ACUPUNTURA: SAÚDE
DIRETO AO PONTO
VIAGEM AO MUNDO
DAS CORES: GUATEMALA
A n o 6 N0
2 8 R $ 2, 50
ColôniaOS SABORES DA CULINÁRIA ALEMÃ
80945_Capa.p65 02/09/04, 14:501
Milene Leal
EDITORA E DIRETORA DE REDAÇÃO
REDAÇÃO Beatriz Guimarães, Cris Berger, Fernanda Doering, Paula Taitelbaum,
Tetê Pacheco
REVISÃO Flávio Dotti Cesa
PROJETO GRÁFICO Odyr Bernardi
DIREÇÃO E EDIÇÃO DE ARTE Luciane Trindade [email protected]
ILUSTRAÇÕES Nik
FOTOGRAFIA Angela Farias, Cris Berger, Cristiano Sant’Anna, Flávia de Quadros,
Letícia Remião
PRODUÇÃO DE ALIMENTOS Jorge Nascimento
COLUNISTAS Fernando Lokschin, Luís Augusto Fischer, Martha Medeiros,
Malu Coelho, Tetê Pacheco
EDITORA RESPONSÁVEL Milene Leal (7036/30/42 RS)
COLABORADORES Celso Gutfreind, Livraria Cultura, Studio AD,
Ponto de Antiguidades
Izabella Boaz
DIRETORA DE ATENDIMENTO
PUBLICIDADE HRM Representações
(51) 3231.6287 9983.7169 9987.3165 [email protected]
DEPTO. DE ATENÇÃO AO LEITOR Renata Xavier Soares
A revista Estilo Zaffari é uma publicação bimestral da Contexto Marketing Editorial Ltda.,
sob licença da Companhia Zaffari Comércio e Indústria. Distribuição exclusiva nas lojas
da rede Zaffari e Bourbon. Estilo Zaffari não publica matéria editorial paga e não é
responsável por opiniões ou conceitos emitidos em entrevistas, ar tigos e colunas
assinadas. É vedada a reprodução total ou parcial do conteúdo desta revista sem
prévia autorização e sem citação da fonte.
TIRAGEM 25.000 exemplares
PRÉ-IMPRESSÃO Maredi
IMPRESSÃO Pallotti
ENDEREÇO DA REDAÇÃO
Rua Padre Chagas, 185/801– Porto Alegre/RS – Brasil – 90570-080
(51) 3395.2515 (51) 3395.2404 (51) 3395.1781
CAPA: FOTO DE LETÍCIA REMIÃO, COM
PRODUÇÃO DE LÚCIA REIS, DO STUDIO AD
80945_expediente.p65 01/09/04, 17:042
N O T A D O E D I T O R
Aqui na redação da Estilo Zaffari temos um Beck, um Kraemer e um Doering. Três
gaúchos que certamente cresceram escutando expressões em alemão (nem que fossem
apenas impropérios e palavrões) e, com alguma sorte, deliciando-se com os quitutes da
culinária germânica: pão de mel, cucas, bolos de frutas...
Nossa equipe, em que também aparecem sobrenomes italianos, árabes, portugueses,
espanhóis e alguns bem brasileiros (os Silva não poderiam faltar!), reproduz a mistura de
etnias que compõe a população gaúcha.
Na verdade, com certeza não somente o Beck, o Kraemer e o Doering convivem
diariamente com elementos típicos da cultura alemã. Presentes há 180 anos em território rio-
grandense, os germânicos influenciaram sobremaneira nosso estilo de vida, transmitiram hábitos,
plantaram costumes, definiram conceitos. Nosso Estado é um tanto alemão, assim como é um
tanto italiano, outro tanto português, polaco, turco, africano, japonês, judeu, espanhol...
Nesta edição da Estilo Zaffari estamos homenageando o aniversário da imigração
alemã, em reconhecimento à imensa contribuição desses imigrantes e seus descendentes
para a construção do Rio Grande. E também para poder transmitir aos leitores da revista
os segredos daquelas iguarias que fazem parte do dia-a-dia de muitas famílias gaúchas, e
que outras tantas só podem degustar à mesa das confeitarias e restaurantes típicos.
Faça um brinde – com chopp, é claro – e comemore conosco esse aniversário.
A revista está linda, e não parou na Alemanha. Passamos por Veneza, pela Guatemala,
fizemos uma paradinha na China (pra falar de acupuntura), sobrevoamos a França (para
investigar como nascem os “chefs de cuisine”) e aterrissamos no Brasil, a tempo de roubar
alguns minutos do grande gaúcho (além de português e alemão) Jorge Fur tado, que
encerra a edição com uma entrevista de qualidade internacional. Boa viagem!
OS EDITORES
alles blau*
Alles gut,
* Tudo bem, tudo azul
80945_nota do editor1.p65 02/09/04, 14:502
Í N D I C E
Cartas
Cesta Básica
Cotidiano
Sabor e o saber
Lugar: Veneza
Viagem: Guatemala
Bem-Viver
Perfil: Jorge Furtado
8
13
22
44
48
66
64
86
Como a batata se transformou
em um dos alimentos mais
importantes do mundo
24
terra
Pãoda
80945_indice.p65 01/09/04, 19:482
ACUPUNTURA: DIRETO AO PONTO 82
ColôniaOS SABORES DA CULINÁRIA ALEMÃ
30
Os novos
gourmets
Crianças e cozinha podem
formar uma combinação
maravilhosa. E divertida!56
80945_indice.p65 01/09/04, 19:483
Correio
DICAS CONFIÁVEIS
Olá, meu nome é Fernanda Sebben, sou ar-
quiteta na cidade de Guaporé-RS. Sempre compro
a revista, e na edição número 27 me deparei com a
belíssima reportagem da Fazenda Cachoeira. Como
estava para sair de férias e iria a Minas, resolvi visi-
tar o local. Gostaria de dizer que a reportagem de
vocês é muito verdadeira, pois a fazenda é tudo o
que vocês falam e muito mais. Parabéns pela repor-
tagem, pelas informações verdadeiras. As dicas que
vocês deram foram ótimas. Isso me faz gostar muito
mais da revista, que ao meu ver já era ótima, mas
agora se mostrou também confiável. Obrigada, tive
umas férias ótimas, e mais uma vez parabéns pela
reportagem e pela seriedade da revista.
FERNANDA SEBBEN
UM BRINDE AO CAFÉ
Oi. Gostamos da reportagem sobre café.
A revista toda é muito boa. Parabéns. Meu nome
é Paulo, sou consultor e minha esposa Marisa é
estilista. Freqüentemente estamos lá no Café do
Porto, na Padre Chagas, curtindo o charme do
lugar e a delícia do bom café. Abraços e muita
saúde, paz e felicidades.
PAULO ROBERTO SCHWAN (CAMPO BOM)
PEIXE FISGADO
Olá. Adoro a revista, principalmente porque
é escrita com o sotaque do sul, e essa reporta-
gem sobre café ficou bem legal. Porém me em-
polguei bastante foi com a pescaria. Esse tipo de
pescaria é feito só em grupos fechados? Se possí-
vel, vocês poderiam me passar o contato da
organizadora? Obrigado.
RICARDO DÖTH
Oi, obrigado pelos elogios. Para informa-ções sobre as expedições de pesca na Ama-zônia, entre em contato com EduardoMacedo, no fone (51) 3028.7627, ok?Boa sorte, abraço!
FAZENDO ESCOLA
Neste final de semana, o Rio ganhou uma nova
publicação, a revista O Globo, que substitui o Jor-
nal da Família, encarte que teve vida longa, cerca
de 32 anos. A nova revista faz parte da edição do-
minical do jornal e será o espaço do leitor para se
informar sobre comportamento, ciência, saúde,
educação, bem-estar, culinária, moda, beleza, de-
coração, entre outros. Sem faltar a coluna do chefJosé Hugo Celidônio, com receitas contemporâ-
neas. A revista também contará com a lucidez da
escritora gaúcha Martha Medeiros.
Ao receber o número zero, que tem um pro-
jeto gráfico simples e ousado, feito pelo editor
de arte do jornal, Léo Tavejnhansky, muito me
fez lembrar vocês. Explico: lembro-me de quan-
do vocês haviam relançado a revista Estilo Zaffari
e, de pronto, ousei prenunciar, sem medo de er-
rar, que, naquele momento, vocês estariam cri-
ando uma nova escola e que, a partir daí, ganha-
riam seguidores mundo afora. Não deu outra!
A revista é a cara de vocês. A comparação é ine-
vitável! A similitude salta aos olhos de qualquer
leitor desavisado. Abraços.
MARCIO MALTA (RIO DE JANEIRO)
Marcio, ficamos honradíssimos com suasafirmações. Quem nos dera servir de ins-piração para o projeto da revista O Globo!Seria realmente um feito e tanto! De qual-quer modo, você nos fez um imenso elogio.Obrigado pela gentileza, por estar sempreacompanhando nosso trabalho e pela suasensibilidade. Um forte abraço.
MAIS DESTAQUE!
Adoro a Estilo, acho uma revista de qualida-
de, com artigos interessantes, muito bem elabora-
da, com ilustrações de primeiríssima e tudo o mais
que se espera de uma revista. Porém, fico um pou-
co decepcionada quando vejo a revista nas lojas
sem um lugar de destaque. Sou uma divulgadora
da Estilo, e todas as pessoas a quem recomendei
gostaram e se tornaram assíduas leitoras. Fica uma
sugestão: dar um local de mais destaque dentro
das lojas, pode ser? Um abraço e sigam em frente.
IARA MIGUEL DE CAMARGO
Iara, a Estilo fica exposta junto aos cai-xas, área considerada das mais nobres den-tro das lojas. É um espaço disputadíssimo!De qualquer modo, sua preocupação nosdeixa contentes, e estamos abertos a suges-tões quanto à forma de exposição da revis-ta, ok? Obrigado e, por favor, continue di-vulgando a Estilo, ok? Um abração!
8 Estilo Zaffari
80945_cartas1.p65 01/09/04, 11:332
MÃO NO CORAÇÃO
Já faz tempo que quero escrever, pois a re-
vista Estilo Zaffari me impressionou muito. Eu po-
nho a mão no coração quando falo dela, com or-
gulho. Meus parabéns a toda a equipe! Os dese-
nhos, as fotos, as receitas, os artigos, as entrevis-
tas. Tudo é perfeito e essa revista deveria ser re-
conhecida mundialmente. Moro em Sydney/Aus-
trália, e como a minha família está aí em Porto eu
recebo a revista através da minha irmã, a Mirna
(que também ama vocês).
Desde que cheguei aqui tive muito contato
com culinária em geral, restaurantes e revistas.
Agora estou escrevendo receitas para uma revis-
ta nova, feita para backpackers (gente que viaja o
mundo de mochila nas costas). Gostaria de man-
dar para vocês uns exemplares de revistas daqui,
só para verem como a revista Estilo Zaffari está
ao par com as melhores revistas de um país de
Primeiro Mundo. Gostaria de enviar também uma
revista de um supermercado daqui, que é muito
boa e pode trazer idéias a vocês!
Desculpem o meu português, mas já estou
há dez anos fora. Mais uma vez meus parabéns
por esse excelente trabalho! Com carinho.
MAIRA (SYDNEY – AUSTRÁLIA)
Puxa, estamos esperando ansiosos poressas publicações aí da Austrália. É sem-pre inspirador conhecer revistas de outrospaíses. E adoramos os elogios! Que mara-vilha receber tanto carinho vindo lá dooutro lado do mundo! Beijos!
EU NA ESTILO!
Desde a edição sobre o Txai eu queria man-
dar este e-mail. Agora não pude deixar de es-
crever, pra repetir que sou leitora de carteirinha
da Estilo, pela originalidade, qualidade, conteú-
do e beleza, do início ao fim. Estava eu no meu
Zaffari Ipiranga em uma tarde congelante de sá-
bado quando vejo a Estilo, novinha em folha, na
prateleira do caixa. Vim correndo pra casa e, pra
acompanhar minha leitura, fiz um café, inspira-
da pela capa. Fui saboreando cada página e cada
gole até que, me deliciando com as fotos lindas,
tão características da revista, me deparo com
quem, sentada em uma mesa na matéria sobre o
Café do Porto? EUZINHA! Que emoção! Eu,
fazendo parte da Estilo! Te mete comigo! Nem
preciso dizer que fiquei mais fã ainda. Mando
beijos pra todos que fazem essa delícia. A edição
de junho veio linda, quente, saborosa e me dei-
xou ligadíssima, como um bom café. Foi um agra-
do na alma e na vaidade. Thanks a lot!
FLÁVIA DENTICE
80945_cartas1.p65 01/09/04, 12:463
Consumo
Ficar inteligente virou moda? Tô meio desconfiada...
O EMPACOTAMENTO DO CÉREBRO
Deve ser porque o mundo nunca esteve tão burro
que ficar inteligente virou moda. Seria uma revanche
contra a ignorância epidêmica da era do telemarketing?
Ou apenas mais um modismo cuja importância não deve
ir além da próxima eleição norte-americana?
Vale a pena observar.
O fato é que os cursinhos de história da arte, antes
restritos a alguns museus e senhoras de meia-idade, se
multiplicaram e ganharam centenas de novos e moder-
nos seguidores.
Outro dia recebi um folheto da recém-inaugurada
Casa do Saber (www.casadosaber.com.br) com a relação
de cursos para o segundo semestre. O repertório de assun-
tos impressiona. O preço também. Por 70 reais, você pode
ouvir a Lygia Fagundes Telles falar durante 2 horas. Se a
verba para incrementar os neurônios for maior (uns 700
reais, 10 aulas), pode-se garantir uma vaga para desven-
dar as Grandes Questões da Humanidade ou estudar
Maquiavel e outros Maquiavélicos ou ter uma Introdução
à Música Erudita do século 20. Chovem interessados.
Hum. Sendo bastante cínica, tô meio desconfiada.
É evidente que cultura e informação nunca fizeram
mal a ninguém, pelo contrário.
Mas não é estranho surgirem tantos neo-eruditos
do dia para a noite?
Todo mundo está fazendo algum tipo de cursinho.
Todo mundo freqüenta café com livraria, acha a FNAC
e a Cultura os melhores lugares para se levar as crianças
no domingo e os shopping centers não param de patroci-
nar encontros de gente que pensa com gente que com-
pra. “Ai, eu preciso ver o Picasso.” Ouvi isso de pessoas
acostumadas a usar o mesmo tom para se referir ao últi-
mo lançamento da Louis Vuitton.
Para usar um jargão comum ao universo da moda,
o significado de estudar Mitologia Grega, por exemplo,
parece estar mais associado a uma idéia de consumo
vintage.
Assim como os vestidos, o pensamento usado, de
outras épocas, antigo, seria o último must em assuntos
de coquetel. Nada mais profundo que isso.
Tô radicalizando? Pode ser.
Mas num momento da História em que se cultua
tanto a fama instantânea e as modas passageiras, acho
que vale a pena manter um certo senso crítico.
Que venham os cursos que prometem conteúdo em
10 aulas.
Mas que se aprimorem também os sentidos intuiti-
vos e a capacidade criativa, sem os quais não existe pos-
sibilidade de se levar uma conversa inteligente e muito
menos de se pensar algo que valha a pena.
Acabo de ler que o Houaiss e o Aurélio dividem o
mercado na guerra dos minidicionários.
Guerra dos minidicionários?
Hum. Mas pode ser que eu esteja enganada.
T E T Ê P A C H E C O
TETÊ PACHECO É PUBLICITÁRIA
12 Estilo Zaffari
80945_consumo1.p65 02/09/04, 10:361
Cesta básica
A Padre Chagas, uma das mais charmosas ruas de Porto
Alegre, ganhou em julho uma nova atração que já está
fazendo o maior sucesso: a pizzaria À Lenha. O restaurante,
bastante conhecido pelos freqüentadores da praia de
Atlântida, abriu as portas de sua primeira franquia na
capital gaúcha, sob o comando de Gustavo Piccinini.
O menu é totalmente diferenciado, combinando sabores
populares e receitas mais requintadas, além de temperos
frescos, ingredientes de primeira qualidade e uma deliciosa
massa caseira. Cada detalhe da confecção das pizzas pode ser
apreciado pelos clientes, pois o forno à lenha, localizado no
andar inferior da casa, fica à vista de todos. Entre as
novidades do cardápio está a irresistível pizza Padre Chagas,
elaborada com presunto de Parma, e a Pio Gelatto, feita com
sorvete de creme, doce de leite, maçã e canela. Outro
diferencial da casa está em seus ambientes acolhedores e
confortáveis, decorados com cores fortes. Nesse astral
“caliente”, qualquer opção será um convite ao deleite e aos
prazeres da boa mesa.
