Presidência Conjunta da República Socialista Federativa da Iugoslávia
VIII MundoCMPA
André Lucas Silva Pereira
Artur Holzschuh Frantz
Eduardo Tomankievicz Secchi
Isadora Bortowski Florisbal
José Henrique Farias Pereira de Carvalho
Júlio César Giacomin Spido
Lucas Colombo Keil1
1. Introdução
A história da Península Balcânica é marcada por sua localização na linha de contato
entre a comunidade da Europa Central, das Planícies Euroasiáticas e do Oriente Médio. A
construção de um Estado unificado na região era tida como uma necessidade para os Estados
Ocidentais, em especial para Império Britânico, que buscava criar uma barreira que
prevenisse o contato entre o Império Austro-Húngaro, o Império Otomano e o Império Russo,
os quais conflitavam pelo controle da região.
A criação do Reino dos Sérvios, entretanto, não preveniu o atrito. Após a Primeira
Guerra Mundial, foi criado o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, posteriormente
modificado para Iugoslávia — a Terra dos Eslavos do Sul. A centralidade política da Sérvia
na Federação, bem como as tendências federalistas das demais repúblicas, formaram o jogo
político que perdurou até o final dos anos 80. Com a morte de Tito, o país entrou em uma
série de conflitos internos que vem causando problemas sociais e políticos diversos.
Cabe a esta presidência expandida mitigar os conflitos sociais ainda vigentes e
restabelecer a unidade política do país, buscando a harmonia social e a representatividade. O
papel de liderança tido pela Iugoslávia no mundo é central no balanceamento da bipolaridade
e da promoção do Não-Alinhamento. Construir uma ordem interna coesa e estável é a base de
sustentação dessa política externa crítica e ativa.
1 Graduandos do curso de Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2. Histórico
Para entender a história da Iugoslávia e os fatores que levaram a ao governo de Josip
Broz Tito, deve-se primeiro compreender como era a região dos Bálcãs antes da instauração
do Reino dos Sérvios, em 1918, e que, em 1929, viria a ser renomeado para Reino da
Iugoslávia. Não existe consenso sobre qual é a terra natal dos eslavos, apesar disso, a região
apresenta características de povos celtas que viveram espalhados pelo centro-leste europeu
desde 3.000 a.C (Severo 2011).
Entre o final do século XIX e o início do XX, a região era composta pelo Império
Otomano e o Império Austro-Húngaro, junto a alguns reinos, como o Sérvio, o Romeno e o
Búlgaro. Devido ao domínio desses impérios não eslavos na região dos Balcãs, que já se
estendia por séculos, o sentimento pan-eslavista – movimento político de integração dos
povos de língua eslava – que iniciou na segunda metade do século XIX, intensificou-se.
O mundo nesse período estava sob a supremacia econômica capitalista das grandes
potências da Europa, principalmente a Grã-Bretanha, porém, outras potências se mostravam
em uma ascensão capaz de se equiparar à do Reino Unido em alguns aspectos, como os casos
da Alemanha e dos Estados Unidos (Glenny 1999; Severo 2011). Essa concorrência acarretou
em uma série de alianças para fortalecimento próprio e enfraquecimento do inimigo, como
foram as alianças alemãs, primeiro com a Áustria-Hungria e a Rússia – a chamada Liga dos
Três Imperadores – em 1873, e, em 1882, a Tríplice Aliança, junto à Áustria-Hungria e à
Itália, ambas visando uma política externa isolacionista em relação à França. Por outro lado, a
França consolidou pactos militares com a Rússia durante a década de 1890 e, em 1904,
formou, junto à Inglaterra e à Rússia, a Entente Cordiale, objetivando enfrentar a Alemanha e
a Tríplice Aliança (Severo 2011).
A Rússia e a Áustria-Hungria eram inimigos diretos e, enquanto os primeiros eram
defensores do pan-eslavismo, os Austro-Húngaros preferiam o domínio turco otomano e
alemão na região. A ferrovia Berlim-Bagdá era de extrema importância para esse domínio,
pois, além de barrar a Rússia de adentrar efetivamente os Balcãs e atingir o mar mediterrâneo,
também asseguraria aos alemães uma grande quantidade de petróleo do Golfo Pérsico, o que
ameaçava a hegemonia Britânica (Glenny 1999; Severo 2011).
Em 1913, deu-se início a Primeira Guerra Balcânica, na qual os países membros da
Liga Balcânica (Bulgária, Grécia, Montenegro e Sérvia) entraram em combate com o
enfraquecido Império Otomano, em busca de tirar o domínio da região das mãos do Sultão
Maomé V. A liga obteve considerável sucesso, porém o Tratado de Londres, firmado ao fim
do conflito, não agradou os signatários — principalmente a Bulgária —, visto que existia
insatisfação sobre a divisão dos territórios de diversos territórios. Os búlgaros não
concordavam em repartir a Macedônia com sérvios e gregos, e, com apoio da dos austro-
húngaros, atacou o território sérvio no mesmo ano, iniciando-se a Segunda Guerra Balcânica.
A Sérvia, apoiada por Montenegro, Romênia, Grécia e até mesmo pelo Império Otomano,
obteve sucesso no embate aos Búlgaros, saindo da guerra como uma potência regional e que,
se tivesse a oportunidade correta, lideraria os povos eslavos do sul à unificação. Essa
oportunidade apareceu quando, em 1914, o estudante Bósnio-Sérvio e integrante do grupo
nacionalista Mão Negra Gavrilo Princip, assassinou, em Sarajevo, o Arquiduque Francisco
Ferdinando, herdeiro ao trono austro-húngaro, sendo esse o estopim da Primeira Guerra
Mundial (Severo 2011; Vizentini 2003).
