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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
INSTITUTO DE GEOCINCIAS
SEDIMENTAO AUTIGNICA NEOPROTEROZICA E MINERALIZAES
ASSOCIADAS UM REGISTRO NO UNIFORMITARISTA
Paulo Csar Boggiani
Tese apresentada ao Concurso de Livre
Docncia junto ao Departamento de Geologia
Sedimentar e Ambiental do Instituto de
Geocincias da Universidade de So Paulo, na
rea de Conhecimento de Geologia Sedimentar.
SO PAULO
2010
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcila deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Ficha catalogrfica preparada pelo Servio de Biblioteca e Documentao do
Instituto de Geocincias da Universiade de So Paulo
Boggiani, Paulo Csar
Sedimentao Autignica Neoproterozica e Mineralizaes Associadas
Um registro No Uniformitarista / Paulo Csar Boggiani So Paulo, 2010.
Xiv, 136 p. :il
Tese de Livre Docncia: IGC/USP-
1. Geologia Sedimentar 2. Neoproterozico I. Ttulo
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s minhas filhas Helena e Camila
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Agradecimentos
At a finalizao da presente tese, contou-se com o apoio, discusso, trabalho e
idias de muitas pessoas, s quais desejo expressar meus agradecimentos.
O trabalho desenvolvido em Mato Grosso do Sul, dcadas atrs, no teria iniciado
sem o aceite, para orientao de projeto de mestrado, por parte de Thomas Rich Fairchild,
com o qual tenho a satisfao de continuar trabalhando. A ele agradeo no s como
orientador, j que assim o foi desde minha graduao, atravs de projeto de iniciao
cientfica, quando essa prtica era pouco comum ainda no Instituto, mas tambm pelo apoio,
amizade e exemplo de pessoa.
Outro professor que aproveito para agradecer o Benjamim Bley de Brito Neves,
com quem pude tambm discutir aspectos presentes nesta tese, mas no tivemos ainda a
oportunidade de estarmos l, no campo em Mato Grosso do Sul, o que pretendo para breve.
Outra pessoa fundamental para esse trabalho foi o Prof. Alcides Nbrega Sial, da
UFPE, que sempre esteve disposio, com seu Laboratrio de Istopos Estveis (NEG-
LABISE), para fornecer pronta e rapidamente as anlises de istopos de C e O. A ele devo
no apenas a presente tese, assim como a de doutorado, numa poca que no era fcil a
obteno dessas anlises.
Devo meus agradecimentos ao Cludio Gaucher (Facultad de Ciencias, Instituto de
Geologa y Paleontologa Uruguai), no somente pela amizade e apoio, mas
fundamentalmente por ter me proporcionado participar do IGCP-478 Neoproterozoic to
Early Palaeozoic Paleogeographic, Palaeoclimatic, Palaeobiologic and Tectonomagmatic
events within the Framework of SW-Gondwana, do qual foi coordenador, quando tive a
oportunidade de conhecer as sucesses neoproterozicas da frica do Sul e Nambia.
Agradeo ao Ginaldo Ademar da Cruz Campanha, que passei a ter mais contato
apenas nos ltimos anos, pelo trabalho conjunto ao longo da Faixa Paraguai e ao Paulo
Csar Fonseca Giannini, j antigo amigo, pelo apoio e cuidadosa reviso do texto.
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Agradeo aos funcionrios e demais docentes do Instituto de Geocincias da USP
por todo apoio que sempre recebi como aluno e agora como professor. Prefiro no
relacionar nomes, j que teria que listar todos, e a todos sou muito agradecido, no apenas
pelo sempre prestativo trabalho e ajuda, mas principalmente pela amizade, cordialidade e
ateno que recebi nesses ltimos 31 anos.
Sou agradecido aos rgos financiadores de pesquisa dos quais obtive apoio
financeiro para a presente pesquisa: FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado
de So Paulo, CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico,
Pr-reitoria de Pesquisa da USP e tambm pelas bolsas de iniciao cientfica e de ps-
graduao dos alunos envolvidos, assim como pela bolsa de produtividade em pesquisa do
CNPq que venho recebendo nos ltimos anos.
Grande parte do trabalho apresentado resulta de projetos de iniciao cientfica,
trabalhos de formatura e de ps-graduao de Bernardo T. Freitas, Thiago Piacentini,
Gabriella T. Fontaneta, Cynthia Simon, Viviane Shimizu e Lucas V. Warren aos quais
expresso meus agradecimentos.
Devo meus agradecimentos tambm s empresas de minerao que permitiram o
acesso s reas de lavras e, em especial, s pessoas que alm de me receberem de forma
prestativa deram grande apoio, como o Mauro Carvalho da Mina Laginha (Cimento Ita) ao
Kazuto Horii da Minerao Horii, ao gelogo Joo Mller, cujo conhecimento da geologia da
rea contribuiu muito com esse trabalho, geloga Alini Mancio, da Empresa Vale e aos
amigos Jos Tomaz Pontara Jr (Vale) e Rosangela Pontara (UFMS).
Antes de finalizar, desejo agradecer minha esposa Ana Lcia pelo apoio e ajuda
nas discusses do presente trabalho e, por fim, agradecer, em memria, ao Armando Mrcio
Coimbra que, infelizmente, nos deixou precocemente, ao qual s no dedico a presente tese
porque me lembro dele sempre ressaltar a importncia de dedicar a tese aos filhos, e assim
o fiz.
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BOGGIANI, P.C. 2010. Sedimentao autignica neoproterozica e mineralizaes
associadas um registro no uniformitarista. Tese de Livre Docncia apresentada ao
Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do Instituto de Geocincias,
Universidade de So Paulo, So Paulo, 136 p.
Resumo
discutido, na presente tese de livre docncia, um modelo no uniformitarista para a
sedimentao neoproterozica, tendo como exemplo unidades da Faixa Paraguai Meridional
e cobertura cratnica adjacente, caracterizada por depsitos anmalos de formaes
ferrferas, ocorrncia de capas carbonticas, presena de espessas e contnuas camadas
de dolomitos, interpretados como primrios (organognicos) e associados a fosforitos, e
calcrios com registros de istopos de C caracterizados por incurses de valores negativos
e positivos (13CPDB variando de 5 a + 5 0/00). O modelo evolutivo proposto estaria
associado evoluo de bacias do tipo rifte sujeitas a intensos processos de surgncias
marinhas. Essas surgncias marinhas seriam responsveis pelo aporte episdico de
nutrientes e ferro dissolvido, os quais poderiam ser intensificados devido restrio da faixa
ocenica ao longo do Equador (modelo Slushball Earth) e no necessariamente a eventos
de glaciao total do globo terrestre (modelo Snowball Earth). Na poro sul da Faixa
Paraguai, as evidncias de sedimentao glacial no so to evidentes, ao contrrio do que
se observa nas exposies da Formao Puga ao Norte, onde os diamictitos foram
originalmente definidos como Grupo Jangada. O resultado da conjuno de fatores
geotectnicos e, principalmente, biticos, com intensa proliferao microbiana e formao e
preservao de extensas reas com esteiras microbianas, devido inexistncia de
organismos causadores de bioturbao, teria influenciado nos ciclos geoqumicos
associados sedimentao o que explicaria o padro de sedimentao anmalo e sem
anlogos modernos, que uma caracterstica marcante dos grupos Corumb e Jacadigo.
Essa situao sistmica poderia ter sido uma das causas para o surgimento dos
metazorios, ao final do Ediacarano, atestada pela abundante ocorrncia de Cloudina e
Corumbella (Formao Tamengo), e posterior irradiao evolutiva cambriana e talvez tenha
sido nica na histria do planeta e por isso sem anlogos modernos, ou seja, no
uniformitarista.
Palavras-chaves: Neoproterozico, dolomitos, istopos de C, fosforitos, formaes
ferrferas.
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BOGGIANI, P.C. 2010. Sedimentao autignica neoproterozica e mineralizaes
associadas um registro no uniformitarista. Tese de Livre Docncia apresentada ao
Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do Instituto de Geocincias,
Universidade de So Paulo, So Paulo, 136 p.
Abstract
In this thesis, it is discussed a non-uniformitarianist model for the Neoproterozoic
sedimentation, of which examples are the units of the Southern Paraguay Belt and its
corresponding cratonic cover, characterized by anomalous deposits of iron formations,
occurrence of cap carbonate and thick and continuous beds of dolomites, interpreted as
primary (organogenic) rocks and associated with phosphorites and calcareous with carbon
isotope data showing negative and positive excursions (13CPDB ranging from 5 to + 5 0/00)).
The evolutive model proposed here would be associated with the evolution of rift-type basins
combined with intense processes of ocean upwelling, which could be intensified or have had
a greater nutrient load due to the restriction of the marine belt along the Equator (Slushball
earth model), and would not necessarily be related to the worldwide glaciation of the Earth
(Snowball Earth model), provided that, at least for the units of the Southern portion of the
Paraguay Belt, the evidences of glacial sedimentation are not so clear, differently from what
is seen in the exposures of the Puga Formation in the Northern portion, where the diamictites
were originally defined as the Jangada Group. The result of the combination of geotectonic
factors and, mainly, biotic factors, with intense microbial proliferation and formation and
preservation of large areas with microbial mats, due to the absence of organisms that cause
bioturbation, would have influenced the geochemical cycles associated with sedimentation,
which would explain the anomalous sedimentation pattern that has no modern analogy and
is a distinguishing feature of the Corumb and Jacadigo Group. This systemic situation could
have been one of the causes of the appearance of metazoans at the end of the Ediacaran
period, which is confirmed by the abundant occurrence of Cloudina and Corumbella
(Tamengo Formation), and posterior Cambrian evolutive radiation that may have been
unique in the Earth's history and, therefore, has no modern analogy, that is, it was a non-
uniformitarianist event.
Key words: Neoproterozoic, authigenesis, dolomites, isotopes of C phosphorites, iron
formations.