FERNANDA DOERING, JORNALISTA
Pizzas com estilo
NESTA SEÇÃO VOCÊ ENCONTRA DICAS
E SUGESTÕES PARA CURTIR
O DIA-A-DIA E SE DIVERTIR DE VERDADE:
MÚSICA, CINEMA, LUGARES, COMIDINHAS,
OBJETOS ESPECIAIS, PASSEIOS,
COMPRAS. BOM PROVEITO
FOTOS: CRISTIANO SANT’ANNA
80945_cestabasica3.p65 02/09/04, 08:021
Cesta básica
Com cara de “casa da vovó”, a loja-atelier Composé
está localizada na Bordini, 841, quase esquina com a
Eudoro Berlink. Cursos de patchwork, de bonecas de
pano e de pedrarias movimentam o segundo andar,
enquanto que, no térreo, estão à venda materiais para
a confecção dos artesanatos e também trabalhos já
prontos. Aquelas colchas de retalhos que só se vêem em
revista de decoração americana são um exemplo do que
é possível aprender a fazer lá mesmo. A linha de
bonecas inclui figuras decorativas de parede, pesos de
porta e móbiles. As proprietárias, Ângela Leão Tosca
e Cristina Pilla do Valle, costumam fazer viagens de
atualização, trazendo novidades em estampas, técnicas
e acessórios para acabamentos. Quem gostaria de
aprender mas não se acha habilitado, vai descobrir lá
que existem muitos recursos modernos de modelagem
e montagem, capazes de revelar talentos. Para aqueles
que amam o patchwork e que ainda assim acham mais
seguro ficar longe de tesouras e agulhas, a loja oferece
mil sugestões de decoração e presentes. Fone: 333.3666
RUZA AMON, JORNALISTA
Mundo encantado
Mergulhando novamente nas peculiaridades dalinguagem dos gaúchos, o escritor Luís AugustoFischer lançará, em parceria com o professor IuriAbreu, o livro “Gauderiadas – a sabedoria gaúchaem frases definitivas”. Trata-se de uma reunião dediversas frases comparativas, características dasabedoria popular gauchesca, como a utilizada notítulo desta nota. Mais alguns exemplos: “faceirocomo gordo de camiseta”, “mais lustroso quetelefone de açougueiro”, “forte como sapato depadre”. As frases foram reunidas, divididas portemas e comentadas pelos autores em um textoleve e muito bem-humorado. Foram utilizadoscomo fonte de pesquisa diversos clássicos daliteratura gaúcha, como “O Analista de Bagé”,de Luis Fernando Verissimo, “Rapa de Tacho”,de Apparicio Silva Rillo, “Contos Gauchescose Lendas do Sul”, de Simões Lopes Neto,e “O Tempo e o Vento”, de Erico Verissimo, entreoutros. O lançamento está previsto para setembro.CAMILA KIELING, JORNALISTA
UM LIVRO BOM
COMO BEIJO DE PRIMA
FOTO: FLÁVIA DE QUADROS
O ESCRITOR LUÍS AUGUSTO FISCHER
80945_cestabasica3.p65 01/09/04, 20:523
Cesta básica
Quem quiser se profissionalizar no preparo de pratos
típicos da Itália agora tem uma excelente opção.
A primeira escola do mundo a ensinar gastronomia
exclusivamente italiana fora do país europeu está bem
pertinho de nós, na Serra gaúcha. O estabelecimento
foi inaugurado no dia 10 de agosto, em Flores da
Cunha, em uma parceria entre a Universidade de
Caxias do Sul e o Italian Culinary Institute for
Foreigners (ICIF). A data é dedicada a São Lourenço,
santo dos cozinheiros e também padroeiro da escola.
Além de oferecer especialização em massas e risotos,
os cursos dispõem de uma sala especial para a
degustação de vinhos nobres. As opções serão várias:
Master em Gastronomia, formação de chef de cozinha
e diversos cursos temáticos de curta duração, abertos
ao público em geral. A escola oferece uma infra-
estrutura completa aos alunos: laboratórios de
panificação, confeitaria, sorvetes, massas frescas e
cozinhas fria e industrial, além de um anfiteatro, para
aulas de demonstração. Tudo isso com o objetivo de
criar um verdadeiro centro de referência de alta
gastronomia italiana na América Latina.
RAFAEL BECK, JORNALISTA
Escola de
Gastronomia
DESIGN GAÚCHO
E CONTEMPORÂNEO
Eduardo Machado é gaúcho, natural de Pelotas.Formado em arquitetura, há cinco anos optou pordedicar-se à área de design. Hoje, ele tem um atelier eshowroom em Porto Alegre, onde cria os mais variadosobjetos – cerca de 80 tipos de peças – utilizandoalumínio fundido. São duas linhas de produtos: aCollezione Reciclado e a Brasil Ofício. A primeirainclui objetos de decoração para casa, como travessas,vasos e suporte para velas; já a série Brasil Ofícioapresenta produtos para escritórios, elaborados commetatrilato: porta-canetas, suporte para cartões, porta-correspondência. O showroom fica na rua JardimCristoffel, 205, bairro Moinhos de Vento.F.D., JORNALISTA
80945_cestabasica3.p65 31/08/04, 23:002
Cesta básica
Quem gosta de combinar a tranqüilidade encontra-
da em uma cidade do interior com a adrenalina
proporcionada pelos esportes radicais já tem
endereço certo. Hospedar-se na Pousada De Rossi
pode ser uma verdadeira aventura. Apesar do
ambiente bastante familiar e das programações
caseiras, o lugar oferece diversas opções de lazer,
incluindo uma inesquecível trilha ecológica de jipe.
O passeio é pura descontração. Além de se reviver a
trajetória dos colonizadores do município de
Antônio Prado, é possível apreciar uma das mais
deslumbrantes paisagens da serra gaúcha, com
direito a um almoço típico no Belvedere Valente,
apreciando a magnífica vista do Rio das Antas. Mas
o grande destaque é, sem dúvida, a emoção propor-
cionada pelas trilhas feitas nas estradas da região.
O município é conhecido por sediar,
freqüentemente, raids de jipe pelos lamacentos
caminhos, muitos deles intransitáveis com veículos
convencionais. Por isso, é importante preparar o
espírito e usar roupas confortáveis. A diversão e a
poeira são garantidas. O telefone da Pousada De
Rossi é (54) 293-1771.
FERNANDA DOERING, JORNALISTA
GUATEMALA:
COM MUCHO GUSTO
A colorida e vibrante Guatemala, que
enfeita 16 páginas desta edição da Estilo Zaffari,
pode ser vista também na mostra fotográfica
“Com Mucho Gusto, Guatemala” de Cris Berger.
A partir de 9 de setembro, visite o Pub Barbazul
(rua Itaqui, 57, Porto Alegre) e confira de perto
os encantos da civilização maia. Palmas à Copa
Airlines, Instituto Guatemalteco de Turismo,
Process Laboratório Fotográfico, Gráfica
Impresul, Autêntica Visual, Overtech Computer
Solution e ao designer João de Lucena, que
viabilizaram este projeto.
CRIS BERGER, REPÓRTER E FOTÓGRAFA
Emoção e
adrenalina
80945_cestabasica3.p65 31/08/04, 23:014
Cotidiano
Os intervalos também têm sua função
DOLCE FAR NIENTE
Uma amiga voltou de férias dias atrás. Não viajou para
nenhum lugar longínquo e extraordinário, simplesmente passou
três semanas na sua casa na serra, longe de tudo e de todos.
Quando nos encontramos, falei que ela parecia dez anos mais
moça – esses dias devem ter sido realmente serenos. Ela confir-
mou. Disse que fazer nada era tudo de que ela precisava. Mas
que sentia uma culpa vulcânica.
Culpa, imagina. Ela se sentia culpada por ter dado este
tempo a si mesma, por ter se conectado com as coisas que real-
mente importam nesta vida. Quem disse que isso é fazer nada?
No último verão, passei um tempo quase indecente de
férias, fora da cidade, sem trabalhar. Tirei uma infinidade de dias
para fazer o que se costuma chamar de nada. Mas só eu sei
quanta coisa eu fiz.
Nesse longo período de ostracismo, dei uma adiantada num
tapete que eu andava bordando. Caminhei, somando todos os
dias, uns 200 quilômetros. Li Pedro Juan Gutierrez, Amós Oz,
Nelson Rodrigues. E, de Caras a Bravo, tracei todas as revistas
disponíveis nas bancas. Tirei sestas. Escrevi uns poemas. E desfru-
tei ao máximo da companhia das minhas filhas. E o mais grave:
sem um pinguinho desta tal culpa vulcânica.
É uma rotina peculiar se comparada com a que a gente
enfrenta no dia-a-dia, com horários, trânsito, reuniões, compro-
missos e encrencas. Acho bem tentadora esta agitação urbana, o
telefone tocando e trazendo ora problemas, ora soluções. A gente
até sente falta quando se afasta, pois é no olho do furacão que
temos a sensação de existir. Férias são como uma não existência,
um intervalo da vida.
Só que, contrariando as expectativas, os intervalos têm sua
função. Enquanto eu fazia nada vezes nada nas minhas últimas
férias, passei horas intermináveis pensando sobre família, amor,
amizade, saúde, ultrapassando a pieguice dessas palavras e indo
fundo em busca do que elas representam de verdade. Pensei
muito também no que significa sentir-se em casa, e descobri que
sentir-se em casa é deixar os outros em paz e ficar em paz consigo
mesmo: uma sensação quase uterina.
Enquanto eu não fazia nada, me lembrei de um monte de
gente de que eu gosto, e de como também vale gostar de longe,
gostar através da memória e da saudade.
Fiz alguns planos enquanto não fazia nada, e você sabe:
resolver fazer alguma coisa às vezes dá mais prazer do que fazê-la
realmente. Só de resolver fazer, já me sentia realizada.
Como não estava fazendo nada mesmo, aproveitei para
fazer menos ainda: não me sentia na obrigação de ir para a beira
da praia só porque tinha sol, não me sentia na obrigação de escre-
ver só porque tinha um laptop à mão. Não me sentia nem mesmo
na obrigação de evitar coisas que desprezo: via o Big Brother
quase todos os dias. Devo, não nego, pago quando puder.
Isso tudo é passado. Hoje estou imersa nesta roda-viva, na
ciranda incessante de obrigações. Faço parte da turma dos que
são produtivos e estão sempre atrasados para alguma coisa. Tudo
bem, é o meu hábitat natural, me adapto bem ao caos. Mas sinto
falta daqueles dias em que eu não fazia nada, nadinha, e me
pareciam igualmente intensos.
M A R T H A M E D E I R O S
MARTHA MEDEIROS É ESCRITORA
22 Estilo Zaffari
80945_cotidiano1.p65 01/09/04, 16:2312
P O R B E A T R I Z G U I M A R Ã E S
F O T O S L E T Í C I A R E M I Ã O
terrada
80945_alimento batata1.p65 31/08/04, 22:513
As origens
A batata – um tubérculo originário do Peru – foi des-
coberta pelos espanhóis por volta de 1536, embora já fos-
se conhecida há muitos anos pelos incas, que a utilizavam
não só como alimento, mas também como planta medici-
nal e nos seus rituais religiosos. Foi enviada em seguida
para a Europa, mas a sua popularização só ocorreu muito
mais tarde. Havia um certo preconceito com relação à ba-
tata, pois era considerada por alguns como venenosa, cau-
sadora de lepra, e por outros, apenas uma ração própria
para os animais, especialmente para os porcos.
Ainda no século 16, é possível que a batata tenha
sido levada à Europa pelos ingleses, que a utilizavam como
planta ornamental. A novidade vinda da América do Sul
acabou se tornando um alimento mais popular somente
por volta dos séculos 17 e 18, e foi fundamental para evitar
a fome em muitos dos países europeus, como Irlanda, In-
glaterra, Holanda, Alemanha e tantos outros, contribuin-
do, inclusive, para o aumento demográfico naquele conti-
nente.
Frederico, o Grande, rei da Prússia, chegou a obrigar
seus súditos a plantar e a comer batatas, como forma de
evitar a fome. Ela era chamada de “o pão dos pobres”, pois
muitas vezes substituiu outros alimentos, inclusive o pão.
Parmentier
Mas um agente decisivo para a popularização da ba-
tata na França – e na Europa como um todo – foi o agrô-
nomo e farmacêutico francês Antoine Augustin Parmentier
(1737-1813), que depois de viver numa prisão na Prússia –
onde eram servidas batatas aos prisioneiros – acabou por
interessar-se pelo tubérculo, desenvolveu estudos e tornou-
se um verdadeiro entusiasta do seu consumo.
Num jantar em sua casa, Parmentier serviu uma va-
riedade de pratos feitos com batatas. Dentre os convidados
havia pessoas da maior importância e influência, como Ben-
jamin Franklin, cientista e empreendedor americano, que
estava na França para entendimentos com o Rei Luís XVI;
Lavoisier, o fundador da química moderna; o filósofo e ma-
temático d’Alambert e o aristocrata sueco Axel de Fersen,
amante da Rainha Maria Antonieta.
Com isso, Parmentier conseguiu introduzir definiti-
vamente a novidade na corte, e depois ocorreu a difusão
por toda a França. Atualmente, há inúmeros pratos que
levam o seu nome, como homenagem ao grande
incentivador do consumo da batata na dieta alimentar eu-
ropéia.
Batata inglesa ou irlandesa?
Ao final do século 18, a Irlanda dependia quase que
unicamente da batata como alimento base de sua dieta.
Calcula-se que cada irlandês comia, em média, 10 batatas
por dia. O cultivo da batata na Irlanda cresceu rapidamen-
te, pois não atendia apenas o consumo humano – servia de
ração também aos animais de criação, que produziam ovos,
leite e derivados.
Em 1840, e por três safras seguidas, a plantação de
batatas da Irlanda foi dizimada por uma terrível praga.
O FRANCÊS PARMENTIER FOI O GRANDE DIVULGADOR
DA BATATA EM TERRITÓRIO EUROPEU, NO SÉCULO 18
Estilo Zaffari 27
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A destruição das plantações teve um impacto imediato,
matando 1 milhão de irlandeses de fome e fazendo com
que quase 2 milhões deles emigrassem para os Estados Uni-
dos. Nessa mudança, também levaram para o novo país a
paixão pelas batatas.
São os imigrantes irlandeses os principais
incentivadores do consumo de batata nos Estados Unidos.
Ela continuou seguindo sua trajetória de alimento subs-
tancial e indispensável. Seu uso se expandiu não só pela
Europa, alcançou outros continentes, tornando-se um ali-
mento básico tanto para populações pobres, como para os
mais exigentes, já que a batata pode ser utilizada numa
infinidade de pratos e receitas.
Um jantar com Picasso
Numa passagem de Memórias de uma Moça Bem Com-
portada, Simone de Beauvoir relata a sua alegria ao saber
que Picasso viria jantar em sua casa. Eram tempos difíceis,
em plena Segunda Guerra, e a escassez de alimentos na
Europa – e especialmente na França – era extrema.
A maioria da população vivia de migalhas, e muitos passa-
ram fome e necessidades. Simone, então, recorre ao mer-
cado paralelo e paga uma pequena fortuna por uma bata-
ta. Iria cozinhá-la à noite. Para receber Picasso, sopa de
batata. Apenas água e uma batata. Era um banquete.
Van Gogh
Um dos quadros mais famosos do grande pintor ho-
landês Van Gogh chama-se “Os comedores de batatas”,
pintado em 1885. Nessa fase, ele queria reproduzir a vida
simples dos camponeses, mostrando que as mesmas mãos
que comiam aquele alimento também o plantavam e cava-
vam a terra para colhê-lo.
A Holanda é uma das maiores consumidoras e pro-
dutoras de sementes de batata do mundo. Um de seus pra-
tos mais típicos é o arenque com cenouras e batatas, que
eles comem uma vez ao ano, pelo menos, para celebrar
uma data nacional.
Ao vencedor, as batatas
Em Quincas Borba, Machado de Assis ironiza a natu-
reza humana como sendo mesquinha, destrutiva e impla-
cável para com seus semelhantes. Abaixo, transcrevemos
um dos pensamentos do personagem Quincas Borba, cuja
última frase ficou mais conhecida que a própria obra:
“Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas.
As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos,
que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à
outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as
duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não che-
gam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz,
nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das
tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da
vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os
demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais
demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que
o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajo-
so, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza
uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou com-
paixão; ao vencedor, as batatas”.
A CÉLEBRE FRASE DE QUINCAS BORBA: “AO VENCIDO,
ÓDIO OU COMPAIXÃO; AO VENCEDOR, AS BATATAS”.
28 Estilo Zaffari
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A BATATA É UM ALIMENTO RICO EM CARBOIDRATO, SAIS MINERAIS E
VITAMINAS, É NUTRITIVA E AJUDA O CORPO A MANTER CALOR. SEU PRE-
PARO É FÁCIL E ELA PODE SER UTILIZADA DE DIVERSAS FORMAS, EM
SOPAS, ASSADOS, FRITURAS, ETC., E ATÉ SE PODE OBTER ÁLCOOL DE
SUA FERMENTAÇÃO.
A BATATA É O 4º
ALIMENTO MAIS CONSUMIDO NO MUNDO, FICANDO
ATRÁS APENAS DO TRIGO, DO ARROZ E DO MILHO. SEU CONSUMO NO
BRASIL É CONSIDERADO BAIXO EM RELAÇÃO A OUTROS PAÍSES: DE
12 A 13 KG POR PESSOA AO ANO, ENQUANTO QUE A MÉDIA MUNDIAL
CHEGA A 60 KG. A PRODUTIVIDADE DE BATATAS NO BRASIL AINDA É
PEQUENA, DE APENAS 15 TONELADAS POR HECTARE, ENQUANTO QUE
NA EUROPA CHEGA A 40 TONELADAS E NA ARGENTINA FICA ENTRE 20
E 30 TONELADAS.
ACONSELHA-SE COZINHAR AS BATATAS COM CASCA, PARA NÃO PER-
DEREM AS PROPRIEDADES DURANTE O SEU PREPARO. AS BATATAS
ESVERDEADAS E BROTANDO NÃO DEVEM SER CONSUMIDAS, POIS PO-
DEM CAUSAR INTOXICAÇÕES, CÓLICAS, GASTRITES, ETC.
