Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
MARIANA MENCIO
O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas
Doutorado em Direito
São Paulo
2013
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
MARIANA MENCIO
O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTORA em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Márcio Cammarosano
São Paulo
2013
MARIANA MENCIO
O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTORA em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Márcio Cammarosano.
Aprovada em: _____________
Banca Examinadora
Prof. Dr. Márcio Cammarosano (Orientador) Instituição: PUC-SP Assinatura______________________
Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________ Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________ Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________ Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________
AGRADECIMENTOS
Tocada pelas sábias palavras de Elizabeth Gilbert, em seu livro Comer,
Rezar e Amar, homenageio a todos que participaram da minha trajetória
durante o desenvolvimento desta tese. Adaptando as reflexões propostas, sinto
que vivenciei um processo intenso de trabalho comparado à jornada descrita.
Em muitos momentos, abandonei minha zona de conforto pessoal e acadêmica
para aprofundar os estudos, confrontar dúvidas, testar ideias e argumentos
jurídicos, esclarecer pensamentos para que ao final todo o material pesquisado
fosse construído de forma lógica e sistemática. Durante este processo, todos
os homenageados foram mestres responsáveis por tornar o meu caminho mais
suave.
Aprendi a acreditar que existe no universo algo que eu chamo “A Física da Procura” – uma força natural governada por leis tão reais quanto a lei da gravidade ou do momento. E a regra da Física da Procura deve ser alguma coisa como “se você for corajoso o suficiente para deixar para trás tudo que lhe é familiar e reconfortante (que pode ser qualquer coisa – da sua casa a seu velho e amargo ressentimento) e partir em uma viagem em busca da verdade, (interna ou externamente), e se você está sinceramente disposto a ver tudo que lhe acontecer durante essa viagem como um ensinamento, e se aceitar cada um que encontrar durante a viagem como um mestre, e se você estiver – acima de tudo – preparado para encarar (e perdoar) algumas realidades desagradáveis a seu respeito... então a verdade não lhe será ocultada. (GILBERT, Elizabeth. Comer, Rezar e Amar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008 ).
Aos meus pais, Carlos e Marisa, e à minha irmã, pelo amor incondicional
e o apoio irrestrito, por acreditarem em meus sonhos e propiciarem todas as
condições para que fossem realizados.
Ao meu amado, amigo e companheiro, Luiz Fernando Sydow por todo
amor frutificado no encantamento de viver.
Ao meu orientador, professor Márcio Cammarosano, eterno mestre,
agradeço as oportunidades que propiciaram desenvolver minha vida
acadêmica, as brilhantes lições e as proveitosas discussões, essenciais para a
construção da tese.
Aos professores Dinorá Musetti Grotti e Luiz Alberto David Araújo pelo
apoio e incentivo constantes e indicação de precioso material bibliográfico; à
Daniela Campos Libório Di Sarno e Nelson Saule Júnior pelas críticas e
sugestões apontadas durante o exame de qualificação.
Aos meus amigos Luís Manuel Fonseca Pires e Marcos de Lima Porta,
cujas atuações profissionais inspiram a todos que estão ao redor, um
agradecimento especial, por toda a ajuda durante a elaboração da tese.
Ao Rui e ao Rafael, funcionários da Pós-Graduação da PUC-SP e à
Maria de Lourdes Feitosa, da FMU, pela imensa colaboração ao solucionar
pendências administrativas necessárias para viabilizar o doutorado.
À Eveline Denardi, pela primorosa revisão da tese.
Ao Juan Carlos Covilla Martínez, dedicado pesquisador sobre Regiões
Metropolitanas na Colômbia, cujo auxílio foi relevante para o desenvolvimento
das pesquisas de direito comparado sobre o tema.
E, por fim, aos meus amigos, que igualmente profissionais da área de
urbanismo e direito, participaram da minha jornada acadêmica indicando
leituras e com apoio emocional: Débora Sotto, Egle Monteiro, Flávia Giorgini
Fusco Cammarosano, João Paulo Pessoa, Júlia Maria Plenamente Silva,
Luciana Ferrara, Maximiliano Rosso, Paulo de Tarso Néri, Ricardo Marcondes
Martins e Sylvio Toshiro Mukai.
RESUMO
Esta pesquisa versa sobre a existência de fundamento jurídico no ordenamento
brasileiro para a elaboração de planos diretores metropolitanos, as normas
jurídicas que disciplinam o seu conteúdo, a autoridade competente para a
edição, seus limites de incidência, objetivos e finalidades, além de abordar a
compatibilidade entre o planejamento urbano metropolitano e o municipal.
O objetivo deste estudo é aprofundar a identificação no ordenamento jurídico
brasileiro das normas destinadas à disciplina do planejamento urbano das
Regiões Metropolitanas. A tese proposta diz respeito ao regime jurídico do
Plano Diretor Metropolitano, composto pelo conjunto de princípios e regras que
regem o planejamento urbano das funções públicas de interesse comum.
Para essa finalidade, o estudo investiga a natureza jurídica do planejamento
metropolitano; as tipologias nas quais os planos metropolitanos são
enquadrados; os fundamentos jurídicos que autorizam a sua edição e os entes
federados competentes para editá-lo.
Traz uma metodologia pautada em legislação atual e casos concretos
analisados pelo Poder Judiciário para responder se planos metropolitanos são
elaborados em função de vínculos compulsórios entre o Estado e os Municípios
ou por vínculos consorciais, o processo de elaboração e aprovação, os atores
envolvidos para definir o seu conteúdo e os parâmetros para enfrentar as
colidências entre os planos diretores metropolitanos e municipais.
A pesquisa ainda percorre os limites territoriais disciplinados pelo plano, seus
objetivos e finalidades, o prazo para revisão e as normas jurídicas aplicadas
em razão da revogação de um plano diretor por outro, levando em conta as
regras do direito intertemporal brasileiro.
Palavras-chave: Plano Diretor. Região Metropolitana. Planejamento Urbano.
ABSTRACT
This research discusses the existence of a legal basis in the Brazilian legal
system for implementation of metropolitan master plans, the legal standards
that discipline its content, the authority responsible for their enactment, their
incidence boundaries, goals and objectives. In addition, it addresses the
compatibility between metropolitan and municipal urban planning.
The aim of this study is to further the identification, within the Brazilian legal
system, of the rules that relate to the organization of urban planning of the
metropolitan areas. The proposed thesis refers to the legal regime of the
Metropolitan Plan, made up by a set of principles and rules governing the urban
planning of public functions of common interest.
For this purpose, this work investigates the legal nature of metropolitan planning
the typologies in which metropolitan plans are framed, the legal basis
authorizing their enactment and the federated entities competent to enact them.
The investigation methodology is grounded in current legislation as well as in
specific cases analyzed by the judiciary. It seeks to respond if metropolitan
plans are elaborated on account of compulsory ties between the state and the
municipalities or connecting links, also approaching the drafting and approval
processes, the parties involved to define the content as well as the parameters
to face the conflicts between metropolitan and municipal master plans .
Furthermore, the survey covers the territorial boundaries governed by the plan,
its objectives and purposes, the period for review and the legal standards
applied by reason of the revocation of a master plan by another, taking into
account the rules of Brazilian intertemporal law.
Keywords: Master Plan. Metropolitan Region. Urban Planning.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO 17 – Indicadores utilizados para a análise da Rede Urbana do Estado de São Paulo 239 QUADRO 18 – Conceitos e indicadores para definição de Regiões Metropolitanas 241 QUADRO 19 – Critérios principais e complementares para definição de aglomerações urbanas 242 QUADRO 22 – Critérios principais e complementares para definição de microrregião 242
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12 1 ESTADO FEDERAL BRASILEIRO E AS
COMPETÊNCIAS URBANÍSTICAS 17
1.1 Estado federal 17 1.1.1 Noções gerais 18 1.1.2 Características do federalismo 23 1.1.3 Contrastes entre Estado regional e federativo:
comparações entre o modelo espanhol e colombiano 31 1.1.4 Tipos de federalismo e os modelos adotados pela
Constituição Federal de 1988 38 1.2 Entes federados e as Regiões Metropolitanas à luz da
Constituição Federal de 1988 48 1.3 Competências constitucionais em matéria de direito
Urbanístico 57 1.3.1 Breves noções sobre conceito e autonomia do direito
urbanístico 60 1.3.2 Competências materiais e legislativas em matéria de
direito urbanístico 68 1.3.2.1 Competências materiais 68 1.3.2.2 Competências legislativas privativas, exclusivas e
expressas 73 1.3.2.3 Interesse local 76 1.3.2.4 Competências concorrentes 85 1.3.2.5 Competências urbanísticas e planejamento urbano 97 1.4 Regiões Metropolitanas e as funções públicas
de interesse comum 103 1.4.1 Noções gerais sobre funções públicas de interesse
comum 105 2 FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM:
INTERESSE METROPOLITANO 109
2.1 Critérios de identificação das funções públicas de
interesse comum 113 2.2 Titularidade da função pública de interesse comum 131 2.2.1 Noções gerais 132 2.2.2 Posições da doutrina em relação à titularidade das
funções públicas de interesse comum 134 2.2.3 Breves notas sobre a polêmica envolvendo as discussões
relativas à titularidade da prestação do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário 140
2.3 Exercício das competências administrativas e legislativas na organização, planejamento e execução das funções públicas de interesse comum 146
2.4 Interfaces entre os interesses local e metropolitano: limites da autonomia municipal 156
2.4.1 Natureza jurídica dos vínculos regionais 158 2.4.2 Interfaces entre os interesses local e metropolitano 164 3 REGIME JURÍDICO DAS REGIÕES METROPOLITANAS 183 3.1 A positivação no sistema jurídico brasileiro da
realidade metropolitana 191 3.2 Noções gerais sobre regiões metropolitanas 194 3.2.1 Conceito 197 3.2.2 Conceito previsto no estatuto da metrópole 197 3.2.3 Conceitos legais e doutrinários 203 3.3 Requisitos de criação 213 3.3.1 Requisito material (fático) 217 3.3.2 Requisito formal 219 3.3.3 Requisito de conteúdo 223 3.4 Distinções entre Regiões Metropolitanas, Aglomerações
Urbanas e Microrregiões 233 3.5 Considerações sobre Regiões Metropolitanas na Espanha
e Colômbia 248 3.5.1 Espanha 248 3.5.2 Colômbia 250 3.5.3 Comparação entre as Regiões Metropolitanas do Brasil,
Colômbia e Espanha 255 4 ADMINISTRAÇÃO DAS REGIÕES METROPOLITANAS 259
4.1 Modelos de administração metropolitana 260 4.2 Perfil da administração metropolitana no Brasil 268 4.2.1 Breves considerações sobre o regime jurídico dos
consórcios públicos brasileiros 276 4.2.2 Considerações sobre o modelo espanhol e
colombiano: institucional com arranjos supramunicipais e consorcial 280
4.2.2.1 Considerações sobre o modelo consorcial espanhol 282 4.2.2.2 Considerações sobre o modelo consorcial colombiano 288 4.2.3 Comparação entre a administração por modelos
institucionais compulsórios e por consórcios públicos 290
5 PLANEJAMENTO URBANO 307
5.1 Planejamento e plano: relações 309 5.1.1 Espécies de planos 314 5.2 Planejamento urbano e planos urbanísticos 317 5.3 Planejamento urbanístico brasileiro 322 5.3.1 Regime jurídico do planejamento urbano 337 5.3.2 Sistema constitucional de planejamento urbano 339 5.4 Tipologias de planos urbanísticos 344 5.4.1 Planos urbanísticos federais, estaduais e municipais:
noções gerais 347 5.4.2 Planos urbanísticos federais, estaduais e municipais:
gerais e setoriais 349 5.4.2.1 Planejamento urbano estadual: supramunicipal e
metropolitano 353 6 PLANEJAMENTO URBANO METROPOLITANO 358
6.1 O tratamento jurídico do Plano Diretor Metropolitano
após a Constituição Federal de 1988 360 6.2 Plano Diretor Metropolitano e as contribuições das
legislações espanholas e colombianas 364 6.3 Regime jurídico do Plano Diretor das Regiões
Metropolitanas 369 6.3.1 Competência para elaboração 373 6.3.2 Objetivos e finalidade 375 6.3.3 Obrigatoriedade 376 6.3.4 Conteúdo 384 6.3.5 Planejamento urbano e discricionariedade legislativa 384 6.3.5.1 Objeto do Plano Diretor Metropolitano 395 6.3.5.2 Plano Diretor Metropolitano e Plano Diretor: interfaces 405 6.3.6 Elaboração, aprovação e revisão 423 6.3.7 Abrangência 430 6.4 Plano Diretor Metropolitano e direito intertemporal 436
7 CONCLUSÕES 449 REFERÊNCIAS
12
INTRODUÇÃO
O interesse pelo estudo do tema decorreu da leitura de algumas
reportagens veiculadas pela imprensa sobre o surgimento de questões urbanas
que não poderiam ser resolvidas isoladamente pelos municípios, mas
demandavam a colaboração dos Estados. Na ocasião, precisamente na época
das eleições para governador do Estado de São Paulo, em outubro de 2010, a
revista Veja São Paulo publicou uma interessante matéria sobre as metas que
deveriam ser cumpridas no âmbito das políticas públicas pelo futuro
governador. Em especial, ficamos sensibilizados pela advertência feita pela
arquiteta e urbanista Raquel Rolnik sobre os grandes dilemas do planejamento
urbano metropolitano, envolvendo questões referentes aos espaços entre os
municípios conurbados, trânsito e proteção aos mananciais da Região
Metropolitana de São Paulo.
Após a percepção do viés urbanístico, resolvemos aprofundar os
estudos no campo jurídico para verificarmos se a doutrina e o legislador pátrio
já teriam demonstrado preocupação em disciplinar a matéria.
A noção de Plano Diretor Metropolitano não é nova, pois foi concebida
em 1968, quando da sua aprovação pela Região Metropolitana de Porto Alegre
e previsto pelas Leis Complementares Federais nº14/1973 e nº20/1974, e pela
Lei Estadual de São Paulo nº94/1974.
A Constituição Federal de 1988 (art. 25, §3º) não tratou do Plano Diretor
Metropolitano, mas apenas da criação da Região Metropolitana.
Recentemente, como forma de suprir esta lacuna, foi apresentado o projeto de
Emenda Constitucional (50/2011), introduzindo o Plano Diretor Metropolitano.
Apesar da ausência da previsão constitucional, o tema foi tratado pelas
Constituições Estaduais, arts.4º, II e 45 do Estatuto da Cidade e também pela
Lei nº 9.605/2010, a qual trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Diante das referências esparsas sobre o assunto, procuramos
sistematizar os elementos que compõem o regime jurídico do Plano Diretor
Metropolitano, estimulados por questões referentes aos aspectos de disciplina
de uso e ocupação do solo urbano e medidas de proteção ambiental, que
apresentam repercussões na esfera metropolitana.
13
É importante ressaltarmos o papel desenvolvido pelo Estado de Minas
Gerais, que desde 2006 iniciou a reestruturação de suas regiões
metropolitanas e do seu sistema de administração. O legislador mineiro
promoveu alterações legislativas necessárias para adequar o sistema legal à
Constituição Federal de 1988, pois todas as previsões referentes às Regiões
Metropolitanas ainda estavam sob a égide da Constituição anterior, portanto,
não recepcionadas pela Carta atual, em função de terem sido criadas pela
União Federal e não pelos Estados-membros.
Esta tarefa só foi desenvolvida pelo governo do Estado de São Paulo em
junho de 2011, ocasião em que foi retomada a reorganização das regiões
metropolitanas, criando à luz do novo sistema Constitucional a Região
Metropolitana de São Paulo pela Lei Complementar nº 1.139 de 16/6/2011.
Após a Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal (STF)
não tratou de forma significativa da questão metropolitana. Em 28/2/2013 foi
julgada parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN)
1842 (RJ) e por conexão as ADINS 1826, 1843 e 1906, que discutiu por alguns
anos a titularidade dos serviços de saneamento básico.
Recentemente, os debates públicos entre o prefeito de São Paulo e o
governador do Estado sobre o rodízio de caminhões em região metropolitana,
pedágio urbano e inspeção veicular ambiental incrementaram a curiosidade
sobre o tema.
A partir das nossas pesquisas, verificamos a magnitude do problema, ao
constatarmos que apenas os planos diretores municipais não são suficientes
para disciplinar o uso e a ocupação do solo nos municípios das Regiões
Metropolitanas. A insuficiência do planejamento urbano em regiões
metropolitanas criou as condições necessárias para estudarmos o regime
jurídico do Plano Diretor Metropolitano e analisarmos, sobretudo, sua interface
em relação ao plano diretor municipal, quanto à violação de competências
constitucionais em torno do pacto federativo que consagra a autonomia dos
municípios.
Com o intuito de aprimorarmos nossa análise jurídica sobre o tema,
optamos por estudar os elementos que compõem o planejamento urbano
metropolitano na Espanha e na Colômbia. A despeito de adotarem a forma de
Estado Unitária, composta por forte descentralização administrativa, distinta do
14
federalismo brasileiro, os ordenamentos jurídicos espanhóis e colombianos têm
experiências significativas em termos de exercício de autonomia administrativa
dos entes locais em relação às Regiões Metropolitanas. Além disto, contam
com a previsão de relevantes institutos jurídicos, como plano diretor e modelos
de administração consorcial, os quais serão aproveitados para o estudo do
planejamento metropolitano, sob o crivo do modelo federalista.
A doutrina estrangeira nos dará subsídio para aprofundarmos o estudo
do tema, sobretudo, em relação às formas de administração metropolitana, do
conteúdo e das interfaces entre os interesses metropolitanos e locais.
O propósito da nossa tese é o estudo do Plano Diretor Metropolitano,
composto pelos critérios legislativos de criação das regiões metropolitanas, da
titularidade dos seus interesses, das autoridades responsáveis pela execução
das suas funções e formas de exercício do planejamento urbano neste
contexto. Adotamos como fio condutor da tese o estudo das normas jurídicas
que disciplinam o Plano Diretor Metropolitano.
A investigação do planejamento urbano metropolitano comporta análise
jurídica das Regiões Metropolitanas e suas distinções em relação às
aglomerações urbanas e microrregiões para verificarmos a realidade a ser
regulamentada pelo plano diretor. Na sequência, identificaremos a posição das
Regiões Metropolitanas no sistema federativo brasileiro e, diante destas
conclusões, revelaremos o ente federado responsável pela titularidade das
funções públicas de interesse comum. Com base nestas premissas,
poderemos compreender o sentido de função pública de interesse comum,
quanto ao uso e ocupação do solo e seus problemas ambientais, matérias
elencadas como conteúdo fundamental do Plano Diretor Metropolitano.
Desta forma, elaboramos nosso estudo em seis capítulos que
abordaram paralelamente dois grandes eixos temáticos: de um lado, o eixo
material das relações jurídicas disciplinadas pelo plano e, de outro, o eixo
subjetivo das pessoas jurídicas responsáveis por conceber e executar o plano
diretor. Assim, o desenvolvimento da nossa tese obedeceu a disposição lógica
que apresentaremos a seguir.
Os capítulos 1 e 2 pertencem ao eixo material, os capítulos 3 e 4 ao eixo
subjetivo. Os capítulos 5 e 6 reúnem os elementos para compor o regime
jurídico do plano metropolitano.
15
Nos capítulos 1 e 2 abordamos o federalismo e o exercício de
competências urbanísticas no campo das funções públicas de interesse
comum. O intuito desta divisão foi especificar as principais características do
Estado federado e suas relações com o fenômeno metropolitano, sobretudo, no
exercício das funções públicas de interesse comum, conteúdo essencial do
plano metropolitano, sob a perspectiva do uso e da ocupação do solo e seus
aspectos de proteção ambiental.
Os manuais de direito constitucional frequentemente mencionam o
interesse local, regional e nacional, afastando a noção de interesse
metropolitano. Sua delimitação é fundamental, uma vez que diz respeito ao
conteúdo do Plano Diretor Metropolitano. Apenas a partir da compreensão do
conceito e da titularidade do interesse metropolitano, por um dos entes
federados é que verificaremos o exercício de competências legislativas e
administrativas, em torno do interesse metropolitano para viabilizar a sua
elaboração.
O regime jurídico das Regiões Metropolitanas é abordado no capítulo 3.
A despeito de não ser ente federado, sofre os influxos desta forma de Estado
no âmbito de sua atuação. Verificaremos que apesar do plano diretor referir-se
em sua rubrica ao fenômeno metropolitano, por não ser entidade federativa, a
Região Metropolitana não será responsável pela elaboração do plano
metropolitano, apesar de influenciar significativamente os elementos do regime
jurídico de planejamento urbano. Na sequência tratamos do conceito e da
natureza jurídica das Regiões Metropolitanas e sua distinção em relação às
figuras criadas pela Constituição Federal de 1988, aglomerações urbanas e
microrregiões.
Dedicamos o capítulo 4 ao conceito fundamental para apartarmos
dúvidas em termos de corte metodológico da tese. A compreensão dos
modelos de administração metropolitana afastará a adoção de consórcios
públicos para solucionar problemas metropolitanos em razão da distinção entre
o regime jurídico consorcial e o metropolitano, à luz do sistema pátrio. Desta
forma, investigaremos os planos diretores formulados no âmbito das Regiões
Metropolitanas, os quais não são confundidos com planos elaborados por
arranjos consorciais entre municípios. Destacamos o estudo comparado em
relação à Espanha que considera os arranjos consorciais alternativas para
16
solucionar o problema metropolitano. Nossa preocupação foi aprofundar a
análise com base na doutrina comparada, mas evitar a adoção de soluções
estrangeiras, incompatíveis com o sistema jurídico brasileiro.
No capítulo 5 tratamos do planejamento urbano e a forma como está
descrito pelo sistema constitucional, com o propósito de compreendermos as
regras de competência e de estrutura que influenciarão o regime do plano
jurídico.
Por fim, no capítulo 6, abordamos o objeto da tese, especificamente, o
regime jurídico do Plano Diretor Metropolitano, ao verificarmos a realidade
jurídica da Espanha e da Colômbia, fundamento jurídico, abrangência,
objetivos, conteúdo, elaboração, aprovação e revisão, proteção ao direito
adquirido em face do surgimento de um novo plano diretor, tudo com o
propósito de organizarmos os espaços habitáveis entre os municípios que
integram as Regiões Metropolitanas.
17
1 ESTADO FEDERAL BRASILEIRO E AS COMPETÊNCIAS URBANÍSTICAS
1.1 Estado federal
Ao examinarmos o Capítulo I do Título III da Constituição Federal de
1988 que trata da organização político-administrativa do Estado brasileiro,
constatamos que o modelo de Estado adotado é federalista. Ao procedermos à
leitura dos dispositivos legais não identificamos uma sessão ou capítulos
específicos a respeito das Regiões Metropolitanas. Só localizamos capítulos
referentes à União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Diante desta
realidade, como método de investigação do regime jurídico do planejamento
metropolitano julgamos necessário aprofundarmos o estudo do regime jurídico
conferido pela Constituição Federal de 1988 às regiões metropolitanas. Não
conseguiremos obter êxito no tratamento de vários aspectos da tese se não
enfrentarmos inicialmente o estudo das regiões metropolitanas e sua natureza
jurídica.
Diante desta constatação, indagamos: qual a relação entre o estudo das
Regiões Metropolitanas e o modelo de Estado federado? A primeira
aproximação que facilitará a abordagem do questionamento refere-se ao
conteúdo do art. 25, §3º, da Constituição Federal, localizado no Capítulo III do
mesmo título que trata do Estado federado, dentro do artigo que confere
competências ao Estado-membro. Por força deste dispositivo, os Estados
poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas,
constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a
organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse
comum.
Ao refletirmos sobre a hipótese investigada, perquirimos: a região
metropolitana é considerada um ente federado ou um fato jurídico cujas
consequências levam ao estudo de diversas formas de exercício de
competências administrativas e urbanísticas pelo Estado-membro?
A resposta só será possível se iniciarmos nossa pesquisa abordando o
sistema federativo e o exercício de competências urbanísticas para revelarmos
elementos importantes à montagem do complexo quebra-cabeça que permeia
o estudo do planejamento urbano das Regiões Metropolitanas.
18
1.1.1 Noções gerais
A qualificação do Estado federado considera dois dos elementos
caracterizadores do Estado1: o poder político e o território. Na realidade, o
federalismo pertence ao gênero forma de Estado, estudado sob o ponto de
vista da forma de exercício do poder político2 em função do território de
determinado Estado.
Explicam Vidal Serrano Nunes Júnior e Luiz Alberto David Araújo3 que
as formas de Estado dizem respeito à projeção do poder dentro da esfera
territorial e consideram como critério a existência, a intensidade e o conteúdo
de descentralização político-administrativa de cada um. A doutrina costuma
apontar duas formas de Estado: Federal e Unitário.
Ultimamente, alguns constitucionalistas4, em razão de outras formas de
Estado, decorrentes do modelo Unitário, como o espanhol e o colombiano,
mencionam o Estado regional, uma forma intermediária entre o Estado unitário
e Federal, os quais atribuem autonomia, ainda que relativa, aos entes
regionais.
Neste sentido, é fundamental traçarmos rápidas noções sobre o termo
descentralização político-administrativa, justamente por ser o critério que
classificará as diversas formas de Estado.
A descentralização é o oposto da centralização. Na linguagem do Novo
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa5 centralização significa acumular
atribuições no poder central. Por sua vez, ao dispor sobre descentralização,
refere-se ao ato ou efeito de descentralizar, que apresenta como um dos seus
sentidos a atribuição de autonomia administrativa6.
1 De acordo com o professor Dalmo de Abreu Dallari: “O Estado é a ordem jurídica soberana que tem por
fim o bem comum de um povo situado em determinado território. A partir desta definição, o autor enumera os elementos que caracterizam a noção de Estado: poder político (Soberania), povo, território e finalidade (bem comum). (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado.28.ed.São Paulo: Saraiva, 2009.) 2SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
3ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed.
São Paulo: Verbatim, 2011. 4DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado.28.ed.São Paulo: Saraiva, 2009, p.
225. 5 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de
Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.381. Centralização. Sf. 3-acumulação de atribuições no poder central. 6FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de
Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.550. Descentralização. Sf. Ato ou efeito de descentralizar.
19
Identificamos ainda que o termo descentralismo contribui para nossa
investigação, pois significa regime político no qual as pessoas jurídicas
administrativas têm autonomia marcante, ficando tanto quanto possível
destacados do poder central.
Poderemos então relacionar estes termos com o seu sentido jurídico e
aplicá-los às tipologias de formas de Estado. Essencialmente, verificamos que
centralização traz a ideia de acúmulo de funções em um único centro de poder
e descentralização proporciona distribuição, autonomia em relação ao poder
central.
Juridicamente a centralização e a descentralização são analisadas do
ponto de vista político e administrativo.
Do ponto de vista administrativo, ambas estão relacionadas à
capacidade de gerir seus próprios bens e serviços.
Assim, estaremos diante da centralização administrativa se as funções
administrativas forem desempenhadas diretamente, por um único centro de
poder. Na hipótese das funções serem deslocadas do núcleo central para
outros, estaremos diante da descentralização administrativa.
Por sua vez, de acordo com o critério político, a centralização e
descentralização relacionam-se com o conceito de capacidade política. Explica
Michel Temer7 que ser capaz politicamente é ter capacidade legislativa, isto é,
“ser capaz politicamente é ter a possibilidade de estabelecer comandos
normativos sobre assuntos de sua competência”.
Afirma Oswaldo Aranha Bandeira de Mello que a atividade de legislar
significa inovar originariamente a ordem jurídica, isto é, criar para as pessoas,
em aplicação da Constituição, direitos e deveres até então inexistentes8.
Concluímos, então, que na centralização política, apenas um centro de
poder tem capacidade legislativa, enquanto na descentralização, vários núcleos
de poder titularizam esta capacidade.
Descentralizar. Vtd. 2 – Aplicar o descentralismo a; dar autonomia administrativa a e 3–aplicar o descentralismo. 7TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008,
p.60. 8MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. v.1, 2.ed, Rio de
Janeiro: Forense, 1979 apud SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.73.
20
Para relacionarmos os conceitos de centralização e descentralização
política e administrativa, trazemos as observações de Maria Sylvia Zanella Di
Pietro9 ao tratar dos vocábulos autonomia e administração e suas relações com
estes fenômenos jurídicos:
Os vocábulos autonomia e administração expressam bem a distinção. Autonomia, de autos (próprio) e nómos (lei), significa o poder de editar as próprias leis, sem subordinação a outras normas que não as da própria Constituição; nesse sentido, só existe autonomia onde haja descentralização política. Autoadmnistração dá idéia de capacidade de gerir os próprios negócios, mas com subordinação a leis postas pelo ente central; é o que ocorre na descentralização administrativa. Normalmente, combinam-se as duas modalidades de descentralização, ourtorgando-se aos entes locais (Estados e Municípios) uma parcela de competência própria que podem exercer com autonomia (sem subordinação a leis federais) e fixando-se uma parcela de competências concorrentes em que as leis locais se subordinam às leis federais; além disso, criam-se entidades com personalidade jurídica própria, com capacidade de autoadministração, porém sem autonomia.
Conforme veremos adiante, a combinação entre a centralização política
e administrativa originará o modelo dos Estados Unitários que, por sua vez,
sofreram transformações e atualmente mantém a centralização política,
combinada com a descentralização administrativa. No modelo de Estado
federado, verificaremos que sua essência reside na descentralização política.
De posse destes conceitos, classificaremos as formas de Estado com
relação à divisão espacial do poder a partir da proposta de Augusto
Zimmermann10, segundo a qual a distribuição do poder político dentro do
Estado poderá ocorrer de forma simples ou composta.
Os Estados Simples, também denominados unitários, são caracterizados
por unidade de poder sobre o território, pessoas e bens. Há o predomínio de
um único centro de poder político, de onde partem as normas jurídicas. O
Estado unitário é caracterizado pela centralização política, isto é, um único
órgão do poder inova originariamente a ordem jurídica.
Adverte o autor11 que a centralização política não exclui algumas formas
de descentralização administrativa garantidoras da relativa autonomia regional
9PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.471.
10ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2005, p.12. 11
ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p.14.
21
ou local, consubstanciadas em províncias, departamentos, regiões, comunas,
como nos Estados Unitários da Itália, Espanha e Colômbia.
Explica Dalmo de Abreu Dallari12 que atualmente autores como Juan
Fernando Badia13 sustentam uma terceira espécie, o Estado regional, uma
forma intermediária entre o Estado unitário ou Simples e o Federal, justamente
por ser menos centralizado do que o unitário, mas sem alcançar os extremos
da descentralização federalista. Nesta forma de Estado, há uma breve
descentralização na forma unitária, mas que ainda é subordinada política e
juridicamente ao poder central. Este é o modelo adotado pela Espanha,
Colômbia e Itália.
A fim de comprovarmos esta afirmação, trazemos a comparação
realizada por Raul Machado Horta14, ao indicar as semelhanças e as diferenças
entre o descentralismo dos Estados Unitários nas figuras das regiões e
comunidades autônomas e o Estado federal:
Reside na autonomia normativa das Regiões e das Comunidades Autônomas, que se concretiza na elaboração do Estatuto e na atividade legislativa própria, o elemento de maior aproximação entre essas entidades territoriais do Estado unitário e o Estado-membro do Estado federal. Outro traço de aproximação é o da técnica da repartição de competências, que alcançou apreciável desenvolvimento na Constituição da Espanha de 1978. Todavia, há profundo distanciamento entre as Regiões, as Comunidades Autônomas e o Estado-membro do Estado federal nas regras da Constituição Italiana de 1947 e da Constituição Espanhola de 1978, as quais, entre outras disposições, impõem a tramitação do Estatuto no órgão legislativo central do Estado, para receber a lei estatal de aprovação, na Itália; a sanção e a promulgação do Estatuto pelo Rei, na Espanha; a figura do Comissário do Governo Central na Região e nas Comunidades Autônomas; a dissolução do Conselho Regional na Itália, por Decreto do Presidente da República; o visto do Comissário na lei aprovada pelo Conselho Regional. O distanciamento entre Regiões, Comunidades Autônomas e Estado-membro do Estado federal ganha profundidade pela ausência nos entes territoriais do Estado unitário da autonomia constitucional, que confere poder de auto-organização, e da autonomia judiciária pela inexistência do Poder Judiciário regional ou autonômico.
Por sua vez, esclarece Augusto Zimmermman15 que o Estado Composto
se desdobra em outras classificações, pois envolve a união de duas ou mais
12
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 28.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.255. 13
BADIA, Juan Fernando. El Estado Unitário, el Federal y el Estado Regional. Madrid: Technos, 1978. 14
HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional.5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.443. 15
ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p.14.
22
entidades políticas. Citemos quatro espécies de Estado Composto: União
pessoal, união real, Confederação e Federação.
Para não fugirmos do propósito neste item, qual seja,essencialmente
abordar o sistema Federalista, nos dedicaremos a expor unicamente a tipologia
da Confederação ao lado da Federação, uma vez que esta última forma de
Estado decorreu da transformação do modelo de Confederação.
A Confederação é a união permanente e contratual entre Estados para
fins de defesa externa, paz interna e outras finalidades que possam ser
pactuadas. Os Estados confederados conservam a soberania, guardando
inclusive a possibilidade de se desligarem da União. Além da Confederação
dos Estados Unidos da América formada em 1787, existiu a Comunidade dos
Estados Independentes, resultante da dissolução da antiga União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Decorrente da transformação do modelo de Confederação dos Estados
Unidos foi criado o federalismo. Isto nos permite afirmar que as raízes
históricas do federalismo são originárias do sistema Confederativo.
De acordo com Dalmo de Abreu Dallari16, a etimologia do termo
federação quer dizer pacto, aliança. Assim, o Estado federal decorre da união
de dois ou mais Estados que, de um lado, renunciaram sua soberania em
nome de uma entidade central, corporificadora do vínculo federativo, mas que
de outro, preservaram sua autonomia política, através da atribuição
Constitucional de competências legislativas e administrativas.
São considerados Estados Federados o Brasil e os Estados Unidos da
América. Como veremos adiante, ao contrário da Confederação, os estados
integrantes da Federação não poderão romper o vínculo que promove a união
entre eles.
Diante destas considerações, preliminarmente caracterizaremos Estado
federal como Forma de Estado Composto do ponto de vista da distribuição
espacial do poder no território do Estado.
16
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 28.ed.São Paulo: Saraiva, 2009, p.256.
23
1.1.2 Características do federalismo
Tendo em vista o núcleo central da nossa tese, a despeito das várias
características que compõem o modelo federativo priorizaremos a abordagem
daquelas fundamentais para compreendermos o planejamento metropolitano.
Neste sentido, cuidaremos da descentralização política, fenômeno responsável
pela reunião dentro de um mesmo Estado, de várias ordens parciais de poder,
através de um vínculo indissolúvel. Deste modo, traçaremos a partir das
origens históricas do sistema federalista observações sobre soberania,
autonomia e descentralização.
A forma federativa de Estado tem sua origem na constituição dos
Estados Unidos da América, em 1787 na transformação da forma
Confederativa de Estado.
Logo após a independência das 13 colônias britânicas, cada uma delas
foi transformada em Estado Soberano. A despeito da independência das
colônias, os novos Estados optaram por manterem entre si um vínculo com o
propósito de promoverem a proteção contra os ataques e ameaças da antiga
metrópole inglesa. Desta forma, foi celebrado um tratado, denominado Artigos
de Confederação, que deu origem aos Estados Unidos da América. Em razão
do pacto confederativo, cada Estado reservava para si o direito de retirada do
pacto, a qualquer tempo.
No entanto, a Confederação revelou-se frágil e ineficaz para os objetivos
pactuados. Em razão das crises surgidas a partir de vários conflitos de
interesses, os Estados confederados realizaram a Convenção de Filadélfia, em
1787, fixando as bases do Estado federal norte-americano. A nova forma de
Estado não permitia o direito de secessão. Cada Estado cedia parcela de sua
soberania para uma pessoa jurídica, responsável por centralizar e unificar o
poder político, formando os Estados Unidos da América, passando, neste
momento, a ser autônomos entre si, dentro do pacto federativo.
Observamos então que a soberania mantida pela pessoa jurídica, assim
permaneceu para os Estados-membros na forma de autonomia. Surge, então,
24
o modelo federalista, resumidamente descrito por Vidal Serrano Nunes Júnior e
Luiz Alberto David Araújo17:
O Estado federal nasce do vínculo de partes autônomas, de vontades parciais. Com essa associação de partes autônomas nascem simultaneamente uma entidade central, corporificadora do vínculo federativo, e diversas entidades representativas das vontades parcelares. Todas essas entidades são dotadas de autonomia e possuem o mesmo patamar hierárquico no bojo da Federação.
O Estado federal surge, portanto, da transformação da Confederação, o
que implica a mesma forma de revelar os termos soberania e autonomia para o
novo modelo de Estado. Ao compreendermos estas noções, mais
precisamente a forma como ocorreu o processo de transformação,
identificamos as características essenciais que nos permitem avaliar se
determinado Estado é federado.
Ao compararmos a Confederação com o Estado federado, encontramos
algumas distinções. Os Estados Confederados são soberanos, reunidos por
meio de um Tratado que consubstancia adesão voluntária dos integrantes, e
que, portanto, permite a qualquer tempo o exercício do direito de secessão por
parte do Estado integrante da Confederação. Por sua vez, na Federação, os
Estados-membros abdicam de sua soberania em prol de uma unidade central
que reúne todos os estados, por meio de uma Constituição rígida que
estabelece um vínculo indissolúvel, o qual não permite a retirada dos entes do
pacto constitucional. Cada Estado recebe autonomia política para produzir suas
leis e executar suas funções.
A Confederação está atrelada diretamente à noção de soberania e o
federalismo à ideia de autonomia dos Estados-membros, que veremos adiante,
significa descentralização política.
Em termos jurídicos, soberania significa “poder de decidir em última
instância sobre a atributividade das normas, vale dizer sobre a eficácia do
direito”18.
17
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.292. 18
Na órbita externa, todos os Estados são soberanos, imperando a mais absoluta igualdade jurídica entre eles. Deste modo, os direitos e deveres na órbita externa não são provenientes de qualquer ordem jurídica superior, pois as obrigações entre os Estados são pautadas por mútuo consentimento, por sua livre vontade, nunca por imposição de outrem, de acordo com o artigo 4º, I e V da Constituição Federal. De outro modo, o Estado soberano no plano de relacionamento com os outros Estados representa a ordem jurídica interna nacional, pautada na Constituição Federal. Deste modo, ao travar relações com os outros Estados no plano internacional o Estado não se torna livre das limitações do seu direito nacional. É
25
Por sua vez, a autonomia também está relacionada como poder político,
desta vez, sob o ângulo de observação interior do Estado e ao conceito de
descentralização política, alicerce fundamental do Estado federal, conforme
Michel Temer19.
Afinal, qual o sentido de autonomia? Vários autores exprimem o seu
significado, dos quais destacaremos os principais.
Santi Romano20 afirma que autonomia é a competência para criar
ordenamento jurídico, isto é, sinônimo de capacidade legislativa.
Da mesma forma, Raul Machado Horta21 entende:
autonomia é a revelação de capacidade para expedir as normas que organizam, preenchem e desenvolvem o ordenamento jurídico dos entes públicos. Essas normas variam na qualidade, na quantidade, na hierarquia e podem ser, materialmente, normas estatutárias, normas legislativas e normas constitucionais, segundo a estrutura e as peculiaridades da ordem jurídica.
Por outro lado, existem autores que ampliam o sentido de autonomia
para além da capacidade legislativa, como é o caso de José Afonso da Silva,
Fernanda Dias Menezes de Almeida e Anna Cândida da Cunha Ferraz.
José Afonso da Silva22 qualifica autonomia como “governo próprio dentro
do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal”. Esclarece o
autor que a autonomia federativa é baseada, de um lado, na existência de
pessoas jurídicas autônomas que não dependem das pessoas jurídicas
centrais quanto à forma de seleção e investidura e de atribuição de
competências exclusivas. Além disto, o Estado federado tem Estados-
membros, autônomos, sobretudo, com relação ao exercício de capacidade
normativa relacionada às matérias reservadas à sua competência.
por isto que o Presidente da República, ao assinar, pelo Estado brasileiro, tratado com o Estado Francês, por exemplo, só poderá fazê-lo nos termos, condições e limites da competência que a Constituição Brasileira outorgou. O direito interno não reconhecerá o tratado como válido, impedindo sua ratificação pelo Chefe do Poder Executivo, se não for aprovado, nos termos do art. 49, I da Carta Constitucional, pelo Congresso Nacional. (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado.28.ed.São Paulo: Saraiva, 2009, p.80.) 19
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.60. 20
ROMANO, Santi. Princippi di Diritto Costituzionale Generale. 2.ed. Milano: Dott. A Giuffré, 1947. apudHORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.330. 21
HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 330. 22
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.100.
26
De acordo com José Afonso da Silva23, autonomia envolve capacidade
legislativa e executiva, implica contar com pessoas jurídicas autônomas que
não dependam de comandos de outros núcleos de poder.
Por sua vez, Fernanda Dias Menezes24 e Anna Cândida da Cunha
Ferraz25 compartilham do mesmo entendimento ao disporem que autonomia
envolve quatro aspectos essenciais: capacidade de auto-organização, de
autogoverno, de autolegislação e de autoadministração. Este é também o
nosso entendimento. Nas palavras de Fernanda Dias Menezes de Almeida26:
Desfrutam os Estados-membros, isto sim, de autonomia, ou seja, de capacidade de autodeterminação dentro do círculo de competências traçado pelo poder soberano, que lhes garante auto-organização, autogoverno, autolegislação e autoadministração, exercitáveis sem subordinação hierárquica dos Poderes Estaduais aos Poderes da União.
A despeito dos vários conteúdos que poderemos atribuir ao termo
autonomia, afirmamos, como explica Michel Temer27, que autonomia está
diretamente relacionada com a noção de descentralização política, elemento
essencial do Estado federal28.
Em razão da passagem da Confederação para o Estado federal, é
importante ressaltar o surgimento de duas ordens jurídicas parciais de poder,
ao contrário dos Estados Confederados, caracterizado por uma ordem única de
poder. O Estado-membro ao transferir sua soberania para uma entidade
central, em troca da autonomia política, cria duas ordens de poder: a
23
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.100. 24
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.11. 25
FERRAZ, Ana Cândida da Cunha. Poder Constituinte do Estado-membro, p.54 apud ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.321. 26
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.11. 27
Nas palavras de Michel Temer: “sem a descentralização política não há como falar-se no Estado Federal”.(TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.63) 28
Esta importante característica advinda da transformação da Confederação foi bem retratada pela professora Fernanda Dias Menezes de Almeida: “Perante o concerto das Nações, esse aspecto se manifesta pela unidade de personalidade (só o Estado federal é pessoa jurídica de Direito Internacional Público, o mesmo não ocorrendo com os Estados-membros); pela unidade de nacionalidade (não há nacionalidades estaduais: os nacionais dos Estados que aderem á Federação perdem a primitiva nacionalidade e adquirem a do Estado federal); e pela unidade de território (embora cada Estado-membro tenha território próprio, para efeitos externos o que conta é o terrritório nacional como um todo)”. In: ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.12.); Nas palavras de Michel Temer: sem a descentralização política não há como falar-se no Estado Federal. (TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.63).
27
central(também denominada União dos Estados-membros, por força do pacto
indissolúvel por meio de uma Constituição) e as ordens parciais autônomas
(Estados-Membros). No entanto, apesar da duplicidade de ordens de poder, o
Estado federal permanece uno nos planos internacional e interno. O Estado
federado torna-se uma pessoa jurídica de direito público com aspectos internos
e externos. No primeiro caso, são os Estados-membros dotados de autonomia
e no segundo caso, o Estado federal, oriundo da União dos Estados-membros,
soberano perante os demais Estados estrangeiros29.
Portanto, diante das comparações em relação ao modelo da
Confederação, concluímos que o federalismo é caracterizado pela
descentralização política, justamente, por reunir dentro de um mesmo Estado,
várias ordens parciais de poder, através de um vínculo indissolúvel. Todos os
centros de poder que integram a federação estão em pé de igualdade entre si,
ou seja, não há hierarquia entre os entes federados30.
Apesar do modelo de Estado federalista apresentar características
especiais em relação ao modelo de Estado Confederado, para a adoção da
forma federalista, é necessário que a Constituição Federal introduza em seu
texto princípios, critérios e instrumentos específicos. Os diversos modelos de
federalismo serão construídos a partir do regime jurídico proposto pela
Constituição Federal, sobretudo, no que tange aos graus de autonomia política
conferidas entre a ordem central e periférica dos Estados. Assim, partindo da
classificação sistematizada por Michel Temer31 sobre as características
29
Em suma, é possível sintetizar a noção de federalismo, por uma frase emblemática de Georg Jellinek: o federalismo é a unidade na pluralidade. (TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1098.) 30
“O Estado denominado federal apresenta-se como o conjunto de entidades autônomas que aderem a um vínculo indissolúvel, integrando-o. Desa integração emerge uma entidade diversa das entidades componentes, e que incorpora a federação. No federalismo, portanto, há uma descentralização do poder, que não fica represado na órbita federal, sendo compartilhado pelos diversos integrantes do Estado. Todos os componentes do Estado federal (sejam estados, distritos, regiões, províncias, cantões ou municípios) encontram-se no mesmo patamar hierárquico, ou seja, não há hierarquia entre essas diversas entidades, ainda que alguma seja federal e outras estaduais ou municipais”.(TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional.10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1099.) 31
Vários autores sistematizam de forma próprias os critérios que entendem essenciais para organização do federalismo. Neste sentido, optamos por utilizar as características sistematizadas por Michel Temer: “Verifica-se, pois, que três notas são essenciais à caracterização federal: a) descentralização política fixada na Constituição (ou, então, repartição constitucional de competências); b) participação da vontade das ordens jurídicas parciais na vontade criadora da ordem jurídica nacional; e c) possibilidade de autoconstituição; existência de Constituições locais. As ordens jurídicas parciais são chamadas Estados ou Províncias (Argentina) ou, Cantões (Suíça) ou Laender (Alemanha). Se estes requisitos são indispensáveis para a caracterização da Federação, dois outros colocam-se necessários para a sua mantença. São eles: a) a rigidez constitucional e b) a existência de um órgão constitucional incumbido do controle da constitucionalidade das leis”. (TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.65)
28
essenciais do modelo federalista, cada ordenamento jurídico cuidará de modo
especial da sua repartição de competências e tributos, da forma como cada
ordem parcial participa de sua atuação junto ao Senado Federal ou até mesmo
do conteúdo da constituição dos Estados-membros da federação.
Estas são as conclusões de Raul Machado Horta que a despeito de
identificar os requisitos típicos desta forma de Estado, não afirma que todo
Estado adotará uniformemente estas características. Cada Constituição
adotará um regime específico. De fato, há linhas mestras sem as quais não
poderemos qualificar um Estado como federado, apesar de algumas
características serem modificadas ligeiramente. Segundo o autor:32
A reunião desses requisitos não se realiza homogeneamente nas formas reais de Estados federais. Há os casos em que a lista é integralmente atendida. Há casos de atendimento parcial, com ênfase em determinados requisitos e diluição de outros. Por outro lado, a configuração desses requisitos não é uniforme, pois isso decorre da diversidade na organização federal, dando origem a modelos múltiplos de federalismo: federalismo norte-americano, federalismo alemão, federalismo brasileiro, federalismo canadense, federalismo mexicano, federalismo argentino, federalismo soviético
33. Não
obstante a permanência de determinados requisitos, como a repartição de competências, a autonomia constitucional do Estado-membro, a intervenção federal, a Câmara dos Estados, recebem eles definições individualizadoras e contrastantes nos diversos modelos reais de federalismo. Em alguns casos, a autonomia constitucional do Estado-membro praticamente deixa de existir, quando a Constituição Federal se encarrega de preordenar o Estado-membro e seu texto, tornando a Constituição Federal um documento híbrido, federal e estadual. Em outros modelos, por reflexo do fenômeno da centralização, a intervenção federal se dilata numa série indefinida de casos, tornando teórica e nominal a autonomia do Estado-membro.
Assim, enfatizaremos como característica relevante para o estudo de
nossa tese a descentralização política, também denominada repartição
constitucional de competências e rendas, e a auto-organização dos Estados-
membros.
Em razão dos Estados-membros e da União serem núcleos de poderes
distintos, a Constituição deverá atribuir a cada qual um conjunto de
competências para que o Estado possa cumprir suas finalidades públicas e
evitar possíveis conflitos de atribuições entre os entes federados.
32
HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.274. 33
Vale ressaltar que não existem mais as Repúblicas Federativas Soviéticas. Trata-se de reprodução de obra do autor falecido e escrita em outro contexto, mas cujas observações ainda são importantes.
29
Através da divisão de competências, determinadas matérias incidirão em
todo o território da federação, enquanto outras ficarão distribuídas aos
ordenamentos parciais dos Estados-Membros.
Antes de adentrarmos no tema, é preciso compreender: o que são
competências? Resumidamente, são poderes atribuídos a entidades estatais
para realizarem suas funções. Nas breves palavras de Carlos Ari Sundfeld34: “a
competência é um poder vinculado a certa finalidade”.
A ideia de competência está vinculada diretamente à realização de
finalidade atribuída por uma norma jurídica. Além disto, é relacionada à ideia de
função pública, o que lhe confere caráter de exercício obrigatório. Mais uma
vez, Carlos Ari Sundfeld35 relaciona os conceitos de competência e função com
base em Paolo Biscaretti di Ruffia36, que traduzem duas ideias fundamentais:
as competências são exercidas em nome de interesse alheio, público, e por
isto, são obrigatórias.
A partir destas colocações, trazemos o entendimento de Celso Antônio
Bandeira de Mello para quem competência é um dever-poder, por implicar
exercício de função no interesse público37.
O conjunto de deveres-poderes atribuídos por lei para o alcance de
finalidade pode ser distribuído entre o Estado-membro e a União por duas
técnicas principais: a repartição horizontal e a vertical. Mais adiante, nos
dedicaremos ao estudo dos critérios que disciplinaram a distribuição de
competências pela Constituição Federal de 1988. Neste momento, trataremos
apenas das formas pelas quais os dois núcleos de poder federado poderão
exercer suas atribuições.
34
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.112. 35
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.113. 36
RUFFIA, Paolo Biscaretti di. Direito Constitucional. Instituições de Direito Público. Tradução brasileira de Maria Helena Diniz. São Paulo: RT, 1984 apud SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.113. Segundo o autor: “A atividade pública cujo exercício é regulado pelo direito públicoconstitui função. Função, para o Direito, é o poder de agir, cujo exercício traduz verdadeiro dever jurídico, e que só se legitima quando dirigido ao atingimento da específica finalidade que gerou sua atribuição ao agente. O legislador, o administrado e o juiz desempenham função: os poderes que receberam da ordem jurídica são de exercício obrigatório e devem necessariamente alcançar o bem jurídico que anorma tem em mira”. 37
“Visto que o poder expressado nas competências não é senão a face reversa do dever de bem satisfazer interesses públicos, a competência pode ser conceituada como o círculo compreensivo de um plexo de deveres públicos a serem satisfeitos mediante o exercício de correlatos e demarcados poderes instrumentais, legalmente conferidos para a satisfação de interesses públicos”.(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Curso de Direito Administrativo. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.140.)
