277Seu Sami (2007): aspectos
do processo de criação da obra de Hilal sami Hilal
APARECido José CiRiLo
title: ‘Seu sami’ (2007): Some views on the cre-ative process of Hilal Sami HilalAbstract: Seu Sami (2007) is studied from the idea of inseparability between space and form inherent to site specific art. Studying the drafts made by Hilal to masterpiece “Seu Sami” (2007) and its verbal and visual notes we will find evidences of this microphysics be-tween space and form in this kind of artwork.Keywords: creative process, site-specific art, brazilian art.
Resumo: Cadernos e suas anotações de ar-tistas são loci da investigação do projeto poético da obra e permitem evidenciar a microfísica das relações da obra e do espaço. Este texto centra-se no tempo da gênese de um site-specific, buscando as marcas do pro-cesso percorrido pela mente criadora, desde a percepção da imagem geradora até a sua efetivação no espaço do Museu. Palavras chave: arte contemporânea, site--specific art, história e teoria da arte.
brasil, artista visual e professor na universidade Federal do espírito Santo. Doutorado em comunicação e Semiótica pela Pontifícia universidade católica de São Paulo (Puc-SP). Mestrado em educação pela universidade Federal do espírito Santo (uFeS). Graduação em artes pela universidade Federal de uberlândia. é editor da revista Farol (issn 1517-7858).
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ISSN
164
7-61
58.
Vol.
3, (5
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7-28
2.
Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.
introdução Evidencia-se aqui como se configura a indissociabilidade forma e espaço no
projeto poético de um site-specific, por meio da investigação critico-interpreta-tiva de arquivos e documentos de processo de criação da obra Seu Sami (2007) que, apesar de ser um site specific, foi montada em outras cidades. Parte-se do princípio de que arquivos da gênese da obra (Salles, 1998) revelam as relações internas e as pequenas ordens, micro-hierarquias e fraturas que se estabelecem nos cadernos do artista para materializar o projeto da obra, a materialidade e a topografia do espaço.
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Esta reflexão parte da obra de Hilal Sami Hilal. Hilal nasceu e trabalha em Vitória (ES). Estudou no Japão práticas milenares do papel artesanal. O artista transforma desenhos em rendilhados, bordados, arabescos e rocailles em ele-mentos textuais: letras que se materializam em pasta de papel de algodão. Suas obras reafirmam o domínio sobre a matéria e a tecnologia, são um jogo matéri-co e cromático, universo de rugosidade gerando espaços vazios e que revelam uma formação cultural híbrida.
Assim, a partir da gênese de Seu Sami - e de aspectos de suas montagens - busca-se evidenciar como tendências e intencionalidades do projeto poético são afetadas na medida em que deixa de ser um site-specific e torna-se uma insta-lação comum (site). Analisam-se construções formais e o efeito de sentido da obra, principalmente seu diálogo com o espaço e sua tendência para o vazio e para a ausência, os quais são afetados após seu deslocamento do espaço gerador.
1. Seu Sami: o vazio e a incerteza na ausência Seu Sami (1100m2) ocupou o galpão principal do Museu Vale, em Vitória,
ES, em 2007. Revela uma tendência do projeto poético de Hilal Sami Hilal: a impregnação de memórias expressas em quase-grafias orientais em diálogo com o espaço.
A obra resgata a história artística e pessoal de Hilal que observou que em sua trajetória existiam índices da ausência do pai, tema da exposição. Seu Sami
Figura 1 – Vista da instalação Seu Sami, de Hilal Sami Hilal. Imagem refletida nos espelhos, 2007.
