VÉUS E VELAS
WANDA LIBERATORE
Copyright by Wanda Liberatore
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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Índices para catálogo sistemático: 1. Mulheres : Histórias de vida : Autobiografia 920.72
Liberatore, Wanda Véus e velas / Wanda Liberatore. – São Paulo:
PerSe, 2014 ISBN 978-85-8196-657-1 1. Experiências de vida 2. Histórias de vida
3. Liberatore, Wanda 4. Literatura Brasileira 5. Memórias 6. Mulheres – Relatos I . Título
14 – 05743 CDD – 920.72
WANDA LIBERATORE
VÉUS E VELAS
Primeira Edição
São Paulo
2014
DEDICATÓRIA
Aos meus filhos, Fábio Luís, Ana Elisa e Ana Flávia;
aos genros Miguel, Frédéric, à nora Marcia e suas trajetó-
rias iluminadas.
Aos meus netos, Isabella, Maria Amélia, Miguel
Luiz, Nicolas, Emilia e Julia.
Aos meus irmãos, Caetano e Vilma e suas famílias;
aos meus afilhados e seus pais, meus amigos.
Aos muitos queridos que fizeram diferença na mi-
nha vida pela boa influência exercida, em especial, na arte
de escrever.
E, finalmente, mas não menos importante, ao Se-
bastião, meu companheiro querido na estrada da vida, com
o qual compartilhei boa parte do conteúdo deste livro.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO __________________________ 9
VÉUS - PARTE I __________________________ 11
SOU DO TEMPO .... ______________________ 13
EU, APRENDIZ _________________________ 20
ESPARSAS LEMBRANÇAS DE INFÂNCIA ___________ 25
MINHA MÃE __________________________ 32
LEMBRANÇAS QUE NÃO TENHO _______________ 37
AVÔ CAETANO E AVÔ NATALE ________________ 41
QUERIDO QUINTAL_______________________ 47
A RUA DA MINHA CASA ____________________ 52
INICIAÇÃO RELIGIOSA _____________________ 55
SALAS SEPARADAS ______________________ 60
ESCUTAR E FALAR _______________________ 65
BEIJOS E ABRAÇOS ______________________ 70
PÁSCOA – TRÊS GERAÇÕES __________________ 74
FORTES EMOÇÕES: O PRIMEIRO INCÊNDIO _______ 77
QUERIDOS PROFESSORES __________________ 80
A COZINHA E EU _______________________ 85
RECEITA DE SOBREMESA PARA DIA DE FESTA _____ 90
PROFISSÕES __________________________ 94
VÉUS - PARTE II ________________________ 99
MEIOS DE TRANSPORTE ___________________ 101
CERTEZAS EQUIVOCADAS __________________ 108
ANOS DE EXCEÇÃO ______________________ 112
O MAPA JÁ VEM TRAÇADO _________________ 121
FESTAS VIVIDAS________________________ 127
CARNAVAIS __________________________ 132
FORTES EMOÇÕES: O SEGUNDO INCÊNDIO ______ 136
A CASA EM QUE CRIEI OS MEUS FILHOS ________ 141
TÍTULO DE ELEITOR, MEU COMPANHEIRO _______ 149
SER NÚMERO UM! ______________________ 158
TRANSMISSÃO DE EDUCAÇÃO RELIGIOSA________ 162
A DEBANDADA DOS FILHOS ________________ 167
CONFORTO REAL GERADO PELO VIRTUAL _______ 175
ENSINAMENTOS DO CASAMENTO _____________ 180
VÉUS - PARTE III _______________________ 185
A PROGRESSÃO DO OLHAR_________________ 187
PERCEPÇÕES _________________________ 191
POR QUE É IMPORTANTE SONHAR? ___________ 194
ESPELHOS ___________________________ 198
“VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA” __________ 202
COISAS QUE EU GOSTARIA DE FAZER __________ 207
“POR ALGUNS DOS SEUS TRAÇOS A INFÂNCIA DURA A VIDA INTEIRA” ___________________________ 210
AO MEU QUERIDO COMPANHEIRO, ___________ 214
RECUPERAR ENQUANTO HÁ TEMPO: É POSSÍVEL? __ 218
VELAS _______________________________ 221
QUERIDO PROFESSOR GOFFREDO ____________ 223
O INCOMPARÁVEL OSWALDO _______________ 227
A PRIMEIRA PESSOA A VER MEUS TRÊS FILHOS ___ 235
TRIBUTO A AVELITA _____________________ 241
APÊNDICE ___________________________ 247
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INTRODUÇÃO
Atravessamos grande parte da vida passando ao
largo da consideração ou da crença que, possivelmente,
chegaremos à velhice, acontecimento natural, cuja alterna-
tiva, morte prematura, é pior. De repente, nos apercebemos
que mais da metade da nossa vida já passou. Quando essa
descoberta se escancara diante de nós, é inevitável que re-
trospectivas, balanços, indagações sobre o nosso legado
povoem nossa cabeça. Nesse momento, podem até surgir
dúvidas sobre o real entendimento que as pessoas tiveram
sobre nossos atos, nossas decisões, isto porque, na verdade,
somos vistos pelo que aparentamos, demonstramos, o que,
nem sempre, corresponde ao que realmente somos.
