MARIA APARECIDA DE SOUZA
TEATRO-EDUCAO E OS PROCESSOS DE INDISTINO ESTTICA NA PS-MODERNIDADE:
UMA REFLEXO SOBRE IMPROVISAO PARA OTEATRO DE VIOLA SPOLIN
FLORIANPOLIS2005
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA-UDESC
MARIA APARECIDA DE SOUZA
TEATRO-EDUCAO E OS PROCESSOS DE INDISTINO ESTTICA NA PS-MODERNIDADE:
UMA REFLEXO SOBRE IMPROVISAO PARA O TEATRO DE VIOLA SPOLIN
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-Graduao Mestrado em Teatro, da
Universidade do Estado de Santa
Catarina, como requisito parcial
obteno do ttulo de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Andr Luiz Antunes
Netto Carreira.
FLORIANPOLIS2005
MARIA APARECIDA DE SOUZA
TEATRO-EDUCAO E OS PROCESSOS DE INDISTINO ESTTICA NA PS-MODERNIDADE:
UMA REFLEXO SOBRE IMPROVISAO PARA O TEATRO DE VIOLA SPOLIN
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao Mestrado em Teatro, da
Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial obteno do
ttulo de Mestre.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Andr Luiz Antunes Netto CarreiraOrientador UDESC
Prof Dr. Flvio Augusto Desgranges de CarvalhoUSP
Prof Dr Sandra Regina Ramalho e OliveiraUDESC
FLORIANPOLIS2005
AGRADECIMENTOS
Agradeo de forma especial ao meu Orientador Prof. Dr. Andr Luiz Antunes
Netto Carreira por todo desafio proposto, respeito e generosidade.
Ao incentivo de minha famlia. A Francine, Albertina e Narciso. E de forma
especial, sem dimenses, minha me, por seu apoio, seu ouvido do tamanho do
seu corao, seu amor incondicional.
Aos meus colegas de mestrado Liz e Clvis e em especial a Nerina Dip com
quem compartilhei horas de trabalho, reflexo e amizade.
Agradeo a todos que de algum modo contriburam para a concretizao
deste trabalho.
SOUZA, Maria Aparecida de. Teatro-Educao e os processos de indistino esttica na ps-modernidade: uma reflexo sobre improviso para o teatro de Viola Spolin. 2005.106 f. Dissertao (Mestrado em Teatro)-Universidade do Estado de Santa Catarina-UDESC, Florianpolis.
RESUMO
Este estudo analisa como a metodologia de Viola Spolin, explicitada no livro Improvisao para o Teatro, (2001), contribui para o aluno empreender reflexo crtica sobre os processos de indistino esttica na ps-modernidade. Esta pesquisa discorre sobre as matrizes teatrais e pedaggicas da metodologia de Spolin partindo de dois pilares desta: jogos e improvisao teatral. Tomando a ps-modernidade como condio histrica e cultural, este texto reflete sobre os conceitos de barbrie, sociedade tecnoesttica, sociedade espetacular ou miditica. Busca-se a discusso sobre como a expanso da imagem associada tecnologia e mercadoria provoca a estetizao do cotidiano, tornando inoperante a capacidade de nossos alunos de diferenciar arte e sua funo social. O trabalho apresenta o embate entre os processos de indistino esttica e o teatro como realizao singular, diferida, trazendo a anlise sobre os procedimentos descritos em Spolin para as prticas de teatro-educao e sobre as maneiras pelas quais estes podem ser vislumbrados como instrumentos de reflexo a respeito dos processos de indistino esttica na ps-modernidade.
Palavras-chave: Teatro. Educao. Spolin.
SOUZA, Maria Aparecida de. Theater-Education and the processes of esthetic indistinctness in post-modernity: a reflection upon Improvisao para o teatro by Viola Spolin. 2005. 107 p. Dissertation (Masters Degree in Theater) University of the State of Santa Catarina UDESC, Florianpolis.
ABSTRACT
This study analyzes how Viola Spolins methodology, shown in the book Improvisao para o Teatro (2001), contributes to the students critical reflection about the processes of esthetic indistinctness in post-modernity. This research deals with theatrical and pedagogical matrixes of Spolins methodology based on two of her pillars: games and theatrical improvisation. Taking post-modernity as a historical and cultural condition, this text reflects upon the concepts of barbarity, techno-esthetic society, spectacular or media society. Its purpose is the discussion on how the spreading of the image associated to technology and merchandise provokes estheticism of the everyday life, making our students capacity for discriminating art and its social function, inoperative. The work presents the opposition between the processes of esthetic indistinctness and the theater as a differed singular accomplishment, bringing the analysis on the procedures described in Spolin for the theater-education practices as well as on the ways through which they can be discerned as instruments of reflection upon the processes of esthetic indistinctness in post-modernity.
Key words: Theater. Education. Spolin.
SUMRIO
INTRODUO............................................................................................................. 8
I CAPTULO1 MATRIZES TEATRAIS E PEDAGGICAS DA METODOLOGIA DE VIOLA SPOLIN...................................................................................................................... 161.1 AS DIMENSES POLTICAS E PEDAGGICAS DA IMPROVISAO NO
TEATRO.................................................................................................................... 30
II CAPTULO2 O CONTEXTO DA PS-MODERNIDADE E OS PROCESSOS DE INDISTINO ESTTICA................................................................................................................. 392.1 O TEATRO COMO CERIMNIA SOCIAL DIFERIDA......................................... 42
2.2 A SOCIEDADE ESPETACULAR E SUA INCESSANTE RENOVAO
TECNOLGICA......................................................................................................... 43
2.3 PERSPECTIVAS DE RESISTNCIA.................................................................. 50
2.4 OS PROCESSOS DE INDISTINO ESTTICA...............................................54
III CAPTULO3 ANLISE DOS PROCEDIMENTOS DE IMPROVISAO PARA O TEATRO EM RELAO AOS PROCESSOS DE INDISTINO ESTTICA DA PS-MODERNIDADE........................................................................................................ 643.1 JOGOS................................................................................................................ 66
3.2 FISICALIZAO.................................................................................................. 77
3.3 MOSTRAR E NO CONTAR............................................................................... 79
3.4 TEXTO - TEATRAL.............................................................................................. 83
3.5 PLATIA-AVALIAO......................................................................................... 89
3.6 REFLEXES DO CAPTULO.............................................................................. 94
REFLEXES FINAIS................................................................................................ 98
REFERNCIA.......................................................................................................... 102
INTRODUO
O tema desta pesquisa refere-se aos questionamentos relacionados minha
prtica docente. Minha formao profissional: Educao Artstica, habilitao em
Artes Cnicas (final da dcada de 1980, incio de 1990) contou com uma disciplina
intitulada Improvisao Teatral. Naquele perodo, a disciplina desenvolveu-se a
partir da metodologia1 apresentada no livro Improvisao para o Teatro de Viola
Spolin (2001). Ainda hoje, se mantm na grade curricular do curso que forma
professores de artes cnicas da Universidade do Estado de Santa Catarina, a
disciplina Improvisao Teatral I e II. Atualmente, esta no tem apenas como
referncia Viola Spolin, pois diferentes fontes metodolgicas e bibliogrficas
relacionadas improvisao so exploradas, contudo essa autora ainda se constitui
num importante referencial na formao de professores de teatro. Cabe dizer que
minha formao acadmica no campo do Teatro-Educao est bastante marcada
por tal metodologia.
No que se refere a minha prtica profissional na educao, iniciei-me como
professora de artes cnicas trabalhando com alunos de ensino fundamental de
escola pblica e posteriormente trabalhei em um Programa Social que atendia
crianas e adolescentes, na sua maioria provenientes das ruas, cujos vnculos
familiares estavam enfraquecidos ou eram inexistentes. Paralelamente, atuei como
professora em carter temporrio na Udesc, ministrando a disciplina de Teatro-
Aplicado Educao - Estgio II e Esttica Teatral. No momento da escritura desta
dissertao, desempenho a funo de professora da disciplina de arte-educao
1 Uso o conceito de Metodologia segundo o dicionrio de filosofia de Nicola Abbagnano (1999, p.669): Com o nome de Metodologia hoje freqentemente indicado um conjunto de procedimentos tcnicos de averiguao ou verificao disposio de determinada disciplina ou grupo de disciplinas.
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num curso de Especializao para professores que atuam no ensino fundamental e
mdio.
Embora ao longo de meu percurso profissional eu tenha entrado em contato
com diferentes pesquisas em Teatro-Educao e, portanto, tenha experienciado e
investigado diferentes procedimentos metodolgicos, tenho como uma das
referncias em minha prtica profissional a metodologia de Improvisao para o
Teatro.
Ao longo de minha prtica profissional, pude perceber que a divulgao de
Improvisao para o Teatro extrapolou o mbito da formao de professores em
artes cnicas, pois diferentes grupos que praticam o ensino do teatro tomam como
fundamentao o trabalho terico e prtico de Spolin. Esta metodologia reconhecida
no Brasil como pioneira na sistematizao do ensino-aprendizagem do teatro,
tornou-se um guia de tcnicas e jogos para oficinas e workshops teatrais no mbito
do ensino escolar. A linguagem simples e direta do livro Improvisao para o
Teatro oferece jogos e exerccios teatrais que se destinam a diferentes faixas
etrias e a diferentes profissionais. De tal forma que o professor pode seguir seus
passos e aplic-los paulatinamente durante uma parte do ano letivo at alcanar
pequenas improvisaes para apresentar, se for o caso, no contexto escolar.
No incio de minha pesquisa como aluna do programa de mestrado, busquei
identificar quais os principais referenciais metodolgicos que operavam nos cursos
de formao de professores de teatro no Brasil. Para tanto, solicitei a professores,
de diferentes universidades brasileiras, mais especificamente na rea de Teatro-
Educao, as bibliografias de suas disciplinas com o fim de delimitar os livros com
maior presena nesse contexto. Nas bibliografias que me foram enviadas, foi
possvel identificar a referncia Improvisao para o Teatro de Viola Spolin.
