Centro Internacional de Semiótica e Comunicação – CISECO
II COLÓQUIO SEMIÓTICA DAS MÍDIAS • ISSN 2317-9147
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Produção de sentido e modos de presença nos espaços da cibercultura:
pervasividade e proxemia no jogo de realidade aumentada Ingress
Guilherme Nery Atem1
Sandro Tôrres de Azevedo2
Thaiane Moreira de Oliveira3
Resumo
O trabalho apresenta uma breve leitura do jogo de realidade alternativa Ingress, criado e pa-
trocinado pela marca Google. A partir do resgate de conceitos de teóricos tradicionais, como
fundamentação multidisciplinar, tomamos o objeto de pesquisa a partir do olhar teórico-
metodológico da Sociossemiótica de Eric Landowski. Assim, buscamos compreender a lógica
das interações estabelecidas pelo jogo em questão, chamando a atenção para suas potências
ciberpublicitárias.
Palavras-chave:
Sociossemiótica. Ciberpublicidade. Ingress.
Abstact
The paper presents a brief reading of the alternate reality game Ingress, created and sponsored
by Google brand. From the rescue of traditional theoretical concepts, such as multidiscipli-
nary foundation, we take the research object from the point of view of the theoretical and
methodological Sociossemiotics of Eric Landowski. Thus, we seek to understand the logic of
the interactions established for that game, calling attention to their ciberadvertising powers.
Keywords:
Sociossemiotics. Ciberadvertising. Ingress.
1. Introdução e Contexto
Ingress foi um jogo, criado pela NianticLabs, Startup do Google, em dezembro de
2012. O jogo era um aplicativo para Android, que misturava elemento de Massive Multiple
Online Role Playing Games (MMORPG) com tecnologia de Realidade Aumentada. A narra-
tiva do jogo era sobre uma misteriosa energia, invisível a olho nu, que fora descoberta por
cientistas europeus, estava influenciando o comportamento dos terráqueos. Os jogadores po-
diam aceitar esta estranha energia e utilizá-la, entrando para o grupo dos “Enlightened”, ou
poderiam se unir ao grupo “Resistance” em defesa da liberdade da humanidade contra o con-
1 Doutor em Comunicação e Cultura (UFRJ)* e Pós-Doutorando em Letras (UERJ)*. Professor Adjunto 4 da
UFF. Líder do grupo de pesquisa ReC: Retórica do Consumo (UFF/CNPq) e membro do grupo de pesquisa Se-
Di: Semiótica e Discurso (UFF/CNPq)*. 2 Doutorando em Letras (UFF)*. Professor da FACHA, da UVA e da UNESA. Vice-líder do grupo de pesquisa
ReC: Retórica do Consumo (UFF/CNPq) e membro do grupo de pesquisa SeDi: Semiótica e Discurso
(UFF/CNPq)*. 3 Doutoranda em Comunicação (UFF)*.
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trole desta energia descoberta. Assim, o aplicativo de Realidade Aumentada instalado no dis-
positivo, apresentava o mundo virtual, a energia invisível aos olhos nu, e os jogadores agiam
conforme orientado pelo seu grupo escolhido.
Utilizando elementos do espaço físico como parte do próprio jogo, o Ingress é consi-
derado um exemplo de jogo pervasivo. De acordo com Schneider & Kortuem (2001), os jogos
pervasivos podem ser tratados como jogos que conseguem reunir em si duas lógicas: (i) a das
tecnologias ubíquas, locativas, e (ii): a das ações ao vivo de roleplaying (LARPs). Jane
McGonigal (2006), uma das principais pesquisadoras sobre jogos pervasivos e ARGs, define-
os como jogos que concentram o foco do usuário em algum dispositivo (por exemplo, algum
dispositivo de mídia locativa), o qual se torna fundamental para o desenrolar do jogo. Outros
autores, como Montola, Stenros e Waern (2009) tratam a expressão “jogos pervasivos” para
designar uma categoria de jogos baseada no paradigma de Weiser, conforme já apontado no
início deste trabalho. Para os autores, já que o adjetivo pervasivo (pervasive) relaciona-se às
noções de infiltrado, penetrante, estes jogos apontam para sua fusão com o espaço físico, ge-
ralmente urbano, além de uma alternância fluida entre as fronteiras da realidade e da ficciona-
lidade.
Os jogos pervasivos são essencialmente coletivos, tanto enquanto sociabilidade inga-
me, como também, através de mecanismos de compartilhamento da imagem de si, através de
vídeos ou fotografias em sites e fóruns destinados a este fim, para que seus pares acompa-
nhem a performance individual exercida no gameplay.