A consolidação do Estado Iugoslavo foi, efetivamente, uma consequência direta da
Primeira Guerra Mundial, da dissolução do Império Austro-Húngaro e da nova ordem
mundial imposta ao fim desse período (Severo 2011). A formação inicial se deu por meio do
Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos — reconhecido como Iugoslávia em 1919—,
fomentado pelo nacionalismo existente nessa região e originário ainda do século passado, bem
como pelo ideal de autodeterminação dos povos que prevalecia no pós-Guerra (Araujo 2002;
Woodward 1995). A ordem internacional vigente da Pax Britannica2 via com bons olhos a
criação de um Estado capaz de conter avanços dos povos germânicos e do comunismo
soviético na Europa (Severo 2011). Portanto, as motivações para o surgimento da Iugoslávia
não se resumiram apenas ao desejo eslavo de ver ampliada a representatividade de sérvios,
croatas, eslovenos, macedônios, bósnios e montenegrinos, mas também foram insufladas
pelos estados capitalistas dominantes, dada a importância geopolítica que um país unificado
na península Balcânica poderia ter (Alves 2013; Severo 2011).
Não obstante, os desafios internacionais, especificamente os regimes fascistas e
nazistas em ascensão na Europa e a Crise de 1929 e as discrepâncias entre as repúblicas
componentes da Iugoslávia dificultaram a formação primitiva desse Estado (Severo 2011). A
economia desenvolvida dos croatas e a em desenvolvimento dos sérvios destoava da
subsistência agrícola em que viviam os territórios montenegrinos e macedônios, o que criava
o desafio de abarcar realidades distintas sob um mesmo espectro político-econômico. Do
mesmo modo, a diferença de modelos econômicos era correspondida por divergências
políticas no que tangia ao molde a ser adotado pela Iugoslávia, uma vez que os países mais
2 Termo em latim que designa o período de hegemonia do Império Britânico após as Guerras Napoleônicas e
sem grandes conflitos entre potências europeias.
capacitados industrialmente defendiam uma federação e a maior liberdade trazida por ela,
enquanto as repúblicas mais dependentes de recursos iugoslavos prezavam por um modelo
mais unitário (Alves 2013; Severo 2011; Woodard 1995).
Os anos iniciais do cenário político da Iugoslávia, na década de 20, foram caóticos.
Em 1929, sob profundas divisões políticas, ruiu a estrutura democrática parlamentar e o sérvio
Alexandre instituiu o Reino da Iugoslávia, em um governo estruturado na repressão de
minorias étnicas e nacionalistas e supressão de direitos. A eliminação forçada das diferenças
entre os povos eslavos por meio ditatorial resultou no surgimento e intensificação de
processos separatistas de cunhos fascista e nacionalista — destaque para os croatas do
Ustasha, responsáveis pelo assassinato do rei em 1934 em represália à dominância política
sérvia (Araujo 2001; Severo 2011). Já em 1941, um pacto assinado com Hitler levou à
invasão alemã da Iugoslávia. Enquanto guerrilhas ergueram-se na luta contra a invasão
opressora nazifascista, como os sérvios chetniks, rapidamente a influência política italiana e
alemã voltou a atenção desses grupos para o inimigo comum: os comunistas. Apenas os
partisans, membros do Partido Comunista Iugoslavo, permaneceram fiéis à resistência sob
liderança política e militar do general Josip Broz Tito, que viria a encabeçar a formulação da
nova união dos eslavos em uma federação organizada pelo Conselho Antifascista de
Libertação Nacional da Iugoslávia (AVNOJ) (Severo 2011).
Ao comando de Tito, em 1945, a Assembleia Constitucional em Belgrado aboliu a
monarquia e proclamou a República Federativa Popular da Iugoslávia, formada pelas
repúblicas socialistas da Bósnia e Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro
e Sérvia — bem como pelas Províncias Autônomas do Kosovo e da Vojvodina (Alves 2013).
A cúpula iugoslava era respeitosa e prestava admiração à URSS e a seu líder Stalin, porém se
recusava a subordinar-se ao regime stalinista e manteve-se focada no próprio trajeto em
direção ao socialismo. Esse distanciamento em relação ao regime soviético proporcionou aos
iugoslavos o apoio ocidental em tempos de crise, inclusive com doações estadunidenses
(Severo 2011).
A liderança carismática de Tito e sua capacidade de superar as divergências internas
causadas pelas diferentes etnias firmou uma união até então não atingida entre as nações
iugoslavas (Araujo 2011). Muito embora o marechal fosse um Croata, entendia que a
construção identitária da península tinha a Sérvia como espinha dorsal. Sua política de
estabilização, centrada na representatividade das repúblicas menores em troca de
preponderância econômica das repúblicas maiores — isto é, Sérvia e Croácia — teve sucesso
em unificar a nação. A figura do líder revolucionário que lutou pela liberdade dos Iugoslavos
e contra o fascismo também teve papel crucial na construção da identidade iugoslava e do
sentimento de pertencimento não com a esfera regional, étnica e religiosa, mas sim federal e
socialista.
A Constituição de 1974 estabeleceu um sistema parlamentar de sub-representação
Federal capaz de oferecer a representatividade e a autonomia exigidas pelos países iugoslavos,
apaziguando os antagonismos políticos internos sem que isso representasse uma
descentralização prejudicial. Os distritos escolheriam representantes municipais, que
elegeriam deputados para representá-los territorialmente nas assembleias de cada república;
no nível mais elevado se situava a Assembleia da República Federativa Socialista da
Iugoslávia (Alves 2013).
