UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM E A ESCOLA RURAL
Thiago Norton Silva
Orientadora
Prof.ª Fabiane Muniz
Rio de Janeiro
2009
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM E A ESCOLA RURAL
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes, como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em
Psicopedagogia
Por: Thiago Norton Silva
3
“A fome frente a frente à abastança e o desemprego
no mundo são imoralidades e não fatalidades, como o
reacionarismo apregoa com ares de quem sofre por nada
poder fazer.” (FREIRE, Paulo. 2005, p.101).
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora,
Professora Fabiane Muniz, pela ajuda
empreendida.
Aos professores da Candido pela
dedicação e seriedade com que
ministraram o curso.
Às amigas da UCAM, Andréia
Barroso, Cheyenne Melo, Dulcirene
Melo e Nívia Oliveira, pela presença e
amizade durante essa jornada de
sábados à tarde.
Aos meus pais Sergio Moreira e
Marta Nair, e à minha irmã Maíra
Norton pelo apoio, carinho e
compreensão sempre dedicados.
E à minha companheira, Sara
Celeste, por sempre estar ao meu lado,
dando-me força, servindo de estimulo e
exemplo para eu prosseguir na luta.
5
DEDICATÓRIA
Gostaria de dedicar esse trabalho
aos professores de Educação Básica da
rede pública, tão marginalizados e
desvalorizados pela sociedade, e que,
contudo, são ‘cavaleiros solitários’ na luta
por uma educação melhor para o povo
brasileiro.
Dedico também aos alunos de
escolas públicas, filhos do povo, da
mesma forma marginalizados e
desvalorizados, vítimas de um sistema de
ensino usado como moeda troca política.
6
RESUMO
A instituição de ensino (escola) é um espaço físico e psíquico de
aprendizagem. Desta forma, seus processos didático-metodológicos e sua
dinâmica institucional interferem no processo de aprendizagem. Observar
como a escola pode gerar dificuldades de aprendizagem, ao invés de facilitá-la
é de fundamental importância para entendermos o fracasso escolar e buscar
reverter essa situação. Transformar os métodos e as relações na escola com o
objetivo de facilitar a aprendizagem é uma das atribuições da psicopedagogia.
Para poder agir, o psicopedagogo deve fazer todos os
questionamentos relacionados ao papel da escola e o aprender. Assim,
analisar socialmente a função da escola se torna crucial, uma vez que ela
cumpre um papel na sociedade capitalista em que está inserida. Esse papel de
reprodução social, onde a escola pública não prepara o jovem para o pleno
desenvolvimento da vida e sim para o trabalho elementar, acaba tornando o
fracasso escolar como parte de sua função. Por isso, é muito importante para
psicopedagogo perceber como o fracasso escolar é sistêmico, faz parte do
papel social da escola de reprodução das relações sociais.
A escola rural possui altos índices de fracasso escolar, pois esta
inserida em um processo social urbanizador e não tem suas especificidades
locais respeitadas. Uma intervenção psicopedagógica na escola rural deve
buscar resgatar a ligação entre o ensino/aprendizagem e a realidade
específica, concreta do campo.
7
METODOLOGIA
O trabalho se baseou na analise bibliográfica, com a confrontação e
complementação das idéias tratadas pelos diversos autores. Para alcançar
seus objetivos e também dar uma linha de raciocínio, foi dividido em capítulos
por assuntos tratados. Desta forma, cada capítulo possuí um debate
bibliográfico próprio. Tendo as idéias sido amarradas nos capítulos e
costuradas no final, na conclusão.
O trabalho também traz observações e reflexões próprias, na forma de
idéias e conceitos (não de relatos), partindo de experiências e vivências do
autor durante o curso de especialização em Psicopedagogia na Universidade
Candido Mendes e como professor na zona rural do interior do Estado do Rio
de Janeiro.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
CAPÍTULO I - PSICOPEDAGOGIA, ESCOLA E PROBLEMAS 12
1.1 Psicopedagogia: Problemas e Soluções 13 1.2 Escola X Aprendizagem 17
CAPÍTULO II - A DIALÉTICA DA ESCOLA: TRANSFORMAÇÃO OU REPRODUÇÃO? 21 2.1 Sobre a Reprodução 22
2.2 Sobre a Escola 26
CAPÍTULO III – A ESCOLA QUE QUEREMOS E A ESCOLA QUE TEMOS 32
3.1 O professor – teoria e prática 34
3.2 A escola – teoria e prática 37
CAPITULO IV - ESCOLA RURAL: O MEIO, O SABER
E O HOMEM 39
4.1- Uma breve análise histórico-social do campo 40
4.2 - Educação no Campo 45
9 CONCLUSÃO 52
BIBLIOGRAFIA 54
10
INTRODUÇÃO
A psicopedagogia se destaca como um campo de estudo preocupado
com a dificuldade de aprendizagem e os motivos que a geram. O
psicopedagogo tem que levantar todos os caminhos que levam o aluno ao não
aprender. O profissional pode intervir de duas formas, atuando diretamente no
aluno que apresentou a dificuldade, ou atuando na escola, para que esta crie
caminhos saudáveis ao aprendizado da criança. A escola é um espaço físico e
psíquico onde ocorre a aprendizagem e, desta forma, sua atuação é
determinante para o sucesso ou fracasso do ato de aprender. A escola rural
possui altos índices de fracasso escolar e logo percebemos que a função da
escola como facilitadora do aprender não está sendo realizada com êxito
nessas instituições. Dentre os motivos do fracasso escolar rural está a forma
como se deu o processo urbanizador da sociedade brasileira e do campo, a
partir da década de 1960, criando uma escola desvinculada da realidade rural.
Partimos da idéia de que o psicopedagogo deve entender a realidade
que cerca a escola e o aprender, principalmente a realidade social, em muitos
casos determinante para a ações da escola, do aluno, do professor e da
comunidade. Assim, pretendemos tratar no primeiro capitulo das questões
metodológicas da psicopedagogia, como ela se apresenta, como um novo
campo de estudo, suas formas de atuação e seus instrumentos teóricos. E, o
mais importante para nós, a perspectiva profissional do piscopedagogo poder
intervir diretamente nas práticas escolares e de seus agentes. A percepção da
psicopedagogia de que a escola é uma causadora da dificuldade de
aprendizagem e que é necessário estudar, e analisar, e intervir, é fundamental
para se reverter o quadro de fracasso escolar. No segundo capitulo
pretendemos analisar socialmente a escola, como ela se encaixa na sociedade
capitalista brasileira, qual a sua função (consciente ou não), qual seu papel
social. Com isso podemos mostrar que a escola cumpre um papel de
11 reproduzir as relações sociais e que, por isso, o fracasso escolar não é algo
estranho a ela, mas, pelo contrário, faz parte de sua função social. No terceiro
capítulo pretendemos mostrar como é possível intervir para construir uma
escola saudável, ligada à vida do aluno, uma escola que não seja reprodutora
de fórmulas e informações decoradas, mas uma escola que seja um espaço de
prazer, uma escola que seja vida para todos que dela participam. E, por fim, no
quarto capítulo pretendemos debater os motivos que levam ao fracasso escolar
na zona rural, sua urbanização, a pauperização do campo e uma escola
estranha ao meio rural, voltada para cidade.
Assim, nosso objetivo é mostrar de várias formas que a instituição
escolar, se não analisada e modificada, torna-se um instrumento para criar a
dificuldade de aprendizagem no aluno, fazendo com que esse encontro,
escola/aluno (não escolhido pelo aluno), seja criador de neuroses e
dificuldades que o jovem levará por toda sua vida. A escola rural se apresenta
como um exemplo desse fracasso, comprovado nos índices dos institutos de
pesquisa, permitindo-nos debater e pensar soluções para o seu caso.
12
CAPÍTULO I
PSICOPEDAGOGIA, ESCOLA E PROBLEMAS
A psicopedagogia é uma ciência recente, que surgiu para buscar
soluções para um problema que nenhuma área conseguia dar conta: o
fracasso escolar. Debruçar-se sobre os variados motivos que geram a
dificuldade de aprendizagem, encontrando um caminho para superá-la, esse é
o ofício do psicopedagogo.
A escola é um espaço físico e psíquico de aprendizagem, onde, em
média, o jovem passa metade das suas duas primeiras décadas de vida.
Assim, é impossível não nos preocuparmos com o papel que a instituição de
ensino tem na formação da juventude. A escola pode solidificar
comportamentos patógenos que vem da família, de fora dos muros da escola,
ou pode servir para solucioná-los, levando a movimentos saudáveis.1 Desta
forma todo o processo didático-metodológico da escola e sua dinâmica
institucional interferem na qualidade da aprendizagem do estudante.
Cabe ao psicopedagogo observar como a escola pode gerar
dificuldades de aprendizagem, ao invés de facilitá-la e buscar intervir,
transformando os métodos e as relações na instituição escolar, com o objetivo
de facilitar a aprendizagem e a formação psíquica do jovem.
Quando pensamos a dificuldade de aprendizagem e o papel da escola,
pensamos em um problema que necessita de ação imediata, não podemos
esperar a escola de “amanhã”, a escola ideal, a criança tem que enfrentar as
dificuldades impostas pela escola de hoje. Para conseguirmos nos defrontar
1 FERNÁNDEZ, Alicia. O Saber em Jogo. Artmed editora, Porto Alegre, 2001. p.31
13 com tais problemas de aprendizagem, segundo Sara Paín2, devemos
fundamentar nossa prática em três bases teóricas: articulando a psicanálise de
Freud, com a teoria piagetiana da inteligência e com materialismo histórico.
Sara Pain afirma isto, pois o jovem que se defronta com problemas de
aprendizagem, está em determinado momento histórico, trata-se de um orga-
nismo em uma etapa genética da inteligência, construindo assim a ideologia, a
operatividade e o inconsciente.
1.1- Psicopedagogia: Problemas e Soluções
A psicopedagogia tem como demanda o estudo da aprendizagem
humana, refletindo sobre as questões que geram as dificuldades durante esse
processo. O campo da psicopedagogia é amplo, exigindo um profissional
“multiespecialista”3, que congregue conhecimento em diversas áreas, a fim de
intervir no processo de aprendizagem. Não podemos limitar a psicopedagogia
a uma soma das questões psicológicas e pedagógicas, nem a uma aplicação
da psicologia à pedagogia. A psicopedagogia é uma nova área de estudo com
particularidades inerentes ao seu campo, porém para sistematizar seu corpo
teórico recorresse a outras áreas como: “à psicologia, psicanalise, lingüística,
fonoaudiologia, medicina e pedagogia”4, uma vez que o psicopedagogo reflete
sobre questões relacionadas ao desenvolvimento cognitivo, psicomotor e
afetivo, implícitas nas situações de aprendizagem.