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(Figura 1) é autobiográfica e reopera a morte, que lhe imprimiu o vazio (conceito primeiro no projeto poético dessa obra). O site-specific “Seu Sami” se divide em duas áreas chamadas, pelo artista, de “salas”: Sala do Amor e Sala da Dor, sepa-radas por uma zona de escuridão, aparente vazio existencial. Partes opostas das paredes foram revestidas por malhas de metal e papel artesanal, penduradas, gestos caligráficos materializados em pasta de papel; essas estruturas descem e tangenciam o chão, quase flutuam. As duas paredes do fundo foram revestidas de espelhos, planos reflexivos opostos. Como suaves brisas, as malhas de papel tocam a face dos espelhos nas respectivas paredes ao fundo; duplicam-se em um espaço material e outro virtual. Confronto e encontro dos extremos: espe-lhos reproduzem e replicam, criam uma ilusória profundidade, infinita e dual. Alternância de amores e dores. Auto-reflexo de aparente materialidade; pre-sença de imagem, ausência de matéria. Percepção e ilusão fundidas. O sentido da visão comprometendo a percepção, criando ilusões e fantasias, evocando a memória. Espaços construídos e repetidos.
A instalação revela memórias e paralelos entre presença e ausência, luz e sombra, vazios e materialidade, caracterizando-se nos rendilhados de papel elaborado pelo movimento do corpo, grafias da exclusão, da ausência (outro conceito fundamental para a obra). Peso e leveza. Aparência e fato. Verticali-dade e horizontalidade. Ser e parecer. Presença e ausência. Dualidades taoístas propostas. Conceitos constituintes. Fronteiriços.
2. Considerações sobre o espaço como estratégia de emolduração e cons-trução do efeito de sentido da obra Seu Sami Hilal registrou suas escolhas em uma série de cadernos e folhas avulsas, experimentos e maquetes; po-demos afirmar que Hilal dialogou com o espaço do Museu. Ao pesquisar os arquivos disponibilizados, notamos que a preocupação com o local onde a obra existirá. Podemos observar que ele testa possibilidades do espaço; en-corpora a arquitetura. O ambiente do museu passa a fazer parte da obra. Em muitos estudos, notamos a preocupação com a interação ao ambiente; isso fica evidente quando nos deparamos com imagens nas quais Hilal representa o teto do museu com todas as suas tramas, como também o piso do galpão em perspectiva. Ele testa o espaço em sua dualidade existencial.
2.1 dualidade edificante: opostos complementaresPresença e ausência constroem a forma no trabalho e estruturam um efeito
de sentido na mente do público: o vazio e silêncio materializam a insustentável leveza da matéria da obra. Opostos complementares. Taoísmo revelado da for-mação monástica do artista. Luz e escuridão. Presença e ausência. Cheio e va-
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Figura 2 – Desenhos e esboços preliminares de Hilal Sami Hilal para Seu Sami (2007).
Figura 3 – Hilal Sami Hilal. Detalhe da Mostra Seu Sami – Sesc, São Paulo (2008).
zio. Vida e morte. Ativo e contemplativo. Amor e dor. A dualidade se materializa na forma e no espaço. Efeito de sentido garantido pelo projeto luminotécnico. A iluminação associada às formas e ao espaço, reforça a intencionalidade do pro-jeto poético do artista: velar a imagem percebida. Como um pintor romântico, Hilal parece colocar uma veladura que reforça o efeito de sentido da reflexão e do silêncio monásticos. As duas áreas de luz intercaladas por uma área sombria. Ausência de luz. Clareza e obscuridade.
Além de testar os elementos constituintes do espaço dual, Hilal incorpora elementos que reforçam a idéia, dentre eles o espelho (Figura 2).
Nesses documentos verificamos como ele concebe campos de luz e escuri-dão, intercaladas pela ausência. As imagens (estruturas em papel) e a penumbra (vazio do espaço), tomadas pelos espelhos, vão criando molduras, limites ima-teriais, sensações e bordas. O vazio bachelariano se instaura. Pura percepção. Ação fenomenológica dos sujeitos. Percebe-se, ainda presente nos documentos de processo referências humanas que permitem dimensionar a obra já em ras-cunho, escalas numéricas, cálculos e características do local. Pode-se afirmar que o espaço arquitetônico do Museu Vale é agente ativo no processo de criação.