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Sumrio
ndice de figuras ....................................................................................................... 17
ndice de tabelas ...................................................................................................... 19
1. Introduo ............................................................................................................ 21
1.1. Sobre o uso do termo autignese ...................................................................... 22
1.2. No uniformitarismo na sedimentao autignica Neoproterozica ............... 22
1.3. Objetivo ......................................................................................................... 26
1.4. Materiais e mtodos ...................................................................................... 26
2. Sedimentao autignica no Neoproterozico ...................................................... 27
2.1. Formaes ferrferas ..................................................................................... 29
2.2. Fosforitos ....................................................................................................... 33
2.3. Sedimentao carbontica no Neoproterozico ............................................. 35
2.3.1. Capas carbonticas ............................................................................. 38
2.3.2. O Problema Dolomito e organognese .............................................. 47
2.3.3. Aplicao do estudo de istopos de C e O e de razes de Sr ............. 52
3. Sedimentao autignica nas unidades da Faixa Paraguai Meridional ................. 57
3.1. Estratigrafia da Faixa Paraguai Meridional e cobertura cratnica .................. 59
3.1.1. Grupo Cuiab e sua relao com a Formao Puga ............................ 61
3.1.2. Grupo Jacadigo .................................................................................... 62
3.1.3. Grupo Corumb .................................................................................... 63
3.1.4. Grupo Araras ........................................................................................ 66
3.2. Correlaes e idades das unidades da Faixa Paraguai ................................ 66
3.3. Formaes ferrferas do Grupo Jacadigo e da Formao Puga ..................... 70
3.4. Capas carbonticas da Formao Puga ........................................................ 74
3.5. Fosforitos da Formao Bocaina ................................................................... 79
3.6. Dolomitos da Formao Bocaina ................................................................... 81
3.7. Istopos de C e O e razes de Sr do Grupo Corumb. .................................. 84
3.7.1. Istopos de C e O da Capa Carbontica do Morro do Puga .................. 84
3.7.2.Variao dos istopos de C na Formao Tamengo .............................. 88
4. Discusso sobre a sedimentao autignica nas unidades da Faixa Paraguai .. 114
5. Concluso .......................................................................................................... 117
6 Referncias Bilbiogrficas ................................................................................... 119
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ndice de figuras
Figura 1. Distribuio dos depsitos de formao ferrfera no Pr-Cambriano com abundncia relativa estimada com base no volume de Hamersley (organizado por Piacentini et al. 2007 a partir de Klein 2005 e Trendall 2002). .................................. 30
Figura 2 Esquema da sedimentao carbontica carbontica moderna comparado com o do Pr-Cambriano onde, no primeiro caso (A e B), a reduo do nvel do mar no implica diminuio da acumulao de carbonato de clcio, compensada pelo acmulo das carapaas dos organismos planctnico. J no Pr-Cambriano (C e D), o rebaixamento do nvel do mar implica diminuio das zonas nerticas e, na ausncia de organismos planctnicos, ocorreria supersaturao em carbonato das guas ocenicas (extrado de Ridgwell et al. 2003). ........................................................... 37
Figura 3. Detalhe dos ciclos: precipitatos de aragonita - mudstone laminado mudstone macio da Mina Sambra (base da Formao Sete Lagoas Grupo Bambu). .......... 41
Figura 4 Tubestones da Formao Buschmannsklippe (Nambia), seo longitudinal (esquerda) e transversal (direita). ............................................................................. 44
Figura 5 Esquema geolgico da Faixa Paraguai e cobertura cratnica. ............................ 58 Figura 6- Relaes estratigrficas entre as unidades da poro norte e sul da Faixa
Paraguai com representao no considerando os dobramentos e falhamentos inversos que ocorrem a leste. ................................................................................... 60
Figura 7 Valores de Elementos de Terras Raras normalizados para condrito (Taylor & McLennan 1985). O padro obtido para as formaes ferrferas de Bodoquena (Depsito da Fazenda So Manoel) refere-se mdia dos resultados obtidos. O padro das formaes ferrferas e manganesferas de Urucum (Grupo Jacadigo) de Klein & Ladeira (2004); e os de Rapitan de Klein & Beukes (1993) e o PAAS (Post Archean Shale Composite) de Taylor & McLennan (1985) figura extrada de Piacentini 2008. ........................................................................................................ 73
Figura 8 Estruturas tubulares observadas em dolomitos da base da Formao Bocaina em Porto Morrinhos (Corumb, MS). .............................................................................. 76
Figura 9 Estruturas tubestones associadas a estromatlitos em Morraria do Sul (Serra da Bodoquena) posicionados diretamente sobre o embasamento................................. 77
Figura 10 Estruturas tubestones observada em dolomitos expostos no Forte de Coimbra, s margens do Rio Paraguai, a Sul de Corumb (MS). ............................................ 78
Figura 11 Seo levantada na Fazenda Ressaca, principal ocorrncia de fosforito, com identificao das fcies sedimentares do topo da Formao Bocaina (Fontaneta 2008). ....................................................................................................................... 80
Figura 12 Cristais de dolomita autignica ao redor de filmes orgnicos de ooid grainstones da Formao Bocaina. ............................................................................................. 81
Figura 13 Ooid grainstones da Formao Bocaina sem formao de dolomita, devido a preservao da matria orgnica dos filmes envoltrios. ......................................... 82
Figura 14 Estruturas globulares em fosforitos da ocorrncia da Fazenda Ressaca, interpretadas como microbianas (Formao Bocaina Grupo Corumb). Imagem de MEV, eltrons secundrios. ...................................................................................... 83
Figura 15 Distribuio dos valores de istopos de C e O da Capa Carbontica do Morro do Puga (Boggiani et al. 2003), figura superior, comparada com nova coleta em mesma seo (figura inferior), o que demonstra a homogeneidade da composio isotpica ao longo de toda seo, com valores de 13CPDB ao redor de -5
0/00. ....................... 86 Figura 16 Possvel capa carbontica no domnio da Serra da Bodoquena (Anticlinal da
Fazenda Santa Terezinha): A) detalhe do diamictito da Formao Puga; B) bloco mtrico de gnaisse no diamicitito e C) detalhe da laminao milimtrica dos dolomitos da base da sucesso. ............................................................................................... 87
Figura 17- Esquema da distribuio das unidades do Grupo Corumb com representao da posio das sees levantadas para a Formao Tamengo. ................................... 88
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Figura 18 Mina Laginha em sua a frente de lavra da poro oeste, mais completa. Notar as camadas com mergulho para sudeste tendo ao centro pacote de ritmitos (mudstones/folhelhos grafitosos), e a base da seo levantanda localizada no canto direito da fotografia. Do lado direito da fotografia, observa-se a brecha basal, com detalhe na figura 19. ................................................................................................. 90
Figura 19 Detalhe da brecha sedimentar basal da Formao Tamengo na Mina Laginha. 91 Figura 20 - Seo da Mina Laginha (lado oeste), sendo que a da esquerda um
detalhamento da parte basal (Formao Tamengo). Nessa figura, foram includos os dados de Velsquez et al. (2008). ............................................................................ 93
Figura 21 Distribuio dos valores de istopos de C e O do lado leste da Mina Laginha (Formao Tamengo). .............................................................................................. 94
Figura 22 Blocos de mudstones, provenientes da Formao Tamengo, imersos em siltitos da base da Formao Guaicurus (Diamictitos Laginha). .......................................... 95
Figura 23 Concentrao de carapaas de Cloudinas na Formao Tamengo (Grupo Corumb). ................................................................................................................ 98
Figura 24 Fssil de Corumbella werneri da Formao Tamengo (Grupo Corumb).......... 99 Figura 25 Intercalao de material piroclstico ou vulcanoclstico em grainstones da
Formao Tamengo na Mina Corcal, de onde foram obtidos zirces para dataes geocronolgicas. ...................................................................................................... 99
Figura 26 Exposio da Formao Tamengo na Mina Corcal (Corumb, MS), com ocorrncias de cinzas vulcnicas associadas a nveis de concentrao de Cloudina. O esquema abaixo demonstra o estilo de dobramento, cujo levantamento foi necessrio para levantamento da seo estratigrfica e coleta das amostras. ....... 102
Figura 27 Distribuio dos valores de istopos de C e O da Mina Corcal (Formao Tamengo). .............................................................................................................. 104
Figura 28 Mina Horii, com exposio de calcrios (ooids grainstones) da Formao Tamengo no domnio da Faixa Paraguai (Bodoquena,MS). ................................... 106
Figura 29 Fotomicrografia de wackestone da Mina Horii. ................................................ 106 Figura 30 Distribuio dos valores de istopos de C e O da seo da Mina Horii
(Formao Tamengo), na Serra da Bodoquena. .................................................... 108
ndice de tabelas
Tabela 1- Valores de istopos de C e O de carbonatos intercalados formao ferrfera obtidos de amostra do Morro Mutum. ....................................................................... 72
Tabela 2 Dados de istopos de C e O da capa carbontica do Morro do Puga ............... 85 Tabela 3 Valores de istopos de C e O de dolomitos da base de seo sobre diamictitos
expostos no Anticlinal Fazenda Santa Terezinha (Serra da Bodoquena). ................ 87 Tabela 4 Valores de Istopos de C e O da Mina Laginha ................................................. 92 Tabela 5 Valores de istopos de C e O do lado leste da Minha Laginha e dados
geoqumicos ............................................................................................................. 96 Tabela 6 Valores de istopos de C e O da seo Saladeiro. ......................................... 101 Tabela 7 Valores de istopos de C e O das sees da Mina Corcal .............................. 103 Tabela 8 Valores de istopos de C e O da seo da Fazenda Baa das Garas ............ 105 Tabela 9 Valores de istopos de C e O da seo da Mina Horii ..................................... 107 Tabela 10 Valores de istopos de C e O da Formao Tamengo na Mina Calbon ......... 111
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1. Introduo
O presente texto refere-se tese de livre docncia, submetida ao Departamento de
Geologia Sedimentar e Ambiental do Instituto de Geocincias (USP), cujo objetivo o
estudo da sedimentao autignica no Neoproterozico, tendo como exemplo as unidades
da Faixa Paraguai Meridional e cobertura cratnica adjacente, levando-se em considerao
as discusses dos modelos propostos para mudanas globais no Neoproterozico.
O termo autignese tem sido empregado, comumentemente, para minerais
diagenticos formados aps a deposio siliciclstica, ou seja, para minerais neoformados
nos poros de sedimentos epiclsticos. Ultimamente, porm, o termo autignese tem tido sua
aplicao estendida para a formao sedimentar de minerais primrios de forma mais
ampla, no restrito a minerais tipicamente diagenticos e empregado para formaes
ferrferas, fosforitos, dolomitos e sedimentos carbonticos (Glenn et al. 2000).
