VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! ENSAIOS DE INTRODUO FILOSOFIA OU
DE COMO SE DEU A ELABORAO DO PENSAMENTO RACIONAL
CONTEDOS PARA 1 ANO DO ENSINO MDIO
COMPILADO, ADAPTADO, SISTEMATIZADO E ELABORADO DE ACORDO COM O REFERENCIAL CURRICULAR 2012 DO ENSINO MDIO / SED/MS.
OLVIO MANGOLIM
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
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A f desentope as artrias; a descrena que d cncer. Nada melhor para a sade que um amor correspondido.
(VINICIUS DE MORAES). Ler e meditar, pensar e escrever o sangue e o ar de minha vida.
Quando no posso faz-lo, no me sinto vivo. Este livro dedicado para a mulher amada, minha nica e especial
professora de matemtica: Luzinete Souza Vilasboas.
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No se ensina Filosofia, ensina-se a filosofar (IMMANUEL KANT).
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Vale-se a pena ensinar a filosofar!
Posso dizer que aprendi como se ensina. Ento: vamos filosofar! uma delcia!
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Filosofar ter uma concepo do mundo e da vida; Filosofar ter e sentir amor ao buscar a sabedoria;
Filosofar fazer uma reflexo crtica e investigativa do conhecimento; Filosofar , para alm de todas as vontades de possuir, ter e dominar, a
necessidade imperativa do ser.
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Penso logo no me arrependo. Pensar produzir conhecimento, ao sobre a realidade circundante.
Arrependo por no executar o que penso, por executar diferente do pensado, ou executar sem ter planejado.
Recordo-me de ter pensado e isto conhecimento de fato.
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SUMRIO
APRESENTAO ............................................................................................................................. 9
INTRODUO ................................................................................................................................. 11
1. A ORIGEM DA FILOSOFIA ......................................................................................................... 18
1.1. ETIMOLOGIA DA PALAVRA FILOSOFIA .............................................................................. 24
1.2. O QUE FILOSOFIA? ............................................................................................................. 25
1.3. A IMPORTNCIA DA FILOSOFIA ........................................................................................... 27
1.4. CARACTERSTICAS DO PENSAMENTO FILOSFICO ........................................................ 28
1.5. FILOSOFIA, MITO, RELIGIO E RAZO. .............................................................................. 29
1.5.1. QUAL A DIFERENA ENTRE MITO E FILOSOFIA? .......................................................... 31
1.5.1.1. MITO ................................................................................................................................... 31
1.5.1.2. FILOSOFIA ......................................................................................................................... 34
1.6. NATUREZA E CULTURA ......................................................................................................... 35
1.7. A CONTRIBUIO DOS GREGOS NA CONSTITUIO DA FILOSOFIA............................ 39
1.7.1. TALES DE MILETO (623-546 a.C.)....................................................................................... 41
1.7.2. ANAXIMANDRO (610-545 a.C.)............................................................................................ 42
1.7.3. ANAXMENES (585-524 a.C.) ............................................................................................... 43
1.7.4. PITGORAS (570-490 a.C.) .................................................................................................. 45
1.7.5. HERCLITO (535-475 a.C.) .................................................................................................. 46
1.7.6. PARMNIDES (540-460 a.C.) ............................................................................................... 47
1.7.7. EMPDOCLES (490-430 a.C.) .............................................................................................. 48
1.7.8. DEMCRITO (460-370 a.C.) ................................................................................................. 50
1.8. O NASCIMENTO DA FILOSOFIA. ........................................................................................... 51
CONCLUINDO ................................................................................................................................. 52
2. TEORIA DO CONHECIMENTO NA ANTIGUIDADE E NA IDADE MDIA ................................ 55
2.1. OS FILSOFOS PR-SOCRTICOS. .................................................................................... 55
2.2. OS SOFISTAS E O PENSAMENTO SOCRTICO. ................................................................. 57
2.2.1. OS SOFISTAS ....................................................................................................................... 57
2.2.2. AS IDIAS DE SCRATES .................................................................................................. 59
2.2.1. DIFERENAS ENTRE SCRATES E OS SOFISTAS ......................................................... 61
2.3. A CONTRIBUIO DE PLATO. ............................................................................................ 62
2.3.1. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO E DA EDUCAO. ................................................. 64
2.3.1.1. ALEGORIA (MITO) DA CAVERNA .................................................................................... 64
2.3.1.2. DO SENSO COMUM AO SENSO CRTICO OU FILOSFICO ......................................... 67
2.4. AS IDIAS DE ARISTTELES. ............................................................................................... 71
2.4.1. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO E DA EDUCAO. ................................................. 72
2.4.1.1. O PAPEL DA RAZO ........................................................................................................ 73
2.4.1.2. ATO OU POTNCIA ........................................................................................................... 74
2.4.1.3. QUAL A CAUSA? .............................................................................................................. 74
2.5. A PATRSTICA E ESCOLSTICA ........................................................................................... 75
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2.5.1. SANTO AGOSTINHO (354-430) ........................................................................................... 77
2.5.2. SANTO TOMS DE AQUINO (1225-1274): O ARISTOTELISMO CRISTO. .................... 78
CONCLUINDO ................................................................................................................................. 80
3. TEORIA DO CONHECIMENTO NA IDADE MODERNA E CONTEMPORNEA. ..................... 82
3.1. HUMANISMO ............................................................................................................................ 84
3.1.1. O CONTEXTO HISTRICO DO SURGIMENTO DO HUMANISMO .................................... 84
3.1.2. O HUMANISMO FILOSFICO .............................................................................................. 86
3.2. RACIONALISMO E EMPIRISMO ............................................................................................. 87
3.2.1. RACIONALISMO: A CONFIANA EXCLUSIVA NA RAZO. ............................................. 87
3.2.2. EMPIRISMO: A VALORIZAO DOS SENTIDOS COMO FONTE PRIMORDIAL DO CONHECIMENTO. ........................................................................................................................... 88
3.2.3. REVISANDO E COMPARANDO AS DUAS TEORIAS. ........................................................ 89
3.3. IDEALISMO E MATERALISMO ............................................................................................... 95
3.3.1. IDEALISMO ........................................................................................................................... 95
3.3.2. MATERIALISMO.................................................................................................................... 96
3.4. ILUMINISMO ............................................................................................................................. 98
3.5. POSITIVISMO E MARXISMO ................................................................................................. 101
3.5.1. POSITIVISMO ...................................................................................................................... 101
3.5.2. MARXISMO .......................................................................................................................... 103
3.5.3. FENOMENOLOGIA ............................................................................................................. 105
3.5.4. EXISTENCIALISMO ............................................................................................................ 114
3.5.5. ESCOLA DE FRANKFURT ................................................................................................. 116
CONCLUINDO ............................................................................................................................... 120
4. LINGUAGEM, CONHECIMENTO E PENSAMENTO. ............................................................... 122
4.1. A LINGUAGEM COMO ATIVIDADE HUMANA ..................................................................... 123
4.2. A RELAO DA LINGUAGEM COM A CULTURA .............................................................. 126
4.3. A RELAO DA LINGUAGEM COM O CONHECIMENTO.................................................. 127
CONCLUINDO ............................................................................................................................... 129
CONCLUSO ................................................................................................................................ 131
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................. 133
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APRESENTAO
Eis que, afinal, consegui compilar, adaptar, sistematizar e elaborar um
pequeno livro de Filosofia para os alunos do 1 ano do Ensino Mdio. Aqui vocs
tero nas mos o conhecimento dos contedos bsicos de Filosofia que permita
o desenvolvimento do raciocnio lgico, aprofundado, sistemtico, questionador.
Trata-se da disciplina Filosofia e pretende-se apresentar aqueles aspectos
que daro uma contribuio importante na formao dos estudantes em relao
ao pensar, ao aprender, ao conhecer e o falar. No se ensina e no se aprende
a Filosofia. Aprende-se a filosofar. Kant, filsofo alemo do sculo XVIII, assim se
refere ao filosofar:
[...] no possvel aprender qualquer Filosofia; [...] s possvel aprender a filosofar, ou seja, exercitar o talento da razo, fazendo-a seguir os seus princpios universais em certas tentativas filosficas j existentes, mas sempre reservando razo o direito de investigar aqueles princpios at mesmo em suas fontes, confirmando-os ou rejeitando-os
1.
Por isso o ttulo deste livro um convite: VAMOS FILOSOFAR? O
importante descobrir nossas prprias concluses. Se para Ren Descartes
(1596-1650), fsico, matemtico e filsofo francs, fundador da Filosofia Moderna,
o penso, logo existo, para pensar necessrio utilizar o argumento da dvida,
portanto, duvidar o momento mais importante da atividade do pensamento, pois
estabelece a prova, a razo da nossa existncia. Nunca devemos andar como
piolho na cabea dos outros. Nunca devemos confiar plenamente naquilo que nos
passado como verdade absoluta. Duvidar, duvidar e duvidar para nos aproximar
cada vez mais da verdade.
Ensaios porque as atividades do aprender a aprender, do conhecer como
se conhece, do saber como se sabe, sero feitas coletivamente, reelaborando o
conhecimento a partir da contribuio de cada estudante. Introduo, do latim
Intus (dentro) cere (conduzir), porque coloca os estudantes em contato com a
1 KANT, Immanuel. Crtica da Razo Pura, p. 407.
Se no tivermos presente a tradio histrica, seremos como
selvagens modernos na selva da cidade (JOSTEIN GAARDER).
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cincia do ser e do pensar. Na introduo se apresenta os fundamentos. Eles
dizem respeito s bases, aos pilares, aos alicerces ou, ainda, razo de alguma
coisa ser como . E, finalmente, a Filosofia. O conhecer obra dos que pensam,
querem e sentem. Na medida em que se vive se Filosofa. Filosofia uma
atividade do ser humano, a dinmica do ser. a idia, sangue do meu sangue.