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Somado a isso, ao fazer leitura dos artigos dos GTs de Teatro-Educao
publicados nos Anais dos Congressos da ABRACE (Associao Brasileira de
Pesquisa e Ps-Graduao em Artes Cnicas), nos anos de 1999, 2001, 2003,
identifiquei que dos 68 artigos, 30% so relatos de experincia com os jogos
teatrais de Spolin, ou de utilizao, em suas prticas, de um ou mais procedimentos
desta metodologia. Considerando essa coleo de trabalhos como uma referncia
de produo de pesquisa no contexto nacional, possvel afirmar que a metodologia
de Spolin uma forte referncia nas prticas de professores de teatro no conjunto
do pas.
Em minha prtica como arte-educadora, posso identificar questes
coincidentes que se relacionam ao Teatro-Educao tanto no mbito de sua funo
social, quanto sua dimenso esttica. Diante da indagao sobre o lugar do Teatro-
Educao no contexto atual, percebem-se, nos discursos de professores, que a
linguagem teatral sugerida como prtica social de embate e resistncia aos
processos massificadores e homogeneizadores impostos pelas tecnologias das
mdias. Uma reinvidicao recorrente por exemplo so resgate de identidades,
valorizao de temas regionais como tentativas de reconstruir uma prtica
autntica de arte, libertadora das ameaas impostas pelas mdias. Estas ltimas,
tambm chamadas de mass-medium, apontadas como capazes de se sobreporem
a todas as prticas artsticas, ao nvel individual e coletivo, vm preenchendo os
diferentes espaos do cotidiano de nossos alunos e transformando seus modos de
ser e de estar no mundo.
Tais denncias, freqentemente vm acompanhadas de alguns interrogantes:
como empreender uma prtica pedaggica que proponha resistncia ao universo de
entretenimento oferecido cotidianamente aos nossos alunos, uma vez que as
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referncias estticas trazidas por estes para a sala de aula so parte do universo
oferecido pelos mass-medium.
O espao para criao, para expresso artstica e para experincia grupal,
proposto pelos procedimentos metodolgicos das aulas de teatro, so o suficiente
para por em questo ou estimular a reflexo sobre o universo oferecido pelos meios
de comunicao de massa?
O fato de fazermos teatro na escola, independentemente das metodologias
empregadas, oferecendo ao aluno espao para criao, para a experincia grupal, e
utilizando o corpo como expresso, por si s constitui uma forma de resistncia?
Considerando as prticas de teatro na escola como modos resistentes aos
processos massificadores impostos pelos mass-medium, bem como a importncia e
o impacto que a proposta metodolgica de Improvisao para o Teatro tem na
formao e prtica de professores de teatro, entendo ser necessria uma
abordagem do fenmeno teatral relacionado educao, que considere os fatores e
os conflitos que so inerentes condio ps-moderna, pois dessa forma, o estudo
do teatro estaria se relacionando de forma contundente com os processos da vida
social.
Ao empreender a tarefa de buscar entender os processos de ressignificao
das prticas teatrais em educao, particularmente a partir da abordagem de
metodologia de Spolin, nas especificidades do momento histrico e cultural em que
estamos inseridos, aproximei-me de um leque de idias que tentam dar conta da
multiplicidade deste momento. Nessa busca, os conceitos sobre a atualidade com os
quais me deparei repetidamente foram: sociedade do espetculo, ps-modernidade,
ps-modernismo, alienao, reificao, sociedade miditica e barbrie.
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Para tanto, tenho como marco referencial o pensamento dos tericos: Fredric
Jameson, Guy Debord, Jean Duvingnaud e Teixeira Coelho. Minha escolha em
trabalhar com tais pensadores, refere-se sobretudo s relaes que estes fazem
com as diferentes prticas artsticas e culturais luz dos fenmenos sociais,
polticos e econmicos, imprimindo ao problema uma viso histrica. O marco
terico que estes autores propem oferece a possibilidade de um olhar sobre os
procedimentos metodolgicos em Teatro-Educao referenciado em uma
abordagem do prprio fenmeno cultural contemporneo.
Sociedade do Espetculo, ttulo do livro de Guy Debord, o termo
empregado pelo autor para descrever a sociedade contempornea. Esse autor
chama de espetacular a forma como a sociedade contempornea organiza-se, isto
, com a evoluo do sistema econmico capitalista, que tem como alicerce a
produo de mercadoria atrelada tecnologia, todo e qualquer momento da vida
transformou-se em representao, ou seja, em espetculo.
O conceito de ps-modernismo proposto por Jameson marca o perodo
histrico em que estamos inseridos. Jameson considera o pos-modernismo como a
"dominante cultural da lgica do capitalismo tardio", segundo a anlise de Ernest
Mandel. A cultura dominante da segunda metade do sculo XX entendida pelo
autor como um fenmeno histrico real, e no apenas como um estilo.
Segundo Jameson (2000), o pos-modernismo caracteriza-se por: estetizao,
perda de historicidade, consumismo. A expanso da cultura de imagem provoca a
estetizao, entendida como o rpido fluir de signos e imagens que impregnam o
tecido da vida cotidiana. A perda de historicidade provocada pela multiplicidade e
velocidade de informao audiovisual - pos-moderna, impossibilita ao sujeito ter
referncias do antes e do depois, fato que provoca a perda do sentido de histria. O
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impacto das tecnologias miditicas produz a estetizao de tudo que nos cerca,
dissolvendo inclusive a arte nessa estetizao. Na ps-modernidade, torna-se difcil
distinguir o objeto artstico e o papel da arte na sociedade. Torna-se confusa
distino da arte como experincia que se caracteriza pela superao da realidade,
pois a arte se dissolve no fluxo imagem-mercadoria.
O pesquisador brasileiro Teixeira Coelho (1989), faz anlise e questionamento
sobre a noo de cultura no contexto atual. O autor empreende uma distino entre
cultura e barbrie. Entende cultura como uma ao que impulsiona o indivduo para
criar condies de diferenciao frente barbrie estabelecida pelos mass-media.
Segundo Coelho, a produo cultural, atualmente, marcada pela proliferao
desmedida da oferta de informaes visuais, olfativas e sonoras, num universo
caracterizado pelo bombardeamento dos sentidos humanos. Nesse universo, tudo
se iguala sob a planificao da publicidade, e nossa capacidade de valorao torna-
se inoperante, portanto, estamos em uma poca de barbrie. Segundo o autor, a
arte uma das manifestaes mais radicais e mais privilegiadas para viabilizar o
desenvolvimento da capacidade crtica em relao aos processos de indistino
impostos na ps-modernidade.
Dentro do quadro abrangente da problemtica que envolve o ps-modernismo
e sua multiplicidade de termos, busquei uma delimitao operacional para o estudo
proposto. A partir disso trabalhei com a idia de indistino sttica que articulo a
partir do conceito de indistino de Teixeira Coelho (1989), pois considero isso como
elemento concreto para a reflexo sobre nossas prticas pedaggicas. Assim, luz
dos referenciais tericos apresentados anteriormente, analisei os procedimentos
metodolgicos descritos no livro Improvisao para o Teatro, tentando refletir como
a metodologia de Viola Spolin prope ao aluno o desenvolvimento de um
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pensamento crtico que possibilite o enfrentamento dos processos de indistino
esttica no contexto da ps-modernidade.
Esta pesquisa est dividida em trs captulos. No primeiro captulo,
identifico o contexto sociocultural das matrizes teatrais e pedaggicas de Viola
Spolin, as transformaes do teatro enquanto fenmeno artstico e suas relaes
com as prticas do teatro na educao.
A partir do teatro moderno2 a improvisao teatral configura-se como prtica
pedaggica e mais especificamente nas dcadas de 1960 e 1970, na renovao do
teatro norte-americano, a improvisao teatral passa a ser instrumento de
contestao poltica e cultural. Compem parte deste captulo as contribuies de
Marco de Marinis, Marvin Carlson sobretudo no que se relaciona s transformaes
culturais e mais especificamente teatrais das dcadas de 1960 e 1970. Conto ainda
com as referncias de Ingrid Dormien Koudela, no que se refere introduo e
divulgao da metodologia de Spolin no Brasil, bem como nas relaes que
estabelece com o Teatro-Educao.
O segundo captulo aborda a ps-modernidade como condio histrico-
cultural. Inicia-se com o conceito de pos-modernismo abordado por Jameson e se
desenvolve junto s reflexes de Debord e Teixeira Coelho. Jameson (2000) e
Debord (1997) utilizam o conceito marxista de alienao, o que me fez empreender
um estudo desses conceitos em outras fontes, para poder entend-los no contexto
da atualidade.
Para melhor entender as relaes entre imagem e mdia, abordo o conceito
de mass-media, a partir das categorizaes da semiloga Lcia Santaella (2003).
2 SegundoJean-Jacques Roubine (1982) Trs elementos marcam o nascimento do teatro moderno: A expanso tecnolgica-industrial do final do sculo XIX e comeo do sculo XX. A Iluminao eltrica como resultado desse avano tecnolgico, e a explorao de suas inmeras possibilidades em cena e o surgimento do encenador moderno.
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Este captulo atravessado pelo confronto entre os processos de indistino
esttica da ps-modernidade e o teatro como uma realizao singular,
diferennciada.
No terceiro captulo, analiso os procedimentos metodolgicos do livro
Improvisao para o Teatro luz dos referenciais tericos descritos anteriormente.
Para tanto, os procedimentos que considerei para anlise foram: jogos,
fisicalizao, avaliao e platia, mostrar e no contar. Alm desses
procedimentos descritos no livro, abordo a relao da metologia de Spolin com o
texto teatral.
Entendo que, como educadores ou produtores de arte, temos de reconhecer o
dado inegvel de termos o mercado e a mdia como norteadores da cultura
contempornea, nesse sentido, algumas reflexes tornam-se necessrias: Como
podemos nos posicionar como profissionais da arte e da educao diante dos
processos de indistino da ps-modernidade? Quais os mecanismos de nossa
prtica podem ser vislumbrados como possibilidade de enfrentamento ou de
resistncia ao igualamento da esttica triunfante?
Entendo que investigar os procedimentos metodolgicos de Improvisao
para o Teatro luz das problemticas que envolvem a ps-modernidade pode
fornecer instrumento terico que ajude a compreenso do teatro no mbito da
educao, bem como na criao de zonas de resistncia aos intensos processos de
perda do sentido social das prticas pedaggicas.