O registro sedimentar autignico neoproterozico tem-se demonstrado anmalo se
comparado com demais intervalos do tempo geolgico, com destaque para as formaes
ferrferas, capas carbonticas, abundncia de dolomitos com estruturas originais
preservadas e fosforitos, o que conduz interpretao de que os processos geoqumicos e
sedimentares no Neoproterozico foram distintos, muitos sem equivalentes modernos ou
mesmo no Fanerozico, ou seja, com caractersticas no uniformitarista.
Como contribuio ao conhecimento geolgico sobre o tema, so apresentados
dados e informaes obtidos de levantamentos e investigaes recentes realizados nas
unidades da Faixa Paraguai Meridional, com resultados e interpretaes inditos e j
publicados, em sua maioria relacionados a projetos de iniciao cientfica, trabalhos de
formatura e de ps-graduao, orientados ou com participao direta do autor.
A Faixa Paraguai Meridional foi escolhida para este estudo em funo da presena
de capas carbonticas sobre diamictitos da Formao Puga, formaes ferrferas e
manganesferas do Grupo Jacadigo e calcrios, dolomitos e fosforitos do Grupo Corumb,
conjunto este que representa a clssica sucesso sedimentar observada em demais sees
neoproterozicas, associada ocorrncia de fsseis metazorios, entre eles a primeira
expresso que se conhece de organismo com esqueleto (Cloudina), o que possibilita
discutir, de forma ampla porm integrada, os inmeros modelos e hipteses propostos para
os diferentes tipos de sedimentao autignica neoproterozica.
22
1.1. Sobre o uso do termo autignese
O termo autignese foi introduzido por Kalkowsky (1880 apud Bates & Jackson 1980)
e vem sendo empregado tanto para minerais formados in situ em ambiente diagentico
como para minerais de origem bioqumica ou puramente qumica, independente de serem
ou no diagenticos, em contraposio aos essencialmente terrgenos/epiclsticos.
Inicialmente, o termo era restrito a minerais diagenticos (Krumbein & Sloss 1963)
relacionados formao de novos minerais aps a sedimentao (neomorfismo). Existia
uma forte tendncia de o termo ser restrito a gnese de minerais exticos, ou seja, distintos
dos arcabouos onde se originaram, tendo como exemplos os argilominerais neoformados
(Fairbridge 1967). Essa tendncia ainda forte no Brasil (Suguio 2003) e empregada em
publicaes internacionais recentes (Flgel 2004), onde os minerais autignicos so
entendidos como os formados aps a deposio e durante a diagnese, incluindo tanto
aqueles precipitados em poros, na forma de cimento, como os originados por substituio de
minerais preexistentes.
No incio da dcada de 1990, o termo autignese passou a ser empregado com mais
freqncia para sedimentos bioqumicos e no apenas para minerais de origem ps-
deposicional, como argilominerais neoformados e sobrecrescimentos de quartzo. Nesse
perodo foi organizado o projeto IGCP UNESCO (Internacional Geological Correlation
Programme) 325 "Correlation of Paleogeography with Phosphorites and Associatade
Authigenic Minerals", voltado principalmente ao estudo da formao de fosforitos.
A partir do mencionado IGCP, foi criado um grupo de trabalho na SEPM (Society for
Sedimentary Geology) intitulado Marine Authigenesis com a organizao do simpsio
Formation of Authigenic Marine Minerals ocorrido em maio de 1997, a partir do qual foi
organizado o livro Marine Authigenesis: from global do microbial (Glenn et al. 2000).
Apesar do enfoque principal sobre rochas fosfticas, o referido grupo trabalhou tambm com
minerais glauconticos, dolomitos, crostas ferromanganesferas, depsitos de barita e BIFs,
o que demonstra a nova tendncia de uso do termo autignese de forma mais ampla, o qual
vem sendo empregado at para sedimentos continentais, como os calcretes.
1.2. No uniformitarismo na sedimentao autignica Neoproterozica
Os termos uniformitarismo e atualismo tm sido utilizados como sinnimos, mas
apresentam significados diferentes. O uniformitarismo, como utilizado por James Hutton e
Charles Lyell, seria aplicado no sentido de que os mesmos processos geolgicos que
ocorrem no presente teriam ocorrido no passado, pensamento esse expresso pela clssica
frase O presente a chave do passado. J o termo atualismo teria significado diferente e
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restrito s leis fsicas e qumicas, sendo que apenas essas teriam permanecidas as
mesmas, desde a origem do Planeta Terra, mas a forma e, principalmente, a intensidade
dos processos geolgicos teria sido distinta ao longo do tempo geolgico, ou seja, atualista
mas no uniformitarista.
Nesta tese, procura-se demonstrar que a sedimentao autignica neoproterozica
teria ocorrido de forma no uniformitarista, porm sob as mesmas condies fsicas e
qumicas do presente, portanto, de forma atualstica. O que se pretende demonstrar que,
no Neoproterozico, teria ocorrido uma conjuno de fatores tectnicos e biticos que
influenciaram os ciclos geoqumicos, o que resultou num padro distinto, se no nico, de
sedimentao autignica ao longo da histria da Terra.
Entre os sedimentos autignicos neoproterozicos, destacam-se as ocorrncias
anmalas de formaes ferrferas (Trendall 2002, Klein 2005, Bekker et al. 2010), sem
correspondentes fanerozicos e diferentes, em termos sedimentares, das formaes
ferrferas arqueanas e paleoproterozicas. Outro exemplo de sedimentao anmala
neoproterozica so as capas carbonticas, associadas a depsitos interpretados como
glaciais, com assinaturas isotpicas atpicas e sucesses de estruturas sedimentares que se
repetem em diferentes partes do globo terrestre, o que evidencia estarem relacionadas a
mudanas globais e, por isso, so uma das bases de discusso da hiptese Snowball Earth
(Hoffman & Schrag 2002).
Depsitos sedimentares neoproterozicos autignicos anmalos so tambm os
dolomitos (Ronov, 1964; Given & Wilkinson 1987, Warren 2000), cuja origem, face ao fato
de no serem sintetizados em laboratrio, sob as mesmas condies geoqumicas dos
ambientes marinhos, e praticamente ausncia de formao em ambientes modernos apesar
da supersaturao em dolomita nas guas marinhas - conhecida como The Dolomite
Problem (McKenzie 1991). O fato de no se ter exemplos modernos de formao de
dolomitos, em grande escala, tem sido colocado como um desafio para o princpio
uniformitarista de que o presente a chave para o passado (Roberts et al. 2004).
As diferenas marcantes entre a sedimentao carbontica pretrita e moderna j
eram destacadas na dcada de 1990, quando os sedimentlogos consideravam que o
uniformitarismo no poderia ser aplicado em muitos aspectos da sedimentao carbontica
(Tucker & Wright 1990).
Segundo Neumann & Land (1975), para os calcrios, o princpio do Uniformitarismo
seria melhor se fosse reescrito como The present is the key to perhaps the Pleistocene.
Esses autores mencionam ainda que, para as rochas carbonticas, a forma de estudo seria
24
inversa, ou seja, o passado seria o guia para entendimento de sedimentos mais novos.
Nessa linha de raciocnio, a anmala concentrao de crostas carbonticas (sea floor
crusts) e microbialitos precipitados em sucesses carbonticas do final do Permiano, como
o do complexo recifal de Guadalupe (oeste do Texas, EUA), viria a ser explicada a partir do
estudo de incrustaes semelhantes mesoproterozicas e das capas carbonticas
neoproterozicas, uma vez que a idia de crescimento dos recifes, a partir de acreso
biolgica de formas esqueletais bnticas, no se aplica para esse conjunto permiano
anmalo, o que requer a busca de anlogos somente encontrados no Pr-Cambriano
(Grotzinger & Knoll 1995).
A discusso sobre uniformitarismo na sedimentao carbontica centrada na
necessidade de conhecer os processos que ocorrem na sedimentao carbontica moderna
mas tendo em mente as mudanas na evoluo biolgica e geolgica da histria da Terra
ou, como R. N. Ginsburg afirmou carbonate building are like Shakespeare: the plays go on
only the actors change. Nessa comparao, deve-se destacar, porm, que o autor fez
referncia mudana dos agentes biolgicos ao longo apenas do Fanerozico e no do
Pr-Cambriano, quando no existiam as formas biolgicas esqueletais que tiveram grande
influncia na sedimentao carbontica e responsveis por mudanas fundamentais entre
padro de sedimentao carbontica pr-cambriana e fanerozica (Flgel 2004).
No somente a sedimentao autignica teria sido anmala no Neoproterozico. As
variaes geoqumicas bruscas e extremas nas guas ocenicas teriam reflexo no registro
tambm anmalo de istopos de C nos carbonatos precambrianos, em especial os
neoproterozicos, comparado ao registro fanerozico, ao ponto de virem a ser empregado
para subdiviso do Neoproterozico (Knoll et al. 2004).
Em alguns trabalhos, como o de Eriksson et al. (2001) e Donaldson et al. (2002),
considera-se que a sedimentao pr-cambriana teria ocorrido de maneira uniformitarista,
porm destacada a ocorrncia de diferenas nas taxas e intensidade dos processos, como
os que controlam o intemperismo, eroso, transporte, deposio, litificao e diagnese e
subestimam, apesar de mencionar (Eriksson et al. 2005), a importncia das diferenas na
sedimentao em funo do predomnio da atividade microbiana e ausncia de bioturbao.
Nesses trabalhos, o enfoque dado sobre a sedimentao siliciclstica, o que
justificaria, em parte, a interpretao uniformitarista, contrria a da presente tese. Mas
mesmo a sedimentao siliciclstica precambriana foi distinta da fanerozica em funo da
influncia anmala de filmes microbianos sobre os sedimentos siliciclsticos (Shieber 1998;
2004).
25
Mesmo no Pr-Cambriano, o tipo predominante de sedimentao carbontica variou
ao longo do Arqueano, Paleoproterozico e Neoproterozico, o que seria um reflexo das
variaes tectnicas, mudanas ambientais e evolutivas desde as primeiras acrees
continentais at o advento das primeiras biomineralizaes (surgimento do esqueleto), ao
final do Neoproterozico. Carbonatos arqueanos e paleoproterozicos comumente contm
abundantes precipitados de fundos marinhos, caracterizados pela presena marcante de
cristais de aragonita, enquanto que os neoproterozicos so predominantemente clsticos
(aloqumicos), com abundncias de ooid grainstones e mudstones (lamas calcrias) e
caracterizados pela presena de trombolitos na transio para o Cambriano. Carbonatos
mesoproterozicos so transicionais entre os dois tipos e marcados pela abundncia das
enigmticas estruturas molar-tooths. Precipitados aragonticos semelhantes aos cimentos
marinhos arqueanos, reaparecem no Neoproterozico na forma de capas carbonticas, em
condies interpretadas como ps-glaciais (Hoffman & Schrag 2002).
