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REVISTA
VOLUME 6 NÚMERO 3
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EXPEDIENTERevista
quadrimestral
interdisciplinar
voltada para a
publicação de
artigos científicos
que contemplem as
seguintes áreas:
1. Estado, Trabalho,
Sociedade e
Território;
2. Meio Ambiente,
Estratégias de
Apropriação e
Conflitos;
3. Política, Cultura
e Conhecimento;
4. Educação,
Política e
Cidadania.
EDITOR CHEFE
EDITOR JUNIOR
EDITORAÇÃO E LAYOUT
Prof. Dr. Geraldo Marcio Timóteo
Msc. Teófilo Augusto da Silva
Msc. Teófilo Augusto da Silva
Demian Sousa Costa e Silva
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EDITORIAL
A revista Agenda Social vem buscando aprimorar sua maneira de interagir com os
sujeitos que produzem a ciência em nosso país. Para isso, temos buscado adequar nossa
proposta editorial ao pensamento científico que propugna a necessidade de praticarmos a
interdisciplinaridade, que, conscientemente, estimule e proporcione um espaço em que o
pensamento social possa manifestar-se de maneira ampla, interpretando a realidade com
vistas à superação das condições degradantes da existência humana, que assume tanto a
figura da pobreza extrema, quanto da opulência das elites econômicas.
É com o propósito de continuar sendo um veículo adequado para a publicização das
discussões prementes em nossa sociedade que a Agenda Social tem buscado, com êxito, a
integração de novos programas interdisciplinares que considerem ser positiva sua cooperação
para esse esforço editorial. Assim, podemos anunciar que a Revista Agenda Social passa
agora a ser resultado da parceria interinstitucional dos Programas de Pós Graduação em
Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF),
do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal
do ABC (UFABC), do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e
Cooperação Internacional da Universidade Nacional de Brasília (UNB) e do Programa
de Pós-graduação em Desenho: Mestrado em Desenho, Cultura e Interatividade, da
Universidade Estadual de Feira de Santana-BA (UEFS).
Essa unidade significa, na prática, que os quatro programas passam a corresponsabilizar-
se pela publicação dos trabalhos que nos confiam os colaboradores. Para isso, estamos
hoje preparados para darmos celeridade à apreciação dos trabalhos recebidos e esperamos
consolidar a confiança já depositada em nós nesses seis anos de existência da Revista
Agenda Social, no árduo e gratificante projeto de disseminar os resultados acadêmicos que
interessam à comunidade científica, nacional e internacional.
Prof. Dr. Geraldo TimoteoEditor-Chefe
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Vol. 6, Nº 3journal homepage: www.revistaagendasocial.com.br ISSN 1981-9862
DESENVOLVIMENTO HUMANO E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: A ARTICULAÇÃO ENTRE INTERATIVIDADE E INTERAÇÃO
HUMAN DEVELOPMENT AND DISTANCE EDUCATION: A RELATIONSHIP BETWEEN INTERACTIVE AND INTERACTION
Este texto relata os resultados de pesquisa sobre a articulação entre interatividade e interação – duas dimensões da educação a distância – entendida como impulso importante para o desenvolvimento da integralidade humana de alunos. Investiga essa articulação no contexto de priorização da transmissão de conteúdos no processo educativo dessa modalidade de ensino, em comparação com a operacionalização de valores. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas. A articulação entre interatividade e interação envolve a autonomia, a consciência crítica, o relacionamento entre docentes e discentes e entre estes, bem como os valores e o compartilhamento de visões de mundo. No entanto, existem lacunas a preencher nas estratégias de formação de professores e na complementaridade entre as disciplinas ministradas. Aparentemente, a educação a distância se encontra enlaçada pelas contradições de uma escola detentora do monopólio de credenciais, realizadora do ideal modernista da escola para todos, nem tão desejada como o fora no passado quando a educação era privilegio.
RES
UM
O
This paper reports research results on the articulation between interactivity and interaction – two dimensions of distance education – which is understood as important impetus for the development of human integrality of students. It investigates this articulation within the context of prioritizing of the transmission of contents into the educational process of this modality of education, compared with the operationalization of values. Data were collected through semi-structured interviews. The articulation between interactivity and interaction involves the autonomy, the critical consciousness, the relationship between teachers and students, and among students, sharing values and worldviews. However, there are gaps to fill regarding the strategies of teacher training and the complementarity between the subjects taught. Apparently, the distance education is ensnared by the contradictions of the school which is: owner of the monopoly of credentials; performer of the modernist ideal of the school for everyone; institution which not is as desired today as it had been in the past when education was a privilege.
ABS
TRA
CT
PALAVRAS-CHAVES educação a distância; desenvolvimento humano; interatividade; interação, racionalidade.
KEY-WORDS Distance Education; Human Development; Interactivity; interaction; rationality.
Ivar César Oliveira de Vasconcelos 1
1 Doutorando em Educação pela Universidade Católica de Brasília. E-mail: [email protected] Trabalho apresentado na 4th International Conference of Education, Research and Innovation, realizada na cidade de Madri, de 14 a 16 de novembro de 2011. O texto original encontra-se publicado no Livro de Atas, p. 2296-2305.
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INTRODUÇÃO
O problema e o objetivo da pesquisa
A grande disponibilidade de meios científicos e tecnológicos e a falta de nitidez dos valores
caracterizam a contemporaneidade, com prioridade para a tecnologia em detrimento do ser humano. Em
decorrência, desencadeiam-se graves problemas sociais como a violência, o desrespeito a direitos básicos
e a xenofobia. No âmbito da educação – chamada a envolver-se na solução desses problemas – as novas
tecnologias da informação e comunicação (TIC) abrem portas à educação a distância (EAD) com recursos
favoráveis a essa tarefa.
À utilização desses recursos alia-se o cumprimento do papel sociocultural da educação, atualizado
com o tempo e pautado em modos de pensar e organizar o discurso a respeito do mundo e da humanidade.
Desse modo, além da visão de mundo, ao efetivar-se, a EAD parte da concepção de ser humano – buscando
por não reduzi-lo à razão, à fé ou à emoção. O indivíduo não existe sozinho com ele mesmo ou com a
natureza, mas afirma-se na relação significativa mantida com o entorno, onde estão os outros. Ao ocupar
um lugar específico, em coletividade, ele supre necessidades elementares e concretiza sonhos. Sendo ser
sociocultural, não vem ao mundo só, não cresce nem se educa sozinho.
Nessa dinâmica, a EAD intenta conectar os aspectos informativos e formativos da educação,
considerando não apenas a imensa circulação de dados, aspectos cognitivos e objetivos presentes no
processo educacional, como também as crenças, os comportamentos e os valores. Os primeiros destes
aspectos têm a ver com interatividade e os segundos com interação, duas dimensões dessa modalidade
de ensino. Interatividade se refere a conteúdos adquiridos por intermédio de recursos tecnológicos, como
o computador, e interação às trocas e influências entre as pessoas nas falas, gestos, recados e discussões,
em torno principalmente de alunos e professor (conf. THOMPSON, 1998, referente à interação mediada).
A conexão entre as duas dimensões contribui para a integralidade humana, envolvendo não somente o
conhecimento, mas, sobretudo, o lado axiológico do processo educacional.
Essa conexão ocorre simultaneamente à constante inserção de novas tecnologias na prática didático-
pedagógica da EAD, contribuindo para criar tipos de comunicação com os quais os discursos obedecem
às lógicas de rede e não mais às lógicas lineares. Se, por um lado, esta inserção alarga potencialmente o
já diversificado domínio da interatividade nas TIC, por outro, amplia ações focadas na interação – com
diferencial na produção de conhecimentos ao desenvolver valores. Tal dinâmica se coaduna com horizontes
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relacionados ao objetivo de centralizar a aprendizagem no educando. No entanto, predomina ainda a
pura transmissão de conteúdos, num processo de racionalização do fazer educativo, incompatível com a
potencialização de interações que, em se desdobrando, contribui para atingir o objetivo de desenvolver
plenamente o indivíduo.
Com base nestas considerações, foi realizada pesquisa visando a analisar a articulação entre
interatividade e interação, a partir da identificação de alguns aspectos do processo educacional, tendo-a
como fundamental para a prática didático-pedagógica capaz de contribuir para o atingimento daquele
objetivo.
A EAD e o papel sociocultural da educação
Apesar de ser uma modalidade de ensino com mediação didático-pedagógica efetivada por meio
de atividades praticadas em lugares e tempos diferentes (BRASIL, 1996; 2005), a EAD não prescinde
da interação entre as pessoas envolvidas com a sua operacionalização. Tecnologia e ser humano,
respectivamente, situam-se no horizonte da interatividade e da interação. Embora seja difícil separar estas
categorias, no cotidiano é possível delimitá-las. Para Castro (2009), enquanto na primeira ocorre procura
por informações e intercâmbio entre elas, na segunda ocorre imediato retorno e intercâmbio de mensagens
socioafetivas. Desse modo, ao lado da enorme gama de serviços fornecida por intermédio de interfaces
padronizadas, envolvendo textos, áudios, vídeos, imagens gráficas e em especial as redes de computadores,
estão as pessoas direta ou indiretamente vinculadas ao processo educativo.
Estas pessoas interagem, trocam impressões e têm objetivos individuais, atuando em contextos
diferenciados em relação ao âmbito da sala de aula, com tecnologias específicas. São as videoconferências,
correios eletrônicos, canais de voz ou outras tecnologias. Ao modificar a interação entre professor e aluno,
a EAD pode fortalecer o papel sociocultural da educação.
Como as estratégias de formação para o trabalho não podem mais ser rígidas, com foco exclusivo
na aquisição de competências e habilidades favoráveis à execução de atividades específicas (TAVARES,
1996), torna-se crucial preparar o indivíduo para lidar com um quadro de ocupações cada vez mais
dinâmico. É imprescindível possibilitar a construção de estruturas visando à conquista da autonomia,
capacidade para inovar e criticar. Para Machado (2004), a bifurcação fundamental do universo do trabalho
em seguidores de rotinas e analistas simbólicos – como propusera Reich (1994) – ainda não se tornou
preocupação da escola, ainda com prioridade na capacitação para ocupações específicas. Segundo ele, os
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cursos de graduação são incipientes ao preparar os indivíduos na perspectiva de reduzir os currículos à
transmissão de conteúdos, sem a preocupação em prepará-los melhor em áreas como psicologia, filosofia
e sociologia. No caso da EAD, a formação para o exercício de funções profissionais ocorre no contexto da
vinculação entre os serviços fornecidos por interfaces padronizadas e aspectos humanos.
Noutra perspectiva, cabe à educação contribuir para o desenvolvimento de valores, no tempo
contemporâneo caracterizado por uma pluralidade moral. Não havendo modelo ideal de pessoa, autores
concebem os direitos declarados fundamentais em 1948 como um conjunto de princípios universais com
força suficiente para orientar as éticas individual e coletiva. Esta perspectiva universalista se sustenta na
noção de cidadania, servindo para dar coerência aos valores e aglutinar propostas de uma educação voltada
para concretizá-los.
Mesmo considerando esta perspectiva generalista, a maioria dos problemas éticos não é solucionada,
como destaca Marchesi (2008). Dentre eles, situa-se a diferença entre os princípios transmitidos pela
sociedade (competição, individualismo, violência etc.) e os exigidos por ela à ação da escola (lealdade,
igualdade, paz, solidariedade etc.), constituindo-se, talvez, na maior contradição. A educação preocupada
com fatores axiológicos envolve três enfoques complementares. Educa-se: para a cidadania (foco no
presente, na aquisição de competências cognitivas, comunicação e ética); sobre cidadania (ênfase em
aspectos morais e cívicos a partir de reflexões) e por meio da cidadania (exercício do civismo, participação,
respeito mútuo e tolerância).
Desse modo, formar para o trabalho e contribuir para desenvolver valores atualizam a gênese
humana, multidimensional, para lá da aquisição de conhecimentos acadêmicos. Na EAD esta atualização
conecta-se com a capacidade de o processo educacional articular interatividade e interação – uma ampliação
do universo de saberes e princípios, resultando na conquista da autonomia, na maior consciência crítica e
no compartilhamento de visões de mundo.
Fundamentando a articulação interatividade-interação
A EAD contribui para a integralidade humana por basear-se não somente em mecanismos de
suporte compatíveis com a velocidade das informações, mas também por fundamentar-se na interligação
entre perspectivas e conceitos relacionados à formação humana. Tal dinâmica ocorre com aprendizagens
significativas em clima favorável à convivência entre educandos e educadores. Em primeiro lugar, prima
por uma ecologia dos saberes, expressão utilizada por Santos (2004; 2007) para se referir à pluralidade
de conhecimentos e à ênfase no diálogo entre o saber científico e o humanístico. Conforme o autor, essa
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epistemologia proporciona a comparação entre o conhecimento científico e os demais tipos, rebalanceando
a conexão entre ciências naturais e práticas sociais, desequilibrada desde a primeira Modernidade.
Este desequilíbrio teria impedido o cumprimento das promessas modernas de liberdade, igualdade e
solidariedade, frustrando expectativas ainda vivas em populações do planeta inteiro. Desse modo, ao situar
a ciência como parte de uma ecologia mais ampla e realizar a tradução intercultural entre conceitos, essa
maneira de produzir conhecimentos proporcionaria a abertura necessária para restabelecer o equilíbrio
entre as ciências da natureza e as antropossociais – as pessoas se humanizariam a partir do conhecimento
capaz de reunir a ciência e os valores num novo paradigma.
Em segundo lugar, fundamenta-se na construção da mentalidade favorável ao saber viver num
mundo plural, globalizado e de várias culturas, traduzida na capacidade de aprender a ser, a conviver,
a participar e a habitar em tempos de diversidade moral (MARIA PUIG, 2007). Desse modo, mobiliza-
se no sentido de desenvolver integralmente os discentes, pois se ensina para a vida na perspectiva da
relação mantida por eles com o mundo e entre si. Para Martín García (2010), ajudá-los a aprender a viver
constitui o principal objetivo da educação para valores – possibilita a eles escolher e adotar modos de vida
sustentáveis. Refere-se, portanto, ao fazer humano no vínculo inteligente estabelecido no grupo aqui e
agora e projetando o futuro.
Por último, baseia-se na ideia de construção do ser e do fazer moral valendo-se tanto do emocional
como do racional. Como afirma Gomes et al. (2008), a educação enriquece a capacidade de ação e
reflexão, seja quando o indivíduo aprende sozinho ou quando está no ambiente coletivo. Para os autores,
educar significa conectar o sentir, o pensar e o agir; quer dizer, “acima de tudo, a integração entre razão
e emoção; é o resgate dos sentimentos visando à restauração da incerteza humana e paradoxalmente da
multidimensionalidade do ser” (p. 45).
Portanto, contribuir para o desenvolvimento pleno por meio do ambiente virtual de aprendizagem
implica considerar não somente os mecanismos de suporte, seja no nível institucional, seja na atuação
didático-pedagógica do educador. Em seu papel, seja como conteudista, autor, coordenador de aprendizagem,
tutor e instrutor, o educador da EAD exerce função pedagógica nas áreas do social, do administrativo e da
técnica, como sublinha Gonzalez (2009). Ele conduz, instiga, orienta, simula e auxilia na aprendizagem,
de maneira diferente do ambiente presencial, de acordo com Moore e Kearsley (2008). Desse modo,
articulam-se interatividade e interação na complexa tessitura composta por elementos internos e externos
ao processo educacional.
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METODOLOGIA DA PESQUISA
Os dados foram gerados a partir de entrevistas semiestruturadas, com duração média de 40 minutos,
realizadas com dois professores atuantes em EAD por cinco anos, com mestrado em educação e em políticas
públicas e gestão educacional. Como em pesquisas qualitativas o universo analisado não se constitui
dos participantes em si, mas de representações, conhecimentos, práticas, comportamentos e atitudes
(DESLANDES, 2009), a quantidade de participantes foi suficiente para gerar os dados. Sem a pretensão
de generalizar os resultados para populações mais amplas, não se buscou obter amostras representativas,
mas explorar e descrever o objeto de pesquisa para gerar novas perspectivas de investigação (SAMPIERI;
COLLADO; LUCIO, 2006).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ao tencionar a interconexão entre aspectos cognitivos e axiológicos, o processo educacional
equilibra conhecimento teórico e desenvolvimento, interpenetrando aspectos informativos e formativos,
com base no entrelaçamento de perspectivas e conceitos como mencionado anteriormente. Em relação à
EAD, a articulação entre interatividade e interação se constitui em ponto chave. Considerando isto, foram
identificadas cinco características do processo educativo (separadas no discurso dos participantes, mas
não na prática), analisadas com o intuito de inferir as contribuições da EAD.
As três primeiras características foram consciência crítica, relacionamento e valores, as quais
se referem, respectivamente, aos aspectos cognitivos, emocionais e axiológicos. Duas outras foram a
autonomia e o compartilhamento de visões de mundo, finalísticas do processo, conexas, respectivamente,
com a individualidade do aluno e com a coletividade onde ele se insere. As descrições a seguir possibilitam
percorrer trajetória de análise, na articulação entre interatividade e interação, iniciada no plano individual
e finalizada no social. Desse modo, configura-se a interligação entre essas características, emblemática
quanto à complexidade da EAD (ver Fig. 1).
Para haver mais consciência crítica, um dos professores entrevistados incentiva a reflexão a
respeito das atividades praticadas e a projeção como futuros professores (são graduandos do curso de
Licenciatura em Pedagogia). Para ele, isto favorece a transferência de saberes. Para o outro entrevistado,
o aluno deveria se perceber como protagonista de seu aprendizado e como alguém dependente de seu
grupo de convivência. A consciência crítica seria construída por meio de discussões, compartilhamento de
informações e ideias e responsabilização, com coordenação do professor, seja em seminários, encontros
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presenciais ou levantamento de questões. Essas falas evidenciaram a ideia freireana a respeito do
ato educativo, supondo a situação humana como um problema sobre o qual pode e deve incidir o ato
cognoscente. Desse modo, o indivíduo aprofunda a tomada de consciência da realidade (FREIRE, 2011),
propulsora da educação (VIEIRA PINTO, 2007).
Autonomia
Fig. 1 – Características do processo educacional analisadas com o objetivo de identificar a articulação entre interatividade e interação.
Desenvolvimento humano no plano individual
Desenvolvimento humano no plano social
Consciência crítica
Valores
Compartilhamento de visões de mundo
Interatividade e interação
Relacionamentos
Para os participantes, o relacionamento entre professor e alunos e entre estes, poderia ser melhor
se o fórum de discussão e o chat fossem utilizados com mais frequência. Por meio dessas ferramentas
as ideias seriam trocadas. Para um dos entrevistados, os cursos a distância são promovidos basicamente
por intermédio do cumprimento de demandas: “as tarefas são registradas em ambientes específicos, mas
a mediação restringe-se ao âmbito das discussões entre professor e alunos nos fóruns. Deveríamos fugir
um pouco de seu uso e do chat e aplicar ferramentas e mecanismos de interatividade”. Com efeito, como
a comunicação mediada por novas tecnologias alteraram significativamente o modo como pessoas se
organizam, bem como a maneira de evidenciar suas identidades, encontram-se abertas novas alternativas
de interação. Desse modo, os modelos de estruturação de cursos na EAD permitem construir a informação
desejada enquanto se almeja adquirir conhecimentos.
Confiança, lealdade, respeito, responsabilidade, cumprimento de prazos, disciplina e autonomia
foram valores mencionados pelos professores. De acordo com eles, atitudes simples como uma ligação
telefônica para o aluno em situação de conflito ou com dificuldade de aprender contribuem para
aumentar a confiança e a lealdade. Estas opiniões remetem para os tipos de conteúdos, conforme os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), onde os conceituais envolvem fatos e princípios e
os procedimentais e atitudinais envolvem a abordagem de valores, normas e atitudes. Interconectar esses
conteúdos faz parte da prática didático-pedagógica, cabendo ao professor aproveitar as diferenças com as
quais se depara em seu fazer pedagógico.
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Sendo orientador de monografia final de cursos da EAD, um dos professores entrevistados declarou
preocupar-se com a autonomia – aproveita dificuldades de aprendizagem e introduz tarefas com pistas
para a solução de questões do conteúdo ministrado: “às vezes, os alunos nem sabem por onde começar a
monografia e como são obrigados a definir o tema, recortar e delimitar os assuntos, eu os oriento a definirem
os títulos dos capítulos”. Para o outro entrevistado, a autonomia poderia ser incentivada com estudos de
temas selecionados por professores e debatidos em fóruns conduzidos por alunos. O compartilhamento de
responsabilidades seria algo importante: “então o professor deixa de ser apenas o mediador e descentraliza
responsabilidades; tarefas pedagógicas descentralizadas geram maior autonomia”. A participação do
discente está na capacidade de se perceber como um ser intervindo no mundo (FREIRE, 2011). Dessa
maneira, para além da colocação em prática de conhecimentos adquiridos, forma-se o indivíduo para
observar e analisar as diversas realidades. Para agir com autonomia, em contextos criados e recriados
permanentemente por ele e educador.
Finalmente, a proposta educativa preocupada com o desenvolvimento pleno considera a imagem
particular de mundo elaborada por alunos e professores e observa também o compartilhamento dessa
imagem. Nesta perspectiva, não o chat, mas o fórum de discussão apareceu como instrumento adequado
ao compartilhamento de visões de mundo. As discussões ocorridas nestes meios de interação poderiam
ajudar a refletir a respeito de soluções de problemas práticos: “a gente costuma abrir o fórum do cafezinho,
um espaço aberto para mediação e intercomunicação”. Com efeito, passa a haver diálogo a respeito
da relevância do questionamento e da criatividade. Cria-se a razão aberta acolhedora dos fragmentos
da realidade, receptora do ser humano em sua plenitude (MORIN, 2008). A razão aberta considera o
trágico, o sublime, o irrisório, o amor, a dor e o humor como fontes de conhecimento e de verdade e não
meramente divertimento. Desse modo, o processo educacional cuja base se constitui na razão aberta conta
com professores competentes, capazes de entusiasmar não somente para o aprendizado, mas de ampliar
conhecimentos, zelando pelo afetivo e pela capacidade de compartilhar visões de mundo.
CONCLUSÃO
A EAD efetivamente preocupada com o desenvolvimento do indivíduo não atua apenas com o apoio ao
aluno no acesso a ferramentas tecnológicas, mas age a partir da clara definição dos objetivos educacionais
implicados. A formação e o perfil específicos do educador da EAD exigem mudança de olhar quanto ao
currículo e ao papel da educação e do professor, bem como quanto à revisão de leis educacionais. Por
ter atuação diferente em relação à da sala de aula, ele articula conteúdos conceituais, procedimentais e
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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atitudinais na relação existente entre interatividade e interação. O educador compreende sua complexa
tarefa.
Assim, à formação docente e ao perfil do profissional agregam-se outros aspectos, construindo um
complexo de iniciativas e ações a caracterizar a EAD em sua tarefa de contribuir para formar o indivíduo
integral. A educação, como a vida, exige a integração do pensar, sentir e agir, verbos conjugados todo
o tempo pela pessoa, pelo trabalhador e pelo cidadão. Embora paradoxal, por se utilizar de argumento,
pode-se afirmar: somente a racionalidade não atende ao requerido pela Pós-Modernidade. Sem cumprir
a promessa de emancipação, a escola ainda reproduz, disseminando a transmissão do capital econômico
e cultural como originária do mérito e dos dons individuais. Como lembram Gomes, Vasconcelos e
Lima (2012), a escola como instituição racionalizadora da Modernidade (TOURAINE, 1997) possui três
contradições pelas quais a EAD se encontra enlaçada: a escola mantém o monopólio das credenciais,
mas perdeu o monopólio do conhecimento científico e tecnológico; em muitos países, ela atingiu o ideal
modernista da escola para todos, mas convive com diversos problemas advindos com o ingresso de novas
populações; a escola, desejada por muitos quando a educação era privilégio, constitui-se em lugar de
revolta para parte das populações sem capital cultural (BOURDIEU; PASSSERON, 1970) nela presentes.
Como desvencilhar a EAD dessas contradições se se quer contribuir para uma educação capaz de contribuir
para a integração entre pensar, sentir e agir?
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Vol. 6, Nº 3journal homepage: www.revistaagendasocial.com.br ISSN 1981-9862
PALAVRAS-CHAVES Escola de Chicago, pragmatismo, interacionismo simbólico, indivíduo e sociedade
KEY-WORDS Chicago School, pragmatism, simbolic interactionism, individual and society
INDIVÍDUO E SOCIEDADE NO PENSAMENTO SOCIAL DA ESCOLA DE CHICAGO
THE INDIVIDUAL AND THE SOCIETY IN CHICAGO SCHOOL SOCIAL THOUGHT
1Fernando Farias Valentin 2Ana Keila Mosca Pinezi
1 Sociólogo. Mestrando em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC).2 Profa. Dra. Coordenadora do Mestrado em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC).
O presente artigo procura analisar a contribuição da escola sociológica de Chicago para a redefinição dos conceitos de indivíduo e sociedade, através da reelaboração das clássicas visões da sociedade proposta pelos funcionalistas e estruturalistas. Examinando a influência do pragmatismo sobre a ação dos indivíduos, e identificando a trajetória do pensamento social da escola na primeira e na segunda geração de pesquisadores, o artigo conclui que o desenvolvimento do interacionismo simbólico foi decisivo para a formulação de um pensamento social que conseguiu unir, isto é, fez interagir indivíduo e sociedade, sem sobrepujar um ou outro.
RES
UM
O
This paper analyzes the contribution of sociological Chicago School to redefine the concepts of individual and society, through the reworking of the classic visions of society proposed by functionalists and structuralists. Examining the influence of pragmatism on the actions of individuals, and identifying the trajectory of social thought of the school on the first and second generation of researchers, the article concludes that development of symbolic interactionism was decisive for formulation of a social thinking that managed to unite individual and society with equal importance.A
BSTR
AC
T
18
INTRODUÇÃO
Na história da teoria social contemporânea, a Escola de Chicago pode ser considerada um marco,
pois conseguiu ultrapassar amplamente os clássicos paradigmas funcionalista e estruturalista concebidos
pelos pensadores europeus, e, em boa medida, até mesmo, o culturalismo3 norte-americano.
Nascida sob a égide do pragmatismo, ela inaugurou um novo campo na pesquisa sociológica focado
nos estudos dos fenômenos urbanos e nas noções de cultura urbana e ecologia humana. Porém, não se
limitou a ser exclusivamente um novo modo de fazer pesquisa, apesar de sua grande contribuição em
termos de métodos e abordagens sobre os objetos de análise. Foi muito mais além, dedicando um lugar
significativo ao estudo das formas como os indivíduos elaboram e interagem com os grupos sociais aos
quais pertencem, e como criam sua identidade social.
Em termos metodológicos, a Escola de Chicago deixou um importante legado ao realizar a crítica
radical da fenomenologia sociológica, isto é, do objetivismo da ciência racional-funcionalista, e pela
seminal contribuição na formulação do interacionismo simbólico e da etnometodologia que viriam a se
tornar duas importantes correntes sociológicas de caráter compreensivo após os anos 1960.
Este artigo tem como eixo central apresentar as principais contribuições da Escola de Chicago
para o entendimento da clássica dicotomia sociológica: indivíduo e sociedade. Para tanto, o texto a seguir
está dividido quatro partes. Na primeira seção, será discutido o papel central que a filosofia pragmática
possui no pensamento social norte-americano e na formação da escola de Chicago. Na segunda seção,
discutiremos a práxis da escola em termos do olhar, dos métodos e da escolha dos objetos de pesquisa. A
terceira seção é dedicada a apresentar um dos principais frutos teóricos da segunda geração da escola: o
interacionismo simbólico e a mudança na concepção de ação. Na parte final do trabalho são apresentadas
as conclusões que procuram demonstrar a relevância da construção teórico-metodológica empreendida
pela escola para uma melhor compreensão da dicotomia entre indivíduo e sociedade, bem como apontar o
legado e as contribuições desse pensamento para a teoria social.
Pragmatismo e teoria social
3 A universidade de Columbia é muitas vezes designada como o lar intelectual do culturalismo que se desenvolveu nos Estados Unidos a partir dos anos 1930. Essa abordagem sociológica recebeu influências da antropologia cultural anglo-saxã e da psicanálise freudiana. (LALLEMENT, M. História das idéias sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2008, p.75-78.
O pragmatismo cumpre duas funções(....). Em primeiro lugar, desembaraçar-nos ativamente de todas as idéias pouco claras. Em segundo lugar, deve apoiar, e tornar distintas, idéias em si, claras, mas de apreensão mais ou menos difícil;e, em particular, assumir sua atitude satisfatória em relação ao elemento da terceiridade. (PEIRCE,C. Escritos coligidos. In: Os pensadores, vol. XXXVI. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p.64).
19
O pragmatismo não foi a primeira corrente filosófica a se implantar nos Estados Unidos da
América. No entanto, segundo Wall (2007), foi verdadeiramente uma escola americana de pensamento.
Surgido nos primeiros anos de 1870 e formado por um grupo de rapazes de Cambridge, Massachussets,
interessados em discutir filosofia que se auto-intitulavam como pertencentes ao “Clube Metafísico”, o
pensamento pragmático teve como principais expoentes os pensadores Willian James e Charles Sanders
Peirce.
O primeiro texto que expõe claramente as idéias do pragmatismo é de 1878, de autoria de Charles
Peirce, intitulado “How to make our ideas clear”. Nele o autor apresenta a definição do que seria uma
idéia clara:
Para Peirce (1878), o fundamental da doutrina pragmatista é a relação que ela desenha entre a
teoria e a prática. Isto é, ela se constitui somente em um critério de significação que afirma ser o significado
de algo, ou de um conceito, nada mais, do que a soma total das conseqüências práticas concebíveis. Por
esse raciocínio, conceitos que não tenham conseqüências práticas concebíveis não têm significado. O
ponto central da reflexão de Peirce sobre o significado dos conceitos foi fortemente influenciado pela
definição de crença de Alexander Bain, que afirmava ser esta hábito de ação. Bain propunha que nos
afastássemos da concepção de que as crenças são puramente intelectuais e passássemos a tomá-las como
sendo oriundas de nossas vontades e tendências para agir (NASCIMENTO, 2011).
Peirce concebia a filosofia mais como um método auxiliar na compreensão dos problemas
científicos e filosóficos, do que como uma teoria da verdade. Sua teorização sobre o pragmatismo surge
como um esforço para vencer as contendas metafísicas, e tentar adotar medidas práticas que consigam
efetivamente captar a concepção total de um objeto.
Outro nome de destaque no pragmatismo foi o de Willian James. Em 26 de agosto de 1898,
James proferiu uma conferência na União Filosófica da Universidade de Berkeley e utilizou a palavra
pragmatismo pela primeira vez de modo impresso. Nessa ocasião, James apresentou uma interpretação
A clear idea is defined as one which is so apprehended that it will be recognized wherever it is met with, and so that no other will be mistaken for it. If it fails of this clearness, it is said to be obscure. This is rather a neat bit of philosophical terminology; yet, since it is clearness that they were defining, I wish the logicians had made their definition a little more plain. Never to fail to recognize an idea, and under no circumstances to mistake another for it, let it come in how recondite a form it may, would indeed imply such prodigious force and clearness of intellect as is seldom met with in this world. On the other hand, merely to have such an acquaintance with the idea as to have become familiar with it, and to have lost all hesitancy in recognizing it in ordinary cases, hardly seems to deserve the name of clearness of apprehension, since after all it only amounts to a subjective feeling of mastery which may be entirely mistaken. I take it, however, that when the logicians speak of “clearness,” they mean nothing more than such a familiarity with an idea, since they regard the quality as but a small merit, which needs to be supplemented by another, which they call distinctness. (PEIRCE, C. 1878, p. 286-302)
20
das idéias de Peirce dizendo:
A concepção de Peirce sobre o pragmatismo foi expandida por James com a introdução da noção
dos efeitos que um objeto pode envolver. Isto é, na idéia original de Peirce o significado ou a idéia que
temos de um objeto é produto dos efeitos que julgamos ter esse objeto. Willian James adicionou nesses
efeitos as sensações que devemos esperar e as reações que devemos preparar a partir do objeto. Em outras
palavras, o pragmatismo para James está interessado nos efeitos diretos, práticos e particulares de um
objeto ou idéia. Ele reivindica uma filosofia que não somente exercite os poderes da abstração intelectual,
mas que faça conexões com o mundo real. O método pragmático seria, então, uma atitude, uma orientação.
A atitude de olhar além das primeiras coisas, dos princípios, das “categorias”, da supostas necessidades e
de procurar pelas últimas coisas, ou seja, seus frutos, as suas conseqüências, os fatos (JAMES, 1985).
Na opinião de Hans Boas (1999), o pragmatismo é uma filosofia da ação, mas que não chegou a
desenvolver um modelo da ação como fez Talcott Parsons4. Boas procurou desenvolver o conceito de
ação com vistas a superar a dualidade cartesiana. Isso levou a uma compreensão da intencionalidade e da
sociabilidade de modo diferente do proposto pelos utilitaristas5, em que a ordem social é orientada pela
concepção do controle social em termos de auto-regulação e solução de problemas.
A relação e a influência entre o pragmatismo e a teoria social, especificamente no caso da Sociologia,
segundo Boas, se deu com John Dewey e George Herbert Mead. Num primeiro estágio, o pragmatismo
assumiu contornos de uma psicologia funcionalista. Buscava-se interpretar os processos e operações
psíquicas em termos de sua eficácia para a solução dos problemas encontrados pelas pessoas no dia-a-dia,
isto é, em sua conduta. Um documento típico dessa visão foi produzido por John Dewey e intitulado de
“The Reflex Arc Concept in Psychology”, de 1896, no qual o autor criticava a concepção de uma psicologia
causal que buscava estabelecer vínculos determinísticos entre estímulos ambientais e relações orgânicas.
Esse modelo para Dewey opunha a totalidade da ação e as doutrinas que reduziam a ação a uma conduta
determinada pelo meio. Ele acreditava que qualquer ideia, valor e instituição social tinham origem nas
circunstâncias práticas da vida humana. As crenças, vistas em seus respectivos contextos, deveriam ser
Para atingir a clareza perfeita em nossos pensamentos de um objeto [...] precisamos somente considerar quais efeitos de uma espécie concebivelmente prática o objeto pode envolver - quais sensações devemos esperar dele, e quais reações devemos preparar. Nessa concepção desses efeitos, então, é para nós o todo de nossa concepção do objeto, na medida em que essa concepção tem alguma significância positiva. (JAMES, 1898 apud Wall, 2007, p. 52)
4 Para maiores detalhes vide PARSONS, T. A estrutura da ação social. Petrópolis: Vozes, 2010.5 O princípio da utilidade foi sistematizado por Jeremy Benthan (1748-1832) e John Stuart Mil (1806-1873). Uma das principais exposições sobre a filosofia utilitarista pode ser encontrada em BENTHAM, J. “Uma introdução aos princípios da moral e da legislação”. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
21
testadas quanto à contribuição que poderiam dar para o bem comum e pessoal (PALMER, 2005).
Esse mesmo entendimento foi gradativamente compartilhado por Herbert Mead. Em meados de
1910, Mead havia escrito um livro de ensaios que mostrava a evolução de seu pensamento de um modelo
biológico, individual e funcionalista, para uma concepção mais social e racional, de ligação entre os
indivíduos e os grupos. Por razões desconhecidas, essa obra nunca chegou a ser completada. No entanto,
juntamente com os trabalhos “Play, School, and Society” e “The individual and the Social Self” elas
marcaram a passagem de uma concepção psicológica, individual e emocional da pessoa em sociedade,
com ênfase na infância, para outra, em que o sujeito é explicado como produto das interações sociais e
de significados humanamente gerados (SCOTT, 2008). Em “Mind, Self and Society”, Mead apresenta
um modelo de origem do eu e do outro, no qual a sociedade e o “eu” seriam mutuamente dependentes
e dinâmicos. A mente, a consciência, a inteligência e a capacidade de assumir o papel do outro também
surgiram desse processo.
É importante frisar que o pragmatismo é um método de se fazer filosofia e não uma teoria filosófica.
Nasce com o objetivo de mostrar que muitos termos filosóficos não tinham significado e que muitos
problemas filosóficos eram gerados por falta de clareza terminológica. Como críticas imputam a ele certa
redução do conceito de ação a um modo muito instrumentalista, a ideia de que a consciência se encontra
orientada para o momento presente e a um alto grau de generalidade do modelo não permitindo a distinção
entre agente e objeto.
Vejamos na próxima seção como a Escola de Chicago trabalha com as influências do pensamento
pragmático, e qual a repercussão, a importância e o papel dele nos métodos, estudos e nas teorias sociais
desenvolvidas.
A práxis da Escola de Chicago
No período compreendido entre os anos de 1912 e 1922, o Departamento de Sociologia da
Universidade de Chicago foi caracterizado, segundo Mário Eufrásio (2008), por uma série de propostas
de pesquisas, por um conjunto de linhas de interesse, de orientações teóricas e linhas de investigação que
se concentraram nos estudos da sociologia urbana e do imigrante, nas relações raciais e no problema das
populações negras nos Estados Unidos. Os pesquisadores desse departamento e suas produções entraram
posteriormente para o rol das tradições sociológicas, como os criadores da “Escola de Chicago”, termo
cunhado por Luther Bernard somente nos 1930 (COULON, 1995).
Em termos práticos, a preocupação dos pais fundadores da escola sociológica de Chicago estava
22
em “emphasized sciense and the importance of understanding social problems in terms of the process and
forces that produce them” (BULMER, 1984, p.89).
Durante 37 anos, trabalharam juntos profissionais que estavam interessados pelos temas e assuntos
da sociedade moderna e contemporânea, além das sociedades tribais e tradicionais. Grande parte dessa
preocupação adveio da influência do pensamento social alemão de Georg Simmel que destacou que os
conteúdos da vida humana guardam estreita relação com a vida social, e que a realidade não pode ser
apreendida em sua imediaticidade (FRANÇA, 2006). No fundo, Simmel buscava um conceito de sociedade
que não a reduzisse a um mero agregado de indivíduos, mas que também não a tornasse uma entidade
transcendente em relação aos sujeitos. A identificação da sociedade e das relações recíprocas conduz ao
estudo das relações sociais pelas quais os indivíduos e os grupos sociais de um determinado território se
comprometem entre si (RIUTORT, 2008). Essa noção será exaustivamente explorada pelos pesquisadores
da Escola de Chicago.