Quando Hilal chega mais próximo do seu projeto final, ele constroi fisi-camente uma miniatura do espaço e instala o projeto da obra nessa maquete para visualizar o que é efetivamente a obra no espaço. A maquete materializa algumas idéias desenvolvidas nos desenhos e esboços: as linhas estruturais do prédio, o piso quadriculado e a malha de madeiras do teto, são chamadas para mediar a definição das formas no espaço. O pé direito do galpão é a referência para a dimensão das lâminas das paredes laterais (520cm x 950cm cada). As lâ-minas tangenciam o chão, tocam os espelhos, demarcam a área de luz na obra. Evidencia-se a singularidade da obra em construção, o que remete à idéia de que o site-specif art é singular e autêntico.
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Figura 4 – Hilal Sami Hilal, Seu Sami (2009). Detalhe das lâminas laterais.
2.2 de site specific a site: a relocação e a desconstrução do sentido da obraConfigurada a relação do artista com o espaço, pode-se afirmar que Seu Sami
é um site-specific assimilativo (Kown, 2004) e, como tal, interdepende do local e resignifica-o de modo harmonioso e coeso. Fica evidenciada uma indissociabi-lidade entre os elementos materiais, estruturais e simbólicos que a constituem. Seu Sami é uma experiência sensória no aqui e no agora. Intencionalidade reve-lada: compartilhar a imensidão da vazio e a plenitude da ausência.
Mas a relocação de Seu Sami altera seu efeito de sentido: retirada do Museu Vale a obra é destruída, embora sua forma física permanecesse. Mas a obra é mais que a matéria física de sua construção. E o deslocamento de um site specific do seu local específico “destroi” a obra. Relocar Seu Sami para outros locais a es-vazia de seu significado constituinte; o processo de re-instalação da obra opera uma espécie de mumificação para a eternalização. A passagem do provisório e do instável para o perene e fixo.
Mas, é no conjunto da relação simbólica e sensível que se encontram alguns
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ReferênciasSalles, Cecília Almeida (1998) Gesto
Inacabado. São Paulo: Annablume.
Contatar o autor: [email protected]
dos elementos que sofrem um esvaziamento nas outras montagens. São novas heterotopias que afetam o efeito de sentido da obra. Esvaziamento fenomeno-lógico de sentidos e conceitos. Com a remoção, a experiência sensorial da obra sofre alterações semânticas que a desconstroem: a dualidade monástica que gerou o efeito de sentido, cede lugar ao requinte e ao luxo dos pisos brilhantes e tecnológicos (Figura 3); os espaços novos deixam de ser matéria da obra e se torna uma estratégia de emolduramento.
Não há mais tensão entre o vertical e o horizontal. Observa-se na imagem que as grandes lâminas laterais não mais tangenciam o solo na rigidez monásti-ca do ângulo reto, não mais demarcam os planos; elas deitam-se no piso(Figura 4). Não há mais tensão entre o vertical e o horizontal, a dualidade edificante se desfaz. Cede lugar ao aconchego das folhas que se repousam sobre o piso, como que cansadas da tensão que as concebeu. Infinito o plano que se constrói. Suavidade da transição. Outra obra.
ConclusãoA relação da obra com a estrutura arquitetônica do prédio original é um dos
elementos topológicos que não encontraram equidade semântica nos outros locais de montagem da obra, contribuindo para alterações no efeito de sentido da obra nessas novas localidades. A dualidade tensionada que era estruturante se desconstroi. A instalação se desfaz. Estabelece-se agora como obras isoladas (Figuras 3 e 4). Não há mais a obra original. Muito da relação estética do objeto permaneceu, mas essa nova obra se afasta da interação fenomenológica previs-ta no projeto poético inicial, mas não a recoloca numa relação social ou mesmo discursiva que definem os trabalhos para um local específico. Como tal, essas montagens de Seu Sami convidam o público para vivenciar a genialidade de um artista, mas afasta-se do compartilhamento de memórias que se faziam maté-ria em seu site original.
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