A intervenção psicopedagógica aponta para dois caminhos:
psicopedagogia curativa, também chamada de clínica ou terapêutica e a
psicopedagogia preventiva, também chamada de institucional.5 “Na
2 PAÍN, Sara (1987, p.15) Citado em: BOSSA, Nadia. A Psicopedagogia no Brasil. Artmed editora. Porto Alegre, 2007. p.27 3 PORTO, Olívia. Bases da Psicopedagogia. Wak editora. Rio de Janeiro. 2007. p.8 4 BOSSA, Nadia. A Psicopedagogia no Brasil. Artmed editora. Porto Alegre, 2007. p.19-20 5 FAGALLI, Eloisa Quadros e VALE, Zélia Del Rio do. Psicopedagogia Institucional Aplicada. Editora Vozes. Petrópolis. 1998. p.9-10
14 intervenção curativa o psicopedagogo tem objetivo de reintegrar a criança ao
processo de construção do conhecimento”6, criando estratégias para que ela
supere os problemas e possa se desenvolver. Já a psicopedagogia preventiva
elabora estratégias com a escola para minimizar a criação de problemas. Na
psicopedagogia temos a diferenciação entre dificuldade e problema de
aprendizagem7:
• DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM -> Limitações “naturais” que os
indivíduos têm para tal ou qual conhecimento. Uma vez respeitada e
dada atenção necessária a essa limitação, ele consegue continuar a se
desenvolver. Neste caso, normalmente, a intervenção é do Pedagogo.
• PROBLEMA DE APRENDIZAGEM -> Situações que são criadas para
pessoas que tem limites, quando o limite pessoal não é respeitado.
Desta forma, da dificuldade cria-se o problema. Neste caso,
normalmente, a intervenção é do Psicopedagogo. Um aluno, por
exemplo, teve dificuldades durante o aprendizado de operações de
multiplicação em matemática. Se essa dificuldade não é diagnosticada e
não se criam estratégias para superá-la, em breve este aluno não vai
gostar de matemática e pode criar problemas que carregará para vida
toda, sempre que tiver que se relacionar com a matemática.
O psicopedagogo curativo vai tratar o problema criado no estudante.
“Esta é uma interferência que dá um novo sentido à recuperação. O seu
objetivo é reintegrar e readaptar o aluno à situação de sala de aula,
6 Idem 7 Segundo observação da aula de Teoria e Intervenções Psicopedagógicas ministrada pela professora Maria Cristina no curso de pós-graduação em Psicopedagogia da Universidade Candido Mendes
15 possibilitando o respeito às suas necessidades e ritmos. Esta orientação tem
como meta desenvolver as funções cognitivas integradas ao afetivo,
desbloqueando e canalizando o aluno gradualmente para aprendizagem dos
conceitos conforme os objetivos da aprendizagem formal.”8 Deve-se entender a
mensagem implícita pelo aluno no ato de não-aprender, assim o profissional
deve ficar atento no que o aluno aprende, como aprende e por que9.
Já a intervenção preventiva, vai fazer um trabalho na escola para que
ela seja capaz de identificar e respeitar as dificuldades, ajudando o estudante a
superá-la e não criando um problema para este jovem. Nesta intervenção
deve-se compreender a escola como um espaço físico e psíquico de
aprendizagem, onde as práticas didático-metodológicas e institucionais da
escola possibilitam a aquisição do conhecimento pelo aluno ou o fracasso
escolar. Assim, o trabalho do psicopedagogo é de assessoria junto a
pedagogos, orientadores e professores. E “tem como objetivo trabalhar as
questões pertinentes às relações vinculares professor-aluno e redefinir os
procedimentos pedagógicos, integrando o afetivo e cognitivo, através da
aprendizagem dos conceitos, nas diferentes áreas do conhecimento”10.
O psicopedagogo na escola deve participar do planejamento
educacional e assessorar pedagogo e professores, realizando diagnóstico
institucional e elaborando propostas operacionais pertinentes. Este campo da
psicopedagogia preventiva é amplo e muito importante, porém pouco
explorado por profissionais e instituições. O psicopedagogo deve pensar a
escola de forma abrangente, percebendo questões metodológicas, relacionais
e socioculturais, tratando com toda a comunidade escolar.
A preocupação do psicopedagogo é com o processo de aprendizagem
humana como um todo, compreendendo seus padrões de desenvolvimento
normais e patológicos, atento para onde a aprendizagem caminha sem
8 Idem 9 BOSSA, Nadia. A Psicopedagogia no Brasil. Artmed editora. Porto Alegre, 2007. p.24 10 FAGALLI, Eloisa Quadros e VALE, Zélia Del Rio do. Psicopedagogia Institucional Aplicada. Editora Vozes. Petrópolis. 1998. p.9-10
16 problemas e onde ela é indício de doenças e transtornos que o aluno poderá
levar durante sua vida escolar e adulta. Desta forma, perceber a influência do
meio (família, escola, sociedade) no desenvolvimento da aprendizagem é
primordial para o diagnóstico e a intervenção. O profissional tem que tratar a
construção do conhecimento com toda a sua complexidade, colocando em pé
de igualdade os aspectos cognitivos, afetivos e sociais que lhe estão implícitos.
Tanto nas intervenções curativas ou preventivas, o psicopedagogo
deve ter um “olho clínico”, realizando um diagnóstico preciso. Para isso, da
mesma forma que na medicina deve-se observar o “paciente”, ver o que se
passa, escutar o seu discurso, para, aí sim, fazer o diagnóstico e proceder ao
tratamento. Na instituição, o psicopedagogo deve pesquisar as condições para
que se produza a aprendizagem do conteúdo escolar, identificando os
obstáculos e os elementos facilitadores, em uma abordagem preventiva. A
psicopedagogia preventiva se baseia principalmente na observação e análise
de uma situação concreta.11
Faz parte da formação do psicopedagogo refletir sobre: o ato de
educar; a relação ensinar e aprender; como os sistemas e métodos educativos
incidem subjetivamente sobre os alunos; quais as problemáticas estruturais
que intervêm no surgimento de transtornos da aprendizagem e no fracasso
escolar; que propostas de mudança surgem. O profissional deve estudar tudo
que caracteriza a aprendizagem humana, como se aprende, como essa
aprendizagem varia evolutivamente condicionada por vários fatores, como se
produzem as alterações na aprendizagem, como reconhecê-Ias, tratá-Ias e
preveni-Ias.
A psicopedagogia aponta um importante fator no estudo da
aprendizagem: o de que as características da família, da escola ou até mesmo
do professor podem ser a causa desencadeante do problema de
aprendizagem. Desta forma, a intervenção não pode ser somente no aluno e
sim em toda instituição, sendo impossível negar o papel da família, da escola,
11BOSSA, Nadia. A Psicopedagogia no Brasil. Artmed editora. Porto Alegre, 2007. p.83
17 do professor e da comunidade na aprendizagem e em seu fracasso.
Segundo Nadia Bossa, para Alicia Fernandez e Sara Paín12, os
problemas gerados por causas externas são chamados de problemas de
aprendizagem reativos, e os problemas gerados por causas internas à
estrutura de personalidade ou familiar do sujeito denominam-se inibição ou
sintoma - ambos os termos emprestados da Psicanálise. Assim, quando se
atua nas causas externas, o trabalho é preventivo; já na intervenção em
problemas em que as causas estão ligadas à estrutura individual e familiar da
criança, o trabalho é terapêutico. Para se resolver os problemas de
aprendizagem reativos é importante realizar um trabalho de prevenção nas
escolas: “batalhar para que o professor possa ensinar com prazer para que,
por isso, seu aluno possa aprender com prazer, tender a denunciar a violência
encoberta e aberta, instalada no sistema educativo, entre outros objetivos”13.
Contudo, uma vez gerado o fracasso, o psicopedagogo deve intervir,
assessorando a escola e o aluno (criando espaços extra-escola ou até
mudando a criança de escola) a fim de evitar que esse problema se constitua
em sintoma neurótico.
1.2- Escola x Aprendizagem
Por toda importância da escola no sucesso ou no fracasso do processo
de aprendizagem o trabalho do psicopedagogo pode e deve ser pensado a
partir da instituição escolar. É através da aprendizagem que a criança é
inserida no mundo cultural e simbólico da sociedade. A escola tem um
importante papel como mediadora nesse processo de inserção da criança no
mundo social, pois é na escola que ela desenvolve sua cognição e aprende as
12 BOSSA, Nadia. A Psicopedagogia no Brasil. Artmed editora. Porto Alegre, 2007. p.86 13 FERNÁNDEZ, Alicia (1990, p.81-82) Citado em: BOSSA, Nadia. A Psicopedagogia no Brasil. Artmed editora. Porto Alegre, 2007. p.86
18 regras de conduta social. A escola é reflexo da sociedade em que está inserida
e, da mesma forma, prepara a criança para sua inserção.
Nadia Bossa reafirma o papel da escola como causador de
dificuldades de aprendizagem, no momento em que, segundo Mannoni e Dolto,
tornou-se uma fábrica de neuroses:
“Ao falar da importância dessa instituição na vida
da criança, Mannoni e Dolto destacam que, devido ao seu
peso, a escola pode ser geradora de neurose: ‘A escola’ -
diz Mannoni – ‘depois da família, converteu-se hoje no
lugar escolhido para fabricar neuroses - que são 'tratadas'
posteriormente em escolas paralelas chamadas hospitais
de dia’. ‘É necessário dizer que a adaptação escolar’ –
escreve F Dolto – ‘é, agora, salvo raras exceções, um
sintoma importante de neurose’.”14
Toda criança, para que possa despertar para curiosidade e
aprendizado, deve ser amada, aceita, acolhida e ouvida. O educador, presente
na escola, não pode ser aquele que fala o tempo todo e não estabelece uma
relação de diálogo com o aluno, que não acredita na capacidade do aluno, que
não utiliza a afetividade como mobilizador das potencialidades da criança. É o
professor que vai organizar o micro-universo, onde as crianças brincam e se
interessam. O papel do professor é como “agentes subjetivantes”15, pois,
apesar dos professores terem que possuir informações, “sua função principal
não é transmiti-la, mas propiciar ferramentas e espaço adequado (lúdico) onde
seja possível a construção do conhecimento”16.