As condições da sociedade americana do início da década de 1890, na opinião de Hans Boas, fizeram
com que o pragmatismo fosse transformado em sociologia. A rápida industrialização da nação, os elevados
contingentes de imigrantes que lá chegavam mudaram a estrutura de classe da sociedade americana. Até
a Primeira Guerra Mundial, o pensamento social nos Estados Unidos esteve voltado para o estudo dos
“problemas sociais”, estes entendidos como: caridade pública, recuperação de pessoas “desencaminhadas”,
questões ligadas à economia doméstica, delinquência, falta de moradias. Posteriormente, os pesquisadores
norte-americanos focaram-se nas investigações sobre o crescimento das camadas populares marginalizadas
e nos aspectos patológicos da sociedade, que o ideário religioso protestante via apenas sob o prisma das
condições de saúde físicas e mentais e de probidade moral. Essa trajetória levou a introduzir, nos estudos
sociológicos nos Estados Unidos, uma disciplina voltada para a ação e a reforma social, e a consolidar os
múltiplos ferramentais utilizados pela Escola de Chicago para realizar seus trabalhos de campo.
O departamento de Sociologia criado por Albion Small, em 1982, em Chicago, permaneceu na
atmosfera intelectual do século XIX por quase duas décadas. Apesar do departamento também congregar
1 Destino da viagem formado por um conjunto de atrativos (município, estado ou país) designado como o destino dos turistas, ou onde estes são recepcionados.
Ao se realizar-se progressivamente, a sociedade indica sempre que os indivíduos estão ligados por influências e determinações recíprocas. E consequentemente, ela é alguma coisa de funcional, algo que os indivíduos ao mesmo tempo fazem e sofrem. Contudo, devido a sua característica fundamental, não se deveria falar em sociedade, mas sim de socialização. A “sociedade”, neste caso, seria apenas o nome dado a um conjunto de indivíduos, ligados entre si por ações recíprocas [...] (SIMMEL,1918 apud RIUTORT, 2008, p. 353).
23
6 Em 1925 Park inaugura o campo da sociologia urbana com a publicação da obra “The city: suggestions for the study of human nature in urban environment”7 Vide PIERSON, Donald. Teoria e pesquisa em sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1965.
antropólogos, por lá passaram poucos deles. Os mais conhecidos foram Ralph Linton, Fay Cooper-Cole,
Edward Sapir e Robert Redfield (EUFRÁSIO, 1995). No entanto, o modo antropológico de fazer pesquisa
parece ter deixado importantes marcas nas gerações iniciais de Chicago. Em 1929, com a criação do
novo prédio que reunia os departamentos de ciências sociais foi criado um departamento de antropologia
autônomo. O desejo fundamental de Small era criar uma sociologia acadêmica mais sensível às questões
de natureza social e moral, e de fazer de Chicago o primeiro departamento de Sociologia do mundo de alto
padrão em graduação e pós-graduação.
A vontade de construir uma Sociologia própria nos Estados Unidos, diferentemente das teorizações
européias, muito mais focada nos trabalhos empíricos do que na construção de grandes teorias é, na opinião
de Howard Becker, um dos grandes méritos da escola de Chicago. Isso fez de Chicago uma escola de
atividade, um local onde, independentemente de todos compartilharem as mesmas ideias, o que de fato
importava era que todos trabalhavam juntos (BECKER, 1996).
Os trabalhos de pesquisa encontraram em Robert Erza Park o estímulo inicial6. Assim que chegou
a Chicago, Park escreveu um texto apontando que a cidade poderia ser um grande laboratório de pesquisa
social. Logo em seguida, passou a buscar estudantes interessados em sair a campo. Park influenciou pelo
menos duas gerações de estudantes de Chicago. Seu método de pesquisa não era predominantemente
qualitativo ou quantitativo. Seu ecletismo no modo de fazer pesquisa se materializou na concepção de que o
espaço físico, material, refletia o espaço social. Esse pensamento, essa metáfora, levou ao desenvolvimento
da noção de ecologia humana7. Valendo-se do modelo de Charles Darwin de seleção natural, ele resolve
elaborar a hipótese segundo a qual o meio no qual os indivíduos e grupos evoluem exerce influência sobre
seu comportamento.
Em campo, Park e seus alunos procuravam entender como os diferentes grupos sociais se espalhavam pela
cidade, como se adaptavam as condições sociais existentes e como coexistiam uns com os outros em mesmos
espaços. Em última instância, Park e seus alunos nos trabalhos de campo procuraram descrever a posição
particular dos indivíduos e dos grupos na sociedade. Os resultados dos levantamentos eram sumarizados
em mapas que mostravam as áreas e regiões da cidade de Chicago habitadas pelas diferentes populações
de imigrantes, suas atividades econômicas, e áreas de conflito. Porções do território onde determinadas
populações se separavam das outras foram caracterizadas por Park como regiões morais.
Em paralelo aos estudos empíricos de Park, Willian Isaac Thomas foi outro importante expoente
que se dedicou mais aos trabalhos teóricos. Seu pensamento foi influenciado pelas idéias de John Dewey,
24
de George Herbert Mead e por Charles Horton Cooley, que notadamente assinalaram o papel exercido
pelos grupos primários na formação da identidade social. Thomas desenvolve a noção de desorganização
social para se referir à ruptura da influência das regras de comportamento entre os membros de um grupo.
A desorganização social marca um período de desligamento progressivo do grupo primário, sem que ainda
se possa falar em transição para outro grupo.
A definição de situação talvez seja o mais importante conceito formulado por William Thomas. O
chamado “teorema de Thomas”8 diz respeito à definição da situação e é definido por ele como a fase de
exame e de deliberação que precede uma conduta autodeterminada. Thomas está preocupado com a maneira
pela qual o indivíduo, a partir de uma visão da realidade, é levado a mudar seu comportamento, e quais as
conseqüências disso. Essa interrogação de natureza teórica levantada por Thomas diz respeito às crenças
individuais e coletivas no âmbito das quais os indivíduos estão inseridos e sobre o papel que estas podem
produzir sobre a própria realidade. Essa noção acaba ensejando uma etapa vital da vida em sociedade uma
vez que coloca nas mãos do indivíduo a escolha por linhas de ações a serem seguidas. Esse “cálculo” é feito
com base nas múltiplas possibilidades existentes.
Dentre os inúmeros expoentes da Escola de Chicago, Park e Thomas foram os representantes da
primeira geração que definiram e moldaram os contornos, o modus operandis de investigação social, e grande
parte do pensamento social da escola. Com William Thomas, o pensamento social de Chicago ficou marcado
por um caráter cultural manifestado nos hábitos e nos comportamento dos indivíduos. Metodologicamente a
contribuição desse raciocínio foi reconstruir a dinâmica da resposta subjetiva ligada aos problemas da ação.
Com Robert Park, o comportamento coletivo passou a ser o objeto da sociologia e não mais o fato social
como definido por Durkheim. No entanto, a ação individual não foi excluída dos domínios da sociologia.
Conforme a concepção de Park, ela tem de ser vista como algo coletivamente construído em sua orientação.
Nessa visão, fica bastante evidente que a sociedade não se apresenta ao homem como um meio de repressão
e de coerção, ela também possui uma dimensão de libertação do eu de cada um de nós. Isso será mais
facilmente compreendido como a formulação do interacionismo simbólico que veremos a seguir.
Interacionismo simbólico: o fruto da segunda geração de Chicago
O interacionismo simbólico foi teorizado fundamentalmente por Herbert George Blumer e se
inscreveu no ambiente da sociologia norte-americana como uma doutrina oposta a outros paradigmas em
vigor após 1945. Até meados dos anos 1960, os promotores dessa corrente de pensamento foram duramente
criticados por transmitir uma imagem particularmente passiva ou hiperssocializada da ação social (WRONG,
1961).8 Assim designado e popularizado pelo sociólogo americano Robert Merton.
25
A relação entre teoria e pesquisa empírica nas ciências sociais tornou-se objeto de grande interesse
para Blumer, indo fortemente de encontro à tradição em voga à época da pesquisa descritiva. Diferentemente
de Park, os estudos de Blumer não tinham uma orientação evolucionista. Ao contrário, ele privilegiava a
inclusão de questões subjetivas nas pesquisas sociológicas. Segundo Blumer (1975), a interpretação que os
indivíduos dão às suas ações está fortemente carregada pelos conteúdos simbólicos da realidade. Qualquer
que seja o ator, um indivíduo, uma família, uma escola, uma igreja, uma empresa, toda ação particular é
formada em função da situação na qual ela se situa. Isto é, a ação é concebida ou construída interpretando a
situação. O ator social deve necessariamente identificar os elementos que deve levar em consideração nesse
processo.
A análise da sociedade nessa perspectiva parte do estudo do comportamento do indivíduo, mas
se distingue do individualismo metodológico9 na medida em que destaca não a busca do interesse, mas
a dimensão cognitiva da ação e os significados que os indivíduos conferem a essa ação. Nesse sentido,
as interpretações da realidade são estreitamente dependentes das situações nas quais os indivíduos estão
imersos, e no modo como interagem uns com os outros. Para Blumer, diferentemente de Parsons, não
existiria eficácia na aplicação das normas sociais fora de determinados contextos concretos, pois sendo
assim, elas não seriam objeto de interpretações por parte dos atores em situação. O ponto central para
os interacionistas simbólicos está na margem de manobra que os indivíduos dispõem (agency) no exato
momento em que estão vivenciando determinada situação.
Surge com o interacionismo simbólico uma nova concepção teórica em sociologia que se afasta
diametralmente do funcionalismo, pois coloca a ação social como algo intrínseco ao indivíduo, e transforma
a interação em objeto da sociologia. A partir de então, o conceito de interação pode dar lugar a análises
de grandeza micro ou macrossociológicas, ainda que, frequentemente, os autores dessa corrente tenham
preferido observar pequenos grupos de indivíduos nessas situações.
Diferentemente dos funcionalistas e estruturalistas que reservavam lugar de destaque ao conceito
de ordem social no estudo da vida em sociedade, para os interacionistas ela é vista como frágil e, em certos
casos, até como precária. A ordem social está assentada agora nas interações entre os indivíduos e no modo
como cada um desempenha seu papel social. Ela é uma espécie de ordem negociada, fruto não da imposição
ou da coerção de fatores externos, mas produto de uma mediação entre sujeitos.
Nos processos de interação entre indivíduos do tipo frente a frente é que a ordem social manifesta
suas implicações por meio dos gestos e contatos costumeiros que realizamos. Na obra “A representação do
9 Vide uma discussão mais elaborada sobre o conceito consulte BOTTOMORE, T. &OUTHWAITE, W. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.
26
eu na vida cotidiana”, Erving Goffman (1985, p.11-12) irá destacar:
É preciso, então, presumir, que nas interações cotidianas existam formas de se evitar os erros de
interpretação e os defeitos nos papéis. Para isso, é necessário estabelecer regras ou rituais que “enquadrem”
a ação. Estes, por sua vez, se configuram nos ritos de apresentação (saudações, cumprimentos, convites, etc)
que tem por objetivo informar ao outro sobre a intencionalidade de nossa ação. Quando um sujeito interpreta
um papel ele almeja que seus parceiros o levem a sério. Goffman vai mais a fundo dizendo ser necessário
muitas vezes examinar em que medida o próprio ator crê naquele papel que ele está desempenhando. Em
outras palavras, ele está tentando sublinhar que um ator jamais se confunde totalmente com o papel que
desempenha porque ele possui capacidade de reflexão sobre suas ações. Na vida social, em sociedade,
o sujeito está quase que permanentemente em representação. Aqueles que experimentam dificuldades
para desempenhar seu papel correm o risco de ser considerados desviantes da norma e acabarem como
estigmatizados. Esse indivíduo aprende desde cedo a controlar parte significativa da informação sobre sua
própria identidade.
Para Michel Lallement (2008), Goffman pensa as relações entres os indivíduos conforme a pauta
do sagrado e do ritual. O conjunto das relações entre os atores sociais é regulado por ritos e estes organizam
a coerência da ação. A relação social de base, que nada mais é do que a interação, no mundo social, é
bastante vulnerável. No final das contas, a interação é sempre uma aposta de risco, em função do indivíduo
nunca ter realmente certeza de como será interpretado e recepcionado pelo outro. Em termos concretos, os
homens vivem com base em hipóteses.
A ligação entre um evento, uma interação e seu pano de fundo físico e social faz com que o
sentido dos objetos seja elaborado e particularizado pelos contextos em que eles aparecem. Essa idéia se
tornou pelas mãos de Harold Garfinkel um dos preceitos fundamentais da etnometodologia, que busca
enfatizar o caráter ativo racional e cognitivo da conduta humana, e também entender como os agentes
[...] Durante o período em que o indivíduo está na presença imediata dos outros, podem ocorrer poucas coisas que dêem diretamente a estes a informação conclusiva de que precisarão para dirigir inteligentemente sua própria atividade. Muitos fatos decisivos estão além do tempo e do lugar de interação, ou dissimulados nela. Por exemplo, as atividades “verdadeiras” ou “reais”, as crenças, as emoções do indivíduo só podem ser verificadas indiretamente, através de confissões ou do que parece ser um comportamento expressivo involuntário. Igualmente, se o indivíduo oferece a outros um produto ou presta um serviço, eles freqüentemente acharão que durante a interação não haverá tempo nem lugar imediatamente disponível para apreciar o prato no qual a prova pode ser encontrada. Serão forçados a aceitar alguns conhecimentos como sinais convencionais ou naturais de algo não diretamente acessível aos sentidos. Usando palavras de Ichheiser10, o indivíduo terá de agir de tal modo que, com ou sem intenção, expresse a si mesmo, e os outros por sua vez terão de ser de algum modo impressionados por ele.
10 Nota conforme o original. Gustav Ichheiser, “Misunderstanding in Human Relations”, suplemento do The American Journal of Sociology, LV (setembro de 1949), p.6-7.
27
sociais compartilham o conhecimento. Nessa concepção, os etnometodólogos se interessam pelas ações
mais corriqueiras da vida cotidiana, pois elas contêm as propriedades de indexicalidade, de reflexividade
e accountability (GARFINKEL, 1967) que conferem o grande dinamismo da vida em sociedade.
Com o interacionismo simbólico, o caráter determinista do sistema social foi superado e foi
reservado um lugar especial para a interação dos membros em sociedade. O indivíduo, antes isolado,
passível de influência por parte das inúmeras instituições sociais, agora, juntamente com outros, interage
e elabora suas ações segundo suas motivações e interesses, e interpreta a realidade ao seu redor.
Considerações finais
Por cerca de 40 anos, até meados de 1930, a escola sociológica de Chicago deteve, em termos teóricos, a
hegemonia absoluta na sociologia americana. Herdeira da história recente da disciplina em terras norte-
americanas, essa escola preconizou por todo esse período um engajamento moral de seus pesquisadores e
de seus estudos, com vistas a ajudar a sociedade a trilhar rumos mais promissores. Indiscutivelmente, essa
é uma característica oriunda da forte influência da doutrina pragmática sobre a forma de se fazer ciência
nos Estados Unidos, que se manifestou claramente nas pesquisas da primeira geração de Chicago na busca
por práticas (métodos, técnicas, recortes metodológicos) que permitissem efetivamente captar a concepção
de um objeto (problema social).
Assumindo muitas vezes contornos funcionalistas, tendo como o centro de suas preocupações as
conseqüências de um dado conjunto de fenômenos empíricos, e não suas causas, o pragmatismo da primeira
geração, que segundo alguns teóricos restringia a totalidade da ação e as condicionava ao meio social, foi
gradativamente reformulado por uma concepção que dava maior ênfase à ligação entre os indivíduos e os
grupos e os modos de interação entre eles. Para esse ramo da sociologia norte-americana, o interacionismo
simbólico, as relações sociais não surgem como determinadas, ao contrário, são abertas e dependentes das
relações entre indivíduo e indivíduo, e entre indivíduo e grupos.
A preocupação pela qual um sujeito a partir de uma determinada visão da realidade, ou de um
modo de interação com esta, muda seu comportamento, passa a ser o cerne da teorização social da segunda
geração da escola. A partir de então, o pensamento sociológico passa a pensar as escolhas individuais
pelas ações a serem empreendidas, e não mais como determinadas ou condicionadas pelo meio social ou
pelas estruturas sociais. O elemento subjetivo é, então, considerado um elemento constitutivo da ação, e a
interpretação das ações é sempre eivada dos conteúdos simbólicos da realidade e subjacentes a ela.
Em termos comparativos, no estruturalismo, as ações conscientes dos indivíduos e grupos
28
BECKER, Haword. Conferência a escola de Chicago. In: Mana 2(2), 1996, pp. 177-188.
BLUMER, Herbert. Symbolic interacionismo: perspective and method. Chicago: The University of
Chicago Press, 1975.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sociais são excluídas da análise e suas próprias proposições explanatórias são concebidas em termos de
causalidades estruturais. O indivíduo desaparece na análise estrutural, embora de forma diferente que na
teoria durkheimiana. O nexo nessa corrente de pensamento está entre a noção de estrutura e a de coerência
social. Não existe uma preocupação com a apreensão imediata do mundo e nem com o processo histórico.
As bases do estruturalismo evidenciam uma espécie de ordem oculta que estrutura nosso inconsciente e
que procura explicar as inter-relações através das quais o significado é produzido dentro de um ambiente
cultural.
No funcionalismo ou na “teoria do consenso”, como alguns o designaram, a sociedade forma um
todo cujas partes desempenham uma função necessária ao equilíbrio de todo o conjunto. Os indivíduos
são uma espécie de produto da estrutura social, estando plenamente inseridos nela e garantindo a ela
solidariedade e estabilidade. Essas duas correntes de pensamento, são, pela Escola de Chicago, criticadas
e uma nova forma de pensar o indivíduo e a sociedade é formulada por seus expoentes.
Em síntese, é possível dizer que a Escola de Chicago foi capaz de dotar a ação humana de
significado ou de dar espaço para análise do sentido da ação humana num contexto social específico.
Mesmo num primeiro momento, em que as pesquisas e estudos continham muitos elementos do
pensamento evolucionista, positivista e determinista dos teóricos europeus, ao escolher a cidade como
um de seus laboratórios privilegiados de estudo, já ficava evidente a intencionalidade dos estudiosos de
Chicago em “significar” ou “pragmatizar” suas ações e pensamentos objetivando promover benefícios à
sociedade. Nesse sentido, a compreensão do sentido da ação na Escola de Chicago e do Interacionismo
simbólico distancia-se da sociologia compreensiva de Weber, que pretende compreender esse sentido
como um dos fundamentos de uma ação tipificada.
Com o acúmulo gerado por inúmeras pesquisas sobre “patologias sociais” e percebendo que explicar
os fenômenos sociais de fora para dentro já não mais fazia sentido, Chicago, por meio do interacionismo
simbólico, deu talvez sua maior contribuição à teoria social. A clássica dicotomia indivíduo e sociedade,
inaugurada pelo pensamento de Durkheim e reforçada pelos funcionalistas das gerações subseqüentes da
sociologia e da antropologia, dava lugar agora à construção de uma microssociologia na qual o papel do
atores sociais e suas relações são os elementos constituintes da sociedade. Em suma, os indivíduos não
sofrem os fatos sociais, ao contrário, não param de produzi-los.
29
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PALAVRAS-CHAVES Educação do Campo, sustentabilidade e ambiente.
KEY-WORDS Agrarian Education, sustainability, environment.
EDUCAÇÃO DO CAMPO: POR OUTRA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
AGRARIAN EDUCATION: BY OTHER ENVIRONMENTAL SUSTAINABILITY
Rodrigo da Costa Caetano 1 Raquel Chaffin Cezario2 David Luiz Mendonça Wigg3
1 Doutor em Geografia, professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF); E-mail: [email protected]; 2 Bacharel em Ciências Sociais e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais (UENF); E-mail: [email protected]; 3 Técnico em Agroindústria e graduando em Agronomia (UENF) - E-mail: [email protected].
Neste artigo procuramos esclarecer que a educação do campo é uma importante vertente da educação ambiental, entendida como totalidade em termos de escalas e processos, nos quais o homem é parte constituinte. A Educação do Campo é compreendida como um processo político-educativo essencial para o desenvolvimento do campo, espaço de vida de sujeitos excluídos historicamente. A agroecologia é fundamental para dar sustentabilidade à referida educação, pois pretende contribuir com alternativas teórico-conceituais, metodológicas e transdisciplinares para conscientizar a população rural e garantir-lhes os meios para produzir, exercer a cidadania e, dessa forma, participar de um novo projeto de nação.
RES
UM
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In this paper we seek to clarify that Agrarian Education is an important way of environmental education, understood as a totality in terms of scales and processes in which the man is a constituent part. The Agrarian Education is understood as a process political-education essential to the development of the field, living space of excluded subjects historically. Agroecology is fundamental to confer sustainability of education, it aims to contribute with alternatives theoretical and conceptual, methodological and transdisciplinary to conscious the rural population and provide them the means to produce, exercise of citizenship and participate of a new project nation.
ABS
TRA
CT
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Introdução
Nas últimas décadas, os debates acerca da sustentabilidade socioambiental brasileira têm marcado
as agendas políticas, do governo federal às prefeituras mais longínquas, com as mais diversas demandas
empresariais e, como contraponto, sociais. Organizações não Governamentais (ONGs), movimentos sociais
organizados, sindicatos, entre tantos agentes, buscam outro ordenamento ambiental, ou mais espaços nos
foros de decisão político-governamentais.
Muitas audiências públicas são organizadas por todo o país para “azeitar” as transformações de
cunho socioambiental, sem, no entanto, esclarecer a abrangência dos impactos decorrentes de grandes
obras, tais como de barragens, portos e complexos industriais para as comunidades mais próximas. À
compreensão da justiça e das compensações ambientais torna-se imprescindível a educação, que por vezes,
de forma equivocada, corrobora com a dissociação entre o ser e o ambiente físico ao trabalhar o “meio
ambiente” como se não fizéssemos parte ou não fôssemos constituintes dele. Parece-nos que, da maneira
aludida, o pleonasmo “meio ambiente” está para além da humanidade, porquanto se lança o olhar de fora,
como algo à distância na paisagem geográfica clássica, ou seja, mantendo distância na percepção e na
apreensão dos fenômenos para com o objeto.
A questão se aprofunda quando pensamos nas especificidades educacionais de cada ambiente
inserido em identidades territoriais próprias, a exemplo da Educação do Campo. Na crise dos paradigmas
ambientais, instaurados na contemporaneidade, os olhares são múltiplos, bem como são diferenciadas as
responsabilidades pelas dinâmicas de exploração dos espaços, e até mesmo as conseqüências dos impactos
ambientais não são compartilhadas por todos com magnitudes equânimes.
A educação ambiental também visa esclarecer o processo de transformação da natureza pelo trabalho
atrelado aos avanços técnicos do modo de produção capitalista, que se desenvolve no espaço geográfico
com dimensões desiguais e excludentes. Nesse sentido, desperta a análise crítica dos educandos, cada qual
no contexto sócioespacial pertinente, sem perder a noção de totalidade dos processos ambientais em seus
vínculos políticos – econômicos e suas interações rurais-urbanas.
Portanto, far-se-á necessária uma educação ambiental comprometida com as condições do meio
local, seguindo uma seqüência menos hierárquica (regional – nacional – mundial) do que propositalmente
intencional, visto que a escala geográfica perpassa limites e incorpora a opção da escolha para dar referências
cotidianas aos alunos, significados ou significâncias aos conteúdos programáticos trabalhados por analogia
à vida.
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Independente do viés teórico-metodológico inerente às correntes ambientalistas, a educação que
se propõe ambiental deve posicionar-se frente ao quadro de insustentabilidade ambiental e inquirir sobre
as expectativas e prerrogativas dos estudos socioespaciais, desmitificando o desenvolvimento sustentável
propagado ao questionar para quem este ou aquele projeto serve, enfim, o que a sustentabilidade tem
sustentado senão o próprio sistema capitalista - “globalitarista”, segundo o geógrafo Milton Santos.
A educação ambiental requer uma abordagem sistêmica, pois não se pode estudar a crise do modelo
energético, preconizando as alternativas renováveis, ou tentar compreender a (in)segurança alimentar e a
fome, sem explicar a histórica concentração fundiária que reverbera na excludente estrutura agrária e no
que representa a propriedade (e a luta pela terra) no Brasil.
O meio rural brasileiro, bastante caracterizado pelas relações patrimonialistas e por variadas
manifestações anacrônicas, tem sido ordenado territorialmente privilegiando os segmentos da elite
brasileira em consonância com os interesses do capital internacional, das velhas oligarquias às corporações
em rede do agronegócio na esteira modernização conservadora, em detrimento dos povos do campo e dos
saberes “vernaculares” da terra.
A Educação do Campo foi negligenciada politicamente, uma vez que a educação rural4, fomentada
a partir do governo Vargas, não coloca os sujeitos do campo na situação de protagonistas sociais; os
currículos não traduzem as igualdades de oportunidades e a perspectiva emancipatória, deixando de
contemplar os etos comunitários e a construção dos degraus cívicos a galgar para a conquista plena da
cidadania. Entrementes, a atonia cívica tradicional do meio rural, tão estereotipada em textos, prosas, versos
e alimentada pelo “descaso” político-educacional, contraditoriamente, reverte-se em inconformismo e
reivindicações à medida que o recrudescimento da “desterritorialização” do pequeno produtor (também
referido como camponês) torna a sua inclusão marginal insustentável.
Demandas da Educação do Campo
A Educação do Campo “insurge” das demandas dos movimentos camponeses na construção de
uma política educacional para os assentamentos da Reforma Agrária. Por conta dessa demanda foram
4 Educação rural e Educação do Campo não são palavras sinônimas. A primeira é reprodutora do modelo conservador, no qual a expansão do agronegócio é o principal objetivo. Assim sendo os trabalhadores rurais seguem os intentos do grande capital e enquadram-se no aniquilamento gradual das suas práticas tradicionais. Além disso, ela reflete a precariedade de condições de seu público-alvo, com recursos pedagógicos escassos e estrutura física inadequada ou inexistente. O novo paradigma da Educação do Campo diferencia-se da educação rural por instigar as práticas sociais dos sujeitos do campo, invertendo o processo de imposição curricular urbano-rural, instigando a recriação de saberes e sabores a partir da produção de alimentos e de culturas que constituem a ressignificação do rural e a identidade territorial como espaço da vida.
33
elaborados o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e a Coordenação Geral de
Educação do Campo. A Educação na Reforma Agrária se refere às políticas educacionais que se dirigem
para o desenvolvimento dos assentamentos rurais e, sob essa perspectiva, ela se constitui como parte da
Educação do Campo, compreendida como um processo político-educativo essencial para o desenvolvimento
do campo.
A especificidade da Educação do Campo se deve ao fato de sua permanente associação com as
questões dos saberes da terra e da identidade territorial na qual se enraíza. Deve-se ter em mente que o
campo é um espaço de produção e reprodução da vida, do trabalho, de novas relações com a natureza, da
produção e da cultura. A Educação do Campo, tal como a Educação Popular5, tem como objetivo fornecer
condições para que o sujeito participe do processo de produção do conhecimento, reja a própria vida, e
edifique os alicerces de um novo projeto de nação.
De acordo com Fernandes (2006), o campo pode ser pensado como território ou como setor da
economia. Pensar o campo como território é compreendê-lo como condição de vida, ou como uma espécie
de espaço geográfico produzido por intermédio das relações sociais, nos movimentos do trabalho, da
transformação da natureza e da artificialidade. O campo está inserido na contemporaneidade como meio
técnico-científico de construção do conhecimento e de produção de mercadorias; portanto, constitui-se
econômico e informacional. A educação não existe fora do território, assim como a cultura, a economia e
as demais dimensões sociais...
Ao se compreender o campo como um território6, a educação precisa ser pensada para o
desenvolvimento dos produtores de origem familiar, sem a lógica da exploração do homem e da
degradação ambiental para o lucro a qualquer custo. Os territórios dos sujeitos do campo7, designados
como camponeses por alguns autores, e do agronegócio são organizados de formas distintas, a partir de
5 O ímpeto da Educação Popular emerge ao longo da Ditadura Militar (PALUDO, 2001); não por acaso Paulo Freire (2006) a associava com a prática eficaz da liberdade (educação libertadora) a partir da pedagogia do oprimido (FREIRE, 1987). A educação popular não deve ser confundida com educação do povo (aqui foge do sentido antropológico, ou da ideia de sociedade civil organizada), pois se direciona aos interesses das camadas populares, às suas necessidades enquanto indivíduos elaboradores de sua própria cultura. “Talvez uma característica definidora da Educação Popular seja exatamente essa busca de alternativas a partir de lugares sociais e espaços pedagógicos distintos, que têm em comum a existência de necessidades que levam a querer mudanças na sociedade. É uma prática pedagógica realizada num espaço de possibilidades”. (PEREIRA & ANDRADE, 2008, p. 03).
6 Haesbaert (1997, p. 42), inspirado em grandes autores, elabora uma reflexão-conceituação: “O território envolve sempre, ao mesmo tempo, mas em diferentes graus de correspondência e intensidade, uma dimensão simbólica, cultural, através de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de ‘controle simbólico’ sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: a apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos”.
7 Sujeitos do campo e camponeses (campesinato) são polissêmicos; traduzindo: ribeirinhos, caiçaras, quilombolas, seringueiros, entre outros que representam: lógica da resistência ao grande capital; racionalidade mais sustentável, luta pela terra, pequenos (propriedade) agricultores familiares.
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diferentes classes e relações sociais. Enquanto o agronegócio ordena o seu território para a produção de
mercadorias, o campesinato o dispõe para a realização de sua existência. Tal diferença pode ser observada
nas paisagens, visto que a do agronegócio é mais homogênea e a do campesinato é heterogênea, ou seja,
enquanto no agronegócio a monocultura predomina, o ideal do camponês é diversificar as plantações,
tendo como marca principal as pessoas e as culturas. Esses pólos antagônicos fazem com que a educação
possua sentidos distintos, tais quais os propósitos da Educação do Campo versus os da educação rural.
As condições da reprodução social dos sujeitos do campo, aviltadas em função do avanço do
agronegócio, ameaçam a resistência das poucas escolas do campo. Trata-se do “sequestro” das identidades
territoriais por sobreposição ou suplantação de apropriação, uso e controle de espaços produtivos. Por
outro lado, as grandes empresas do agronegócio possuem articulações com as principais universidades e
os institutos de pesquisas públicos e privados, o que acaba lhes garantindo inovações em tecnologias e,
consequentemente, altas produtividades aos mercados, com destaque para o internacional.
A educação, contudo, não pode ser regulada pelo mercado, muito menos no campo brasileiro, onde
os óbices de acessibilidade e oportunidade são maiores. Por isso a Educação do Campo como política
pública é fundamental para o campesinato, desde a formação tecnológica para os processos produtivos,
até a formação nos diversos níveis educacionais – do fundamental ao superior – para o exercício da
cidadania. A Educação do Campo é uma política social que promove o desenvolvimento dos sujeitos em
diversidades-particularidades expressas em territórios organizados por meio do trabalho familiar.
As pesquisas em Educação do Campo devem objetivar uma melhora da qualidade de vida (para
todas as populações tradicionais e para aqueles que têm migrado, recentemente, da cidade para o campo
em busca de outra lógica de sustentabilidade), contribuindo com o desenvolvimento do campo como
espaço de vida, porque não é apenas um lugar onde se planta, se produz, mas, também, é onde pessoas
vivem e constroem a sua história, uma identidade.
É importante conhecer as especificidades do campo (questões referentes ao âmbito rural já
ressignificado pelo e no contato com o urbano) para que os projetos político-pedagógicos e os currículos
para a Educação do Campo possam ir além das técnicas utilizadas no manejo do agro, contemplando as
necessidades reais e mais amplas que os sujeitos do campo enfrentam.
Cabe aqui uma breve consideração a respeito da relação entre ensino técnico para as atividades
agrícolas e a Educação do Campo para a família dos agricultores. De um modo geral, o ensino técnico
se volta mais para um modelo de desenvolvimento agrícola vigente, baseado em pacotes tecnológicos
padronizados, considerados, por muitos, insustentáveis ambientalmente.
Já na Educação do Campo, há o esforço em utilizar o paradigma da produção e dos princípios
35
agroecológicos, promovendo o pensando consentâneo à justiça social, à economia solidária e às
sustentabilidades ecológicas, tendo a agricultura familiar como um de seus pilares básicos.
Explica Guterres (2006, p. 92 e 93) que a agroecologia não é condicionada apenas aos aspectos
agronômicos, pois as variáveis sociais e ecológicas ocupam grande relevância para além do que os sistemas
agrários, normalmente, convencionam. A agroecologia - enfoque teórico-metodológico transdisciplinar
- surge com o paradigma ecológico, que por natureza é antitotalitário e pluralista, questionando a
subalternidade de outros saberes, a exemplo do camponês.
Os agricultores, geralmente, poucas vezes buscam técnicas alternativas e específicas para as
suas atividades agrícolas, recebendo uma orientação voltada mais para o agronegócio do que para a
típica agricultura familiar tradicional. Parece que a própria constituição da agronomia (ou engenharia
agronômica), enquanto ciência, ao sistematizar as tecnologias, hierarquizou os conhecimentos, colocando-
se em nível superior às práticas ou saberes “vernaculares” dos sujeitos do campo. O saber válido como
científico ficou restrito à academia, enquanto que o saber prático do campo foi subjugado ao primeiro
como não científico.
Assim, faz-se necessário investir em modelos de agricultura sustentável para a construção de um
desenvolvimento do campo que minimize as desigualdades e os problemas enfrentados pelo campesinato.
Portanto, a produção de pesquisas sobre a correlação entre precarização das condições de vida e (re)
produção dos diferentes sujeitos presentes no espaço rural deve contrapor ao modelo vigente, que
“corrobora” indiretamente com a perda de territórios, identidades e saberes, devido à reorganização
capitalista do espaço agrário, caracterizada pelo avanço das fronteiras agrícolas no Brasil. A Educação
do Campo assume, então, um papel na construção de políticas públicas que sejam capazes de interferir
na perpetuação desse paradigma tão contestado pelos movimentos sociais rurais, que lutam pela Reforma
Agrária.
O protagonismo desses movimentos sociais na Educação do Campo tem provocado o debate acerca
das diferentes matrizes de conhecimento, quer nos níveis de escolarização formal, quer na participação
no processo de elaboração/representação de algumas políticas públicas. Emerge, destarte, a questão das
revisões epistemológicas para o avanço na consolidação do espaço rural como um território de múltiplos
saberes e de (re)produção da vida.
Os conhecimentos práticos e teóricos dos sujeitos do campo, construídos a partir de experiências,
relações sociais, tradições históricas e visões de mundo, precisam ser levados em consideração na Educação
do Campo.
A articulação entre as diferentes áreas do saber ajuda na compreensão dos processos responsáveis
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pelas ausências no campo e aponta caminhos necessários à sua superação. O panorama educacional no
campo enseja políticas afirmativas capazes de dirimir as discrepâncias existentes no meio rural.
Conceber essas políticas requer o desafio de unir esforços e saberes interdisciplinares e
transdisciplinares, aproximando as dimensões da realidade dos sujeitos do campo com a ciência, aliadas ao
seu processo político-educacional para valorização da existência social desses sujeitos. É preciso respeitar
as especificidades do território em questão e o tipo de cultura que ali se reproduz para o entendimento das
manifestações de sociabilidade de cada comunidade rural.
As Diretrizes Operacionais da Educação Básica para as Escolas do Campo
Após décadas de existência, o Ministério da Educação (MEC) formalizou uma “atmosfera” para
coordenar as ideias que gravitam em torno de uma política nacional de Educação do Campo (MUNARIM,
2006). Isso só foi possível graças às históricas discussões dos próprios sujeitos do campo, que a cada dia
intensificam as suas reivindicações por esse espaço de protagonismo social.
Ainda hoje, difunde-se a concepção de que quase tudo o que se relaciona ao campo, em analogia ao
rural, traz consigo o estereótipo de atraso, enquanto que a cidade carrega a perspectiva do desenvolvimento
e da (pós)modernidade. Tal fato também dificulta o interesse de grande parte da sociedade em se discutir as
questões do campo e qualquer projeto ou política que o beneficie, como a Reforma Agrária e a Educação do
Campo, que não constituem prioridade nas pautas governamentais e emergem pela pressão de movimentos
e organizações sociais / sindicais.
A criação de uma Coordenação-Geral de Educação do Campo na estrutura do MEC pode ser
vista, entretanto, como um ponto de partida conquistado (uma vitória, ainda que parcial) pelas forças
populares do campo, que lutam por políticas democráticas de educação. É um longo e árduo caminho para
a implementação de políticas educacionais que transformem esse quadro de carência, proporcionando a
acessibilidade e a igualdade de oportunidades.
Um dos primeiros passos na esfera federal ao encontro das demandas dos sujeitos sociais do campo
foi a Resolução CNE/CEB nº 1, de 2002, que instituiu as “Diretrizes Operacionais da Educação Básica
para as Escolas do Campo”, significando a ampliação de um diálogo mais democrático entre o Estado e
as representações da sociedade civil no espaço da política. A citada resolução indica as responsabilidades
dos entes estatais em cumprir o direito à educação no que diz respeito às desigualdades sociais e às
diversidades culturais. (MUNARIN, 2006, p.18).
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O reconhecimento do direito à diferença e a promoção da cidadania estão presentes, norteando
as especificidades da Coordenação-Geral de Educação do Campo. Munarim (2006) descreve três eixos
estratégicos que se cruzam na prática específica da Coordenação-Geral: a construção de uma nova base
epistemológica, a construção de uma esfera pública e a ação do Estado.
O primeiro eixo busca superar a projeção do campo como o atraso da sociedade. Movimentos
e organizações sociais têm criado institutos de pesquisa e estabelecido parcerias para ações concretas
com as universidades públicas, objetivando um desenho que mobilize pessoas e instituições na busca de
definições teóricas, metodológicas e linhas de pesquisa que vinculem as problemáticas da Educação do
Campo, cujo intuito é introduzir na agenda social das instituições governamentais políticas públicas e
projetos voltados para os anseios dos sujeitos do campo.
A esfera pública adquire o sentido de espaço de interação entre Estado e sociedade, aperfeiçoando
a democratização e a participação social consciente e efetiva na construção de políticas públicas por
parte dos sujeitos do campo. Duas atividades da Coordenação-Geral de Educação do Campo podem ser
mencionadas nesse eixo estratégico: O Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo (GPT) e os
grupos executivos estaduais de Educação do Campo, ou fóruns estaduais.