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I CAPTULO
1 MATRIZES TEATRAIS E PEDAGGICAS DA METODOLOGIA DE VIOLA
SPOLIN
Na dcada de 1970, um grupo de professores e alunos de ps-graduao em
Teatro-Educao da Escola de Comunicao e Artes - USP, envolvidos com a
problemtica do teatro no ensino escolar, decidiu pesquisar a bibliografia disponvel
no Brasil sobre Teatro-Educao e realizou levantamento bibliogrfico das
publicaes estrangeiras relacionadas a esse tema. Do material selecionado, o livro
Improvisao para o Teatro, de Spolin, foi escolhido para fundamentar uma prtica
com jogos teatrais, durante 1978 e 1979. (KOUDELA, 1990, p.10/11). Nesse
contexto, aconteceu a traduo, para o portugus, deste livro, pelos pesquisadores
Eduardo Amos e Koudela. Esta ltima, considerada responsvel pela introduo e
divulgao da metodologia teatral de Spolin no Brasil, desenvolveu diferentes
trabalhos a partir dessa metodologia. Realizou experincia na Associao Paulista
de Teatro para a Infncia e Juventude (APTIJ) e publicou o livro Jogos Teatrais,
baseado em sua dissertao de mestrado, defendida em 1982. A partir disso, o livro
Improvisao para o Teatro foi difundido no Brasil, causando impacto, sobretudo,
no mbito da pedagogia do teatro.
A difuso da metodologia de trabalho de Spolin contribuiu para uma
reavaliao, no Brasil, da dimenso esttica do teatro na educao e, tambm, do
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papel do teatro na formao do aluno. At os dias de hoje, diferentes prticas em
Teatro-Educao so realizadas, tomando como fundamentao o trabalho terico e
prtico de Spolin: Improvisao para o Teatro, tanto para a formao de
professores de teatro, quanto para prticas pedaggicas de nvel escolar e, at
mesmo, para prticas independentes.
No contexto universitrio, o conceito improvisao teatral, imediatamente nos
remete Commedia dellArte3 e Spolin e seu livro "Improvisao para o Teatro.
Tambm, quando lemos indicaes ou comentrios a respeito de sua metodologia,
percebemos que muitos professores tomam esse material como um guia sistemtico
de tcnicas e jogos de ensino de teatro. A metodologia teatral de Spolin se constri
sobre dois pilares: improvisao e jogos. Por isso, considero importante discorrer
sobre aspectos tericos que, historicamente, fundamentam ambos.
No sculo XVIII, enquanto o pensamento filosfico era extremamente
racionalista, priorizando a objetividade, marcado pelo primado da razo, Jean-
Jacques Rousseau destacou-se por pensar num plano mais subjetivo, enfatizando a
individualidade e sensibilidade humana. Este desenvolveu estudo sobre as
diferentes particularidades da infncia, defendendo a idia de liberdade e
espontaneidade natural da criana, que influenciou os movimentos pedaggicos do
sculo XIX e XX.
Ame a infncia; estimule seus jogos, seus prazeres, seus encantadores instintos. [...]. A natureza deseja que as crianas sejam crianas antes de serem homens [...]. A infncia tem seus meios prprios de ver, pensar, sentir, que lhes so convenientes; [...]. (ROUSSEAU apud COURTNEY, 2001, p.17).
3A commedia dellarte era, antigamente, denominada Commedia all improviso, commedia a soggeto, commedia di zani, ou na Frana, comdia italiana, comdia de mscaras. Foi somente no sculo XVIII (segundo C. MIC, 1927) que essa forma teatral, existente desde meados do sculo XVI, passou a denominar-se Commedia dellarte. A commdia dellarte se caracterizava pela criao coletiva dos atores, que elaboram um espetculo improvisado gestual ou verbalmente a partir de um cavenas, no escrito anteriormente por um autor e que sempre muito sumrio (indicaes de entradas e sadas e das grandes articulaes da fbula). (PAVIS, PATRICE, 1999, p.61).
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Na primeira metade do sculo XX, os olhares sobre a relao da educao
com a sociedade comearam a refletir dois elementos fundamentais para a
compreenso das propostas pedaggicas do perodo. Um deles foi o ensino de
tcnicas profissionais e o desenvolvimento das capacidades produtivas do aluno
para atender a demanda da crescente sociedade tecno-industrial. O outro, as
investigaes da psicologia, que transformaram radicalmente a concepo de
infncia e trouxeram a percepo de evoluo da psique infantil e suas
necessidades especficas para cada etapa de vida da criana. Essas idias, que
confirmaram o entendimento de Rousseau sobre educao e infncia, influenciaram
a valorizao de temas como espontaneidade, afetividade, jogo, livre atividade. Tais
aspectos contriburam para a insero das artes no currculo escolar e,
paralelamente, orientaram o movimento educacional da Escola Nova. Que tambm
ficou conhecido no Brasil com o nome de escolanovismo.
A Escola Nova, cujas bases encontram-se em fins do sculo XIX nos Estados
Unidos e na Europa, representava um movimento de transformao de concepo
educacional, baseado na idia de que a escola era o grande impulsionador da
democratizao da sociedade. (MANACORDA, 1999, p.304/305).
Para o filsofo e pedagogo John Dewey, um dos responsveis por este
movimento nos Estados Unidos, a escola e sociedade deveriam ter mais integrao,
contribuindo, assim, para uma educao mais descentralizada. O movimento
opunha-se s prticas pedaggicas tidas como tradicionais, visando uma educao
que pudesse integrar o indivduo na sociedade e, ao mesmo tempo, ampliar o
acesso de todos escola. No ideal de renovao da educao, estava o respeito s
caractersticas individuais de cada indivduo, inserindo-o em seu grupo social com
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respeito sua singularidade, mas como parte integrante e participativa de um
coletivo.
O Movimento Escolanovista contribuiu decisivamente para as modificaes na
prtica pedaggica da arte. Uma das mais marcantes modificaes foi a valorizao
do processo em detrimento do produto. Ou seja, a importncia da arte na educao
no estava em produzir, mas, sim, em aprender experimentando. Como objetivos
especficos, ela se propunha a desenvolver aspectos como a criatividade, favorecer
a socializao, propiciar o autoconhecimento, desenvolver flexibilidade de adaptao
a novas situaes, promover a intensificao da percepo e da imaginao, entre
outros.
Ao discorrer sobre os pressupostos tericos de Dewey, Koudela apresenta
exemplificao sobre estes princpios:
A principal raiz de toda atividade educacional est nas atitudes instintivas e impulsivas da criana e no na apresentao e aplicao de material exterior, seja atravs de idias de outros ou por meio dos sentidos; portanto as atividades espontneas da criana, como jogos, mmica etc., so passveis de serem usados para fins educacionais, ou ainda, constituem o fundamento de mtodos educacionais. (DEWEY apud KOUDELA, 1990, p.19).
Os jogos, como as brincadeiras, pertencentes ao universo natural da criana,
no poderiam receber nenhuma imposio de proposta esttica definida a priori,
pois a criatividade era mais importante do que a veiculao de qualquer contedo.
Sob a orientao do pensamento da Escola Nova, no comeo do sculo XX,
os jogos dramticos apareceram como excelentes antdotos ao teatro tradicional
no meio escolar. De maneira geral, no teatro da escola tradicional, a nfase era na
exposio verbal, restringindo-se a levar os alunos a decorarem os textos literrios
para apresent-los nas datas comemorativas. O aluno deveria apenas decorar o
texto dramtico (clssico, erudito) para recit-lo em cena. As aulas de artes
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limitavam-se a copiar modelos externos (relao mimtica, cpias do natural). Essa
forma de teatro no meio escolar foi criticada pelos defensores da Escola Nova por se
mostrar artificial, rgida, autoritria e por desconsiderar o processo de aprendizagem,
bem como as necessidades subjetivas dos alunos, tolhendo sua criatividade e
espontaneidade.
Segundo Courtney (1980, p.42/43), Winifred Ward criou nos Estados Unidos o
movimento Creative Dramatics: uma juno de play way, o jogo livre, e teatro para
crianas, desenvolvido inclusive em comunidades de Bairro. Mas, a primeira
formulao de jogos dramticos foi em 1917 com Caldwell Cook (play way ou jogo
de regras). Seu mtodo estava formulado por trs princpios bsicos:
1. Proficincia e aprendizado no advm da disposio de ler ou escutar, mas da ao, do fazer, e da experincia;
2. bom trabalho mais freqentemente resultado do esforo espontneo e livre interesse, que da compulso e aplicao forada;
3. meio natural de estudo, para a juventude, o jogo. (COOK apud COURTNEY, 1980, p.43).
Podemos perceber que, no comeo do sculo XX, a Europa e os Estados
Unidos tinham idias coincidentes sobre transformaes no mbito do teatro e da
educao. Para ambos os contextos culturais, h uma dicotomia evidente entre
teatro e drama. Teatro pode ser identificado como arte profissional, sofisticada,
produto tradicional adulto no relacionado ao universo infantil. J o drama era
entendido como prtica correspondente s necessidades emocionais e psicolgicas
da criana.
As idias de Dewey e do crtico de arte e poeta ingls Herbert Read, autor do
livro Education Through Art, de 1943, contriburam para uma renovao
educacional brasileira. O pedagogo e filsofo Ansio Teixeira foi um dos
responsveis pela introduo e expanso das idias de Dewey no Brasil. Tambm o
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artista plstico Augusto Rodrigues, que em 1948, fundou com um grupo de
educadores, a Escolinha de Arte do Rio de Janeiro. A Escolinha de Arte tornou-se
um centro de treinamento de professores de arte, formando profissionais que iriam
fundar e orientar outras unidades no Brasil e na Amrica Latina.
No mbito do Teatro-Educao, as idias sobre criatividade e espontaneidade
foram bastante difundidas atravs das propostas do Ingls Peter Slade.