30
Na repartição horizontal de competências, explica Manoel Gonçalves
Ferreira Filho38, a Constituição atribui para cada ente federado matérias
reservadas, exclusivas. Neste caso, apenas o ente que recebeu a competência
pode dispor sobre a matéria, com exclusão de qualquer outro ente, sob pena
de invasão de esfera de competência. Na repartição horizontal há separação
de competências de forma exclusiva.
Por outro lado, na repartição vertical, um mesmo assunto pode ser
tratado concomitantemente por outro ente federativo. Há separação em níveis
diferentes da competência para dispor sobre assunto específico.
Ao lado da divisão de competências, é necessário existir partilha de
recursos para as funções estatais serem desempenhadas adequadamente.
Neste caso, também é essencial à descentralização política a divisão de
rendas entre os Estados-membros e a União.
Através da repartição de rendas, surgem as competências tributárias
exercidas pelos entes federadas nas formas vertical e horizontal.
Mencionamos ainda a possibilidade dos Estados-membros se auto-
organizarem por meio de Constituições próprias. Trata-se da manifestação do
Poder Constituinte Derivado Decorrente. Cada Estado-membro pode se
organizar, mediante uma Constituição, desde que respeite os limites instituídos
pela lei federal.
A auto-organização39 está atrelada ao significado de autonomia, que
pressupõe a existência de tripartição de poderes. Deste modo, cada Estado-
membro deverá contar com seu Poder Executivo, com competências
específicas e eleito pela população local. Da mesma maneira, deverá contar
com órgãos legislativos próprios para elaborar suas leis e um Poder Judiciário
local para dizer o direito de forma definitiva em relação às matérias de sua
competência.
38
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 37.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.81. 39
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Poder Constituinte do Estado-membro, p.54 apud ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011.
31
1.1.3 Contrastes entre Estado regional e federativo: comparações entre o modelo espanhol e colombiano
Neste capítulo verificaremos que as formas de Estado regional e
Federativo são distintas em termos de distribuição espacial do poder no
território estatal. De um lado, as relações entre o poder central e periférico são
caracterizadas por meio de acentuada autonomia de cada ente, por meio de
relações de descentralização política do poder, como no caso do Estado
federalista, modelo brasileiro. Por outro lado, as relações entre as duas esferas
de poder são limitadas, contribuem para a centralização de poder político em
uma única esfera e a correspondente descentralização administrativa para
outra, como no caso do Estado regional, modelo espanhol e colombiano.
Contudo, as distinções entre as formas de Estado da Colômbia,
Espanha e Brasil não enfraquecem as razões pelas quais escolhemos estes
Estados Regionais para estudarmos o Regime Jurídico do Planejamento
Metropolitano.
Ocasionalmente poderíamos causar certo estranhamento ao optarmos
pelo estudo comparado entre duas realidades completamente distintas em
termos de graus de autonomia e distribuição do poder político em seu território.
Todavia, este critério não compromete o exame comparativo, pois os contornos
da autonomia política, da descentralização administrativa ou da centralização
político administrativa dependerão de cada ordenamento jurídico e do
tratamento atribuído por cada Constituição. Assim, ainda que tivéssemos
optado pelo estudo conjunto do planejamento metropolitano entre dois Estados
Federados, os traços de autonomia de cada um seriam distintos. Um poderia
concentrar suas competências nas esferas de poder periférico, o outro
concentrar poder apenas na esfera central e gerar o que a doutrina denomina
federalismo por agregação ou desagregação.
Desta forma, se o critério de escolha para estudarmos os regimes
jurídicos de Região Metropolitana considerasse o cotejo entre modelos de
autonomia político-administrativo semelhantes, ou melhor, se optássemos por
comparar modelos metropolitanos delineados sob uma única perspectiva de
forma de Estado cometeríamos uma impropriedade jurídica, uma vez que o
grau de condicionamento da autonomia política e administrativa em função da
32
centralização ou descentralização política varia de acordo com a ordem
constitucional de cada Estado. A Espanha e a Colômbia, apesar de serem
Estados regionais, têm experiências significativas com o exercício de
autonomia administrativa dos entes locais em relação às Regiões
Metropolitanas.
O termo autonomia é um conceito jurídico indeterminado que comporta
interpretação em diversos sentidos. Não existe um conceito único de
autonomia, o que leva à definição de diversas tipologias de Estado regional e
Unitário40. Em certos momentos poderemos compreendê-la como capacidade
de determinada pessoa política produzir suas próprias leis, em outros como
capacidade de administrar suas competências ou até a aptidão para fixar
diretrizes administrativas por meio do exercício de competência regulamentar.
Assim, são elucidativas as conclusões de Paula Robledo Silva ao analisar o
tema sob a égide da Constituição colombiana de 199141:
Todo lo anterior lleva a concluir que cuando el operador jurídico se enfrente al estúdio de la autonomia, lo primero que debe hacer es tratar de desentranar el significado que em esse texto concreto o em esa situación específica tiene dicho vocablo. Así las cosas, a partir de este momento se abordará el estúdio de la autonomía circunscrita a um sujeto determinado y em el marco de um ordenamiento jurídico específico. Es decir, la autonomia predicabel de los entes territoriales y garantizada por la Constitución de 1991.
De fato, uma das características fundamentais dos Estados Unitários
reside na centralização política. Neste tipo de Estado, o ente central concentra
a tomada de decisões políticas por meio do órgão central legislativo que tem
competência para expedir leis válidas a todo o território nacional.
Além disto, o Estado é regido por apenas uma Constituição aplicável a
todo o território, unificado por uma única soberania titularizada pelo povo. Este
modelo é completamente distinto em relação ao Estado federal, caracterizado
por várias ordens de poderes políticos distribuídos entre os entes centrais e
periféricos. Nesta forma de Estado, embora exista uma Constituição Federal
fundamentando todo o ordenamento jurídico, as ordens periféricas contam com
40
“Por ello, hablar hoy em dia de um concepto unívoco de autonomia es tan difícil como hablar de um sólo modelo de Estado unitário o de Estado Federal”.(SILVA, Paula Robledo. La Autonomia Municipal em Colômbia. Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.36). 41
SILVA, Paula Robledo. La Autonomia Municipal em Colômbia. Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.40.
33
suas próprias constituições, mesmo que sejam inspiradas na Constituição
Central.
Contudo, a tendência dos Estados Unitários não é mais pautada na
centralização absoluta do poder político. Atualmente, as Constituições de cada
Estado criaram instrumentos que permitem a centralização política ser
amenizada, através de mecanismos de distribuição do poder político, como a
descentralização, a desconcentração e a delegação. Assim, a descentralização
convive com a autonomia que gradativamente é conferida para ordens de
poderes surgidas em relação ao poder central, para flexibilizar a sua
centralização excessiva. Neste sentido, utilizamos a comparação feita por
Paula Robledo Silva ao revelar o estado de permanente tensão sob o qual
convivem a autonomia e a descentralização nos Estados Regionais, originários
dos Estados Unitários dotados de descentralizações administrativas. A relação
entre os dois conceitos é qualificada como meio e fim. A autonomia é o fim que
deverá ser alcançado pelo instrumento da descentralização, conforme explica a
autora42:
Es importante mencionar que el concepto de descentralización mantiene una estrecha relación com el de autonomia; sin embargo, no es este el escenario para emprender la difícil labor de estudiar las diferencias y similitudes de dos nociones tan complejas. Por tanto, baste mencionar que las relaciones entre estos dos conceptos (descentralización y autonomia) se puden calificar como de medio a fin. Em otras palabras, el término autonomía obedece a um principio organizativo que implica um fin del Estado; y, por el contrario, la descentralización opera como herramienta o instrumento jurídico para alcanzar dicho fin, es decir, la autonomia.
Esta relação é também constatada na Espanha e na Colômbia. A
autonomia é construída dentro do Estado unitário com limites e não poderá
romper a estrutura unitária do Estado soberano.
Em relação à forma de Estado, a Colômbia é qualificada (art.1º de sua
Constituição Política) como República unitária, descentralizada, com autonomia
de entidades territoriais. Da mesma maneira que o Estado espanhol, que a
despeito de ser unitário, comporta graus de descentralização, confere
autonomia às entidades territoriais, denominadas municípios, distritos,
departamentos e territórios indígenas, sem deixar de obedecer aos comandos
42
SILVA, Paula Robledo. La Autonomia Municipal em Colômbia. Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.51.
34
do Poder Central. Desde 1991, quando a Constituição entrou em vigor, as
entidades territoriais passaram a ser competentes para definir suas próprias
atribuições, sem prejuízo de submeter-se à coordenação e planejamento das
atividades do poder central.
A forma do Estado espanhol43 é Regional44, um pouco menos
centralizado que o modelo unitário, pois comporta descentralização política,
justamente por conferir autonomia aos municípios e Comunidades Autônomas,
sem deixar de obedecer aos comandos do poder central.
A Constituição espanhola de 29/12/1978 consagra em seu Título VIII
como modelo de organização territorial do Estado o princípio da
descentralização aos entes locais e autônomos45.
Em razão da ingerência do poder central no exercício do poder das
Comunidades Autônomas, o modelo de Estado espanhol não se confunde com
o federalismo, embora em alguns pontos ambos apresentem semelhanças.
Com base em Raul Machado Horta46, constatamos que o modelo de Estado
autonômico aproxima-se da característica federalista pela descentralização
legislativa que a Constituição espanhola atribui em favor da Comunidade
Autônoma e a preservação de sua eventual competência no domínio exclusivo
do Estado. Assim, as Comunidades Autônomas titularizam competências para
43
“As formas de Estado referem-se à projeção do poder dentro da esfera territorial, tomando como critério a existência, a intensidade e o conteúdo de descentralização político-administrativa de cada um”. (ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p. 290). 44
“Para maioria dos autores que tratam do assunto o Estado Regional é apenas uma forma unitária um pouco descentralizada, pois não elimina a completa superioridade política e jurídica do poder central”. (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado.28.ed.São Paulo: Saraiva, 2009, p. 255).Trata-se de uma forma intermediária entre o Estado Unitário e o Federalista, pois são atribuídas autonomias aos entes regionais. Já Pablo Perez Tremps entende que “La estructura territorial del Estado no encaja em ninguna de las categorias tradicionales del Derecho Público, categorías que, por outra parte, tampoco responden a unos modelos perfectamente delimitados y que, em consecuencia, inducen a menudo a confusión. El modelo español utiliza técnicas tanto del federalismo tradicional como del Estado Regional” (comentário àConstituição Espanhola.Derecho Constitucional. v.2, Tirant lo Blanch Libros, 1994, p.302 apud ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.290). 45
Francisco Toscano Gil explica: “Em 1978 se aprueba la Constitución Española, como norma jurídica suprema de nuestro ordenamiento, que va a marcar la transición de um Estado dictatorial y autoritario a un Estado democrático. La construcción de um nuevo esquema de organización territorial del Estado em el Texto Constitucional, basado em el principio de descentralización, com el consiguiente reconocimiento de âmbitos próprios de autonomia a entes locales y Comunidade Autônomas, va a incidir decisivamente en la matéria que estamos tratando; de manera que tendremos que tener bien presentes los princípios y normas constitucionales a lo largo de nuestro estudio”.(GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.107). 46
HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.443.
35
elaborarem seus Estatutos e produzirem suas leis, por força da distribuição de
competências previstas pela Constituição de 1978.
Entretanto, outras peculiaridades afastam a forma do Estado espanhol do
modelo federalista. Citemos, como exemplo, a tramitação do Estatuto das
Províncias no órgão legislativo central do Estado, para receber a lei estatal de
aprovação e a ausência da autonomia constitucional dos territórios do Estado
unitário para atribuir poder de auto-organização, e de autonomia judiciária pela
inexistência do Poder Judiciário nas Comunidades Autonômas.
Por outro lado, ainda que a autonomia seja exercitada limitadamente
pelas entidades periféricas dos estados regionais, cada entidade tem um
complexo de competências próprias.
Esclarecemos ainda que a forma como as competências são atribuídas
aos entes periféricos nos Estados Regionais são distintas daquelas indicadas
para os Estados federais. Neste último, a Constituição Federal unifica de forma
indissolúvel as ordens centrais e periféricas e é a única responsável pela
divisão de competências. As leis infraconstitucionais não poderão fixar
competências, sob pena de inconstitucionalidade.
Nos Estados Unitários esta realidade é diferente. As autonomias são
qualitativamente e quantitativamente distintas para cada instância de poder.
Isto significa que cada Estado cria várias ordens periféricas de poder que
titularizam graus de autonomia distintas. Na Espanha, em função da
Constituição de 1978, o Estado é organizado em municípios, províncias e
comunidades autônomas, cada um com autonomia para gerir seus interesses,
por seus próprios órgãos. Em âmbito local existem as províncias e os
municípios, e na esfera regional, as comunidades autônomas.
Na Colômbia, por sua vez, as entidades territoriais (organização política
administrativa do Estado), por força do art. 286 da Constituição de 1991, são
compostas por departamentos territoriais, distritos, municípios e territórios
indígenas.
De uma maneira ou de outra, existem pontos em comum, no que se
refere à divisão de competências entre os dois Estados. A Constituição é
encarregada de distribuir genericamente competências, enumerando as
exemplificativas, que posteriormente serão complementadas por leis
infraconstitucionais. Assim, o formato da autonomia dependerá do conteúdo
36
atribuído pela Constituição e pelas leis infraconstitucionais, característica que
não se aplica à realidade federativa. Na Espanha, em face dos poderes locais e
regionais, a Constituição estabelece genericamente as competências locais
materializadas por meio de competências que o legislador regional das
comunidades autônomas atribui a cada qual47.
Em que pese a admissão de autonomias regionais, por se tratar de
Estados Unitários, embora exista uma necessária convivência entre as diversas
ordens de poder, ainda assim, há prevalência dos interesses da ordem
nacional. Paula Robledo Silva confirma esta constatação48:
Finalmente, dentro de lo que se ha denominado fuentes em matéria de límites e la autonomia local se encuentran los poderes de los demás niveles territoriales, que se refieren al Estado y las Comunidades Autónomas. Tanto a nível nacional como regional existen intereses diversos a los de los entes locales y, desde luego, debe existir uma cohabitación de intereses que se lleva a cabo mediante uma participación diversa por parte de los entes territoriales em el ejercicio del poder. Esto significa, como se dijo antes, que en España no hay um régimen uniforme em matéria de autonomia territorial y por ello el interés general de la Nación goza de supremacia frente a los intereses de las Comunidades Autónomas y los entes locales.
De que forma cada entidade territorial exerce as competências
atribuídas pela Constituição e pela legislação infraconstitucional? De acordo
com o art. 287 da Constituição colombiana de 1991 as entidades territoriais têm
autonomia para gerir seus interesses através de suas próprias autoridades,
administrar os recursos e tributos necessários para cumprir suas funções.
47
SILVA, Paula Robledo. La Autonomia Municipal em Colômbia. Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.56; 159. Acompanhe dois trechos de explicações distintas feitos pela autora a respeito desta dinâmica de distribuição de competências entre os países. Na Colômbia (p.56): “La concreción del contenido del artículo 287 se encuentra em las distintas competencias de las que son titulares los entes territoriales. Em nuestro ordenamiento es la propria Constitución la encargada de hacer uma primera distribución de competências; sin embargo, hay que tener em cuenta que no se trata de listas cerradas; todo lo contrario, la Carta Política deja abierta la posibilidad para que através de la via legislativa se complete el sistema competencial Desde esta perspectiva, se trata de um concepto cuyo contenido podrá I lenarse a partir de otros preceptos constitucionales, distintos del artículo 287, y de la labor del órgano legislativo. El alcance de la autonomía dependerá de lo que la Constitución y la ley determine em relación a los intereses de las entidades territoriales em las distintas matérias o sectores de acción territorial; por lo tanto, se deja um marco de definición muy reducido a las autoridades territoriales, esto sin duda constituye um obstáculo de gran tamaño em el ejercicio de la autonomia territorial”. Na Espanha (p.160): “Así las cosas, la Constitución estableció uma cláusula general a favor de los entes locales que se materializará a través del abanico de competencias que el legislador (estatal y regional) atribuya a dichos entes. El legislador estatal, consciente de que no podía regular las competências locales de forma definitiva, utilizó em la Ley Reguladora de las Bases del Régimen Local, em adelante LRBRL (art.2.I), um critério material según el cual él y el legislador regional deben proceder a determinar las competencias locales em todos aquellos asuntos públicos que afecten los intereses de la comunidad local”. 48
SILVA, Paula Robledo. La Autonomia Municipal em Colômbia. Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.166-167.
37
Neste caso, as entidades territoriais gozam de autonomia administrativa e
financeira.
Entretanto, estes conteúdos não são baseados nos mesmos parâmetros
do Estado federal. Por se tratar de Estado unitário, a autonomia é concebida
em outros termos, ou seja, não está calcada na ideia de elaborar suas próprias
leis, denominada capacidade legislativa.
Nos Estados Regionais, como por exemplo, o colombiano, o sentido de
autonomia política foi alterado para parâmetros mais flexíveis do que o
conteúdo clássico atribuído em termos de capacidade legislativa. Na realidade,
a autonomia política deve ser interpretada como normativa e não legislativa. O
que isto significa? Que apenas o Congresso Nacional Colombiano é
competente, para expedir leis aplicáveis em todo território nacional, enquanto
as entidades territoriais o são para expedir atos regulamentares. É por isto, que
as entidades territoriais, dentre elas, o município são dotadas de autonomia
normativa secundária. Assim, apenas o ente central tem autonomia normativa
primária. A secundária permite que as entidades periféricas administrem seus
interesses através de atos administrativos que executem as leis nacionais, por
meio de autoridades próprias. Nas palavras de Paula Robledo Silva49:
Nuestros municípios gozan de potestad normativa secundaria, puesto que la producción legislativa se encuentra radicada exclusivamente em el Congreso de la República, poseen capacidade de dirección política autónoma y sus órganos de gobierno son elegidos mediante votación directa de los ciudadanos en el marco de um sistema democrático. Estos elementos son los que han llevado a um sector doctrinal, con el que estamos de acuerdo plenamente, a afirmar que los entes municipales pueden ser titulares de autonomía política. No obstante, se debe matizar esta afirmación señalando que, evidentemente, no se está em presencia de lo que por tradición se há entendindo por autonomia política, uma autonomía fuerte y robustecida por medio de la potestad legislativa; pero, sin duda alguna, se está delante de la outra tendencia que se ve reflejada tanto em la doctrina como em el Derecho positivo, es decir, aquella que ve em la autonomía política una noción renovada que no se identifica necesariamente com la potestad legislativa.
Com base neste raciocínio, através da comparação entre os modelos
federativos e regionais percebemos que o sentido de distribuição espacial do
poder político é distinto, de acordo com o conteúdo aplicado ao termo
49
SILVA, Paula Robledo. La Autonomia Municipal em Colômbia. Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.414.
38
autonomia por cada Constituição. Igualmente, o modelo de organização
político-administrativa dos Estados reflete sensivelmente no tratamento jurídico
conferido às regiões metropolitanas e seu planejamento urbano.
O propósito da nossa tese é o estudo do Regime Jurídico Metropolitano,
composto pelos critérios legislativos de criação das regiões metropolitanas,
pelas autoridades responsáveis por executar as funções metropolitanas e pelas
formas de exercício do planejamento urbano metropolitano.
A utilização de doutrina estrangeira serve como subsídio para
aprofundarmos o estudo do tema, sobretudo, em relação à discussão das
formas de administração metropolitana, do conteúdo e das interfaces entre os
interesses metropolitanos e locais. Quando abordarmos os modelos de
administração metropolitana, verificaremos, por exemplo, que a Espanha adota
como forma de gestão das regiões e execução de seu planejamento urbano o
modelo consorcial. Apesar de ser um instrumento importante para administrar
interesse metropolitano, não poderá ser utilizado pelo nosso sistema jurídico,
em função das limitações jurídicas do regime constitucional brasileiro.
Neste item, desenvolveremos as características do Estado regional para
apresentarmos elementos relevantes à análise das experiências estrangeiras,
completamente distintas do sistema federativo brasileiro, embora forneçam
importantes parâmetros para avaliarmos em função do grau de autonomia dos
entes periféricos, o exercício de competências urbanísticas em relação às
regiões metropolitanas.
A despeito de compararmos os Estados Regionais, os ordenamentos
jurídicos espanhóis e colombianos contam com relevantes institutos jurídicos,
como o plano diretor e modelos de administração consorcial, os quais serão
aproveitados para o estudo do planejamento metropolitano, sob o crivo do
modelo federalista.
1.1.4 Tipos de federalismo e os modelos adotados pela Constituição Federal de 1988
Já observamos que o Federalismo apresenta princípios fundamentais
que terminam por caracterizá-lo como forma de Estado, mas que em razão das
circunstâncias históricas, econômicas e sociais, as Constituições de cada país
39
definem um modelo específico. Assim, existem vários tipos de federalismo, em
função da maneira como as características gerais do sistema são apropriadas
e organizadas pela Constituição dos Estados.
Na sequência da nossa pesquisa, apresentaremos algumas
classificações da doutrina constitucionalista, com o propósito de analisar o
perfil do federalismo adotado pelo Brasil, na Constituição Federal de 1988.
Novamente chamamos a atenção para o corte metodológico utilizado para
tratarmos do tema, em função de nosso objeto de estudo. Certamente, não
cuidaremos de todas as classificações doutrinárias, mas apenas aquelas que
tratam das características referentes à descentralização política e da
autonomia por serem as mais relevantes para a abordagem da repartição
constitucional de competências.
Isto posto, ao abordarmos a evolução das tipologias federalistas
adotadas ao longo da história das cartas constitucionais brasileiras, julgamos
relevante aprofundarmos o estudo das características relacionadas ao
federalismo de regiões e dos modelos adotados a partir da Constituição de
1967, ocasião em que foram previstas pela primeira vez as regiões
metropolitanas no ordenamento jurídico brasileiro. Através da interpretação
histórica, poderemos reunir subsídios para compreendermos o perfil jurídico
atual das regiões metropolitanas.
Desta forma, utilizaremos a tipologia formulada pela doutrina
constitucionalista brasileira50, que considera como as competências são
distribuídas entre os entes federativos. Assim, a doutrina distingue o
federalismo dual do cooperativo.
No federalismo dual a distribuição de competências entre os entes é
rígida. De um lado, a União recebe atribuições, e de outro, o Estado, cada uma
delas de forma exclusiva. André Ramos Tavares51 utiliza os ensinamentos de
Bernard Scharwartz52 para esclarecer o dualismo na distribuição de
competências: “A doutrina baseou-se na noção de dois campos de poder
50
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 2011; TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012; ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005; HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010; SILVA, José Afonso da. O Constitucionalismo Brasileiro (Evolução Institucional). São Paulo: Malheiros, 2011. 51
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1100. 52
SCHARWARTZ, Bernard. O Federalismo Norte-Americano Atual. Tradução de Elcio Cerqueira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984, p.26.
40
mutuamente exclusivos, reciprocamente limitadores, cujos ocupantes
governamentais se defrontavam como iguais absolutos”.
Do ponto de vista histórico, Nina Beatriz Stocco Ranieri53 explica que o
federalismo dual dos fins do século XVIII adota a filosofia liberal que lhe é
contemporânea, justamente por opor-se à organização unitária dos Estados
centralizados, até então existentes no modelo monárquico. José Alfredo de
Oliveira Baracho54acrescenta que no federalismo dualista tanto a nação como
os Estados são soberanos em suas esferas de atividade. Isso impede a União
ingressar no campo de atividade dos estados, contribuindo para o
fortalecimento do ideal de limitação estatal preconizado pelo Estado Liberal.
Vale dizer, cada ente federado deve exercer suas atribuições nos estritos
limites impostos pela Constituição. O federalismo dual foi aplicado na origem
do modelo norte-americano, bem como no século XIX à Austrália, Canadá e no
início das Repúblicas Latino-Americanas55.
A partir do Estado do Bem-Estar Social, durante o século XX, mais
precisamente, a partir da crise capitalista de 1929, como forma de intervenção
do governo federal em relação aos Estados-membros para conter os
catastróficos efeitos sociais e econômicos resultantes da quebra da bolsa, foi
implementado o federalismo cooperativo. Ao contrário da rigidez predominante
no modelo dual, no federalismo cooperativo não existem limites definidos em
relação à distribuição de competências entre os entes da federação. O intuito
desta forma federativa é justamente promover a cooperação entre todos os
núcleos de poder, ainda que de forma forçada para solucionar problemas
sociais e econômicos. A atuação conjunta entre os entes pode ser exercida de
forma comum ou concorrente. Afirma Nina Beatriz Stocco Ranieri56:
53
RANIERI,Nina Beatriz Stocco. Sobre o Federalismo e o Estado Federal. Revista de Direito Constitucional e Internacional (RDCI) 9/87. Out-dez.1994. In: (Orgs.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional: Organização do Estado. Coleção doutrinas essenciais. v.III. São Paulo: RT, 2011. 54
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Novos Rumos do Federalismo. Revista de Direito PúblicoRDP 65/5, jan-mar.1983, p.107. In: (Org.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luis Roberto. Doutrinas Essenciais. Direito Constitucional. Edição Especial da RT 100 anos. 55
RANIERI,Nina Beatriz Stocco. Sobre o Federalismo e o Estado Federal. Revista de Direito Constitucional e Internacional (RDCI) 9/87. Out-dez.1994. In: (Orgs.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional: Organização do Estado. Coleção doutrinas essenciais. v.III. São Paulo: RT, 2011, p.171. 56
RANIERI,Nina Beatriz Stocco. Sobre o Federalismo e o Estado Federal. Revista de Direito Constitucional e Internacional (RDCI) 9/87. Out-dez.1994. In: (Orgs.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional: Organização do Estado. Coleção doutrinas essenciais. v.III. São Paulo: RT, 2011, p.170.
41
É desejada a mais perfeita interação estadual/federal em prol do interesse coletivo, cabendo à União o papel de provedor econômico-financeiro, na medida em que o orçamento federal garante a consecução dessa estratégia. Este aspecto, sobretudo nas relações econômicas, leva a um maior fortalecimento do Poder Executivo Federal.
Deste modo, o federalismo cooperativo promove maior centralização de
poder entre os entes federados, através do fortalecimento da União. É
justamente este o ponto de grande controvérsia e crítica sobre este modelo. A
doutrina o acusa de promover o autoritarismo. Segundo Paulo Bonavides:57
É o único federalismo que os países socialistas conhecem, pois excelentemente se amolda ao autoritarismo e os isenta de todo o reconhecimento da autoridade política autônoma das unidades-membros. [...] nos países democráticos não se poderá aplicá-lo a contento, salvo se vier resguardado de sólidas instituições jurídicas, ou seja, se o fizermos indissociável de um Estado de Direito [...]. O mal do chamado federalismo cooperativo é a sua unidimensionalidade de fato, o unilateralismo da decisão. Esse federalismo só tem uma cabeça: a União. Há sido na prática um federalismo de subordinação (contradizendo a lógica do sistema) e não de coordenação. Não há verdadeiro ou legítimo federalismo de participação e cooperação nas sociedades democráticas, sem audiência às unidades-membros, sem o resguardo da autonomia que estas hão de possuir, sem o concurso de sua vontade livre na tomada de decisões cuja resultante seja um ato de intervencionismo ou um esquema de planejamento do Poder Central.
Diante desta crítica alertando para o risco de centralização da tomada de
decisões pela União e a subordinação dos Estados ao atendimento de suas
determinações, Augusto Zimmermmann58 propõe adotar duas modalidades de
federalismo cooperativo: autoritário e democrático. No federalismo autoritário, a
coordenação é imposta pela entidade central União enquanto o democrático
prioriza a colaboração consentida entre os entes federados, por meio do pacto
constitucional.
O federalismo cooperativo democrático recuperaria a autonomia dos
entes, fortalecendo os Estados-Membros e o primado da Constituição. Nas
palavras de Paulo Bonavides59:
57
BONAVIDES, Paulo. Política e Constituição – os caminhos da democracia. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p.103 apud ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p.57. 58
ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p.58. 59
BONAVIDES, Paulo. Política e Constituição – os caminhos da democracia. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p.103 apud ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 59.
42
A juridicidade do relacionamento do poder federal com os poderes estaduais, sob a égide da Constituição Federal, elimina o autoritarismo, fazendo a confiança e solidez do sistema na consciência dos governados. Não há, portanto, federalismo cooperativo sem o primado da Constituição. Das disposições da lei suprema brota a solidariedade dos entes constitutivos, única alternativa segura para uma integração consentida, que jamais se obteria com o federalismo cooperativo de natureza autoritária.
Nina Beatriz Stocco Ranieri60 observa que da vertente autoritária do
federalismo cooperativo surgem o federalismo de integração e regional ou de
regiões.
O federalismo de integração também preconiza a preponderância do
governo federal através da busca pela integração nacional. André Ramos
Tavares61 afirma com base em Dircêo Torrecillas Ramos62 que o federalismo
de integração desqualifica o tradicional, pois reduz significativamente a
autonomia dos Estados-membros, subordinando sua atuação aos comandos
do governo central, aproximando-se de um Estado unitário descentralizado
constitucionalmente.
No Brasil, este modelo vigorou nas Constituições Federais de 1967 e
1969, caracterizadas pelo retrocesso democrático e pela inauguração do
regime ditatorial. Houve acréscimo significativo das competências da União,
acarretando uma relação de dependência cada vez maior dos Estados em
relação ao poder central. Citamos, como exemplo, a criação dos Estados-
membros, que não contava com a anuência do interessado (Estado-membro),
recaindo a responsabilidade apenas sobre a União que teria competência para
aprovar o processo, por meio de lei federal.
Trata-se de teoria concebida por Alfredo Buzaid63, de acordo com José
Afonso da Silva64, baseada na intervenção do Estado no domínio econômico
60
RANIERI,Nina Beatriz Stocco. Sobre o Federalismo e o Estado Federal. Revista de Direito Constitucional e Internacional (RDCI) 9/87. Out-dez.1994. In: (Orgs.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional: Organização do Estado. Coleção doutrinas essenciais. v.III. São Paulo: RT, 2011, p.170. 61
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional.10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1102. 62
RAMOS, Dircêo Torrecillas. O federalismo assimétrico.1.ed. São Paulo: Plêiade,1998, p.75. 63
BUZAID, Alfredo. Estado Federal Brasileiro. In:Conferências. Departamento de Imprensa Nacional: Brasília, 1971, p.128. 64
SILVA, José Afonso da.O Constitucionalismo Brasileiro (Evolução Institucional). São Paulo: Malheiros, 2011, p.294.
43
para promover a integração nacional, através do desenvolvimento das regiões
pobres, na perspectiva desenvolvimentista dos militares65.
Por outro lado, Paulo Bonavides66 e Fábio Konder Comparato
desenvolveram o federalismo de regiões, que defendia a autonomia das
regiões administrativas criadas pela União67e das Regiões Metropolitanas, ao
lado das autonomias estaduais, como forma de promover políticas de
desenvolvimento para solucionar questões de desequilíbrios socioeconômicos
entre os entes federados. Haveria o fortalecimento das regiões, ao lado dos
outros níveis de poder, em detrimento do centralismo do federalismo de
cooperação e integração.
No Brasil, a tese referente ao federalismo das Regiões foi desenvolvida
a partir do federalismo cooperativo, introduzido na Carta Constitucional de
1946, sob a perspectiva das Regiões Administrativas. O sistema cooperativo
destinava percentagens de renda tributária ao desenvolvimento de regiões nela
indicadas, promovendo a criação de superintendências regionais de
desenvolvimento, como entidades administrativas autônomas, sob o comando
da União Federal, como ocorreu com a Superintendência do Desenvolvimento
do Nordeste (Sudene).
O contexto criado pelo fortalecimento da União em relação às políticas
regionais de desenvolvimento, implementadas nos Estados-membros, ao lado
do enfraquecimento do poder político estadual e o consequente desequilíbrio
entre as unidades federativas, contribuíram para a criação, segundo Paulo
Bonavides68, da tese referente à autonomia das Regiões. A ideia não era
substituir o federalismo de Estados-membros, dotados de autonomia, mas
atribuir poder político às Regiões de Desenvolvimento, configuram um quarto
nível de governo, denominado regional, ao lado do federal, do estadual e do
municipal. As Regiões (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste) teriam
65
BUZAID, Alfredo. Estado Federal Brasileiro. In: Conferências. Departamento de Imprensa Nacional: Brasília, 1971, p.128 apud SILVA, José Afonso da. O Constitucionalismo Brasileiro (Evolução Institucional). São Paulo: Malheiros, 2011, p.294. 66
BONAVIDES, Paulo. Planejamento e os organismos regionais como preparação a um federalismo das regiões (a experiência brasileira). Revista de Informação Legislativa.jul-set.1971; COMPARATO, Fábio Konder. Planejar o Desenvolvimento: Perspectiva Institucional. Revista de Direito Público (RDP). out-dez. São Paulo: RT, 1988, p.19-43. 67
Art. 43 da Constituição Federal de 1988 e os instrumentos regionais criados pela Constituição de 1946 como SUVALE, SUDAM, SUDENE, SUDESUL, SUDECO. 68
BONAVIDES, Paulo. Planejamento e os organismos regionais como preparação a um federalismo das regiões (a experiência brasileira). Revista de Informação Legislativa. jul-set.1971, p.73.
44
governo próprio, de capacidade legislativa, administrativa, além de
promoverem sua própria Constituição.
Acompanhemos a tese do autor, redigida à época da Constituição de
196969:
No federalismo brasileiro coexistem três níveis de governo – o federal, o estadual e o municipal, observando-se absoluta preponderância do poder federal, com declínio da esfera estadual (autonomia dos Estados-membros) e a estagnação da órbita municipal (autonomia dos Municípios). A formação do quarto nível se desenha no horizonte, justificando a sondagem prospectiva, objeto do presente trabalho. O governo regional seria a nosso ver a única saída, de futuro, para o desenlance eventual da presente estrutura federativa do Brasil, em plena crise. Fora dessa alternativa, cairemos na solução unitária e centralizadora, já iminente, e que fará o País regredir a fórmulas de organização política praticadas durante o passado, ao tempo da monarquia, e consoante se supunha irreversíveis, em virtude do advento da Federação. Nem mesmo aquele preceito constitucional que veda toda Emenda à Constituição, que possa alterar as bases federativas e republicanas do sistema, parece constituir garantia bastante eficaz contra os fatos avassaladores, conducentes a uma centralização assoberbante e prenúncio grave do retrocesso ao Estado unitário, com a morte ulterior do federalismo, já enfermo. [...] Com a dicotomia federalista, formalmente em vigor, mas a pique de extinguir-se o federalismo tetradimensional que se adotasse (União, Estado, Município e Região) seria ainda um federalismo de transição, reservando-se à Região o papel de verdadeiro instrumento renovador e estimulante de reacomodação política e econômica do sistema, em termos mais realistas. Tal aconteceria até que a Federação como tempo, e ultrapassadas as razões da crise, viesse a definir com mais precisão as linhas de seu comportamento e as relações entre as unidades regionais politizadas e a União.
A despeito de alguns conceberem o federalismo cooperativo, na
modalidade Regiões, como solução para fortalecer o ideal autônomo de cada
esfera federativa, Raul Machado Horta70 visualizava outro ângulo da questão e
acusava esta forma cooperativa de contribuir com a centralização de poderes
da União, comprometendo o harmonioso convívio federativo. Ao tratar do
assunto, o autor afirmava71:
69
BONAVIDES, Paulo. Planejamento e os organismos regionais como preparação a um federalismo das regiões (a experiência brasileira). Revista de Informação Legislativa. jul-set.1971, p.73. 70
HORTA, Raul Machado. A Autonomia do Estado-membro no Direito Constitucional Brasileiro (tese de concurso). Belo Horizonte, 1964, p.121 apud SILVA, José Afonso da.O Constitucionalismo Brasileiro (Evolução Institucional). São Paulo: Malheiros, 2011, p.292. 71
HORTA, Raul Machado. A Autonomia do Estado-membro no Direito Constitucional Brasileiro (tese de concurso). Belo Horizonte, 1964, p.121 apud SILVA, José Afonso da.O Constitucionalismo Brasileiro (Evolução Institucional). São Paulo: Malheiros, 2011, p.293.
45
a cooperação financeira se compromete quando as discriminações caprichosas de arbítrio reclamam atos de vassalagem, certamente, incompatíveis com o harmonioso convívio federativo [...] A cooperação financeira, na base de decisões unilaterais do Governo Federal, pode eletrocutar a autonomia. Por isso, impõe-se fortalecê-la como o desenvolvimento de sistema se relações intergovernamentais capaz de elaborar decisões fundadas na participação e no assentimento recíproco das partes diretamente interessadas na convivência federativa.
Ressaltamos que as Constituições de 1967 e 1969 introduziram as
Regiões Metropolitanas no âmbito das Regiões criadas pela União por meio de
Lei Complementar. A despeito das teses desenvolvidas em termos de
federalismo de regiões, que qualificaram as regiões como nível de governo
intermediário entre os Estados e Municípios, a tese não foi adotada pela
Constituição anterior, mantendo a autonomia apenas em relação à União e aos
Estados-membros.
Diante da evolução federalista exposta pela análise das Cartas
Constitucionais, resta-nos indagar: qual a tipologia adotada pela Constituição
Federal de 1988?
A Carta fortaleceu o pacto federativo, sobretudo, introduzindo a
autonomia aos municípios, caracterizada pelo aprimoramento de competências
municipais e pelo poder de auto-organização dos Municípios, por meio das Leis
Orgânicas (art.29, c/c parágrafo único do art. 11 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias) 72.
Além disto, favoreceu o regionalismo, sem adotar o federalismo de
Regiões. Além das Regiões Metropolitanas, a Constituição criou as
microrregiões e aglomerações urbanas como fruto da criação pelos Estados-
Membros com o intuito de promover a organização, o planejamento e a
execução de funções públicas de interesse comum.
Do ponto de vista da divisão de competências, a Constituição Federal
adotou o modelo cooperativo democrático, pois modernizou a redistribuição de
competências constitucionais, garantindo a divisão horizontal, por meio das
competências privativas, sem descuidar dos mecanismos de cooperação,
desenvolvidos através das competências administrativas comuns (art. 23) e
concorrentes (art. 24).
72
Adotamos a abreviatura c/c durante toda a pesquisa para designar a combinação entre normas legais. (c/c = combinado)
46
Gilberto Bercovici73 afirma que a Constituição de 1988 consagrou a
cooperação federativa. A cooperação instituída garante a autonomia de todos
os entes federados e promove o equilíbrio de atribuições entre todos os
núcleos de poder, por meio da Carta Constitucional.
Predominam as relações de coordenação e cooperação, conforme
esclarece o autor74:
A coordenação é, na realidade, um modo de atribuição e exercício conjunto de competências no qual os vários integrantes da Federação possuem certo grau de participação. A vontade das partes é livre e igual, com a manutenção integral de suas competências: os entes federados sempre podem atuar de maneira isolada ou autônoma. A coordenação é um procedimento que busca um resultado comum e do interesse de todos. A decisão comum, tomada em escala federal, é adaptada e executada autonomamente por cada ente federado, adaptando-a às suas peculiaridades e necessidades. A materialização da coordenação na repartição de poderes são as competências concorrentes.
No nosso modelo constitucional, a coordenação é exercida conforme o
art. 24, através das competências concorrentes. A União e os demais entes
federados concorrem para o exercício de uma competência, mas com âmbito e
intensidade distintos.
Por outro lado, na cooperação todos os entes federados devem exercer
sua competência conjuntamente, excluindo a possibilidade de atuação isolada
de cada um. Na Constituição de 1988 foi prevista no art. 23, nas competências
comuns. De acordo com Gilberto Bercovici75:
Nas competências comuns, todos os entes da Federação devem colaborar para a execução das tarefas determinadas pela Constituição. E mais: não existindo supremacia de nenhuma das esferas na execução destas tarefas, as responsabilidades também são comuns, não podendo nenhum dos entes da Federação se eximir de implementá-las, pois o custo político recai sobre todas as esferas de governo. A cooperação parte do pressuposto da estreita interdependência que existe em inúmeras matérias e programas de interesse comum, o que dificulta (quando não impede) a sua atribuição exclusiva ou preponderante a um determinado ente, diferenciando, em termos de repartição de competências, as competências comuns das competências concorrentes e exclusivas.
73
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.149. 74
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.151. 75
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.153.
47
A despeito da maioria dos constitucionalistas atribuir à Constituição
Federal a qualificação de federalismo cooperativo democrático, Raul Machado
Horta76 entende que a Constituição Federal inovou e ultrapassou os limites da
cooperação ao implementar um Federalismo de Equilíbrio.
André Ramos Tavares77 ao explicar o Federalismo de equilíbrio, afirma
que a expressão foi cunhada por Dircêo Torrecillas78e significa a necessidade
de no federalismo se manter o delicado equilíbrio entre as entidades
federativas. Segundo o autor, este equilíbrio federativo poderá ser alcançado
pela atuação das regiões de desenvolvimento, previstas no art. 43 e das
regiões metropolitanas (art. 25, §3º), além da criação de mecanismos de
articulação entre os entes federativos, como a lei complementar prevista pelo
art. 23, parágrafo único, da Constituição Federal79.
Neste sentido, até mesmo como objeto de investigação deste estudo, o
aprimoramento do regime jurídico das Regiões Metropolitanas conferido pela
Constituição Federal de 1988 proporciona o equilíbrio nas relações entre os
entes federativos.
Raul Machado Horta80, ao tecer comentários sobre esta tipologia de
federalismo, estabelece uma relação ontológica81 entre o federalismo de
equilíbrio e o federalismo cooperativo.O federalismo traz em si a própria
essência de colaboração, pois deriva de foedus, termo que significa, pacto,
ajuste, tratado, entre a comunidade central e as comunidades parciais. Assim,
o grande desafio desta forma de Estado é promover dentro do pacto
cooperativo, um equilíbrio nas relações entre os entes federados no exercício
de suas autonomias políticas.
Segundo o jurista mineiro, a cooperação no federalismo brasileiro surgiu
com a implantação de organismos regionais e com o mecanismo da repartição
76
HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.430. 77
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional.10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1102. 78
RAMOS, Dircêo Torrecillas. O federalismo assimétrico.1.ed. São Paulo: Plêiade,1998, p.81. 79
Vale a pena mencionar a recente Lei Complementar 140 de 8/12/2011 que pioneiramente fortaleceu os comandos do art. 23, III, VI e VII e parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal ao fixar, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei n
o 6.938, de 31 de agosto de 1981.
80HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.426.
81FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio
de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.1224. Ontológico. Adj. Filos. 1. Pertencente ou relativo à ontologia. Ontologia. SF. Filos. Parte da filosofia que trata do ser enquanto ser, e, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres.
48
tributária de impostos federais e estaduais. Isto beneficiou Estados e
Municípios mediante a atribuição de percentuais da arrecadação dos impostos
que se tornaram objeto da repartição.
Desta maneira, o professor mineiro afirma82 que o federalismo de
equilíbrio da Carta atual substitui os modelos das Constituições de 1967 e
1969, que fortaleciam a União em detrimento dos Estados-Membros e até
mesmo dos Municípios, que até então não contavam com efetiva autonomia
política. Nas palavras do autor83:
O federalismo constitucional de 1988 exprime uma tendência de equilíbrio na atribuição de poderes e competências à União e aos Estados. Afastou-se das soluções centralizadoras de 1967 e retomou, com mais vigor, soluções que despontaram na Constituição de 1946, para oferecer mecanismos compensatórios, em condições de assegurar o convívio entre os poderes nacionais-federais da União e os poderes estaduais-autônomos das unidades federadas. As bases do federalismo de equilíbrio estão lançadas na Constituição de 1988.
O autor cita o artigo 24 dentre as inovações da Constituição de 1988 no
campo da distribuição de competências por ter ultrapassado as tímidas
dimensões das competências supletivas ou complementares adotadas em
Constituições anteriores, permitindo uma atuação mais robusta aos Estados,
por meio das competências complementares e supletivas, previstas nos § 3º e
§ 4º deste artigo constitucional.
1.2 Entes federados e as Regiões Metropolitanas à luz da Constituição Federal de 1988
De acordo com o art. 18 da Constituição Federal de 1988, são
considerados entes federados, todos autônomos, nos termos da Constituição a
União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios.
Deste modo, quando a constituição se refere às entidades federadas, ela
atribui a cada uma a capacidade administrativa, legislativa e o poder de
promover sua própria constituição e organização. Citemos como exemplo o
perfil jurídico dos Estados-membros, desenhado pela Constituição Federal de
1988.
82
HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.429. 83
HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.416.
49
Os Estados-membros são ordens parciais autônomas
independentemente da União, que formam o vínculo indissolúvel entre si
gerando a União Federal. Internamente os entes federativos são autônomos
nos limites de suas competências constitucionais.
O regime jurídico do Estado-membro foi previsto no art. 25 da
Constituição Federal e suas características relativas à autonomia também.
De acordo com o art. 25 da Constituição Federal e 11 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, os Estados organizam-se e regem-se
por suas próprias Constituições, através da atuação da Assembleia legislativa,
observados os princípios da Constituição Federal.
Baseados em Anna Cândida da Cunha Ferraz84, Luiz Alberto David
Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior85, os princípios que devem ser obedecidos
pelo Poder Constituinte dos Estados-membros:
Assim, como Anna Cândida da Cunha Ferraz entendemos que a Carta Estadual deve obedecer aos seguintes limites: a) princípios, explícitos ou não, que retratem o sistema constitucional do País, como o princípio republicano, a eletividade, a tripartição de Poderes, inclusive em relação ao processo legislativo, direitos fundamentais etc. b) princípios relativos à Federação que se estendam aos Estados-membros, a exemplo de questões relativas à repartição de rendas, impostos estaduais, autonomia municipal e etc. c) preceitos específica e diretamente destinados aos Estados-membros, tais quais os atinentes à organização do Poder Judiciário e do Ministério Público estaduais, instituição de regiões metropolitanas etc.
Percebemos, por esta limitação, que deverá existir entre as
Constituições Estaduais e Federais aquilo que a jurisprudência denomina regra
de simetria. Assim, se a Constituição Federal indicar os legitimados do art. 61,
responsáveis pela iniciativa das leis complementares e ordinárias, respeitadas
as diferenças, as Constituições Estaduais deverão adotar as mesmas
previsões.
A capacidade de autogoverno é revelada pela prerrogativa dos Estados
elegerem seus próprios membros do Poder Executivo, independentemente de
autorização do governo central. Neste sentido, o art. 28 da Constituição
84
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Poder Constituinte do Estado-membro, p.54 apud ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.290. 85
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.290.
50
Federal indica como chefe do Poder Executivo o governador e o vice-
governador.
Com relação ao exercício do Poder Legislativo, o art. 27 da Constituição
Federal prevê a composição e a estrutura das Assembleias Legislativas.
Por sua vez, o Poder Judiciário dos Estados será organizado (art. 125 da
Constituição Federal) a partir de competências definidas na Constituição dos
Estados. De acordo com os arts.125 e 126 da Constituição Federal, o Poder
Judiciário Estadual tem no Tribunal de Justiça o seu órgão de cúpula, que
exerce a jurisdição em segundo grau, enquanto os juízes de direito titularizam o
exercício da jurisdição estadual em primeiro grau.
Por sua vez, a capacidade legislativa foi atribuída como regra de forma
residual, conforme o art.25, §1º e expressa, no § 2º, quanto à exploração direta
ou mediante concessão dos serviços locais de gás canalizado.
O art. 25, §3º, da Constituição Federal permite que os Estados-Membros
por meio de Leis Complementares, criem regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de
municípios limítrofes para integrar a organização, o planejamento e a execução
de funções públicas de interesse comum.
Conforme veremos mais adiante, as Regiões Metropolitanas são
formadas pelo fenômeno da conurbação urbana,que promove a formação de
um único aglomerado urbano que se espalha pelos limites territoriais de vários
municípios, criando um único sistema socioeconômico, que necessita de
planejamento, execução e organização das funções públicas de interesse
comum.
A criação das Regiões Metropolitanas exige soluções administrativas
comuns entre os municípios limítrofes, como por exemplo, relacionadas ao
transporte e planejamento urbanos, saneamento e preservação ambiental.
As definições e regime jurídico de cada figura serão delineados
detalhadamente nos próximos capítulos. No entanto, é importante ressaltarmos
que as Regiões Metropolitanas não são entidades políticas federadas, por não
terem autonomia na acepção de governo próprio, autoconstituição e exercício
de competências legislativas e administrativas.
São criadas pelo Estado-membro e assumem várias formas de
administração, ora como órgão, ora como pessoa jurídica de direito público. E
51
dependem da lei complementar estadual responsável por sua formação para
executar, planejar e organizar funções comuns de forma compartilhada com os
Municípios integrantes.
Para pontuarmos nossas discussões, apresentamos um trecho da obra
de Michel Temer86 visando afastar completamente a natureza jurídica
federativa das Regiões Metropolitanas:
Será a Região Metropolitana uma quarta esfera de governo, uma pessoa dotada de capacidade política? Se não for, caracteriza-se como pessoa de capacidade administrativa? Ainda, será pessoa? De logo se afirme que a região metropolitana não é dotada de personalidade. Com este dizer fica afastada a idéia de governo próprio ou, mesmo, de administração própria. Não é pessoa política nem administrativa. Não é centro personalizado. Não é organismo. É órgão.
Com relação aos Municípios, membros integrantes das Regiões
Metropolitanas, a despeito do debate doutrinário acerca de sua inclusão na
categoria de entes federados, acolhemos a posição que qualifica o Município
como ente federativo, ao lado da União, Estados e Distrito Federal.
Em face dos argumentos expostos, não tem sentido sustentarmos que o
Município não é parte essencial da federação, como entende José Afonso da
Silva87 que defende ser o Município apenas parte integrante da Federação.
Caminha para o mesmo entendimento José Nilo de Castro88, que por
sua vez, acrescenta novos argumentos para afastar os Municípios das
entidades federadas. Ao lado de José Afonso da Silva, acrescenta:
A Federação, dessarte, não é de Municípios e sim de Estados, cuja caracterização se perfaz com o exercitamento de suas leis fundamentais, a saber, a da autonomia e da participação. Não se vê, então, participação dos Municípios na formação da federação. Os Municípios não têm representação no Senado Federal, como possuem os Estados federados, não podem propor emendas à
86
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 114. 87
José Afonso da Silva afirma que existem na Constituição Federal onze ocorrências das expressões unidade federada e unidade da federação, referindo-se apenas aos Estados e Distrito Federal, nunca envolvendo os Municípios. (SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 620). A seguir indicamos seu posicionamento, com base na obra ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.269): “a) se os Municípios desaparecessem, a Federação continuaria a existir; b) a Federação não é a união de Municípios, mas de Estado; c) quem decreta a intervenção nos Municípios é o Estado (e não a União, salvo nos Municípios dos Territórios), demonstrando que a Federação é composta por duas ordens apenas; d) por fim, a criação de Municípios depende de lei estadual (CF, art. 18, §4º) critério diferente da criação dos Estados-membros”. 88
CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo.7.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.25.
52
Constituição Federal (art. 60), como o podem os Estados, nem possuem Poder Judiciário, Tribunais de Contas (salvo São Paulo e Rio) e suas leis ou atos normativos não se sujeitam ao controle concentrado do STF. Ainda, o parecer prévio do Tribunal de Contas ou órgão equivalente só pode ser rejeitado por 2/3 dos Vereadores, Esse quórum qualificado não é exigido, na Constituição da República, para os entes federativos (União e Estados).