Produzir a idia, o pensamento. No ser apenas meros repetidores. Filosofia ser
e pensar. Consegue viver melhor quem pensa. Portanto, Filosofia aprendizado
do saber em proveito do homem (Plato). Viver uma delcia! Filosofar uma
delcia!
A coruja na capa o smbolo da Filosofia, pois consegue enxergar o
mundo mesmo nas noites mais escuras. o smbolo da sabedoria, pois na Grcia
antiga, tinha-se na noite o momento de revelao intelectual e do pensamento
filosfico e ela por ter hbitos noturnos, acabou representando a sabedoria e a
busca pelo saber. A constituio fsica de seu pescoo permite que ela veja tudo
a sua volta. Essa seria a pretenso da Filosofia, por meio da razo poder ver
racionalmente e entender o mundo mesmo nos seus momentos mais obscuros. E
ainda, procurar enxerg-lo sob os mais diversos ngulos possveis. Somente
assim teramos a possibilidade de uma atuao mais contundente na sociedade
que vivemos e construindo um Mato Grosso do Sul melhor para todos, e,
consequentemente o Brasil para todos. a Filosofia a servio da vida.
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INTRODUO
O ano de 2008 marcou definitivamente minha vida enquanto professor de
Filosofia para alunos do ensino mdio na Rede Estadual de Ensino em Mato
Grosso do Sul. Ensinar uma arte. Aprender possuir a arte das artes. O desafio
de trabalhar com a essncia do conhecimento para uma gerao extremamente
desconfiada e questionadora faz com que o filsofo se ressente de duas atitudes:
apreenso e estmulo.
Apreensivo porque na maioria das vezes se tm a idia, que a muito vem
sendo disseminada, de que a Filosofia coisa de maluco, rida e de nenhuma
utilidade para a vida. A primeira pergunta que o adolescente faz2, quando se
depara no Ensino Mdio com essa nova matria : Para que serve a Filosofia?
Pergunta feita com muita ira, e a resposta subentendida "de que no serve para
nada". Por a pode comear uma tima aula. Esse pode ser o comeo da
apreciao Filosofia, desde que o professor seja honesto e responda
exatamente o que o aluno quer (coincidentemente o aluno est certo!): filosofia
no serve para nada! A resposta ser surpreendente. Ele vai querer entender isso
melhor. Viro as seguintes questes: Como o professor ainda confirma o que ele
suspeitava? Como inserem uma disciplina em seu currculo que no serve para
nada? O que ele est fazendo aqui? O que eu estou fazendo aqui? Pronto,
comeou a Filosofia! J disse Aristteles, que foi do espanto, da admirao, do
estranhamento, que o homem comeou a filosofar.
A admirao sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens comearam a filosofar: a princpio, surpreendiam-se com as dificuldades mais comuns; depois, avanando passo a passo, tentavam explicar fenmenos maiores, como, por exemplo, as fases da lua, o curso do sol e dos astros e, finalmente, a formao do universo. Procurar uma explicao e admirar-se reconhecer-se ignorante (ARISTTELES, Metafsica: 982 b13).
Filosofia no serve mesmo para nada, pois se servisse no seria Filosofia.
Se servisse, no seria um fim em si mesmo. Se fosse til, seria mais uma cincia
2 Texto sistematizado a partir de CHAUI (2011: 20) e do artigo de Ulisses Fonseca da Silva,
Filosofia para Adolescentes, disponvel em , acessado em 30 de dezembro de 2010 s 16h19min.
Nada caracteriza melhor o homem do que o fato de pensar (ARISTTELES).
http://artigos.netsaber.com.br/
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particular e limitada, utilizada para algo, instrumentalizada para algum objetivo. A
grandeza da Filosofia est mesmo nessa inutilidade, pois assim, torna-se nobre.
Parece paradoxal: "o que no serve para nada", vale mais, mais nobre, do que
"o til". Os alunos vo aprender o que seu professor j sabe: "o que serve",
sempre "meio" para alguma coisa e no "fim em si mesmo", seria de uma
importncia muito significativa para sua vida, no s para compreender a filosofia,
mas para entender o "utilitarismo" do mundo em que vivemos, aplicando esse
conhecimento em sua rotina diria e na preparao do seu futuro. de uma
dimenso incrvel essa conceituao de "meio" e "fim". Capaz de mudar toda a
compreenso da nossa existncia. conhecida aquela definio de que Filosofia
uma cincia que com a qual ou sem a qual o mundo vai permanecer tal e qual3.
Por isso h os que zombam. Mas como disse Pascal: Zombar da Filosofia j
filosofar4.
Estimulado por buscar na Filosofia a razo ltima das coisas. Com
sabedoria afirmou o cineasta americano John Huston: O futuro do homem no
poder estar dissociado de seu retorno s origens5. O eterno menino que h em
ns. A eterna criana que somos. Que tudo pergunta. Que tudo quer saber. Que
nunca est satisfeito com as respostas que recebe porque sempre h algo a
perguntar.
A grande busca da contemporaneidade a questo da qualidade.
Qualidade em educao, qualidade de vida, qualidade total, etc. L na Grcia
Antiga encontramos Plato introspectivo na discusso de como administrar a
Polis (cidade) com justia, buscando sempre com sabedoria o melhor caminho.
Foi o prprio Plato quem props que a Cidade, o Estado deveria ser governado
no pelos mais ricos, nem pelos mais ambiciosos ou os mais astutos e sim pelos
mais sbios. Assim a Filosofia hoje h que se preocupar com um elemento muito
importante: o ser humano, aquele que cria, ama e busca ser amado. O amor, a
vida e o cumprimento de todos os nossos sonhos valem mais que o ouro e a
3 Gregrio Maraon (1887-1960), nota margem de uma de suas obras, Apud. PAULO RNAI,
Dicionrio universal de citaes, p. 374. 4 Pensamentos I, 4.
5 Apud Irene Tavares de S, Voc tambm faz a histria, p. 58.
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prata. Da a necessidade de que o ato de aprender a filosofar para nossos jovens
seja atraente, agradvel, motivador.
Ensinar a filosofar implica em transmitir um conhecimento, mais que um
conhecimento, ferramentas, instrumentais para que os estudantes aprendam a
fazer o uso livre de sua razo. A Filosofia como componente curricular no
merece continuar na esterilidade. A fertilidade da Filosofia conduzir para o
interesse dos estudantes, assim como a fertilidade da histria, da matemtica, da
literatura, etc., a Filosofia a servio da formao do cidado integral, aquele que
cria e reproduz cultura, atitudes ticas, a qualidade, etc. Por isso queremos traz-
la para a vida prtica dos nossos adolescentes e jovens. Estimular a fazer
perguntas, a pensar, a criar um senso crtico, por isso VAMOS FILOSOFAR? No
vamos decorar. No vamos aceitar o que j vem pronto. Vamos criticar e
ressignificar, refazer o caminho ou quem sabe descobrir um novo. Eis a tarefa do
verdadeiro filsofo: refazer por si mesmo o caminho percorrido pela Filosofia
desde seu nascedouro. Filosofar uma delcia!
Engana-se o professor quando diz: os estudantes no querem nada com
nada! No pensam! No querem ler! No se motivam!. Na sociedade informtica
em que vivemos, temos que nos dar conta que ao encontrar nossos alunos em
sala de aula, s vezes, nossas informaes, nossos contedos, nossas
metodologias, nossas aulas esto defasadas. Somos ns que no os
conseguimos motivar. Somos ns que no cativamos nossos alunos. No dizer da
raposa ao pequeno prncipe: tu te tornas eternamente responsvel por aquilo que
cativas (ANTOINE DE SAINT-EXUPERY). A raposa diz ao pequeno prncipe que
os homens esqueceram-se dessa verdade, mas que ele no dever esquec-la. E
o que preciso para cativar? A gente s conhece bem as coisas que cativou.
A cada dia que passa maior a necessidade de que os indivduos sejam
sujeitos de si mesmos conscientes de sua histria. A se encaixa o trabalho da
Filosofia. A preocupao da Filosofia com a formao de um indivduo crtico e
responsvel socialmente pelos seus atos. Assim tarefa da Filosofia garantir a
viso de totalidade da histria e do processo do conhecimento e juntamente com
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outras disciplinas auxiliar os jovens a descobrir o melhor caminho historicamente
possvel para a organizao da vida em sociedade.
Desta forma, a disciplina Filosofia busca fornecer ao estudante do Ensino
Mdio o instrumental bsico elaborao de uma reflexo sobre o mundo, e
sobre si mesmo no mundo, de forma a possibilitar-lhe a conquista de uma
autonomia crescente no seu pensar e agir.
Ao escrever estas anotaes de aulas de Filosofia tnhamos sempre em
mente aquelas competncias e habilidades que nossos estudantes deveriam
atingir ao longo dos trs anos do ensino mdio6:
Debater os conhecimentos de Filosofia e suas utilizaes, assumindo
uma postura a partir das orientaes dos educadores.
Analisar a participao dos gregos na historia da Filosofia,
comparando com o mundo atual.
Refletir sobre a importncia da cultura na construo humana.
Contextualizar os conhecimentos de Filosofia atravs de pensamentos
de filsofos renomados e com referncia na educao.
Reconhecer o nascimento da Filosofia como a passagem do
conhecimento mitolgico para o conhecimento racional.
Entender de que forma os pensadores daquela poca discutiam em
seu meio social os problemas como justia, coragem e conhecimento.
Compreender de que maneira os pensadores gregos discutiam os
diversos problemas ligados ao conhecimento.