Seguindo a idia de que o jogo dramtico inerente natureza humana, o
pedagogo Peter Slade publicou em 1954, na Inglaterra, o livro Child Drama,
defendendo que, atravs dos jogos dramticos, podem-se atingir objetivos amplos,
como criatividade, imaginao e espontaneidade. Alm de distinguir jogos
dramticos de teatro, Slade estabelece posio importante para os jogos no
currculo escolar.
Teatro significa uma ocasio de entretenimento ordenada e uma experincia emocional compartilhada; h atores e pblicos, diferenciados. Mas a criana, enquanto ilibada, no sente tal diferenciao, particularmente nos primeiros anos cada pessoa tanto ator quanto auditrio. (SLADE, 1978, p.18).
As diversas interpretaes, no Brasil, sobre as idias de Dewey e tambm de
Peter Slade, contriburam para elementos como a espontaneidade, criatividade e
expresso livre, mais que uma das caractersticas do universo infantil, se tornassem
objetivos a serem atingidos atravs do Drama.
Se por um lado as concepes da Escola Nova foram importantes para
romper com os padres estticos e metodolgicos tradicionais, por outro, as
interpretaes equivocadas de sua metodologia receberam muitas crticas, por
criarem uma postura no diretiva, desvalorizando a aprendizagem de contedos
organizados, assim tudo em arte era permitido em nome da livre-expresso. Nesse
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sentido, a expresso era considerada uma descarga de sentimentos, uma liberao
emocional reconstruda pela arte. (BARBOSA, 2002, p.19).
Cabe destacar que paralelo recepo e difuso no Brasil das idias de
Dewey, Read e Slade no meio educacional nas dcadas de 1950 e 1960, Augusto
Boal e o teatro de Arena formavam uma nova concepo de espetculo e de
espectador. Em 1959, Boal inaugurou junto ao Arena um Laboratrio de
Interpretao com objetivo de integrar mais uma platia popular e participativa. Muito
embora as experincias populares de Boal voltadas aos temas sociais no
estivessem inseridas diretamente nas escolas, sua prtica e bibliografia sobre jogos
teatrais tambm influenciaram as prticas de teatro em comunidades e no mbito
escolar. Podemos entender que no Brasil diferentes abordagens teatrais dentro ou
fora da escola contriburam para conformar diferentes metodologias teatrais no
mbito educacional.
Ao retomarmos as influncias que fazem conexo e so bases fundantes da
metodologia de Spolin, podemos destacar, do movimento de renovao educacional
que emerge nos anos de 1920 e 1930 nos Estados Unidos e Europa, alguns pontos
fundamentais. Um deles, a experincia teatral realizada atravs de jogos. Tambm
marcante em sua fundamentao terica, est o estmulo espontaneidade e
criatividade. Nos anos de 1920 e 1930, em que a educao escolar dos Estados
Unidos realizava transformaes importantes atravs do jogo livre com crianas,
Spolin desenvolve uma experincia como aluna de Neva L. Boyd, especialista em
jogos recreativos. Em sua nota de agradecimentos publicada no livro Improvisao
Teatral, Spolin deixa explcita a influncia que recebeu de Stanislavski e de Boyd.
Sobre esta ltima, a professora Koudela (1980, p.40) esclarece que:
23
Neva Boyd, especialista em jogos recreativos, lecionou na universidade de Northwestern (1927). Em Handbook of Recreational Games, defende a relao entre jogo e educao social da criana. Ressalta a importncia de danas folclricas e dramatizaes, alertando sempre para o valor intrnseco que elas possuem para a educao. Compilou jogos tradicionais de vrias culturas (Folk Games and Maravia e Folk Games of Denmark, ambos publicados por H. T. Fitz Simons Co.
Mais tarde, Spolin desenvolve experincia teatral com meninos e meninas,
durante mais de dez anos, em Hollywood, no Young Actors Company. A esta
experincia, a autora atribui sua primeira abordagem direta com o ensino do teatro
numa perspectiva no verbal, dando nfase s possibilidades corporais do aluno.
Sua obstinao pela pesquisa em Improvisao como mtodo de ensino de teatro
recebe influncias de Paul Sills, seu filho, de tal forma que, em seus
agradecimentos, cita-o como o fundador do primeiro teatro improvisacional dos
Estados Unidos, denominado Compass (1956-1958).
O teatro no meio escolar tomou grandes propores nas dcadas de 1950 e
1960 nos Estados Unidos e Europa. Mesmo com diferentes formas de abordagens,
as novas concepes da poca tinham em comum a idia de prtica teatral por meio
de jogos. (COURTNEY, 2001, p.44). As inmeras formas de abordagens teatrais
atravs de jogos possuam diferentes concepes filosficas e diferentes objetivos a
serem alcanados no meio escolar. Um exemplo, ainda utilizado em nossos dias, a
utilizao de jogos dramticos como mtodo de ensino para contedos curriculares
como literatura, lnguas, entre outros.
Esta forma instrumental de conceber o teatro na educao, fundamentada
no desenvolvimento de habilidades e comportamentos desejveis, insere-se numa
perspectiva de arte-educao denominada Contextualismo.4 Essa nomenclatura foi
4 Contextualismo enfatiza as conseqncias instrumentais da arte no trabalho educacional, baseado na dinmica interativa entre objetivos, mtodos e contedos nas necessidades dos estudantes ou da sociedade. [...] um programa educacional - tanto em seu significado quanto em suas finalidades s pode ser adequadamente determinado aps se conhecer o contexto no qual ele funcional. Nesse
24
concebida pelo professor da Standford University, Califrnia, Elliot Eisner. Entre os
defensores do Contextualismo, h os que propem que qualquer projeto em arte-
educao5 deve levar em conta as necessidades sociais em que vive o educando,
tendo por objetivo viabilizar a reflexo sobre o contexto socioambiental em que se
encontra envolvido. Tal forma de conceber o teatro na educao passou a ser
questionada na segunda metade do sculo XX. Alguns arte-educadores entendiam
que o contextualismo no considerava a especificidade da arte, mas a colocava a
servio de objetivos extrateatrais.
Como alternativa ao Contextualismo, surge outra abordagem em arte-
educao, o Essencialismo.6 Este defende que a importncia da arte na educao
est na especificidade de sua linguagem. Isto , a arte possui valor em si prpria e
seu objetivo principal vivenci-la. Assim, os arte-educadores entendem que a
presena da arte na formao do educando contribuiria com outros elementos e
formas de apreender a realidade. A experincia esttica tem papel relevante na
educao medida que um fator singular de conhecimento e comunicao com o
mundo que nos cerca. Para a concepo essencialista, o papel do professor no
mais consiste em ocupar um lugar passivo, apenas como observador do
desenvolvimento espontneo do aluno. Suas prticas devem ser planejadas para
que o processo de aprendizagem acontea. Tambm essa perspectiva considera
contexto, ambas as caractersticas, quer sejam dos estudantes quer sejam da maioria da sociedade, devem ser consideradas. (EISNER, 1972, p.2 ).
5 O conceito de arte-educao est associado ao movimento de organizao de professores de arte surgido na dcada de 80. (Parmetros Curriculares Nacionais: Arte, 1998, p.28).
6 O Essencialismo enfatiza tipos de contribuio para a educao e para a experincia humana, os quais somente a arte pode oferecer, ou seja, so prprios e nicos da arte. Vale dizer: o que a arte tem a contribuir para a educao do homem est, precisamente, naquilo que outras reas de estudo no podem proporcionar. [...] qualquer programa de ensino da arte que venha us-la como instrumento para alcanar outras finalidades que no aquelas nicas e prprias arte estar diluindo a experincia artstica e, nesse sentido, retirando do educando aquilo que a arte tem a oferecer. (EISNER, 1972, p.7).
25
fundamental que o aluno tenha acesso histria da arte e saiba fazer leitura da obra
artstica.
Sabemos que na complexidade da prtica torna-se difcil estabelecer uma
clara diferenciao entre Essencialismo e Contextualismo. Embora alguns
educadores inclinem-se mais por uma ou outra perspectiva, ambas acabam, muitas
vezes, tendo presena simultnea no processo de ensino aprendizagem em teatro.
Dentro das diferentes perspectivas em arte-educao, a metodologia de Spolin
aproxima-se da perspectiva Essencialista. A autora defende a idia de que o teatro,
no mbito da educao, deve ser desenvolvido atravs da conveno teatral. Para
tanto, sugere que o jogo dramtico infantil deva se transformar em comportamento
comunicvel de palco. Assim, supera a concepo de Teatro-Educao, que
defende os jogos dramticos apenas como possibilidade de livre-expresso ou,
apenas, como vivncia subjetiva do aluno. (PUPO, 1986, p.7).
Embora a metodologia de Spolin esteja inserida dentro da perspectiva
Essencialista, e, em seu livro Improvisao para o Teatro nos captulos especficos
que apresentam os jogos teatrais, possa se evidenciar que o ensino da linguagem
teatral est sempre presente como medida objetiva, priorizando a dimenso esttica
em detrimento das necessidades socioculturais ou psicolgicas dos alunos,
possvel constatar, sobretudo no captulo Teoria e Fundamentao do livro de
Spolin, a preocupao em construir uma prtica pedaggica que se mostre como
alternativa aos problemas que a arte, a educao e a sociedade como um todo,
naquele contexto, vinham se defrontando. A autora aborda itens como criatividade,
autoritarismo, espontaneidade, liberdade pessoal, intuio, entre outros. Contudo,
nas dcadas de 1960 e 1970, a ateno a esses valores no estava restrita apenas
26
ao mbito da discusso pedaggica, mas fazia parte de discusses mais amplas,
como restituio de valores humanos alienados por fatores sociopolticos.
A complexidade das transformaes socioculturais do ps-guerra e mais
especificamente dos vulcnicos anos de 1960 influenciaram as formulaes do
trabalho de Spolin. Podemos observar isso quando percebemos que Spolin trata em
seu livro questes como o autoritarismo. Um dos elementos chaves para se pensar
a revoluo de costumes das dcadas de 1950 e 1960.