O GPT está constituído no âmbito do MEC, como uma espécie de mediador entre o referido
ministério e a sociedade civil organizada do campo, fazendo-se eficaz na proposição de alternativas e linhas
de ação a serem adotadas. Já os Comitês Estaduais de Educação do Campo são articulações no âmbito
dos estados federados, que podem realizar as suas atividades representativas nas respectivas secretarias de
educação, envolvendo, também, as estruturas municipais de educação.
O terceiro eixo estratégico abordado por Munarim (2006) é a ação do Estado, com eficiência
administrativa, na construção de políticas de Educação do Campo em prol da universalização da Educação
Básica com qualidades técnica e social. Nesse sentido, inscrevem-se como ações indispensáveis na agenda
governamental das políticas sociais para o campo: o financiamento, tendo em vista o histórico déficit de
quantidade e qualidade de ensino em relação à cidade, sem negligenciar a totalidade dialética campo-cidade;
a questão da infraestrutura e da logística, relacionadas às condições adequadas para o funcionamento de
um ambiente educativo e à acessibilidade desse meio aos alunos, professores e demais funcionários.
A questão da formação de educadores não é secundária, pois quando estão identificados com
as particularidades/realidades dos sujeitos do campo, se utilizam de metodologias e abordagens mais
significantes, porquanto muitos dos materiais didáticos produzidos só contemplam a percepção urbana,
conforme observado no trabalho com alguns livros didáticos; lembrando que nem sempre estão disponíveis
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para as escolas no meio rural brasileiro e que poucas vezes apresentam abordagens agroecológicas.
Agroecologia e Educação
A agroecologia, vertente da educação ambiental e paradigma obrigatório da Educação do Campo,
é definida por muitos autores como uma nova proposta sustentável inscrita em uma ciência em construção.
Segundo Caporal (2009, p. 16 e 17):
O conceito acima exposto nos leva a perceber que a agroecologia, devidamente inserida na
educação ambiental, revela o caminho a ser seguido na busca da transição do modelo vigente. A educação
deve estar aliada à troca de experiências, à busca pelo entendimento da dialética entre o homem e a
natureza, à inter e à transdisciplinaridade, à cultura popular, aos instrumentos da observação, da crítica,
da conscientização e da posterior ação, ao contrário do que se pratica no paradigma convencional, onde
os interesses pessoais e financeiros prevalecem sobre os demais.
É fundamental para a promoção do desenvolvimento sustentável a implementação de uma
educação com base na realidade local e que tenha como um dos pilares a agroecologia. A educação aludida
é a Educação do Campo (e no campo), que facilita a interação da escola com as famílias, garantindo a
consciência e os saberes necessários para a formação profissional, social e política, independente da
futura escolha pessoal pela agricultura ou da permanência no campo.
As escolas públicas do meio rural possuem um público alvo oriundo da agricultura familiar;
são pequenos produtores com ricas identidades territoriais que “dispensam” os conceitos adotados pelo
modelo de educação predominantemente urbano. Muitas dessas escolas estão “fechando as portas”,
dificultando ainda mais o acesso e o aprendizado das crianças, jovens e adultos que necessitam de
uma educação de qualidade perto de suas residências, e em consonância com as especificidades locais-
regionais. A transferência dessas pessoas para escolas de outras localidades ou de centros urbanos é
sacrificante, tendo em vista as péssimas condições de transporte e o tempo gasto nos deslocamentos.
O modelo mais propício para fazer acontecer a educação ambiental – agroecológica une as práticas
sociais e produtivas dos agricultores familiares aos eixos temáticos típicos da Educação do Campo
(identidade, cidadania, cultura, sistemas de produção, economia solidária, desenvolvimento sustentável,
entre outros) com a “operacionalidade” da Pedagogia da Alternância que, segundo Calvó (1999, p. 19),
“significa o conjunto dos períodos formativos que se repartem entre o meio sócio-profissional (seja na
A Agroecologia, mais do que simplesmente tratar sobre o manejo ecologicamente responsável dos recursos naturais, constitui-se em um campo do conhecimento científico que, partindo de um enfoque holístico e de uma abordagem sistêmica, pretende contribuir para que as sociedades possam redirecionar o curso alterado da coevolução social e ecológica, nas suas mais diferentes inter-relações e mútua influência.
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própria família ou na empresa) e a escola. Isto sempre dentro de uma interação educativa escola-meio”.
A metodologia da Pedagogia da Alternância (dividida temporalmente em períodos de formação
da práxis: tempo-escola e tempo-comunidade) é praticada, por exemplo, pelas Escolas Famílias Agrícolas
(EFA´s)8, implantadas a partir de 1969 no Espírito Santo, servindo de modelo de Educação do Campo para
todo país por estimularem os jovens ao protagonismo da promoção e do desenvolvimento do meio onde
vivem.
Assim como as EFA´s, as “escolas de agroecologia” do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) reconhecem a alternância, produzem conhecimentos e discutem experiências facilmente
aplicadas à realidade local, fazendo com que os filhos dos assentados da Reforma Agrária permaneçam
estudando, sem deixar de contribuir com suas famílias, colocando em prática os aprendizados adquiridos.
Um diferencial da educação baseada no método da alternância e na agroecologia é a independência relativa,
por parte das famílias dos produtores, de profissionais das universidades que são formados com o enfoque
voltado para a produção em larga escala, muitas das vezes pautando-se no sistema de monocultivo, com
mecanização pesada e utilização de agrotóxicos (pacote tecnológico), desconhecendo a real demanda da
agricultura familiar típica do campesinato.
A agroecologia promove as condições necessárias para a educação dos sujeitos do campo, porque
auspicia a indissociabilidade dos conhecimentos práticos e teóricos, o conhecimento integrado sobre
os processos de produção agrícola, o “utópico” equilíbrio biológico sem a utilização de agrotóxicos e
sementes transgênicas, bem como a conscientização a respeito das diversas consequências de seus usos
quanto à (bio)segurança alimentar e à dependência das multinacionais.
Além dos aspectos já abordados, a agroecologia preconiza menos concentração de terras, maior
oferta de alimentos, melhor distribuição de renda e empregabilidade superior (proporcionalmente por área)
em relação à agricultura convencional, fortalecendo ainda mais as sustentabilidades social, econômica
(viabilidade) e ecológica, ou seja, priorizando o ambiente em sua totalidade.
Como exemplos de Educação do Campo à ascensão do desenvolvimento regional destacam-se as
EFA’s no Espírito Santo, cujas experiências foram compartilhadas por meio de outra grande iniciativa:
a Escolinha Agroecológica em Campos dos Goytacazes - RJ, que existe desde 2005 e é promovida pela
Comissão Pastoral da Terra (CPT - Campos), tendo como parcerias o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), a Universidade Federal Fluminense (UFF), o Grupo de Estudos Agroecológicos
Agrocrioulo, composto por alguns alunos da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), e o
movimento sindical.
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A Escolinha Agroecológica possibilita amplas trocas de vivências e opiniões entre agricultores,
professores, estudantes e agentes multiplicadores da sociedade, em busca da difusão da agroecologia nos
seus prismas, exercendo influência à inserção das temáticas ambientais - agroecológicas na região Norte
Fluminense, visto que já participaram dela mais de uma centena de pessoas, majoritariamente assentados
da Reforma Agrária.
Considerações Finais
A Educação do Campo, pautada no “ideal” agroecológico, deve ser realizada por meio de encontros
ampliados entre diversos segmentos da sociedade e em múltiplas escalas. As suas ações são norteadas pela
responsabilidade social e pelo respeito às diferenças entre os sujeitos que compõem o ambiente. Nesse
sentido, não há espaço para as dicotomizações cidade-campo e sociedade-natureza; todos somos partes
imanentes do ambiente, que para melhor ser concebido, percebido e vivido precisa da práxis educativa.
Enfim, a Educação do Campo é compreendida como um processo político-educativo essencial
para o desenvolvimento do campo; e a agroecologia tem contribuições profícuas para que as sociedades
possam redirecionar os seus esforços às questões ecológicas, por outra sustentabilidade ambiental.
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Vol. 6, Nº 3journal homepage: www.revistaagendasocial.com.br ISSN 1981-9862
ESTUDIOS SOBRE RELIGIóN EN EL PERú DEL SIGLO XXVISIóN PANORÁMICA DE LA PRODUCCIóN CIENTÍFICA
SOBRE EL TEMASTUDIES OF RELIGION IN 20TH CENTURY PERU
PANORAMIC VISION OUTLINE SCIENTIFIC PRODUCTION ON THE SUBJECTDario Paulo Barrera Rivera1
1 Universidade Metodista de São Paulo, Pós-graduação em Ciências da Religião, Curso de Ciências Sociais. E-mail: [email protected]
PALAVRAS-CHAVES Estudos de Religião, Peru, Religiões Andinas, Ciências da Religião
O presente artigo se propõe traçar uma visão panorâmica da produção científica sobre o tema religião no Peru ao longo do século XX. Trata-se de um ensaio de síntese dos estudos de religião concentrados nos campos da Antropologia, Sociologia, Etnologia e Historia. Revisão das principais publicações, desde os primeiros autores, que tentaram explicar o papel e/ou a importância das religiões no Peru no século em questão. Analisa-se, numa primeira seção, a produção pioneira dos estudos de religião no final do século XIX, seguida de balanço das publicações no decorrer do século XX dedicando especial atenção às obras de maior impacto acadêmico e contribuição ao conhecimento do tema. Encerra-se o texto com destaque para novas temáticas e perspectivas de estudo da religião nesse país no final do século em estudo. Tenta-se oferecer uma contribuição ao conhecimento da produção científica sobre o tema produzida na região Andina e frequentemente negligenciada pelos estudos de religião no Brasil.
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KEY-WORDS Studies of Religion, Peru, Religions of the Andes, Science of Religions.
The present article considers a panoramic vision outline of the scientific production on the religious topic in Peru during the 20th century. It is a summed up essay of the studies of religion concentrated on disciplines related to Anthropology, Sociology, Ethnology and History. A revision of main publications from the first authors that tried to explain the role and/or importance of Peruvian religions during the century being reviewed. In the first part we analyze the pioneer contributions appeared at the end of 19th century. The next part does a revision of 20th century books and articles with special attention to the most important texts according their academic impact. Finally we remark new subjects and recent perspectives in the Studies of Religion in Peru. We try a contribution to know academic production on the subject “religion” developed in Andeans region usually not considered for religious studies in Brazil.
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1 Dejamos por fuera un tema importante que bien cabe dentro de Estudios de Religión como en el campo del Derecho o la Política: los estudios sobre La Inquisición. No los incluimos porque dada la abundancia de trabajos y la extensión del
Introducción
Brasil es un país que se destaca en América Latina por el consistente crecimiento del área
académica de “Ciencias de la religión”. En la última década, se formaron nuevas facultades de graduación
y se formaron o consolidaron nuevos programas de posgraduación en “Ciencias de la religión”. Junto a
los avances se constatan también los vacios (Camurça 2008: 41ss) y las ambigüedades o la autonomía
aún precaria (Uzarski 2005). Un importante vacío que todavía pasa desapercibido para los estudiosos
del área es la rica producción de estudios de religión en los países del área andina. Esa riqueza está
concentrada en los campos del conocimiento de la Historia, la Antropología, la Sociología y la Etnología.
La producción científica sobre el tema en esas áreas del conocimiento se destaca en los estudios sobre
el Perú. Esa producción se extiende, en las últimas dos décadas, a los otros países de la Región Andina,
como Colombia, Ecuador y Bolivia. Este texto se propone mostrar esa riqueza intelectual sobre los
estudios de religión en la región mencionada concentrándose solamente en los estudios sobre el Perú.
Intentamos con esa delimitación aprovechar mejor el espacio disponible y atender más cuidadosamente
la grande producción del tema en ese país.
Evidentemente, otras delimitaciones son necesarias para atender el ambicioso objetivo
propuesto. Aunque es una redundancia, decirlo es inevitable: no hay posibilidad ni intención de ser
exhaustivos. Nos limitamos a lo que consideramos más significativo dado su impacto en los estudios
del área y del tema. Pero eso no nos protege de las omisiones, porque con frecuencia tiene más impacto
lo que más circula o se divulga. No pocos libros han circulado primero como artículos en revistas
especializadas publicadas en inglés o francés. En esos casos sólo incluimos la versión “final” como
libro. Tomamos como criterios metodológicos los siguientes. Incluimos trabajos académicos que han
contribuido al avance del conocimiento científico de la religión en el Perú, cualquiera que sea el tema
específico tratado. No incluimos estudios propiamente teológicos o de historia eclesiástica. La última
delimitación es, necesariamente, cronológica. Lo que sería una “historia de los estudios de religión en
el Perú” comienza a principios del siglo XX y se extiende y crece a lo largo del siglo. Decidimos incluir
sólo los trabajos publicados hasta el año 1999. La razón es que la producción sobre el tema en cuestión
en la última década (2000-2011) ya suma varias decenas y haría imposible un trato mínimo adecuado de
los mismos. Los textos publicados en esa última década sólo serán citados o comentados, rápidamente,
cuando el autor o autora haya publicado una obra dentro del período en estudio y retomado la cuestión
con mayor profundidad e impacto posteriormente. Eso con el objetivo de poder informar parte de la
producción que no está siendo considerada en este trabajo1.
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período merecería un trato aparte. Vale la pena recordar, rápidamente, que la “Santa Inquisición” se instaló poco después de la conquista y tuvo en el Perú uno de sus principales centros. Los estudios más antiguos se remontan al siglo XIX con Anales de la Inquisición de Lima de Ricardo Palma (1863) y a lo largo del siglo XX se han indo complementando y multiplicando. Un trabajo de fines del siglo XX sobre el tema focalizando los extranjeros que fueron víctimas de la inquisición es Jean-Pierre Tardieu, L´Inquisition de Lima et les hérétiques étrangers (XVIe-XVIIe siècles), Paris, L´Harmattan, 1995. Un estudio más reciente busca los orígenes coloniales inquisitoriales del “mundo civilizado”: Irene Silverblatt, Modern Inquisitions. Peru and the Colonial Origins of the Civilized World, Duke, Duke University Press, 2004. El otro tema no abordado aquí, que no debe pasar desapercibido para el lector, es la participación de líderes católicos en los movimientos insurgentes contra la Colonización española desde el siglo XVIII. La Historia no se ha ocupado específicamente del papel de los religiosos en esos movimientos, pero lo ha constatado y documentado. Véase, por ejemplo: Stern Steve (comp) Resistencia, rebelión y conciencia campesina en Los Andes. Siglos XVIII al XX, Lima, Instituto de estudios Peruanos, 1987. También O’Phelan Scarlett, Un Siglo de rebeliones anticoloniales. Perú y Bolivia, 1700-1783, Cusco, Centro de Estudios Rurales Andinos, 1998.
Decidimos considerar ese extenso período, prácticamente todo un siglo, porque este texto tiene
como objetivo principal un análisis sintético con propósitos informativos sobre la rica producción sobre
el tema al otro lado de la Cordillera de los Andes y que pocas veces es tomada en consideración en los
estudios de religión en Brasil. Nuestros comentarios a los textos siguen la secuencia de su publicación
sin quedarnos presos al rigor cronológico. Proponemos una clasificación que sigue la secuencia de las
publicaciones pero no es exactamente cronológica. Cuando hay temas y perspectivas en común optamos
por abordarlas en un mismo ítem.
El “Indigenismo” y la crítica a la Iglesia Católica
‘Durante las últimas décadas del siglo XIX y las primeras del XX un importante grupo de
intelectuales, políticos y escritores desarrolló y divulgó un pensamiento anticlerical que puede ser
considerado precursor del estudio crítico del papel de la religión en la sociedad peruana. En el centro de
ese pensamiento estaba “el problema del indio” maltratado por las élites sociales entre ellas la Iglesia
Católica. Puede decirse, sin duda, que se trataba de un problema nacional, dada la importancia demográfica
y cultural de la población indígena. Ese pensamiento, que luego sería llamado de “Indigenista”, se
caracterizaba por dos elementos. Un discurso laicista y modernista que criticaba la íntima relación entre
la Iglesia Católica y el poder político. Por otro lado, una comprensión paternalista de la realidad del indio
maltratado. No veía en el indio un sujeto capaz de encontrar caminos para superar o vencer la opresión, al
mismo tiempo, económica, política y cultural. Lo consideraba apenas objeto de compasión que había que
defender. De cualquier forma, se trataba de los primeros intentos por comprender las diferencias sociales
y políticas en las que las masas indígenas llevaban la peor parte. Debe recordarse que a inicios del siglo
XIX el Perú, como otras colonias de España, habían conseguido su independencia después de tres siglos
de colonización. En ese largo período, religiones y culturas nativas fueron perseguidas por el colonialista
español y cristiano. La religión oficial del Incanato sucumbió con la conquista española. Culturas y
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2La cuestión del “indigenismo” há sido objeto de muchos otros estúdios a lo largo del siglo XX. Algunos son balances de esa amplia bibliografia como “De los indigenismos en el Perú” (William Rowe in Márgenes, Año XI, n. 16, 1998); otros son análisis del “indigenismo” en la región, es decir, incluyendo otros países andinos, como Brooke Larson, Indígenas, élites y Estado en la formación de las Repúblicas andinas, Lima, PUC – IEP, 2002)
religiones que subsistían al poder Inca sobrevivieron. Grande parte de los estudios de religión en el Perú
tienen que ver con la dinámica entre las tentativas de imponer una religión extraña y las respuestas de
adaptación, asimilación, resistencia (a veces las tres cosas simultáneamente) y revolución de poblaciones
nativas. Los estudios más recientes de la religión en el Perú aún pasan por esa gran cuestión, como
veremos más adelante.
Después de alrededor de 80 años de independencia de la colonización española la población
indígena todavía era tratada como esclava. Al finalizar el siglo XIX, en el intento por construir la
República, las elites políticas e intelectuales se confrontan, “descubren”, se resignan a aceptar, que no
hay forma de pensar el futuro del país sin tomar en cuenta a lo que se convino en llamar “el indio”. La
importancia de lo autóctono se hizo más nítida por causa de la derrota en la guerra con Chile que duró de
1879 a 1883 (Lauer 1997; Larson 2002; Rowe1998). Surge un nacionalismo que no puede dejar de lado
al indio. De manera sintética ese era el clima político y social en que un conjunto de pensadores del Perú
como futuro, al expresar su comprensión del “problema indígena” se refiere también, de manera directa
o indirecta, al lugar de la religión oficial en la construcción del proyecto de nación. Son esos pensadores
y con esas preocupaciones, los que constituirían, un primer intento de crítica de la religión. En la medida
en que sus polémicos escritos colocaban sobre la mesa de debate la modernización de la sociedad y la
secularización del poder político.
Fue llamado de “Indigenismo” ese movimiento intelectual, literario y político, que publicaba sus
ensayos en las últimas décadas del siglo XIX y las primeras del XX, y tenía como tema común “el lugar
del indio en la construcción del estado-nación”. Aunque algunos de los estudios de ese período colocan
el origen del indigenismo ya a mediados del siglo XIX (Kristal 1991; Ossio 1992) es solo en la literatura
de fines de ese siglo que la cuestión “religión” adquiere importancia.2
Debe quedar claro que no tenemos en este período estudios específicos de religión. Lo que tenemos
son ensayos cuyo tema central no es religión. Sin embargo sus autores expresan una comprensión de la
religión y de su lugar en el proceso social. Destacamos apenas dos autores en los cuales la cuestión que
nos interesa se presenta más o menos recurrente: Manuel González Prada (1844-1918) y Clorinda Matto
de Turner (1854-1909). El primero nacido en Lima, la capital. La segunda era nacida en el Cuzco, en
donde residía. Los textos de Gonzáles están reunidos en 7 volúmenes publicados entre 1986 e 1989.
La comprensión sobre la religión de Clorinda Matto la tenemos en sus cuentos y novelas (Aves sin
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nido 1889, Tradiciones cuzqueñas 1955; Índole 1974; Herencia 1895). Ambos escritores representan un
período de auge del Indigenismo peruano.
Gonzáles Prada estuvo en Francia, en donde fue influenciado por ideas anarquistas y por el
pensamiento positivista. Esa marca anarquista está presente en sus ensayos críticos del poder político
y de la Iglesia Católica, y su comprensión de la religión, como veremos, es también diversa y hasta
contradictoria. De manera resumida, Gonzáles entendía que el Perú decimonónico estaba constituido por
una masa de indios serviles y otra de blancos, muchos de ellos descendientes de españoles, “incultos,
degenerados y despilfarradores”. La alternativa al problema nacional estaría en una minoría ilustrada a la
que incitaba a luchar contra la tiranía de los blancos ignorantes y estimulaba a educar a los indios. Para
González la explotación del indio está simbolizada en lo que llamó de “trinidad embrutecedora” compuesta
por el Juez, el Gobernador y el Cura; siendo que no pocas veces el Cura era también Gobernador. El
anticlericalismo de González tenía dos frentes específicos, uno era el comportamiento inmoral de algunos
curas, especialmente en relación al indio explotado y en relación a la mujer, de la que con frecuencia
abusaban y seducían aprovechándose de los espacios religiosos como el confesionario. El otro frente
era la propia Iglesia Católica a la que acusaba de contribuir a la ignorancia y servidumbre de los indios
y a la opresión y atraso de la mujer. Llamaba al catolicismo “amenaza a la civilización” afirmando que
el progreso intelectual y moral de las naciones se podía medir por la dosis de catolicismo eliminado de
sus leyes y costumbres. Al mismo tiempo, mostraba simpatía con el protestantismo, que consideraba
“evoluciona con el espíritu moderno, sin ponerse en contradicción con las verdades científicas”. Por
otro lado, es interesante encontrar en González, un razonamiento explicativo del origen y evolución de
las religiones, que nos parece bastante avanzado para su época. En “Catolicismo y ciencia” dice: “Una
religión germina en el ceno de otra, lucha contra su propia madre, vence y sube al apogeo para en seguida
declinar y ceder el campo a nuevas creencias destinadas a sufrir idéntica suerte” (Obras I: 318)
En la obra de Clorinda Matto se encuentra también la crítica al abuso de los sacerdotes católicos
contra mujeres e indios. El escenario social en donde se desarrolla la trama de la novela de Matto es
la provincia andina, territorio indígena, lugar donde el indio trabaja sin recibir salario, no tiene ningún
tipo de protección y además sufre todo tipo de abusos en manos de los curas. Mujeres son seducidas y
ultrajadas por Curas, y jóvenes se frustran al descubrir que tienen como padre común a un Sacerdote.
Tal como sería de esperar, esta escritora sufrió persecución violenta por parte de autoridades políticas y
religiosas. Fue excomulgada por la Iglesia Católica, su novela Aves sin nido fue colocada en la lista de
libros prohibidos y su imprenta saqueada, teniendo que salir del país.
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Los estudios de religión en las primeras décadas del siglo XX
Los primeros estudios con pretensión académica científica se encuentran recién al inicio del
siglo XX. Eso ha sido un hecho común en varios países de América Latina en general. Religión no era
un tema de interés para la investigación científica. Antes de esa época la religión simplemente no era
estudiada en los espacios académicos. La primera y la última palabra sobre religión la tenía siempre
la Iglesia Católica. Tres estudiosos de la realidad peruana de inicios del siglo XX ocupan lugar de
destaque en la emergencia del estudio de las religiones en el Perú. Nos referimos a Adolph Bandelier
(1840-1914), José Carlos Mariátegui (1894-1930) y a Julio C. Tello (1880-1947). Es justo mencionar
los apuntes etnográficos de Bandelier, arqueólogo y antropólogo de origen suizo en su obra The Island
of Titicaca and Koati (1910). Bandelier fue discípulo de Lewis Morgan y posteriormente profesor de
Columbia University; hizo muchos viajes y excavaciones en la región del lago Titicaca al sur del Perú
en la frontera con Bolivia. En sus notas compara datos arqueológicos, la opinión de los habitantes de
la región y la información de la literatura disponible. Sobre las prácticas religiosas y creencias de esa
región llegó a dos conclusiones interesantes: una que eran anteriores a la llegada de los españoles y que
bajo las prácticas católicas subsistían formas y prácticas religiosas ajenas al catolicismo. Esa hipótesis
sería posteriormente constatada por un sinnúmero de estudios. Ambas constataciones eran un verdadero
desmentido de la evangelización del indio, en una época en la que no se discutía el carácter católico de
ese país.3
Yendo ahora a la obra de Mariátegui, hay que decir que ella se constituye de un conjunto de
ensayos, escritos al calor de la militancia y del pensamiento revolucionario que en las primeras décadas
del siglo XX comenzaba a tomar forma en América Latina. Mariátegui piensa la religión en el Perú en
perspectiva marxista pero nada ortodoxa, llevando en cuenta aspectos históricos, sociológicos y hasta
antropológicos. El texto probablemente más polémico y más conocido de Mariátegui es 7 Ensayos de
interpretación de la realidad peruana, de 1928. Uno de los capítulos es dedicado a “la cuestión religiosa”.
Mariátegui es el primero en analizar científicamente el complejo y hasta entonces poco conocido “mundo
indígena” colocando la religión como elemento indispensable para su explicación. Por la época en que
Mariátegui escribe ya es meritorio el hecho de no limitarse a una explicación reduccionista de la religión,
cosa común en la época especialmente entre los pensadores marxistas. Desde el punto de vista de las
élites políticas y religiosas el indígena era considerado católico, eso a pesar de que ritos y creencias no
3 Bandelier estudió las culturas indígenas en México, Perú y Bolivia. Sus trabajos pioneros fueron de grande inspiración para el desarrollo posterior de la arqueología en esos países. Véase más información de la obra de Bandelier en Estuardo Nuñez “Los Viajeros de tierra adentro 1860-1900”, Journal of Inter-American Studies, v.2, n.1, Janeiro de 1960.
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cristianas habían permanecido y sobrevivido al largo y violento período de evangelización. La pregunta
por el lugar, la importancia y persistencia de formas religiosas nativas preeuropeas se convertía para
Mariátegui en cuestión necesaria para cualquier intento de explicar la realidad peruana. La realidad
mostraba que la evangelización católica no había conseguido erradicar las formas religiosas previas. Para
Mariátegui, el Evangelio era una forma europea de ver el mundo que no tuvo suceso, lo que la Iglesia
Católica consiguió fue apenas superponer el culto católico a los ritos indígenas; así “el paganismo
aborigen subsistió bajo el culto católico” (1928: 163). Además de la superposición católica a los ritos
indígenas, el análisis de Mariátegui supone una religiosidad prehispánica diversa, no homogénea. La
religión oficial del Estado Inca desapareció con la conquista y lo que sobrevivió fueron formas ancestrales
de culto de origen anterior al período Inca.
El análisis de Mariátegui tiene también el mérito de distinguir formas religiosas en función de
sus representantes o practicantes: una religión oficial inca y otras religiones no oficiales, que hoy podrían
llamarse de populares, pero con sentido y raíces profundas en la vida de los indios. De manera diferente,
la religión inca era superficial y se mantenía gracias al poder político; por eso mismo desapareció junto
con el Estado inca. La otra, la religión popular, diversa y extraoficial, Mariátegui llama de animista,
mágica y primitiva; siguiendo la terminología de Frazer en su Rama Dorada. Sin embargo, vale la pena
subrayar que Mariátegui estaba consciente de los límites del animismo como teoría para explicar a
realidad indígena andina:
Mariátegui también analiza la participación de la Iglesia Católica en la Conquista y compara el
catolicismo con el protestantismo, intentando explicar por qué el protestantismo no tendría futuro en esas
tierras. Sorprende verificar que la reflexión marxista de Mariátegui se aproxima mucho, en esta parte, a la
tesis weberiana sobre el papel del protestantismo en el desarrollo del capitalismo. Claro que Mariátegui
no cita a Weber. Apoyándose en Engels afirma que la Reforma protestante atendía a las necesidades de
la burguesía más desarrollada de la época. Considera el protestantismo “levadura espiritual del proceso
capitalista”, y a la Reforma “forjadora de armas morales de la revolución burguesa, que abrió el camino
al capitalismo” (Mariátegui 1928: 171). Pero, según Mariátegui, el protestantismo, forma moderna de
La teoría del animismo nos enseña, que los indios, como otros hombres primitivos, se sentían instintivamente inclinados a atribuir un ánima a las piedras. Esta es, ciertamente, una hipótesis respetable de la ciencia contemporánea. Pero la ciencia mata la leyenda, destruye el símbolo. Y, mientras la ciencia, mediante la clasificación del mito de los “hombres de piedra” como un simple caso de animismo, no nos ayuda a entender eficazmente el Tawantinsuyo, la leyenda o la poesía nos presentan, cuajado en ese símbolo, su sentimiento cósmico.” (“El rostro y el alma del Tawantinsuyo” in Peruanisemos al Perú, Lima, Amauta, 1970. El texto original es de 1925)
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religión, no tendría futuro en América Latina; principalmente por ser ésta una región influenciada por
el pensamiento antiimperialista que veía en las misiones protestantes formas de penetración capitalista
anglosajonas. Mariátegui es un intérprete heterodoxo da teoría marxista y esa característica surge de su
conocimiento y sensibilidad de la importancia del indio en cualquier proyecto de nación en ese país.4
El otro pionero de los estudios de la religión en el Perú es Julio César Tello. Si Mariátegui se
interesó por entender el lugar social de la religión en la cultura andina peruana contemporánea, Tello se
interesó por explicar la conformación de divinidades antiguas cuyos vestigios aún existían. Graduado
inicialmente en medicina, Tello estudió antropología en Harvard University en donde fue alumno de Franz
Boas y posteriormente en la Universidad de Berlín. Realizó investigaciones arqueológicas en diversas
regiones del Perú y se interesó profundamente por la religión de los pueblos prehispánicos. De hecho la
arqueología en el Perú comienza con las investigaciones de Tello. Sus conclusiones sobre las divinidades
antiguas se apoyan fundamentalmente en datos empíricos: iconografías en cerámica, representaciones
arquitectónicas, también en crónicas, relatos de viajeros, mitos y leyendas. Su trabajo fundador, Wiracocha
(1923), se refiere al desarrollo de una de las más importantes divinidades del antiguo Perú: “Wiracocha”.
Valiéndose de un método comparativo, lingüístico y arqueológico, analizó las representaciones religiosas
en diversos lugares y períodos, llegando a la conclusión de que el dios Wiracocha era resultado de un largo
proceso de fusiones y transformaciones anteriores al período Inca. Con esa hipótesis Tello inauguraba
una perspectiva de análisis sobre la constitución de las divinidades antiguas, que sería seguida por otros
investigadores. Tello también ensayó estudios de hechos puntuales, como por ejemplo “Wallallo” (Tello
y Miranda, 1923), en donde describe la existencia de toda una ceremonia ritual durante la limpieza de
acequia en el pueblo de Canta de la sierra limeña. Es cierto que Tello aventuró hipótesis sobre religiones
y divinidades antiguas, pero, con todo eso, sus investigaciones fundaron el estudio científico de la religión
en el Perú. Debemos, al mismo tiempo, subrayar el mérito de proponer hipótesis a partir de la observación
directa de la cultura material.
El pensamiento de Bandelier, Tello y Mariátegui constituye un segundo período en el que el interés
de los intelectuales no es simplemente la crítica de los abusos de la religión oficial sino el conocimiento
de la cultura, y de la religión como parte de ella, de los indios. El pensamiento de los dos primeros lleva
la marca fuerte del funcionalismo y del positivismo.
En el caso de Mariátegui se trata de una perspectiva marxista evolucionista. En el contexto de
una reflexión más amplia sobre el lugar del indio en el proceso de transformación de la sociedad peruana
4 Véase un ensayo sobre la religión en el pensamiento de Mariátegui en Michael Lövy “Mística revolucionária: José Carlos Mariátegui e a religião” in Estudos Avançados, v.19; n. 55, São Paulo, USP, 2005
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desde el Estado Inca cita con frecuencia a Frazer (The Golden Bough). Por eso considera que “el estudio
del sentimiento religioso en la América española tiene que partir de los cultos encontrados por los
conquistadores” (1928: 79).
Desarrollo de los estudios de religión
Hasta aquí hemos diseñado los primeros pasos de los estudios de religión en el Perú. Veamos
ahora su desarrollo que fue paralelo al reconocimiento y legitimidad de diversas disciplinas. El estudio
de la religión en el Perú nace con la Antropología y se desarrolla conforme esa disciplina, junto con la
Etnohistoria, la Etnología y la Arqueología, ganan reconocimiento académico en el país. La década del
40 dará a luz los primeros trabajos dedicados específicamente al estudio de la religión. Es precisamente al
final de esa década que surge el Instituto de Etnología y Arqueología de la Universidad Nacional Mayor
de San Marcos en Lima y que se constituyó en uno de los más importantes espacios de la antropología
peruana. Uno de los fundadores fue Luis Valcárcel cuyos estudios de religión comentaremos enseguida.
Algunos trabajos de singular importancia publicados en las décadas de los 50 y los 70, no hacen más
que confirmar que el salto, cualitativo y cuantitativo, acontecerá solamente a partir de los años 80.
Seguiremos en esta parte una secuencia cronológica según la fecha de publicación, que será quebrada
o cuando un autor(a) haya publicado trabajo más profundo y desarrollado de un mismo tema tratado
por él anteriormente, o cuando un conjunto de trabajos sobre un mismo tema (por ejemplo “religiosidad
popular” o “evangélicos”) tenga elementos teóricos o metodológicos en común que exijan abordarlos en
conjunto.
El tema religioso más estudiado continúa siendo, sin duda alguna, las religiones indígenas andinas.
A lo largo del siglo XX las tendencias teóricas y metodológicas se han ido desarrollando siguiendo la
preferencia o la formación de los investigadores (as). En general las preferencias se ajustan a los énfasis
aprendidos en la formación doctoral. Así, sobre el estudio de las religiones indígenas encontraremos,
inicialmente, perspectivas históricas y políticas sociales; posteriormente con el surgimiento de las
escuelas de antropología y etnología entran en escena perspectivas etnohistóricas e histórico-culturales.
Ya en las décadas del 60 y 70, con la llegada de antropólogos europeos, especialmente franceses, y
el retorno de investigadores peruanos que estudiaron con Levy-Strauss, ganará fuerza la perspectiva
estructuralista. Fuera del estudio de las religiones andinas, las antiguas y las contemporáneas, otros
temas, como religiosidad popular, protestantes, pentecostales y religiones orientales, solo han ocupado
la atención de la investigación científica más recientemente.
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El Catolicismo versus las religiones indígenas (décadas del 40 a los años 50)
En la década de los años cuarenta los estudios de etnohistoria encontraron un campo fértil en las
crónicas escritas ya durante el período de la Colonia. A partir de entonces esa rica fuente de información fue
aprovechada por historiadores y antropólogos hasta los días de hoy. En ese periodo hay que destacar “Ruta
cultural del Perú” de Luis Valcarcel (1945), “Inca Culture at the Time of the Spanish Conquest” de John
Rowe (1946) y “The Quechua in the Colonial World” de George Kubler (1946). Veamos a continuación la
contribución de cada uno de ellos.
En “Ruta Cultural del Perú” Valcárcel dedica un capítulo al impacto de la religión católica en el
indio. Posteriormente, Valcarcel escribió tres volúmenes con el título Historia del Perú Antiguo (1965). En su
segundo volumen Valcarcel dedica bastante espacio a la religión, trabajando hipótesis muy interesantes, que
después serían retomadas por otros investigadores, como las siguientes que a continuación sintetizamos: no
pudiendo rechazar la religión predominante, los indios fingieron aceptarla, pero su corazón siguió adherido
a los viejos dioses. El culto resultante acabó incorporando elementos nativos y el cristianismo terminó
apenas “superpuesto” a la antigua religión. De las reflexiones de Valcarcel para el conocimiento de las
religiones antiguas en el Perú debemos destacar su hipótesis sobre la comprensión que los indios tenían de
la realidad, y que él llamó de “filosofía religiosa del antiguo Perú”. Según esa hipótesis el habitante andino
del antiguo Perú dividía la realidad en tres partes: la región de los dioses (Hana Pacha), la región de los
hombres (Kay Pacha) y la región de los muertos (Ukhu Pacha)5. Por encima de esos tres mundos estaría el
dios creador llamado Wiracocha.
Aprovechando muy bien la información de cronistas, especialmente de Bartolomé Cobo (1964)6
cuyos escritos considera “más confiables” (1946: 14), Rowe, al estudiar la cultura incaica al comienzo de
la Conquista, presenta una visión general de la “religión andina”, y más específicamente los usos políticos
de las creencias por parte del Inca. Divinidades eran consultadas y sacrificios realizados en situaciones
como antes de una guerra. También muestra que la superioridad de la religión Inca era mantenida con
propósitos políticos y de forma paternalista. El Inca no perseguía formas religiosas no oficiales pero exigía
el reconocimiento de su inferioridad correspondiente a su inferioridad política y especialmente militar en
relación al ejército Inca. Utilizando fuentes semejantes Kubler analiza la religión en la época de la Colonia,
5 Las expresiones entre paréntesis están en la lengua Quechua, predominante en las regiones andinas del Perú6 Bartolomé Cobo fue un español, sacerdote jesuíta y escribió diversas crónicas en el Siglo XVII. Posteriormente sus escritos fueron publicados como libro: Historia del Nuevo Mundo. Tomos I y II, Biblioteca de Autores Españoles Tomos XCI y XCII. Madrid. 1964. Los relatos de los cronistas del período colonial fueron y son muy importantes como fuente de información sobre los más diversos temas. Véase, por ejemplo, el trabajo reciente de Ana María Soldi “La vid y el vino en la Costa Central del Perú, siglos XVI y XVII” in Universum, v.21, n.2, 2006. Disponible en: http://www.scielo.cl/scielo.php?pid=s0718-23762006000200004&script=sci_arttext
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llegando a la conclusión de que la “conversión” de los nativos al catolicismo ya era un hecho en 1660.
Al mismo tiempo Kubler señala como causas del fracaso de la evangelización del indio durante el siglo
XVI la mala organización, la falta de recursos humanos, los disturbios de las guerras civiles y al poder de
resistencia de la religión quechua.