Debater com fundamentao nos filsofos, em pauta, para melhor
compreenso e comparao dos problemas atuais.
Analisar e explorar os conhecimentos e procedimentos dos temas
apresentados.
Contextualizar e aplicar com argumentos os fatos apresentados,
relacionando e comparando com os dias atuais.
6 Conferir SED/MS, 2012: 251-261.
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Conhecer as diferentes formas de pensar a possibilidade, a origem, e
a essncia do conhecimento.
Debater sobre os vrios posicionamentos a respeito do conhecimento
na Idade Moderna e Contempornea.
Compreender atravs da linguagem e do conhecimento o papel da
atividade humana, pois o problema mais antigo da Filosofia.
Reconhecer a importncia da linguagem na sociedade e as diferenas
simblicas existentes entre as culturas.
Discutir a relao existente entre a linguagem e o conhecimento.
Desenvolver e compreender a importncia da cincia em todos os
nveis culturais de uma sociedade, para melhor entendimento,
buscando solues para os problemas apresentados.
Discutir a relao entre cincia e poder.
Analisar os pensadores propostos para uma compreenso
fundamentada em suas teorias, relacionando e compreendendo a sua
utilizao em nosso meio social.
Entender o papel cientfico das tendncias atuais como agentes
transformadores de uma sociedade.
Debater em torno dos filsofos da poca Moderna, comparando seus
pensamentos e diferentes vises da sociedade no perodo em que
viveram.
Interpretar as ideias dos pensadores Antigos e Medievais, analisando
e comparando suas posies, com possvel confronto de ideias que
divergem em seu meio social.
Debater de que forma a poltica e o poder podem transformar uma
sociedade em todos os aspectos.
Conhecer a importncia das questes polticas para o
desenvolvimento da coletividade.
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Compreender as teorias polticas e a relao destas com a nossa
realidade.
Discutir as teorias contratualistas para compreender melhor a
formao das sociedades polticas.
Debater as questes mais relevantes da poltica no sculo XX.
Identificar problemticas da poltica na atualidade e possveis
caminhos para solues.
Elaborar e analisar as diversas formas de respostas dos filsofos
sobre a tica e moral.
Debater os conceitos variados sobre o tema, analisando os
conhecimentos adquiridos em busca de aplicabilidade em seu meio
social.
Compreender a relao entre liberdade e responsabilidade.
Compreender a importncia da cidadania na vida social.
Aplicar o conceito de democracia como sendo algo necessrio na
pratica governamental de uma nao, mostrando seus benefcios e
manifestaes.
Debater todas as formas de governo, demonstrando, com exemplos,
tanto as virtudes como os erros.
Debater as diferentes vises sobre as questes ticas da atualidade.
Identificar as grandes questes ambientais da atualidade e suas
possveis solues.
Discutir as mudanas necessrias na sociedade para um
desenvolvimento sustentvel.
Explorar as questes ligadas a lgica dialtica de Plato.
Despertar as proposies e os argumentos da lgica formal
Aristotlica.
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Aplicar os conhecimentos da arte de pensar para tornar-se algo
comum na educao, estudando as leis do pensamento.
Debater a necessidade da arte da argumentao como o caminho
mais eficiente para o raciocnio lgico.
Explorar o conceito de esttica em toda plenitude, despertando
ansiedade e desejo de conhecer o belo e as demais caractersticas do
tema.
Debater as diferentes vises estticas em suas dimenses histricas
e artsticas.
Abordar e entender a importncia da Filosofia na Amrica Latina.
Conhecer a Histria da Filosofia no Brasil.
Este o caminho que devemos percorrer. A esperana de caminhar nas
linhas que traamos infinda, esperamos consegui-lo, seno o conseguir na
totalidade, ao menos em parte. Obviamente que todas estas habilidades e
competncias devero ser atingidas no decorrer e ao trmino dos trs anos do
Ensino Mdio. Este livro aborda os temas a serem estudados no primeiro ano do
Ensino Mdio de acordo com o Referencial Curricular da Rede Estadual de
Ensino de Mato Grosso do Sul.
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1. A ORIGEM DA FILOSOFIA
Um dia ao adentrar numa das salas de 1 ano do Ensino Mdio na Escola
Estadual Lino Villach, Nova Lima em Campo Grande/MS, os alunos olharam
para mim e disseram: VAMOS FILOSOFAR. A surgiu a idia do ttulo deste
pequeno livro. Pois bem, disse. Ento vamos pensar. O que pensar? Um grande
silncio reinou entre todos os estudantes. Ento algum disse: ento professor o
que pensar? Sugeri fazer ento uma socializao sobre o conceito de pensar. E
ao final daquela aula quando todos expuseram suas idias, uma era bem notvel,
diferencial. Disse o aluno: pensei, pensei, pensei (...) e descobri que no sei o
que pensar. Da a necessidade de se estudar Filosofia. A mesma Filosofia que
teve seu nascimento l na Grcia no sculo VI antes de Cristo.
Os gregos comearam a explicar o mundo de uma forma diferente da
explicao mitolgica. Em outros termos, o que tornou possvel a passagem da
cosmogonia7 cosmologia8? Alguns autores dizem ser o milagre grego a
passagem da mentalidade mtica para o pensamento racional, como se isso fosse
possvel ocorrer apenar num estalar dos dedos ou no piscar dos olhos. Seria uma
7 Significa a formao do mundo atravs dos mitos. Narrativa da origem do ksmos atravs das
relaes sexuais entre os deuses ou os elementos naturais enquanto foras vitais que engendram ou procriam todos os seres. A Filosofia procede de um estudo denominado cosmologia (grego kosmologa, do grego ksmos lei, ordem, mundo, universo + radical grego logia tratado, cincia, discurso). Portanto, a Filosofia nasce do exerccio racional na busca de uma ordem do mundo ou do universo. O mito por sua vez narra a origem das coisas por meio de lutas e relaes sexuais entre as foras que governam o universo, por isso, so chamadas cosmogonias e teogonias. A literatura grega narra a origem do universo utilizando-se de figuras de linguagem, enquanto os fsicos como tambm eram denominados os pr-socrticos procuravam explicaes a partir da natureza physis em grego. 8 Explicao racional sobre a origem e ordem do mundo natural ou natureza, sobre as causas das
transformaes, gerao e perecimento de todos os seres. Os pr-socrticos buscavam, alm de falar sobre a origem das coisas, mostrar que a physis (naturezas) passava por constantes mudanas e que essas eram provocadas por alguma coisa que tentavam conhecer. Por causa das viagens martimas, da inveno do calendrio, da inveno da moeda, do surgimento das polis, da inveno da escrita e da poltica os gregos passaram a perceber que nada ocorria por acaso e que no existia a interferncia de deuses relatados no perodo mitolgico. A cosmologia surgiu como a parte da Filosofia que estuda a estrutura, a evoluo e composio do universo, sendo a primeira expresso filosfica apresentada no Perodo pr-socrtico ou cosmolgico. Suas principais caractersticas so: a substituio da explicao da origem e transformao da natureza atravs de mitos e divindades por explicaes racionais que identificam as causas de tais alteraes, defende a criao do mundo a partir de um princpio natural e que a natureza cria seres mortais a partir de sua imortalidade (Disponvel em , acessado em 25 de dezembro de 2010 s 09h00min).
Tudo o que existe tem que ter um comeo (GAARDER, 2001: 9).
http://www.brasilescola.com/filosofia/cosmologia.htm
VAMOS FILOSOFAR? UMA DELCIA! OLVIO MANGOLIM
19
viso simplista e a-histrica. A Filosofia grega a culminncia de um processo
gestado ao longo dos tempos. Alguns elementos da histria da Grcia antiga,
principalmente do perodo arcaico (sculos VIII a VI a.C.) ajudaram a alterar a
viso mtica para o aparecimento dos filsofos. De maneira geral podemos dizer
que a partir do sculo VII a.C. h uma revoluo monetria da Grcia e seguiram-
se a ela inovaes cientficas. Essas transformaes contriburam para a
elaborao de uma nova forma de pensar: mais racional.
So vrias causas para a origem da Filosofia9 e, agora, vamos analisar
algumas delas. Perceba como cada uma delas operou uma mudana significativa
no modo de pensar do homem na Antigidade grega, permitindo a formao de
coisas novas como a Filosofia, segundo Jean-Pierre Vernant10.
1) Navegaes: uma parte considervel da vida dos gregos relacionava-se
com o mar, era de onde, por exemplo, conseguiam obter parte significativa de sua
alimentao. Vivendo muito no mar, os gregos no encontraram muitos dos
monstros marinhos narrados pela histria oral e nem vivenciaram seres e histrias
narradas por poetas (como Homero e Hesodo). Assim, as navegaes
contriburam para o que Max Weber chamou mais tarde de desencantamento do
9 Texto sistematizado pelo professor Leonardo Oliveira de Vasconcelos, disponvel no Blog
, acessado em 25 de dezembro de 2010 s 08h18min. Tambm sistematizado pelo professor Anderson Alves Esteves, disponvel em , acessado em 19 de janeiro de 2011 s 23h14min. 10
O professor Jean-Pierre Vernant faleceu em 9 de janeiro de 2007, aos 93 anos. Vernant foi responsvel por uma modificao significativa em nossa compreenso das origens do pensamento grego, substituindo o mito do milagre grego pela anlise concreta das condies histricas que deram nascimento Filosofia. Nascimento associado ao da Cidade grega, em particular da democracia, este regime em que, diz ele, o poder est no centro, eqidistante de todos, de modo que, ao contrrio de qualquer outra formao histrica, torna necessrio o recurso razo para fazer valer uma determinada posio. Do mesmo modo que a Cidade grega j no se subordina autoridade do dspota, que d ordens, sem necessidade de argumentar, o filsofo no se contenta com a autoridade tradicional e divina do mito. A compreenso das modificaes histricas que propiciaram o surgimento da Cidade, por sua vez, exige a anlise da especificidade grega, da radical novidade do regime de escravido at, no limite, a considerao do tipo particular de produo de ferro. Um programa assumidamente materialista, chamado por Vernant de psicologia histrica, que soube se manter ao largo da vulgaridade e que se estende pela longa produo de dezenas de livros, muitas vezes regida pela anlise do mito: Mito e Pensamento, Mito e Trabalho, Mito e Sociedade, Mito e Tragdia etc. Ou melhor, Entre mito e poltica, como no ttulo de sua autobiografia (publicada em 1996 e traduzida pela Edusp em 2001), na realidade, um extraordinrio memorial de sua vida acadmica e poltica (Disponvel em , acessado em 25 de dezembro de 2010 s 09h20min).
http://blogpensar.blogspot.com/2007/09/1o-ano.htmlhttp://www.consciencia.org/materialanderson3.shtml#_ftn5http://sanfilosofia.wordpress.com/2010/03/13/mythos/
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mundo. Fazia-se necessrio um saber que explicasse os fatos ocorridos na
natureza que no recorresse a histrias sobrenaturais.