O ato de educar tem por objetivo influenciar a aprendizagem de
alguém, formando indivíduos para sociedade. O professor precisa conhecer a
criança, não apenas na sua estrutura biofisiológica e psicossocial, mas
14 BOSSA, Nadia. A Psicopedagogia no Brasil. Artmed editora. Porto Alegre, 2007. p.89 15 FERNÁNDEZ, Alicia. O Saber em Jogo. Artmed editora, Porto Alegre, 2001. p.31 16 Idem
19 também na sua interioridade afetiva. Ele deve encorajar a criança a descobrir,
inventar. Para Olívia Porto “a postura do professor se manifesta na percepção
e na sensibilidade aos interesses das crianças de sentir o mundo.”17 A
aprendizagem refere-se a aquisição de conhecimentos e habilidades, o afeto
influencia a velocidade com que se constrói o conhecimento, pois através dele
a criança se sente segura, aprendendo com mais facilidade. “Na interação
entre professor e aluno, estabelecida na escola, a afetividade e a cognição
exercem influência decisiva. Por meio desta interação, tanto os alunos quanto
o professor vão construindo imagens um do outro, atribuindo-Ihes certas
características, intenções e significados. Criam-se, então, expectativas
recíprocas entre professor e alunos, que podem ser ou não harmoniosas.”18
Ensinar e aprender são “duas faces da mesma moeda”, elas estão
juntas, relacionadas. Segundo Fernández “o ensinante entrega algo, mas para
poder apropriar-se daquilo o aprendente necessita inventá-Io de novo. É uma
experiência de alegria, que facilita ou perturba, conforme se posiciona o
ensinante.”19 Além do conteúdo aprendido, esta ação (aprender-ensinar)
estabelece um evento relacional entre o aprendente e o ensinante, evento este
que gera subjtividade, a qual determina a qualidade da aprendizagem. “O
caráter subjetivo da aprendizagem muitas vezes é esquecido; certos
professores e pais pretendem despertar o desejo de aprender de seus alunos
e filhos, apelando para ‘estudar é necessário para se obter um bom trabalho’,
‘para ganhar dinheiro’ ou ‘para ser reconhecido socialmente’.”20 Estas
afirmativas falsificam a realidade social capitalista, que é excludente, sem vaga
para todos, por mais que estudem, além de desvirtuar o objetivo de aprender ,
fazendo com que muitas crianças percam a possibilidade de enxergar seu
próprio desejo de aprender.
17 PORTO, Olívia. Bases da Psicopedagogia. Wak editora. Rio de Janeiro. 2007. p.46 18 PORTO, Olívia. Bases da Psicopedagogia. Wak editora. Rio de Janeiro. 2007. p.47 19 FERNÁNDEZ, Alicia. O Saber em Jogo. Artmed editora, Porto Alegre, 2001. p.29 20 Idem
20 Na relação criança-escola é importante destacar que a criança não
escolhe ir para a escola, nem o que vai estudar. É a escola que seleciona o
que é necessário para preparar essa criança para ingressar na sociedade,
satisfazendo o grupo social a que pertence. Uma vez na escola, a criança vai
entrar em contato com o professor. Já o professor, escolheu estar na escola e
se preparou para isto. É importante que o professor tenha isto claro para ele,
evitando levar suas carências e neuroses para esse contato com o aluno.
Pensar a escola sob a ótica da psicopedagogia é pensar a formação do
professor, suas dificuldades e formas de ação. O psicopedagogo deve pensar
propostas de formação docente que dêem condições ao professor de
estabelecer uma relação madura e saudável com os seus alunos, pais e
autoridades escolares. Investigar e intervir em todos os aspectos relacionados
a aprendizagem é função do psicopedagogo.
21
CAPÍTULO II
A DIALÉTICA DA ESCOLA: TRANSFORMAÇÃO OU
REPRODUÇÃO?
“Os comunistas não inventaram a influência da
sociedade sobre a educação; procuraram apenas
transformar o seu caráter, arrancando a educação da
influência da classe dominante” (MARX, Karl e ENGELS,
Friedrich 1848, p.63).
Para qualquer análise que façamos da escola temos que pensar o seu
contexto e sua relevância social. O que é a escola? Para que serve a escola?
A quem serve a escola? A Instituição escolar é um objeto social e histórico, ela
nem sempre existiu e talvez não exista para sempre. Ela foi criada pelo homem
em um determinado contexto histórico, e ela existe até hoje por que tem
importância para o contexto atual.
A partir do momento que concebemos a escola como algo histórico e
social devemos observar como ela está inserida na sociedade, buscar
desvendar sua função social. Neste capítulo nos tentaremos realizar uma
breve delimitação social da escola, como a escola está inserida dentro da
sociedade capitalista, como ela contribui para a reprodução social e as
possibilidades da escola servir também para transformação.
Compreender a função social da escola é primordial quando estamos
pensando a dificuldade de aprendizagem, o fracasso escolar. Pois nos
22 permitirá refletir até que ponto esse fracasso não é sistêmico, ou seja não faz
parte da função social da escola.
A instituição escolar carrega uma contradição fundamental: é um
“aparelho ideológico de Estado”21, responsável pela reprodução das relações
dentro do sistema capitalista, mas, contudo, também é um espaço para os
setores explorados travarem a luta de classes e contribuírem para
transformação dessas relações sociais.
A escola é um espaço dialético, de luta (no seu sentido mais amplo),
pois ao mesmo tempo em que reproduz as relações sociais, cria neuroses e
fracassos, ela pode fazer o contrário: formar pessoas críticas à ordem social,
tratar as neuroses vindas da família, da sociedade, e possibilitar a
aprendizagem. Para isso, é importante a intervenção de educadores,
pedagogos e psicopedagogos.
2.1- Sobre a reprodução
A escola, os alunos, educadores e psicopedagogos fazemos parte no
Brasil de uma sociedade que possui um sistema de regras, que estabelece
como ela se divide e se relaciona socialmente. Esse sistema no Brasil é o
sistema capitalista, que constitui um Estado para garantir seu pleno
funcionamento. Para entender como esse sistema nos afeta diretamente,
temos que compreender como ele funciona, qual a sua lógica de
funcionamento.
A sociedade capitalista para existir deve manter e aprofundar seu
sistema de produção e suas relações. Para isso, estabelece mecanismos de
21 Conceito de Louis Althusser (ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Graal. São Paulo. 2003. p.68)
23 reprodução desse sistema. Esses mecanismos buscam garantir que o sistema
sobreviva e se reproduza em ciclos eternos. Ele deve, portanto, reproduzir as
forças produtivas (máquinas, tecnologias...) e as relações de produção
existentes (trabalhador, salário...). Assim, podemos afirmar que uma formação
social, no nosso caso o sistema capitalista, ao mesmo tempo que produz, ela
para poder continuar a produzir, deve reproduzir as suas condições de
produção. Ou seja, de uma forma mais simples, uma fábrica de camisas por
exemplo, ao mesmo tempo que produz as camisas, tem que conseguir
matéria-prima (algodão) e manter o número de empregados e seus salários,
necessários para continuar a produzir, senão, no mês seguinte, fechará as
portas. O mesmo serve para o sistema, se ele não estabelecer mecanismos de
reprodução, será transformado. Deste modo, podemos afirmar que “a condição
última da produção é a reprodução das condições de produção”22
Segundo Althusser os meios de reprodução podem ser simples,
quando apenas reproduzem as condições pré-existentes de produção, ou
ampliado, quando desenvolve as condições pré-existentes23. Por exemplo, a
mesma fábrica de camisas, se ela investir em pesquisa tecnológica, buscando
reduzir custos e aumentar a produção, no mês seguinte pode ter ampliado sua
produção, se tornando mais competitiva, gerando mais lucro para o capitalista.
O modelo simples de reprodução a longo prazo tende a ser engolido pelo
modelo ampliado, que não só reproduz, mas desenvolve as condições e
relações de produção.
O sistema para garantir sua condição de existência e consequente
reprodução criou uma “máquina de repressão”24 que permite às classes
dominantes assegurarem sua dominação e exploração sobre a classe
trabalhadora. Essa “máquina” é o aparelho de Estado, do qual fazem parte
instituições necessárias à manutenção do sistema, como as instituições
jurídicas, tribunais e prisões, instituições políticas, o exército e a polícia. O
22 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Graal. São Paulo. 2003. p.53 23 Idem 24 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Graal. São Paulo. 2003. p.62
24 comando do aparelho de Estado é exercido pela classe que detém o “poder de
Estado”25. É exatamente o poder de Estado que as classes sociais disputam.
Mesmo numa revolução social profunda, como a de 1917, na Rússia, grande
parte do aparelho de Estado permaneceu após a revolução.
Para Louis Althusser, segundo a teoria marxista, “o proletariado deve
tomar o poder de Estado para destruir o aparelho burguês existente, substituí-
lo em uma primeira etapa por um aparelho de Estado completamente diferente,
proletário, e elaborar nas etapas posteriores um processo radical, o da
destruição do Estado” levando à sociedade comunista, que é o “fim do poder
do Estado e de todo aparelho de Estado.”26
O aparelho de Estado é o responsável por garantir a reprodução das
condições (relações) de produção do sistema social e ele foi dividido por
Althusser em dois grupos: o de aparelho repressor e o de aparelho ideológico.
O aparelho de Estado repressor compreende: o governo, a
administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões, etc. É
caracterizado como repressivo, pois indica que esse aparelho de Estado
"funciona através da violência” (inclusive a física, pelo menos em momentos
limites) e, secundariamente, através da ideologia. Althusser afirma que não
existe aparelho unicamente repressivo. O Exército e a Polícia se utilizam de
ideologia para garantir sua coesão e reprodução e também para divulgar
“valores” por eles proposto.
Althusser afirma que Gramsci foi o pensador que percebeu que o
aparelho de Estado não se limitava ao aparelho repressor “mas compreendia,
como dizia, um certo número de instituições da ‘sociedade civil’: a Igreja, as
Escolas, os sindicatos etc.”27 Desta forma, os Aparelhos Ideológicos do Estado
são aqueles que “funcionam, principalmente através da ideologia, e,
secundariamente, através da repressão, seja ela bastante atenuada, dissi-
25 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Graal. São Paulo. 2003. p.65 26 Idem 27 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Graal. São Paulo. 2003. p.67
25 mulada, ou mesmo simbólica. (Não existe aparelho puramente ideológico).