De la década del 50 debemos destacar los siguientes trabajos: Magia en Chucuito de Harry Tschopik
(1968); La Religión en el Antiguo Perú de Rebeca Carrión (1959); y los trabajos de Efrain Morote (1951;
1953; 1955; 1956). El primero nos ha dejada una rica etnografía de las prácticas mágicas aymaras del
altiplano sur andino. Por su parte, siguiendo las huellas de Tello, su maestro, Carrión estudió la religión
en las regiones norte y centro del país, a partir de las representaciones iconográficas en la arquitectura, la
cerámica y los textiles. Confrontó esa información con relatos de cronistas, archivos eclesiásticos sobre
extirpación de idolatrías y la mitología contemporánea de la región. Elaboró una minuciosa presentación
del panteón religioso andino constatando sobrevivencias de culturas muy antiguas y la migración de
creencias y divinidades de las regiones andinas hacia la costa peruana. Morote por su parte ha escrito
numerosos artículos que constituyen una verdadera etnología de la religión andina, y en ellos reflexiona
sobre “el hombre religioso andino”, sus costumbres, su modo de vivir y de pensar. No hay como ocuparse
de cada uno de ellos pero queremos destacar los siguientes: “El Degollador” (1951); “Dios, la Virgen
y los Santos en los relatos populares” (1953); “La Fiesta de San Juan Bautista” (1955) y “Espíritus de
montes” (1956).
Corresponde a esta década también el surgimiento del Departamento de Antropología de la
Universidad del Cusco. Por ser una ciudad ubicada en plena región andina y con estudiantes que hablaban
el Quechua ese centro de estudios facilitó la producción de diversos trabajos etnográficos, algunos de
ellos publicados por la revista Allpanchis que comenzara a circular en 1969. No nos detendremos en esos
trabajos, pero sí cabe mencionar el surgimiento de ese importante centro de estudios antropológicos.
Consolidación del estudio de las religiones andinas: tradición versus modernidad (décadas de los
60 y 70)
En la década del 60 hay que mencionar dos instituciones que comenzaron, en ese período, a
interesarse por el estudio de la religión. El Departamento de antropología de la Universidad de Huamanga
en la región sur central andina y el Departamento de antropología en la Facultad de Ciencias Sociales
de la Universidad Católica en Lima. En ambos espacios se produjeron luego importantes estudios. De
ellos debemos destacar el trabajo de Tom Zuidema The Ceque System of Cusco (1964) que inaugura en
55
el Perú una nueva perspectiva de estudios: el estructuralismo. Zuidema busca las bases de la organización
social incaica en los lugares de culto, las creencias, los ritos y los mitos. Su fuente principal es, de nuevo,
las crónicas y especialmente las descripciones de lugares sagrados. Zuidema descubre una disposición
geográfica intencional de los lugares sagrados, determinando líneas imaginarias que convergían en
dirección al Cusco, la capital Incaica. Posteriormente en su obra La civilisation inca au Cuzco (1986)
Zuidema profundiza la perspectiva estructuralista demostrando que solo es posible comprender la vasta
información de los cronistas sobre el parentesco inca, colocándola en el marco amplio de la organización
política y social, de la mitología, del ritual, de su comprensión del tiempo y del espacio. Privilegiando la
información de los cronistas del período colonial sobre el Cusco ese autor reconstruye la integración entre
la mitología y la organización socio-cultural.
En la década de los años 70 se destacan los trabajos de los siguientes autores: Fernando Fuenzalida
(1970), Pierre Duviols (1971), Nathan Wachtel (1971), Juan Manuel Osio (1973), Manuel Marzal (1971;
1977), Franklin Pease (1973) y Maria Rostworowski (1978). El primero de los citados, Fuenzalida, analizó
en La estructura de la comunidad indígena tradicional (1970) los elementos modernizantes presentes en
las comunidades indígenas tradicionales de los Andes Centrales, destacando el papel de la cofradía y del
culto a los santos. La cofradía, institución campesina de origen española, permanecía en el siglo XX como
una extensión de la comunidad indígena y se dedicaba al culto de los santos. En 1971 Marzal publicó
El mundo religioso de Urcos. Ese trabajo retoma la cuestión de la modernización de las comunidades
indígenas. Se trata de un estudio etnográfico del sistema religioso de la provincia de Urcos en el sur andino
cusqueño donde se compara cinco regiones de diferente nivel de modernización, con el objetivo de medir
el nivel del cambio religioso por efecto de la evangelización católica.
Por su parte Pierre Duviols en La lutte contre les religions autocthones dans le Pérou colonial
(1971) nos ha permitido un conocimiento profundo y minucioso sobre la extirpación de idolatrías durante
los siglos XVI y XVII. Duviols demuestra que esas campañas fueron una verdadera inquisición para los
indios, también que ni las campañas de extirpación de idolatrías aliadas a la evangelización consiguieron
suprimir la idolatría, porque los indios no abandonaron sus creencias y en muchos casos, y durante un largo
período, no veían incompatibilidad en practicar ritos nativos y cristianos. El politeísmo ancestral de los
indios habría facilitado esa ambigüedad religiosa. Posteriormente, en 1986, Duviols publica Cultura andina
y represión: Procesos y visitas de idolatrías y hechicerías, Cajatambo, Siglo XVII. Se trata de una antología
de juicios por idolatría en una región serrana de Lima, que permite conocer una serie de ritos prehispánicos
y su sobrevivencia aún a principios del siglo XVII. De otro lado, ofrece también valiosa información sobre
los métodos de evangelización utilizados. A conclusiones semejantes sobre la sobrevivencia religiosa llega
56
Nathan Wachtel en su obra La Vision des vaincus: Les indiens du Pérou devant la conquête espagnole
(1971). Wachtel se concentra en los primeros cuarenta años de la dominación española y constata en
ese período una desestructuración de la sociedad andina, desaparecimiento del culto estatal inca pero
supervivencia de religiones antiguas fundadas en cultos locales. Esas formas de culto consiguieron
atravesar los siglos y mantenerse hasta hoy. La evangelización no habría conseguido sus objetivos de
acabar con la idolatría, pero tampoco hubo fusión o síntesis de ambas religiones y sí una yuxtaposición.
La hipótesis de Wachtel es nueva. Diferente de la superposición, él propone la convivencia de ambos
sistemas religiosos, sin producir una nueva religión. Eso, claro está, no significaba que las tradiciones
que sobrevivieron, consideradas en términos generales, no hayan sufrido los efectos destructores de la
dominación española. De hecho hubo deculturación, pero sin una verdadera aculturación. Posteriormente
Wachtel volvió a discutir esa hipótesis estudiando la cultura sobreviviente contemporánea de los indios
Uros del altiplano boliviano en Le retour des ancêstres. Histoire de mémoire régressive (1992). Apoyado
en una extensa e intensa pesquisa de campo Wachtel verifica la sobrevivencia de mitos y ritos preincas y
preaymaras. Los aymaras fueron dominados por los Incas. Los Uros por su vez habían sido dominados por
los Aymaras. Habrían sido así los dominados de los dominados. La cultura Uro sufrió con la dominación
de Aymaras e Incas, pero sobrevivió a ellas. En pleno siglo XX la llegada de nueva tecnología modificará
la relación de los Uros con la naturaleza, lo que facilitará la avanzada evangelizadora, esta vez, de iglesias
evangélicas y pentecostales; sin embargo muchas prácticas religiosas ancestrales no sólo se mantienen
sino que otras, aparentemente perdidas, parecen ganar nuevo vigor al ser reinterpretadas a partir de las
nuevas condiciones sociales y económicas.
En 1973 Ossio publicó Ideología mesiánica del mundo andino, una amplia y cuidadosa antología
cuyo tema común es la importancia del mesianismo en la sociedad andina, tanto en la antigua como en
la contemporánea. Con el término “mesiánico” se trata de caracterizar la “ideología” del mundo andino,
que tendría como centro el principio unitario de la necesaria restauración del orden destruido por la
conquista española. Una continuidad temporal y espacial de la cultura andina se encuentra presente
en un mesianismo latente desde la conquista y la derrota del último Inca. Esa latencia se explica por
el hecho de que, al margen de todo, para el pensamiento andino el concepto de Inca está asociado al
orden. El retorno del Inca significaría, así, en el fondo la recuperación del orden perdido. La importancia
del mito del retorno del Inca para la elaboración de horizontes utópicos o proyectos políticos en toda
la región andina, ha sido demostrada por diversos otros trabajos; por ejemplo los estudios sobre las
insurrecciones andinas del siglo XVIII (Vega 1969; Castro 1973; Salomón 1990; Szeminski 1984 y 1990;
Galindo 1990), o trabajos más recientes sobre las motivaciones del apoyo de comunidades indígenas a
57
movimientos políticos militares en el siglo XX (Fernández y Brown 2001). El mismo Juan Ossio retoma
esa cuestión en su libro Los Indios del Perú (1992). En la misma perspectiva debemos mencionar aquí
“Culto a los ancestros y resistencia frente al Estado en Arequipa entre los años 1748 y 1754” (Frank
Salomón 1990). En ese trabajo se estudia un movimiento de resistencia vinculado al culto a los ancestros
y que constituye otra versión de la utopía andina como forma de ideología. El culto a los ancestros
momificados se convirtió en foco de rebelión, pues en el pensamiento andino las momias de los ancestros
representaban la continuidad con ese pasado. El movimiento de resistencia mostraba la vitalidad de un
sistema de creencias capaz de movilizar todo un pueblo.
En El Dios creador andino, Franklin Pease (1973) compara diversos mitos de creación presentes
en relatos de los cronistas con diferentes versiones del mito del “Inkarri”. Como se sabe, ese mito de la
restauración del Estado Inca ha llegado hasta nuestros días. Pease sostiene que hay un ciclo de cambios
en la mitología andina, que comienza con el dios creador Wiracocha. Ese mito se transforma con el
surgimiento del Estado Inca centrado en el Cusco en donde se articula sobre la forma del Inti, nombre
Quechua del sol. Se modifica nuevamente al cambiar la realidad andina como consecuencia de la invasión
europea, dando lugar ahora al Incarri. En cada uno de esos períodos, la consolidación de la nueva forma
del mito del dios creador representa una superación de la reacción ocasional a favor de la afirmación de la
“permanencia del proceso creador”. Por su parte. Alberto Flores Galindo (1988) en una singular síntesis
histórica sobre la relación entre identidad andina y utopía social ha demostrado que la búsqueda por un
nuevo Inca aún continúa en el Perú contemporáneo.
Las obras de Maria Rostworowski han contribuido mucho para el conocimiento del proceso cultural
andino preincaico. Son investigaciones de historia y etnohistoria en las que aparece recurrentemente la
importancia del mito en la cosmovisión y en las relaciones de poder de los pueblos prehispánicos. En
Señoríos indígenas de Lima y Canta (1978) la autora reconstruye, a partir de la valiosa documentación
de las crónicas, la constitución de dominaciones y hegemonías entre pueblos de la sierra y costa limeña.
En las migraciones, guerras y ocupaciones de tierras el mito estuvo siempre presente. Algunas veces las
creencias y sus correspondientes cultos, van de la Costa hacia la Sierra, es el caso del dios Pachacamac,
que llegó a tener importante influencia en la sierra central hasta el siglo XVI. Otras veces van de la Sierra
hacia la Costa; por ejemplo Pariacaca, el poderoso dios de los Yauyos que ocuparan las tierras de la costa
al inicio de la dominación Inca. La dominación política implicaba siempre un sometimiento también de
los dioses de los vencidos. Pero, no pocas veces, los dioses vencidos reaparecían con nuevas fuerzas o se
confundían con divinidades de los vencedores, cuando nuevas relaciones de fuerza o mejores condiciones
de reacomodo cultural se lo permitían. Rostworowski ha demostrado eso en su estudio Pachamamac
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y el Señor de los milagros (1992). Mitos preincaicos de la costa sobrevivieron a la dominación Inca e
incluso pasaron a enriquecer el panteón andino. Posteriormente, gracias a los vacíos de la evangelización,
sobrevivieron fusionándose con dioses cristianos y adquiriendo nuevos adoradores en la población negra
esclava. La procesión del Señor de los Milagros, fiesta religiosa más popular de Lima que venera a un
Cristo negro, es resultado de una ingeniosa simbiosis de mitos indios y negros.
Religión popular y rol político de la religión (décadas de los 80 y 90)
La perspectiva estructuralista para el estudio de las religiones andinas ha sido retomada en la
década de los años 80 por diversos investigadores, entre ellos Alejandro Ortiz en su obra Huarochirí,
cuatrocientos años después (1980). Es un estudio minucioso de mitos andinos en los que el autor descubre
una cosmovisión con jerarquías de divinidades y oposiciones simétricas, que servían para explicar lo
permanente y lo transitorio, el orden que produce sosiego y lo inexplicable que produce inquietud. En
cierto sentido, en ese trabajo, Ortiz retoma el análisis estructural del mito del Inkarrí, ya iniciado en De
Adaneva a Inkarrí (1973). En “Imperfecciones, demonios y héroes andinos” (1986) Ortiz vuelve al estudio
del mito de Inkarrí. Esta vez estudiándolo sobre la forma de “héroe andino” y comparándolo a otros dos
mitos semejantes: “la creación imperfecta” y “el demonio andino”. En ese artículo Ortiz demuestra una vez
más, la solidez, amplitud y antigüedad de una misma matriz mítica: un dios que crea un orden, su sucesor
lo destruye y establece el suyo, y así sucesivamente “pudiendo repetirse tantas veces como la retórica
del mito lo requiera”. Ortiz ha vuelto a ocuparse de la mitología en el Perú en diversos otros trabajos. A
manera de ejemplo podemos mencionar “Símbolos y ritos andinos: un intento de comparación con el área
vecina amazónica” (1985). En ese texto compara la estructura y función de mitos de dos grandes regiones
geográficas y culturalmente diferentes. Mientras en Los Andes se verifica una diversidad de especialistas
de prácticas mágicas, en la región amazónica los diversos quehaceres mágicos suelen concentrarse en una
misma persona, con sus correspondientes implicaciones políticas y sociales.
De las diversas obras que Manuel Marzal publicó en esta década debemos destacar dos libros La
Transformación religiosa peruana (1983) y Los Caminos religiosos de los inmigrantes a la gran Lima
(1988). El primero es una muy buena tentativa de sintetizar el proceso evolutivo de la religión en el Perú
como resultado del contacto entre formas religiosas tan diferentes como las andinas y el cristianismo
español. Apoyándose en datos de archivos peruanos y españoles Marzal estudia en el primer siglo y
medio de colonización, ritos, sistemas de creencias y formas de organización religiosa. Su conclusión
más importante es que la aceptación del cristianismo no aconteció sin una preservación e integración de
59
elementos del viejo sistema religioso andino. En ese sincretismo, elementos religiosos nativos permanecieron
con más fuerza en la región sur andina. En el segundo libro el autor analiza lo que sucede, en términos de
las opciones religiosas, con los inmigrantes del interior de país que llegan a la gran ciudad, portando sus
tradiciones culturales y religiosas. La investigación se concentra en un barrio popular de esa ciudad (El
Agustino) y en ella Marzal detecta tres grandes opciones seguidas por los inmigrantes: la “Iglesia cultural”,
la “Iglesia popular” y las “Nuevas iglesias”. La primera está constituida por las prácticas religiosas de la
cultura campesina recreadas en el contexto urbano. La segunda son las Comunidades Eclesiales de Base,
inspiradas en las Conferencias Episcopales de Medellín y Puebla. La tercera la constituyen las múltiples
iglesias evangélicas que en esa década demostraban importante crecimiento.
Dos trabajos, de esta década de los 80, particularmente convulsionada en el Perú, se han ocupado de
constatar la latencia de mitos y creencias prehispánicas, no solamente en ciudades de la región andina sino
también en los grandes centros urbanos como Lima y Chiclayo: Pishtacos, de verdugos a sacaojos (Ansión
1989); Sacaojos: crisis social y fantasmas coloniales (Portocarrero et ali 1991). Antiguas creencias parecen
estar constantemente a la espera de condiciones adecuadas para aflorar y volver a ser referencia para el
accionar inmediato de las masas frente a situaciones agudas de crisis. Al final de los años 80 circulaban
en diversas ciudades insistentes afirmaciones de que “degolladores” y “sacaojos”, personajes míticos de
ancestral origen andino, andaban por las calles aprovechándose de la ingenuidad de las personas. Los
trabajos organizados por Ansión y Portocarrero expresan la vigencia de esas antiguas creencias, tanto en las
regiones de la sierra como en la misma capital urbana.
La religiosidad popular se convirtió en tema de interés para los investigadores de la religión en el Perú
solamente con el rápido crecimiento de las ciudades. Es con el fenómeno de la migración, especialmente
andina hacia la costa, que se toma conciencia de los diversos matices de catolicismo construidos por la
población de los sectores sociales más populares. En 1987 salió a luz La Religión popular en el Perú.
Informe y diagnóstico. Aunque se trata de un trabajo que no surge en los medios académicos y fue auspiciado
por el Instituto de Pastoral Andina, el equipo de investigadores hizo un importante esfuerzo por analizar
el fenómeno con una metodología de las ciencias sociales. Nos parece un buen diagnóstico general con
pretensiones nacionales apoyadas en gran cantidad de información recogida en un período de hasta cinco
años. Hasta donde sabemos en el Perú no se ha hecho otra investigación del mismo alcance.
La década del 90 ha sido muy rica en novedades, de temas y de perspectivas de estudio de la
religión. Comenzamos destacando tres obras sobre el fenómeno del “Taky Onqoy”: El Retorno de las
huacas. Estudios y documentos sobre el Taki Onqoy. Siglo XVI (Millones et ali. 1990); “Del Taqui sagrado
al Masha profano. El simbolismo andino” (Burga 1991); y Los Dioses vencidos. Una lectura antropológica
60
del Taki Onqoy (2001). Los trabajos sobre ese fenómeno son numerosos y no habría como incluirlos. Os
tres autores mencionados ya se habían ocupado de la cuestión anteriormente y algunos de ellos desde
mucho antes, como es el caso de Millones (1964); pero, de todas maneras esas tres obras representan
bien el avance de la investigación en cuestión. El “Taqi Onqoy” fue un movimiento de protesta nativista
acontecido en el siglo XVI y extendido en una amplia región de Los Andes sur centrales. Los registros
de los cronistas, y especialmente los dejados por extirpadores de idolatrías, son la fuente de información
principal y dan cuenta tanto de su importancia y extensión como del trabajo que ofreció a los extirpadores
de idolatrías. El movimiento contaba con predicadores y numerosos seguidores y se expresaba en una
suerte de éxtasis colectivo precedido de cantos y danzas. La compilación hecha por Millones (1990)
tiene el mérito de ofrecer, junto a los estudios del fenómeno, un conjunto de fuentes del siglo XVI donde
aparecen registros del fenómeno. Los estudios que componen la compilación en cuestión muestran que
se trataba de una protesta social expresada como expectativa mesiánica; tentativa ritual colectiva de
exorcizar un pasado reciente adverso y caótico, valiéndose para ello de formulas ancestrales preincas.
Siendo así, en la perspectiva del movimiento, no serían los Incas los que guiarían la construcción de
la nueva sociedad. Eso propone que la elaboración y desarrollo del mito del Incarrí sería posterior al
movimiento del Taqui Onqoy. Por su parte Burga (1991) estudia el fenómeno en otras regiones del Perú,
especialmente en la región de la sierra norte de Lima y analiza sus reformulaciones posteriores en las
que habría perdido su carácter sagrado contestatario. El trabajo de Cavero (2001) es resultado de una
extensa investigación que culminó con su tesis de doctorado. En continuidad con los estudios previos
sobre ese fenómeno, Cavero presenta al Taqui Onqoy como un movimiento popular de carácter regional
que procura afirmar una nueva jerarquía frente a la religión estatal Inca y sus remanentes. De otro lado
su estudio es novedoso porque propone comprender el movimiento a la luz de las cosmovisiones y la
religiosidad andina prehispánica y de las etnias involucradas. En esa perspectiva dicho movimiento es
reinterpretado en términos de “enfermedad total y curación cósmica”.
De los estudios de religiosidad popular en esta década consideramos importante, dada su
novedad, “Religión popular y etnicidad. La población indígena de Lima colonial”, de Iris Gareis (1992).
El estudio de la religiosidad popular en el Perú ha privilegiado sus manifestaciones rurales y cuando se ha
ocupado de las regiones urbanas lo ha hecho solo en el período más reciente, que corresponde al grande
crecimiento urbano de las últimas décadas. Gareis estudia las creencias populares de las poblaciones
autóctonas limeñas durante la Colonia. Llevando en cuenta la filiación étnica de los habitantes de Lima
constata una naciente religión popular productora de una nueva identidad. Durante los siglos XVI e
inicios del XVII convivieron en Lima españoles, descendientes de africanos y diversas etnias indígenas,
61
produciendo una mutua y paulatina compenetración de diversas tradiciones culturales y religiosas. En la
segunda mitad del siglo XVII, entre los sectores sociales más bajos, ya era difícil separar las tradiciones
culturales de mestizos, mulatos, indios o españoles. La religión popular había servido como elemento
de síntesis de sus respectivas tradiciones. Luis Millones también publica en esta década un conjunto de
estudios sobre religiosidad popular Dioses familiares. Festivales populares en el Perú contemporáneo
(1998). Una representación dramática de la muerte del Inca, celebrada como parte de una fiesta religiosa
en el pueblo de Carhuamayo en la región andina central del Perú, es estudiada como mecanismo de
intercambio de acciones ceremoniales. La fiesta que dura ocho días es realizada en honor de Santa Rosa de
Lima, pero en ella ocupa lugar de destaque esa dramatización, que vuelve a revivir la confrontación entre
el Inca y el Conquistador español. Otras dos fiestas religiosas populares, esta vez de la región litoral norte,
también son estudiadas. La Fiesta de La Purísima de Túcume, cuyo momento culminante es la “danza
de los diablitos”. Túcume es una región famosa por sus curanderos. Imágenes, así consideradas, paganas
o diabólicas por los españoles, reaparecen llenas de colorido durante la fiesta. La otra fiesta estudiada
es la “fiesta de difuntos” en el pueblo de Eten. La fiesta demuestra la importancia de la veneración a
los parientes muertos expresada en medio de un ritual solemne. En ambas fiestas se constata la mezcla
dinámica de ritos y símbolos cristianos y ancestrales andinos.
Un tema poco estudiado en el Perú es el de las relaciones iglesia, sociedad y estado en la
perspectiva de la modernización y la secularización. El tema es tratado en Iglesia y poder en el Perú
contemporáneo. 1821-1919 por Pilar García (s/f). En la formación del Estado-Nación peruano a partir de
la Independencia de España la Iglesia Católica continuó cumpliendo un papel de enorme influencia social
y política. La gran pregunta es cómo se dieron las relaciones entre esa Iglesia y el Estado que, más o menos
modernizante, intentaba asumir funciones hasta entonces delegadas a la Iglesia Católica. La investigación
se apoya en amplio repertorio de fuentes primarias e investigación en archivos. Haciendo contrapunto con
los estudios de la religiosidad andina y los de religiosidad popular urbana, esta investigación analiza la
versión más institucional de la religión católica, y durante el periodo de constitución y consolidación del
Estado. La separación entre lo eclesial institucional y lo secular estatal es apenas un nivel de expresión
de la modernidad. Otro nivel lo constituye la conjunción o distinción de lo sagrado y lo profano. Esta
última cuestión ha sido más discutida en los estudios de religión andina. Un intento por analizar el efecto
desacralizador que en la cosmovisión andita tuvo la imposición del cristianismo durante la Colonia lo
constituye el trabajo de Sabine MacCormack “Ritual, conflicto y comunidad en el Perú colonial temprano”
(1991). En ambos trabajos está en perspectiva la transformación de la religión y de su lugar en la sociedad.
Otra forma de entender la función social y política de la religión, esta vez como sistema último de
62
explicaciones o como consenso primordial, que determina formas de participación en el campo político, se
encuentra en el trabajo de Imelda Vega-Centeno Aprismo popular. Cultura, religión y política (1991). Se
trata de un exhaustivo trabajo de investigación e interpretación de la “doctrina” aprista y de la “mística”
elaborada y transmitida por sus líderes desde la fundación del Partido Aprista en la década de los años 30.
El estudio parte del principio de que en toda formación social donde la religión es un elemento esencial de
la cultura, y en el caso del Perú así es, existe dentro de la práctica política un elemento religioso del cual
depende su apropiación por parte de las masas y su supervivencia en el tiempo. La organización interna y
las normas de disciplina del Partido Aprista constituían, así lo demuestra la autora, una verdadera religión
política, poseedora de un misterio en nombre del cual impone reglas, exige fidelidades y sacrificios a
toda prueba, difunde un convencimiento mesiánico y proclama verdades hasta inexplicables. Todo esos,
elementos necesarios para una identificación de la masa creyente. Entre las razones de la eficacia partidaria
en la construcción de ese convencimiento, la autora encuentra un vínculo con las estructuras lógicas del mito
andino. Karen Sanders (1997)7 también se ha ocupado de los elementos religiosos, míticos y mesiánicos,
presentes en el discurso del Partido Aprista; especialmente en su fundador Víctor Raul Haya de la Torre.
La autora encuentra en los discursos del “jefe” del partido elementos constituyentes de todo un “proyecto
de salvación”. Otro trabajo que se ocupa del lugar de la religión en la práctica política es el de Juan Ansión
“Sendero Luminoso: la política como religión” (1990). Desde el final de los años 70 Sendero Luminoso,
uno de los partidos de izquierda, pasó del accionar político al político-militar, iniciando una lucha armada.
El autor estudia los puntos en común con movimientos religiosos fundamentalistas, constatando semejanzas
como jerarquía rígida, fe ciega en la palabra del líder, convencimiento incuestionable en la veracidad de la
doctrina. Sendero Luminoso había incorporado una visión religiosa fundamentalista dentro de un partido
político.
Dos temas han tenido que aguardar la década de los 90 para despertar la curiosidad de la investigación
académica. Me refiero a los protestantismos y a los carismatismos. En este último incluimos las versiones
católicas y protestantes). En efecto, salvo dos excepciones (Marzal 1988 y Bruno-Jofré 1988) el estudio
de protestantes y carismáticos hasta el inicio de los 90 fue atendido solamente a partir de preocupaciones
teológicas y pastorales. El primer trabajo sobre el carismatismo católico es “Los carismáticos y la política
en una parroquia popular de Lima” de José Sánchez (1990). El autor estudia el fenómeno carismático
católico en uno de los barrios más populares de la ciudad de Lima, en relación con las posturas políticas
de sus miembros. Constata las ambigüedades y distorsiones en la construcción de la visión de mundo y las
relaciones del grupo con la institución y las organizaciones populares. El fenómeno carismático católico
7 Véase el capítulo 9: “Víctor Raul Haya de la Torre: la tradición mesiánica”
63
ha sido estudiado también por Hernán Cornejo en Cúrame con las manos. En las misas de sanación del
Padre Manuel Rodríguez (1995). El autor ofrece rico material etnográfico sobre el ritual, las características
socio-económicas y los tipos de enfermedades de los sujetos religiosos que participan de las multitudinarias
misas celebradas por el Padre Rodríguez en las principales ciudades del país. Es un intento por explicar
antropológicamente el milagro de la cura, pero la riqueza del trabajo está en el material descriptivo y la
observación de campo.
Aparte de la atención que Marzal (1988) dio a algunos grupos pentecostales en el barrio limeño de
El Agustino, el fenómeno pentecostal en el Perú no había sido estudiado. Una primera aproximación, en
perspectiva antropológica, es el trabajo de Frans Kamsteeg “Pastor y discípulo. El rol de líderes y laicos en
el crecimiento de las iglesias pentecostales en Arequipa” (1991). Es un estudio de una iglesia pentecostal
en un barrio popular de la ciudad de Arequipa, al sur del país. Se apoya en minuciosa observación de los
cultos y en entrevistas a pastores y líderes. Presta especial atención a las tensiones de poder entre pastor
y laicos generadas por la propia doctrina pentecostal de los “dones del Espíritu” que incentiva la tarea de
evangelizar y predicar. Es una interesante hipótesis para explicar la fácil división y diseminación de las
iglesias pentecostales en esa época.
Conclusión: vacíos y novedades temáticas al fin de siglo XX
Uno de los temas nuevos en la última década es la relación entre comunicación y religión. En
la Universidad de Lima se iniciaron varios proyectos de investigación en ese campo, tan actual y tan
innovador gracias a los avances tecnológicos de los medios de comunicación. Un primer resultado de
esas investigaciones se encuentra en Presencia religiosa en las radios limeñas (Gogin 1997). De manera
diferente a otros países de América Latina, como Brasil, en el Perú, y por diversas razones, las iglesias
aún no usan la televisión de manera intensa y extensa. La radio continua siendo el medio más utilizado,
cosa que se corresponde bien con los límites del acceso a la televisión especialmente en las regiones del
interior del país. Gogin estudia los programas religiosos radiales de cuatro iglesias o grupos religiosos:
Iglesia Católica, Iglesia Evangélica, Iglesia Pentecostal Dios es Amor, y Hermandad del Cordero de Dios.
La autora constata que en la “fiebre radial” que se vive en el Perú, los programas religiosos participan con
formas específicas de apropiación de medios y lenguajes. Se trata de un importante diagnóstico de los
programas religiosos radiales que arroja luz sobre las propuestas comunicacionales de los emisores. El
análisis cuantitativo de número de programas, horas de programación y temas religiosos ofrecidos por los
diversos emisores, permite ver la configuración de un dinámico campo de disputas.
64
Los autores de “Ser protestante en Túcume” (Millones 1997) es un trabajo etnográfico que se apoya
también en entrevistas, e intenta explicar las razones de la inquebrantable convicción de los evangélicos
en un pequeño poblado de la Sierra Norte del Perú, en donde el catolicismo popular que allí tiene una
larga historia ofrecería particulares dificultades al mensaje de los evangélicos. Aunque los autores llaman,
en el título del trabajo, “protestantes” a las iglesias estudiadas, muy probablemente ninguna de ellas
reivindicaría sus raíces en la Reforma del siglo XVI en Europa. Las iglesias estudiadas son: Asamblea de
Dios el Perú, Iglesia Evangélica del Nombre de Jesús, Iglesia del Nazareno, Asociación de los Testigos de
Jehová y movimiento Misionero Mundial. Los autores encuentran como elemento común, explicador de
la convicción y la militancia de los fieles de esas iglesias, la certeza de haber sido escogidos por Dios.
No podemos cerrar este período sin referirnos a un conjunto de investigaciones, publicadas entre el final
de los años 80 y los años 90, que ensayaron un balance del cristianismo progresista, cristianismo de la
liberación o cristianismo de izquierda. Tenemos dos capítulos de libro: “The Peruvian Church: Change
and Continuity” (Romero 1989) y “Peru: The Leftists Angels” (Pásara 1989). Otra obra sobre el tema es
el libro The Catholic Church and Democracy in Chile and Peru (Fleet and Smith 1997). Antes de nuestros
comentarios de esos textos nos parece importante destacar que la investigación de temas de religión se
ha interesado muy poco en hacer un balance crítico del período de auge de los movimientos populares de
las décadas del 60 y 70 que habría contado con importante protagonismo o participación del cristianismo
progresista. Las referencias constantes a las relaciones entre cristianismo y socialismo en las obras de o
sobre la Teología de la Liberación de esas décadas, que aquí no analizamos por las razones ya explicadas
en la introducción de este texto, evidentemente perdieron importancia en el interés de los investigadores.
La lectura crítica del papel del cristianismo hecha posterior al auge de la Teología de la Liberación y
posterior también al trauma de la guerra desatada por Sendero Luminoso y el Movimiento Revolucionario
Tupac Amaru (desde los primeros años de la década del 80), del primer gobierno de Alan García y del
fujimorismo, nos parece que aún está por hacerse. Las últimas dos décadas del siglo XX fueron de grande
convulsión. Muchos estudios se han ocupado de la cuestión, pero el tema “religión” ha sido objeto de poca
atención. Los textos que a seguir comentamos son un buen intento en esa perspectiva.8
Romero discute en amplia perspectiva el proceso de cambio en la Iglesia Católica en el Perú en los
últimos 30 años a partir de la mitad del siglo XX. Lo hace tomando en cuenta el período de la dictadura
militar, cuyo primer período (1968-1974) tuvo como líder un militar de izquierda, Juan Velazco Alvarado,
8 Hay algunos trabajos que abordan la cuestión en perspectiva más amplia, con poca atención específica al Perú, por ejemplo, Daniel Levine Popular Voices in Latin America Catholicism, Princeton, Princeton University Press, 1992
65
un segundo período de dictadura de derecha (1974-1978), y el retorno a la democracia liberal con una
nueva Constitución (1978) y la restitución en el poder, vía elecciones, de un gobierno conservador en
1979, año en que Sendero Luminoso, partido de la izquierda radical con orientación maoísta se retira del
escenario político e inicia la “lucha armada”. El análisis de la autora prioriza las relaciones de afinidad
o de tensión entre las acciones y políticas gubernamentales orientadas hacia los sectores populares y la
actitud de la oficialidad de la Iglesia Católica, que ejerció a veces un papel de soporte de importantes
políticas sociales populares, y otras veces, expresó sus tensiones internas que la llevaron a cumplir
un papel menos protagónico de lo que se esperaría en época en que había una grande simpatía entre
movimientos populares, acciones sindicales y reflexión teológica católica progresista.
El trabajo de Pásara se desarrolla en perspectiva semejante a la de Romero centrando su análisis
en lo que llama papel de la “tendencia católica radical”. Su estudio enfatiza el impacto de la Teología de
la Liberación y el papel organizador de las bases católicas lideradas por el más importante pensador de
los orígenes de esa teología, el Padre Gustavo Gutiérrez, en el proceso de cambio de la iglesia hacia una
pastoral comprometida con los pobres y con la construcción de otro modelo de sociedad. El autor no deja
de subrayar que se trata del análisis de un militante del movimiento universitario católico. Hay que decir
también que el texto es resultado de un semestre de dedicación a la investigación del tema desarrollado
en la “University of Notre Dame”. El autor tiene el mérito de detectar evidencias de que el catolicismo
radical fue perdiendo iniciativa para provecho de sectores conservadores de la Iglesia católica.
El libro de Fleet y Smith trata simultáneamente de los dos países Perú y Chile. Aquí nos vamos
a referir solamente a su contribución sobre el Perú. No se trata precisamente de un estudio comparativo
y tres capítulos son dedicados específicamente al caso peruano. Los capítulos se ocupan de una revisión
panorámica de las alianzas históricas entre la jerarquía de la Iglesia Católica con las oligarquías que
controlaron el poder desde la segunda mitad del siglo XIX. Se destacan las tensiones de la Iglesia con
el movimiento intelectual anticlerical de fines del XIX y los embates con el avance de la secularización
de algunas prácticas sociales, como la del divorcio, y con el surgimiento de las organizaciones y el
pensamiento de izquierda a inicios del siglo XX y su posterior impacto en la segunda mitad de ese siglo
con la efervescencia de las organizaciones populares y su sintonía con la Teología de la Liberación. Esta
obra tiene un mérito especial por la riqueza de sus fuentes. Además de las fuentes escritas de primera
mano la investigación realizó un amplio trabajo de campo con numerosas entrevistas a líderes, laicos
y militantes de instituciones católicas, organizaciones de base y estudiantes. Una breve sección de uno
de los capítulos llega a discutir el impacto del discurso crítico de algunos Obispos católicos frente al
repentino giro autoritario de Fujimori que cerró el Congreso y dio inicio a un régimen “antidemocrático”.
66
Se debe llamar la atención a que los autores trabajan con un concepto de democracia formal, concluyendo
que la Iglesia Católica siempre estuvo, o tuvo entre sus principales líderes, voceros que defendieron la
democracia, es decir, el gobierno legitimado por procesos electorales.
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Vol. 6, Nº 3journal homepage: www.revistaagendasocial.com.br ISSN 1981-9862
LE XXE SIECLE ET SON TRAUMATISME SOCIAL: DES TRACES DE MEMOIRE
O SéCULO XXI E SEU TRAUMATISMO SOCIAL : OS TRAÇOS DA MEMóRIA.
Francisco Ramos de Farias 1
1 Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Fundação Getúlio Vargas, professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Memória Social.
PALAVRAS-CHAVES Trauma, Memória, Elaboração, Violência, Criação.
Aborda-se neste artigo o trauma social como uma experiência que afeta o sujeito, os grupos, as comunidades e as nações, remetendo-nos a refletir sobre os limites do suportável que produzem estados de impotência tanto no âmbito do sujeito quanto nos grupos, impedindo-os de construir modos alternativos para a vida. Não obstante, em situações extremas, sujeito e grupos sociais podem não sucumbir construindo vias criativas de elaboração. Esses esforços surgem como mecanismos de memória para a construção de um saber acerca da produção de uma escrita no sentido de elaborar minimamente o trauma. Esta é uma postura ética diante de situações de violência, `as quais o homem é confrontado cotidianamente.
RE
SUM
O
MOTS-CLéS Traumatisme, Mémoire, Élaboration, Violence, Création.
On aborde le traumatisme social comme une expérience qui affecte le sujet, les groupes, les communautés et les nations, remettant en question les limites du supportable et produisant des états d’impuissance du sujet et du groupe pour construire des modes de vie alternatifs. Cependant, même en des situations extrêmes, le sujet ou les groupes sociaux ne succombent pas toujours, car construisant des voies créatives d’élaboration. Ces efforts apparaissent comme des mécanismes de mémoire pour la construction d’un savoir sur la production d’un écrit pour établir le traumatisme. Voici une sorte de position éthique devant des situations de violence à laquelle l’homme est confronté tous les jours.
Ré
SUM
é
70
1. Introduction
Les notions de traumatisme et la violence ont été largement discutées dans le XXe siècle, en raison
de l’existence de carnages sanglants et de la mort qui ont eu lieu dans de différentes parties de la planète.
Avec des discussions sur des sujets aussi complexes une ligne de pensée sur les questions liées à la mémoire
a été érigée, en particulier dans le contexte de productions écrites, les monuments commémoratifs et tant
d’autres formes qui ont été présentés au monde comme des tentatives visant à élaborer l’horreur qui a
marqué, violemment, la vie des gens de différentes ethnies, groupes sociaux, entre autres aspects. Les
débats s’organisent autour d’une question: pourquoi produit-on autant de situations de sens traumatique?
La première réponse que l’on peut penser pour cette question est celle que l’homme est constamment
confronté à des conséquences catastrophiques, assez intense, que ce soit à travers les médias, ou à travers les
cadavres qui sont laissés dans des lieux publics et tous les vestiges des guerres et des souffrances humaines
qui, souvent, frôlent l’ordre de l’impensable, de l’indicible et de l’incommunicable Dans ce contexte,
nous pouvons affirmer que les questions concernant la violence de potentialité traumatique confrontent,
continuellement, l’homme d’aujourd’hui, en renforçant, surtout, l’état de délaissement avec l’exposition,
de plus en plus croissante, à l’insécurité, de ne plus réussir à identifier d’où viennent les menaces qui se
rapportent à lui.