TAMBÉM SE PODE USAR A BATATA CRUA PARA DORES DE ESTÔMAGO
E PROBLEMAS INTESTINAIS. SUCO DE BATATA CRUA, TOMADO EVENTUAL-
MENTE, PODE COMBATER ÚLCERAS DE ESTÔMAGO, DUODENO E INTESTI-
NOS. A BATATA CRUA RALADA, APLICADA NO LOCAL, PODE COMBATER
INFECÇÕES, PICADAS DE INSETOS E IRRITAÇÕES DA PELE.
PROPRIEDADES DA BATATA
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Os primeiros grupos de alemães chegaram ao Rio Gran-
de do Sul por volta de 1824 e se instalaram na região que
hoje é conhecida por São Leopoldo. Nos primeiros 50 anos
vieram em torno de 30 mil alemães, provenientes das mais
diversas cidades e regiões, como Holstein, Hamburgo,
Mecklemburgo, Hannover, Pomerânia, Palatinado, Westfalia,
Wurtemberger, Boêmia, Renânia, Prússia e Saxônia. Aos
poucos, foram se espalhando pelo Rio Grande.
Na sua maioria, agricultores, mas muitos eram arte-
sãos livres, que não encontravam condições melhores de
vida e de trabalho em suas terras. Entre vários sobreno-
mes, alguns revelavam a profissão. Os Schmidt eram os
ferreiros; os Müller, moleiros; os Schumacher, sapateiros;
os Zimmerman, carpinteiros, originários de uma longa
tradição de artesãos na Europa, desde a Idade Média.
As guerras napoleônicas haviam deixado marcas de
destruição por todo o lado. A propriedade da terra era cada
vez mais difícil na Europa, e as promessas do império brasi-
leiro eram muitas: 50 hectares de terra, vacas, isenção de
impostos, liberdade religiosa, entre tantos outros atrativos.
O governo brasileiro tinha intenção de povoar o Rio
Grande por uma questão estratégica de assegurar a posse
de um território distante, despovoado e ameaçado pelas
constantes invasões dos castelhanos. A economia do sul
era quase que exclusivamente a pecuária – dominada pe-
los portugueses – , fundamental para fornecer gado para o
centro do país. A vinda dos alemães, portanto, poderia
atender a esses interesses.
Para os alemães, que tinham muito pouco a perder, já
que a Europa vivia transformações drásticas que excluíam
populações inteiras, o Brasil era a visão do paraíso: sol,
terras, liberdade e abundância.
Cerveja e chimarrão
Mas o paraíso era o paraíso, e o Brasil, um diamante
bruto, belo e selvagem. Os problemas eram infindáveis e,
para os imigrantes, desconhecidos. Não existiam estradas,
por isso os alemães tiveram que recorrer à navegação flu-
vial – e se tornaram exímios nisso. Populações imensas de
índios desagregados e em decadência, devido à invasão
OS ALEMÃES E O
RIO GRANDE DO SUL:
VIDAS ENTRELAÇADAS,
RIQUEZA CULTURAL
P O R B E A T R I Z G U I M A R Ã E S I L U S T R A Ç Õ E S N I K
Estilo Zaffari 31
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branca, atacavam e saqueavam os vilarejos, em busca de
comida e de defesa do território. Aqui o clima era muito
diferente, quente e úmido, também existiam os bichos, ani-
mais selvagens que destruíam as plantações, ameaçavam
pessoas, havia o abandono do governo, falta de ferramen-
tas e de suporte para a agricultura, problemas de comuni-
cação. Tinha-se a mata desconhecida e assustadora, fonte
de medo e fascínio, que foi sendo domada pouco a pouco,
condição inevitável com a chegada do europeu. Tudo ti-
nha que ser feito do nada: do chão batido e da madeira
bruta se ergueram as casas, a escola, a igreja, e dali a lavou-
ra e a criação. E depois vieram as pequenas indústrias, as
chamadas “de fundo de quintal”.
A vinda dos alemães, ao longo do século 19, trouxe
uma nova configuração cultural para o Rio Grande e foi
responsável por uma identidade que nos diferencia do resto
do país até hoje. Assim, numa combinação quase impossí-
vel, a cultura germânica se enlaça com a portuguesa, mais
bugra que lusitana, para construir aqui o seu próprio paraíso.
Alargando a roda de chimarrão, trouxeram a cerveja, a mú-
sica e a alegria. Vieram também contar seus “causos” e dei-
xaram para sempre sua marca em terras meridionais.
Alemão batata
“Alemão batata, come queijo com barata...” – ecoa o
dito popular e preconceituoso na memória coletiva dos des-
cendentes de alemães que aqui viviam. Uns chegaram mais
cedo, outros mais tarde, mas a verdade é que o Brasil é um
país feito de imigrantes, que por uma razão ou outra deixa-
ram seus países e vieram arriscar a sorte num lugar distan-
te. São portugueses, espanhóis, italianos, árabes, polone-
ses e tantos outros que tiveram o mesmo começo pobre e
árduo, falando errado, usando tamancos, trabalhando muito
numa terra fértil que nos permitiu chegar aos tempos mais
confortáveis de hoje.
Pois o alemão batata virou filósofo, arquiteto, músico,
escritor, empresário, esportista, líder político, cientista...
Quando se fala na contribuição dos alemães no sul
do Brasil, pensamos logo na eficiente indústria criada aqui,
que vai desde a alimentícia até uma siderúrgica como a
Gerdau, que é uma referência internacional, além da in-
dústria do vestuário, couro, calçados, de peças e equipa-
mentos diversos, e tantas outras. Mas a grande contribui-
ção dos alemães é muito mais abrangente e profunda do
que podemos pensar inicialmente.
Arte e cultura
O Rio Grande do Sul, graças à influência alemã, in-
centivou o surgimento de filósofos, e dentre estes pode-se
destacar Gerd Borheim, que também foi um dos maiores
críticos de teatro no Brasil – dirigiu Esperando Godot, com
a saudosa Lilian Lemmertz, – e Paulo José, nos finais dos
anos 50, no Centro de Arte Dramática da UFRGS. Temos
escritores como Lya Luft, que nos seus primeiros romances
traz a atmosfera tensa vivida numa família tipicamente ale-
mã, porém com uma temática universal.
Temos uma tradição na música – não só instrumen-
tal, mas os corais, tão populares em todo o Estado, e que
são bastante típicos daqui. Nas artes, de um modo geral, a
contribuição dos alemães e de seus descendentes tem sido
vastíssima.
O auge da arquitetura no Rio Grande foi nos anos 20
e 301
, justamente quando está entre nós o grande arquite-
to alemão Theo Wiedersphan, nascido em Dresden, che-
Sabor
A VINDA DOS ALEMÃES TROUXE UMA NOVA CONFIGURAÇÃO
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gando aqui em 1908. Wiedersphan revoluciona a arquite-
tura gaúcha – ainda com uma forte influência lusitana –
criando a Escola de Ofícios, em 1914, cujo programa man-
tinha semelhanças com a da Bauhauss alemã, fundada mais
tarde em Weimar.
Esporte e beleza
Theo Wiedersphan, por meio da empresa Rudolf
Ahrons, será o responsável pela criação dos mais belos pré-
dios em Porto Alegre, como a Delegacia Fiscal, hoje sede do
Margs, Correios e Telégrafos, hoje Memorial do RS. Além
disso, criou o prédio do Tumelero, o dos Moinhos Chaves
Barcelos, na Voluntários da Pátria, do Edifício Bier Ulmann,
do Santander Cultural, antigo Banco do Comércio, a sede
do Clube Sogipa, a Cervejaria Bopp, depois Brahma, hoje
Shopping Total, entre inúmeros outros. Um dos seus pré-
dios mais conhecidos é o do Hotel Majestic, que atualmen-
te abriga o Centro de Cultura Mario Quintana.
Com a chegada da Segunda Guerra Mundial houve,
também no Brasil, uma animosidade intensa contra os ale-
mães. Wiedersphan também foi discriminado, seu traba-
lho passou a ser desconsiderado, assim como tudo que re-
fletisse a Alemanha.
Os alemães foram pioneiros em introduzir a prática
esportiva por aqui. Foram eles os primeiros a criar os clu-
bes de regatas, de ginástica, times de futebol, tênis, bolão e
tantos outros. Dessa forma introduziram o saudável hábito
dos exercícios físicos e da competição esportiva.
Da comunidade alemã surgiu um dos poucos presi-
dentes da República originários das camadas pobres. Ape-
sar de não ter sido eleito democraticamente, e de ter exer-
cido o poder durante a ditadura militar, Ernesto Geisel,
natural de Estrela, foi muito pobre, mas um aluno aplica-
do e brilhante, e exerceu o mais alto cargo público do
país com um projeto de desenvolvimento que não conse-
guiu ser igualado depois dele.
No começo da década de 70, quando ninguém no
Brasil se preocupava com isso, José Lutzemberguer come-
ça a falar em proteção ambiental, incentivando a criação
de organizações ambientalistas, fazendo do Rio Grande do
Sul um dos estados mais atuantes nessa área. Durante toda
a sua vida difundiu a prática ambientalista no Brasil. Coe-
rente e íntegro, foi enterrado, no seu rincão, apenas com
um lençol cobrindo seu corpo.
Por causa dos alemães, também as nossas páscoas e
os nossos natais são diferentes dos do resto do Brasil.
Quem criaria tantas delicadezas como os ninhos de Pás-
coa, os ovos pintados à mão – e os enfeites natalinos, os
cartões-calendário que são feitos na época do Natal, além
das canções, os corais? E os biscoitos de mel, então? E as
schmiers? As schmiers só existem por aqui. São a grande
invenção da doçaria gaúcha, criada pelos nossos colonos
alemães.
E finalmente, para brilhar em mais uma área que ain-
da não tinha sido explorada, a beleza e a graça de Gisele
Bündchen impressionam e encantam o mundo todo. Ela
não é apenas bonita, tem personalidade forte, determina-
da, e sem dúvida é bastante madura para a sua idade. Em-
bora de origem alemã, dos quatro costados, Gisele tem uma
espontaneidade bem brasileira, tem a franqueza dos gaú-
chos, e pode-se dizer que ela é a melhor representação da
presença dos alemães no Brasil.
1 Ver Günter Weimer, Arquitetura da Imigração Alemã no RS, Ed. da UFRGS, 1983
CULTURAL, UMA IDENTIDADE PARA O RIO GRANDE DO SUL
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Sabor
Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:
Passe azeite e sal em volta dos cortes de pato. Leve-os a uma
grelha bem quente e deixe por 5 a 8 minutos aproximada-
mente de cada lado. Enquanto isso, corte as maçãs em oito
fatias, mantendo as cascas. Coloque as maçãs em água com
suco de limão, para evitar que fiquem escuras. Aqueça a frigi-
deira e coloque a manteiga. Retire as maçãs da água, seque-as
e ponha na frigideira. Deixe dourar, ponha o açúcar, a canela
e depois de alguns minutos acrescente o vinho. Mexa as ma-
çãs até reduzir o vinho. Retire os filés da grelha, corte-os em
fatias diagonais e sirva junto com as maçãs. A carne do pato
deve estar rosada para que não fique muito seca.
Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:
Amarre bem o tatu com um barbante ao longo da peça.
Numa panela grande, ponha o azeite e deixe o tatu fritar
em todos os lados. Acrescente o bacon, e depois a cebola.
Deixe dourar e acrescente os temperos e a cerveja. Abai-
xe o fogo, tampe a panela e deixe cozinhar lentamente.
Adicione água quente, caso precise. Mais ao final, ponha
os tomates e o sal. Deixe cozinhar bem até a carne ficar
macia. Corte em fatias finas, e sirva com purê de batatas.
1 PATO LIMPO E CORTADO EM COXAS,
SOBRECOXAS E PEITOS (DESOSSADOS)
AZEITE / SAL / 4 MAÇÃS VERDES
1 COLHER (SOPA) DE MANTEIGA
2 COLHERES (SOPA) DE AÇÚCAR
100 ML DE VINHO BRANCO
CANELA EM PAU
PATO GRELHADO
COM MAÇÃS NO VINHO
1 TATU, OU MÚSCULO
1 CEBOLA
TOMILHO FRESCO
1 FOLHA DE LOURO
100 G DE BACON PICADO
AZEITE
300 ML DE CERVEJA PRETA DOCE
2 TOMATES SEM SEMENTES, PICADOS
CARNE DE PANELA NA CERVEJA
PRETA E PURÊ DE BATATAS
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Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:
Misture a manteiga com um pouco de mostarda e passe
nas fatias de pão. Monte os sanduíches com as fatias do
lombo e corte em 4 partes. Acrescente o pepino fatiado,
tomate e ovos de codorna cortados ao meio. Numa frigi-
deira aqueça o azeite, doure bem a cebola, adicione sal, os
grãos de zimbro machucados e, por fim, coloque a cerveja
aos poucos até reduzir o molho. Corrija o tempero e colo-
que um pouco sobre cada sanduíche. Sirva em seguida.
SANDUÍCHE ALEMÃO
1 PÃO PRETO EM FATIAS
1 LOMBO DE PORCO FATIADO
PEPINOS EM CONSERVA
FATIAS DE TOMATE FRESCO
OVOS DE CODORNA COZIDOS
1 CEBOLA PICADA
1 COPO DE CERVEJA PRETA DOCE
3 GRÃOS DE ZIMBRO
1 COLHER DE AZEITE
SAL
MANTEIGA
MOSTARDA FORTE
APFELSTRUDEL
MASSA
250 G DE FARINHA DE TRIGO PENEIRADA
1 PITADA DE SAL / 1 OVO BATIDO
174 ML DE ÁGUA MORNA (MENOS DE 1 XÍCARA)
65 G DE MANTEIGA DERRETIDA
RECHEIO
70 G DE FARINHA DE ROSCA CASEIRA
1 KG DE MAÇÃS, SEM CASCA E FATIADAS
SUCO DE LIMÃO, SOBRE AS MAÇÃS
100 G DE AÇÚCAR / 100 G DE PASSAS DE UVA
50 G DE NOZES PICADAS / CANELA EM PÓ
1 COLHER DE AÇÚCAR CONFEITEIRO PARA COBRIR
Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:
Faça um círculo com a farinha e ponha o sal, o ovo e a água no
meio, misturando tudo com cuidado até formar uma massa lisa.
Divida em duas partes, e deixe a massa repousar, coberta, por
30 minutos. Com o rolo, abra bem a massa sobre uma toalha de
algodão para que fique bem fina. Pincele a massa com mantei-
ga, ponha a farinha de rosca, as maçãs, as passas, o açúcar, as
nozes e a canela em pó. Enrole o strüdel pincelando-o com o
restante da manteiga. Leve-o a uma forma untada e asse em
forno pré-aquecido a 200º
C por cerca de 50 minutos ou até
ficar dourado. Antes de ficar pronto, pincele mais uma vez com
manteiga e ponha o açúcar confeiteiro por cima. Obs.: rende
dois apfelstrudels.
Estilo Zaffari 37
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Sabor
4 CHULETAS DE PORCO
1 COPO DE VINHO BRANCO SECO
SAL
AZEITE
1 COLHER DE FARINHA DE TRIGO
2 CEBOLAS CORTADAS EM RODELAS FINAS
1 PITADA DE AÇÚCAR
Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:
Tempere as chuletas com sal e polvilhe um pouco de fari-
nha de trigo sobre elas. Aqueça uma frigideira com azeite
e frite a carne por uns 5 minutos de cada lado até dourar.
Retire da frigideira e reserve. Enquanto isso, na mesma
frigideira ponha a cebola, o sal e deixe dourar bem. Acres-
cente o açúcar para dar brilho. Adicione o vinho aos pou-
cos e deixe reduzir bem. Sirva sobre as costeletas junto
com o repolho roxo.
CHULETAS DE PORCO COM REPOLHO
ROXO E CEBOLAS DOURADAS
500 G DE ESCALOPES DE VITELA OU FILÉ MIGNON
1 LIMÃO / 100 G DE FARINHA DE TRIGO
SAL / PÁPRICA / 2 COLHERES DE MANTEIGA
½ COPO DE VINHO BRANCO SECO
200 G DE COGUMELOS FRESCOS (CORTADOS
EM FATIAS NÃO MUITO FINAS)
1 CEBOLA PICADA / NOZ-MOSCADA
100 ML DE NATA FRESCA
Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:
Deixe os escalopes no suco de limão por 30 minutos. Se-
que-os em papel-toalha e passe na farinha, sal e páprica.
Numa frigideira frite os escalopes por 3 a 4 minutos de cada
lado, acrescentando, então, o vinho. Depois de ferver, deixe
os escalopes por mais 2 minutos e retire da frigideira, man-
tendo-os aquecidos. Adicione mais manteiga na mesma fri-
gideira e ponha a cebola, deixando-a dourar, e depois os co-
gumelos. Deixe por uns 5 minutos e adicione, então, a nata.
Corrija o sal, e sem deixar ferver misture bem o molho e
ponha sobre os escalopes. Sirva em seguida.