Compreendemos os jogos pervasivos a partir da concepção de Mark Weiser, pesquisa-
dor do Plano Alto Research Center, que em 1991 cunhou o termo computação ubíqua para
apresentar um prognóstico sobre o cenário da computação. Para o pesquisador, no século
XXI, os computadores deveriam fazer parte da vida cotidiana de maneira “invisível” de forma
que os indivíduos/usuários não percebessem sua existência. Ou seja, os computadores estari-
am em toda parte, realizando suas tarefas, de forma integrada às ações do ser humano. Weiser
defendia duas previsões para a computação: a primeira é que elas se tornariam tão absorvidas
no cotidiano que os seres humanos passariam a não mais percebê-las em seu próprio ambien-
te. A segunda previsão era de que as tecnologias tenderiam a ser cada vez menores fisicamen-
te, tornando-as mais engajadas na relação de interação. Conforme aponta Weiser, “as mais
profundas tecnologias são aquelas que desaparecem. Elas se entrelaçam no tecido da vida
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cotidiana até que dela se tornem indistinguíveis” (WEISER, 1991: 01, tradução nossa4). Tal
premissa compõe a base fundamental do conceito de pervasividade, ou seja, a capacidade de
estar espalhando-se em todos os lugares, ao mesmo tempo, em uma possibilidade de se infil-
trar desapercebidamente em uma diversidade de espaços.
Esta mudança de paradigma, para além de suas transformações econômicas e da forma
como se acessa a rede, trouxe também mudanças significativas nos processos de apropriação e
utilização sobre o espaço físico pelo qual aqueles mesmos usuários da internet circulam em
seu cotidiano. Estas mudanças foram bastante exploradas por autores como André Lemos
(2007) e Lucia Santaella (2008), por exemplo, ao tratarem das chamadas mídias locativas ou
ubíquas, ou podendo ainda ser chamadas de pervasivas5.
De fato, a partir da segunda metade da primeira década dos anos 2000, impulsionada,
certamente, pela “web 2.0”, mas também pela proliferação das tecnologias móveis e redes
sem-fio, sobretudo com as tecnologias wi-fi e 3G, aliada a dispositivos como smartphones, a
noção de conexão à internet, ao ciberespaço, começa a sofrer transformações significativas.
Se anteriormente era preciso estar em algum ponto fixo para se ter uma conexão à rede, atra-
vés de conexões cabeadas, a partir de então o sujeito interagente, navegante da web, poderia
fazê-lo praticamente de qualquer lugar, bastando ter um dispositivo compatível com as tecno-
logias acima citadas e, certamente, acesso a uma rede que fizesse o link entre seu dispositivo e
a Internet: conexão generalizada, segundo André Lemos (2009).
As mídias locativas podem ser compreendidas como o resultado da combinação entre
serviços baseados em localização e tecnologias móveis e sensórias (MCCULLOUGH, 2004;
LEMOS, 2007; SANTAELLA, 2008), favorecendo a ideia de que o ciberespaço não está se-
parado do espaço físico (DOURISH e HARRISON, 1996), levando a expressões como inter-
net das coisas (TUTERS; VARNELIS, 2006) e download do ciberespaço (LEMOS, 2009b).
A noção de pervasividade, central para o presente trabalho, está intimamente relacio-
nada ao uso de mídias locativas em diversos contextos, experimentais, artísticos, em jogos e
pelas ações publicitárias da qual chamamos de publicidade pervasiva. Tal conceito está inti-
mamente relacionado ao uso de mídias locativas em ações publicitárias que utilizam tecnolo-
gias que se infiltram no cotidiano e se apropriam dos espaços urbanos, presente ao mesmo
4 “The most profound technologies are those that disappear. They weave themselves into the fabric of everyday
life until they are indistinguishable from it” (WEISER, 1991, p. 01). 5 Estas categorias, como exposto anteriormente, não são excludentes, podendo se compor híbridos entre elas,
assim como surgimento de outras tipologias conforme os avanços tecnológicos e suas reapropriações.
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tempo em todas as partes, buscando enquadrar afetos através de uma experiência performática
de envolvimento com os interatores nas práticas da ciberpublicidade.
Assim, interessa-nos observar a produção de sentido e os modos de presença decorren-
tes das hibridizações experimentadas no contato com dispositivos de Realidade Aumentada.
Especificamente, pretendemos analisar a interação embutida na situação semiótica que envol-
ve a enunciação em experiências tecnológicas dessa natureza, tomando-a como circunstância
regular na atividade cotidiana da Cibercultura. Procuramos analisar o percurso do sentido de
imagens observadas através de dispositivos digitais, confrontar as perspectivas da Semiótica
Discursiva (principalmente a partir dos pontos de vista de Greimas, em “Da Imperfeição”, e
de Landowski, na Sociossemiótica) com o sentido construído em ato mediado por mídias digi-
tais e observar contornos dos modos de presença efetivados na visualidade de imagens híbri-
das. Dessa forma, intentamos desenvolver uma reflexão teórica acerca da interação e da expe-
riência sensível com textos próprios da cibercultura, de modo a abordar a problemática da
eclosão do sentido na relação entre sujeitos e objetos virtuais no âmbito da circulação de indi-
víduos sobre os espaços contemporâneos.