Desta forma, a Escola, as Igrejas "moldam" por métodos próprios de sanções,
exclusões, seleção etc... não apenas seus funcionários mas também suas
ovelhas.”28 No essencial, o que distingue o aparelho (repressivo) do Estado do
aparelho (ideológico) do Estado, é que um "funciona através da violência" e
outro "funciona através da ideologia".
Podemos observar, também, que o aparelho repressivo pertence
inteiramente ao domínio público, já o aparelho ideológico esta disperso em sua
maior parte no domínio privado. As Igrejas, os Partidos, os Sindicatos, as
famílias, algumas escolas, a maioria dos jornais, as empresas culturais etc, são
privadas. Contudo o que determina a função de aparelho de Estado não é a
questão jurídica entre público e privado, mas o papel de classe que exerce
sobre o Estado. Por exemplo, é inegável o papel de classe da Rede Globo de
Comunicação (empresa privada) na manutenção e reprodução do Estado
capitalista brasileiro, independente de governos.
Para se manter no poder de forma duradoura, nenhuma classe social
pode deter o poder do Estado sem exercer ao mesmo tempo sua hegemonia
sobre e nos Aparelhos Ideológicos do Estado. Nesse sentido, Lênin, após a
revolução soviética, buscou reestruturar o aparelho ideológico de Estado
escolar, entre outros, para permitir que o proletariado soviético, que havia
conquistado o “poder de Estado” seguisse com a revolução socialista.
Os Aparelhos ideológicos do Estado não são apenas um meio utilizado
na luta de classes, mas sim um lugar onde esta luta pode ser travada. A classe
no poder não dita tão facilmente as leis nos aparelhos ideológicos, como no
aparelho repressivo, e, assim, as classes exploradas podem encontrar o meio
e a ocasião de se expressarem neles, utilizando as contradições existentes ou
conquistando pela luta posições de combate. Dessa forma, escolas, igrejas,
partidos, sindicatos, etc. são espaços de luta de classe onde aqueles
socialmente excluídos podem lutar para que seus interesses sejam
28 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Graal. São Paulo. 2003. p.70
26 alcançados.
2.2 - Sobre a escola
O sistema capitalista precisa reproduzir suas condições de produção,
da mesma forma que uma fábrica, como a fábrica de camisas, por exemplo
precisa reproduzir suas condições de produção: a primeira, como já destacado,
é a condição material, ou seja, a matéria-prima (algodão), tecnologia, energia...
Depois, precisa reproduzir as relações de produção, empregados, salários,
horas de trabalho... Contudo, a fábrica necessita que exista, na sociedade,
empregados “competentes”, qualificados, moral e profissionalmente, para
exercerem cada função. É uma preocupação da fábrica de camisas que
existam um grande número de qualificadas para trabalhar. Desta forma, ela
garante a reprodução, a substituição dos empregados e baixos salários,
tamanha a oferta de mão-de-obra. Por isso, tornou-se necessário na sociedade
capitalista a criação de mecanismos que reproduzam a qualificação para o
trabalho.
“Ora, vejamos, como se dá esta reprodução da
qualificação (diversificada) da força de trabalho no regime
capitalista? Ao contrário do que ocorria nas formações
sociais escravistas e servis, esta reprodução da
qualificação da força de trabalho tende a dar-se não mais
no ‘local de trabalho’ (a aprendizagem na própria
produção) porém, cada vez mais, fora da produção,
através do sistema escolar capitalista e de outras
instâncias e instituições.”29
29 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Graal. São Paulo. 2003. p.57
27 O que se aprende efetivamente na escola? Se observarmos os alunos
que se formam no 9º ano do Ensino Fundamental da rede pública, ou seja, a
grande maioria dos jovens brasileiros, percebemos que aprendem, uns mais
outros menos, a ler, escrever, e contar, mais algumas técnicas rudimentares de
cultura científica e literária. Aprendem as ferramentas básicas para trabalhar.
Conforme o estudo se aprofunda em outros níveis, ele vai se elitizando.
Contudo, e o mais importante, é que, ao mesmo tempo em que
aprende a parte técnica e de conhecimento, o futuro trabalhador aprende na
escola as regras do bom comportamento, isto é, aprende a obedecer ao
horário (sinal das escolas e fáabricas), a acatar as ordens do superior
(professor ou patrão), a ser punido (suspensão, nota baixa, desconto e
demissão) comportamentos esses associados as regras de boa moral e de
consciência cívica, que são avaliados pelo responsável da seleção de pessoal
da empresa.
“Enunciando este fato numa linguagem mais
científica, diremos que a reprodução da força de trabalho
não exige somente uma reprodução de sua qualificação
mas, ao mesmo tempo, uma reprodução de sua
submissão às normas da ordem vigente, isto é, uma
reprodução da submissão dos operários à ideologia
dominante e uma reprodução da capacidade de perfeito
domínio da ideologia dominante por parte dos agentes da
exploração e repressão, de modo a que eles assegurem
também "pela palavra" o predomínio da classe
dominante.”30
Assim, para que o sistema “funcione”, todos aqueles que participam da
produção, da exploração e da repressão, de uma forma ou outra, devem estar
imbuídos de ideologia, para que de forma conscienciosa desempenhem suas
tarefas, de explorados (operários), de exploradores (capitalistas) e de
30 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Graal. São Paulo. 2003. p.58
28 auxiliares na exploração (os quadros - capatazes, gerentes...). A reprodução
da força de trabalho não é somente a reprodução de sua "qualificação", mas
também a reprodução da submissão à ideologia dominante. A escola, (e outras
instituições, como a igreja e o exército) preparam para o “fazer”, trabalhar, mas
sob formas que asseguram a submissão à Ideologia dominante.
Segundo Alberto Noé31, para Durkheim, o sistema social necessita
para sobreviver, que os indivíduos que nele ingressam assimilem e
internalizem os valores e as normas que regem seu funcionamento. Desta
forma, Emile Durkheim percebe a educação como um fato social, pois de
forma coercitiva integra o indivíduo ao sistema social. A educação não é um
elemento “naturalmente” de mudança social, mas um elemento fundamental de
conservação e funcionamento do sistema social.
Poulantzas, segundo Alberto Noé32, vai diferenciar os tipos de escola,
afirmando que as funções da escola só podem ser analisadas em função das
classes sociais às quais dirige sua ação e não em função de instituições ou
redes escolares. Ou seja, para cada classe social vai ter uma escola e um
ensino diferente. Assim, a função social da escola vai depender de qual classe
social ela atende, embora como já dito por Althusser a função maior do
aparelho ideológico escolar é a reprodução do sistema, formando
trabalhadores, ou intelectuais, ou patrões. Com isso podemos identificar no
interior da escola uma reprodução da divisão social do trabalho, onde uma
escola forma o trabalho intelectual, de comando e outra o trabalho manual,
técnico. Para Poulantzas “o que se ensina principalmente à classe operaria é a
disciplina, o respeito à autoridade, a veneração de um trabalho intelectual que
se acha quase sempre fora do aparelho escolar” Desta forma “o principal papel
da escola capitalista não é qualificar diferentemente o trabalho manual e o
trabalho intelectual, mas, muito mais, desqualificar o trabalho manual (sujeitá-
31 NOÉ, Alberto. A Relação Educação e Sociedade. In: Revista Avaliação. Universidade de Campinas. Campina, vol. 5 nº3. Setembro de 2000 32 Idem
29 lo), qualificando só o trabalho intelectual.”33
Michel Foucault (1999), em seu livro Vigiar e Punir, onde trata das
questões ligadas às punições e prisões sentidas pelo ser humano, ao tratar a
questão disciplinar e a punição como mecanismo disciplinador, se defronta
com o aparelho escolar. A escola principalmente para a classe trabalhadora,
como dito por Poulantzas, cumpre o papel de disciplinar, de preparar para o
trabalho. Afinal, não se quer um operário indisciplinado que questione o patrão,
que não cumpra seus horários. Desta forma, Foucault diz que o poder
disciplinador não se apropria ou retira nada do indivíduo, ele tem a função de
adestrar, onde uma vez adestrado o indivíduo, o sistema pode retirar
(liberdade) e se apropriar (trabalho) muito melhor.34
“Na oficina, na escola, no exército funciona
como repressora toda uma micropenalidade do tempo
(atrasos, ausências, interrupções das tarefas), da
atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), da
maneira de ser (grosseria, desobediência), dos discursos
(tagarelice, insolência), do corpo (atitudes "incorretas",
gestos não conformes, sujeira), da sexualidade
(imodéstia, indecência). Ao mesmo tempo é utilizada, a
título de punição, toda uma série de processos sutis, que
vão do castigo físico leve a privações ligeiras e a
pequenas humilhações. Trata-se, ao mesmo tempo, de
tomar penalizáveis as frações mais tênues da conduta, e
de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente
indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo,
que tudo possa servir para punir a mínima coisa; que
cada indivíduo se encontre preso numa universalidade
punível-punidora.”35
33 Idem 34 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Editora Vozes. Petrópolis. 1999. p.143 35 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Editora Vozes. Petrópolis. 1999. p.149
30 Por punição devemos compreender tudo aquilo que faz com que a
criança sinta o erro que cometeu, tudo que é feito para que identifique e não
cometa novamente, uma certa frieza do professor, uma certa indiferença, uma
humilhação, um destaque negativo perante os outros, uma destituição de
posto. A penalidade é algo intrínseco numa instituição disciplinar, onde a
criança vai ser comparada, diferenciada, hierarquizada, homogeneizada,
excluída. Ou seja, uma instituição disciplinar onde, segundo Foucault, a criança
vai ser normalizada.
Assim podemos observar até agora neste capítulo que a função social
maior da escola é, como aparelho ideológico do Estado capitalista, reproduzir
as condições (relações) de produção do sistema, como dito por Althusser e
Durkheim, contudo, dentro dessa reprodução das condições de produção, ela
possui funções variadas, dependendo da classe a que se dirige. Observamos
que a escola pública, destinada em sua maioria aos filhos da classe
trabalhadora brasileira, tem como função ensinar o básico para o jovem poder
“fazer”, trabalhar, e mais do que isso, como dito por Althusser, Poulantzas e
Foucault, ela tem como função disciplinar esse jovem para que, ao final do
período escolar, comporte-se como esperam as classes dominantes, para que
a criança se normalize, se massifique, não crie problemas ao sistema.