José Nilo de Castro afirma que apesar de autônomos os Municípios não
têm a mesma autonomia constitucional conferida aos Estados e ao Distrito
Federal. Deste modo, utiliza um argumento derradeiro relacionado à instituição
das Regiões Metropolitanas para afastar a autonomia dos Municípios. Os
Estados ao criarem as Regiões Metropolitanas obrigaram os Municípios a
pertencerem ao fenômeno regional, os quais deverão submeter-se às diretrizes
administrativas do Estado-membro.
A despeito de reproduzirmos o raciocínio do autor, consignamos nossa
discordância. Os Municípios são autônomos nos termos da Constituição e não
são submetidos aos ditames do Estado, pois atuarão em conjunto com eles no
âmbito das deliberações e execuções de políticas. Nas palavras do jurista89:
A propósito do fenômeno regional (art. 25, §3º), argumenta-se mais: o Município não é ente federativo, porque o Estado, que o é, pode, por lei complementar, ao estabelecer regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, criar órgãos deliberativos e gestores, o que têm feito sem questionamentos, cujas decisões vão obrigar os Municípios envolvidos no fenômeno regional. Ora, como um ente federado poderia submeter-se a outro ente federado ou a órgãos desse mesmo ente federado? Porque os Municípios se compreendem administrativamente no território do Estado-membro, que é para eles Estado unitário, revela-se de fragilidade extrema a sustentação de que os Municípios seriam entes federados.
Ademais, concordamos com Alaôr Caffé Alves90ao dizer que a
autonomia dos Municípios do ponto de vista constitucional já está delineada
como regime especial ao obedecer aos comandos legais fixados pelo Estado e
instituir a Região Metropolitana. O autor afirma que a lei estadual criadora da
região metropolitana introduziu no ordenamento jurídico um novo município,
denominado metropolitano, que sem deixar de ser município como entidade
89
CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. 7.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.30. 90
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.65.
53
política, recebe uma nova roupagem institucional. Segundo o autor91: “O
município tradicional engole a cidade, mas o município metropolitano, ao
contrário, é engolido pela grande cidade”. Ao estudarmos o fenômeno
metropolitano o sentido da frase ficará mais claro. Verificaremos que o
crescimento urbano intenso promoveu o crescimento das cidades, núcleo
urbano, sede dos Municípios, para além de fronteiras dos municípios aos quais
pertenciam originariamente. No modelo tradicional, cada cidade pertence a
determinado Município Em razão da conurbação, a cidade se espraia para
além de outros territórios municipais, provocando o fenômeno metropolitano.
Assim, o grande desafio será administrar interesses federativos distintos, não
mais adstritos à esfera de único município, mas de todos os outros submetidos
ao mesmo fenômeno.
Não necessariamente correligionário da posição mencionada, mas
convencido que de fato a autonomia dos Municípios não é a mesma dos
Estados-membros e Municípios, apresentamos o entendimento de Fernando
Dias Menezes de Almeida92.
Explica o autor que a redação do art. 18 da Carta Magna não estabelece
que todos os entes da federação brasileira são igualmente autônomos, apenas
que são autônomos. Isto significa que nem todos têm o mesmo grau de
autonomia. A Constituição Federal atribuiu um regime diferenciado aos
Municípios. O autor aponta, por exemplo, que ao dispor sobre auto-
organização dos Municípios a Constituição não utilizou a expressão
constituição, mas leis orgânicas municipais. Além disto, os Municípios não têm
Poder Judiciário, apenas Poder Executivo e Legislativo.
Por outro lado, Luiz Alberto David Araújo, Vidal Serrano Nunes Junior,
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Alexandre de Moraes e Pedro Estevam
Serrano discordam radicalmente do entendimento anterior e afirmam, com
base no art. 1º da Carta Magna, que o Município é componente essencial do
sistema federativo brasileiro.
91
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.65. 92
ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Crítica ao tratamento constitucional do Município como ente da federação Brasileira. Revista de Direito Constitucional e Internacional RDCI 68/76. jul-set 2009. In: (Orgs.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional: Organização do Estado. Coleção doutrinas essenciais. v.III. São Paulo: RT, 2011, p.933.
54
Reconhecem todos eles que o Município não participa da formação da
vontade geral por meio do Senado Federal, no entanto sustentam que este
critério não autoriza desqualificar o Município como ente federado. Este é
também o nosso entendimento.
Segundo Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior93
Com efeito, o Município recebe competências próprias, tem autonomia e pode auto-organizar-se por meio de lei orgânica. De todos os característicos comuns do federalismo, o Municípiosó não possui a faculdade de fazer-se representar junto ao Senado Federal, mas tal traço não pode afastá-lo da integração federativa.
Por outro lado, sustentam ainda que a Constituição, em seu art. 34, VII,
“c”, atribuiu ao Município a autonomia plena tal como os demais entes
federados, quando eleva a defesa da autonomia municipal à categoria de
princípio sensível, de necessária observância pelo constituinte derivado
decorrente e cuja inobservância implica decretar a intervenção federal no
respectivo Estado-membro.
Sustentando este entendimento, Pedro Estevam Serrano94chega a
afirmar que aqueles que retiram do município a qualidade de ente federado não
estão baseados em argumentos jurídicos, mas em modelos da ciência política
e teoria geral do Estado. Além disto, estão extremamente apegados ao modelo
federativo norte-americano, que não adota o Município como estrutura
federativa. Ora, cada Constituição tem o condão de delinear, obedecidos
alguns primados básicos, o modelo federativo coerente com sua evolução
histórica e política. Embora não existam algumas características, a pedra
fundamental está garantida ao município que tem autonomia política em todas
as acepções.
A organização dos Municípios é promovida por meio da Lei Orgânica,
votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por
dois terços dos membros da Câmara Municipal, a qual deverá respeitar os
princípios estabelecidos pela Constituição Federal e Estadual.
No que tange ao exercício de competências administrativas e
legislativas, a Constituição Federal indicou o rol de competências nos arts. 30,
93
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.301. 94
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.106.
55
23 e 24, e como garantiu a eleição de prefeito e vice-prefeito para o exercício
das funções executivas (art. 29, II) e escolha de Vereadores para o exercício
das funções legislativas na Câmara Municipal (art. 29, I).
Da mesma forma entende Alexandre de Moraes95ao interpretar que a
autonomia constitucional atribuída à União e aos Estados-membros é a mesma
dos Municípios:
a autonomia municipal, da mesma forma que a dos Estados-membros, configura-se pela tríplice capacidade de auto-organização e normatização própria, autogoverno e auto administração. Dessa forma, o município auto-organiza-se através de sua lei Orgânica Municipal, e, posteriormente, por meio da edição de leis municipais; autogoverna-se mediante a eleição direta de seu prefeito, Vice-prefeito e vereadores, sem qualquer ingerência dos Governos Federal e Estadual; e, finalmente, autoadministra-se, no exercício de suas competências administrativas, tributárias e legislativas, diretamente conferidas pela Constituição Federal.
Por fim, faremos algumas observações acerca do Distrito Federal. De
acordo com os arts. 1º, 18, 32 e 34 da Constituição Federal, o Distrito Federal é
considerado um ente federado. É pessoa jurídica de direito público interno, com
capacidade legislativa, administrativa e judiciária. É autônoma politicamente. E
de acordo com Alexandre de Moraes96:
A nova Constituição Federal garante ao Distrito Federal a natureza de ente federativo autônomo, em virtude da presença de sua tríplice capacidade de auto-organização, autogoverno e autoadministração, vedando-lhe a possibilidade de subdividir-se em Municípios.
A partir da leitura dos dispositivos legais, percebemos que o Distrito
Federal reúne parcela de regime jurídico do Estado, dos Municípios e até
mesmo da União, sem, contudo, confundir-se com qualquer um deles97.
Importante frisarmos que o Distrito Federal não forma uma região
metropolitana, embora muitos estudos classifiquem-no como tal.
Ao examinarmos o Estado-membro, constatamos que ele titulariza a
competência exclusiva para instituir Regiões Metropolitanas (art. 25, §3º). Por
sua vez, ao traçarmos o perfil do Distrito Federal observamos que a
95
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.281. 96
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.291. 97
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.339-340.
56
Constituição conferiu a este ente federado algumas competências atribuídas
aos Estados-Membros, por força do art. 32, §1º da Constituição. Diante desta
colocação, perquirimos: o Distrito Federal pode instituir região metropolitana da
mesma forma que os Estados-membros? Além disto, ele mesmo pode
pertencer a uma Região Metropolitana?
Retiramos a resposta da interpretação constitucional. A primeira parte do
art.32 da Constituição Federal veda a divisão do Distrito Federal em
Municípios. Assim, não existe do ponto de vista jurídico, por força de
mandamento expresso da Constituição, Município no Distrito Federal.
Dispõe o art. 10 da Lei Orgânica do Distrito Federal que sua organização
é feita por meio de Regiões Administrativas visando à descentralização
administrativa, à utilização racional de recursos para o desenvolvimento
socioeconômico e à melhoria da qualidade de vida. De acordo com o art. 11, as
administrações regionais integram a estrutura administrativa do Distrito
Federal, mas cada região contará com um Conselho de Representantes
Comunitários, com funções consultivas e fiscalizadoras.
Por outro lado, ao examinarmos o art. 25, §3º, da Constituição Federal
verificamos que as Regiões Metropolitanas são constituídas por agrupamentos
de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a
execução de funções públicas de interesse comum. Do cotejo dos dois
dispositivos constitucionais, concluímos não haver possibilidade jurídica de
constituir as figuras regionais no Distrito Federal.
Além disto, como ente federado, o Distrito Federal reúne características
dos Municípios e dos Estados-membros.
Ainda que admitamos que Brasília, sede da capital federal, contribua
para incrementar o crescimento urbano nas regiões limítrofes, inclusive com
espraiamento de sua malha urbana por meio da conurbação, juridicamente sua
formatação não se confunde com Região Metropolitana. Na realidade, em
razão dos problemas socioeconômicos causados por conta da expansão da
malha urbana, além do projeto piloto que delimitava suas fronteiras, no início
de sua construção, a União Federal criou, com base no art. 43 da Constituição
Federal, a Região Administrativa denominada Região Integrada de
Desenvolvimento do Distrito Federal, por meio da Lei Complementar nº 94 de
19/2/1998.
57
De acordo com o art. 1º, §1º da Lei, o Poder Executivo Federal para
articular ação administrativa da União, dos Estados de Goiás e Minas Gerais e
do Distrito Federal, criou a Região Administrativa, formada pelo Distrito Federal
e pelos Municípios de Abadiânia, Água Fria de Goiás, Águas Lindas, Alexânia,
Cabeceiras, Cidade Ocidental, Cocalzinho de Goiás, Corumbá de Goiás,
Cristalina, Formosa, Luziânia, Mimoso de Goiás, Novo Gama, Padre Bernardo,
Pirenópolis, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto, Valparaíso e Vila Boa, no
Estado de Goiás, e de Unaí e Buritis, no Estado de Minas Gerais.
O propósito da União é articular sua ação no mesmo complexo
geoeconômico e social, visando desenvolvê-lo, e reduzir as desigualdades
regionais do Distrito Federal e municípios de Goiás e Minas Gerais.
Portanto, em razão do exposto, não deveremos confundir a Região de
Desenvolvimento Integrado (que envolve o Distrito Federal) com Região
Metropolitana.
1.3 Competências constitucionais em matéria de direito urbanístico
Em função da autonomia política dos entes federados, a Constituição
reparte entre eles as competências que exercerão. É necessário identificar os
tipos de matéria e a forma como cada ordem federativa deverá desempenhar
suas atribuições. Ao examinarmos o tema, deveremos indagar, por exemplo, se
compete à União ou aos Estados-membros legislar sobre Direito Penal. Além
disto, ao identificarmos a competência, devemos verificar se ele irá exercê-la
sobre o assunto de forma exclusiva ou se contará com a colaboração de outro
ente. No que tange ao meio ambiente, compete ao Município tratar do assunto
com exclusividade ou poderá contar com a colaboração dos demais? A
resposta às questões propostas decorrerá da interpretação do texto
constitucional de 1988.
Ao procederemos à sua leitura, constatamos que foram adotados os
princípios do federalismo de equilíbrio. Não vigora mais o dualismo na
repartição de competências, ou seja, competências estanques atribuídas de
forma enumerada à União e residual aos Estados, ou vice-versa. Atualmente,
em decorrência do federalismo de cooperação, na sua vertente de equilíbrio,
não falamos apenas em competências exclusivas, divididas de forma
58
compartimentada. Para promover a colaboração entre todos os entes, a
Constituição permitiu a divisão de competências da forma comum e
concorrente.
Embora a Constituição confira competências legislativas e materiais a
todos os entes enumerados no art.18, versaremos apenas sobre as
competências legislativas e administrativas da União, dos Estados-membros e
Municípios.
Restringiremos a nossa análise sobre competências federativas às
matérias que dizem respeito ao direito urbanístico, por se tratar de típico
instituto desta disciplina jurídica e uma vez que o tema de nossa análise versa
exclusivamente sobre fenômenos de conurbação urbana e seu planejamento.
Iremos nos concentrar especificamente nas competências urbanísticas
atribuídas à União, Estados e Municípios, distribuídas nos seguintes
dispositivos constitucionais:
1) Competência Exclusiva da União: Art. 21. IX; XX; XXI 2) Competência privativa Legislativa da União: Art. 22,: IX 3) Competência Material Comum entre União, Estados e Municípios: Art. 23. III, VI, IX 4) Competência Concorrente própria Limitada exercida pela União, Estados e Municípios: Art. 24. I; VI; VII, § 1º, § 2º, § 3º, § 4º 5) Competência Legislativa Exclusiva do Estado: Art. 25, §3º- 6) Competência exclusiva dos Municípios (Material e Legislativa): Art. 30,I, II, IV, VIII, IX e Art. 182, § 1º, § 2º, § 3º, § 4º
Resumidamente explicaremos o conteúdo jurídico de cada uma delas.
Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello98,competência é traduzida
como o conjunto de deveres-poderes atribuídos por lei para satisfazer
interesses públicos. Em linguagem simplificada, é um conjunto de atribuições
de que se servem as entidades estatais para o exercício de suas funções.
Reiteramos não ser correto atribuir ao termo competências o sentido de
poderes, por implicar em dever destinado ao cumprimento de interesse alheio.
Isto decorre do modelo de Estado Democrático, previsto no art. 1º, parágrafo
único da Carta Magna, que prevê a titularidade do poder político pelo povo.
98
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.146.
59
Assim, os poderes são instituídos em razão do povo para cumprir seus
interesses99.
José Afonso da Silva100, ao interpretar o texto constitucional de 1988,
verifica que o Poder Constituinte utilizou como princípio geral para distribuir
competências federativas a predominância do interesse. Assim, caberá à União
o trato de matérias nas quais predomine o interesse geral, aos Estados aquelas
relativas ao interesse regional e aos Municípios o cuidado com assuntos de
interesse local.
Com base no princípio da predominância do interesse atribuiu aos entes
federados competências materiais e legislativas101, no campo do direito
urbanístico.
Com relação às competências materiais, atribuiu de forma exclusiva102 e
enumerada competências para a União (art. 21), aos Estados (art. 25, §3º) e
Municípios (art. 30). Da mesma forma, atribuiu à União, Estados e Municípios,
de acordo com o art. 23, algumas competências comuns.
Quanto às competências legislativas, a Carta Constitucional conferiu à
União competências privativas (art. 22), exclusivas, com possibilidade de
delegação aos Estados (parágrafo único do art. 22) e concorrentes, para a
edição de normas gerais aos entes federados, sobre os assuntos do art. 24.
Por outro lado, conferiu aos Estados competência delegada pela União,
nos termos de lei complementar para legislar sobre os assuntos do art. 22
99
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.149.O autor atribui às competências as seguintes características: obrigatória, irrenunciável, intransferível, indelegável e imprescritível. 100
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo.20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.476. 101
A professora Fernanda Dias Menezes de Almeida explica que a denominação material deve ser interpretada como sendo o conjunto de atividades desempenhadas pelo ente federativo que não se confunde com a atividade legislativa. Assim, é preciso saber o que efetivamente compreende atividade legislativa para sabermos o que definitivamente não é considerado atividade material. (ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de.Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p. 67). 102
Quanto ao processo de distribuição de competências, destacamos a divergência de entendimento doutrinário quanto à competência exclusiva e privativa. Para José Afonso da Silva: “ (a) exclusiva: Trata-se de competência atribuída a um ente federativo com exclusão dos outros (art. 21); (b) privativa: significa que a competência inicialmente é atribuída ao ente federado como própria, mas poderá ser exercida por outros entes, nas hipóteses de delegação (art. 22, parágrafo único)e de competência suplementar (art. 24 e §3º e §4º). O autor ainda distingue (p.478) as competências exclusivas das privativas do ponto de vista da possibilidade ou não de exercício de suas atribuições por outros entes, por meio da delegação ou suplementariedade. Já Fernanda Dias Menezes de Almeida (ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de.Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.63) acompanhando Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Celso Bastos e José Cretella Filho não distingue as expressões, atribuindo a ambas o sentido de competências próprias de cada entidade federada.
60
(parágrafo único) e concorrente complementar-suplementar (art. 24,
§2º,§3º,§4º).
Aos Municípios delegou competência exclusiva (art. 30, I) e suplementar,
(art.30, II).
Conheceremos agora um pouco mais sobre o ramo do direito urbanístico
para porteriormente abordarmos competências específicas nesse segmento.
1.3.1 Breves noções sobre conceito e autonomia do direito urbanístico
Quando interpretamos o texto constitucional verificamos que a Carta
Magna confere aos entes federativos competência para tratar do direito civil,
penitenciário, tributário, agrário e urbanístico. Portanto, constitui tarefa
fundamental do jurista compreender o teor desta disciplina para distinguir
quando está diante de disciplina típica de direito civil ou agrário, que só poderá
ser exercida exclusivamente pela União, de quando se depara com assuntos
de competência urbanística.
A matéria será relevante para o desenvolvimento do nosso estudo, pois
ao tratarmos nos capítulos 5 e 6 do Planejamento Urbano e do Plano Diretor
Metropolitano, avaliaremos o que pode ser considerado núcleo essencial do
planejamento urbano, a ser regulamentado pela União, Estado-membro ou
Município. Assim adverte Carlos Ari Sundfeld103:
Desse modo, continua sendo útil debater a respeito da identidade- e, portanto, da autonomia- do direito urbanístico, pois disso depende a solução, quando menos, de muitas dúvidas relativas à competência. Nesse contexto, têm grande relevância as normas, também constitucionais, tratando dos objetivos e instrumentos da política urbana.
Nos posicionamos sobre o tema para facilitar a postura do intérprete ao
identificar o sentido e o alcance conferido pela Constituição ao Direito
Urbanístico.
Inicialmente, apresentaremos as principais definições de direito
urbanístico formuladas pela doutrina nacional para identificarmos assuntos
103
SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal nº 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010.
61
pertinentes a este ramo do Direito, atribuídos pela Constituição Federal à
União, aos Estados e Municípios.
Baseada nas relações formuladas por Hely Lopes Meirelles entre
urbanismo e direito urbanístico, Regina Helena Costa104 compreende o direito
urbanístico de forma ampla, decorrente da disciplina jurídica do urbanismo.
Nestes termos, abrange:
todas as regras jurídicas que cuidem do planejamento urbanístico, do uso e da ocupação do solo urbano (parcelamento, loteamento, proteção ambiental), da ordenação da atividade edilícia (zoneamento, licenças urbanísticas) e da utilização de instrumentos de intervenção urbanística (desapropriação, tombamento, servidão administrativa).
Valendo-se dos conceitos de direito-ciência e direito norma jurídica, José
Afonso da Silva105compreende o direito urbanístico com base nestes dois
aspectos:
(a) direito urbanístico objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade do Poder Público destinada a ordenar os espaços habitáveis – o que equivale a dizer: conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade urbanística; (b) o direito urbanístico como ciência, que busca o conhecimento sistematizado daquelas normas e princípios reguladores da atividade urbanística”.
Acrescentamos à definição as observações de Hely Lopes Meirelles106:
Direito Urbanístico é o ramo do direito público destinado ao estudo e formulação dos princípios e normas que deve reger os espaços habitáveis, no seu conjunto cidade-campo, incluindo na amplitude do conceito todas as áreas em que o homem exerce coletivamente qualquer de suas quatro funções essenciais na comunidade – habitação, trabalho, circulação e recreação-excluídas somente as terras de exploração agrícola, pecuária ou extrativa que não afetem a vida urbana. Segundo essa conceituação, cabem no âmbito do direito urbanístico não só a disciplina do uso do solo urbano e urbanizável, de seus equipamentos e de suas atividades, como a de qualquer área, elemento ou atividade em zona rural que interfira no agrupamento urbano, como ambiente natural do homem em sociedade.
Baseados nesta definição, acrescentamos ao conceito objetivo de José
Afonso da Silva a disciplina dos espaços habitáveis, o que inclui cidade-campo.
104
COSTA, Regina Helena. Princípios de Direito Urbanístico na Constituição de 1988. In: (Coords.) DALLARI, Adilson Abreu; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de Direito Urbanístico 2. São Paulo: RT, 1991, p.111. 105
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.37. 106
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
62
Por sua vez, Carlos Ari Sundfeld107 afirma que a Constituição Federal de
1988, em seu art. 182, atribuiu ao Direito Urbanístico a função de implementar
a política de desenvolvimento urbano, a qual tem por finalidade ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes. Para compreendermos a ideia de política de desenvolvimento
urbano, o autor propõe a reflexão: qual o sentido de política urbana? De acordo
com Carlos Ari Sundfeld, a definição deve ser retirada do texto Constitucional.
Reproduziremos o raciocínio do autor para justificar a relação da política
urbana com a disciplina jurídica do solo (espaço) da cidade, o que atribuiu ao
direito urbanístico o papel de ser o direito da política espacial da cidade108:
No caput do art 182 a política urbana aparece vagamente com a política das “funções sociais da cidade”. Mas outras referências constitucionais dão maior fechamento ao conceito. Combinando-se a norma do art. 30, VIII (compete ao Município promover “adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”), com as ligações estabelecidas entre a expressão “política urbana” e as figuras da “propriedade urbana” (art. 182, §2º), do “solo urbano” (arti 182, §4º) e da “área urbana” (art. 183), pode-se então afirmar que o objeto da regulação promovida pelo direito urbanístico é o solo (espaço) da cidade. Nesse sentido, o direito urbanístico é o direito da política espacial da cidade.
Ao final, o autor considera o campo temático do direito urbanístico a
política espacial das cidades e os instrumentos para implementá-la
(desapropriação urbanística, licença urbanística e plano diretor).
107
SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.49. 108
Segundo FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p. 403, dois sentidos podem ser destacados para esta explicação: Sf. 1. Complexo demográfico formado, social e economicamente, por uma importante concentração populacional não agrícola, i. e, dedicada a atividade de caráter mercantil, industrial, financeiro e cultural; urbe. 5. Bras. Sede de município, independentemente do número de seus habitantes.As duas noções são importantes para construção do conceito de cidade. Identificamos que é um núcleo de concentração populacional urbana, sede de município. Ao discorrer sobre o sentido do termo, José Afonso da Silva (SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.24) explica que apesar de cidade apresentar concepção demográfica e econômica, o sentido que revela cidade como um conjunto de subsistemas administrativos, comerciais, industriais e sócio-culturais é o que deve ser considerado, por efetivamente ser jurídico. Além da noção de cidade como sede de Município, formula o seguinte conceito (p.26): “O centro urbano no Brasil só adquire a categoria de cidade quando seu território se transforma em Município. Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não-agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população. A característica marcante da cidade no Brasil consiste no fato de ser um núcleo urbano, sede do governo municipal”.
63
Daniela Campos Libório di Sarno109igualmente conceitua o direito
urbanístico:
Ramo do Direito Público que impõe, ao Poder Público, o planejamento pela normatização, a execução e a fiscalização de ações que visem à ordenação dos espaços habitáveis, com o objetivo de coordenar a convivência entre as pessoas para melhor qualidade de vida.
Mencionamos ainda a posição de Nelson Saule Júnior110que introduziu o
direito à cidade como “pedra fundamental” do direito urbanístico brasileiro
previsto no art. 2º, II, do Estatuto da Cidade, que engloba o direito à terra
urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao
transporte e aos serviços públicos, além do direito ao trabalho e ao lazer.
Assim, segundo o autor, todo o enfoque do direito urbanístico visa
promover este direito fundamental. As normas jurídicas devem disciplinar
instrumentos, criar organismos, definir obrigações e responsabilidades para os
agentes públicos assegurarem a proteção ao direito às cidades. Assim o autor
conceitua o direito urbanístico:111
O direito urbanístico deve ser composto por normas voltadas em especial para fins: do direito da propriedade urbana cumprir sua função social, de combater a especulação imobiliária, de democratizar o acesso à terra urbana, de redistribuir a riqueza decorrente das intervenções imobiliárias, de potencializar o uso das áreas centrais para habitação de interesse, de ampliar espaços públicos para lazer e cultura nas periferias, de ampliar as áreas verdes, de recuperar as áreas de preservação ambiental e de regularizar e urbanizar as favelas.
Temos então que o direito urbanístico é composto por normas de direito
público, destinadas à organização dos espaços habitáveis, envolvendo os
espaços urbanos e rurais, ou até mesmo da política espacial das cidades, com
o propósito de assegurar a todos o direito às cidades sustentáveis.
A partir de agora já entendemos ser possível identificar matérias
relacionadas a este campo temático.
109
SARNO, Daniela Campos Libório di.Elementos de Direito Urbanístico. São Paulo: Manole, 2004, p.30. 110
SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007. 111
SAULE JÚNIOR, Nelson. A Relevância do Direito à Cidade na Construção de Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007, p.64.
64
Com o propósito de sistematizar as normas do direito urbanístico, José
Afonso da Silva112apresenta três conjuntos normativos que nos permitirá
identificar imediatamente o tipo de norma que pertence ao ramo do direito
urbanístico e que, portanto, poderá ser elaborada ou executada, de acordo com
a divisão constitucional de competências. São três os complexos de normas
urbanísticas113, conforme demonstramos a seguir:
(a) Normas de sistematização urbanística– que estruturam os instrumentos de organização dos espaços habitáveis, e são as pertinentes (1) ao planejamento urbanístico; (2) à ordenação do solo em geral e de áreas de interesse especial; (b) Normas de intervenção urbanística – que se referem à delimitação e limitações ao direito de propriedade e ao direito de construir; (c) Normas de controle urbanístico – que são aquelas destinadas a reger a conduta dos indivíduos quanto ao uso do solo, como as que estabelecem diretrizes de atividades urbanísticas dos particulares, as que regulam a aprovação de urbanificação, a outorga de certificado ou certidão de uso do solo, a licença para urbanificar ou para edificar.
Da mesma forma, verificamos que o Direito Urbanístico pertence ao
ramo do Direito Público, pois constitui uma atividade tipicamente desenvolvida
pelo Estado para ordenar o espaço habitável. Como consequência, recebe
influências dos princípios que regulam este ramo do Direito114.
Mas qual o lugar que ocupa este ramo jurídico no âmbito da Ciência
Jurídica? O direito urbanístico é ramo autônomo do Direito ou um capítulo de
outro ramo jurídico? Ele tem autonomia didática?
Esta discussão é proposta por José Afonso da Silva115 ao explicar
alguns posicionamentos doutrinários sobre a matéria. De um lado, há quem
considere o direito urbanístico parte do direito administrativo116. De outro, não
identificam sua autonomia, mas afirmam ser uma disciplina de síntese ou ramo
multidisciplinar do Direito, que aos poucos configura suas próprias instituições,
112
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.64. 113
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.64. 114
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed.São Paulo: Malheiros, 2012, p.44. Segundo o autor: “É certo que as normas que ele sintetiza, visando a regular a atuação do Poder Público na ordenação do território ou dos espaços habitáveis, inserem-se no campo do direito público, qualquer que seja o critério que se considere: as relações que estabelecem têm sempre como titular uma pessoa de direito público; protegem interesse coletivo; e são compulsórias”. 115
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.40. 116
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p.55. O autor afirma ser o Direito Urbanístico “ramo do Direito Administrativo que impõe a disciplina físico-social dos espaços habitáveis.”
65
até alcançarmos posicionamentos que defendem sua total autonomia jurídica
destacando Nelson Saule Júnior e Edésio Fernandes117.
Acompanhamos José Afonso da Silva118 e José dos Santos Carvalho
Filho119 ao defendermos que o direito urbanístico é multidisciplinar. Ambos
argumentam que a disciplina não é autônoma, mas reúne vários institutos
jurídicos de outros ramos do direito (tributário, civil, constitucional,
administrativo) sob a perspectiva da ordenação das cidades.
Argumenta José Afonso da Silva120 que ainda é cedo para falarmos em
autonomia científica do direito urbanístico, por existirem ainda poucos diplomas
legais editados para tratar do assunto, como o Estatuto da Cidade (Lei Federal
nº 10.257/2001) em vigor há 12 anos.
Deste modo, prefere o autor considerá-lo como disciplina síntese, ramo
multidisciplinar do Direito, que aos poucos configura suas próprias instituições.
No entanto, a despeito de não considerarem o ramo autônomo, não aceitam a
ideia dos doutrinadores que o enquadram como um simples capítulo do direito
administrativo121.
Márcio Cammarosano122sustenta a autonomia relativa do direito
urbanístico. Reconhece a identidade deste ramo, mas afirma que o direito
urbanístico guarda em relação ao direito administrativo uma carga de herança
genética. Na realidade, o direito urbanístico compreende normas jurídicas
objeto de estudo de outros ramos, por isto seu caráter multidisciplinar,
sobretudo, originárias do direito administrativo. Citemos como exemplo as
normas de uso e ocupação do solo urbano, as licenças urbanísticas, o
tombamento e as desapropriações. Contudo, a despeito das normas de direito
administrativo informarem diretamente o ramo do direito urbanístico, novos
fenômenos surgiram, contribuindo para estudos jurídicos especializados, que
aperfeiçoaram o ramo jurídico e criaram uma identidade própria. Assim, o
117
SAULE JÚNIOR, Nelson. A Relevância do Direito à Cidade na Construção de Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007, p.60. 118
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.40-41. 119
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade.2.ed.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.6 120
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.43-44. 121
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.44. 122
CAMMAROSANO. Márcio. (Coord.) BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Márcio. Direito Administrativo, Urbanístico e Ambiental: Interfaces. Direito ambiental e urbanístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
66
direito urbanístico compartilha categorias do direito administrativo e de outras
disciplinas. Desta forma, nos parece mais adequado afirmar que, por
apresentar caráter multidisciplinar, tem autonomia relativa, uma vez que novos
diplomas jurídicos são incorporados ao seu regime, ao lado do Estatuto da
Cidade, como a Lei Federal no 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre
o Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de
assentamentos em áreas urbanas. Segundo o autor123:
O direito urbanístico é compreensivo de normas que eram objeto de estudo dos administrativistas em geral, de normas que compunham mesmo o direito administrativo, dentre elas as relativas ao parcelamento, ocupação e uso do solo para fins urbanos. Essas normas consubstanciam a disciplina jurídica dos espaços urbanizados e a urbanizar. E em razão mesmo do vertiginoso adensamento populacional, formando grandes centros e conglomerados urbanos, com os imensos e variados desafios daí decorrentes, a reclamar planejamento e soluções da maior abrangência e complexidade, a disciplina normativa dos espaços vocacionados para tanto adquiriu tal dimensão que passou a reclamar estudos jurídicos nela concentrados, cada vez mais aprofundados e sistematizados. Referida produção normativa intensa e complexa, e a concomitante exigência de estudos jurídicos especializados, chegou a tal ponto que tornou-se forçoso reconhecer a formação de um novo ramo do direito: o direito urbanístico, sem embargo de sua herança
genética do direito administrativo. Márcio Cammarosano retrata, por fim, a íntima relação entre o Direito
Urbanístico e Ambiental como interfaces entre os dois ramos jurídicos124. Da
mesma forma que o direito urbanístico, o ambiental é geneticamente
relacionado com o direito administrativo, porquanto compartilha com este ramo
jurídico categorias fundamentais. Por isto, existe entre eles uma necessária
interface. Nos três ramos o Estado exerce função administrativa, submetida ao
regime jurídico administrativo, o que permite atribuir ao direito ambiental e
urbanístico uma autonomia relativa, sem deixar de reconhecer princípios
próprios de cada uma das disciplinas jurídicas125.
Ao lado da relação entre o direito ambiental e urbanístico, que derivam
do direito administrativo, outros argumentos jurídicos indicam importantes
123
CAMMAROSANO. Márcio. (Coord.) BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Márcio. Direito Administrativo, Urbanístico e Ambiental: Interfaces. Direito ambiental e urbanístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.15. 124
CAMMAROSANO. Márcio. (Coord.) BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Márcio. Direito Administrativo, Urbanístico e Ambiental: Interfaces. Direito ambiental e urbanístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.17. 125
CAMMAROSANO. Márcio. (Coord.) BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Márcio. Direito Administrativo, Urbanístico e Ambiental: Interfaces. Direito ambiental e urbanístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.17.
67
associações entre os dois ramos. Assim, não será possível tratarmos da
disciplina de uso e ocupação do solo urbano, matéria fundamental do
planejamento metropolitano, sem mencionarmos os aspectos ambientais
envolvidos.
Ora esta relação entre os dois ramos não é algo recente em nosso
sistema jurídico. Em 1977, Diogo de Figueiredo Moreira Neto já conjugava o
estudo da disciplina físico social dos espaços habitáveis com o meio ambiente,
propondo integração profunda entre as duas esferas ao afirmar126:
Se a Ecologia é gênero do qual o Urbanismo é espécie, a dimensão social do problema ecológico levar-nos-á, pelos mesmos motivos, à formulação de seu disciplinamento em termos jurídicos, ou seja, à fronteira multidisciplinar entre a Ecologia e o Direito- o Direito Ecológico, no qual se insere, na fronteira entre o Urbanismo e o Direito, o Direito Urbanístico.
Também Paulo Affonso Leme Machado e Toshio Mukai tratam
conjuntamente a disciplina dos espaços territoriais da cidade com aspectos da
qualidade de meio ambiente.
Paulo Affonso Leme Machado vislumbra na expressão do art. 1°, § 1º do
Estatuto da Cidade a busca do equilíbrio ambiental como uma das finalidades
precípuas da ordem urbanística127. Por sua vez, Toshio Mukai128 explica que o
direito urbanístico deverá abranger a disciplina do meio ambiente sadio ao
apontar vários exemplos que demonstram muitos dos institutos do direito
urbanístico utilizados em última análise para proteger o meio ambiente. Explica,
por exemplo, que a legislação do zoneamento industrial, visa, através da
disciplina do uso e ocupação do solo, evitar ou mitigar a poluição atmosférica
em níveis prejudiciais. Da mesma forma, a legislação de proteção aos
mananciais, por meio das restrições de uso e ocupação do solo, procura
manter as fontes de alimentação da água potável das cidades.
126
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p.54. 127
MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro.16.ed.São Paulo:Malheiros, 2008, p.388. De acordo com o autor: “O Estatuto da Cidade cria a expressão “ordem urbanística”, que passa a integrar o conjunto dos valores ou bens a serem defendidos pela ação civil pública (art. 1º da Lei 7347/85, com a redação dada pelo art. 53 da Lei 10257/2001). Não se definiu explicitamente a locução “ordem urbanística”. Parece-me razoável buscar no parágrafo 1 do art. 1 da Lei 10.257/2001 uma orientação para estabelecer seu conceito. Ordem urbanística é o conjunto de normas de ordem pública e de interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança, do equilíbrio ambiental e do bem-estar dos cidadãos”. 128
MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental. 3.ed. Belo Horizonte: Fórum, p.71.
68
A comprovação da nítida correlação entre os dispositivos jurídicos do
direito ambiental e urbanístico servem para fixar importantes premissas
utilizadas ao tratarmos do planejamento metropolitano quando afirmaremos
que o objeto deste plano diretor compreenderá aspectos de direito urbanístico
e ambiental do solo metropolitano.
Considerando a perspectiva multidisciplinar do direito urbanístico, é
preciso compreender no ordenamento jurídico brasileiro, quais os diplomas
legislativos que informam a concepção do direito urbanístico brasileiro. Por isso
analisaremos a divisão constitucional de competências urbanísticas de cada
ente federado.
1.3.2 Competências materiais e legislativas em matéria de direito urbanístico
Como já reunimos elementos, instrumentos e conceitos suficientes para
identificar quando estamos diante de assuntos de direito urbanístico,
passaremos a analisar o critério utilizado pela Constituição para atribuir a cada
ente federado a disciplina e a execução deste ramo do direito. De imediato,
percebemos que todos os entes federados são responsáveis por criar e
executar normas urbanísticas.
Para sistematizarmos didaticamente a matéria, indicaremos inicialmente
os dispositivos constitucionais que tratam do direito urbanístico, para
posteriormente analisarmos questões polêmicas surgidas em razão da sua
aplicação.
1.3.2.1 Competências materiais
Ao identificarmos as competências do art.21, verificamos que a
Constituição Federal atribuiu significativa atuação da União em matéria de
planejamento urbanístico, pois ela deverá elaborar e executar planos nacionais
e regionais de ordenação do território, instituir diretrizes para o
desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes
urbanos.
69
José Afonso da Silva129interpreta os arts. 24, I, §1º c/c art. 21, XX e XXI
da Constituição Federal, conjuntamente e afirma que à União compete editar
normas gerais de direito urbanístico e estabelecer planos urbanísticos
nacionais e macrorregionais.
Embora o dispositivo seja qualificado como competência exclusiva
material da União, Anna Cândida da Cunha Ferraz130 e Fernanda Dias
Menezes de Almeida131 relacionam os arts. 21 e 22, pois sustentam que não há
como executar as competências materiais, sem expedir comandos legislativos,
como preceitua o art. 21, IX, que utiliza duplamente os termos elaborar e
executar planos.
Além da competência exclusiva da União sem a participação dos demais
entes federativos, o Poder Constituinte, em razão do federalismo de equilíbrio,
atribuiu (art. 23) à União matérias exercitáveis conjuntamente entre Estados e
Municípios. Fernanda Dias Menezes132 afirma que a Constituição Federal,
neste artigo, convoca todos os entes federados para uma ação conjunta e
permanente, por se tratar de obrigações em que todos são responsáveis.
Apesar do art. 23 da Constituição Federal prever competências
materiais, não significa que prescinda da atuação legislativa dos entes que
titularizam competência enumerada nestes incisos. O artigo abrange aquilo que
a doutrina denominou competência concorrente imprópria ao permitir que todos
os entes ali arrolados exerçam sua competência conjuntamente, sem
limitações. Havendo conflito entre as normas, prevalecerá a mais rigorosa.
No entanto, acolhemos a advertência de Fernanda Dias Menezes de
Almeida133de que a técnica da competência concorrente imprópria não foi
prestigiada majoritariamente pela Constituição, podendo enumerar apenas
poucos incisos neste sentido, como por exemplo, o art. 23, I, da Constituição
Federal134.
129
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.64. 130
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.79. 131
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.79. 132
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.113. 133
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.123. 134
É preciso registrar divergência de entendimento entre Fernanda Dias Menezes de Almeida e Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior. A primeira entende que apenas o art. 23, I é hipótese
70
Diante do exposto, investigaremos como todos os entes atuarão em prol
de competências arroladas no art. 23, sobretudo, em matéria urbanística e
ambiental.
Por força do parágrafo único do art. 23, leis complementares fixarão
normas para a cooperação entre a União, os Estados e os Municípios, tendo
em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
É importante notarmos que a expressão leis complementares está no
plural. Isto significa dizer que mais de uma lei complementar, em razão de
multiplicidade de assuntos arrolados no artigo, deverá ser editada para fixar as
regras de disciplina do exercício das competências comuns.
Inicialmente indagamos: na ausência da lei complementar, as
competências estampadas no artigo deixariam de ser exercidas? Até porque
não há um rol significativo de leis complementares dispondo sobre a matéria,
salvo a recente Lei Complementar nº140/2011135.
Lúcia Valle Figueiredo136 entendia que as competências não ficariam
inibidas, pois são deveres, decorrentes do exercício de função. Assim, a jurista
explicava a matéria:
Entendidas as normas constitucionais como dotadas de eficácia e, em várias das hipóteses, com ratificação expressa de outras normas constitucionais como são as veiculadas nos arts. 215, 216, §1º e §2º, art. 225, caput, §1º e §2º, verificamos que as pessoas elencadas no art. 23 devem exercitar plenamente a competência constitucional, mesmo sem se denotar a cooperação, que se deverá dar, se editada fosse a lei complementar.
Perfilhando o mesmo entendimento citamos Heraldo Garcia Vitta137, que
entende a ausência de lei complementar não afastar o exercício de
de competência concorrente imprópria, enquanto os outros dois juristas entendem que a hipótese também abrange os incisos VI e VII do dispositivo. 135
Lei Complementar 140 de 8/12/2011 – Fixa normas (incisos III, VI e VII do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal) para a cooperação entre os entes federados nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção do meio ambiente. 136
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade. 2.ed.São Paulo: Malheiros, 2005, p.198. 137
VITTA, Heraldo Garcia. Da definição e da divisão: no direito; da classificação das competências das pessoas políticas e o meio ambiente. Revista Trimestral de Direito Público, p.199 apud CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Das Normas Gerais – Alcance e Extensão da Competência Legislativa Concorrente. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.39: “Entendemos não ser necessária a edição de lei complementar para a atuação conjunta das entidades políticas. O art. 23 tem eficácia plena, e não necessita de norma infraconstitucional para regulá-lo. A referida lei complementar, a nosso ver, viria apenas indicar a maneira pela qual se daria a cooperação entre as entidades; ainda sem ela, porém, possível se nos afigura a atuação conjunta dos entes políticos estatais, em quaisquer hipóteses, respeitados, apenas, os limites territoriais”.
71
competências do art. 23. Sua edição é necessária apenas para indicar como os
entes deverão exercer a cooperação entre si.
Michel Temer138, por sua vez, sustenta posicionamento com o qual não
concordamos. Segundo ele, União, Estados e Municípios poderão dispor sobre
as matérias do art. 23, desde que editada a lei complementar que fixará as
normas de cooperação.
Ao admitirmos a existência da lei complementar, como deverá ser
editada para cumprir as determinações do parágrafo único? De acordo com
Fernanda Dias Menezes de Almeida139, pautada em Manoel Gonçalves
Ferreira Filho140, as leis complementares não poderão desatender as regras
constitucionais de repartição de competências, sobretudo, as legislativas, por
serem pressuposto para o exercício das competências materiais comuns.
Quais seriam as regras de competência legislativas que deverão nortear
a elaboração das leis complementares? Baseados em Fernanda Dias Menezes
de Almeida, invocando Anna Cândida da Cunha Ferraz141, entendemos que
deve existir certa preponderância da União. Nas palavras da jurista142: “O
princípio que rege essa partilha (competências comuns) é o da “coordenação e
cooperação”, entre as entidades políticas sob a égide da legislação federal”.
Para Fernanda Dias Menezes, no que toca ao exercício das
competências urbanísticas, o intérprete deverá combinar os arts. 23 e 24 da
Constituição Federal. Assim, as leis que servirão de base para a execução das
tarefas comuns serão decorrentes de competência legislativa concorrente, em
que caberá à União editar normas gerais e aos Estados-membros e Municípios
legislação suplementar.Na ausência de lei complementar que discipline o
exercício das competências pelos três entes federados, a execução das tarefas
138
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.68, 139
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.116. 140
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988.v.1, São Paulo: Saraiva, 1990, p.188. 141
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. União, Estados e Municípios na nova constituição: enfoque jurídico-formal.A nova constituição paulista. São Paulo: Fundação Faria Lima/Fundação de Desenvolvimento Administrativo, 1989, p.67. 142
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. União, estados e Municípios na nova constituição: enfoque jurídico-formal. A nova constituição paulista. São Paulo: Fundação Faria Lima/Fundação de Desenvolvimento Administrativo, 1989, p.67.
72
materiais decorrerá dos dispositivos correlatos do art. 24, conforme propõe
Fernanda Dias Menezes de Almeida143:
De fato, como se percebe pelo cotejo dos arts. 23 e 24, as leis que servirão de embasamento para execução das tarefas comuns serão, em sua maior parte, fruto de competência legislativa concorrente, em que caberá à União editar normas gerais e às demais esferas a legislação suplementar. Assim, por exemplo, tarefas como [...] proteger o meio ambiente; preservar florestas, a fauna e a flora, pressupõem a observância de normas gerais da União, com base no dispositivo dos incisos VI, VII, VIII, IX, XII e XIV do art. 24. Cabendo, por igual, à União estabelecer diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art. 21, XX), essas diretrizes não podem ser desrespeitadas pelas leis estaduais e municipais voltadas ao exercício da competência material comum prevista no art. 23, IX.
Este também é o entendimento de José Afonso da Silva144 que
vislumbra o exercício da competência comum dos Estados, União e Municípios
de forma articulada em relação aos incisos VI, VII e VIII e §1º do art. 24 da
Constituição Federal, admitindo que o Município atue de forma suplementar,
(art. 30, II da Carta).
Sobre os conteúdos possíveis das leis complementares que disciplinarão
o exercício de competências comuns, nas lições de Fernanda Dias Menezes de
Almeida145 “deverão fixar as bases políticas e as normas operacionais
disciplinadoras da forma de execução dos serviços e atividades cometidos
concorrentemente a todas as entidades federadas”.
Assim, deverão considerar possibilidades administrativas e
orçamentárias dos diversos parceiros, não conferindo a um determinado
parceiro, algo que não possa ser por ele realizado. Da mesma forma, a lei
deverá definir os instrumentos que serão usados no exercício das
competências comuns146.
Importante ressaltarmos que as observações relacionadas ao exercício
das competências materiais comuns da União são extensíveis aos Estados-
membros e Municípios.
143
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.116. 144
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.65. 145
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.117. 146
Observe, neste sentido, o disposto no art. 4º da Lei Complementar 140/2011, que trata de exercício de competências comuns em matéria ambiental.
73
Quanto aos Municípios, o art. 30 indicou expressamente as
competências materiais. Da mesma forma, acrescenta Fernanda Dias Menezes
de Almeida147, que apesar do art. 30 indicar expressamente competências
materiais exclusivas dos municípios (incisos III a IX) outro rol foi atribuído
implicitamente cujo critério identificador foi o interesse local (30, I). O sentido
desta expressão será revelado quando tratarmos das competências
legislativas.
Com relação à competência material urbanística (art.30, IV da
Constituição Federal), os Municípios deverão criar, organizar e suprimir
distritos, observada a legislação estadual; e promover a proteção do patrimônio
histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e
estadual.
1.3.2.2 Competências legislativas privativas, exclusivas e expressas
Ao nos valermos da distinção proposta por José Afonso da Silva, a
União Federal titulariza competências legislativas privativas (art. 22, IX) e
competências legislativas exclusivas, por força de outros dispositivos
constitucionais (art. 182 da Constituição Federal).
Ao analisarmos a competência privativa urbanística, enfrentaremos duas
questões tormentosas. A primeira diz respeito ao inciso IX para perquirir se as
diretrizes do art. 22 correspondem ao art. 24, ou não se confundem, por ser
intenção do legislador conferir a cada dispositivo um regime jurídico distinto.
Fernanda Dias Menezes de Almeida e José Afonso da Silva entendem
que o art.22, IX, foi impropriamente alocado no rol de competências privativas;
as diretrizes gerais do art. 22 são exercitadas à luz do mesmo regime do art. 24
da Constituição Federal.
Se interpretarmos o conteúdo do inciso IX que dispõe sobre diretrizes
gerais de transporte à luz do art. 22, consequências diversas serão extraídas.
Isto porque as competências privativas são exercidas com plenitude pela União
e podem abordar todos os aspectos da matéria submetida a sua apreciação;
pelo art. 24, §1º, só poderá dispor sobre normas gerais.
147
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.97.
74
Deste modo, entendem os constitucionalistas que o art. 22, IX, se refere
às normas gerais e não obedece ao regime de seu próprio dispositivo, pois os
Estados poderão complementar as diretrizes da União com base na
competência complementar e não por delegação de lei complementar.
Deverão, portanto, respeitar o art. 24, inclusive, a possibilidade dos Estados-
Membros e Municípios suplementarem a normatividade geral, no que couber,
quando estivermos diante do interesse local. Esta é a posição que
acolhemos148.
Embora previsto no título da Ordem Econômica, o art. 182 da
Constituição Federal deverá seguir o mesmo tratamento dos incisos do art. 22
que mencionam as normas gerais. Todos serão submetidos ao regime do art.
24.
Quanto à delegação de competências legislativas privativas da União
aos Estados-membros, precisamos interpretar corretamente o art. 22,
parágrafo único. Nestes termos, lei complementar poderá autorizar os Estados
a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
Então, quais os limites e a forma desta delegação? O legislador constituinte
permitiu que todas as matérias do art. 22 fossem delegadas aos Estados?Qual
a extensão da competência atribuída a eles?
Fernanda Dias Menezes de Almeida149adverte que o legislador
constituinte, apesar de ter permitido que a União autorizasse os Estados a
editarem normas sobre as matérias do art. 22, delimitou o campo da delegação
por parte da União de competência privativa. Na verdade, o parágrafo único do
artigo atribuiu ao Estado apenas a competência para legislar sobre questões
específicas das matérias do art. 22, cabendo à lei complementar apenas indicar
os aspectos sobre os quais os Estados poderão legislar.
148
Concordamos com o posicionamento de Fernanda Dias Menezes (Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na Constituição de 1988. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.92). Todavia, registramos o posicionamento contrário de Carlos Ari Sundfeld que entende ser proposital o tratamento diferenciado do art. 22 em relação ao art. 24, no que tange à competência suplementar dos Municípios. Por esta posição, apenas nos incisos do art. 22, os Municípios poderiam exercer igualmente competência suplementar em relação à legislação geral federal. Isto porque o autor não admite o exercício de competência concorrente por parte dos Municípios, nos termos do art. 24, por não constar da redação dos parágrafos do artigo, sendo admitido, tão somente aos Estados-membros. É por isto que o legislador propositadamente tratou dois campos distintos de normas gerais em artigos diferentes para que em um deles o Município atuasse e em outro não. 149
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.92.
75
Como desdobramento da aplicação do parágrafo único, a doutrina
discute se a delegação deve ser realizada para um ou alguns dos Estados-
membros ou para todos eles igualmente. Sustentando o primeiro entendimento,
mencionamos Manoel Gonçalves Ferreira Filho150 e Rafael Augusto Silva
Domingues151. Fernanda Dias Menezes de Almeida152 e Anna Cândida da
Cunha Ferraz153 defendem a segunda posição.
Assim, ao conjugarmos o art. 22, IX com o art. 24, compete à União
Federal legislar privativamente sobre as diretrizes da política nacional de
transportes, sem exercício de competência delegada pelos Estados. Na
hipótese de legislarem sobre o assunto, deverão complementar ou suplementar
as diretrizes gerais da União, conforme §º2 do art. 24 da Constituição Federal.