Começaremos este percurso por uma aproximação conceitual com alguns teóricos que
já se debruçaram sobre os diferentes aspectos envolvidos em nosso objeto de pesquisa.
2. Proxemia: semiotização das espacialidades concreta e subjetiva
Georg Simmel é a grande referência, quando se procura pesquisar sobre a cidade
como experiência subjetiva. A partir de seu texto “Métropoles et mentalité” (In: GRAFME-
YER; JOSEPH, 1990), a cidade deixa de ser vista apenas como um lugar de transformações
objetivas (físicas; demográficas; quantitativas), para se desdobrar num lugar de transforma-
ções também subjetivas (psicossociais; experienciais; qualitativas). Assim, a cidade passou a
ser lida como “máquina de subjetivação”.
O olhar de Simmel para a vida mental nas metrópoles marcaria a base da Sociologia
da Escola de Chicago, desde o fim do século XIX e início do século XX. Pesquisadores como
Robert Ezra Park, Ernest Burgess, Louis Wirth e Roderick McKenzie, por exemplo, dedica-
ram suas investigações à metrópole, num contexto chamado por Ben Singer (In: CHARNEY;
SCHWARTZ, 2001) de “modernidade neurológica”.
Baseada, então em Simmel, a Escola de Chicago postularia os conceitos de “Socio-
logia urbana” e de “ecologia urbana”. As sociedades habitantes das metrópoles foram ali pen-
sadas como se sustentando em três pilares:
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1) Território: aspecto político-jurídico-administrativo;
2) Economia: aspecto de concorrência entre os sujeitos, mas também de sua mútua
cooperação; e
3) Cultura: aspecto propriamente comunicacional e de formação das subjetividades.
Na mesma visada, Walter Benjamin interessou-se pela cidade como experiência pro-
priamente moderna. A cidade seria, então, causa ou consequência da modernização dos senti-
dos do sujeito? Provavelmente um pouco de ambas. O sujeito moderno passeia pelas ruas da
cidade e dali experiencia esteticamente um mundo intenso, complexo, transitório ao extremo.
Passeia se deixando levar pelos fluxos abertos pelas próprias ruas e becos. Esse sujeito ben-
jaminiano está mais para um sujeito romântico – esteticamente afetável pelo mundo (CAMP-
BELL, 2001) – do que para um sujeito do Iluminismo, ou um sujeito relacional (HALL,
2002).
É esse sujeito romântico, o flâneur, que se move e vai apreendendo fisicamente, cor-
poralmente e mentalmente a cidade. Ele corresponderia ao aspecto mais estético ou poético da
“modernidade neurológica”.
Uma outra referência nos parece ser pertinente, para que tentemos dar conta da com-
plexidade que é essa experiência modernizadora dos sentidos: as pesquisas de Edward T. Hall
(1977), membro da Escola de Palo Alto. Criador da Proxêmica, ou Proxemia, hoje pensada
como parte da Semiótica, Hall dedicou-se às diferentes formas de interação não-verbal entre
sujeitos. Este tipo de pesquisa fascina teóricos e práticos até hoje, e tem aplicações muito va-
riadas.
A Proxêmica, ou Proxemia, é o estudo do modo como os sujeitos organizam seu uso
dos espaços físicos (as ruas, por exemplo), mas ressaltando seus modos de produzir sentido
com isso. Estuda-se como os sujeitos se distribuem no espaço físico, como circulam, como
regulam suas distâncias, como se comportam ali, e como atribuem a cada gesto um (ou mais)
sentido(s).
Edward T. Hall (1977) encontrou e classificou quatro distâncias entre os homens: a
íntima (0,15m a 0,45m); a pessoal (0,50m a 1,20m); a social (1,20m a 3,50m); e a pública (a
partir de 3,50m). Claro que, durante os diferentes processos complexos de interação, os ho-
mens passam de uma distância para outra(s) – e isso, segundo ele constatou comparando dife-
rentes culturas, produz não só sentidos diferentes, mas efeitos pragmático-afetivos diferentes.
Um norte-americano e um alemão, por exemplo, não costumam lidar bem com distâncias
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muito próximas, quando interagem socialmente – ao contrário dos brasileiros e dos árabes,
que se tocam durante conversas informais.