As mudanas de tipo de sedimentao carbontica fanerozica tambm so
abruptas e marcadas claramente por pulsos evolutivos de organismos secretores de
carbonatos, como a radiao ordoviciana e surgimento de seres planctnicos esqueletais no
Jurssico, porm a intensidade dessas mudanas aparenta no ser to contrastante quanto
as observadas no Pr-Cambriano (Grotzinger & James 2000).
Apesar dessa perspectiva no-uniformitarista, no se pode negar o progresso no
entendimento da autignese obtido a partir do estudo de ambientes modernos para a
formao de dolomitos, como o estudo da Lagoa Vermelha no Rio de Janeiro, Brasil
(Vasconcelos et al. 1995) e da Lagoa Coorong na Austrlia (Wright 2000) e de atividades
microbianas em fontes termais modernas para entendimento da origem de formaes
ferrferas bandadas (Konhauser 2000).
Os modelos anlogos acima so, porm, restritos e localizados, de tal forma que os
estudos de sedimentao autignica tm por base ainda a investigao das prprias
sucesses neoproterozicas, considerado ainda o nico caminho vivel para entendimento
de processos que se modificaram atravs do tempo ou que foram nicos na histria da
Terra (Grotzinger & James, 2000).
26
1.3. Objetivo
O objetivo desta tese o estudo da sedimentao autignica marinha
neoproterozica, com base nos recentes modelos e aplicao dessas hipteses na
investigao de unidades da Faixa Paraguai Meridional e cobertura cratnica, com estudo
tambm da origem das mineralizaes associadas, como dolomitos, fosforitos e formaes
ferferas.
1.4. Materiais e mtodos
Grande parte desse trabalho uma sistematizao das informaes recentemente
produzidas e hipteses formuladas para as mudanas globais neoproterozicas, para as
quais os sedimentos autignicos, tais como os carbonatos, formaes ferrferas e fosforitos
tm siginificativa importncia ao registrarem as modificaes biogeoqumicas nas guas dos
oceanos.
A elaborao da tese teve por base o estudo dos modelos vigentes de sedimentao
marinha autignica de carbonatos, em especial capas carbonticas, dolomitos, fosforitos e
formaes ferrferas e comparao com as informaes sedimentolgicas, principalmente
petrogrficas, e de istopos de C e O para as unidades estratigrficas da Faixa Paraguai e
cobertura cratnica, predominantemente em sua poro meridional. Grande parte das
informaes sistematizadas est relacionada a trabalhos desenvolvidos pelo autor
juntamente com alunos de graduao e ps-graduao em parte j apresentados em
eventos cientficos e artigos publicados, acrescidas de resultados e interpretaes inditos.
Os mtodos empregados consistiram, alm da pesquisa bibliogrfica, do
levantamento de sees estratigrficas com coleta de amostras para estudos petrogrficos e
anlises de istopos de C e O realizadas no Laboratrio NEG-LABISE da UFPE e no
laboratrio de Istopos Estveis do CPGeo do Instituto de Geocincias da USP, cuja
descrio dos mtodos analticos empregados so os mesmo descritos em Boggiani et al.
(2010).
27
2. Sedimentao autignica no Neoproterozico
O estudo paleontolgico da transio do Neoproterozico com o Fanerozico tem
demonstrado que num curto intervalo de tempo, inferior a 50 Ma, ocorreu o surgimento dos
metazorios, seguido de bruscas e explosivas modificaes faunsticas, com amplo
desenvolvimento de animais com esqueleto (Brasier & Callow 2007). O que chama a
ateno para este intervalo de tempo que, alm das modificaes nas biotas, elas
ocorreram aps 4 bilhes de anos de extrema monotonia evolutiva, com predomnio apenas
de formas microbianas, notadamente procariontes microscpicos unicelulares e coloniais,
tais como cianobactrias, acritarcas e microalgas (Knoll & Bambach 2000).
A intensificao dos estudos de unidades neoproterozicas, principalmente as que
abrangem a transio com o Fanerozico, resulta principalmente da tentativa de se explicar
o surgimento e extino de grupos faunsticos to distintos e diversificados como a Fauna
de Ediacara, os pequenos fsseis esqueletais do Tommotiano, e a Exploso Cambriana, a
partir da qual, ao longo do Fanerozico, no surgiu nenhum novo filo animal. Desse estudos,
vem surgindo a formulao de hipteses, como as de glaciaes globais, as quais poderiam
ter funcionado como filtros ambientais da evoluo ou gargalos evolutivos (Runnegar 2000).
Os sedimentos autignicos carbonticos tm recebido especial ateno em funo
de registrarem as modificaes nos ciclos biogeoqumicos, com interesse primordial na
investigao das variaes dos istopos de C e de Sr. De uma certa forma, as bruscas
mudanas ambientais ocorridas, principalmente no Ediacarano, teriam reflexo na
sedimentao autignica atpica que caracteriza esse perodo.
A facilidade relativa de obteno de valores de istopos de C e O de rochas
carbonticas possibilitou ampla aplicao ao longo de sucesses carbonticas, ao ponto de
vir a ser um dos critrios para delimitao da base do perodo Ediacarano (Knoll et al. 2004).
Estudos mais refinados de outros istopos, como de S, Ca e Mo, e investigaes de
elementos de terras raras ETR tm possibilitado tambm novas interpretaes
paleoambientais sobre as condies geoqumicas dos oceanos precambrianos.
Entre os modelos apresentados para o Neoproterozico, principalmente na tentativa
de explicar as mudanas faunsticas ocorridas antes da diversificao cambriana, o que
mais tem sido discutido o do Snowball Earth, originalmente proposto por Kirschvink (1992),
e posteriormente detalhado e difundido por Hoffman et al. (1998) e Hoffman & Schrag
(2002).
28
Com base na teoria do Snowball Earth, a concentrao das massas continentais na
faixa do Equador, com a formao do Rodnia no incio do Neoproterozico, teria propiciado
a intensificao dos processos de intemperismo. O aumento do intemperismo teria
conduzido diminuio da taxa de dixido de carbono na atmosfera e conseqente
diminuio da temperatura global (Hoffman & Schrag 2002).
Evidncias paleomagnticas (Evans 2000, Trindade & Macouin 2007), em especial
na Formao Elatina, na Austrlia (Sohl et al. 1999), no deixam dvidas quanto
ocorrncia de glaciaes de baixas latitudes, porm se essas chegaram a cobrir totalmente
o planeta o que tem sido mais debatido, com surgimento de hiptese alternativa, segundo
a qual, uma faixa no equador teria permanecido sem gelo, denominada como Slushball
Earth (Hyde et al. 2000, Kaufman 2007).
H ainda o questionamento se realmente as glaciaes seriam globais, com a
interpretao alternativa de que os diamictitos interpretados como glaciais seriam produto de
fluxos gravitacionais sem influncia de glaciao (Eyles & Januszczak 2004, 2007).
A intensa dinmica geotectnica do Neoproterozico (Torsvik et al. 1996) teria sido
tambm responsvel por mudanas nos padres das correntes ocenicas, com a possvel
alternncia entre perodos de estagnao e de circulao ocenica. Durante o perodo de
estagnao haveria estratificao das guas ocenicas e separao de pores anxicas
profundas de pores oxigenadas, restritas s zonas fticas. Nos perodos de vigorosas
circulaes ocenicas, haveria o desenvolvimento intenso de ressurgncias marinhas -
upwellings (Kaufman & Knoll 1995, Kaufman et al. 2003, Grotzinger & Knoll 1995), das quais
teriam sido originados depsitos de rochas fosfticas, como as do Grupo Corumb (Boggiani
et al. 1993), e formaes ferrferas bandadas, como as do Grupo Jacadigo e as associadas
Formao Puga (Piacentini et al. 2007).
No Neoproterozico, tem sido tambm registrado a formao anmala de dolomitos
com evidncias sugestivas de formao primria, relacionada a processos organognicos, o
que demonstra certa interrelao entre esses diversos sedimentos autignicos, ou seja,
carbonatos, fosforitos e formaes ferrferas, os quais podem relacionados a processos
glaciais globais como a intensos processos de rifteamento que teriam marcado a segunda
metade do Neoproterozico, na transio com o Fanerozico.
Segue discusso conceitual sobre os principais tipos de sedimentao autignica
abordados na presente tese, a fim de oferecer um contexto inicial mais geral, com retomada
de discusso mais aprofundada e especfica nos itens relativos aos depsitos estudados na
Faixa Paraguai Meridional e respectiva cobertura cratnica.
29
2.1. Formaes ferrferas
As formaes ferrferas, em especial as bandadas (BIFs), com a caracterstica
alternncia de camadas ricas em ferro (hematita ou magnetita) e slica (chert) tm sido,
entre os demais sedimentos autignicos, os mais enigmticos e de difcil entendimento
gentico, apesar de sua ampla utilizao como recurso mineral.
Apesar das inmeras controvrsias quanto gnese, algumas caractersticas em
comum podem ser traadas: 1) as formae ferrferas so mais abundantes no intervalo de
2,5 a 1,8 Ga (Paleoproterozico) e aparecem novamente apenas no neoproterozico; 2)
existem claras diferenas entre as formaes ferrferas arqueanas-paleoproterozicas e as
neoproterozicas, o que sugere diferenas no processo sedimentar e na fonte do Fe, com
tendncia generalizada de associar as neoproterozicas a glaciaes ou a eventos
hidrotermais, associados sejam a rifteamentos sejam a maior atividade de plumas
mantlicas.
Existem ocorrncias de formaes ferrferas no Paleozico, mas essas so menos
abundantes e geralmente ocorrem na forma de ooids e associados a glauconita (Van
Houton & Bhattacharyya 1982), como as descritas na Bacia do Parnaba e Amazonas em
unidades do Devoniano Mdio, em especial na Formao Pimenteiras da Bacia do Parnaba
(Dardenne & Schobbenhaus 2001).
