo ar mudo e deserto ;- os mesmos reposteiros vermelhos pendiam nas portas de duas igrejas ;- “Carlos reconhecia, encostados às mesmas portas, sujeitos que lá deixara havia dez anos, já assim encostados, já assim melancólicos”.

Em síntese, o nível da crónica de costumes constitui um verdadeiro panorama crítico da sociedade lisboeta da 2ª metade do séc. XIX. Para além da crítica intrínseca à sociedade, a crónica de costumes ajuda-nos também a melhor entender a acção principal.

4. As personagens :4.1 Personagens modeladas : pela sua densidade, complexidade e permanente conflito interior,as personagens modeladas de Os Maias, são as seguintes :

Page 21: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Carlos da Maia :- o narrador apenas esboça a caracterização de Carlos. A sua caracterização apenas fica completa através das suas atitudes e comportamentos ao longo da acção de Os Maias ;- no aspecto físico, Carlos era, segundo Eça, “um belo cavaleiro da Renascença” : era alto, bem constituído, de ombros largos, olhos e cabelos negros. Tinha barba fina castanho-escura e o bigode era arqueado nos cantos da boca ; - Carlos é a personagem central do romance e nele é depositada, por parte do avô, a esperança no renascimento da família Maia ;- Afonso quis dar a Carlos uma educação diferente da que dera ao seu filho Pedro e, para isso, proporcionou-lhe uma educação “à inglesa”, baseada nos exercícios físicos, no contacto com a Natureza e na observação e experimentação ;- durante os seus estudos em Coimbra conhece João da Ega, de quem se torna grande amigo. Ambos levam uma vida estudantil de boémia ;- terminado o curso e após uma viagem ao estrangeiro, Carlos revela-se um idealista imbuído de grandes projectos de investigação no campo da Medicina ;- a sociedade ociosa de Lisboa arrasta-o também para a ociosidade, para o dandismo (= ele- gância, charme) e diletantismo (= amador de tudo o que revelasse bom gosto, especialmente a música e a arte ; incapacidade de se fixar num projecto sério) ;- aos poucos, abandona todos os seus projectos de investigação médica e o livro que pretendia escrever - Medicina Antiga e Moderna - ficou-se apenas pelo início ;- a sua vida passou a ser regida pela inércia, pela ociosidade e pelas relações amorosas sem consistência ;- a relação amorosa com Maria Eduarda tornou-se obsessiva e, ocultando-a ao avô, Carlos revela medo e fraqueza ;- após o reconhecimento da verdadeira identidade de Maria Eduarda, Carlos revela grande falta de carácter pois, conscientemente, mantém a relação incestuosa ;- apesar da educação recebida, Carlos falha todos os seus projectos de vida. Para este falhanço terão contribuído uma certa carga hereditária dos pais (o predomínio dos sentimentos sobre a Razão - que foi o que motivou o suicídio de Pedro - e a falta de carácter que revelou em vários momentos. No entanto, a educação “à inglesa” revela-se na forma como reagiu à dupla tragédia que sobre ele se abate - o incesto e a consequente impossibilidade de manter a relação amorosa com Maria Eduarda ; a morte do avô, Ao contrário de seu pai, Carlos não toma nenhuma decisão trágica, mas limita-se a prosseguir a vida ;- com o afastamento definitivo da relação incestuosa, Carlos limitar-se-á a viver para entreter o tédio, entregando-se, então aos prazeres e trivialidades sem revelar ter mais capacidade para amar. Por isso, transmite a impressão de ter sido um falhado na vida ;- o percurso de Carlos simboliza a evolução da sociedade portuguesa após a Regeneração (meados de 1850) : quando o país parecia estar a entrar numa época de prosperidade e progresso, acaba por cair de novo na indefinição, no imobilismo, no retrocesso. O mesmo sucedeu com Carlos : quando parecia ser um homem destinado a ter sucesso pessoal e profissionalmente, deixa-se absorver pela ociosidade, pela inércia e pela promiscuidade. Todos os seus projectos ficaram por concretizar, o que motiva a afirmação final de Ega : “Falhámos a vida, menino !”. (= conotação com o grupo dos “Vencidos da Vida”, saído da Geração de 70, e que, reconhecendo a sua incapacidade de mudar as mentalidades no país, resolveram desistir da luta ideológica em nome do progresso e da modernidade).

Afonso da Maia :- no aspecto físico, Eça caracteriza Afonso como sendo baixo, maciço, de ombros arqueados e fortes. Tinha a cara larga, o nariz aquilino, a pele corada. O cabelo era branco e muito curto e a barba era igualmente branca, mas comprida. Como dizia Carlos, o avô lembrava

Page 22: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

um varão esforçado das idas heróicas, um D. Duarte de Meneses ou um D. Afonso de Albuquerque.- na fase de preparação da acção, o autor caracteriza Afonso como um liberal por formação. Porém, como contraria o seu pai, este acabou por o castigar com uma estadia forçada em Santa Olávia. Face ao “castigo”, mostrou-se arrependido e pediu ao pai que o deixasse ir para Inglaterra onde acabou por esquecer os seus ideais liberais e as lutas políticas. - para a caracterização de Afonso, é preciso termos em conta dois momentos distintos na economia do romance : o Afonso como pai duro e inflexível e o Afonso como avô carinhoso e atento. Assim :

- enquanto pai, quando o seu filho fugiu com Maria Monforte, Afonso teve atitudes duras e inflexíveis, próprias de um “pai tirano” que quer defender a honra e o nome ;- enquanto avô e responsável pela educação de Carlos, os seus defeitos, quando indicados, acabam por ser “simpáticos”, como se fossem fruto de atitudes próprias de um velhinho prazenteiro e orgulhoso do seu neto ;

- é um homem culto, de bom gosto, que recebe bem e generoso ;- revela incapacidade para inculcar hábitos de trabalho no seu neto ;- enquanto a acção se não precipita para a tragédia, define-se como um “antepassado bona- cheirão que amava os seus livros, o aconchego das suas poltronas, o seu whist ao canto do fogão” ;- em matéria de amores, Afonso nunca se apaixonou apesar de ter casado com “uma linda morena mimosa e um pouco adoentada” ;- Afonso, acima de tudo, representa a missão de “pater familias”, ou seja, a missão de chefe de família por quem tudo passa uma vez que é a autoridade máxima ;- é a personagem que mais acusa a passagem do tempo que o vai envelhecendo e curvando.

Outras Personagens :

Caetano da Maia é o pai de Afonso. Miguelista convicto e antijacobino ferrenho, dominado pelos valores tradicionais e conservadores, não perdoa ao filho as aventuras contestatárias da mocidade e expulsa-o de casa, desterrando-o para Santa Olávia. Esperava que o jovem ganhasse juízo, o que aconteceu e Afonso, depois de perdoado, regressa a Lisboa e parte para Inglaterra, abandonando os seus correligionários de lides políticas à intervenção militante e activa, enquanto ele vai assistindo às corridas de Epson.

Maria Eduarda Runa, uma verdadeira lisboeta, era pequenina e trigueira, pálida, magra e melancólica. Extremamente devota, era uma mulher triste. Influenciou a educação deformada do filho.

Maria Monforte é filha de Manuel Monforte, e é conhecida em Lisboa por “a negreira”, alcunha ligada à forma como o seu pai enriqueceu, transportando escravos. Deslumbrará Pedro com a sua beleza (alta, cabelos loiros, de um oiro fulvo, testa curta e clássica, olhos azuis e carnação de mármore, comparável às deusas) e contra a vontade de Afonso casar-se-á com ele. Viaja com Pedro pela Itália e pela França, de regresso a Portugal, o casal vai viver para Arroios, onde iniciam uma intensa vida social. Salienta-se o seu gosto pelo luxo e a sua capacidade de se fazer admirar: os amigos de Pedro idolatravam-na e Alencar sentia por ela uma paixão platónica. A instabilidade instala-se quando Pedro recolhe, em sua casa, Tancredo a quem ferira involuntariamente num acidente de caça. Mulher volúvel e insatisfeita, abandona Pedro fugindo com Tancredo e levando consigo a primeira filha do casal, Maria Eduarda. Radicam-se em Viena e Manuel Monforte vai suportando a vida caprichosa de ambos; partem para o Mónaco onde Tancredo morre num duelo e, Manuel Monforte, já totalmente arruinado, morre também. Sem meios de subsistência parte para Londres e mais tarde para Paris, deixando a filha num convento em Tours e indo viajar pela Alemanha, Terra Santa e Oriente, até se fixar definitivamente em Paris onde abrirá uma casa de jogo e posteriormente uma segunda, na qual Maria Eduarda conhecerá o seu primeiro amante, um irlandês,

Page 23: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Mac Green, do qual terá Rosa. Após a guerra franco-prussiano em que Mac Green morre, muda-se para Londres com a filha e a neta. Antes de morrer confia a uma velho amigo, Guimarães, o cofre com o documentos que comprovam a verdadeira identidade de Maria Eduarda, a quem nunca confessara a verdade sobre a sua origem. É descrita em quatro adjectivos “pobre, formosa, doida, excessiva”, sendo que pobre só na fase final da vida. É o protótipo da cortesã: leviana e amora, sem preocupações culturais ou sociais; tem uma personalidade fútil mas fria, caprichosa, cruel e interesseira. É nela que radicam todas as desgraças da família Maia, mas não faz o mal por maldade, mas antes por paixão. É uma personagem-tipo.Excertos :

- caracterização (pág. 22, 26 e 36) ;- fuga com o italiano (pág. 44/46) ;- carta sobre a identidade de Maria Eduarda (pág. 636).

Alencar é o poeta romântico à portuguesa que exerce grande influência na geração de Pedro, aconselhando a Maria Monforte o tipo de novelas a ler. É o autor de “Vozes d’Aurora”, “Elvira” e “Flor de Martírio”. Era frequentador assíduo das soirées de Arroios. Identificado com os valores do romantismo hiper-sentimental, tem uma paixão literária por Maria Monforte. É caricato e exagerado e denuncia uma feição sentimental e pessimista do ultra-romantismo. Tem uma atitude poética declamatória e teatral, cheio de tiques, os seus versos são caricatos, condizendo com a sua atitude melancólica. “Muito alto, todo abotoado numa sobrecasaca preta, com uma face escaveirada, olhos encovados, e sob o nariz aquilino, longos, espessos, românticos bigodes grisalhos; já todo calvo na frente, os anéis fofos de uma grenha muito seca caíam-lhe inspiradamente sobre a gola; e em toda a sua pessoa havia alguma coisa de antiquado, de artificial e de lúgrube.”, tinha uma voz grossa e macilento. Levava uma vida boémia. Serve a Eça para figurar as discussões de escola entre naturalistas e românticos, numa visão caricatural da Questão Coimbrã. Não se lhe conhecem defeitos e tem um grande e generoso coração, é bondoso e sentimental, idealista e sincero. É o informador do destino de Maria Monforte. É uma personagem-tipo, representando os artista das letras e a sobrevivência dos valores ultra-românticos na geração de 70. A vitalidade desta personagem é atestada pela reacção de Bulhão Pato, que nela se sentiu retratado e contra-atacou violentamente Eça em vários textos.Excertos :

- retrato quando era jovem poeta ultra-romântico (pág. 22 / 23) ;- retrato físico e psicológico (pág. 159/160) ;- conflito literário com Ega no Hotel Central (pág. 161 / 163) ;- Ega e Alencar, afinal muito próximos (pág. 706).