Com o mesmo interesse de Hall, Flora Davis (1979) realizou uma enorme pesquisa-
reportagem com dezenas de pesquisadores (dentre eles, o próprio Hall) especialistas em co-
municação não-verbal. Ela nos traz resumidamente uma série de pesquisas nessa área, e numa
escrita fluente, envolvente. Basicamente, é o corpo que produz a maior parte dos sentidos que
circulam de modo não-verbal e que produzem nossas subjetividades. De certa forma, tais pes-
quisas participam do movimento de crítica ao império da Razão, e do resgate do corpo, dos
afetos, emoções e sensorialidades como fontes do conhecimento – projeto empirista, num
sentido, e sensualista, noutro.
Buscando, ainda, referências na Filosofia Contemporânea, chegamos aos conceitos
de “liso” e de “estriado” (DELEUZE; GUATTARI, 1997). Segundo Deleuze e Guattari, “li-
so” se refere às novidades, às correntes de ar que nos trazem o possível. E “estriado” corres-
ponde aos mapeamentos já feitos, às institucionalizações do mundo vivido. Nenhum dos dois
pode ser tomado como “bom” ou “mau” em si, bem como cada qual só faz sentido em oposi-
ção ao outro. Trata-se de pensá-los em relação... “O ser humano contemporâneo é fundamen-
talmente desterritorializado. (...) A subjetividade entrou no reino de um nomadismo generali-
zado.” (GUATTARI, 2000: 169).
Para não ficarmos na simples diferenciação entre estes conceitos, buscamos aqui no-
tar como se dão as passagens entre eles – e como tais passagens produzem sentidos e subjeti-
vidades. Quando as ruas de uma metrópole já estão por demais “estriadas”, institucionaliza-
das, já-sabidas, é preciso percorrê-las estranhando-as (diria um antropólogo), “alisando-as”
(diria um filósofo). Quando as ruas são muito diferentes ou singulares demais (“lisas”), é pre-
ciso percorrê-las “estriando-as”.
Desta forma, buscar-se-ia sempre um olhar novo, renovado para cada situação em
que o sujeito se encontra na metrópole. “As cidades são imensas máquinas – megamáquinas,
para retomar uma expressão de Lewis Mumford – produtoras de subjetividade individual e
coletiva.” (GUATTARI, 2000: 172). Guattari afirma serem as cidades contemporâneas ins-
tâncias que engendram a existência humana sob diversos aspectos. Para ele, as cidades são
feitas de “objetidades”, mas também de “subjetidades”.
Da modernidade à contemporaneidade há menos rupturas do que pensam os pós-
modernos. O moderno conheceu a aceleração e o excesso, tanto dos fluxos sociais e econômi-
cos como das informações. Portanto, podemos afirmar que ainda experienciamos hoje uma
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“modernidade neurológica” cuja formação discursiva se constituiu como uma retórica multis-
sensorial. A Ciberpublicidade “fala”, “conversa” não só com a mente dos consumidores, mas
com seu corpo também. É pelo agenciamento potente entre mente e corpo que ela chama o
consumidor a se envolver com suas marcas.
A transitoriedade moderna permaneceu. Provavelmente se intensificou: mais acelera-
ção e mais excesso. O flâneur se desdobrou em ciberflâneur, o qual em parte gerencia suas
distâncias interativas, coproduzindo sentidos-acontecimentos. O ciberflâneur não se restringe
à internet, assim como a Ciberpublicidade não se restringe à Publicidade na rede. Trata-se de
uma nova lógica sociossemiótica: marcas e consumidores dialogicamente construindo senti-
dos e práticas de consumo, flanando por entre o online e o offline.
Assim, a cidade concreta e objetiva é “alisada” sociossemioticamente pelo ciberflâ-
neur (ou, no caso, o prossumer), o qual a trata como um tabuleiro de jogo pervasivo. Nas ruas,
ele vai fazendo seus movimentos (corporais e mentais), suas jogadas, suas ressignificações,
suas estratégias. Ao mesmo tempo, esse jogador vai sendo afetado por sentidos-
acontecimentos inéditos, irrepetíveis, auráticos (diria Benjamin). A cada encontro, um afeto,
uma dobra subjetiva. As potências de ser e existir do jogador vão sendo construídas e refor-
muladas a cada movimento do jogo. Ele mesmo vai se tornando aquilo que pode ser.
É assim que a cidade se revela como “máquina de subjetivação” virtual-atual. Quem
é esse sujeito, depende de quais afetos ele é capaz. Ele não é fechado em si, nem traz seu ser
definido a priori – sua subjetividade é nômade, evade-se de si mesma, busca a diferença,
mesmo que esbarre sem parar em processos hegemônicos de fixação das identidades. A cada
movimento que faz, o sujeito opera atualizações provisórias de seus devires. Hiperafetado e
hiperatarefado, esse sujeito, tal como o tempo segundo Cazuza, não pára. Agora, partiremos
para uma análise sociossemiótica das interações no jogo Ingress.
