7/29/2019 Valor135-Poltica externa e relevncia
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Poltica externa e relevncia
Fbio Wanderley Reis
Falei h pouco, nesta coluna, sobre o carter problemtico das
relaes entre relevncia (social, poltica) e qualidade analtica no trabalho
no campo da cincia poltica. Em contraste com certa posio corrente
entre ns, que v essas relaes em termos de acomodao e barganha e
aceita que a exigncia de qualidade seja comprometida em nome da
relevncia dos problemas tratados, defendi a posio de que a qualidade
analtica tem total precedncia sobre consideraes de relevncia, sendo
mesmo condio para que o trabalho possa pretender reclamar relevncia
prtica no equacionamento dos problemas, em vez de expor-se a
simplesmente aumentar a confuso a respeito deles.
Uma complicao da questo geral trazida pela salincia que os
temas e problemas supostamente adquirem aos olhos do pblico ou, numa
democracia, do eleitorado. Presume-se que problemas de importncia
prtica so problemas que despertam o interesse dos cidados e vo ser
objeto de debate entre eles e, na perspectiva que defendo, no caberia
esperar que os cientistas polticos (ou sociais, em geral) no faam mais
que juntar-se como palpiteiros aos palpiteiros leigos (que, como cidados,
tm todo o direito de palpitar, naturalmente). Mas a confuso aumenta
quando ponderamos dois fatos: de um lado, o de que h boas razes para
vincular a qualidade do trabalho no estudo da poltica tambm apropriada
sensibilidade diante das questes que preocupam aos cidados (contra a
velha ideia de uma academia transformada em torre de marfim sem
conexo com o mundo real); de outro lado, o de que os eleitores ou
cidados, como fartamente evidenciado pela prpria sociologia poltica,
mostram graus muito diversos de informao e interesse com respeito aos
assuntos polticos e de disposio a envolver-se com eles e participar
politicamente, disposio esta que tende a estar fortemente relacionada com
a estratificao social, diminuindo medida que descemos nos nveis
socioeconmicos. E este segundo aspecto se desdobra em algo mais grave:
a hierarquia social continua a condicionar as chances de que as opinies
dos cidados tenham influncia nas decises polticas mesmo quando taisopinies chegam a existir nos nveis menos favorecidos, ou seja, quando h
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a envolvimento e participao na pobreza, como formulou R. Weissberg
(citado em L. M. Bartels, Voice, and Then What?, 2009), adquirir voz
ou gritar mais alto tende a ser intil.
Com a sbita elevao do status do Brasil no cenrio internacional, a
esfera da poltica externa vem adquirindo indita relevncia no pas, j
tendo mesmo chegado a constituir-se, como registrava Maria Cristina
Fernandes em coluna de dias atrs no jornal Valor Econmico, em tema da
campanha para a eleio presidencial de 2010. Pena que seja esta uma
esfera em que as confuses em que se embolam a relevncia, a qualidade
das anlises pertinentes e questes de democracia surgem de modo
especial.
Para comear, trata-se de rea em que, no obstante a tradio do
Itamaraty na diplomacia, no chegamos a desenvolver tradio de pesquisa
e reflexo acadmica mais rigorosa e profcua (talvez merea meno, a
propsito, a frustrante experincia pessoal de participar como convidado h
poucos anos, em prestigiado centro que reunia nomes de destaque num
grupo de trabalho sobre o assunto, de repetidas reunies em que no se ia
alm da leitura inteligente dos jornais). Por outra parte, se estudos feitos
nos Estados Unidos mostram a poltica externa como rea em que a viso
governamental das questes particularmente distante das opinies dos
cidados comuns, com certeza no h razo para esperar que os cidados
comuns brasileiros estejam atentos ao que a se passa e possam trazer real
estofo democrtico s decises.
Seria descabido negar que a projeo que experimentamos, cujo fator
decisivo se acha na favorvel dinmica econmica e poltica recente, se
articula com polticas bem concebidas e executadas no mbito do
Itamaraty. Mas creio ser evidente que nos encontramos deriva entre,
talvez, um vago orgulho nacionalista de parcelas da opinio popular, certo
nacionalismo mais instrumental e economicamente orientado que faz (j
h algum tempo) do presidente da Repblica um ativo caixeiro viajante e,
finalmente, iniciativas de inspirao tecnocrtica ligadas ideia de
segurana e afirmao do pas como potncia e de protagonismo nos
planos regional e mundial (como a reivindicao do assento no Conselho
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de Segurana da ONU) cuja traduo em termos de um interesse nacional
democraticamente definido no tem por que ser vista como pronta ou fcil.
De todo modo, curioso, a propsito do incidente em que Lula,
diante de Angela Merkel e do tema do Ir, reclamava a desnuclearizao de
potncias atmicas como parte do esforo de impedir o risco de
proliferao dos armamentos nucleares, ver um Alexandre Garcia a
informar-nos, na TV Globo, de que isso no corresponde s aspiraes
nacionais. Uma viso do panorama internacional que se desvincule dos
supostos em que ele aparece como o mero terreno baldio dos egosmos
nacionais mais ou menos poderosos e que encare o desafio de como reunir
o realismo das consideraes de poder ideia de efetiva construo
institucional e apaziguadora em escala planetria no pode deixar de lidar
com questes como a levantada por Lula. E, enquanto no aprendemos a
pensar as relaes internacionais em termos maiores, poder ter algum
impacto com a manifestao presidencial sobre questes como essa, ou
com decises como as relativas reunio de Copenhague, um aspecto
positivo da nova projeo do pas.
Valor Econmico, 7/12/2009
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