Por isso, para compreender as bases do pensamento de Spolin,
interessante tambm observar como sua metodologia emerge em um momento
histrico de transformaes que redefiniro o campo da cultura. O impacto das
transformaes dos perodos das dcadas de 1950 e 1960, na Europa e Estados
Unidos devem-se aos movimentos de apoio aos processos de liberao nacional do
Terceiro Mundo, movimentos pacifistas contra a guerra do Vietn, movimento hippie,
protestos estudantis (cabe destacar o fenmeno do maio de 68)7, entre outras
significativas lutas polticas. Junto a esses movimentos, novos fenmenos artsticos
culturais surgiram contestando o sistema poltico norte-americano. O conflito do
Vietn foi um grande impulsionador de discusses dos temas como a violncia, o
militarismo norte americano, o colonialismo e o racismo. O contexto teatral no
ficava margem desse processo. Como afirma o historiador De Marinis, os
principais pontos de convergncia de grupos artsticos expoentes do perodo
incluam temas que abordavam essas questes, mesmo que indiretamente e de
7 Maio de 1968: Movimento poltico e cultural que teve a Europa como impulsionador e o artista e filsofo Guy Debord como uma das figuras principais. (JEPP, 1999). Este movimento se estendeu a vrios pases como Estados Unidos, Mxico e Japo. Entre Maio e Junho de1968 ocorreram grandes manifestaes estudantis que, alm de lutar pela democratizao das universidades tambm contestavam o modo de vida da sociedade capitalista. A juventude criticava a violncia, o consumismo e o autoritarismo presente em todos os aspectos da vida cotidiana. Propunham a criao de uma sociedade sem opresso, na qual o ser humano pudesse viver livre.
27
forma no realista. Ele aponta como caractersticas que marcaram de forma geral os
movimentos artsticos da poca:
O impulso para a experimentao de novos modos de produo cultural e artstica, bem como tendncia a autonomia com relao s instituies artsticas do sistema vigente e uma prtica esttica concebida como prtica social generalizada acessvel a todas as pessoas excludas at aquele momento. (DE MARINIS, 1988, p.281/282).
Nos Estados Unidos, surgiram diferentes formas teatrais em oposio ao
sistema de mercado representado pelo show business. O teatro de vanguarda norte-
americano estava constitudo de grupos como o Open Theatre, o Living Theater e o
Bread and Puppet. Grande parte dos grupos experimentais optou por sobreviver fora
do mercado da arte e objetivavam transcender a institucionalizao dos museus e
academias. Tais grupos davam nfase criao coletiva, experimentao,
improvisao e transitoriedade do espetculo, como, por exemplo, o happening,
para descobrir novas formas de comunicao com o pblico. Quando se refere s
influncias culturais decisivas para maio de 68, De Marinis cita alguns nomes
fundamentais que influenciaram aqueles anos, no que se refere luta pela
organizao de uma nova maneira de conceber a cultura e praticar a arte. Nesta
lista, entre outros, esto Debord8, Adorno, Lefbvre e Benjamin. Do universo do
pensamento de esquerda que marcou as lutas e processos de renovao dos anos
de 1960 Walter Benjamim cumpriu um papel destacado influenciando educadores,
homens de teatro e intelectuais de esquerda com seu Programa para um teatro
infantil proletrio, escrito em 1928, mas publicado na revista Alternative, justamente
8 A Internacional Situacionista (IS) foi um movimento contestador surgido em 1957, cuja atuao foi marcante em todo o processo de luta poltica, ideolgica e cultural que culminou nos acontecimentos de 1968. O movimento, que teve em Guy Debord seu pensador mais influente, deixou como principal herana terica A Sociedade do Espetculo. A IS deixou de existir em 1972. (N. da T. de A Sociedade do Espetculo).
28
em 1968. verdade que o referido programa est fundado nos referentes polticos
marxistas. No entanto, longe de entender o teatro na educao como um lugar de
militncia no sentido estritamente relacionado funo didtica do termo, Benjamin
considera o teatro infantil um lugar correspondente aos aspectos como jogo,
espontaneidade, improvisao e experincia coletiva. Ao falar das diferentes formas
de expresso para a criana, como msica, dana e recitao, o autor destaca a
improvisao no interior da prtica teatral:
[...] em todas elas a improvisao permanece como central. Pois, em ltima instncia, a apresentao apenas a sntese improvisada de todas. A improvisao predomina; ela a constituio da qual emergem os sinais, os gestos sinalizadores. E encenao ou teatro deve, justamente por isso, ser a sntese desses gestos, pois se manifesta de maneira inesperada e apenas uma nica vez, mostrando-se portanto como o autntico espao do gesto infantil. (BENJAMIN, 1984, p.86).
importante observar, ainda, que, mesmo tendo influncia do pensamento de
esquerda caracterstico da poca, muitos grupos teatrais de vanguarda, como o
Open Theatre, no compartilhavam a idia de desenvolver no pblico a conscincia
de classe ou fazer uma revoluo socialista. Pensavam que as transformaes da
sociedade e do teatro poderiam comear, sim, pelo teatro, mas no que se refere,
sobretudo, revoluo esttica. A liberdade deveria partir do inconsciente e no da
conscincia de classe marxista. Podemos observar essa concepo nas palavras do
fundador do Open Theatre, Chaikin:
A sofisticao de nossa poca, diz Chaikin em seus apontamentos, bloqueou boa parte de nossa resposta humana total. Os atores devem abrir-se novamente, tornar-se novamente ingnuos e inocentes, cultivar a atmosfera interior: o medo, por exemplo. (CHAIKIN apud CARLSON, 1997 p.407).
29
De Marinis (1988, p.278), afirma que as caractersticas que marcaram os
movimentos da poca, como os questionamentos do modo de produo teatral
dominante, estavam acompanhadas de uma caracterstica comum fundamental: um
repdio a representao entendida como reproduo fictcia simulao ilusria do
produto do espetculo como mercadoria no circuito capitalista de mercadorias. Mas
necessrio considerar que, mesmo tendo em comum o repdio ao sistema
capitalista como um dos impulsionadores do movimento, os grupos teatrais
produziam segundo estticas diferentes. Alguns grupos defendiam a idia de colocar
o teatro a servio de uma ao poltica direta, combatente, objetivando uma
formao politizada da opinio pblica, como, por exemplo, o Teatro Campesino.9
Outros propunham a idia de que o teatro devia considerar as especificidades de
sua linguagem e preservar sua autonomia. Nesse caso, a dimenso revolucionria
do teatro estaria na sensibilizao esttico-ideolgica de seus participantes e do
pblico. Esse era o caso do Open Theatre (1963-1973), grupo que utilizava
sistematicamente a improvisao teatral para a composio dramtica e cnica.10
A concepo teatral dos grupos de vanguarda da dcada de 1970 trazia o
desejo de restituir e restaurar no homem sua integridade, identidade, liberdade,
enfim, a arte teatral trazia o ideal de transformao e restituio de valores humanos
que, naquele momento, estavam aviltados por fatores sociopolticols. Muito embora,
o ideal de transformao poltica e cultural, para alguns grupos, no estivesse
9 O Teatro Campesino teve como fundador Luis Miguel Valdez. Criado em 1965, tinha como finalidade: Incitar o pblico para luta poltica. Ilustrar pontos especficos de problemas sociais. Satirizar a oposio. Mostrar ou sugerir uma soluo. Expressar o que sentiam as pessoas. (VALDEZ, 1971, p.6 apud De MARINIS, 1988, p.165).
10 Segundo De Marinis (1988, p.153), Em seus dez anos de existncia esse grupo foi o mais reconhecido nos Estados Unidos como teatro de investigao mais rigoroso, preocupado pelas questes da tcnica atoral e do mtodo de encenao e das relaes com uma nova escritura cnica, antinaturalista e no psicolgica.
30
centrado na denncia, protesto e militncia, estes se apresentaram na histria como
alternativa que afrontava radicalmente os fenmenos da alienao humana.
Embora a proposta de Spolin tenha se solidificado fundamentalmente no
mbito da educao, j nas dcadas de 1960 e 1970, muitas companhias teatrais
utilizaram, sobretudo, a dimenso improvisacional de sua metodologia para
construo e pesquisa de espetculos. Essas companhias tinham na metodologia de
Spolin uma alternativa aos processos de atuaes cnicas tradicionais.
O historiador Carlson (1997), ao descrever este movimento de renovao
teatral, afirma que Spolin oferece como metodologia para o Open Theatre a
improvisao, o que reafirma o forte vnculo de Spolin com as prticas teatrais de
vanguarda dos anos de 1960. Influenciada pelas idias de liberdade, expresso e
autenticidade da prtica teatral, a autora constri seu mtodo Improvisacional,
vinculado educao. Mas o que significava a improvisao teatral naquele
contexto? Para responder questo, penso ser necessrio estender um breve olhar
sobre a histria da Improvisao no processo de ensino e aprendizagem em teatro.
1.1 AS DIMENSES POLTICAS E PEDAGGICAS DA IMPROVISAO NO
TEATRO
Sabemos que, em alguns pontos da histria do teatro, a improvisao deixa
marcas mais significativas que em outros. Um exemplo disso est em nossas
referncias sobre a Comedia dellArte e no teatro de vanguarda das dcadas de
1960 e 1970. J no contexto do teatro moderno, a improvisao parece no ter tanto
31
reconhecimento. No teatro moderno, a improvisao era utilizada, sobretudo, como
instrumento para treinamento do ator, ficando fora da apresentao para o pblico,
isto , do espetculo.
Muito embora a linguagem teatral tenha como especificidade o uso do corpo
do ator em tempo real, sabemos que nem todas as experincias desta arte, ao longo
da histria, exploravam as inmeras possibilidades corporais. verdade que j no
final do sculo XIX, artistas e intelectuais de diferentes artes entendiam a
emergncia de construir uma arte de representar calcada nas possibilidades
expressivas do corpo humano. A descoberta do corpo no estava vinculada apenas
ao teatro, mas ela compartilhava as idias predominantes da poca, espalhadas,
principalmente, por diferentes pases da Europa, dos Estados Unidos e Unio
Sovitica, como a Educao Fsica, que, em 1880, institucionalizou-se na Inglaterra
e nos Estados Unidos. A bailarina Isadora Duncan, em 1902, danava com seus ps
e braos nus e, em 1914, o bailarino russo Nijinsky, considerado o primeiro bailarino
moderno do sexo masculino, fundou sua prpria companhia em Londres.