2) Calendrio e moeda: viver podendo pensar o tempo abstratamente e
quantificando valores para realizar trocas no algo que sempre ocorreu na
histria da humanidade. Quando os gregos passaram utilizar o calendrio e a
moeda11, introduzida pelos fencios, conseguiram abstrair valores como smbolo
para as coisas, fazendo avanar a capacidade de matematizar e de
representao. Tudo isso favoreceu um desenvolvimento mental muito
significativo e com grande capacidade de abstrao.
3) Escrita: outro fator que potencializou em grande medida o poder de
abstrao12 do homem grego foi transcrever a palavra e o pensamento com
smbolos: eis o alfabeto. A escrita permite o pensamento mais aguado sobre
algo quando ficamos lendo e analisando alguma coisa, como, por exemplo, uma
lei. Ao ser fixada, a lei fica exposta como um bem comum de toda a cidade, um
saber que no secreto como um saber vinculado ao exerccio de um sacerdote,
mas propriamente pblico, alm de estabelecer uma nova noo na atividade
jurdica, a saber, uma verdade objetiva. A escrita favorece o crescimento
intelectual porque exige de quem escreve uma postura diferente daquela de quem
apenas fala. A fala a explicitao do conhecimento acumulado, porm de menor
rigor. A escrita exige maior rigor e clareza porque fixa a palavra. Palavra que com
certeza ser revisitada e revista e, portanto, tem a possibilidade de sofrer
alteraes em sua estrutura de pensamento.
11
A moeda apareceu na Grcia por volta do sculo VII a.C., vindo facilitar os negcios e impulsionar o comrcio, ao funcionar como valor universal das mercadorias. Emitida e garantida pela polis, a moeda fazia reverter seus benefcios para a prpria comunidade. Alm desse efeito poltico da democratizao, a moeda sobrepunha aos smbolos sagrados e afetivos o carter racional de sua concepo: a moeda se constitui conveno humana, noo abstrata de valor que estabelece a medida comum entre valores diferentes. Nesse sentido, a inveno da moeda desempenha papel revolucionrio, por vincular-se ao nascimento do pensamento racional crtico (ARANHA, 2008: 17). 12
Abstrair em Filosofia significa: separar para estudar cada elemento separadamente, afim de que possamos aprofundar o conhecimento geral sobre aquela coisa total. Do grego aphairesis, separao conceitual do assunto no estudo dos objetos da matemtica. Consiste em separar (abstrahere = arrancar, desligar) pelo pensamento, ou considerar separadamente, o que no pode ser dado separadamente, na realidade. Abstrao base da formao das idias gerais. Separar o estudo em partes para compreender melhor o todo.
http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=95http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=3408http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=4157http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=770http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=4238http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=600http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=1175http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=797http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=3877http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=3954
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4) Poltica: esta a principal causa para a origem da Filosofia (e da tica).
Na Grcia antiga houve trs legisladores que deram uma importante contribuio
para a transformao da polis: Drcon (sculo VII a.C.), Slon e Clstenes (sculo
VI a.C.). Esses legisladores,
[...] que sinalizaram uma nova era: a justia, at ento dependente da interpretao da vontade divina ou da arbitrariedade dos reis, torna-se codificada numa legislao escrita. Regra comum a todos, norma racional, sujeita discusso e modificao, a lei escrita passa a encarnar uma dimenso propriamente humana (ARANHA, 2008: 18).
A Filosofia uma inveno genuinamente grega. Note que a palavra
poltica13 formada pelo termo grego polis, cujo significado cidade, cidade-
estado, conjunto de cidados que vivem em um mesmo lugar e uma mesma lei. E
o mais importante: so os cidados que faziam suas prprias leis mediante uma
assemblia. A originalidade da cidade grega que ela estava centralizada na
gora (praa pblica), espao onde eram debatidos os problemas de interesse
comum. Esta prtica teve incio com os guerreiros que, juntos, discutiam o melhor
modo de vencer ao inimigo, cada um dos guerreiros tinha o direito de falar,
bastando para isso ir ao centro do crculo formado na assemblia; ao final da
guerra, outras assemblias eram feitas para dividir o que foi ganho. Isto , ocorre
a prtica do dilogo para a deciso, dando a todos o direito de falar e a condio
de serem iguais uns aos outros e lei partilhada entre eles. Aquele que conseguir
convencer a maioria de que sua proposta a que se aproxima mais da verdade
de como vencer aos inimigos, receber maior nmero de votos. Ora, esta a
prtica que o filsofo adotou mais tarde: escrevendo ou discursando, tornava
pblica sua idia por consider-las verdadeiras, por pretender encontrar a
harmonia perdida do debate entre opinies divergentes. Debater, trocar opinies,
argumentar, eis a prtica democrtica, eis prtica filosfica. A Filosofia nasce
como uma filha da polis, como uma filha da democracia.
13
A poltica, como a entendemos hoje, nasceu na Grcia. E esse elemento foi importante para o desenvolvimento da filosofia. Principalmente por que se deu a partir de um processo de reorganizao das relaes de poder. As tribos e cls se reestruturaram dando origem s cidades-estado. O poder que era exercido pelo patriarca ou pelo irmo mais velho, passou a ser questionado e, na cidade (polis) organizaram-se as assemblias dos cidados (homens livres, ricos e que tinham nascido naquela cidade). Devemos notar que dessas assemblias, que aconteciam em praa pblica onde se reuniam os cidados com direito a voz e voto, estavam excludos: mulheres, crianas, estrangeiros e escravos. Nas assemblias da praa eram tomadas as decises a partir dos debates, das argumentaes pr e contra. As decises nasciam dos debates (CARNEIRO, 2008).
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Eis o que Jean Pierre Vernant chamou de um universo espiritual da polis
(2000: 41), trata-se de um lugar com proeminncia da palavra a palavra aberta
a todos e com igualdade no seu uso era o modo de fazer poltica; com publicidade
separao entre questes privadas e questes pblicas, estabelecendo prticas
abertas e democrticas em oposio aos processos secretos; com isonomia
todos eram iguais no exerccio do poder e diante das leis que criaram. Alm disso,
este novo universo espiritual esteve acompanhado e propiciou uma mutao
mental (VERNANT, 1973: 453) nos homens: agora era possvel explicar o mundo
abstratamente excluindo o sobrenatural.
O homem caracterizado como um ser que pensa e cria explicaes.
Criando explicaes, cria pensamentos. Ao explicar as coisas, os acontecimentos
e pensamentos, revelam tanto a base mitolgica quanto racional do seu
pensamento. A partir desta raiz o homem pensa, interliga suas idias, criando
sistemas, elabora cdigos e desenvolve prticas.
certo que a sobreposio da razo frente ao mito realizada pelos gregos
foi decisiva para o desenvolvimento dos elementos culturais da civilizao
ocidental. Cravaram na histria de todos os processos humanos posteriores a
logomarca dos gregos (logos). Os gregos em grande parte nos inventaram.
Sobretudo ao definir um tipo de vida coletiva, um tipo de atitude religiosa e
tambm uma forma de pensamento, de inteligncia, de tcnicas intelectuais, de
que lhes somos em grande parte devedores14.
A passagem do mito Filosofia, sobretudo o conhecimento que se tem
sobre o como ocorreu esta passagem, esclarecem, tornam sensveis, todas as
formas possveis que temos de se conhecer realidade. Em outras palavras:
possvel de se conhecer o mundo atravs do mito, da Filosofia, do senso comum,
da arte e da cincia (e ainda h outras possibilidades).
Estas formas de conhecer o mundo ou possibilidades de conhecer a
realidade so tambm definidas na Filosofia como teoria do conhecimento ou
mtodos de abordagem. A partir do captulo segundo deste livro estaremos
14
Conferir entrevista com Jean-Pierre Vernant, O Estado de So Paulo Caderno 2 05/08/2001.
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concentrados em estudar a teoria do conhecimento nos diferentes perodos
histricos e nas suas diferentes abordagens metodolgicas.
Delimitar, estabelecer a diferena entre o pensamento mtico e o
pensamento racional15 extremamente importante hoje como o foi para os gregos
da Antiguidade, para que possamos compreender os problemas enfrentados pela
sociedade atual.
Compreender o que Filosofia hoje e sua importncia tornar-se- uma
facilidade quando entendermos as circunstncias em que ela surgiu.
