A justiça transicional colombiana e as medidas de garantia para a reparação das vítimas
Transitional Justice in Colombia and Assurance Measures for the Indemnity of
Victims
Luiz Guilherme MarinoniProfessor Titular da UFPR. Diretor do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal.
Membro do Conselho da International Association of Procedural Law
Miguel Gualano de GodoyDoutor em Direito pela UFPR. Visiting Researcher na Harvard Law School. Assessor
de Ministro do STF
Resumo: O presente texto objetiva estabelecer uma relação entre a justiça de transição que vem sendo construída na Colômbia e o direito processual, especialmente com as medidas de garantia da tutela ressarcitória das vítimas.Palavras-Chave: Justiça de transição. Reconciliação. Colômbia. Reparação das vítimas. Medidas processuais de garantia
Abstract: This paper aims to establish a relationship between the transitional justice that is being built in Colombia and procedural law, especially with the assurance measures of indemnity for the protection of victims.Keywords: Transitional Justice. Reconciliation. Colombia. Right of victims to reparation. Measures to assure indemnity.
Sumário: 1. Introdução; 2. Justiça de Transição, Verdade, Memória e o Papel da Corte Interamericana de Direitos Humanos; 3. Em Busca da Reparação das Vítimas: 3.1. A Lei de Vítimas e Restituição de Terras (Lei 1.448/2011): Problemas e Possibilidades; 3.2. O Processo de Paz e o Acordo sobre Vítimas de Dezembro de 2015: o Primeiro Passo para as Reparações Efetivas; 4. Reconciliação, Direito Processual e Medidas Inominadas de Garantia: 4.1. Reconciliação, Tutela Ressarcitória das Vítimas e Direito à Tutela Jurisdicional Efetiva; 4.2. Restituição das Terras e Imissão Imediata na Posse; 4.3. Fundo Permanente de Reparação e Medidas de Garantia da Tutela Ressarcitória; 4.4. Medidas de Garantia, Confiança e Paz Social; 5. Considerações Finais
1. Introdução
1
O presente texto objetiva estabelecer uma relação entre a justiça de
transição que vem sendo construída na Colômbia e o direito processual,
especialmente com as medidas de garantia da tutela ressarcitória das
vítimas. O enfoque obviamente não pode prescindir da consideração do
momento transicional vivido na Colômbia.
O discurso é organizado e estruturado em dois momentos. A primeira
parte aborda os conceitos fundamentais que conformam a justiça de
transição, os direitos à memória e à verdade e a necessidade de reparação
das vítimas como pressuposto da reconciliação, além de fazer breve
consideração dos casos em que a Colômbia foi condenada por violação aos
direitos humanos pela Corte Interamericana. Na segunda é estabelecida uma
relação entre o processo de reconciliação, o direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva e as medidas inominadas de garantia da tutela
ressarcitória, demonstrando-se que estas têm relevante importância para a
concretização e o desenvolvimento do processo de paz.
2. Justiça de Transição, Verdade, Memória e o Papel da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Se a justiça de transição se caracteriza pelo elemento nominal que a
define – transição –, é certo que se refere a um momento passado que
precisa ser (re)conhecido, encarado, associado e superado1. É importante
desde logo esclarecer que, ao se tratar da justiça de transição a partir do
elemento transicional (temporário) que a define, não se pretende dizer que à
justiça de transição se soma, ainda que num futuro distante, qualquer
elemento de esquecimento. Ao contrário. Estabelecer uma justiça de
transição para (re)conhecer, encarar, associar e superar o estado conflitivo
de uma comunidade não significa jamais esquecer. Não se trata de
esquecimento, mas de memória. Somente a verdade sobre o conflito pode
trazer à luz a devida e exigida memória e construí-la sobre uma base pública 1 É importante salientar que a definição da justiça transicional se associa a períodos de mudanças políticas, caracterizadas pela existência de respostas jurídicas que têm o escopo de enfrentar os crimes acontecidos em regimes políticos anteriores. Cf. TEITEL, Ruti, Genealogía de la justicia transicional, In: Justicia Transicional. Manual para América Latina. Comisión de Amnistía del Ministerio de Justicia de Brasil, 2011, p. 135.
2
ampla, plural e coletiva. E é a partir delas (verdade e memória), com elas e
sobre elas que a justiça (de transição) se realiza, se concretiza, conhece e
reconhece o passado, memoria o conflito e confere papel protagonista às
vítimas, criando, assim, as condições de possibilidade para a construção de
um novo futuro. Portanto, justiça de transição é, a um só tempo, processo e
substância, forma e conteúdo, constituída por verdade, memória e
reparação2.
As transições experimentadas por diferentes países em situações
sempre distintas e peculiares, desde a sua primeira fase com a derrota da
Alemanha e Japão em 1945, passando pela segunda fase entre 1970 e 1989
com os países do sul da Europa, o ressurgimento das democracias latino-
americanas pós-ditaduras militares, o declínio da União Soviética e o
consequente ressurgimento de países (não sem conflitos externos e
internos), e, mais recentemente, a terceira fase com os países da chamada
“primavera árabe”, guardam um elemento comum: um conjunto de violações
– provenientes de ações estatais ou de grupos - a regras de proteção
mínimas e fundamentais dos direitos humanos3. Se os processos de
transição destes países possuem peculiaridades dadas as especificidades
dos seus conflitos, todos buscam equacionar as violações dos direitos
humanos e construir novas bases para o futuro. Um porvir assentado sobre
essas violações; não para ocultá-las, mas para lembrá-las e repará-las.
Deste modo, a justiça de transição se define por um conjunto de
respostas institucionais (políticas e jurídicas, sobretudo)4 e sociais às
violações aos direitos humanos perpetradas pelo Estado ou por grupos
2 O modelo restaurativo de justiça transicional caracteriza-se por ser um mecanismo institucional permeado pela existência das comissões da verdade. Estas comissões têm sido objeto de importante apoio mundial por constituírem modelos investigativos inspirados no direito à verdade e à memória. Cf. TEITEL, Ruti, ob. cit., p. 149.3 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Constitucional de Direito: perspectiva teórico-comparativa e análise do caso brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 105.4 Perceba-se que a institucionalidade inerente à justiça transicional compreende vários níveis. Como diz ELSTER, “la justicia transicional puede comprender numerosos niveles: institucionales supranacionales, estados-nación, actores corporativos e individuos”. Cfr. ELSTER, Jon. Rendición de cuentas. Madrid: Katz Editores. 2007, p. 114. No caso colombiano, o Estado é o principal ator no processo de transição posterior à guerra com as FARC.