Para os grandes encenadores de teatro, como Stanislavski e Copeau, a
improvisao no foi elemento de interferncia nos espetculos, mas muitos
registros mostram que os mesmos incluam a improvisao no processo de
formao dos atores. (ZAJAVA, 1997, p.33/34). Porm, importante ressaltar que
no advento do Naturalismo comea a surgir a idia de improvisao como elemento
que diz respeito a autonomia criativa do ator e, tambm, como possibilidade de
criao de um texto dramtico. Zavaja, discpulo do diretor e pedagogo Vajtangov,
afirma que, em 1912, Gorki escreve a Stanislavski, sugerindo ao mesmo a idia de
que os atores poderiam improvisar o texto e montar um espetculo improvisado. Tal
32
idia vem acompanhada de reflexes sobre o lugar da criatividade e da
subjetividade na prtica do aluno-ator.
A maioria das pessoas no elabora representaes subjetivas; quando quer conferir uma forma clara e precisa ao que experimentou pe em obra formas j feitas, utiliza palavras de outros, imagens e representaes de outros, se submete s opinies reconhecidas e constitui o que lhe pessoal como algo estranho. [...]. A tarefa que se estabelece a cada um de encontrar seu eu, encontrar sua atitude subjetiva para a vida para seus congneres, para um fato concreto e materializar esta atitude sob formas e palavras pessoais. (GORKI apud ZAJAVA, 1997, p.30).
Gorki sugeriu exerccios de improvisao que interessaram a Stanislavski e
que ambos experimentaram no Studio do Teatro de Arte de Moscou (TAM), mas a
improvisao acabou no sendo muito desenvolvida nas atividades deste Studio,
pois a valorizao dos textos literrios e o foco da interpretao dos atores ainda
eram o elemento de maior ateno no teatro. (ZAJAVA, 1997, p.34).
Outra reflexo sobre o princpio pedaggico da improvisao teatral vem de
Charles Dullin, ator e diretor, aluno de Jacques Copeau e integrante do Vieux
Colombier. Para Dullin (1997, p.50), a improvisao teatral era um instrumento que
estimulava a expresso sensorial dos alunos e, conseqentemente, suas memrias
e sentimentos. Este considerava importante para a preparao do ator os aspectos
subjetivos e as experincias pessoais.
A improvisao obriga o aluno a descobrir seus prprios meios de expresso. Alguns exerccios muito simples de improvisao vo abrir os olhos deste aluno sobre uma das leis fundamentais de nossa arte, cuja ignorncia est na base de todas estas torpezas; sentir antes de tentar expressar mirar e ver antes de descrever o que avisto, escutar e ouvir antes de responder a um interlocutor.
A partir do exposto acima, observamos que a improvisao, alm de se
oferecer como tcnica atorial, era entendida como instrumento pedaggico, que
33
favorecia o desenvolvimento da personalidade do aluno. Mas, de maneira geral,
mesmo quando objetivava fortalecer o processo criativo do ator, no teatro moderno,
a improvisao estava mais voltada para o aprimoramento da tcnica teatral. J nos
movimentos artsticos das dcadas de 1960 e 1970, em que a improvisao passou
a ser um fenmeno extrateatral, ou seja, mais que um treinamento, a improvisao
simbolizava liberao e protesto esttico, poltico e cultural. Para aqueles grupos, a
improvisao teatral consistia, sobretudo, em um princpio tico e ideolgico.
Diferentes grupos trabalhavam com nfase na tcnica atorial antinaturalista.
Como grande parte dos grupos da poca, este grupo se opunha construo dos
personagens como entidade coerente, fixa, como modelos inalterveis da natureza
humana, a partir do mtodo Naturalista, modelo teatral dominante nos teatros
comerciais dos Estados Unidos. Para o movimento teatral de vanguarda, superar o
mtodo de Stanislavski representava uma tentativa de resistir noo tradicional e
hegemnica do fenmeno teatral, muito embora, no comeo do sculo, diferentes
pesquisas teatrais tenham surgido, contrapondo-se ao mtodo Naturalista,
dominante nos palcos comerciais de Nova York e Hollywood.
No mtodo Naturalista, a preparao do aluno-ator era centrada no
treinamento da voz, para expressar o texto que se caracterizava pelo grande
repertrio clssico, e na interpretao fundamentada apenas na emoo do ator. O
teatro de renovao americano valorizava o corpo em detrimento da palavra e a
coletividade como lugar onde a dimenso individual podia ser reconhecida. Assim,
como matriz, a funo da improvisao teatral era funcionar como instrumento da
tcnica atoral, com objetivo de enfatizar a expresso corporal, o que,
conseqentemente, libertaria o ator das amarras do texto dramtico. A prtica de
34
apresentaes a partir de fragmentos escolhidos das improvisaes recorrente no
Open Theatre.
Nesse ambiente, o uso da improvisao teatral tornou-se uma tcnica
poderosa considerada como veculo de protesto e contestao. Cabe dizer, que isso
tambm era uma resistncia ao teatro centralizado no texto literrio, pois, alm de
conter um potencial para a experimentao, por contar com a ao direta no aqui e
agora, estimulava a participao ativa da platia para que participantes leigos e
atores pudessem explorar as diferentes dimenses humanas, at ento
desconsideradas, como suas contradies, seus conflitos e seus desejos. Essa
concepo estava ligada idia de liberdade, expresso e harmonia. Juntos, esses
aspectos eram considerados essenciais para formar o homem em sua totalidade.
Jameson (2001, p.75), em seu livro A cultura do dinheiro, ao se referir s
prticas teatrais deste perodo, afirma que:
[...] esse foi um perodo apaixonadamente poltico, e que as inovaes artsticas, e em particular as inovaes teatrais, mesmo daqueles encenadores e diretores mais estetizantes e menos conscientes politicamente, eram sempre ancoradas na convico firme de que a produo teatral era tambm um tipo de prxis, e que mudanas no teatro por mnimas que fossem, eram contribuies a uma mudana genrica da prpria vida, do mundo e da sociedade da qual o teatro era tanto uma parte quanto um reflexo.
Spolin compartilha com os grupos de vanguarda da dcada de 1960 a idia
de improvisao como prtica teatral que legitima valores como liberdade,
espontaneidade e transformao, entre outros. No contexto da dcada de 1960, a
espontaneidade foi uma palavra bastante usada para a discusso do fenmeno
teatral. Podemos lembrar alguns autores que, embora no tenham sido do mbito do
Teatro-Educao, exerceram influncias na sua configurao. Um deles, o
psicodramatista Jacob Levy Moreno, criador do teatro da espontaneidade, que, na
35
primeira metade do sculo XX, migrou da Europa para os Estados Unidos, inventou
um mtodo chamado Criaturgia, em oposio ao texto dramtico. Para ele, a vida
cotidiana oferecia situaes que deveriam ser revividas no palco, dispensando o
texto dramtico escrito a priori. Em seus preceitos, Moreno tece consideraes
sobre o mtodo de Stanislavski, afirmando que este estaria a servio de uma
cultura de conservas. Esse termo relacionava-se s crticas constantes aos
processos da tecnologia e do consumo.
O nosso mundo necessita de uma glorificao do ato criador, preciso elaborar uma filosofia do criador como um corretivo anti-mecnico de nossa poca. (MORENO apud CHACRA, 1983, p.47).
No interior das improvisaes realizadas pelos grupos de vanguarda e de
forma mais ampla, nas dcadas de 1960 e 1970, a espontaneidade esteve
relacionada s esferas poltica, educacional e esttica. Improvisao teatral e
espontaneidade relacionavam-se livre-expresso, liberdade, criatividade e
autenticidade. Quando se refere a espontaneidade no seu sistema de jogos
improvisacionais, Spolin (2001, p.4) afirma:
Nessa espontaneidade, a liberdade pessoal liberada, e a pessoa como um todo fsica, intelectual e intuitivamente despertada. Isto causa estimulao suficiente para que o aluno transcenda a si mesmo - ele libertado para penetrar no ambiente, explorar, aventurar e enfrentar sem medo todos os perigos.
Quando Koudela especifica as caractersticas dos jogos teatrais em Spolin,
dedicando-se a fazer esclarecimentos sobre o gesto espontneo, a autora previne
quanto s conseqncias do uso generalizado do termo espontaneidade e ao risco
da compreenso desse conceito como falta de rigor para o trabalho teatral. Koudela
afirma que o deixar livre no se equipara ao espontnea de Spolin, pois
36
observa que, quando deixamos os alunos totalmente livres, imediatamente, surgem
modelos de atuao estereotipados.
Ao espontnea no equivale simplesmente a ao livre. O processo de deixar fazer na viso espontanesta de ensino ainda no define ao espontnea. [...]. Ao trabalhar com a associao de idias (estria) o jogo de improvisao permanece ainda no plano cerebral. A ao espontnea exige uma interao entre os nveis fsico, emocional e cerebral. (KOUDELA, 1990, p.51).
Nesse caso, o processo espontneo em sua metodologia relaciona-se,
sobretudo, ao gesto centrado no aqui-e-agora, construdo na interao com os
demais participantes do jogo inerente improvisao teatral.
Observa-se que, subjacente aos preceitos de Spolin, esto as idias de
autenticidade e espontaneidade como possibilidade de recuperao e reintegrao
do sujeito com sua produo humana criativa. Segundo a autora, essas
potencialidades humanas esto oprimidas pelo autoritarismo que, em cada poca
histrica, apresenta-se de forma diferente.
Ao se referir ao autoritarismo, Spolin (2001, p.8) afirma que:
[...] autoritarismo (que) tem mudado de rosto ao longo dos tempos, passando do rosto do pai ao rosto do professor e, atualmente, ao da estrutura social como um todo.
Referindo-se aos preceitos de Spolin, sobre a perda de valores como
criatividade, liberdade pessoal e espontaneidade, que so embotados pelas diversas
faces do autoritarismo, Carlson (1987, p.407) comenta que:
Na tentativa de aplacar esse juiz exterior, perdemos a capacidade de nos relacionar pessoal e organicamente com o mundo, distanciamo-nos tanto de nosso eu quanto de nossa arte. Para Spolin a improvisao teatral um meio de superar essa perda. J que a vida e o teatro esto sempre colocando crises e escolhas diante de ns, o segundo pode levar-nos a uma opo espontnea e natural, a uma constante recriao do eu em resposta ao mundo, o que Spolin chama de transformao. (grifo do autor).