Castro Gomes, um fidalgo brasileiro, é o elemento catalisador da catástrofe ao desvendar o passado de Maria Eduarda, de quem fora amante em Paris durante três anos. É o responsável pela entra da dela na sociedade lisboeta. Após a descoberta do romance de Maria Eduarda com Carlos abandona Portugal sem grande pesar.

Craft é filho de um clérigo de uma igreja inglesa, facto que o aproxima de Carlos e da sua forma de estar no mundo, pelo que entre eles nascerá uma amizade espontânea. De diminuta importância, de temperamento byroniano, dedica o seu tempo a viajar e a coleccionar obras de arte juntando-as na casa que possuía nos Olivais, passatempos deverás em conformidade com a sua fortuna herdada de um tio. É um gentleman que herdou da sua cultura britânica, a bravata a defesa de ideias, a rectidão de carácter e a correcção; é o arquétipo do que deve ser um homem, e Eça não esconde as suas simpatias por ele. É marcado pelo diletantismo e desocupação que, à semelhança de Carlos, o irão vitimar. Tem uma posição de nítida superioridade e desdém face aos demais. A última menção ao seu nome é para, implicitamente, conduzir o leitor à conclusão de que este amante do Belo e do xadrez acabará os seus dias em Richmond, sucumbindo ao álcool. Tal como Carlos e Ega é um boémio, mas ao contrário destes é uma personagem-tipo.

Page 24: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Excertos :- proveniência, formação e hábitos (pág. 108/109) ;- gostos e ideias semelhantes às de Carlos (pág. 186) ;- dez anos depois (pág.701).

Cruges é uma personagem secundária que simboliza o músico idealista, que sucumbe à mediocridade cultural nacional. O seu objectivo é compor uma ópera que o imortalizasse, mas falta-lhe a motivação, devido ao meio em que se insere, e que pode ser comprovado pela sua afirmação “Se eu fizesse uma ópera, quem é que ma representava?”, demonstrando-se sem génio criativo, esmagado pelo meio obsoleto. É moralmente são e tímido. É uma personagem-tipo representando os artistas da música.Excertos :

- talento artístico (pág. 107) ;- o fiasco do sarau (pág. 595/597) ;- dez anos depois (pág. 694/695).Guimarães é um antigo trabalhador do jornal Rappel, fundado por Victor Hugo e Rochefort, e

tio de Dâmaso. Democrata e simpatizante do comunismo, ele é uma personagem-tipo. É o portador da desgraça da família Maia, tendo conhecido Maria Monforte em Lisboa, encontrando-a posteriormente em Paris, onde recebe a caixa que encerra o segredo da verdadeira identidade de Maria Eduarda, caixa essa que mais tarde entregará a Ega. É uma encarnação do Destino, assumindo o papel de destinador pela sua acção meramente casual, recusando o êxito a Carlos, a quem inviabiliza os seus amores com Maria Eduarda, ferindo também Afonso, que aliás morre na sequência da revelação por Guimarães proporcionada.

Vilaça (pai e filho) são os procuradores da família Maia. Apesar de empregados da casa dos Maias, foram sempre tratados com familiaridade. Vilaça é o arauto da fatalidade que ensombra a família e o Ramalhete. Após a morte do pai, Manuel Vilaça assume a função de procurador, com escritório na Rua da Prata, desejando ser vereador, ou talvez deputado. Embora de condição subalterna, este burguês diligente e empreendedor, mas calmo, torna-se o mensageiro da fatalidade ao revelar a Carlos a identidade de Maria Eduarda, função que lhe fora incumbida por Ega, que não tivera coragem. Ambos são de uma lealdade sincera à família Maia. É uma personagem-tipo representando o burguês típico e conservador, honesto e prudente.Excertos :

- o “velho” Vilaça (pág. 6 a 8) ;- o Vilaça júnior (pág. 98 / 99) .

Dâmaso Salcede é o personagem mais caracterizado por Eça, tornando-se um cabide de defeitos: defeitos de origem (filho de um agiota); presumido; cobarde; não tem dignidade (porta-se como uma rafeiro sabujo); mesquinho; enfatuado e gabarola; provinciano e tacanho, somente com uma preocupação na vida: o “chique a valer”. Fisicamente é baixote, gordo, frisado como um noivo de província, mas a quem não falta pretenciosismo. Aproxima-se de Carlos, que admira e inveja, por interesse e desejo de condição social. Tenta convencer-se e convencer os outros do seu fascínio irresistível face ao sexo oposto, não obstante as suas conquistas estarem confinadas a espanholas de reputação muito duvidosa. Possuidor de grande bazófia e sendo um enorme cobarde, difama pública e anonimamente Carlos, mas retracta-se logo em seguida. Nada tem de inteligente, de honrado ou de nobre. Consegue casar com uma filha dos Condes de Águeda que se apressa a traí-lo. Condensa toda a estupidez, futilidade e ausência de valores da sociedade. Decalca qualquer comportamento importado do estrangeiro, principalmente de França.Excertos :

- caracterização física e psicológica ( pág. 157/158) ;- insistência na companhia de Carlos (pág. 187/189) ;

Page 25: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

- obsessão do “chique” e do provincianismo (pág. 305/310) ;- exibicionismo (pág. 337/338) ;- a calúnia (pág. 530 e seguintes) ;- retractação e pedido de desculpas públicas a Carlos (pág. 551/562) ;- reencontro com Carlos e Ega (pág. 697/698).

Eusébiozinho, vizinho de Carlos, é inicialmente o negativo de Carlos no que toca à educação. Leva uma existência doentia, mergulhado nos alfarrábios, sem qualquer contacto com a natureza. Tornou-se “molengão e tristonho”, com as perninhas flácidas. Depois de viúvo procurava os bordéis para se distrair. Fidalgo de província sem vontade própria. É uma personagem-tipo representando a educação retrógrada portuguesa.Excertos :

- educação romântica (pág. 68/69) ;- retrato de adulto (pág. 117) ;- hipocrisia e humilhação em Sintra com as espanholas (pág. 225/226) ;- mentira e deslealdade para com Carlos (pág. 543) ;- Eusébiozinho no final (pág. 705).

Tancredo é um napolitano que dizia ser sobrinho dos príncipes de Sória, participou numa conspiração contra os Bourbons e por isso teve que abandonar Itália, vindo para Portugal. É um homem fatal pela sua extraordinária beleza, ocasionando uma sedução irresistível. Além de fatal, era demoníaco, com o seu olhar taciturno e orgulhoso, a sua figura pálida que atrai para depois aniquilar, para provocar desassossego, desespero e morte (vejamos o caso de Pedro).

Conde de Gouvarinho é ministro e par do Reino, personagem-tipo que representa o político incompetente. Casou com a filha de um comerciante rico do Porto, aliado o seu título ao dinheiro dela, pelo que é um casamento de conveniência.Excerto :

- a imodéstia e o calote (pág. 126) ;- rétorica emproada mas oca (pág. 142/144) ;- superficialidade, incultura, incapacidade de diálogo (pág. 388/402).

Condessa de Gouvarinho é amante de Carlos até este se enfastiar e resolver abandoná-la, sensual e provocante, é uma personagem-tipo simbolizando as mulheres adúlteras. É uma aristocrata que corporiza a decadência moral e a ausência de escala de valores da alta sociedade, é uma mulher fatal. Excertos :

- caracterização directa e indirecta (pág. 126 e 143) ;- paixão adúltera por Carlos (pág. 210/211, 297, 401) ;- rompimento com Carlos (pág. 441/446).

Steinbroken é o ministro da Finlândia, entusiasta da Inglaterra, grande entendedor de vinhos, uma autoridade no whist e um bom barítono. Parece resumir as suas funções diplomáticas a duas preocupações: a de exercer com zelo, formalidades e praxe o seu cargo e o de se remeter a uma neutralidade constante e prudente, comodamente conseguido à custa da repetição de frases-chave, despidas de conteúdo: o inevitável “c’est grave” ou “c’est excessivement grave”. Não deixa de constituir um juízo muito significativo da Finlândia sobre o universo político português, já que ao confiar no labor de tal embaixador, o país estrangeiro que ele representa revela um conhecimento razoável do carácter monótono e repetitivo da vida pública portuguesa. É uma personagem-tipo representante dos diplomatas.Excertos :

- diplomata excêntrico (pág. 107) ;

Page 26: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

- superficialidade e frases feitas (pág. 202/203) .

Taveira é um empregado no Tribunal de Contas tipificando os funcionários públicos, pelo que é uma personagem-tipo. É a única personagem com funções definidas.Excertos :

- a ocupação (pág. 127/128) ;- dez anos depois (pág. 701).

Neves é o director d’A Tarde, deputado e político. Personagem-tipo símbolo do jornalismo político e parcial.

Palma Cavalão é o director d’A Corneta do Diabo, personagem-tipo símbolo do jornalismo corrupto, devasso, insultuoso e sem fidedignidade. O seu acompanhante em sociedade é Eusèbiozinho, ambos consideram assaz importante conviver e saber lidar com prostitutas espanholas.Excertos :

- caracterização física e psicológica (pág. 226/231) ;- o suborno (pág. 540/543) ;- dez anos depois (pág. 705).

Jacob Cohen é um judeu banqueiro, director do Banco Nacional, casado com Raquel. Considera que Portugal caminha para a bancarrota, mas não hesita aproveitar a situação económica do país em proveito próprio. É uma personagem-tipo representando a alta finança.

Excertos :- caracterização física e psicológica (pág. 161/162) ;- as finanças e a política (pág. 165).

Raquel Cohen é uma mulher adúltera, bela e refinada que não hesita a pôr em prática o seu poder de sedução. Amante de Ega, até o caso ser descoberto, precisamente no dia em que Cohen ia dar um baile de máscaras praticamente organizado por Ega.Excertos :

- a “mulher-fatal do Romantismo (pág. 130/131).

Rufino é deputado por Monção, símbolo da oratória parlamentar, usando e abusando de uma retórica balofa e oca com uma mentalidade profundamente provinciana e retrógrada. É uma personagem-tipo.

Sousa Neto é representante da Administração Pública, é ignorante e nunca saiu de Portugal, personagem-tipo da burocracia, tacanhez intelectual e ineficácia da Administração. É amigo e próximo do Conde de Gouvarinho.

5. O Tempo :

Ao contrário do habitual, n’ Os Maias é o tempo que move os acontecimentos e não a acção. Com efeito, as personagens vão naturalmente envelhecendo independentemente da acção : Alencar desgasta-se, João da Ega encalvece, Carlos engorda, Afonso vai ficando cada vez

Page 27: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

mais curvado, Craft surge “avelhado” e doente do fígado. Além disso, é a passagem do tempo que vai amadurecendo as personagens.

Mas, também com o desenrolar da intriga, podemos verificar que os acontecimentos- especialmente aqueles de grande densidade dramática - envelhecem as personagens. Por exemplo, quando Pedro da Maia, decidido a unir-se a Maria Monforte, saiu da casa paterna, Afonso da Maia, perante esta atitude do filho, revela os primeiros sinais de velhice : “ tomou o braço de Vilaça, apoiou-se neles com força, como se lhe tivesse chegado a primeira tremura da velhice”. Depois, após o suicídio de Pedro, a velhice acentua-se.

5.1 Tempo diegético (tempo da história) :Trata-se do tempo em que decorre a acção, ou seja, é o tempo cronológico dos aconteci-

mentos narrados representado em dias, meses e anos. N’ Os Maias, abarca um período que vai desde cerca de 1820 a 1887.

Narrando a história de uma família ao longo de três gerações, o autor dá-nos referên-cias cronológicas concretas e refere-se a acontecimentos reais da evolução da sociedade portuguesa dessa época.