Contudo, como demonstrado anteriormente, o aparelho ideológico
escolar não é apenas um instrumento de dominação da burguesia, mas um
espaço onde pode ser travada a luta de classes, onde os interesses do povo
podem ser defendidos, onde possamos brigar por uma educação não
disciplinadora, uma educação libertadora, crítica. Onde o jovem não sai
preparado para o trabalho, para obedecer, mas preparado para mudar a vida.
Bourdieu e Passeron36 ressaltam essa dialética da escola, mostrando que ela
possui uma “autonomia relativa” e, ao mesmo tempo, uma “dependência
relativa à estrutura das relações de classe”. Para eles, a comprovação dessa
36 BOURDIEU, Pierre e PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução. Editora Vozes. Petrópolis. 2008. Pág. 229-230
31 autonomia, em alguns casos, se credita uma ilusão de neutralidade do sistema
de ensino perante a sociedade. Por isso, quando analisamos socialmente a
escola, temos que fazê-lo de forma dialética, observando as contradições
inerentes a esse importante espaço social.
32
CAPÍTULO III
A ESCOLA QUE QUEREMOS E A ESCOLA QUE TEMOS
“No reino encantado havia cidades e, para além
dos muros das cidades, outras cidades e outras escolas.
Essas escolas de aprender a voar eram quase todas
iguais. E iguais a essa eram outras escolas dentro das
cidades das aves.
As avezinhas aprendizes eram todas diferentes
umas das outras. Havia rouxinol e seu maravilhoso
trinado; havia a cotovia e seu canto monótono. Iam à
escola o melro saltitante e o beija-flor de vôo gracioso.
Mas o manual de canto era igual para todos, o manual de
vôo era igual para todos. Ensinava-se a piar discreto e em
coro. Praticava-se o vôo curto, de ramo para ramo.”
(PACHECO, José. 2004, p.18).
Com os instrumentos teóricos apresentados pela psicopedagogia,
percebemos a escola como geradora de dificuldades de aprendizagem, como
responsável em muitos casos pelo fracasso escolar. Quando associamos o
estudo das dificuldades de aprendizagem a uma analise sociológica da escola
nosso campo de percepção e consequente intervenção se amplia.
Compreendendo a função social da escola entendemos como ela funciona de
forma sistêmica. O trabalho do psicopedagogo é realizado de forma particular,
cada realidade se apresenta de uma forma, por isso para psicopedagogia não
existe receita de bolo, o psicopedagogo tem que se aprofundar no estudo da
33 realidade em que vai trabalhar, contudo ele tem que saber que sua realidade
esta inserida em um contexto maior.
Quando analisamos socialmente a escola, percebemos que ela
cumpre um papel para sociedade em que está inserida, ou seja, a sociedade
capitalista. O papel da escola pública, como já definimos, é de ensinar o básico
e, o mais importante, de disciplinar. Não nego aqui os raros casos em que se
consegue reverter isso junto a uma direção ou secretaria de educação
progressista, criando espaços lúdicos, onde a criança tem autonomia e se
aprende com prazer. Contudo, são exceções diante da regra. São muitos os
casos onde para os dirigentes educacionais o que interessa é o aluno dentro
da sala de aula, não importando o que o professor esteja fazendo. Uma escola
funciona bem se seus alunos estão sentados e calados durante as cinco horas
que estão na escola; não importa se aprendem. Para um dirigente
conservador, o pior momento da escola é o recreio, onde os alunos são livres
por vinte minutos e realizam “balbúrdias”, acabando com a paz da escola.
Quando pensamos a dificuldade de aprendizagem e nos deparamos com
escolas altamente conservadoras, disciplinadoras, repressivas, temos que
entender que elas apenas seguem a lógica do sistema que as criou e, para
mudar, temos que convencer a comunidade escolar de que é possível mudar,
de que é melhor mudar, de que as crianças só vão aprender quando tiverem
prazer em aprender.
Assim, quando nos preocupamos com a dificuldade de aprendizagem
na escola pública, estamos preocupados em mudar, subverter o papel social
que a escola cumpre, enquanto instituição. De forma consciente ou não, a
aprendizagem das crianças de escola pública não é a preocupação dos
dirigentes da educação. Assumir um compromisso com a aprendizagem do
jovem é assumir um compromisso com sua libertação, com sua capacidade de
pensar e agir, de criticar.
Criar uma escola que leve o jovem por caminhos saudáveis, sem
neuroses e traumas, que desperte o prazer de aprender, que dê ao jovem
34 autonomia, liberdade e limites coletivos. Uma escola que seja vida, que seja
espaço de afeto e prazer, de solidariedade e companheirismo. Esse é o
trabalho de educadores, pedagogos e psicopedagogos. É nesse caminho que
se deve intervir, caso contrário, a intervenção será somente paliativa.
3.1- O professor – teoria e prática
A psicopedagogia institucional intervém diretamente na escola,
discutindo com o professor a sua prática. Uma das primeiras ações é despertar
a necessidade no professor de uma reflexão crítica sobre a sua prática, o
professor tem que pensar o porquê dele escolher dar aula dessa ou daquela
forma, que certos métodos tem aspectos negativos e positivos. A sua prática
tem que ser sua escolha consciente, essa relação teoria e prática evita que a
teoria vire blábláblá e a prática puro ativismo. O professor tem que saber que
“não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.”37É somente na prática
que as teorias se forjam como verdades e é um função da prática que se
elaboram teorias, fora disso as teorias são vazias e a pratica voluntarismo
inconsequente. O professor tem que pensar sua prática de forma científica.
O psicopedagogo deve trabalhar na conscientização do professor de
que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar condições para que os
alunos produzam e construam esse conhecimento. De que não existe docência
sem discência, que de forma dialética, quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender. “Quem forma se forma e re-forma ao
formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado.”38 Por isso, para o
professor, conhecer o que vai ensinar é tão importante quanto saber e estar
37 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Paz e Terra São Paulo. 2005. p.29 38 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Paz e Terra São Paulo. 2005. p.23
35 aberto a conhecimentos que ainda não tem, estabelecendo uma relação
complementar entre ensinar, aprender e pesquisar.
Aprender é muito mais do que memorizar mecanicamente os
conteúdos; é pensar, é elaborar. Por isso, o professor não deve ser um
repetidor de frases e idéias, mas um desafiador, que apresente questões aos
alunos, que esteja ao seu lado, orientando durante o desafio. Transformar a
experiência educativa em puro treinamento técnico, segundo Paulo Freire, “é
amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o
seu caráter formador”39. Educar é formar. Desta maneira, o professor deve ter
uma prática condizente com sua teoria; para ele, não pode valer a fórmula
“faça o que eu mando e não o que eu faço” e o seu discurso teórico tem que
ser de tal modo concreto que se confunda com sua prática. Como um
professor pode querer que os alunos lhe tenham respeito se o que ele
demonstra é irresponsabilidade, displicência, se não prepara suas aulas, não
chega no horário, não demonstra respeito e consideração com os alunos.
Para Paulo Freire, o educador que em nome de uma memorização
mais eficaz ‘castra’ a curiosidade do educando, comete um erro, pois, assim,
está tolhendo sua liberdade, sua capacidade de se aventurar. Da mesma
forma, tanto o professor que desrespeita as inquietudes, o gosto estético, a
linguagem do aluno, que ironiza o aluno, que o minimiza, quanto o professor
que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à
experiência formadora do educando, estão transgredindo princípios éticos
fundamentais na profissão de educador.
Para ser um educador é indispensável despertar em si uma
amorosidade aos educandos com os quais se compromete. O ato de educar se
confunde com a própria vida do educador e essa ação deve ser desenvolvida
com prazer. O fato do professor ser desrespeitado e desprezado como gente
pela sociedade capitalista não deve fazer com ele não ame os educandos, que
exerça mal sua profissão. A “resposta à ofensa à educação é a luta política
39 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Paz e Terra São Paulo. 2005. p.33
36 consciente, crítica e organizada contra os ofensores.”40 O educador deve ter a
consciência de que “o professor autoritário, o professor licencioso, o professor
competente, sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor
amoroso da vida e das gentes, o professor mal-amado, sempre com raiva do
mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, nenhum desses passa
pelo aluno sem deixar sua marca.”41Daí a importância de termos consciência
de nossa prática e escolhermos nosso caminho, uma vez que para o bem ou
para o mal, nossas ações não passarão em branco.
Como já vimos, a escola cumpre um papel social para o sistema
capitalista, assim podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que o ato de
educar, desenvolvido no interior da escola, é um ato político. A educação não é
política pela vontade deste ou daquele professor; ela é política pois cumpre um
papel na vida social das pessoas. Assim, em nome de um falso respeito, de
uma neutralidade que não existe, o professor não tem que omitir o seu
posicionamento político. Uma omissão em nome de um respeito ao aluno,
talvez seja a melhor forma de desrespeitá-lo. O papel do professor é dar o
direito ao aluno de comparar, de escolher e de decidir. Para Paulo Freire, a
neutralidade é a maneira mais “cômoda, talvez, mais hipócrita, de esconder
minha opção ou meu medo de acusar a injustiça?” “Lavar as mãos em face da
opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele.”42
Segundo Freire, os alunos devem saber desde cedo que a briga por
salários menos imorais faz parte da luta em favor do respeito aos educadores
e à educação. Assim deve ser entendida a luta dos professores, como um
momento importante da prática docente, como uma prática de ética. Faz parte
dessa luta contra o poder público a recusa em transformar nossa atividade
docente em puro bico, em entendê-la como prática afetiva de ‘tias e tios’. O
professor consciente exerce com carinho e competência sua profissão e luta
para melhorá-la.