3
dentro do território nacional5. Assim, a justiça de transição conhece e
reconhece não apenas fatos passados, mas os equaciona no presente para
projetar o futuro. Essa construção presente e projeção futura passa pela
responsabilização dos agentes violadores, pela reparação às vítimas e pelas
garantias de não repetição.
É certo que não há modelo único ou padrão para o processo de
justiça de transição. Este processo é sempre um caminho peculiar, no qual a
sociedade de cada país busca encontrar seu caminho para conhecer
amplamente e lidar com as violências do passado, equacionando-as
mediante a implementação de mecanismos que garantam os direitos à
memória e à verdade. De todo modo, a comunidade e a doutrina
internacionais sempre listam quatro obrigações a serem cumpridas: (i)
medidas razoáveis para prevenir violações de direitos humanos; (ii)
mecanismos e instrumentos que permitam a elucidação de situações de
violência; (iii) aparato legal que possibilite a responsabilização dos agentes
que praticaram as violações e (iv) reparação material e simbólica às vítimas6.
As medidas estruturantes de aclaração das violações de direitos humanos
permitem a responsabilização dos agentes perpetradores, a reparação das
vítimas e a adoção de medidas preventivas para evitar situações futuras de
violência. São esses os core terms da justiça de transição7.
As ações estatais colombianas têm, passo a passo e ao longo do
tempo, tentado dar conta destas exigências. São construções paulatinas,
com avanços e recuos, logros e perdas. De qualquer forma, estas previsões
estruturantes de um processo de justiça transicional têm origem e
5 Sem perder de vista que esta resposta institucional é global, isso quer dizer que dentro da justiça transicional deve importar não só a participação de atores políticos relevantes dotados de autoridade legal, mas também de autoridade moral, como a Igreja. Ver TEITEL, Ruti. ob cit., p. 155.6 SOARES, Inês Virgínia Prado. Verbete Justiça de Transição. In: Escola Superior do Ministério Público da União. Dicionário de Direitos Humanos. 2012. Vide também: FACHIN, Melina Girardi. Direito humano ao desenvolvimento e justiça de transição: olhar para o passado, compreender o presente e projetar o futuro. In: PIOVESAN, Flávia; SOARES, Inês Virgínia Prado (Coords.). Direitos Humanos Atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 145-148.7 FACHIN, Melina Girardi. Direito humano ao desenvolvimento e justiça de transição: olhar para o passado, compreender o presente e projetar o futuro. In: PIOVESAN, Flávia; SOARES, Inês Virgínia Prado (Coords.). Direitos Humanos Atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p.148.
4
confirmação na jurisprudência internacional sobre o tema8. Nesse sentido, é
de se destacar os reiterados julgados da Corte Interamericana de Direitos
Humanos que têm condenado o Estado Colombiano por assassinatos,
massacres e deslocamentos internos. Estes julgados demonstram a
necessidade de que providências sejam tomadas, fazendo parte, assim, da
construção que se exige e se espera de uma justiça transicional.
Desde o leading case Velásques Rodrigues Vs. Honduras sobre
desaparecimento forçado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem
criado e consolidado firme entendimento sobre a necessidade de limitação da
violência institucionalizada e rechaço aos atos de terrorismo e barbárie
cometidos pelo aparato estatal em nome da segurança.
Das várias condenações da Colômbia por violação aos direitos
humanos, seis resultaram de massacres (casos las Palmeras, Diecinueve
Comerciantes, Masacre de Mapiripán, Masacre de Pueblo Bello, Masacres de
Ituango y Masacre de la Rochela) e foram os que demandaram maiores
dispêndios econômico-financeiros por parte do Estado. É importante lembrar
que nos casos Caballero Delgado y Santana Vs. Colombia e Las Palmeras
Vs. Colombia as reparações se limitaram a indenizações pecuniárias às
vítimas. Apenas a partir do caso Diecinueve Comerciantes Vs. Colombia – a
terceira condenação do Estado colombiano - é que as reparações passaram
a exigir atos e medidas simbólicos, como a construção de monumentos em
memória dos desaparecidos, pedidos públicos de desculpas e a difusão de
normas sobre os direitos humanos, além do conhecimento e aplicação destas
normas pelos órgãos estatais, especialmente aqueles implicados nos atos de
violações9.
8 Previsões estruturantes que, desde o ano 2000, respondem também aos esforços organizados das vítimas da violência na legítima tentativa e desejo de reconstruir as suas histórias e comunicá-las ao mundo. Cf. REÁTEGUI, Félix, Las víctimas recuerdan. Notas sobre la práctica social de la memoria. In: Justicia Transicional. Manual para América Latina. Comisión de Amnistía del Ministerio de Justicia de Brasil, 2011, p. 359.9 No entanto, muitas dessas determinações não têm sido cumpridas ou tardaram a ser efetivadas pelo Estado Colombiano (casos Gutiérrez Soler Vs. Colombia, Masacre de Mapiripán Vs. Colombia, Masacres de Ituango Vs. Colombia, Caballero Delgado y Santana Vs. Colombia) V. CUASTUMAL MADRID, Julio César. Casos Colombianos Fallados por la Corte Interamericana de Derechos Humanos – estudios a traves de la teoría del derecho procesal. 2013, p. 290.
5
As condenações do Estado colombiano demonstram que a justiça de
transição e o processo de paz são marcados por avanços e retrocessos10. A
Corte teve importante papel ao dar início à responsabilização do Estado e
exigir o reconhecimento estatal pelas violações de direitos humanos, mas o
Estado Colombiano teve importantes iniciativas, como a edição da Lei de
Vítimas e Restituição de Terras (Lei 1.448/2011) e agora o processo de paz
que está sendo construido com as FARC ao longo de diversas rodadas de
negociação em Havana11.