A acção não abrange meio século, mas apenas catorze meses, do Outono de 1875 afinais de 1876.

No tempo histórico, são referidos acontecimentos que se prendem com a RevoluçãoLiberal de 1820 e com a Regeneração.

Nas referências cronológicas, são apresentadas datas concretas ao nível da acção principal, das quais importa reter :

- 1875 : Carlos vai habitar para o Ramalhete ;- 1877 : consuma-se a tragédia e Carlos abandona Lisboa indo viajar pelo estran- geiro na companhia de Ega ;- 1887 : Carlos regressa a Lisboa dez anos depois de ter partido defendendo uma

teoria de vida que evita o sofrimento.

5.2 Tempo narrativo :Em Os Maias verifica-se uma distinção entre o tempo da novela e o tempo do romance. Assim :

- o tempo da novela é constituído pela grande analepse inicial na qual, em apenas dois capítulos, o narrador conta sinteticamente os casos fundamentais da história de três gerações, abrindo, assim, caminho para a intriga central, que se seguirá ;

- o tempo do romance ocupa grande parte da obra apesar de, cronologicamente, descrever apenas cerca de catorze meses da vida de Carlos da Maia. Inicia-se em 1875, quando Carlos regressa a Lisboa após uma viagem de fim de curso. Depois, até Março de 1876, Carlos afadiga-se em tentar concretizar os seus planos de investigação no ramo da Medicina. Aos poucos vai-se deixando absorver pela vida ociosa da capital e envolve-se numa relação inconsequente com a Condessa de Gouvarinho. No início do Verão desse mesmo ano, encontra-se com Maria Eduarda, a qual, em Junho, já se encontrava instalada na Toca, refúgio amoroso que Carlos adquirira ao seu amigo Craft. Carlos frequenta a Toca todos os dias até ao Inverno seguinte, altura em que regressa ao Ramalhete e Maria Eduarda à Rua de S. Francisco. Nesse Inverno, é revelada a verdadeira identidade dos irmãos e, como consequência disso, Afonso morre “num claro dia de Inverno”. Maria Eduarda parte e, em Janeiro de 1877, Carlos parte também para a sua viagem pela Europa. Trata-se da conclusão do romance.

5.3 Tempo do discurso :

Page 28: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

É a forma como o narrador organiza o tempo da história, ou recuando no tempo, ou resumindo-o, alongando-o e mesmo suprimindo acontecimentos.

Para processar esta organização, Eça utilizou vários processos. Assim :- analepses : trata-se de recuos no tempo com o intuito de dar a conhecer o passado

das personagens de modo a permitir a coerência da história narrada. No caso d’ Os Maias, a grande analepse inicial tem por objectivo tornar claro o aparecimento de Carlos da Maia em Lisboa, em 1875.

É também por analepses que conhecemos o passado de Maria Eduarda, passado esse que ela apenas recorda por aquilo que a mãe lhe contou e que ela conta a Carlos. Como se sabe, a sua verdadeira identidade apenas virá a ser revelado por meio de uma carta que Ega recebe de Guimarães.

- anisocronias : as anisocronias, ou seja, o processo pelo qual o tempo do discurso é menor que o tempo diegético ou da história, podem constatar-se através de :

- os resumos através dos quais nos é contado sumariamente o que aconteceu para, depois, prosseguir a narrativa. Assim, em resumo é contada a juventude de Afonso, a educação e crescimento de Pedro, o romance deste com Maria Monforte, a infância de Pedro, a sua juventude e o seu tempo como estudante em Coimbra ;- as elipses, as quais omitem períodos temporais que são sugeridos ao nível da história. N’ Os Maias, as elipses podem encontrar-se sobretudo na grande analepse inicial. Exemplos disso é o romance entre Maria Monforte e Tancredo e a evolução de Carlos até regressar da Europa. Na parte final, a elipse é bem evidente no dilatado período de tempo em que Carlos esteve no estrangeiro, uma vez que não nos são fornecidos pormenores acerca do

desgaste psicológico a que as personagens foram sujeitas.- isocronias : verifica-se uma isocronia sempre que o tempo do discurso é coincidente com o tempo diegético ou histórico. N’ Os Maias, as isocronias estão presentes fundamentalmente na intriga principal e na crónica de costumes. As marcas da isocronia são o diálogo e o discurso directo, a apresentação da movimentação das personagens e a descrição da descrição fisionómica das mesmas. O suicídio de Pedro, a estadia de Carlos em Lisboa, as corridas o sarau do Teatro da Trindade, a visita de Carlos a Rosa, a revelação da identidade de Maria Eduarda e outros episódios, tudo isto são isocronias.

5.4 Tempo psicológico :O tempo psicológico é o tempo conforme é vivido pelas personagens, de forma subjectiva. Está directamente relacionado com a problemática existencial da personagem, revelando a sua mudança, o seu desgaste, as suas contradições, tudo isto provocado pela passagem do tempo e pelas vivências felizes ou infelizes das personagens.

Em Os Maias, está confinado aos pensamentos e emoções de Carlos e Ega, e tem uma grande importância.. Entre outros episódios, na obra o tempo psicológico evidencia-se :

- nas considerações de Carlos sobre os pais (pág. 183) ;- no passeio com Ega após as corridas ;- nas longas tardes no consultório (pág. 103) ;- nas lembranças do início da relação com Maria Eduarda ;- na morte de Afonso ;- no episódio final, quando Carlos e Ega visitam o Ramalhete cerca de dez anos depois do desenlace trágico, é nítida a nostalgia com que Ega recorda o tempo perdido : “… a alegre casa dos Olivais que tinham ornado, as belasnoites de cavaco, os jantares, os foguetes atirados em honra de Leónidas …como tudo passara !”.

Page 29: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

6. O Espaço :

Em Os Maias os diversos espaços assumem uma dimensão simbólica e estão sujeitos às regras naturalistas - “o Homem é determinado por factores que o condicionam : hereditariedade, meio e educação”.

6.1 Espaço físico :São variados os espaços físicos e / ou geográficos n’ Os Maias e estão relacionados com o percurso da personagem central - Carlos da Maia. Assim, temos :

- Santa Olávia : é o local da educação de Carlos e o sítio para onde a família se desloca para recuperar forças, para esquecer a dor e para encarar o futuro ;- Coimbra : é o espaço da formação académica de Carlos, símbolo da irreverência e da boémia estudantil ;- o Ramalhete : simboliza o fatalismo e a sua degradação acompanha o percurso da família. O Ramalhete é apresentado sob três fases :

- 1ª fase : o Ramalhete está desabitado, sem vida, porque a família está ausente em Santa Olávia ;- 2ª fase : o Ramalhete ganha vida acompanhando o renascer da família com a vinda de Carlos para Lisboa ;- 3ª fase : a tragédia abate-se sobre a família e o Ramalhete é votado ao abandono, à morte : o jardim morre lentamente e os móveis cobrem-se de panos brancos, como mortalhas.

- a Toca : é o local dos amores incestuosos de Carlos e Maria Eduarda e onde mais abundam os indícios trágicos. O próprio nome sugere animalidade e irracionalidade, que há algo de anormal naquela relação.- Lisboa : para além do Ramalhete e da Toca, Eça retrata-nos diversos espaços da Lisboa dos finais do séc. XIX, tais como : a Baixa, o Aterro, o Campo Grande, os Olivais, etc. Quanto aos espaços interiores, para além dos referidos, os mais importantes são o 1º andar da Rua de S. Francisco, o Grémio, os teatros de S. Carlos e da Trindade, os hotéis Central e Bragança e a casa dos Gouvarinho. A predilecção de Ega pelos espaços lisboetas é intencional pois, sendo o objectivo fundamental do autor a representação crítica da sociedade portuguesa do séc. XIX, não poderia encontrar espaço mais adequado que a capital, porque, tanto ontem como hoje, é Lisboa quem polariza a vida política, económica e social do país.

6.2 Espaço social :É constituído pelos ambientes episódios e personagens que retratam os costumes, as

mentalidades e o modo de vida da alta sociedade burguesa lisboeta e, por arrastamento, de Portugal da 2ª metade do séc. XIX. O espaço social assume um papel fundamentalmente crítico e surge representado na crónica de costumes.

Essa panorâmica da sociedade lisboeta daquela época é bem ilustrada através de episódios muito conhecidos, tais como :

- o jantar do Hotel Central : onde o herói contacta pela primeira vez com o meio social lisboeta, e em que nos é dada uma visão fortemente crítica da mentalidade da elite

lisboeta ;- as corridas de cavalos que denunciam a mentalidade provinciana ;- o jantar em casa dos Gouvarinho em que se critica a mediocridade mental e a superficialidade da classe dirigente ;- o episódio do jornal A Tarde em que se desmascara o parcialismo, o clientelismo

Page 30: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

partidário e a incompetência dos jornalistas da época ;- o sarau literário do Teatro da Trindade em que se criticam a superficialidade e a ignorância da classe dirigente, a oratória política estéril e os excessos do ultra- romantismo ;- o passeio final de Carlos e Ega em Lisboa que revela o sentido de degradação progressiva e irremediável da sociedade portuguesa para a qual se não vislumbra qualquer evolução : “a mesma sentinela, os mesmos reposteiros, o mesmo aspecto do Hotel, as mesmas portas, as mesmas ombreiras,…”. Eça de Queirós serve-se, portanto, das palavras de Carlos para afirmar que em Portugal nada muda, tudo se mantém ma mesma.

6.3 O Espaço psicológico :È constituído pelas emoções, a afectividade, o íntimo das personagens e as suas

perspectivas individuais e subjectivas. Só aparece representado nas personagens modeladas, especialmente em Carlos e Ega. O espaço psicológico implica subjectividade, o que contraria a estética naturalista, defensora da representação objectiva da realidade.

Este tipo de espaço pode ser verificado através das seguintes situações :- o sonho de Carlos - visão de Maria Eduarda : Carlos vê Maria Eduarda, a primeira vez, em frente ao Hotel Central e a imagem desta causa-lhe uma impressão profunda. Mais tarde, é narrado o seu sonho, em que Maria Eduarda reaparece como uma deusa (Cap. III) ;- Maria Eduarda e a paisagem de Sintra : Enquanto procurava encontrar Maria Eduarda em Sintra, Carlos imagina com sensualidade as formas do corpo desta e também aquilo que ela, naquele momento, estaria a fazer em Lisboa ;- a memória : Carlos lembra a morte do avô como a morte de uma fase da sua existência (cap. XVII).- reflexões de Ega após a descoberta da identidade de Maria Eduarda : Primeiro, Ega recusa, terminantemente, a verdade. Num segundo momento, já admite a possibilidade. E, finalmente, face aos documentos, nada há a fazer senão aceitá-la.

7. Tipos de narrador e focalização da narrativa :7.1 Tipos de narrador :

O Realismo e o Naturalismo privilegiam a utilização do narrador heterodiegético (não participante na acção), pois é este o que melhor pode preservar a objectividade. N’ Os Maias , é também o narrador heterodiegético que predomina, pois Eça de Queirós

Page 31: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

representa uma entidade exterior à história que tem uma função meramente narrativa, relatando os acontecimentos sem os viver e mantendo sempre a isenção.

Porém, na obra, existem também momentos de narração homodiegética em que o narrador é participante na acção, ou seja, é uma personagem da história que revela as suas próprias vivências numa determinada circunstância. Inclui-se neste caso o exemplo de Maria Eduarda que, já num ponto adiantado da acção, revela a Carlos as suas origens e o seu passado mais recente.