Com relação aos Estados, segundo art. 25, §º3, a Constituição Federal
atribuiu de forma exclusiva a criação das regiões metropolitanas, por meio de
lei complementar. Nos capítulos subsequentes, aprofundaremos o exercício
desta competência.
Baseados em Alexandre de Moraes154, os Municípios apresentam um rol
significativo de competências privativas legislativas, que não se resumem
apenas ao art. 30, I. A Constituição atribuiu aos Municípios a competência
genérica em virtude da predominância do interesse local (art. 30, I), ao lado das
competências arroladas nos art. 30, III a IX, no qual presumimos a incidência
do interesse local e a criação do plano diretor (art. 182).
No entanto, ao analisarmos o art. 30, I nos deparamos com uma
claúsula genérica, que comporta esclarecimentos.
Trata-se do conceito de interesse local. A ele, dedicaremos nossa
próxima exposição.
150
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988.v.1, São Paulo: Saraiva, 1990, p.184. 151
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.98. 152
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.94. 153
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. União, Estados e Municípios na nova constituição: enfoque jurídico-formal. A nova constituição paulista. São Paulo: Fundação Faria Lima/Fundação de Desenvolvimento Administrativo, 1989, p.71. 154
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.314.
76
1.3.2.3 Interesse local
Existe uma controvérsia quanto à definição do conteúdo do termo
genérico, interesse local, previsto no art. 30, I e V, da Constituição Federal.
A doutrina indaga o sentido desta expressão. Assim, traremos os vários
posicionamentos sobre o tema para estabeleceremos nosso critério nesta
pesquisa.
Inicialmente registramos a contribuição de Alaôr Caffé Alves em
obra155escrita à luz da Constituição de 1967, com Emenda nº 1 de 1969.
Como anotamos, o dispositivo constitucional anterior mencionava o
termo peculiar interesse, ao contrário da Constituição Federal de 1988, que
indica o termo genérico. Ao ler o dispositivo, o autor criticava o entendimento
de Hely Lopes Meirelles para quem peculiar interesse era sinônimo de
interesse predominante156, que pressupunha não exclusão de interesses, mas
concorrência em termos de importância no predomínio para sua satisfação:
bem reduzido ficaria o âmbito da Administração local, aniquilando-se a autonomia de que faz praça a Constituição. Mesmo porque não há interesse municipal que o não seja reflexamente da União e do Estado-membro, como também não há interesse regional ou nacional, que não ressoe nos Municípios, como partes integrantes da Federação Brasileira, através dos Estados a que pertencem. O que define e caracteriza o “peculiar interesse”, inscrito como dogma constitucional, é a predominância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União.
Na opinião de Alaôr Caffé Alves, peculiar interesse é sinônimo de
competência exclusiva, oponível perante qualquer outro ente político. Explica
Alaôr Caffé que se adotarmos o entendimento anterior, o Município correria o
risco de ter suas atividades estreitadas, o que acarretaria diminuir sua
autonomia, uma vez que o interesse concorreria com o Estado e a União para
posteriormente ser predominante.
O autor entende o termo peculiar como atributo particular de uma
pessoa ou coisa, o que é especial ou próprio, sem relação com predominante.
155
ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981. 156
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.114-115.
77
Assim, a primeira corrente atribui ao dispositivo constitucional um sentido
equivocado157:
Ora, a idéia de “peculiar”, segundo o étimo, não se aplica a algo que exclua a influência de fatores externos, visto quenão existe um “ser próprio” em sentido absoluto, isolado de todas as condições de sua existência. Uma coisa ou atividade peculiar implica, necessariamente, a existência de fatores comuns em razão dos quais o peculiar se realiza como peculiar, como próprio, como particular. Por outro lado, o conceito ”predominante” compreende uma relação hierarquizada, não comutativa, onde deve existir a preponderância de um ser, característica ou fator sobre outro ou outros. Se dizemos que um interesse predomina, é imediata a idéia de que prevalece sobre outro interesse, que àquele deve se subordinar ou a ele ceder lugar. Ora, como se pode admitir que um interesse local possa subordinar um interesse regional ou nacional? Como é possível o interesse nacional ser afastado para fazer prevalecer o interesse regional ou local? Vê-se, por essa colocação, a impropriedade na identificação do “peculiar” como o “predominante”, distorcendo não só a raiz etimológica dos termos como a própria idéia posta em jogo para os efeitos jurídicos que se deseja obter”.
Deste modo, o interesse local especifica, diferencia, particulariza o
interesse do Município em relação aos demais entes, mas não há que se falar
em relação de predomínio ou hierarquia. Na realidade, ele é exclusivo, se
somente o Município tiver condições plenas de executá-lo. Nas palavras do
autor158: “Assim, o peculiar interesse local só se define como tal se, e somente
se, for possível de ser provido total ou parcialmente por administração própria
do município e esta, por sua vez, só tem sentido em razão daquele interesse”.
A grande contribuição do autor está em atrelar este conceito à noção de
autonomia, justamente para diferenciá-lo do interesse metropolitano,
demonstrando ao longo de sua obra que em razão do peculiar interesse, se
compreendido desta forma, não haverá mitigação da autonomia municipal face
ao surgimento das realidades metropolitanas.
Deste modo, a ideia de predominância não se coaduna com interesse
local, que não pode ser definido de plano. Na realidade, o sentido de
exclusividade norteia sua compreensão, uma vez que será local o interesse,
dependendo do grau de repercussão e solução do problema para além dos
limites do município. O grau de repercussão é verificado de acordo com a
realidade socioeconômica e o nível de aperfeiçoamento tecnológico que poderá
157
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.200. 158
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.200.
78
ser dedicado ao seu tratamento. Assim, se o interesse demandar interface com
outros interesses de caráter regional ou nacional, dependendo do contexto
urbano, estaremos diante do interesse regional que exigirá atuação de todos os
entes envolvidos, de forma complementar. Neste caso, a autonomia do ente
será condicionada159.
Em resumo160, o interesse local será exclusivo se o Município tiver
autonomia plena para solucioná-lo. Por outro lado, se o interesse for
organicamente relacionado com os interesses regionais, em razão da
conurbação, por exemplo, sua solução demandará satisfação compartilhada
entre Estados e Municípios transformando a autonomia em condicionada.
Verificar o âmbito de abrangência do interesse envolvido, por exemplo, uso do
solo ou saneamento básico, não é dado pela pura consideração da norma
positiva. É necessário interpretar os conceitos indeterminados (peculiar
interesse), à luz da realidade econômica, social e urbana, por exemplo, no
fenômeno metropolitano, através do crescimento espraiado dos núcleos
urbanos para além das fronteiras físicas do município.
Para corroborar o entendimento de Alaôr Caffé Alves, citamos João Luiz
Teixeira Neto161, que também tratou do tema à luz da Constituição de 1969,
mas faz uma observação que pode ser aproveitada com base no sistema
constitucional atual:
[...] as peculiaridades locais sobre as quais incide o poder de polícia e a prestação de serviço público (no sentido de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados) são diversificadas em função de múltiplos aspectos: localização geográfica, dimensão, população, tradição, fatores históricos e culturais, potencialidades, níveis de urbanização, características do solo e proximidade ou afastamento de centros polarizados. Embora diferenciados e variáveis os interesses municipais, poderíamos classificar os Municípios em três grupos: Municípios integrantes de áreas metropolitanas, Municípios de características rurais e Municípios urbanizados ou em acelerado processo de urbanização não constituídos em áreas metropolitanas. Com efeito e inobstante seja indeterminável o elenco de peculiaridades locais, é possível traçar alguns parâmetros que em grandes linhas agrupem as características básicas dos Municípios brasileiros, que possibilitem a verificação da intensidade da predominância de interesses. De conseguinte ela será menos intensa
159
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.276. 160
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.276. 161
NETO, João Luiz Teixeira. O peculiar interesse municipal. Cadernos de Direito Municipal (RDP) nº64, out-dez, São Paulo: RT,1982, p.212.
79
nos Municípios metropolitanos de vez que a ação estadual e federal será mais efetiva em tais Municípios. Será de intensidade média nos Municípios rurais, face à competência da União para legislar sobre direito agrário e, por último, será mais intensa nos Municípios urbanizados ou em acelerado processo de urbanização, não constituídos em áreas metropolitanas.
Neste sentido, a intensidade do interesse local pode sofrer
condicionamentos em razão do interesse metropolitano.
O grande embate travado na Constituição anterior, ainda está presente
na Carta atual, ou seja, é preciso definir o que vem a ser interesse local. As
duas correntes são reproduzidas em tendências opostas162. A primeira,
liderada por Hely Lopes Meirelles, manteve seu entendimento, acompanhada
por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Celso Bastos, José Cretella Júnior e
Fernanda Menezes de Almeida e sustenta que peculiar interesse é sinônimo de
predominância do interesse do Município sobre o Estado ou União. Caso exista
divergência, competirá ao Judiciário resolvê-la163.
Hely Lopes Meirelles164 ao apartar exclusividade da ideia de
predominância do interesse do Município em relação ao Estado e a União,
enfatiza que não há assunto municipal que não seja reflexamente de interesse
estadual e nacional, pois a diferença é de grau e não de substância.
O autor explica a linha de raciocínio que devemos adotar, além da
necessidade de identificarmos o conteúdo jurídico do termo interesse local.
Rejeita ainda a apresentação de um rol de assuntos de interesse local,
tipificados justamente pelo fato do interesse abranger reflexos nacionais e
estaduais, além de existirem matérias que se sujeitam simultaneamente à
regulamentação dos Estados, Municípios e União, como por exemplo, trânsito
e saúde pública165:
162
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.98. 163
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.98 : “É inegável que mesmo atividades e serviços tradicionalmente desempenhados pelos Municípios, como transporte coletivo urbano, polícia das edificações, fiscalização das condições de higiene de restaurantes e similares, coleta de lixo, ordenação do uso do solo urbano etc, dizem secundariamente com o interesse estadual e nacional[...]. Acreditamos, portanto, que acabará prevalecendo, por mais consentâneo com a realidade das coisas, o entendimento de que as competências próprias dos Municípios são as relativas aos assuntos de predominante interesse local Seja qual for a orientação que se preferir, o fato, porém, é que sempre poderá haver situações de difícil enquadramento, quando os interesses de mais de uma esfera se entrelaçarem com peso igual. Diante de inevitáveis impasses desta ordem, só mesmo ao Poder Judiciário caberá dizer a quem compete disciplinar a matéria ou executar a tarefa”. 164
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.134. 165
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.134.
80
Exemplos típicos dessa categoria são o trânsito e a saúde pública, sobre os quais dispõem a União (regras gerais: Código Nacional de Trânsito, Código Nacional de Saúde Pública), os Estados (regulamentação: Regulamento Geral de Trânsito, Código Sanitário Estadual) e o Município (serviços locais: estacionamento, circulação, sinalização, etc. regulamentos sanitários municipais). Isso porque sobre cada faceta do assunto há um interesse predominante de uma das três entidades governamentais. Quando essa predominância toca ao Município a ele cabe regulamentar a matéria, como assunto de seu interesse local.
Por outro lado, o autor indica explicitamente o que não pode ser
considerado interesse local como a atividade judiciária, a segurança nacional, o
serviço postal, a energia, todos assuntos alocados nos arts. 21 e 22 da
Constituição Federal.
Em seguida, explica que existem atividades tuteladas pela União e pelos
Estados-membros mas que “deixam remanescer aspectos da competência
local, e sobre os quais o Município não só pode como deve intervir, atento a
que a ação do Poder Público é sempre um poder-dever”166. E conclui167:
Examinando-se a atividade municipal no seu tríplice aspecto político, financeiro e social, depara-se-nos um vasto campo de ação, onde avultam assuntos de interesse local do Município, a começar pela elaboração de sua Lei Orgânica e escolha de seus governantes (prefeito e vereadores) e a se desenvolver na busca de recursos para a Administração (tributação), na organização dos serviços necessários à comunidade (serviços públicos), na defesa do conforto e da estética da cidade (urbanismo), na educação e recreação dos munícipes (ação social), na defesa da saúde, da moral e do bem-estar público (poder de polícia) e na regulamentação estatutária de seus servidores.
Complementando as lições de Hely Lopes Meirelles, citamos Diogo de
Figueiredo Moreira Neto168 ao enfatizar a ideia de que a expressão traz um
conteúdo variável, em razão de transformações tecnológicas, econômicas,
dependendo do tempo e do espaço169:
o local é sensível às transformações tecnológicas e econômicas, com suficiente flexibilidade para assimilá-las, pois o que é hoje local,
166
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.134. 167
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.136. 168
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Poder Concedente para o abastecimento de água. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Mutações do direito Administrativo, p.244 apud DANTAS, Camila Pezino Balaniuc. A questão da competência para a prestação do serviço público de saneamento básico no Brasil. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana. Saneamento Básico (Estudos e pareceres à luz da Lei 11445/2007). Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.38. 169
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Poder Concedente para o abastecimento de água. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Mutações do direito Administrativo, p.244 apud DANTAS, Camila Pezino Balaniuc. A questão da competência para a prestação do serviço público de saneamento básico no Brasil. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana. Saneamento Básico (Estudos e pareceres à luz da Lei 11445/2007). Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.38.
81
amanhã poderá ser regional e, depois nacional ou, quiçá, comunitário, como na Europa hoje, ou no Cone Sul amanhã.
O autor170ainda sistematiza vários critérios enumerados na doutrina para
informar o conteúdo da cláusula interesse geral:
1. predominância do local (Sampaio Dória); 2. interno às cidades e vilas (Black) 3. que se pode isolar (Bonnard) 4. territorialmente limitado ao município (Borsi) 5. sem repercussão externa ao Município (Mouskheli) 6. próprio das relações de vizinhança (Jellinek) 7. simultaneamente oposto a regional e nacional (legal) 8. dinâmico (Dallari)
A segunda corrente iniciada por Alaôr Caffé Alves, e mantida por Manoel
Gonçalves Ferreira Filho após a Constituição Federal de 1988, entende que os
interesses locais seriam exclusivos. A Constituição não optou por atribuir ao
interesse local a qualidade de peculiar interesse, sob pena de restringir a
autonomia municipal171:
O texto em estudo refere-se a interesse local e não mais a peculiar interesse. Forçoso é concluir, pois, que a Constituição restringiu a autonomia municipal e retirou de sua competência as questões que, embora de seu interesse também, são do interesse de outros entes.
Compartilhamos o entendimento da primeira corrente, que atrela o
interesse local aos interesses imediatos do Município, predominantes,
resolvidos casuísticamente, conforme entende Michel Temer172:
Doutrina e jurisprudência, ao tempo da Constituição anterior, se pacificaram no dizerem que é de peculiar interesse aquele em que predomina o do Município no confronto com os interesses do Estado e da União. Peculiar interesse significa interesse predominante. Interesse local é expressão idêntica a peculiar interesse. Exemplificando: é da competência da União legislar sobre trânsito e transporte nas vias terrestres (art. 22, XI). Entretanto, não se põe em dúvida a competência do Município para dispor sobre tais matérias nas vias municipais. Estacionamento, locais de parada, sinalização, mão e contramão de direção, corporificam matérias de peculiar interesse municipal. Afastam a legislação estadual e federal [...] Tudo quanto dissemos leva à conclusão de que a competência do
170
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Poder Concedente para o abastecimento de água. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Mutações do direito Administrativo, p.244 apud DANTAS, Camila Pezino Balaniuc. A questão da competência para a prestação do serviço público de saneamento básico no Brasil. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana. Saneamento Básico (Estudos e pareceres à luz da Lei 11445/2007). Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.38. 171
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional.18.ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 172
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.108.
82
Município em tema de interesse local será desvendada casuisticamente.
Conforme o exposto, percebemos que a interpretação da cláusula
genérica ‘interesse local’ diz respeito à extração de sentido de conceitos
indeterminados173. Isto significa que é possível, de um lado, identificarmos as
zonas de certeza positiva de determinado termo, ou seja, o que efetivamente
compreendemos de forma clara sobre o seu sentido. De outro lado,
identificamos as zonas de certeza negativa, isto é, aquilo que sabemos que
jamais será considerado o sentido de determinado termo. E, por fim, a zona
intermediária, que causa dúvida, que depende da decisão final do Judiciário
para fornecer parâmetros e defini-lo à luz do caso concreto.
Este é o caso do termo ‘interesse local’, que exigirá constante consulta à
jurisprudência para verificar o sentido atribuído ao termo, identificando para sua
precisão as zonas de certeza positiva e negativa do conceito.
Em regra, doutrina e jurisprudência apontam como zonas de certeza
positiva, o entendimento da primeira corrente, o interesse predominante, as
atividades relacionadas aos transportes coletivos municipais, coleta de lixo,
ordenação do uso e ocupação do solo, fiscalização das condições de higiene
em bares e restaurantes174. Por outro lado, constatamos que a zona negativa
do conceito pode ser compreendida como aquilo que não é interesse regional e
nacional (arts. 21, 22 e 25, §2º da Constituição Federal).
Algumas questões geram controvérsia e a casuística das decisões
judiciais nos socorre para apontar as eventuais zonas cinzentas que poderão
surgir, uma vez que o interesse local comporta interfaces com os regionais e
nacionais. O desafio é verificar o que predomina, com base no caso concreto,
em termos imediatos, junto aos Municípios.
173
CARRIÓ, Genaro R. Notas Sobre Derecho y Lenguaje, 2. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1979, p. 33-35.: “Respecto de todas ellas vale la siguiente metáfora esclarecedora. Hay un foco de intensidad luminosa donde se agrupam los ejemplos típicos, aquellos frente a los cuales no se duda que la palabra es apicable. Hay una mediata zona de oscuridad circundante donde caen todos los casos en los que no se duda que no lo es. El tránsito de una zona a otra es gradual; entre la total luminosidad y la oscuridad total hay una zona de penumbra sin límites precisos. Paradójicamente ella no empieza ni termina en ninguna parte, y sin embargo existe. Las palabras que diariamente usamos para aludir al mundo en que vivimos y a nosotros mismos llevan consigo esa imprecisa aura de imprecisión. […] Esta característica de vaguedad potencial que los lenguajes naturales necesariamente exhíben ha sido llamada por Waismann ‘la textura abierta del lenguaje’. Carnap alude al mismo fenómeno cuando habla de ‘vaguedad intensional’”. 174
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Organização do Estado. Capítulo 10, p.872. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
83
Assim, verificamos que compete privativamente à União legislar sobre
trânsito e transporte (art. 22, XI da Constituição Federal). Por outro lado, é
competência comum administrativa dos Estados, Municípios e União, de
acordo com o art. 23, XII estabelecer e implantar política de educação para a
segurança do trânsito. Com relação ao exercício da competência local, é
preciso identificar o que diz respeito ao envolvimento direto e imediato no
âmbito local, sem desconsiderar a influência com relação aos interesses
estaduais e federais. Deste modo, o STF decidiu com base em vários
precedentes175 que não compete aos Municípios dispor sobre a obrigatoriedade
do uso do cinto de segurança em vias públicas, pois o assunto não é de
predomínio local.
Por outro lado, é de competência da municipalidade disciplinar a
exploração da atividade de estabelecimento comercial e expedir alvarás ou
licenças para regular o seu funcionamento176.
De outro lado, o STF firmou jurisprudência considerando competência
exclusiva da União (art. 22, I e VI da Constituição Federal) a matéria referente
à determinação do horário de funcionamento bancário, por extrapolar os limites
de competência local do Município177.
A mesma Corte178 considerou constitucional uma lei municipal que
obriga instituições financeiras a instalar em suas agências, bebedouros e
sanitários destinados aos usuários dos serviços bancários (clientes ou não),
por se tratar de matéria tipicamente local (art. 30, I da Constituição Federal).
175
ADI 874–MC/BA; RE 215.325–RS; RE 227.384–SP, Rel. Min. Moreira Alves, 17.0602002 (Informativo 273/STF). Uso de Cinto de Segurança: Competência – 1– Por ofensa à competência privativa da União Federal para legislar sobre trânsito (CF, art. 22, XI), o Tribunal declarou a inconstitucionalidade da Lei 10.521/95, do Estado do Rio Grande do Sul, que determinava o uso obrigatório de cinto de segurança nas vias públicas do Estado. Precedente citado: ADI (MC) 874–BA (DJU de 20.8.93). RE 215.325–RS, rel. Min. Moreira Alves, 17.6.2002.(RE–215325) Uso de Cinto de Segurança: Competência – 2–Com o mesmo fundamento acima mencionado, o Tribunal também declarou a inconstitucionalidade da Lei 11.659/94, do Município de São Paulo, que obrigava o uso de cinto de segurança e proibia transporte de menores de 10 anos no banco dianteiro dos veículos. RE 227.384–SP, rel. Min. Moreira Alves, 17.6.2002.(RE–227384) 176176
TJ – 3º Câm Civil; Ap. Cível nº 259.432–1– Ubatuba, Rel. Dês. Toledo César; j. 3/10/1995. 177
RExtraordinário 121623–9 – Rel Ministro Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, p. 24.280; Rec Extraordinário 130.202-0/SP– Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 25 de agosto, 1995, p. 26026. No mesmo sentido o STJ editou a Súmula 19: A fixação do horário bancário, para atendimento ao público, é da competência da União. 178
RE 251542/SP* Relator Ministro Celso de Mello: EMENTA: ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, BEBEDOUROS E SANITÁRIOS DESTINADOS AOS USUÁRIOS DOS SERVIÇOS BANCÁRIOS (CLIENTES OU NÃO). MATÉRIA DE INTERESSE TIPICAMENTE LOCAL (CF, ART. 30, I). CONSEQÜENTE INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
84
Em relação à fixação do tempo máximo de espera de clientes em filas de
instituições bancárias o STF qualificou a matéria como interesse local. A ex-
Ministra Ellen Gracie, em 29/4/2010, reconheceu Repercussão Geral no
Recurso Extraordinário 610221.
E por fim, dois argumentos distintos invocados por Carlos Velloso e
Nelson Jobim, no Recurso Extraordinário 193.749-1 de São Paulo, publicado
em 4/6/1998, servem para qualificar o interesse local, ao dispor sobre a
inconstitucionalidade de lei municipal que ao fixar distância para a instalação
de farmácias, desrespeitou os princípios constitucionais da livre concorrência e
proteção aos interesses do consumidor (art. 170, IV, culminando com a edição
da Súmula 646 do STF179).
Na ocasião, o relator Carlos Velloso, com voto minoritário, entendeu que
a lei municipal respeitava o art. 30, I e II, ao dispor sobre o zoneamento do
solo, caracterizado pela localização de estabelecimentos comerciais, evitando
a concentração em determinadas localidades dentro de um raio de 200 metros
de um em relação ao outro.
Nelson Jobim discordou dos argumentos do relator e estabeleceu
premissas fundamentais para nortear o raciocínio sobre como deveremos
interpretar o exercício de competência Municipal para fins de uso e ocupação
do solo. Ressaltou que o Município, ao disciplinar sobre o planejamento e uso
do solo urbano, diz respeito à prestação de serviços municipais (art.182 da
Carta Magna). Neste sentido, argumenta:
O Município deve planejar as suas obras, tendo em vista uma limitação do uso do solo urbano vinculada ao trânsito de veículos. A proibição, por exemplo, do tráfego de determinados veículos em vias urbanas municipais é vinculada ao cálculo de pavimentação sobre o peso do veículo que deve circular sobre essa área.
Em seguida, sintetiza suas conclusões discordando do relator:
No caso específico, com a vênia que peço ao Ministro Carlos Velloso, não há propriamente a fixação do uso do solo urbano por parte de farmácias; há, isto sim, a disciplina do comércio de farmácias dentro do Município. Esse é o ponto que gostaria de colocar a exame da Turma. Uma coisa é a competência do Município de dispor sobre o planejamento urbano e exigir determinados tipos de obras e
179
Súmula 646 do STF ofende o princípio da livre concorrência. Lei Municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área.
85
construções, ou determinados tipos de atividades que se vinculam aos serviços urbanos; outra, é o Município fixar zoneamentos para o exercício de atividades comerciais dentre aquelas que não causem prejuízo às zonas residenciais; é o caso, por exemplo, de não se permitir abertura de bares que possam ficar abertos até altas horas em determinadas áreas, prejudicando o ambiente residencial. [...] O que se pretende com a legislação municipal é estabelecer faixas de duzentos metros de áreas comerciais da cidade para exclusiva oferta de produtos por um vendedor só, ou seja, inviabilizar a possibilidade de termos de concorrência nesses duzentos metros. Quando trabalhei nessas situações de política urbana em solo urbano, observei que havia sempre uma pretensão de determinados comerciantes em estabelecer áreas, porque não é propriamente reserva de mercado – daí divergi da sustentação feita na tribuna, pois a lei municipal não chega a proibir que os habitantes da faixa dos duzentos metros sejam impedidos de comprar o produto nos outros duzentos metros. O que há é a redução dos espaços da concorrência, para que ela chegue ao consumidor e não o consumidor vá a ela. Essa é a distinção fundamental. É necessário assegurar que consumidor– o objetivo final de toda a teoria da concorrência é assegurar preços baixos e produtos de boa qualidade – possa receber a concorrência dos comerciantes, e não ter que fazer a busca dessa concorrência. Portanto, com a vênia e o respeito que merece o eminente Ministro Carlos Velloso, conheço do recurso para lhe dar provimento, tendo em vista que, neste caso, a legislação municipal não tratou do solo urbano, mas de disciplinar a livre concorrência no aspecto urbano, estabelecida como princípio constitucional no art. 170, IV, V. (grifos nossos)
Assim, identificamos as divergências sobre a qualificação de
determinado interesse (de trato local ou não). Por vezes, dependendo das
premissas adotadas, uma ou outra conclusão será alcançada. Optamos por
conceituar o interesse local como sinônimo de interesse predominante.
Procuramos, por isso, indicar as principais decisões do STF com o objetivo de
fornecer balizas e diretrizes sobre a conceituação do termo constitucional.
1.3.2.4 Competências concorrentes
Inicialmente esclarecemos que concorrência significa soma de
atribuições diferenciadas sobre um mesmo assunto180, ou seja, mais de um
ente federado poderá cuidar da mesma matéria. Isto não se confunde com a
ideia de competição ou conflito de atribuições, uma vez que a Constituição
indica em seus parágrafos um sistema de competências diferenciadas para que
cada ente federado trate do mesmo assunto.
180
SARNO, Daniela Campos Libório di. Competências Urbanísticas. In: (Coords.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal nº 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.64.
86
Por outro lado, não deixamos de mencionar que a Constituição Federal
de 1988 adotou o sistema de competências concorrentes próprias limitadas,
possibilitando mais de um ente tratar simultaneamente sobre determinada
matéria, mas de forma limitada, pois compete à União estabelecer normas
gerais, e aos Estados e Municípios, complementar ou suplementar as leis de
forma específica.
O sistema por excelência de competências concorrentes foi arrolado no
art. 24 da Constituição. No entanto, ele não exclui outras previsões espalhadas
pelo seu texto, como o art. 22, IX, e o art. 21, XX e XXI, que tratou dos
princípios e diretrizes para o desenvolvimento urbano e para o sistema nacional
de viação, que deverão ser fixados em lei, de acordo com o art. 48, IV.
Com base nas competências indicadas, indagamos: como é exercida a
competência concorrente limitada, nos termos do art. 24 da Constituição
Federal? A compreensão irá decorrer da interpretação dos parágrafos 1º a 4º.
No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limita-se a
estabelecer normas gerais, que não exclui a competência suplementar dos
Estados. Na hipótese de não ser editada lei federal sobre normas gerais, os
Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas
peculiaridades. Caso a lei federal venha a ser editada, será suspensa a eficácia
da lei estadual, no que lhe for contrária.
O ponto de partida para compreendermos o exercício de competência
concorrente é investigarmos o sentido de norma geral, pois é importante
avaliarmos o campo específico de competência que será atribuído ao Estado e
à União, sob pena de invasão de competência e inconstitucionalidade da lei
produzida.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto181identificou o desafio proposto ao
intérprete quando se trata de desvendar o sentido e o alcance de determinada
norma jurídica. Qual o verdadeiro sentido que revela o termo normas gerais,
uma vez que por definição todas as normas jurídicas são gerais? O esforço da
doutrina e da jurisprudência para descobrir o ponto diferencial de tratamento
levou à elaboração de vários conceitos sobre o assunto.
181
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Competência Concorrente Limitada. O problema da conceituação das normas gerais. Revista de Informação Legislativa nº100, out-dez,1988, p.152.
87
Paulo Affonso Cavichioli Carmona182elaborou uma sistematização
baseada na antiga classificação de Diogo de Figueiredo Moreira Neto183 que
permite visualizarmos os principais conceitos doutrinários sobre o tema:
1) São principiológicas, ou seja, estabelecem princípios, diretrizes, fundamentos, critérios básicos, linhas mestras: Alice Gonzáles Borges, Burdeau, Celso Antônio Bandeira de Mello, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Eros Roberto Grau, Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, José Afonso da Silva, Hely Lopes Meirelles, Marco Aurélio Greco, Maunz, Ottmar Buhler, Paulo de Barros Carvalho, Roque Antonio Carrazza; 2) São nacionais, aplicando-se indistinta e uniformemente em todo território nacional pelos entes públicos: Adilson Abreu Dallari, Alice Gonzáles Borges, Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, Celso Antônio Bandeira de Mello, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Geraldo Ataliba, Hely Lopes Meirelles, José Souto Maior Borges, Paulo de Barros Carvalho; 3) Devem ser regras uniformes para todas as situações homogêneas: Adilson Abreu Dallari, Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, Pinto Falcão; 4) Visam prevenir conflitos de atribuições entre as entidades locais, nos assuntos de competência concorrente das ordens federadas: Alice Gonzáles Borges, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Geraldo Ataliba, Hely Lopes Meirelles; 5) Só cabem quando preencham lacunas constitucionais ou disponham sobre áreas de conflitos: Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Roque Antonio Carrazza; 6) Visam uniformizar o essencial sem cercar o acidental: Alice Gonzáles Borges, Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, Diogo de Figueiredo Moreira Neto; 7) Devem referir-se a questões fundamentais: Adilson Abreu Dallari, Francisco Cavalcante Pontes de Miranda; 8) São limitativas na medida em que limitam, como princípios, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e os particulares: Diogo de Figueiredo Moreira Neto; 9) São limitadas, no sentido de não poderem violar a autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios: Adilson Abreu Dallari, Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, Lúcia Valle Figueiredo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Paulo de Barros Carvalho; 10) Sempre que existir a previsão de norma geral existe competência estadual sobre a matéria: Marco Aurélio Greco; 11) Não podem representar instrumentos de regulação da atividade de uma pessoa pública por outra também pública: Geraldo Ataliba; 12) Não são normas de aplicação direta: Burdeau, Cláudio Pacheco; 13) São as que cuidam de determinada matéria de maneira ampla: Adilson Abreu Dallari; 14) Estabelecem diretrizes sobre o cumprimento dos princípios constitucionais expressos e implícitos: Lúcia Valle Figueiredo.
Acrescentamos ao extenso rol a posição de Celso Antônio Bandeira de
Mello184. Ao lado da noção já apresentada de que normas gerais são diretrizes,
182
CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Das Normas Gerais –Alcance e Extensão da Competência Legislativa Concorrente. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.57. 183
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Competência Concorrente Limitada. O problema da conceituação das normas gerais. Revista de Informação Legislativa nº100, out-dez,1988, p.149-150.
88
princípios e delineamentos genéricos, o autor acrescenta outra proposta. Nas
hipóteses em que o interesse público deva ser assegurado em todo o país, sob
pena de não ser protegido, a União estaria autorizada, por meio das normas
gerais a fixar padrões mínimos de defesa do interesse público. Estados e
Distrito Federal poderiam legislar sobre a matéria, sempre respeitando o
patamar mínimo exigido pela lei federal. Os entes até poderão, sob a ideia de
proteger o interesse público, fixar diretrizes mais intensas, observados os
limites mínimos básicos estabelecidos pela União.
Diante das várias posições suscitadas, alguns elementos poderão
balizar o intérprete na árdua tarefa de identificar o sentido de norma geral.
Reuniremos alguns que representam consenso na doutrina para auxiliar o
intérprete: a) as normas gerais fixam princípios, critérios básicos, diretrizes,
fundamentos; b) não podem ser específicas, ou seja, detalhar a matéria; c)
devem ser aplicadas uniformemente em todo o território nacional, equiparam-
se às normas nacionais185.
A despeito de todos os esforços da doutrina para reunir critérios que
facilitem a exata intelecção do termo, atentamos para a advertência de
Fernanda Dias Menezes de Almeida186 para identificá-lo como conceito
indeterminado. Assim, sua interpretação acarreta uma dose de subjetivismo,
que poderá ser resolvida pelo STF.
Após a investigação do campo de exercício de competência da União no
âmbito concorrente, examinaremos o âmbito de competência suplementar dos
Estados-membros.
Prevê o § 2º do art. 24 que a competência da União para legislar sobre
normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. Qual o
184
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conceito de normas gerais no direito constitucional brasileiro. Interesse Público. Revista Bimestral de Direito Público nº66, Ano XIII, 2011: “Dessarte, de fora parte diretrizes, princípios e delineamentos genéricos, a União estaria autorizada também a qualificar, em casos de símile compostura, um patamar, um piso defensivo do interesse público que as legislações estadual e distrital não poderiam desatender. Porém, acima daquele piso e obviamente respeitados os princípois e diretrizes pertinentes, Estados e Distrito Federal legislariam livremente sobre as matérias da legislação concorrente. Isto é, poderiam neste campo sempre estabelecer exigências defensivas do interesse público, ainda mais enérgicas, mais intensas ou mais extensas do que as fixadas pela União; o que não poderiam seria rebaixá-las porque, aí sim, estariam contrariando normas gerais, é dizer, normas instituíds para caracterizar o patamar mínimo imposto para defesa do intersse público atinente àquele objeto legislado”. 185
CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Das Normas Gerais – Alcance e Extensão da Competência Legislativa Concorrente. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.60. 186
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.133.
89
sentido de competência suplementar? A compreensão da expressão decorre
da junção entre os parágrafos 3º e 4º. Fernanda Dias Menezes de Almeida187e
Alexandre de Moraes188 explicam que a competência suplementar dos
Estados-membros pode ser dividida em dois tipos: complementar e supletiva.
No primeiro caso, é exercida conforme o §2º e dependerá de lei federal a ser
especificada pelos Estados, ou seja, pormenorizada em relação ao conteúdo
da norma geral. No segundo caso, é exercida (§3º e §4º) diante da inércia da
União em editar a lei federal. Nesta situação os Estados adquirirão,
temporariamente, competência plena para editar normas de caráter geral e
específicas. O vocábulo supletiva equivale a suprir a falta, fazer as vezes de
uma lei que não foi editada.
No campo da competência complementar, portanto, os Estados poderão
especificar, minudenciar as normas gerais, adaptando-as às peculiaridades
regionais. Não caberá delegação das normas gerais da União para os Estados.
Por sua vez, no âmbito da competência suplementar supletiva, a
competência legislativa dos Estados-membros surge diante da inexistência de
lei federal sobre normas gerais. Qual o sentido e o alcance do §3º?
A inexistência de legislação sobre normas gerais autoriza o exercício da
competência dos Estados-membros de forma plena para atender suas
peculiaridades. Interessa-nos saber qual o âmbito de ação dos Estados. Eles
poderão legislar apenas sobre conteúdo específico diante da omissão da lei
federal ou tratar de normas gerais e específicas em razão de suas
peculiaridades? As duas posições são apontadas pela doutrina como formas
de aplicar o dispositivo.
A primeira interpretação formulada por Anna Cândida da Cunha
Ferraz189 e a segunda por Manoel Gonçalves Ferreira Filho190 e adotada por
Fernanda Dias Menezes de Almeida. Adotamos esta última.
187
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.135. 188
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.311. 189
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. União, Estados e Municípios na nova constituição: enfoque jurídico-formal. A nova constituição paulista. São Paulo: Fundação Faria Lima/Fundação de Desenvolvimento Administrativo, 1989, p. 70 apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.137. 190
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988.v.1, São Paulo: Saraiva, 1990, p.197 apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.137.
90
O exercício pelo Estado de competência legislativa plena diante da
ausência de norma geral federal parte de um raciocínio simples. O Estado só
detalha normas gerais existentes, quando está diante das competências
suplementares complementares (§2º). Diante da ausência de normas gerais,
não há o que complementar. Desta maneira, é necessário exercer dupla tarefa,
editar as normas gerais e a partir delas, expedir outras detalhando seus
comandos em razão das peculiaridades dos Estados, daquilo que venha a ser
interesse predominante regional. As normas gerais e específicas do Estado,
por sua vez, só incidirão no âmbito do território do Estado que as editar. O
Estado-membro não poderá substituir o legislador federal, sob pena de
inconstitucionalidade da norma editada. Este também é o entendimento da
jurisprudência191.
Em face do exercício de competência plena do Estado em razão da
inércia da União, poderíamos indagar se ela seria permanente ou temporária. A
Constituição responde a questão ao prever no §4º do art. 24, que a
superveniência de normas gerais da União suspende a eficácia da lei estadual.
Assim, a inércia será temporária, pois a União a qualquer tempo voltará a editar
normas gerais sobre os assuntos do art. 24.
Se a Constituição permite que a União a qualquer momento volte a
legislar sobre normas gerais, qual será o destino das normas editadas pelos
Estados, na forma do §3º? Determina a Constituição Federal, no §4º, que as
normas estaduais serão suspensas. José Afonso da Silva192explica que
suspensão não se confunde com revogação. Suspensão significa perda da
aplicabilidade da norma, ou melhor, suspensão de sua eficácia. Assim, na
hipótese de revogação da lei federal superveniente, há possibilidade da norma
estadual voltar a incidir.
Se ao contrário, ela tivesse sido revogada, no caso de eventual
revogação da norma federal superveniente, a norma estadual deixaria de existir
no ordenamento jurídico, o que impediria sua nova aplicação.
191
Posição revelada pelo professor Alexandre de Moraes em seu curso de Direito Constitucional, 25 edição, p. 313. Acórdãoreferência: STF– Pleno– Adin. nº 903-6/MG – medida liminar– Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção 1, 24 outubro. 1997, p. 54; 155. 192
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.502.
91
Resta-nos examinar a competência suplementar dos Municípios,
prevista no art. 30, II. Ao examinarmos o art.24 e seus parágrafos, não
encontramos normatização sobre o exercício de competência suplementar
pelos municípios. No entanto, uma interpretação sistemática do art. 30, II, traz
esta possibilidade, pois a Constituição permite que o Município suplemente a
legislação federal e a estadual, no que couber.
Assim, deveremos analisar a questão sob duas perspectivas. A primeira
diz respeito ao fato do município exercer ou não competência suplementar, por
não figurar no art. 24, e a segunda, à análise do campo de atuação do
Município se eventualmente for admitida esta espécie de competência.
Já reconhecemos que competência suplementar diz respeito à
complementação de norma geral de lei editada e substituição na ausência de
lei federal. Será que este significado decorrente do art. 24 é aplicável aos
Municípios?
A doutrina diverge neste sentido. Michel Temer193 exclui os Municípios
da competência concorrente (art. 24) pela União, Estados, Distrito Federal e
Municípios.
Carlos Ari Sundfeld194 e Jorge Radi195,por sua vez, admitem a
competência suplementar do Município, prevista no art. 30, II, apenas sobre
matérias administrativas titularizadas pelos Municípios, nos termos da
Constituição. Assim, o Município não poderá legislar em relação a qualquer
espaço de sobra que a União ou Estado tenha deixado em sua legislação. Só
poderá fazê-lo se a matéria envolver competência administrativa do Município.
Deste modo, explicam os autores, não poderá o Município suplementar
legislação estadual que envolva juntas comerciais (art. 24, III), custas dos
serviços forenses (IV) e juizados de pequenas causas (X). Porém, admitem o
exercicio de competência suplementar, da mesma forma que os Estados-
membros, em relação ao art. 22 e incisos que tratam das hipóteses nas quais a
União poderá legislar sobre diretrizes gerais.
193
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.68. 194
SUNDFELD, Carlos Ari. Sistema Constitucional de Competências. Revista Trimestral de Direito Público nº1. São Paulo: RT,1993, p.272-281. 195
Aula ministrada no Curso de Direito a Cidades da Sociedade Brasileira de Direito Público, em 25 abr. 2003. Disponível em: <www.sbdp.org.br>. Acesso em: 16 jan.2013.
92
Por outro lado, a maioria dos doutrinadores, incluindo José Afonso da
Silva196, Fernanda Dias Menezes de Almeida197, Luiz Alberto David Araújo
eVidal Serrano Nunes Júnior198defendem o exercício de competência
suplementar pelos Municípios (art.30,II) ainda que não tenham sido
mencionados no art. 24. Este é o nosso entendimento.
Embora defendam o exercício de competência suplementar, entendem
que é preciso investigar o campo de incidência desta atribuição municipal,
sobretudo, em razão da cláusula limitadora do dispositivo que diz respeito no
que couber.
José Afonso da Silva 199 afirma que, embora o Município não figure
expressamente como ente capaz de exercer a competência concorrente
(art.24), o art.30, II, viabiliza o exercício da referida competência em relação à
suplementação das normas federais e estaduais, no que couber, desde que
disponha sobre os assuntos arrolados no inciso e respeite as normas gerais da
União.
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior aplicam, da
mesma forma, o art. 30, II, no âmbito do art. 24 da Constituição Federal, ao
admitirem que os Municípios foram encarregados de suplementar as normas
gerais federais e as estaduais em nível local, sempre que houver interesse
evidente.
Fernanda Dias Menezes de Almeida200 amplia o espectro de aplicação
do art. 30, II, determinando que os Municípios legislem de forma suplementar,
estabelecendo as normas específicas ou gerais, sempre que necessário ao
exercício de competências materiais, comuns ou legislativas privativas. Em
todos os casos o limite da atuação municipal esbarra no interesse local, pois
ele baliza a interpretação da cláusula no que couber. Assim, apenas quando
houver interesse local, o Município poderá suplementar a legislação federal e
estadual. Este é o nosso posicionamento.
196
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.502. 197
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.139. 198
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.306. 199
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.502. 200
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.139.
93
No que diz respeito ao exercício de competência material exclusiva, o
Município poderá legislar de forma suplementar, observando quando
necessário as leis federais e estaduais. Este é o caso do art. 30, IV. O
Município poderá criar, organizar e suprimir distritos, desde que observe a
legislação do Estado para esta finalidade. O fato de existir legislação estatal
sobre a matéria não inviabiliza o exercício da competência municipal no que
tange aos aspectos de interesse local.
Esta é a nova versão: No âmbito das competências materiais comuns do
art.23, as leis complementares previstas no parágrafo único são originárias da
competência concorrente do art.24, conforme Fernanda Dias Menezes de
Almeida201. Desta forma, competirá à União editar normas gerais e aos demais
entes federativos suplementar as normas da União.
Assim, por exemplo, no campo do Saneamento e Programa de Moradia,
Desenvolvimento Urbano e Direito Urbanístico, poderemos articular os arts. 21,
XX, 23, IX, 24, I e 30, I. No campo da competência comum, a União instituirá
diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive, saneamento e habitação,
cabendo aos demais entes federados (no exercício da competência material,
baseada nesta lei) promover programas de construção de moradias e a
melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. Por sua vez, os
Estados exercerão sobre o mesmo assunto sua competência complementar ou
supletiva e os Municípios sua competência complementar em relação às
normas da União e dos Estados, desde que verse sobre o interesse local.
No campo da competência suplementar, os Municípios devem seguir o
mesmo regime jurídico aplicado aos Estados, conforme o art. 24, §2º, 3º e 4º
da Constituição Federal. Poderão complementar as normas federais e
estaduais, e diante da inércia da União ou do Estado, exercerão competência
plena, suspendendo a legislação pela superveniência de norma federal e
estadual. Este sistema, no entanto, só será aplicado se houver interesse local.
Diferentemente de toda a doutrina constitucionalista e baseado nas
ideias de Tércio Sampaio Ferraz202, Ricardo Marcondes Martins203 traz um
201
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.116. 202
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Normas Gerais e Competência Concorrente: uma exegese do art. 24 da Constituição Federal. Revista Trimestral de Direito Público nº7. São Paulo, 1994, p.16-20.
94
outro interessante critério. Trata-se do cotejo entre os princípios da segurança
jurídica e da igualdade na interpretação das competências concorrentes.
O autor explica que no sistema federativo, a descentralização territorial do
poder em países de dimensão continental como o Brasil – com diversas
características locais e regionais – assegura efetividade ao princípio da
igualdade democrática, o exercício do pacto federativo e a garantia da
predominância do interesse nacional. É o que justifica a figura da União e da
segurança jurídica, que fundamenta a produção de normas gerais, aplicáveis a
todo território nacional.
Deste modo, o art. 24 da Constituição ao tratar das competências
concorrentes adotou o princípio da igualdade, que permite a edição de normas
particulares pelos Estados conforme suas peculiaridades, e o da segurança
jurídica, que justifica a produção de normas gerais pela União, de caráter
nacional, aplicáveis, em princípio, a todos os entes federativos.
Ao editar a lei, em razão de fatores históricos, sociais e econômicos, o
legislador deverá ponderar204 qual princípio deverá incidir no caso concreto
(igualdade ou segurança jurídica) e editar a norma que o abarcar. Segundo
Ricardo Marcondes Martins205, o legislador federal só poderá editar normas
gerais se verificar que prevalecerá o princípio da segurança jurídica:
Este, ao editar uma lei, aplica os princípios constitucionais em constante colisão e, conseqüentemente, é obrigado a efetuar uma ponderação. O legislador federal tem também diante de si um caso concreto: trata-se da respectiva lei a ser editada, referente à determinada matéria, em um contexto histórico determinado. Diante dessas circunstâncias que tem diante de si, deve efetuar uma ponderação e analisar qual princípio tem maior peso: o princípio da igualdade ou o princípio da segurança jurídica. Se concluir que, diante da matéria a ser legislada e naquele contexto histórico, o princípio da segurança jurídica tem maior peso que o princípio da igualdade, estará legitimado para editar uma norma geral. Se a ponderação por ele efetuada levar a resultado contrário, ou seja, que em relação a respectiva matéria o princípio da igualdade tem maior peso, não terá competência para editar normas gerais.
203
MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013. 204
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério.1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002; ALEXY, Robert. Princípios Jurídicos y Razón Práctica. In: Derecho y Razón Práctica. 2. reimpr. corrig. México: Fontamara, 2002, p.7-24 apud MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº 20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013. 205
MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº 20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013.
95
Portanto, o autor afirma que as normas gerais não têm conteúdo
material preciso, pois precisam ser preenchidas através da ponderação entre
os princípios jurídicos da igualdade e segurança jurídica.
Adverte o autor206 que o controle de constitucionalidade das normas não
é afastado, caso o legislador federal tenha extrapolado o exercício de suas
competências. Caberá, portanto, ao Judiciário controlar a ponderação em
última instância.
Ricardo Marcondes Martins acrescenta que as normas gerais, após
ponderadas deverão respeitar os limites impostos em razão da competência
privativa dos Estados e Municípios.
O autor conclui apresentando três tipos de normas em relação à
interpretação do art. 24. As normas gerais da União são denominadas de
primeiro nível e sua edição irá priorizar o princípio da segurança jurídica, a
partir de normas aplicáveis a todo o território nacional. Os Estados-membros,
ao editarem normas complementares ou suplementares editarão normas de
segundo nível, priorizando o princípio da segurança jurídica, por meio de
normas jurídicas válidas para o território daquele Estado. Em relação aos
Municípios, o legislador local deverá ponderar a partir do interesse local e das
competências do art. 30. No entanto, em função do interesse local, deverá
priorizar o princípio da igualdade em detrimento da segurança jurídica207:
Daí a denominação: normas gerais de direito urbanístico de primeiro nível. O legislador estadual, após editadas as normas gerais de primeiro nível pelo federal ou, em caso de omissão, no exercício da competência plena, não tem competência para editar normas propriamente particulares. Deve também observar a previsão das competências municipais e, por força disso, efetuar uma segunda ponderação entre o princípio da segurança jurídica e o princípio da igualdade, este também aqui reforçado por uma prioridade prima facie. As normas editadas pelo legislador estadual não são particulares, mas normas gerais de direito urbanístico de segundo nível. Na primeira ponderação, efetuada pelo legislador federal, o princípio da segurança jurídica exige a edição de normas urbanísticas válidas para todo território brasileiro; na segunda ponderação, efetuada pelo legislador estadual, o princípio da segurança exige a edição de normas urbanísticas válidas para todo território do
206
MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº 20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013. 207
MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº 20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013.
96
respectivo Estado. O legislador federal, também aqui, deve efetuar uma ponderação entre os princípios da segurança jurídica e da igualdade e apurar se a exigência de edição de uma norma de direito urbanístico referente à ordenação da política urbana,assunto diretamente vinculado ao interesse local, válida para todo território brasileiro, prepondera. Sempre que nessa ponderação não se justificar o afastamento do princípio da igualdade, a competência para editar a norma será exclusivamente do Município. Este, ao exercer sua competência, deve respeitar todas as normas gerais por ele editadas.
Deste modo, o intérprete poderá utilizar os critérios de ponderação para
editar as normas gerais da União, da competência suplementar e
complementar do Estado priorizando a segurança jurídica e, por fim, a
igualdade, para atender as peculiaridades locais do Município.
No que tange à competência suplementar dos Estados-membros, há
óbice em relação ao interesse local? Existe impedimento em relação à
competência suplementar dos Municípios? A doutrina diverge. Reproduziremos
o debate com base na pesquisa realizada por Rafael Augusto Silva
Domingues208. De um lado, a corrente restritiva, encampada por José Afonso
da Silva, entende que os Estados-membros, no exercício de sua competência
suplementar (§2º e §3º do art. 24) deverão respeitar os limites das normas
gerais e do interesse local (art. 30, I). Assim, o exercício da competência
suplementar dos Estados teria seu espectro de atuação bem delimitado, entre
os âmbitos federal e o municipal. Por outro lado, a corrente ampliativa liderada
por Carlos Ari Sundfeld209 confere ampla atuação ao Estado-membro, pois
entende que o art. 30, I, só serviria de restrição ao exercício de competência do
Estado no âmbito das competências reservadas (art. 25, §1º) e não no campo
das concorrentes (art.24). Assim, os Estados-membros ao exercerem a
competência suplementar encontrariam limitação apenas nas normas gerais
expedidas pela União.
208
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.133. 209
SUNDFELD, Carlos Ari.Sistema Constitucional de Competências. Revista Trimestral de Direito Público nº1. São Paulo: RT,1993, p.272-281.
97
1.3.2.5 Competências urbanísticas e planejamento urbano
Em relação ao planejamento urbano por parte dos três entes federados,
deveremos recorrer à aplicação da competência concorrente limitada, na forma
do art. 24.