3. Em Busca da Reparação das Vítimas
3.1. A Lei de Vítimas e Restituição de Terras (Lei 1.448/2011): Problemas e Possibilidades
A Corte Constitucional colombiana, em 200412, reconheceu a
restituição das terras como forma de tutela reparatória das vítimas. A Lei de
Vítimas e Restituição de Terras (Lei 1.448/2011) possui dispositivos de
natureza processual e de direito material que possibilitam a reparação. Esta
Lei constitui importante instrumento para a consolidação do processo de paz
colombiano. É certo que representa iniciativa pontual, que deve se conjugar a
10 Tal como registra REÁTEGUI no que tange às particularidades do processo transicional colombiano e às suas dificuldades: “la sociedad y el Estado colombianos, enfrentados a una violencia armada de décadas constituyen un escenario interesante de esa tensión político-cultural que habita en la globalización. Durante mucho tempo, a lo largo del siglo XX, las discusiones sobre la paz en Colombia han estado centradas en un esquema istitucionalista de negociaciones y de pactos. Hay huellas vivas de esa aproximación en figuras legales como la del delito político, tipo penal infrecuente en otras sociedades de América Latina. Ese esquema, no desapareció del todo, convive ahora de manera incómoda con el lenguaje internacional del humanitarismo, centrado en la imposible impunidad para ciertos crímenes atroces y en el lugar central que los derechos de las víctimas han de tener en cualquier opción pacificadora”. Cf. REÁTEGUI, Félix, ob.cit., p. 363. Assim, não somente na Colômbia, mas em qualquer país em que se instalar um processo de transição, existirá a dicotomia entre o humanitarismo no processo de transição e o desejo daqueles que procuram a responsabilização e a punição. 11 Os reiterados julgados da Corte Interamericana têm importante caráter simbólico, na medida em que as condenações pelos massacres e deslocamentos internos forçados também servem para a memória das graves violações de direitos humanos.12 Sentença T025
6
outras outras tantas medidas estatais, mas certamente deve ser vista como
um dos elementos do processo de paz em construção.
Admite-se que as demandas de restituição têm gerado dificuldades.
Ao regulamentar a Lei 1.448/2011 (Decretos 4.829/2011 e 599/2012), o
Governo Nacional estabeleceu como requisito para a restituição estar o bem
imóvel em uma área que tenha sido “macro-focalizada” e “micro-focalizada”
pelo Ministério da Defesa como região em que há condições mínimas de
segurança para o retorno das vítimas. Estas condições de segurança são
vistas basicamente como uma garantia de que a restituição das terras não
colocará as vítimas numa posição suscetível a novas violências. De 2012 a
abril de 2015 foram apresentadas mais de 80.000 solicitações de restituição
de terras. Por volta de 31.000 tiveram seguimento por encontrarem-se em
áreas micro-focalizadas. Desse número, apenas 11.129 foram inscritas no
Registro Administrativo13. Significa que a persistência do conflito e da
violência impedem a implementação da lei. Ademais, aproximadamente 80%
das demandas de restituição não são admitidas pela falta de registros prévios
sobre a propriedade ou pela falta de provas sobre a posse. A lentidão do
processo também é fator que colabora para a baixa eficácia da efetiva
restituição de terras14.
Em 2015, a Corte Constitucional colombiana decidiu15 que o Governo
Nacional deveria elaborar em seis meses um plano estratégico de restituição
de terras, abarcando todo o território nacional, para a restituição de todos os
prédios espoliados (despojados) no prazo de 10 anos - previsto na própria Lei
de de Vítimas e Restituição de Terras -, indicando como e quanto a
restituição ocorreria.
A negociação de paz atualmente em andamento deve mitigar a
primeira dificuldade (permanência do conflito e da violência). De toda forma,
a exigência de um plano nacional que leve em conta a demarcação das
zonas de conflito, terras expropriadas ou abandonadas é um importante
13SANTANA RODRÍGUEZ. Pedro. Restitución de Tierras: ¿cómo acelarar el proceso? Disponível em: http://www.razonpublica.com/index.php/conflicto-drogas-y-paz-temas-30/9036-restitución-de-tierras-¿cómo-acelerar-el-proceso.14SANTANA RODRÍGUEZ. Pedro. Restitución de Tierras: ¿cómo acelarar el proceso? Disponível em: http://www.razonpublica.com/index.php/conflicto-drogas-y-paz-temas-30/9036-restitución-de-tierras-¿cómo-acelerar-el-proceso15 Sentença T-679, 2015.
7
começo. A regularização das terras e edificações cuja propriedade não pode
ser identificada certamente poderá ser beneficiada por políticas públicas de
assentamento rural e habitação urbana. Ações de desapropriação e ações
coletivas também podem auxiliar, assim como a criação de órgãos
administrativos voltados especificamente ao assunto.
A Lei de Vítimas e Restituição de Terras é muito importante e talvez
tenha sido a primeira iniciativa em busca de efetiva resposta às vítimas. Mas,
ao mesmo tempo, foi uma resposta reativa e fragmentada. Portanto, deve ser
reconhecida como limitada e carente de aperfeiçoamento contínuo.
3.2. O Processo de Paz e o Acordo sobre Vítimas de Dezembro de 2015: o Primeiro Passo para as Reparações Efetivas
Em 26 de agosto de 2012 tiveram início as conversações que
resultaram no Acordo Geral para o Fim do Conflito e a Construção de uma
Paz Estável e Duradoura. O Acordo estabeleceu uma Agenda fundamentada
em seis pontos: (i) política de desenvolvimento integral; (ii) participação
política; (iii) fim do conflito; (iv) solução para o problema das drogas ilícitas;
(v) vítimas; (vi) implementação, verificação e referendo16.
No transcurso das negociações em Havana, estabeleceu-se uma
Declaração de Princípios para a discussão do ponto 5 - relativo às vítimas -,
com o objetivo de satisfazer os direitos das vítimas à verdade, à justiça, à
reparação e às garantias de não repetição da violência. Foram estabelecidos
dez princípios pelas partes17:
1. El reconocimiento de las víctimas: Es necesario reconocer a
todas las víctimas del conflicto, no solo en su condición de víctimas,
sino también y principalmente, en su condición de ciudadanos con
derechos.
16 Sobre o Acordo Geral para o Fim do Conflito e a Construção de uma Paz Estávele Duradoura,ver:https://www.mesadeconversaciones.com.co/sites/default/files/AcuerdoGeneralTerminacionConflicto.pdf17 Sobre os princípios para a discussão do item 5 da Agenda ver: https://www.mesadeconversaciones.com.co/comunicados/comunicado-conjunto-la habana-07-de-junio-de-2014#sthash.7Mh6cDVD.dpuf
8
2. El reconocimiento de responsabilidad: Cualquier discusión
de este punto debe partir del reconocimiento de responsabilidad
frente a las víctimas del conflicto. No vamos a intercambiar
impunidades.
3. Satisfacción de los derechos de las víctimas: Los derechos
de las víctimas del conflicto no son negociables; se trata de ponernos
de acuerdo acerca de cómo deberán ser satisfechos de la mejor
manera en el marco del fin del conflicto.
4. La participación de las víctimas: La discusión sobre la
satisfacción de los derechos de las víctimas de graves violaciones de
derechos humanos e infracciones al Derecho Internacional
Humanitario con ocasión del conflicto, requiere necesariamente de la
participación de las víctimas, por diferentes medios y en diferentes
momentos.