A Filosofia surgiu na Grcia Antiga com o propsito de libertar o pensamento de suas bases mticas, para dar vida explicaes diferentes daquelas que dependiam de deuses e supersties. Era uma atividade dos homens sbios (philos = amigo ou amante; Sophia = sabedoria) que se punham a pensar sobre conceitos estabelecidos, buscando novos entendimentos. Ou seja, a Filosofia tem incio quando no mais consideramos as coisas como certas, passando e formular questes sobre elas e a procurar respostas. Faz-se Filosofia colocando perguntas, propondo idias, argumentando e pensando em possveis argumentos contrrios, procurando saber como funcionam realmente os conceitos, para chegar mais prximo da verdade. Seu objetivo avanar no conhecimento da vida e de ns mesmos. A atividade filosfica (e conseqentemente, a atitude filosfica) se caracteriza pela busca de sentido mais profundo da realidade, transformando uma simples experincia ou idia num saber sobre a experincia e a idia
16.
O que o filsofo mais faz refletir. Ele pe em causa o prprio pensar.
Quando estamos diante de um espelho vemos nossa imagem refletida nele. Na
verdade h um desdobramento: estamos aqui e estamos l no espelho. Nossa
15
O pensamento racional tem um registro civil: conhece-se a sua data e o seu lugar de nascimento. Foi no sculo VI antes da nossa era, nas cidades gregas da sia Menor, que surgiu uma forma de reflexo nova, inteiramente positiva, sobre a natureza. Burnet exprime a opinio corrente quando observa a este propsito: Os filsofos jnios abriram o caminho que a cincia no fez depois seno seguir. O nascimento da filosofia, na Grcia, marca assim o comeo do pensamento cientfico, poder-se-ia dizer simplesmente: do pensamento. Na Escola de Mileto, o logos ter-se-ia pela primeira vez libertado do mito como as escaras caem dos olhos do cego. Mais do que uma mudana de atitude intelectual, do que uma mutao mental, tratar-se-ia de uma revelao decisiva e definitiva: a descoberta do esprito. Seria por isso vo procurar no passado as origens do pensamento racional. O pensamento verdadeiro no poderia ter outra origem seno ele prprio. exterior histria, que s pode, no desenvolvimento do esprito, dar a razo de obstculos, de erros e de iluses sucessivas. Tal o sentido do milagre grego: atravs da Filosofia dos jnios, reconhece-se a Razo intemporal encarnada no tempo. O aparecimento do logos introduziria, portanto, na histria uma descontinuidade radical. Viajante sem bagagem, a Filosofia viria ao mundo sem passado, sem pais, sem famlia; seria um comeo absoluto. Nesta perspectiva, o homem grego acha-se assim elevado acima de todos os outros povos, predestinado; nele se encarnou o logos. Se inventou a Filosofia, opinava ainda Burnet, deve-o s suas qualidades de inteligncia excepcionais: o esprito de observao aliado ao poder do raciocnio. E, para alm da Filosofia grega, esta superioridade quase providencial transmite-se a todo o pensamento ocidental, surto do helenismo (Disponvel em e acessado em 25 de dezembro de 2010 s 09h29min). 16
Rita Foelker, Disponvel em , acessado em 20 de julho de 2010 s 15h30min.
http://sanfilosofia.wordpress.com/http://www.edicoesgil.com.br/educador/filosofia/oqueefilosofia.html
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imagem refletida pela luz vai at o espelho e retorna (reflectere, em latim, significa
voltar sobre. Voltar atrs, fazer retroceder), repassando suas experincias e suas
idias para entend-las melhor e para confirm-las. Portanto refletir retomar o
prprio pensamento, pensar o j pensado, voltar para si mesmo e questionar o j
conhecido.
A Filosofia nasceu para que, usando a razo 'natural', ns pudssemos discutir, desenvolver e aplicar critrios de julgamento, a fim de avaliar o valor de verdade do contedo das nossas crenas e a validade, ou a legitimidade das normas, hbitos e costumes que regulam as nossas aes e comportamentos. Temos crenas e em funo delas agimos. Filosofamos para avaliar o quanto nossas crenas so slidas e o quanto nossos comportamentos so justificveis
17.
1.1. ETIMOLOGIA DA PALAVRA FILOSOFIA
A palavra formada por dois termos gregos: philos () e sophia
(). A primeira uma derivao de philia () que significa amizade, amor
fraterno e respeito entre os iguais; a segunda significa sabedoria ou simplesmente
saber. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo
saber; e o filsofo, por sua vez, seria aquele que ama e busca a sabedoria, tem
amizade pelo saber, deseja saber18. Se conseguirmos pronunciar a palavra
philosophia como os gregos antigos por sua aprendizagem a conheceram, no
seria preciso explic-la, pois a lngua grega, por se ter formado a partir da
experincia originria das palavras, tem o privilgio de expressar seu sentido no
ato de pronunci-las. Ns hoje ouvimos primeiro a explicao etimolgica da
palavra philosophia e com dificuldade transpomos o simples ouvir ou ver a palavra
em busca daquele sentido primeiro investigado e apreendido pelos antigos
gregos.
A primeira definio de Filosofia que conhecemos a de Pitgoras (570-
490 a.C.)19. Ele dizia que o filsofo amigo e desejoso da sabedoria. Relutava
17
Cunha, Jos Auri. O conceito de pessoa na comunidade dialgica de investigao. Transcrio da palestra proferida na Mesa-Redonda 'Racionalidade, tica e Educao', II Encontro Nacional de Educao para o Pensar. Leia o texto integral em . (Clique em "Biblioteca CBFC" e em "Volume 3"). 18
Conferir , acessado em 25 de dezembro de 2010 s 17h36min. 19
Ccero. Tusc. disput. lib. V, c. 3. Apud. Antnio Xavier Teles, Introduo ao estudo de Filosofia. p. 10.
Toda Filosofia que se preza procura resolver
os problemas mais inquietantes de sua poca.
http://www.cbfc.com.br/http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia
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25
que no se tratava de uma sabedoria sobrenatural ou divina, e sim que um
filsofo um homem humanamente sbio, e, por isso mesmo, de sua obrigao
fornecer aos homens luzes humanas mais profundas sobre os grandes problemas
que afligem a humanidade.
Foi Herclito de feso (535-475 a.C.) quem presumivelmente criou o termo
filsofo. Em grego, philosophon que se compe de philos que significa amigo, e
sophon, que significa o todo (hen panta). Filsofo, portanto, amigo do todo.
Onde est o todo com quem o filsofo mantm laos de amizade?
O todo est no prprio pensamento que pensa! Quando pensa, o
pensamento se torna luz do real. Podemos traduzir o termo sophon como o
pensamento pensando o real. Ou ainda: sophon o real luzindo no pensamento.
Quando o pensamento aprende a apreciar o mltiplo real, quando sabe v-
lo ou l-lo em sua transparncia, possui o sophon. Esta aprendizagem ou
sabedoria se parece com o clarear do dia que acorda a noite para a luz da
madrugada. A luz da manh o pensamento; a realidade, noite de seu
entusiasmo.
O filsofo seria um pretendente sabedoria, uma pessoa aficionada pelo
saber, e no um detentor de todo saber como injustamente, s vezes, lhe
atribudo. A primeira vez que a palavra apareceu foi sob a forma verbal filosofar
com o significado de esforar-se por adquirir novos conhecimentos (Herdoto,
484-425 a.C.). Tudo o que voc quer desde que seja agradvel aos olhos de
Deus, voc consegue mesmo antes do seu querer.
1.2. O QUE FILOSOFIA?
Para ser amigo e desejoso da sabedoria preciso vencer a tragdia.
Comear a pensar, eis a tarefa. A Filosofia deve ser o pensar real. Por que isso?
Porque entre ns perdemos o contato com a realidade em torno, e at muitas
vezes desconhecemos nossa prpria realidade, vivemos de uma forma como se
no fssemos ns, assumimos ser outro. Como podemos deixar de sermos ns
A verdadeira Filosofia reaprender a ver o mundo (MERLEAU-PONTY).
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mesmos? A Filosofia o pensar solcito e liberado verdade do ser que destina o
homem ao seu ser mais prprio.
Ela convoca o homem ao mais ntimo de si, leva-o a refletir sobre seus
problemas e os problemas do contexto que o envolve. De modo que podemos
afirmar que a Filosofia libera o homem da conjuntura social, enviando-o ao mais
prprio do social, econmico, poltico e ideolgico.
A Filosofia , ao mesmo tempo, interpretao do j vivido e das aspiraes
e desejos do que est por vir, do que est para chegar. Ela uma fora na luta
pela vida e pela emancipao humana. Portanto Filosofia o que se pensa.
Pensar o que somos e como somos.
A Filosofia como uma obra de arte ou ainda uma bela jogada de futebol.
Impossvel defini-la antes de faz-la, como no se pode definir em geral nenhuma
cincia, nenhuma disciplina, antes de entrar diretamente no trabalho de faz-la.
Qualquer cincia, um fazer humano qualquer, recebe seu conceito claro, sua
noo precisa, quando o homem domina este fazer. O que dominado, o que
apreendido, ento definido. No existem definies no vazio, no nada. S se
sabe o que Filosofia quando se realmente um filsofo. Isto quer dizer que a
Filosofia, mais do que qualquer outra disciplina necessita ser vivida. Vivncia
significa o que temos realmente em nosso ser psquico; o que real e
verdadeiramente estamos sentindo, tendo, na plenitude da palavra ter.
Adentremos, pois, num exemplo concreto, que nos permita compreender a
amplitude da palavra vivncia. Uma pessoa pode estudar detalhadamente o mapa
do Pantanal20 sulmatogrossense; estud-lo muito bem; observar um por um os
diferentes nomes dos rios; depois estudar uma por uma o nome das espcies
animais, vegetais, principalmente aqueles que se dizem em extino; pode depois
ir Morada dos Bas e revisitar, rever, observar uma a uma as fotos existentes.