40 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Paz e Terra São Paulo. 2005. p.67 41 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Paz e Terra São Paulo. 2005. p.66 42 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Paz e Terra São Paulo. 2005. p.112
37
3.2- A escola – teoria e prática
Se queremos intervir na escola para fazer com que ela leve os alunos
por caminhos mais saudáveis de aprendizagem, sabemos que nossa
intervenção não é em relação somente aos conteúdos ensinados, mas,
também, em relação ao “jeito” da escola, suas práticas e sua estrutura de
organização e funcionamento. É preciso que a escola seja coerente com o
objetivo de formar cidadãos saudáveis, autônomos e capazes. Segundo Roseli
Caldart, para o pedagogo soviético Pistrak “era preciso superar a visão de que
escola é lugar apenas de ensino, ou de estudo de conteúdos, por mais
revolucionários que eles sejam. Diz ele, que é preciso passar do ensino à
educação, dos programas aos planos de vida. Ou seja, em sua proposta
pedagógica a escola somente atinge o objetivo de educação do povo, se
conseguir interligar os diversos aspectos da vida das pessoas”.43
A educação escolar deve estar ligada à prática de vida do aluno, ela
deve servir à vida desse aluno e não oferecer conhecimentos abstratos, que
nunca terão aplicação. Por isso, a importância de uma educação crítica e
reflexiva contraria a educação bancária de memorização de informações
inúteis. Segundo Clodovis Boff, “a prática é a mediação pedagógica”44 e as
pessoas aprendem fazendo, tirando lições da vida. A escola é vida, falta os
educadores perceberem e explorarem isso. Podemos nos questionar: Como os
alunos aprendem as brincadeiras do recreio rapidamente, mas não aprendem
as formulas matemáticas? Ora uma é vida, a outra é memorização. Para Mao
Tse-tung “somente a prática social dos homens pode constituir o critério da
43 PISTRAK. Fundamentos da Escola do Trabalho. Expressão Popular. São Paulo. 2000. p.11 44 BOFF, Clodovis. Como Trabalhar com o Povo. Editora Vozes. Petrópolis. 1988. p.61
38 verdade dos conhecimentos que o homem possui”45. Desta forma, a teoria
depende da prática, a teoria baseia-se na prática e, por sua vez, serve à
prática. O aprender é o aprender fazendo, é o aprender para refazer.
O pedagogo soviético Pistrak, que foi um dos responsáveis junto com
Krupskaya pela construção das primeiras escolas socialistas da União
Soviética e, consequentemente, do mundo, apontou a grande necessidade de
transformação histórica a ser feita na escola, com a participação autônoma,
coletiva, ativa e criativa das crianças. Onde, de acordo com as condições de
desenvolvimento de cada idade, os educandos participariam dos processos de
estudo, de trabalho e de gestão da escola. Seria uma escola ativa para o
aluno, da qual ele faria parte de sua organização e, de forma consciente e
responsável, iria aprendendo a se organizar, a respeitar e ser respeitado.
Se nos propomos a nos debruçar sobre as dificuldades de
aprendizagem temos que nos perguntar: Como é essa escola geradora de
dificuldades? E, mais que isso, como é a escola que minimizará a criação de
dificuldades? Como já dito, a psicopedagogia é uma área multidisciplinar, ou
seja, em vários momentos nos veremos andando por caminhos percorridos por
psicólogos, pedagogos, sociólogos, neurologistas. Nossa teoria é
fundamentada na prática, assim mesmo consciente de que nossa intervenção
depende de aspectos muito particulares à escola e ao aluno. A psicopedagogia
pode e deve elaborar e compreender aspectos gerais ao universo escolar e
infantil. Pensar a escola que temos e a escola que queremos é um exercício
para ser feito também pelo psicopedagogo.
45 TSÉ-TUNG, Mao. Sobre a Prática e Sobre a Contradição. Expressão Popular. São Paulo. 1999. p.14
39
CAPÍTULO IV
ESCOLA RURAL: O MEIO, O SABER E O HOMEM
“Vincular a educação a uma questão social
relevante como é hoje a questão agrária é comprometê-
la, na teoria e na prática, com a construção de
alternativas para a melhoria de qualidade de vida do
povo.” (FERNANDES, Bernardo. 1999, p.67).
Como exemplo de uma realidade tão importante, porém tão
desprezada da sociedade brasileira, a zona rural e a sua escola rural, são
espaços para intervenção psicopedagógica, onde, através de suas
particularidades, se descortinam altos índices de dificuldade de aprendizagem
e fracasso escolar. Neste quarto capítulo, pretendemos fazer uma breve
análise dos motivos que levam a esse fracasso escolar e possíveis soluções,
sempre lembrando que a prática efetiva de intervenção psicopedagógica
depende de uma realidade muito particular aluno-escola; contudo, nada nos
impede de fazer análises generalizantes, considerando aspectos culturais,
sociais e econômicos.
Quando tratamos da zona rural temos que estar cientes da diversidade
presente nela, pois, afinal, a área rural do Brasil é enorme e muito plural.
Contudo, existem aspectos próprios encontrados em todas as regiões,
geografias, climas e formação cultural espalhados pelos “interiores” do Brasil.
40 São esses aspectos que unem o mundo rural é que pretendemos identificar.
Hoje, com 80% da população brasileira vivendo nas cidades sabemos
muito pouco sobre a vida no campo e suas reais necessidades. Apesar de ser
curto o espaço de tempo em que a maioria da população vivia no campo (a
década de 1970 é o divisor) podemos dizer que muitos jovens não sabem
como é a vida rural, só conhecem pela televisão, ou pelas exposições
agropecuárias de sua cidade, ou pelas músicas das duplas sertanejas, cada
vez mais urbanizadas.
Desta forma, temos que descortinar qual a realidade educacional rural,
quais as reais necessidades dessas pessoas. “Quem são essas "estranhas"
pessoas que conseguem viver ao largo de um shopping center? De que tipo de
escola necessitam? Como devem agir seus professores? Quais os conteúdos
que precisam aprender?”46
4.1- Uma breve análise histórico-social do campo.
Para o estudo sobre o campo brasileiro a década de 1960 foi decisiva,
pois inicia-se nesse período um grande êxodo rural. Como causa para o êxodo
em massa está a queda da produção agrícola, associada aos efeitos do
Estatuto do Trabalhador Rural aprovado em 1962. O Estatuto do Trabalhador
Rural estendeu os benefícios da legislação trabalhista urbana para o homem
do campo. Contudo, a reação dos fazendeiros-empregadores, que não
aceitavam tais acordos sociais, foi a demissão de seus empregados. Nesse
46 LEITE, Sérgio Celani. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. Cortez Editora. São Paulo 2002. p.11
41 período, a expulsão de quase 50%47 da população rural, gerou um grande
aumento da favelização nas periferias urbanas e aumentou o processo de
pauperização da população camponesa.
A produção agrícola na década de 1950 era compreendida, pelos
pensadores do “desenvolvimentismo”, apenas como um ponto de apoio para a
industrialização vigente. Somente durante a ditadura militar, em 1967 com o
“milagre econômico” de Delfim Neto, a agricultura passa a ter um espaço
próprio, como um forte elemento de exportação, gerando, consequentemente,
o aumento de divisas para o país. Assim, amplia-se o “processo de
capitalização no campo, com a mecanização da produção, o predomínio do
trabalho assalariado e a concentração da propriedade de terra.” Isto tudo
acompanhado por uma “violenta expropriação e expulsão de milhões de
pequenos proprietários e trabalhadores rurais das terras e das fazendas e pelo
intenso êxodo para as cidades.”48
47 LEITE, Sérgio Celani. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. Cortez Editora. São Paulo 2002. p.65 48 HABERT, Nadine.(1992). p17. Citado em: LEITE, Sérgio Celani. Escola Rural: urbanização e
políticas educacionais. Cortez Editora. São Paulo 2002. p.66
42 Esse rápido avanço do capitalismo no campo gerou e tem gerado uma
série de problemas sociais: desenvolvimento desigual entre os produtos
(necessidade alimentação nacional e exportação) e entre as regiões do país
(regiões produtoras atrasadas e outras desenvolvidas). Também excluiu uma
enorme massa da sua condição de produção e concentrou terras, ampliando
os latifúndios. Para as cidades, o capitalismo no campo, aumentou a
concentração urbana, gerando desemprego e o consequente aumento da
violência. Existe outro ponto a ser considerado que complexifica a discussão
sobre a relação entre urbano e rural, a partir das transformações da década de
1970: a mudança do perfil econômico e cultural da população do campo.
Segundo o Censo Demográfico do IBGE, de 199649, cerca de 25% da
população que vive no campo trabalha na cidade e outros 25% da população
que trabalha no campo mora na cidade. Ou seja, existe um fluxo constante
entre esses dois meios.
Essa profunda modernização, pela qual passou o campo brasileiro nas
últimas décadas gerou segundo Bernardo Maçano a “expulsão de 30 milhões
de pessoas, entre 1960 1980, sendo que 16 milhões migraram somente na
década de 70. Esse processo de transformação da sociedade moderna durou
pelo menos 300 anos na Inglaterra e 200 anos nos EUA. O impacto social foi a
extrema concentração urbana, o desemprego e a violência. O impacto
econômico foi a implantação do parque industrial brasileiro”50.
O período do grande êxodo rural, segundo o censo do IBGE de 199151,
acabou, uma vez que o aumento da população das grandes e médias cidades
é predominantemente determinado pelo crescimento vegetativo. Contudo, este
censo diagnosticou o aumento da migração das metrópoles para as médias e
pequenas cidades. Isso se deve à interiorização da indústria e ao crescimento
49 CALDART, Roseli Sales. & CERIOLI, Paulo Ricardo. & FERNANDES, Bernardo Maçano. & SALES, Oblato de São Francisco de. Por um educação básica do campo – texto-base. In.KOLLING, Edgar Jorge. & NERY, Ir. & MOLINA, Mônica Castagna (ORG). Por uma educação básica do campo. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 1999. p.31 50 FERNADEZ, Bernardo Maçano. & ARROYO, Miguel Gonzáles. A educação básica e o movimento social do campo. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 1999. p.55 51 Idem
43 de pólos tecnológicos e científicos em cidades médias (ex. Volta Redonda-RJ,
São José dos Campos-SP, Uberlândia-MG...). Esse fenômeno, segundo
Maçano, é a desterritorialização. 52
A modernização da agricultura, iniciada durante os governos militares,
vem sofrendo recentes transformações, que permitem uma combinação com o
modelo industrial, gerando as agroindústrias. Esse modelo de agricultura
capitalista se coloca em detrimento da agricultura familiar, situação em que
permanece até hoje. A agricultura capitalista, ao mesmo tempo em que
aumenta sua produção, aumenta também o número de desempregados e sem
terras. Não existe de uma forma geral interesse do poder público em manter e
desenvolver a agricultura familiar, que é a grande produtora de alimentos para
população brasileira. Como exemplo, podemos citar: “os grandes institutos de
pesquisas que estão dirigidos para a produção da agricultura patronal, como
por exemplo: álcool, açúcar, café, cacau, etc. Não temos um instituto da
mandioca, da cebola, do milho etc., ou seja, a concepção de tecnologia
agrícola é majoritariamente a da agricultura capitalista.”53
O forte êxodo rural da segunda metade do século XX gerou uma
hegemonia do modo de vida urbano. “No plano das relações sociais, há uma
clara dominação do urbano sobre o rural, na sua lógica e em seus valores.”54
Isso fez com que muitas pessoas concluíssem que o rural já não tem mais
significado histórico, que o campesinato está em processo de extinção.