3. Apresentação do Problema
A morte de Tito levou à perda do elemento de sincretismo entre etnias e nacionalismos
que residia na figura do líder e levou a uma série de crises sucessórias e de reformas
imprevisíveis da estrutura política Iugoslava. Em 1980 foi criada a presidência conjunta da
Iugoslávia, composta pelos 6 delegados eleitos das repúblicas componentes, mais os 2
delegados das províncias-autônomas do Kosovo e Vojvodina, tendo como 9º membro o
presidente do Presidium da Liga dos Comunistas Iugoslavos3. A presidência também possuía
o colegiado expandido, que somava à composição fixa os presidentes das repúblicas e
províncias, o Ministro do Interior, o Ministro da Defesa, Ministro das Relações Exteriores, o
presidente da Assembleia Federal4, o Presidente e o Vice-presidente do Conselho Federal5 e o
Presidente da Conferência Federal da Aliança Socialista dos Trabalhadores Iugoslavos6
(Curtis 1992).
3 A Liga dos Comunistas Iugoslavos era o único partido político da Iugoslávia. Criado com o nome de Partido
Comunista Iugoslavo em 1919, mudou seu nome em 1952 após a cisão soviética-iugoslava. Sobre esta última
afirmativa ver a nota nº 8. 4 A Assembléia Federal da Iugoslávia era uma das duas câmaras legislativas do país (a outra era o Conselho das
Repúblicas e Províncias). Funcionava com 30 membros para cada república e 20 para cada província, sendo
todos indicados pelas Ligas Comunistas de cada respectiva unidade federada (Curtis 1992). 5 O Conselho Federal era o órgão executivo da República da Iugoslávia. O Conselho era composto por até 15
membros eleitos pela Assembléia Federal, sendo responsáveis pela implementação da legislação através de
diversas secretarias (Curtis 1992). 6 A Aliança Socialista dos Trabalhadores Iugoslavos foi uma organização de massa que tinha o propósito de
envolver o maior número possível de pessoas nas atividades do da Liga dos Comunistas Iugoslavos (o partido)
sem as restrições ou conotações negativas de pertencerem ao partido (Curtis 1992).
Quando da criação da presidência colegiada de facto7, os servos e os croatas passaram
a lutar por maior representatividade e controle sobre o aparato burocrático da federação. A
pressão social escalonou de maneira muito rápida. O que outrora era um país forte, líder do
terceiro mundo e com crescimento robusto, assentado na industrialização, na década de 80,
tornara-se um Estado fragmentado e débil, com diversos recortes subnacionais e levantes
sociais (Curtis 1992, Severo 2011).
O arrefecimento econômico da década de 1980 também contribuiu para a formação de
interesses contrários ao Estado Iugoslavo, focados especificamente nos territórios divididos
por grupos étnico-culturais. A crescente instabilidade econômica levou à necessidade de
reformulação da estrutura federativa, buscando compensar as repúblicas mais fragilizadas,
isto é, as agrárias (Severo 2011).
Empréstimos tomados junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) no final dos
anos 70 e início dos 80 tiveram como contrapartida a implementação de alguns mecanismos
de liberalização econômica, desregulação do sistema de preços dos produtos (antes tabelados)
e a promoção da competitividade, especialmente na agricultura e na indústria leve. Tais
medidas, apresentadas na sequência, tiveram forte reação popular devido à rápida deterioração
das condições de vida (Visentini et al. 2013).
A reformulação federativa encontrou resistência por parte dos grupos mais
europeizados e com economias mais industrializadas, tais como a Croácia e a Eslovênia. A
perda do componente de união nacional que residia em Tito levou à criação da presidência
colegiada do país, com um presidente rotativo dentre os presentes. Essa estratégia por um lado
garantiu legitimidade às decisões da Federação frente aos componentes da mesma,
assegurando representatividade para todos os grupos minoritários. Por outro lado, no entanto,
quebrou com a lógica de aceitação tácita da sub representação por parte das repúblicas
maiores (Curtis 1992).
A cada recenseamento, diminuía o número de pessoas que se identificavam como
iugoslavos e crescia o dos que se identificavam pelo grupo étnico. Em meio à
crescente desagregação da federação iugoslava, os sérvios procuravam manter a
unidade, enquanto os eslovenos e croatas buscavam separar-se da federação,
amparados pelo Ocidente. Estas duas repúblicas eram mais desenvolvidas
economicamente, devido aos investimentos federais em sua infraestrutura turística e
industrial. Além disso, suas populações eram de religião católica, estavam
localizadas na fronteira com a Europa capitalista e recebiam regularmente um
7 A constituição de 1974 instituiu a presidência colegiada (ou presidium) mas também nomeou Tito como seu
presidente vitalício. Assim, somente com a morte de Tito em 1980 o presidium foi realmente uma instituição
com tomadas de decisão colegiadas.
grande fluxo de turistas estrangeiros, estando, portanto, em contato permanente com
o Ocidente (Visentini et al 2013, 185).
A necessidade estrutural de concessões materiais (econômicas) para as repúblicas mais
fragilizadas subverteu a lógica prévia de super-representação com marginalização econômica.
Pelo lado Sérvio houve uma crescente contestação da centralidade política da república dentro
da federação, com exigências de maior autonomia e flexibilidade para as províncias e
repúblicas se apropriarem da tributação e da produção local. Tal lógica provinciana pôs em
xeque o modelo federativo-distributivo adotado pelo país à época de sua formação e na
posterior reforma constitucional de 1974 (Araújo 2001, Severo 2011).
A presidência colegiada, elaborada previamente porém implementada somente com a
morte de Tito, levou à concessão de autonomia para as províncias quanto à possibilidade de
eleição de delegados para a o órgão, o que na prática equiparava Voivodina e o Kosovo às 6
repúblicas componentes do país. Tais regiões foram historicamente submetidas ao controle
sérvio, mesmo que com autonomia e representatividade religiosa no caso do Kosovo albanês.