Com relação à atuação da União, trazemos a interpretação
sistemáticade José Afonso da Silva210, ao conjugar as normas gerais de
desenvolvimento urbano dos arts. 21, XX, XXI, 24, I, §1º e 182 da Constituição
Federal:
Em matéria urbanística a Constituição declara que compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art 21, XX), bem como estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação (art. 21, XXI). E ainda prevê que cabe a ela, concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, legislar sobre direito urbanístico, sendo que, no âmbito desta legislação concorrente, sua competência se limitará a estabelecer normas gerais (art. 24, I e §1º). Achamos que a referência a diretrizes gerais fixadas em lei, no art. 182, se liga também à competência indicada nos arts. 21, XX, e 24, I, e §1º. Quer dizer, as diretrizes do desenvolvimento urbano, mencionadas no art. 21, XX, devem ser veiculadas mediante lei federal de normas gerais,
de que cogitam o art. 24, I e §1º. Esta interpretação permite concluir que o Estatuto da Cidade, Lei
Federal nº 10.257/2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana, ao
regulamentar o art.182 reúne os elementos desta interpretação formulada por
José Afonso da Silva, assumindo as características de lei geral do direito
urbanístico.
O Capítulo I introduz diretrizes gerais da política urbana que deverão ser
obedecidas pelos Estados e Municípios, além de indicar instrumentos
urbanísticos que no mínimo deverão ser incorporados nos planos regionais dos
Estados e Municípios.
Da mesma forma, aplicam-se ao Estatuto da Cidade, a competência
complementar/suplementar dos Estados-membros e dos Municípios,
respectivamente (art. 24, §2º, 3º e 4º; art.182 e 30, I, II e VIII da Constituição
Federal).
210
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.67.
98
Interessante questão foi proposta por Rafael Augusto Silva
Domingues211 ao analisar o âmbito de competência concorrente em matéria
urbanística pelos Estados-membros. É possível que os Estados elaborem
outras normas gerais ao lado daquelas editadas pela União? Por exemplo, os
Estados poderão acrescentar outros instrumentos da política urbana além dos
indicados no rol do art. 4º? A resposta do autor é afirmativa.
A pergunta supõe que já existe uma norma geral editada e que, portanto,
só se justificaria a edição de uma norma complementar para especificar
detalhes importantes para serem aplicados no âmbito do Estado, no que toca
ao interesse regional. No entanto, o autor afirma ser possível a competência
suplementar, ainda que já tenha sido editada uma norma geral. Entende ainda
que a despeito de normas gerais terem sido editadas, é possível existirem
vazios, lacunas, para os quais seja necessário legislar, caracterizando a
hipótese de inexistência de norma geral sobre determinado assunto. O âmbito
de atuação do Estado estaria restrito às peculiaridades do Estado, por força do
§3º do art. 24. Da mesma forma, se existisse superveniência de lei federal
sobre o instituto criado, suspenderia a eficácia da norma geral editada pelos
Estados-membros (§4º)212:
Acreditamos que a resposta deva ser positiva, ou seja, os Estados podem legislar sobre normas gerais–dentro da sua competência suplementar– a par daquelas normas já expedidas pela União, desde que, é claro, não conflite com essas normas federais já editadas. Ora, se os Estados podem o mais, que é legislar integralmente sobre a matéria, de maneira suplementar (quando inexiste lei federal), tapando assim um vazio deixado pela União, podem, por conseqüência, o menos, que é editar normas gerais sobre determinadas matérias ou institutos não tratados pela legislação editada pela União (legislar parcialmente).
Com relação à competência suplementar dos Municípios, não prevista
expressamente no art. 24, mas acolhida no art. 30, II, em matéria urbanística
ela está prevista nos arts. 24, I, c/c art. 30, II, VIII e 182. Assim, compete aos
Municípios complementar, no que tange ao interesse local, as normas gerais
da União e dos Estados e diante da ausência delas, legislar para atender suas
211
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.116. 212
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.116.
99
peculiaridades, acolhendo a suspensão da norma local, na hipótese de
superveniência de norma federal ou estadual.
Em relação aos Municípios, propõe Ricardo Marcondes Martins que
conjugando a competência do art. 182, 30, II e VIII, o Município poderá legislar
em razão do princípio da igualdade, em termos de competência suplementar,
para atender às peculiaridades da norma geral editada pela União213:
Após a edição das normas gerais de direito urbanístico de primeiro e segundo nível, passa-se a ordenação direta dos espaços habitáveis, matéria diretamente vinculada ao interesse local. Por força do art. 30, I, essa disciplina seria de competência privativa do Município. O constituinte, no entanto, preferiu instituir uma exceção: por força do art. 182, preceito vinculado ao art. 30, VIII, a competência para promoção da política urbana é de competência concorrente da União e dos Municípios, em que àquela cabe a edição de diretrizes, sinônimo de normas gerais, e a estes cabe a edição de normas específicas. O legislador federal, também aqui, deve efetuar uma ponderação entre os princípios da segurança jurídica e da igualdade e apurar se a exigência de edição de uma norma de direito urbanístico referente à ordenação da política urbana, assunto diretamente vinculado ao interesse local, válida para todo território brasileiro, prepondera. Sempre que nessa ponderação não se justificar o afastamento do princípio da igualdade, a competência para editar a norma será exclusivamente do Município. Este, ao exercer sua competência, deve respeitar todas as normas gerais por ele editadas.
Rafael Augusto Silva Domingues214 exemplifica trazendo um caso
envolvendo loteamentos fechados ou condomínios previstos em legislação
municipal, em razão da ausência de previsão na Lei nº 6.766/1979. Desta
forma, é possível a previsão que permite aos Municípios utilizar privativamente
pelos condôminos as áreas destinadas ao patrimônio público.
Compete aos Estados-membros disporem sobre normas urbanísticas
regionais, responsáveis pela ordenação do território estadual, em razão da
competência suplementar das normas gerais da União (art. 24, I e §2º), por
meio de suas Constituições Estaduais. Igualmente compete ao Estado editar
planos urbanísticos estaduais para disciplinar seu território, além dos planos
urbanísticos regionais, responsáveis pela ordenação territorial das regiões
metropolitanas (art. 25, §3º, da Constituição Federal).
213
MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº 20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013. 214
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.122.
100
Em relação aos Municípios, a Constituição lhes conferiu várias
competências urbanísticas, que ora podem ser suplementaresà legislação
estadual e federal (art. 30, II), ora material (art. 30, IV e IX) e até legislativa
exclusiva (arts.30, VIII c/c I e 182 da Constituição Federal).
O núcleo especial da competência urbanística, que conferiu prestígio ao
Município, está nos arts. 30, I, c/c VIII e 182 da Constituição Federal. É por
força destes dispositivos que o Município exerce suas competências de forma
exclusiva. Conjugando ambos verificamos que a Carta Magna atribuiu a ele a
tarefa de estabelecer a política de desenvolvimento urbano, ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantir o bem-estar de seus
habitantes (art. 182), ordenar o seu território, mediante planejamento e
controlar o uso e a ocupação do solo urbano por meio do Plano Diretor. Hely
Lopes Meirelles215 desenha o quadro de competências urbanísticas do
município em dois setores distintos: o da ordenação espacial e do controle da
construção:
As atribuições municipais no campo urbanístico desdobram-se em dois setores distintos: o da ordenação espacial, que se consubstancia no plano diretor e nas normas de uso, parcelamento e uso do solo urbano e urbanizável, abrangendo o zoneamento, o loteamento e a composição estética e paisagística da cidade; e o de controle da construção, incidindo sobre o traçado urbano, os equipamentos sociais, até a edificação particular nos seus requisitos estruturais funcionais e estéticos, expressos no código de obras e normas complementares.
É importante ressaltar que o Município (art. 182 da Constituição Federal)
executa a política de desenvolvimento urbano com base nas diretrizes gerais
fixadas em lei federal (arts. 21, IX e XX, 24, I) denominada Estatuto da Cidade.
Além disto, os Municípios também deverão respeitar os planos regionais,
sobretudo, o plano urbanístico microrregional, editado pelo Estado-membro, no
campo do art. 25, §3º, da Constituição Federal.
Da mesma forma, elabora e executa o Plano Diretor, obrigatório para
cidades com mais de 20 mil habitantes, considerado instrumento básico da
política de desenvolvimento e de expansão urbana, pois baliza e condiciona o
cumprimento da função social da propriedade urbana.
215
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.509.
101
Caso o Município entenda ser necessário, poderá optar por editar lei
municipal específica para área incluída no Plano Diretor para exigir que o
proprietário do bem cumpra a função social da propriedade através dos
instrumentos do parcelamento compulsório, IPTU progressivo no tempo e
desapropriação urbanística.
A despeito da Constituição ter atribuído aos Municípios competência
exclusiva em matéria urbanística (art. 30, I, VIII e 182), seu exercício não deve
estar centrado em uma exagerada visão de autonomia irrestrita. Isto porque, no
caso da edição dos planos urbanísticos, há incidência de normas federais e
estaduais que deverão ser obedecidas, em razão da competência concorrente.
Esta é a posição de José Afonso da Silva. Segundo ele, embora predomine a
atuação do Município no campo urbanístico, não é ilimitada, pois está adstrita
às normas de desenvolvimento urbano da União e dos Estados-membros.
As normas urbanísticas municipais são bem características, porque é no
espaço dos Municípios que se manifesta a atividade urbanística na sua forma
mais concreta e dinâmica. Por isso, as competências da União e do Estado
esbarram na competência própria que a Constituição reservou aos Municípios.
Por outro lado, os mesmos municípios deverão conformar sua atuação às
diretrizes gerais de desenvolvimento urbano definidas pela União e
genericamente coordenados pelos Estados216.
Mas quais seriam os limites do exercício da competência suplementar do
Estado-membro com relação ao interesse local dos Municípios, em matéria
urbanística?Já compreendemos que existem duas correntes que balizam o
exercício da competência concorrente por parte do Estado em relação ao
Município. A ampliativa, que entende que os Estados-membros no exercício de
competência concorrente só encontram limites nas normas gerais da União e
desconsidera o interesse local dos Municípios. Este último, por sua vez,
deveria respeitar a legislação federal e estadual no que toca o Direito
Urbanístico, suplementando-as no que couber. Por outro lado, existe a corrente
restritiva, defendida por José Afonso da Silva217, que sustenta exercício de
competência suplementar pelos Estados de forma restritiva, pois ao editar suas
normas, deverão respeitar as normas gerais federais e normas de competência
216
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed.São Paulo: Malheiros, 2012, p.65. 217
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed.São Paulo: Malheiros, 2012, p.127.
102
dos Municípios. Esta última corrente é bem acolhida no campo do Direito
Urbanístico218, em razão da variedade de competências urbanísticas do
Município.
Com base neste raciocínio, duas vertentes poderão surgir: Se
estivermos diante de interesse local, predominante, em matéria urbanística, os
Estados deverão respeitar a autonomia dos Municípios em matéria urbanística.
Por outro lado, se houver prevalência do interesse regional, calcada na
competência de planos metropolitanos, as restrições e parâmetros urbanísticos
impostos pelos Estados serão obedecidos pelos Municípios, sem abrir mão de
sua autonomia local.
Citemos dois exemplos práticos, um que prioriza o interesse local e outro
o regional. Iniciaremos a análise pelo caso que prioriza o interesse local.
Segundo o art.181, §2º, da Constituição do Estado de São Paulo:
Art.181 – Lei municipal estabelecerá, em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes. Parágrafo 2º – Os Municípios observarão, quando for o caso, os parâmetros urbanísticos de interesse regional, fixados em lei estadual, prevalecendo, quando houver conflito, a norma de caráter mais restritivo, respeitadas as respectivas autonomias.
Acompanhando a posição de Rafael Augusto Silva
Domingues219verificamos que este dispositivo é inconstitucional, face à divisão
de competências em matéria urbanística. Os Municípios não deverão respeitar
os parâmetros urbanísticos do Estado, prevalecendo o mais rigoroso em caso
de conflito, pois esta matéria é totalmente relacionada ao interesse específico
dos municípios, por se tratar de competência relativa ao ordenamento do solo
urbano, baseada em leis de zoneamento, parcelamento do solo e Plano
Diretor.
Por outro lado, o acórdão do STJ, referente à Ação Rescisória (nº
756PR (1998/0025286-0), publicado em 14/4/2008, relatado pelo atual Ministro
do STF, Teori Albino Zavascki, afastou o predomínio de normas urbanísticas do
Município de Guaratuba, no Estado do Paraná, em razão de normas do Estado
218
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010. 219
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.140.
103
editadas em nome do interesse regional para promover o desenvolvimento
sustentável de municípios da zona costeira do Paraná.
Em razão do conflito entre normas urbanísticas do Município e normas
de proteção ao meio ambiente do Estado, foram priorizadas as do Estado em
razão do predomínio do interesse regional relacionado ao desenvolvimento
sustentável de municípios da zona costeira. A lei municipal permitia adotar
parâmetros urbanísticos menos restritivos de construção em relação à lei
estadual. O relator admitiu que embora o Município tenha competência
exclusiva em matéria urbanística, ela não é absoluta, pois em razão da
cláusula do art. 30,II, a incidência de suas normas cabe quando houver
interesse local. Abaixo, as conclusões que motivaram o acolhimento desta tese
pelos demais ministros220:
Além disso, a legislação estadual se dedica a salvaguardar interesses que se sobrepõem aos meramente municipais, pois atinge toda a zona costeira, o patrimônio ecológico e paisagístico do Estado. Assim, aos Municípios, no âmbito do exercício da competência legislativa, cumpre observar as normas editadas pela União e pelos Estados, como as referentes à proteção das paisagens naturais notáveis e ao meio ambiente, não podendo contrariá-las, mas tão somente legislar em circunstâncias remanescentes.
No capítulo 2 abordaremos com mais detalhamento o interesse regional
e metropolitano.
1.4 Regiões Metropolitanas e as funções públicas de interesse comum
A Constituição Federal (art. 25, §3°), ao prever a instituição das Regiões
Metropolitanas pelos Estados, determinou como finalidade para sua criação
integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de
interesse comum. No entanto, não explicitou o sentido desta expressão.
A Constituição Federal de 1967221, modificada pela Emenda nº 1 de
1969, ao dispor sobre as Regiões Metropolitanas, permitia que a União
instituísse a figura regional para realizar serviços comuns.
220
Trecho do voto do relator. Acórdão do STJ, referente à Ação Rescisória (nº 756 PR (1998/0025286–0), publicado em 14/4/2008, relatado pelo então Ministro Teori Albino Zavascki. 221
Emenda n°1 – CF/1969 “Art. 164. A União, mediante lei complementar, poderá para a realização de serviços comuns, estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, façam parte da mesma comunidade sócio-econômica”. Explicam Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Silva (ARAUJO, Luiz Alberto
104
A terminologia serviço comum nos remete à abordagem jurídica do que
vem a ser serviço público. Para estes fins, utilizaremos a conceituação de
Celso Antônio Bandeira de Mello222:
Serviço Público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público, portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais, instituído em favor de interesses definidos como públicos no sistema normativo.
Ao examinarmos a Lei Complementar nº 14 de 8/6/1973 editada à luz da
Constituição anterior, responsável pela criação das regiões metropolitanas de
São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e
Fortaleza, constatamos que o art. 5º reputava como interesse metropolitano os
seguintes serviços comuns aos Municípios que integravam a região: I –
planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; II –
saneamento básico, notadamente abastecimento de água e rede de esgotos e
serviço de limpeza pública; III – uso do solo metropolitano; IV – transportes e
sistema viário, V – produção e distribuição de gás combustível canalizado; VI –
aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição ambiental, na
forma que dispuser a lei federal; VII – outros serviços incluídos na área de
competência do Conselho Deliberativo por lei federal (grifo nosso).
Ora, diante do que a lei complementar qualificou como serviços comuns,
percebemos que não apenas serviços públicos na acepção de Celso Antônio
de Mello foram incluídos na definição, como também atividades relacionadas
ao uso do solo metropolitano e planejamento social, atreladas ao exercício do
poder de polícia. O critério, portanto, não era tão rigoroso e a abrangência das
atividades não estava restrita à terminologia “serviços públicos”.
A Constituição Federal de 1988 utilizou a terminologia significando mais
do que serviços comuns, ampliando a abrangência da atuação das Regiões
Metropolitanas no campo das funções públicas de interesse comum.
David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.126) que muitos doutrinadores consideram a Emenda nº 1 de 1969 à Constituição de 1967 uma nova Carta Constitucional, ou seja, fruto de um novo Poder Constituinte Originário, pois alterou significativamente o sistema constitucional da Carta de 1967, sem respeito aos limites do poder Constituinte Derivado. 222
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.650.
105
A interpretação do dispositivo da Carta atual indica que as Regiões
Metropolitanas são formadas, em última análise, para tratar das funções
públicas de interesse comum. Já tivemos a oportunidade de verificar que as
Regiões Metropolitanas não são entes federativos dotados de autonomia
política. Na realidade, são criadas pelo Estado-membro para administrar as
funções públicas de interesse comum.
Verificaremos ao longo deste estudo como a União, Estados e
Municípios exercem competências urbanísticas, sobretudo, no que tange ao
planejamento urbano, núcleo fundamental de disciplina pelo Plano Diretor
Metropolitano.
Entre os principais aspectos, destacaremos o conteúdo das funções de
interesse comum e a identificação do ente federativo responsável por sua
titularidade. Em destaque às funções públicas de interesse comum,
dedicaremos especial atenção ao conteúdo referente ao tratamento de uso,
ocupação do solo urbano e demais relacionados à proteção ao meio ambiente.
1.4.1 Noções gerais sobre funções públicas de interesse comum
Iniciaremos a análise da expressão pelo termo função. Segundo Celso
Antônio Bandeira de Mello223:
função pública, no Estado Democrático de Direito, é a atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem jurídica.
Função pública para o Direito traduz a noção de dever jurídico conferido
ao Estado para alcançar finalidade pública, de acordo com os comandos da lei.
Assim, o guarda de trânsito tem o dever de punir com multa o motorista que
não respeita a faixa de pedestre, em razão do respeito à finalidade pública de
proteção à incolumidade física do pedestre ao circular pelas vias públicas.
Estão presentes, portanto, o dever e a finalidade no exercício da função pública
pelo guarda de trânsito.
Por sua vez, o Estado exerce seus deveres por meio de três funções:
legislativa, executiva e judicial224. Celso Antônio Bandeira de Mello225 explica
223
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.29.
106
que o critério satisfatório para distingui-las refere-se ao objetivo formal, ou seja,
aos atributos específicos de cada função, independentemente dos elementos
de cada um:
O próprio da função legislativa seria não apenas a generalidade e abstração, pois sua especificidade adviria de possuir o predicado de inovar inicialmente na ordem jurídica, com fundamento tão só na Constituição; o próprio da função administrativa seria, conforme nos parece, a de se desenvolver mediante comandos “infralegais” e excepcionalmente “infraconstitucionais”, expedidos na intimidade de uma estrutura hierárquica; o próprio da função jurisdicional seria resolver controvérsias com a força jurídica de definitividade.
Ao analisarmos o art.25, §3º, da Constituição Federal, apenas dois
sentidos são compatíveis com o estudo das funções públicas de interesse
comum: função administrativa e legislativa. Assim, os Estados criam figuras
regionais para integrarem a organização, o planejamento e a execução das
funções legislativas e administrativas dos agrupamentos de municípios
limítrofes, ou seja, das funções responsáveis por criarem direitos e obrigações
no ordenamento jurídico e executarem, no caso concreto os comandos legais,
sem força de coisa julgada.
Com relação à função administrativa, utilizaremos a interpretação de
Luiz Henrique Antunes Alochio226 ao indagar o sentido de função pública de
interesse comum. Com base em Maria Sylvia Zanella di Pietro227,
Administração Pública compreende sentido objetivo, material, que envolve o
tipo de função, a natureza da atividade desenvolvida pelas pessoas jurídicas,
órgãos e agentes públicos. Desta forma, a administração pública pode ser
compreendida em sentido amplo como responsável pelo exercício da função
política228 (que estabelece diretrizes governamentais) e administrativa (que as
executa).
224
Art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. 225
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 33. 226
ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. O Problema Metropolitano da concessão de serviços públicos em regiões metropolitanas: (Re) pensando um tema relevante. Interesse Públiconº 24. ano 6, mar-abr, Belo Horizonte: Fórum,2004. 227
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.75. 228
Para Maria Sylvia Zanella, função política “implica uma atividade de ordem superior referida à direção suprema e geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar os fins da ação do Estado, a assinalar as diretrizes para as outras funções, buscando a unidade da soberania estatal”. (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.51).
107
E em sentido estrito (isto é, apenas pelo exercício da função
administrativa)229 como “atividade concreta e imediata (vontade do Estado
contida na Lei) que o Estado desenvolve, sob regime jurídico de direito público,
para a consecução dos interesses coletivos”.
Acrescenta a autora que a função administrativa stricto sensu abrange
as atividades de fomento, serviços públicos, poder de polícia e intervenção do
Estado no domínio econômico.
Qual a relação entre o termo função administrativa e legislativa e função
pública de interesse comum? As Regiões Metropolitanas ao administrarem
funções (art.25,§3º) prestarão serviços públicos e atuarão no exercício do
poder de polícia, com base nas leis editadas pelo titular das funções comuns.
Assim, a organização, planejamento e execução destas tarefas decorrerão do
exercício de funções legislativas e administrativas.
Além da noção sobre função pública, é necessário interrogarmos o
sentido empregado pelo constituinte referente ao interesse comum. O art. 25,
§3º não deu subsídios para identificá-lo. Coube então ao legislador estadual,
responsável por criar as regiões metropolitanas, mencionar o conteúdo jurídico
das matérias que compõem o conteúdo das funções públicas de interesse
comum. Basta verificarmos (Lei Complementar nº 1.139/2011, art.12),
responsável por criar a Região Metropolitana de São Paulo, que engloba o
campo funcional de interesse comum, por exemplo, o planejamento e uso do
solo, transporte e sistema viário regional, habitação, saneamento ambiental e
meio ambiente. Na nossa pesquisa usaremos a expressão interesse
metropolitano como sinônimo de função pública de interesse comum.
Ressaltamos que a caracterização do interesse metropolitano
frequentemente passa pelo debate e conceituação sobre interesse local, do
município. Ao investigarmos sobre a titularidade da função, inevitável o
surgimento de eventual conflito em relação à autonomia municipal, que
percebemos ser apenas aparente, pois a Constituição Federal fixou as
premissas básicas da competência municipal local para não sofrer ingerência
dos outros entes federados.
229
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.75.
108
Temos então que o grande desafio do estudo sobre o interesse
metropolitano parece ser: como compatibilizar o art. 30, I da Constituição
Federal230, que atribui ao Município a competência para dispor sobre interesse
local, com o art. 25, §3°, que atribui às regiões metropolitanasa competência
para dispor sobre a organização, planejamento e execução das funções
públicas de interesse comum?
230
Art. 30. Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local.
109
2 FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM: INTERESSE METROPOLITANO 231
Qual seria a natureza jurídica das funções públicas de interesse
comum? Quais os critérios para definirmos o interesse metropolitano, isto é, as
funções públicas de interesse comum?
Grande parte da doutrina sobre o tema foi desenvolvida em função de
conceitos das Constituições Federais de 1967 e 1969 como serviços comuns e
comunidade socioeconômica, distintos da terminologia da Constituição atual.
No entanto, suas lições serão utilizadas por conta da contribuição
proporcionada ao desenvolvimento do tema. Nos dedicaremos, inicialmente, à
construção histórica do termo interesse metropolitano.
Um dos primeiros a identificar o termo interesse metropolitano, em 1970
foi Adilson Abreu Dallari232. Na ocasião, chamou a atenção para o surgimento
do termo em oposição ao peculiar interesse municipal. Na época, o conceito
não era adotado pela doutrina ou jurisprudência.
Adilson Abreu Dallari considerou como grande contribuição para
identificar o termo, o estudo de Eurico de Andrade Azevedo, autor da tese
elaborada pelo Centro de Estudos e Pesquisas da Administração Municipal
(Cepam) no Congresso realizado pelo Chile. Ao discorrer sobre a
regulamentação do uso e a ocupação do solo, Eurico de Andrade Azevedo
explicou que nas áreas metropolitanas, o tratamento não se referia ao peculiar
interesse de cada município isoladamente, mas de todo o conjunto urbano. Ao
mencionar ‘todo o conjunto urbano’, Adilson Dallari identificou o sentido de
peculiar interesse metropolitano, que decorreria do interesse do conjunto
formado pelas Regiões Metropolitanas.
Eurico de Andrade Azevedo233 ao examinar o art.164 da Constituição
Federal de 1967, modificada pela Emenda nº 1 de 1969, esclarece que o
constituinte não forneceu parâmetros satisfatórios para conceituar serviços
comuns. Desta forma, ao indagar sobre quais seriam executados pelo governo
231
Para alguns doutrinadores como Alaor Caffé Alves e Eros Grau. 232
DALLARI, Adilson. Uso do Solo Metropolitano. Revista de Direito Público. Cadernos de Direito Municipal.v.14, ano IV. São Paulo: RT, 1970, p.290-291. 233
AZEVEDO, Eurico de Andrade. Regiões Metropolitanas no Brasil e seu Regime Jurídico. In: Estudos sobre o amanhã – Regiões Metropolitanas. Caderno nº 1. Coedição Instituto Metropolitano de Estudos e Pesquisas Aplicadas da FMU (Imepa). São Paulo: Resenha Universitária, 1978.
110
metropolitano sustenta que não seria correto afirmar que seriam comuns a
todos os municípios da região. Assim, o autor optou por qualificar o serviço
comum por serviço de interesse comum234 como aquele de interesse da região
metropolitana dando origem à noção de peculiar interesse metropolitano235:
Assim como a Constituição outorgou ao Município tudo o que diga respeito ao seu peculiar interesse, ou seja, interesse predominantemente local, poderia conceder ao governo da metrópole tudo o que fosse do seu peculiar interesse, ou seja, do interesse predominantemente metropolitano.
O autor esclarece que o surgimento da realidade metropolitana não
culminou com o desaparecimento do interesse local, mas permitiu constatar
que os problemas extravasam as possibilidades de soluções estritamente
locais.
Eurico de Andrade Azevedo esclareceu ainda que a Lei Complementar
nº 14/1973236 teve o mérito de introduzir o conceito de interesse metropolitano,
adiantando-se ao definir alguns serviços considerados comuns aos Municípios
da Região.
Ponderou também que a técnica utilizada pela Lei Complementar nº
14/1973 não foi das melhores, pois não distinguiu as fases de prestação dos
serviços tratadas pelo Estado ou pelo Município237. O autor entendia que o
legislador federal, ao definir os interesses metropolitanos pecou pela excessiva
generalização, pois optou por definir como interesse metropolitano a prestação
de todo o serviço e não as fases dos serviços de interesse da região. Isto
acarretou problemas para definir os entes responsáveis pela execução, pois na
maioria das vezes, as primeiras são de natureza eminentemente local, cuja
matéria é de competência local.
234
A Constituição Federal de 1988 (art. 25 e parágrafos) optou por usar a expressão função pública de interesse comum. 235
AZEVEDO, Eurico de Andrade. Regiões Metropolitanas no Brasil e seu Regime Jurídico. In: Estudos sobre o amanhã – Regiões Metropolitanas. Caderno nº 1. Coedição Instituto Metropolitano de Estudos e Pesquisas Aplicadas da FMU (Imepa). São Paulo: Resenha Universitária, 1978, p.131. 236
Criou as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza, com base na Constituição Federal de 1969. 237
Art. 5º – Reputam-se de interesse metropolitano os seguintes serviços comuns aos Municípios que integram a região: I – planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; II – saneamento básico, notadamente abastecimento de água e rede de esgotos e serviço de limpeza pública; III – uso do solo metropolitano; IV – transportes e sistema viário; V – produção e distribuição de gás combustível canalizado; VI – aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição ambiental, na forma que dispuser a lei federal; VII – outros serviços incluídos na área de competência do Conselho Deliberativo por lei federal.
111
Por exemplo, o art. 5º, II, da lei complementar considerava interesse
metropolitano o serviço de limpeza pública em sua fórmula genérica. No
entanto, não era possível identificar os entes responsáveis por prestar cada
etapa, ao passo, que a divisão possibilitaria, por exemplo, que a primeira fase
do serviço de limpeza pública referente à coleta domiciliar fosse considerado
interesse local, enquanto, o destino final do lixo poderia ser tratado como
interesse metropolitano238.
Com base nestas considerações, o autor assim conceituou os interesses
metropolitanos:
Fica entendido que são de interesse metropolitano as etapas e parcelas dos serviços que foram predominantemente regionais. Continuam na alçada municipal as fases dos serviços relacionados na Lei 14 que sejam de interesse local, o que não significa que os Municípios não tenham de compatibilizar o planejamento e a execução dos serviços de sua competência ao planejamento
metropolitano.
O autor ainda observa as legislações complementares nº 20, de 1º de
julho de 1974239, responsável pela criação da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro e da fusão dos Estados do Rio de Janeiro e Guanabara e a Lei
Complementar Paulista nº 94240, de 29 de maio de 1974.
238
AZEVEDO, Eurico de Andrade. Regiões Metropolitanas no Brasil e seu Regime Jurídico. In: Estudos sobre o amanhã – Regiões Metropolitanas. Caderno nº 1. Coedição Instituto Metropolitano de Estudos e Pesquisas Aplicadas da FMU (Imepa). São Paulo: Resenha Universitária, 1978, p.139. 239
Lei Complementar 20/1974–Art. 19 – Fica estabelecida, na forma do art. 164 da Constituição, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Parágrafo único – A Região Metropolitana do Rio de Janeiro constitui-se dos seguintes Municípios: Rio de Janeiro, Niterói, Duque de Caxias, Itaboraí, Itaguaí, Magé, Maricá, Nilópolis, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, São Gonçalo, São João do Meriti e Mangaratiba. Art. 20 – Aplica-se à Região Metropolitana do Rio de Janeiro o disposto nos arts. 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da da Lei Complementar nº 14, de 8 junho de 1973. 240
Lei Complementar Estadual nº 94 de 29/5/1974: Dispõe sobre a Região Metropolitana da Grande São Paulo, autoriza o Executivo a constituir a Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A – EMPLASA, institui o Fundo Metropolitano de Financiamento e Investimento – FUMEFI e dá outras providências:Art. 2º – Reputam-se de interesse metropolitano os seguintes serviços comuns aos municípios que integram ou que venham a integrar a Região Metropolitana da Grande São Paulo: I – planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; II – saneamento básico, notadamente abastecimento de água e rede de esgotos e serviço de limpeza pública; III – uso do solo metropolitano; IV – transportes e sistema viário; V – produção e distribuição de gás combustível canalizado; VI – aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição ambiental, na forma que dispuser a lei federal; e VII – outros serviços que assim forem definidos por lei federal. Art. 4º– Considerar-se-ão participantes da execução do planejamento integrado e dos serviços comuns de interesse metropolitano os Municípios da Região Metropolitana da Grande São Paulo que se vincularem às disposições constantes desta lei complementar, especialmente as dos §§ 2º e 3º deste artigo e cujos representantes assinem o protocolo de participação, em reunião do Conselho Consultivo Metropolitano de Desenvolvimento Integrado a que se refere o art. 6º. § 3º – As etapas ou parcelas dos serviços comuns de interesse metropolitano que possam ser executadas pelo município, sem prejuízo do planejamento e da execução global dos serviços deverão, preferencialmente, ficar sob a responsabilidade executiva dos municípios que integram a Região Metropolitana da Grande São Paulo.
112
Com relação à primeira, verificou que o legislador não foi sensível às
críticas feitas à Lei Complementar nº 14/1973, sobretudo com a definição
ampla dos serviços comuns e incorporou todas as disposições sobre os
serviços comuns da Lei nº 14/1973. O aperfeiçoamentoficou por conta da Lei
Complementar nº 94/1974 de São Paulo (que tratou da adequação da Região
Metropolitana, criada pela Lei Complementar nº 14/1973). Relatou que o
legislador paulista procurou aprimorar a conceituação ampla de serviço comum
da lei federal, introduzindo no art. 4º, §2º a divisão de etapas de serviços para o
Estado e o Município241:
Procurou o legislador estadual, entretanto, no art. 4º, §2º, remediar a conceituação extremamente ampla da Lei Federal, ao estabelecer que as etapas e parcelas dos serviços comuns de interesse regional que não prejudicassem o planejamento global e a execução dos demais serviços, deveriam ser, preferentemente, executados pelos próprios Municípios. Visa a lei, claramente, fazer com que o Estado não assuma a prestação do serviço todo, deixando para a responsabilidade dos Municípios os serviços locais, não considerados de interesse metropolitano.
Apesar da maior parte da doutrina ter localizado no sistema jurídico o
interesse metropolitano, contrapõe os pensamentos expostos, a tese
municipalista de Íris de Araújo Silva242, firmada à luz do sistema jurídico
anterior (Constituições de 1967,1969 e Lei Complementar nº14/1973), que
sustenta a inexistência do interesse metropolitano para evitar a violação da
autonomia municipal.
Segundo ela, o interesse teria sido introduzido por Lei Complementar nº
(14/1973) e não pelas Constituições Federais de 1967/1969, instrumento
jurídico capaz de definir competências federativas. Ademais, a técnica
constitucional para definir competências considera a entidade política e o
interesse correspondente. Em razão da Região Metropolitana não ser
considerada um ente político, posição predominante até hoje, não poderia
exercer competência definida em função de interesse próprio. Esta qualidade
só seria privilégio dos entes políticos municipais, titulares do interesse local.
241
AZEVEDO, Eurico de Andrade. Regiões Metropolitanas no Brasil e seu Regime Jurídico. In: Estudos sobre o amanhã – Regiões Metropolitanas. Caderno nº 1. Coedição Instituto Metropolitano de Estudos e Pesquisas Aplicadas da FMU (Imepa). São Paulo: Resenha Universitária, 1978, p.141. 242
SILVA, Iris Araújo. As Regiões Metropolitanas e a Autonomia Municipal- Revista Brasileira de Estudos Políticos (RBEP) Universidade Federal de Minas Gerais, 1981, p.120.
113
2.1 Critérios de identificação das funções públicas de interesse comum
Segundo Alaôr Caffé Alves243, a doutrina utiliza dois critérios para
identificar funções públicas de interesse comum: legal e decorrente da natureza
do interesse comum
a) o do ponto de vista da jurisdição metropolitana definida “a priori”, sobre determinadas funções públicas listadas e descritas dogmaticamente na lei complementar que instituir a região; ou b) o da seleção “ad hoc”, conforme o exame das características intrínsecas e contextuais pelas quais determinadas funções públicas passam a ser de interesse comum, objetivando, com a aplicação dos critérios disponíveis, identificar-se a organização governamental de âmbito adequado para assumi-lo.
O primeiro critério é mais seguro, embora insuficiente para enquadrar
outras funções que no futuro requeiram esta qualificação. Deste modo,
compete às leis complementares estaduais responsáveis por criarem a região
metropolitana especificar os serviços considerados de interesse comum244. Por
sua vez, o segundo critério, pautado na natureza do interesse comum,
substancial, casuístico245, pode ser alterado em função do desenvolvimento ou
de mudanças de fatores objetivos, de ordem físico-geográfica, social,
econômica, institucional, técnica, financeira ou administrativa. Através destes
critérios, novas interpretações poderão ampliar ou restringir o campo de
atuação local ou regional. Neste caso, a doutrina e a jurisprudência exercem
funções relevantes ao fornecerem conteúdo à cláusula genérica.
Luis Roberto Barroso246, ao tratar especificamente das competências
para a prestação de serviço de saneamento, compartilha o entendimento de
Alaôr Caffé Alves e acrescenta um terceiro critério para distinguir o interesse
local do comum, através do exercício de competências atribuídas para União
(arts.21, XX, 22, IV, 23, parágrafo único e 241 da Constituição Federal). Ela
243
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998. 244
BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002, p.265. 245
BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002, p.264-265. 246
BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002, p.264-265.
114
fixará um critério técnico que concretize as noções de interesse local ou
comum em matéria de saneamento, aplicável de forma geral.
Este posicionamento foi baseado em uma proposta de Projeto de Lei
Federal, no Fórum Nacional dos Secretários de Estados ligados ao setor de
saneamento, que atribuiu ao Município a competência para o serviço como
regra, salvo se sua prestação fosse considerada interesse comum pela lei
complementar estadual, responsável por criar as regiões metropolitanas. Para
Luis Roberto Barroso, a utilização deste critério técnico seria vantajosa por
conferir grau de certeza jurídica à questão e retirar a margem de incerteza
casuística, além de proporcionar certa uniformidade, em âmbito nacional, nos
parâmetros de distribuição de competências do serviço de saneamento básico.
Esta corrente pode ser invocada por aqueles que atualmente participam
dos debates sobre o Estatuto da Metrópole, isto é, do Projeto de Lei Federal nº
3.460 de autoria do ex-deputado federal Walter Feldman (PSDB/SP).O
propósito do projeto é regulamentar o universo das unidades regionais e
fornecer parâmetros uniformes de normatização para fomentar a criação das
figuras regionais pelos Estados-membros.O projeto de lei, ao tratar da questão
metropolitana no âmbito federal, ainda não fixou os critérios que caracterizam
funções comuns pela União, embora esta lógica possa ser utilizada por alguns
parlamentares durante o processo legislativo.
Alguns doutrinadores não compartilham deste entendimento, pois
haveria avocação pela União das funções de atribuir competências aos
Estados-membros, violando as regras constitucionais que atribuem a este
último, competência para fixar de forma casuística ou legal o interesse
metropolitano (art. 25, §3º da Constituição Federal).
Este pensamento também é criticado por Camila Pezzino Balaniuc
Dantas247, em razão da Constituição Federal não atribuir especificamente à
União poder para legislar sobre o assunto, justamente por ser a Carta Magna a
responsável pela divisão de competências administrativas e legislativas entre
os entes federados. Ademais, quando o art. 21, XX da Constituição trata por
parte da União da competência para instituir diretrizes para o desenvolvimento
247
DANTAS, Camila Pezino Balaniuc. A questão da competência para a prestação do serviço público de saneamento básico no Brasil. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana. Saneamento Básico (Estudos e pareceres à luz da Lei 11445/2007). Belo Horizonte: Fórum, 2009.
115
urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos, não
significa que está atribuindo ao ente competência legislativa para estabelecer
normas gerais. Há uma nítida distinção entre os arts.21, XX e 22, XXVII, que
trata da competência da União para elaborar normas gerais de licitação e
contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas
e indiretas. No primeiro caso, a autora explica com base em Marçal Justen
Filho248 que diretriz traduz eleição de fins e a escolha de soluções para resolver
questões práticas. Consiste em determinar parâmetros das políticas adotadas
com relação à determinada atividade. Por sua vez, a competência do art. 22
refere-se à criação de normas gerais, que obrigam como regras jurídicas todos
os entes da federação.
Desta forma, para parte da doutrina, a posição de Luís Roberto Barroso
de atribuir à União critérios para definir competências para prestar o serviço
público de saneamento básico, por exemplo, ultrapassa os limites da
Constituição Federal que define o exercício de competência para cada ente
federado.
Defendem o primeiro critério de definição das funções comuns Caio
Tácito e Sérgio Ferraz.
Caio Tácito249 sustenta que o interesse comum deve ser aferido pelo
legislador estadual mediante um juízo político de valor250 e afirma que a lei
estadual que cria a Região Metropolitana tem o condão de avocar pelo Estado
competência que originariamente seria atribuída ao Município. De acordo com
o autor, a Constituição admitiria a avocação prevista no art. 25, §3º como limite
ao exercício da autonomia municipal.
Da mesma forma, Sérgio Ferraz251, baseado na Constituição de 1969,
entende que a ideia de serviço comum precisa ser regulamentada por lei para
concretizar a Constituição Federal.
248
JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre a minuta de anteprojeto da Lei da Política Nacional de Saneamento Básico para o Ministério das Cidades. Revista Jurídica 72. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev 72/pareceres>. Publicado em: fev.2005, p.44. 249
TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual. Revista de Direito Administrativo nº 242. out-dez. Rio de Janeiro, 2005, p. 345-346. 250
TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual. Revista de Direito Administrativo nº 242. out-dez. Rio de Janeiro, 2005, p.347. 251
FERRAZ, Sérgio. Regiões Metropolitanas no Direito Brasileiro. Revista de Direito Público (RDP) nº 37/38, ano VII. São Paulo: RT, 1976, p. 20-21: “Já a idéia de serviços comuns, afora revestir-se de caráter dinâmico, há de ser, para tornar operativo texto constitucional, normada juridicamente. Essa exigência de caracterização legal, do serviço comum, é, à luz do molde federativo vigente, incontornável: os municípios e Estados têm direito subjetivo às autonomias e competências, podendo, por isso, invocar controle
116
À luz da Carta de 1988, este posicionamento foi adotado por várias
legislações estaduais, como por exemplo, os arts. 7º e 13 da atual Lei
Complementar nº 760/1994 do Estado de São Paulo252.
De outro lado, a Lei Complementar nº 1.139, de 16 de junho de 2011
que reorganiza a Região Metropolitana de São Paulo, baseada na Lei
Complementar nº 760/1994, previu no art. 12 que o Conselho de
Desenvolvimento especificará as funções públicas de interesse comum ao
Estado e aos Municípios da Região Metropolitana de São Paulo, dentre elas o
planejamento e uso do solo, a habitação e o saneamento ambiental.
No entanto, o fato da lei estadual indicar as funções públicas de
interesse comum, não significa que zonas de incertezas ou margens de
interpretação deixem de existir. Aliás, situação que foi bem debatida nas
Constituições de 1967 e 1969 e na Lei Complementar nº 14/1973253, por Eros
Roberto Grau254 e Sérgio Ferraz255.
Ao comentarem a Lei Complementar nº 14/1973, os doutrinadores
constataram que a legislação tratava o interesse metropolitano em função de
dois tipos de serviços comuns: (a) serviços comuns definidos como de
interesse metropolitano para efeitos da Lei Complementar e (b) os serviços
comuns que não receberam essa qualificação normativa.
A divisão foi estabelecida por conta do art.5º, VII, que estabelecia uma
cláusula genérica conferindo ao Conselho Deliberativo a competência de
discriminar por meio de lei ordinária, outros serviços inicialmente não
concebidos como interesse metropolitano. O autor criticava esta disposição em
razão da cláusula excluir vários serviços comuns que se enquadrariam como
função metropolitana do Plano Integrado por sua importância e quantidade.
Verificou ainda que o inciso III, sobre o uso do solo urbano, não
explicitava as etapas ou parcelas da função referentes ao interesse
metropolitano e local. Tratava-se de uma função que envolvia interferências e
jurisdicional da lei instituidora de regiões metropolitanas que extrapolem a idéia legitimadora de sua consagração, o serviço comum a ser realizado”. 252
Estabelece diretrizes para a Organização Regional do Estado de São Paulo. Lei Complementar nº 760/1994, art.7° c/c art. 13. 253
Responsável pela criação das regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. 254
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.176. 255
FERRAZ, Sérgio. Regiões Metropolitanas no Direito Brasileiro. Revista de Direito Público (RDP) nº 37/38, ano VII. São Paulo: RT, 1976, p.19-24.
117
conexões entre o interesse estritamente local e a competência do Estado. O
legislador não definiu coerentemente os limites de cada um.
A Lei Complementar nº 14/1973 atribuiu ao Estado a competência para
tratar de assuntos metropolitanos (art.6º256) o que lhe permitia expedir normas
gerais relativas ao planejamento e controle do uso do solo, inclusive para
definir categorias e condições de uso e ocupação correspondentes, de
procedimentos gerais para aprovar e fiscalizar o uso do solo e das normas
referentes à determinação da área urbana, loteamentos e parcelamentos de
imóveis257.No entanto, em razão desta lacuna da Lei, surgiram conflitos como,
por exemplo, a atribuição completa ao Estado da definição do zoneamento dos
Municípios das regiões metropolitanas, quando a matéria também era de
competência municipal à luz da Constituição anterior. Permaneceu a dúvida
sobre os limites desta fixação.
Ainda hoje, no sistema de nossas leis complementares, a despeito de
serem mencionadas funções públicas, existe margem de discricionariedade,
culminando em situações de difícil conceituação para definir os limites das
expressões interesse local e metropolitano, consideradas conceitos jurídicos
indeterminados. A Lei Complementar nº1139, de 16 de junho de 2011258.
consagra este sistema, atendendo às determinações da Lei Complementar nº
760/1994. Por força do art. 12, o Conselho de Desenvolvimento especificará as
funções públicas de interesse comum ao Estado e aos Municípios da Região
Metropolitana de São Paulo, dentre outras, das funções de planejamento e uso
do solo, habitação e saneamento ambiental. Competirá ao órgão, no caso
concreto, especificar dentre as funções aquilo que será apartado do interesse
local, para tornar-se interesse metropolitano.
Por outro lado, o segundo critério para definir funções, é baseado na
natureza do interesse comum, no exame casuístico259das circunstâncias de
cada função, considerando critérios doutrinários que fornecem conteúdo às
cláusulas interesse local e metropolitano. Dependendo da doutrina adotada,
256
Art. 6º – Os Municípios da região metropolitana, que participarem da execução do planejamento integrado e dos serviços comuns, terão preferência na obtenção de recursos federais e estaduais, inclusive sob a forma de financiamentos, bem como de garantias para empréstimos. 257
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.176. 258
Reorganiza a Região Metropolitana de São Paulo à luz da Constituição Federal de 1988. 259
BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002.
118
alguns critérios irão nortear e definir o interesse. Defendem esta corrente
Michel Temer, Pedro Estevam Serrano, Eros Roberto Grau e Alaôr Caffé Alves.
Na realidade, a fixação casuística necessita de interpretação sobre os
termos interesse local e metropolitano.
Neste sentido, valiosa foi a contribuição de Diogo de Figueiredo Moreira
Neto260 que sistematizou os parâmetros utilizados pela doutrina para
caracterizar os interesses locais e metropolitanos:
Com relação ao interesse local, o autor aponta: a) predominância do local (Sampaio Dória); b) interno às cidades e vilas (Black); c) que se pode isolar (Bonnard); d) territorialmente limitado ao município (Borsi); e) sem repercussão externa ao Município (Mouskheli); f) próprio das relações de vizinhança (Jellinek); g) simultaneamente oposto a regional e nacional (legal); h) dinâmico (Dallari). No que toca ao interesse comum, o autor aponta os seguintes elementos caracterizadores: a) que apresenta predominância do regional. b) que se externaliza às cidades e às vilas; c) que não está isolado; d) que não está territorialmente limitado ao município; e) que tem repercussão externa ao município; f) que transcende as relações de vizinhança; g) que é simultaneamente oposto a local e nacional; h) que está estabilizado por uma definição legal específica.
De outro lado, Alaôr Caffé Alves utiliza critérios para fixar funções
comuns pautadas no desenvolvimento ou mudança de fatores objetivos, de
ordem físico-geográfica, social, econômica, institucional, técnica, financeira ou
administrativa. Entende261 que a configuração das competências municipais ou
regionais não são obtidas apenas por descrição normativa, mas contribuem
para sua definição as mudanças nas dimensões dos serviços prestados, seu
caráter técnico, condições socioeconômicas, geográficas e institucionais. O
autor defende ainda que estes fatores poderão redistribuir as competências262:
Muitas vezes realiza-se uma certa redistribuição de competências a partir tão somente da consideração a respeito da alteração dos fatos que concretizam o conteúdo delas, em virtude das mudanças ou transformações objetivas do mundo real. Em conseqüência, altera-se o campo da competência, mediante expansão ou restrição de natureza hermenêutica a respeito dos fatos e dos textos dogmáticos, com reflexos inevitáveis no plano jurídico da autonomia[...]. A configuração de competências tem aspectos formais e materiais, e estes últimos, como conteúdos empíricos, dependem da realidade
260
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Poder concedente para o abastecimento de água. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro nº 1, 1999, p.66-67. 261
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 36-37. 262
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 36-38.
119
constatada e não apenas da expressão literal de seus respectivos conceitos. Os conceitos jurídicos, não só os teóricos, mas também os de natureza normativa, devem ser completados ou saturados com o concurso da experiência sobre o mundo sócio-econômico, realizando-lhes a concreção interpretativa e aplicativa. [...] O conceito é, por conseguinte, dinâmico e adaptável às circunstâncias da natureza e da conveniência técnica, social ou política, devendo ser, tais circunstâncias e fatores, devidamente ponderados e justificados, podendo até ser deduzidos em possível argüição jurídico-contenciosa.
Alaôr Caffé Alves acrescenta ao critério ad hoc que a caracterização das
funções de interesse comum por vezes é identificada pelos efeitos, impactos ou
polarizações que os problemas exercerão no entorno regional, estadual ou
municipal263.
O autor relaciona interesses locais e metropolitanos264. Ao verificar que o
interesse municipal é interesse predominante local nos campos dos serviços
públicos, e ordenamento urbano, afirma que não há atividade, serviço ou obra
que por sua natureza intrínseca, sejam considerados de exclusivo interesse
local. O mesmo em relação ao interesse metropolitano. Assim, sugere como
critério jurídico para apartar as fronteiras entre o interesse local e o
metropolitano, o maior ou menor grau de repercussão do problema para aquém
ou além dos limites do Município265.
Além de apontar os critérios que oferecem parâmetros para identificar
interesse metropolitano, acrescenta ao conceito o fato do interesse
metropolitano não ser autônomo em relação aos interesses locais e estaduais,
263
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.35: “O interesse comum dessas funções está expressamente referido à unidade operacional a ser constituída de uma diversidade representada pelos Municípios agregados de uma determinada região, associados ao Estado. Seu reconhecimento jurídico é assim, uma resposta institucional para problemas urbano-regionais de caráter complexo e de dimensões supralocais. Tais dimensões, entretanto, não estão diretamente referenciadas à ocupação física de espaços supramunicipais, mas sim aos efeitos, impactos ou polarizações que eventualmente esses problemas possam exercer no entorno regional, estadual, nacional e até internacional. Assim, por exemplo. O Metrô tem sua rede atual implantada totalmente dentro do território do Município de São Paulo. No entanto, em razão dos problemas a que está ordenado a resolver, ele é considerado, sem sombra de dúvida, como equipamento metropolitano, exercendo seu raio de ação influente para além dos lindes do Município da Capital, envolvendo toda a região metropolitana de São Paulo. Uma greve, por exemplo, dos trabalhadores daquele Metrô afeta não só o complexo sócio-econômico da Capital, mas todo o entorno metropolitano, com reflexos inequívocos em todo o país. Daí o seu indiscutível caráter de serviço metropolitano”. 264
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 27. 265
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 27.
120
acarretando consequênciasem relação à titularidade do serviço. Neste aspecto,
Alaôr Caffé Alves discorda de Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz.
Alaôr Caffé Alves afirma266 que o interesse metropolitano decorre de
uma parcela dos interesses das unidades político-administrativas envolvidas na
promoção e execução dos serviços comuns, por isto denominado serviço
comum267.
O ministro Ricardo Lewandowski em seu voto-vista na ADIN 1842
adotou este entendimento e formulou o seguinte conceito de função pública de
interesse comum:
As funções públicas de interesse comum, inconfundíveis com aquelas de interesse exclusivamente local, correspondem, pois, a um conjunto de atividades estatais, de caráter interdependentes, levadas a efeito no espaço físico de um ente territorial, criado por lei complementar estadual, que une Municípios limítrofes relacionados por vínculos de comunhão recíproca.
Compartilhando o entendimento, Eros Roberto Grau268 explica que o
interesse local do município não é exclusivo, pois tudo aquilo que interessa ao
município também influencia as esferas de interesse estadual e federal. Neste
sentido, o fator de discrímen diz respeito ao conceito de interesse
predominantemente local. Um mesmo interesse, dependendo do caso
concreto, poderá ser municipal, comum a outros municípios ou até regional e
federal, como no caso do abastecimento de água potável269.