RAHMSCHNITZEL
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FILÉ COM NATAS E PIMENTA ROSA
4 FILÉS – 600 G DE CARNE BOVINA
1 COLHER (SOPA) DE ÓLEO
3 COLHERES (SOPA) DE CONHAQUE
200 ML DE CALDO DE CARNE
100 G DE NATA FRESCA / SAL
2 COLHERES (SOPA) DE MANTEIGA
1 COLHER (SOPA) DE PIMENTA ROSA
CEBOLINHA FRANCESA (CIBOULETTE)
MASSA CASEIRA – SPAETZLE
450 G DE FARINHA PENEIRADA
4 OVOS BATIDOS
SAL
NOZ-MOSCADA
1 COLHER DE NATA, OU KIRSCHMIER
RASPA DE LIMÃO
Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:
Tempere e frite os filés, retire da frigideira e mantenha-
os aquecidos. Na mesma frigideira, adicione o conhaque
e reduza. Depois, coloque o caldo de carne e reduza até a
metade. Depois de reduzir o caldo, acrescente a nata mis-
turando bem, até atingir a consistência desejada. Ponha
por fim a manteiga, a cebolinha e o sal. Cubra os filés
com esse molho e acrescente a pimenta rosa por cima.
Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:
Faça um círculo com a farinha e misture todos os outros
ingredientes – menos a raspa de limão – aos poucos, até
formar uma massa homogênea. Ponha água numa panela
e leve ao fogo. Depois que ferver, acrescente o sal. Divida
a massa em três ou quatro partes. Com os dedos, forme
pequenos bocados de massa (como nhoques amassados)
e jogue na panela de água fervendo. Quando subirem à
superfície, retire com uma escumadeira e coloque num
recipiente com manteiga. Repita a operação até o fim e
finalize com raspa de limão. Geralmente o Spaetzel é ser-
vido como acompanhamento para carnes, por isso use o
molho da carne que for usar.
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Sabor
CUCA - KUCHEN
240 ML DE LEITE MORNO
30 G DE FERMENTO FRESCO PARA PÃO OU UM
SACHET DE FERMENTO BIOLÓGICO INSTANTÂNEO
180 G DE AÇÚCAR / 3 OVOS
600 G DE FARINHA DE TRIGO
SAL / 100 G DE MANTEIGA MACIA
FAROFA - STREUSEL
1 XÍCARA DE FARINHA 120 G
1 XÍCARA DE AÇÚCAR 120 G
CANELA EM PÓ / 60 G DE MANTEIGA
PÃO DE MEL
1 XÍCARA DE MEL / 1 XÍCARA DE AÇÚCAR
1 XÍCARA DE LEITE / 1 XÍCARA DE ÁGUA
5 XÍCARAS DE FARINHA / 1 LIMÃO
1 ENVELOPE DE FERMENTO RÁPIDO
4 COLHERES DE ÓLEO GIRASSOL, OU SIMILAR
2 COLHERES (SOBREMESA) DE CANELA EM PÓ
Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:
Faça um círculo com a farinha, e no meio acrescente o
mel, leite, água, óleo e o restante dos ingredientes, me-
xendo bem. Forme uma massa homogênea e coloque em
forma untada com óleo e farinha. Leve ao forno baixo
(180º
C) e deixe por uns 35 minutos. Deixe esfriar e de-
pois corte em quadrados.
Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:
Desmanche o fermento com um pouco de açúcar e água
morna. Reserve. Num recipiente grande, coloque a farinha
em círculo. No centro, adicione o fermento, o açúcar, a man-
teiga, o sal e os ovos levemente batidos. Misture e acrescen-
te o leite, incorporando a farinha aos poucos, sempre de fora
para dentro, até formar uma massa homogênea. Adicione
mais farinha, se necessário. Amasse bem e reserve por uma
hora. Sove novamente e coloque em duas formas de pão
untadas com óleo. Deixe crescer por mais uma hora, acres-
cente a farofa e leve ao forno quente até ficar pronta, em
torno de 50 minutos a 1 hora. Retire do forno, desenforme,
e deixe a esfriar por cerca de 10 minutos antes de cortá-la.
Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:
Corte os pêssegos em pedaços mantendo os caroços. Colo-
que tudo numa panela com o açúcar e cozinhe em fogo
brando, mexendo até ficar pastoso e escuro. Passe a schmier
por uma peneira para eliminar os caroços. Guarde em
compoteiras.
SCHMIER DE PÊSSEGO
1 KG DE PÊSSEGOS SEM PELE
600 G DE AÇÚCAR CRISTAL
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O sabor e o saber
F E R N A N D O L O K S C H I N
PURÊ DE CAMPANHA
Não fossem as batatas nós não estaríamos aqui
Cego pelo brilho do ouro, prata e esmeraldas, Pizarro
morreu sem perceber que a maior riqueza “daquelas Índias”
era o tubérculo pequeno de casca terrosa que os incas cha-
mavam de papas e que ele pensava ser uma espécie vulgar de
trufas: a batata.
Se ao pé dos Andes havia o milho, nos cumes só cres-
cia a batata, um dos principais alimentos do império inca.
Ali, até orações eram dedicadas à batata e a duração de seu
cozimento, a forma usual de se medir o tempo.
Os incas, que desconheciam a roda e a escrita, enten-
diam de batatas: todos os fundamentos de produção e indus-
trialização foram por eles desenvolvidos.
Sem o glamour da trufa, a batata levou quatro séculos
para ser colhida e acolhida pelo mundo. De início, os euro-
peus desconfiaram das batatas, reservando seu consumo aos
animais, apenados e indigentes.
Para os ricos, tal “alimento satânico” tinha uso medici-
nal. Felipe II aplicava rodelas de batatas como anestésico e
enviou a planta ao Papa Pio IV para que tratasse suas crises
de gota.
A batata integrava a desvalorização européia ao novo
mundo. Esta terra “ainda informe” e “molhada do dilúvio”
era de flores sem perfume, árvores sem frutos, pássaros sem
canto. Seus débeis nativos tinham pouca barba e pênis, e ca-
reciam de “ardor pela fêmea”. A anta era o elefante da Amé-
rica e a lhama, um camelo degenerado. A batata, “triste for-
ma de matar a fome”, não podia mesmo ser grande coisa.
Havia razões menos ridículas para a desconfiança. Como
o tomate, a batata pertence a uma família botânica rica em
venenos, a mesma da beladona, datura e tabaco.
Em alguns locais, por razões de saúde, a batata foi proi-
bida. A comparação entre o tubérculo e as lesões da lepra e
tuberculose criou o temor de que causasse doenças.
Havia também a religião. Agricultores evitavam o cul-
tivo, porque a batata, subterrânea como o inferno, não era
citada na Bíblia. Alguns contornavam o problema lavando as
mudas com água benta e fazendo o plantio às sextas-feiras
santas...
Mas o obstáculo maior era a profunda identificação eu-
ropéia com o pão. A batata não combina, compete com o
trigo e, pobre em glúten, não se presta à panificação.
Os incas legaram o tubérculo, mas não o nome: papas é
uma palavra que ficou restrita à hispano-américa. Batata e
potato derivam do nome haitiano da batata-doce, planta sem
parentesco botânico com a batata.
Foi a confusão inicial com a trufa que gerou kartoffel, apalavra alemã para batata, e o nome italiano original de tartufobianco. Já o francês pomme de terre era empregado para muitos
vegetais antes de se ater à batata.
A presença espanhola na América foi tão extrativa, que
quem semeou a batata pelo mundo – a “nova-Espanha” in-
clusive – foram outros povos.
As batatas chegaram ao Brasil pelo caminho mais lon-
go, vieram da Europa junto com a imigração germânica, daí a
expressão “alemão batata”. A contraposição ao trigo ganhou
expressão nos clichês do imigrante alemão – camponês e
“plantador de batata” – com o português – urbano e dono de
padaria.
Foi a França que deu o aval culinário à batata. Antoine
Parmentier era um militar que, prisioneiro durante a guerra
franco-prussiana, tomou gosto pela ração de porcos com que
era alimentado: batatas. Solto no final da guerra, passou a
divulgar sua dieta como a ideal para estômagos desprovidos.
Parmentier convenceu Luis XVI a plantar batatas e a
adotar técnicas pioneiras de marketing: a rainha Maria
Antonieta usava flores de batateiro nos seus chapéus, e sen-
tinelas reais guardavam a plantação durante o dia a fim de
valorizar as plantas e estimular o furto à noite.
Seguindo a política do rei, que acharam por bem deca-
pitar, os revolucionários franceses fizeram de tudo para levar
as batatas ao povo. Ungiram a batata a símbolo republicano e
até transformaram os belos roseirais dos Jardins das Tulherias
em nutritivos batatais.
A batata tornou-se um pilar da alimentação mundial,
principalmente na cuisine des pauvres, aqueles sem pão ou
brioches. Afinal é um vegetal perene, rico em calorias, de cul-
tivo fácil e fecundo: um quintal semeado pode sustentar um
casal, meia dúzia de filhos, uma vaca e uma porca por um ano
inteiro.
Foi como “Comedores de Batatas” que Van Gogh retra-
tou os pobres holandeses, sua primeira grande obra (1885),
onde as faces camponesas imitam a forma e cor de batatas.
O próprio nhoque seria a tentativa de dar batata aos que
não tinham trigo – por isto tradicionalmente servido nos dias
FOTOS: LETÍCIA REMIÃO
44 Estilo Zaffari
80945_sabor e o saber.p65 31/08/04, 23:222
REFOGAR BACON E MUITA CEBOLA PICADA EM AZEITE. ACRESCENTAR PEDAÇOS DE ALHO
E FRITÁ-LOS RAPIDAMENTE. MISTURAR BEM COM BATATAS COZIDAS AMASSADAS EM
PURÊ. LEVAR NOVAMENTE AO FOGO, MEXENDO BEM A MISTURA. PODEM SER
ACRESCENTADOS NATA, TEMPERO VERDE, NOZ-MOSCADA, CASTANHAS E NOZES MOÍDAS
E PASSAS DE FRUTAS. SERVIR ACOMPANHANDO CARNES ASSADAS (LEITÃO, PATO, ETC.)
80945_sabor e o saber.p65 31/08/04, 23:223
O sabor e o saber
F E R N A N D O L O K S C H I N
FERNANDO LOKSCHIN É MÉDICO E GOURMET
29 (fim de mês e de salário) e com uma moeda sob o prato
para chamariz.
A batata democratizou o reinado do trigo. Se até o séc.
XIX só metade das crianças européias viviam mais que três
anos, a disseminação da batata, diminuindo a fome e a mor-
talidade, favoreceu a explosão demográfica que resultou na
revolução industrial e modernidade. De alguma forma somos
todos subprodutos das batatas.
Como a descoberta da pólvora e o Grande Incêndio de
Londres, alguns pratos de batatas surgiram como acidentes
de cozinha. No banquete inaugural de uma ferrovia francesa
em 1837, o cozinheiro iniciou a fritar as batatas no horário
programado. Como o trem atrasou, o homem teve de retirar
as batatas do fogo para refritá-las ao ouvir o apito na estação.
As batatas, antes murchas como larvas, inflaram e douraram
como borboletas. Nascia, partejada pelo atraso de um trem, a
batata suflê, a rainha das batatas fritas.
O chips, cuja mordida traduz a vitória do ruído sobre o
paladar, também é cria da adversidade. Foi em 1853 num res-
taurante nova-iorquino. Quando um freguês por duas vezes
recusou as batatas fritas com a queixa que estavam muito
grossas, o exasperado cozinheiro fatiou as batatas ultrafinas
para que não pudessem ser presas no garfo. O freguês adorou,
e depois dele, o resto do mundo. Na cozinha, como no quarto
ou escritório, toda crise é uma oportunidade.
Santo de casa não faz milagres – as batatas estão hoje
mais enraizadas na Irlanda do que no altiplano peruano.
Segundo a lenda, as batatas chegaram sozinhas ao solo
irlandês, deram na praia depois do naufrágio de um galeão
espanhol. Na Irlanda, região com o maior consumo per capita,
até a sobremesa pode ser batata: torta de batatas com maçãs.
“Rainha da horta”, a batata assumiu de tal modo a die-
ta irlandesa que uma praga dos batatais ocorrida entre 1858 e
1860 causou uma calamidade de fome com mortalidade e emi-
gração sem precedentes. A ilha perdeu mais da metade da
população, estando hoje mais despovoada do que há 150 anos!
Pode-se dizer que foi um fungo nas batatas que empur-
rou Henry Ford à indústria, John Ford ao cinema e John
Kennedy à política.
Literalmente nascida no underground, a batata galgou a
pirâmide social e conquistou a burguesia que ela mesma aju-
dou a criar. Hoje é o vegetal mais consumido e industrializa-
do no Ocidente e só lhe falta expressão na cozinha asiática,
monopolizada e monotonizada pelo arroz e pela soja.
A linguagem documenta sua abrangência: a nossa ba-
tata inglesa é a irish potato dos ingleses. Temos as batatas suí-
ças e os americanos engordam com french fries, na verdade
uma invenção belga (fritas em gordura de cavalo). O
McDonald’s, nome irlandês, disseminou o hambúrguer com
fritas pelo mundo. A Inglaterra é fanática por fish and chips, aEspanha é adita à tortilla de papas e o complemento das mil
receitas portuguesas com bacalhau é a batata.
Tudo o que é bom tem detratores. Marlene Dietrich,
que crescera numa dieta de nabos com batatas, creditava suas
formas aos nabos; Nietzsche dizia que a dieta de batatas leva-
va ao álcool, e Brillart-Savarin definia comer batatas como a
maneira mais sem gosto de se matar a fome.
As batatas são consortes, nunca a atração principal, mas
as acompanhantes perfeitas. A batata jamais será uma diva.
Sem o carisma da estrela, é a coadjuvante que faz a estrela
brilhar, orquestra que realça o solista à mesa.
Imitemos Marlene Dietrich, um prato de batatas sem
nabos. Honremos a trufa branca, riqueza desta América, ale-
gre maneira de matar a fome.
Como ensina a lógica machadiana, “ao vencido, o ódio
ou a compaixão, ao vencedor, as batatas”. Primeiro a Europa
conquistou a América, depois a batata conquistou o mundo.
E nada como uma batata quente, não na mão mas na
boca. Não fossem as batatas nós não estaríamos aqui.
46 Estilo Zaffari
80945_sabor e o saber.p65 01/09/04, 21:334
A FORÇA DA BATATA
Bom conselho
P O R M A L U C O E L H O
Existem muitas variedades de batatas: branca, amarela, verme-
lha e até algumas produzidas em laboratório. Mas, como consumido-
res, o que devemos realmente valorizar é a preciosa colaboração desse
tubérculo aos nossos cardápios. Além de permitir a criação de diver-
sos pratos, sejam simples ou requintados, a batata influencia direta-
mente na qualidade nutricional da nossa alimentação.
Conheça algumas das qualidades nutricionais de uma batata
média (150 g): 150 calorias de energia, 3,7 gramas de proteínas,
0 grama de gordura, 23 gramas de carboidratos, 27 gramas de fibras, 5
miligramas de sódio e 729 miligramas de potássio.
PARA AS BATATAS FRITAS FICAREM SEQUINHAS E MACIAS, ANTES DE FRITAR COLOQUE-AS NO
CONGELADOR POR MEIA HORA.
O PURÊ DE BATATA GANHA SABOR E UMA CONSISTÊNCIA MAIS LEVE SE VOCÊ ACRESCENTAR À
MISTURA UMA CLARA EM NEVE.
PARA AS BATATAS NÃO DESMANCHAREM DURANTE O COZIMENTO, COLOQUE UM POUCO DE ÓLEO
NA ÁGUA.
TAMBÉM NO COZIMENTO, PARA QUE NÃO ESCUREÇAM, COLOQUE LIMÃO OU VINAGRE NA ÁGUA.
SÓ SALGUE AS BATATAS NA HORA DE SERVIR.
FURE AS BATATAS COM UM GARFO ANTES DE LEVÁ-LAS AO FOGO, POIS ASSIM ELAS COZI-
NHAM POR IGUAL.
JÁ SABEMOS QUE A BATATA SE MOSTRA EXTREMAMENTE EFICIENTE COMO ALIMENTO.
VAMOS, ENTÃO, A ALGUMAS DICAS PARA PREPARÁ-LA COM MAIS SABOR:
AGORA QUE VOCÊ SABE ALGUNS TRUQUES PARA INCREMENTAR O CONSUMO DESSE
ALIMENTO TÃO USADO NA CULINÁRIA ALEMÃ, DESCUBRA E INVENTE OUTRAS MANEI-
RAS DE APROVEITÁ-LO. A BATATA TEM HISTÓRIA, TEM VALOR NUTRICIONAL E É TAM-
BÉM MUITO VERSÁTIL.
PERÍODO DE SAFRA: JANEIRO A JUNHO.
Estilo Zaffari 47
80945_bom conselho.p65 01/09/04, 20:131
Veneza
Gloriosa
T E X T O E I L U S T R A Ç Õ E S P O R N I K
ESTA É UMA VIAGEM DIFERENTE E EMOCIONANTE. NIK FOI
A VENEZA, VIVEU A CIDADE E, COM SENSIBILIDADE DE ARTISTA,
DESENHOU SEUS ENCANTOS E NARROU SEUS SEGREDOS.
80945_veneza1.p65 31/08/04, 23:253
“AGORA ME SINTO ASSIM, COMO QUE AINDA EM DÚVIDA SOBRE
A VENEZA QUE VI. SE AQUELAS ÁGUAS QUE SUBIAM DURANTE
A NOITE, NA PIAZZA SAN MARCO, FOSSEM ÁGUAS DA MEMÓRIA,
ESSAS ÁGUAS DO ADRIÁTICO – OU DO MAR VENEZIANO, COMO
UM DIA FOI CONHECIDO – PODERIAM TRAZER ATÉ AS MARGENS
NAVIOS MERCANTES VINDOS DO ORIENTE, CHEIOS DA RIQUEZA
QUE CONSTRUIU A PRAÇA.