37
Para Spolin, combater o autoritarismo atravs da liberdade pessoal o
primeiro passo para exercer a criatividade e a transformao. A criatividade,
considerada base para a construo de um teatro autntico, seria tolhida pelo
autoritarismo.
O autoritarismo estende-se desde as instituies polticas, familiares e
trabalhistas at as formas artsticas, surgidas a partir da presena massiva das
tecnologias a servio da comunicao e do consumo, como publicidade comercial,
hiperdifuso do cinema de Hollywood, consumo de alimentos enlatados e TV,
representa uma ameaa liberdade do homem, pela imposio da automatizao
que determina atitudes e idias. Spolin tambm observa, como fenmeno paralelo, a
expanso autoritria do consumo e do autoritarismo no interior do prprio teatro,
representada pela total hegemonia da figura do diretor ou do texto dramtico.
Spolin no concebia o autoritarismo como fenmeno caracterstico da luta de
classes. Esta no tinha o propsito de criar uma pedagogia que levasse o indivduo
a identificar, no contexto sociopoltico existente, o motivo para a perda de valores
como criatividade e liberdade pessoal.
Apesar de Spolin no fazer em seus textos referncia explcita idia de
alienao, possvel observar que, para a autora, as transformaes emergentes
sob o efeito da tecnologia a servio do consumo e da guerra alienam o sujeito de
sua humanidade, de sua dimenso sensvel, espontnea, criativa. Para a autora, a
produo humana criativa que se encontrava separada, isto , alienada do indivduo,
poderia recuperar sua integridade e totalidade atravs da arte em oposio ,
alienao do homem ou do seu ser-prprio em relao a si mesmo s suas
possibilidades humanas.
38
Nas dcadas de 1960 e 1970, j estava instalada a discusso sobre a
problemtica da tecnologia to polemizada atualmente. Mas a sociedade de ndole
tcnoesttica ainda no teria adquirido as propores atuais. Considerando que a
proposta de Spolin apresenta-se como uma tentativa de resistir noo tradicional e
hegemnica do fenmeno teatral, percebe-se que tal proposta aproxima-se da busca
de uma prtica relacionada a objetivos pedaggicos para se formular um elemento
de resistncia aos modelos hegemnicos de sua poca.
A nfase na criao coletiva, na experimentao grupal; a improvisao
teatral como recurso para a composio textual; a valorizao do corpo em oposio
palavra instituda no texto dramtico tradicional. So algumas das caractersticas
pertencentes s transformaes do teatro de vanguarda norte-americano. Tais
caractersticas contriburam para conformar os procedimentos metodolgicos
descritos no livro Improvisao para o Teatro. Alguns desses procedimentos sero
analisados no prximo captulo.
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II CAPTULO
2 O CONTEXTO DA PS-MODERNIDADE E OS PROCESSOS DE INDISTINO
ESTTICA
Muito embora o termo ps-modernismo, freqentemente, esteja associado a
movimentos culturais produzidos por artistas, intelectuais e acadmicos, trato aqui
de no restringi-lo apenas ao campo do estilo, mas, como j expus, de utiliz-lo
como um conceito que se refere a mudanas mais amplas, como uma nova lgica
cultural.
Segundo Jameson (2000), necessrio entender que o conceito de ps-
modernidade ou ps-modernismo deve ser lido como um momento histrico.
Sobretudo porque j nos esquecemos de pensar historicamente o presente.
Nesta proposio est circunscrita grande parte da problemtica que
Jameson identifica como uma das categorias que representam o ps-modernismo. O
autor transita por uma srie de derivados do termo, como ps-moderno ou ps-
modernidade, sem se preocupar em manter sistematicamente um termo preciso.
Como observa Jameson (2000, p.14):
[...] o modo pelo qual, nesse perodo, inmeras anlises de tendncias, de natureza bastante diferente - previses econmicas, estudos de marketing, crticas de cultura...- se aglutinam todas para formar um novo gnero discursivo, a que podemos muito bem denominar de teoria do ps-modernismo.
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Ps-modernismo o termo que, para o autor, contempla uma srie de
manifestaes da cultura contempornea, como os espaos urbanos, os vdeo, o
teatro, as artes visuais, a literatura e o hapening. Ao tentar descortinar a estrutura
subjacente das diferentes manifestaes culturais, o autor as situa no ps-
modernismo, concebendo este como um perodo mais definido, como uma
dominante cultural ou a lgica cultural do terceiro estgio do capitalismo - o que
chama de capitalismo tardio - cuja ascenso estaria situada no perodo logo aps a
Segunda Guerra Mundial.11
Aps a Segunda Guerra Mundial, o impulso da industrializao e da
tecnologia avanada exprimiu o dinamismo do sistema social capitalista tardio, de
consumo ou multinacional. Essa transformao da cultura oferece instrumentos para
detectar o ps-moderno, que se deu mediante: Uma dilatao incessante da esfera
da mercadoria, uma aculturao do real historicamente original, num salto quntico
que tem como conseqncia a estetizao da realidade. (JAMESON, 2000, p.14).
Quando Jameson (2000) refere-se esfera da cultura no ps-modernismo,
considera o termo cultura como algo que implica arte e manifestaes culturais de
modo geral, tais como atividades de rotina, subsistncia e de lazer. A cultura
concebida na ps-modernidade j no se restringe a uma esfera autnoma que
representa os cnones estticos do modernismo, mas, sim, um componente do
mecanismo do sistema capitalista. A cultura estaria ento conformada em uma nova
situao: agora, totalmente imersa na lgica da mercadoria e da imagem. A partir
dessas reflexes, Jameson aponta para a intensificao dos mecanismos de
11 Analisando o estgio atual do capitalismo, Jameson (2000) segue a categorizao de Ernest Mandel, em Capitalismo Tardio e distingue trs pocas da expanso capitalista: capitalismo de mercado, caracterizado pelo incremento do capital industrial, sobretudo em mercados nacionais; capitalismo monopolista ou imperialista, em que os mercados tornaram-se mundiais, organizados em torno de naes-estado; e, finalmente, a fase ps-moderna do capitalismo multinacional, marcada pelo crescimento exponencial das corporaes internacionais e superao das fronteiras nacionais. Movimento este que, hoje, denominamos correntemente de globalizao.
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alienao a que nossas prticas sociais, artsticas, esto submetidas na ps-
modernidade. Frente a esta realidade, na qual cultura e economia parecem se
colapsar mutuamente, seria necessrio e urgente a leitura do perodo atual, que ele
denomina ps-modernidade ou ps-modernismo, como fenmeno histrico, portanto
transitrio. preciso pensar a contemporaneidade como um modelo scio-
econmico que tem a cultura como sua lgica de sustentao, mas que no seria
uma dilatao infinita do Capitalismo, seno uma situao histrica precisa que
demanda uma leitura crtica.
Embora Jameson assinale em sua obra algumas caractersticas do ps-
modernismo, tambm mencionadas por outros autores, como uma certa confuso
estilstica, a morte da hierarquia entre alta-cultura e cultura popular, a ausncia de
profundidade da cultura e declnio da originalidade, este insiste que o perodo
posterior modernidade, com o prefixo de ps, possui especificidades que vo
alm da to aclamada perda da tradio ou da identidade. Quando examinamos as
caractersticas do ps-modernismo, pontuadas por Jameson (2000, p.84),
encontramos uma nfase no apagamento das fronteiras entre arte e vida cotidiana,
na sobrecarga sensorial, no desaparecimento da fronteira entre o real e a imagem e,
conseqentemente, a perda do sentido de histria.
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2.1 O TEATRO COMO CERIMNIA SOCIAL DIFERIDA
Para pensarmos o teatro como prtica social diante das caractersticas ps-
modernas pontuadas por Jameson, podemos nos remeter anlise empregada pelo
socilogo francs Jean Duvignaud (1966).
Dentro de uma anlise sociolgica do fenmeno teatral, encontramos em
Duvignaud (1966) uma abordagem que nos ajuda a pensar o lugar dessa arte no
contexto da ps-modernidade. Para o socilogo, o fenmeno teatral possui a
especificidade de se realizar a partir de criaes mltiplas que envolvem diferentes
artistas, como o dramaturgo, o diretor e o ator, e a participao do pblico, na
delimitao do espao teatral. A essas especificidades, o autor d o nome de
"cerimnia teatral".
Duvignaud (1966) descreve as representaes inerentes ao convvio social e
coletivo, para empreender uma anlise da arte teatral e afirm-la enquanto
fenmeno esttico. Este afirma que a diferena entre situao dramtica e situao
social no se encontra na oposio superficial entre existncia imaginria e real,
mas, sim no fato de no teatro a ao ser vista sob a forma fictcia de um espetculo
que est construdo a partir de critrios estticos. Por isso, para o autor, a cerimnia
social do teatro diferida, suspendida. Podemos pensar no teatro como prtica
artstica singular em oposio ao igualamento descrito por Jameson entre arte e vida
cotidiana. O teatro experincia diferida, porque no a rplica da realidade, no
a representao tecnicamente consumada como real mas contm em si valor
expressivo e experincia subjetiva.
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Podemos pensar que a arte teatral acontece ao vivo e em tempo real,
utilizando-se essencialmente do corpo como matria prima, representando um locus
possvel de encontro, de "cerimnia social". Esses atributos, muitas vezes,
conferem-lhe o status de um fazer singular e artesanal, numa poca de massificao
dos aparatos tecnoestticos.
Tambm possvel lembrar que o teatro impe ao espectador uma
participao direta, uma vivncia fsica, um confronto com uma espacialidade
concreta, que transcende o espao imaginrio de quem l um texto dramtico.
Vejamos, ento, como a idia do fim da distino entre imagem e realidade
evocada por Jameson est orientada pelo pensamento de Guy Debord (1997), autor,
alis, freqentemente, referenciado na literatura de Jameson.