7.2 A focalização da narrativa : Há neste romance vários tipos de focalização, ou seja, vários processos de apresentação do ponto de vista do narrador em relação aos acontecimentos narrados. Assim :

- focalização omnisciente : é o tipo de focalização em que o narrador demonstra conhecer todos os pormenores relativos à história, mesmo aqueles que antecedem o romance. Este tipo de focalização revela-se especialmente na analepse inicial em que se faz a retrospectiva da família Maia. É um tipo de focalização inteiramente objectiva ;- focalização interna : este tipo de focalização verifica-se sempre que é o ponto de ta de uma personagem que é apresentado. N’ Os Maias, é fundamentalmente com Carlos que a focalização interna se torna mais relevante. Os juízos críticos de Carlos dominam, com efeito, os principais momentos da acção d’ Os Maias sempre que a personagem se encontra com outros elementos da classe social em que está inserido. No fundo, as outras personagens dependem da sua visão do mundo e é a sua subjectividade que prevalece. Nalguns momentos, a focalização interna é centrada em Ega que exprime também o seu ponto de vista acerca de determinados assuntos, especialmente os de cariz literário e político.- focalização externa : é constituída pelos momentos em que o narrador revela as características exteriores das personagens ou apresenta um determinado espaço físico onde decorre a acção. N’ Os Maias, a focalização externa é utilizada fundamentalmente nos momentos descritivos quer sejam de personagens, quer de espaços físicos, e que funcionam como um momento de pausa na acção. É um tipo de focalização subjectiva e permite que o leitor estabeleça uma relação entre a caracterização psicológica das personagens e o seu aspecto exterior e também a relação entre essas mesmas personagens e o meio físico em que se movem.

8. Linguagem e estilo :A linguagem e o estilo de Eça de Queirós são muito ricos e variados. Vejamos algumas das principais características :

- ao nível lexical :- emprego expressivo e frequente do advérbio de modo com função caracte- rizadora, caricatural e crítica. Exemplos : “Cruges bocejava desconsola- damente”, “Dâmaso sorria lividamente” ;- emprego de verbos com grande valor expressivo : “Dâmaso estoirava de gozo”, “Ega trovejou”, “o mulherão da Concha rosnou os buenos dias” ;- emprego da adjectivação dupla e tripla, anteposta ao substantivo : “Dâmaso era interminável, torrencial, abundante” , “Outono luminoso e macio”, etc.- uso de neologismos : “politicote”, “lambisgonhice”, “pensabudo”, “gouvarinhar”, escrevinhador”, etc. ;- emprego do diminutivo com valor irónico, os quais podem assumir três significados :

- pequenez : livrito, jardinzito, pedrita, etc. ;

Page 32: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

- carinho ou ternura : paizinho, mãezinha, Carlinhos ;- ironia e depreciação : “o homenzinho não está bom da cabeça”, “a Joaninha Vilar gordinha e lânguida” ;

- uso de estrangeirismos (galicismos, especialmente) : avenida em vez de alameda, chaminé em vez de fogão, conduta em vez de procedimento, detalhe, em vez de minúcia ;

- ao nível sintáctico : - construção frásica : frase curta com justaposição de ideias à medida que elas vão surgindo no pensamento ; preferência pela ordem directa da frase : sujeito, predicado, complementos ; uso do discurso indirecto livre, através do qual o autor consegue fazer falar, fazer pensar alto as suas personagens, dar-nos a conhecer a vida interior delas, através das suas próprias palavras e não as do autor.

- ao nível semântico : uso de variadas figuras de estilo, tais como :- ironia (atribuição a uma palavra ou frase de um sentido diferente daquele que, na realidade, tem) : “o morgadinho, o Eusebiozinho, uma maravilha muito falada naqueles sítios” ;- hipálage : transposição de uma qualidade ou acção de um substantivo para outro com o qual não tem relação directa : “todos os dias come um peixe austero” (transferência da austeridade de quem jejua para o peixe que come) ; “passinho lento, prudente, correcto” (transferência das qualidades de uma pessoa para a forma como anda) ;- sinestesia (associação de sensações que se referem a diferentes órgãos dos sentidos : “luz macia” (visão + tacto) ; o som vermelho do clarim (ouvido e visão) ;- aliteração (repetição do mesmo som em várias palavras da mesma frase, para lhe conferir ritmo) : “um rude trovão rolou, atroou a noite negra”, “um moço loiro, lento, lânguido, que se curvava em silêncio diante dela” ;- metáforas (…) ;- comparações (…)

9. O simbolismo da obra :

Maria Eduarda é a terceira figura feminina no conjunto de três gerações da família Maia apresentadas na obra. Simbolicamente, o número três é o número da completude e, neste caso, implica a conjugação de três momentos temporais: o passado (representado porMaria

Page 33: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Eduarda Runa e Maria Monforte), o presente (representado por Maria Eduarda) e o futuro (o “fim” da Família Maia), ou seja, a mulher aparece na obra como um factor de transformação do mundo masculino (todas elas, cada uma à sua maneira, foram fatais para os homens da família), conduzindo a família à estagnação. O terceiro elemento feminino torna-se a revelação simbólica dos outros dois (Maria Eduarda Runa e Maria Monforte) que foram nefastos à família.

Ainda relacionado com este simbolismo, é interessante ver a relação simbólica que se pode estabelecer entre os três lírios brancos que Carlos vê dentro de um vaso do Japão, quando, pela primeira vez, tem acesso à casa de Maria Eduarda, na Rua de S. Francisco, e as três mulheres que penetram na família Maia. Na verdade, apesar da brancura dos lírios (conotada na tradição oriental com o luto), as flores murcham num vaso do Japão. Assim, os lírios brancos que, à partida, são conotados com a pureza, perdem a sua conotação positiva ao murcharem e passam e simbolizar a morte. O lírio concentra a ideia de prosperidade da raça, continuada de geração em geração. Por outro lado, o facto dos três lírios brancos se encontrarem num vaso do Japão aponta já para algo de estranho, pelo invulgaridade que representa esta peça decorativa, pois insere no espaço físico de Maria Eduarda uma cultura estranha à cultura ocidental.

Saliente-se que Carlos e Maria Eduarda terão os seus encontros quer na Toca, marcada por uma decoração excêntrica e exuberante, quer no quiosque japonês, pelo que retoma a simbologia de uma cultura estranha neste espaço.

A Toca é o nome dado à habitação de certos animais, apontando desde logo para o carácter animalesco do relacionamento amoroso entre Carlos e Maria Eduarda. Carlos introduz a chave no portão da Toca com todo o prazer, sugerindo não só poder mas também o prazer das relações incestuosas (é de lembrar que a chave é um símbolo fálico). Da segunda vez que se alude à chave, os dois amantes experimentam-na o que passa a simbolizar a aceitação e entrega mútua. Os aposentos de Maria Eduarda simbolizam o carácter trágico da relação, estando carregados de presságios: nas tapeçarias do quarto “desmaiavam, na trama de lã, os amores de Vénus e Marte”, e, assim, de igual modo, este amor de Carlos e Maria Eduarda estava condenado a desmaiar e desaparecer ; “... a alcova resplandecia como o interior de um tabernáculo profano...” (= “altar” que não pertence a uma religião) dando, assim, a entender que a mistura entre o sagrado e o profano pode simbolizar o desrespeito pelas relações fraternas. A descrição do quarto tem ainda mais traços próprios de um local dedicado ao culto: a porta de comunicação “em arco de capela”, donde pendia “uma pesada lâmpada da Renascença” conferindo maior solenidade. Com o sol, o quarto “resplandecia como (...) um tabernáculo. Carlos mostrava-se indiferente aos presságios, inconsciente e distante, mas Maria Eduarda impressiona-se ao ver a cabeça degolada de S. João Baptista, que foi degolado por ter denunciado a relação incestuosa de Herodes, e a enorme coruja a fitar, com ar sinistro, o seu leito de amor (lembre-se que a coruja é considerada uma ave de mau agoiro, que surge aqui para vaticinar um futuro sinistro para este amor). Por fim, deve ter-se em conta que, na primeira noite de amor entre Carlos e Maria Eduarda, a qual se dá precisamente na Toca, dá-se uma grande trovoada como que a pressagiar um mau ambiente que se criaria resultante deste incesto.

Maria Eduarda tem receios, desconhece a sua verdadeira identidade, mas demonstra sempre interesse em antever o futuro através da análise de pequenos pormenores das coisas ou das pessoas, análise essa que assume um valor simbólico ou premonitório, como acontece quando ela descobre semelhanças entre Carlos e a sua mãe.

O Ramalhete está simbolicamente ligado à decadência moral do Portugal da Regeneração. Os móveis do escritório de Afonso estão cobertos de panos brancos que são

Page 34: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

comparados a mortalhas com que se envolvem cadáveres, prenunciam já a morte que se abaterá na família Maia. Concentra em si o peso da fatalidade familiar, que, logo no início da narrativa, lhe foi atribuída por Vilaça num relatório sobre a casa que enviou a Afonso, o qual se riu da observação; mas, de facto, é lá que morre Pedro na sequência do abandono de Maria Monforte, e é lá também que Afonso vai morrer de desgosto após descobrir o incesto dos netos.

O jardim do Ramalhete é rico em simbologias. Numa primeira e últimas fases, este espaço evidencia a tristeza e o abandono, e na desolação do jardim, sobressaem três símbolos do amor puro e imortal. O cipreste (símbolo da morte) e o cedro (símbolo do envelhecimento). Estas árvores podem ainda ligar-se ao mundo romântico por serem árvores de cemitério conotadas com a morte; acabam por simbolizar duas personagens românticas mas que, na teoria, se dizem realistas e que, no final da obra, ficam tão sós como estas duas árvores: Carlos e Ega. No jardim encontramos também a estátua de Vénus Citereia, deusa do amor, ligada à sedução e à volúpia. A apresentação deste elemento liga-se às três fases do Ramalhete: numa primeira fase relaciona-se com a morte de Pedro “enegrecendo a um canto”; numa segunda fase e após a remodelação, aparece em todo o seu esplendor simbolizando a ressurreição da família para uma vida feliz e harmónica ; na terceira e última fase, enquanto símbolo do Amor e do Feminino, aparece aos nossos olhos coberta “de ferrugem”, simbologia negativa, assumindo-se como duplo de Maria Eduarda, último elemento feminino que, através do amor, destruiu para sempre a frágil harmonia da família Maia. O facto da estátua ser de mármore simboliza o universo clássico, numa nítida tentativa de relembrar a tragédia clássica; por outro lado, o mármore liga-se ao cemitério por ser frio como a morte, e por ser o material usado nas campas. A cascata é, na tradição judaico-cristã, símbolo de regeneração e de purificação; cheia de água, conota-se com o choro, com as lágrimas, num nítido prenúncio da tristeza que se abaterá sobre os Maias.

“Maria Eduarda, Carlos Eduardo... Havia uma similitude nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a concordância dos seus destinos!” Pressagiava de facto, mas de maneira trágica. Também a semelhança do nome das três figuras femininas centrais parece apontar para que todas elas são fatais, à sua maneira, aos homens da família Maia – Maria Eduarda Runa, Maria Monforte, Maria Eduarda – todas Maria e, a primeira e a última Maria Eduarda, concorda também nos seus próprios destinos, todas morreram, se bem que as duas primeiras fisicamente e a última psicologicamente.Há ainda que salientar a similitude física entre Carlos e Maria Monforte, sugerida por Maria Eduarda, e a semelhança de carácter de Afonso e Maria Eduarda, sugerida por Carlos quando vê que Maria Eduarda é tão bondosa como o avô – Maria Eduarda pede-lhe para ir ver a irmã da sua engomadeira que tinha reumatismo, e o filho da Sr.ª Augusta, a velha do patamar, que estava tísico; Carlos cumpria estes encargos com o fervor de acções religiosas.