A ruptura de um modelo hierarquizado confronta a construção identitária histórica sérvia, e é
utilizada, pela Croácia e pela Eslovênia, para enfraquecer a legitimidade da Sérvia enquanto
espinha dorsal da política nacional Iugoslava (Curtis 1992).
Enquanto mecanismo representativo da ordem nacional, a presidência colegiada
enfrenta o problema da centralidade política da Liga dos Comunistas da Iugoslávia. A Liga,
desde 1948, quando da ruptura Soviético-Iugoslava8, possui uma política de Comunismo
independente do bloco socialista e focado na autogestão dos trabalhadores. Tal mecanismo é
fundamentalmente contrário ao planejamento central soviético, necessitando de concessão de
autonomia para os órgãos regionais e locais de decisão (Glenny 1999, Araújo 2001).
O cenário atual é o de um governo federal enfraquecido pelo problema da sucessão de
Tito, uma presidência indecisa cujo choque de pares trava a tomada de decisões e a
estruturação de reformas, e um partido criado para sustentar o federalismo e a autonomia
regional, mas que precisa manter um nível de hierarquização e centralização para evitar a
secessão. Em 1987 o presidente Sérvio, Slobodan Milosevic, ao reformar os métodos
procedimentais do Conselho Federal, garantiu que os votos dados pela Sérvia, Montenegro,
8 A ruptura entre Iugoslávia e URSS ocorreu em parte por diferenças em torno do modelo de socialismo
defendido pelos iugoslavos. Entretanto, também foram centrais fatores relativos à política externa iugoslava, que
tinha pretensões de incorporar a cidade italiana de Trieste e maquinava movimentos de incorporação da Grécia e
Albânia. A URSS, por outro lado, tinha receio que tal política externa pudesse levar à uma confrontação direta
com o Ocidente. Assim, em 1948, a Iugoslávia foi expulsa do Cominform (organização internacional de partidos
comunistas agenciada pelos soviéticos) e assim, mais tarde, recebeu financiamentos ocidentais bem como
constituiu o Movimento dos Países Não-Alinhados (Perović 2007; Severo 2011).
Kosovo e Vojvodina fossem iguais e dados pelo presidente da República Socialista Sérvia, no
caso o próprio Milosevic. Tal ação foi vista pelas províncias mais a Croácia e a Eslovênia
como uma nova centralização do poder pela Sérvia (Curtis 1992, Araújo 2001).
Logo após tal implementação, diversos protestos eclodiram, principalmente no
Kosovo que, ao contrário da Vojvodina — de maioria eslava e católica-ortodoxa —, era
majoritariamente albanês e muçulmano. Mineiros da província entraram em greve em 1987
contra a perda de autonomia, passando a pleitear que o Kosovo se tornasse a 7ª república
federal. Eles, entretanto, foram duramente reprimidos por Milosevic e acusados de
desestabilizar a nação e de propagar a servofobia. O movimento grevista foi apoiado pelo
presidente esloveno, Milan Kučan e pelo presidente croata, Franjo Tuđman. O crescente
tensionamento levou o governo federal a empregar as forças armadas para pacificar a região,
mantendo-se, no entanto, a tensão entre sérvios e kosovares, e entre a sérvia e as demais
repúblicas (Curtis 1992).
A repactuação federativa tornou-se, portanto, fundamental para a manutenção da
Federação Iugoslava. Para isso, as necessidades regionais — em especial a queda na
produtividade agrícola, a qual insegurança alimentar — deveriam ser reconhecidas. A
necessidade de maior representatividade à nível regional e local, essencialmente nos cargos de
chefia, era também fundamental para o sentimento de pertencimento e de contribuição para a
federação (Severo 2011).
A harmonia social, o convívio pacífico e a mobilidade étnica, historicamente, são
mecanismos que sustentam uma federação (Gorenburg 2006). A integração nacional, no caso
da Iugoslávia, deveria ser fortalecida em detrimento do paroquialismo e do localismo. A falta
de perspectiva por parte da população de que haveria estabilidade político-econômica, em
uma era de reformas dentro do bloco socialista, leva a mesma a comprar o discurso fácil do
populismo nacionalista.
4. Ações prévias
Anteriormente à 1989, a Iugoslávia realizou diversas tentativas de transição bem-
sucedida em direção a uma economia de mercado e ao Ocidente (Woodward 1995),
implantando medidas visando à liberalização econômica. Entre elas estão: reformas
descentralizantes, negociações com o FMI, acordos com o GATT (Acordo Geral de Tarifas e
Comércio) e com a Comunidade Europeia. Além disso, a Iugoslávia buscou, desde a
constituição, equilibrar-se no sistema mundial em que estava inserida ao mesmo tempo em
que construía uma economia interna que resolvesse as disparidades financeiras entre as
repúblicas. Desta forma, o país obteve progressos no domínio social e econômico e em termos
de reconhecimento de múltiplas identidades nacionais, além de um crescimento rápido da
economia até final da década de 70 (Alves 2013; Severo 2011).
Nos anos 70, a fraqueza estrutural começava a tomar conta do país devido ao
despreparo da economia interna, ao endividamento externo e ao desemprego crescente. Nesta
mesma década, foram mais sentidas as consequências do progressivo endividamento perante
as instituições financeiras ocidentais, mas a economia se mantinha funcionando, apesar da
pressão por reformas liberais em razão da crise econômica (Severo 2011).
É válido ressaltar que a crise iugoslava ocorreu devido ao fato de que a agricultura foi
insuficientemente aproveitada e de que o crescimento industrial do país dependia fortemente
do comércio internacional, do mercado financeiro e das importações, já que a produção de
matérias-primas e insumos industriais era baixa. Desta forma, a balança de pagamentos tendia
ao déficit, sendo necessários sempre mais empréstimos para o desenvolvimento da economia,
o que acabou se tornando insustentável devido às condições da economia mundial (Alves
2013; Severo 2011).