52 Idem 53 FERNADEZ, Bernardo Maçano. & ARROYO, Miguel Gonzáles. A educação básica e o movimento social do campo. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 1999. p.59 54 CALDART, Roseli Sales. & CERIOLI, Paulo Ricardo. & FERNANDES, Bernardo Maçano. & SALES, Oblato de São Francisco de. Por um educação básica do campo – texto-base. In.KOLLING, Edgar Jorge. & NERY, Ir. & MOLINA, Mônica Castagna (ORG). Por uma educação básica do campo. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 1999. p.31
44 Desta forma, existe uma tendência no Brasil em considerar a maioria
da população que vive no campo como a parte atrasada, fora da ordem
moderna. O trabalhador rural, os povos da floresta, os indígenas, estão fora de
compasso do Brasil moderno, do Brasil emergente, do Brasil potência. Assim,
não há necessidade de políticas públicas específicas para essas pessoas, “a
não ser do tipo compensatório à sua própria condição de inferioridade”55
A sociedade moderna brasileira subordinou o campo à cidade, o
modelo de vida urbano passou a ser o ideal e o modo de vida rural o atrasado,
inferior. Bernardo Moçano56 apresenta como exemplo ilustrativo a história do
“Jeca Tatu” de Monteiro Lobato, onde o trabalhador rural é visto como um
fraco, como um caipira preguiçoso. A sociedade agrária é vista como atrasada
pela sua dificuldade de se integrar a maior das condições do capitalismo, a
sociedade de consumo: o consumo no meio rural é dificultado pelas grandes
distâncias. Assim, o camponês não tem como ir ao shopping todas as noites,
não tem como ir ao supermercado todo dia e não tem como pedir uma pizza
por telefone. A falta de condição como consumidor dá a ele uma característica
negativa, pejorativa. Afinal, em nossa sociedade, quem não é capaz de
consumir não é nada.
Criaram, dessa forma, uma visão associando o rural ao atraso e o
urbano ao moderno. Para Moçano,, essa dependência unilateral do campo
com relação ao urbano, criando uma dicotomia moderno – atrasado, tem como
pano de fundo a negação de um caráter de mútua dependência entre esses
dois espaços. Essa divisão também objetiva de forma ideológica separar a
cidade do campo. “A combinação do trabalho agrícola e industrial é a
55 CALDART, Roseli Sales. & CERIOLI, Paulo Ricardo. & FERNANDES, Bernardo Maçano. & SALES, Oblato de São Francisco de. Por uma educação básica do campo – texto-base. In.KOLLING, Edgar Jorge. & NERY, Ir. & MOLINA, Mônica Castagna (ORG). Por uma educação básica do campo. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 1999. p.21 56 FERNADEZ, Bernardo Maçano. & ARROYO, Miguel Gonzáles. A educação básica e o movimento social do campo. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 1999. p.58
45 expressão mais concreta que nega a concepção de que a cidade e o campo
são mundos à parte. Na realidade se relacionam, se interagem em
dependências recíprocas. A subordinação do camponês ao urbano é de fato
constituída pelas relações políticas”. (...) “Essa subjugação é denominada
descaradamente como integração, em que os camponeses são dependentes
nas formas política, econômica e tecnológica”57.
Assim, é necessário transformar toda a falsa compreensão do campo,
entender o processo social pelo qual ele passou e ainda passa e buscar
contribuir para uma verdadeira modernização da agricultura, tratando o povo
do campo como sujeito de seu desenvolvimento, e a agricultura familiar e
cooperativada como alternativas e não “como resíduo do processo de
modernização”58. A reforma agrária e a agricultura familiar orgânica são
alternativas para o campo, para o seu desenvolvimento, para a manutenção do
modo de vida rural, uma vez que nem a indústria, nem a agroindústria
conseguem suprir a necessidade de trabalho de toda população, tornando
milhares de trabalhadores em desempregados e sem terras.
4.2 - Educação no Campo
57 FERNADEZ, Bernardo Maçano. & ARROYO, Miguel Gonzáles. A educação básica e o movimento social do campo. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 1999. p.59 58 CALDART, Roseli Sales. & CERIOLI, Paulo Ricardo. & FERNANDES, Bernardo Maçano. & SALES, Oblato de São Francisco de. Por uma educação básica do campo – texto-base. In.KOLLING, Edgar Jorge. & NERY, Ir. & MOLINA, Mônica Castagna (ORG). Por uma educação básica do campo. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 1999. p.56
46 A mesma situação de abandono e desprezo pelo meio rural é
estendida a escola rural, muitas vezes considerada como escolas isoladas,
sem importância para rede de ensino. “Como predomina a concepção
unilateral da relação cidade-campo, muitas prefeituras trazem as crianças para
as cidades, num trajeto de horas de viagem, por estradas intransitáveis e as
colocam em classes separadas das crianças da cidade, reforçando dessa
forma a dicotomia presente no imaginário da sociedade. Também existe a
concepção de que a escola urbana é melhor do que a rural. Esse pensamento
coloca mais uma vez o determinismo geográfico como fator regulador da
qualidade da educação”59
A educação rural tem que estar de acordo com a realidade social
campesina, que tem uma estrutura sócio-cultural e econômica bastante distinta
dos outros agrupamentos humanos. Essa educação tem que levar em conta a
cultura, as características, as necessidades e os desejos dos que vivem no
campo. Para pensarmos a escola rural, temos que pensar o homem rural, sua
ligação com a produção. Quando a escola perde o vínculo com a realidade em
que está inserida, perde as possibilidades reais de transformá-la, de intervir
consequentemente nela. Segundo Sergio Leite, as transformações ocorridas
no mundo no pós II Guerra permitiram que correntes ideológicas urbanizantes
e desenvolvimentistas se tornassem hegemônicas no Brasil, sendo essas as
grandes responsáveis pelas transformações ocorridas no sistema escolar rural,
“ocasionando a perda de sua identidade sócio-cultural e consequentemente o
seu enfraquecimento como elemento agregador da práxis campesina.”60
O desafio de intervir na educação rural começa por perceber que tipo
de educação está sendo oferecido na escola rural. A educação do campo é
específica e tem que estar voltada aos interesses da vida rural. Para ter uma
educação do campo e para o campo é necessário criar estratégias para que se
configure esse tipo de escola e suas propostas educativas.
59 FERNADEZ, Bernardo Maçano. & ARROYO, Miguel Gonzáles. A educação básica e o movimento social do campo. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 1999. p.65 60 LEITE, Sérgio Celani. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. Cortez Editora. São Paulo 2002. p.14
47 “Entende-se por escola do campo aquela que
trabalha desde os interesses, a política, a cultura e a
economia dos diversos grupos de trabalhadores e
trabalhadoras do campo, nas suas diversas formas de
trabalho e de organização, na sua dimensão de
permanente processo, produzindo valores,
conhecimentos e tecnologias na perspectiva do
desenvolvimento social e econômico igualitário dessa
população.”61
Os principais agentes de atuação na escola rural são os professores.
Desta forma, é necessário uma intervenção para transformar a prática dos
educadores, para que tenham consciência de sua ação no meio rural. Muitos
professores da zona rural, devido a um sistema educacional perverso, estão na
zona rural não por uma escolha consciente, mas como forma de serem
penalizados, de terem seu trabalho desvalorizado, rebaixando sua auto-estima.
Um professor que desagrada à Secretaria de Educação é mandado para bem
longe; esse longe é a zona rural. Uma vez que se torna vítima do sistema de
ensino, esse professor tem que ter cuidado para não criar, com seu trabalho
desinteressado, desqualificado e sem ânimo, outras vítimas: os alunos. “É
urgente romper com essa cadeia, estabelecendo novos vínculos, novas
condições e nova identidade para educadores/educadoras do campo.”62
Os problemas que envolvem a educação rural vêm de longa data e
estão dentro do contexto que sempre negou educação ao povo.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a urbanização negou a importância
do campo ela exigiu uma abrangência maior do ensino para todos os níveis,
inclusive o rural. Assim a educação no campo acompanhou a demandas da
61 CALDART, Roseli Sales. & CERIOLI, Paulo Ricardo. & FERNANDES, Bernardo Maçano. & SALES, Oblato de São Francisco de. Por uma educação básica do campo – texto-base. In.KOLLING, Edgar Jorge. & NERY, Ir. & MOLINA, Mônica Castagna (ORG). Por uma educação básica do campo. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 1999. p.63 62 CALDART, Roseli Sales. & CERIOLI, Paulo Ricardo. & FERNANDES, Bernardo Maçano. & SALES, Oblato de São Francisco de. Por uma educação básica do campo – texto-base. In.KOLLING, Edgar Jorge. & NERY, Ir. & MOLINA, Mônica Castagna (ORG). Por uma educação básica do campo. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 1999. p.70
48 educação urbana. Embora citada em outros documentos, é na atual Lei de
Diretrizes e Bases da Educação - LDB (lei 9.394/96) que se percebe um
movimento de desvinculação do ensino rural ao urbano. Podemos dizer que de
certo modo se dá alguns passos na desurbanização da escola rural.
Não estão presentes na atual LDB as bases da educação rural.
Contudo, ao colocar como meta o desenvolvimento da cidadania, da
solidariedade e da vinculação ao mundo do trabalho e à prática social63, a LDB
permite que educadores e gestores rurais estabeleçam um vínculo com sua
realidade sócio-cultural. A lei também aponta que o ensino fundamental, de
responsabilidade dos municípios, poderá adequar seu cronograma às
peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, sem que tenha que
reduzir, contudo, os duzentos dias letivos obrigatórios por lei64. Esta
possibilidade favorece a escola rural, uma vez que pode se adaptar a
características próprias, como período da colheita e do plantio, época de
chuvas e etc. A LDB ainda afirma que devem ser feitas adaptações nos
currículos escolares para se adaptarem às exigências da zona rural65.