Afonso encontra sérias semelhanças entre seu filho, Pedro, e um tio da família Runa que endoideceu e se enforcou. Estas semelhanças agoiravam já o futuro de Pedro que, tal como o tio, se suicidou, mas este com um tiro na cabeça, morrendo alagado numa poça de sangue.

Maria Monforte estava lendo uma novela sugerida por Alencar, em que o herói era o último Stuart, o romanesco príncipe Carlos Eduardo e, como estava fascinada por ele, quis dar esse nome a seu filho, pois parecia ser objecto de um destino de amores e façanhas. De facto, Maria Monforte estava certa : o incesto era o destino amoroso de Carlos que acabou por levar a que este seja o último dos Maias. Contrariamente a Maria Monforte, Pedro queria chamar Afonso ao filho, mas acabou por aceder a Carlos Eduardo.

Page 35: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Afonso recebe, por Vilaça, a notícia do casamento de Pedro, com o qual não concordara e, quando se senta “à mesa do almoço posta ao pé do fogão”, vê que “ao centro um ramo esfolhava-se num vaso de Japão, à chama forte da lenha”. Isto pressagiava o fim do “romance” de Pedro e Maria Monforte pois este enlace iria desfazer-se e desaparecer, como aquelas folhas secas que, à chama forte da lenha, se esfolhavam no vaso de Japão. E Pedro, um dos Maias, separar-se-ia depois, pelo suicídio, do tronco familiar.

Carlos com um profundo sentimento de culpa dirige-se da Rua de S. Francisco para o Ramalhete pensando que, depois de ter cometido o incesto consciente, é-lhe impossível recomeçar a sua vida, tranquilamente, na presença do avô e de Ega.No momento da chegada de Carlos ao Ramalhete, no exterior “os candeeiros ainda ardiam”, porém o advérbio de tempo “ainda” indica que a escuridão está prestes a acabar, dando lugar à luz do dia. Mas, no interior, reinava a escuridão, e Carlos procurava uma luz para iluminar os seus passos e, simbolicamente, o seu comportamento, pois, moralmente, sentia-se também às escuras.Neste momento de hesitação surge o avô com uma luz, manifestada primeiro como claridade que vai crescendo e, depois, se torna num clarão, numa luz bem definida. Podemos descortinar nesta luz um simbolismo: o avô sempre representou a luz, uma luz para Carlos que lhe dissipava os momentos de incerteza e o orientava na vida. Mas agora “estava lívido”, descorado pelas dúvidas, os seus olhos estavam vermelhos, não só por ter passado a noite em claro, mas pelo sofrimento. A luz de antigamente apagara-se e agora o avô não se encontrava ali para orientar mas para pedir contas, para recriminar.A luz do avô agora assustava Carlos porque este, cedendo ao prazer pecaminoso, tornou-se cúmplice do mal e do poder das trevas. Não admira que entrasse no quarto às escuras, sem rumo, desorientado, tropeçando num sofá, sem saber o que fazer. A imagem do avô ficou gravada no neto, sobretudo através de duas cores: o lívido do rosto e o vermelho da vela e dos olhos, ambas de natureza negativa e que apontam para a morte. A partir desta confrontação, a vida perdera todo o sentido para ele.Foi preciso ser anunciado o sol e a luz do dia para ele reagir a este estado depressivo que o dominava e adormecer. Através da evasão do sono, logrou fechar as portas à luz do dia e da razão, e mergulhar na escuridão a qual, neste caso, pode ser conotada com a morte, não uma morte física, mas sim espiritual.

A variedade cromática que povoa Os Maias está carregada de simbolismo : O vermelho assume na obra um grande significado : Maria Monforte e Maria Eduarda são portadoras de um vermelho feminino, fogo que desencadeia a libido e a sensibilidade, espalham a morte provocando o suicídio de Pedro, a morte física de Afonso e a morte psicológica de Carlos. Já os olhos vermelhos de Afonso e a vela vermelha que ele trazia na mão incomodaram tanto Carlos que este anteviu a morte, que de facto estava para acontecer no jardim do Ramalhete.A casa do Ega, a Vila Balzac, tem uma grande concentração de cores, dispostas em espaços bem definidos: “verde feio e triste” na sala, sala de jantar amarela, quarto vermelho, cozinha verde e branca. O vermelho do quarto é tão intenso que indica a dimensão essencialmente libidinosa, carnal e efémera dos encontros de amor com Raquel Cohen. O amarelo/dourado indica o carácter ardente da paixão, tendo um significado duplo: cor do ouro de essência divina ; cor da terra simbolizando o Verão e o Outono, anunciando a velhice, o Outono e a proximidade da morte.Maria Monforte e Maria Eduarda conjugam o vermelho com o amarelo/dourado (cabelos de ouro), pelo que, tanto simbolizam a vida como a morte, o divino e o humano.Afonso vê Pedro e Maria Monforte juntos num passeio. Maria Monforte traz um vestido cor-de-rosa que cobria os joelhos de Pedro, condizendo com as fitas do chapéu, também cor-de-rosa, simbolizando a vida romântica em que Pedro se deixou enlear. O azul dos olhos de

Page 36: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Maria que, embora azuis da cor do céu, eram de um “azul sombrio” prevendo sombras, tristezas e complicações para este amor. O caminho por onde estes passeavam era verde e fresco, mas a ramagem que o circundava pareceu, a Afonso, de um verde triste, prenunciando luto e tristeza que ensombraria aquela união; embora o verde seja símbolo da primavera, e por isso devia ser alegre, este verde é sombrio, pressagiando que a primavera da vida de Pedro também vai ser sombria. A sombrinha vermelha que envolvia Pedro lembrou a Afonso “uma larga mancha de sangue” em que, de facto, Pedro vai morrer.

Durante as corridas de cavalo, Carlos que apostara em Vladimiro, uma pileca, acaba por ganhar várias apostas, quando vai cobrar a dívida à ministra da Baviera que lhe diz, em tom de presságio “Vous connaissez le proverbe: heureux au jeau...” azar no amor. De facto, Carlos pode ter sorte ao jogo, mas acaba por falhar no amor ao se apaixonar pela própria irmã.

A obra afasta-se dos postulados naturalistas (= submissão à Razão e à realidade) ao aceitar e introduzir uma entidade transcendente (O “Fatum”) que tudo faz para destruir Carlos e Maria Eduarda, depois de os ter aproximado. O destino compraz-se, assiste atento e ciumento, à felicidade do par e, quando nada o fazia prever, aparece abertamente através do Sr. Guimarães.

10. A inserção do trágico e a compensação irónica :Eça de Queirós, habilmente, resolveu um problema tão grave e tão insólito como o da

inserção do tema do incesto num romance de costumes, através de um processo de compensação por meio do uso da ironia.

Page 37: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Quer isto significar que, se por um lado Eça de Queirós inseriu no seu romance um assunto tão pouco comum, tão imoral e tão trágico como é o incesto, por outro lado procurou atenuar essa insólita e terrível constatação de dois irmãos serem amantes, através do recurso à ironia.

Assim, Eça de Queirós misturou o trágico com o ridículo. Vejamos :- a interferência dos prazeres da comida nas situações mais graves : quando tomou conhecimento da terrível verdade acerca da identidade dos irmãos, seria de esperar que Ega, o melhor amigo de Carlos da Maia, ficasse tão transtornado com a novidade que nem sequer pudesse ter reacção para fazer fosse o que fosse. No entanto, o que sucede é, de todo, inesperado : pouco depois de conhecer a terrível verdade, Ega é-nos apresentado pelo autor a banquetear-se : “o bife era excelente ; e depois de uma perdiz fria, de um pouco de ananás … Ega sentiu adelgaçar-se, enfim, aquele negrume que, desde a véspera, lhe pesava na alma”. Portanto, através dos prazeres da boa comida, Eça de Queirós compensou o trágico da situação com o recurso à compensação irónica.- outro exemplo de compensação irónica utilizada pelo autor encontra-se no episódio em que Vilaça procura o seu chapéu. Na realidade, essa cena é incluída num momento de grande intensidade dramática : Carlos acabara de saber a triste realidade e desabafava com João da Ega ; é então que, de uma forma totalmente inesperada, são interrompidos por Vilaça, o qual, atarantadamente, procurava o seu chapéu. Assim, através deste processo, o autor compensou a tragédia com a inclusão de uma cena irónica e ridícula.

Por estes dois exemplos, verifica-se, pois, que nos momentos de maior intensidade dramática, Eça de Queirós utiliza um processo compensatório que, de certa forma, atenua o dramatismo da situação. De facto, utilizando a ironia, como que “corta” o efeito trágico que as situações mais difíceis estão a exercer sobre os protagonistas.

11. Os Maias , romance pedagógico ?Parece claro que Eça de Queirós procurou imprimir a Os Maias um cunho pedagógico,

ou seja, procurou instruir o leitor no sentido de este retirar do conteúdo do romance uma lição que lhe pudesse ser útil para vida.

Para demonstrar isso, n’ Os Maias estão presentes dois malogros ou fracassos : o malogro do amor (tema principal) e o malogro das ambições intelectuais.

Carlos é um bom exemplo no que respeita a este último . falhou os seus projectos de trabalhar, de ser útil ao país, de o fazer ressurgir, aspectos estes que, de certa forma, são típicos dos intelectuais da sua geração (alusão à “Geração de 70”).

Ora, Eça de Queirós, n’ Os Maias denunciou, pois, a esterilidade desta elite de intelectuais servindo-se, para isso, da personagem de Carlos - e também de João da Ega - e de tudo o que ela representava. Com efeito, Carlos teve uma educação “à inglesa” : ar livre, Natureza, observação directa das coisas, ausência de preconceitos morais, enfim, tudo norteado para que tivesse sucesso na vida. Porém, como nos diz Jacinto do Prado Coelho, “Carlos não fracassou por causa da educação recebido, mas apesar da educação recebida”.

Quais foram, portanto, os motivos que conduziram ao malogro intelectual de Carlos ? São dois : o temperamento portuguesmente mole e apaixonado e o meio lisboeta ocioso e parasita.

Bons exemplos disto mesmo são os factos de Carlos ter chegado a Lisboa desejoso de estudar, de investigar e de publicar mas, passado pouco tempo, “o tédio do seu gabinete fá-lo bocejar” e “a sussurração lenta de uma cidade preguiçosa envolvem Carlos numa

Page 38: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

indolência e numa dormência”. A mudança de Carlos é tal que este, apesar de ter recebido a tal educação “à inglesa”, chega mesmo a dizer à Gouvarinho que “a água fria e a ginástica têm melhor reputação que a que merecem”. Por aqui se vê que não foi por causa da educação que Carlos fracassou, mas apesar da educação.

Quanto ao malogro do amor, que constitui o tema central da obra, Os Maias encerram um pensamento que nos alerta para os perigos do “amor-paixão” uma vez que este põe em dúvida a clarividência dos espíritos fortes e desafia a lógica e a racionalidade.

Mas, para além destes dois factores que tornam possível considerar Os Maias como um romance pedagógico, temos de considerar ainda um outro : a reflexão sobre Portugal.