3. Regimes de interação e produção de sentido
A raiz de nossa investigação em torno da questão da interação está fincada nas concei-
tuações que emergem de Eric Landowski (2009). O autor propõe quatro regimes de interação:
programação, manipulação, ajustamento e acidente, todos observados a partir do risco que
oferecem ou impõem quando se estabelece um contato (um fazer) entre sujeitos e objetos ou
entre sujeitos e sujeitos.
As interações em regime de programação se dão em circunstâncias nas quais os conta-
tos com os sujeitos-sujeitos ou os sujeitos-objetos se dão de forma que já implicam a operação
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de um fazer-ser, tomando o indivíduo ou objeto com o qual se interage por “programado”,
isto é, nas palavras de Landowski, remetendo a ideia de um “algoritmo de comportamento”
(LANDOWSKI, 2009: 20), do qual não se pode escapar. Há uma expectativa razoavelmente
segura sobre as reações possíveis, um coeficiente de previsibilidade, e, por isso, nestes casos,
a interação envolve um risco mínimo por parte do indivíduo operador, que se vale das regula-
ridades dos comportamentos adotadas pelos atores possíveis, predeterminadas pela função
básica das coisas, dadas pela causalidade física (quando se trata de operar objetos), ou pelos
estereótipos da vida sociocultural, derivados das coerções sociais (quando a operação incide
sobre pessoas).
O regime de manipulação (idem: 23), por seu turno, envolve interações as quais reve-
lam intenções que se colocam para além de um fazer-ser, mas sim para um fazer-fazer. Impli-
ca um princípio de intencionalidade manifesto em estratégias que tratam dos sujeitos narrati-
vos (o manipulador e o manipulado) e que os estudos semióticos já abordaram em abundân-
cia. Em consonância, por exemplo, Fiorin (2009: 29-30) descreve os quatro principais tipos de
manipulação, a saber: a tentação, a intimidação, a sedução e a provocação.
De volta a Landowski (2009: 25), vemos que a manipulação se difere da programação
principalmente porque o sujeito manipulador em potência atribui ao seu coparticipante um
estatuto semiótico idêntico ao que reconhece em si mesmo, ou seja, também vê o outro como
um sujeito. Naturalmente, esse regime de interação considera as competências modais exerci-
das pelos sujeitos nos eixos temáticos possíveis, aumentando o risco, mesmo que a patamares
ainda singelos, dado que a manipulação se manifesta através da eleição de estratégias que
cingem o interlocutor às competências construídas pelo manipulador que, enfim, razoavel-
mente limita-as a um prognóstico afeito ao propósito do fazer-fazer intencionado.
Ao prosseguir em seu quadro tipológico de interações, Landowski (idem: 45) propõe
um regime que denominou de ajuste. Neste caso, a gestão das relações entre os atores se am-
plia consideravelmente em termos de criação de sentido, revelando um aspecto “intuitivo”
que é frequente nos processos relacionais do cotidiano, sobre o qual as teorias semióticas so-
bre a programação e a manipulação se mostraram insuficientes até o momento. De fato, o
autor esclarece que não reivindica, ao propor o regime de ajuste, a proposição de uma “nova
semiótica”, mas sim ampliar os horizontes dos conhecimentos que envolvem as práticas inte-
rativas.
As interações em regime de ajuste, então, são aquelas que trabalham com competên-
cias mais “abertas”, que inspiram um fazer-sentir, ou seja, para além da dissuasão, conside-
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rando, portanto, uma lógica que considera o contato e implica uma problemática da “união”
(idem: 48). Dessa maneira, há de se considerar os sujeitos interlocutores como iguais e que
cada parte é responsável por coordenar as dinâmicas estabelecidas através de um fazer con-
junto. Se a programação se resumia ao exercício de energias e “forças cegas” por sobre o ou-
tro, já que não se reconhecia nada que não fossem constantes, e a manipulação, por sua vez,
apesar de reconhecer o outro como um sujeito modalizado, dotado de inteligência e autono-
mia, se concentrava apenas na persuasão, agora, no ajuste, os sujeitos se equivalem, o que
revela uma situação em que há trocas entre “corpos sencientes e corpos sentidos” (idem: 49),
próprias das experiências vividas no dia a dia.
Daí, Landowski marca a “liberação” que o regime de ajuste dá às interações possíveis,
pois que amplia sobremaneira as possibilidades de emergência de sentidos, dado que a impre-
visibilidade é o que governaria a interação, eliminando, destarte, a antevisão planificada por
esse ou aquele sujeito da interlocução. Enfim, não há como não perceber, o risco se amplia
com mais intensidade quando se dá o regime de ajuste, porquanto se instauram negociações
inesperadas.