266
ALVES, Alaôr Caffé.Saneamento Básico – Concessões, Permissões e Convênios Públicos (pareceres). Bauru: Edipro, 1998, p.192. 267
ALVES, Alaôr Caffé.Saneamento Básico – Concessões, Permissões e Convênios Públicos (pareceres). Bauru: Edipro, 1998, p.192. Vale ressaltar que a opinião do autor ainda contava com a terminologia utilizada pela carta constitucional anterior. De acordo com a terminologia do jurista: “O interesse metropolitano não se automizou em relação às unidades governamentais implicadas na solução dos problemas a ele atinentes. Juridicamente, portanto, não se reconhece o interesse metropolitano senão como parcela dos respectivos interesses das unidades político-administrativas envolvidas na promoção e execução dos serviços comuns. Daí a conotação específica incluída na idéia de “serviço comum”, em termos da cooperação mútua entre os níveis de governo, considerados horizontal (entre municípios da mesma região) e verticalmente (entre União, Estado e Municípios)”. 268
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.62-63. 269
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974. Segundo o autor: “Para pequenos municípios, supridos por mananciais suficientes à demanda e de cuja exploração não resultem reflexos sensíveis sobre outros, aquele problema será de interesse nitidamente municipal. Se, no entanto, imaginarmos grandes concentrações urbanas que ultrapassem a área de mais de um município e onde a demanda se faz muito intensa, sendo, ademais, os recursos hídricos disponíveis utilizados também como força motriz para a geração de energia elétrica, em relação à comunidade desse aglomerado urbano, o problema transcende os limites municipais e passa a assumir relevâncias de ordem não estritamente local, mas de caráter comum a todos eles, com o que diríamos regional. O mesmo se diga, por exemplo, com referência ao problema de energia elétrica, que pode assumir caracteres de predominância de interesse de natureza local ou regional, conforme a sua demanda se torne ativada por fatores de ordem regional ou não. A noção referida, nestas condições,
121
Eros Roberto Grau elaborou um conceito de interesse metropolitano
considerando a realidade metropolitana que envolve área urbana e engloba
multiplicidade e superposições de autoridades e competências político-
administrativas:
O fenômeno metropolitano gera efeitos que extravasam, com intensidades comuns, aos limites territoriais de competência institucional de várias autoridades e unidades administrativas dentro da metrópole, exigindo, desta forma, soluções coordenada e integradas de parte daquelas mesmas autoridades e unidades. É certo, assim, que a juridicidade do conceito de interesse metropolitano, também referido como peculiar interesse metropolitano e que melhor designaríamos como interesse predominantemente metropolitano, que esta juridicidade possibilita ao Estado, em função do que dispõe o parágrafo único do art. 13 da Constituição Federal
270,
intervir na área metropolitana para atendê-lo. E nem se alegue que isso implica em redução de autonomia municipal, do ponto de vista jurídico, visto que os municípios continuarão com sua administração própria relativamente a tudo quanto for de seu interesse predominante.
E, por fim271, invoca o conceito de função metropolitana delineado no
Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da Grande São Paulo,
elaborado pelo governo de São Paulo272:
Atividades e serviços urbanos, ou parte destes, que, pela natureza de sua disciplina, implantação ou operação, resultem em conexões e interferências recíprocas entre os diferentes municípios, exigindo ação unificada e planejada que ultrapasse seus limites institucionais.
A tônica fundamental da identificação do interesse metropolitano,
portanto, está nas conexões e interferências recíprocas entre os municípios,
que exigem ação unificada do ponto de vista administrativo, justamente, por
ultrapassar os limites de competência das unidades municipais273.
Explica o autor que nas cidades não pertencentes às regiões
metropolitanas os serviços urbanos são prestados pelas administrações locais,
isoladamente. Por sua vez, se integrarem região metropolitana, uma parte
permite que tais problemas possam ser entendidos numa hipótese como de interesse municipal e, em outra, como de interesse regional, comum a mais de um município”. 270
Art. 14 (e não 13 da CF de 1967 com Emenda nº1 de 1969). “Lei complementar estabelecerá os requisitos mínimos de população e renda pública, bem como a forma de consulta prévia às populações, para a criação de municípios. Parágrafo único. A organização municipal, variável segundo as peculiaridades locais, a criação de municípios e a respectiva divisão em distritos dependerão de lei”. 271
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.18. 272
Edição do Grupo Executivo da Grande São Paulo (GEGRAN), 1971, p.189. Decreto nº 47.863/1967 criou o Conselho de Desenvolvimento da Grande São Paulo e o Grupo Executivo da Grande São Paulo (GEGRAN), como embrião de uma futura autoridade metropolitana. 273
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.20.
122
poderá consubstanciar a função metropolitana. O critério que irá qualificá-lo
como interesse metropolitano diz respeito às interferências e conexões
comuns, capazes de alcançar a generalidade dos municípios que integram a
região metropolitana. É por isto que o interesse metropolitano impõe uma
administração coordenada para gerir as conexões e interferências entre as
funções dos municípios conurbados.
Recentemente, Eros Roberto Grau274 tratou do tema referente ao
interesse metropolitano, com base nos conceitos da Lei Complementar nº
14/1973, embora tenha admitido que ela não teria sido recepcionada pela atual
Carta Constitucional: “Em síntese, serviço comum é o que, mercê de seu
caráter interlocal, reclama administração intermunicipal. Tratando-se de serviço
de interesse interlocal, aos Municípios por ele afetados incumbiria a sua
administração”. Na realidade, o autor identifica que o interesse ultrapassa
estritamente a esferas locais, em função da conurbação urbana entre eles,
conceituando-o como interlocal. Através do fenômeno urbano da conurbação
surgem serviços que atendem simultaneamente a mais de um interesse local,
afetando algumas concepções e categorias utilizadas para descrever o
funcionamento do sistema de distribuição de competências em nosso sistema
federativo275:
O antigo modelo, da cidade incrustrada no Município, é implodido. Um novo modelo são os Municípios, então, que se incrustam em determinadas cidades se impõe, a exigir a adaptação, ao novo, das formas institucionais produzidas a partir do antigo modelo. Diante da vocação homeostática das formas jurídicas, capacidade de adaptação à realidade, a análise de cada dado da realidade informará essa adaptação.
O interesse metropolitano, na visão do autor, é portanto aquele serviço
que atende concomitantemente a mais de um interesse predominantemente
local, ou seja, envolve vários interesses locais, prestado e administrado pelos
Municípios. Seria o interesse metropolitano, o interesse local que se desdobra
em interesse interlocal. A partir deste raciocínio, o autor entende que a
competência para organizar e prestar o serviço interlocal seria do Município. E
274
GRAU, Eros Roberto. Sobre a prestação, pelos Municípios, do serviço público de abastecimento de água. In: Estudos de Direito Constitucional e Urbanístico em homenagem à Professora Magnólia Guerra. São Paulo: RCS, 2007, p.133. 275
GRAU, Eros Roberto. Sobre a prestação, pelos Municípios, do serviço público de abastecimento de água. In: Estudos de Direito Constitucional e Urbanístico em homenagem à Professora Magnólia Guerra. São Paulo: RCS, 2007, p.132.
123
de acordo com o art. 25, §3º, da Carta, o Estado ao instituir as regiões
metropolitanas por lei complementar apenas deveria integrar a organização, o
planejamento e a execução dos serviços, cabendo ao Município a prestação e
a organização276.
Pedro Estevam Serrano277, ao lado de Alaôr Caffé Alves, adota o
segundo critério para definir as funções comuns, pautado no exame casuístico.
De acordo com o autor, a definição de interesse local ou metropolitano não tem
densidade semântica278 capaz de apresentar conteúdos facilmente detectáveis
arrolados em determinada legislação com tranquilidade. Será necessário
interpretar os termos de acordo com o caso concreto.
Deste modo, um interesse originalmente local pode pela modificação da
realidade urbana no tempo, transformar-se em interesse predominantemente
regional, sem alteração no âmbito jurídico da competência municipal. Isto
significa que as circunstâncias do mundo fático serão interpretadas para
identificar o alcance e o sentido do interesse metropolitano279, conforme explica
Luis Roberto Barroso280:
A noção de predominância de um interesse sobre os demais implica a idéia de um conceito dinâmico. Isto é: determinada atividade considerada hoje de interesse predominantemente local, com a passagem do tempo e a evolução dos fenômenos sociais, poderá perder tal natureza, passando para a esfera de predominância regional e até mesmo federal. Uma série de fatores pode causar essa alteração: desde a formação de novos conglomerados urbanos, que acabam fundindo municípios limítrofes, até a necessidade técnica de
276
GRAU, Eros Roberto. Sobre a prestação, pelos Municípios, do serviço público de abastecimento de água. In: Estudos de Direito Constitucional e Urbanístico em homenagem à Professora Magnólia Guerra. São Paulo: RCS, 2007, p.134. 277
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Regiões Metropolitanas e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.142. Confira o entendimento do autor: “A caracterização de determinada atividade em determinado local e em determinado tempo como sendo de interesse regional ou local para fim de discriminar qual ente federado é o competente para titularizá-la é ato cognoscente do disposto na norma constitucional em sua aplicação fática, e não juízo de valor apto a ensejar a criação normativa autônoma. Vejamos, por exemplo, a possibilidade de um interesse originalmente local que pode, pela transformação urbana no tempo, transmutar-se em interesse predominantemente regional, mas sem que isso implique qualquer alteração no âmbito jurídico da competência autônoma municipal [...] Mas, note-se que o que sofreu alteração foi o domínio normativo, na expressão de Canotilho (dados da situação fática que condicionam o alcance e o sentido do texto normativo em sua aplicação à realidade), e não o programa normativo (o texto normativo abstratamente considerado, que, em conjunto com o domínio normativo, compõe a norma jurídica na visão hermenêutico-concretizadora do referido autor)”. 278
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.166. 279
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.143. Segundo o autor “Não ocorre na espécie alteração alguma na competência municipal, apenas se realiza novo ato cognoscente de sua incidência pela alteração das circunstâncias fáticas sobre as quais ocorre sua aplicação”. 280
BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002, p.261.
124
uma ação integrada de vários municípios, para a realização do melhor interesse público. Também não é impossível imaginar o processo inverso, diante de uma substancial alteração da forma de ocupação populacional no território.
Dependendo de como compreendermos a definição das funções
públicas de interesse comum – se fixadas por lei ou por interpretação
casuística – alguns reflexos serão causados à autonomia municipal.
Pedro Estevam Serrano discorda de Alaôr Caffé Alves281 por este último
defender que os critérios fáticos do fenômeno da conurbação provocam
reflexos no aumento de competências metropolitanas, em detrimento das
competências atribuídas inicialmente pela Constituição aos Municípios.
Em face disto, Pedro Estevam Serrano argumenta que diante do caso
concreto, o legislador estadual não poderá modificar competências federativas
nem atribuir a determinados serviços caráter regional ou local282:
A caracterização de determinada atividade em determinado local e em determinado tempo como sendo de interesse regional ou local para fim de discriminar qual ente federado é o competente para titularizá-la é ato cognoscente do disposto na norma constitucional em sua aplicação à situação fática, e não juízo de valor apto a ensejar a criação normativa autônoma.
Contudo, não identificamos divergência entre os autores quanto à
conceituação do interesse metropolitano. Eventuais divergências dizem
respeito apenas à titularidade da função pública de interesse comum.
Alaôr Caffé Alves não entende que legislação estadual em razão de
fatores urbanísticos, sociais, geográficos e físicos tenham o condão de
modificar competências jurídicas locais ou regionais. Aponta283e sistematiza
possíveis critérios para identificar o interesse metropolitano, enfatizando,
inclusive, que identificar interesse metropolitano é fruto de interpretação.
Reconhece ainda dificuldade de identificar a qualidade de determinado
serviço. Tem caráter regional, por exemplo, os serviços de transportes
suburbanos e o tratamento dos esgotos da metrópole. Por outro lado, há
281
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.144. 282
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.142. 283
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.269.
125
serviços de caráter nitidamente local, como a gestão de cemitérios, a
regulamentação dos espaços destinadas às feiras-livres e enquadrados em
zonas cinzentas de identificação que demandam uma interpretação casuística.
Neste caso, o jurista propõe critérios para balizar a interpretação: a) a região
metropolitana tem funções públicas de interesse comum próprias, distintas das
funções estaduais, macrorregionais ou locais; b) as funções públicas de
interesse comum metropolitano compreendem também o interesse local dos
Municípios metropolitanos. Isto justifica a participação destes Municípios nas
decisões sobre sua organização, regulamentação, planejamento e execução; c)
as funções públicas de interesse metropolitano incluem atividades que podem
ser segregadas em etapas ou parcelas distintas, para atribuir competências
aos diferentes agentes públicos; d) em determinadas parcelas ou fases das
funções públicas de interesse metropolitano persiste a competência
concorrente (supletiva) ou comum do Município. Em suma, são critérios
geográficos, econômicos, financeiros, técnico, institucional e estratégico
capazes de permitir ao intérprete fixar determinada categoria de interesse.
A divergência aparece quando Alaôr Caffé Alves cita o art.13 da Lei
Complementar Estadual nº 760/1994 que permite a definição específica das
funções públicas de interesse comum por parte de cada Conselho de
Desenvolvimento Regional, dentro das funções arroladas no art. 7º, I a VII.
Neste ponto a lei estadual permite, em razão de fatores físicos, geográficos,
sociais, econômicos e administrativos, novas interpretações dos conceitos
normativos, ora ampliando ora restringindo o campo de atuação local ou
regional. No entanto, identificar critérios doutrinários e jurisprudenciais e indicar
parâmetros de funções no próprio artigo reduz a margem de subjetivismo da
atuação discricionária do Conselho Deliberativo (art.9º e 10).
O que poderia ser uma divergência entre autores, deve ser analisado
com cautela. A legislação do Estado de São Paulo, por exemplo, atribuiu a
especificação das funções públicas de interesse comum ao Conselho de
Desenvolvimento, órgão colegiado, composto por representantes dos
Municípios e do Estado envolvidos na Região Metropolitana.
126
A Lei Estadual nº 760/1994284 e as complementares responsáveis por
criar outras regiões metropolitanas285contém conceitos jurídicos indeterminados
em suas disposições, o que demanda ao órgão colegiado especificar dentre os
serviços indicados – como, por exemplo, planejamento e uso do solo, meio
ambiente e saneamento básico – os que serão definidos metropolitanos.
Alaôr Caffé Alves e Pedro Estevam Serrano defendem que compreender
interesse metropolitano é ato cognoscente, uma interpretação exercida pelo
órgão colegiado e não de previsão de lei complementar estadual, que a
qualquer tempo poderá modificar as competências dos entes federados
atribuídas pela Constituição Federal.
Nossa posição
Diante das proposições jurídicas expostas, concluímos que os conceitos
jurídicos de interesse metropolitano e local são indeterminados. No interesse
local, predomina o do município em relação ao Estado ou União.
No interesse local predomina o do Município em relação ao Estado ou
União. O interesse comum refere-se ao predomínio regional, pois não está
territorialmente limitado a um único município e envolve um conjunto de entes
locais limítrofes. Os interesses metropolitanos resultam em conexões e
interferências recíprocas entre os diferentes municípios e exigem ação
unificada, integrada entre os Municípios da região e o Estado responsável pela
sua criação. As funções comuns, portanto, dizem respeito simultaneamente
aos vários municípios conurbados, cuja gestão exige uma atuação integrada.
Já os conceitos jurídicos de interesse metropolitano e local são
indeterminados, conforme sustenta Luís Roberto Barroso286:
São expressões de sentido fluido, destinadas a lidar com situações nas quais o legislador não pôde ou não quis, no relato abstrato do enunciado normativo, especificar de forma detalhada suas hipóteses de incidência ou exaurir o comando a ser dele extraído. Por essa razão, socorre-se ele de locuções como as que constam da Constituição brasileira de 1988, a saber: pluralismo político,
284
Lei Complementar Estadual nº 760, de 1 de agosto de 1994– Estabelece diretrizes para a Organização Regional do Estado de São Paulo. Lei responsável pela criação da Região Metropolitana de São Paulo (Lei 1139/2011), 285
Lei Complementar nº 1139 de 16 de junho de 2011, art.12. 286
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Os Conceitos fundamentais e a Constituição do Novo Modelo). 2ª tiragem. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.313.
127
desenvolvimento nacional, segurança pública, interesse público, interesse social, relevância e urgência, propriedade produtiva, em meio a muitas outras. Como natural, o emprego dessa técnica abre para o intérprete um espaço considerável, mas não ilimitado ou arbitrário, de valoração subjetiva.
Os conceitos indeterminados, conforme já discorremos, têm áreas de
certeza positiva, negativa e zonas de penumbra. Isto significa que é possível
identificar as zonas de certeza positiva de determinado termo, ou seja, o que
compreendemos claramente sobre o seu sentido. De outro lado, identificamos
as zonas de certeza negativa, isto é, aquilo que jamais será considerado o
sentido de determinado termo. E, por fim, a zona intermediária, que gera
dúvida e depende da decisão final do Judiciário para oferecer parâmetros para
defini-los à luz do caso concreto. Ao interpretarmos interesse local, verificamos
que sua zona de certeza negativa está no interesse nacional e regional. Por
outro lado, a de certeza positiva é aquilo considerado predominante em relação
aos outros interesses da federação. Mas existem casos nos quais surgirão
dúvidas, e portanto, estaremos diante da zona de penumbra do conceito.
Luís Roberto Barroso287 explica que a jurisprudência do STF, ao
interpretar os conceitos indeterminados das normas constitucionais, admite o
controle judicial de seu sentido, até porque, em inúmeras ocasiões já se
pronunciou sobre o sentido e o alcance que determinados termos devem
apresentar. Basta lembrarmos a interpretação da relevância e urgência para a
edição de Medida Provisória, (art. 62 da Carta Magna)288. Conclui o autor 289
que“a atividade de integração do sentido dessas cláusulas gerais é suscetível
de controle judicial, que será mais forte nas áreas de certeza positiva e
negativa e mais deferente nas zonas de penumbra”.
Desta forma, interesse metropolitano e local são conceitos que exigem
interpretação jurídica. Aliás, por mais clara que seja uma norma, sempre será
interpretada, até porque sua redação por vezes conterá conceitos imprecisos.
287
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Os Conceitos fundamentais e a Constituição do Novo Modelo). 2ª tiragem. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.315. 288
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. DJU, 23/04/2004, ADINMC 2213/DF, Rel Min. Celso de Mello. 289
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Os Conceitos fundamentais e a Constituição do Novo Modelo). 2ª tiragem. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.317.
128
A tarefa do jurista é identificar o sentido e o alcance da norma jurídica,
revelando o seu conteúdo, conforme explica Maria Helena Diniz 290:
Interpretar é descobrir o sentido e alcance da norma, procurando a significação dos conceitos jurídicos. Devido aos motivos já mencionados – vaguidade, ambigüidade do texto, imperfeição e falta de terminologia técnica, má redação – o magistrado, a todo instante, ao aplicar a norma ao caso sub judice, a interpreta, pesquisando o seu significado. Isto é assim porque a letra da norma permanece, mas seu sentido se adapta a mudanças que a evolução e o progresso operam na vida social. Interpretar é, portanto, explicar, esclarecer, dar o verdadeiro significado do vocábulo, extrair da norma tudo o que nela se contém, revelando seu sentido apropriado para a vida real e conducente a uma decisão.
A interpretação jurídica é feita pelo método subsuntivo, ou seja, o
intérprete diante da premissa maior (norma jurídica), verifica a ocorrência do
fato ali relatado, isto é, premissa menor (no mundo fenomênico). Ao enquadrar
o fato concreto à hipótese normativa, imputará ao fato uma conclusão, ou seja,
será declarada uma consequência jurídica.
Luís Roberto Barroso291 explica sucintamente o método subsuntivo de
interpretação:
Após examinar a situação de fato que lhe foi trazida, irá identificar no ordenamento positivo a norma que deverá reger aquela hipótese. Em seguida, procederá a um tipo de raciocínio lógico, de natureza silogística, no qual a norma será a premissa maior, os fatos serão a premissa menor e a conclusão será a consequência do enquadramento dos fatos à norma. Esse método tradicional de aplicação do Direito, pelo qual se realiza o enquadramento dos fatos na previsão da norma e pronuncia-se uma conclusão, denomina-se método subsuntivo.
Caberá ao intérprete examinar os fatos concretos para identificar sua
adequação à norma jurídica qualificada por conceito indeterminado. Fixar o
sentido das funções comuns e do interesse local diz respeito ao juízo de
subsunção.
De acordo com as leis estaduais que tratam das Regiões Metropolitanas,
qual o sistema adotado para qualificar o interesse metropolitano?
290
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.430. 291
Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Os Conceitos fundamentais e a Constituição do Novo Modelo). 2ª tiragem. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.297.
129
Utilizaremos a legislação de São Paulo e Minas Gerais para
esclarecermos a questão, devido ao grau de institucionalização e
aperfeiçoamento alcançados pela gestão metropolitana.
A Lei Complementar do Estado de São Paulo nº 760/1994, responsável
pela organização regional do Estado, previu em seu art. 7º as atividades
consideradas de interesse comum292.
Segundo o art. 13, I, da lei, cabe ao Conselho de Desenvolvimento
especificar os serviços públicos de interesse comum do Estado e dos
Municípios na unidade regional, compreendidos nos campos funcionais do art.
7º, bem como, as etapas ou fases e respectivos responsáveis.
Mas de que forma as funções serão especificadas? Segundo o art.8º,
parágrafo único, e art. 9º, o exercício das funções públicas comuns decorrerá
da participação paritária do conjunto dos municípios em relação ao Estado,
pois o Conselho, normativo e deliberativo, será composto por representante de
cada município e do Estado.
Para garantir a participação paritária dos Municípios e do Estado,
determina o art. 16, sempre que no Conselho de Desenvolvimento existir
diferença de número entre os representantes do Estado e dos Municípios, que
os votos sejam ponderados, de maneira que, no conjunto, tanto os votos do
Estado como os dos Municípios correspondam a 50% da votação293.
Importante observarmos que o voto-vista de Ricardo Lewandowski na
ADIN 1842 acolheu o entendimento de Gilmar Mendes, ao não exigir no
compartilhamento decisório entre o Estado criador da Região Metropolitana e
os Municípios que as compõem, uma participação paritária relativamente a
qualquer um deles.
A decisão não torna inconstitucionais as leis mineiras e paulistas que
preveêm estes mecanismos em suas legislações.
A Lei Complementar nº 1.139/2011, que reorganizou a Região
metropolitana de São Paulo, criou em seu art. 5º o Conselho de
Desenvolvimento da Região de caráter normativo e deliberativo (art.154 da
Constituição Estadual e 9º e 16 da Lei Complementar nº 760, de 1º de agosto
de 1994).
292
Lei Complementar 760/1994, Art.7º, I a VII. 293
Lei Complementar nº 760/1994, art. 16, §1º a § 4º.
130
O Conselho de Desenvolvimento integrará uma autarquia responsável
pela gestão da Região Metropolitana, que por sua vez (art. 17, §1º) será
vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano.
Os arts. 6º e 12 reiteram a competência do Conselho de
Desenvolvimento para especificar as funções públicas de interesse comum ao
Estado e aos Municípios da Região, de acordo com os campos funcionais do
art. 12, I a VIII.
A Lei Complementar reiterou a composição paritária dos Municípios em
relação ao Estado para viabilizar a participação dos Municípios na definição
das funções comuns294.
A Constituição do Estado de Minas Gerais, por sua vez, definiu função
pública de interesse comum, em seu art. 43, como“a atividade ou o serviço cuja
realização por parte de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause
impacto nos outros Municípios integrantes da região metropolitana”.
Contudo, ao contrário do Estado de São Paulo, as especificações das
funções públicas (parágrafo 2°) serão definidas na lei complementar que criar a
região metropolitana.
A Lei Complementar nº89/2006 que dispõe sobre a Região
Metropolitana de Belo Horizonte prevê (art. 8º) que a atuação dos órgãos de
gestão da RMBH295 abrangerá as funções comuns indicadas nos incisos I a XII
do artigo 8º. A Lei estabeleceu referências um pouco mais precisas em relação
ao interesse metropolitano. No entanto, subsiste uma margem considerável de
interpretação para ser realizada pelos órgãos de gestão da Região
Metropolitana, com base no critério do art. 43 da Constituição Estadual.
São órgãos de gestão nos termos da Constituição Estadual, da Lei
Complementar nº 88/2006 e da Lei Complementar nº 89/2006 responsável pela
criação da Região Metropolitana de Belo Horizonte: Assembleia Metropolitana,
Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano e Agência de
Desenvolvimento, de caráter técnico e executivo.
294
Art. 7º, §1º, 3º e 5º; art.9º, parágrafo único; art. 10, §1º, 2º e 3º. 295
Região Metropolitana de Belo Horizonte.
131
Em todos eles a lei296 assegura a representação paritária entre o Estado
e os Municípios da região metropolitana.
Os integrantes dos órgãos colegiados no Estado de São Paulo e em
Minas Gerais deverão deliberar democraticamente sobre o conteúdo jurídico do
interesse metropolitano, na forma da legislação, considerando os interesses
dos municípios e Estado envolvidos. Mesmo com a discussão realizada em
órgãos colegiados, a identificação da função comum decorrerá de vontade da
maioria, dependendo do quórum estabelecido em cada legislação.
Neste momento, ao interpretarem a norma, deverão considerar o
atendimento aos fins sociais e aos objetivos que pretende garantir, como os
dos incisos do art. 3º da Lei Complementar nº 1.139/2011, incluindo a redução
das desigualdades regionais (V). Segundo Maria Helena Diniz297:
Ao se interpretar a norma, deve-se procurar compreendê-la em atenção aos seus fins sociais e aos valores que pretende garantir. O ato interpretativo não se resume, portanto, em simples operação mental, reduzida a meras inferências lógicas a partir das normas, pois o intérprete deve levar em conta o coeficiente axiológico e social nela contido, baseado no momento histórico em que está vivendo. Dessa forma, o intérprete, ao compreender a norma, descobrindo seu alcance e significado, refaz o caminho da “fórmula normativa” ao “ato normativo”, tendo presentes os fatos e valores dos quais a norma advém, bem como os fatos e os valores supervenientes, ele a compreende, a fim de aplicar em sua plenitude o “significado nela objetivado”.
Assim, na realidade, deverão interpretar a lei para atender aos fins
sociais a que a norma se dirige (art. 5o da Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro - Lei Federal nº 12.376/2010).
2.2 Titularidade da função pública de interesse comum
Até o momento examinamos os esforços da doutrina em estabelecer as
bases para definir interesse metropolitano. Por outro lado, pelo fato das
Regiões Metropolitanas não serem consideradas entidades políticas
federativas, é necessário identificar o ente federado responsável pela
296
Constituição do Estado de Minas Gerais: Art. 46 §1°, §2°, §3°, I, II, III, §4°. Lei Complementar 88 de 12/1/2006: Dispõe sobre a instituição e a gestão de região metropolitana em geral. Art. 7º, I, II, III, IV, Art. 9º; Lei Complementar 89/2006, arts. 4º e 5º. 297
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.432.
132
titularidade das suas funções, ou seja, o escolhido pela Constituição para
planejar, normatizar a prestação e execução de determinada função pública.
As discussões doutrinárias e jurisprudenciais questionam como serão
tomadas as decisões pelas Regiões Metropolitanas. Quem são os
responsáveis pelo planejamento, organização e execução do interesse
metropolitano, uma vez que conforme o art. 25, §3º da Constituição Federal,
compete exclusivamente ao Estado criar as Regiões Metropolitanas?
2.2.1 Noções gerais
A noção comum de titularidade está relacionada à qualidade de titular,
dono, senhor e possuidor298.
Do ponto de vista jurídico e para o desenvolvimento deste trabalho nos
interesssa o sentido técnico. Juridicamente, a noção tem íntima ligação com a
divisão constitucional de competências do sistema federalista.
O art. 25, §3º da Constituição Federal, ao dispor que Lei Complementar
Estadual instituirá regiões metropolitanas para integrar a organização, o
planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum,
transferiu ao titular as funções que serão desenvolvidas, sem ao menos revelar
o sujeito que as realizará. Assim, o responsável pela execução das funções
comuns deverá atuar de forma legislativa e administrativa, ou seja, editar
normas que disciplinarão as atividades administrativas de organização,
planejamento e execução dos serviços públicos e das medidas de polícia
relacionadas ao interesse metropolitano.
Por isto Alaôr Caffé Alves299 ao discorrer sobre função pública explica
que o ente responsável não deverá apenas executar os serviços e respectivas
concessões, mas também editar leis, estabelecer diretrizes de políticas
públicas e fiscalizar sua execução, reunindo dimensões administrativas e
legislativas de determinada atribuição estatal.
A ideia de titularidade é correlata à de responsável pelo exercício de
determinada competência administrativa ou legislativa de acordo com a divisão
298
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994. 299
ALVES, Alaôr Caffé. Saneamento Básico – Concessões, Permissões e Convênios Públicos (pareceres). Bauru: Edipro, 1998, p.195.
133
constitucional de competências300. Verificamos, por exemplo, que o Município é
competente para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, da
Constituição Federal) e para organizar e prestar, diretamente ou sob regime de
concessão, permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de
transporte coletivo, que tem caráter essencial.
Com relação às Regiões Metropolitanas, o constituinte não atribuiu o
regime jurídico de ente federado, dotado de autonomia política. Desta forma, as
Regiões Metropolitanas apenas titularizam competências administrativas
originárias para organizar, planejar e executar funções públicas de interesse
comum.
Diante desta distinção, questiona-se a definição da titularidade sobre o
exercício das funções públicas de interesse comum, uma vez que as Regiões
Metropolitanas não têm autonomia política, cabendo apenas aos Estados e
Municípios integrantes executar estas funções.
Maria Coeli Simões Pires e Gustavo Gomes Machado identificaram com
clareza o problema que envolve a discussão sobre a titularidade das funções
públicas de interesse comum301:
É relativamente pacífico o entendimento quanto à titularidade de certas funções públicas. É o que se dá, por exemplo, em relação ao saneamento e ao transporte público, que, vinculados ao interesse local, situam-se no campo de competência municipal. Não cabe discordância quanto à titularidade municipal desses serviços, quando os sistemas correspondentes são caracterizados tecnicamente como isolados. No caso da função saneamento, por exemplo, tem-se tal caracterização quando a captação, a produção, o estoque e a distribuição da água, assim como a coleta e a disposição final de resíduos sólidos, localizam-se dentro dos limites territoriais do Município. O tema, entretanto, deixa de ser pacífico quando a execução das funções públicas causa impacto em outras municipalidades, como ocorre normalmente em região metropolitana, território no qual a integração entre os Municípios é material por força do processo de conurbação. Em tais casos, é impossível separar as infra-estruturas envolvidas, o que por si transmuta o interesse local em interesse comum-regional. Nessas situações de integração de infra-estruturas, alguns entendem que o estabelecimento de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, ao abrigo do
300
Competência material exclusiva (art 21 da CF), comum (art 23 da CF), bem como, da competência legislativa exclusiva (art 25, §1º e §2º), privativa (art 22 da CF), concorrente (art 24 da CF) e suplementar (art 24, §2º da CF). 301
MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, p.416. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
134
art. 25, §3°, da Constituição da República, concorre para transferência da titularidade das funções públicas de interesse comum para o Estado. Já outros entendem que a instituição dessas unidades regionais não tem o condão de retirar dos Municípios a titularidade sobre as funções públicas de interesse comum. Reconhecem, no entanto, que o interesse regional envolvido autoriza o Estado a estabelecer diretrizes, critérios e limites para atuação municipal para a prestação de serviços públicos de impacto supramunicipal, a invocar a competência legislativa no âmbito estadual.
2.2.2 Posições da doutrina em relação à titularidade das funções públicas de interesse comum
A doutrina se divide em três posições acerca da definição do titular das
funções públicas de interesse comum:
a) Há quem entenda que, na realidade, as funções comuns de interesse
público originam interesses intermunicipais. São correligionários da defesa
extrema do municipalismo, pois defendem de forma apaixonada a autonomia
municipal adquirida pelos Municípios, pela Constituição Federal de 1988.
b) De outro lado, existem os regionalistas que procuram priorizar os
interesses metropolitanos. Subdividem-se em: b.1) regionalistas extremos e
b.2) regionalistas moderados, dependendo da maneira como definem a
titularidade do interesse e sua relação com a autonomia municipal.
c) E por fim, os adeptos da corrente intermediária entre os municipalistas
e regionalistas, postura adotada por Pedro Estevam302, Sérgio Ferraz, Adilson
Abreu Dallari e Eurico de Andrade Azevedo que atribuem titularidade das
funções públicas de interesse comum ao Estado-membro.
Na primeira corrente de pensamento estão Eros Roberto Grau e Irís
Araújo Silva, embora apresentem pressupostos e conclusões distintas . Ambos
priorizam a defesa da autonomia municipal, atribuindo ao Município o exercício
das competências do art. 25, §3º, da Constituição Federal. Eros Grau
desenvolveu estudos sobre Regiões Metropolitanas a partir de 1971, e
manteve sua posição após a Constituição Federal de 1988303. Íris Araújo Silva
tratou do tema em 1981, período anterior à Constituição Federal de 1988304.
302
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.161. 303
GRAU, Eros Roberto. Sobre a prestação, pelos Municípios, do serviço público de abastecimento de água. In: Estudos de Direito Constitucional e Urbanístico em homenagem à Professora Magnólia
135
Eros Grau esclarece305que a expressão serviço comum306 revela um
caráter interlocal, que reclama administração intermunicipal pelos municípios
por ele afetados. A partir da Constituição Federal de 1988, o interesse local dos
Municípios foi enriquecido pelo interesse interlocal (regional). No entanto, o
interesse local é representado pela competência para prestar serviços comuns,
que permanece sob a titularidade dos Municípios. O interlocal é atribuído ao
Estado-membro como competência para integrar a organização, o
planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, sem
violar a autonomia municipal.
O interesse interlocal (art. 25, §3º da Constituição Federal) importa em
tornar-se compulsório o relacionamento entre os Municípios limítrofes que
compõem o agrupamento para integrar a organização, o planejamento e a
execução das funções públicas de interesse comum307.
Deste modo, existe uma clara divisão de competências formulada pelo
autor. De um lado, o Município prestando serviços públicos de interesse
comum, de forma solidária, integrada no que concerne a sua organização,
planejamento e execução. De outro lado, só será atribuída ao Estado a
competência de criar o agrupamento regional mediante lei complementar308:
Isso ocorre ainda quando se trate de Municípios integrados em região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião instituída por lei complementar estadual. Neste caso incumbirá ao Estado-membro tão somente prover no sentido de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, isto é, execução dos serviços comuns. À prestação desses serviços corresponde uma função (dever-poder) de caráter intermunicipal. Essa prestação incumbe à administração intermunicipal, vale dizer, aos Municípios, solidariamente, de modo integrado, no que concerne à sua organização, ao seu planejamento e à sua execução. Ao Estado-membro nada incumbe além de mediante lei complementar instituir a Região Metropolitana, a aglomeração urbana ou a microrregião, dispondo a respeito daquela integração, naturalmente, sem qualquer comprometimento das autonomias municipais.
Guerra. São Paulo: RCS, 2007. Sua posição também pode ser conferida em razão do voto proferido na ADIN 2077 (BAHIA). 304
SILVA, Iris Araújo. As Regiões Metropolitanas e a Autonomia Municipal. Revista Brasileira de Estudos Políticos (RBEP) Universidade Federal de Minas Gerais, 1981. 305
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 25, §3º se refere a função pública de interesse comum. 306
Hoje denominada função pública de interesse comum, art. 25, §3º da Constituição Federal. 307
BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) Bahia, 2007. 308
BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) Bahia, 2007.
136
Íris Araújo Silva309 não admite a existência do interesse metropolitano e
sustenta que o rol de serviços comuns da Lei Complementar nº 14/1973 não
modifica ou transfere atribuições municipais ao Estado-membro. Diante da
Constituição de 1969, o interesse metropolitano não era um critério redefinidor
de atribuições entre Municípios de regiões metropolitanas e o Estado-membro,
pois distribuição de competências entre entes federados sempre foi matéria
constitucional. A titularidade dos serviços permanece sob a expressão de
interesse local, com o Município, competindo aos Estados-membros apenas
regular as condições de funcionamento dos agrupamentos municipais.
De outro lado, existem os regionalistas que priorizam os interesses
metropolitanos. Subdividem-se em regionalistas extremos e moderados,
dependendo da maneira como atribuem a titularidade do interesse e sua
relação com a autonomia municipal.
Os extremamente regionalistas, defendem a ideia de supressão da
autonomia municipal, como Caio Tácito310 que entende ser a Região
Metropolitana forma de avocação da competência municipal pelo Estado-
membro.
Assim, os interesses regionais mencionados no art.25, §3º, da
Constituição Federal passam a ser titularizados pelos Estados na hipótese de
instituírem regiões metropolitanas. O Estado “avocaria” dos municípios as
funções de interesse comum, quando instituísse as regiões metropolitanas311.
Para Caio Tácio312, as atividades do Poder Público na área de
saneamento básico comportam vários entendimentos, a depender do grau de
abrangência e de interdependência limitam-se ao plano municipal ou
integração estadual. Assim, a competência poderia ser deslocada do Município
para o Estado de duas maneiras: vínculo compulsório do art. 25, §3º da
309
SILVA, Iris Araújo. As Regiões Metropolitanas e a Autonomia Municipal. Revista Brasileira de Estudos Políticos (RBEP) Universidade Federal de Minas Gerais, 1981, p.120. 310
TÁCITO, Caio. Serviços de Saneamento Básico. In: Revista de Direito Administrativo nº213,1998, p. 324. 311
TÁCITO, Caio. Serviços de Saneamento Básico. In: Revista de Direito Administrativo nº213,1998, p. 324. Afirma o autor: “a própria Constituição prevê limites ao exercício da autonomia municipal não somente na excepcionalidade traumática da intervenção federal ou estadual, em situações excepcionais, como na capacidade avocatória conferida aos Estados para, mediante lei complementar, instituir Regiões Metropolitanas, agrupando Municípios limítrofes para a integração de funções públicas de interesse comum”. 312
TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual. Revista de Direito Administrativo nº 242. out-dez. Rio de Janeiro, 2005, p.349.
137
Constituição Federal ou pela forma consorciada313, posição com a qual
discordamos.
Ao interpretarmos o dispositivo constitucional considerando a avocação
de competências do Município pelo Estado, por ocasião das regiões
metropolitanas, violaremos o regime jurídico federativo previsto pela
Constituição, que não considera as Regiões Metropolitanas como ente
federado.
Desrespeitaremos ainda a autonomia municipal (art.60, §4°,I, da
Constituição Federal de 1988), ao permitir que Leis Complementares
responsáveis por criar regiões metropolitanas modifiquem ou suprimam
competências atribuídas pela Constituição Federal.
Já os regionalistas moderados representados por Ana Carolina
Wanderley Teixeira314, Alaôr Caffé Alves e José Afonso da Silva315
compatibilizam os interesses locais e regionais, possibilitando a interferência de
um conjunto de Municípios no território de um único Município, em virtude do
interesse metropolitano ou regional, que se sobrepõe ao interesse individual de
um deles. Entendem que a titularidade não poderá ser imputada a qualquer
entidade, mas ao Estado e aos Municípios envolvidos, isto é, mais de uma
entidade federativa. Assim, a titularidade seria exercida pelos Estados e
Municípios envolvidos na região, em razão do vínculo compulsório que
sustentam entre si.
José Afonso da Silva só adotou o posicionamento de Alaôr Caffé Alves,
após a Constituição Federal de 1988, considerada inconstitucional em 1967 e
alterada pela Constituição de 1969.
Explica José Afonso da Silva316 que no regime constitucional anterior à
terminologia “serviços comuns” estava relacionada aos Municípios constituídos
em regiões metropolitanas e não aos serviços de entidades federadas.
Atualmente, a situação foi modificada, pois compete ao Estado editar uma Lei
313
TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual. Revista de Direito Administrativo nº 242. out-dez. Rio de Janeiro, 2005, p.349. 314
TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Região Metropolitana (Instituição e Gestão Contemporânea Dimensão Participativa). 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. 315
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed.São Paulo: Malheiros, 2012. 316
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.160.
138
agrupando os municípios para organizar, planejar e executar funções
comuns317.
Alaôr Caffé Alves e José Afonso da Silva divergem em relação à forma
como Municípios e Estados deverão desempenhar funções comuns.
José Afonso da Silva318 explica que a despeito de propugnar a
titularidade dos serviços para os Estados e Municípios, ela não será executada
em termos de cooperação mútua entre os níveis de governo, ao contrário do
que defende Alaôr Caffé Alves. José Afonso da Silva entende que competirá à
Lei Complementar estadual explicar como os Estados e Municípios atuarão na
gestão e execução das funções comuns, respeitando competências que cada
um ostenta no sistema constitucional319.
De outro lado, Alaôr Café Alves insiste na defesa da colaboração entre
os Estados e Municípios no exercício das funções públicas de interesse
comuns nas atividades de operação, normatização, planejamento,
coordenação, controle, fiscalização e execução, em razão do interesse
metropolitano ser considerado interesse conjunto de todas as esferas
governamentais320:
Juridicamente, portanto, não se reconhece o interesse metropolitano senão como parcela dos respectivos interesses das unidades político-administrativas envolvidas na promoção e execução dos serviços comuns. Daí a conotação específica incluída na ideia de função pública de interesse comum, em termo da cooperação mútua entre os níveis de governo, considerados horizontal (entre Municípios da mesma região) e verticalmente (entre Estado e Municípios).
O autor defende a criação de uma entidade pública administrativa que
permita articular e coordenar os planos, programas das diferentes agências
atuantes na região, vinculadas aos entes federados envolvidos.
Em 1998, o autor já defendia321que a colaboração entre os Estados e
Municípios para ser efetiva deveria garantir a representação participativa das
agências e entes governamentais que a constituírem, de forma paritária. Da
317
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.161. 318
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.161. 319
Estados (art. 25) e Municípios (art. 30), todos da Constituição Federal de 1988. 320
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998. 321
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.43
139
mesma forma, defendia a implantação do modelo previsto na Constituição
Estadual de São Paulo322, o qual permitia a gestão globalizada em termos
normativos de planejamento, organização e execução das funções públicas de
interesse comum:
É preciso, entretanto, desde já deixar claro que tal institucionalização não poderá ter efetividade, como, aliás, já se consagrou na legislação paulista, se não houver representação participativa das agências e entes governamentais que a constituírem, de forma paritária, visto que a referida articulação planejada não pode de maneira alguma soar como advinda de mecanismos estranhos à vontade institucional daquelas agências e entes governamentais. Essa participação deverá ser ponderada em razão da natureza, do papel institucional, população dos Municípios integrantes e da massa de recursos aportados pelas agências setoriais e entes governamentais envolvidos. Por exemplo, qual o valor do voto da representação do Município pólo (a capital), em uma região metropolitana como São Paulo, em face dos demais Municípios metropolitanos (38), cuja população é cerca de 60% de toda a região? Por outro lado, é também de grande importância considerar com especial atenção a participação, na referida forma institucional, de entidades da sociedade civil, representantes da comunidade. A participação popular, no caso de São Paulo, encontra-se igualmente equacionada, em suas grandes linhas, na Lei Complementar nº 760/1994.
Por fim, há os adeptos da corrente intermediária entre os municipalistas
e regionalistas, postura adotada por Sérgio Ferraz323 e Eurico de Andrade
Azevedo324, antes da Constituição Federal de 1988 e Pedro Estevam Serrano.
Consideramos, então, necessário, delimitar como os Municípios e
Estados atuarão para desempenharos interesses metropolitanos (funções
públicas de interesse comum), uma vez que Pedro Estevam Serrano325
entende que o titular das funções públicas de interesse comum é o Estado-
membro. Para ele326, os serviços comuns devem ser prestados pelo Estado,
pois extravasam a competência municipal, salvo determinação contrária da lei
322
Constituição Estadual de São Paulo (arts.152, II; art. 154, §1º, §2º, §3º). 323
FERRAZ, Sérgio. Regiões Metropolitanas no Direito Brasileiro. Revista de Direito Público (RDP) nº 37/38, ano VII. São Paulo: RT, 1976, p.37-38. As reflexões do professor Sérgio Ferraz são anteriores ao professor Pedro Estevam, pois o artigo Regiões Metropolitanas no Direito Brasileiro foi redigido na década de 70, à luz da Constituição passada. 324
AZEVEDO, Eurico de Andrade. Regiões Metropolitanas no Brasil e seu Regime Jurídico. In: Estudos sobre o amanhã – Regiões Metropolitanas. Caderno nº 1. Coedição Instituto Metropolitano de Estudos e Pesquisas Aplicadas da FMU (Imepa). São Paulo: Resenha Universitária, 1978, p.133. 325
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.161. “Quando alguma situação ou serviço pertencer ao interesse predominantemente local, será decidida e executada de acordo com os comandos e diretrizes do Município a que se refere. No entanto, quando se referir a dois ou mais Municípios, tornar-se-á de interesse regional o que perfaz a competência do Estado-membro para resolver a situação ou realizar a atividade.” 326
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.155.
140
complementar estadual que cria Regiões Metropolitanas e definir o modo mais
ou menos desconcentrado de realizar tal prestação, inclusive atribuindo
competência a uma gestão comum dos Municípios atendidos pelo serviço.
Em razão do art. 25, §3º, da Constituição Federal, o Estado-membro tem
a faculdade de criar a Região Metropolitana quando diante dos pressupostos
que a autorizam, o que implica atribuir ao Estado o exercício de competência
administrativa para executar funções comuns, ou seja, o exercício da sua
titularidade.
O autor defende ainda que competirá ao Estado-membro decidir se
exercerá as funções comuns isoladamente ou com o auxílio dos Municípios, de
forma ativa, consultiva ou por delegação do desempenho dos serviços,
conservando para si apenas a fiscalização e a administração. Ao contrário de
Alaôr Café Alves, Pedro Estevam, entende que a cooperação entre os entes
será decisão exclusiva do Estado e não uma obrigação necessária em razão
do interesse metropolitano abarcar os interesses municipais e estaduais327.
Pedro Estevam Serrano critica Eros Roberto Grau em relação à
instância intermunicipal de exercício de competências federativas. Para ele, o
sistema federativo brasileiro não prevê competência intermunicipal para realizar
serviços328.
O autor enquadra a situação dos interesses intermunicipais como objeto
de Consórcios Intermunicipais329, considerados formas de colaboração entre as
entidades locais para prestar serviços e realizar atividades no interior da
competência municipal estipulada na federação.
2.2.3 Breves notas sobre a polêmica envolvendo as discussões relativas à titularidade da prestação do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário330
O propósito deste item é demonstrar argumentos doutrinários e
327
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.159. 328
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.159. 329
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.159. 330
A polêmica foi tratada de forma aprofundada no artigo por nós publicado intitulado Competências da região metropolitana: água e esgoto. Revista Brasileira de Direito Municipalnº42. ano12, out-dez. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.59-82.
141
jurisprudenciais sobre a titularidade de um dos interesses metropolitanos, o
saneamento básico, decidido recentemente pelo STF331. A decisão judicial
poderá indicar os rumos que vão orientar a definição sobre a titularidade de
todos os interesses que compõem a rubrica constitucional funções públicas de
interesse comum.
A Lei Federal nº 11.445/2007 que estabelece as diretrizes nacionais
para o saneamento básico e sua política federal não indicou explicitamente o
ente competente para assumir a titularidade deste serviço público. Parece-nos
que a omissão foi proposital, visto que apenas a Constituição Federal é
competente para atribuir aos entes federados o exercício de competência
administrativa e legislativa.
A divergência jurisprudencial e doutrinária está calcada na interpretação
do perfil constitucional das competências materiais para a prestação dos
serviços públicos entre os entes federados, definida nos arts. 21, V, XX, 23, IX,
25, §3º e 30, V.
Baseados na Constituição Federal, identificamos os entes competentes
para prestar o serviço. A controvérsia diz respeito à interpretação dos arts. 25,
§3° e 30, V. Se considerarmos os serviços de saneamento básico de natureza
local, chegaremos a determinadas conclusões. Mas se sustentarmos que nem
sempre esta premissa é válida, em determinadas circunstâncias mudará a
competência para prestar os serviços, deixando de ser municipal para tornar-se
estadual, na hipótese do art. 25, §3°, em razão de Lei Complementar Estadual
que institui região metropolitana para executar funções públicas de interesse
comum. Destacamos três posições doutrinárias sobre a titularidade dos
serviços de saneamento básico.
Inicialmente há quem defenda que todos os serviços da cadeia são de
natureza municipal e que nenhuma circunstância pode alterar a titularidade do
Município sobre eles. Assim entendem José Afonso da Silva, Eros Roberto
Grau, Floriano de Azevedo Marques e Pedro Estevam Serrano.
Para outros, ainda que a competência para prestar tais serviços seja dos
Municípios, os Estados têm a capacidade de avocar para si esta competência,
mediante lei complementar (art. 25, §3° da Constituição Federal). Neste caso,
331
No dia 28/2/2013 foi julgada parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 1842 (RJ) e por conexão as ADINS 1826, 1843 e 1906.
142
os serviços seriam municipais quando prestados em âmbito estritamente local,
e deixariam de sê-lo se houvesse lei complementar estadual delimitando novo
espaço geográfico para seu provimento e atribuindo a titularidade ao Estado.
Defendem esta tese Geraldo Ataliba, Rosoléa Folgosi, Caio Tácito, Diogo de
Figueiredo Moreira Neto e Luís Roberto Barroso.
Por fim, destacamos a terceira corrente, liderada por Alaôr Caffé Alves,
que defende que a possibilidade de transferir a titularidade dos serviços para
os Estados-membros não depende da criação da região metropolitana por lei
complementar, mas de alterar as condições técnicas ou territoriais da
prestação do serviço. Este fato justifica a necessidade de tratá-los de maneira
mais abrangente, ou ainda de melhor preparar o governo para prestar
satisfatoriamente o serviço.
O raciocínio parte da premissa de que todos os entes federativos
titularizam, ao menos em teoria, competência comum em relação ao
provimento dos serviços de saneamento básico, conforme o art. 23, IX da Carta
Constitucional. Neste caso, os Estados-membros poderiam ser chamados a
exercer uma espécie de competência comum supletiva nos casos em que
existe interesse regional predominante.
Por outro lado, o Poder Judiciário recentemente decidiu, após 8 anos em
tramitação, a ADIN 1842 (RJ) seu posicionamento acerca da titularidade do
serviço. No dia 28/2/2013 foi julgada parcialmente procedente a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN) 1842 (RJ) e por conexão as ADINS 1826, 1843 e
1906. Ainda não foi decidida a ADIN 2077 (BA) proposta pelo PT em face dos
dispositivos da Constituição da Bahia, por supostamente definirem
restritivamente o interesse local e outorgarem ao Estado a titularidade dos
serviços de saneamento básico.
Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e
Teori Zavascki divergiram parcialmente dos votos de Nelson Jobim, Eros
Roberto Grau e Maurício Correia.