H registros de formaes ferrferas relativamente muito antigas, como as de Isua no
Oeste da Groenlndia, com 3,8 Ga, e as presentes em crtons arqueanos, em intervalos de
3,5 a 2,5 Ga. No entanto, no intervalo de 2,5 a 1,8 Ga que se concentram os principais
depsitos, como os da Bacia de Hamersley do Oeste da Austrlia (Klein 2005), alm dos
depsitos neoproterozicos, entre os quais se destacam os de Rapitan (Canad) os da
Plataforma de Yangtze (China) e os do Grupo Jacadigo (Macio de Urucum, Mato Grosso
do Sul), estudados na presente tese (figura 1).
As formaes ferrferas mais antigas so as relacionadas aos greenstones belts, as
quais tendem a ser relativamente menos espessas e lateralmente restritas e geralmente
associadas a vulcanismo, identificadas como do Tipo Algoma, na classificao de Gross
(1980). Os depsitos de ferro gigantes, como os de Hamersley (Austrlia), Formao
Kuruman Iron Supergrupo Transvaal (frica), Formao Mulaingiri Bacia Bababudan
(ndia), Formao Cau - Grupo Itabira (Quadriltero Ferrifero) e Formao Carajs (Grupo
Gro Par) teriam se formado ao redor de 2,6 Ga. Esses so conhecidos como formaes
ferriferas gondwnicas, os quais se contrapem a um grupo relativamente mais novo,
representado pelas formaes ferrferas de Circum-Ungava do Canad e EUA, nas quais se
30
inserem as do Lago Superior, caracterizadas pela predominncia de tipos granulares
(granular iron formations - GIFs) (Trendall, 2002, Trendall & Blockley 2004).
As formaes ferrferas gondwnicas e as do Circum-Ungava (Canad e EUA) so
relativamente maiores e mais extensas em rea, e geralmente classificadas como do tipo
Lago Superior e no teriam relaes diretas e claras a eventos vulcnicos, como observado
nas mais antigas, arquenas e paleoproterozicas (tipo Algoma). As do tipo Lago Superior
estariam relacionadas a ambientes plataformais estveis e associadas a dolomitos,
quartzitos e folhelhos pretos.
Aps 1,8 Ga no h registro siginificativo de formaes ferrferas, o que vem a
ocorrer apenas ao final do Neoproterozico.
Abundncia
re lativa
dos depsitos
com
referncia ao
volum e
de Ham ersley
Isua
Grupo
N ova Lim a
C arajs Grupo
Itabira
H am ersley
S upergrupo
Transvaal
Lago
S uperior
Grupo Jacadigo
(U rucum )
Grupo
R apitan D epsito de S o M anoel
Form ao P uga
4,5 4,0 3,0 2,5 2,0 1,0 0,5 0
Tem po (Ga)
Figura 1. Distribuio dos depsitos de formao ferrfera no Pr-Cambriano com abundncia relativa estimada com base no volume de Hamersley (organizado por Piacentini et al. 2007 a partir de Klein 2005 e Trendall 2002).
As formaes ferrferas neoproterozicas teriam tido origem distinta das do final do
Arqueano e incio do Paleoproterozico, mas o que chama ateno o fato de no se ter
registro desses depsitos aps 1,8 Ga e os mesmos virem a ser encontrados apenas ao
final do Neoproterozico, em sucesses possivelmente glaciognicas, o que tem conduzido
construo de modelos associados a mudanas climticas globais, entre elas a do
Snowball Earth.
No modelo clssico para origem das formaes ferrferas de Cloud (1968, 1973), a
precipitao de ferro teria ocorrido a partir do aumento progressivo de oxignio atravs da
atividade fotossintetizante de cianobactrias, at atingir o nvel mximo de oxigenao.
Pensava-se, tambm, ser a fonte do ferro dissolvido nas guas ocenicas a eroso das
31
reas emersas. Posteriormente, com a descoberta de sistemas hidrotermais de fundo
ocenico, ao final da dcada de 1970, passou-se a considerar as guas ocenicas
profundas como principal fonte do ferro (Isley 1995).
Estudos desenvolvidos posteriormente na Bacia Animikie, na regio do Lago
Superior (formaes ferrferas Gunflint e Biwabake), estudados anteriormente por Preston
Cloud (Cloud 1968), demonstraram que as formaes ferrferas ali presentes originaram-se
aps o mximo evento de oxidao, tido como ocorrido por volta de 2,4 Ga (Bekker et al,
2004) e que a precipitao de ferro teria ocorrido pela atividade de bactrias ferro-oxidantes
e no pela produo de oxignio gerado pela fotossntese realizada por cianobactrias,
como interpretado originalmente.
Outra questo ainda controvertida a respeito da origem do ferro das formaes
ferrferas, para a qual quatro hipteses so colocadas: poeira trazida por tempestades de
vento, ferro dissolvido nos continentes e carregado pelos rios at os mares, fontes
vulcnicas nas proximidades e, por fim, o prprio oceano (Trendall & Blockley 2004). As
duas primeiras hipteses tm sido descartadas, em funo da ausncia de evidncias
conclusivas e a origem vulcnica tem sido colocada apenas como possvel para alguns
depsitos, como o de Hamersley (Austrlia), sem nenhuma comprovao direta, apenas a
presena de anomalias positivas de Eu (Klein 2005, Trendall & Blocley 2004), o que coloca
como possibilidade mais provvel a origem ocenica, mas com inlfuncias hidrotermais.
Beukes & Gutzmer (2004) caracterizam as formaes ferrferas como depsitos de
plataformas famintas formados durante grandes transgresses e cujo suprimento de ferro e
slica deve ter sido controlado pelo aumento da atividade de plumas hidrotermais. Desse
modo, a escassez de formaes ferrferas em seqncias mais jovens que 1,8 Ga seria
conseqncia de uma menor atividade de plumas hidrotermais, cada vez mais restritas aos
ambientes marinhos profundos, em funo do contnuo espessamento da crosta, o que
poderia ser uma explicao para ausncia de formaes ferrferas no Fanerozico.
Existe uma tendncia de relacionar os BIFs arqueanos-paleoproterozicos a
sistemas hidrotermais, enquanto os neoproterozicos teriam maior afinidade com as guas
ocenicas. No se descarta, porm, a contribuio hidrotermal para as ferrferas
neoproterozicas, mas essa seria indireta, com contribuio relativamente mais distante do
stio deposicional. Essas interpretaes tm por base a presena de anomalia positiva de Eu
nos primeiros e ausncia dessa anomalia nos neoproterozicos (Klein 2005), acompanhada
pela diminuio do teor de Ni (Pecoits et al. 2009). Foi formulada tambm a hiptese de
origem diferenciada para a Si e o Fe, com base em estudos geoqumicos de testemunhos
32
de sondagem de Hamersley, onde a slica seria derivada do intemperismo das massas
continentais e o Fe de origem hidrotermal (Hamade et al. 2003).
Formaes ferrferas bandadas (BIF) de idade neoproterozica tm sido descritas,
geralmente associadas a depsitos glaciognicos, como as do Grupo Rapitan, no noroeste
canadense, (Young, 1976), Grupo Umberatana, no cinturo Adelaide, no sul da Austrlia
(Trendall, 1973), Supergrupo Damara da Nambia (Beukes, 1973), Supergrupo Hufq em
Oman (Kilner et al. 2005) e as do Grupo Jacadigo, no Macio de Urucum (Urban et al.
1992), entre outros (Klein & Beukes 1993, Klein 2005, Trendall 2002), o que tem sido
utilizado como evidncia da Hiptese Snowball Earth (Kirschvink 1992, Klein & Beukes
1993; Hoffman et al. 1998).
Na Amrica do Sul, os BIFs neoproterozicos mais conhecidos so os do Grupo
Jacadigo no Macio de Urucum, mas h meno de ocorrncias em outras localidades na
poro norte da Faixa Paraguai e no Uruguai, nas unidades siliciclsticas inferiores do
Grupo Arroyo Del Soldado (Gaucher et al. 2003, 2004), onde no foram observadas
evidncias de sedimentao glacial.
Possvel modelo anlogo moderno para origem das formaes ferrferas bandadas
foi apresentado por Konhauser (2000), relacionado a fontes termais e vents submarinos,
onde foram observadas concentraes microbianas com incrustaes de minerais de ferro e
slica, o que conduz interpretao de que a atividade microbiana teria papel preponderante
como stios de nucleao para as mineralizaes primrias de ferro e slica. No Arqueano e
Paleoproterozico, a atividade biolgica seria restrita s margens planas dos
microcontinentes, onde os microorganismos cresciam na forma de esteiras bnticas, sendo
provalmente mais populosas em reas de ressurgncia marinha ou de plumas hidrotermais.
Sob presena de ferro dissolvido e demais nutrientes, haveria a formao de hidrxidos de
ferro e sob condies empobrecidas de ferro dissolvido, devido a sua precipitao, ocorreria
a preciptao de slica amorfa sob condies evaporticas. Com base em valores de
istopos de C relativamente muito negativos ( 13CPDB entre 2,8 e 19,8 0/00) de
carbonatos intercalados aos BIFs do Grupo Hamersley (Austrlia), Baur et al. (1985)
interpretaram que teria ocorrido intensa atividade de fermentao metablica de
microorganismos e La Berge (1973) identificou como possveis estruturas orgnicas a
concentrao de estruturas esfricas com dimetros entre 5 e 40 m em formaes
ferrferas e que o tpico aspecto bandado seria resultado de alterao diagentica posteior.
33
No Mar Vermelho, tm sido observadas exalaes hidrotermais com altas
concentraes de ferro dissolvido que rapidamente oxidado, resultando em preciptados
oxidados de ferro em sedimentos proximais (Pecoits et al. 2009).
Estudos desenvolvidos por Freitas (2010) sobre o Grupo Jacadigo, sob orientao do
autor desta tese, tm demonstrado a possibilidade da gnese das formaes ferrferas ali
presente serem relacionadas apenas a atividade hidrotermal, como j mencionado por
Dardenne (1988), o que estaria associado evoluo da bacia rifte e no necessariamente
associada a eventos glaciais, como discutido adiante.
2.2. Fosforitos
Uma das caractersticas dos depsitos de fosforitos tambm sua ocorrncia
episdica no tempo geolgico (Cook & McElhinny 1979, Glen et al. 1994; Compton et al.
2000), geralmente relacionadas a glaciaes e eventos orogenticos, aos quais estaria
associado o aumento do aporte de fsforo dissolvido para os oceanos atravs dos rios.
Outra caracterstica a freqente associao com rochas carbonticas, em especial
dolomitos, na forma de intercalaes ou alternncia de camadas, o que sugere variaes
bruscas nas condies ambientais, ora propcias s rochas carbonticas e ora aos fosforitos
(Lucas & Prvt-Lucas 2000).