20
O Pantanal a maior plancie de inundao contnua do mundo, formada principalmente pelas cheias do rio Paraguai e afluentes. A regio tem cerca de 250 mil Km, sendo que mais de 80% fica no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O restante fica principalmente na Bolvia e uma pequena parte ao Paraguai, onde recebe o nome de Chaco. Possui uma impressionante diversidade na fauna e flora. Segundo a WWF, existem no Pantanal 1.132 espcies de borboletas, 656 de aves, 122 de mamferos, 263 de peixes e 93 de rpteis. Na poca das chuvas, entre outubro e fevereiro, o Pantanal fica praticamente intransitvel por terra. No restante do ano, o solo forma um excelente pasto para o gado.
http://www.brasil-turismo.com/mato-grosso.htmhttp://www.brasil-turismo.com/matogrosso-sul.htmhttp://www.guiageo-americas.com/mapas/bolivia.htmhttp://www.guiageo-americas.com/mapas/paraguai.htmhttp://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/biomas/bioma_pantanal/index.cfm
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Igualmente no Museu Dom Bosco encontrar vestgios de espcies antigas, da
presena indgena que ocupara a regio, etc. A partir disto pode reconstruir a
viso panormica do Pantanal. E assim ir aprofundando os estudos de maneira
cada vez mais minuciosa; mas sempre ser uma simples idia.
Ao contrrio doze (12) horas de passeio de barco pelo Pantanal uma
vivncia. Entre doze (12) horas de passeio de barco e a mais vasta coleo de
fotografia do pantanal, h um abismo. Isto uma simples idia, uma
representao, um conceito, uma elaborao intelectual; enquanto que aquilo
colocar-se realmente em presena do objeto, isto , viv-lo, viver com ele; t-lo
prpria e realmente na vida; no o conceito, que o substitua; no a fotografia; no
o mapa, no o esquema, que o substitua, mas ele prprio. Pois o que ns vamos
fazer viver a Filosofia. E para viv-la necessrio entrar nela para explor-la.
Qual a coisa mais importante da vida? Se fazemos esta pergunta a uma pessoa de um pas assolado pela fome, a resposta ser: a comida. Se fazemos a mesma pergunta a quem est morrendo de frio, ento a resposta ser: o calor. E quando perguntamos a algum que se sente sozinho e isolado, ento certamente a resposta ser: a companhia de outras pessoas. Mas, uma vez satisfeitas todas as necessidades, ser que ainda resta alguma coisa de que todo mundo precise? Os filsofos acham que sim. Eles acham que o ser humano no vive apenas de po. claro que todo mundo precisa comer. E precisa tambm de amor e cuidado. Mas ainda h uma coisa de que todos ns precisamos. Ns temos a necessidade de descobrir quem somos e porque vivemos (GAARDER, 2001: 24).
A vida uma Filosofia. A Filosofia vivncia. Estudar uma Filosofia de
vida. Portanto a Filosofia durante o processo formativo h de propiciar que o
estudante de hoje e profissional de amanh seja melhor qualificado para a vida e
para o mercado de trabalho. Afinal o estudante deve exercer o seu papel de
prever, organizar, pesquisar, discutir, estudar.
1.3. A IMPORTNCIA DA FILOSOFIA
Na linguagem comum de uso corrente, Filosofia uma viso de mundo,
uma concepo de vida, que o homem adota para uso pessoal. De maneira que
qualquer profissional poder adotar para si ou assumir uma Filosofia de vida mais
pessimista ou mais otimista, menos sria ou mais, progressista ou retrgrada,
motivadora de ao ou inibidora.
igualmente proveitosa aos pobres e aos ricos, e, quando desprezada, prejudicar igualmente meninos e velhos (HORCIO, Epstolas, I).
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De fato no perodo que vai da adolescncia para a juventude que criamos
uma Filosofia de vida para ns, uma concepo de vida e de mundo que ir
interferir em nossas atitudes e modo de ser. Todos ns temos uma Filosofia
subjacente s nossas atitudes perante o mundo e a vida.
Todos ns devemos ser filsofos. Devemos filosofar, pois filosofar arte
das artes: o exerccio de pensar por ns mesmos. A Filosofia de vida de cada um
resume o significado mais amplo que atribumos s experincias do dia-a-dia para
dar-lhes sentido.
Assim todo profissional tem sua Filosofia de trabalho, mesmo que no
esteja explicitada, elaborada, seguida como doutrina.
Os que jamais tiveram ou seguiram uma Filosofia foram fadados ao
fracasso, pois a prtica sem teoria uma roda sem eixo, desgovernada e sem
rumo. E a teoria sem prtica um semovente a caminho; necessariamente tem
algum a gui-lo. Quem no pensa por si s como piolho: anda na cabea dos
outros.
1.4. CARACTERSTICAS DO PENSAMENTO FILOSFICO
A Filosofia uma forma de saber que se distingue daquele comum porque
radical, sistemtico e rigoroso, e daquele cientfico porque exaustivo, com total
abrangncia inclusiva e explicativa (de conjunto)21. A exaustividade desta cincia
faz com que a nossa investigao avance em direo ao aprender como se
aprende ao saber como se sabe e ao conhecer como se conhece.
Com efeito, se a Filosofia realmente uma reflexo sobre os problemas que a realidade apresenta, entretanto ela no qualquer tipo de reflexo. Para que uma reflexo possa ser adjetivada de filosfica, preciso que se satisfaa uma srie de exigncias que vou resumir em apenas trs requisitos: a radicalidade, o rigor e a globalidade. Quero dizer, em suma, que a reflexo filosfica, para ser tal, deve ser radical, rigorosa e de conjunto. Radical: Em primeiro lugar, exige-se que o problema seja colocado em termos radicais, entendida a palavra radical no seu sentido mais prprio e imediato. Quer dizer, preciso que se v at s razes da questo, at seus fundamentos. Em outras palavras, exige-se
21
Dermeval Saviani em seu livro Educao brasileira: estrutura e sistema, na tentativa de se aproximar de uma definio possvel, conceitua a Filosofia como uma reflexo radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas que a realidade apresenta.
Tudo era um caos at que se ergueu a Mente para pr ordem nas coisas escrevia
Anaxgoras, convencido da fora da razo que filosofava (TELES, 1982: 19).
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que se opere uma reflexo em profundidade. Rigorosa: Em segundo lugar e como que para garantir a primeira exigncia, deve-se proceder com rigor, ou seja, sistematicamente, segundo mtodos determinados, colocando-se em questo as concluses da sabedoria popular e as generalizaes apressadas que a cincia pode ensejar. De conjunto: Em terceiro lugar, o problema no pode ser examinado de modo pardal, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando-se o aspecto em questo com os demais aspectos do contexto em que est inserido. neste ponto que a Filosofia se distingue da cincia de um modo mais marcante. Com efeito, ao contrrio da cincia, a Filosofia no tem objeto determinado; ela dirige-se a qualquer aspecto da realidade, desde que seja problemtico; seu campo de ao o problema, esteja onde estiver. Melhor dizendo, seu campo de ao o problema enquanto no se sabe ainda onde ele est; por isso se diz que a filosofia busca. E nesse sentido tambm que se pode dizer que a filosofia abre caminho para a cincia; atravs da reflexo, ela localiza o problema tornando possvel a sua delimitao na rea de tal ou qual cincia que pode ento analis-lo e, qui, solucion-lo. Alm disso, enquanto a cincia isola o seu aspecto do contexto e o analisa separadamente, a Filosofia, embora dirigindo-se s vezes apenas a uma parcela da realidade, insere-a no contexto e a examina em funo do conjunto
22.
Entre as inmeras definies que foram dadas Filosofia digna de
particular meno a dos esticos23: A Filosofia cincia das coisas humanas e
divinas e de suas causas. Tudo suscetvel de investigao filosfica; por esta
razo d-se uma Filosofia do homem, uma Filosofia do mundo, uma Filosofia da
arte, da religio, da histria, da cultura, do esporte, da tcnica, do trabalho, do
direito, etc. Mas so terrenos privilegiados e tambm objetivo principal da Filosofia
os problemas ltimos: a origem das coisas, o sentido da histria, o valor do
conhecimento, a causa do mal etc.
Coerentes com estas definies, at hoje, os filsofos estudaram todas as
coisas. A Filosofia a cincia dos objetos do ponto de vista da totalidade,
enquanto que as cincias particulares so os setores parciais do ser, provncias
recortadas dentro do continente total do ser. A Filosofia a disciplina que
considera o seu objeto sempre do ponto de vista universal e da totalidade.
Enquanto que qualquer outra disciplina, que no seja a Filosofia, o considera de
um ponto de vista parcial e derivado. Conclumos ento que a Filosofia estuda
tudo.
1.5. FILOSOFIA, MITO, RELIGIO E RAZO.
Quando falamos do mito e da Filosofia falamos do problema da ordem e da
desordem no mundo.
22
Dermeval Saviani, Educao: do senso comum conscincia filosfica. Disponvel em: , acessado em 25 de dezembro de 2010 s 19h10min. 23
ESTICA: escola filosfica que procura a felicidade atravs da supresso dos prazeres.
http://www.scribd.com/doc/7298667/
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30
O homem, ao procurar a ordem do mundo, cria tanto o mito como a
Filosofia. Muitos povos da Antigidade experimentaram o mito, que um
pensamento por imagens. Os gregos tambm fizeram a experincia, de ordenar o
mundo por meio do Mito. Eles perceberam que o mito era um jeito de ordenar o
mundo.