Em sua maioria, os ministros seguiram o voto de Ricardo Lewandowski,
que proferiu voto-vista na sessão de 28/2/2013, acolhendo os ensinamentos de
Alaôr Caffé Alves. Sua posição constata que nem o Estado, nem os Municípios
ostentam a condição de únicos titulares das funções públicas de interesse
comum, devendo ser esta competência compartilhada entre os membros dos
143
dois níveis federativos, que juntos formam o ente regional.
O julgamento refletiu os votos de Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.
Ambos defendiam um modelo de gestão metropolitana condicionada ao
compartilhamento do poder decisório entre o estado instituidor e os municípios
que os integram, sem a exigência de uma participação paritária relativamente a
qualquer um deles, desde que seja apta a prevenir a concentração do poder
decisório no âmbito de um único ente. A participação dos Municípios e dos
Estados deve ser estipulada em cada região metropolitana de acordo com suas
particularidades, sem permitir que um ente tenha predomínio absoluto em
relação ao outro.
A gestão compartilhada deverá ser feita por uma autarquia territorial,
intergovernamental e plurifuncional, com personalidade jurídica própria e
participação das entidades da sociedade civil, sem, no entanto, promover a
transferência integral do poder concedente aos Estados e Municípios.
Gilmar Mendes entende que o interesse comum tutelado pelas
aglomerações municipais não constitui apenas a soma das competências e
atribuições dos municípios formadores. A partir da conurbação, o
desatendimento de determinadas funções públicas pode afetar não só um
município, mas atingir situações além de suas fronteiras, principalmente
considerando os municípios limítrofes. Ou seja, a falta de determinado serviço
ou atividade que normalmente só diz respeito a uma única comunidade, pode
eventualmente prejudicar os vários municípios ao redor.
Dessa forma, a função pública do saneamento básico frequentemente
extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum, apta a
ensejar a criação de regiões metropolitanas (art. 25, §3º, da Constituição
Federal), conforme explica o Ministro332:
A inadequação da prestação da função de saneamento básico em um único município pode inviabilizar todo o esforço coletivo e afetar vários municípios próximos. Assim, o interesse comum é muito mais que a soma de cada interesse local envolvido, pois a má condução da função de saneamento básico por apenas um Município pode colocar em risco todo o esforço do conjunto, além das conseqüências para a saúde pública de toda a região. A solução parece residir no reconhecimento de sistema semelhante aos Kreise alemães, em que o Agrupamento de municípios junto com o estado federado detenha a
332
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.842. Voto do ministro Gilmar Mendes, em 3 abr.2008, p.40-41.
144
titularidade e o poder concedente, ou seja, o colegiado formado pelos municípios mais o estado federado decida como integrar e atender adequadamente à função de saneamento básico.
Gilmar Mendes não entende que o serviço deva ser titularizado ou pelo
Estado ou pelo Município, pois o sentido do art. 25, § 3º demonstra a
necessidade de prestação integrada. Para ele, o exercício das funções
normativas diretivas e administrativas do novo ente deve ser compartilhado
com paridade entre o estado e os municípios envolvidos. No entanto, esta
entidade não pode ser autônoma em relação à administração municipal e
estadual, como uma quarta pessoa política, mas tão somente uma entidade na
qual se congregam os diversos responsáveis por garantir o funcionamento das
funções públicas de interesse comum na região metropolitana.
No entanto, a decisão não foi unânime e revelou no teor de vários votos
de ministros diferentes posições. A que predominou não atribuiu a titularidade
do serviço a nenhum ente político (nem ao Estado e nem ao Município), mas
aos dois que deverão compartilhar a gestão por meio de uma autarquia
intergovernamental.
O teor da decisão foi oposto ao voto do relator Maurício Correia, que
entendia que as autonomias dos Municípios integrantes das Regiões
Metropolitanas sofriam condicionamentos das conurbações urbanas, por existir
uma comunhão superior de interesses. O Estado, neste caso, assumiria a
responsabilidade pela adequada prestação dos serviços metropolitanos, com a
participação ativa dos Municípios como membros dos Conselhos Deliberativos.
Eros Roberto Grau participou do julgamento da ADIN (2077– BA) e
defendia a competência dos Municípios integrantes da Região Metropolitana
para prestar o serviço; o Estado apenas deverá por meio de lei complementar
integrar a organização e a execução dos interesses comuns. A prestação do
serviço será feita pelos Municípios diretamente ou por meio da administração
indireta ou até mesmo por concessão à empresa privada.
Por fim, reproduzimos os principais trechos do voto de Ricardo
Lewandowski, por orientar o voto dos demais ministros e consolidar o
posicionamento do julgamento da ADIN 1842, que deverá influenciar o
entendimento em relação ao julgamento da ADIN 2077.
145
Segundo o Ministro, a titularidade das funções públicas de interesse
comum foi deferida aos Estados e Municípios, que deverão gerir o interesse
metropolitano qualificado na função saneamento básico, de forma
compartilhada. Tipificou a Região Metropolitana como uma autarquia territorial,
intergovernamental e plurifuncional, sem personalidade política. Trata-se de
gestão compartilhada (art. 25, §3º da Constituição Federal), entre os
Municípios e o Estado, que harmoniza, de um lado, a autonomia dos
municípios, e de outro, a coordenação exercida pelos Estados. O Ministro
confere destaca os arranjos institucionais de gestão compartilhada previstos na
Constituição do Estado de São Paulo, seus conselhos deliberativos e
mecanismos de participação popular.
De uma forma ou de outra, as posições da doutrina e da jurisprudência
convergem ao apresentarem três possibilidades de titularidade: do Município,
dos Estados ou ambos de forma compartilhada.
O conjunto de posições jurídicas firmadas pela doutrina e jurisprudência
influenciam a orientação jurídica sobre a titularidade do serviço público de
saneamento básico.
Nossa posição
Com relação à titularidade do interesse metropolitano, defendemos que
sua organização, planejamento e execução sejam atribuídos ao Estado-
membro, ao contrário do entendimento proferido na ADIN 1842 RJ que delega
a titularidade das funções à gestão compartilhada entre os Estados e
Municípios da Região Metropolitana.
Sabemos que as Regiões Metropolitanas são criadas pelos Estados,
que, por sua vez, são responsáveis por administrá-las por meio de pessoas
jurídicas de direito público, junto com órgãos colegiados vinculados às
Secretarias de Governo. Contudo, as leis que orientam o exercício das
competências administrativas são produzidas pela Assembleia Legislativa (art.
27 da Constituição Federal).
Desenvolveremos nossa posição a partir da organização da Região
Metropolitana de São Paulo, instituída pela Lei Complementar nº 1.139 de
2011.
146
O governo do Estado de São Paulo (art.17) criou mediante lei
complementar uma autarquia para gerir as funções comuns da região. Como
ente da administração indireta, ela está vinculada à Secretaria de
Desenvolvimento Metropolitano (art. 17, §1º). Integram a autarquia os
Conselhos de Desenvolvimento (art. 5º §1º), Consultivo e as Câmaras
Temáticas, formados por representantes do Estado e dos Municípios da região.
A Administração Direta Estadual (Lei Complementar nº 1.139/2011) criou
pessoa jurídica de direito público vinculada à Secretaria de Desenvolvimento
Metropolitano do Estado de São Paulo, com autonomia administrativa e
financeira, mas integrada à Administração Pública Estadual.
Ademais, os Conselhos criados para funcionar junto à Autarquia são
órgãos colegiados, integrados por agentes do Estado e da Prefeitura, mas que
em última análise revelam a manifestação da vontade do Estado-membro, em
razão da teoria da imputação.
Por força desta teoria333, nos órgãos colegiados integrados por vários
agentes, as decisões são manifestadas coletivamente; suas deliberações são
atribuídas ao corpo deliberativo, e não a cada componente individualmente.
Assim, os Conselhos Consultivos e de Desenvolvimento que compõem a
autarquia manifestam a vontade por meio do Estado, mesmo originária de um
conjunto de agentes públicos municipais e estaduais, pessoa jurídica integrada
à estrutura administrativa do Estado-membro334.
2.3 Exercício das competências administrativas e legislativas na organização, planejamento e execução das funções públicas de interesse comum
A Região metropolitana não constitui uma entidade política. Por ser
considerada fato jurídico, a figura regional não exerce competência federativa.
No entanto, a doutrina e a jurisprudência ao interpretarem a Constituição
Federal, identificam o ente federado responsável por titularizar o interesse
metropolitano. Assim, a partir de cada posição, explicaremos como o ente
333
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed.São Paulo: Atlas, 2013, p.579. 334
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.145.
147
responsável pela execução das funções comuns exercerá suas competências
constitucionais.
Se adotarmos a primeira corrente – para a qual os interesses
metropolitanos são na realidade intermunicipais – verificaremos que os poderes
executivo e legislativo do Município serão responsáveis pelo exercício das
funções públicas de interesse comum. Ao Estado competirá apenas criar por lei
complementar as figuras regionais; os municípios produzirão as leis e aplicarão
suas deliberações para gerir os interesses metropolitanos.
Por outro lado, se adotarmos a posição de Caio Tácito335, que defende
que o Estado poderá avocar as competências do município, na hipótese de
criação de Regiões Metropolitanas para integrar funções públicas de interesse
comum, defenderemos que competirá aos Estados exercer competências
administrativas e legislativas. O autor entende que a região metropolitana é
apenas uma área administrativa de serviços especiais, cuja administração
poderá ser atribuída a uma pessoa administrativa autárquica ou paraestatal, ou
a órgão da administração direta estadual.
Partindo de premissas distintas, Pedro Estevam Serrano, Sérgio Ferraz
e Eurico de Andrade Azevedo entendem que compete aos Estados as
atribuições administrativas e legislativas para realizar funções públicas de
interesse comum.
Por fim, os posicionamentos de Alaôr Caffé Alves e José Afonso da Silva
que entendem que os interesses metropolitanos serão geridos com a
participação dos Estados e Municípios.
Neste item, explicitaremos como cada autor interpreta o exercício das
competências administrativas e legislativas na organização, planejamento e
execução das funções públicas de interesse comum. Destacaremos as
posições de Pedro Estevam Serrano e Alaôr Caffé Alves que lideram as
discussões sobre o tema.
Os autores que entendem que a competência federativa para as
questões metropolitanas é atribuída ao Estado – como Pedro Estevam
Serrano, Eurico de Andrade Azevedo e Sérgio Ferraz – embora em realidades
335
TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual. Revista de Direito Administrativo nº 242. out-dez. Rio de Janeiro, 2005, p.345.
148
jurídicas distintas336, sustentam que o Estado é competente para fixar as
diretrizes políticas e governamentais da região metropolitana, ainda que
admitam ao Município participar da execução das funções.
Eurico de Andrade Azevedo337 acrescenta a Lei Complementar nº 14/1973 ao
atribuir ao Estado a organização do sistema federativo metropolitano, com dois
Conselhos atuando como órgão deliberativo e outro como consultivo e a
participação de representantes dos Municípios338.
Trilhando o mesmo entendimento de Sérgio Ferraz e acrescentando
observações, Pedro Estevam Serrano339 entende que o art. 25, §3º da
Constituição Federal atribui ao Estado forma de exercício de competência, que
pode ser realizada unicamente pelos Estados ou em parceria com os
Municípios integrantes da Região. Trata-se de cláusula de exercício de
competência por parte do Estado-membro.
Por sua vez, Alaôr Caffé Alves, dos estudos à luz da Constituição de
1967, às reflexões após a Constituição Federal de 1988, sempre entendeu que
o interesse metropolitano não é privativo do Município, do Estado ou da União,
mas refere-se a todos os interesses ao mesmo tempo, como uma legislação
condominial340. Para o autor da expressão, o interesse metropolitano é uma
parcela dos respectivos interesses das unidades político-administrativas
envolvidas na promoção e execução dos serviços comuns.
Neste sentido, as competências administrativas e legislativas que
traduzem a gestão dos interesses metropolitanos são baseadas nas
competências comuns e concorrentes (supletivas, complementares e
336
Sérgio Ferraz e Eurico de Andrade Azevedo contribuíram com a reflexão sobre o tema na década de 70, enquanto Pedro Estevam Serrano aprofundou seus estudos por conta de seu doutorado em 2009. 337
AZEVEDO, Eurico de Andrade. Regiões Metropolitanas no Brasil e seu Regime Jurídico. In: Estudos sobre o amanhã – Regiões Metropolitanas. Caderno nº 1. Coedição Instituto Metropolitano de Estudos e Pesquisas Aplicadas da FMU (Imepa). São Paulo: Resenha Universitária, 1978, p.132-133. 338
Art. 2º, §1º, §2º; Art.3º, I, II, parágrafo único; Art. 4º, I, II. 339
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto.Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.164. 340
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 40-41; ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.318. O leitor deverá fazer uma interpretação histórica levando em conta que ao citar a União o autor dizia respeito à Constituição Federal de 1967 que atribuía à União a responsabilidade pela criação das Regiões Metropolitanas, realidade que a Constituição Federal de 1988 alterou atribuindo aos Estados referida competência.
149
cumulativas) e incluem órgãos ou autarquias governamentais que envolvem os
Municípios e os Estados no tratamento conjunto das questões341:
As funções públicas de interesse comum pressupõem integração entre (níveis de) governos que, além de plenamente autônomos em determinadas matérias (federalismo clássico), são relativamente autônomos em outras (federalismo de integração), cujo quadro legislativo somente pode ser exercido mediante competências comuns e concorrentes (supletivas, complementares e cumulativas). As funções públicas de interesse comum a serem exercidas a nível metropolitano incluem atividades operacionais de normatização, planejamento, programação, coordenação, controle, fiscalização e execução, reclamando a existência de agências públicas intergovernamentais e plurifuncionais que propiciem o tratamento unificado de tais funções.
Para o autor, o sistema não é estanque ou compartimentado, baseado
apenas na ênfase do interesse predominante, nacional, regional ou municipal.
Ainda que o constituinte tenha atribuído competências privativas a cada ente
federado, em razão de fenômenos socioeconômicos advindos das realidades
de conurbação urbana, justificam a previsão de competências que permitem a
cooperação normativa e administrativa de outros entes federativos. Alaôr
Caffé342 denomina o quadro atual de divisão de competências da Constituição
de ‘federalismo de integração’343. Trata-se de uma forma de repartição de
competências que deve integrar os interesses nacionais, estaduais e
municipais.
Pelo fato da região metropolitana ser ente de caráter administrativo,
suas normas não são impostas aos Municípios. Na realidade, sua organização
comporta gestão intergovernamental, com poderes administrativos. Assim, as
normas impostas aos Municípios com relação às funções públicas de interesse
comum, são originárias do Poder Legislativo Estadual, cabendo, aos
Municípios, no âmbito das competências comuns e concorrentes, suplementá-
las no que couber, através da câmara municipal.
341
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.40-41. 342
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.14. Neste artigo, o autor afirma que no Brasil o tipo de federalismo da Constituição de 1988 é o de Integração.“Desse modo, no Brasil, vigora atualmente um quadro de competências constitucionais cuja distribuição caracteriza o federalismo de integração, sucessor do federalismo de cooperação, ambos contrários ao federalismo dualista, de caráter rígido e tradicional, onde dominavam as competências exclusivas”. 343
Verificamos que a Constituição Federal de 1988 adotou o federalismo cooperativo na modalidade equilíbrio e não integração, conforme adotado na Constituição anterior.
150
O autor aprofunda o exercício de competências legislativas, nos campos
do exercício do serviço público e do poder de polícia344. O autor admite
existirem serviços que, por sua natureza, exigem prestação unificada para
serem implementados e operacionalizados. No entanto, mesmo atribuída a
atuação normativa para apenas um ente, no caso o Estado, não significa que
os Municípios serão excluídos das deliberações administrativas tomadas pelo
Estado-membro345. Mas, se estivermos diante do exercício do poder de polícia
referente ao uso do solo metropolitano que não reclama unidade quanto ao
ente político responsável por sua execução, compete aos Estados e Municípios
executar as competências legislativas de forma concorrente e do ponto de vista
administrativo, de forma comum. Reproduzimos as observações do autor
elaboradas à luz da Constituição de 1967, alteradas pela Constituição de
1969346:
Há, entretanto, serviços comuns que não prescindem da composição ativa de múltiplas unidades político-administrativas, horizontal e verticalmente consideradas. Nesta hipótese, a produção legislativa a respeito daqueles serviços deve pressupor um sistema de competências concorrentes, de natureza complementar ou suplementar. Isto porque determinadas normas e medidas gerais estabelecidas em nível federal ou estadual exigem, para sua plena eficácia, a necessária especificação e concretização em nível municipal. São os casos, por exemplo, de medidas e diretrizes do plano metropolitano em relação aos planos locais e de normas de controle de uso do solo metropolitano em relação a normas de ordenamento espacial de nível local. Pode-se, também incluir nessa mesma linha atividade normativa e o controle relativos à preservação do meio ambiente. [...] Quanto aos serviços comuns que mais se caracterizam como atividades estatais calcadas diretamente na lei e na forma dela, relativos aos condicionamentos do exercício da propriedade urbana a fim de compatibilizá-lo como o bem estar social,
344
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.170-171. 345
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.170: “Há serviços comuns que pela natureza de sua implantação e operação exigem prestação unificada, como o concurso da atuação normativa de apenas um ente político. Isso não significa que sua execução ou suas decisões administrativas a eles pertinentes devam excluir a participação de outros entes políticos interessados. São os casos, por exemplo, do tratamento e disposição final do lixo e da operação do sistema metropolitano de transportes de massa. [...] De modo geral, conclui-se que os serviços comuns de interesse metropolitano, relativos à prestação de utilidades e comodidades aos administrados, ou que viabilizem aquela prestação, ficam na órbita da competência privativa do Estado. A esses serviços comuns, porque exigem prestação unificada, convém o regime jurídico que lhes defina um único titular para os efeitos de sua outorga ou delegação, tendo em vista a quase inevitável descentralização para realizá-los. Esse regime, entretanto, como já dissemos, não impede que os outros entes políticos interessados (União e Municípios) tenham participação no planejamento e gestão executiva daqueles serviços. Assim, tais serviços comuns, de caráter regional, devem transcender, quanto ao aspecto jurídico, a esfera local e serem incluídos no âmbito de competência privativa do nível político-administrativo mais imediato, o Estado, de modo a assegurar sua prestação unificada, sob regime legal centralizado”. 346
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.170.
151
cumpre salientar a necessidade da participação, conjunta ou isoladamente, de todos os entes políticos, União, Estados e Município, não só em relação ao controle e fiscalização das atividades e funções urbanas, mas também na produção legislativa indispensável àquele desiderato. Neste caso, ao Estado e ao Município metropolitano, em particular, devem caber capacidades de produção normativa que estejam mutuamente condicionadas, de modo complementar ou suplementar.
O mesmo entendimento pode ser transportado para a Constituição
Federal de 1988, se tomarmos como base as competências comuns do art. 23
e as concorrentes do art. 24, 30, II e VIII no que tange ao uso e ocupação do
solo urbano.
O autor conclui347 classificando a competência do Estado de forma
peculiar, privativa, mas não exclusiva, uma vez que está obrigado a tolerar o
exercício da competência complementar (regulamentar) ou supletiva, por parte
dos Municípios em matéria de interesse metropolitano. Há, portanto, a
ingerência nos assuntos metropolitanos das Assembleias Legislativas
Estaduais e a Câmara dos Vereadores dos Municípios.
A discussão ganhou fôlego com a obra de Rafael Augusto Silva
Domingues348, ao tratar do exercício das competências quando Estados e
Municípios ingressam em Regiões Metropolitanas.
O autor questiona quem seria o ente federado responsável pelo
exercício das competências legislativas e administrativas no trato dos
interesses metropolitanos. De imediato afasta a ideia imprópria adotada por
algumas Constituições Estaduais ao referir-se à Assembleia Metropolitana,
como citada pela Constituição de Minas Gerais e Lei Complementar
nº88/2006349. Pelo fato das Regiões Metropolitanas não serem entes políticos,
só cabe referirmos às Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais quando
estivermos diante dos entes políticos Estados e Municípios350.
O autor critica Alaôr Caffé Alves para quem os Estados e Municípios
atuam de forma colaborativa no exercício das funções comuns, de forma que
347
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.320. 348
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.164-171. 349
Lei Complementar 88/2006. Art.46, I, § 1°, I, II, §2°. 350
Art. 46, §1º, da Constituição do Estado de Minas Gerais. Ao refletirmos sobre as Assembleias Metropolitanas só vislumbramos sua constitucionalidade se forem enquadradas como órgão colegiado de decisão superior, que conta com representantes do Estado e do Município no âmbito do Poder Executivo Estadual.
152
os Municípios necessariamente deverão participar junto com os Estados no
planejamento, organização e execução dos interesses metropolitanos. Na sua
visão, a interdependência entre os dois entes políticos poderá provocar uma
“amarração351”de todo o processo de exercício de competências
metropolitanas, que poderá gerar omissões nas atuações de cada ente
envolvido.
O temor da omissão reside nos casos de disputa, impasse ou
divergência de entendimento entre os envolvidos. Neste caso, o autor entende
que a decisão final dos conflitos sempre caberá ao Estado-membro (art. 25, §3º
da Constituição Federal) responsável pela instituição da Região Metropolitana.
A argumentação do autor parte da premissa de que o legislador
constituinte previu entre os entes federados hipóteses de consenso, ao tratar
das normas de cooperação (art. 23) e dos consórcios e convênios (art. 241).
No entanto, a própria Carta Magna relativiza as hipóteses de consenso e prevê
a predominância do interesse Estadual ao se referir ao art. 25, §3º. A
interpretação faz sentido se entendermos que o dispositivo das regiões
metropolitanas não teria razão de ser, caso tratasse do mesmo conteúdo dos
outros mandamentos constitucionais.
Do ponto de vista do exercício das competências legislativas na
administração das funções públicas comuns, o autor utiliza o pensamento de
José Afonso da Silva352. Cabe aos Estados não apenas suplementar as normas
federais, mas também fixar normas específicas de efeitos diretos e concretos
intraurbanas. Os Estados poderão esmiuçar e tratar exaustivamente os
interesses metropolitanos, sem se preocupar com o interesse local, que ao final
deixará espaço para a primazia do interesse regional, na hipótese do Estado
criar por Lei Complementar a Região Metropolitana.
Assim, ao exercer competências suplementares nas regiões
metropolitanas, o Estado também não encontrará limites no interesse local dos
Municípios, competindo a eles apenas suplementar a legislação estadual, no
que for de interesse local (art. 30, II, da Constituição Federal)353:
351
Termo utilizado pelo autor. In: DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.166. 352
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.127. 353
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.170-171.
153
Quando estivermos diante de um interesse estritamente local, a competência dos Municípios continuará constituindo um obstáculo intransponível para os Estados-membros. Contudo, diante de um interesse metropolitano, este obstáculo não mais existirá, podendo os Estados-membros legislar plenamente, “esgotando” a matéria urbanística que envolve a metrópole, restando aos Municípiosa possibilidade de suplementação desta legislação estadual, sem olvidar, é claro, da necessidade de se “ouvir” os Municípios. Em suma, as decisões devem ser compartilhadas, mas, não havendo consenso, a decisão final, segundo o nosso entendimento, é atribuída ao respectivo Estado-membro.
Nossa posição
A partir das premissas já fixadas, desenvolveremos nossa posição sobre
o exercício das competências administrativas e legislativas nas Regiões
Metropolitanas com base nas legislações do Estado de São Paulo e Minas
Gerais.
O ente federativo responsável, em última análise, pela tutela do
interesse metropolitano é o Estado-membro, ainda que possa contar no espírito
do federalismo de equilíbrio com a colaboração dos Municípios.
As leis estaduais em geral, sobretudo, do Estado de São Paulo, ao
disciplinarem o sistema de gestão metropolitana determinam que no Poder
Executivo Estadual, os Conselhos Deliberativos e Consultivos que funcionem
junto à Autarquia e à Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano, respeitem
a vontade dos Municípios ao definirem os seus interesses e elaborarem os
planos metropolitanos.
De acordo com os arts. 6º, 7º e 9º da Lei Complementar nº 1.139/2011,
compete ao Conselho de Desenvolvimento deliberar sobre planos, projetos,
programas, serviços e obras na Região Metropolitana de São Paulo.
O Conselho será formado por integrantes do Município e do Estado. A lei
exige a participação paritária do conjunto de municípios da Região em relação
ao Estado. Assim, se houver diferença de número entre os representantes do
Estado e dos Municípios, os votos serão ponderados, de maneira que, no
conjunto, tanto os votos do Estado, como os dos Municípios, correspondam,
respectivamente, a 50% da votação.
154
Na hipótese de empate (art.10, §2º), serão realizadas até três novas
reuniões. Persistindo, a matéria será submetida à audiência pública e voltará à
apreciação do Conselho Deliberativo para uma nova deliberação.
Se ainda assim permanecer o empate, a matéria
será arquivada e não pode ser proposta no mesmo exercício, salvo se
apresentada por 1/3 (um terço) dos membros do Conselho de Desenvolvimento
ou por iniciativa popular, subscrita, no mínimo, por 0,5% do eleitorado da
Região (art. 10, §3º).
Por sua vez, compete ao Conselho Consultivo (art.15) elaborar
propostas representativas da sociedade civil, dos Poderes Executivo Estadual,
Executivo Municipal, Legislativo Estadual e Legislativo dos Municípios que
integram a Região Metropolitana de São Paulo, a serem submetidas à
deliberação do Conselho de Desenvolvimento.
Ainda que os Estados e Municípios atuem com sua própria
representatividade no Poder Executivo, deliberando sobre assuntos
metropolitanos, não devemos esquecer que referidas matérias serão
submetidas ao crivo do Poder Legislativo Estadual, responsável, em última
análise pela tutela do interesse metropolitano. Neste sentido, ainda persiste a
seguinte indagação: As deliberações formuladas em conjunto entre Estados e
Municípios no âmbito do Poder Executivo são obrigatórias?
A resposta depende da correta aplicação das competências comuns e
concorrentes constitucionais.
Lembremos que o campo de atuação dos Estados nas regiões
metropolitanas é cooperativo. Já verificamos que o exercício de competências
administrativas do art. 23 da Carta Magna depende da atuação legislativa. Em
certas matérias, da conjugação específica com o art. 24, como no caso da
matéria urbanística.
Desta forma, os Estados-membros, no exercício de matérias
urbanísticas, dentre elas, o planejamento urbano, devem respeitar as normas
gerais da União e dependendo da corrente adotada (ampliativa ou restritiva) as
normas específicas do Município. A União edita as normas gerais e o Estado,
ao exercer suas competências suplementares, a depender do entendimento
doutrinário poderá ter atuação ampla (editar normas respeitando apenas as
155
diretrizes da União) ou limitada (observar as normas gerais da União e as
locais do Município).
Em razão disto, examinaremos como ocorre o exercício de
competências do Estado nas regiões metropolitanas.
Utilizaremos o pensamento de Rafael Augusto Silva Domingues372 ao
defender que os municípios podem participar da execução das funções
públicas de interesse comum (no âmbito dos órgãos executivos), mas a
decisão final deve ser atribuída aos Estados-membros, de acordo com a
competência concorrente, no sentido ampliativo, pensamento que adotamos
nesta tese373:
Mas e quais são os limites da competência dos Estados-membros? A interpretação mais coerente, no nosso entender, é a de que se trata de uma competência especial, similar, se não igual, à competência concorrente com os contornos traçados pela “corrente ampliativa”, ou seja, em que a competência municipal não representa uma ameaça aos Estados-membros. Aqui, na região metropolitana, a União continua detendo a competência para estabelecer normas gerais, mas os Estados-membros passam a poder não só suplementar a legislação federal, como também, e esta é a diferença, fixar normas específicas de “efeitos diretos e concretos intraurbanas”. Em outras palavras, os Estados-membros podem observadas as normas gerais federais, “esgotar” a matéria urbanística na região metropolitana, sem se preocupar com o interesse local, que afinal cederá lugar a um interesse metropolitano.
Entretanto, apesar de adotarmos a corrente ampliativa, diante do
interesse metropolitano, não concordamos com a amplitude atribuída pela
doutrina quanto aos limites da atuação do Estado ao disciplinar os espaços
habitáveis nas regiões metropolitanas.
Entendemos que o interesse local acaba sendo condicionado face ao
interesse metropolitano.
Ainda que o interesse metropolitano seja titularizado pelo Estado,
acolhemos moderadamente a corrente de Rafael Augusto Silva Domingues.
Toda vez que o Estado-membro exercer qualquer tipo de competência
no campo do interesse metropolitano, sobretudo, de cunho urbanístico, deverá
respeitar o núcleo essencial das competências municipais (art. 30, e 182, §1º,
da Constituição Federal).
372
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.168. 373
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.168.
156
Consequentemente, no campo do direito urbanístico, tema afeto à nossa
tese, por se tratar de competência concorrente, quando estivermos diante da
realidade metropolitana, por envolver interesse regional, prevalecerá a atuação
do Estado, sem invasãoà autonomia municipal.
Então, o que restará de atuação aos Municípios nas regiões
metropolitanas? Em razão de sua autonomia, por participarem da competência
suplementar, deverão complementar a legislação do Estado, quanto ao
interesse local (art.30, II, da Constituição Federal) ou criar normas jurídicas
específicas, na hipótese de não existirem normas estaduais.
2.4 Interfaces entre os interesses local e metropolitano: limites da autonomia municipal
Até agora, analisamos o interesse metropolitano, relacionado às Regiões
Metropolitanas, que não são dotadas de autonomia política, por não serem
entidades políticas federativas, ou seja, não terem capacidade para editar suas
leis e aplicá-las ao caso concreto.
Por outro lado, pelo fato das Regiões Metropolitanas serem compostas
por Estados e Municípios, duas entidades políticas com interesses distintos,
importante compreendermos as íntimas relações entre os interesses, tendo em
vista a preservação ou eventual limitação da autonomia municipal.
As Regiões Metropolitanas têm estruturas administrativas capazes de
gerir os interesses metropolitanos pelas entidades municipais, estaduais ou até
pelos Estados e Municípios, a depender da corrente adotada.
Notamos ainda que cada uma das figuras regionais, independentemente
da tipologia374, é formada por Municípios, reunidos entre si por vínculos
compulsórios instituídos por Lei Complementar Estadual. Verificamos
imediatamente as interfaces entre os interesses metropolitanos e locais, e
possíveis conflitos que poderão surgir destas relações. A grande controvérsia
doutrinária depende da corrente adotada acerca da titularidade das funções
comuns e diz respeito às condições para os Municípios que integram as
regiões metropolitanas exercerem sua autonomia política.
374
Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões (art. 25, §3º).
157
Citemos como exemplo as medidas de restrição de circulação de
caminhões, caracterizada como uma função pública de interesse comum.
Por força do art. 23, I da Lei Federal nº 12.587 de 3/1/2012, os entes
federativos poderão utilizar, dentre outros instrumentos de gestão do sistema
de transporte e da mobilidade urbana, restrição e controle de acesso e
circulação de veículos motorizados em locais e horários predeterminados. O
Município de São Paulo adotou medidas restritivas de circulação de caminhões
em marginais em determinados horários do dia. Da mesma forma, os
Municípios que integram o Consórcio do ABC375 debatem a adoção das
medidas como forma de mitigar os impactos provocados pelos veículos e
cargas transportadas no que diz respeito à mobilidade das cidades.
Ressaltamos que os reflexos da medida extrapolam o âmbito municipal. Por
vezes, a restrição na marginal de São Paulo gera problemas de circulação em
vias públicas do Município de Diadema e Guarulhos. Isto significa que a
restrição de veículos de carga pesada é um problema metropolitano.
Em razão dos interesses metropolitanos envolvidos, em 10 de maio de
2012, o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo
criou a Câmara Temática376 para debater o tema envolvendo soluções para a
manutenção do caminho mais viável e manter o abastecimento e a prestação
de serviços às cidades, através da circulação de caminhões, sem comprometer
a mobilidade das vias públicas. O problema tem dimensões metropolitanas,
uma vez que cada prefeitura isoladamente não resolve os problemas que
geram impactos no trânsito dos 39 municípios da região. O intuito é elaborar
uma regulamentação unificada que considere todo o sistema de transporte
incluindo rodoanel, ferrovia e hidrovia.
Os Municípios isoladamente não são capazes de solucionar a questão: é
necessário adotar a administração integrada pela autoridade regional e verificar
de que forma as soluções adotadas por um órgão metropolitano prevalecem ou
devem ser obedecidas pelos Municípios integrantes de cada região. Trata-se
de uma interface entre os interesses metropolitanos e a autonomia dos
municípios, considerando a titularidade dos interesses.
375
Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. 376
Lei Estadual nº 1.139/2011, Art.5º; Constituição do Estado de São Paulo (art.154); Lei Complementar 760/1994, Art.7º.
158
Acrescentamos ainda o tema que envolve o exercício da autonomia
municipal em relação à realidade regional, ou seja, a existência de vínculo
compulsório entre os municípios integrantes da região metropolitana.
Abordaremos as principais correntes doutrinárias e propostas apontando
a manutenção ou a redução da autonomia municipal diante da realidade
metropolitana. Ao final, identificaremos as premissas necessárias para
formularmos nossa posição.
2.4.1 Natureza jurídica dos vínculos regionais
Com relação à adesão voluntária ou compulsória dos Municípios junto às
Regiões Metropolitanas e seus reflexos relativos à preservação da autonomia
municipal, há duas correntes.
De um lado, defendendo a preservação absoluta da autonomia
municipal, através da adesão voluntária dos Municípios junto às Regiões
Metropolitanas, encontramos a doutrina de Íris Araújo Silva e Geraldo
Ataliba377.
Em 1981, Iris Araújo Silva378, sob a égide da Constituição Federal de
1967, emendada em 1969, criticou o relacionamento compulsório entre os
Estados e Municípios no âmbito das Regiões Metropolitanas.
Segundo ela, dois argumentos sustentados pela doutrina majoritária
deveriam ser desconsiderados, justamente, por não preservarem a autonomia
dos municípios. O primeiro diz respeito ao teor do art. 164 da Emenda
Constitucional nº1 somado à Lei Complementar nº 14/1973, ao estabelecer o
relacionamento compulsório entre os Municípios de regiões metropolitanas. O
segundo refere-se à competência do Estado para prestar serviços comuns,
denominados interesses metropolitanos.
A autora afastava o vínculo compulsório (art.164 da Emenda
Constitucional nº1), por amesquinhar a autonomia política dos Municípios.
Segundo ela, as relações entre os membros da federação só poderiam ocorrer
377
ATALIBA, Geraldo. Lei Complementar na Constituição. São Paulo: RT, 1971, p.93. 378
SILVA, Iris Araújo. As Regiões Metropolitanas e a Autonomia Municipal- Revista Brasileira de Estudos Políticos nº35(RBEP). Universidade Federal de Minas Gerais, 1981, p.99.
159
de forma conveniada, por meio de consórcios, ajustes, vínculos voluntários
denunciáveis pelas partes do acordo a qualquer tempo.
Com base na Constituição Federal de 1969, a autora enfatizava que o
art. 164 localizava-se no título constitucional da ordem econômica e social,
caracterizado por disposições de conteúdo programático, sem cunho proibitivo
ou impeditivo. Assim, não seria sustentável juridicamente a existência de
vínculos compulsórios entre os integrantes de região metropolitana, sob pena
de criar exceções não previstas na Carta Magna ao princípio jurídico da
autonomia municipal.
Por outro lado, defendendo o vínculo compulsório entre os Municípios
integrantes da Região Metropolitana379, destacamos alguns acórdãos do STF e
a posição de Sérgio Ferraz, Alaôr Caffé Alves, Luis Roberto Barroso380, Eros
Roberto Grau e Pedro Estevam Serrano.
É característica das figuras regionais a união dos Municípios junto ao
Estado por Lei Complementar e vínculo compulsório. Compete ao Estado,
independentemente da vontade dos municípios, presentes os pressupostos
técnicos, instituir as figuras regionais. Este entendimento foi corroborado por
dois acórdãos julgados pelo STF. O primeiro trata da ADIN 796-3 do Espírito
Santo, e o segundo, da ADIN 1841-9 do Rio de Janeiro. No primeiro caso, não
foi considerada constitucional a previsão da Constituição do Estado do Espírito
Santo que determinava a anuência dos municípios em relação ao ingresso de
regiões metropolitanas, por meio do plebiscito. No segundo caso, o STF
considerou inconstitucional a previsão da Constituição do Rio de Janeiro que
determinava a concordância prévia dos Municípios com relação à formação das
Regiões Metropolitanas. Nos dois acórdãos, ficou decidido que o art. 25, §3º da
Constituição Federal previu competência privativa dos Estados para disciplinar
379
Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões (art. 25, §3º da CF). 380
BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002, p.263.: “Tanto é assim que o entendimento da doutrina é o de que a associação à região metropolitana é compulsória para os Municípios. Ou seja: editada a lei instituidora da região metropolitana, atualmente, nos termos do art. 25, §3º, da Constituição uma lei complementar estadual, não podem os Municípios insurgir contra ela. E isso porque o elemento local, particular, não pode prejudicar o interesse comum, geral; se a associação não fosse compulsória, faleceria a utilidade da instituição da região metropolitana para o atendimento do interesse público regional de forma mais eficiente. Toda a população da região seria prejudicada pela ação ilegítima da autoridade local, mesmo porque, a essa altura, os serviços em questão não podem mais ser considerados como de predominante interesse local. Essa é a opinião, entre muitos outros, de Alaôr Caffé Alves, Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Sérgio Ferraz”.
160
Regiões Metropolitanas, sem que os Municípios manifestassem sua vontade
com relação à formação da região.
Deste modo, à luz da Constituição de 1967, e com a Emenda nº 1 de
1969, já entendia Sérgio Ferraz381 que o vínculo compulsório não reduzia a
autonomia municipal. Assim, o Município não poderia desrespeitar as
competências do Estado, em nome do interesse local. Por outro lado, a
participação dos Municípios seria garantida, ainda que o serviço comum fosse
executado pelos Estados.
Eros Roberto Grau382 admitia que os Municípios, em função de sua
autonomia política, poderiam optar por celebrar convênios diante dos
interesses locais serem comuns a diversos municípios, sobretudo, pela relação
de vizinhança383.
A principal característica deste tipo de vínculo consorcial, segundo o
doutrinador, diz respeito ao caráter voluntário, denunciável por qualquer dos
convenentes ou associados, em qualquer tempo384. Além disto, os consórcios
são utilizados para organizar interesses imediatos de todos os associados,
exauridos em curto prazo.
No entanto, ao tratar da possibilidade dos municípios associarem-se
entre si e com os Estados para realizar interesses metropolitanos, o jurista
defende a natureza compulsória, obrigatória do vínculo entre os entes
envolvidos. A razão da diferenciação proposta diz respeito à natureza da
execução e planejamento da atividade metropolitana, envolvendo
planejamento, controle e coordenação de interesses comuns, que por vezes
não acarreta benefícios comuns. A duração será no mínimo de médio a longo
prazo. Assim, não se justifica um vínculo inseguro, desfeito a qualquer tempo,
diante de qualquer discordância entre os entes envolvidos. Ao contrário, são
necessárias obrigações recíprocas, pois se houver discrepâncias entre os
381
FERRAZ, Sérgio. Regiões Metropolitanas no Direito Brasileiro. Revista de Direito Público (RDP) nº 37/38, ano VII. São Paulo: RT, 1976, p.22-23. 382
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.99-102. 383
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.101. 384
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.102.:“O relacionamento que se estabelece entre as unidades político-administrativas que delas participam não é compulsório, podendo deixar de existir a qualquer momento, como conseqüência de simples ato discricionário, não vinculado, portanto, de qualquer delas”.
161
envolvidos, será possível aproximar ideais e esforços das unidades, superar
obstáculos e gerar a busca permanente por soluções comuns385.
Com base na Constituição Federal de 1969, o autor já identificava o
vínculo compulsório entre os Municípios da Região Metropolitana, contrapondo-
o às relações consorciais estabelecidas entre os Municípios para a execução
de serviços comuns entre os Municípios vizinhos386.
Corroborando o mesmo entendimento de Eros Grau, Alaôr Caffé
Alves387interpreta o art. 25, §3º da Constituição Federal, entendendo que a
integração dos Municípios constituída por Lei Complementar será compulsória
para fins das funções públicas de interesse comum, impede que o Município
retire-se do complexo regional, devendo submeter-se às condições regionais
para executar funções públicas de interesse comum. A compulsoriedade da
relação regional, segundo o doutrinador, define os limites da autonomia
municipal no âmbito metropolitano. É por isto que ao tratarmos das interfaces
entre a autonomia municipal e as figuras regionais, abordaremos a natureza
jurídica deste vínculo.
Assim como Eros Grau, o autor entende que as regiões metropolitanas
não se sustentam por modelos consorciais, mas apenas com vínculos
compulsórios entre os municípios integrantes, em razão da realidade limítrofe
estabelecida entre os municípios conurbados, que impede a discordância ou o
isolamento de um município participante da região388:
Nesta mesma linha, tira-se que o referido dispositivo do art. 25, §3º, da Constituição Federal, acima mencionado, não compreende a instituição de associações voluntárias, mediante convênios, para a realização do planejamento e execução das funções públicas de interesse comum. Se assim fosse concebido, então a região metropolitana teria base bastante frágil, uma vez que qualquer dos partícipes não estaria constrangido a manter essa relação, podendo sair da mesma quando bem entendesse, o que implicaria na desconstituição da própria região metropolitana. Imagine-se esta ação voluntária em um núcleo urbano-regional, onde o Município
385
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p. 102. 386
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.102. 387
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. ano II. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.18-19. 388
ALVES, Alaôr Caffé.Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. ano II. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.22-23.
162
rebelde estivesse em seu interior, rompendo-se o princípio segundo o qual os Municípios metropolitanos devem ser limítrofes. Neste caso, haveria vazios dentro da região metropolitana, constituídos por comunidades que viesse a aderir ou que viessem a denunciar o convênio em algum momento de sua existência. Não parece ser esse o pensamento do legislador constituinte, motivo pelo qual transportou o referido dispositivo para o capítulo da organização do Estado brasileiro. Na verdade, o poder constituinte inaugurou uma nova figura em nossa federação, constituída por ente público administrativo regional, de caráter territorial e intergovernamental, sem força legislativa, mas com estrutura suficiente para garantir a integração indispensável ao tratamento das funções públicas de interesse comum.
Segundo o autor, a lei não contém palavras inúteis. Caso o art. 25, §3º,
da Carta Magna, fosse interpretado apenas como uma previsão de relação
voluntária entre os Municípios e os Estados metropolitanos, nada
acrescentaria, pois já teria sido disposto no art. 241.
Qual, então, o fundamento jurídico que justifica o vínculo compulsório
para Alaôr Caffé Alves? O interesse regional metropolitano constitui parcela
dos respectivos interesses dos municípios integrantes do vínculo. Cabe aos
Estados e Municípios planejar funções através das Assembleias Legislativas e
Câmaras dos Vereadores e a execução pelos poderes executivos
correspondentes.
Assim, em razão do planejamento, execução e organização dos
interesses metropolitanos pelos Estados e Municípios, qual a característica do
vínculo compulsório existente em face da autonomia municipal? O vínculo não
limita a autonomia municipal, ao contrário, fortalece-o, pois o Estado não
poderá impedir a participação dos Municípios metropolitanos na gestão
metropolitana. Por outro lado, em nome da autonomia, os municípios poderão
até se negar a participar da gestão das funções públicas comuns, mas terão
que suportar as intervenções do Estado-membro. Há uma escolha exercitável
pelo Município389.
Pedro Estevam Alves Pinto Serrano390 prevê como requisito para criação
válida da Região Metropolitana o vínculo compulsório entre os Estados e
Municípios integrantes das Regiões Metropolitanas. Do mesmo modo que os
389
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. ano II. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.24-25. 390
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.170-171.
163
outros autores, ao estabelecerem as relações entre os Consórcios e Convênios
e as Regiões Metropolitanas, admite que as primeiras relações são formadas
por vínculos voluntários, e as figuras regionais, por vínculos compulsórios391.
Enfatiza392 que o vínculo compulsório preserva a autonomia municipal,
na hipótese da lei complementar instituidora da figura regional, pois não retira
indevidamente competência dos municípios transferindo à Região
Metropolitana. Assim, o Estado não pode avocar para si competências
administrativas dos municípios sob pena de ingerência indevida na autonomia
municipal.
Por fim, destacamos Rafael Augusto Silva Domingues393, que a despeito
de caracterizar a relação metropolitana com vínculo compulsório, entende não
haver redução de autonomia municipal. Os Municípios até poderão se negar a
participar da gestão das funções públicas comuns, mas terão de suportar as
intervenções necessárias ao seu provimento. Isto implica a possibilidade de
reserva de recursos dos orçamentos dos Estados e Municípios, mesmo contra
a vontade deste último, desde que recorra ao uso de medidas judiciais. O autor
entende que a violação à autonomia ocorreria na hipótese do Estado obrigar o
Município manu militari a empregar recursos para atender interesses
metropolitanos. O uso de medidas judiciais, portanto, reforça o princípio, até
porque, as funções comuns não podem deixar de ser executadas, sob pena
dos Estados e Municípios se omitirem no cumprimento de funções
constitucionais, comprometendo a máxima efetividade das normas
constitucionais.
Rafael Augusto Silva entende ser inconstitucional o art. 25, parágrafo
único da Constituição do Maranhão, que exige aprovação da medida pela
Câmara Municipal. Por outro lado, cabível o art. 24 da Constituição do Paraná,
segundo a qual para a execução das funções públicas de interesse comum
serão destinados recursos financeiros do Estado e dos Municípios que
integram a região metropolitana.
391
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto.Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.170-192. 392
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.170. 393
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.161.
164
2.4.2 Interfaces entre os interesses local e metropolitano
A doutrina divide-se em duas correntes opostas: de um lado, há quem
defenda que em face da realidade metropolitana a autonomia municipal é
condicionada, limitada. Outros argumentam que a autonomia municipal
permanece plena, intocável, íntegra394, em razão da realidade metropolitana,
conforme posição de Pedro Estevam Serrano e Eros Roberto Grau.
Ressaltamos que os adeptos da primeira corrente apresentam entre si um
ponto de divergência substancial, que encaminha para duas subdivisões
distintas. De um lado, entendem que a Constituição Federal define a autonomia
limitada, permitindo, avocação de competência dos municípios pelo Estado por
conta da criação da região metropolitana (Caio Tácito e Luis Roberto Barroso).
Outros sustentam que a autonomia é relativa, comporta graus, mas sem
defender a avocação de competência (Alaôr Caffé Alves, Ana Carolina
Wanderley Teixeira395 e Maria Coeli Simões).
Para Caio Tácito396 e Luís Roberto Barroso397a Constituição prevê
limites à autonomia municipal, não apenas na excepcionalidade traumática da
intervenção federal ou estadual, mas também em situações especiais, como na
capacidade avocatória dos Estados (art. 25, §3º da Constituição Federal).
Desta maneira, os Estados-membros, ao criarem as figuras regionais,
avocariam para si o interesse municipal, pois o interesse regional sobrepõe-se
ao local, em função do princípio da continuidade, produtividade e eficiência.
Sustentam que esta previsão não amesquinha a autonomia municipal,
pois a autonomia dos entes federados não é preexistente, mas definida pela
Constituição. As duas disposições constitucionais, uma que permite a
titularidade do interesse local (art. 30, I) e a outra que trata das regiões
metropolitanas (art. 25, § 3º) pertencem ao mesmo status hierárquico, pois são
normas constitucionais. É a Carta Magna que, de um lado afirma, e de outro,
limita a competência atribuída. Deste modo, a lei complementar estadual
394
O vocábulo íntegra significa feminino substantivado de íntegro. Por sua vez, íntegro é adjetivo cujo um dos significados é inteiro, completo. (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994.) 395
TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Região Metropolitana (Instituição e Gestão Contemporânea Dimensão Participativa). 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.77. 396
TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual. Revista de Direito Administrativo nº242.out-dez. Rio de Janeiro, 2005, p.346-347. 397
BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002, p.263.
165
prescinde da anuência dos municípios cujos serviços passam a integrar a
competência comum concentrada na administração regional.
Discordamos deste entendimento por revelar nítida ruptura da autonomia
política definida pela Constituição para os entes federados.
Se interpretarmos o dispositivo constitucional considerando a
avocação398 de competências do Município pelo Estado, por ocasião das
regiões metropolitanas, violaremos o regime jurídico federativo da Carta
Constitucional, que não considera as Regiões Metropolitanas entes federados.
Estaríamos diante de supressão de competências municipais pelo Estado-
membro, em razão do exercício de competências administrativas, através da
criação de Regiões Metropolitanas, o que não é possível pelo sistema
federativo nacional.
Ao discorrer sobre competências administrativas, conceito extensível às
competências políticas dos entes federados, o jurista399 explica que
competências são intransferíveis e imodificáveis. No primeiro caso, não o são
nem transacionadas, salvo hipóteses expressas em lei de delegação. No
segundo caso, não podem ser modificáveis pela vontade do titular, o qual não
tem poder de dilatá-las ou restringí-las, pois devem ser exercidas nos limites
legais, exceto os casos de avocação.
Observamos que os critérios de delegação e avocação envolvem
hipóteses excepcionais, previstas em lei, pois as competências não admitem
modificação ou transferências. De fato, admite-se, excepcionalmente, (art. 22,
parágrafo único da Constituição Federal) a delegação por meio de lei
complementar federal de competências privativas da União aos Estados para
que legislem sobre questões específicas das matérias relacionadas no rol de
competências do art. 22. Entretanto, não verificamos na Constituição Federal
hipótese de avocação de competência de um ente federado em relação a
398
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 150: O autor assim se refere à avocação de competências: “a episódica absorção, pelo superior, de parte da competência de um subordinado, ainda assim restrita a determinada matéria e somente nos casos previstos em lei”, adverte, no entanto, que excepcionalmente, a lei prevê a avocação, como no caso do art. 15 da lei de processo administrativo federal (Lei Federal nº 9.784/1999), que permite a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados. 399
A distinção entre as duas categorias diz respeito aos conceitos de autonomia política ou administrativa. As competências políticas decorrem da descentralização política, que significa o poder de editar as próprias leis, sem subordinação a outras que não as previstas na própria Constituição. Por outro lado, competência administrativa refere-se ao fenômeno da descentralização administrativa e diz respeito à capacidade de gerir os próprios negócios, mas com subordinação a leis ditadas pelo ente central.
166
outro. A hipótese de intervenção federal (arts. 34 e 35 da Carta) não diz
respeito à avocação de competências, mas à garantia do sistema federativo. A
intervenção é forma de evitar que os entes rompam entre si o pacto de
indissolubilidade do vínculo federativo, estabelecido no art. 1º, impedindo a
separação dos entes federados. É por isto que é medida excepcional, a
exemplo do art. 34, I.
Acrescenta Pedro Estevam Serrano400 que o texto constitucional não
apresenta referências implícitas nem explícitas sobre a avocação. Enfatiza que
o Estado-membro não está autorizado pela Carta a estabelecer exceção ao
sistema constitucional de distribuição de competências na federação, através
da avocação de competências de outro ente federal. Ao criar Região
Metropolitana (art.25, §3º), o Estado exerce competência própria,
descentralizada em parceria com os Municípios integrantes da Região
Metropolitana. Portanto, criar figura regional não significa usurpar
competências do Município, pois decorre de exercício de competência
exclusiva do Estado-membro, sendo possível ao Estado atribuir competência
colaborativa junto ao Município para atuar nos assuntos de interesse regional,
de acordo com os limites estabelecidos pelo legislador estadual, instituidor da
região.
