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PRODUÇÃO CULTURAL ARTÍSTICA AMERICANA COMO CRÍTICA À
SOCIEDADE E SUA ARTICULAÇÃO HISTÓRICO-‐SOCIAL
Amanda Lucchi 2º EMA
Língua Portuguesa Professoras: Maíra Carmo e Angela Kim
2º TRIMESTRE -‐ 2012
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INTRODUÇÃO
A produção artística americana (tanto visual quanto musical) ao longo dos anos tem uma carga histórica impressionante, nos permite acompanhar ou até decifrar muitos dos pensamentos de diferentes épocas. Também tem uma atmosfera crítica quanto à dimensão político-‐social, do consumo e da religião, sendo assim extremamente rica em termos de conteúdo. Neste ensaio tenho o objetivo de mostrar como a arte é permeável e maleável; como se ajusta (criticando ou não necessariamente) a certo contexto histórico e seu poder persuasivo. Para isso ilustrarei com três exemplos: Análise objetiva de obras dos artistas Richard Hamilton (britânico) e Andy Warhol (americano) e o músico Roger Waters da banda inglesa Pink Floyd. É interessante perceber o motivo do uso de artistas britânicos como exemplo para a análise da produção americana. É através destes exemplos que ao longo do ensaio será possível compreender a relação com o foco. Hamilton, por exemplo, é conhecido internacionalmente assim como diversos outros artistas britânicos. Além disso, a cultura americana se espraiou para além do continente ao longo dos anos.
PRODUÇÃO ARTÍSTICA PÓS-‐PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
CONTEXTUALIZAÇÃO
Primeiramente, para analisar a produção musical e artística do período pós Segunda Guerra Mundial (1939-‐1945), é importante ter em mente o contexto estadunidense e mundial. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-‐1918) participou indiretamente os Estados, defendendo uma política de livre comércio como resposta à corrida imperialista. Atuando como fornecedor para os países que estavam em guerra lucrou quantidades inimagináveis com as indústrias alimentícia e bélica. O conflito se tornou um evento benéfico economicamente e politicamente para os EUA (tendo em vista que o tratado que deu fim à guerra foi assinado pelo Estado). Após a guerra era o país mais rico de todo o mundo.
Em seguida, os anos 20 foram marcados por uma grande prosperidade econômica. Os EUA se caracterizavam como os grandes produtores de aço, comida enlatada, maquinaria, petróleo e carvão, sem contar com os automóveis.
O “AMERICAN WAY OF LIFE”
Até então, os Estados Unidos estavam politicamente e economicamente fortes e estáveis. O desenvolvimento capital e a euforia desenvolvimentista foram cenários para a criação de um símbolo do modo de vida americano, também usado como propaganda. “American Way Of Life” (ou “estilo de vida” em português) surgiu. Os Estados Unidos encontraram esta como uma forma de divulgação do estilo de vida americana e todos os seus benefícios. Pode também ser associada ao “American Dream” que igualmente, representa uma alusão ao sistema. A época ficou então marcada pelo consumismo intensivo e a melhor qualidade de vida relativa aos americanos.
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O crescimento econômico do momento ficou conhecido como o “Grande Boom”, que não durou muito. Os investimentos descontrolados em ações da bolsa em conjunto com a queda dos valores da bolsa que seguiu desencadearam a maior crise econômica mundial, conhecida também como Grande Depressão (de 1929). A superprodução agrícola e o livre-‐mercado também foram fatores para a crise, assim como a diminuição significativa do consumo (a população e sua renda não acompanhavam o crescimento das indústrias).
ELEMENTOS DA PROPAGANDA CARACTERÍSTICA DO “AMERICAN WAY”
(primeira imagem)
-‐ “MAIS CURTO PERÍODO DE TRABALHO DO MUNDO” -‐ “MAIS ALTO PADRÃO MUNDIAL DE VIDA” -‐ “SALÁRIOS MAIS ALTOS DO MUNDO”
Estas são algumas das frases mais comuns da propaganda americana voltada ao “American Way”. Curtos e objetivos os anúncios faziam apologia ao modo de vida americano e seus benefícios. As imagens claramente ilustravam as frases, uma referência ao padrão de vida e uma família num carro, por exemplo.