Si nous voulons fermer le concept de traumatisme lié à la violence, nous devons situer les modèles
d’interprétation qui ont des versions polysémiques, même certaines étant contradictoires. Cependant, il
est pertinent de souligner que parmi les diverses interprétations du traumatisme, deux types de violence se
présentent tout d’abord dans la mise en contexte: l’idée de traumatisme de l’enfance expliqué en termes
de vie sexuelle et les conséquences des atrocités qui ont eu lieu principalement dans le berceau du monde
civilisé. Ce second aspect a été remarqué dans les discussions sur le traumatisme, en particulier en ce
qui concerne la littérature de témoignage sur l’Holocauste, l’état de sauvagerie dans lequel les nations,
considérées comme civilisées, ont permis la décimation considérable des peuples, fondées sur des critères
logiques de ségrégation pour mettre en pratique des stratégies d’élimination et d’extermination.
En suivant cette voie on prendra le concept de traumatisme dans un domaine interdisciplinaire,
en essayant de le penser comme un thème central dans de différentes perspectives, mais comme un choc
qui rompt radicalement certaines conditions minimales de survie, en changeant le fonctionnement du
psychisme et des types de liens sociaux par l’imposition d’un effort pénible de grand coût subjectif, lorsque
la production d’une mémoire est possible en tant que voie d’élaboration. Comme objet de cette réflexion,
nous supposons que la situation traumatique fait que l’homme convive continuellement dans une situation
71
de violence qui a deux faces: l’une traitant de l’outragé, c’est-à-dire de la victime et l’autre qui se réfère à
l’impulsion d’agir, d’immobiliser, dominer et annuler la volonté d’autrui. La conséquence de la violence
qui cause un traumatisme est l’apathie, la perplexité, l’inhibition, la présence de mémoires intrusives et
l’instabilité en général. Toutefois, avant d’analyser ces effets on commencera par les particularités du
traumatisme.
La notion de traumatisme, développée dans le domaine des Sciences physiques à partir des effets
subis par la tension d’un poids ou d’une force sur un corps, a été transportée pour le domaine du savoir
médical avec la connotation d’une injurie ou d’un dommage dû à l’action d’un corps étranger agressif
à un organisme. Cette notion suppose la rupture d’une stabilité fonctionnelle. Cette idée a acquis une
place considérable au moment où il a commencé à figurer comme un concept important dans le domaine
du savoir psychanalytique qui, initialement, a rapporté l’expérience traumatique, dans la condition d’un
fait réel, à une circonstance individuelle qui réduit les possibilités du sujet de gérer sa vie. Plus tard,
le concept subit une reformulation et alors lie l’expérience traumatique, pas plus à l’intensité du fait
produit, mais à la potentialité du souvenir qui maintient dans un état récurrent l’expérience sans aucun
type d’élaboration, tant en termes d’oubli que d’alternatives d’élaboration.
Dans le champ purement individuel, le concept de traumatisme se développe dans le sens des
réflexions sur certains phénomènes sociaux. Ainsi, le concept d’expérience traumatique est utilisé pour
penser aux effets des situations catastrophiques qui décimèrent des milliers de vies durant la première
moitié du XXe siècle. Compte tenu ces événements qui ont compté sur l’apogée du progrès scientifique
et qui se sont produits dans le berceau du monde civilisé, la dimension sociale s’impose comme l’un
des fondements pour expliquer la barbarie qui a eu les conséquences les plus diverses: a) la production
en série de décès en temps records ; b) le développement de stratégies et de tactiques de décimation en
masses à l’aide des découvertes scientifiques ; c) l’exposition au monde de l’industrie de la mort est
justifiée par une logique de pureté, de discipline, d’organisation et d’autres critères ségrégationnistes;
d) l’émergence de la littérature de témoignage de la part de ceux qui ont réussi, durement, à traverser
des situations extrêmes d’expositions à la souffrance et à la dessubjectivation ; e) les productions
cinématographiques dans le monde presque tout entier, entre autres.
Tout cela peut être considéré comme des tentatives d’élaboration de l’impondérable, par des gens
qui ont été exposés à des situations qui dépassent la limite du supportable et qui n’aurait pas d’autres
alternatives pour les éviter, en sus de la mort. En plus de cette situation extrême, comment peut-on
penser à certains phénomènes connus du XXe siècle comme le terrorisme, le génocide, les massacres et
72
autres méthodes de carnage communes à des régimes totalitaires? Et encore quelle est la raison pour que
telles pratiques persistent encore dans un contexte de progrès scientifique considérable et d’éclaircissement
de l’homme?
A part ceux qui ont succombé à ces expériences, il y a très peu de témoignages des horreurs subies dans
des situations extrêmes, et encore moins ce sont ceux qui peuvent produire un écrit à laisser comme héritage
des souvenirs, bien que fragmentaires, des circonstances auxquelles ils ont été exposés. Néanmoins, il y a
ceux qui, après une longue période de temps, réussissent par durs exercices de récupération de filigranes de
mémoires à ressortir des situations vécues. Certainement, ces gens le font dans le but d’essayer d’élaborer
leurs expériences vécus et même de comprendre la raison pour laquelle ils ont été objet d’exposition à des
situations extrêmes. Ainsi, il est entendu qu’une expérience traumatique non seulement peut immobiliser
le sujet, en lui imposant le silence à jamais, mais aussi peut répandre en élaborations, même si elles sont
minimales, en termes créatifs de construction d’une mémoire. Ici le cheminement que nous suivons dans
cette réflexion: prendre en compte l’expérience traumatique dans ses effets négatifs et positifs, ainsi que la
construction des représentations comme des solutions minimales qui permettent, au sujet, de s’éloigner de
la terreur causée par le choc résultant d’un traumatisme.
2. L’expérience traumatique et de la violence
Les conditions de vie devant la possibilité de faire continuellement face à la violence qui, à l’heure
actuelle, est produite par de différents moyens, sont constamment remises en question. Néanmoins, vivre
dans l’imminence, presque certaine, de la mort prend ses propres configurations entre deux situations
extrêmes qui sont, pour l’homme: de choisir la mort ou de soumettre docilement, passivement, les rituels
de sacrifice, renonçant à son désir et à sa volonté. D’ailleurs, comme le souligne Todorov (1995, p. 24)
l’homme « choisissant sa propre mort, accomplit un acte de volonté, et par son moyen, on affirme les liens
au genre humain. » Pour cette raison, choisir entre la vie et la mort, quand il est possible, est une alternative
pour préserver la dignité. Mais il y a des circonstances pour lesquelles il n’existe aucune autre possibilité
de choix comme le terrorisme, la torture, les massacres, les lynchages et, probablement, la destruction de
chances de vie dans certaines zones de terres.
Compte tenu de la possibilité de survie, Todorov (2004, p. 16) nous avertit que «lorsque les
événements vécus par le sujet ou par un groupe sont de nature exceptionnelle ou tragique, le droit devient
un devoir: celui de se souvenir et de témoigner. La vie est perdue contre la mort, mais la mémoire gagne
le combat contre le néant.» Ainsi nous pouvons considérer les effets positifs du traumatisme, ou tout au
73
moins, en termes d’organisation quand la remémoration de l’expérience vécue, qui a laissé un corps
étranger enkysté dans le psychisme, devient une proposition d’élaboration. Pour cela, autant le sujet
individuellement que les communautés témoignent la fixation du traumatisme et aussi la fixation d’une
tendance contraire à la destruction.
Dans cette ligne de raisonnement Brette (2005, p. 70) propose que « la question est celle de
savoir pourquoi les effets du traumatisme seraient plus positifs que négatifs: la réponse dépend, en
même temps, de l’intensité de la charge traumatique et du niveau de maturité ou d’abandon du sujet
au moment de l’impact. » Ces deux conditions sont indissociables au sens d’une expérience ayant la
potentialité d’être traumatique ou non et, par conséquent, déterminer la polarité de ses effets: constructifs
ou destructifs. Pour tenir compte de cette prérogative, la vulnérabilité à un traumatisme dépend, non
seulement de la situation que le sujet est exposé en termes de violence, mais de la conjoncture de ses
arrangements subjectifs pour construire de voies minimales d’élaboration. Pour cette raison, on peut
dire que le choc traumatique est relatif, c’est-à-dire, il est déterminé par la capacité ou non du psychisme
de gérer les intensités d’excitation soulevées par la situation. La même interprétation peut être étendue
à des événements qui se concentrent dans les groupes et dans les communautés, compte tenu bien sûr
les conditions historiques et les héritages culturels disponibles.
En réfléchissant sur ces événements dans le monde d’actuel, on aperçoit que «pour l’homme
moderne l’effusion de sang ne semble pas être autre chose que la destruction” (FROMM, 1979, p.
363). Cela signifie que l’homme vit avec la possibilité d’effusion de sang, pas plus dans des rituels
sacrés et rites d’initiation, malgré sa continuité chez certains peuples, mais dans la destruction pure des
arrangements subjectifs. En ce sens, vivre c’est être en état d’alerte à la violence produite en termes de
l’imminence de l’attaque par un ennemi supposé, l’exposition aux catastrophes naturelles, et surtout la
crainte de l’extinction des conditions minimales de vie sur la planète. À l’heure actuelle, rien n’est plus
menaçant que les conséquences du réchauffement climatique qui produisent des zones sur la terre sans
aucune possibilité de survie. Voici l’héritage qui l’homme de l’ère du progrès laisse aux générations
futures: l’augmentation globale de la violence à tous les niveaux possibles et la précision, en termes
de mise en œuvre des moyens techniques, pour la destruction massive d’une manière irréversible,
totalement hors de contrôle.
Il est intéressant de noter que les expériences traumatiques, aujourd’hui, sont multiples, mais nous
vivons sur un paradoxe: plus on théorise sur les situations énumérées sous la rubrique d’un traumatisme
social, plus ces situations s’accumulent, même si l’on considère les efforts pour les minimiser. Que se
74
passait-il, donc, vu que dans le sens contraire aux politiques de grandes puissances répandues au nom de
la paix, on y trouve le perfectionnement des stratégies mortifères pour anéantir l’homme et l’humanité?
Il convient de souligner que l’humanité ne doit pas être comprise comme une simple abstraction, mais
comme un ensemble de sujets constitués d’une histoire et qui transmettent leur héritage sous la forme
de la mémoire. Pourquoi alors on ne réussit pas à ériger des barrières pour empêcher la destructivité par
l’homme, de l’homme lui-même et de la planète? Certes, si les choses se déroulent dans ce contexte, tôt
ou tard, nous serons confrontés à notre propre destruction et à la destruction du seul espace que nous
avons pour vivre. Où donc voulons-nous aller, c’est-à-dire, quel monde prévoyons-nous pour l’avenir?
Et encore, nous le laisserons en héritage à nos descendants d’ici à un siècle? Ces évidences affligeantes
ne font pas partie du scénario d’un film de fiction, puisqu’elles s’imposent à l’homme de façon explicite
et directe. Il ne s’agit plus d’un avertissement quant à la possibilité d’avoir des événements possibles,
mais de la signalisation de ces événements dans le temps présent.
Le progrès scientifique et la formation de grandes zones urbaines ont représenté, dans le XXe
siècle, les espoirs pour l’homme d’une vie meilleure. Mais si l’on analyse la vie quotidienne dans
une grande ville, n’importe quand, l’homme est confronté à des rapports de crimes, de corruption,
inondations, incendies, explosions, séismes, tsunamis, exterminations et autres manifestations brutales
d’événements. Ainsi, la modernisation des villes a produit des systèmes assez complexes dans lesquels
la violence a proliféré, de façon inattendu et incontrôlable, à tel point que l’homme de grands centres
urbains n’a pas l’esquive à la possibilité d’être affecté de façon spectaculaire par ces situations qui sont
présentées par les médias au temps réel des événements. Quel serait, donc, le but de la diffusion de ces
nouvelles en un temps record, que de mettre l’homme contemporain dans un état d’apathie dans un
genre de vie monotone? Sans doute, ces situations ont un coût subjectif considérable de laisser de traces
qui sont, rarement, signifiés, soit par son intensité, soit par les dégâts produits de façon irréversible.
On concentrera notre attention pour réfléchir sur l’exposition de l’homme actuel à des situations
qui ont lieu en termes de traumatismes sociaux, telles que la violence urbaine marquée par des assassinats,
par des conflits entre les gangs, par la précarité des conditions de vie due à l’oubli volontaire de l’État
pour certains segments de la population, par le trafic de drogue, la prostitution enfantine, et tant d’autres
modalités. Prenons comme point de départ les meurtres de jeunes vivant dans les rues, les prisonniers
et les membres de la population sans-terre, afin de situer les crimes de sens politiques et économiques
déclenchés dans la lutte continue entre les classes sociales de pouvoir d’achat élevé et les habitants des
zones de faible revenu où vivent les chômeurs, les ambulants et une masse de personnes vivant dans
l’extrême pauvreté, ou même dans la misère. Ces crimes sont interprétés et justifiés pour des raisons
75
de tensions sociales que provoquent ces groupes. Il faut donc les contrôler, que ce soit par la prison ou
l’extermination. D’une façon ou d’une autre, cette masse de personnes est ségrégée de façon punitive,
avec la création de celles que l’on appelle des prisons de la misère pour renforcer la sécurité. Mais ces
mesures se concentrent sur ceux qui sont “touchés par de fortes conditions inégales de vie et dépourvus
de tradition démocratique” (WACQUANT, 2001, p. 7).
Ne pourrait-on pas penser que le manque de conditions minimales pour vivre peut conduire à
des situations traumatiques? Et plus loin, étant donné le manque de protection sociale pour les jeunes
des quartiers défavorisés, accablés par le chômage chronique, n’y aurait-il pas de possibilité d’entrevoir
une issue de sortie que celle de retourner au monde de la criminalité? À cet égard, une question persiste:
quelle est la raison qui mène ces jeunes au choix de la violence afin d’assurer les moyens de subsistance?
Cette même question s’étend aux nations qui, pour des raisons économiques, produisent un ennemi
pour justifier des actions destructrices à une grande échelle. Soit dans le domaine de l’individu, soit
dans une sphère de plus grande ampleur, comme l’État, nous sommes confrontés à des situations dont
les effets laissent des traces indélébiles sur l’homme moderne qui ne disposent pas de retranchements
ni de boucliers de protection contre les situations accablantes.
La violence et la cruauté, les principaux artifices dans la production du traumatisme social
sont des manifestations de la destructivité humaine. Lorsque nous sommes dans le domaine de la
violence, nous savons qu’en dépit de ses effets destructeurs, nous pouvons considérer l’expression en
termes de stratégies défensives. Concernant la cruauté, en tant que condition exclusivement humaine,
Nietzsche (2001, p. 154) affirme que «presque tout ce que nous appelons culture supérieure repose sur
la spiritualisation et l’approfondissement de la cruauté, celle-ci est ma théorie, la bête sauvage n’a pas
été morte, elle vit, elle prospère, elle s’est seulement divinisée».
Si la cruauté est présente chez l’homme quel serait, donc, son but? Pourrait-elle être une
puissance qui devrait être canalisée pour produire des biens culturels? Sans aucun doute, l’homme
nourrit cet espoir. Cependant, comme la cruauté se mêle à la violence, il faut comprendre que le côté
indomptable de l’homme, qui va vers la destruction, a une sorte de vertu, et peut apparaître comme
une violation de l’inclinaison à la pratique des actions destructrices. Cette possibilité est assez vague
aujourd’hui, car nous sommes constamment traversés par des situations agressives qui se produisent
lorsque la société ne dispose pas de soutien pour donner une destination à la potentialité destructrice qui
n’est pas la satisfaction par l’utilisation de moyens d’anéantissement subjectif ou de la transformation
radicale de la nature. Ainsi, le note Ceccarelli (2006, p. 119) «l’être humain ne réussi pas à faire barrière
à la violence. La violence serait-elle inévitable dans le destin de l’humanité? » Si l’on pense par ce
76
biais, nous pourrions admettre que la possibilité de vivre avec la violence et la cruauté est en soi l’une
des conditions du traumatisme social, surtout, quand certains sujets agissent de façon totalitaire afin
de satisfaire une vanité personnelle ou quand ils s’imprègnent dans la défense de certains principes
ségrégationnistes. Ce sont des circonstances qui ont des conséquences mortelles pour l’homme, telles
que la production de restes d’expériences qui ne sont pas attachés à sa vie de manière à lui apporter
des avantages, étant donné qu’il reste des images récurrentes ancrées dans l’imaginaire qui ombrent et
tourmentent sa vie. Ainsi, nous pouvons pénétrer dans le sombre terrain du traumatisme social, de nos
jours, quand nous énumérons les situations difficiles de la vie causée, non plus par les intempéries de la
nature et les maladies mortelles, mais par l’homme qui accomplit une sentence du dramaturge Plaute,
travaillée par Hobbes (2008), affirmant que l’homme est un loup pour l’homme. Toutefois, il vaut un
avertissement: l’exposition humaine à des situations traumatisantes ne se produit pas seulement de nos
jours. Depuis l’Antiquité, l’homme a été exposé à des traumatismes psychiques. Ainsi, les situations
traumatisantes accompagnent toute l’histoire de l’humanité, elles ne changent qu’en fonction des
stratégies employées pour mettre la vie en danger.
C’est en ce sens que la vie dans les grands centres urbains peut être pensée comme l’exposition
à des limites insupportables de violence, surtout si nous considérons les bandes criminelles, les groupes
d’exterminations, la consommation de substances chimiques. Néanmoins, nous ne devons pas oublier
pas que la principale source de traumatisme social est la sensation de peur vécue face aux situations
de terrorisme, l’expectative d’être atteint par une balle perdue et même être la cible de la haine d’une
personne qui, pour des motifs futiles, n’hésite pas à mettre un terme à la vie d’un homme.
Les sources classiques de traumatismes, telles que les accidents et les catastrophes naturelles,
qui ne sont pas historiquement spécifiques, s’unissent, comme l’a souligné Rouanet (2006, p. 142),
« les guerres de plus grande sophistication technologique et de plus grand pouvoir destructeur que
toutes celles précédentes ; une criminalité qui n’est plus locale et qui est devenue mondiale et un
terrorisme organisé en réseaux, tout en pouvant agir partout dans le monde. » Tout ce décor n’est pas
inconnu à l’homme et comme il connaît les résultats possibles il ne peut plus plaider innocent au sujet
du maniement des artifices techniques que la culture a mis à leur disposition grâce à l’avancement du
progrès scientifique. Face aux puissants engrenages produits pour promouvoir le bien-être, l’homme
se trouve encore impuissant pour amortir le fauve sauvage qui le fait retourner à l’ère primaire. En
principe, par le fait qu’il n’y ait pas de façon pour éviter le malaise propre à sa condition d’être désirant.
C’est là que nous pouvons situer un jalon pour penser à la question de la destructivité et à la sortie par
des moyens sublimatoires.
77
Suivant une autre voie, différente de la pensée nietzschéenne, Freud (1976) ne comprend pas que
les impulsions cruelles de l’homme peuvent être versées en biens culturels, étant donné que la culture
serait toujours le résultat de la sublimation de la sexualité, c’est-à-dire, que la cruauté se manifeste
dans le sadisme et l’agressivité, étant l’expression directe de la puissance de destruction. Alors, quelle
serait la solution pour que l’homme retienne ses pulsions destructrices? Notamment il nous faut, afin
de réfléchir sur cette question, utiliser le concept kantien de conscience critique qui ferait intérioriser à
l’homme son agressivité conduite déversée au monde sous forme de culpabilité. Mais il faudrait pour
cela non seulement de la frustration qui déclenche de l’agression, mais aussi, en contrepartie, recevoir
de l’amour. Quand l’amour manque, l’aspect destructeur est projeté sur le monde extérieur. Ainsi, le
sujet est forcé à l’expérience de la douleur et là se figure l’expérience traumatisante comme celui qui
éclate en violence (FARIAS, 2011). Pour cette raison, l’amour vient ralentir la potentialité agressive en
amortissant sa projection sur le monde extérieur. Néanmoins, nous devons explorer davantage cette
question en postulant que la convergence entre l’événement violent, en raison de l’exposition du sujet
à la douleur, donc de la connotation de traumatisme, et le mouvement pour lequel le sujet produit des
moyens afin de se distancier de cette expérience douloureuse. Si, d’une part, l’expérience traumatisante
indique la possibilité d’interruption de la vie, d’autre part, elle conduit l’individu à rechercher les moyens
de la poursuivre. Il faut signaler que l’état d’abandon, dans lequel la progéniture humaine se présente au
monde, devient une exigence d’amour et, par conséquent, on reconnaît celui qui était aussi dans la lutte
pour la survie face à la précarité propre à la vie. Pour cela, la mémoire pour le sujet, d’avoir un jour été
aimé par quelqu’un, fait qu’il puisse contenir, un minimum, son agressivité.
Mais quand les choses ne se passent pas de cette façon, la réalité pour le sujet qui a passé par une
expérience traumatisante crée une scène courante comme un corps étranger pour lequel il n’existe aucun
moyen de défense, ni de développement possible. On peut penser ici à l’extension de ces approches pour
réfléchir à l’effet de certaines actions destructrices sur certains groupes, communautés ou nations. Que
ce soit dans un contexte ou un autre, il n’y a pas de moyens pour subjectiver l’expérience traumatisante
comme si on la transformait en un souvenir d’intensité faible ou nulle. Ainsi, les traces de mémoire
de ces expériences restent comme quelques espèces de parasites, incapables de s’intégrer aux autres
expériences de vie. Cela se produit lorsque la rencontre avec l’agresseur devient inévitable et, ainsi, il
n’y a donc pas le temps pour le sujet de construire des mécanismes pour faire face à l’intensité mortifère
de ces situations.
Le retour en continu de la perception de ces scènes, que ce soit pour le sujet ou dans une nation,
produit des situations d’impuissance aboutissant à la position subjective de la victime dans une sorte
78
de perdition quant à la possibilité d’appartenance. La présence impérative de la condition de victime
qui présente des résistances, afin de construire des alternatives à une autre position, légitime, dans une
certaine mesure, la condition de l’agent qui pratique la violence. Ainsi se perpétuent en tant que deux
positions étanches la victime et le bourreau, comme s’il n’y avait pas même de possibilité de pacte entre
eux. Celui-ci est un aspect qui demandera un approfondissement. Toutefois, lorsque qu’on idéalise ces
positions, fermement, on consolide l’impossibilité de négociation entre les hommes et les nations au
nom d’accords pacifiques, car ce qui reste, au premier plan, c’est la haine d’une part et la soumission
d’une autre.
3. La scène traumatique: l’agresseur et la victime
Les positions de la victime et de l’oppresseur sont alignées dans le même piège. Néanmoins,
c’est l’oppresseur qui parvient à déclencher la souffrance infligée à la victime qui, une fois exposée
à la situation, perd ce qui lui est de plus précieux: la confiance de l’humanité une fois ébranlée
est difficilement retrouvée. De même, l’oppresseur ne perd pas sa condition de faire déclencher, à
n’importe quand, l’engrenage de la souffrance. Mais nous devons souligner que ces positions ne sont
pas interchangeables, malgré l’accord qui peut être établie entre eux, surtout lorsque la victime devient
passive et résignée devant le chemin de la mort.
Si dans la relation victime / bourreau ce qui se passe est de l’ordre de la déshumanisation, la
même chose se passe quand une nation décide de détruire une autre pour des apparats belliqueux.
Dans ces circonstances, les accords ne sont pas réalisés par des négociations à travers de la parole,
mais par l’imposition de la guerre; de vrais pactes politiques qui se produisent seulement quand toutes
les possibilités de négociations entre les nations sont en échec. Ainsi, la violence entre en jeu, dans
son caractère instrumental, et apporte avec elle un élément arbitraire car, comme dit Arendt (2010,
p. 19) « la raison principale en fonction de laquelle la guerre est toujours entre nous, c’est le simple
fait qu’aucun remplaçant à cet arbitre ultime dans les affaires internationales est survenu sur la scène
politique. »
L’exposition de l’homme à des expériences qui dépassent la limite de ce que l’on supporte
et comprend corrobore la production de la violence. En ce sens, tout ce qui est dans l’ordre de
l’irreprésentable, de l’indicible et de l’incompréhensible se convertit en violence puisqu’il est une
expérience traumatisante. Et, pour cette raison, tout a tendance à se convertir en une sorte de perception
fréquente avec une intensité remarquable, au point de mettre le sujet, continuellement, devant
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l’expérience qui dépasse les limites de ce qu’il supporte. Ainsi, la violence de la situation s’inscrit, sans
aucune preuve d’élaboration, et revient avec insistance sur la condition d’un aspect mortifère de la vie.
La forme paralysante de l’expérience traumatique exige souvent une longue temporalité pour être
élaborée, en fonction de la disponibilité du sujet pour réussir à produire une écriture. À ce propos, nous
pouvons illustrer à travers la littérature de témoin de plusieurs survivants des camps de concentration qui
affirment catégoriquement, lors de leurs libérations, qu’à ce moment-là ils ne pouvaient même pas faire
un rapport sur leurs expériences vécues. Parmi les plus remarquables on y trouve celui de Primo Levi qui
a eu besoin d’une quantité considérable de temps pour donner corps à ses mémoires et quand même il
nous présente ce qu’il a appelé la zone grise comme une sorte de situation impossible à être décrite étant
donné le caractère de l’incompréhension car, « entourée par la mort, souvent, la personne déportée n’était
pas capable d’évaluer l’ampleur du massacre qui se déroulait devant ses yeux » (Lévi, 2004, p. 14). Pour
cela, n’importe quel écrit sur l’expérience d’un survivant, pour n’importe quel genre de massacre, se
produit uniquement en filigrane, étant donné que de nombreux aspects ne sont même pas approfondis.
Ainsi, les mémoires de ces expériences, comme toute ou n’importe quelle expérience traumatisante,
ne sont pas écrites dans toute leur clarté, vu qu’elles s’effacent, se modifient et aussi qu’elles intègrent
aussi des éléments étranges. Cela signifie que les situations traumatisantes ont la potentialité de falsifier
la mémoire, soit par l’interférence d’autres souvenirs en tant que ressources pour l’oubli des atrocités
vécues, soit par des distorsions dans les états de conscience qui, progressivement, retirent ou ajoutent de
nouveaux aspects aux décors de la situation vécue. Elles risquent aussi la possibilité d’être offusquées et
oubliées, et ainsi peu de souvenirs résistent.
Il y a un point intéressant à ce sujet: la mémoration d’une expérience traumatique ou subie ou
infligée est potentiellement violente à cause de la reprise de l’intensité douloureuse qui est mise à jour
et par la perturbation qui se produit sur celui qui a subi le traumatisme et qui s’efforce pour annuler la
perception courante ou même s’en débarrasser. Traitant ceux qui infligent le traumatisme, il est possible
que lorsque nous ne sommes pas dans le régime de la torture, la mémoration se rhabille d’un sentiment
de culpabilité.
La marque de la violence due aux expériences, allégées de négociations par le mot, devient un
traumatisme autant pour la victime que pour l’oppresseur dans les conditions signalées qui exceptent le
massacre, la torture, le lynchage, les querelles religieuses, les tueurs à gages et tant d’autres catégories
de bourreaux sociaux. Généralement les responsables de la pratique de tels événements quand ils se
déshumanisent pour anéantir leurs victimes, ne sont plus capables d’enregistrer n’importe quel sentiment
de caractère traumatique en fonction de l’action pratiquée. Dans ces agents, probablement, on trouve
80
une instance critique féroce qui voit, dans la dévastation, la possibilité d’élaborer des dommages subits
dans la vie, mais comme une passion folle. Cette expérience de férocité comme une ressource échouée
pour quitter l’état d’impuissance causée par l’exposition à une situation traumatique, s’exprime par
la violence à la rencontre de son semblable. Mais pour autant, la première action est de l’oppresseur
consiste à se déshumaniser pour après traiter l’homme comme une chose susceptible de domination et
de manipulation technique. Ainsi perdure le visage de l’horreur dans son état brut sans aucune forme
de rationalité. Évidemment, il y a un ennemi intérieur qui est projeté dans certaines figures qui, dans le
contexte social, représentent la position de bouc émissaire. C’est dans cette perspective que l’oppresseur
se voit confronté à une insulte juste par le fait de l’existence de son semblable, raison pour laquelle il
s’arbore à l’emmener à la condition d’apathie totale. Mais où rencontrons-nous ces oppresseurs?
4. Le contexte social et les acteurs de la violence
Il n’est pas si difficile d’énumérer les agents qui s’occupent, techniquement, à provoquer des
dommages au sujet seul mais aussi à des groupes, des communautés, des nations. Dans cette ligne
d’acteurs on trouve les assassins, les meurtriers, les contrevenants, l’Etat quand il impose l’aliénation
aux intellectuels, les agents de sécurité excellents, à tout prix, pour maintenir l’ordre. Voici quelques-
unes des figures qui s’élèvent continuellement dans les fantaisies traumatiques des victimes, et emmènent
beaucoup d’entre elles à ne plus supporter le poids de la vie en choisissant le suicide. Combien de
survivants des camps de concentration, une fois libéré, ne pouvaient pas supporter de vivre avec le poids
des souvenirs et se sont tués? Combien de personnes torturées ne pouvaient-elles pas se débarrasser de
l’image tourmenteuse de leurs oppresseurs, et ont succombé à la mort? Sur ces gens s’est fermé l’horizon
existentiel d’un minimum de possibilités, au sens de l’élaboration des expériences vécues, bien comme
il y a eu l’incrédulité dans n’importe quelle valeur morale capable de réglementer les actions parmi les
hommes.
Certainement, ces personnes ont perdu la crédibilité pour faire confiance aux hommes, aussi bien
qu’elles ne croient pas que les pactes établis culturellement peuvent renverser de telles situations. Il y a
sans doute une force individuelle qui opère d’une telle façon qu’il n’envisage que la possibilité d’échec.
Autrement dit, les impératifs catégoriques de la collectivité comme tu ne commettras point d’homicide,
tu ne violeras point tes prochains, tu ne séquestreras personne, tu aimeras ton prochain comme toi-
même, ne sont plus crédités comme un héritage moral, c’est-à-dire, il n’y a plus d’espoir en eux pour
faire arrêter ou barrer la potentialité de la destructivité humaine. C’est ce que Freud (1976, p. 134) nous
81
apprend quand il dit que « la culture espère empêcher les excès les plus grossiers de la violence brutale
en se donnant elle-même le droit d’user de violence envers les criminels, quant aux manifestations plus
prudentes et plus subtiles de l’agression humaine, la loi n’est pas en mesure de les prendre en compte.
» C’est l’impasse à laquelle nous sommes confrontés dans le processus de civilisation. C’est-à-dire les
impératifs de la violence individuelle et collective ne sont pas endigués, avec totale efficacité, par les
dispositifs issus du progrès scientifique; ni par la possibilité de l’homme de laisser tomber définitivement
la lance comme manière d’offense à son semblable. Cela signifie que les aspirations, de nature méchante,
habitent autant l’imagination de l’homme que des nations. Comme l’a souligné Naffah Neto (1997,
p. 104) « le fait est que nous, les hommes contemporains, nous perdons notre conscience quotidienne
de notre côté agressif, violent, cruel. Quand il apparaît, en jaillissant dans les torrents et nous domine
complètement, nous sommes pris par surprise, parce que notre envergure intérieure est trop petite. »
Ainsi, l’homme est presque aveugle, dans le sens de la reconnaissance de la bête humaine, le bandit,
l’assassin qui l’habitent, car il n’a même pas la disposition d’admettre cette possibilité, et encore moins
de vivre avec cette évidence.
Dans des circonstances dans lesquelles se manifeste, chez l’homme, une impulsion agressive
incontrôlée, généralement, presque toujours la possibilité de l’apparition de cette impulsion est attribuée
à un autrui en tant qu’agent coupable. Il n’est pas surprenant que plusieurs crimes d’une plus grande
atrocité ont été commis par des personnes apparemment équilibrées et justifiées par une certaine logique
rationnelle. À cet égard, on peut lancer une explication: plus élevée est la dissociation entre la conscience
et la reconnaissance de ces impulsions, moins grand est le contrôle et plus intense est l’action violente.
Nous pouvons également utiliser cette réflexion à penser la société contemporaine qui marche, de telle
manière qu’elle s’oppose à certaines pulsions naturelles de l’homme comme, par exemple, les conditions
de défense contre les menaces imminentes. Ainsi, encore une fois nous recourrons à une interprétation
proposée par Naffah Neto (1979, p. 106) affirmant que « l’homme de subjectivité étroite, incapable de
percevoir que le marginal demeure non seulement le monde mais aussi ses entrailles, sera une proie facile
pour les idéologies fascistes qui divisent le monde entre le bien et le mal. » Sans aucun doute, la possibilité
de compréhension et d’élaboration de ce côté sombre de chacun pour soi-même, constitue une tâche assez
difficile dans un monde où le sens de la vie devint banalisé et se perdit presque complètement, où les
idéologies deviennent extrêmement utiles, surtout quand elles sont utilisées pour justifier toutes sortes
de ségrégation afin d’éliminer tout ce qui importune, dans l’espoir de produire une homogénéisation de
l’homme en série.
C’est ainsi que le propre État très souvent prend, volontairement, la face de la violence, surtout
82
dans l’absence de ses fonctions de base pour la survie de l’homme. Voici ce dont nous pouvons faire
allusion quant au scénario économique qui excelle surtout par la consommation comme une formule de
bonheur ou de règlement des collectivités. Autrement dit: la prolétarisation généralisée obéit à l’attente
de l’accumulation de plus-value d’un maître anonyme et invisible qui présente une multiplicité d’agents
spécialisés dans la promesse de sécurité, de bien-être, de corps parfaits, et montre, d’une manière subtile,
que la violence s’exprime en actions issues d’un dieu obscur à qui l’on ne doit qu’obéir sans aucune
argumentation. (ZALOSZYC, 1994). Ce dieu obscur peut apparaître erroné dans la figure de l’Etat.
Ainsi, nous sommes devant un conflit entre les intérêts collectifs de l’Etat, soutenus par les
impératifs moraux de réduction ou minimisation de la violence brute sur le sujet, et l’engrenage capitaliste
qui stimule constamment le sujet à la consommation effrénée. Voici deux tendances qui circulent dans
notre temps qui entraînent une divulgation de la subjectivité qui est exposée à l’air libre, de sorte que,
comme affirme Freud (1979, p. 267) « notre esprit, ce précieux outil par lequel nous nous maintenons
en vie, ne constitue pas une unité pacifiquement indépendante. » Nous pouvons comparer le psychisme
d’un Etat moderne dans lequel la masse des gens du prolétariat, avides de plaisir et de destruction, doit
être contenue par des principes moraux prudents. En ce sens, autant le flux de notre vie psychique que
le mouvement des masses sont des mises à jour transmises comme des héritages de mémoire par nos
ancêtres. Mais la force de ces représentations ne sont pas toujours susceptibles d’être apprivoisés ou
endiguées, ainsi que, très souvent, ne s’adaptent pas même aux demandes sociales. Cela signifie qu’une
grande partie de notre vie psychique, ainsi que ce qui maintient une masse homogène, se montre, dans
une certaine mesure, ingouvernable et, s’il n’y a aucun dispositif social, elle se manifeste sous forme de
violence, et peut conduire à la ruine. Comme on peut le voir, le processus de socialisation produit un état
de fragmentation dans notre psychisme de telle sorte que certaines de ses inclinations sont maintenues
endiguées tandis que d’autres sont dérivées à d’autres fins. Ainsi, on espère contenir minimalement la
propension à la destructivité par la pratique de la violence.
La division des forces dans notre activité mentale peut être comparée à la dynamique de
fonctionnement des groupes, des communautés, des nations qui ont besoin de dériver une partie de
l’intensité liée à l’agression contre le semblable, en tant que conditio sine qua non, pour l’établissement
et la maintenance des liens sociaux. Néanmoins, ces efforts n’éliminent pas l’apparition d’acteurs de la
destructivité qui se chargent d’exposer l’homme à des situations traumatisantes. Souvent, ces acteurs
agissent de telle sorte que leurs actes de violence sont enregistrés dans l’imaginaire des populations durant
de nombreuses décennies. Et ainsi, le sujet devient le prisonnier d’une image qui le harcèle constamment
comme un fantôme qui le hante et dont il ne peut se débarrasser.
83
Ce fantôme est d’une intensité assez forte qui empêche la circulation naturelle de l’homme
dans l’élaboration de ses projets pour la vie, puisqu’il est difficile d’oublier ce qui persiste comme une
perception courante, soit par les évidences exprimées en marques indélébiles comme des mutilations
corporelles et autres formes; soit par des dégâts psychiques en face d’une menace dont on ne peut pas
définir l’origine. Ainsi, le sujet est dans un état de monotonie qui frôle l’apathie et d’indifférence devant
une scène qui ne cesse pas de se produire, non plus avec l’agent qui causa la situation traumatique,
mais avec une instance intériorisée identifiée à un maître puissant devant lequel il n’y a aucune autre
alternative, sauf la résignation. Mais même dans ces circonstances, il est encore possible que le sujet
se demande pourquoi un tel maître le fait souffrir, ainsi que pourquoi est-il aussi le destinataire de la
souffrance? D’une certaine façon, la position de sujet qui s’exposa à une situation traumatique en ce qui
concerne la possibilité de ne pas savoir pour quelle raison le dieu obscure le fait souffrir est un impératif
qui commande la vie de la victime, en limitant à lui substantiellement les actions au point de l’enfermer
dans une prison subjective, condamné à un sort incertain dans un scénario dans lequel le mot n’a plus de
valeur en tant qu’outil de négociation. Ainsi se passe le choc qui frappe le sujet de la situation traumatique,
tout en étant un noyau dur à enlever, bien que pas impossible en termes de production, d’arrangements
minimaux quels qu’ils soient, d’élaboration. Cela veut dire qu’il y a des possibilités d’éloignement de
ces situations en les transformant en souvenirs et sans les maintenir avec des perceptions récurrentes.
5. Réflexions finales
Pour commencer nos réflexions finales comme point de départ nous prenons deux arguments: 1.
L’expérience de la subjectivité est la principale référence dans le processus de constitution de l’homme
et, pour ainsi dire, il renvoie à un moment où l’état de délaissement se trouve dans toute sa plénitude.
Ainsi, le souvenir de la condition d’impuissance peut même prendre un caractère traumatique par le
fait d’alerter le sujet en termes d’un éventuel état de passivité et, 2. L’homme est marqué, dès qu’il se
présente au monde comme un être parlant, par des représentations sociales et politiques, qui varient
historiquement.