5. El esclarecimiento de la verdad: Esclarecer lo sucedido a lo
largo del conflicto, incluyendo sus múltiples causas, orígenes y sus
efectos, es parte fundamental de la satisfacción de los derechos de
las víctimas, y de la sociedad en general. La reconstrucción de la
confianza depende del esclarecimiento pleno y del reconocimiento de
la verdad.
6. La reparación de las víctimas: Las víctimas tienen derecho a
ser resarcidas por los daños que sufrieron a causa del conflicto.
Restablecer los derechos de las víctimas y transformar sus
condiciones de vida en el marco del fin del conflicto es parte
fundamental de la construcción de la paz estable y duradera.
7. Las garantías de protección y seguridad: Proteger la vida y
la integridad personal de las víctimas es el primer paso para la
satisfacción de sus demás derechos.
8. La garantía de no repetición: El fin del conflicto y la
implementación de las reformas que surjan del Acuerdo Final,
constituyen la principal garantía de no repetición y la forma de
asegurar que no surjan nuevas generaciones de víctimas. Las
medidas que se adopten tanto en el punto 5 como en los demás
puntos de la Agenda deben apuntar a garantizar la no repetición de
9
manera que ningún colombiano vuelva a ser puesto en condición de
víctima o en riesgo de serlo.
9. Principio de reconciliación: Uno de los objetivos de la
satisfacción de los derechos de las víctimas es la reconciliación de
toda la ciudadanía colombiana para transitar caminos de civilidad y
convivencia.
10. Enfoque de derechos: Todos los acuerdos a los que lleguemos
sobre los puntos de la Agenda y en particular sobre el punto 5
“Víctimas” deben contribuir a la protección y la garantía del goce
efectivo de los derechos de todos y todas. Los derechos humanos
son inherentes a todos los seres humanos por igual, lo que significa
que les pertenecen por el hecho de serlo, y en consecuencia su
reconocimiento no es una concesión, son universales, indivisibles e
interdependientes y deben ser considerados en forma global y de
manera justa y equitativa. En consecuencia, el Estado tiene el deber
de promover y proteger todos los derechos y las libertades
fundamentales, y todos los ciudadanos el deber de no violar los
derechos humanos de sus conciudadanos. Atendiendo los principios
de universalidad, igualdad y progresividad y para efectos de
resarcimiento, se tendrán en cuentan las vulneraciones que en razón
del conflicto hubieran tenido los derechos económicos, sociales y
culturales.
Em Havana, as vítimas encontraram-se com o Governo e as FARC
para exporem as suas versões sobre o conflito. Isto para que pudessem ser
expostos os sentimentos dos mais de sete milhões de vítimas do conflito no
país18. O item seis da Declaração de Princípios estabelece de forma clara o
dever de reparação às vítimas. Além das medidas unilaterais que vinham
sendo tomadas pelo Estado Colombiano (Lei de Vítimas e Restituição de
Terras e o reconhecimento pela Corte Constitucional Colombiana do estado
de coisas inconstitucional dos deslocados internos), a partir dessa
18 Segundo a Rede Nacional de Informação e o Registro Único de Vítimas (RUV) do Governo da Colômbia, já se contabilizou, até 01 de fevereiro de 2016, 7.902.807 vítimas. Ver: http://rni.unidadvictimas.gov.co/?q=node/107#sthash.7Mh6cDVD.dpuf
10
Declaração de Princípios ambas as partes reconhecem o dever de reparação
às vítimas19. De modo que a reparação deixa de ser responsabilidade
exclusiva do Estado e passa a ser compartilhada pelas demais partes
envolvidas no conflito.
Dado o acordo comum sobre a devida reparação das vítimas, em
dezembro de 2015 foi realizado o comunicado conjunto (Comunicado
Conjunto 64) em que se firmou o Acuerdo sobre las Víctimas del Conflicto
“Sistema Integral de Verdad, Justicia, Reparación y no Repetición”20. Este
Acordo estabelece a combinação de mecanismos judiciais e extrajudiciais de
reparação através de “medidas que buscan asegurar la reparación integral de
las víctimas, incluyendo los derechos a la restitución, la indemnización, la
rehabilitación, la satisfacción y la no repetición; y la reparación colectiva de
los territorios, las poblaciones y los colectivos más afectados por el conflicto y
más vulnerables, en el marco de la implementación de los demás acuerdos.
Con este fin, se fortalecerán los mecanismos existentes, se adoptarán
nuevas medidas, y se promoverá el compromiso de todos con la reparación
del daño causado”.
4. Reconciliação, Direito Processual e Medidas Inominadas de Garantia
4.1. Reconciliação, Tutela Ressarcitória das Vítimas e Direito à Tutela Jurisdicional Efetiva
A reparação integral das vítimas é pressuposto de toda e qualquer
justiça de transição. No caso colombiano, deixou-se explicitado em
Declaração de Princípios que a reparação dos direitos das vítimas é parte
19 Destaque-se também a criação da Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, a realização de foros regionais e nacionais sobre vítimas e o histórico encontro de vítimas com os rebeldes e o Governo em Havana. A Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas foi criada em 05 de agosto de 2014 e em fevereiro de 2015 entregou um Relatório com 809 páginas com informes com as diferentes visões sobre o conflito e a complexidade da tarefa de se atribuir responsabilidades a um único ator.20 Sobre o Acuerdo sobre las Víctimas del Conflicto “Sistema Integral de Verdad, Justicia, Reparación y No Repetición”, incluyendo la Jurisdicción Especial para la Paz; y Compromiso sobre Derechos Humanos ver: https://www.mesadeconversaciones.com.co/comunicados/comunicado-conjunto-64-la-habana-15-de-diciembre-de-2015
11
fundamental da construção da paz estável e duradoura. Em outras palavras,
o projeto de reconciliação colombiano depende da efetiva e integral
reparação das vítimas.
Não há dúvida, portanto, que o direito processual pode colaborar com
a reconciliação. Ora, se a reconciliação depende da integral reparação das
vítimas, cabe relacioná-la com o direito fundamental à tutela jurisdicional
efetiva.
As formas adequadas de tutela ressarcitória são garantidas pelo direito
substancial, ao passo que as técnicas processuais idôneas ao seu alcance
derivam do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Esta percepção é
importante para evidenciar que as formas de tutela jurisdicional dos direitos e
o uso das técnicas processuais idôneas, embora devam ser reguladas por lei,
não podem ser obstaculizadas pela lei nem pela sua ausência.
As vítimas da violência na Colômbia não apenas têm direito à
reparação. Têm direito às formas de tutela ressarcitória idôneas à proteção
dos seus direitos. De nada adianta atribuir direitos sem garantir a
disponibilidade de formas de tutelas adequadas à necessidade da proteção
dos direitos21. Como é óbvio, há grande diferença entre ter direito e ter direito
à tutela ressarcitória específica e à tutela ressarcitória pelo equivalente.