A CIDADE PARECE FLUTUAR, É UM BARCO EM QUARENTENA, COMO
DISSE UM CRÍTICO MUSICAL CHAMADO BRUNO BARILLI.
É MESMO DE SE FICAR TONTO ANDAR POR ALI, SUBIR E DESCER
DO VAPORETTO, ESSE ÔNIBUS TÃO PECULIAR. MESMO NAS RUAS
MAIS SÓLIDAS E DISTANTES DO TOQUE MACIO DAS ÁGUAS, ESSA
VENEZA PARECE FLUTUAR. É MESMO
DE SE FICAR TONTO ANDAR POR ALI
Estilo Zaffari 51
80945_veneza1.p65 01/09/04, 21:055
Lugar
TONTURA RETORNAVA, O QUE ME FEZ PENSAR QUE TALVEZ SE
TRATASSE DE ALGUM SEGREDO AINDA NÃO DESCOBERTO DA
CIDADE: ELA RESPIRA. DUVIDAR DISSO NÃO SE PODE. ASSIM COMO
AS ÁGUAS TÊM SUAS VARIAÇÕES, TAMBÉM AS RUAS, COM SUAS
PASSAGENS ESCURAS SOBRE BLOCOS DE EDIFÍCIOS (OS
SOTTOPORTALI), COM SUAS PONTES E PRAÇAS, PARECEM ESTAR
EM CONSTANTE TROCA DE POSIÇÕES. É COMO SE BRINCASSEM
COM A ORIENTAÇÃO DO VISITANTE, FAZENDO COM QUE, A PARTIR
DAQUELE MOMENTO, ELE PASSASSE A DUVIDAR DE TUDO QUE
PENSAVA SABER.
OS VENEZIANOS TALVEZ PARTICIPEM DESSE JOGO. TAMBÉM ELES
NÃO PARECEM REAIS, QUASE NUNCA SE QUEIXAM DA MULTIDÃO
DE TURISTAS QUE ASSUSTA QUEM CRUZA DA PONTE DE RIALTO
ATÉ A PIAZZA SAN MARCO. SURGEM E DESAPARECEM PELAS ES-
QUINAS, COM SEUS ROSTOS VERMELHOS E O OLHAR TRANQÜILO
DE MARINHEIROS. ESTÃO CIENTES DE QUE O TEMPO DE GLÓRIA
DA REPÚBLICA DE VENEZA ACABOU FAZ MUITO, MAS NÃO SE
IMPORTAM, A GLÓRIA DA CIDADE ESTÁ VIVA, RESPIRA!
TALVEZ SEJA UM SEGREDO
AINDA NÃO DESCOBERTO
DA CIDADE: ELA RESPIRA.
É UMA TERRA QUE SE MOVE
80945_veneza1.p65 01/09/04, 21:046
Lugar
SENTEI DURANTE DOIS DIAS EM CANTOS SILENCIOSOS, PARA DE-
SENHAR. TAMBÉM EM BARES E CAFÉS ANIMADOS, E PROVEI SA-
BOROSAS ESPECIARIAS, TRAZIDAS ATÉ ALI UM DIA POR ALGUM
VIAJANTE. MARCO POLO? TALVEZ, ESSE ILUSTRE CURIOSO QUE
RESUME BEM O ESPÍRITO DE UMA TERRA QUE SE MOVE. CORTO
MALTESE, PERSONAGEM DE QUADRINHOS QUE TANTO ADMIRO,
É FILHO DE UM VENEZIANO. MARINHEIRO ERRANTE, SEMPRE
ENTRE O ÓCIO E A AVENTURA, ENTRE O SONHO E A GUERRA, É
TAMBÉM UM TÍPICO VENEZIANO. MINHA SENSAÇÃO NA DESPEDI-
DA FOI DE DAR ADEUS À PESSOA AMADA. ME VIRAVA NA JANELA
DO AVIÃO TENTANDO VER DO ALTO UM POUCO MAIS DE SUAS
FORMAS, ESPERANDO QUEM SABE UM ADEUS, MAS NADA. VENEZA
SUMIU E COM ELA DEIXEI PARTE DO MEU CORAÇÃO, QUE ESTÁ LÁ
EM ALGUM LUGAR, SOB SUAS ÁGUAS VERDES.”
A SENSAÇÃO NA DESPEDIDA FOI DE DAR ADEUS À PESSOA
AMADA. EM VENEZA DEIXEI PARTE DO MEU CORAÇÃO
54 Estilo Zaffari
80945_veneza1.p65 31/08/04, 23:268
Os novos
gourmets
P O R T E T Ê P A C H E C O F O T O S L E T Í C I A R E M I Ã O
80945_juju na cozinha3.p65 01/09/04, 21:183
Estilo
Cresci ouvindo que cozinha não era lugar de crian-
ça. Aliás, não era lugar de ninguém que não fosse a dona
da casa e sua assistente quase sempre gorda. As incursões
culinárias da minha família nunca foram muito além dos
churrascos de final de semana e de um ou outro lanche
noturno. Nossa especialidade eram as pipocas e os pinhões.
De vez em quando meu pai arriscava uns tostex.
Quase não tenho recordações de fazer maravilhas com
leite moça ou de assistir a meus irmãos lidarem com ape-
trechos de gourmet.
Cozinha era aquele lugar que ficava lá: “Tá lá na co-
zinha…”. Lá era longe do resto da casa. Não aparecia na
televisão em horário nobre e muito menos era exibida bem
no meio da sala. Mas isso foi no século passado. Nos anos
2000 a cozinha está na moda. Ficou democrática. Virou
um charme estar nela com as mãos todas sujas de farinha.
A cozinha ganhou lojas especializadas, livros inspiradores
e, como não poderia deixar de ser, uma legião de especialis-
tas. Todo mundo está freqüentando algum curso de culiná-
ria ou indo atrás de alguma espécie de ingrediente.
Inclusive meu filho de 4 anos.
“Mãe, tem ovo?” Pra atirar em quem? – pensei,
preocupada, antes de descobrir que era para levar para
a escola. Na maioria das pré-escolas modernas, a culi-
nária é assunto constantemente em pauta. Por meio
dela, as crianças desde bem pequenas têm noções de
A COZINHA AGUÇA OS SENTIDOS DAS CRIANÇAS E É UM
58 Estilo Zaffari
80945_juju na cozinha3.p65 31/08/04, 23:054
história, geografia, matemática. E aprendem também
a se relacionar umas com as outras, dividir tarefas, ter
paciência, e não apenas observar, mas também usufruir
o resultado de um trabalho de grupo.
A cozinha aguça os sentidos, reforça os vínculos fa-
miliares, sacode a preguiça, é um verdadeiro playground
para a descoberta de novas cores, sabores e texturas. Pou-
cas brincadeiras oferecem tantas oportunidades.
Além do mais, se é de pequeno que se aprende a
comer direito, é possível que o contato com ingredien-
tes e receitas diferentes estimule as crianças a enten-
derem que existe vida depois do hambúrguer com bata-
ta frita. E, assim, quem sabe elas possam crescer mais
VERDADEIRO PLAYGROUND
CLUBINHO DO ESQUILO
ENSINA CULINÁRIA
PARA A GAROTADA
Há alguns anos a Companhia Zaffari vemdesenvolvendo um projeto de ensino de culináriaà garotada. Aos sábados, sob o comando daprofessora Rosaura Fraga, os participantes doClubinho do Esquilo fazem aulas práticas eaprendem a preparar diversas receitas. O palcodessas aventuras é o Atelier de Culinária Zaffari,instalado na loja da rua Cristóvão Colombo, emPorto Alegre.
Crianças de 5 a 9 anos podem participar dasaulas, que são gratuitas. A organização apenassolicita que cada um leve, a título de inscrição, umquilo de alimento não-perecível, para doar aentidades carentes. Não se trata de exigência, masde um pedido. E todas as crianças fazem questãode contribuir.
Nas tardes de sábado, das 15h às 16h,paramentados com aventais do Clubinho, osmeninos e meninas exercitam seus talentosgastronômicos. E ao final de cada aula fazem umagrande festa, quando podem degustar todos ospratos preparados. Para obter mais informaçõessobre o Clubinho do Esquilo e as aulas de culinária,entre em contato com o Marketing da CompanhiaZaffari, pelo fone 3337.3111, ramal 3402.
80945_juju na cozinha3.p65 31/08/04, 23:065
Estilo
comer tranqüilamente junto, como família, menos prova-
velmente sentiremos a necessidade de fazer mil dietas. Sa-
borear uma boa refeição simplesmente nos faz sentir bem.
A comida não deve ser temida. Deve ser uma fonte de pra-
zer e bem-estar”.
As fotos que ilustram esta matéria foram estrela-
das por Juju Pernambuco, que acaba de lançar um livro,
e seus três convidados, numa fria, cinza e chuvosa ma-
nhã de julho, em Porto Alegre.
O clima mais que perfeito para a emocionante
aventura de preparar um cookie.
A receita, para quem ficou com água na boca, está
na página seguinte. Divirtam-se.
O CONTATO COM RECEITAS AJUDA A CRIANÇA A DESCOBRIR
saudáveis e criteriosas, menos lotadas das porcarias que
se escondem atrás dos salgadinhos, refrigerantes e ou-
tras guloseimas falsamente coloridas.
Nunca vou esquecer do estado de choque que eu
fiquei quando meu filho pediu alcachofra para o garçom
de um restaurante e, diante da negativa – não tinha alca-
chofra fresca –, ele emendou, “… Ah, então me traz pal-
mito mesmo”. Eu fui descobrir o que era alcachofra com
pelo menos cinco vezes mais idade que ele.
Li recentemente no site do The New York Times um
texto do autor de Every Night Italian, Giuliano Hazan.
Reproduzo: “… Quanto mais ensinarmos nossos filhos a
apreciar a boa comida e o prazer que se pode extrair de
60 Estilo Zaffari
80945_juju na cozinha3.p65 31/08/04, 23:066
QUE EXISTE VIDA ALÉM DO HAMBÚRGUER COM FRITAS
JUJU NA COZINHA DO CARLOTA
AUTOR: CARLA PERNAMBUCO E PINKY WAINER
EDITORA: CARAMELO (80 PÁGINAS)
EXPEDITO, O COZINHEIRO
AUTORAS: LILIANA IACOCCA E MICHELE IACOCCA
EDITORA: MODERNA (48 PÁGINAS)
FOGÃOZINHO – CULINÁRIA INFANTIL EM HISTÓRIAS
AUTORES: FREI BETTO E MARIA STELLA LIBANIO CHRISTO
EDITORA: MERCURYO (62 PÁGINAS)
LIVROS QUE PODEM MUITO BEM
FREQÜENTAR A ESTANTE DOS BRINQUEDOS
COLEÇÃO HISTÓRIAS PARA LER E SABOREAR
AUTORA: ROSANA RIOS, EDITORA: STUDIO NOBEL
UM QUADRO NA PAREDE E DOCE DE ABÓBORA NO TA-
CHO: 32 PÁGINAS; PÔR-DE-SOL E PÃO DE QUEIJO: 40
PÁGINAS; A CIDADE, OS ERRES E AS ROSQUINHAS DE
COCO: 40 PÁGINAS
O LIVRO DE RECEITAS DO MENINO MALUQUINHO
AUTOR: ZIRALDO (RECEITAS DE FÉ EMMA XAVIER)
EDITORA: MELHORAMENTOS (79 PÁGINAS)
BOCA MOLE
AUTORAS: CIÇA KFOURI MOREIRA FERREIRA E CLAUDIA
MORALES. EDITORA: TERRA VIRGEM (47 PÁGINAS)
Estilo Zaffari 61
80945_juju na cozinha3.p65 31/08/04, 23:067
Estilo
Carla ficou grávida de Júlia e do Carlota ao mes-
mo tempo. Era o ano de 1995 e os Pernambuco tinham
acabado de chegar de Nova York.
Um mundo de possibilidades se abria para eles. Fi-
lho novo, restaurante novo, Brasil de novo. Carla circu-
lava entre as mesas recém-inauguradas com aquele bar-
rigão próspero e feliz. O sucesso era óbvio. Quase dez
anos depois, o Carlota é um dos melhores restaurantes
do Brasil e o ex-barrigão de Carla é uma menina linda,
como não poderia deixar de ser a filha da inventora do
petit gateau de doce de leite, um doce de pessoa.
Pois Carla e Júlia acabam de aprontar mais uma
para a gente se deliciar: Juju na Cozinha do Carlota,
com ilustrações de Pinky Wainer. “É um livro infantil de
receitas, e não um livro de receitas infantis”, diz Carla.
Júlia comenta a frase de sua mãe com um sorrisinho no
canto da boca que diz tudo. Filha de chef, chefzinha é.
DE QUEM FOI A IDÉIA DO LIVRO?
Da minha mãe, claro.
QUAL A SUA RECEITA FAVORITA?
Ai, não é só uma. O brownie, o petit gateau e o nuggets.
VOCÊ PRETENDE UM DIA ABRIR SEU PRÓPRIO RESTAURANTE?
Um restaurante não sei, mas um lugar pra comer doces
De mãe para filha desde 1995
62 Estilo Zaffari
80945_juju na cozinha3.p65 31/08/04, 23:068
e salgadinhos. E vai se chamar Chez Juju.
COZINHA É LUGAR DE…
Crianças!… Com adulto junto.
QUE INGREDIENTES UM CANDIDATO A “CHEF” DEVE TER?
… chocolate, açúcar, ovos, farinha, fermento e a minha mãe.
COM QUEM VOCÊ DIVIDIRIA UM COOKIE?
Com meu irmão Felipe.
NEGRINHO OU BRIGADEIRO?
Os dois, ué. E fim de semana no Rio.
COOKIES DE CHOCOLATE
1/2 XÍCARA DE MANTEIGA AMOLECIDA
1 XÍCARA DE AÇÚCAR MASCAVO
3 COLHERES (SOPA) DE AÇÚCAR
1 OVO INTEIRO
2 COLHERES (CHÁ) DE ESSÊNCIA DE BAUNILHA
1 XÍCARA E 3/4 DE DE FARINHA DE TRIGO
1/2 COLHER (CHÁ) DE FERMENTO EM PÓ
1/2 COLHER (CHÁ) DE BICARBONATO
1/2 COLHER (CHÁ) DE SAL
1 XÍCARA E 1/2 DE CHOCOLATE EM
TABLETE PICADO PEQUENO
Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:Modo de fazer:
Coloque a manteiga e os açúcares na tigela da ba-
tedeira. Bata com a pá-raquete em velocidade mé-
dia por 30 segundos, até que a mistura fique fofa.
Junte o ovo e a baunilha e bata até misturar bem.
Em outra tigela, peneire a farinha com o fermen-
to, o bicarbonato e o sal. Vá colocando a farinha e
o fermento peneirados, aos poucos, na mistura que
está na batedeira, enquanto ela estiver ligada.
Depois acrescente o chocolate picado. Molde os
biscoitos em formato oval. Asse em forno médio
pré-aquecido, durante 6 a 8 minutos.
RECEITA EXTRAÍDA DO LIVRO “JUJU NA COZINHA DO CARLOTA”
80945_juju na cozinha3.p65 31/08/04, 23:079
Bem Viver
Questão de impressão digital
EQUILÍBRIO EMOCIONAL
Este é um texto de encomenda. Significa que não foi es-
pontâneo. Partiu de uma demanda, que foi a de um artigo sobre o
equilíbrio emocional, de preferência com algumas dicas. Isso não
é problema, é desafio. Muitos outros já o aceitaram e dele fizeram
obras-primas, como Mozart. Tentaremos ser mais modestos; mo-
déstia faz bem à saúde mental.
Se equilíbrio emocional existe e é divino, o diabo é que
não existem dicas. Isso porque, como afirmou O. Cavalcanti, cada
pessoa é como uma impressão digital. Original, irreplicável (até
clone em contrário), única. Se eu disser, como direi, que faz bem
ter bom humor, religião (ou fé) e viver em companhia (as estatís-
ticas provam), logo virá a minoria de carrancudos, mal-humorados
e céticos gritando em coro: vamos bem, obrigado.
Por isso a primeira grande dica é ignorar este texto. Se ele
tem humor, e tem, é porque S. Freud mostrou o quanto é saudá-
vel rir de si mesmo. E a etnopsiquiatria provou o quanto as refe-
rências culturais (e as crenças) nos tornam mais saudáveis men-
talmente. E. B. Bettelheim defendeu a idéia de encontrar um sen-
tido para a vida. E D. Stern mostrou que nada nos faz melhor do
que a matriz de apoio, que são os outros com quem contamos.
No entanto, acima disso, estamos nós com nossa impres-
são digital originalíssima, que pode estar pedindo uma outra his-
tória. É importante, como pregou S. Ferenczi, poder pensar por si
mesmo, com autonomia. Se nos cobram um tipo de trabalho,
nossa essência pode estar pedindo outro.
Essa idéia leva a outra. Se você está bem taludinho, muito
tempo foi perdido. Mas se você ganhou um bebê, a chance é
enorme de ajudá-lo a construir um certo equilíbrio emocional.
Eis uma tarefa que começa cedo: na gravidez. No primeiro ano
de vida. Tocando o bebê, cantando para ele, olhando. Deixan-
do-o o máximo possível de fora de nossas próprias dores. Respei-
tando a sua autonomia. Para chegar em uma base sólida, marca
talvez universal para uma vida mais feliz.