A experincia poltica grega, ao longo dos anos, trouxe a possibilidade do
pensamento como logos (razo), pois a vida na polis imps exigncias que o mito
j no satisfazia24. Mas ser que com a Filosofia o mito desaparece? Ser que em
nossa sociedade ainda nos orientamos pelo pensamento mtico?
O nascimento da Filosofia pode ser entendido como o surgimento de uma
nova ordem do pensamento, complementar ao mito, que era a forma de pensar
dos gregos. Uma viso de mundo que se formou de um conjunto de narrativas
contadas de gerao a gerao por sculos e que transmitiam aos jovens a
experincia dos ancios. Como narrativas, os mitos falavam de deuses e heris
de outros tempos e, dessa forma, misturavam a sabedoria e os procedimentos
prticos do trabalho e da vida com a religio e as crenas mais antigas.
Nesse contexto, os mitos era um modo de pensamento essencial vida da
comunidade, ao universo pleno de riquezas e complexidades que constitua a sua
experincia. Enquanto narrativa oral, o mito era um modo de entender o mundo
que foi sendo construdo a cada nova narrao. As crenas que eles transmitiam
ajudavam a comunidade a criar uma base de compreenso da realidade e um
solo firme de certezas. Os mitos apresentavam uma religio politesta, sem
doutrina revelada, sem teoria escrita, isto , um sistema religioso, sem corpo
sacerdotal e sem livro sagrado, apenas concentrada na tradio oral, isso que
24
Conferir SEED/PR: p. 12-13.
certo que as tradies, os mitos, e a religiosidade respondiam a todos os questionamentos. Contudo, essas explicaes no davam mais conta de problemas, como a permanncia, a mudana, a continuidade dos seres entre outras questes. Suas respostas perderam convencimento e no respondiam aos interesses da aristocracia que se estabelecia na polis (SEED/PR, 2006: 16).
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se entende por teogonia25. Vale salientar que essas narrativas foram
sistematizadas no sculo IX por Homero e por Hesodo no sculo VII a.C.
Ao aliar crenas, religio, trabalho, poesia, os mitos traduziam o modo que
o grego encontrava para expressar sua integrao ao cosmos e vida coletiva.
Os gregos a partir do sculo V a.C., viveram uma experincia social que
modificou a cotidianidade grega: a vivncia do espao pblico e da cidadania. A
cidade constitua-se da unio de seus membros para os quais tudo era comum. O
sentimento que ligava os cidados entre si era a amizade, a filia, resultado de
uma vida compartilhada (a poltica como causa da filosofia).
1.5.1. QUAL A DIFERENA ENTRE MITO E FILOSOFIA?
1.5.1.1. MITO
O pensamento mtico por natureza uma explicao da realidade que no
necessita de metodologia e rigor, enquanto que o logos caracteriza-se pela
tentativa de dar resposta a esta mesma realidade, a partir de conceitos racionais.
Mas existe razo nos mitos? No seria tambm a racionalidade, um mito moderno
disfarado?
Assim como na Antigidade, o mito estava a servio dos interesses da
aristocracia rural e, portanto no interessava aristocracia ateniense, surgindo
assim o pensamento racional ligado polis, no mundo contemporneo, no
estariam o pensamento tecnicista e a cincia, a servio do capital e das elites que
financiam a produo do conhecimento cientfico?
O mito um contexto explicativo feito para esclarecer um fato at ento
desconhecido. o pensamento anterior reflexo mais crtica. A explicao
mitolgica nasceu de uma atitude primria diante das coisas, do homem, do
mundo, explicaes sem rigor racional e sem crtica pessoal. O mito um
conjunto fechado de conhecimentos, capaz de explicar a realidade do meio.
Quando pergunto a um ndio guarani porque se dizem que foram os primeiros
25
Genealogia de deuses, surgimento dos deuses.
Um mito a histria de deuses e tem por objetivo explicar
porque a vida assim como (GAARDER, 2001:35).
http://pt.shvoong.com/tags/explicar/http://pt.shvoong.com/tags/realidade/
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criados por Deus (Nhandejara), a resposta sempre a mesma. Porque foram. Os
outros vieram depois. Tenta explicar a realidade pela prpria realidade. Trabalha
com o conceito, atravs dos sentidos. Um mito uma narrativa tradicional com
carter explicativo e/ou simblico, profundamente relacionado com uma dada
cultura e/ou religio. O mito procura explicar os principais acontecimentos da vida,
o fenmenos naturais, as origens do Mundo e do Homem por meio de deuses,
semideuses e heris (todas elas so criaturas sobrenaturais). Pode-se dizer que o
mito uma primeira tentativa de explicar a realidade.
Vamos verificar o que um mito a partir da pr-histria de Mato Grosso do
Sul. Habitavam esta regio antes da chegada do homem branco (mineiros,
paulistas, gachos, japoneses) os povos indgenas. Dentre estas muitas tribos
(Guaicuru, Guan, Guarani, Guat, Kadivu, Kaiow, Laiana, Ofai, Paiagu,
Terena, Xamacoco), cada uma tinha e tem sua maneira de explicar sua origem,
seu mito da criao.
Segundo a tradio dos terena, os professores da aldeia de cachoeirinha
(Miranda-MS), em 1995, resumiram assim a criao de seu povo:
Havia um homem chamado Oreka Yuvakae. Este homem ningum sabia de sua origem, no tinha pai nem me, era um homem que no era conhecido de ningum. Ele andava caminhando no mundo. Andando num caminho, ouviu um grito de passarinho olhando como que com medo para o cho. Este passarinho era o bem te vi. Este homem, por curiosidade, comeou a chegar perto. Viu um feixe de capim, e em baixo, num buraco, havia uma multido, eram os povos terena. Estes homens no se comunicavam e ficavam trmulos. Ai Oreka Yuvakae, segurando em suas mos tirou todos eles do buraco. Oreka Yuvakae, preocupado, queria comunicar-se com eles e no conseguia. Pensando, ele resolveu convocar vrios animais para tentar fazer essas pessoas falarem. Aconteceram vrias tentativas, e nada. Finalmente ele convidou o sapo para fazer a apresentao na sua frente, o sapo teve sucesso pois todos esses povos deram gargalhada, a partir da eles comearam a se comunicar e falaram para Oreka Yuvakae que estavam com muito frio (BITTENCOURT & LADEIRA, 2000: 22-23).
A outra verso para esta lenda foi documentada pelo estudioso Herbert
Baldus, antroplogo que trabalhou com os Terena durante muito tempo. Esta
verso assim:
Diz que antigamente no havia gente. Bem-te-vi Utuka, descobriu onde havia gente debaixo do brejo, Bem-te-vi marcou o lugar aos Orekajuvaki, que eram dois homens, e estes tiraram a gente do buraco. Antigamente, Orekajuvaki era um s e quando moo sua me ficou brava, pois Orekajuvaki no queria ir junto com ela roa. Ela foi roa tirou a foice e cortou com ela Orekajuvaki em dois pedaos. Cada pedao virou uma pessoa diferente. Orekajuvaki sempre pensaram em como fazer essa gente falar. Mandaram-na entrar em fileira um atrs do outro. Orekajuvaki chamaram lobinho (Oku), para fazer rir a gente. Lobinho fez macacada, mordeu no prprio rabo, mas no conseguiu
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fazer rir. Orekajuvaki, chamaram sapinho, aquele vermelho (Kalalke). Este andou como sempre anda e a gente comeou a dar risada. Sapinho passou ida e volta ao longo da fila trs vezes. Ai a gente comeou a falar e dar risada. Ouviram que cada um da gente falou diferente do outro. A separaram cada um a um lado. Eram gente de toda raa. Como o mundo era pequeno. Orekajuvaki aumentou o mundo para o pessoal caber. Orekajuvaki deu uns carocinhos de feijo e milho e deu mandioca tambm e ensinou como se planta. Deu tambm semente de algodo e ensinou como tecer faixa. Ensinou fazer arco e flecha, ranchinho, roar e plantar (Relato oral de Antnio Lulu Kaliket, traduzido para o Portugus por Ladislau Hahoti) (BITTENCOURT & LADEIRA, 2000: 23-24).
Nas duas verses do mito que conta a criao do povo terena clara a sua
ligao a terra-me. A terra me, e quando falamos desta maternidade no nos
referimos a uma alegoria, e sim a uma maternidade natural. Os Terena se
chamam a si mesmos de poke, que quer dizer terra. Quando perguntamos a
eles pela explicao disso, respondem:
Poke vituko vha vooku voxunoe enomonemaka kea enomone maka vvo ne poke, pone poke hane nox xea kuteti koeku vno enomone indko nbeno, enomone vo ne inhnoxapa; undi haeneye [nosso nome poke porque nossos antepassados saram da terra e porque ns vivemos na terra, da terra que sobrevivemos; desta mesma terra constru minha casa, tenho meus vizinhos; eu sou daqui mesmo (Poke = terra = Terena = filho natural da terra) (informao verbal)]
26
(MANGOLIM, 1999: 17).
Essa identificao precisa dos terena com a terra contada no mito da
criao terena (podemos por analogia averiguar o mito da criao divina contado
no primeiro livro da Bblia: Deus fez o 1 homem Ado a partir do barro). Os
terena foram tirados da terra. E da terra que sobrevive. A lavoura a principal
forma de atividade econmica, sendo fundamental para a religio Terena.
Cultivam, sobretudo, o arroz, feijo, milho, mandioca. Algumas aldeias esto
diversificando com amendoim, criao de gado e pequenos animais. A cana-de-
acar um produto muito utilizado para a produo de doces. Todas as aldeias
Terena so ricas em produo de frutas como a manga, caju, tamarindo, laranja,
banana.