A maioria dos depsitos de fosfato sedimentar ocorrem na transio do Pr-
Cambriano para o Cambriano (Cook & Shergold 1986, Notholt et al. 1989, Shields et al.
2000), com uma fase fosfognica associada com a Glaciao Sturtiana (Criogeniana
Inferior) ou posterior (Shergold & Brasier 1986), tendo como exemplos os depsitos na
Austrlia e os de Irec no Brasil (Misi & Kyle 1994). Outra fase mais expressiva estaria
associada a eventos ps-marinoanos (Crigeniana Superior), como os depsitos da
Formao Doushantuo na China, ou mesmo os da Formao Bocaina (Grupo Corumb),
discutidos na presente tese, e uma terceira fase associada ao Cambriano, sem relao
direta com eventos glaciais.
Os trs eventos fosfogenticos apontados para o intervalo do final do
Neoproterozico e Cambriano encontram-se tambm relacionados a fases de elevao dos
valores de razes de Sr observadas nos carbonatos marinhos (Shields et al. 2000). As
elevaes dos valores das razes de Sr estariam associadas ao aumento dos processos
erosivos nos continentes, o que poderia ser causado pela formao de cadeias de
montanhas, associadas a eventos de aglutinao continental, ou a perodos ps-glaciais, o
que explicaria tambm o aumento de aporte de fsforo dissolvido para os oceanos.
34
Por outro lado, o carter episdico dos depsitos de fosfato tem sido relacionado no
apenas a variaes do aporte de fsforo dissolvido nos oceanos, mas tambm a mudanas
episdicas na conjuno de fatores locais que teriam favorecido as complexas e restritas
condies ambientais necessrias formao de fosforitos (Lucas & Prvt-Lucas 2000).
A associao de processos de fosfognese a zonas de correntes marinhas
ascendentes (upwellings), originalmente proposto por Kazakov (1937), tem por base a
presena de ndulos fosfticos modernos na costa do Peru e Chile (Burnett 1977) e da
Nambia (Baturin 2000). Atravs de correntes marinhas ascendentes, guas profundas frias
e ricas em fosfato dissolvido atingem zonas mais rasas, onde a precipitao de apatita e de
outros minerais de fosfato se daria atravs de complexos processos sedimentares e
diagenticos, geralmente associados presena abundante de matria orgnica e intensa
atividade microbiana (Lucas & Prvt-Lucas 2000).
A presena de microbialitos fosfticos foi descrita em unidade proterozica da ndia,
na regio de Udaipur (Banerjee 1971, 1986, Chauchan 1978), atribuda substituio
progressiva dos carbonatos por fosfato. No Brasil, foram identificadas jazidas de fosfato
associadas a estromatlitos fosfticos do Grupo Una em Irec - Bahia (Bonfim 1986) e as
ocorrncias de fosforitos da Formao Bocaina (Grupo Corumb) tambm se encontram
associadas a estromatlitos.
Misi & Kyle (1994), em estudos sobre os fosforitos estromatolticos de Irec (Bahia),
do Grupo Una, demonstraram, com base em estudos petrogrficos e isotpicos, que estes
sedimentos sofreram complexa evoluo diagentica e que as concentraes primrias de
fosfato formaram-se durante o primeiro estgio da diagnese, antes da dolomitizao.
Relacionaram as concentraes primrias de fosfato a processos biognicos em ambientes
anxicos, porm no encontraram evidncias que possibilitassem identificar se a apatita
teve origem primria ou se formou por substituio do carbonato preexistente.
Na tentativa de entender a freqente associao entre sedimentos carbonticos e
fosforitos, estudo realizado por Lucas & Prvt-Lucas (2000) demonstrou que os dois
processos genticos so independentes mas complementares. Os processos de
sedimentao carbontica e fosftica no seriam competitivos entre si, em virtude de no
dependerem do mesmo material de origem, e tambm por no ocorrerem na mesma fase do
ciclo sedimentar. A alternncia dos tipos de sedimentos seria resultado das mudanas de
tipo dominante de bioprodutividade na coluna de gua, onde a precipitao da calcita e
aragonita seria resultado de processos bioinduzidos enquanto que a apatita resultaria da
35
formao associada a lenta degradao microbiana da matria orgnica nos sedimentos,
processo esse que ocorreria alguns centmetros abaixo da interface sedimento/gua.
Apesar de tanto a calcita como a apatita serem minerais que se formam por efeito da
atividade biolgica, os processos de formao so distintos, o que explicaria a ausncia de
apatita disseminada nos carbonatos. A explicao para a alternncia entre formao de
calcita e apatita estaria relacionada a modificaes no aporte de nutrientes, ora favorecendo
a proliferao de organismos responsveis pela preciptao de calcita, ora favorecendo a
acumulao de matria orgnica, a qual seria necessria para formao posterior da apatita,
aps a degradao da matria orgnica.
2.3. Sedimentao carbontica no Neoproterozico
Marcantes diferenas so constatadas se compararmos a sedimentao carbontica
neoproterozica com a arqueana e paleoproterozica, mas as diferenas so relativamente
maiores quando comparadas com a fanerozica. Destaque dado pela presena das capas
carbonticas e abundncia de dolomitos nas sucesses neoproterozicas, alm de
marcantes e bruscas variaes nos valores de istopos de C.
Carbonatos arqueanos e paleoproterozicos comumente contm abundantes
precipitados de fundo marinho (sea-floor precipitates), enquanto que o registro
neoproterozico dominado por fcies de texturas clsticas e abundncia de mudstones,
tendo os carbonatos mesoproterozicos como formas transicionais entre os dois tipos.
Apesar da predominncia de termos clsticos no Neoproterozico, destaca-se a ocorrncia
anmala de capas carbonticas, as quais, de uma certa forma, seriam semelhantes aos
sea-floor precipitates arqueanos, com seus cristais arborecentes de aragonita (Grotzinger &
James 2000).
Outra diferena apontada seria no tipo de textura das laminaes de estromatlitos o
que aponta para distintos processos de formao. Nos estromatlitos arqueanos e
mesoproterozicos, predominam texturas relacionadas a precipitao in situ de aragonita e
incrustaes calcticas. J nos estromatlitos neoproterozicos, predominam texturas
microbianas de aprisionamento e cimentao de sedimentos inconsolidados. Essas
diferenas so interpretadas como reflexo do decrscimo de fatores abiticos e
concomitante aumento da atividade de esteiras microbianas no controle do crescimento
estromatoltico o que daria lugar, ao final do Neoproterozico, a ocorrncia de trombolitos
(formas estromatolticas grumosas, sem laminao interna) associados aos primeiros
metazorios com esqueletos carbonticos - Cloudina e Nammacalatus (Grotzinger & James
2000).
36
A expanso evolutiva de seres planctnicos com esqueletos carbonticos no
Fanerozico teria sido uma das principais causas de modificao na sedimentao
carbontica e, consequentemente, no ciclo geoqumico do Carbono (Ridgwell et al. (2003).
No Pr-Cambriano, a sedimentao carbontica era essencialmente nertica,
associada atividade de seres microbianos que viviam restritos zona euftica (em
profundidades inferiores a 100 m) das plataformas continentais. Com o rebaixamento do
nvel do mar em uma centena de metros, possivelmente devido s glaciaes, haveria
apenas uma estreita faixa de plataforma sob condies fticas, o que teria restringido a
sedimentao carbontica por parte dos microorganismos bentnicos. Sob essas condies,
o rebaixamento do nvel do mar teria conduzido saturao das guas neoproterozicas em
carbonato dissolvido, ao contrrio do que deveria acontecer no Fanerozico quando, aps o
surgimento dos foraminferos e demais organismos com esqueletos, a diminuio da
sedimentao carbontica nertica seria compensada pela sedimentao pelgica,
relacionada ao acmulo das carapaas carbonticas dos organismos planctnicos (figura 2).
A drstica reduo da sedimentao carbontica, com a diminuio do nvel do mar
durante as glaciaes, poderia ser tambm, ao mesmo tempo, causa e efeito da severidade
das glaciaes neoproterozicas (Ridgwell et al. 2005). Por outro lado, a ausncia ou
presena restrita de glaciaes antes do Neoproterozico seria explicada pela inexistncia
de situao fisiogrfica no globo terrestre como um todo, que gerasse brusca mudana no
padro de sedimentao carbontica como resposta a qualquer incio de rebaixamento do
nvel do mar. No Mesoproterozico, no teriam existidos as inmeras reas plataformais ao
redor de massas continentais, o que teria ocorrido apenas no Neoproterozico.
Nesse modelo reforada a relao da supersaturao em carbonato de clcio da
gua dos oceanos ao rebaixamento global relativo do nvel do mar e no a intensa lixiviao
dos continentes sob atmosfera de efeitos estufa (greenhouse), imediatamente aps os
perodos glaciais, como causa da formao das enigmticas capas carbonticas, como
porposto por Hoffman et al. (1998).
37
A re a in ic ia l d e d e p o s i o
e m g u a s ra s a s
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Potenciais estados iniciais do sistem a no N eoproterozico
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R esposta m oderna do sistem a a quedas no nvel do m ar
Figura 2 Esquema da sedimentao carbontica carbontica moderna comparado com o do Pr-Cambriano onde, no primeiro caso (A e B), a reduo do nvel do mar no implica diminuio da acumulao de carbonato de clcio, compensada pelo acmulo das carapaas dos organismos planctnico. J no Pr-Cambriano (C e D), o rebaixamento do nvel do mar implica diminuio das zonas nerticas e, na ausncia de organismos planctnicos, ocorreria supersaturao em carbonato das guas ocenicas (extrado de Ridgwell et al. 2003).
38
2.3.1. Capas carbonticas
A presena de rochas carbonticas sobre diamictitos sempre foi uma questo
intrigante entre os pesquisadores que trabalhavam com sucesses pr-cambrianas e
documentadas em diversas regies do globo terrestre (Schermerhorn, 1974; Deynoux &
Trompette 1976, Williams 1979, Walter & Bould 1983, Tucker 1986b).
Tal fato conduziu ao questionamento da origem glacial da maioria destes depsitos,
os quais foram interpretados sob o contexto de sedimentao de tectnica ativa, associados
a fluxos gravitacionais de sedimentos em bacias do tipo rifte (Schermerhorn 1974, Hambrey
& Harland 1985), resultantes de retrabalhamento de depsitos carbonticos pr-glaciais
(Fairchild 1993), e at mesmo a possibilidade dos diamictitos terem sido originados a partir
de impactos de meteoritos (Oberbeck et al. 1993).