Visando a solucionar o problema da balança de pagamentos e do déficit comercial,
tinha-se como estratégia aumentar os lucros das exportações, por meio de produtos de alta
qualidade, mas para isso eram necessários grandes investimentos em tecnologia e petróleo, o
que agravou mais ainda a dívida externa iugoslava. Além disso, o desvio de empréstimos
privados, a alta do valor do dólar, o aumento da taxa de juros e os baixos preços dos produtos
primários contribuíram para que a economia não saísse da recessão (Alves 2013; Severo
2011). Como solução estaria um empréstimo de ajuste estrutural pelo FMI e pelo Banco
Mundial, mas este só ocorreria caso houvesse a implementação de diretrizes políticas do
Consenso de Washington, ou seja, a liberalização do mercado. Como consequência ocorreu
um empobrecimento real da população, que viu na devolução do poder político às repúblicas a
única chance para sair da crise: o separatismo (Araujo 2001; Severo 2011).
Posteriormente, o FMI viria a conceder dois empréstimos para a Iugoslávia, um em
1979 e outro em 1982, visando a equilibrar a balança de pagamentos, mas os efeitos foram
pouco sentidos. Com o fracasso de tais medidas internacionais, foi criado um pacote de
reformas macroeconômicas liberalizantes, como o Programa a Longo Prazo de Estabilização
Econômica, publicado em 1983 e que tinha como meta restaurar o equilíbrio entre objetivos
sociais e o potencial econômico real, por meio da reafirmação do mecanismo do mercado e da
total exposição da economia iugoslava ao mercado global. Ademais, o Programa projetava
que a economia iugoslava seria capaz de pagar toda a dívida em 10 anos e atingiria uma taxa
média anual de crescimento do PNB de 3,6% até o final do século (Araujo 2001; Severo
2011; Vilogorac 1986).
Para isso foram criados dois organismos: a Comissão Kraigher, para a reorganização
econômica, e a Comissão Vrhovec, para a política. Nesta questão a pressão internacional
buscava reformas liberalizantes, mas havia divergências no governo federal em prol de uma
reestruturação do socialismo auto gestionário (Stojanovic 1988). Sendo assim, para a
implementação de tais medidas, foi necessário que o governo central retomasse a autoridade
política, que estava representada pela presidência colegiada, o que gerou uma série de
problemas. É válido ressaltar que a reforma econômica propunha uma ampla mudança na
política, já que o poder do Partido Comunista deveria ser retirado. (Severo 2011).
É inegável que no início da implementação do programa os resultados positivos foram
notados, tais como: incrementos nas exportações, pagamento de parte da dívida sem baixas na
produção, superávit da balança de pagamentos, crescimento do PIB, entre outros. Devido ao
fato de que a produção era voltada principalmente às demandas do mercado ocidental — o
que favorecia as repúblicas mais ricas, como a Eslovênia e a Croácia — houve aumento dos
preços dos produtos de consumo básico e do racionamento de eletricidade, o que levou à
diminuição da qualidade de vida da população local, a qual sofria com as crescentes taxas
desemprego e com a pobreza. (Kovac 1986; Severo 2011; Spiljak 1984). Desta forma, o povo
pressionou o governo contra as reformas liberalizantes, fazendo com que o programa parasse
de ser aplicado.
Os parlamentos esloveno e croata rejeitaram três leis sobre a recentralização das
relações econômicas externas, visto que culpavam as repúblicas mais pobres pelas más
decisões políticas e pelos problemas econômicos. E, por mais que houvessem sido feitos
programas de subsídios regionais para equilibrar as discrepâncias entre as partes da
Federação, estes não foram suficientes (Hudson 2003; Severo 2011).
Em fevereiro de 1987, novas negociações com o FMI precisaram ser organizadas pelo
Primeiro-Ministro Branko Mikulic, em razão do déficit comercial crescente. As medidas
requeridas pela instituição eram bem mais rígidas e claramente neoliberais. Ademais, elas
elevaram o preço do petróleo, alimentos e transportes, cortaram salários, desestimularam a
concessão de crédito doméstico, introduziram novos tributos e desvalorizaram a moeda
iugoslava. Politicamente, o empréstimo era condicionado ao fortalecimento da administração
federal e da mudança da votação por consenso pela votação por maioria no Banco Central
iugoslavo. A centralização política e econômica seria a resposta para o alívio da crise e
contenção do nacionalismo que ressurgia (Araujo 2001; Severo 2011).
Nesse contexto, o governo central perdeu legitimidade no decorrer dos anos 1980 em
razão da crescente crise econômica. Um efeito disso foi o aumento do poder de elites locais
nos governos das repúblicas, visto que a maioria da população acabava por depender mais dos
governos a nível local, fazendo com que redes informais de apoio se formassem em torno de
cada república (Alves 2013; Severo 2011).
Desta maneira, vê-se que, para resolver seus problemas, as pessoas começaram a
aprofundar o mecanismo clientelista das relações sociais, utilizando-se de relações pessoais e
extraoficiais para conseguirem preservar o rendimento médio. Esse mecanismo surgiu como
um dos principais elementos de estruturação social, prejudicando ainda mais a busca por
reformas profundas da estrutura econômica, voltada para a criação de uma economia de
mercado (Alves 2013; Araujo 2001; Severo 2011).
Ademais, as reformas econômicas, politicamente determinadas, passaram a
contemplar uma lógica localista, baseada na divisão dos serviços públicos de acordo com
aglomerações sócio geográficas. Num segundo momento, a continuidade desta lógica fez com
que a política também fosse dominada por grupos fechados e com limites de atuação
claramente colocados, de forma que o debate ficava cada vez mais radical. A exemplo disso
estão a distribuição proporcional dos benefícios federais entre as etnias; o aumento dos
movimentos religiosos expondo as diferenças e “incompatibilidades”; e os movimentos de
jovens sobre a descrença em relação ao futuro (Araujo 2001).