Com efeito, Portugal é apresentado como um país aparentemente sem remédio, um país em que as elites intelectuais não são capazes de travar a lenta agonia das instituições, da economia e das mentalidades.

Por isso, n’ Os Maias, Eça de Queirós faz referências pouco abonatórias ao típico feitio português, tendo mesmo colocado os problemas do país como o mais forte princípio de unidade dentro do romance, mesmo considerando que essa unidade se desdobra nos temas centrais do amor, na família dos Maias, na tragédia pessoal de Carlos e no meio ocioso lisboeta.

Desta forma, segundo Jacinto do Prado Coelho, a verdadeira personagem da obra de Eça é Portugal, um país cujo atraso em relação à Europa se devia tanto a um “ feitio mole” dos portugueses, como à inépcia dos políticos.

12. Os Maias - classificação do romance :Embora tudo indique tratar-se Os Maias de um típico “romance de família” uma vez

que o mesmo relata a história de uma família ao longo de três gerações, tal não será muito adequado se tivermos em conta que a geração de Afonso e Pedro são abordadas de uma forma muito superficial, focando apenas o essencial para que, a partir do terceiro capítulo, possa aparecer a personagem de Carlos.

Page 39: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Assim sendo, será mais correcto classificar Os Maias como um romance de acção, uma vez que Eça, ao mesmo tempo que relatava os acontecimentos relativos aos amores de Carlos da Maia, inventou enredos, criou dramas e mesmo comédias, mostrando os caracteres das personagens através da acção que estas iam desenvolvendo ao longo da obra.

Quanto à inserção de Os Maias numa corrente literária, muitos críticos têm colocado a seguinte questão : será a obra Os Maias um romance naturalista e realista ?

Em primeiro lugar, deve reconhecer-se que n’ Os Maias, sem qualquer dúvida, está presente o Realismo, sobretudo no envolvimento das personagens desde a educação que receberam até ao condicionamento provocado pelo meio vicioso da capital. No entanto, o rigor científico de análise do Naturalismo está ausente, apenas se revelando alguns elementos próprios dessa corrente literária nos seguintes aspectos : as alusões à hereditariedade ; o apontamento relativo ao interesse de Carlos pela investigação científica ; o elogio da escola naturalista feito expressamente pelo narrador no capítulo VI e por Ega no capítulo XII.

Aliás, os aspectos que afastam Os Maias da objectividade rigorosa e científica do Naturalismo são os seguintes :

- a presença de presságios e superstições ;- o papel conferido ao destino que é considerado como a força causadora da tragédia da família Maia ;- a presença de personagens modelas e, por conseguinte, dotadas de uma forte subjectividade ;- a existência do tempo e do espaço psicológicos e ainda a presença do narrador de focalização interna e externa, elementos estes que, forçosamente, estão imbuídos de subjectividade.

Este aparente desapego em relação ao Naturalismo tem uma explicação : quando Eça de Queirós redigia Os Maias, já muitos escritores contestavam o Positivismo, o Determinismo e a confiança no Cientismo. Assim, não admira que na obra se verifique um claro desvio das técnicas naturalistas e, ao mesmo tempo uma notória aproximação ao Simbolismo. Vejamos alguns traços simbolistas presentes na obra :

- o valor simbólico que assumem os diversos espaços em que decorre a acção ;- os elementos da decoração da Toca que simbolizam a tragédia que se seguirá;- o ambiente que envolveu a morte de Afonso : “em volta, nas folhas das camélias nas áleas areadas, refulgia, cor de ouro, o sol fino de Inverno. Por entre as conchas da cascata, o fio de água punha o seu choro lento”.

Assim sendo, resta concluir que a obra Os Maias não é passível de ser classificada como representante de um único movimento estético-literário uma vez que, ao longo do romance se podem encontrar elementos realistas, naturalistas e simbólicos.

Os Maias , de Eça de Queirós

Ficha de Revisões

1. Coloca por ordem os seguintes momentos da acção referentes ao cap. XV de Os Maias :A- Carlos e Ega planeiam a destruição de Dâmaso ;

Page 40: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

B- Ega, furioso por Dâmaso e Raquel no S. Carlos, decide destruí-lo utilizando a carta ;C- Ega relembra projecto de criação do Cenáculo ;D- Na Toca, Carlos e Maria Eduarda projectam fugir para Itália.

2. Qual é a época retratado no romance Os Maias ?A - todo o séc. XVIII ;B - a primeira metade do séc. XIX ;C - a segunda metade do séc. XIX ;D - a segunda metade do séc. XVIII.

3. A educação de Carlos da Maia foi feita sob a orientação do preceptor inglês ______ , por ordem de ___________ .

4. Em Lisboa, Carlos da Maia envolve-se com velhos parceiros e com uma geração nova. Faz corresponder cada característica à respectiva personagem :

- oficial do exército - Sequeira- fidalguia à portuguesa, devoto e devasso - Cruges- empregado do tribunal de contas - Cruges- maestro e pianista - Marquês de Souselas

5. O nome da casa da família Maia provém de um painel de __________ , com um ramo de ___________ .

6. Coloca por ordem cronológica os seguintes episódios da acção principal de Os Maias :A - As revelações de Guimarães a Ega ;B - O encontro de Maria Eduarda com Guimarães ;C - A declaração amorosa de Carlos ;D - Carlos comete incesto involuntário.

7. Eça de Queirós (1845 - _____) participou com Antero de Quental nas Conferências Democráticas do Casino, onde expôs a sua teoria sobre ______:

8. A casa alugada nos Olivais a ___________ por Carlos, passa a ser o espaço privilegiado da intriga de Os Maias.

9. Carlos da Maia, enquanto estudante de Coimbra liga-se aos estudantes mais revolucionários e, sobretudo a ___________ .

10. N’ Os Maias são referidos acontecimentos que se prendem com a Revolução Liberal de _____ (que marca a juventude de _______ ) e com a fase da Regeneração.

11. Carlos soube que era irmão de ______________ através de uma carta entregue por ___________ a _____________ .

12. N’ Os Maias, Eça apresenta a crónica de três gerações bem definidas : a de _________ e das lutas liberais ; a de ___________ e do Romantismo e a de __________ e do Portugal da Regeneração :

13. Que figura de estilo contém a frase “D. Eugénia deu uma malha indolente no crochet” ?

Page 41: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

14. A partir da intriga central - os amores ___________________ - Eça de Queirós pretendeu, em Os Maias , retratar a sociedade portuguesa dos fins do séc. _______ .

15. Coloca por ordem de surgimento os seguintes episódios de Os Maias :A - o episódio da corrida dos cavalos ;B - a cena do jornal A Tarde ;C - o jantar no Hotel Central ;D - o sarau no Trindade ;E - o jantar em casa dos Gouvarinhos.

16. Quais são os recursos que serve, a anisocronia existente n’ Os Maias ?

17 . Que personagem é adjuvante na intriga central de Os Maias ?

18. No cap. VII de Os Maias a personagem Carlos vai-se adensando, dividido entre a idealização amorosa da “deusa” e o desejo sensual de ___________ ;

19. Ordena os seguintes episódios de Os Maias :A - jantar dos Gouvarinhos ;B - a “Corneta do Diabo” ;C - no jornal A Tarde ;D - as corridas.

20. Coloca por ordem cronológica os factos representados relacionados com a história amorosa de Carlos da Maia e Maria Eduarda :

A - Carlos comete o incesto com Maria Eduarda ;B - Carlos decide afastar-se ;C - Visita aos Olivais e início das relações amorosas entre Carlos e Maria Eduarda ;D - Carlos recebe o bilhete de Maria Eduarda.

21. Onde e em que altura ocorreu o suicídio de Pedro da Maia ?

22. Em que data se inicia a narração de Os Maias ?

23. Coloca por ordem cronológica os seguintes factos da acção d’ Os Maias ?

24. A que geração corresponde a grande analepse d’ Os Maias ?

25. Durante a grande analepse, são narradas duas histórias : a de Afonso da Maia e a de Pedro da Maia. Coloca por ordem cronológica os episódios referentes às duas histórias :

A - Maria Monforte mantém um romance com Tancredo e foge com ele ;B - À noite, Pedro suicida-se. Afinal “era em tudo um fraco” ;C - A morte da mãe provoca em Pedro da Maia uma grande depressão ;D - Afonso da Maia casa-se com Maria Eduarda Runa.

26. Qual é a afirmação que melhor caracteriza o Realismo :A - analisa as circunstâncias sociais que envolvem as personagens ;B - Apresenta a personagem-tipo que permite a reflexão crítica sobre o Homem e os seus problemas ;C - Desprezava a realidade social, evitando captar as condições mais miseráveis da vida real.

Page 42: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

27. Para revelar aspectos pertencentes ao passado da família Maia, Eça de Queirós recorre à técnica da ______________ .

28. Coloca por ordem cronológica os seguintes episódios da acção secundária de Os Maias : A - Maria Monforte foge com o napolitano Tancredo que Pedro ferira ;

B - Pedro conhece Maria Monforte ;C - Realiza-se o casamento de Pedro da Maia com Maria Monforte

apesar da oposição de Afonso ;D - o namoro entre Pedro e Maria Monforte.

29. A quem é atribuída, pelo narrador, a responsabilidade da intriga principal de Os Maias ?

30. Qual é a personagem que podemos eleger como personagem principal ou central da obra Os Maias ?

31. Coloca por ordem os seguintes momentos da acção referentes ao cap. XV de Os Maias :A - Carlos e Ega planeiam a destruição de Dâmaso ;B - Ega, furioso por Dâmaso com Raquel no S. Carlos, decide destruí-lo utilizando a carta ;C - na Toca, Carlos e Maria Eduarda projectam fugir para Itália ;D - Ega faz com que a confissão escrita por Ega seja publicada no jornal A Tarde .

- Análise de textos d’ Os Maias -

Texto

Page 43: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Uma sombria tarde de Dezembro, de grande chuva, Afonso da Maia estava no seu escritório lendo, quando a porta se abriu violentamente, e, alçando os olhos do livro, viu Pedro diante de si. Vinha todo enlameado, desalinhado, e na sua face lívida, sob os cabelos revoltos, luzia um olhar de loucura. O velho ergueu-se aterrado. E Pedro sem uma palavra atirou-se aos braços do pai, rompeu a chorar perdidamente.

- Pedro ! Que sucedeu, filho ?Maria morrera, talvez ! Uma alegria cruel invadiu-o, à ideia do filho livre para sempre

dos Monfortes, voltando-lhe, trazendo à sua solidão os dois netos, toda uma descendência para amar ! E repetia, trémulo também, desprendendo-o de si com grande amor.

- Sossega, filho, que foi ?Pedro então caiu para o canapé, como cai um corpo morto ; e levantando para o pai

um rosto desvastado, envelhecido, disse, palavra a palavra, numa voz surda :- Estive fora de Lisboa dois dias … Voltei esta manhã … A Maria tinha fugido de

casa com a pequena … Partiu com um homem, um italiano … E aqui estou !Afonso da Maia ficou diante do filho, quedo, mudo, como uma figura de pedra ; e a

sua bela face, onde todo o sangue subira, enchia-se, pouco a pouco, de uma grande cólera. Viu, num relance, o escândalo, a cidade galhofando, as compaixões, o seu nome pela lama. E era aquele filho que, desprezando a sua autoridade, ligando-se a essa criatura, estragara o sangue da raça, cobria agora a sua casa de vexame. E ali estava, ali jazia sem um grito, sem um furor, um arranque brutal de homem traído ! Vinha atirar-se para um sofá, chorando miseravelmente ! Isto indignou-o, e rompeu a passear pela sala, rígido e áspero, cerrando os lábios para que lhe não escapassem as palavras de ira e de injúria que lhe enchiam o peito em tumulto … - Mas era pai : ouvia, ali ao seu lado, aquele soluçar de funda dor ; via tremer aquele pobre corpo desgraçado que ele outrora embalara nos braços … Parou junto de Pedro, tomou-lhe gravemente a cabeça entre as mãos, e beijou-o na testa, uma vez, outra vez, como se ele fosse ainda criança, restituindo-lhe ali e para sempre a sua ternura inteira.