De qualquer maneira, as formas de tutela – como por exemplo a
ressarcitória na forma específica - não dependem do direito processual22. As
formas de tutela são corolários do direito material. A existência de direitos
humanos tem, como consequência, a predisposição das formas de tutela
ressarcitória idôneas a quem sofreu danos ou violências, como os que foram
praticados durante o conflito colombiano.
É certo que as vítimas têm, quando faticamente possível, direito à
tutela ressarcitória na forma específica. Nessa situação, não há como lhes
dar tutela ressarcitória pelo equivalente monetário sob a suposição de que
está sendo prestada a devida reparação. Quando a obtenção do
ressarcimento na forma específica ou in natura é concretamente viável, não 21 DI MAJO, Adolfo, La Tutela Civile dei Diritti, Milano: Giuffrè, 1993, p. 6 e ss; DI MAJO, Adolfo, Forme e Tecniche di Tutela, In: Forme e Tecniche di Attuazione dei Diritti, v. 1, Napoli: Jovene, 1989, p. 11 e ss.
22 MARINONI, Luiz Guilherme, La Efectividad de los Derechos y la Necesidad de un Nuevo Proceso Civil. Libro de Ponencias del II Congreso Internacional de Derecho Procesal. Lima: Universidad de Lima, 2002, p. 94-103.
12
há como transformá-lo em dinheiro para reparar a vítima. A prioridade do
ressarcimento na forma específica sequer precisa estar prevista na lei, uma
vez que é imposição que decorre da própria natureza dos direitos e do direito
fundamental à tutela efetiva23. Isso significa que, quando há direito à
restituição da terra ou do prédio espoliado, não se pode pretender indenizar
pelo equivalente em dinheiro no caso em que o retorno à posse do bem é
faticamente possível.
Importa advertir que ressarcimento na forma específica não significa
mero restabelecimento da situação anterior a do ilícito, mas o
estabelecimento da situação que deveria existir caso o dano não houvesse
ocorrido. Quando é impossível o estabelecimento de uma situação
equivalente àquela que existiria caso o dano não houvesse ocorrido, mas é
viável somente o estabelecimento da situação anterior à do dano, ou de uma
situação que satisfaz em parte à necessidade de sua reparação, o
ressarcimento na forma específica deve ser cumulado com o ressarcimento
pelo equivalente em pecúnia24. Ou seja, quando a tutela ressarcitória na
forma específica não é suficiente para reparar integralmente o dano, esse
exige a cumulação das duas formas de ressarcimento. Não parece que a
23 Como a tutela jurisdicional ressarcitória adequada é, antes de tudo, a tutela que efetivamente repara o dano, não há como impor ao lesado o equivalente em pecúnia, a não ser nos casos de onerosidade excessiva. Aludindo à impropriedade do ressarcimento pelo equivalente, adverte Jorge Mosset Iturraspe que em alguns casos resultará odioso admitir que com dinheiro “tudo é possível”, e que aquele que não cumpre sua obrigação ou destrói bens pode se liberar da sua responsabilidade pagando uma soma em pecúnia. De acordo com Iturraspe, esta tese é “materialista en exceso y aferrada a una defensa de la libertad del deudor inadmisible” (MUSSET ITURRASPE, Jorge, Responsabilidad por Daños, Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 1998. p. 380). Tratando da preferência do ressarcimento na forma específica sobre o ressarcimento em dinheiro, adverte João Calvão da Silva, perante o direito português, que a primeira forma de ressarcimento “é preferível, pois afasta e remove integralmente o dano real ou concreto, reconstitui o estado de coisas anterior à lesão, restabelece a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – dando à vítima aquilo de que foi privada. É o modo ideal de ressarcimento”. (SILVA, João Calvão da, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória. Coimbra: Almedina, 1987. p. 153-154). Ver MARINONI, Luiz Guilherme, Técnica Processual e Tutela dos Direitos, 3a. ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 311 e ss).
24 Este é o conceito empregado no § 249 do Código Civil alemão. Como explica Helmut Rübmann, “Wer Pflanzen zerstört, mub zur Herstellung solche Pflanzen oder auch Früchte liefern, wie sie sich bis zum Herstellungszeitpunkt beim Gläubiger entwickelt hätten” (RÜBMANN, Helmut, Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, Darmstadt: Luchtenhand, 1980, p. 186).
13
restituição das terras possa ser suficiente para reparar as vítimas; haverá
sempre a necessidade de agregar à restituição um valor capaz de
integralmente tutelá-las.
Porém, a efetiva reparação das vítimas também depende de formas de
ressarcimento que nem permitem o estabelecimento da situação que existiria
caso o dano não houvesse ocorrido nem indenizam em pecúnia. Como já
dito, a própria Corte Interamericana vem exigindo providências como a
construção de monumentos em memória dos desaparecidos, pedidos
públicos de desculpas e a difusão de normas sobre os direitos humanos.
Estas hipóteses também são de ressarcimento na forma específica,
assemelhando-se aos casos em que se determina a publicação da sentença
ou a retificação de notícia para a reparação do dano25. Tais formas de tutela
ressarcitória lato sensu específicas são, especialmente quando o dano é
insuscetível de determinação em concreto26, imprescindíveis para o efetivo
ressarcimento das vítimas.
25 Referindo-se à publicação da sentença como forma de tutela ressarcitória na forma específica, diz Grazia Ceccherini: “La giurisprudenza, tuttavia, almeno sotto il profilo della funzione, sembra orientata ad accostare tale rimedio alla riparazione in natura. E, almeno da questo punto di vista, non si può negare che i due rimedi presentino una certa similitudine, se si considera che anche la pubblicazione della sentenza di merito ha quale scopo essenziale quello di eliminare gli effetti pregiudizievoli che si ricollegano al fatto illecito lesivo dell’onore, della reputazione, o del prestigio, portando a conoscenza di una determinada cerchia di soggetti interessati, l’accertamento giudiziale della verità o, comunque, di un apprezzamento sulla personalità del soggetto leso contrario a quello suggerito in precedenza dal semplice svolgimento dei fatti o dalla versione soggettiva di essi” (CECCHERINI, Grazia, Risarcimento del Danno e Riparazione in Forma Specifica, Milano: Giuffrè, 1989, p. 75-76). Ver, também, CHIANALE, Angelo, Diritto soggettivo e Tutela in Forma Specifica, Milano: Giuffrè, 1993, p. 99 e ss.