5. Posições Oficiais
O Delegado eleito pela República da Bósnia representa os interesses particulares de
sua entidade federativa, a qual foi a maior beneficiária da política multiétnica e multinacional
iugoslava e manteve boas relações durante boa parte do tempo que integrou a República
Socialista Federativa da Iugoslávia (Severo 2011). Além disso, a República da Bósnia, por
tradição, resiste aos movimentos de unificação da Sérvia e possui uma visão direcionada ao
separatismo. Não há uma uniformidade de pensamento capaz de gerar grandes problemas
nacionalistas para desestabilizar o país. Além disso, a Bósnia exige maior representatividade
na política e encara a hegemonia sérvia na região como uma forma de opressão (Araujo 2001;
Severo 2011).
O Delegado eleito pela República da Croácia possui uma visão muito próxima do
delegado eleito pela República da Eslovênia, que tende ao separatismo e é baseada em uma
perspectiva liberalizante da economia e de uma abertura do mercado de modo não centralista.
(Severo 2011). O país acredita que é mais interessante construir laços próprios com nações
capitalistas vizinhas do que continuar sustentando um Estado que restringe seus interesses
econômicos e que gasta grande parte da renda obtida com as repúblicas mais fracas. Outra
medida defendida pela República da Croácia é o formato de confederação ao invés de
federação, pois assim poderá exercer sua soberania nacional (Alves 2013; Araujo 2001;
Severo 2011).
O Delegado eleito pela República da Eslovênia atua ao lado do delegado eleito pela
República da Croácia e impulsiona a corrente de democratização, liberalização e secessão. O
país conta com fortes movimentos de estudantes universitários em prol da autonomia nacional
que obtiveram como resultado o reconhecimento de partidos políticos e a Constituição de
1989, que garantiu à República o direito de separação da República Socialista Federativa da
Iugoslávia. Ademais, as relações da Eslovênia com a Sérvia — principal integrante da
Iugoslávia — estão péssimas devido às discordâncias em relação ao nacionalismo e
centralismo sérvio (Alves 2013; Severo 2011).
O Delegado eleito pela República da Macedônia representa os interesses
particulares de sua entidade federativa, uma das mais pobres da República Socialista
Federativa da Iugoslávia, fazendo parte da periferia da região através do fornecimento de
matérias-primas para os demais integrantes (Severo 2011). É válido ressaltar que, mesmo com
os subsídios regionais, a situação de discrepância entre as repúblicas ainda não foi
solucionada e acabou sendo agravada quando houve a tentativa de estabilizar a economia da
Federação através do pacote liberalizante proposto pelo FMI, visto que este voltava a
produção econômica para a demanda do mercado ocidental (Araujo 2001; Severo 2011).
Sendo assim, esta última era muito baixa em relação à agricultura, mineração e metalurgia, o
que desfavoreceu o mercado macedônio e diminui o padrão de qualidade de vida da
população, levando o país a inclinar-se cada vez mais ao separatismo (Severo 2011).
O Delegado eleito pela República de Montenegro é um forte aliado sérvio e, por
isso, também defende a reestruturação da economia auto gestionária e a recentralização do
poder em torno do governo federal (Severo 2011). Os montenegrinos, por tradição, são
assumida e orgulhosamente sérvios e o país não possui confrontos nacionalistas. Esta última
afirmativa decorreu do fato de que Montenegro obteve uma modesta industrialização através
dos setores hidrelétricos, mineração e indústria florestal durante o período que integrou a
República Socialista Federativa da Iugoslávia (Alves 2013).
O Delegado eleito pela República da Sérvia defende cada vez mais a reestruturação
da economia auto gestionária e com uma recentralização do poder em torno do governo
federal visto que seu povo constitui maior parte da população iugoslava. Sendo assim, o país
acredita que deve possuir mais que um oitavo no processo decisório e, visando a equilibrar a
representação da república dentro da Federação, a República da Sérvia retirou autonomia de
duas províncias sérvias através da nova Constituição em 1990, obtendo mais dois oitavos nas
decisões (Severo 2011). Ademais, os sérvios eram os que sofriam os efeitos mais perversos
das reformas liberalizantes instituídas pelo governo federal e, por isso, no momento presente
do comitê, deixam de apoiar o centralismo como política da Federação. Essa postura adotada,
juntamente à defesa da minoria sérvia que vive na Croácia, fez com que o presidente sérvio
fosse acusado por muitos de nacionalismo extremo e com a ideia de formar a “Grande Sérvia”
(Alves 2013; Araujo 2001; Severo 2011).
O Secretário Federal da Defesa do Povo é responsável pela política de defesa da
federação, coordenando as ações entre todos os ramos das forças armadas. Dessa maneira, ele
representa o mais importante cargo militar efetivo dentro da federação. O Exército Popular
Iugoslavo (JNA) possui a atribuição de conservar a integridade constitucional da República
Socialista Federativa da Iugoslávia e, devido a seu papel nesta instituição, o secretário da
defesa deve prezar pela unidade das repúblicas iugoslavas (Kipp e Sanz 1991). Os reajustes
econômicos liberalizantes reduziram o orçamento das forças armadas para um patamar abaixo
do que seus comandantes achavam necessário, o fortalecimento do governo federal
solucionaria essa questão no seu entendimento (Araujo 2001). Apesar de possuir integrantes
de todas as unidades federativas, a preponderância de oficiais sérvios dentro do JNA
aproxima a organização dos interesses da Sérvia, criando desconfianças entre as demais
repúblicas (Alves 2013).