En ce sens, on situe l’homme d’aujourd’hui comme quelqu’un qui cherche le bonheur à tout
prix et est donc « tiré par cette exigence qui fait ressurgir la dimension catastrophique du psychisme,
antérieur à l’élaboration, dont les conséquences amènent à adopter des comportements suicidaires »
(FUKS, 2006, p. 26). Sur le plan collectif, les dégâts du discours hégémonique néolibéral évoquent la
barbarie. C’est ainsi que nous situons l’histoire de l’homme comme l’histoire de l’assassinat des peuples,
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d’actions destructrices insérées au sein de la civilisation. Tout cela provient d’un projet élaboré, au
niveau politique, qui est basé sur la logique de l’exclusion de figures qui ne partagent pas le même idéal,
et donc, considérées comme différentes et non désirées.
Afin d’élargir la portée de cette conclusion, on pourrait affirmer que l’Etat fait circuler le projet
d’égalité et amour entre frères d’ethnie, tout en conduisant la haine contre les non-identiques en les
plaçant sur les marges pour être éliminés. Ainsi, l’intolérance de nos jours, que ce soit des nations ou
d’un sujet isolé, se convertit en une grande menace, à mesure où elle se situe, de manière brutale, dans
la promotion de la haine envers la différence quelle qu’elle soit, présente ou ayant fait partie du passé.
L’intensité de cette haine nous fait penser qu’un mécanisme d’élaboration ne fut pas possible pour faire
ralentir ou même transformer cette puissance destructrice à d’autres fins.
Nous voyons dans le scénario du quotidien présent, l’invention de dispositifs assez efficaces
dans ses actions techniques, mais qui ne connaissent pas les limites de la mort et qui, pour cette raison,
gonflent le processus de destruction en masse. Les événements sont tels que, difficilement, on a le temps
d’en rédiger un seul parce qu’un autre est déjà imminent. Ainsi, on n’a plus ni de pratiques de cérémonies
et de rituels dans le but d’élaborer des pertes, ni d’expiation de la mort de personnes. A la place du
cérémonial et du rituel on a la position subjective dans laquelle l’homme enlève toute signification de
la mort, culminant avec la banalisation. Compte tenu de ce processus de déshumanisation il est facile
pour l’homme de se dégager de toutes les tentatives de réparation ou de symbolisation par rapport aux
personnes qui meurent ou même devant les ruines et les débris résultant de la destructivité.
D’une certaine façon, nous pouvons approfondir nos considérations et nous poser la question
sur quel serait le sens de la désacralisation de la mort, tellement évidente de nos jours? La première
idée à laquelle nous sommes confrontés est que la suppression radicale du sens de la mort doit être le
moteur qui déclenche la terreur traumatique avec laquelle nous sommes constamment confrontés, en
particulier, dans certains acteurs qui commettent des assassinats sans laisser de trace des corps. Ainsi, la
torture, le massacre, le génocide et surtout l’industrie de production de cadavres qui ont eu lieu au XXe
siècle, constituent de vrais traumatismes laissant des restes indélébiles qui peuvent difficilement être
élaborés. En fait, la catastrophe connue sous le nom des morts dans les camps de concentration laissèrent
des traces, bien nets, qui franchisent la civilisation, de sorte que l’homme n’a aucun moyen d’esquiver
devant l’impondérable, l’indicible et l’incompréhensible
L’extermination de la Seconde Guerre mondiale ne doit pas être considérée comme une guerre
en faveur de la vie, mais comme l’exercice de la cruauté pratiquée par des moyens techniques et facilitée
avec les progrès scientifiques. D’ailleurs, comme l’a souligné Seligmann-Silva (2000, p. 78) la barbarie
85
qui a décimé des milliers de vies peut être interprétée comme un objet « qui échappe à la représentation,
justement à cause de son excès, c’est-à-dire, il ne peut pas être défini, sauf par une affirmation générale
sur quelque chose qui doit être mis en phrases, mais il ne peut pas l’être. » Cela signifie qu’il s’agit
d’une expérience traumatisante impossible d’être représentée exactement en raison de la difficulté de
la capacité humaine pour ne pas même parvenir à l’imaginer. Par conséquent, l’expérience est indicible
à l’endroit exact où il n’a pas été possible de la vivre dû à la rupture des mécanismes de mémoire
nécessaires pour l’enregistrer. Donc, l’expérience traumatisante, dans son caractère débordant, est
précisément un trou que l’on produit dans les nappes de la mémoire. Pour cela, très souvent, ce que
l’on peut produire ne sont que quelques éléments qui bordent ce trou dans la chaîne de représentations
psychiques. Ainsi, le traumatisme est un élément qui déborde la capacité de réception du sujet, allant
au-delà des limites de la capacité perceptive, et c’est un type d’expérience sans forme ni couleur.
Voici la raison pour laquelle la scène du traumatisme se répète indéfiniment. Tout d’abord, la
répétition est une tentative d’élaboration. Deuxièmement, le retour de la scène peut servir à préparer
le sujet devant l’insupportable relatif à l’expérience écrasante. Troisièmement, on espère, à travers
la répétition, minimiser le choc causé par un traumatisme ou produire des mécanismes de l’oubli qui
affaiblissent l’intensité de l’expérience traumatique.
Nous devons encore nous poser la question sur le processus de meurtre des civils qui ne se
produisent pas forcément dans les pays en guerre. À cet égard, nous pouvons seulement penser qu’il
s’agit d’une stratégie de violence destructive transformée en une action politique conformément à ce
qu’il s’est passé lors de l’extermination des Arméniens par les Turcs et de l’extermination des Juifs
par les Allemands. Il est intéressant de noter que ces peuples n’étaient pas en guerre, mais qu’ils
furent inclus par l’Etat, selon de différentes logiques, comme des personnes à être exclues, raison
pour laquelle le meurtre fut justifié en termes de principes tels que l’ordre, le nettoyage ethnique,
l’organisation, la pureté, entre autres. Ce qui se passe à travers ces pratiques, c’est que, pour certains,
il y a des vies qui ne sont pas dignes d’être vécues et qui, pour cette raison, doivent être éliminées. Là,
la cruauté se met en scène comme la face sombre de la violence, mais cependant, elle produit des effets
attendus.
Pour conclure, à titre d’illustration il est pertinent de se rappeler des fabriques de meurtre du
XXe siècle qui sont encore en activité, mais plus sophistiquées pour qu’elles reflètent le progrès du
temps où nous vivons. Les camps de concentration ont produit les formes de terrorisme avec l’assassinat
en masse sans que la construction d’un lieu soit nécessaire, car on se tue sans discernement. Voici ce
que nous pouvons penser sur les icônes du capitalisme, les tours de World Trade Center, en tant que
86
de vrais sarcophages humains, d’après Baudrillard (2004), ont été transformés en usines de la mort
sans que personne n’aurait jamais imaginé que cela se passer. Les trains produits comme un moyen de
transport ont été utilisés comme instruments de la mort par suffocation, par soif et faim. Et les invasions
de l’Afghanistan et d’Irak, tout en tenant compte du « meurtre israélien et de l’occupation obscène des
territoires palestiniens et des explosions meurtrières des palestiniens contre les femmes et les enfants»
(Fuchs, 2006, p. 32). Il y a aussi le meurtre dans la Communauté d’Acari et celle des garçons devant
l’église de Candelária dans la ville de Rio de Janeiro. Ces événements et d’autres encore sont de vrais
traumatismes qui assaillent l’homme de nos jours de façon que nous puissions dire que nous vivons une
ère d’un traumatisme sans précédent avec l’apogée de la culture de la mort et de la dévaluation totale de
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Vol. 6, Nº 3journal homepage: www.revistaagendasocial.com.br ISSN 1981-9862
A éTICA DO TRABALHO E DAS RELAÇõES INTERPESSOAIS NA ORGANIzAÇÃO DO TRANSPORTE INFORMAL DA METRóPOLE DO
RIO DE JANEIRO
THE ETHICS OF WORk AND INTERPERSONAL RELATIONSHIPS IN THE ORGANIzATION OF INFORMAL TRANSPORT IN THE METROPOLIS OF RIO DE JANEIRO
Hernán Armando Mamani 1
1 Doutor em Planejamento Urbano e Regional, Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense.
PALAVRAS-CHAVES Transporte Informal, Mercado de Trabalho, Empreendedores Populares
Este artigo descreve e interpreta as relações de trabalho e a organização da produção do transporte informal da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, tendo como objeto relatos e histórias de vida de motoristas de “vans” e “kombis”. Nos referidos relatos, proprietários de veículos e presidentes de cooperativas apresentam suas relações de trabalho e produção, bem como seus vínculos com a política municipal e estadual, como relações pessoais. O presente trabalho sustenta que, antes que “atraso” e “clientelismo”, esse fato expressa uma “racionalidade” econômica e política relacionada a valores, ancorada num ethos e uma ética de empreendedores populares.
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KEY-WORDS Informal Transport, Labor Market, Popular Entrepreneurs
This article describes and interprets the work relations and the organization of Rio de Janeiro’s Metropolitan Region’s production of informal transport, having reports and life histories of “vans” and “kombis” drivers as the object of study. In these reports, vehicle owners and Cooperatives Presidents present not only their work and production relations, but also their associations with State and Municipal Government as personal relationships. This paper argues that, more than an old-fashioned position and an example of “clientelism”, this fact expresses an economic and political “rationality” which is related to values and anchored to the ethos and the ethics of informal entrepreneurs.A
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2 Analiso aqui treze entrevistas. Uma sinopse da amostra pode ser vista no quadro 1 do apêndice. 3 Categoria nativa que se contrapõe a piratas ou clandestinos.
Introdução
Neste artigo, proponho descrever e interpretar as relações de trabalho e a organização da produção
do transporte informal da Região Metropolitana do Rio de Janeiro a partir de relatos e histórias de vida
de motoristas de “vans” e “Kombi”. A pesquisa de campo foi realizada entre os anos 2002 a 2004 e foi
fundamentada em observação, entrevistas e levantamento e análise de documentação. Considerando o
material coletado, exporei a observação que se destacou no trabalho de campo: no transporte informal
do Rio de Janeiro, proprietários e presidentes de cooperativas apresentam suas relações de trabalho e
produção como relações pessoais - relações de parentesco ou amizade, quando positivas, e inimizade
e ódio, quando negativas. Os mesmos termos caracterizam as relações das cooperativas e federações
de cooperativas com as autoridades municipais e estaduais. Este fato, interpretado como “atraso” e
“clientelismo” nas abordagens econômicas e técnicas, expressa uma “racionalidade” econômica e política
específica evidenciada na pesquisa de campo realizada no âmbio de minha Tese de Doutorado. Com
efeito, apresentarei tal racionalidade com relação a valores, destacando o ethos e a ética destes atores –
que denominei de empreendedores populares.
No referido contexto, quando os municípios e o estado do Rio de Janeiro realizavam a regularização
do Transporte Informal, as questões que norteavam a pesquisa eram simples: o porquê da expansão na
década de anos 90, dado que carência de transportes ocorre há muitas décadas no Rio de janeiro, e
o porquê dessa expansão ter impulsionado um forte movimento pela legalização, o que nunca tinha
acontecido, ou pelo menos não acontecia desde 1930. Essas perguntas levavam a sondar qual era a
relação desses fenômenos com o mercado de trabalho e com a cidade, pondo em dúvida a fácil relação
com a desregulamentação neoliberal e a promoção do empreendedorismo e da cidade global.
1. Tipo de Informais e Formas de Circulação
As entrevistas1 tinham como ponto de partida a percepção das causas da expansão do transporte
informal nos anos 90. Proprietários, motoristas e presidentes de cooperativas afirmavam, invariavelmente,
que o “transporte alternativo2” não era novidade. As “kombis” interligavam o centro do bairro até a sua
periferia na Zona Oeste desde os anos 70. Atuavam, também, nas favelas planas, sendo pouco expressivas
em outras áreas. Beneficiavam-se da falta de serviço e do não cumprimento de horários por parte das
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empresas de ônibus. Já na década de 90 - antes da expansão das “vans” – os ônibus “piratas” interligavam a
periferia ao centro da cidade. A circulação de “vans” teria iniciado mais tarde, por volta de 1994, realizando
o transporte de turistas e fretamentos3, e a partir de 1995 “lotadas”. Inseriram-se numa brecha deixada
pelos ônibus, por ocasião do colapso do sistema ferroviário, metroviário e da CTC – do sistema público de
transportes – que antecedeu à privatização desta última, atendendo passageiros inicialmente dos Subúrbios
ao Centro e, logo depois, da Baixada ao Centro.
Além da cronologia, os termos “vans”, “Kombis” e ônibus “pirata” definem diferentes formas de
circulação na cidade. As primeiras operam, majoritariamente, em trajetos curtos, conectando um subcentro
a um bairro periférico, enquanto as demais realizam, predominantemente, a conexão radial em direção
ao centro da metrópole. As “vans”, que atuam no município sede, atenderiam à classe média, enquanto
kombis, “vans” e ônibus da periferia atenderiam ao “povão”.
A organização do trabalho não difere muito entre as três categorias e assemelha-se a dos ônibus ou
táxis que se constitui de proprietários, motoristas auxiliares, cobradores, fiscais e chamadores – denominados
papagaios. Na cidade, os locais de chegadas e partidas - “pontos” - podem ser controlados por um “dono
de ponto” ou podem ser garantidos por outros arranjos de grupos de motoristas ou de Cooperativas. Aliás,
a Cooperativa - que aglutina operadores isolados por áreas da cidade e serve de instância de solução de
conflitos internos e regionais - é um aspecto inovador do transporte informal da década de 90 (no caso das
“vans” e das kombis). As cooperativas organizam-se através de Sindicatos e Federações. Em janeiro de
2002, no Estado do Rio, opunham-se a Federação de Cooperativas de Transporte Alternativo do Rio de
Janeiro (FECOTRAL), a Federação do Rio de Janeiro de Janeiro de Transporte Alternativo (FERTALRio) e
a Federação de Cooperativas de Vans (FECOVAN), o Sindicato de trabalhadores do Transporte Alternativo
(SINTRAL) e ainda a Confederação das Vans (CONVAN ), expulsa da FECOTRAL.
Quanto às causas da proliferação do transporte informal e da politização do tema ao longo dos anos
90, era enumerado o desemprego, originado na crise industrial, no enxugamento da máquina estatal e aliado
à carência de transportes; bem como uma política econômica que possibilitou a oferta e compra de veículos
capazes de atender à demanda de rapidez e conforto de consumidores dispostos a pagar, um pouco mais
caro, por “vans”. Seria um transporte duplamente alternativo: uma alternativa de trabalho e uma alternativa
de transporte. Os proprietários de “vans” e “kombis” eram trabalhadores desempregados, que aplicaram
seu capital num veículo que serve de única fonte de rendas da família. Alguns outros eram funcionários
públicos e até mesmo profissionais liberais – de classe média - que usam o veículo para complementar a
renda, ou como alternativa de investimento de rápido retorno, no caso dos ex-funcionários estatais. Os dois
3 Transporte de pessoas para fins específicos com data e passageiros pré-determinados. O transporte de passageiro análogo ao do ônibus recebe o nome de “lotada”.
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4 Na linguagem nativa: “tocar o dinheiro”.
movimentos conjugados culminam na saturação do mercado e no aumento da concorrência com ônibus
e taxis, levando à luta pela legalização ente 1996 e 1997.
2. - Valores mobilizados para explicar a atuação na economia informal
Independente da hierarquia estabelecida, entre os operadores de “kombis” e “vans”, ambos os grupos
afirmaram ter vivenciado uma grande transformação dos mercados de trabalho. A descrição de trajetórias
e das decisões que os levaram ao transporte informal – que se sustenta na busca de estabilidade, autonomia
e renda maior - segue parâmetros similares. Tais grupos argumentam mediante uma lógica econômica que
se orienta conforme certo senso de dever comum a todos – o dever para com o dinheiro e o patrimônio
familiar, o qual, como mostrarei a seguir, pode ser reconhecido como um ethos social e uma ética.
2.1 - Deveres para com o Dinheiro
Efetivamente, o senso de dever em relação ao crescimento do volume de investimento, é identificável
tanto entre proprietários de “kombis” quanto entre os de “vans”. De fato, é o volume de dinheiro investido
nos veículos que estabelece a hierarquia a que me referi anteriormente. Tal hierarquia é confirmada
quando a diretora de linha da Zona Oeste n.º 1 “sonha” com a possibilidade de renovar gradativamente
sua frota de “kombis” até chegar a “vans”.
Essa hierarquia fundamenta-se, objetivamente, em possibilidades econômicas bem calculadas,
nas quais se considera a rentabilidade possível do investimento realizado, estabelecida pela relação entre
investimento e possibilidade de retorno4, o que me foi explicado nos seguintes termos:
Um operador de “Kombi” não pode pretender cobrar o mesmo que uma van, já que seu custo e
condições de circulação são inferiores as observadas em outras modalidades de veículos, isto é, na visão
nativa, relaciona-se – mediante o cálculo de rentabilidade - as condições de produção – tecnologia e
A gente quer ter uma van, e depois se legalizar, implantar aquilo, ou o microônibus, eu acredito quer todo mundo vai trabalhar um pouco mais para conseguir seus objetivos (Diretora de Linha de Cooperativa da Zona Oeste nº 3).
...vou explicar o por que: a kombi é um custo mais barato. Eu fiz um acordo, há meia hora atrás, e fechei por 21 mil reais. Tem “kombis” que custam R$42.000,00. Vai trabalhar por R$ 1,00 então não dá. (Diretor de linha Cooperativa da Zona Oeste nº1).
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organização – às possibilidades de consumo: ao preço que seus clientes poderão pagar.
No mesmo cálculo, está embutida ainda a possibilidade do aumento da frota, ou de passar de
“Kombi” para a “van”, ou mesmo chegar a formar uma “frota de veículos” de maneira que, somados, um
pequeno investimento e muito trabalho culminem em avanços e melhorias.
Em dezembro de 2001, o diretor de linha acima citado possuía duas “kombis”, uma delas nova,
financiada com a venda de uma Kombi 1991, que o permitiu dar uma entrada de R$ 5.000, 00 e pagar 36
parcelas de R$ 630,00.
Com esses dados é possível concluir que o transporte informal é rentável, o que explica a afirmação
da Diretora de Linha de Cooperativa da Zona Oeste de “não querer parar”. Isso nos permite entrever um
“dever”6 comum de fazer crescer o próprio patrimônio, como pode ser percebido no seguinte trecho de
entrevista publicada na revista Veja de 19 de março de 1997.
A supramencionada dona de casa, que havia comprado uma towner7 a crédito, esperava a prosperidade
no futuro. Há um projeto comum de prosperar trabalhando. Os procedimentos para a realização desse
projeto - que, ao contrário do que habitualmente8 se pensa, não atingem apenas trabalhadores pobres –
demandam que se abra mão de diversos recursos para atingi-lo, como ilustra a trajetória mal sucedida
apresentada a seguir:
A gente sempre caiu dentro - eu e o meu marido - não é à toa que a gente é cheio de carro, a gente sempre caiu dentro. Agora é que eu dei uma paradinha. Eu, ele, não. Para resolver um lado da cooperativa também. Mas ele caiu dentro. Porque ele é o motorista. Mas é o que eu falei, comecei com um carro bem velhinho, aos poucos fui dando aquele passo, igual a neném quando começa a andar, e não pretendo parar. Como ninguém, com uma kombi5 (Diretora de Linha de Cooperativa da Zona Oeste nº 3).
O dinheiro que eu peguei como metalúrgico eu comprei uma kombi 79 para trabalhar. Então a gente já viveu isso. (Diretor de Linha de Cooperativa da Zona Oeste nº 1).
Estou só no começo, quem sabe ainda não vou ter uma frota de Topic (Cristina Pinheiro, dona de uma Towner 44, dona de casa) (ALVARENGA, 1997)
Em três anos espero que tenhamos uma frota de quarenta “vans” (Ana Paula Capiós. Professora, proprietária de Van da Barra da Tijuca).
4 Atenção à metáfora: dos passos infantis...6 Friso a noção de dever, pois manifesta a vigência de uma ordem que nos sentido de Weber, pode ainda evidenciar uma ética, isto é uma ordem garantida internamente, em valores internos e sentimentos de dever. (WEBER, 1982. p.22)7 Veículo de 8 lugares fabricado pela Asia Motors 8 Lautier por exemplo
Mas nesse processo, demorado de legalização perdi uma van. O carro deu problema, eu fiquei desassistido. O carro era usado, mas era um carro caro, o investimento de 25 anos, de uma vida. A minha ideia era trocar a iniciativa pública pela privada. Porque eu não queria me aposentar pelo serviço público. Aquilo ali é uma coisa que precisa ser pensada. Ali tem algumas pessoas que botam um paletó, dizem para você vestir
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Os valores que pautam a argumentação são a busca da autovalorização, do respeito e da renda
adequada, mas, também, da autonomia. A meta é uma aposentadoria melhor. Mas alcançar este “futuro”
dependia da legalização do transporte, que, se obtida, permitiria dar o “pulo do gato”.
Esta figura de linguagem popular resume a expectativa de que na ocasião em que surgir a
oportunidade de atingir um objetivo é preciso agir adequadamente, senão a oportunidade escapa. A esta
postura de maximização das oportunidades denominarei tática9, ou seja, complementar as estratégias,
concebidas como modos de agir para atingir um fim.
Neste caso trata-se de atingir estabilidade ou autonomia, que cada um alcança ou poderia alcançar
através de variados recursos10, já que parte de condições de origem diferentes, o que um diretor de linha
de kombi resume assim:
Cada um à sua maneira “tem que correr atrás”, como mencionado anteriormente na citação de um
diretor de linha, ou mesmo “se virar para viver” – estas frases iluminam um aspecto ético e moral das
práticas dos trabalhadores urbanos. Para viver, não é possível esperar pelo governo, nem que ninguém
faça por nós: temos que “fazer por onde”. Esta é a uma versão popular do “ajuda-te a ti mesmo”. E nesta
ajuda, neste merecer, é legítimo usar o recurso de que se dispõe. Trata-se, ademais de um princípio de
avaliação ampla, que deixa vislumbrar um conjunto de valores que conformam o viver. O significado de
“viver”, que obviamente é mais que o mero subsistir, permanece, entretanto, obscuro.
3. – Repertórios de valores e projetos implícitos
Os deveres para com o patrimônio e a valorização da autonomia articulam-se em cada caso a uma
...o povo também sabe, está chegando a conclusão do seguinte. Vamos dizer assim, que tem que se virar, que tem que viver. Então você vai com uma kombi para a rua, ele vai com uma van, eu vou vender um churrasco (Diretor de Linha de Cooperativa da Zona Oeste)
9 Ver Certau (1994).10 Se estratégias não mudam com variações do mercado de trabalho, como afirmam Lautier & Pereira (1994) são, contudo, motivo de reavaliação avaliação.
a camisa, dão gratificações, trazem amigos e amanhã muda, e é outro fazendo pressão. Você fica com cara de funcionário de carreira. Então eu não acredito no serviço público. Só acredito na cúpula, está ali em cima e sabe o que quer. Acredito sim, que se houvesse uma flexibilidade para repensar essa situação, então eu queria mudar a minha atividade. E perdi a van justamente por isso. Perdi a van, na época a gente moveu um processo contra um grupo daqui de dentro, muito tendencioso, só pensava em causa própria, fizemos uma proposta séria, acreditando na legalização e acreditamos que agora com esse passo, nós vamos dar o pulo do gato. (Diretor de Cooperativas de Grande Niterói)
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11 Os 40 anos de idade aparecem como referência para a inflexão profissional destinada a obter maior estabilidade e/ou a aposentadoria, associada a outra atividade, como uma das formas de realização. Algo semelhante ao apontado por Lautier (S. D, p. 3). Essa inflexão faz parte do modelo analítico de Machado da Silva (1971).12 Tomo como referência neste caso a noção Modus operandi ou habitus, segundo Bourdieu (1989) que assume a forma de projeto implícito.13 Trata-se de uma ética do empreendedor diferente da ética protestante embora lhe seja análoga, em muitos pontos, na medida em que incorpora a sorte.14 Ou capitais para usar os termos de Bourdieu (1989).
avaliação das possibilidades individuais e da idade11. Mas estes cálculos não têm como sujeito o simples
indivíduo: a família é o núcleo central dessas estratégias. De fato, a família, o patrimônio e os deveres para
com estes representam um momento significativo dos discursos.
Ouvi de uma liderança da categoria, numa reunião com vários presidentes de cooperativas a
seguinte frase: “A gente faz tudo pela família e o patrimônio”. O comentário foi sucedido por varias
manifestações de assentimento. Essa frase, na boca de um homem, resume o ideal do “provedor”, atribui
à família um valor supremo, capaz de justificar um amplo leque de ações (tudo). Parece-me, ainda, mais
significativa ao observar que foi usada numa conversa com colegas sobre assuntos de trabalho. Permite
inferir que se trate de uma concepção difundida e aceita, de uma ética, capaz de orientar ações. Seria
um elemento valorativo de uma racionalidade referida a valores que orientam as práticas econômicas
no transporte informal. A mesma articulação pode ser também percebida no depoimento do Diretor de
Cooperativa da Zona Oeste, já citado: busca-se construir um patrimônio para o futuro da família, ou seja,
o futuro da família apresenta-se como projeto12.
É notável que esta racionalidade – modo de pensar – seja de um tipo diferente, não meramente
instrumental, como se atribui, habitualmente, ao tipo de empreendedor individual e ao empresário, que
manteria a rápida separação de entre as esferas profissional e familiar. Estas práticas pareceriam articular,
à esfera econômica, elementos valorativos da esfera doméstica, vínculos entre familiares e amigos.
Família e patrimônio, nos depoimentos, revelam elementos visíveis de uma ética que estipula
o dever de velar por ambos. O zelo no cumprimento do dever iguala moralmente os empreendedores13,
conformando um conjunto vasto de práticas. A ética identificada é parte integrante de um ethos social que
não se afirma pela busca de um estatuto, como afirmam Lautier & Pereira (1994), senão por algo mais
próximo ao que tradicionalmente se denominou mobilidade social ascendente. Constitui-se um projeto
implícito, em que se abdica de um conjunto variado de recursos14, que não são unicamente relativos
ao trabalho, já que a família é o centro da ação. Essas estratégias, por outro lado, não se alteram com
variações econômicas temporárias, mas que comportam mudanças no sentido da ação e longos períodos
de busca. Pode tanto valer-se de uma rede de contatos interpessoais, como passar pela educação ou pelo
financiamento familiar, conformando trajetórias intergeneracionais.
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15 A noção de busca e realização, posteriormente ao achado do lugar... Apresenta grande analogia com a noção de vocação. 16 A inserção em atividades informais, ao contrário do que, normalmente, se pensa não é fácil exige a inserção em redes sociais e a disposição para fazê-lo.
3.1 - Estratégias Intergeneracionais
As trajetórias intergeracionais supõem investimento em educação, tendo como objetivo obter um emprego
valorizado no mercado de trabalho. Essas trajetórias estão, também, sujeitas a inflexão e a alteração como
mostra o depoimento da Presidente de Cooperativa da Grande Niterói:
Neste caso a estratégia inicial esteve dirigida à formação educacional e visou à obtenção de um
emprego público, sendo reavaliada numa busca que levou a outro caminho: firmar-se como liderança de
classe e fundadora de cooperativa.
O investimento em educação demanda algum tipo de apoio familiar (a família como unidade
reprodutiva) sem que o sucesso esteja, necessariamente, garantido, como ilustra o depoimento do Diretor
de cooperativa da Zona Oeste.
Nesse caso, o investimento em educação destinado a garantir que o filho pudesse se integrar à indústria
metalúrgica como operário qualificado, fracassou por conseqüência de transformações econômicas. Esse
episódio aponta para um dos riscos da estratégia educacional: a defasagem entre o momento em que se
projeta e em que se realiza o investimento em educação e o momento de seu retorno através de um posto
de trabalho. Nesses casos, quando as estratégias falham ou sua efetividade é limitada pelas transformações
econômicas, o trabalho não formalizado – o transporte informal neste caso – apresenta-se como uma
alternativa. Uma alternativa16 ao desemprego, como posto pelo Diretor de Linha de Cooperativa da Zona
Oeste nº1, em trecho citado anteriormente, que repito aqui.
Olha, se você for ver. Eu fiz na UFRJ, dois anos de Farmácia. Depois saí para Direito e não acabei. A primeira vez que eu entrei na UFRJ foi para Engenharia Química. É aquele negócio. Eu estava tentando... ( Presidente de cooperativa da Grande Niterói)
As tentativas nos vários cursos correspondem à expectativa de uma posição ou lugar social que permita realizar o projeto implícito do que antes falava15.
Eu fazia faculdade e [...] era funcionária pública da Secretaria de Educação. Aí pedi demissão, porque o meu cigarro, a minha passagem era o ordenado todo. Eu saí em 1993. Aí fui trabalhar na Banana Boat que depois legalizou, e eu saí. Aí entrei no transporte. (Presidente de cooperativa de Grande Niterói)
O meu filho já está dirigindo kombi. Junto comigo. Ele tem 24 anos, ele fez 2º grau só, fez técnico em mecânico industrial. E a única coisa que ele conseguiu foi fazer um estágio. E assim mesmo porque eu tinha conhecimento e consegui esse estágio para ele. E de lá para cá, deixou currículo em vários lugares e não conseguiu. . Porque também não tem uma experiência. Porque no Brasil é o seguinte: o que conta mais para eles é a experiência até um determinado ponto. Daí para frente a experiência passa a não contar mais. Não é? Porque aí o cara com 40 anos já é considerado velho para o trabalho no Brasil. Aí o cara velho, cheio de experiência só que não serve mais. Só que quando o garoto tem 21 anos e ele ainda não tem aquela experiência, aí eles pedem. E o cara esbarra nisso aí. Então esse meu filho está nessa aí. E vários outros garotos novos que também trabalham no transporte alternativo aí porque não tem uma outra opção. (Diretor de Linha de Cooperativa da Zona Oeste nº 1)
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Estratégias não mudam do dia para a noite, pois supõem investimento e cálculo de longo prazo.
Elas sofrem, contudo, restrições quanto à possibilidade de realização. Quando não são bem sucedidas,
entram em jogo as tentativas de reconversão e a inserção em redes sociais. Em verdade, (a possibilidade de
reconversão e) as estratégias são parte integrante do que denomino, aqui, ethos do empreendedor popular
urbano. Num primeiro e decisivo momento aciona-se a rede familiar e social (em que está inserida) para
ingressar no mercado de trabalho, como mostrarei a seguir.
3.2. Estratégias Presentes: A Rede, a família e os amigos
Como já é fato bem conhecido, a inserção numa rede social é de fundamental importância para
ingressar em mercados de trabalho, e isto não vale apenas para os jovens. Recorre-se à rede social em todo
momento de inflexão de trajetórias, como terei oportunidade de mostrar logo a seguir. Independentemente
da idade, a família constitui ou pode constituir um ponto de apoio para ocasiões difíceis. O Presidente
da Cooperativa da Baixada Fluminense, cujo depoimento por razões técnicas não posso citar, contou em
entrevista que, ao terminar seu mandato de vereador de um município da Baixada Fluminense, não tendo
sido reeleito e pertencendo a um partido de oposição, recebeu empréstimo de um primo para adquirir uma
van.
No entanto, a rede de relações aparece nas entrevistas, por vezes, de forma pouco clara como
exemplificam frases, “um amigo me chamou”, “me disseram”, “fui apresentado”. Tais afirmações
permitem inferir que, para ingressar no transporte informal é preciso “ter conhecimento”, tal como relatou
o Diretor de Linha da Zona Oeste nº 1.
Ter conhecimento tanto pode significar possuir contatos pessoais quanto deter informação e
recursos. A explicação da decisão de formar uma cooperativa, fornecida pela Presidente de Cooperativa
da Grande Niterói, e a expressão “ter visão”, utilizada pelo Presidente de Cooperativa da Zona Suburbana,
provam que as redes não são horizontais e que o ingresso em uma delas acontece de acordo com a
informação que se dispõe e, obviamente, do capital, na forma de bens e, principalmente, de habilidades
e controle territorial. (“donos de ponto” e “donos de garagens” são capazes de controlar a repressão e
permitir o ingresso na operação do transporte informal17).
O desemprego diminuiu no Rio. E por que? Porque abriu vaga para mais “kombis”. Abriu para 20 mil pessoas, empregos. No transporte. Então isso é muito importante também. (Diretor de Linha de Cooperativa da Zona Oeste nº 1)
17 Na cooperativa, a figura principal é o presidente e entre estes, são os que se dedicam à política sindical.
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O topo dessa rede é controlado por investidores – capitalistas locais. O investimento, principalmente
em “kombis”, por parte de comerciantes, constitui uma prática corrente18. É comum, na imprensa, a
referência à ”máfia das vans”, o que indica o fato de serem usadas para lavagem de dinheiro do tráfico. Há
possibilidade de este fato ser verdadeiro, mas, ao que tudo indica, o investimento no transporte informal
é uma prática muito estendida – mesmo entre a classe média – e o mesmo ocorre com táxis. Trata-se,
de todo modo, de um investimento enraizado no lugar – sem corresponder à busca de uma rentabilidade
abstrata – fundado em redes localizadas, formas de dominação, alianças e subordinações. Os capitalistas,
os poderosos, ou “outros” com posições sociais mais elevadas ou melhor posicionados são, portanto, os
que controlam a rede social que sustenta a expansão do transporte informal.
4. é possível Falar em ética?
Considerando-se o que foi exposto, depreende-se a existência de uma dimensão imaterial da ação,
de uma ética do empreendedor popular, que conduz a uma espécie de sentimento de dever para com o
crescimento do patrimônio familiar, pela inserção em uma atividade rentável. Não se trata, então, da ética
protestante, embora seja perceptível a sua filiação cristã. Encontra-se estipulado o dever de “se virar”,
com os recursos disponíveis. Não se trata, também, do profissionalismo individual burguês, já que esta
ética tem a família e os amigos como referência central.
De fato a família assume, ao menos nas representações reconhecidas pela pesquisa de Tese, uma
posição central. A família constituiria o lugar definidor das estratégias. Ela é o ponto de capitalização
de ganhos e legitimadora das ações; servindo, simultaneamente, de pólo articulador de estratégias
intergeneracionais e de flutuações etárias. Quanto a estas, os dados confirmam, não apenas a existência
de clivagens etárias, mas também que os 40 anos de idade, constituem uma referência importante para a
estruturação de um projeto que visa à autonomia profissional, além do fortalecimento da família, de modo
a assegurar uma velhice tranqüila. Há então, de um modo geral, a busca de estabilização da trajetória
profissional no que concerne à posição - como ensinara Machado da Silva (1971) - sem perder de vista
as oportunidades ou, aliás, buscando maximizá-las. Por outro lado, como complemento das relações
familiares, a construção de redes é também indispensável. Trata-se de relações que, tomadas como
amizade ou ódio, determinam a posição socioeconômica, que, como se verá, permeia todas as relações de
trabalho.
18 Como um dono de bar nas cercanias da rua Riachuelo, no centro da cidade, dono de 4 kombis que realizam lotadas para os bairros das redondezas.
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4. 1. - Relações de Trabalho: redes e cooperativas
As cooperativas de proprietários formaram-se, inicialmente, como uma articulação de proprietários/
operadores de uma mesma linha. Posteriormente, objetivando a legalização, segundo um padrão de
eficiência empresarial, organizaram-se em cooperativas.
A mesma postura de busca da eficiência pode notada ser entre outros presidentes de cooperativa
entrevistados.
A presidente da Cooperativa da Grande Niterói, fazendo referência à rede, informa que a organização
em cooperativas
Como já foi dito a referida fundadora de Cooperativa participou de um curso de formação de
cooperativas de transporte realizado em Rio das Ostras pela COPPE/ UFRJ. Contudo, e com base nessa
experiência, a presidente afirma que, dada à natureza da operação, a cooperativa não corresponde exatamente
àquilo para o que foi orientada durante a formação recebida.
As pessoas, primeiro, se organizam em linhas, depois em cooperativas. Bom, esta daqui... Primeiro se formou, depois que se criou cooperativa. [...] Tem uma lei federal que rege o cooperativismo, tem que ter vinte pessoas para criar, tem que ter o capital social mínimo. Você registra, tem que tirar alvará, CGC e você tem que estar filiado a Organização das Cooperativas, a OCERJ. Quando a gente viu a perspectiva de regulamentação, a gente resolveu colocar tudo em dia, por que é o seguinte, é sair de baixo do nível do caranguejo da lama e dizer: porra! To começando a ser cidadão! Porque a gente nunca se negou a pagar os nossos impostos, nada disso. Quando a gente viu essa possibilidade a gente começou a colocar tudo em dia. Por que qual o sentido que tinha se não tinha essa possibilidade, não é? Qual o sentido que tinha? E aí entenderam. O que é isso? Não, agora a gente pode, vamos botar o pessoal de fora, vamos regularizar nossas linhas, vamos botar um contador direto aqui dentro.Nós estamos caminhando na verdade para que a cooperativa se torne uma empresa cooperativada, uma cooperativa-empresa, gerenciando linhas, então, por exemplo, não existe aqui o dono do ponto, não existe na Cooperativa da Zona Oeste. Primeiro, uma cooperativa é bom, [...] firma convênio com uma empresa por fora, estágio, convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, que tem um departamento como a COOPE que é reconhecido internacionalmente, para gente é como pegar uma medalha de primeiro lugar e colocar na parede. (Diretor de Cooperativa da Zona Oeste)
A gente estava na rua e a gente começou na rua: a gente começou a ter uma visão de empresa. Eu vim de uma empresa, a maioria das pessoas veio de uma empresa. (..) Foi por que a gente sentiu a necessidade de trabalhar com empresas e a gente dava uma nota fiscal: ou você abre uma empresa para você ou trabalha num sistema de cooperativismo. Por isso foi escolhido o cooperativismo. Quer dizer, as pessoas se cooperativaram pelo simples motivo de ter que entregar uma nota fiscal para entrar numa empresa, para levar gente para o trabalho e não sei que. Só que a gente cresceu e se estabeleceu com qualidade. Hoje a Riovan não tem nenhum interesse em linha. A gente trabalha no Shopping, por exemplo, no corredor de 12 pessoas no Shopping, a gente trabalha em faculdades: PUC, UNIG, Gama Filho. A gente trabalha com transporte de alunos. Com empresas, com gravadoras. (Presidente de Cooperativa da Zona Suburbana).