Segundo Sergio Leite, é importante “notar que o pano de fundo da
escolaridade campesina, a partir de agora, não se limita ao modelo
urbano/industrial, como fora outrora nas décadas de 1960 a 1980. A
sustentação dessa escolaridade encontra-se na consciência ecológica,
preservação dos valores culturais e da práxis rural e, primordialmente, no
sentido da ação política dos rurícolas.”66
A LDB fortalece o contexto das unidades escolares para aplicação de
novas propostas presentes na lei. A unidade escolar rural a partir da LDB/96
pode se adaptar às condições da realidade rural, com garantias legais. O papel
da municipalidade também se torna muito importante, pois o município passa a
ser responsável pelas novas práticas e políticas, condizentes com a realidade
63 Brasil/MEC, LDB 9.394/96, art. 1°, § 2º 64 Brasil/MEC, LDB 9.394/96, art. 23, § 2º 65 Brasil/MEC, LDB 9.394/96, art. 28 66 LEITE, Sérgio Celani. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. Cortez Editora. São Paulo 2002. p.54-55
49 local, e não com cópias de modelos urbanos das capitais. Contudo, a LDB,
mais que uma realidade, se apresenta como um instrumento de luta para os
educadores travarem em suas unidades escolares e municípios, forçando as
escolas a saírem da inércia da cópia de modelos e padrões das capitais
urbanas e a criarem uma educação para a particularidade de seu povo, ligada
ao contexto em que vivem.
Na tentativa de encontrar o melhor caminho para a escola rural temos
que pontuar seus principais problemas, buscando suas origens e soluções.
Talvez o primeiro deles seja a falta de estudos sobre o caso: tanto sobre a
realidade rural, como sobre a escola rural, não existem trabalhos
governamentais67 que dêem o tratamento e a profundidade necessária ao
tema.
Observando os aspectos sócio-políticos, vemos que a zona rural
apresenta baixa qualidade de vida, situações de extrema pobreza, o
analfabetismo é alarmante, segundo dados do IBGE de 199568, 32,7% da
população do meio rural, acima de quinze anos, é analfabeta. A desvalorização
da cultura rural e a reprodução de modelos urbanos também criam dificuldades
na formação da identidade dos camponeses. Os problemas relacionados aos
aspectos sócio-políticos necessitam de uma intervenção política dos
camponeses e dos órgãos governamentais, buscando caminhos para a
valorização da vida rural, associados à agricultura familiar orgânica e
cooperativada.
A escola rural apresenta problemas relacionados à situação do
professor. Como já tratado, além do problema da visão punitiva em trabalhar
na zona rural, existe o problema da formação essencialmente urbana do
professor, o que o torna leigo sobre a vida e os desejos do campo. Questões
67CALDART, Roseli Sales. & CERIOLI, Paulo Ricardo. & FERNANDES, Bernardo Maçano. & SALES, Oblato de São Francisco de. Por uma educação básica do campo – texto-base. In.KOLLING, Edgar Jorge. & NERY, Ir. & MOLINA, Mônica Castagna (ORG). Por uma educação básica do campo. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 1999. p.38-39 68 Idem
50 relacionadas ao transporte, moradia e baixos salários intensificam a dificuldade
de quem vem de fora. Práticas políticas arcaicas costumam vigorar na escola
rural, como clientelismo político, pessoas incompetentes que assumem cargos
e afazeres na escola sem terem preparo para tal. O desleixo para educação
rural é tanto que em algumas escolas existe a função tríplice: a professora é
também merendeira e faxineira.69 O caminho para a questão docente é a sua
valorização profissional, no que diz respeitos às condições materiais (salário e
condições de trabalho) e no que diz respeito ao preparo intelectual (cursos de
formação e capacitação em determinadas realidades e conjunturas). É o
professor ser respeitado como profissional competente que é e realizar seu
trabalho com prazer e dedicação.
Existem questões que problematizam a educação rural ligadas aos
alunos e à comunidade rural. O aluno rural é caracterizado pela
heterogeneidade de idade e grau de intelectualidade, pelas dificuldades
encontradas como trabalhador rural, pelas dificuldades entre as distâncias de
sua moradia, trabalho e escola e pelo acesso precário a informações gerais.
No que tange à comunidade rural, existe um certo distanciamento dos pais em
relação à escola rural, mesmo tendo a escolaridade como valor sócio-moral,
mas, talvez pela sua baixa escolaridade, se mantém afastados. Nestes casos,
a escola deve se tornar o espaço agregador e transformador da localidade,
deve se ligar aos anseios dos moradores e servir como importante difusor
cultural dos valores locais e das informações gerais.
Os problemas relacionados à questão didático-metodológica e à
política educacional são talvez os maiores responsáveis pelo fracasso escolar
na zona rural: o “currículo inadequado, geralmente estipulado por resoluções
governamentais, com vistas à realidade urbana; estruturação didático-
metodológica deficiente; salas multisseriadas; calendário escolar em
dissonância com a sazonalidade da produção; ausência de orientação técnica
e acompanhamento pedagógico; ausência de material de apoio escolar tanto
69 LEITE, Sérgio Celani. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. Cortez Editora. São Paulo 2002. p.55
51 para professores quanto para alunos;” (..) “instalações precárias e na maioria
das vezes sem condições para o trabalho pedagógico”; (...) os municípios não
se “dispõem a um trabalho (de política educacional) mais aprofundado e
eficiente, devido à ausência de recursos financeiros, humanos e
materiais.”70Todas essas questões se configuram como problemas gravíssimos
que uma escola que queira resolver a questão da dificuldade de aprendizagem
e do fracasso escolar tem que enfrentar. O corpo de educadores da escola
interessado em resolver a dificuldade de aprendizagem vai ter que enfrentar
tais problemas, indo na raiz deles em busca de soluções.
“É comum à criança que trabalha encontrar
dificuldades ao se defrontar com a escola, aparecendo-
lhe as noções que ela transmite, puerilidades sem
qualquer vinculação com os seus interesses vitais. Tal
fato já permite supor que a inadaptação e a evasão da
escola no meio rural tenham causas muito peculiares que
deveriam ser estudadas fora do contexto das normas que
conduzem as clássicas avaliações para a análise deste
problema nas escolas da cidade.”71
Valorizar a cultura e lutar contra pobreza no campo faz parte do
enfrentamento das questões urbanizantes que a comunidade rural vem
sofrendo. “Tratar a educação rural como uma área específica da política
educacional” deve-se ter “como saída a adaptação dos programas, conteúdos
e cartilhas à especificidade cultural e à satisfação das necessidades básicas
das populações carentes do campo. O tratamento específico da educação rural
teria, pois, dois fundamentos: a condição carente do homem do campo ou sua
pobreza econômica e, em contraste, sua riqueza cultural.”72
70 LEITE, Sérgio Celani. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. Cortez Editora. São Paulo 2002. p.56 71 CALAZANS, 1981, p.116. Citado em: LEITE, Sérgio Celani. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. Cortez Editora. São Paulo 2002. p.79 72 ARROYO, 1982, p.3. Citado em: LEITE, Sérgio Celani. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. Cortez Editora. São Paulo 2002. p.78
52 Com tantas transformações sofridas nas últimas décadas, a escola
rural se mantêm como instituição social, porém cada dia mais frágil no que
compete ao ensino e a aprendizagem de conhecimentos. É preciso
restabelecer o papel da escola na vida do povo do campo, como ela pode se
associar à cultura e à práxis campesina.
CONCLUSÃO
Desta forma, é perfeitamente possível e necessário que o
psicopedagogo intervenha na escola, propondo alternativas, acompanhando as
relações e traçando atentamente o caminho para a escola ser um espaço
saudável (físico e psicologicamente).
É necessário, que este profissional tenha a consciência de que a
53 escola é uma instituição social que existe para garantir a exploração
econômica, mas que podemos encontrar espaços para subverter essa lógica.
Para transformar é necessário entender e querer. A escola é um instrumento
disciplinador e reprodutor das relações de produção, em última instância.
Assim, é criadora de traumas e do não-aprender. Cabe aos profissionais
conscientes buscar caminhos que impeçam a escola pública de cumprir sua
função social para o capitalismo,adestrar.
O psicopedagogo deve estar atento ao professor, importante agente
na relação ensinar/aprender. A categoria profissional docente vem sofrendo
uma grande desvalorização social (no seu processo de proletarização). Isso
faz com que muitos professores, na necessidade de sobreviverem, tratem o
magistério apenas como um bico, onde ele não tem tempo para dedicação. A
má aula, o professor rancoroso, estressado, podem ser causadores de
dificuldade de aprendizagem. O psicopedagogo deve estar acompanhando
este processo para orientar, auxiliar nessa relação professor/aluno. Devemos
defender a idéia de que é necessário ter prazer no dar aula. Dar aula quer
queira, quer não, é a vida do professor. E é melhor se viver com prazer e lutar
contra as injustiças que o poder público comete em relação à categoria
profissional dos professores.
O aluno, função maior de todas as profissões ligadas à educação,
deve ter prazer na educação, no aprender. O aprender deve ser tão bonito
como brincar73. A escola, importante espaço social na vida do jovem, deve
permitir que ele se desenvolva plenamente, que aprenda para vida, de forma
crítica. Na escola a criança deve ser amada e respeitada e aprender a agir da
mesma forma com os outros. Que a escola sirva como espaço para criança
tratar as neuroses familiares e sociais.
A escola rural se apresenta como um ótimo exemplo da necessidade
73 Alicia Fernéndez diz: “Aprender é quase tão lindo como brincar”. FERNÁNDEZ, Alicia. O Saber em Jogo. Artmed editora, Porto Alegre, 2001. p.27.
54 de intervenção do psicopedagogo e de outras categorias profissionais. Sofreu
durante décadas um processo de urbanização que abalou sua identidade com
a realidade a qual pertence. A necessidade de resgatar esses valores, de
valorizar a capacidade do povo do campo, de destacar sua cultura e seu modo
de vida como de qualidade e viáveis nos dias de hoje. Transformar a escola,
para que sirva aos verdadeiros anseios do povo rural por uma vida melhor.
Assim, a escola como causadora de fracassos, de dificuldades de
aprendizagem, pode e dever ser transformada num espaço para formação
saudável e crítica da juventude. Cabe aos psicopedagogos e aos outros
profissionais da educação batalharem por essa transformação.
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Título da Monografia:
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