O Secretário Federal do Interior é encarregado de prover a manutenção da ordem e
segurança interna em toda a Iugoslávia, além de gerir emergências públicas. O alastramento
de retóricas nacionalistas entre as repúblicas da federação preocupa a Secretaria do Interior,
visto que tensões advindas dessas retóricas representam uma ameaça a segurança do país
(Alves 2013; Araujo 2001; Severo 2011). A integridade da República Socialista Federativa da
Iugoslávia é o principal objetivo da secretaria e, neste sentido, o equilíbrio entre os interesses
dos entes federativos desempenha papel importante.
O Secretário Federal das Relações Exteriores possui a função de conduzir a política
externa da Iugoslávia e garantir o cumprimento de todos os compromissos internacionais
assumidos pelo país. As repúblicas iugoslavas estão subordinadas ao governo federal no que
tange às relações internacionais (Severo 2011). Essa situação gera uma dinâmica interessante
na interação entre os atores, uma vez que o governo federal era responsável pela entrada e
distribuição de financiamento externo, relevante no contexto de turbulência econômica que
vivia a federação (Araujo 2001). A Secretaria de Relações Exteriores considera fundamental a
resolução das crises internas e a integridade federativa para uma atuação externa ativa e que
melhor represente os interesses dos povos iugoslavos.
O Delegado eleito pela Província Autônoma do Kosovo enfrenta uma das mais
complicadas missões dentro da Presidência Coletiva: buscar equilíbrio entre as pressões
separatistas decorridas do nacionalismo kosovar e a necessidade de repasses financeiros
provenientes da federação para o desenvolvimento da região. Sendo uma parte integrante da
Sérvia de maioria étnica albanesa, o Kosovo ocupa uma posição particular dentro da
Iugoslávia, conferindo-lhe uma autonomia quase igual a de uma república (Alves 2013).
Portanto, as recentes restrições à autonomia kosovar provocaram protestos na província, estes
demandando a elevação da província ao status de república e até mesmo a secessão dela da
federação em alguns casos (Curtis 1992). Por outro lado, a região é uma das mais carentes do
país, dependendo de recursos oriundos das partes mais ricas da Iugoslávia, sendo estas
remessas geridas pelo governo federal. Além disso, as reformas neoliberais agravaram a
situação socioeconômica kosovar (Severo 2011).
O Delegado eleito pela Província Autônoma de Vojvodina deve defender os
interesses de uma região da Sérvia com uma minoria étnica húngara significativa, porém, sem
tensões étnicas exacerbadas, uma vez que a província possui maioria sérvia e conta com
direitos especiais dentro da Sérvia (Alves 2013). Vojvodina dependia do mercado interno
iugoslavo e de remessas federais para o seu desenvolvimento, então, o pacote de medidas
requeridas pelo FMI afetou a economia local, causando descontentamento na província
(Severo 2011). A unidade da federação e a preservação dos programas de desenvolvimento
das áreas menos dinâmicas são vistas como essenciais para a sustentação de Vojvodina.
O Presidente do Presidium da Liga dos Comunistas Iugoslavos ocupa o cargo de
liderança do Comitê Central da Liga, organizando suas diretrizes e debatendo as políticas
gerais a serem adotadas pela federação. Com a deterioração da situação econômica e
amplificação das tensões políticas, a Liga dos Comunistas Iugoslavos passou a sofrer pressões
das Ligas dos Comunistas das repúblicas federativas, as quais aumentavam seu poder e sua
influência em relação ao ramo federal (Alves 2013; Araujo 2001). O Presidium da Liga
entende serem fundamentais reformas econômicas e políticas dentro dos quadros do
socialismo, além do combate aos nacionalismos nas repúblicas iugoslavas e conservação da
unidade federal (Severo 2011).
O Presidente da Assembleia Federal representa o órgão deliberativo da República
Socialista Federativa da Iugoslávia, sendo composta por membros nomeados pela Liga dos
Comunistas Iugoslavos, em concordância com as Ligas de cada república constituinte (Severo
2011). Devido à diversidade de interesses dentro da Assembleia Federal, seu presidente deve
procurar um equilíbrio entre as posições, servindo de mediador nas negociações (Accetto
2007). Contudo, a preservação da ordem constitucional federal e da unidade da Iugoslávia
compõem as principais prioridades do presidente da Assembleia federal.
O Presidente da Conferência Federal da Aliança Socialista dos Trabalhadores
Iugoslavos coordena a maior organização de massas do país. Ela congrega várias entidades
socialistas e associações sindicais, e foi formada com o intuito de envolver o povo iugoslavo
nas práticas auto gestionárias do socialismo que era desenvolvido no país (Severo 2011).
Desde o início da década de 80, a crise política vivida pela federação motivou debates sobre o
papel da Aliança no cenário político e, dentro destes debates, existe uma corrente de
pensadores favoráveis à transformação da Aliança em um segundo partido, com o objetivo de
abrigar grupos não satisfeitos com a Liga dos Comunistas Iugoslavos em uma instituição
legalmente reconhecida (Ramet 2002). Isso serviria para atenuar a criação de grupos com
interesses políticos que fossem totalmente contrários a soluções dentro do escopo
constitucional da federação. A atuação da Conferência Federal da Aliança se dá por meio de
comitês em diversas áreas, os quais formulam recomendações de políticas a serem adotadas
na Iugoslávia (Curtis 1992; Severo 2011).