Eça de Queirós, Os Maias

Elabora um comentário do texto transcrito que integre o tratamento dos seguintes tópicos :- integração do excerto na estrutura da obra ;- emoções e sentimentos de Afonso da Maia ;- comparação dos perfis psicológicos do pai e do filho ;- indícios do destino trágico de Pedro ;- o ponto de vista do narrador ;- aspectos relevantes da prosa queirosiana.

Sugestões de correcção :

Integração do excerto na estrutura da obra :Tendo em conta a estrutura da obra, o excerto apresentado insere-se na Introdução e

Preparação da acção que corresponde a uma grande analepse inicial, na qual o autor nos relata os antecedentes familiares que estão na base do aparecimento de Carlos da Maia, já na parte seguinte - a Acção.

Emoções e sentimentos de Afonso da Maia :A tranquilidade em que se encontrava Afonso, lendo, no conforto do seu escritório, é

subitamente quebrada com a entrada inopinada de Pedro.O aspecto desvairado e desalinhado, o comportamento descontrolado de Pedro e a

revelação da fuga de Maria provocam em Afonso uma sucessão de emoções : primeiro, terror

Page 44: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

ao ver a figura do filho (“O velho ergueu-se aterrado”) ; depois, inquietação ao ver que o filho chorava (“Que sucedeu, filho ?”); seguidamente, sentiu alegria, julgando que Maria Monforte teria morrido e, assim, a família Maia ficaria para sempre livre dos Monfortes (uma alegria cruel invadiu-o”); depois, sentiu indignação porque considerava ignominiosa a fuga de Maria uma vez que, em toda a Lisboa, não se falaria de outra coisa e o nome dos Maias seria motivo de chacota (enchia-se, pouco a pouco, de uma grande cólera); finalmente, como pai que ama o seu filho, Afonso sentiu uma enorme compaixão para com o sofrimento de Pedro tendo, então, beijado ternamente a sua testa (“Mas era pai… via tremer aquele pobre corpo desgraçado … restituindo-lhe para sempre e ali a sua ternura inteira.”).

Comparação dos perfis psicológicos do pai e do filho :- traços que definem o perfil psicológico de Afonso :

- controle das emoções, auto-domínio : “quedo, mudo” , “rígido e áspero, cerrando os lábios” ;- avaliação da situação feita com racionalidade (as duas passagens em discurso indirecto livre) ;- carácter forte pois, mesmo debatendo-se com um conflito interior motivado pelo facto de nunca ter consentido naquele romance e casamento, manifesta- -se lúcido e com capacidade para proteger e sossegar.

- Traços que definem o perfil psicológico de Pedro :- o descontrolo emocional e o temperamento nervoso manifestado na forma como se apresenta e na maneira como chorava e soluçava ;- o sentimentalismo romântico evidenciado na forma como se entrega às emoções (“rompeu a chorar perdidamente”) ;- a inércia e passividade (“ali jazia”) , reveladas na capacidade de resposta (“sem um grito, sem um furor”).

Indícios do fim trágico de Pedro :- as indicações relacionadas com o estado do tempo (“uma sombria tarde de Dezembro, de grande chuva”) : indicia, simbolicamente, acontecimentos dramáticos.- várias referências que remetem para um desenlace fatal : - “na sua face lívida … jazia um olhar de loucura” ;

- “Pedro então caiu para o canapé, como cai um corpo morto” ;- “um rosto devastado, envelhecido” ;- “ali jazia, sem um grito” ;- “aquele pobre corpo desgraçado”.

Ponto de vista do narrador :Em relação aos acontecimentos narrados, verificamos que o ponto de vista do narrador

presente neste excerto é a focalização omnisciente. Na verdade, quer neste excerto, quer em toda a grande analepse inicial, o narrador demonstra conhecer todos os pormenores relativos à história sem que, no entanto, exprima qualquer tipo de subjectividade.

A prosa queirosiana :- elementos representativos da linguagem e estilo de Eça de Queirós :

- o discurso indirecto livre, como forma de representar os pensamentos da personagem sem que o narrador abdique do seu estatuto ;- a adjectivação simples (“uma alegria cruel”) , dupla (“quedo, mudo”) , anteposta e posposta (“pobre corpo desgraçado”) ;- uso dos advérbios de modo produzindo efeitos expressivos que contribuem para a construção de um clima dramático : “chorar perdidamente” ;

Page 45: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

- as comparações que contribuem para o confronto de atitudes entre as duas personagens : “caiu como um corpo morto” , “quedo, mudo, como uma uma figura de pedra” ,- uso da frase curta e da repetição que imprimem ritmo à narrativa : “ali estava, ali jazia, sem um grito, sem um furor”.

Texto

Carlos, por fim, conseguiu abrir largamente as duas portadas de uma janela. No terraço morria um resto de sol. E, revivendo um pouco ao ar puro, ali ficaram de pé, calados, limpando os olhos, sacudidos ainda por um ou outro espirro retardado.

- Que infernal invenção ! - exclamou Carlos, indignado.Ega, ao fugir com o lenço na face, tropeçara, batera contra um sofá, coçava a canela :- Estúpida coisa ! E que bordoada que eu dei !...Voltou a olhar para a sala, onde todos os móveis desapareciam sob os largos sudários

brancos. E reconheceu que tropeçara na antiga almofada de veludo do velho “Bonifácio”. Pobre “Bonifácio” ! Que fora feito dele ?

Carlos que se sentara no parapeito baixo do terraço, entre os vasos sem flores, contou o fim do “Reverendo Bonifácio”. Morrera em Santa Olávia, resignado, e tão obeso que se não movia. E o Vilaça, com uma ideia poética, a única da sua vida de procurador, mandara-lhe fazer um mausoléu, uma simples pedra de mármore branco, sob uma roseira, debaixo das janelas do quarto do avô.

Ega sentara-se também no parapeito, ambos se esqueceram num silêncio. Em baixo o jardim, bem areado, limpo e frio na sua nudez de Inverno, tinha a melancolia de um retiro esquecido, que já ninguém ama : uma ferrugem verde, de humidade, cobria os grossos membros da Vénus Citereia ; o cipestre e o cedro envelheciam juntos, como dois amigos num ermo ; e mais lento corria o prantozinho da cascata, esfiado saudosamente, gota a gota, na bacia de mármore. Depois ao fundo, encaixilhada como uma tela marinha nas cantarias dos dois altos prédios, a curta paisagem do Ramalhete, um pedaço de Tejo e de monte, tomava naquele fim de tarde um tom mais pensativo e triste : na tira de rio um paquete fechado, preparado para a vaga, ia descendo, desaparecendo logo, como já devorado pelo mar incerto ; no alto da colina, o moinho parara, transido na larga friagem do ar ; e nas janelas das casas, à beira da água, um raio de sol morria, lentamente sumido, esvaído na primeira cinza do crepúsculo, como um resto de esperança numa face que se anuvia.

Eça de Queirós, Os Maias

Redige o comentário global do texto apresentado, salientando os seguintes aspectos :- integração na estrutura da obra ;- projecção do tempo na subjectividade das personagens ;- elementos simbólicos ;- ponto de vista do narrador ;

Page 46: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

- recursos estilísticos e seu valor expressivo .

Sugestões de resposta :

Integração do excerto na estrutura da obra :Tendo em conta a estrutura da obra, o excerto apresentado integra-se no Epílogo, ou seja, na

parte final do romance, quando Carlos e Ega regressam a Lisboa dez anos depois de terem partido para uma viagem pela Europa. Neste excerto, Carlos e Ega revisitam o Ramalhete, após dez anos de ausência.

Projecção do Tempo na subjectividade das personagens :O tempo psicológico é aquele que se associa à subjectividade das personagens e está

directamente relacionado com a problemática existencial das mesmas. No caso presente, é-nos revelada a atitude contemplativa de Carlos e de Ega, atitude essa que

se revela na nostalgia (“Ali ficaram de pé, calados” , “Pobre Bonifácio ! Que fora feito dele ?” , e na amargura (“Ambos se esqueceram num silêncio” , “Em baixo o jardim tinha a melancolia de um retiro esquecido que já ninguém ama…”) .

Elementos simbólicos :- o jardim do Ramalhete onde se destacavam os seguintes elementos :

- a estátua de Vénus Citereia coberta de ferrugem que simboliza a decadência da família e, ao mesmo tempo, o amor perdido pois , como se sabe, Vénus é a deusa

do amor ;- o cipestre, que simboliza a morte, neste caso, a “morte” da família Maia ;- cedro : simboliza o envelhecimento, o qual, no caso presente se aplica não só à decadência da família Maia, mas também ao próprio envelhecimento dos protagonistas ;- prantozinho da cascata : representa o choro por tudo aquilo que se perdeu e a melancolia do tempo que passa.

- a capital :- o paquete fechado que passa no Tejo representa a destruição ;- o monte com o moinho parado simboliza o estatismo a que os protagonistas se votaram.

Ponto de vista do narrador :- focalização externa : verifica-se sempre que o narrador revela as características exteriores

das personagens ou apresenta um determinado espaço físico, neste caso o jardim do Ramalhete. É um tipo de focalização subjectiva pois permite que o leitor estabeleça uma relação entre a caracterização das personagens e o meio físico em que se movem.

- Recursos estilísticos e seu valor expressivo :- personificação : “um pedaço de Tejo tomava um tom mais pensativo e triste” ;- hipálage : “um raio de sol morria lentamente sumido” ;- adjectivação : “jardim areado, limpo e frio” ;- comparação : “o cipestre e o cedro envelheciam juntos como dois amigos”

Texto

Guimarães não descia. No segundo andar surgira uma luz viva, numa janela aberta. Ega recomeçou a passear lentamente pelo meio do largo. E agora, pouco a pouco, subia nele uma incredulidade contra esta catástrofe de dramalhão. Era acaso verosímil que tal se passasse, com um

Page 47: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

amigo seu, numa rua de Lisboa, numa casa alugada à mãe Cruges ?... Não podia ser ! Esses horrores só se produziam na confusão social, no tumulto da Meia Idade ! Mas numa sociedade burguesa, bem policiada, bem estruturada, garantida por tantas leis, documentada por tantos papéis, com tanto registo de baptismo, com tanta certidão de casamento, não podia ser ! Não ! Não estava no feitio da vida contemporânea que duas crianças, separadas por uma loucura da mãe, depois de dormirem um instante no mesmo berço, cresçam em terras distantes, se eduquem, descrevam as parábolas remotas dos seus destinos - para quê ? Para virem a tornar a dormir juntas no mesmo ponto, num leito de concubinagem ! Não era possível. Tais coisas pertencem só aos livros, onde vêm, como invenções subtis da arte, para dar à alma humana um terror novo … Depois levantava os olhos para a janela alumiada, onde o senhor Guimarães, decerto, rebuscava os papéis na mala. Ali estava porém esse homem com a sua história, em que não havia uma discordância, por onde ela pudesse ser abalada !... E pouco a pouco, saída do alto, parecia ao Ega penetrar nessa intrincada desgraça, aclará-la toda, mostrar-lhe bem a lenta evolução. Sim, tudo isso era provável no fundo ! Essa criança, filha de uma senhora que a levara consigo, cresce, é amante de um brasileiro, vem a Lisboa, habita Lisboa. Num bairro vizinho vive outro filho dessa mulher, por ela deixado, que cresceu, é um homem. Pela sua figura, o seu luxo, ele destaca nesta cidade provinciana e pelintra. Ela, por seu lado, loira, alta, esplêndida, vestido pela Laferrière, flor de uma civilização superior, faz relevo nesta multidão de mulheres miudinhas e morenas. Na pequenez da Baixa e do Aterro, onde todos se acotovelavam, os dois fatalmente se cruzam : e com o seu brilho pessoal, muito fatalmente se atraem ! Há nada mais natural ?