26 A doutrina alemã admite que o ressarcimento na forma específica se aplica aos danos de natureza patrimonial e não-patrimonial. Como afirma Othmar Jauernig, “im Rahmen der Naturalrestitution besteht keine Trennung zwischen Vermögensschaden und Nichtvermögenssachaden (vgl Anm II vor § 249), § 253 gilt nur für den Geldersatz. Bsp: Widerruf einer beleidigenden Behauptung (BGB 37, 187); Abdruck einer Gegendarstellung bei einer Ehrverletzung (Köln NJW 62, 1348); Entfernung eines unrichtigen Zeugnisses aus der Personalakte (BAG NJW 72, 2016); Herausgabe von Abschriften eines widerrechtlich kopierten Briefes (RG 94, 4)” (JAUERNIG, Othmar, Bürgerliches Gesetzbuch mit Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen Geschäftsbedingungen, München, CH, Beck’ische Verlagsbuchhandlung, 1994, p. 225). No mesmo sentido, Helmut Rubmann fala em prejuízos imateriais que dizem respeito à esfera geral dos direitos da personalidade. Lembra, então, que a retificação de uma alegação injuriosa constitui forma de reparação do dano imaterial. (RÜBMANN, Helmut, Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, cit, p. 188).
14
De outro lado, o direito processual tem o dever de instituir as técnicas
processuais capazes de viabilizar a obtenção da tutela prometida pelo direito
substancial27. Ou seja, a lei processual deve se preocupar com os
procedimentos e as técnicas idôneos ao alcance das tutelas dos direitos.
Trata-se de dever normativo do Estado (do legislador), cujo cumprimento é
indispensável à tutela dos direitos humanos28.
A instituição dos procedimentos e técnicas processuais não está
entregue à liberdade do legislador. Esse não pode estabelecer qualquer
procedimento ou técnica processual; tem o dever de desenhar o instrumento
processual idôneo a permitir a efetiva tutela do direito material29. O legislador
não tem liberdade para fixar técnica processual que, embora permita a tutela
do direito, não viabilize a tutela jurisdicional efetiva do direito. Não há escolha
27 No direito italiano, sustenta-se que o art. 24 da Constituição da República garante o direito à tutela jurisdicional efetiva e tempestiva. Comoglio, ao comentar a referida norma da Constituição italiana, diz o seguinte: “Al di là di ogni diatriba teorica, il problema cruciale dell’accesso alla giustizia sta, in ultima analisi, nell’effettività della tutela giudiziaria. Non basta riconoscere, in astratto, la ‘libertà di agire’ e garantire a ‘tutti’, almeno formalmente, l’occasione di esercitarla, proponendo al giudice la domanda di tutela. Limitarsi a tale configurazione, nel catalogo tradizionale delle libertà civili, significa disconoscere il senso profondamente innovativo dei diritti ‘sociali’ di libertà (ed, in particolare, di quello attribuito ai non abbienti dal 3 comma della norma in esame), nei loro inevitabili riflessi sull’amministrazione della giustizia. Occorre, dunque, assicurare a qualsiasi individuo, indipendentemente dalla sua abbienza o dalle condizioni personali e sociali, non certo (in termini statistici) la probabilità, né tantomeno la certezza, ma in ogni caso la possibilità, seria e reale, di ottenere adeguata tutela dall’organo giurisdizionale adito” (COMOGLIO, Luigi Paolo, Commentario della Costituzione, (a cura di G. Branca), Bologna-Roma, Zanichelli-Foro italiano, 1981, p. 10). Ver, ainda, PISANI, Andrea Proto, Brevi note in tema di tutela specifica e tutela risarcitoria, Foro Italiano, 1983, p. 128 e ss; TARUFFO, Michele, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione, Rivista Critica del Diritto Privato, 1986, p. 635 e ss; ANDOLINA, Italo; VIGNERA, Giuseppe, Il modello costituzionale del processo civile italiano, Torino: Giappichelli, 1990, p. 89 e TOMMASEO, Ferruccio, Appunti di diritto processuale civile. Torino: Giappichelli, 1995, p. 169 e ss.
28 Uma importante consequência da dimensão objetiva está em estabelecer ao Estado um dever de proteção dos direitos fundamentais. Esse dever de proteção relativiza “a separação entre a ordem constitucional e a ordem legal, permitindo que se reconheça uma irradiação dos efeitos desses direitos (Austrahlungswirkung) sobre toda a ordem jurídica” (MENDES, Gilmar Ferreira, Âmbito de proteção dos direitos fundamentais e as possíveis limitações, Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 209). Diante dele, fica o Estado obrigado a proteger os direitos fundamentais mediante prestações normativas (normas) e fáticas (ações concretas). 29 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel, Direitos fundamentais processuais, in: Curso de Direito Constitucional (Sarlet, Marinoni e Mitidiero), 5a. ed., São Paulo: Saraiva, 2016, p. 729 e ss.
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legítima entre maior ou menor efetividade da técnica processual; há sempre
que ser eleita a técnica processual que abra oportunidade à efetiva prestação
da tutela do direito30.