O último regime de interação analisado por Landowski é o do acidente. Essa interação
se caracterizaria pela descontinuidade total diante das constantes, das coerções possíveis ou
mesmo da ordem estabelecida. O regime do acidente está intimamente ligado à intranquilida-
de, à instabilidade à agitação e ao caos e, por isso, perturba todas as noções ligadas aos regi-
mes tratados anteriormente. É o escape ao sistema, mas não poderia, apesar disso, ser “depre-
ciado” (idem: 72). O absurdo ou o azar (em oposição à sorte) constituiria o princípio fundador
desse regime de interação, que, de certa forma, Landowski identifica contido nos “eventos
estéticos” ou em nuances da estesia abordados por Greimas, em “Da imperfeição”. Com seus
“efeitos deslumbrantes”, o acidente se desdobraria entre o sensível e o aleatório, estando ine-
xoravelmente descomprometido com alguma classe de regularidade causal ou por qualquer
constante de ordem simbólica. Obviamente, enfim, o risco no acidente é elevado a patamares
claramente muito superiores aos evidenciados nos outros regimes de interação.
Percebemos uma nítida gradação do risco inscrito nas formas de interação propostas
por Landowski: da programação para a manipulação, daí para o ajuste e enfim para o aciden-
te, vemos o controle sobre a interação se rarefazer e, por fim, estabelecer uma hierarquia tipo-
lógica francamente pertinente às análises semióticas que envolvem as cenas/textos para as
quais a teoria tem se dirigido atualmente – a saber: os modos de significar especialmente no
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encontro de sujeitos e objetos de valor, conforme salienta Ana Claudia de Oliveira, no prefá-
cio da edição brasileira de Da Imperfeição (GREIMAS, 2002: 09).
Dessa forma, visualizamos a experiência com jogos de realidade aumentada, seus hi-
bridismos entre o físico e virtual e entre as representações e as simulações, como legitimas
fraturas, algo entre (ou sobre) o “deslumbramento” e o “guizzo” (GREIMAS, 2002), que nos
impele supor novos tratos possíveis para novas interações sujeitos-objetos, principalmente no
que se refere ao sentido estético que se depreende na circunstância desse tipo de cena enuncia-
tiva. Ou seja, em contato com as possibilidades intrínsecas à realidade aumentada, o que cha-
mamos de “mundo sensível” inevitavelmente ganha um novo colorido. A Semiótica Discursi-
va, então, que tanto tem se ocupado em retomar a influência da fenomenologia e “vem evolu-
indo de uma semiótica dos discursos enunciados para uma semiótica da experiência sensível”
(LANDOWSKI, 2001: 19), torna-se ferramenta privilegiada para lidarmos com as questões
que essa tecnologia nos traz.
4. Sentido estético e modos de presença em jogos de realidade aumentada
Observamos o sistema de jogabilidade do Ingress e reconhecemos uma cena privilegi-
ada para se refletir sobre o ato de geração de sentido – aquele que, do mesmo modo, se arti-
cula com o ato de presentificação, isto é, que está anelado a uma poética da presença e, por
isso, inspira uma semiótica do discurso como ato (LANDOWSKI, 2002: IX-XIV).
É seguindo por esse caminho que Eric Landowski sugere uma discussão sobre o esta-
tuto do sentido, propondo que antes do sentido “inteligível” há um sentido “outro”, “primei-
ro”, que se desprende da percepção. Assim, o enunciatário precisa despir-se da sua objetivi-
dade e se deixar levar pelo encontro estético, permitindo-se sentir para poder conhecer.
Convocando, então, todo o corpo para o centro da construção do sentido – “O olho vê,
o corpo sente e levam a produção inteligível” (LANDOWSKI, 2004: 99) – Landowski nos
convida a pensar sobre o processo de captação de elementos do plano de expressão através do
sistema sensório – e como ele significa o conteúdo mediante tal experiência, gerando a cria-
ção de um sentido próprio. Enfim, este processo não poderia ser caracterizado como uma
“tradução” de elementos visuais simplesmente em análises textuais. Mas existiria um elo entre
a coisa percebida, a sensação experienciada pelo sujeito e sua reflexão após a experiência.