Depois de crescido, há tempo ainda. Todo encontro repe-
te o primeiro. Nunca é agora, disse um poeta ou um filósofo, o
que dá no mesmo. A cada novo encontro, revivemos nossa base,
e estamos dispostos a mudar. Certa vez, conheci dona Zenaide.
Quase octogenária, contava uma história de isolamento e maus-
tratos, desde que era bebê. Formávamos um grupo que contava
histórias. No fim da história, dona Zenaide era outra. Mais pró-
xima de si própria, dos outros e da neta de sete anos, para quem
nunca havia contado nada. Pois contou.
Aliás, contar é saudável. Expressar, também. Transformar
fantasmas e dores em um momento de esporte, em um espaço
de arte, em alguma coisa. O que é terapêutico, mas não é lei.
Este texto, afinal, não foi espontâneo. Mas foi bom. Tornou-me
mais saudável no dia de hoje. Pois se os especialistas recomen-
dam caminhada e algum sol, minha impressão digital me reco-
menda há muito tempo a reclusão e a escrita. Meu colesterol
não anda lá essas coisas; o peso, tampouco. Mas o equilíbrio
emocional dá as caras e até sorri.
C E L S O G U T F R E I N D
CELSO GUTFREIND É MÉDICO PSIQUIATRA E ESCRITOR. COMO MÉDICO, ESPECIA-
LIZOU-SE EM PSIQUIATRIA DO BEBÊ E DA CRIANÇA NA UNIVERSIDADE DE PA-
RIS. COMO ESCRITOR, TEM QUINZE LIVROS PUBLICADOS.
64 Estilo Zaffari
80945_Bem Viver1.p65 31/08/04, 22:551
T E X T O S E F O T O S P O R C R I S B E R G E R
gusto,
Com mucho
Guatemala
Estilo Zaffari 67
80945_viagem guatemala1.p65 31/08/04, 22:353
A Guatemala é o segundo país da América Central
que tenho o imenso prazer de conhecer. Não sei se estou
influenciada pelo road movie “Diários de Motocicleta”, de
Walter Salles, mas começo a achar que este canto do mun-
do tem a alma mais livre. Carrega a aura de ser Centro-
América. É o berço da civilização maia. Foram 36 anos de
guerra civil que ficaram para trás. Possui 24 idiomas dife-
rentes, sendo 21 deles de origem maia, e é cercada por vul-
cões. Um currículo nada menos do que impressionante. A
viagem aconteceu mais ou menos assim: era uma quarta-
feira quando o convite para participar da “press trip” a esse
exótico país adentrou minha caixa de e-mails. Primeira re-
ação? Euforia. Claro, topei na hora. Depois comecei a pen-
sar: onde fica a Guatemala? O que vou encontrar por lá?
Meu natural espírito aventureiro desafiava meu medo do
desconhecido. Lembrei uma frase antiga de que todo mun-
do um dia já ouviu falar: “Aventurar-se causa ansiedade,
mas deixar de aventurar-se é perder a si mesmo”. A deci-
são estava tomada. O cinema, como sempre, foi minha
fonte de inspiração. Véspera de viagem, uma lista de tare-
fas a cumprir e eu entregue ao “Diários” de Walter Salles.
Não haveria melhor película para me conectar aos sete dias
que estavam por vir.
A caminho da Guatemala
Entre São Paulo e o Panamá, onde é feita a escala
para a Guatemala, são 7 horas de vôo. Reserve um assento
na parte direita da aeronave. Na quinta hora e meia de
viagem você vai contemplar o rio Amazonas. Ele é lindo.
As águas marrons dividem a floresta em duas. Densidade e
força. A exatidão do contorno entre o rio e a mata é im-
pressionante. Nuvens brancas enfeitam ainda mais o cená-
rio, e sombras displicentes correm pelas copas das árvores.
A visão é vibrante.
O aeroporto do Panamá é a base de vôos para os de-
mais países da América Central. Ele é um convite ao con-
sumo. Depois de Miami, o lugar mais barato para a compra
de eletrônicos. São necessárias mais três horas de viagem
para chegar à Guatemala. Garanto: a espera compensa.
Minha primeira noite na Cidade da Guatemala aconte-
ceu em grande estilo. Não poderia deixar de sugerir o hotel,
Quinta Real, como endereço de chegada. A decoração é
neocolonial. A riqueza dos detalhes, deslumbrante. Os hós-
pedes são recebidos com champanhe. Atendimento de pri-
meira. No quarto, presentinhos em cima da cama e uma ba-
nheira à sua espera. Depois de uma merecida noite de sono,
acorde com calma e faça um tour pelo Quinta. Do jardim
você terá sua primeira visão do vulcão. Respire fundo!
Contrastes à flor da pele
Cheguei despida de preconceitos e cheia de curiosi-
dade. Logo no início da viagem pude perceber que o con-
traste é marca latente do país. Na porta de um dos luxuo-
sos hotéis da capital meus olhos encontraram os de Juan
Viagem
68 Estilo Zaffari
SUBI AS ESCADARIAS DAS PIRÂMIDES, ROMPI MEUS
LIMITES E A RECOMPENSA FOI UMA LINDA VISTA
80945_viagem guatemala1.p65 01/09/04, 21:274
Al. Pele escura, típica do povo guatemalteco, com olhos de
um verde quase transparente, deixou-se fotografar. Con-
tou quem era. Vendedor de batatas e bananas fritas, traba-
lha há 35 anos nas ruas.
A poucos metros de onde estávamos, na recepção do
hotel, deparei com a suntuosidade de um lustre de cristal e
traços de decoração clássica européia. Mais uma vez regis-
trei através da minha lente o belo, desta vez arquitetônico.
Um casal de americanos chamou minha atenção. Fui con-
versar com eles no intuito de entender o que os turistas
buscam na Guatemala. Minha surpresa foi descobrir que
aquele casal estava ali para adotar uma criança.
Conheci os dois Antonio Reys algumas horas mais
tarde. Antonio Reys, de 55 anos, é uma figura clássica
do jornalismo da Guatemala. Destaca-se no meio da mul-
tidão. Talvez seja a pele escura, a espessa barba branca,
os olhos puxados, a simpatia no olhar. Ganhei sua aten-
ção e fui apresentada para o seu filho, o precoce Anto-
nio Reys Filho, de 13 anos, que promete se candidatar a
presidente da República em 2025.
Mais alguns dias pelo país e entendi que o povo,
apesar de todas as diferenças e dificuldades, sabe sorrir.
Um sorriso sincero, puro e bonito. Eles amam seu país e
se orgulham da sua cultura e tradição. Não cansam de
repetir as doces palavras que trago no coração: “Com
mucho gusto, señorita”.
Este foi apenas o começo. Ainda havia muito a ver e
viver nos próximos dias de viagem.
O passado e o presente tornam-se um só
“La Antigua Guatemala” revelou-se uma deliciosa
surpresa. Foi fundada em 1543. A Unesco a declarou
Patrimônio Cultural da Humanidade, em 1979. Durante
mais de 200 anos foi capital do país. O grande terremoto
de 1773 fez com que a sede política se mudasse para a Ci-
dade da Guatemala, a 45 quilômetros de Antigua.
As ruas são feitas de pedras, as construções datam
do século XVI. Pátios internos encantam com seus jar-
dins impecáveis. A colonização espanhola deixou mar-
cas na arquitetura. Aconchego e inspiração são esban-
jados a cada esquina. No horizonte, acima da fachada
das casas, os vulcões El Água e El Fuego revelam-se im-
ponentes. Mulheres maias carregam, em cima das cabe-
ças, grandes cestas, esbanjando o colorido do artesana-
to local. Carros antigos compõem um cenário de nostal-
gia ao lado dos grandes casarões. Os trajes típicos em-
prestam um charme especial a seus moradores.
Seduções de Antigua
Tomar café da manhã contemplando um vulcão é
uma sensação revigorante. Dias ensolarados em Antigua,
uma dádiva. As cores ficam mais fortes e a cidade ainda
mais bonita. Acordar cedo em viagens pode parecer insa-
nidade, mas acredite, é nas primeiras horas do dia que o sol
ilumina de uma maneira especial. As melhores imagens
que fiz de Antigua foram captadas entre sete e oito e meia
da manhã. Além de a luz estar perfeita, vi a cidade acordar.
NO HORIZONTE, ACIMA DA FACHADA DAS CASAS,
OS VULCÕES REVELAM-SE IMPONENTES!
Estilo Zaffari 71
80945_viagem guatemala1.p65 31/08/04, 22:367
ELES AMAM O PAÍS, SUA CULTURA E TRADIÇÃO E NÃO
CANSAM DE REPETIR: COM MUCHO GUSTO, SEÑORITA
Viagem
As crianças indo para a escola. Os adultos, trabalhar.
Os ônibus coloridos despertando para mais um dia de idas
e vindas. O ritmo da vida seguindo seu fluxo natural.
O cair da tarde é outro momento especial. Viajantes
se deixam levar pelas horas. O azul do céu cede espaço
para o negro da noite e o brilho das estrelas. O clima ame-
no e agradável torna irresistível a idéia de uma caminhada.
O ar se enche de música. A noite está começando. Se o
momento é de um drink, o pub irlandês Reilly’s é bárbaro.
A poucos passos dele está o Gaia. O dono é judeu, o que
explica a forte presença de características do Oriente Mé-
dio na decoração. Lugarzinhos românticos para jantar?
Elejo o rústico El Sabor del Tiempo e o elegantíssimo Da
Vinci. A qualquer hora do dia o restaurante espanhol
Gitanos é uma ótima pedida. O Miguel e o Joseph são os
criadores da casa. A especialidade são tapas mediterrâneas.
Pelas paredes há um toque marroquino. Não deixe de pro-
var a sangria preparada pelo Miguel. A simpatia dos garo-
tos que trocaram o frio da América do Norte pela prima-
vera da Guatemala conquista os visitantes. Se bater sauda-
de de casa, peça para eles tocarem um dos maravilhosos
CDs de bossa nova que constam no repertório do Gitanos.
Para garantia de bons sonhos aposto no “Porta Hotel
Antigua”. Tem ótima vista para o vulcão, e os quartos são
um aconchego só. Outra boa pedida é a “Posada El Antaño”,
uma graça. Bom gosto é um dom democrático por lá. Não
é maravilhoso?
Se você deseja momentos de contemplação, calma
e paz de espírito, não se apresse em seguir viagem. Fique
um pouco mais. Vá descobrindo a cidade aos
pouquinhos. Uma maneira bacana de conhecer o terri-
tório é contratar o serviço de um mototáxi. Já explico
do que estou falando: são motos transformadas em pe-
quenos carros. Pequenos mesmo. Na frente tem lugar só
para o motorista, atrás cabem até três passageiros (bem
juntinhos). Essa é uma maneira criativa e engraçada de
fazer um city tour. Peça para o motorista levar você no
Convento de Santa Catalina e das Capuchinas, na “Plaza
Mayor”, na Casa Santo Domingo e na Igreja La Merced.
Reserve umas quatro noites em Antigua e depois siga
para as ruínas maias em Tikal.
Berço da civilização maia
O Parque Nacional de Tikal fica no extremo norte
do país. As ruínas e pirâmides da civilização maia encon-
tram-se em meio à selva de Petén. A melhor maneira de
chegar a Tikal é de avião. Da Cidade da Guatemala saem
vôos regulares para Flores, que fica a 65 km do Parque.
Eu fui e voltei no mesmo dia. Minha sugestão: durma
uma noite por lá. Você poderá percorrer o parque com
mais calma e liberdade. Em Tikal faz bastante calor e é
úmido. Não podem faltar na sua bagagem roupas leves,
sapatos confortáveis, protetor solar e repelente.
Contrate um guia e se prepare para conhecer o maior
72 Estilo Zaffari
80945_viagem guatemala1.p65 31/08/04, 22:368
sítio arqueológico maia. São 3 mil construções em 16 qui-
lômetros quadrados.
Quebrando limites
A primeira pirâmide que eu conheci foi a número 5
(elas são identificadas por numeração). Na lateral esquer-
da tem uma escada que leva os mais corajosos até o topo
(65 metros). Eu de corajosa não tenho nada. Por algum
motivo que desconheço, quando percebi estava no décimo
degrau dos 90 que se tem pela frente. Entrei em pânico.
A escada é quase uma reta, e a subida tem que ser feita de
lado, porque senão os joelhos batem no próximo degrau.
O mesmo ímpeto que me fez desejar subir me ajudou a
dominar o medo. O segredo é não olhar para baixo e con-
trolar a adrenalina, ou, pelo menos, tentar. A visão das
outras pirâmides e templos maias no meio da selva é des-
lumbrante. Estamos acima do vôo dos pássaros. Se subir
foi um ato heróico, descer nem se fala. Foi o meu bom
amigo Guilherme Scarance quem me ajudou. Descemos
lado a lado, enquanto ele tentava me distrair contando uma
piada. Subir nessa pirâmide foi quebrar limites. Se você é
como eu, aproveite a oportunidade.
De volta à estrada, o caminho segue entre trilhas
menores e maiores e nos leva para a grande atração de
Tikal: a praça central, que toma conta do espetáculo.
Nela fica a principal pirâmide: o Templo Jaguar, com 52
metros. Vestígios indicam que, no século I, existiram vi-
O MERCADO DE CHICHICASTENANGO É O
MAIOR CAOS POÉTICO QUE EU JÁ CONHECI
las agrícolas com palácios, mercados, templos religiosos
e grandes habitações. Monumentos, objetos de culto e
adornos que foram encontrados levam a crer que du-
rante mil anos houve vida ativa em Tikal. Ver o sol nas-
cer entre as ruínas é uma experiência única. Imaginar
como a civilização maia pôde construir tão gloriosa ar-
quitetura é um exercício que nos leva a crer na imensa
capacidade humana de criação.
Um motivo para voltar
Não posso excluir o Lago Atitlán desta matéria. Mi-
nha passagem por ele foi muito rápida e abaixo de chuva
torrencial. Peço que me perdoem, mas não pude registrar a
beleza que inspirou Aldous Huxley ao dizer ser esse o lago
mais belo do mundo. Atrevo-me a sugerir uma estada no
Hotel Atitlán, que abriga um jardim botânico a poucos
passos das margens do lago. Recanto perfeito para contem-
plar os três vulcões que emolduram suas águas.
Lanchas levam os viajantes para conhecerem aldei-
as indígenas à beira do Atitlán. O percurso não leva mais
do que 20 minutos. Conheci o povoado indígena de San-
tiago. Confesso que imaginei encontrar uma aldeia mais
primitiva, bucólica. Me senti uma turista invadindo terri-
tório alheio. Quanto a eles, imagino que estejam cansa-
dos dos disparos das máquinas fotográficas. Para serem
fotografados cobram 1 quetzal. Foi difícil não registrar
tamanha peculiaridade, mas não gostei de ser uma intru-
Estilo Zaffari 75
80945_viagem guatemala1.p65 31/08/04, 22:3711
Viagem
sa. Das escadarias da igreja local, que fica no topo do po-
voado, se tem uma vista privilegiada da paisagem do lago.
Uma ida a Santiago vale para conhecer a cultura do lugar
e voltar para casa com novas histórias para contar.
Caos poético de Chichicastenango
O cenário é surreal. Imagine uma igreja do século
XVI, toda branca. Esta é a igreja de Santo Tomás. O local
onde está construída a igreja cristã foi cenário de culto maia.
Rituais de purificação maia continuam sendo feitos sobre
ela nos dias de hoje. Romeiros misturam ritos católicos e
maias. Aos seus pés, o mercado de Chichicastenango, com
suas tendas de artesanatos, vestimentas e máscaras de um
colorido impressionante. Uma quantidade expressiva de
pessoas circula pelas ruelas. Turistas, índios, viajantes, pe-
regrinos. Rostos marcados pelo passar dos anos, crianças
penduradas por panos e carregadas nas costas das mães,
olhos curiosos por tanta singularidade. O mercado de Chichi
acontece todas as quintas-feiras e domingos.
O vulcão fala conosco
Último dia. Saudades de casa, é verdade. Uma von-
tade enorme de começar a contar esta história. Tanto a
escrever. A responsabilidade de traduzir um país distante
do meu. A Guatemala que fui descobrindo, me tornando
íntima, próxima e tão bem recebida. Jamais esquecerei as
últimas horas da viagem. O grupo de jornalistas brasileiros
que havia sido dividido em duas equipes volta a se encon-
trar. Decidimos desvendar o vulcão Pacaya. Um dos três
em atividade no país. O sol estava escondido atrás de mui-
tas nuvens. Nosso guia, o Vinícius, não nos deixou subir
até a cratera. Medida de segurança em função da pouca
visibilidade. Mesmo assim foi uma experiência mágica.
A trilha que liga o pequeno vilarejo de San Francisco de
Sales até os pés do vulcão é inspiradora. Uma caminhada e
tanto. Pela frente, uma subida íngreme que deve ser per-
corrida desfrutando a paisagem. Três cães por companhia.
Fiéis amigos. A temperatura começa a cair. O corpo es-
quenta com o exercício. O coração acelera. O silêncio do-
mina e só é quebrado pelo canto dos pássaros. A terra é
negra, são as pedras do vulcão. Mesas e bancos feitos de
pedras convidam os aventureiros para um descanso. Hora
de tirar fotos. Confraternizar. Sentimos que o lugar mexe
conosco. Ficamos mais amigos. Chegamos na base do
Pacaya depois de duas horas de caminhada. Brumas escon-
diam o vulcão. Quando ele se deixava revelar nos faltavam
palavras diante de tamanha beleza.