...começou esse negócio de legalização: “Vai ter legalização, mas vai ser por cooperativa”. Desde aquela época falavam isso.
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Olha, sinceramente a cooperativa de transporte alternativo nada mais é do que uma empresa, estilo de ônibus, só que com microônibus, no estilo das vans, aonde tem vários donos. É uma empresa. [...] Porque o lucro é individual. A organização é como uma empresa mesmo de ônibus. Só muda que não se concentra o lucro em um dono. Se rateia. [...] A organização nossa é, ela é muito, bem..., vamos dizer, capitalista (Presidente de Cooperativa da grande Niterói).
Em suma, as cooperativas formadas no bojo da expansão do transporte informal são um instrumento
de institucionalização das práticas envolvidas, tendo por objetivo a legalização e administrando o transporte
à maneira de uma empresa. Isto vale, até mesmo, para cooperativas de fachada ou cooperativas que
formalizam um ponto, cujo “dono” converte-se em Presidente da cooperativa19.
As relações, ao longo dessas redes, apresentam-se, nos depoimentos, sobretudo como relações
pessoais. Entretanto, com as cooperativas, estas relações adquirirem alguns aspectos ou formas institucionais,
na medida em que os pontos hierarquizados da rede organizam-se como uma cooperativa de proprietários,
regida por estatutos e chefiadas por uma direção eleita, composta por um presidente e uma diretoria que
aufere um pró-labore.
A institucionalização da rede deixa fora um número razoável de pessoas, como pode ser visto nos
gráficos que seguem.
19 É interessante frisar que formação de cooperativas gozou de bastante apoio institucional.
Gráfico 1- Organograma da Cooperativa da Grande Niterói
Fonte: Pesquisa de Campo – 2003
(1) Prancheta: aquele que registra chegadas e saídas nos pontos.
100
Gráfico 2 - Organograma da Cooperativa da Zona Oeste
Fonte: Pesquisa de Campo, 2003
O organograma de uma cooperativa é muito simples, se comparado ao de uma empresa. Compõe-
se basicamente de três diretores e um gerente. Aos diretores correspondem as funções administrativas,
financeiras e comerciais, enquanto a operação do serviço é controlada pelo gerente de caixa. Habitualmente,
os diretores são membros da própria cooperativa, como representado no gráfico 1. Contudo, no caso da
cooperativa da Zona Oeste a direção é terceirizada20 (ver gráfico 2).
Quanto ao controle nos pontos, a sua execução é variável. Enquanto na cooperativa da Grande
Niterói, são os “Pranchetas” – cooperados não proprietários – que realizam a fiscalização nos pontos, na
cooperativa da Zona Oeste são os despachantes, existindo ainda, uma outra função na organização, que é a
de Diretor de Linha: cargo correspondente ao fundador da linha que zela por ela21.
Outro aspecto interessante desta institucionalização em forma de cooperativa, é que a figura do
presidente adquire extremo destaque, por acumular os papéis de fundador da cooperativa e de protetor da
mesma, por ter enfrentado a antiga diretoria. Enfim, a figura do presidente inspira respeito aos cooperados,
sendo ao mesmo tempo a cabeça visível nas lutas pela legalização e nas várias organizações de presidentes,
que lideram o movimento pela legalização.
Segundo o presidente de Federação de Transporte Alternativo do Estado do Rio de Janeiro
20 Observei esta forma de organização apenas nesta cooperativa.21 Existe também o Inspetor, cooperado não proprietário que atua como segurança e informante em casos de fiscalização quando se trata de linhas ou veículos irregulares.
101
Como existem cooperativas, também, que são donas de ponto. Aí no caso, não é a cooperativa em si. É o presidente que é o dono do ponto. A arrecadação do ponto vai toda para ele. É uma coisa meio camuflada, eu não consigo, na minha concepção de cooperativa, ver ou usar uma empresa para ser dono da rua” (Presidente de Cooperativa da Grande Niterói).
Na central, na verdade é uma empresa que montou e alguém foi lá e se associou a ela, aqui não: a cooperativa gerência”. Diretor de Cooperativa da Zona Oeste)
...o cara não tem compromisso, não tem compromisso em organizar, não tem compromisso em construir, você pára no ponto, paga a ele e vai embora e roda e qualquer um pode rodar. Na cooperativa, na Cooperativa da Zona Oeste, quem trabalha naquela linha trabalha naquela linha. O ponto é só um referencial (Diretor de Cooperativa da Zona Oeste).
É aquele negócio. Se você for a outras cooperativas, [...] aí você vai ver que tem segurança em cada ponto. Nós aqui não trabalhamos assim. É justamente acho que pela formação que eu tive lá na COOPE, de ser bem democrático, bem...Foi, fui eu que fundei. E eu fui reeleita o ano passado. Agora na última assembleia eu tive uma prorrogação do meu mandato por mais quatro anos. A gente aqui é bem democrático. Nós por exemplo, ganhamos as linhas. Aí eu tenho as linhas, nós ganhamos e há quantidade de veículos. E até para decidir quem ia ficar com as linhas eu fiz assembleia. O critério foi definido pela maioria, tudo meu é assembleia. A influência de um presidente num curso de cooperativismo é completamente diferente daquele presidente autoritário que acha que isso é a minha empresa, que a cooperativa é minha” (Presidente de Cooperativa de Grande Niterói).
Nós éramos da FECONTRAL, só que existe, eu na minha concepção, das outras seis cooperativas que fazem parte da nossa federação..., como é que você pode fazer parte de uma mesma federação com outras cooperativas. Você fere totalmente os seus interesses. Você pode, como é que eu vou sentar com você, você vem com a sua cooperativa e bota na minha, me desrespeitando e eu vou sentar com você para ser sua amiga.O sindicato do jeito que está, isso eu não quero, porque aí eu vou ter que compartilhar mais duas linhas, com duas cooperativas que eu odeio mortalmente eles e eles odeiam a mim. (Presidente de Cooperativa de Grande Niterói)
Esta situação é apontada como ocorrendo em muitas cooperativas que operam nos Galpões da
Central
Enquanto no ponto
22 Por ocasião da pesquisa cinco organizações sindicais atuavam no Estado do Rio. A FETRANS- Rio no município do Rio de Janeiro, A FECOTRAL, a FECOVAN, a CONVAN e a SINTRAL na escala estadual.
(FECOTRAL) “chega-se a presidente por educação, por capacidade, porque ninguém quer o cargo ou
pela força”. As condições são heterogêneas, como aponta o depoimento que segue:
A presidente da Cooperativa da Grande Niterói descreve sua organização como democrática e a
contrapõe a uma cooperativa rival definindo sua direção como autoritária.
A relação entre presidentes se expressa em termos afetivos, cujo estado determina também a
articulação das cooperativas em organizações sindicais22.
Em muitos casos as desavenças, entre não amigos, resolvem-se com violência.
102
Nós éramos dez. Não, minto, 16 depois passou para 10, porque morreu um, o outro foi preso e o outro também morreu. Tudo assassinado. É aquele negócio. Discordar nem sempre é saudável no nosso meio. E a gente faz uma oposição, que nós cuidamos dos nossos interesses mas dentro da legalidade. De repente fere o interesse econômico que não seja de outros. Por isso que nós criamos a Fecovan.” Todos nós, eu estava até falando para o Maurício, todos nós. (Diretor de Cooperativa da Zona Oeste)
Quer ver uma coisa? Aquele muquirana que a gente expulsou agora, que faturou uma grana da cooperativa, tende a falir logo porque tem uma visão muito mercantilista da vida, e a vida não é só mercantil, a vida é outras coisas. (Diretor de Cooperativa da Zona Oeste)
Numa das Cooperativas de Vista Alegre o Robson, esse foi um... Roubou para cacete a cooperativa aqui também. Aqui teve intervenção. Um ano depois não dava mais para gente. O cara me apresentou uma nota fiscal para concertar uma torneira de R$1.500,00. Foi complicado. E ai a gente entrou na justiça entrou na OCERJ. Foi sorte que tinha só um ano de mandato e ai tinha eleição para três anos. Como a gente não conseguiu nada na justiça, ele entrou com uma liminar. Ai a gente decidiu: nós tivemos que partir para uma eleição que é a forma mais correta. Eu já tinha feito um ponto na Graça Aranha, talvez o mais famoso de Van. (Presidente de Cooperativa da Zona Suburbana)
Olha, aqui eu tenho bem mesclado. Tenho proprietários que ficam em casa e escolhem um motorista. Aqui a maioria mesmo é proprietário. Trabalha e utiliza o motorista, o auxiliar porque a gente começa muito cedo, 4:30h, 5:00h. E os motoristas auxiliares, durante o dia, para ele pegar à noite, de novo. A Sara, por exemplo, utiliza o motorista dela. Ela bota o motorista e trabalha com ele, cobrando. Porque ela acha cansativo dirigir. Então existe também, como existem proprietários que dão na mão do motorista, o motorista paga lá, dá o dinheiro a ele. Existem várias (Formas de se relacionar). Existem proprietários aqui que não dão o carro de jeito nenhum na mão de ninguém. É bem variado. Aqui é assim: eu te alugo a minha van. Você tem que pagar o combustível e o óleo. Quebrou?
O mesmo parece ter acontecido no interior das cooperativas.
Praticamente todas as cooperativas ao longo de sua curta história, tiveram diretores expulsos ou
facções e, muitas vezes isto, expulsões violentas.
Em suma, as redes não formalizadas, que deram origem à operação do transporte informal, passaram
por um processo de formalização ou institucionalização ainda inconcluso, preservando muitos traços de sua
origem. Entre eles destacam-se as relações comerciais, que assumem a forma de relações de afinidade ou
rivalidade pessoal.
4. 2. - Relações da Rede não Cooperativada
De qualquer modo, em geral, a cooperativa é uma associação de proprietários que institucionalizam
redes já estabelecidas. Por outro lado, essas associações de pequenos proprietários de veículos, com iguais
direitos, raramente faz uso de mão-de-obra assalariada, abrindo mão de várias outras formas de trabalho
subordinado, de modo que a relação entre proprietário e auxiliar é pessoal e variável.
Pode haver trabalho assalariado, mas é raro. Predomina o aluguel do veiculo ou uma divisão do
faturamento.
103
Na maioria, é o proprietário que arca. Têm alguns que dividem a manutenção com o motorista. E têm outros que deixam a cargo do motorista, que é a pior coisa que tem. Porque - você como motorista - quebrou o carro, tem a peça original e a alternativa que é muito inferior, vai tirar o menos possível do bolso. (Presidente Cooperativa da Grande Niterói)
Mas tem outra coisa que eu acho que é a criação de um mercado novo de profissionais. As empresas falam assim: - os carros das cooperativas estão obrigando a gente a desempregar. Não é verdade, eles cresceram com a frota de ônibus, não é verdade, e muito pelo contrário, eles desempregam e a gente absorve, o que não falta é trocador e motorista vindo aqui, uniformizado, na cooperativa procurando emprego, se cadastrar como motorista auxiliar, por incrível que pareça. Um motorista de ônibus deve estar ganhando uns novecentos reais. E um motorista da cooperativa entre mil reais e mil e duzentos reais.Numa empresa ele nem sabe o nome do dono da empresa ele sabe que o nome da empresa é Joaquim, mas pode ser Joaquim José, Joaquim de Paula, Joaquim... qualquer Joaquim. Aqui não, ele faz o trabalho dele, no final paga a diária para o permissionário, se a relação for de diária, ou percentagem, seja qual for...A relação entre o proprietário e o motorista auxiliar é de livre negociação.[...] A cooperativa agora está intervindo e está estabelecendo, ao contrário do que foi aprovado no nosso congresso nacional, aqui a gente está intervindo e determinando um padrão de percentual. Estamos intervindo porque a livre negociação estava criando problema”. ( Diretor de Cooperativa da Zona Oeste)
A relação entre proprietários e motoristas auxiliares é também motivo de tensões e exige, algumas
vezes, intervenção da Cooperativa nas relações de trabalho.
Em termos gerais, a cooperativa de proprietários recorre a relações de trabalho não assalariadas:
o aluguel de veículo, ou partilha da renda do dia, corresponde a uma porcentagem previamente pactuada,
reproduzindo o tipo de relação existente entre proprietários de táxis e seus auxiliares. A mesma tendência
verifica-se em relação às diferentes funções.
Expande-se a variedade de funções, e conseqüentemente, de relações de trabalho. Por exemplo, em
frente à Rodoviária Novo Rio, opera-se uma função única: os “papagaios”, ou seja, pessoas encarregadas de
atrair e contatar possíveis clientes, levando-os até os veículos que partem com destino a Angra dos Reis ou
Campos. Estes recebem do motorista a quantia de R$ 1,00 por passageiro23.
Concluindo, as relações personalizadas24 existentes em todos os tipos de operadores, proprietários
ou não, até mesmo por seus aspectos éticos, parecem permear todas as relações de produção do transporte
informal na metrópole do Rio de Janeiro. O curioso é que, se os critérios morais são idênticos, as condições
de realização não o são. Entretanto, estes critérios parecem ser instrumentos de legitimação das práticas.
Descrevi os indícios de uma ética do empreendedor urbano que, ao contrário do que normalmente se
pensa, não corresponde apenas aos valores dos pobres. Parece ser o ideal do empreendedor popular, capaz 23 Isso sem contar a rede de troca de vales transportes. Há empresas especializadas na compra e troca de vales transporte. A troca do vale pela passagem ocorre nos pontos movimentados da metrópole. Quem cumpre essa função recebe R$ 0,15 por cada vale de R$ 1, 50.24 É frequente observar motoristas ou cobradores que tratam de maximizar oportunidades. Quebra galho para se estabelecer como auxiliares.
104
de acumular uma considerável fortuna. Os elementos desta ética servem na legitimação das posições e das
relações de trabalho.
Conclusão
A tese de que os valores e a ética moldam o comportamento econômico é clássica e não precisa ser
defendida em ciências sociais. No caso do transporte informal do Rio de Janeiro, diz respeito a tratar de uma
ética do empreendedor popular que o obriga a “correr atrás”, “se virar” e “tocar o dinheiro”, que se traça
como meta à construção de um patrimônio familiar. Esta ética não define apenas uma atitude econômica
isolada, é também adequada à organização econômica em redes. Com efeito, a posição econômica e a
possibilidade de reconversão de estratégias relacionam-se diretamente ao grau de “conhecimento” de cada
ator. Isto é, ao número de amigos que se possui. E o termo “amigos”, neste caso, antes que a pessoas muito
próximas, corresponde a sócios e parceiros que cuidam mutuamente dos interesses individuais, mas não
estabelecem relações simétricas.
A associação por amizades permite uma integração hierárquica em que sócios hierarquicamente
iguais cuidam de interesses comuns e sócios subordinados são também obrigados a cuidá-los e respeitá-los.
Por outro lado, sócios que rompem tornam-se inimigos e inimigos mortais. Os depoimentos são eloqüentes,
mostrando o grau de violência que impera em relação às desavenças econômicas. De igual modo, as alianças
políticas são expressas em termos idênticos de amizades e inimizades.
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WEBER, M. Ensaios de Sociologia. 5a ed. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de janeiro: LTC, 1982.
Cooperativa Nome Atribuído Cargo Tipo operação
Veículo Idade E. Civil Trabalho Anterior
Riovan Cooper Meyer Cooperativa da Zona Suburbana
Pres. Cooperativa
Fretamento Van 40 - 50 Casado Funcionário Público
Riovan Cooper Meyer Cooperativa da Zona Suburbana
Motorista/ proprietário
Fretamento Van 50 - 60 S. I. Funcionário Público Aposentado
Cooperpenha Cooperativa da Zona Suburbana 2
Pres. Cooperativa
Lotada Van 40 - 50 S. I Bancário
Cooper Rio da prata Cooperativa da Zona Oeste Dir. Administrativo
- - 40 - 50 S. I Assessor Parlamentar
Cooper Rio da Prata Cooperativa da Zona Oeste Dir. de Linha Lotada Kombi 40 – 50 Casado Metalúrgico Cooper Rio da Prata Cooperativa da Zona Oeste Dir. de Linha Lotada Kombi 40 – 50 Casado Metalúrgico Cooper Rio da Prata Cooperativa da Zona Oeste Dir. de Linha Lotada Kombi 40 – 50 Casado Motorista de
ônibus Cooper Rio da Prata Cooperativa da Zona Oeste Dir. de Linha Lotada Kombi 30 – 40 Casada Camelô Cooperativa Rio da Prata
Cooperativa da Zona Oeste Inspetor Lotada Kombi 30 -40 S. I. S. I
Cooperitt Cooperativa da Grande Niterói Pres. Cooperativa
Lotada Van 30 - 40 S. I Funcionário público
Cooperitt Cooperativa da Grande Niterói Dir. Financeiro Lotada Van 30 - 40 S. I Funcionário público
Cooper Fluminense Cooperativa da Baixada Fluminense
Pres. Cooperativa
Lotada Van 40 - 50 casado Vereador
Apêndice
Quadro 1 - Caracterização dos Entrevistados
Fonte: Pesquisa de Campo – 2002- 2003
106
Vol. 6, Nº 3journal homepage: www.revistaagendasocial.com.br ISSN 1981-9862
éTICA E POLITICA COMO FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO EM ARISTóTELES
ETHICS AND POLITICAL AS FOUNDATIONS OF EDUCATION IN ARISTOTLE
Giovane do Nascimento 1, Lenilson Alves dos Santos 2
1 Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF); Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana. E-mail: [email protected] Mestrando do Programa de Pós-graduação em Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). E-mail: [email protected].
PALAVRAS-CHAVES Ética, Política, Paideia e Eudaimonia.
O presente artigo tem por finalidade apresentar a relação inseparável entre ética, política e educação no pensamento aristotélico, as quais são costuradas, por assim dizer, pela ideia de eudaimonia ou felicidade. Para Aristóteles, qualquer projeto de cidade deve, necessariamente, partir de uma Paideia que vise formar um cidadão levando em conta sua dimensão ético-política e harmonizando o seu telos ou finalidade individual, com o télos ou a felicidade da polis. R
ESU
MO
KEY-WORDS Ethics, Politics, and Paideia Eudaimonia.
This article aims to show the inseparable relationship between ethics, politics and education in Aristotelian thought, which are sewn together, so to speak, by the idea of eudaimonia or happiness. For Aristotle, any city project must necessarily from a Paideia seeking to form a citizen taking into account their ethical-political dimension and harmonizing your individual telos or purpose, the telos of the polis or happiness.
AB
STR
AC
T
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A educação, sem dúvida nenhuma, é um tema reconhecidamente de grande importância para a vida
humana. Ela significa a necessidade do humano em realizar-se, em todas as suas potencialidades, constitui-
se num mundo que, por sua vez, encontra-se em constante construção. Dessa maneira, a educação é uma
arte humana que visa formar esse indivíduo, tornando-o sujeito cognitivo, moral e sociável. Inerente ao
tema da educação é a questão que se refere ao que podemos denominar de ação pedagógica, uma ação
que consiga abarcar a necessidade de uma instrução, mas, ao mesmo tempo, valorizando a criatividade
individual, uma criatividade não isolada, mas, ao contrário, que visa inserir o indivíduo no mundo social.
Um parâmetro desse modo de educação pode ser encontrado na antiguidade clássica grega. Esta educação
foi denominada Paidéi3 e consistia no processo de formação integral do indivíduo para uma vida coletiva.
Nas inúmeras concepções de pedagogia, a ação educativa sempre se apresentou como um tema em
aberto, pois se sabe da necessidade da educação na formação do indivíduo, mas não se sabe qual a melhor
ação pedagógica para se chegar a uma boa formação.
A teoria aristotélica sobre a educação chegou-nos de maneira fragmentada e para compreendermos
um pouco mais sobre sua pedagogia é fundamental que nos apoiemos em duas obras fundamentais escritas
por ele: a Ética a Nicômacos e A Política. Nestas duas obras encontraremos os princípios norteadores da
formação para Aristóteles. De maneira geral, podemos dizer que a Ética à Nicômacos nos possibilita falar
dos princípios pedagógicos para a virtude; e, na Política, podemos encontrar as bases para um processo
educativo de inserção do indivíduo na polis. Desse modo, essas duas obras oferecem, assim, os elementos
pedagógicos de uma educação para o bem viver.
O processo educativo, para Aristóteles, pretende levar em conta as seguintes questões: de que
maneira poderá o homem tornar-se virtuoso, contribuindo para a vida política de sua cidade? Como o
homem poderá alcançar a felicidade neste mundo? Podemos antecipar que Aristóteles, inserido na sua
realidade, observou o comportamento de pessoas e grupos para desenvolver aquilo que seria, para ele,
o melhor modelo educacional, isto é, um modelo humanitário que conduziria o indivíduo à felicidade.
Neste modelo, a felicidade só pode ser atingida num Estado formado por indivíduos virtuosos. Assim,
o princípio geral norteador da formação poderia ser formulado do seguinte modo – uma boa ação se
caracteriza em saber agir em conformidade com o que é bom para si e para o Estado. Este princípio está
3 Este termo é difícil de ser definido, pois trata-se de um conceito de grande amplitude. Werner Jaeger, na introdução da sua obra intitulada Paidéia, ressalta que este conceito não pode ser entendido nos moldes modernos como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação. Na verdade, afirma Jaeger, este conceito abrange todos os outros designados pela modernidade. O termo Paidéia vem de paidos (crianças) e significa, literalmente, educação dos meninos. Porém, a partir do século V a.C. este termo começa a designar um ideal de educação para os gregos que envolvia a formação do individuo para tornar-se bom cidadão. Apesar desta complexidade semântica, o conceito paidéia será, por nós, compreendido como educação para cultivo do homem, e esta , não por meio de teorias abstratas, mas por meio de teorias que fundem-se com a vida, tornando-se atitude, a ação de um bom cidadão.
108
na base da ação pedagógica, cujo télos ou finalidade é a eudaimonia, ou seja, a felicidade.
Antes de iniciar a investigação da nossa temática, achamos por bem fazer uma apresentação sucinta
das duas obras norteadoras desse trabalho e da visão aristotélica acerca do cidadão.
********
Aristóteles escreveu três grandes obras ocupando-se de questões relativas à ética: Ética a Nicômacos,
Ética a Eudemo e a Grande Moral. A Ética a Eudemo teve por muito tempo sua autenticidade contestada.
As duas Éticas são hoje consideradas escritos autênticos de Aristóteles, entretanto, foram escritas em
fases distintas do pensamento do filósofo. Ética a Eudemo, refere-se à primeira fase do seu pensamento,
influenciado ainda por seu mestre Platão; a Ética a Nicômacos, produzida posteriormente, apresentou
um pensamento mais amadurecido, distanciando-se da academia de Platão. A nossa investigação não
pretende levar em conta o problema da autenticidade das Éticas atribuídas a Aristóteles. Além disso,
não vamos mencionar, neste trabalho, a Ética a Eudemo, bem como não será necessário, para os nossos
propósitos levar em conta a Grande Moral, também conhecida como Magna Moralia. Nesse sentido,
iremos circunscrever nossa investigação no âmbito da Ética a Nicômacos, na medida em que esta já
nos fornece os elementos necessários para levar a cabo a nossa empreitada em apontar os fundamentos
éticos e políticos presentes no projeto educativo de Aristóteles. O conteúdo dessa Ética, em linhas gerais,
pretende investigar o que compreendemos como o bem mais elevado para o homem, ideia de finalismo,
de uma teleologia da ação humana, para tanto, é necessário o esforço na transformação da práxis humana
em eupraxia (boa ação), visando a realização de um fim. A partir dessa ideia, a ética de Aristóteles estará
envolvida na constante e problemática tarefa de supor a existência de um fim, e, em havendo um, justificar
o seu télos (fim) e sua prioridade a despeito de outros fins.
De maneira geral, o procedimento metodológico aristotélico caracterizou-se pela conveniência
na eleição do método, como podemos constatar em vários livros de sua obra, tais como, a Física, o
Tratado da Alma e, principalmente, nos textos que tratam da linguagem, presentes no Organon, em que
Aristóteles opta pelo método em função do objeto de estudo. Na obra Ética a Nicômacos não encontramos,
por exemplo, um Aristóteles analítico e lógico, mas, ao contrário, aporético e pouco preocupado com
definições muito exatas, o que restaura a importância da doxa e do método dialético (FARIA,1995,p.186).
A relação entre ética e política é indissociável em Aristóteles na medida em que tem sempre em vista o
tema da felicidade, sendo a felicidade da coletividade a última instância de realização da ação humana,
desse modo, as ações humanas que tem início na ética só terá sua realização plena na política. Mas, para
109
tanto, faz-se necessário a educação do cidadão que através do hábito cultivado com olhos postos nos
exemplos dos grandes homens, torna-se o instrumento fundamental e único para o resgate do projeto de
pólis.
********
A obra A Política de Aristóteles, que também compõe o corpus aristotelicum, tem o objetivo de
criticar as formas de governos de seu tempo, baseando-se nos critérios de justiça e de injustiça. Nela ele
distingue regimes políticos tais como, a monarquia, aristocracia e a politia (democracia moderada) da
tirania, da oligarquia e da democracia. Esta obra é, ao mesmo tempo, descritiva, comparativa e crítica.
Trata-se de um texto que possui um ideal reformador, pois, ao avaliar os elementos que compõem o
Estado que o mantém conciso e o legitima, Aristóteles irá propor um novo modelo estatal, pautado não
na expansão territorial através das conquistas, mas na formação de indivíduos virtuosos.
Aristóteles analisa a natureza dos indivíduos e do Estado, procura formular direitos e deveres daqueles
e analisa o papel do Estado. Encontramos na Política um duplo télos para o Estado: primeiro - assegurar
aos homens mais facilmente o que é necessário à vida; segundo – assegurar uma vida intelectual e moral
na cidade.
De maneira geral, podemos perceber na Política a importância de uma boa educação para a
formação das virtudes, promovendo bons cidadãos. É pela educação que o homem desenvolve a política,
por ela, ele se torna capaz de bem legislar, de bem governar a si mesmo, a família e a cidade. Desse
modo, é importante notar que para Aristóteles, a mais alta ciência que trata das coisas humanas (a
Política) tem o seu desenvolvimento necessariamente fundamentado na educação.
Observamos acima que há uma ligação indissolúvel entre ética e política em Aristóteles e, nesse
sentido, o processo educativo ou o processo de formação humana deve ser elaborado levando-se em
conta essa relação de interdependência. Ética e Política, amalgamadas, oferecem os princípios básicos
para uma ação pedagógica que visa formar o indivíduo para viver em coletividade tornando-se feliz. A
Política é para a Ética uma ciência arquitetônica e ambas constituem a ciência das coisas humanas, a
ciência da sociedade. Essa ciência por excelência visa não só o cuidado em atingir a beleza no governo
do Estado, mas, também, a beleza no governo de sua vida pessoal.
O tema da educação e sua necessidade para a constituição de um estado feliz, pode ser encontrado
na Política em dois capítulos de grande importância, a saber: o Capítulo V intitulado - Da finalidade
do Estado; e o capitulo VI cujo tema – Da eugenia e da Educação, pertencem ao Livro II, intitulado Do
110
cidadão e da cidade. Eugenia é uma palavra grega formada da junção do prefixo eu (belo, bom) com o
substantivo feminino genéia (raça); dai significar melhoria da raça, ou, melhor raça. Nestes dois capítulos
é unificada a necessidade de melhoria da raça, como o meio para tal, a educação. É importante notar que
a concepção aristotélica de eugenia nada tem em comum com as atuais teorias que pregam a purificação
da raça, culminando no descalabro do holocausto. Aristóteles fala de um melhoramento no interior da
própria polis, afinal, em toda a Política ele irá reconhecer as especificidades de cada povo, e, além disso,
já havia advertido no livro III da Ética à Nicômacos: “E nem sequer deliberamos sobre todos os assuntos
humanos: por exemplo, nenhum espartano delibera sobre a melhor constituição para os citas”.
É fundamental, no pensamento aristotélico a aproximação que ele faz com as “coisas da vida”,
assim a naturalidade política dos seres humanos está fundada sobre a capacidade que só eles têm de ir
além da simples expressão do prazer e da dor, comum a todos os animais. A naturalidade do homem
como ser racional e social permite que as suas ações ultrapassem o prazer e a dor, pois, na medida em
que os animais não possuem o logos, agem meramente pelo repúdio à dor e pela atração ao prazer, ao
passo que os seres humanos são capazes de dar à ação uma intencionalidade, justificada racionalmente.
Para tanto, eles devem ser instruídos para ofertar à sua ação este fim e, ao mesmo tempo, tornar esta ação
responsável, refletida e comprometida com o bem comum.
Observando a vida dos gregos antigos, percebemos que eles eram guiados pelas condutas dos
heróis recolhidas na poesia, sobretudo, as de Homero. Valorizavam os espetáculos teatrais, os jogos, o
discurso retórico e a filosofia. Essas formas de expressão de racionalidade não eram, para os gregos, algo
sem sentido, sem finalidade. Eles aprendiam, nessas formas de expressão de racionalidade, um modo
de ser, um modo de viver, que salientava um modo peculiar de vida de uma determinada sociedade.
A areté4 dos heróis homéricos era a areté almejada pelos homens dentro da cidade. Aristóteles, pensou
a vida humana como um processo que se desenvolve na polis, como um processo que está marcado
pelo inacabamento e que, portanto, precisa ser orientada para a realização da sua finalidade, isto é, a
eudaimonia (felicidade). A areté humana, nesse contexto, não será mais a dos heróis, mas a do próprio
homem. O bem buscado não será o das epopéias gregas, mas o bem presente na vida do homem que sabe
orientar-se na rota do melhor, do melhor bem, da melhor ação, da melhor vida.
Para compreendermos melhor esse homem que vive e depende da sociedade, é preciso partir daquilo que
é fundamental na política, ou seja, o cidadão.
O Livro II da Política, intitulado Do Cidadão e da Cidade, é uma investigação acerca do que é
4 Iremos traduzir a palavra areté por virtude, mas chamamos atenção para o fato de que o termo virtude está fortemente marcado pelo pensamento cristão. Entretanto, a virtude no sentido grego deve ser entendida como uma excelência moral, uma disposição adquirida, seja pelo hábito (virtudes éticas), seja pelo ensino (virtudes dianoéticas).
111
um cidadão, das diversas formas de cidadãos, e das virtudes que constituem o cidadão. Já o capítulo V, do
mesmo Livro, investiga a natureza e a finalidade do Estado. As temáticas abordadas nestes capítulos, IV
e V, nos orientarão para a compreensão do que seja um bom cidadão e, ao mesmo tempo, saber qual é a
relação existente entre cidadãos e Estado. Em uma passagem da Política Aristóteles afirma: “O Estado é
o sujeito constante da política e do governo, a constituição política não é, senão, a ordem dos habitantes
que o compõem” (ARISTÓTELES, 1998, p. 41). Ser sujeito significa ser ordenante, superior ao que ele
ordena. Para a lógica política de Aristóteles o todo não pode ser inferior às partes. O Estado consiste numa
multidão de partes, e estas são diferentes por natureza e, portanto, é imprescindível uma ordenação para
serem harmonizadas.
Saber quem é o cidadão exigiu de Aristóteles uma análise de diversos fatores que influenciavam
diretamente a tentativa de encontrar uma reposta que pudesse satisfazer a essa indagação. Ele elabora
alguns fatores, tais como:
- Ser cidadão não pode estar relacionado ao espaço habitado. Não basta habitar uma determinada
cidade para ser considerado cidadão. “Não é a residência que constitui o cidadão” (ARISTÓTELES, 1998,
p. 42)
- As crianças e os velhos não podem ser considerados cidadãos, elas por não terem alcançado a idade
da razão e, por isso, não poderiam participar das obrigações cívicas. Os velhos, porque não possuiriam
mais a idade para os serviços cívicos (ARISTÓTELES, 1998, p. 42). Dessa afirmação, compreendemos
que ser cidadão é ter como participar efetivamente da vida da sociedade.
Partindo desses fatores, Aristóteles irá propor que o cidadão seja aquele que tem participação
efetiva na vida da cidade, e, portanto, é esse que terá “direito a voto na assembléia e de participação
no exercício do poder público em sua pátria” (ARISTÓTELES, 1998, p. 42). É preciso salientar que
cidadão é aquele que participa, aquele que tem uma vida ativa na sua cidade. Dessa maneira, o cidadão
não herda esse título, não o recebe porque é naturalizado num determinado Estado, mas, porque é parte
viva e atuante no Estado. “Ora chamamos de cidadão quem quer que seja admitido nessa participação e é
por ela, principalmente, que o distinguimos de qualquer outro habitante” (ARISTÓTELES, 1998, p. 43).
Nesse sentido, as mulheres, os escravos, os velhos e as crianças são habitantes e não cidadãos, pois não
são admitidos na participação da vida do Estado. Uns por condição natural, outros pela pouca de idade e
outros pelo excesso de idade.
Aristóteles salienta que, o sentido de cidadão depende diretamente da constituição do Estado.
Não são todas as formas de governos que valorizam a participação das suas partes. Assim, ele conclui:
2 http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3055/Da-politica-estadual-de-reciclagem-de-materiais-e-o-incentivo-fiscal-aos-contribuintes
112
“O cidadão não pode ser o mesmo em todas as formas de governo” (ARISTÓTELES, 1998, p. 43).
Porém, a definição de cidadão parece ser clara para ele: “são aqueles que participam do poder público”
(ARISTÓTELES, 1998, p. 44). Contudo, curiosamente na noção de participação podemos falar em duas
capacidades, a saber: a capacidade de ordenar e obedecer. Aparentemente a definição de cidadão parece
não concordar com a afirmação de que o sentido de cidadão depende da forma de governo. Entretanto,
para Aristóteles a definição faz referência a outros fatores fundamentais para o bem estar da pólis, ao ver
de Aristóteles, ser um pleno cidadão consiste em ter desenvolvido a condição de saber obedecer e saber
ordenar (ARISTÓTELES, 1998, p. 50).
Mas, retornemos à definição de cidadão no intuito de compreendermos o que faz um cidadão ser
feliz na sociedade. E, consequentemente, o que faz uma sociedade feliz. Partindo do princípio de que
cidadão e Estado compartilham a mesma realidade, podemos concluir que é o mesmo fundamento que os
tornam (cidadãos e Estado) felizes. A causa de felicidade do cidadão e do Estado deve estar entrelaçada
com a finalidade de cada um deles, ou seja, a causa da felicidade deve relacionar-se com o obedecer e o
mandar, ou seja, pela capacidade de legislar. A causa da felicidade, tanto no âmbito privado quanto no
público, é a virtude. Somente por meio de cidadãos virtuosos haverá um Estado virtuoso e, somente por
meio de um Estado virtuoso haverá cidadãos virtuosos.
Aristóteles começa a delinear os limites de duas grandes ciências práticas: Ética e Política. Diz
ele: “Não entra no plano da Política determinar o que pode convir a cada indivíduo, mas sim o que
convém a pluralidade. Em nossa Ética, aliás, tratamos do primeiro ponto” (ARISTÓTELES, 1998, p. 50).
A linha divisória entre essas duas ciências concerne ao campo privado e ao campo público. Entretanto,
o que está limitado não significa que tem vida independente, pois, Ética e Política possuem seus limites,
mas, se articulam por meio de uma interdependência. Fazer o cidadão feliz e o Estado feliz é o objetivo
da Ética e da Política. Nesse sentido, “o fim da sociedade civil é viver bem” (ARISTÓTELES, 1998,
p. 56). Tudo aquilo que compõe a sociedade, tais como: famílias, aldeias, instituições, corporações,
devem estar comprometidas com esse ideal de vida feliz. É essa vida que caracteriza uma boa sociedade,
que caracteriza os cidadãos e os Estados virtuosos. “A sociedade civil é, pois, menos uma sociedade de
vida comum do que uma sociedade de honra e de virtude” (ARISTÓTELES, 1998, P. 56). A sociedade
não é, para Aristóteles, um aglomerado de pessoas com diversos interesses, ela é muito mais que isso.
“Não é apenas para viver juntos, mas sim para bem viver juntos que se faz o Estado” (ARISTÓTELES,
1998, p. 53). Eis o télos da sociedade: bem viver, em outras palavras, ser feliz. Esse télos é possível
ser vislumbrado nas sociedades onde os indivíduos são educados para uma virtude comum. O exemplo
abaixo nos põe diante da necessidade de uma sociedade plural, mas convergente.
113
A conservação do Estado é uma tarefa comum, porém, para que ela seja realizada, é necessária a
formação virtuosa dos cidadãos, pois, por ela, os cidadãos comprometer-se-ão com a felicidade coletiva
que é o maior bem dentro da sociedade. Os interesses de cada indivíduo devem ser subordinados ao
interesse comum dentro de uma sociedade virtuosa. Nesse sentido, as leis satisfazem a necessidade de
harmonizar o Estado, elas imperam sobre os interesses individuais visando o bem comum. Porém, não
basta que os indivíduos cumpram as leis, é preciso que sejam preparados para ser virtuosos, pois, não é
um Estado legalista que chegará a uma boa vida, mas um Estado de pessoas virtuosas que se reconhecem
nas leis. “As leis em si mesmas não produzem as virtudes, por isso, são incapazes de tornar os cidadãos
bons e honestos” (ARISTÓTELES, 1998, p. 54). Além da tarefa comum da conservação do Estado,
além da formação para as virtudes e além das leis, está a amizade como uma forma de aproximação, de
comunicação entre os cidadãos. A amizade não nasce das leis, mas, ela é efeito de uma escolha recíproca.
Na Ética a Nicômacos, no Livro VIII, Aristóteles realiza uma investigação acerca da amizade, buscando
saber se todos os homens são capazes de amizade ou se os homens maus são incapazes de serem amigos;
e se há apenas um tipo de amizade ou vários. A amizade no corpo social será mais uma imprescindível
virtude para a conservação do Estado. Os cidadãos virtuosos se aproximam por laços de amizade, desse
modo, para o estagirita, o Estado virtuoso é, por conseguinte um Estado de amigos.
Uma vez exposto os princípios constituintes do cidadão na Política, sobretudo o princípio da
participação na vida social, e a forte relação entre ética e política, passemos agora para o modo de
efetivação de relação com vistas ao alcance daquilo que os gregos denominariam de bem comum. Para
tanto, iremos apontar algumas alternativas educacionais visando a formação do cidadão virtuoso.
********
A educação, em Aristóteles, é a maneira pela qual o homem pode se tornar aquilo que ele deve
ser por natureza, ou seja, um ser racional, capaz de participar efetivamente do Estado. A teleologia da
educação busca, portanto, formar o indivíduo para viver em comunidade. Isso requer uma ação pedagógica
que valorize o fato de que, todos pertencem ao Estado.