(segunda imagem)
Esta foto foi tirada durante a crise, mostrando a contradição do anúncio com a situação em que se encontraram os trabalhadores após a crise. O consumismo elevado gerou desemprego e fome. Essa reação em cadeia se agravava cada vez mais.
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PRODUÇÃO ARTÍSTICA PÓS-‐SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Pode-‐se dizer que a segunda grande guerra foi uma corrida capitalista na qual se destacaram dois polos marcando ideologias distintas por completo. Emergindo como duas superpotências mundiais estavam os Estados Unidos (grande potência ressurgida da crise de 29) defendendo o capitalismo e, por outro lado, a União Soviética (URSS), defendendo o socialismo. Este confronto deu inicio à Guerra Fria. Ao longo desta (que durou até o fim da União Soviética, em 1991) houve o desenrolar de inúmeros conflitos indiretos de ordem política, econômica, militar e evidentemente ideológica. O fim da Guerra Fria foi marcado pela ascensão dos Estados Unidos como potência e hegemonia do capitalismo, ambos em escala global.
A existência de faces ideológicas não obedecia nem obedece atualmente limites regionais. Não necessariamente toda a América seguia o capitalismo. Foram surgindo pensamentos políticos contraditórios. Essa divisão foi marcada de diferentes maneiras sendo uma delas a produção musical do período pós-‐segunda guerra. O “American Way Of Life” que continuou a ser enfatizado nesse período foi criticado com mais força. A música, principalmente o Rock entrou também como crítica e posição contrária à cultura padrão americana. Não só nos Estados Unidos, mas essa posição contrária se espraiou até a Europa. O movimento Hippie, por exemplo, surgiu como reação contracultura.
A “CONTRACULTURA” E A “REVOLUÇÃO CULTURAL”
Ao longo do tempo foi se formando uma posição semelhante à de esquerda que ia além do marxismo em si. Contrária ao patriotismo e nacionalismo essa vertente ideológica diferia por ser voltada aos traços culturais e não políticos, representada essencialmente por um novo sujeito histórico: o jovem. Valorizava-‐se uma mudança de comportamento em relação ao sistema (agressivo e dominador). Toda essa situação não só despertou dúvidas da população como um todo, mas também dos intelectuais da época que questionavam em suma o surgimento, a motivação, a composição e a definição desse grupo “revolucionário”.
A “Revolução Cultural” afirmava as transformações de valores. Mais a fundo, na atmosfera psicológica existia um anseio de liberdade resultada da dominação; submissão; “repressão aos instintos e domesticação da vontade” (CAPELLARI, Marcos, 2007); a questão da própria revolução interior. Um ponto fundamental para compreender as motivações desses jovens é o fato de que, para estes, não bastava a revolução política, pois não era suficiente (com uma revolução política, apenas, as pessoas continuariam alienadas).
Com isso, “revolucionar” significava implicar com a revolução da própria visão de mundo. Um novo estilo de vida baseado no entendimento de si daria início ao movimento Hippie, composto por jovens compartilhando a mesma busca interior e a mesma recusa ao sistema e os valores tradicionais da sociedade ocidental da época “inaugurando uma nova utopia, denominada ‘sociedade alternativa, uma sociedade na qual nada seria proibido e na qual cada ser humano poderia realizar todas as potencialidades de sua existência” (CAPELLARI, Marcos, 2007).
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A “revolução sexual” e “revolução psicodélica” (relacionada etimologicamente e intrinsecamente com a manifestação do espírito) foram processos dissidentes que acompanharam o movimento hippie, resultantes da repressão sexual, do regramento e do adiamento dos desejos. Existia o argumento de que drogas -‐socialmente proibidas-‐ como a maconha (e seus derivados) e o LSD “potencializariam faculdades espirituais adormecidas”, diferentemente do álcool (associado com a burguesia) que teria um efeito contrário. O movimento aparece também como resposta ao “American Way Of Life” (além do fato óbvio de que esse estilo de vida era a cultura estadunidense da época): formas diferentes e menos agressivas de ganhar dinheiro, através do artesanato. O consumo compulsivo seria de forma rasa, segundo a psicanálise, um mecanismo compensatório da angústia no inconsciente que gera insatisfação e vulnerabilidade ao sistema.