Percebo que já atingi essa descoberta e surgiu uma
vontade incontida de registrar memórias de fatos que, de
alguma forma, me moldaram e que podem explicar muitas
das minhas ações pela vida afora e, até, influências que
exerci nas pessoas do meu entorno.
Registrar memórias envolve, a meu ver, o compro-
misso de ser, o mais possível, neutro e fiel em relação aos
sentimentos experimentados na época em que os fatos
aconteceram. Não é tarefa fácil, e nem sempre possível,
porque nossa compreensão, nossa maneira de ver o
mundo, sofre mudanças ao longo do tempo e tende a se
aperfeiçoar, o que significa que fatos entendidos de uma
forma na época em que aconteceram, possam ter outro en-
tendimento agora. As situações e imagens foram interpre-
tadas de acordo com a capacidade do alcance emocional e
intelectual que tínhamos na ocasião. Decorrido um inter-
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valo de tempo, o passado pode ganhar uma ressignifica-
ção, fica mais claro e pode até ter seu julgamento modifi-
cado. Nesta coletânea, alguns dos textos privilegiam o do-
cumental, mas a tônica de todos eles é mesclar história com
os sentimentos envolvidos.
Para quem estou levantando estes véus de memória?
Em princípio, para leitores em geral, aqueles que se
interessam por relatos de experiências de vida e, em espe-
cial, para a família e para as pessoas que passaram pela mi-
nha vida.
A estrutura desta coletânea trata tópicos, como se
fosse uma entrevista, evidenciando meu posicionamento
sobre eles. Há uma certa organização cronológica para me-
lhor entendimento dos assuntos abordados; não pretende
ser linear, nem tratar de todos os acontecimentos já vivi-
dos. O objetivo é tentar passar a percepção das reações e
comportamentos diante de contextos, de realidades que se
apresentaram. São alguns dos meus véus.
Escrevo também sobre minhas velas, pessoas que já
partiram e que, de alguma forma, tiveram importância e
significado diferenciado na minha vida.
Wanda Liberatore
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VÉUS - PARTE I
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SOU DO TEMPO ....
Evito usar a expressão “sou do tempo”. Parece-me
saudosista e com forte conotação de que os tempos passa-
dos eram melhores. Na verdade, nem tudo eram flores;
costumamos filtrar só as lembranças boas, sepultando as
ruins no cemitério do esquecimento. Prefiro então usar o
verbo no pretérito passado: “fui dos tempos”, mesmo por-
que, queiramos ou não, somos cidadãos da atualidade,
transitando pelos incríveis acontecimentos deste século
XXI. Utilizando o velho lugar comum, estamos a bordo do
trem da evolução, passando pelas estações do tempo. Por
enquanto estamos nesse trem e, quanto mais nele perma-
necermos, mais estações visitaremos e mais histórias tere-
mos para contar.