Um último olhar antes de partir
Pedimos ao Vinícius para nos levar a um mercado
típico local. Assim chegamos a Palín. Embaixo de uma
grande seiba (árvore típica da Guatemala), bancas de
frutas, verduras, artesanatos e os mais diversos produtos
eram comercializados entre os moradores. Já eram qua-
tro horas da tarde quando se votou por uma pausa para
o almoço. Antigua me chamava e não pude ficar. Pro-
A GUATEMALA É COMO UMA COLCHA DE RETALHOS:
COLORIDA, MULTICULTURAL, DINÂMICA E BELA
76 Estilo Zaffari
80945_viagem guatemala1.p65 31/08/04, 22:3712
EM 1543, ANTIGUA FOI FUNDADA. NO ANO DE 1979,
DECLARADA PATRIMÔNIO CULTURAL DA HUMANIDADE
curei por um táxi que me levasse até ela e de volta ao
hotel. Eu estava disposta a gastar US$ 40, mas ninguém
queria me levar por menos de US$ 50. Quando eu já
estava quase desistindo encontrei o Davi, que aceitou
minha proposta. Acabei ganhando um amigo. Fomos
conversando durante todo o trajeto. Davi me contou
dos anos de guerrilha nas montanhas, da atual delin-
qüência juvenil, de como o povo maia é negociante e
inteligente e também de quanto gosta de ser
guatemalteco. Com orgulho, falou do clima agradável
que predomina em todas as estações do ano, da riqueza
multi-cultural de seu país e da alegria de sua gente.
Percorri, mais uma vez, as ruas irregulares de Anti-
gua. Era uma segunda-feira e a cidadezinha estava agitada.
Totalmente por acaso entrei no “Almacen Troccoli”. Fui
recebida pela simpática Carmem Beatriz Herrera, outra
guatemalteca que não poupa elogios a seu povo e nem eco-
nomiza aplausos ao rum Ron Zacapa Centenário, produzi-
do na Guatemala e considerado o melhor do mundo, pelo
The Beverage Testing Institute, de Chicago.
O Troccoli é fruto do amor entre um italiano e uma gua-
temalteca. Isso há 101 anos. O armazém é lindo. Licores,
vinhos, cafés tomam conta de toda a parede e enchem os
olhos com rótulos coloridos, garrafas com diferentes for-
matos e tonalidades. Não deixe de trazer para o Brasil uma
garrafa de rum e um pacote do café Dalton, outro motivo
de orgulho do país.
Oito horas da noite. O ponto de encontro com o Davi
era na frente da catedral. Ganhei mais cinco minutos para
uma última foto. Enquanto me esperava, meu mais novo
amigo foi pesquisar um livro que pudesse responder às mi-
nhas perguntas sobre os anos de guerra civil. Para os curio-
sos como eu, passo adiante a dica “História da Guatemala”,
de Francis Polo Sifontes.
Durante três horas me deixei levar entre uma ruela e
outra. Apesar do meu péssimo espanhol, consegui fazer
alguns amigos, registrei muitas imagens, fiz anotações no
meu bloquinho de viagens e finalmente me senti prepara-
da a traduzir um pouquinho da essência da Guatemala.
Dicas de quem vos escreve
Na sua primeira noite entregue-se às mordomias do
Hotel Quinta Real. Afinal, quem não gosta de ser bem
tratado? No dia seguinte chame um táxi e siga para “La
Antigua Guatemala”. Esqueça da vida por uns quatro dias.
Trate-se bem. Curta os deliciosos restaurantes e os en-
cantos dos hotéis. Embarque na máquina do tempo e des-
vende o passado de Antigua. Tire um dia para conhecer
o vulcão Pacaya. Hora de seguir em frente. Voe para Tikal
para conhecer o mundo maia. Em dois dias você faz isso.
De volta à Cidade da Guatemala, rume de carro para
Panajachel, onde está o Lago Atitlán. Depois de um “par
de dias”, como falam os guatemaltecos, dirija até o mer-
cado de Chichicastenango. É imperdível! Aposto que você
concordará que esta reportagem não poderia ter outro
nome, senão: Com mucho gusto, Guatemala!
Viagem
78 Estilo Zaffari
80945_viagem guatemala1.p65 01/09/04, 21:2714
Viagem
ANTIGUA GUATEMALA
HOSPEDAGEM
PORTA HOTEL ANTIGUA
8ª CALLE PONIENTE, Nº 1
FONE: 502-832.2801 – WWW.PORTAHOTELS.COM
POSADA EL ANTAÑO
6ª AVENIDA NORTE, Nº 36
FONE: 502-832.7351 – WWW.POSADAANTANO.COM
RESTAURANTES
EL SABOR DEL TIEMPO
CALLE DEL ARCO Y 3ª CALLE PONIENTE
FONE: 502-832.1233 ITALIANO
DA VINCI
6ª AVENIDA NORTE, Nº 32
FONE: 502-832.0546 ITALIANO
GITANOS
1ª CALLE PONIENTE Y 6ª AVENIDA PONIENTE, Nº 9
FONE: 502-832.0098 ESPANHOL
REILLY’S IRISH CAVERN
5ª AVENIDA NORTE, Nº31
FONE: 502-499.2331 IRLANDÊS
GAIA
6ª AVENIDA NORTE, Nº86
FONE: 502-832.3670 MEDITERRÂNEO
ALMACEN TROCCOLI
CALLE DEL ARCO Y 3ª CALLE PONIENTE
FONE: 502-832.0516
GUATEMALA
QUINTA REAL
PROLONGACIÓN BOULEVARD LOS PRÓCERES, KM 9, ZONA
15. FONE: 502-379.5000 – WWW.QUINTAREAL.COM
LAGO ATITLÁN
HOTEL ATITLÁN
FINCA SAN BUENAVENTURA, PANAJACHEL
TELEFONE: (502) 762.1441 – WWW.HOTELATITLAN.COM
COMPANHIA AÉREA
COPA AIRLINES.
FONE: 11-3138.6200 – WWW.COPAAIR.COM
CRIS BERGER VIAJOU A CONVITE DA COPA AIRLINES E DO INSTITUTO
GUATEMALTECO DE TURISMO WWW.INGUAT.GOB.GT.
DICAS DE QUEM JÁ FOI:
80 Estilo Zaffari
80945_viagem guatemala1.p65 31/08/04, 22:3916
pontoao
P O R P A U L A T A I T E L B A U M I L U S T R A Ç Õ E S N I K
Você já acordou com um torcicolo do tipo que im-
pede a travessia de uma rua de mão dupla? É, daqueles
que não deixam você mexer a cabeça pros lados? Pois
eu já. Só pra resumir a saga da minha dor, passei por
relaxante muscular, antiinflamatório, homeopatia, mas-
sagem, bolsa de água quente e, quando já estava quase
pedindo morfina, uma amiga sugeriu: quem sabe
acupuntura...
Lá fui eu para o consultório do Sr. Miyai, um japo-
nês que vai direto ao ponto, ou melhor, aos pontos. Che-
guei meio nervosa, com aquela sensação de que meu cor-
po iria virar uma almofadinha de alfinetes. Falei onde
doía, ele apertou, fez shiatsu e, no final, colocou
microagulhas nos pontos que estavam mais doloridos. Fui
embora menos de uma hora depois, com alguns espara-
drapos escondendo as agulhinhas e a recomendação de
não mexer em nada até a próxima consulta. Naquela
noite, depois de duas semanas de sofrimento, finalmente
consegui dormir a noite inteira. Virei devota. Santa
acupuntura.
Uma terapia milenar
A acupuntura não trata somente a dor. E não se
limita a cravar agulhinhas nas pessoas. É muito, muito
mais do que isso. Hoje, se faz acupuntura até com raio
laser. Hein? Pois é... Mas antes de entrar nesse assunto,
é bom saber um pouco sobre a história da acupuntura.
Ela nasceu no vale do rio Amarelo, nas costas do mar da
China (não é engraçado ela ter nascido nas costas?), há
cerca de 5 mil anos. Huang Di, conhecido como o Im-
perador Amarelo, foi o responsável pela autonomia da
medicina chinesa e pela difusão da acupuntura. Ele es-
creveu o Tratado da Medicina Interna do Imperador
Amarelo, um texto em forma de diálogos em que o im-
Estilo Zaffari 83
80945_acupuntura.p65 01/09/04, 21:373
Saúde
perador troca informações com seu ministro a respeito
da arte de curar. Não me pergunte como Huang Di che-
gou às suas brilhantes conclusões, porque está além do
meu conhecimento. Eu só sei que, depois disso, a
acupuntura se expandiu pela Ásia, passou por um perío-
do de estagnação, renasceu feito Fênix, ganhou segui-
dores na Europa, atravessou mares, desembarcou nas
Américas e chegou em Porto Alegre.
Hoje, graças a Deus (ou seria a Buda?), ela está
ajudando a gente a tratar os nossos desequilíbrios.
A visão oriental da acupuntura defende que ela atua
sobre os 14 meridianos do corpo, canais invisíveis que
estão relacionados com os órgãos internos e com nossa
energia yin e yang. O Sr. Miyai, cujo avô já trabalhava
com as agulhas no Japão, me explicou que a acupuntura
controla a energia vital do corpo e que ela é um trata-
mento interno e externo que traz o equilíbrio. Ou seja,
não se limita a tratar um ponto específico.
Na fronteira entre o Oriente e o Ocidente
Os médicos ocidentais, cada vez mais adeptos da
acupuntura, têm uma visão um pouco menos zen. Para
eles, os benefícios são alcançados porque a estimulação
de certos pontos do corpo têm efeito direto sobre o sis-
tema nervoso, liberando substâncias como a serotonina
(que traz bem-estar), o cortisol (antiinflamatório natu-
ral) e a endorfina (analgésico). O Dr. João Elias Cabrera,
presidente da Sociedade Médica de Acupuntura do RS,
considera que a acupuntura está justamente na frontei-
ra entre a tradição oriental e modernidade ocidental.
Técnicas superantigas, como a moxabustão, mesclam-
se com outras mais modernas, como a acupuntura a laser
e a eletroacupuntura. O Dr. Cabrera trabalha com
acupuntura desde a década de 70 e acredita que uma
A ACUPUNTURA É UM
TRATAMENTO INTERNO
E EXTERNO QUE TRAZ O
EQUILÍBRIO, CONTROLA A
ENERGIA VITAL DO CORPO
84 Estilo Zaffari
80945_acupuntura.p65 31/08/04, 22:424
releitura é necessária, pois nada fica estagnado no tem-
po. Eu pedi para ele me contar alguns casos que o im-
pressionaram, e ele falou de uma experiência que teve
na China, quando presenciou um homem que não abria
uma das pálpebras conseguir fazê-lo após ser tratado com
a moxabustão, que é um tipo de acupuntura em que
não se trabalha com agulhas, mas com um bastão que
transmite calor aos pontos. Outro caso foi de uma
paciente sua que tinha uma dor de cabeça diária há 20
anos e que se curou completamente. “A cefaléia era tão
presente na vida dessa paciente que depois de curada
ela chegou ao ponto de dizer que sentia saudades da dor.”
Os resultados parecem milagrosos
Conversando com acupunturistas e pessoas que fo-
ram tratadas por eles, chegamos à conclusão de que os re-
sultados são mesmo milagrosos. É comum ouvir falar de
gente que tinha limitação de movimento e que saiu do con-
sultório se mexendo perfeitamente, de pessoas que sofriam
de depressão e que conseguiram superar a doença, de dores
crônicas que sumiram num picar de agulhas. A astróloga
Amanda Costa é adepta da acupuntura desde que era ado-
lescente. Já tratou problemas digestivos, enxaqueca, aler-
gias respiratórias graves, estresse e, de uns anos pra cá, faz
sessões para aliviar os efeitos de uma tendinite adquirida
por causa do uso contínuo do computador. Ela diz que com
a acupuntura sente uma melhora quase imediata e que,
depois da aplicação, fica super-relaxada e bem disposta.
Amanda já passou por cinco acupunturistas diferentes. Por
que essa infidelidade? “São momentos de vida diferentes.
De alguma forma, os acupunturistas estavam mais ligados
a pessoas que eu conhecia, a indicações de amigos. E cada
um tem um estilo, uma mão. Alguns têm a mão mais pesa-
da e dói desnecessariamente.”
Sem contra-indicações ou reações adversas
Na pesquisa que fiz para esta matéria, ouvi comen-
tários do tipo “eu odeio a idéia de tomar picadas, só fa-
ria acupuntura em caso de vida ou morte”. Bobagem!
Você não sabe o que está perdendo, meu amigo. As agu-
lhas são da espessura de um fio de cabelo e não doem
quando entram na pele. A sensação é de um leve cho-
que e de um calorzinho local. Pense bem: essas picadinhas
podem revitalizar seu organismo, atuam como analgési-
co e antiinflamatório, são excelentes para o sistema
imunológico e regulam todo o organismo. O efeito é pra-
ticamente imediato e não há nenhuma contra-indica-
ção ou reação adversa. Tenho certeza de que um dia
você vai ter vontade de experimentar. Nem que seja
naquela manhã em que você levantar com o pescoço
todo torto...
Pontos positivos
O SUS, Sistema Único de Saúde, oferece acu-
puntura. Em Porto Alegre, o Centro de Saúde Modelo,
por exemplo, atende 40 pacientes por semana.
Para tornar-se um acupunturista não é necessá-
rio ser médico formado, mas é preciso passar por um
curso com 700 horas/aula e prestar uma prova de nível
nacional.
As agulhas são sempre pessoais ou descartáveis,
normalmente feitas de aço inoxidável, e podem variar
de 1 cm a 12 cm de comprimento.
A acupuntura é indicada para o tratamento de
dor de cabeça e enxaqueca, sinusite e rinite, amigdali-
te, soluço, gastrite, hipertensão, paralisia facial, incon-
tinência urinária noturna, dor nas costelas, dor ciáti-
ca, dor lombar, artrite reumatóide, ansiedade, depres-
são e por aí vai.
80945_acupuntura.p65 31/08/04, 22:425
P O R P A U L A T A I T E L B A U M F O T O S A N G E L A F A R I A S
ELE TERIA MOTIVOS DE SOBRA PRA FAZER O TIPO
“ESTRELÃO”. MAS, UFA, ESTÁ MAIS PARA O GÊNERO QUERIDÃO.
JORGE FURTADO É UM DOS PRINCIPAIS ROTEIRISTAS BRASILEI-
ROS, UM CINEASTA PREMIADO, UM FABRICANTE DE IDÉIAS E...
ENFIM, JÁ BOTOU A MÃO EM TANTO FILME E PROGRAMA DE TV
QUE, PARA SABER MAIS DETALHES, É MELHOR ENTRAR NO SITE
DA CASA DE CINEMA DE PORTO ALEGRE, DA QUAL, POR SINAL,
ELE É SÓCIO. EM JANEIRO, ESTRÉIA SEU NOVO LONGA-METRAGEM:
Perfil
“MEU TIO MATOU UM CARA”. EU TIVE O PRIVILÉGIO DE ASSISTIR
AO TRAILER ANTES DE ENTRAR NO CIRCUITO COMERCIAL E, SINCE-
RAMENTE, NEM É PRECISO TER A INTELIGÊNCIA ELEVADA AO CUBO
COMO O JORGE PARA SABER QUE VAI SER UM SUCESSO. A SE-
GUIR, UM POUCO DA NOSSA CONVERSA, QUE ACONTECEU NO
APARTAMENTO ONDE ELE MORA COM A NORA (GOULART, PRODU-
TORA DE CINEMA), A ALICE (A FILHOTA DE 4 ANOS) E COM SUAS
CENTENAS (OU SERIAM MILHARES?) DE LIVROS, DVDS E CDS.
Salve
Jorge!
,
86 Estilo Zaffari
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“TEMPORAL” FOI TEU PRIMEIRO CURTA-METRAGEM, FEITO EM
1984. NAQUELA ÉPOCA, TU IMAGINAVAS QUE ESTARIAS ASSIM, VI-
VENDO DE CINEMA, VINTE ANOS DEPOIS?
Não, na verdade eu só tive a idéia de cinema, como
uma coisa profissional, mais tarde. Em 84, eu fazia televi-
são, onde o negócio vai ao ar e quem não viu não vê nunca
mais. Já o filme tem uma durabilidade que é sedutora. En-
tão a nossa turma da TV se juntou e fizemos um filme que
é o Temporal, mas que é ruim, muito ruim, horrível... Ba-
seado num conto do Verissimo. Nós estragamos bastante o
conto. Ele é bem fotografado, bem produzido, mas eu não
tinha a menor idéia de como é que se fazia. Eu e o Zé Pedro
(Goulart) dirigimos. Um absurdo completo... eu era o dire-
tor e nunca tinha visto uma câmera...
E QUANDO É QUE ENGRENOU?
Em 86, a gente fez um outro curta-metragem, O Dia
em que Dorival Encarou a Guarda. Esse é legal... até hoje eu
acho legal. E aí o filme teve uma repercussão enorme, ga-
nhou o Festival de Gramado, ganhou prêmios fora do Bra-
sil. Fui pra Cuba, o filme foi comprado, enfim... aí come-
çou: “Ué, dá pra fazer isso profissionalmente”.
QUAL É O MARCO DO JORGE FURTADO “CINEASTA”?
O Ilha das Flores, de 1989, é o primeiro filme que eu
escrevi e dirigi sozinho. Desde então, tem sido assim. Eu
sou muito mais um roteirista que resolveu fazer seus pró-
prios filmes do que um diretor.