Mas a possibilidade das capas recobrirem depsitos glaciais demonstraria que
seriam registro de bruscas mudanas ambientais (Williams 1979) e at a base para a
comprovao da hiptese Snowball Earth (Kirschvink 1992, Hoffman et al. 1998).
Os carbonatos que recobrem diamictitos receberam denominaes diversas, tais
como cap dolostone (Williams 1979), pink-dolomites, tepee dolomites, e geralmente
apresentam cores avemelhadas e caractersticas sedimentolgicas semelhantes, como
cristais arborescentes de calcita (pseudomorfos de aragonita), laminaes milimtricas, por
vezes fenestrais, estruturas que lembram tepees, estromatlitos, estruturas tubulares
(tubestones), presena de barita, textura peloidal e marcante ritimicidade (Peryt et al. 1990,
Fairchild 1993, Kennedy 1996, James et al. 2001, Hoffman & Schrag 2002, Nogueira et al.
2003).
As capas carbonticas so tambm caracterizadas pela presena de valores
negativos de istopos de C, geralmente com valores de 13CPDB ao redor de 5 0/00.
A distribuio das capas carbonticas entre as mais diferentes sucesses
neoproterozicas e reunio de distintas e atpicas caractersticas sedimentares indicam que
esses carbonatos representam conjuno de circunstncias globais no usuais, que teriam
levado supersaturao em carbonato de clcio das guas ocenicas. Hipteses
formuladas agrupam-se na interpretao de congelamento seguido de rpido
descongelamento do planeta (hipteses Snowball Earth - Hoffman & Schrag 2002, ou
39
Slushball Earth - Kaufman 2007) ou por intenso e rpido descongelamento de clatratos
metano congelado (Kennedy et al. 2001b, Jiang et al. 2003).
As capas carbonticas so restritas s sucesses glaciais neoproterozicas, por sua
vez amplamente distribudas por todos os continentes na sua configurao atual (Evans,
2000), no sendo encontradas nos raros registros glaciais paleoproterozicos, como o da
Formao Gowganda (2,3 Ga) do Canad (Young & Nesbitt, 1999) e nem nas unidades
glaciais fanerozicas. J depsitos semelhantes so observados em sucesses arqueanas
e paleoproterozicas, como os precipitados radiais de aragonita dos Subgrupos
Campbellrand-Malmani da frica do Sul (Sumner & Grotzinger 2000).
Dada a ampla interpretao da origem ps-glacial e seu carter global, a base da
capa carbontica da Formao Nuccaleena (Enorama Creek Section - Flinders Range, Sul
da Austrlia) foi definida pela IUGS como GSSP Global Stratotype Section and Point do
Perodo Ediacarano, criado em 2004 (Knoll et al. 2004). A escolha do registro de um evento
climtico/geoqumico para marcar a base de um perodo, ao invs de registro fossilfero,
como tem sido a prtica para a subdiviso do Fanerozico, deve-se escassez de registro
fossilfero do Pr-Cambriano e ao fato de no se ter ainda uma idade precisa para a primeira
ocorrncia conhecida de fsseis da Fauna de Ediacara. Apesar de existirem controvrsias
quanto ao tipo de processo que teria dado origem excurso negativa de valores de
istopos de C das capas carbonticas (Hoffman & Schrag 2002, Jiang et al, 2003), existe
relativa unanimidade de seu carter global relacionado a registro de rpida deglaciao.
2.3.1.1. Pseudomorfos de aragonita
Estrutura marcante das capas carbonticas so as arborescncias de pseudomorfos
de aragonita, as quais tm como exemplo brasileiro as observadas em abundncia na capa
carbontica da Mina Sambra em Sete Lagoas (MG), estudadas em detalhe, inicialmente, por
Peryt et al. (1990).
As estruturas arborescentes da Mina de Sambra (figura 3) foram originalmente
interpretadas como cristais de gipsita calcitizados (Cassedane, 1984), porm as
investigaes petrogrficas de Peryt et al. (1990) demonstraram que se tratava,
originalmente, de cristais de aragonita fibrosa que foram substitudos por calcita,
interpretao reforada pela presena de teores elevados de Sr (ao redor de 3 000 ppm),
que teriam precipitado diretamente da gua do mar. J sob influncia da hiptese Snowball
Earth, esses carbonatos foram interpretados como capa por Kaufman et al. (2001) e Vieira
40
et al. (2007) e datados, pelo mtodo Pb-Pb, em 740 Ma (Babinski et al. 2007). Esta capa
posiciona-se na base da Formao Sete Lagoas (Grupo Bambu) e no foi observado seu
contato inferior, sendo apenas suposta a ocorrncia de diamictitos do Grupo Jequita,
atribudos Glaciao Criognica Inferior (Sturtiana).
Depsitos semelhantes, de idade arqueana, so observados nos subgrupos
Campbellrand-Malmani da frica do Sul, nos greenstones belts Belingwe e Bulawayo
(Zimbaue) e no Grupo Steeprock (Ontrio, Canad), entre outros, associados a
estromatlitos (Sumner & Grotzinger (2000). Curiosamente, os primeiros estudos desses
leques de cristais levaram a interpretao de constiturem pseudomorfos de gipsita,
associados a ambientes evaporticos. A ausncia de evidncia de outras formas
evaporticas, presena de elevados teores de Sr (acima de 3 000 ppm) e caracterizao
petrogrficas conduziram a reinterpretao como pseudomorfos de aragonita.
A reinterpretao desses depsitos como sendo originalmente de aragonita (Sumner
& Grotzinger 2000, Winefield 2000) foi fundamental para a formulao de novos modelos de
composio qumica dos oceanos arqueanos, uma vez que se os cristais fossem
originalmente de gipsita, o teor de HCO3- teria que ser inferior a duas vezes o teor de Ca2+,
para que ocorresse disponibilidade de clcio para formao dos cristais de sulfato de clcio.
Por outro lado, a abundncia de cristais de aragonita implica oceanos com abundncia de
HCO3-, porm no em quantidade superior quantidade de Ca2+, como seria de se esperar
para a situo de soda ocean, quando as guas seriam predominante bicarbonatadas, ao
invs de cloratadas, e o pH entre 9 e 11, sob pCO2 atmosfrico baixo (Kempe & Degens
1985, Kempe & Kazmierczak 1990). Porm, o modelo de soda ocean implica baixos teores
de Ca2+, para justificar elevados teores de HCO3- na gua, o que seria incompatvel com o
grande volume de rochas carbonticas do final do Arqueano. Esta incoerncia conduziu
formulao de modelo alternativo onde o pH seria entre 6,5 e 7,5, prximo ou levemente
inferior ao atual, e o teor de HCO3- aproximadamente igual ou pouco superior a duas vezes
o teor de Ca2+ (Grotzinger & Kasting 1993).
Os precipitados aragonticos arqueanos e paleoproterozicos poderiam ter se
formado durante surgncias marinhas episdicas, aps condies de guas anxicas
profundas de elevada alcalinidade, que promoveriam o contato daquelas com guas
superficiais ricas em clcio (Grotzinger & Knoll 1995, Winefield 2000). Essas condies
seriam possveis em condies de guas ocenicas estratificadas, o que no teria ocorrido
no mesoproterozico e explicaria a ausncia dos depsitos aragonticos anmalos nesse
intervalo de tempo.
41
O registro anmalo de formaes ferrferas no Neoproterozicas tambm poderia
estar associado quebra de estratificaes ocenicas (Beukes & Klein 1993) e tem sido
empregado como um dos argumentos para explicar a hiptese Snowball Earth por
Kirschvink (1992), com a interpretao de que o enriquecimento de ferro dissolvido, em
guas profundas, seria resultante do recobrimento do oceano por gelo por milhes de anos.
A formao dos cristais de aragonita, ao invs da formao de micrita, teria
explicao na presena de ons de Fe2+ e Mn2+ que funcionariam como inibidores da
nucleao carbontica e formao da micrita (Sumner & Grotzinger 1996). Essa associao
interessante para a capa carbontica de Sambra (figura 3), uma vez que nos ciclos
precipitados aragonticos/mudstone laminado, as lamas micrticas apresentam cor
avermelhadas, o que indicaria que a concomitante retirada do ferro das guas, atravs da
precipitao da hematita, teria fornecido as condies para nucleao e deposio da
micrita. Laminaes milimtricas, geralmente de cor mais escura, apresentam-se de forma
ondulada, acompanhando o topo dos leques de pseudomorfos de aragonita, o que fornece
aspecto estromatoltico. Nessas pores de mudstones laminados, h continuidade
cristalogrfica dos cristais de aragonita, processo esse que teria ocorrido aps a
sedimentao, mas que no alterou a laminao original. Sobre os mudstones laminados,
ocorrem mudstones macios (figura 3).
0
5 cm
Figura 3. Detalhe dos ciclos: precipitatos de aragonita - mudstone laminado mudstone macio da Mina Sambra (base da Formao Sete Lagoas Grupo Bambu).
Os critrios petrogrficos utilizados para interpretar a constituio primria dos
cristais como aragonita so a natureza fibrosa e terminao reta e abrupta dos cristais
42
(Peryt et al. 1990) e a elongao dos cristais internos paralelos elongao dos
pseudomorfos indicam que so primrios e no foram originados pela dissoluo de cristal
precursor (gipsita) e posterior precipitao, o que implicaria a ocorrncia de estruturas de
colapsos, as quais no foram observadas. Se tivessem sido originados por esse processo, o
mosaico calctico apresentaria caractersticas de preenchimentos de vazio e no
apresentaria cristais alongados e paralelos ao alongamento dos pseudomorfos. A
possibilidade de recristalizao dos cristais tambm descartada, j que seria de se esperar
a presena de mosaicos calcticos opticamente orientados. O que ocorre so mosaicos sem
orientao cristalogrfica, como observado tambm nos preenchimentos de cristais de
estruturas arborecentes tanto arqueanas como nas demais capas carbonticas
neoproterozicas. As terminaes retas de cada cristal so tambm consideradas
caractersticas distintivas de aragonita (Winefield 2000 e referncias citadas), j que os
cristais de gipsita teriam terminaes pontiagudas
2.3.1.2. Estruturas tepee-like
As estruturas que lembram tepees, comumente encontradas nas capas carbonticas,
foram inicialmente interpretadas como associadas a ambiente de supramar, como as
estruturas tepees clssicas do Fanerozico (Assereto & Kendall 1977, Kendall & Warren
1987). Porm, Hoffman & Schrag (2002) e Allen & Hoffman (2005) interpretaram estas
estruturas como produto de fluxo oscilatrio provavelmente em guas profundas, o que
muda totalmente o contexto paleoambiental inicialmente interpretado como de guas rasas
e sujeitas s exposies subareas para parte das capas carbonticas.