O Presidente da República da Bósnia representa uma das nações mais diversificadas
da união iugoslava, com ampla composição muçulmana (Araujo 2001). Esse caráter adquirido
durante a ocupação muçulmana dos Bálcãs traz apoio do Oriente Médio ao país e cria
instabilidades contra os sérvios e croatas, majoritariamente católicos. A economia bósnia é
frágil e dependente da exportação de matérias-primas aos demais países iugoslavos,
dependendo imensamente dos recursos das demais nações iugoslavas repassadas pela capital
federal. As reformas liberalizantes defendidas pelo FMI à Iugoslávia derrubaram os preços
das commodities e prejudicaram o país; dessa forma, os EUA passam a apoiar o Presidente da
Bósnia a lutar pela independência, com o intuito de possuir um foco de influência na região
(Araujo 2001; Severo 2011)
O Presidente da República da Croácia atua de maneira similar ao presidente
esloveno na defesa por uma confederação entre os iugoslavos, conferindo maior autonomia
aos países e menor centralização política e econômica. O líder croata tem em sua política
local uma dominância e influência do catolicismo e do nacionalismo, que julgam as remessas
de recursos desde a capital, Zagreb, à capital iugoslava e sérvia, Belgrado, como uma afronta
à integridade e riqueza da Croácia (Severo 2011). O intenso nacionalismo croata estruturou o
movimento terrorista, racista e fascista dos Ustasha, atuantes na Segunda Guerra mundial por
meio de perseguição aos sérvios e dissidentes croatas e bósnios, o que acarretou relações
atribuladas entre os países e se mantêm até a atualidade. (Alves 2013; Severo 2011)
O Presidente da República da Eslovênia deve prezar pelo aumento da autonomia
política dos países iugoslavos, movimento essencial para a opinião pública do país. Como
uma das regiões mais prósperas da Iugoslávia, ao lado da Croácia, a Eslovênia demonstra-se
insatisfeita com as contribuições exigidas pela Federação com o fim de desenvolver regiões
mais pobres e estruturar a força militar; prefere, por outro lado, que os países possuam maior
liberdade político-econômica, defendendo, junto aos croatas e em oposição aos sérvios,
bósnios e montenegrinos, uma forma confederada de união entre os iugoslavos - uma
descentralização política sobre propulsores econômicos e nacionalistas (Araujo 2001; Severo
2011).
O Presidente da República da Macedônia tem a responsabilidade de defender os
interesses de um dos países mais pobres da Federação. A nação é etnicamente diversificada,
abrangendo turcos, romenos, albaneses e outros povos balcânicos (Severo 2011). O território
macedônico comporta uma rota de transporte de petróleo importante para o ocidente, o que
confere atenção especial dos estadunidenses e dos europeus a uma eventual desintegração do
país frente a Iugoslávia. A economia do país é especialmente debilitada, dependente absoluta
do repasse de recursos efetuados pelas demais nações da Federação (Severo 2011). Desse
modo, uma descentralização e maior autonomia dos países em relação à Iugoslávia seria
prejudicial ao país, que depende dos repasses feitos por Belgrado, capital iugoslava, para seu
desenvolvimento.
O Presidente da República da Sérvia representa a semiperiferia da Iugoslávia,
atuando ao lado de Montenegro - aliado clássico - por uma maior centralização da Federação.
Há uma forte belicosidade entre os sérvios e os eslovenos e croatas, causado pelas
disparidades na visão política referente à Iugoslávia e pela perseguição histórica da etnia
sérvia por grupos nacionalistas da Eslovênia e da Croácia (Alves 2013; Araujo 2001; Severo
2011). As reformas neoliberais impostas pelo FMI são duramente repreendidas pela Sérvia,
que visam uma Iugoslávia unida sob uma federação com um sólido socialismo de mercado. A
URSS mantém relações estreitas com a Sérvia, o que influencia nas tendências antiliberais e
pró-socialistas do país.
O Presidente da Província Autônoma do Kosovo representa a mais subdesenvolvida
região da Federação, de menor PIB e dependente da agricultura familiar para seu sustento
(Severo 2011). O repasse de recursos intermediados pela Iugoslávia, oriundos principalmente
das regiões industrializadas da Croácia e da Eslovênia, sempre foram fundamentais para a
sobrevivência kosovar (Alves 2013; Severo 2011). As reformas neoliberais e
descentralizantes promovidas pelo FMI na Iugoslávia foram extremamente prejudiciais ao
Kosovo; surgiram, assim, os movimentos de secessão liderados pelas elites locais, que podem
ser usados como expansão das possibilidades comerciais de Kosovo ou barganha frente à
Iugoslávia por maior auxílio financeiro.
O Presidente da Província Autônoma de Vojvodina representa uma região da
Sérvia, de economia pouco desenvolvida e representante da semiperiferia regional como
exportadora de matérias-primas às demais nações (Severo 2011). A Província da Vojvodina
colocou-se contrária às imposições liberalizantes trazidas pelo FMI à Iugoslávia, posição
exposta pela instabilidade da economia interna da região gerada por intensas greves e queda
na demanda por itens primários (Severo 2011). Há a necessidade da reestruturação da
centralização da Federação para que se mantenha o desenvolvimento e o sustento da região,
vindos dos repasses enviados por Belgrado, prezando sempre pela autonomia da Província
Autônoma frente à Sérvia.
O Presidente do Conselho Executivo Federal é o chefe de governo da República
Socialista Federativa da Iugoslávia, sendo eleito pela Assembleia Federal após nomeação pela
Presidência da federação. Atuando em conjunto com o Vice-Presidente do Conselho, o
presidente tem a responsabilidade de executar as políticas do Estado e garantir sua
implementação. O Conselho Executivo defende profundas reformas estruturais na economia e
política do país, porém, compreende que ajustes na área econômica são mais importantes para
a superação da crise iugoslava (Araujo 2001; Ramet 2002; Severo 2011). Além disso, o
Conselho é a favor da preservação da unidade federal, entendendo ser fundamental o papel da
federação na estabilização da Iugoslávia.
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