Bem por isso, o juiz – que também tem dever de tutelar os direitos
fundamentais, inclusive o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva –
não pode deixar de prestar a tutela jurisdiciona efetiva por não haver técnica
processual idônea prevista na lei. Ora, se os direitos fundamentais têm
eficácia vertical sobre o Estado e, portanto, também incidem sobre o juiz31, a
omissão do legislador obviamente não justifica a do juiz32. Se o direito
fundamental à tutela efetiva exige que o juiz esteja munido de poder
suficiente para a efetiva tutela dos direitos, a ausência de técnica processual
idônea é sinal de insuficiência de tutela normativa ao direito fundamental à
tutela jurisdicional efetiva, o que abre oportunidade para o seu controle
judicial no caso concreto33. 30 MARINONI, Luiz Guilherme, Il Diritto alla Tutela Giurisdizionale Effettiva nella Prospettiva della Teoria dei Diritti Fondamentali, In: Studi di Diritto Processuale Civile in Onore di Giuseppe Tarzia, v. 1, Milano: Giuffrè, 2005, p. 93-162; MARINONI, Luiz Guilherme; PEREZ RAGONE, Alvaro, Fundamentos del Proceso Civil, Santiago: Abeledo-Perrot/Thomson Reuters, 2011. 31 Quando se fala nas eficácias vertical e horizontal dos direitos fundamentais, deseja-se aludir à distinção entre a eficácia dos direitos fundamentais sobre o Poder Público e nas relações entre os particulares. Existe eficácia vertical na vinculação do legislador, do administrador e do juiz aos direitos fundamentais. Há eficácia horizontal – também chamada de “eficácia privada” ou de “eficácia em relação a terceiros” (“Drittwirkung”, na expressão alemã) – nas relações entre particulares, embora se sustente que, no caso de manifesta desigualdade entre dois particulares, também possa existir eficácia vertical. Ver MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel, Novo Curso de Processo Civil, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015, p. 82 e ss.32 MARINONI, Luiz Guilherme, L'insufficienza di Tutela Normativa al Diritto Fondamentale di Azione, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 2015, p. 915 e ss.33 Claus-Wilhelm Canaris acentua que a função dos direitos fundamentais de imperativo de tutela carece, para a sua realização, da transposição pelo direito infraconstitucional. Em razão disso, diz que ao legislador fica aberta uma ampla margem de manobra entre as proibições de insuficiência e de excesso. Essa margem, contudo, não é a mesma que está liberada à intervenção judicial. Sobre isso é importante perceber com Canaris que a proibição de insuficiência não coincide com o dever de proteção, mas tem, antes, uma função autônoma relativamente a este. Trata-se de dois percursos argumentativos distintos, pelos quais, em primeiro lugar, se controla se existe um dever de proteção, e, depois, em que termos deve este ser realizado pelo direito ordinário sem descer abaixo do mínimo de proteção jurídico-constitucionalmente exigido. Portanto, o controle de insuficiência só pode garantir que a proteção satisfaça as exigências mínimas na sua eficiência. Ao juiz cumpre apenas o controle de insuficiência, não pode ele ir
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4.2. Restituição das Terras e Imissão Imediata na Posse
O Acordo de dezembro de 2015 (Acuerdo sobre las Víctimas del
Conflicto “Sistema Integral de Verdad, Justicia, Reparación y No Repetición”,
incluyendo la Jurisdicción Especial para la Paz; y Compromiso sobre
Derechos Humanos) constituiu um passo firme para que os direitos das
vítimas sejam efetivamente reparados pelo Estado, pelas FARC e pelos
demais envolvidos no conflito. Nesse sentido, o enfoque territorial coletivo, já
referido quando da abordagem dos problemas enfrentados diante da Lei de
Vítimas e Restituição de Terras, pode se apresentar como um importante
mecanismo de reparação. A reparação de uma comunidade de pessoas que
foi forçadamente deslocada de suas terras pode encontrar adequada
resposta na restituição das áreas por meio de ação coletiva. A aplicação da
técnica de coletivização de demandas individuais apresenta a vantagem de
aglutinar causas individuais sob a responsabilidade de apenas um sujeito.
Esse representará o grupo em uma espécie de legitimação especial, ao
mesmo tempo ordinária e extraordinária, de tal forma que os efeitos da
decisão judicial possam valer para todos e desde que observada a devida
representatividade34. Este tipo de coletivização da demanda também
possibilita que eventuais terceiros (atuais ocupantes das terras, por exemplo)
tenham seus interesses levados em conta35.
Não seria adequado que, ao se resolver o problema, fosse criado
outro. O retorno das comunidades desapossadas às áreas que ocupavam
não pode servir de mote para a criação de outro grave problema social,
consistente na simples remoção dos atuais moradores, sem que se lhes dê
outra lugar para viver. Nesse sentido, a técnica da tutela coletiva, por permitir
além disso. Ver CANARIS, Claus-Wilhelm, Grundrechtswirkungen und Verhältnismässig-keitsprinzip in der richterlichen Anwendung und Fortbildung des Privatsrechts, JuS, 1989. 34 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz, Collective Tort Litigation and Due Process of Law: the Brazilian Experience, International Journal of Procedural Law, 2014, 4, p. 42 e ss.35 ARENHART, Sérgio Cruz, A Tutela Coletiva de Interesses Individuais: para além a proteção de interesses individuais homogêneos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 205-207.
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a focalização do problema em sua devida amplitude, pode colaborar para a
acomodação da questão em sua integralidade.36
Ademais, como a demora do processo, claramente diante do direito à
restituição de terras, agrava o dano causado às vítimas37, é importante prever
uma técnica que permita, evidenciado prima facie determinados requisitos, a
imissão imediata da vítima na posse da terra ou do prédio a que tem direito
de obter a restituição. Tal técnica tem uma nítida função de antecipação da
tutela do direito material38.
4.3. Fundo Permanente de Reparação e Medidas de Garantia da Tutela Ressarcitória
O aporte de recursos materiais por meio dos bens e recursos
financeiros que as partes dispõem pode propiciar a tutela ressarcitória pelo
equivalente em dinheiro às vítimas. Esta forma de tutela ressarcitória ainda
deve ser objeto de maior reflexão. De toda forma, a criação de um Fundo
Permanente de Reparação, a ser alimentado tanto pelo Estado quanto pelas
FARC, pode ser uma via concreta e de longo prazo para a indenização das
vítimas. Considerando-se o Fundo, o Estado poderia aportar recursos de
36 BERIZONCE. Roberto Omar, Las tutelas procesales diferenciadas como proyección del movimiento del acceso a la Justicia, in: Tutelas procesales diferenciadas de los derechos económicos, sociales y culturales. (Coord. Roberto O. Berizonce e Felipe Fucito), La Plata: Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales, 2014, passim.37 Lembre-se que a morosidade do processo atinge de modo muito mais acentuado os que têm menos recursos. A demora certamente pode ser compreendida como um custo, e esse é tanto mais árduo quanto mais dependente o autor é do valor patrimonial buscado em juízo. Quando o autor não depende economicamente do valor em litígio, ele obviamente não é afetado como aquele que tem a sua vida vinculada à obtenção do bem ou do capital objeto do processo. Como advertiu Cappelletti no trabalho “O processo como fenômeno social de massa”, “a duração excessiva é fonte de injustiça social, porque o grau de resistência do pobre é menor do que o grau de resistência do rico; esse último, e não o primeiro, pode normalmente esperar sem grave dano uma justiça lenta” (CAPPELLETTI, Mauro, El proceso como fenómeno social de masa, in: Proceso, ideologías, sociedad, Buenos Aires: EJEA, 1974, p. 133-134). O Conselho Superior de Magistratura italiana já disse que um juízo lento e intrincado dá lugar a fenômenos de compressão dos direitos fundamentais do cidadão. (cf. CARPI, Federico, La provvisoria esecutorietà della sentenza, Milão: Giuffrè, 1979, p. 12).38 MARINONI. Luiz Guilherme, Antecipação da tutela, 12a. ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012, passim.