H ainda a interpretao de Pratt (2002), que atribui a sismos a suposta deformao
que geraria essas estruturas, consideradas como de origem ps-deposicional. Desta forma,
seriam diagenticas e formadas alguns metros abaixo da interface sedimento-gua, atravs
do aumento do volume pela cristalizao do cimento dolomtico microcristalino e migrao
de fluidos, os quais seriam a explicao para a presena de sheet veins na Capa
Carbontica da Formao Nuccalena em Flinder Ranges, Sul da Austrlia (Gammon et al.
2005).
2.3.1.3. Estruturas tubulares
Comumente so observadas tambm estruturas tubulares (tubestones) cuja origem
atribuda, por Kennedy et al. (2001a,b), a exalaes de metano resultantes da
desestabilizao de clatratos, o que tambm interpretado como a causa da deglaciao,
por aumento de metano na atmosfera, e razo dos valores negativos de istopos de C nas
capas carbonticas (Jiang et al. 2003, Kennedy et al. 2008).
43
Essas estruturas so tambm interpretadas como relacionadas ao crescimento
estromatoltico (Hoffman et al., 2002 e Corsetti & Grotzinger, 2005) e o que chama ateno
o fato delas geralmente no ocorrerem no contato com os diamicitos, e sim alguns metros
acima deste contato, como na Capa Carbontica de Mirassol do Oeste (Nogueira et al.
2003), sem nenhuma associao direta com possveis corpos capazes de produo de
gases, o que descarta a possibilidade de serem estruturas de escape, como as descritas por
Murphy & Sumner (2008) para dolomitos arqueanos associados a microbialitos.
Estruturas semelhantes aos tubestones de capas carbonticas foram descritos em
sucesses carbonticas neoproterozicas no diretamente posicionadas sobre diamictitos.
o caso do Membro Bildah da Formao Buschmannsklippe aflorante na regio de
Gobabis, a oeste de Windhoek (Nambia). A Formao Buschmannsklippe posiciona-se no
topo do Grupo Witvlei, subjacente ao Grupo Nama. Essa formao encontra-se posicionada
em discordncia angular e erosiva sobre arenitos da Formao Court e alm dos
tubestones, associados a estromatlitos, ocorrem tambm as arborescncias de
pseudomorfos de aragonita em nveis superiores aos de estruturas tubulares (figura 4). Os
tubestones so verticais e paralelos entre si, com 2,5 cm de dimetro e at 2 metros de
altura. Encontram-se vazios com as paredes de slica ou quartzo e interpretados como
originados por escape de gs ou gua resultantes da compactao, em contexto sedimentar
de plancie de mar (Hegenberger 1993).
A observao de afloramentos da Formao Buschmannsklippe, por ocasio da
reunio anual do IGCP-478, permitiu constatar que no h descontinuidade entre as
paredes dos tubestones e as laminaes (figura 4), o que implica em no constiturem
estruturas de escape de gases. Essas estruturas so semelhantes s observadas na Serra
da Bodoquena, na regio de Morraria do Sul no contexto do Grupo Corumb, e sugerem
estarem relacionadas ao crescimento estromatoltico, com discusso mais detalhada no item
3.4 (pg. 74).
44
Figura 4 Tubestones da Formao Buschmannsklippe (Nambia), seo longitudinal (esquerda) e transversal (direita).
45
2.3.1.4. Pelotilhas
As pelotilhas so definidas como gros arredondados homogneos de micrita, com
dimenses entre 10 e 60 m (Adams & Mackenzie 2004). So muito comuns nas capas
carbonticas neoproterozicas, onde ocorrem formando extensos e espessos depsitos. No
Paleozico, ocorrem camadas expressivas de pelotilhas em recifes do Triassico, Jurssico e
Permiano, mas geralmente restritas a pequenos espaos, como cavidades esqueletais,
segundo reviso de Bosak et al. (2004).
As pelotilhas modernas so originadas como excrementos de animais. Pelotilhas
semelhantes s pr-cambrianas apresentam raros anlogos modernos, associadas a
incrustaes nos mucos de cianobactrias. As pelotihas de sedimentos antigos so
interpretadas como originadas em diferentes condies ambientais, como variaes na
composio qumica da gua, remoo de inibidores cinticos e ou aumento da
temperatura, entre outras possibilidades genticas, de tal forma que no podem sem
empregadas como indicativas de condies ambientais ou processos biolgicos especficos
(Bosak et al. 2004)
J as pelotilhas comumente observadas nas capas carbonticas podem estar
associadas supersaturao em carbonato de clcio atribuda ao ambiente formador, j que
experimentos em laboratrio, conduzidos por Bosak et al. (2004), demonstraram a formao
dessas partculas em condies abiticas, porm supersaturadas, com ndices de saturao
muito superiores aos dos mares modernos. Segundo os mencionados autores, apesar da
formao de pelotilhas ser possvel sob condies abiticas, no se pode destacar a
influncia microbiana indireta como na nucleao e precipitao do carbonato na formao
da pelotilha, tais como mudana do pH ou da alcalinidade da soluo, introduo ou retirada
de inibidores cinticos e isolamento dos ons de clcio e magnsio.
2.3.1.5. Consideraes genticas sobre as capas carbonticas
Uma das primeiras interpretaes a respeito das capas carbonticas deve-se a
Grotzinger & Knoll (1995), relacionada quebra de estratificao de guas ocenicas e
asceno de guas anxicas hiperalcalinas. Estariam, assim, relacionadas a significativo
evento transgressivo sobre superfcies previamente trabalhadas pela glaciao (Knoll &
Walter 1992), o que explicaria sua ampla distribuio pelo globo terrestre, no restrita
apenas ao recobrimento de depsitos glaciognicos. Toma-se o exemplo da Capa
Carbontica de Sambra (Minas Gerais) e de Morraria do Sul (Mato Grosso do Sul), onde as
capas encontram-se sobre o embasamento, ou mesmo em situaes estratigrficas sem
46
nenhuma relao com depsitos glaciognicos, como tambm a situao da da Formao
Buschmannsklippe (Grupo Witvlei) na Nambia (Hegengerger 1993).
A formao das capas carbonticas tem sido considerada como um processo
relativamente rpido, resultante do intemperismo ps-glacial de rochas siliciclsticas e
carbonticas (Hoffman & Schrag 2002), o que seria ainda mais intensificado pela dissoluo
das plataformas carbonticas expostas com o rebaixamento do nvel do mar durante as
glaciaes.
No modelo Snowball Earth (Hoffman et al. 1998), a diminuio do intemperismo das
reas continentais, devido cobertura por gelo, teria levado ao aumento dos nveis de CO2
atmosfrico para 12 000 ppm (atualmente aproximadamente 366 ppm), o que teria
causado condies extremas de efeito estufa com rpido degelo, sob condies de chuvas
cidas, o que teria levado extrema alcalinidade das guas ocenicas, como conseqncia
da intensa lixiviao das reas continentais, e relativamente rpida formao das capas
carbonticas.
Explicao alternativa, para origem das capas carbonticas, seria a de que o efeito
estufa e alta alcalinidade das guas ps-glaciais seriam devido ao aumento do gs metano
na atmosfera devido ao descongelamento de clatratos, ocasionada pela subida do nvel do
mar global (Kennedy et al. 2001b). Grande parte do metano exalado seria oxidado na
interface sedimento-gua, com gerao da alcalinidade necessria para formao das
capas carbonticas e no pelos intensos processos de lixiviao continental supostos no
modelo Snowball Earth de Hoffman et al. (1998). O modelo de descongelamento de
clatratos no explica, no entanto, como se daria o incio do degelo (Jacobsen 2001), o qual
poderia estar associado aos processos de rifteamento.
Durantes os ciclos glaciais, tem sido interpretado que a concentrao de gs
carbnico na atmosfera teria sofrido amplas variaes, porm a relao com a
sedimentao carbontica no to clara assim. Estudos recentes em oceanos modernos
tm demonstrado interpretaes contrrias quanto ao efeito da sedimentao carbontica
frente s variaes de concentrao de gs carbnico (Elderfield 2002). A resposta da
sedimentao carbontica como processo de seqestro de carbono no to rpida como o
processo de sedimentao de matria orgnica, em virtude dos ons C envolvidos no
processo de sedimentao virem do nion HCO3- presente nos oceanos. Dois mols de
HCO3- reagem com um mol de Ca 2+ para precipitar um mol de CaCO3, liberando um mol
extra de C na forma de CO2, de tal forma que a precipitao de carbonato de clcio, de
imediato, mais uma fonte de CO2 para a atmosfera do que um sumidouro de C, o que
47
somente passa a ser numa escala de tempo maior, na casa de milhes de anos, com a
formao e soterramento contnuo de expressivos depsitos de rochas carbonticas.
2.3.2. O Problema Dolomito e organognese
Os dolomitos so abudantes no Pr-Cambriano e incio do Paleozico e
praticamente inexistentes no Negeno e Palegeno (Given & Wilkinson 1987).
Outra caracterstica intrigante o fato de no se conseguir obter precipitao
inorgnica de dolomita, sob condies de presso e temperatura esperadas no ambiente
sedimentar (Land 1998), o que conduziu Fairbridge (1957) a criar a expresso dolomite
question mais tarde modificada para dolomite problem (McKenzie 1991), devido sua
gnese em ambientes naturais ser um dos enigmas das Geocincias, que apenas comeou
a ser desvendado dez anos atrs, atravs da formulao de modelos organognicos de
dolomita primria (Vasconcelos et al. 1995, Wright 1997, 2000, Wright & Wacey 2005).
Apesar de no se conseguir sintetizar dolomita em laboratrio, em condies
normais de presso e temperatura, qualquer slido de carbonato de clcio, sob essas
condies, dolomitizado. Porm, essa dolomitizao ocorre atravs de processos de
substituio, no por preciptao direta, primria (Lippmann 1973). Outra questo
enigmtica o
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