O caminho proposto passa pela mediação do sensível e, portanto, do estético. Na expe-
riência estética/estésica, esse momento em que as coisas se revelam na sua “essência”, pode
ocorrer que a realidade faça sentido de um modo quase fusional, como se o contato com o
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“perfume” dos objetos bastasse para tornar o sujeito plenamente presente ao mundo – e o
mundo imediatamente significante. Assim, não é possível opor conceitualmente o sentir, com
o seu caráter imediato, à reflexividade do conhecer, nem separá-los analiticamente. Deve-se,
ao contrário, procurar dar conta da maneira pela qual o sensível e o inteligível, essas duas
dimensões constitutivas da nossa apreensão do real, misturam-se e, provavelmente, até se re-
forcem uma a outra.
Cremos que é assim que se dá o ato de sentido na experiência com o Ingress e outros
jogos de realidade aumentada. Aliás, mais: na medida em que há um frisson do surpreendente
e do curioso ao lidar com os dispositivos que disparam o jogo, se para fazer sentido ao fazer
imagem é preciso que, na extensão ou na duração, uma coisa se movimente no mínimo em
relação a ela mesma (LANDOWSKI, 2004: 110), os objetos virtuais, que são as imagens si-
muladas que se sobrepõem aos espaços físicos dados pelo GPS do jogo, inferem toda uma
série de movimentos intensos em relação a si próprios (e até em direção aos próprios sujeitos),
estimulando toda uma multiplicidade de sentidos em tom de êxtase, inscrevendo a experiência
do ato em devaneio de estesia proporcionada pelo sistema que, enfim, evoca a marca Google
a todo momento.
5. Ingress sob o prisma das interações
De início, antes de olharmos propriamente a questão da interação, procederemos com
uma análise semiótica elementar de nosso objeto. A marca Google, sob as vestes da marca
Ingress, é tomada por enunciadora de um enunciado a se construir em interação com pessoas
transeuntes integradas ao sistema do jogo, que, enfim, se constituem como enunciatários. Po-
demos localizar a interação num nível narrativo: (a) semanticamente, há um projeto de aquisi-
ção modalizado num fazer participar, com vistas a concretizar uma conjunção com um valor
da ordem da experiência6; (b) sintaticamente, se forma um enunciado de fazer (a passagem da
condição de inexperiência para a de experiência), o destinador manipula o destinatário por
tentação (participe, surpreenda-se, jogue e vença!), a ação envolve o ensaio inusitado de uma
competência e de uma performance, que se constroem como que coordenadamente (já que o
destinatário desenvolve exatamente no momento da transformação o senso percepti-
vo/cognitivo que articula/faculta a interação), para, enfim, ser premiado com a fascinação da
experiência (a sensação que marca indelevelmente a experiência sensível do destinatário) –
6 Neste contexto, tomamos o termo experiência como tratado pela publicidade contemporânea e abordado na
introdução deste trabalho.
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ainda, é possível reconhecer a tecnologia manifesta nos dispositivos digitais que desencadei-
am a narrativa do jogo de realidade aumentada como o adjuvante que colabora com o progra-
ma em curso, embora essa mesma tecnologia (sob o ponto de vista do encanto que proporcio-
na) possa ser encarada também como objeto-valor.
Em nível discursivo, a narrativa é tematizada e figurativizada bem de acordo com o
campo semântico-discursivo dos sistemas que nos são familiares e proporcionados pelo Goo-
gle (Google Maps, Google Earth, Panoramio etc.), que, ao se sobreporem ou substituírem
formam uma isotopia a reiterar justamente os temas e figuras e, consequentemente, os sub-
produtos da gigante internacional da informática. Daí, vemos o eu-enunciador (Goo-
gle/Ingress) se projetar num projeto de jogabilidade que se utiliza do display do dispositivo
móvel (o que consideramos a instância “narrador”) para, enfim, outra vez se projetar nas ima-
gens simuladas que aparecem na tela (os interlocutores) e que, em verdade, são, nada mais,
nada menos, que a figuratização dos elementos do enredo do jogo (a misteriosa energia des-
coberta por um time de cientistas europeus, que emanam do chão). Dessa maneira, o enuncia-
dor primeiro realiza uma debreagem enunciativa (porque o Google/Ingress se apresenta como
promotor do jogo), para depois, internamente, produzir uma debreagem enunciva, porque as
situações simuladas que aparecem na tela e, enfim, surgem como elementos do discurso, são
terceiras pessoas às quais o enunciador recorre e dá “vida”.
Do outro lado, o tu-enunciatário, o jogador, e público-alvo do Google, ao se dispor a
participar do jogo e adentrar o espaço de enquadramento e captura da trama proposta pelo
Ingress, se desdobra num narratário, pronto a participar do programa narrativo, e, por força da
ação tecnológica, se desdobrar em segundo nível, transformando-se num interlocutário no
momento em que se vê representado no display do dispositivo móvel e, assim, interagir com o
interlocutor.