Eça de Queirós, Os Maias

Redige um comentário global do texto transcrito, salientando os seguintes aspectos :- integração do excerto na estrutura interna da obra ;- a intervenção de Guimarães como factor decisivo para o desenlace da intriga ;- reacção de Ega perante a revelação de Guimarães ;- a força de atracção nos dois amantes ;- tipo de focalização presente no excerto ; - expressividade da construção frásica.

Sugestões de resposta :

- integração na estrutura interna da obra : o excerto apresentado insere-se na acção e faz parte da intriga principal ou central. Trata-se do momento em que Guimarães acaba de revelar a Ega a verdade acerca da identidade dos dois irmãos. Este momento constitui a anagnórise (= reconhecimento) e o clímax, após o qual se precipita o desenlace.

- a intervenção de Guimarães revela-se como decisiva para o reconhecimento do graus de parentesco e as suas consequências : o fim da relação amorosa entre Carlos e Maria Eduarda e consequente “morte psicológica” de ambos e a morte física de Afonso.

- reacção de Ega perante a revelação de Guimarães : a reacção de Ega perante a revelação pode ser dividida em dois momentos. Primeiro, Ega mostra-se incrédulo : “Não podia ser ! Esses horrores só se produziam na Meia Idade” , “Não era possível ! Tais coisas pertencem só aos livros …” . Depois, numa segunda fase, Ega tende a aceitar a terrível verdade : “Sim, tudo isso era possível no fundo”.

- a força da atracção nos dois amantes : a paixão de Carlos e de Maria Eduarda ultrapassou toda a organização social por força de um destino cruel que, ao fim de longos anos, os conduziu um ao outro : “os dois fatalmente se cruzam e com o seu brilho pessoal muito fatalmente se atraem”.

Page 48: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

- tipo de focalização presente no excerto : o tipo de focalização presente no excerto é a focalização interna uma vez que é o ponto de vista de uma personagem - neste caso, Ega - que é apresentado. O texto trata-se de um monólogo interior de Ega fortemente dominado pela subjectividade uma vez que a personagem apresenta a sua opinião pessoal acerca do insólito da situação.

- expressividade da construção frásica : no texto encontram-se numerosas frases exclamativas, interrogativas e também reticências. Com este tipo de construção frásica, o autor pretendeu exprimir a perplexidade e a perturbação de Ega perante o trágico e o insólito da situação : “Acaso era verosímil que tal se passasse …? Não podia ser !” , “Ali estava porém esse homem com a sua história, em que não havia uma discordância, por onde ela pudesse ser abalada!...” .

ESCOLA E. B. 2, 3 / S. de TAROUCA

Teste de Avaliação de Português A

12º Ano - Turma B - 26 / 11 / 2004

Texto

Page 49: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

Defronte do Ramalhete os candeeiros ainda ardiam. Abriu de leve a porta. Pé ante pé subiu as escadas ensurdecidas pelo veludo cor de cereja. No patamar tacteava, procurava a vela, quando, através do reposteiro entreaberto, avistou uma claridade que se movia no fundo do quarto. Nervoso, recuou, parou no recanto. O clarão chegava, crescendo ; passos lentos, pesados, pisavam surdamente o tapete ; a luz surgiu - e com ela o avô em mangas de camisa, lívido, mudo, grande, espectral. Carlos não se moveu, sufocado ; e os dois olhos do velho, vermelhos, esgazeados, cheios de horror, caíram sobre ele, ficaram sobre ele, varando-o até às profundidades da alma, lendo já o seu segredo. Depois, sem uma palavra, com a cabeça branca a tremer, Afonso atravessou o patamar, onde a luz sobre o veludo espalhava um tom de sangue - e os seus passos perderam-se no interior da casa, lentos, abafados, cada vez mais sumidos, como se fossem os derradeiros que devesse dar na vida !

Carlos entrou no quarto às escuras, tropeçou num sofá. E ali se deixou cair, com a cabeça enterrada nos braços, sem pensar, sem sentir, vendo o velho lívido passar, repassar diante dele como um longo fantasma, com a luz avermelhada na mão. Pouco a pouco foi-o tomando um cansaço, uma inércia, uma infinita lassidão da vontade, onde um desejo apenas se transparecia, se alongava - o desejo de interminavelmente repousar algures numa grande mudez e numa grande treva… Assim escorregou ao pensamento da morte. Ela seria a perfeita cura, o asilo seguro. Porque não iria ao seu encontro ? Alguns grãos de láudano nessa noite e penetrava na absoluta paz …

Ficou muito tempo embebendo-se nesta ideia, que lhe dava alívio e consolo, como se, escorraçado por uma tormenta ruidosa, visse diante dos seus passos abrir-se uma porta, donde saísse calor e silêncio. Um rumor, o chilrear de um pássaro na janela, fez-lhe sentir o sol e o dia. Ergueu-se, despiu-se muito devagar, numa intensa moleza. E mergulhou na cama, enterrou a cabeça no travesseiro para recair na doçura daquela inércia, que era um antegosto da morte, e não sentir mais nas horas que lhe restavam nenhuma luz, nenhuma coisa da terra.

Eça de Queirós , Os MaiasI

Elabora um comentário do excerto apresentado que integre o tratamento dos seguintes tópicos :- integração do excerto na estrutura interna da obra ;- evolução do estado psicológico de Carlos ;- traços que definem a figura de Afonso ;- importância da luz e da cor na criação da atmosfera trágica ;- ponto de vista do narrador ;- recursos estilísticos relevantes.

II

A crítica literária em geral, tem considerado que, pela sua diversidade e riqueza, Os Maias é uma obra que não pode ser tida como representante de apenas uma determinada corrente literária.

Nesta conformidade, elabora uma cuidada composição na qual apresentes as razões que sustentam essa opinião dos críticos literários.

O professor

Paulo Almeida

- Sugestões de correcção -

I1. Tendo em conta a estrutura interna da obra, o excerto apresentado situa-se na Acção e faz

parte da intriga central. No excerto é narrado o episódio do encontro de Carlos com o seu avô, encontro esse carregado de dramatismo e que antecede a morte de Afonso da Maia.

Page 50: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

A descrição minuciosa do modo como Carlos actua nos diferentes espaços da casa (à porta, nas escadas, no patamar e no quarto) permitem perceber a tensão que caracteriza o estado emocional de Carlos.

Em primeiro lugar, revela-se o medo que Carlos revelou em poder encontrar o avô e, por isso, abre a porta e sobe as escadas procurando não fazer barulho. Depois, quando atingiu o patamar, procura a luz para se refugiar no seu quarto e aí esconder “o seu segredo”. Seguidamente, quando é surpreendido pela presença do avô, recuou, revelando falta de coragem para enfrentar o avô : “Nervoso, recuou, parou no recanto” . Depois, à medida que a luz crescia e o avô, gradualmente, se aproximava, Carlos “não se moveu, sufocado”. O horror que, então consegue perceber nos olhos do avô transtornam-no de tal forma que, ao entrar no quarto, tropeçou num sofá e “ali se deixou cair com a cabeça enterrada nos braços”. Depois, Carlos revela sinais de uma fuga libertadora : “alguns grãos de láudano” constituiriam a “perfeita cura, o asilo seguro”. Finalmente, decidiu deitar-se para, através do sono, se evadir dos seus problemas.

Os traços caracterizadores de Afonso revelados neste excerto, revelam, acima de tudo, o drama da trágica situação que ele se encontrava a viver. Assim :

- apresenta-se me mangas de camisa, o que revela uma grande perturbação uma vez que um aristocrata nunca o faria se não se sentisse perdido ;- apesar do seu aspecto lívido e quase fantasmagórico, Afonso mantém uma postura reveladora de grandeza (“grande, espectral”) e de autoridade sobre o neto traduzida pelo efeito que o seu olhar causou em Carlos : “os dois olhos do velho ficaram sobre ele, varando-o até às profundidades da alma, lendo lá o seu segredo” ;- Afonso revela também ser alguém que caminha para o fim, para um desfecho trágico, como o demonstram os seguintes traços caracterizadores : “a cabeça branca a tremer” , “os seus passos lentos, abafados, cada vez mais sumidos, como se fossem os derradeiros que devesse dar na vida”

A luz e a cor assumem uma grande importância na criação da atmosfera trágica patente neste excerto. Assim :

- a gradação crescente da luz que antecede o aparecimento de Afonso (“o clarão chegava crescendo…”), contrasta com a ausência de luz que marca a entrada de Carlos em casa e no seu quarto ;- as referências ao branco (“em mangas de camisa, lívido”) e ao vermelho (“os dois olhos vermelhos, esgazeados”) intensificam os sinais portadores de morte ;- o aparecimento da luz do dia é contrariado por Carlos que, apesar de se encontrar nas trevas, prefere fechar as janelas e mergulhar na escuridão, a qual pode ser conotada com a morte, não uma morte física, mas espiritual.

Ponto de vista do narrador :No excerto apresentado, predomina a focalização interna uma vez que é o ponto de vista de uma personagem - neste caso, o de Carlos - que é apresentado. É um tipo de focalização fortemente subjectiva.

Recursos estilísticos relevantes : - adjectivação dupla (“passos lentos, pesados”) adjectivação em série (o avô em mangas de camisa, lívido, mudo, grande, espectral) ;- comparações : “os seus passos perderam-se no interior da casa como se fossem os derradeiros que desse na vida” , “vendo o velho lívido passar, repassar diante dele como um longo fantasma” ;

Page 51: Literatura Portuguesa - Do Romantismo Ao Realismo

- sinestesia : “…mudo, grande…”

II

Resposta livre mas que, no entanto, deverá realçar o facto de n’ Os Maias se poderem encontrar elementos próprios das seguintes correntes estético-literárias :

- realismo : está presente especialmente no envolvimento das personagens desde a educação que receberam, até ao condicionamento provocado pelo meio vicioso da capital ;- naturalismo : está presente nas alusões à hereditariedade e ao episódico interesse de Carlos pela investigação científica, quando regressou da sua viagem pela Europa após a sua formatura em Coimbra ;- simbolismo : o romance está repleto de elementos simbólicos, destacando-se entre eles os espaços físicos da Toca e do Jardim do Ramalhete ;- tragédia : no romance estão também presentes elementos próprios da tragédia clássica, tais como os presságios, a anagnórise, o clímax e a catástrofe (morte física de Afonso e psicológica de Carlos)

No restante, Os Maias podem ser classificados como um romance de acção uma vez que Eça de Queirós, ao mesmo tempo que relatava os acontecimentos relativos aos amores de Carlos e Maria Eduarda, inventou enredos, intrigas, dramas e até episódios cómicos, mostrando os caracteres das personagens através da acção que estas iam desenvolvendo ao longo da obra.