Podemos comparar os cidadãos aos marinheiros: ambos são membros de uma comunidade. Ora, embora os marinheiros tenham funções diferentes, um empurrando o remo, outro segurando o leme, um terceiro vigiando a proa ou desempenando alguma outra função que também tem seu nome, é claro que as tarefas de cada têm sua virtude própria, mas sempre há uma que é comum a todos, dado que todos têm por objetivo a segurança da navegação, à qual aspiram e concorrem, cada um à sua maneira. De igual modo, embora as funções dos cidadãos sejam dessemelhantes, todos trabalham para a conservação de sua comunidade, ou seja, para a salvação do Estado. (ARISTÓTELES, 1998, p. 48)
114
Neste exposto, encontramos duas afirmações aristotélicas imprescindíveis para uma boa ação
pedagógica. A primeira diz que somos partes de um todo; a segunda, afirma que o governo do todo deve
dirigir o governo das partes. Unindo as duas afirmações, podemos dizer que a educação deve formar o
indivíduo para se tornar um cidadão; e este deve harmonizar-se com o todo. Como cada indivíduo é parte
viva do todo, deve receber uma educação que seja pública, isto é, a mesma para todos, pois somente por
uma educação pública o indivíduo tornar-se-á um bom cidadão.
Aristóteles consagrou a educação como aquela atividade capaz de preparar o indivíduo para a
felicidade. Por isso, ninguém pode ignorar a importância da educação para o bem viver. “Não se deve
ignorar o que é a educação, nem como ela se deve realizar” (ARISTÓTELES, 1998, p. 78). Mas,
principalmente, não se deve ignorar a educação porque ela é uma ação de responsabilidade do Estado e,
portanto, cabe a este a ocupação com a formação da criança na sua mais tênue idade. O começo da vida
de uma criança deve receber as melhores impressões, pois “são as primeiras impressões que mais nos
afetam” (ARISTÓTELES, 1998, p. 77). Ao ver de Aristóteles, a educação da criança deve ser um dos
primeiros cuidados do legislador, pois, a negligência na educação causará um prejuízo ao corpo social,
pois, este padecerá pela ausência de bons cidadãos, por conseguinte, de bons legisladores.
Para Aristóteles, a importância da educação é algo claro, porém, o como fazer essa educação não
é tão claro e objetivo, pois, cada ação pedagógica deve contemplar o que é bom para um determinado
Estado. Assim, não há uma ação educativa que deva valer para todos os Estados, mas, cumpre aos Estados
uma preocupação com a melhor ação pedagógica, e essa será, sem dúvida, aquela que forma, pelos bons
costumes os indivíduos.
É preciso, ademais, que todo cidadão se convença de que ninguém é de si mesmo, mas que todos pertencem ao Estado, de que cada um é parte e que, portanto, o governo de cada parte deve naturalmente ter como modelo o governo do todo. (ARISTÓTELES, 1998, p. 78).
Em toda parte a educação deve tomar como modelo a forma do governo. Cada Estado tem costumes que lhe são próprios, de que depende sua conservação e até sua instituição. São os costumes democráticos que fazem a democracia e os costumes oligárquicos que fazem a oligarquia. Quanto mais os costumes são bons, mais o governo também o é. (ARISTÓTELES, 1998, p. 77).
A educação é entendida, no exposto acima, não como obra de indivíduos e, sim da cidade, pois ela
é verdadeiramente natural ao ser humano. Fora da cidade, o homem fica privado de alguns atributos
essenciais ao ser humano, como por exemplo, a racionalidade, a poesia, a arte e, por que não, da própria
felicidade. O homem age, constitui o seu caráter, no contexto da polis. Entretanto, a educação não pode
deixar de considerar o ethos (hábitos, costumes) do Estado onde ela será uma ação. Nesse sentido, a
educação põe o indivíduo em contato com um ethos histórico, conservado e transmitido pela tradição;
115
reflete esse ethos e forma o ethos individual. O ethos a ser considerado pela educação é aquele que está
em harmonia com um determinado Estado. Ele deve oferecer à vida social a virtude necessária à sua
conservação, e à conquista da vida feliz. Cada forma de governo gera um ethos que o identifica.
Considerando que todo indivíduo nasce num ethos histórico e social, como diz Lima Vaz, “o
ethos é a casa do homem ( LIMA VAZ, 1988, p.12). A educação prepara o indivíduo para ser um bom
hospede dessa casa, ela acrescenta à natureza social do indivíduo, uma disposição para agir segundo o
melhor fim (a eudaimonia). O processo educativo compromissado com a formação para o bem viver (eu
zen), em sociedade, une necessariamente ética e política, indivíduo e sociedade, ação e responsabilidade,
exercício das virtudes e vida feliz.
A vida social, harmonizada pela educação, é organizada por meio das leis (nomos), e estas não
apenas organizavam a sociedade, mas também apresentavam um determinado ethos social. Mas, esse
ethos só poderá contribuir para a felicidade, se ele se constituir num ethos virtuoso, ou seja, se for
expressão da união entre ética e política. Na política o ethos se apresenta sob a forma de lei e, na ética,
ele se apresenta sob a forma de virtude. Dessa maneira, o ethos (nomos) apresenta o bem final, para o
qual todas as ações individuais devem tender – a eudaimonia – e na ética apresenta os meios necessários
para o alcance desse bem – as virtudes. A práxis (ação) humana será mais humana, quando for resultado
da unidade entre ética e política. Em outras palavras, a práxis humana só será eupraxia (boa ação)
quando os indivíduos forem educados de modo a conciliar o ethos individual com o ethos social. A
lapidação dessa capacidade natural humana só é possível num Estado virtuoso e que, portanto, se ocupa
de formar seus cidadãos para a virtude.
A educação para Aristóteles é um processo que aprimora a natureza do indivíduo ( LIMA VAZ,
1988, p.77) pois, a sua ação o conduz ao estado natural, ao raciocínio, e este processo se dá por meio
de uma ação pedagógica que valoriza o hábito, ou seja, a prática. O esquema educacional aristotélico
se apresenta como um esquema que envolve natureza-hábito-instrução. Cabe à educação formar, por
bons hábitos, o bom cidadão, aquele que governa bem as coisas tanto no âmbito particular quanto no
coletivo. Nesse sentido, o indivíduo não pode viver fora da comunidade, pois, fora dela, ele se torna um
degradado. O Estado possui, para Aristóteles, uma concepção orgânica onde o todo não absorve e funde
em si mesmo as partes que o compõem, mas um todo que deixa às suas partes funções autônomas, que
se vinculam ao fim geral da vida” ( HOURDAKIS, 2001, p 21). Esta concepção orgânica de Estado é
fundamental na fisiologia política de Aristóteles para compreendermos a necessidade vital da interação
das partes com o todo. Trata-se de uma interação que promove a adequação entre os télos, isto é, o télos
da vida do indivíduo deve se adequar ao télos da vida do Estado. Esta concepção orgânica propõe uma
116
eudaimonia que nunca poderá ser privada, mas, coletiva, como é apresentada na Ética à Nicômaco, II,
1103a.
Para Aristóteles, a natureza humana não determina se o homem será bom ou mau cidadão, contudo,
sem uma adequada formação não temos a garantia de um bom cidadão. Deve-se agregar à natureza as
virtudes, e essas, são oriundas do hábito – no caso das virtudes morais – ou do ensino – no caso das
virtudes intelectuais. Não haveriam, portanto, virtudes inatas ao homem, ou elas se agregam à natureza
humana por meio do hábito, ou por meio do ensino. Aristóteles expõe essa relação vital entre natureza-
hábito-instrução dizendo:Concluímos que as virtudes não nascem em nós nem por natureza, nem contrariamente à natureza, mas que nascemos com a capacidade de receber essas virtudes e aperfeiçoá-las em nós, esforçando-nos para isso, por meio do habito. De resto, todas as particularidades que nos são fornecidas pela natureza, nós as conservamos primeiramente como potencialidades, e as transformamos mais tarde em atos... As virtudes, entretanto, nós as possuímos após tê-las exercido, como é o caso das outras artes e ofícios. Com efeito, o que precisamos aprender fazer, nós aprendemos fazendo: por exemplo, tornamo-nos construtores, construindo, e citaristas, tocando citara. Do mesmo modo, nós nos tornamos justos, realizando atos justos, tornamo-nos sábios, realizando atos sábios, e corajosos, realizando atos corajosos (Aristóteles, p. 33-34)
Mas a maioria dos homens não procede assim. Refugiam-se na teoria e pensam que estão sendo filósofos e se tornarão bons dessa maneira. Nisso se portam como enfermos que escutassem seus médicos, mas não fizessem nada do que estes lhe prescrevem. ( ARISTÓTELES, EN II 1105b).
Ao afirmar que as “virtudes não nascem em nós nem por natureza nem contrariamente à natureza”,
Aristóteles confere ao homem e ao Estado a missão de somar à natureza humana as virtudes necessárias
para uma vida feliz. Há uma potencialidade na natureza humana, contudo, as virtudes só podem ser
realizadas pelo exercício do hábito. Assim, podemos dizer que, o télos da natureza humana é a felicidade
social, esse télos só é possível de ser realizado por causa da capacidade natural do homem de aprender.
Portanto, o homem, animal portador de lógos, aprende a ser aquilo que potencialmente ele pode ser, isto é,
um virtuoso. Nesse sentido, torna-se fundamental o tema da formação para o desenvolvimento do homem
virtuoso (fronimós) e do tempo de formação desse indivíduo para a transformação de suas potencialidades
naturais em atos virtuosos. Da potência ao ato temos o tempo do cultivo, da formação, sem a qual a
potência não terá o movimento necessário para atualizar-se.
Neste sentido, é imprescindível para a formação do homem virtuoso a experiência (empeiria). No
livro II da Ética a Nicômacos, Aristóteles afirma que a gênesis e o desenvolvimento da virtude dianoética
devem-se ao ensinamento e, portanto, exigem experiência e tempo. É no acumulo do vivido, do praticado
que o homem se torna de fato virtuoso. Assim, é através da ação que existe a possibilidade de alguém
tornar-se bom:
117
As potencialidades naturais são desenvolvidas na ação, já que, sem ação, sobretudo a educativa, não
haverá uma virtude que seja a conjugação do prescrito (o que está na natureza como potência) com o feito
(o que está na natureza como potência atualizada), ou seja, não haverá uma potência atualizada em virtude.
A virtude não pode ser apenas uma disposição cognitiva, mas também prática, pois “aprendemos o que é
justiça sendo justos”. Dessa forma, precisamos aprender a realizar o que se aprendeu. A experiência que
traz em si a conotação de tempo, do tempo vivido, do tempo aprendido, não é uma voz sem ressonância na
ação. Esse tempo permite o homem aprender a razão da ação, o seu fim, o que lhe possibilita encontrar, de
forma mais segura, os melhores meios para se alcançar o fim mais elevado.
A experiência no pensamento de Aristóteles, seja na sua filosofia teórica ou prática, cumpre uma
função fundamental para o conhecimento. Quando quis saber o que é o bem, recorreu aos homens que
possuíam experiência, que tinham vivo o tempo de modo virtuoso. Foi investigando a vida daqueles que
eram considerados sábios que Aristóteles elaborou sua doutrina sobre os bens humanos, os bens realizáveis.
Esses bens, investigados no Livro I da Ética a Nicômacos, podem ser divididos em bens secundários e o
bem principal. O principal é a eudaimonia, os secundários são todos aqueles que estão no percurso para a
eudaimonia. O sábio, homem de experiência, de phronesis (prudência) endereça a sua vida à eudaimonia,
para tanto, aprende a fazer o que é necessário, e como fazer o necessário.5 O sábio é o fronimos, pois, ele
realiza o télos da vida humana pelos melhores meios.
Sendo a experiência uma forma de conhecimento, é necessário algum tempo de vida para sabermos
sobre ética e política - ciências práticas - por isso, o jovem não aproveita muito os ensinamentos da ética e
nem da política, justamente, porque não teve ainda tempo de vida suficiente para se empenhar nas coisas
práticas.
Um homem ainda jovem não é a pessoa própria para ouvir aulas de ciência, pois ele inexperiente quanto aos fatos da vida e as discussões referentes à ciência política partem destes fatos e giram em torno deles; além disso, como os jovens tendem a deixar-se levar por suas paixões, seus estudos serão vãos e sem proveito, já que o fim almejado não é o conhecimento, mas a ação. Não será uma questão de tempo, mas depende da vida que a pessoa leva, e da circunstância de ela deixar-se levar pelas paixões, perseguindo cada objetivo que lhe apresenta. Para tais pessoas o conhecimento não é proveitoso, tal como acontece com as pessoas incontinentes, mas para quem deseja e age segundo a razão o conhecimento de tais assuntos é altamente útil. (ARISTÓTELES, Ética à Nicômacos, 1142 a).
5 Cf. ARISTÓTELES, Ética à Nicômaco, II 1104 a 1109.
A passagem citada afirma que a deficiência não é uma questão de tempo, ou seja, não basta
que o tempo passe, mas este deve passar no empenho de cultivar-se, pois quem deixa o tempo passar,
desobrigando-se do próprio cultivo, degenera-se. Pierre Aubenque, comentarista da obra de Aristóteles,
endossa a ideia da importância da experiência para o cultivo de si mesmo, dizendo:
118
A experiência já é conhecimento, ela supõe a soma do particular e está, pois na rota do universal. Ela não é repetição indefinida do particular, mas já se introduz no elemento da permanência: é esse saber antes vivido do que aprendido, profundo, porque não reduzido, e que reconhecemos naqueles dos quais dizemos que têm experiência. (AUBENQUE, 2003, p.99).
A noção de homem cultivado, de homem formado, em Aristóteles, é a de homem de boa ação.
Este é oriundo de uma ação pedagógica que une política e ética. A ética que envolve esta ação não oferece
princípios gerais e imutáveis, pois o que ela pretende é formar o indivíduo para bem calcular suas ações,
para medir, para encontrar a boa medida nas situações particulares para o bem agir. Dessa maneira, o
indivíduo não estará sendo direcionado por regras que aniquilam uma particularidade, ao contrário, o
homem cultivado é o homem criativo, aquele que aprende em cada situação, e visa encontrar o melhor
meio para fazer o que é bom, o que é belo, justo e honroso. A base política desta ação pedagógica refere-
se ao fato de ser o homem um animal social e, por conseguinte, aquele que não inviabiliza o outro no seu
processo de aquisição de vida feliz, o que confere à política o estabelecimento do télos da educação.
Segundo Morral, Aristóteles começa por insistir na indispensabilidade da filosofia para a vida
cotidiana. Sendo a vida cotidiana uma práxis, ela necessita ser bem orientada para se tornar uma boa
ação, uma ação fruto de um bom cálculo. Nesse sentido, a filosofia prática, ética e política, dão à vida do
homem os princípios para a boa ação. Esta tem sua origem na escolha dos bens, pois, não se pode utilizar
os bens externos da vida sem um preparo adequado, sem uma formação. Fazer escolhas é algo inevitável
na vida humana e a felicidade está relacionada diretamente às escolhas, às boas escolhas. “A felicidade
não é o simples processo de adquirir possessões materiais por si mesmas” (MORRALL, 1981, p.31).
Ser preparado para bem viver consiste em ser preparado para escolher os melhores bens, que devem ser
harmonizados por um bem supremo (summum bonum ou agathon). A práxis será efetivamente o lócus
(lugar) do somatório das escolhas de um determinado indivíduo, locus de atualização de suas potencias
naturais.
A práxis, como Aristóteles compreendeu, deve ser o lugar da liberdade, lugar de revelação do homem
que se tornou virtuoso, é lugar de afirmação do indivíduo em sua relação com o todo, é lugar de consolidação
de uma boa educação. Falar de ética, de politica, de educação em Aristóteles é, necessariamente, falar de
práxis. A ética destina mostrar aos indivíduos como agir, a política a finalidade do agir, e a educação a
formação da natureza a disposição para agir, segundo uma determinada ética e uma determinada politica.
A educação unida à ética e à política prepara o indivíduo para subordinar as suas ações à reta razão (ortós
lógos)6.
6 A reta razão é a razão voltada para os aspectos práticos da vida, é a razão orientada a algum fim, ela é o discernimento relativo à conduta. Ela não é um fim em si mesma, mas conduz a um fim.
119
A práxis aristotélica não é um ideal a ser perseguido, como pensava Platão em sua utopia na
República, ao contrário, para Aristóteles ela é uma atitude, é uma realização da própria vida, que deve
ser boa para si, na medida em que é boa para o coletivo. Trata-se de uma ação construtiva da eudaimonia.
Ela não é um conhecimento prévio, antecipado, metafísico. Ao contrário, Aristóteles, como bom realista,
empenhou-se em sua teoria sobre a práxis na tentativa de uma investigação sobre como ser feliz na vida
privada e pública. Como dissemos anteriormente, a felicidade é algo final e auto-suficiente, é o fim a que
visa as ações7. A eudaimonia é o resultado do viver bem e do conduzir-se bem8. Contudo, será a finalidade
da Política difundir um certo caráter nos cidadãos, como por exemplo, torná-los bons e capazes de praticar
boas ações.9 É nesse sentido que podemos afirmar que a eudaimonia depende inteiramente da ética e da
política.
Aristóteles se interrogava, de maneira muito ampla, sobre as faculdades próprias do homem.
Segundo ele, o espírito humano compreende não somente o pensamento, mas a percepção, as afecções, a
vontade e o desejo. Se nos interrogarmos sobre a atividade do conhecimento, observamos que conhecer
verdadeiramente é conhecer o porquê das coisas, e mas ainda, é poder agir em função daquilo que
conhecemos. (BERTEN, 2004, p.71). A práxis não é um puro agir, o agente no ato de decidir não é um puro
empírico, mas é alguém que, por meio do lógos, avalia como se deve agir para alcançar o fim proposto. É,
na verdade, uma práxis como resultado de um conhecimento do porquê se deve agir, bem como, para quê
se deve agir. Reivindica-se, dessa maneira, para a práxis aristotélica, o lógos como princípio investigatório
dos meios e, ao mesmo tempo, como aquele que visa um télos. Essa é a sabedoria prática proposta por
Aristóteles.
Para Aristóteles, tudo no homem pode ser educado e quando diz que toda ação humana nasce de
um desejo, este, por sua vez, é capaz de ser educado. O lógos, por meio da educação, direciona o desejo
na rota do bem agir. Da mesma maneira, as emoções e as paixões, que tanto influenciam o homem no ato
de agir, também podem ser educadas. Sem dúvida, Aristóteles tinha o desafio de apresentar o objetivo
da educação, da ética e da política como uma atividade capaz de fazer o homem agir em função de uma
boa finalidade. É, sem dúvida nenhuma, uma investigação antropológica, na medida em que o projeto
aristotélico de cultivar o homem baseado numa junção entre educação-ética-política, realiza inventários
sobre as mais variadas formas de se educar o homem, mas, tendo em vista o aperfeiçoamento, pela cultura
de sua natureza, aprimorando sua ação. Dessa maneira, a antropologia aristotélica apresenta o homem
como aquele que carece de formação e como aquele se realiza, que se revela, na ação.
7 Cf. Ibidem, 1097b.8 Cf. Ibidem, 1098b.9 Cf. Ibidem, 1099b.
120
Assim, o humano deve ser tomado em todas as suas dimensões, para que, possa ser lapidado, por
meio de uma educação que visa conduzir o homem do estado bruto, sem forma, ao estado de homem
feliz. Para tanto, é imprescindível que as dimensões públicas e privadas do homem sejam norteadas por
uma educação que o conduza ao aprendizado dos bons ethos e, por conseguinte, a uma vida virtuosa. A
verdadeira educação, não pode ter por télos primeiro as coisas úteis, ou produtivas, mas a vida feliz que só
pode se realizar na pólis.
Segundo Aristóteles, é de suma importância saber o fim a que nos popomos no que fazemos e
no que ensinamos. Este fim conhecido só será verdadeiramente um bom fim se buscar a realização da
felicidade coletiva que, só pode ser alcançada pelo exercício das virtudes. Assim, deve haver uma unidade
entre o fim da vida individual e o fim da vida social. Esta unidade gera perfeição, harmonia, vida feliz.
“Sendo o fim o mesmo tanto para a vida pública quanto para a vida privada, a perfeição dos Estados não
pode definir-se de modo diferente da dos particulares (...)”.10 Portanto, trata-se de uma felicidade coletiva,
atualizada no corpo social, este formado por cidadãos e legisladores virtuosos.
Como dissemos, para Aristóteles, o homem feliz é o homem de prudência, é o homem dotado
de discernimento. Assim, é no momento deliberativo que a phronesis – virtude dianoética – manifesta o
conhecimento cultivado, adquirido pela educação para o exercício das virtudes, aplicado em cada caso
particular. Essa arquitetura da boa ação salienta um novo intelectualismo inaugurado por Aristóteles, mas
um intelectualismo prático, diferente do intelectualismo da ciência e da arte, pois ele não se trata de mero
conhecimento, mas é ação. O protótipo de homem feliz para Aristóteles é Péricles, pois ele soube discernir
o que é bom para si e para todos.
10Ibidem, p.68.
É por esta razão que pensamos que homens como Péricles têm discernimento, porque podem ver o que é bom para si mesmos e para os homens em geral; consideramos que as pessoas capazes de fazer isto, são capazes de bem dirigir as suas casas e cidades. (ARISTÓTELES, EN VI 11040 a).
Tendo Péricles como exemplo de homem prudente, Aristóteles nos permite compreender que a
vida feliz (quer se trate da cidade ou da casa, assim como do indivíduo) é a totalidade que transcende os
fins particulares. O bem encontrado por Péricles é o bem-viver, ou seja, o bem econômico. É importante
notar que o termo “economia” é originado da junção dos termos grego oikia e nomos e pode ser traduzido
como as regras da casa, portanto, o bem viver, nesse sentido, faz referência ao bem na relação familiar, na
vida privada. Quanto ao bem político faz referência ao bem na relação entre os cidadãos o que é comum
a todos, e o que para Aristóteles deve ser posto como o telos a ser atingido como vida feliz.
Em suma, os fundamentos éticos e políticos para o processo educativo em Aristóteles são de dois
121
tipos: o que prepara os indivíduos para uma vida social harmônica e o que prepara os indivíduos para
serem felizes nessa vida social. Esses fundamentos fazem da educação não um mero acréscimo à natureza
humana pelo cognitivo, mas um processo que molda a natureza de tal forma que ela confere disposição
adquirida, pelo hábito e pelo ensino, para bem agir. O que está presente no processo educativo de Aristóteles
é o homem na condição de ser animal de lógos e animal político (zoon politikon). Portanto, o processo
educativo visa formar o homem, capacitando-o ao calcular dos meios para melhor deliberar sobre suas
escolhas. Ao que parece essa tão desejada, nos dias de hoje, relação entre ética e política costurada pela
educação é um empreendimento de séculos, cabe a nós como educadores a tarefa de resgatá-la, na medida
em que ainda estamos muito distantes da efetivação de um tal projeto.
Referências Bibliográficas
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__________. Política. Trad. De Antonio Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes. Lisboa: Veja,
1998.
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2003.
BERTEN, A. Filosofia Política. São Paulo: Paulus, 2004.
BERTI, ENRICO. As Razões de Aristóteles. Trad. Dion Davi Macedo. Coleção “Leituras Filosóficas.”
São Paulo: Loyola, 1998.
FARIA, Maria do Carmo Bettencourt de. A Liberdade esquecida: fundamentos ontológicos da liberdade
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123
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EnsaioFotográfico
126
RECORTES
Praça da Igreja do Rosário em Vila Velha - ES. Antigamente o veículo que lá passava era o bonde, o que contrasta com a atual proibição de tranportes mais pesados, como ônibus, circularem na imediação já que o movimento constante de tremores estavam provocando rachaduras na igreja que é o marco da colonização espirito-santense.
Prof. MSc. Teófilo Augusto da Silva
Mestre em Cognição e Linguagem (UENF), Professor da Faculdade de Filosofia de Campos (FAFIC/UNIFLU) e o Instituto de Ensino Aldo Muylaert (ISEPAM).
Coordenador do Grupo de Pesquisas Interdisciplinares em Diversidade Cultural e Linguagens (UNIFLU)
Vol. 6, Nº 3journal homepage: www.revistaagendasocial.com.br ISSN 1981-9862
SLICES.
127
128
PALAVRAS-CHAVES Vila Velha; Hugo Musso; Assemblage;
Por meio de uma técnica de fotomontagem denominada assemblage (como a colagem das obras de John Jasper, Picasso ou Braque), procuro juntar o passado retratado por um exímio fotógrafo capixaba, Hugo Musso, com o presente apreendido em uma câmera fotográfica digital, de forma a trazer ao conhecimento de um público geral o trabalho daquele fotógrafo, enquanto procuro da mesma maneira descrever as modificações no ambiente humano demonstrada pela comparação imediata entre as imagens.R
ESU
MO
KEY-WORDS Vila Velha; Hugo Musso; Assemblage
Through a photomontage technique called assemblage (as the collage works of John Jasper, Picasso or Braque), I try to join the past portrayed by a capixaba master photographer, Hugo Musso, seized on this with a digital camera in order to bring to the notice of a general public that photographer’s work while looking the same way to describe changes in the human environment as demonstrated by the comparison between the images.
AB
STR
AC
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129
Introdução
Este ensaio é um tipo de pagamento, já que devo parte do que eu sei de fotografia à figura
de Hugo Musso. Não que eu tenha tido aula com ele, infelizmente ele faleceu antes de eu ter esta
oportunidade, na verdade foi algo “por tabela”: quem teve aula com o ícone da fotografia capixaba
foi meu pai, que mesmo sem me dar uma instrução propriamente dita em fotografia, me incentivou no
início – foi quem me deu minha primeira câmera SLR, uma Zenit 122, e um pequeno laboratório de
revelação. Além disso me tornei amigo do filho dele, o médico e ambientalista César Musso.
Este trabalho também foi minha primeira experimentação na fotografia artística. Produzi
o conjunto em 2007 quando intencionava participar do então “Prêmio Porto Seguro de Fotografia”.
Contudo a banca da premiação não reconheceu meu trabalho como pertinente para participar da galeria
do prêmio e ele ficou na minha gaveta durante muito tempo.
O trabalho consiste de uma superposição das imagens de Vila Velha dos anos 50, 60, 70 e
minhas imagens feitas em 2007. Convém destacar que além de simplesmente montar tive de realizar
uma pesquisa visual, tentando imaginar quais seriam aquelas composições já que muito daquele cenário
já devia estar completamente modificado, ou não existia, como a FIG ## que mostra uma estrada que a
expansão urbana já cobriu e substituiu pela “Rodovia do Sol”.
A capacidade de registro mnemônico da fotografia é uma das características que sempre me
atraiu como pesquisador, e, nesta obra em específico, fica evidente este esforço, já que Vila Velha, e
toda a Grande Vitória, sofreram modificações consideráveis em sua infraestrutura nos últimos séculos.
Devo destacar a semelhança do trabalho de registro de Hugo Musso com Eugéne Atget e outros
fotógrafos do século XIX, e o fato de que foi durante meados do século XX que o Espírito Santo
presenciou este tipo de necessidade de registro imagético fotográfico, visto que a condição histórico-
social-econômico do estado sempre foi a de ser um território estratégico em questão de defesa do país
e, por isso, deixado em seu modo mais “selvagem” durante décadas a fio.
Hugo Musso representa os esforços de outros tantos fotógrafos que, naquela época, fundaram o
Foto Clube Espírito Santo (um dos mais velhos do país) e se orgulhavam de sua condição amadorística,
o que para nós representa que os mesmos se identificavam com a expressão fotográfica, com sua
popularização, atuando como “alfabetizadores” para um público ainda não acostumado a visualizar
imagens fotográficas.
130
1. O fotógrafo Hugo Musso
Como dito anteriormente, Hugo Musso foi um dos primeiros fotoclubistas brasileiros, sendo fundador
do Foto Clube Espírito Santo que em 2008 fez 62 anos2. Seu corpus imagético é enorme para alguém
que se intitulava fotógrafo amador, o que nos faz lembrar do trabalho de Eugéne Atget no início do
século XIX.
Hoje, parte do acervo do fotógrafo é cuidadosamente preservado por seu filho, porém, sem
incentivo estes registros de Vila Velha, Vitória e Guarapari, ficam escondidos da população que nem
mesmo sabe porque uma das principais vias da cidade tem o nome de Hugo Musso.
2 Cf. << http://vitoriafoto2008.blogspot.com.br/2008/05/entrevista-magid-saad-foto-clube-do-es.html>> Acesso em: 16 de Mar de 2013.
FIGURA 01
Eugène Atget, Hôtel, 1 rue des Prouvaires et 54 rue Saint-
Honoré (1912), Fotografia sobre cartolina. Disponível em: <<
http://artblart.com/category/eugene-atget/ >>. Acesso em: 16
de Mar de 2013.
131
MUSSO, Hugo. Igreja do Rosário, Prainha, Vila Velha – ES.
2. O projeto Recortes
Durante a execução do projeto, tive a possibilidade de visualizar parte do acervo que havia sido
digitalizado por César Musso. Dentro daquele corpus gigantesco tive que me contentar com a seleção de
alguns poucos arquivos que ainda passaram por uma segunda triagem restando apenas 5 (FIGURA 02 a
06) para a primeira parte do projeto.
A FIGURA 02 apreendeu a imagem da Igreja do Rosário, uma das igrejas mais antigas do Brasil,
construída durante o período da colonização (1551) enquanto o estado do Espírito Santo e o de Minas
Gerais faziam parte da mesma Capitania. A Igreja fica em uma região de Vila Velha chamada “Prainha”,
onde se estabeleceu uma colônia de pescadores e as bases do Exército e da Marinha.
FIGURA 02
132
FIGURA 03
MUSSO, Hugo. Seus três filhos mais
velhos caminhando na praia da Prainha,
Vila Velha - ES. César Musso não está
nesta imagem.
133
FIGURA 04
FIGURA 05
MUSSO, Hugo. Vista do Morro da Penha
e do Convento da Penha, Prainha, Vila
Velha - ES.
MUSSO, Hugo. Caminho antigo que levava em
direção à Guarapari, passando por Barra do Jucu.
Hoje não mais existe esta via que foi substituída
pela Rodovia do Sol, Vila Velha - ES.
134
FIGURA 06
MUSSO, Hugo. Praia de Itaparica, Vila Velha - ES.
135
Nesta imagem, podemos ver que antigamente havia o transporte por bondes disponível na cidade,
o que de certa maneira era mais democrático, uma vez que hoje, por conta da manutenção da igreja que já
apresentava rachaduras na estrutura, os ônibus municipais são proibidos de circular na região do entorno
da construção. Na direita da imagem, há um sujeito caminhando, vestido de terno e com um chapéu há
uma descrição visual da vestimenta da época. As linhas de energia ainda continuam presentes, porém,
como não há mais bondinho, não há a necessidade delas estarem no meio da pista de tráfego, portanto,
elas acompanham os postes colocados nas calçadas.
A FIGURA 03 ilustra a praia da Prainha, onde hoje existe a cooperativa dos pescadores e parte
da área de areia é bloqueada à passagem por conta da segurança da Escola de Aprendizes-marinheiros do
Espírito Santo (EAMES). Na imagem podemos ver os três filhos mais velhos de Hugo Musso – o César
ainda não estava presente a estas brincadeiras. No canto direito, podemos ver três pequenas embarcações
da pesca artesanal que ainda hoje é praticada, apesar de o canal de Vitória não ser limpo o suficiente,
como comprovam os destroços e resquícios do consumo humano presentes nas praias de ambos os lados
do canal.
Na FIGURA 04 pode-se ver o Morro da Penha e acima dele o Convento construído por Frei
Pedro Palácios, provavelmente com ajuda dos índios locais que eram alvos de sua “catequização”. Na
época em que fiz a imagem que serviria de contraponto à esta (2007), vemos uma série de construções
feitas nesta parte da Prainha, parte de um serviço de reurbanização e revitalização desta área trazida pelos
prefeitos Vasco Alves e Albuíno Azeredo – que mais tarde tornar-se-ia Governador do estado. Contudo, as
atuais administrações (Max Filho e Neulcimar Fraga) demoliram a maioria daquelas construções devido
a inutilidade que a região havia mergulhado e o fato de servir de abrigo à práticas criminais e ao consumo
de entorpecentes.
Como mencionei no início do ensaio, a FIGURA 05 apresenta uma via que não mais existe. Até
então, os projetos de mobilidade para o ES eram muito incipientes, não dando conta de interligar realmente
o estado com outras regiões do país. Os políticos da ditadura temiam uma possível invasão comunista
por terras capixabas e antes disso os portugueses não queriam que os piratas tivessem caminho livre até
as Minas Gerais e seu ouro. Apesar disso, o estado tem noção da sua multiculturalidade tentando ser
democrática nas línguas citadas na placa de Boas Vindas.
Finalmente, na FIGURA 06, temos um exemplo do crescimento urbano que o município atestou
nas últimas décadas. Neste caso, a fotografia que apreendi em 2007 não pude utilizar o mesmo ângulo, por
agora, no local onde possivelmente o Sr. Musso havia estado para captar a imagem, existe um edifício e
136
que mesmo indo para a sacada de um dos
andares não havia como imitar o ângulo
do autor da FIGURA 06.
3. Os Recortes: Assemblage digital
Quando se trabalha em cima de uma
obra de outro artista tão renomado temos
de ter o cuidado de não ofender a memória
do mesmo poluindo ou descaracterizando
seu trabalho. Esta preocupação pontuou
minha própria busca, desde o momento
da concepção do projeto, até a montagem
final em programa de edição de imagens.
A intenção explícita do autor foi a de
identificar as características físicas
do ambiente urbano da época e tentei
manter isso ao realizar a sobreposição das
imagens.
Na FIGURA 07 podemos
visualizar que tento demonstrar como
houveram diferenças da infraestrutura e
do comportamento social. Ainda como na
época de Musso, hoje em dia ainda se trata
de um ambiente de pouca agitação social,
com exceção da famosa “Festa da Penha”,
evento religioso-secular que atrai milhares
de fiéis todos os anos para as missas no
Convento que vão até de madrugada, e as
feiras populares no pé do Morro da Penha.
O veículo mudou e transita no
mesmo caminho do antigo bonde, não
mais existem os trilhos, o que realmente
FIGURA 07
137
MUSSO, Hugo; SILVA, Teófilo A. Igreja do Rosário, Prainha, Vila Velha – ES. (? – 2007).
138
FIGURA 08
MUSSO, Hugo; SILVA, Teófilo A. Praia da Prainha, Vila Velha - ES. (? – 2007).
139
indica a substituição completa do antigo veículo.
Enquanto as palmeiras já cresceram tendo diferenças
gritantes tanto no tamanho quanto na composição
das folhagens da copa.
Não estamos no mesmo ponto de onde foi
tirada a imagem de Musso, por conta da questão de
segurança da EAMES – a referida extensão de areia
fica agora dentro dos muros da instituição militar. Por
isso, não utilizei muito da imagem original, retirando
apenas os elementos mais característicos, até porque
a praia de antes não possuía tantos elementos visuais.
Os filhos de Musso contrastam com os pescadores. A
antiga praia vazia, agora está cheia de embarcações,
diferentes daquele primeiro tipo que aparece na
FIGURA 03, e a embarcação tirada daquela imagem
fica agora deslocada, posicionada na direita da
imagem.
A assemblage da FIGURA 09 foi uma das
mais difíceis de imaginar uma composição adequada.
A sobreposição de camadas ia além do simples
posicionamento dos elementos recortados. O Morro
da Penha está no mesmo local e a arquitetura do
Convento não mudou nos seus quase quatrocentos
anos desde a colocação da pedra fundamental . Estes
dois argumentos me fizeram concentrar-me nas
mudanças acontecidas no terreno da Prainha. A visão
que temos na fotografia apreendida por Hugo Musso
é a do campo plano. A capela ao fundo foi a capela
fundada na gruta da penha por Frei Pedro Palácios,
hoje encoberto (deste lado da vista) pelo prédio da
Polícia Militar e outras instalações como um clube
de Bocha.
MUSSO, Hugo; SILVA, Teófilo A. Praia da Prainha, Vila Velha - ES. (? – 2007).
140
FIGURA 09
FIGURA 10
MUSSO, Hugo; SILVA, Teófilo A. Praia da Prainha, Vila Velha - ES. (? – 2007).
MUSSO, Hugo; SILVA, Teófilo A. Caminho para Guarapari – Rod. Do Sol, Vila Velha - ES. (? – 2007).
141
FIGURA 11
MUSSO, Hugo; SILVA, Teófilo A. Praia de Itaparica, Vila Velha - ES. (? – 2007).
Neste caso, a via que fora retratada por Musso já não existe mais. É agora a Rodovia do Sol
(ES 040) que faz a ligação do município de Vila Velha com o de Guarapari. Contudo, os capixabas
atuais não parecem ser tão receptivos quanto os de antigamente, a placa de “Bem-Vindo” a cidade
fica mais distante (na divisa entre municípios) e só está escrita em português, indo na contramão do
multiculturalismo presente no território capixaba, famoso por possuir colônias de imigrantes que ainda
mantém tradições das terras europeias, africanas e asiáticas.
A FIGURA 11 como já citado anteriormente, foi aquela que me deixou mais insatisfeito, já que
o ângulo que Musso havia utilizado já não podia ser alcançado com o equipamento que eu possuía na
época já que no local há hoje um edifício. Por isso, a imagem feita por Musso era vertical enquanto
a que eu apreendi estava na horizontal. Contudo, apesar da diferença de composição, pode-se notar
diferenças na infraestrutura que décadas separam. O urbanismo alcançou o ambiente praieiro e o
calçadão superpôs-se à restinga original.
142
4. Experiência estética no Assemblage
Durante o processo de fotomontagem adicionou-se significantes extras ao trabalho fotográfico
de Hugo Musso sem, contudo, interferir no processo significante inicial. Quis apenas demonstrar as
modificações no ambiente humano de algumas décadas em separação.
Este trabalho que executei não é inédito, outros já fizeram – como exemplo podemos citar o
trabalho de Marcelo Zocchio no livro “Repaisagem São Paulo”. E, ainda assim, é o mesmo exercício
que fazemos mentalmente, quando visualizamos imagens antigas e as comparamos com nossa própria
imagem mental daquele espaço, ou seja, de alguma maneira o assemblage é uma técnica comum para
nossa vivência.
Além disso, trabalhos como este podem resgatar objetos fotográficos perdidos em acervos
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