A POP ART E PRODUÇÃO ARTÍSTICA DE ANDY WARHOL
A “Pop Art” é um movimento artístico pós-‐moderno que surgiu no fim da década de 50, no Reino Unido e principalmente Estados Unidos. Teoricamente é uma manifestação crítica à sociedade consumista e ao consumo em si. Faz uso de tiragem justamente para demonstrar a massificação da cultura popular capitalista e retratar esse estilo de vida. Há muitos entendedores da história da arte, em contraponto, que dizem que a Arte Pop não passou da transformação da arte em mercadoria.
Pode-‐se dizer que Richard Hamilton (1922 -‐ 2011) com “O que Exatamente Torna os Lares de Hoje Tão Diferentes, Tão Atraentes?”, de 1956, deu o pontapé inicial para este estilo artístico.
Na obra de Hamilton se organizam diversos elementos da cultura capitalista e valores da sociedade da época. A mulher aparece com diferentes papeis: Primeiramente, como mercadoria (usando um abajur na cabeça e do lado de uma peça de presunto, como algo consumível e descartável). Em segundo lugar, a mulher aparece como dona de casa
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acompanhada de um aspirador, o que representa a personificação desta e uma crítica à quantidade de propagandas referentes a eletrodomésticos da época (Os anos 20 foram claramente os anos americanos do consumo. A grande maioria das propagandas consistia naquelas de eletrodomésticos como geladeiras e fogões, acompanhados -‐sempre-‐ da mulher como símbolo da "Dona de casa"). Outro elemento é a referência sexual e a quantidade de produtos “modernos” no lar, representando o consumo e a apologia àquilo que era novo no contexto pós-‐segunda guerra mundial; de reconstrução.
Andy Warhol (1928-‐1987) acompanhou Hamilton, porém, em outra vertente. Fez uso da técnica de carimbo, “silk screen” e serigrafia para a repetição de imagens. Costumava representar figuras icônicas como Marilyn Monroe, Elvis Presley ou latas ‘Campbell’s’, representando a mulher como mercadoria e uma crítica à iconografia ou, como no segundo caso, a massificação e consumo incessável.
Muitos críticos da arte pós-‐moderna não consideram Warhol um verdadeiro artista. De fato, suas obras não tinham caráter reflexivo, deixando a imagem como meramente um elemento pictórico, comerciável. Porém, não foi o artista introdutório do tipo de arte “ready-‐made” (arte rápida e de fácil execução e repetição). Jasper Johns, americano, considerado um dos pioneiros da Pop Art, ficou conhecido por pintar elementos vulgares e simplórios como números em série. Um passo à frente Warhol adicionou algo além às imagens tão vazias de conteúdo. Assim, fez uso de figuras já existentes (incluindo também notícias de jornal e fotos de cabine, além dos já citados antes) utilizando elementos da cultura popular.
Ironicamente, ao mesmo tempo em que sua arte simbolizava um julgamento do consumo (para alguns) ou retratação da sociedade consumista da época, tal arte em si acabou se tornando um produto de consumo.
(“Marilyn Monroe”) (“Campbell’s soup cans”) (“Three Flags” / “Três Bandeiras”)
Andy Warhol Andy Warhol Jasper Johns
CD “ANIMALS” -‐ PINK FLOYD
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Roger Waters, vocalista da banda Inglesa Pink Floyd, tece uma crítica ao capitalismo e ao trabalho em massa em seu álbum The Animals. Totalmente anticomercial, causou grande impacto. Através de metáforas explícitas, Waters encontrou nos animais (como porcos, cachorros e ovelhas) um modo de criticar a sociedade através de padrões de conduta assim como George Orwell em A Revolução dos Bichos. Primeiramente, a escolha da fábrica Battersea Power Station em Londres como capa do CD já mostra de alguma forma a influência capitalista ou trabalhista da década de 70 (época de lançamento do álbum).
Na música “Dogs” , o indivíduo é representado como apenas mais um tentando subir na vida. A massificação deste como ser comercial e produtor (de capital) é ilustrada nas letras da composição:
♦ “You got to strike when the moment is right, without thinking (…) And after a while, you can work on points for style.” (Você tem que atacar quando é o momento certo, sem pensar (...) E depois de um tempo, você pode trabalhar em pontos da moda)
♦ “You have to be trusted by the people that you lie to” (As pessoas para quem mente têm que confiar em você)
♦ “Sometimes it seems to me as if I'm just being used” (Às vezes me parece que estou apenas sendo usado)
♦ “If I don't stand my own ground, how can I find my way out of this maze? (se não consigo ficar sob o próprio chão, como acharei meu caminho para sair desse labirinto?)