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forma paulatina, gradual e permanente, enquanto as FARC poderiam
entregar recursos financeiros e bens para que possam ser leiloados e
transformados em dinheiro. Deste modo, o Fundo Permanente de Reparação
seria composto de forma multilateral e possibilitaria a reparação permanente
e contínua das vítimas.
Nessa dimensão, as medidas processuais de garantia podem ser
vocacionadas a garantir os aportes mínimos a serem estabelecidos pelos
responsáveis (Governo, FARC, paramilitares). Deste modo, a medida
cautelar poderia funcionar em favor da garantia de uma efetiva reparação, à
semelhança do que ocorre nos processos concursais (falência e insolvência
civil), em que vigora o princípio da par conditio creditorum, evitando que
alguns sejam beneficiados em detrimento dos demais. Assim, para que o
fundo não se esvazie, as reparações pecuniárias não deveriam ser pagas de
uma única vez - com a entrega de um valor global único a cada vítima - mas
mediante parcelas - por exemplo mês a mês -, de forma permanente e
contínua39.
Note-se que, desta forma, a legitimidade para requerer medida
cautelar ou de garantia da tutela ressarcitória não ficaria reservada apenas a
determinada vítima, mas a qualquer ente legitimado à tutela das vítimas. Isso
não significa que apenas uma vítima não tenha legitimidade para requerer a
medida acauteladora ou de garantia da tutela ressarcitória. Na verdade, não
se pode retirar das vítimas o direito individual à medida de garantia. A
decisão que reconhecer o direito à garantia ou à cautela obviamente
beneficiará as demais vítimas.
Um ponto essencial que a Lei de Vítimas e Restituição de Terras não
aborda e que também enfrenta certa opacidade no atual acordo de paz em
construção, é a acessibilidade dos refugiados colombianos que se encontram
no exterior aos mecanismos de reparação. Isso implica garantir o acesso dos
refugiados às autoridades consulares, sem que signifique perda da proteção
internacional oferecida pelo país de refúgio40. Olhar para as vítimas é também
39 Sobre essas dificuldades, v. HENSLER, Deborah, et alli, Class action dilemmas – pursuing public goals for private gain, Santa Monica: RAND, 2000, p. 109 e ss.40 Sobre os direitos dos refugiados e a situação peculiar dos refugiados colombianos, vide o profundo estudo do Oficial de Proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR/ONU): GODOY, Gabriel Gualano de.
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não esquecer daqueles que tiveram que partir e, assim, garantir-lhes o
acesso por meio das autoridades consulares às tutelas ressarcitórias devidas
às vítimas.
Tanto as medidas cautelares, quanto as medidas de antecipação da
tutela do direito, são garantidas pelo direito fundamental à tutela jurisdicional
efetiva. Como é óbvio, esse direito fundamental não pode se resumir ao
direito à obtenção da tutela do direito ao final do procedimento. Em
determinados casos, é imprescindível a antecipação da tutela do direito
material, seja em virtude de urgência seja em razão da evidência do direito
afirmado pelo autor e da fragilidade da defesa do demandado, isto é, para
evitar que a demora do processo se transforme num dano que é uma mera
consequência do seu uso. Do mesmo modo, a tutela de garantia ou cautelar
pode também ser indispensável para a efetiva tutela do direito material41.
Assim, a previsão das técnicas antecipatória e cautelar nada mais é do que
devida resposta normativa ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
Em outras palavras, tais técnicas processuais são obviamente insuprimíveis
quando em jogo a efetiva reparação das vítimas, especialmente porque as
terras e o crédito pecuniário aí devem ser vistos como bens imprescindíveis
ao resgaste das condições de dignidade humana.
4.4. Medidas de Garantia, Confiança e Paz Social
Se a reparação dos direitos das vítimas é parte fundamental da
construção da paz estável e duradoura, conforme explicitado no item 6 da
Declaração de Princípios sobre as vítimas, as medidas de garantia da tutela
reparatória não têm apenas uma função processual, de mera segurança da
efetividade da tutela jurisdicional.
Asilo e Hospitalidade: sujeitos, política e ética do encontro. Tese (Doutorado em Direito), Rio de Janeiro, 2016. Faculdade de Direito. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). p. 122-123.41 No direito italiano, admite-se que a tutela cautelar está implícita no direito à tutela jurisdicional efetiva. Assim, COMOGLIO, Luigi Paolo, La Garanzia Costituzionale dell’Azione ed il Processo Civile, Padova: Cedam, 1970; PISANI, Andrea Proto, Lezioni di Diritto Processuale Civile, Napoli, Jovene, 1994; RAPISARDA, Cristina; TARUFFO, Michele, Inibitoria, Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 8-9.
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Diante das medidas de garantia da tutela ressarcitória, a Declaração
de Princípios passa a se conectar com instrumentos estatais que conferem
às vítimas a possibilidade de contar com garantias do efetivo alcance das
reparações. Note-se que as medidas de garantia, nesta dimensão, têm
relação com a confiança da população nos Acordos e no desenvolvimento do
processo de paz. Como é sabido, segurança jurídica e confiança tem estreita
relação, considerando-se que a tutela da confiança está relacionada aos
elementos subjetivos da segurança, especialmente à calculabilidade dos
cidadãos quanto ao conteúdo e à eficácia dos atos do poder público.42
A reconciliação e o desenvolvimento da paz social dependem da
confiança da população e das vítimas nos Acordos entre o Governo e as
Farc, para o que o direito processual pode realmente colaborar. A Declaração
no sentido de que a reparação efetiva das vítimas constitui pressuposto
inarredável para a construção da paz estável e duradoura confirma que a
efetividade da tutela ressarcitória é indispensável para a reconciliação. De
modo que a função desenvolvida pelas medidas inominadas de garantia do
ressarcimento, por gerar maior confiança e expectativa de realização
concreta dos Acordos e, assim, evitar que os princípios neles enunciados
possam ser vistos como meras proclamações, tem relevante importância no
processo de reconciliação.
5. Considerações Finais
É com essas considerações que se pode destacar não só o papel
instrumental, mas também substancial que o direito processual e suas
medidas cautelares inominadas podem desenvolver para tornar possíveis as
condições para a reconciliação e a paz duradoura, encarando o conflito,
conhecendo e reconhecendo a história e garantindo os direitos à memória e à
verdade, a não repetição e, sobretudo, a reparação efetiva e integral das
vítimas. É claro que as propostas aqui apresentadas não têm a pretensão de
ser uma receita exata, pronta e acabada. Antes, são ingredientes,
42 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra: Almedina, 2002, p. 257.
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possibilidades, que devem ser objeto de reflexão para que o direito
processual possa ocupar o seu lugar diante do desafio imposto pelo conflito
vivido pela sociedade colombiana.
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