2.2 A SOCIEDADE ESPETACULAR E SUA INCESSANTE RENOVAO
TECNOLGICA
O binmio tecno-esttica empregado por Debord uma das facetas do
conceito Sociedade do Espetculo. O autor chama de espetacular a forma como a
sociedade contempornea organiza-se, isto , com a evoluo do sistema
econmico capitalista, que tem como alicerce a produo de mercadoria associada
tecnologia avanada, todo e qualquer momento da vida transformou-se em
representao. Um dos cinco aspectos principais do estgio atual da sociedade a
incessante renovao tecnolgica. (DEBORD, 1997, p.175). Para o autor, estamos
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num estgio de alienao e submisso tirania das mdias a tal ponto, que a juno
mdiamercadoria faz do espetculo:
[...] uma nova cosmogonia que dispe do verossmil para impor a representao de um mundo de ndole tecno-esttica. Determinando o permitido e desestimando o possvel, a sociedade espetacular regula a circulao social do corpo e das idias. (idem, p.175).
Com o refinamento das tecnologias de comunicao de massa, temos uma
espetacularizao, em nosso dia-a-dia, dos diferentes momentos da realidade.
Exemplos so as descries estetizadas das notcias jornalsticas e, at mesmo, da
guerra. Ainda, mais especificamente no Brasil, temos a espetacularizao da misria
e da violncia urbana apresentada como um Reality Show. Ao mesmo tempo, essa
espetacularizao de tudo que nos cerca se d sem um fio narrativo, mas pela
fragmentao e hiper-estimulao das imagens. Ou seja, a linguagem ou narrativa
que se relaciona e se identifica com a experincia humana na atualidade a
imagem. Mas no se trata apenas da quantidade de imagens disponveis ou da
invaso da mass media em nossas vidas. Trata-se, sobretudo, de transformar
nossos conflitos, dores, misria e at nossas utopias de mudana social, em fico,
em representao, em um empilhamento de imagens, de tal forma, que na
contemporaneidade as relaes sociais so mediadas pelas imagens. Estas
preenchem todos os lugares, a todo o momento (parecem onipresentes), alcanando
todos os territrios e as diferentes culturas.12
12 Nessa abordagem, Debord distingue trs formas de manifestao do espetculo: primeiro, o espetacular concentrado, que concerne ao capital burocrtico, cuja mercadoria controlada justamente o trabalho; segundo, o espetacular difuso, que diz respeito abundncia das mercadorias e sua difuso. importante ressaltar o adendo que Debord fez trinta anos depois da publicao de seu livro, em seus Comentrios sobre a Sociedade do Espetculo: "Da juno das duas formas de poder espetacular, se impe uma terceira: o espetacular integrado que se manifesta tanto no modelo concentrado como no difuso". (DEBORD, 1997, p.172/173).
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Gostaria de citar aqui uma conceituao ou categorizao de dispositivos
espetaculares, que, correntemente, denominamos mass media ou cultura
miditica. Para entender melhor a noo de imagem como elemento chave da
cultura de massas, interessante observar que o conceito de cultura de massas
surgiu com o advento da sociedade industrial, na qual se mesclavam o artesanal e o
industrial. Da, o surgimento das culturas urbanas, dos meios de reproduo
tecnolgicos (fotografia, jornais, rdio e televiso) e a produo industrial em massa.
A semioticista Santaella (2003, p.79) desenvolve anlise do conceito:
A cultura de massas originou-se no jornal com seus coadjuvantes, o telgrafo e a fotografia. Acentuou-se com o surgimento do cinema, uma mdia feita para recepo coletiva. Mas foi s com a TV que se solidificou a idia do homem de massa junto com a idia de mass media.
A cultura das mdias ou miditica distingue-se da cultura de massas
devido proliferao de novas tecnologias que no possuem uma narrativa
coerente, sendo, sobretudo, tecnologias segmentadas, individualizadas, de
especializaes, oferecendo uma pseudo-opo de escolha: vdeo, CD, walkman,
selees pessoais na TV a cabo, entre outros. Santaella considera como sinnimo
de cultura das mdias, a cultura do disponvel, a cultura do acesso.
A cultura do disponvel intensifica-se a partir da dcada de 1990. A
multiplicidade das mdias comea a se misturar com a revoluo da informao e da
comunicao cada vez mais invasora, a qual chamamos de era digital. A mais
importante transformao oferecida pela cultura digital ter tornado disponvel toda
e qualquer produo artstica: um texto teatral clssico, uma pintura renascentista,
um Funk-Rap:
No cerne dessa revoluo est toda possibilidade aberta pelo computador de converter toda informao - texto, som, imagem,
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vdeo - em uma mesma linguagem universal. Atravs da digitalizao e da compresso de dados que ela permite, todas as mdias podem ser traduzidas, manipuladas, armazenadas, distribudas digitalmente produzindo o fenmeno que vem sendo chamado de convergncia das mdias. (SANTAELA, 2003, p.60).
Da juno da informtica com as telecomunicaes, resulta uma exploso nas
redes de transmisso, acesso e troca de informaes, que, hoje, conectam todo o
globo na constituio de novas formas de socializao e de cultura, que vm sendo
chamada de cultura digital ou cibercultura.
As opes de escolhas ou de interatividade proclamadas pelos meios de
comunicao, como os programas televisivos, apontam para a oportunidade de
decidir sobre o filme ou o documentrio que o telespectador quer assistir,
oferecendo, ainda, a possibilidade deste escolher atravs de e-mail, ou fax, o fim de
uma histria ou o destino de pessoas que participam de alguns programas
televisivos. Isso revela uma pseudo-interatividade. A pseudo-interatividade
oferecida pela tecnologia no proporciona espao para o debate de idias, e,
dificilmente, considera o que cada indivduo pensa, seus conflitos e suas
contradies. Interatividade implica em transformao e possibilidade de mudana.
O universo apresentado pelos meios de comunicao de massa, atravs da hiper
fragmentao de imagens, no oferece possibilidade de transformao dos
problemas sociais explorados, porque no possvel historicizar ou contextualizar a
multiplicidade de imagens desconectadas que nos so apresentadas.
Em sua crtica sociedade do espetculo, Debord (1997, p.188), afirma que:
No plano das tcnicas, a imagem construda e escolhida por outra pessoa se tornou a principal ligao do indivduo com o mundo que, antes ele olhava por si mesmo, de cada lugar onde pudesse ir. A partir de ento, evidente que a imagem ser a sustentao de tudo, pois dentro de uma imagem possvel justapor sem contradio qualquer coisa.
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Esse tipo de fenmeno teria como conseqncia a dificuldade de
compreenso dos processos culturais e a perda de autonomia diante de realidade
cultural. O que nos faz pensar no afastamento ou alienao do sujeito de sua
experincia individual, subjetiva, com o mundo que o cerca.
Essa situao do palpvel pela imagem tambm a substituio da vida
como experincia pela mercadoria, de tal forma que viver seria menos importante
que consumir. Finalmente, cabe dizer que o termo imagem est diretamente
relacionado com mercadoria.
Portanto, essa espetacularizao da vida apresenta problemas fundamentais
para os sujeitos. Um deles impossibilitar a reflexo mais profunda sobre os
mecanismos responsveis pelos diferentes fenmenos apresentados pelas mdias,
de tal forma que a imagem ocupe o espao da prpria vida. Podemos perceber as
vertiginosas transformaes na vida contempornea a partir da renovao constante
dos novos dispositivos espetaculares.
Um aspecto a ser observado que a extenso da produo de imagens na
sociedade contempornea traz como conseqncia a alterao das experincias
sensoriais, de nossa percepo sensvel. Paul Virlio (1993) observa que, na maioria
das experincias atuais, a relao direta com os fenmenos substituda por uma
observao, em que o observador no tem contato direto com a realidade
observada. A experincia sensvel foi deixando seu lugar a um tipo de experincia
lumnica, na qual a retina substitui a presena corporal.13 Assim homem e mdia
aprofundam uma relao que ter interferncia direta nos mecanismos de percepo
e nas dinmicas culturais. Para Virlio, este novo lugar a tela da televiso e/ou o
13 SOUZA, Maria Aparecida de ; GOMEZ, Mximo Jos. In: El Lugar del Teatro en una Sociedade de ndole Tecno-esttica. CONGRESSO INTERNACIONAL DE TEATRO IBEROAMERICANO Y ARGENTINO, XII. 2003. Buenos Aires. Anais .: Universidade do Estado de Santa Catarina, 2003, p.13.
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espao virtual das redes telemticas de computadores, que esto se transformando
num espao pblico. Se, antes, o espao pblico, o convvio coletivo de cerimnias
sociais era a praa ou a esquina, onde os homens encontravam-se para dialogar,
para se manifestar publicamente, para lutar ou para festejar, hoje, visvel que o
espao de cerimnia social a imagem que se torna pblica. (VIRILIO, 1993).
A imagem como uma caracterstica geral da cultura de consumo cria nova
forma de linguagem. Ao mesmo tempo, esta linguagem contribui para uma relao
superficial com os valores de criatividade e expresso. Vivemos a sociedade tecno-
esttica de forma totalizadora, massificadora, pois todos experimentamos os
mesmos lugares totais, os mesmos sons totais, as mesmas imagens totais, ou seja,
vivemos um imperativo esttico.
Dessa forma, as transformaes culturais da sociedade ps-moderna,
desenvolvidas pelo avano tecnolgico generalizado, alteram a maneira de nos
relacionarmos com o mundo a nossa volta e, conseqentemente, modificam nossa
maneira de nos relacionarmos com o fazer artstico.
Um dos aspectos importantes da arte como linguagem fazer mediao
entre o universo particular, interno e singular de um indivduo ou de um grupo e um
objeto externo. Esse objeto externo estaria impregnado da histria desse indivduo
ou grupo, ou seja, impregnado de escolhas, conhecimentos, expectativas,
contradies e emoes. Acontece que, na cultura da imagem, apagam-se os traos
das caractersticas humanas da produo artstica. Fica cada vez mais difcil
contextualizar uma obra de arte, pois, tambm, no mais conhecemos o tempo e o
lugar de sua criao.
Diferente da fico oferecida pelos multimdias, o teatro
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