♦ “Deaf, dumb, and blind, You just keep on pretending” (Surdo, mudo e cego, você continua a fingir)
♦ “And no-‐one has a real friend” (E ninguém tem um amigo verdadeiro) ♦ “Who was told what to do by the man? (…)Who was dragged down by the stone?” (A
quem foi dito o que fazer pelo homem? (...) Quem foi arrastado para baixo pela pedra?).
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Fica claro o modelo imposto pelo governo e corpo social. De acordo com a letra, o homem é um vagabundo, porém esperto e alerta. Ao achar o momento certo, este entra no conjunto de regras da sociedade e/ou corporação de ofício para subir na vida e “ser alguém”. Na ocupação é guiado por seus superiores. Para quem é atento, pode sentir-‐se como mais um, sente que está sendo usado. Não há controle; está preso. Não tem opinião, não pode manifestá-‐la. A desatenção civil e falta de laços profundos do capitalismo flexível aparece.
Por fim, o homem chega à suas próprias conclusões, identifica que foi usado e agora, inválido (morrendo de câncer como cita a música), não tem nenhum valor. Um pouco mais adentro podemos interpretar que os “Dogs” simbolizam figuras sociais de poder (como a burguesia), controladas pelos ainda mais fortes.
Na música “Pigs (Three Different Ones)”, Waters cita Mary Whitehouse, uma moralista conservadora e religiosa da época. A canção como um todo critica o sistema governamental centralizador, os políticos falsos e sujos, controladores e sem coração (que seriam os porcos). Os “Dogs” seriam controlados pelos “Pigs”, porém, aliados a eles.
Na quarta faixa do álbum, “Sheeps”, a ovelha é outra metáfora usada para representar quem são as pessoas controladas na sociedade. Da forma em que andam em rebanhos e são guiadas sem questionar e sem pensar, os então dominados agiriam da mesma forma. O trecho da música “O senhor é meu pastor, nada me faltará” foi uma apropriação de um Salmo bíblico muito bem colocado na crítica, em minha opinião. É formada uma ironia entre o pastorio religioso com as ovelhas e quem estas representam. Mostra também como a religião atua na formação de mentalidades ou ainda a coligação entre Estado e Igreja. São utilizadas palavras como “inocentes”, “submissos” e “obedientes”.
Para que não se forme uma visão um tanto deturpada, de que Roger Waters se considerava distante ou superior aos elementos que cita em suas músicas, em “Pigs On The Wing (Part Two)” se classifica como um cachorro procurando por um lugar seguro para descansar, enterrar o seu osso e se esconder dos Porcos.
Pode-‐se interpretar o trabalho do álbum como um todo (relacionando as três faixas principais) que as ovelhas seriam comandadas pelos “Dogs” e “Pigs” e os “Dogs” pelos “Pigs”. É formada toda uma estrutura hierárquica (proletariado-‐burguesia-‐políticos; ovelhas-‐cachorros-‐porcos), criticada através das metáforas utilizadas no álbum.
FECHAMENTO
Os Estados Unidos ao longo dos anos não foram apenas influentes nos polos econômico e político ao redor do mundo. Claramente, como se esperava tornar visível neste ensaio, o quadro geral do país após a Primeira Guerra permitiu que a cultura estadunidense se desenvolvesse e tornasse persuasiva e influente assim como abrisse caminho para a produção cultural crítica de outros países. A produção artística pode então, ser vista como crítica à sociedade se articulando histórica e socialmente.
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BIBLIOGRAFIA
§ http://www.klick.com.br/conteudo/pagina/0,6313,POR-‐1307-‐10082-‐,00.html
§ CAPELLARI, M, Departamento de História, 2007, Tese (Doutorado em História. Área de concentração: História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, pg. 1-‐33.
§ ORWELL, G. Sintaxe: Noções Gerais. In: A Revolução Dos Bichos.Ed. São Paulo: Companhia Das Letras, 2009
§ CD PINK FLOYD – “Animals”, 1977
§ THE ANDY WARHOL FOUNDATION FOR THE VISUAL ARTS. In: Warhol’s Legacy. 2011
§ HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva, 2009