Fui do tempo em que ainda não havia eletrodomés-
ticos para facilitar e agilizar as tarefas diárias; não havia te-
levisão, nem chuveiro elétrico, por exemplo. Os telefones
eram poucos e difíceis de conseguir. A abertura de novas
linhas para acompanhar o progresso de São Paulo depen-
dia da expansão da congestionada estação telefônica cen-
tral, de forma que a aquisição de um aparelho demorava às
vezes mais de dez anos. Foi assim até meados da década
de 70. Para fazermos ligações interurbanas era necessário
falar com uma telefonista da Central que anotava o pedido
e nos informava sobre o tempo de espera, o que, depen-
dendo do lugar, significava horas. No quarteirão onde eu
morava, um bairro bem próximo do centro da cidade, só
havia um telefone instalado; era na casa da Dona Maria
“cervejeira”, uma portuguesa casada com um transporta-
dor de cerveja, daí o apelido. Era uma senhora muito pres-
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tativa. Recebia pacientemente recados para toda a vizi-
nhança e, quando a ligação era urgente ou uma emergên-
cia, interrompia o que estava fazendo para ir chamar o des-
tinatário, o que gerava uma demora de pelo menos uns
cinco a dez minutos de espera, com o telefone fora do gan-
cho, encarecendo o custo da ligação. Dona Maria cerve-
jeira, uma santa alminha! Nunca deixava de dar os recados
recebidos.
Fui do tempo em que somente as principais ruas
dos bairros eram pavimentadas, tempo em que as crianças
podiam brincar nas calçadas até tarde e até ir à escola de-
sacompanhadas. Os casos de violência contra a pessoa e
contra a propriedade eram raros. Lembro-me de um ladrão
da época, famoso porque não havia outros tão ousados – o
Meneghetti. Mais tarde surgiria o Bandido da Luz Verme-
lha. Eram casos esporádicos de violência e, por isso, não
tínhamos medo de sair às ruas. Cresci apenas com certo re-
ceio dos ciganos que, não raro, apareciam em grupos. Mi-
nha mãe me alertava para ficar longe deles, pois tinham
fama de raptar crianças.
Fui do tempo em que as mães “medicavam” os fi-
lhos com pozinhos, fortificantes, chás diversos, infusões e
outras preparações esquisitas: para aumentar o apetite, o
Biotônico Fontoura; para fortalecer os ossos, o Calcigenol;
para limpar o organismo, a magnésia Phillips ou São Pele-
grino, pelo menos uma ou duas vezes por ano; para tosse,
doses de água com alho; para evitar lombrigas, suco de
hortelã. O farmacêutico era um profissional muito respei-
tado e requisitado nas emergências do dia a dia: aconse-
lhava, fazia atendimentos corriqueiros, como dar injeções,
pincelar gargantas com iodo ou azul de metileno e efetuar
intervenções de pequeno porte, como extrair furúnculos,
fazer suturas em ferimentos provenientes de tombos, apli-
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car pontos falsos. Só quando a situação era mais grave cha-
mava-se o médico em domicílio. A visita de um médico na
vizinhança era um acontecimento de gravidade, motivo de
muitos comentários e especulações.
Fui do tempo dos almanaques Tico-Tico e da Edi-
tora Melhoramentos. Minha irmã lia o Jornal das Moças, que
publicava figurinos de roupas, moldes, penteados, dicas de
beleza e notícias das atividades dos galãs do rádio e do ci-
nema. Circulavam também na minha casa a revista O Cru-
zeiro e o jornal O Estado de São Paulo, assinado pelo meu pai
desde a sua vinda para São Paulo. Ouviam-se as novelas
da rádio São Paulo, especialista nesse tipo de entreteni-
mento, o programa humorístico PRK-30, com os geniais
Lauro Borges e Castro Barbosa e o programa do Nhô-Totico.
Aos sábados à tarde havia a Hora do Pato, um programa de
calouros muito famoso. Meu pai não perdia os programas
de óperas da Rádio Gazeta, com gravações de tenores fa-
mosos, Caruso, Beniamino Gigli, Tito Schipa. A Rádio Na-
cional tinha enorme audiência e havia a eleição anual de
Rainha do Rádio, com a disputa acirrada entre Emilinha
Borba e Marlene, duas ótimas cantoras. Lembro-me ainda
do noticiário radiofônico Repórter Esso e da propaganda:
“Só Esso dá a seu carro o máximo/ só Esso dá a seu carro
o máximo/ só Esso dá a seu carro o máximo/ veja o que
Esso faz! Só Esso extra/ extra/ extra!”.
Fui do tempo em que os cinemas eram enormes,
com capacidade para dois mil lugares ou mais. As sessões
noturnas exibiam dois filmes, além do noticiário contendo
imagens dos acontecimentos políticos, sociais, esportivos
de semanas anteriores. Aos domingos de manhã havia a
sessão de desenhos animados – Tom e Jerry, Frajola e Piu-
Piu - e a exibição de filmes infantis, geralmente dos estú-
dios da Disney: Cinderela, Branca de Neve, Bambi... À
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