Percebemos, então, que o efeito de sentido produzido é tão inusitado que causa o misto
de confusão, estupefação e fascinação, abrindo as portas (ou, mais precisamente, os sentidos)
para a conjunção com a experiência, o objeto de valor da narrativa.
Esse ponto, nos parece, é o gancho para complexificar a análise e recorrer ao arcabou-
ço elencado nos itens de fundamentação explorados mais acima nesse trabalho. Assim, con-
jecturamos, no caso em questão, que o sentido que se constrói em ato, ocasionado pela expe-
riência sensível que é imputada ao coparticipante da enunciação no jogo de realidade aumen-
tada, se produz efetivamente num feixe de intervalo entre o sensível e o inteligível. Divisamos
mesmo que parece acontecer um “evento estético” (cf. Greimas, Op. Cit.).
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É claro que, em se tratando de uma experiência que se materializa na visualidade insti-
tuída na tela de um smartphone (por exemplo), temos que nos deter na passagem daquilo que
se dá no plano da expressão para o que se efetiva em plano de conteúdo. E o envolvimento
que percebemos entre os atores do discurso demonstra (ou faz crer) que a materialidade ex-
pressiva é fundamental para entendermos o que se passa na presentificação do discurso.
Contudo, mesmo crendo que a experiência sensível em questão seja legítima, aplican-
do sobre o objeto de análise os conceitos de interação vistos nesse trabalho, e, portanto sob
esse ponto de vista, tendemos a tomar uma posição mais cautelosa ou mesmo mais desconfia-
da, apesar do inusitado ou da força sensória que o discurso ‘jogo de realidade aumentada’
sugere – e até mesmo impõe.
Ora veja, numa investida precipitada, pode até parecer que o regime das interações que
se estabelece entre os sujeitos da enunciação é da ordem do ajuste ou até, se fôssemos enleva-
dos pela “fascinação” objetivada pelo programa narrativo, poderíamos levantar a hipótese de
um acidente. Mas, muito pelo contrário (e nos distanciando metodologicamente da enuncia-
ção em si), com efeito, não poderíamos acreditar que há imprevisibilidade na interação, muito
menos instabilidade. A circunstância analisada não coloca os sujeitos da enunciação em pé de
igualdade, reciprocidade, ou sequer coordenando um fazer conjunto. O que de fato reconhe-
cemos é que o objeto-valor em questão é a própria experiência, a qual o destinador opera ou
motiva o coparticipante a entrar em conjunção, através de regimes que oscilam entre a pro-
gramação e a manipulação. Afinal, a surpresa e estupefação experienciadas são da ordem do
previsível, pelo menos do ponto de vista do enunciador pressuposto, que propôs, enfim, todo
o jogo, antevendo todo tipo de comportamento possível adotado pelos destinatários.
6. A presença da publicidade no Ingress
Afora tudo que pode ensejar uma visada sobre o nível fundamental da enunciação que
envolve a realidade aumentada em questão, e todo o conflito que se instaura na base da oposi-
ção entre natureza e tecnologia, intuímos que uma análise do discurso em ato obrigatoriamen-
te inclui (como aquilo que está implícito a cada interstício reflexivo) a tensão essencial que
confronta a vivência sensorial/perceptiva e o arroubo “tecnofílico” que assalta o aparato cog-
nitivo dos indivíduos comuns da pós-modernidade.
É assim que observamos a estrutura discursiva que se organiza em torno do Ingress.
Podemos concluir que, mesmo que absolutamente fugaz (tal qual o guizzo), a experiência pro-
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porcionada pela marca Google transforma-se em sansão positiva, em “apreensão estética da
evanescência” (GREIMAS, 2002: 45).
Se notarmos que, pela ótica dos regimes de interação dados por Landowski, a ação se
limita a variar entre a programação e a manipulação, não alcançando o patamar de risco que
aciona um ajuste ou um acidente, isso não diminui a força sensória que o jogo de realidade
aumentada evoca – de sorte que reconhecemos no objeto analisado uma imanência diversa
daquela que está colada nas coisas comuns e, por isso, admitimos que a Publicidade, ao se
valer dos dispositivos digitais contemporâneos próprios da Cibercultura, se reinventa e se su-
pera, porque amplia a força estética de suas mensagens, mesmo fazendo o que sempre fez:
produzir interações da ordem dos regimes de programação e manipulação.
Portanto, aí, até que enfim, podemos notar o caráter publicitário de toda a ação de rea-
lidade aumentada: a lembrança dos sujeitos marcados pela centelha que reluz entre a presença
visual e a virtual desses objetos compromete-se com efeitos de sentido de fascinação para
com a marca promotora da experiência – fator decisivo, segundo as estratégias próprias do
mercado publicitário, para o sucesso no cenário da comunicação de marcas.
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