O “ILHA DAS FLORES” TEM UMA LINGUAGEM DE COLAGEM QUE
ATÉ HOJE A GENTE PERCEBE NOS TEUS FILMES.
A palavra é essa: colagem. Eu sempre gostei de colagem.
Eu fiz o Instituto de Artes, eu gostava, até hoje gosto de dese-
nhar, mas eu não sabia desenhar realmente, então usava mui-
to a colagem. O Dorival já tem uma coisa de colagem, ele mis-
tura Casablanca, King Kong, quadrinhos e tal... O Barbosa (cur-
ta-metragem de Furtado sobre o goleiro Barbosa, da seleção de 1950)
é uma mistura de documentário e ficção, tem as cenas dos
jogos com entrevista, então tem um pouco de colagem. E o
Ilha é radicalmente isso. É uma colagem mesmo. Eu gosto de
pegar várias coisas diferentes e misturar...
DÁ PRA DIZER QUE TU TENS UMA LINGUAGEM PRÓPRIA?
Acho que sim, eu tento não ter, mas, ao escrever, o
estilo meio que se revela. Meu jeito de pensar as coisas, de
relacionar as coisas é de colagem. O Homem que Copiava
(longa-metragem de 2003) também tem essa lógica, por-
que ele é contado do ponto de vista de um narrador que é
um garoto no limite da esquizofrenia.
TU MUDAS MUITO O TEU ROTEIRO QUANDO ESTÁS DIRIGINDO?
Mudo, mudo, xingo o roteirista, como é que ele escre-
veu essa cena? Faço isso o tempo todo. Tu escreves “cho-
ve”... Aí, pra filmar isso é uma desgraça, porque tu tens que
chamar bombeiro... Às vezes eu falava pras pessoas da Glo-
bo: se me incomodarem muito eu coloco no roteiro “cho-
ve”. Pra mim são cinco letras, pra vocês é um inferno.
E QUANDO OUTRO DIRETOR MUDA UM ROTEIRO TEU, INCOMODA?
Acontece seguido... Uma das primeiras coisas que eu escrevi
pra Globo foi um episódio do programa Delegacia de Mulheres.
Só vi depois de pronto. Eu lembro que tinha uma cena em que a
Heloísa Mafalda assistia uma menina tendo um ataque, berran-
do e tal. No meu roteiro chegava um cara e perguntava “O que é
que ela tem?”. E a Mafalda respondia: “O que é que ela tem? Ela
tem quinze anos”. Era assim o meu texto. E aí (ele começa a rir) eu
fui ver o negócio no ar e dizia assim: “O que é que há com essa
menina?”. E a resposta: “O que é que há? Ela tem quinze anos”.
Eu queria morrer! Aaaah, não! É tem! É tem! Quando eu falei,
reclamei, os caras da Globo nem entenderam o que eu tava fa-
lando. Que é que esse cara tá dizendo? E eu meio que resolvi
dirigir por isso, entende? Eu sou muito detalhista, principalmente
em termos de diálogos.
A IDÉIA PRA UM ROTEIRO SURGE DE ONDE?
Ela pode surgir de vários lugares, de um conceito, de uma
frase, de uma paisagem, de um cenário, de uma luz, de um
som, de uma música, de qualquer coisa. Eu já fiz um filme que
surgiu de um cenário, um cassino abandonado em Canela, eu
sempre quis filmar naquele lugar, então fiz uma história que
UM ROTEIRO PODE SURGIR DE UM CONCEITO,
DE UMA FRASE, DE UMA MÚSICA, DE UMA LUZ...
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pudesse se passar lá. Em outro filme, que eu fiz com a Rô
(Rosângela Cortinhas), a idéia surgiu das grades, porque Porto
Alegre é uma cidade que tem muitas grades, muito mais do
que as cidades normalmente têm. Um arquiteto espanhol que
esteve aqui disse que é a cidade do mundo que mais grades
tem, ele nunca viu nada igual. É uma paranóia desproporcio-
nal com a violência. Aí a gente começou a pensar nessa coisa
e escrevemos um roteiro que era sobre isso.
E O ROTEIRO DE “O HOMEM QUE COPIAVA”?
O Homem que Copiava já veio de uma idéia, pensei em
escrever a história de um cara que faz cópia e que não usa o
cérebro pro trabalho, mas pra fazer outra coisa. Comecei as-
sim, não tinha mais nada além disso. Eu fiquei escrevendo as
coisas que ele pensava, depois é que fui inventar uma história.
TU FALASTE EM PORTO ALEGRE. NÃO PENSAS EM SAIR DAQUI?
Eu penso em morar um tempo fora, mas ir e voltar, não
me transferir pra outro lugar. Eu gosto daqui. O pessoal de
fora diz “Tu CONTINUAS em Porto Alegre?”. Eu acho meio
ofensiva essa pergunta. Por que vocês morar no Rio? Por que
vocês moram em São Paulo? No Rio até entendo, que é lin-
do... Mas morar em São Paulo é um inferno na terra... Eu
moro aqui porque nasci aqui, na verdade a qualidade de vida
de Porto Alegre é a melhor do Brasil, tem tudo num tamanho
razoável. Eu não consigo ir em todos os shows que acontecem
em Porto Alegre, não consigo ver todos os filmes que passam.
Então tá de bom tamanho.
É BOM FILMAR AQUI?
É, por vários motivos. A luz é muito boa. E o tamanho
da cidade, o deslocamento.
TU ACHAS QUE O CINEMA BRASILEIRO TEM UMA PERSONALIDADE?
Mais ou menos. Tem uma coisa boa que é a mistureba de
raças, de cultura, de tudo. Essa mistura tá bem representada no
cinema, com estilos diferentes. Em um determinado período
todos os filmes eram muito parecidos uns com os outros, e isso
criava um tipo de espectador de filmes brasileiros. Tem uma
pergunta que é hilária, que eu já ouvi várias vezes. Eu tava em
Tramandaí, em um restaurante, vendo a locação pro Dois Ve-
rões (Houve uma Vez Dois Verões, longa de 2002) e o garçom
chegou e disse: “O que vocês estão fazendo aí?”. “Estamos fa-
zendo um filme.” E ele perguntou: “Nacional?” (ele ri) “Não, é
iraniano”... Virou um gênero: cinema brasileiro.
MAS ISSO MUITO PELA MEMÓRIA DOS ANOS 70...
Esses dias comentaram sobre filme brasileiro e alguém fa-
lou “filme brasileiro? Aquela coisa preto-e-branco com umas
pessoas cantando?”. Aí tu vês que tem gente que parou nos
anos 50, nas chanchadas da Atlântida. Mas assim, eu acho o
cinema brasileiro, na média, muito melhor, em termos de con-
teúdo, do que o cinema americano. Tem um exemplo que eu
acho engraçado: imagina se um cineasta brasileiro fizesse um
filme onde o presidente da República, no dia 7 de setembro,
pegasse um jato pra impedir a invasão de marcianos. Pra eles
isso é sério! Não é comédia! O cinema brasileiro é mais madu-
ro. Mas ao mesmo tempo, eu acho que o maior problema do
país talvez seja um excesso de pretensão artística. Eu vejo,
muitas vezes, pessoas que não sabem filmar uma cena básica,
não sabem o mínimo de decupagem, de diálogo, de encena-
ção, querendo fazer um filme que revolucione.
QUAL A IMPORTÂNCIA DE TER UMA MULHER LINDA NO ELENCO
DE UM FILME?(“O HOMEM QUE COPIAVA” TEM LUANA PIOVANI NO
ELENCO E “MEU TIO MATOU UM CARA” TEM DEBORAH SECCO)
Muito importante, nada é mais bonito do que uma
mulher bonita. E “a beleza salvará o mundo” (Dostoievski).
HUMOR É FUNDAMENTAL?
Eu acho que é fundamental, sempre. Tu podes alter-
nar a tragédia com o humor. Quem inventou isso foi o
Shakespeare, ninguém antes misturava tanto. A piada te
leva a um limite do pensamento que tu não exploraste ain-
da. Nietzsche já dizia: desconfie de toda verdade que não
contiver uma gargalhada.
QUAL A COISA MAIS ENGRAÇADA QUE TU LEMBRAS DE TER ACON-
TECIDO NUM SET DE FILMAGEM?
Uma coisa engraçada que já me aconteceu mais de
NIETZSCHE DIZIA: “DESCONFIE DE TODA VERDADE
QUE NÃO CONTIVER UMA GARGALHADA”
90 Estilo Zaffari
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uma vez foi dirigir uma pessoa pensando se tratar de um
figurante e descobrir que era uma pessoa “real”, que estava
passando. Parei um sujeito na calçada e disse que ele esta-
va saindo atrasado do prédio, tinha que sair antes. O cara
ficou me olhando com uma expressão estranhíssima até eu
perguntar se ele era figurante. Ele morava no prédio e es-
tava saindo para o trabalho...
COMO É A TUA ROTINA? TU ESCREVES TODOS OS DIAS?
Escrevo todos os dias. Acordo, começo a escrever no
mais tardar às 9 horas. Leio os jornais, respondo a e-mails e
fico lendo e escrevendo o dia inteiro, se eu não tô dirigin-
do, claro. Eu escrevo muitas coisas ao mesmo tempo, abro
várias janelas.
ESTÁS ESCREVENDO PRA GLOBO NO MOMENTO?
Ano passado eu fiz o Cena Aberta, uma série. E tenho
encomenda de outra. Tô assim, procurando histórias, por-
que ali são adaptações. Às vezes escrevo coisas que eu não
tenho a menor idéia de pra que servem, vou escrevendo,
vou escrevendo...
Perfil
TU LÊS BASTANTE?
Eu leio compulsivamente. Sou um leitor totalmen-
te indisciplinado, leio de tudo, sempre tô lendo, normal-
mente mais de um livro ao mesmo tempo. Agora estou
lendo A Pintura como Arte, de Richard Wollhein (Cosac
e Naify).
ALGUM GÊNERO PREFERIDO?
Política, sociologia, coisas assim. Gosto de poesia, na
verdade comecei mais lendo poesia do que outras coisas.
NUNCA ESCREVESTE POESIA?
Já! Todo mundo já escreveu... Mas felizmente o bom
senso me fez parar...
QUAL O CORREDOR DE QUE MAIS GOSTAS NO SUPERMERCADO?
Corredor preferido? Aquele do meio, que cruza por
todos os outros e de onde eu posso enxergar tudo.
O QUE É QUE NUNCA FALTA NA TUA GELADEIRA?
Suco de laranja. Água, iogurte...
NADA É MAIS BONITO DO QUE UMA MULHER BONITA. E
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TU COZINHAS?
Não.
E QUAL O TEU PRATO PREFERIDO?
Massa. De vez em quando me dá vontade de co-
mer massa. Aliás, Porto Alegre tá mal de restaurantes
de massas.
TEM ALGUMA COISA QUE NÃO FIZESTE AINDA E QUERES FAZER?
Pois é... Tem um monte de coisa que eu não fiz. Eu não
fiz nenhum filme infantil. Eu nunca fiz um musical. Eu não
fiz filme de terror. Eu não fiz nenhum pornô (ri)...
MAS JÁ PASSOU PELA TUA CABEÇA FAZERES TUDO ISSO?
Já, já...
E OS PRÓXIMOS PROJETOS?
Eu tô escrevendo dois roteiros ao mesmo tempo. Um é
uma comédia rasgada, cubana, comédia política. E o outro
é um drama completo, que eu tô escrevendo há mais tem-
po, bem adulto, seria o meu primeiro longa totalmente
adulto, os personagens são mais velhos.
TU ÉS CALMO ASSIM QUANDO ESTÁS DIRIGINDO?
Sou, sou supercalmo... Aliás, eu sou preguiçoso, um do-
mingo desses a gente passou o dia inteiro em casa, de pijama,
eu brincando com a Alice, jogando joguinho. Quando termi-
nou o dia ela falou: “Que dia bom, nem tirei o meu pijama”.
POR FALAR EM FICAR EM CASA, QUE FILME TU RECOMENDAS
PRAS PESSOAS ASSISTIREM NO DVD?
Qualquer um do Billy Wilder. Crepúsculo dos Deuses,
Irma la Douce, Testemunha de Acusação...
QUAL TEU MAIOR SONHO DE CONSUMO?
Uma casa com uma enorme biblioteca na beira de um
lago na Itália, com uma janela de onde eu possa
ver meus bisnetos velejando.
ALGUM LEMA DE VIDA...
(Ele ri). Continue a nadar, continue a nadar, como diz
a Dolly do filme Procurando Nemo.
“A BELEZA SALVARÁ O MUNDO” (DOSTOIEVSKI)
Estilo Zaffari 93
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Assim, ó...
180 anos depois, símbolos de trabalho, alimento e partilha
ALEMÃES, ALEMÃOS
Dos alemães que vieram para cá no século 19 povoar o Rio Gran-
de do Sul, muitos foram para o campo e lá ficaram, mas teve quem
viesse direto para a cidade, ali permanecendo. A maioria era gente po-
bre, disposta a se matar de trabalho para vencer na vida, e isso de fato
aconteceu em vários casos. Havia uma pequena parte de migrantes
com algum dinheiro, ou pelo menos com algum conhecimento técnico,
alguma destreza particular. A divisão foi mais ou menos assim: pobres e
sem habilitação foram para o campo, enquanto os com dinheiro e/ou
profissão definida vieram para a cidade. Eram poucos, comparados ao
montante de gente que foi para as colônias.
Se a gente se perguntar que imagem desses bravos alemães origi-
nais ficou em nós, se a rural ou a urbana, a resposta vai indicar a primei-
ra, aquela referente ao mundo da terra, ao trabalho na agricultura. Toda
uma vibrante experiência urbana germânica que de fato houve em Por-
to Alegre, mais ou menos entre 1840 e 1940, parece ter desaparecido,
ou pelo menos perdido força.
Um estudo bem recente (Presença teuta em Porto Alegre no
século XIX – 1850-1889, de Magda Roswita Gans, Ed. UFRGS) faz
contas meticulosas e conclui que, em 1856, da população total na capi-
tal dos gaúchos (19.890 almas), uns 1.260 seriam alemães. Menos de
10% do total, alguém dirá; sim, mas é preciso considerar que se tratava
de uma sociedade escravocrata, com talvez um quarto da população
em condição servil. É de ver também que os teutos eram uma gente
totalmente integrada na cidade, sendo a esmagadora maioria vinda di-
retamente da Europa com algum ofício sabido e praticado. (A autora
calcula que apenas uns poucos eram pobres, para quase 80% de classe
média e o restante gente com posses.)
Eram alfaiates, pintores, sapateiros, carpinteiros, chapeleiros,
charuteiros, fabricantes de carroças, afiadores, reparadores de várias
coisas, funileiros, cervejeiros, passadeiras e engomadeiras, professores,
relojoeiros, cozinheiros, mais os hoteleiros, restaurateurs, donos de ba-
res e de fábricas as mais variadas. Moravam quase todos no centro da
cidade. A tal ponto eram presentes, que algum viajante que passou por
aqui anotou em seu caderninho: “Parece uma cidade alemã”. Nos anos
de 1860 e 70, criam-se sociedades entre a população alemã: a Socieda-
de Orfeu, de São Leopoldo, a futura Sogipa e a Sociedade Leopoldina
Juvenil. Décadas mais tarde, nos vibrantes anos da década de 1920, um
jovem e futuroso jornalista chamado Carlos Reverbel, chegando para
fazer a vida na capital, também constatava que bares, restaurantes, con-
feitarias, todo um mundo cultural em Porto Alegre era marcado pela
presença alemã.
Mas veio a Guerra, a Segunda, entre 1939 e 1945. Era o tempo
da demência nazista na Alemanha, e aqui os alemães e seus descenden-
tes, tivessem ou não relação com a antiga pátria (a maioria não tinha
mais vínculo algum), foram castigados pelo destino: tudo que lembrasse
Hitler, mesmo que fosse apenas um vago sobrenome Schmidt ou Fischer,
era visto como ligado a ele, ou pelo menos era suspeito. O presidente
Getúlio Vargas teve a iniciativa de suprimir o ensino em alemão nas
escolas (também o italiano e o japonês). A tese era a da unificação do
país, o que estava correto, mas ao preço de eliminar as diferenças, o que
foi tremendo. Muita gente parou de falar a língua, deixando de trans-
miti-la aos filhos e netos.
No interior, porém, essa perseguição parece ter poupado algu-
mas regiões, que preservaram uma ligação mais orgânica com a cultura
da língua alemã. Era gente com menos letras, menos cultura sofistica-
da, mas com grande capacidade de trabalho. Gente que por ter perma-
necido em contato com a tradição pôde passar adiante a língua e a
cultura. Gente que hoje, 180 anos depois dos primeiros a chegarem por
aqui, nos dá notícia de um jeito específico de ser.
Desses homens e mulheres simples nos ficou o “kerb”, festa origi-
nalmente feita em torno da igreja – parece que a palavra vem de Körbe,
plural de Korb, cesto, exatamente o cesto que cada família levava, cheio
de comida preparada em casa, para compartilhar com os amigos e vizi-
nhos. Nos ficou a chimia (Schmier), a cuca (Kuchen) e a mesa farta
para espantar o fantasma das fomes antigas. Ficaram símbolos de traba-
lho, alimento e partilha, o que afinal não é má idéia, antes ou agora.
L U Í S A U G U S T O F I S C H E R
LUÍS AUGUSTO FISCHER É PROFESSOR DE LITERATURA E ESCRITOR
94 Estilo Zaffari
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