Essa explicao mitolgica da realidade feita pelos terena, remonta
poca em que em todo o Mato Grosso do Sul pouco mais de 3.000 indgenas
26
Os Terena acreditam que antes de haver os ndios, j todos os animais viviam na terra. Os ndios viviam quase que como bichos debaixo da terra. Os Vanone saram da terra antes dos ndios. Os Vanone eram uma tribo grande, eram numerosos, pequenos e como bichos; falavam como passarinho, faziam s h h h, no diziam outra coisa. Mas podiam se entender com os ndios. Chamaram os ndios, para subir. Os Vanone ensinavam a falar todas as tribos e davam-lhes uma lngua, depois voltavam para dentro da terra. Provavelmente ainda esto l, porque aqui no aparecem mais. Diferentes animais traziam sementes e ensinavam a plantar. O fogo, isto , os pauzinhos para produzir o fogo, os Terena receberam-nos dos Vanone.
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deste povo aqui habitava. E este territrio que hoje comporta mais de dois (2)
milhes de habitantes27 dos quais aproximadamente vinte e quatro mim (24.000)
indgenas terena. Hoje os terena ocupam pouco mais de 20 mil hectares de terra,
no alcanando um (1) hectare por pessoa. Da mesma maneira que os gregos
fizeram a passagem de um entendimento mitolgico da realidade para um
entendimento filosfico (racional), os terena esto buscando um rigor racional na
releitura que esto fazendo de sua realidade vivida hoje. Esto a partir da reflexo
crtica (filosfica) buscando novas alternativas de sobrevivncia.
1.5.1.2. FILOSOFIA
A Filosofia um modo de pensar, uma postura diante do mundo. A Filosofia no um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si mesmo. Ela [...] um modo de se colocar diante da realidade, procurando refletir sobre os acontecimentos a partir de certas posies tericas. Essa reflexo permite ir alm da pura aparncia dos fenmenos, em busca de suas razes e de sua contextualizao em um horizonte amplo, que abrange os valores sociais, histricos, econmicos, polticos, ticos e estticos. Por essa razo, ela pode se voltar para qualquer objeto. Pode pensar a cincia, seus valores, seus mtodos, seus mitos; pode pensar a religio; pode pensar a arte; pode pensar o prprio homem em sua vida cotidiana. Uma histria em quadrinhos ou uma cano popular podem ser objetos da reflexo filosfica (ARANHA & MARTINS, 1992).
Conhecimento objetivo, caracterizado pela razo, preocupa-se com a
essncia das coisas. A explicao mtica contrria explicao filosfica. A
filosofia procura, atravs de discusses, reflexes e argumentos, saber e explicar
a realidade com razo e lgica enquanto que o mito no explica racionalmente a
realidade, procura interpret-la a partir de lendas e de histrias sagradas, no
tendo quaisquer argumentos para suportar a sua interpretao.
Filosofia uma ao que nos levar a pensar diferente. Como os primeiros
filsofos gregos fizeram. Pensar de modo qualificado e cuidadoso. Envolve
ateno ao que ocorre. E isso o que no ocorre hoje. Como diz a filsofa
gacha Mrcia Tiburi:
Filosofia [...] resistncia, coragem de levar adiante a chance de que o mundo que pensamos conhecer possa ser diferente do que suspeitamos. Temos receio de pensar diferente. [...] Filosofia conversao, troca de experincias de saber, vontade de conhecimento sistemtica. [...] O raciocnio uma busca. Mas a Filosofia tem muito mais a ver com trabalho do conceito, com tentativa de pensar encontrando caminhos prprios. Ela prxima da literatura por isso, porque tambm criao da linguagem, muito mais do que apenas aplicao de tcnicas lgicas previamente estabelecidas (2007: 7-9).
27
IBGE 2010.
http://pt.shvoong.com/tags/ess%C3%AAncia/
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35
1.6. NATUREZA E CULTURA
No cabedal da literatura contempornea e, sobretudo, no mbito da
Filosofia e Sociologia como cincias autnomas a cultura tudo (produo
humana milenar). Natureza tambm tudo (enquanto phisis). Mas no so
palavras sinnimas. Ambas so ricas de contedo. Na ausncia do homem a
natureza existe, e a cultura? Seria a cultura toda a natureza filtrada pelo homem.
A natureza pr-existe ao homem, enquanto a cultura sempre um produto da
sociedade humana. A cultura posterior ao trabalho humano. Uma caverna
cavada pela eroso natural, mas, no cultural. Os trabalhos da arquitetura so
culturais. Pode a cultura absorver toda a natureza? Eis que a natureza contm
toda a cultura.
Quando falamos em natureza28, atualmente, pensamos logo na realidade
exterior, no meio ambiente em que nascemos e vivemos, e que marcamos to
fortemente com nossa presena, nossas tcnicas, esse mundo natural no qual
construmos nossas cidades, que cortamos com nossas estradas, e cuja
existncia acreditamos estar ameaada, por causa de nossa atitude predatria
com relao a ele.
No entanto, a natureza pode ser compreendida de maneira mais ampla, ou
seja, como abarcando mais do que esse lugar ou essa exterioridade que
recebemos de presente quando nascemos. muito importante percebermos que,
na verdade, os termos natureza e natural referem-se quilo que nos dado (ou
imposto), no s externa, mas tambm internamente, como determinaes que
nos definem e que no podemos alterar ou que, para serem alteradas exigem
muita inventividade ou tcnica.
Nessa perspectiva temos pelo menos trs mbitos do que pode ser
chamado de natural:
1. A natureza exterior (os recursos naturais, o mundo tal como o
encontramos, "lugar" ou "exterioridade");
28
Baseado no texto sistematizado por Marcelo P. Marques. Mdulo didtico: Natureza e Cultura. Centro de Referncia Virtual do Professor - SEE-MG / fevereiro 2010. Disponvel em http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/documentos/md/em/filosofia/2010-08/md-em-fl-02.pdf e acessado em 17 de julho de 2012 s 21h25min.
http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/documentos/md/em/filosofia/2010-08/md-em-fl-02.pdf
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2. A natureza enquanto as caractersticas internas dos seres em geral,
aquelas com as quais eles nascem (por pertencerem a uma espcie); seriam
aquelas caractersticas que, juntas e articuladas, formariam o que se poderia
chamar de constituio inata, que incluiria tendncias, potencialidades,
disposies ou estruturas tais que permitiriam (ou impediriam) o desenvolvimento
de certos modos de ser. No caso do ser humano, em geral, seu corpo (mortal,
sexuado, dotado de alguns sentidos e no de outros) e suas caractersticas
psquicas, com suas potencialidades (capacidade de raciocnio, de desenvolver
linguagem e de fabricar cultura);
3. Podemos ainda pensar na natureza particular de cada indivduo (que
inclui este ou aquele tamanho, marcas prprias singulares, maior ou menor
aptido para aprender alguma coisa, ser magro ou gordo, ser homem ou mulher,
etc.).
Se o mbito da natureza fonte de determinaes que no dependem de
nossa vontade ou escolha, j o mbito da cultura , num primeiro sentido,
fabricado por ns mesmos, ou seja, a cultura tanto o processo como o resultado
da ao criadora por parte dos seres humanos. Nessa primeira formulao, a
cultura inclui tudo o que no natural, ou seja, tudo o que os diferentes grupos
humanos inventam, produz, fabricam, criam, escolhem e estabelecem para si
prprios.
Cultura so as cidades, as indstrias, as tcnicas e os produtos das
tcnicas, os materiais e objetos fabricados; e tambm as lnguas, os cdigos, os
livros, as leis, os costumes, a memria dos costumes, as regras, as artes, os
objetos das artes, as imagens, as convenes, os comportamentos, etc.
Na verdade, a distino entre natureza e cultura muito difcil de ser feita,
porque, como veremos muitas dessas "produes" humanas s so possveis por
contarem com certas disposies naturais. Mas importante pensar sobre essas
dimenses da realidade, separadamente e em suas relaes, para que possamos
formular alguns problemas fundamentais, compreend-los e, eventualmente,
tomar decises em nossas vidas, individuais e coletivas.
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A relao entre as esferas da natureza e da cultura uma dos temas
principais da Filosofia ocidental desde os gregos antigos. Tomar conscincia de
sua diferena e tentar compreender os modos como se relacionam so tarefas
que geram uma srie de questes e debates, problemas que recebem mltiplas
verses e formulaes ao longo da histria das tcnicas, das cincias, das artes e
da Filosofia.
Algumas coisas nos parecem certas, atualmente: no se trata de se
sobrepor a cultura natureza, como duas camadas justapostas, nem de reduzir
ou assimilar uma dimenso outra, como se a natureza se dissolvesse na
cultura, ou como se fosse possvel naturalizar totalmente a complexidade do
mundo cultural. preciso compreender cada uma das duas esferas, nelas
mesmas e tambm nas suas relaes. difcil pens-las separadamente, mas o
esforo instrutivo, ou seja, vale a pena tentar diferenci-las atravs da pesquisa,
da reflexo e do dilogo; mas, acima de tudo, preciso vivenciar suas relaes
como problemas, para sermos capazes de vislumbrar seu alcance e sua
importncia para nossas vidas.
O que surge dessa experincia reflexiva a compreenso de que o que
parece estar em questo na discusso nosso interesse em sabermos o que,
afinal de contas, o ser humano! E essa uma tarefa que no podemos evitar:
para vivermos bem (ou melhor), temos que pensar certos problemas, seja no
plano instrumental (tcnico e operacional), seja no plano comunicativo (moral e
poltico).
Vejamos algumas questes que serviro para nos mostrar a importncia
vital da reflexo filosfica sobre a relao entre natureza e cultura.
Ecolgicas
Os grupos humanos podem usufruir dos recursos naturais sem pensar nos
seus limites?
Um fazendeiro pode utilizar a gua do rio que passa em sua propriedade,
do modo como quiser?
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