Após críticas contundentes à defesa da avocação de competências,
Pedro Estevam Serrano parte da premissa de que a autonomia federativa é
constitucional, e não cabe ao legislador estadual, responsável pela criação das
figuras regionais, eventuais restrições.
Em nome do princípio da igualdade entre os entes federados401, o
Estado-membro está proibido de subtrair parcela da competência municipal por
ato de sua competência legislativa discricionária que possibilita criar a região
metropolitana pela Lei Complementar. A atuação administrativa da Região
400
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.162. 401
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.185. Nesta obra, o autor indica como sendo princípio do Direito Público a igualdade das pessoas políticas, no que toca à organização espacial da estrutura do poder: “Sob o ponto de vista jurídico, as pessoas políticas são absolutamente iguais entre si; todas são criaturas da Constituição, que outorgou a cada qual uma esfera irredutível e impenetrável de competências, exercidas com toda independência. A União não é mais importante ou hierarquicamente superior aos Estados e Municípios, nem os Estados o são em relação aos Municípios. Todos estão no mesmo nível. A relação entre eles é de igualdade, de isonomia”.
167
Metropolitana é competência do Estado-membro, impede interferências no
município e evita que determinado Município comande outro.
Independentemente da conurbação urbana, os Municípios continuam
autônomos politicamente, não subordinados a outros entes federados. Pedro
Estevam Serrano adverte que a legislação estadual responsável por instituir
Região metropolitana não poderá formular dispositivos implicando usurpação
das competências municipais, restringindo ou subtraindo autonomia política
dos Municípios.
Quando à autonomia municipal, Pedro Estevam Alves Pinto Serrano
compartilha o entendimento de Alaôr Caffé Alves402, ao permitir que o
município atue junto ao Estado na administração das funções metropolitanas.
Na hipótese do Estado criar Região Metropolitana, a lei deverá definir a
participação dos Municípios na gestão regional, sem violar a autonomia
municipal. Deste modo, afirma Pedro Estevam Serrano403, baseado na partilha
de competências (arts.154 e 155) da Constituição do Estado de São Paulo:
A administração da Região Metropolitana deve ser realizada em conjunto entre o Estado e Municípios, no sentido de que todos irão contribuir na formação das decisões administrativas e para a gerência da Região, permitindo em cada caso concreto auferir a real dimensão do interesse local, a fim de permitir uma atuação simplesmente municipal ou de cuidado regional, consoante aplicação da ordem constitucional discriminadora das referidas competências. Não obstante nossa divergência com o conteúdo de algumas de suas conclusões a respeito, somos de total concordância com o pressuposto de Alaôr Caffé Alves
404.
O autor constata que a norma constitucional não tem palavras inúteis,
pois não haveria sentido esta interpretação, caso fosse atribuído ao Estado
realizar competências da mesma forma que o faria sem criar a Região
metropolitana.
402
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.277. 403
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto.Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.136. 404
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981.p.277. “O interesse do Município, individualmente considerado, está inevitavelmente ligado ao interesse regional, o que nos leva a compreender que os interesses locais e regionais não se contrapõem necessariamente; ao contrário, normalmente são complementares entre si. Assim, os graves problemas que envolvem um conjunto de Municípios, normalmente ligados à segurança, saneamento básico, transporte público, principalmente, demandam tratamento que escapa ao controle e possibilidades do ente local isolado, abandonado à sua própria sorte”.
168
Deste modo, a lei estadual que criar a Região metropolitana deverá
respeitar as competências locais, reservando ao Estado apenas a titularidade
da competência regional405:
Diante da cooperação entre os entes federados, determinada pela Constituição, por força do regime federativo de Estado e como já destacado, há a necessidade de manutenção de todas as autonomias envolvidas, ou seja, a todos os entes federativos participantes da Região Metropolitana deverá ser respeitada sua competência e autonomia quanto à resolução dos problemas enfrentados, atuando cada qual de acordo com o regime jurídico do interesse em questão. Distanciamo-nos, assim, tanto dos extremadamente “regionalistas” quanto dos extremadamente “municipalistas”, preferindo permanecer num território intermediário entre tais posições, mais de acordo, a nosso ver, com o Direito Posto e vigente” [...] Afirma-se que a autonomia municipal, com a criação de uma Região Metropolitana, deve continuar sendo respeitada, visto que os serviços de interesse predominantemente locais e criação de atos conjuntos do Estado e Municípios para a prestação dos serviços relativos ao interesse regional, de competência estadual, que com a criação da Região desconcentra sua competência para exercê-la com a colaboração dos Municípios.
Eros Roberto Grau interpreta o art. 25, §3º da Constituição Federal
preservando as competências constitucionais em sua integralidade. As
premissas elaboradas por ele e Pedro Estevam são distintas visto que ambos
divergem em relação à titularidade do interesse metropolitano. Contudo, quanto
à autonomia, defendem a preservação das autonomias políticas dos Estados-
membros e Municípios de forma íntegra406.
Eros Grau esclarece que os interesses dos Municípios conurbados
deixam de ser isoladamente locais, transformando-se em interlocal,
organizados e prestados pelos Municípios, por meio da Lei complementar que
institui a Região metropolitana. O Estado-membro, através da Lei
complementar Estadual, torna compulsório o relacionamento entre os
municípios conurbados, integrando a organização, o planejamento e a
execução das funções públicas de interesse comum. Desta forma, competirá
aos Municípios a autonomia plena ao prestar os serviços diretamente, por
delegação à Administração Indireta ou através de concessão de empresa
privada. Cabe ao Estado-membro apenas integrar a organização, o
405
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.157. 406
Sobre a prestação, pelos municípios, do serviço público de abastecimento de água. In: (Org.) RODRIGUES, Francisco Luciano Lima.Estudos de Direito Constitucional e Urbanístico. São Paulo: RCS, 2007, p.134.
169
planejamento e a execução do interesse metropolitano. Assim, o Estado-
membro ao promover a integração das funções comuns, não compromete a
autonomia Municipal, que permanece com a prestação dos serviços pelos
Municípios limítrofes. Assim, destacamos as conclusões de Eros Roberto
Grau407:
Isso permanece a ocorrer ainda quando se trate de Municípios integrados em região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião instituída por lei complementar estadual. Neste caso incumbirá ao Estado-membro tão somente prover no sentido de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, isto é, execução dos serviços comuns. À prestação desses serviços corresponde uma função (dever-poder) de caráter intermunicipal. Essa prestação incumbe à Administração intermunicipal, vale dizer, aos Municípios solidariamente de modo integrado no que concerne a sua organização, ao seu planejamento e a sua execução. Ao Estado-membro nada incumbe além de mediante lei complementar instituir a região metropolitana, a aglomeração urbana ou a microrregião, dispondo a respeito daquela integração, naturalmente sem qualquer comprometimento das autonomias municipais.
Por outro lado, há quem defenda que a autonomia dos Municípios (art.
25, §3º) não pode ser interpretada de forma absoluta, intangível, pois ela
comporta graus de exercício diferenciados.
Maria Coeli Simões Pires, ao discorrer sobre regiões metropolitanas,
observa que a autonomia dos municípios deve ser preservada, nos limites da
Constituição. No entanto, admite que a lei estadual responsável pela instituição
das figuras regionais condicione, relativize ou expresse os contornos à
autonomia municipal408:
A autonomia, que deve ser reciprocamente respeitada pelos próprios Municípios (sem prejuízo da observância pelos demais entes federativos), impõe às leis municipais a impossibilidade de regulação de assunto ou função pública cuja execução se dê no território de outro Município. Daí a necessidade de uma lei estadual, que, comportando-se nos limites da Constituição da República, na realidade reconforme ou relativize, ou ainda, simplesmente, expresso os contornos práticos da autonomia municipal no âmbito do território metropolitano.
407
Sobre a prestação, pelos municípios, do serviço público de abastecimento de água. In: (Org.) RODRIGUES, Francisco Luciano Lima.Estudos de Direito Constitucional e Urbanístico. São Paulo: RCS, 2007, p.135. 408
MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.418.
170
Antes mesmo da promulgação da Carta Constitucional, ao refletir sobre
a realidade metropolitana, afirmava em 1987 que autonomia municipal não
deveria ser interpretada de forma literal, sem considerar os fins que disciplinam
sua criação, como o desenvolvimento regional sob os aspectos econômicos e
sociais409:
a autonomia municipal não pode se constituir num entrave ao desenvolvimento das ações adotadas no conjunto metropolitano, mas tem que com ele conviver, de tal sorte que seu conceito jurídico-constitucional submeta-se a balizamentos, jamais à supressão ou ao abrandamento. [...] a tentativa de se erguer a autonomia municipal como mote inatingível, inibindo-se a operacionalização legítima da região metropolitana, consiste em contrariar a Constituição, que erigiu a região metropolitana com instrumento de agregação e de agrupamentos para solução econômica e racional dos problemas regionais de âmbito infra-estadual e supramunicipal.
Ana Carolina Wanderley Teixeira410 corrobora o entendimento de Maria
Coeli e acrescenta o posicionamento de Alaôr Caffé Alves.
Para a autora, a autonomia municipal e as funções públicas de interesse
comum são compatíveis. A convivência é possível, pois Alaôr Caffé Alves faz
referência a dois núcleos de autonomia: plena e condicionada.
Pela primeira forma de autonomia, a Constituição permite que o ente
atue exclusivamente a respeito de certas matérias. Já na segunda tipologia, a
Carta prevê competências concorrentes ao lado das exclusivas, permitindo que
vários entes atuem sobre o mesmo plexo de competências, desde que
observem os limites definidos pela Constituição Federal para cada ente
federado.
A autora concluiu que o aparente paradoxo entre as competências do
art. 30, I e 25, §3º, da Constituição Federal, pode ser superado possibilitando
ao Estado tratá-lo sob o enfoque regional. Isso se considerarmos que a
autonomia municipal não é um dogma sagrado, mas suscetível de
condicionamentos, sob pena de impossibilitarmos a solução dos problemas
econômicos e sociais que ultrapassam as fronteiras geográficas dos municípios
conurbados.
409
SIMÕES, Maria Coeli. A institucionalização das regiões metropolitanas e o novo modelo de federalismo brasileiro. Revista de Direito Público nº84, out-dez, São Paulo: RT,1987, p.187-194. 410
TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Região Metropolitana (Instituição e Gestão Contemporânea Dimensão Participativa). 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.76.
171
Ao indagar se a criação de região metropolitana representa ofensa à
autonomia municipal, Alaôr Caffé propõe analisar o tema sob duas
perspectivas: de um lado a formal-normativa, e de outro, política do direito,
metajurídica. Enfatizaremos a autonomia jurídica, critério que nos interessa
nesta tese.
Do ponto de vista jurídico (formal-normativo), o autor assim define
autonomia411:
É o poder jurídico de um sujeito de direito de se reger por leis próprias, por ele especificadas e editadas de conformidade com certos princípios, normas e matérias definidoras, segundo o ordenamento jurídico, de um âmbito de competência determinado. Assim definida, formal e abstratamente, a autonomia se apresenta em termos absolutos, imutável e estática, sem consistência operacional. Entretanto, se atentarmos para o objeto sobre o qual deve ser exercida, observamos que ela comporta graus, dependendo da maior ou menor amplitude, em termos relativos, do círculo funcional mediante o qual o referido objeto se manifesta e se concretiza.
De acordo com a perspectiva jurídica, a autonomia política é delineada
pelo texto constitucional, dentro dos seus limites e condições, como as
competências municipais arroladas no art. 30, I a IX, da Constituição Federal.
Adverte o autor que sob o enfoque constitucional não é possível afirmar
que uma autonomia originária, positivada inicialmente em termos abrangentes
ou generosos posteriormente, seja “restringida” ou “ampliada” através da
criação de Regiões Metropolitanas. Isto porque, as competências são
positivadas de forma ampla, sistemática, sem contradições. Portanto, quando
surge a figura regional, os Municípios metropolitanos deixam de ter plena e
exclusiva atuação sobre determinadas matérias, transferindo seu tratamento
para nível regional, mas continuam adquirindo participação conjunta com o
Estado e demais municípios para deliberar sobre as funções comuns412. A
modificação da competência não ocorre por mero arbítrio do legislador
estadual, mas por razões da natureza das coisas, fatores socioeconômicos,
que deixam de pertencer ao interesse local para alcançar a categoria regional.
Ao priorizar a autonomia jurídica, o autor conceitua a expressão
considerando dois sentidos: amplo e estrito. No primeiro, estamos diante das
411
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.228. 412
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. ano II. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.30-31.
172
competências complementares suplementares e supletivas (art. 24, §1º, 2º e 3º
da Constituição) que permitem a atuação concorrente entre a União, Estados,
Distrito Federal e Municípios. Através deste artigo, os entes federados
produzirão normas sobre os assuntos arrolados no art. 24, graduandoa atuação
de cada ente, na medida em que, compete à União estabelecer normas gerais,
aos Estados complementá-las, assim como aos municípios (art. 30, II) além de
possibilitar aos Estados atuarem de forma supletiva, legislando para atender
suas peculiaridades se não houver lei federal. A competência comporta graus,
condicionamentos, pois permite que vários entes políticos atuem
conjuntamente em relação a determinado rol de competências.
No segundo sentido (stricto sensu), a autonomia seria plena, absoluta,
exercitável de forma exclusiva, sem a colaboração de outro ente, ou seja, com
a atuação apenas da pessoa política que recebeu a incumbência
constitucional.
Para Alaôr Caffé Alves o que importa é a capacidade legislativa atribuída
à pessoa política. Os graus e condicionamentos atribuíveis à competência, em
razão de critérios da realidade, não definem a autonomia, mas são apenas
alguns dos seus atributos413. E conclui414:
A autonomia plena haure sua força, estabilidade e garantia do próprio caráter sistêmico do ordenamento jurídico, envolvendo sempre a idéia de competência exclusiva, previamente demarcada a nível constitucional. A autonomia dotada de estabilidade relativa, de caráter temporal e precário, depende das circunstâncias e dos critérios de oportunidade, sendo condicionada a possíveis limitações pela interferência de atos normativos de maior amplitude, autorizados no âmbito do próprio sistema normativo. Envolve sempre a ideia de competência concorrente.
Do ponto de vista jurídico, não podemos afirmar que há violação da
autonomia municipal em face da criação da região metropolitana. O Município
mantém sua competência (arts.29, 30 e 31 da Constituição) através do
exercício de competências legislativas, administrativas e tributárias. Ocorre que
ao integrar uma Região Metropolitana, a autonomia sofre condicionamentos e
graduações, em razão das articulações, coordenações e integrações que
413
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.232. 414
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.235.
173
envolvem o exercício de competências entre os municípios conurbados e o
Estado-membro responsável por criar a figura regional. Desta forma, ao lado
das competências exclusivas do art. 30, o Município recebe as comuns (art. 23)
e as concorrentes (art.24), que permite ao ente atuar de forma integrada,
cooperativa, em relação aos entes componentes da região. Em razão destas
possibilidades, é possível afirmar que os municípios participam junto aos
Estados da gestão metropolitana, uma vez que os interesses metropolitanos
envolvem a atuação de ambos por conta da integração entre os interesses
locais e regionais.
Quando Alaôr Café afirma que fatores sociais, econômicos, geográficos,
tecnológicos podem intervir nas relações humanas provocando alterações de
competências dos integrantes da região metropolitana, não significa que a lei
estadual (infraconstitucional) tenha alterado o sistema de competências
constitucionais e violado autonomias políticas. Na realidade, o fenômeno se dá
em razão da interpretação das normas à luz de elementos do caso concreto.
Alterar competências constitucionais só é possível por meio de novas
emendas, produzidas através de processo legislativo mais dificultoso que o
previsto para as demais espécies normativas além da necessária observância
às cláusulas pétreas que estabelecem limitações materiais à preservação do
sistema federativo (art. 60, §4º, I). Os termos interesse local e funções públicas
de interesse comum são conceitos jurídicos indeterminados, comportam zonas
cinzentas de significação, esclarecidas à luz do caso concreto. Neste caso, o
trabalho do intérprete é fundamental para preencher o conteúdo de ambos.
Não há que falarmos em violação de autonomia política, em razão das
circunstâncias fáticas acarretarem novos contornos de interpretação ao
interesse local ou regional. Esta é a proposta do jurista que invoca,
constantemente, a necessidade de aliarmos o mundo do “ser” com o do “dever
ser”, ao defender que novos sentidos podem ser atribuídos à norma pelo
intérprete.
Para Alaôr Café, o Direito não é compreensível apenas do ponto de vista
do mundo do dever-ser, mas à luz da realidade social. Ao exercer a
competência atribuída pelo Constituinte, o legislador deve normatizar
174
comportamentos, tendo em vista valores e consequências que pretende
induzir415:
O mundo jurídico compõe-se, então, dos fatos da conduta circunscritos à perspectiva (ideal) de seus resultados (outros fatos), conscientemente estabelecida, a qual exprime o valor (positivo ou negativo) que a esses fatos é dado. Assim, o legislador, dentro do quadro de competência fixado pelo constituinte, realiza uma conduta produtora de normas jurídicas para uma certa comunidade, sempre referenciada a uma perspectiva das conseqüências que pretende induzir. Essa norma, contudo, considerada em si mesma, oferece uma literalidade fria, ideal, cuja significação autêntica só é possível quando é relacionada com a totalidade do ordenamento jurídico e, ao mesmo tempo, colocada em contraste com a realidade a que se
refere. Para o autor, a norma jurídica comporta “múltiplas significações,
dependendo do sentido de valor adotado num determinado momento e das
circunstâncias objetivas condicionamentos do quadro real em que deve ser
aplicada”416.
Dessa maneira, o autor irá interpretá-la relacionando o mundo do ‘ser’
com o do ‘dever ser’. De acordo com a alteração da realidade social, a norma
jurídica irá traduzir um novo sentido semântico.
Todavia, ela não pode ser compreendida apenas em seu sentido formal,
literal, mas seu conteúdo deve ser verificável a partir da realidade concreta que
lhe atribuiu o verdadeiro sentido e eficácia. O autor invoca como exemplo a
interpretação da autonomia municipal, face ao sistema constitucional, tomando
por base a estrutura normativa como algo independente, sem relação com o
mundo prático e conclui417:
Do ponto de vista das relações entre o conteúdo das competências, abstratamente especificado na norma jurídica, e os fatos concretos que realizam o referido conteúdo, é possível consignar a variação de poderes e competências dos entes, originários apenas da interpretação dos elementos caracterizadores dos fatos que as concretizam. [...] Os fatos são indicados e selecionados em função das conotações conceituais, abstratas e gerais, que os enfocam dentro de certos padrões e limites de compreensão, de modo a permitir uma visão inteligível dos mesmos. Entretanto, constata-se, por outro lado, a permanente alteração de significado desses mesmos conceitos, estimulada pelas constantes mudanças ou
415
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.6. 416
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.8. 417
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.8.
175
transformações das diferentes características ou propriedade dos fatos e objetivos a que eles se referem. Esse processo orienta de certa forma a dinâmica perspectiva que se tem ou se deve ter do mundo jurídico, fazendo originar, dentro de certos limites espaciais e temporais, as mudanças conceituais necessárias aos ajustes da concepção normativa com a realidade cambiante. [...] Nesse sentido convém observar, e isso é ponto de fundamental importância, que as competências, e com elas os respectivos âmbitos de autonomia, nem sempre serão reformuladas ou redistribuídas em termos de sua configuração formal, visto que são matérias de índole constitucional, só alteráveis por via institucional básica, observados procedimentos especiais, de consecução política mais difícil. Assim, muitas vezes se realiza uma certa distribuição de competências a partir tão somente da consideração analítica a respeito dos fatos que se alinham para concretizar a hipótese abstrata fixada na norma jurídica. Altera-se o conceito jurídico por se ter modificada a concepção a respeito das correspondentes ocorrências ou comportamentos do mundo real, em virtude das transformações objetivas que este apresenta. Em consequência, altera-se o campo da competência com reflexos inevitáveis no plano jurídico da autonomia. [...] Exemplo desse processo é o caso da captação, tratamento e adução a grosso de água potável em região metropolitana. Esses serviços são tidos tradicionalmente como de interesse local, não mais devendo, entretanto, nas regiões metropolitanas, ser considerados apenas sob essa rubrica; não porque assim não se queira classificá-los, mas sim pelo fato de que somente podem ser efetivamente prestados em quase todas as regiões metropolitanas, com o concurso de decisão e de recursos mobilizáveis só a nível supramunicipal.
Ora, a afirmação não é um disparate jurídico, uma vez que a
interpretação das normas constitucionais envolve conceitos jurídicos
indeterminados, que possibilitam ao intérprete uma atividade, criativa, que se
expressa em categorias construtivas e evolutivas.
Luís Roberto Barroso418 explica que em função dos conceitos jurídicos
indeterminados, em larga medida, presentes na Carta Magna, como ordem
pública, dano moral, interesse social, dignidade da pessoa humana, é exigida
uma atuação significativa do intérprete para delimitar o sentido dos termos.
Para o autor, o operador do direito não cuidará apenas da revelação do sentido
e alcance da norma, mas também da criação do sentido do termo
interpretado419:
O enunciado normativo, por certo, fornece parâmetros, mas a plenitude de seu sentido dependerá da atuação integrativa do intérprete, a quem cabe fazer valorações e escolhas fundamentadas à luz dos elementos do caso concreto.
418
BARROSO, Luís Roberto.Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Os Conceitos fundamentais e a Constituição do Novo Modelo). 2ª tiragem. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.130. 419
BARROSO, Luís Roberto.Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Os Conceitos fundamentais e a Constituição do Novo Modelo). 2ª tiragem. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.130-131.
176
Para o autor, esta função criativa do jurista abrange a interpretação
construtiva e evolutiva. No primeiro caso, permite ampliar o sentido ou
extensão do alcance da Constituição para criar uma nova interpretação,
hipótese normativa não prevista originariamente no texto constitucional, como
foi o reconhecimento dos efeitos jurídicos às relações homoafetivas estáveis,
com base no art. 226 da Constituição. A interpretação evolutiva consiste em
aplicar a Constituição a situações que não foram contempladas quando de sua
elaboração e promulgação, por não existirem nem terem sido antecipadas à
época. Citemos como exemplo, o fenômeno da internet, inexistente na época
da Assembleia Constituinte.
O mesmo ocorre em relação à Teoria Tridimensional do Direito que
entende ser o direito uma integração entre fato, valor e norma. Pela concepção
de Miguel Reale, a ciência do direito é histórico-cultural e compreensivo-
normativa, por ter como objeto a experiência social na medida em que a norma
se desenvolve em função de fatos e valores. Em resumo, não há como separar
o fato da conduta, nem o valor ou finalidade a que a conduta está relacionada,
nem a norma que incide sobre ela. Assim, explica Maria Helena Diniz420:
Ao se interpretar a norma, deve-se procurar compreendê-la em atenção aos seus fins sociais e aos valores que pretende garantir. O ato interpretativo não se resume, portanto, em simples operação mental, reduzida a meras inferências lógicas a partir das normas, pois o intérprete deve levar em conta o coeficiente axiológico e social nela contido, baseado no momento histórico em que está vivendo.
Portanto, ao reunirmos a escola da tridimensionalidade do Direito, os
comentários e Luís Roberto Barroso e o pensamento de Alaôr Caffé Alves,
verificamos que o direito é produzido com base em uma atividade interpretativa
que considera a realidade social. Isto não nos autoriza desconsiderara norma
jurídica ou atividade legislativa em razão do mundo fenomênico. Ao contrário, a
alteração da realidade proporciona novos contornos ao conceito normativo e
implica atividade dialética entre fato, valor e norma.
Neste sentido, não vemos distinção expressiva entre o entendimento de
Alaôr Caffé Alves e Pedro Estevam Serrano ao tratarem do conteúdo de
interesse metropolitano, pois ambos partilham a opinião de que os conceitos
420
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.142-149.
177
jurídicos são constantemente preenchíveis à luz dos fatos sociais, assim, uma
mudança na realidade geográfica, social ou econômica poderá acarretar nova
compreensão e outro sentido atribuível à norma, através de ato de
conhecimento do direito pelo intérprete.
Nossa posição
Diante dos vários posicionamentos apresentados em relação ao grau de
ingerência da região metropolitana sobre o interesse local, concluímos que não
há supressão da autonomia municipal, mas mecanismos jurídicos que
viabilizam a convivência entre o interesse local e o metropolitano.
A Lei estabeleceu vários dispositivos para garantir a paridade na tomada
de decisões por parte dos entes. É medida que permite não mitigar a
autonomia dos Municípios, uma vez que sua participação está assegurada na
gestão do interesse metropolitano.
Portanto, a definição do interesse metropolitano decorre da combinação
da interpretação jurídica formulada nos órgãos deliberativos – que funcionam
junto à administração metropolitana estadual – finalizada pela atuação da
Assembleia Legislativa, caso o exercício da competência exija atuação
legislativa.
Além de participar junto aos órgãos administrativos, do ponto de vista
legislativo, os Municípios da Região Metropolitana exercerão competência
condicionada e baseada no federalismo cooperativo, ou para alguns
doutrinadores, através das competências concorrentes (art. 24) e comuns (art.
23) da Constituição Federal. Mais uma vez, o Município poderá participar na
definição das funções comuns, caso seja necessário para preencher lacunas
da legislação estadual que disciplina a região.
Por este aspecto, não concordamos com a classificação adotada por
Alaôr Caffé Alves, ao distinguir autonomia plena de condicionada, atrelando a
primeira às competências exclusivas e a segunda às concorrentes. Autonomia
política envolve capacidade legislativa definida pela Constituição nas
modalidades exclusivas e concorrentes. Haverá condicionamentos no exercício
da competência municipal em razão do seu ingresso na região metropolitana,
mas com base em outra premissa.
178
A Carta Constitucional ao criar as regiões metropolitanas pautou-se no
federalismo cooperativo democrático ou, para outros, no equilíbrio federativo,
pois reconheceu que existem funções que os Municípios não podem resolver
isoladamente. Para estabelecer um equilíbrio federativo, possibilitou unir suas
esferas à Estadual para conjugar esforços e partilhar decisões na execução,
organização e planejamento de funções públicas de interesse comum.
Ao atribuir competências concorrentes para resolver problemas,
assegurou a autonomia e não limitou seu exercício. Ao submeter-se às
decisões da figura regional, o Município não obedece de forma autoritária, mas
democrática, pois é assegurada sua participação igualmente ao Estado na
tomada de decisões. A autonomia municipal foi garantida pela Constituição de
1988, equiparando o Município a ente federado, ainda que seu regime jurídico
seja diferenciado em relação à União e aos Estados. No entanto, a Carta
Magna confere a mesma autonomia traduzida no exercício de competência
administrativa e legislativa para os Estados e Municípios. As leis que instituíram
as regiões metropolitanas asseguram a paridade.
Quanto ao vínculo compulsório que une os Estados e Municípios em
razão da formação da figura regional, também não há que se falar em redução
de autonomia federativa. Isto porque, as figuras regionais foram previstas como
fórmulas para implementarem o federalismo de equilíbrio, cooperativo e
propiciar a máxima efetividade na solução dos problemas de cada ente, na
hipótese dos municípios serem incapazes de resolver as questões
isoladamente, por sofrerem impacto decorrente da conurbação urbana na qual
estão inseridos.
Por força dos critérios técnicos que orientam a criação das regiões
metropolitanas, os Municípios não podem negar sua participação na Região
Metropolitana. A criação das regiões metropolitanas exige atuação de órgãos
técnicos, a expedição de pareceres atestando que os municípios vizinhos
apresentam as características de conurbação, alto grau de diversidade,
especialização e integração socioeconômica. Portanto, se os municípios não
desejarem participar da figura regional, mas o parecer técnico atestar em
sentido contrário, em face do vínculo compulsório estarão obrigados a integrar
a Região Metropolitana. Entretanto, se os requisitos técnicos não forem
comprovados, a lei responsável por criar a região será inconstitucional.
179
Por esta perspectiva, ao participarem das Regiões Metropolitanas os
municípios terão sua autonomia fortalecida, pois poderão resolver de forma
partilhada com os Estados assuntos que impediam seu desenvolvimento local.
Devemos, no entanto, atentar para o fato de que as deliberações do
Poder Executivo, envolvendo a comunhão de vontades dos Estados e
Municípios, ainda sim, poderão ser modificadas quando submetidas à
discussão na Assembleia Legislativa. Isto porque, o interesse metropolitano é
titularizado pelo Estado, que em última análise inova originariamente o
ordenamento jurídico, nos termos da Constituição, por meio do Poder
Legislativo.
Deste modo, caso determinada medida relacionada ao interesse
metropolitano tenha sido tomada pelos órgãos executivos, por força do sistema
federativo, o Poder Legislativo Estadual poderá modificá-la. Ainda assim, não
poderemos sustentar que o Município sofreu redução de competência, uma vez
que ela é condicionada ao ingressar na Região Metropolitana, já que este ente
não tem mais capacidade para gerir o interesse isoladamente. É necessário
adotar uma solução integrada junto aos municípios vizinhos e ao Estado.
Em função até mesmo do vínculo compulsório que une os Estados e
Municípios da região, este último deverá ser ouvido sobre as decisões de
acordo com o sistema previsto pela Lei Complementar no âmbito do poder
executivo, ainda que eventualmente submeta-se às alterações propostas pelo
Poder Legislativo.
Na hipótese do Poder Legislativo Estadual modificar proposta definida
pela Autarquia Metropolitana com relação aos órgãos colegiados, certamente
ela também terá atingido a vontade de representantes que integram os órgãos
estaduais. Isto, porque, inicialmente, eles deliberaram a proposta junto aos
municípios pelo Poder Executivo. Neste ponto, saímos da esfera da autonomia
política dos entes federados para respeitar o equilíbrio entre os poderes
executivo e legislativo (art.2º c/c art. 18, 27, 28, 29, 57, 84 da Constituição
Federal). Ora, o Estado-membro ao titularizar o interesse metropolitano, conta
com a atuação dos poderes legislativo e executivo, que ao exercerem suas
funções são independentes e harmônicos entre si.
180
Compete ao Poder Executivo aplicar a lei ao caso concreto, sem força
de coisa julgada, isto é, expedir atos administrativos baseados nos comandos
de lei no desempenho das funções administrativas.
Por sua vez, apenas o Poder Legislativo tem a atribuição de inovar
originariamente o ordenamento jurídico, criar obrigações e direitos até então
inexistentes no sistema jurídico.
No exercício de função administrativa, a autarquia metropolitana junto
aos órgãos colegiados de caráter deliberativo e normativo expede atos
administrativos, como por exemplo, projeto de lei referente aos planos
metropolitanos ou Resoluções. Todos deverão respeitar o conteúdo das leis
estaduais, pois administrar é aplicar a lei de ofício. O exercício da competência
administrativa é fruto da competência prevista em Lei.
Assim, quando a autarquia e os órgãos colegiados praticarem atos
administrativos, se forem resultantes de atividade de planejamento, deverão
ser submetidos ao Poder Legislativo Estadual para vincular todos os entes da
Região Metropolitana.
Caso os órgãos colegiados aprovem Resoluções, instrumentos pelo
quais os órgãos colegiados veiculam suas decisões como comandos gerais,
suas determinações deverão respeitar as Leis estaduais.
As normas não poderão contrariar leis estaduais, pois não compete à
administração criar direitos e obrigações, mas tão somente, executar os
comandos da lei. Da mesma forma, os projetos de lei, ou planos, que
necessitarem de aprovação legislativa, deverão submeter-se ao processo
legislativo estadual para impor de forma genérica e abstrata obrigações a
serem respeitadas pelos integrantes da Região Metropolitana.
Desta forma, é importante distinguirmos a gestão administrativa da
legislativa das Regiões Metropolitanas, no que tange à titularidade da função
pública de interesse comum.
Quanto às funções administrativas, em relação à gestão de serviços
públicos, por exemplo, defendemos a posição dos ministros do STF na ADIN
1842, baseada em Alaôr Caffé Alves e José Afonso da Silva, os quais
conferem aos Estados e Municípios a competência para tratarem do interesse
metropolitano.
181
O Ministro acolheu em seu voto a gestão compartilhada entre os
Estados e Municípios como forma de administrar o interesse metropolitano,
junto aos órgãos deliberativos (Conselhos Deliberativos vinculados às
Autarquias).
Do ponto de vista administrativo, as Regiões Metropolitanas contam com
a participação dos Estados e Municípios na gestão das funções públicas de
interesse comum. Observemos o voto de Ricardo Lewandowski, na ADIN 1842,
julgada em 28/2/2013:
Parece-me, portanto, que a gestão compartilhada das novas regiões, previstas no art. 25, § 3º, da CF, entre os Municípios e o Estado, é a solução que melhor se harmoniza com a preservação da autonomia locale a imprescindível atuação do ente instituidor como coordenador dasações que envolvam o interesse comum de todos os integrantes do enteregional. [...] Disso se conclui que o legislador constituinte, ao prever essas novasentidades regionais no art. 25, § 3º, da Lei Maior, ou seja, no título quetrata da própria organização do Estado brasileiro, alvitrou que o poderdecisório relativamente às funções públicas de interesse comum fossecompartilhado entre os diversos entes federativos que as compõem, notadamente quanto ao poder concedente, ao planejamento, à regulação,à fiscalização, à organização e à execução desta.
No entanto, quando estivermos diante de funções públicas de interesse
comum que exijam a atuação da função legislativa em conjunto com a
administrativa, é necessário escolher um ente responsável por sua gestão, ou
seja, atribuir a titularidade do interesse metropolitana ao Estado. Como as
entidades metropolitanas não contam com poderes legislativos compartilhados,
uma vez que estes estão atrelados, diretamente, a um dos entes federados do
sistema constitucional.
Poderíamos adotar um modelo institucional que integrasse as ações
públicas na Região Metropolitana, conforme observa Toshio Mukai421, tornando
a Região Metropolitana um quarto poder, intermediário entre o Estado e o
Município. O governo metropolitano, nos âmbitos dos Poderes Legislativo e
Executivo seria composto por representantes políticos dos Municípios da
Região. Entretanto, o autor admite que este modelo não foi adotado pela Carta
Constitucional422, embora fosse desejável.
Não sendo a Região Metropolitana uma entidade política, não é possível
adotar, por exemplo, o modelo de Minas Gerais, denominado Assembleia
421
MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental.3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.250. 422
MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental.3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.251.
182
Metropolitana (art. 46 da Lei Complementar nº88/2006). A previsão da
Constituição mineira só será constitucional se interpretada como órgão
deliberativo junto ao Poder Executivo, justamente por não ser entidade política,
mas administrativa.
Nas Regiões Metropolitanas, mesmo sendo necessária a cooperação
entre os entes – ao contrário do modelo consorcial de cooperação (art. 23,
parágrafo único e consorcial do art. 241, ambos da Constituição Federal) –é
permitido existir por parte dos Municípios e Estados (art.25, §3º) o vínculo de
cooperação compulsório. Portanto, ainda que o Município tenha o direito e a
oportunidade de participar da gestão metropolitana, na hipótese de não atuar
ou recusar sua participação, a última palavra será dada pelo Estado,
responsável por criar e coordenar as funções da região metropolitana.
183
3 REGIME JURÍDICO DAS REGIÕES METROPOLITANAS
O surgimento da realidade metropolitana considera o exame de
questões referentes ao processo econômico que norteia o crescimento das
cidades, culminando com intensa urbanização, industrialização e aumento da
densidade demográfica. Em razão disto, as cidades sofrem junção em seus
limites físicos, o que denominamos conurbação e que por sua vez, traz novos
problemas que extrapolam o âmbito de solução local. Em resumo, descrever o
surgimento da realidade metropolitana, envolve a abordagem de fatores como
cidade, polo econômico, urbanização, industrialização, aumento da densidade
demográfica, conurbação e necessidades metropolitanas.
O termo cidade apresenta vários significados423, conforme ensina José
Afonso da Silva, mas enfatizemos especialmente os aspectos da concepção
econômica e jurídica, este último mais adiante.
Do ponto de vista econômico, a cidade é uma localidade de mercado, na
qual a população satisfaz suas necessidades essenciais, troca e comercializa
produtos entre as cidades vizinhas. Segundo Alaôr Caffé Alves424:
A função básica da cidade é produzir e distribuir bens e serviços para um determinado espaço, tornando-se ela o centro de atração ou polarização desse espaço. O poder dinamizador da função industrial, além de ser um fator de transformação da estrutura econômica do mundo rural, é elemento propulsor da integração nacional. Por outro lado, como os bens e serviços apresentam diferenças quanto à freqüência do consumo, surgirão forçosamente alguns centros urbanos mais equipados, mais especializados, exercendo funções mais complexas relativamente a outros centros que permanecem sob sua influência. À medida que os bens e serviços se especializam, mais sofisticados e raros se tornam, concentrando-se nas cidades maiores onde existem as condições específicas para sua produção e consumo.
Em razão do seu enfoque econômico425, as cidades absorvem mais
estruturas produtivas, para facilitar logisticamente a distribuição de produtos e
serviços, reduzir custos de produção e distribuição, o que contribui para o seu
423
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.24.: “Três concepções podem ser destacadas relativamente ao conceito de cidade: (a) a concepção demográfica; (b) a concepção econômica; (c) a concepção de subsistemas”. 424
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.105. 425
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.105.
184
crescimento, polarização e influência econômica em relação às cidades ao
redor.
Da mesma forma, as cidades vivenciam intensamente a industrialização
e a urbanização, que por sua vez, aumentam a densidade demográfica, em
função da atração de emprego e estrutura que os núcleos urbanos oferecem,
conforme explica Eros Roberto Grau426:
Nestes pólos verificamos, com muita freqüência, simultaneidade de dois processos que se implicam mutuamente, o de industrialização e o de urbanização: a expansão industrial atrai mão-de-obra aos pontos que se difunde, ao mesmo tempo em que, a disponibilidade desta, acrescida à existência de excedentes de capitais ali gerados e de capacidades de consumo em potencial, carentes nas regiões que não centralizam atividades econômicas, propicia, naturalmente, aquela expansão. A industrialização, assim, acarreta, além de uma série de outras conseqüências interativas, ampliação do setor terciário, consolidação de uma infra-estrutura financeira, etc – intenso crescimento demográfico, nos pontos em que se localiza. Dentro de um certo prazo esse intenso crescimento tende a gerar os centros metropolitanos, que constituem o objeto de nossa atenção.
Para Mercedes Arroyo Huguet427, as grandes cidades são originárias de
processos centrípetos que confluem sobre o núcleo central e atraem população
de seu entorno, eminentemente rural, o que gera o crescimento das cidades,
no próprio território Municipal. Quando o crescimento ultrapassa os limites
municipais, surge o fenômeno metropolitano. Assim, a grande cidade enquanto
estiver contida dentro do território Municipal, não provoca o fenômeno
metropolitano. Este, por sua vez, surge quando sua dimensão invade a trama
urbana de vários municípios428.
Em consequência deste intenso processo de urbanização e
industrialização, as cidades sofrem o fenômeno da conurbação, ou seja,
coalescência429 de duas ou mais unidades urbanas430. A conurbação faz
426
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.13. 427
HUGUET, Mercedes Arroyo. La contraurbanización: un debate metodológico y conceptual sobre la dinámica de las áreas metropolitanas apud GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos. Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.196. 428
Rios Rull. Cortes Generales. Diário de Sesiones del Senado, Año 2002, VII, Legislatura, Comisiones Num. 309, Comisión de las Entidades Locales, lunes 17 de junio de 2002, p.15. apudGIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.202. 429
Coalescente. Adj. 1.Aderente, unido; 2.Aglutinante; 3.Concrescente; Coalescer. Verbo transitivo direto; 1.Fazer aderir; aglutinar; 2.Juntar, unir (Conjug, v, crescer). 430
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.14.
185
desaparecer faixas que servem como limites entre as cidades, contribuindo
para a sua junção entre as cidades, acarreta sobreposição das áreas contíguas
e o desaparecimento das áreas rurais entre as cidades que estabelecem entre
si relações de polarização econômica. Segundo Michel Temer431:
A idéia de Região Metropolitana deriva da conurbação. As áreas urbanas vão se aglomerando em torno de um Município maior, eliminando as áreas rurais e fazendo surgir, entre os Municípios, área urbana única, o que passa a exigir a integração dos serviços municipais.
A conurbação urbana provoca modifica até mesmo a estrutura das
cidades, que se alastram, estendendo-se para além de territórios confinados
por limitações de aspecto político-administrativo432. Isto significa dizer, segundo
Eros Roberto Grau433:
A emergência das regiões metropolitanas, como realidades de fato, entre nós, contrariou o modelo ortodoxo, de Direito, de divisão político-territorial, sob cuja ótica estava a cidade incluída na área de um município: são vários municípios, então, que se encontram integrados no território de uma mesma área, continuamente urbanizada.
Do ponto de vista jurídico, cidade só adquire qualificação quando seu
território se transforma em Município, isto é, em sede do governo municipal,
conforme explica José Afonso da Silva434:
Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não-agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população. A característica marcante da cidade no Brasil consiste no fato de ser um núcleo urbano, sede do governo municipal.
Quando ela intensifica seu crescimento e sofre o processo de
conurbação, seu território amplia limites e começa a intervir em outros
Municípios. A sede de governo deixa de estar atrelada a um único município,
integrando outros territórios municipais. Em razão da configuração jurídico-
política do Estado Brasileiro, questões relacionadas à autonomia das entidades
431
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.114. 432
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas– Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.6. 433
GRAU, Eros Roberto. Direito Urbano – Regiões Metropolitanas. São Paulo: RT, 1983, p.10. 434
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.26.
186
surgirão, em razão da mútua interferência entre as cidades e os municípios da
Região metropolitana, uma realidade bem retratada por Alaôr Caffé Alves435:
Com efeito, na região metropolitana não é mais a unidade municipal que envolve e abarca a cidade; mas, ao contrário, é a grande cidade (metrópole) que envolve vários municípios, várias unidades locais autônomas do ponto de vista político, jurídico, administrativo e financeiro. A fragmentação institucional, com a existência de múltiplos centros autônomos de decisão política dentro da mesma realidade urbano-regional metropolitana, exige, por sua própria natureza, soluções unificadas, articuladas e integradas. Assim, a região metropolitana apresenta-se como uma mesma realidade física, social, econômica e ambiental, sem apresentar, contudo, uma unidade político-administrativa adequada ao tratamento de seus gigantescos
problemas. O termo Metrópole tem origem grega e significa cidade mãe, (metra-
útero-pólis), principal centro urbano, adotada inclusive pelos romanos como
uma referência à capital da província436. O vocábulo faz menção à noção de
centralidade política e hegemônica437.
Do ponto de vista histórico, o conceito de grande cidade, de cidade
hegemônica, foi cunhado nos Estados Unidos pelo censo federal de 1910 que
enfatizou o critério populacional para caracterizar a noção metropolitana de
grande cidade. Nesta época, afirmava-se que uma zona metropolitana era
formada pela existência de 200 mil habitantes na cidade central, de acordo com
o jurista colombiano Juan Carlos Covilla Martinez438. Posteriormente, em 1950
foi criado o conceito de Standard Metropolitan Área para qualificar área
metropolitana, segundo o qual o sistema populacional era mantido
acrescentando a contabilidade de população das cidades anexas ao redor da
grande cidade (que deveria apresentar 50 mil habitantes), além de critérios de
integração econômica, social e cultural.
Mais adiante, o conceito foi complementado pelo Standard Metropolitan
Statical Área que passou a considerar o percentual de trabalhadores não
435
ALVES, Alaôr Caffé. Saneamento Básico – Concessões, Permissões e Convênios Públicos (pareceres). Bauru: Edipro, 1998, p.171. 436
SPINK, Peter Kevin; TEIXEIRA, Marco Antônio Carvalho; CLEMENTE, Roberta. Governança, governo ou gestão: O caminho das ações metropolitanas in: Cadernos Metrópolenº 22, v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.456. 437
SPINK, Peter Kevin; TEIXEIRA, Marco Antônio Carvalho; CLEMENTE, Roberta. Governança, governo ou gestão: O caminho das ações metropolitanas in: Cadernos Metrópolenº 22, v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.457. 438
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.40-42.
187
relacionados à mão de obra agrícola e a quantidade de população mínima
necessária nas cidades vizinhas à cidade polo439.
Juan Carlos Covilla Martínez440 apesar de admitir que o conceito de
metrópole não é uniforme, adverte para a necessidade de encontrarmos traços
comuns que o qualifiquem. Quais seriam, então, os elementos mínimos para
configurar uma metrópole? Para o autor seria necessário uma grande cidade,
com importância na região onde está inserida e elevadodesenvolvimento
econômico, social e conurbação441:
Con certeza se puede afirmar que existe una falta de uniformidad en el concepto de metrópolis, pero sí está claro que se necesita de una gran ciudad, importante dentro de uma región y con un desarrollo económico y social elevado. Mientras no exista una definición clara y uniforme debemos entender la ideia de metrópolis teniendo en cuenta los critérios citados. Además de la gran ciudad llamada metrópoli, se necesita de uma conurbación: a continuación definiremos este término.
Inicialmente, o termo conurbação, segundo o jurista colombiano, foi
concebido por Patrick Geddes442 para retratar um fenômeno criado no sul do
condado de Lancashire, zona industrial da Grã-Bretanha. Para o autor inglês,
em função da industrialização algumas cidades eliminaram os limites territoriais
entre elas, retratando relações físicas entre as cidades.
Posteriormente, de acordo com Juan Carlos Covilla Martinez443, em
razão do desenvolvimento das grandes cidades, além do fenômeno físico e
territorial, a conurbação passou a ser caracterizada pela integração funcional.
Assim, além das relações entre os territórios das cidades, em decorrência da
ampliação da malha urbana, as grandes cidades começaram a exercer em
439
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.41. Nesta obra, explica o autor: “Posteriormente, se usó el Standard Metropolitan Statical Area, como complemento del Standard Metropolitan Area, en la cual se requerían otros aspectos, como: 1. Al menos el 75% de la mano de obra del condado debe ser mano de obra no agrícola; 2. Además del punto l, el condado debe reunir, por lo menos, uma de las condiciones siguientes: a. Debe tener um 50% o más de su población que viva em divisiones menores, límites contiguos com una densidad de 150 personas por milla cuadrada, formando uma cadena contígua de divisiones menores civiles a esa densidad, irradiándose de una ciudad central em el área; b. El número de trabajadores no agricultores empleados em el condado debe ser al menos igual al 10% del número de trabajadores empleados em el condado que contenga la ciudad más grande del área, o em todo”. 440
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.25. 441
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.25. 442
GEDDES, Patrick. Cities in evolution: na introduction to the town planning movement and to the study of civics. Williams and Norgate, 1915, p.47-51apud MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.26. 443
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.27.
188
relação às cidades médias e pequenas influências econômicas, sociais e
políticas. Citemos os transportes públicos como exemplo. Muitas pessoas
vivem em uma cidade e trabalham em outra, na região conurbada, afetando o
sistema de transportes dos dois centros urbanos.
Assim, o autor entende ser a conurbação a ampliação dos territórios das
cidades em razão da interdependência funcional entre elas. Deste modo, a
metrópole é caracterizada pelas relações de trabalho, moradia, indústria,
comércio e transporte desenvolvidas entre os grandes centros urbanos e as
cidades ao seu redor. O termo conurbação, então, é a expressão da
dependência funcional e territorial entre as cidades metropolitanas444.
Diante disso o autor445 conclui que dependendo do sistema jurídico de
cada país, a metrópole será caracterizada em torno de critérios positivados na
legislação, que no mínimo considerarão características básicas, como grande
cidade com alta densidade demográfica, grau de desenvolvimento econômico,
influência em termos de prestação de serviços, trabalhos e governo em relação
às cidades vizinhas. Ou seja, conurbação física e funcional.
Acrescentamos ao desenvolvimento das metrópoles por conurbação o
fenômeno da contraurbanização, que aponta para o equívoco das definições de
regiões metropolitanas pautadas apenas na unidade de atração central (ideia
implícita no conceito de metrópole) por desconsiderarem regiões formadas a
partir de vários centros da realidade urbana.
A partir das transformações urbanas da sociedade pós-industrial, a
metrópole deixou de ser unicamente formada pelo fenômeno da conurbação,
de estrutura monocêntrica446, oriunda da sociedade industrial, pautada na
organização vertical, hierarquizada, que pressupõe a cidade-polo, ou melhor, a
444
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p. 30. 445
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.44. 446
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.67. Segundo o autor: “Por una parte, se distingue una tipologia monocéntrica, fuertemente jerarquizada, que caracteriza las áreas metropolitanas de Madrid, Málaga, Sevilla y Valencia, donde casi todos los flujos de movibilidad por motivos de trabajo gravitan hacia el municipio cabecera y que determinan unos recorridos radiales bastante largos. Por otra parte es posible detectar outra tipología bijerárquico radial que caracteriza Barcelona, y em un medida menor Bilbao, a través de la existência de uma serie de sub-centros, según el patrón de movilidad obligada por motivos de trabajo, que implica unas distancias de desplazamientos inferiores y potencialmente más sostenibles”.
189
cidade mãe influenciando as demais cidades em razão de fatores sociais,
econômicos, demográficos e urbanos447.
Com a sociedade pós-industrial, segundo Francisco Toscano Gil448, a
estrutura das regiões metropolitanas foi alterada substancialmente, a ponto de
deixar de ser hierárquica, centralizadora, para assumir uma organização
policêntrica e descentralizada, em relação às cidades urbanizadas, por meio do
fenômeno da contraurbanização.
O autor espanhol449 denomina o fenômeno da contraurbanización ou
periurbanización e explica que ele surge nas sociedades industriais ocidentais
nos anos 70 do século XX. Ao contrário da sociedade indústria – pautada no
predomínio do setor secundário e terciário450 da economia em um ou poucos
centros urbanos, monopolizadores da estrutura de produção e serviço em
relação às demais cidades – a contraurbanização permitiu que outros centros
urbanos, em áreas periféricas (periurbanas) ganhassem independência em
relação à cidade central, por abrigarem indústrias, escolas, prestação de
serviços, residências, antes polarizadas em um único centro. A
interdependência de relações entre as várias cidades, faz surgir outras áreas
urbanas, de expansão, periféricas, rurais e urbanas.
Em razão, portanto, da conurbação e da contraurbanização, novas
questões surgiram, desta vez, em escala metropolitana. Citamos, por exemplo,
o elevado índice de adensamento populacional, atrelado ao excesso de
verticalização, a impossibilidade da população de baixa renda adquirir
habitação em regiões com infraestrutura urbana e as dificuldades relacionadas
447
KLINK, Jeroen Johannes. Perspectivas recientes sobre la organización metropolitana. Funciones y governabilidad. Gobernar las metrópolis. In: ROJAS, Eduardo; CUADRADO-ROURA, Juan R.; GUELL, José Miguel Fernández. Banco Interamericano de Desarrollo (BID). Washington DC, 2005. Disponível em: <www.iadb.org./pub>. Acesso em: 15 jul.2013, p.127. O autor admite que apenas os critérios demográficos ou administrativos são insuficientes para caracterização da noção: “Se defenderá, en cambio, la idea de que las áreas metropolitanas se caracterizan por la compleja naturaleza de las interdependencias sociales, económicas, ambientales y político-administrativas que se dan en ellas. De este modo, y según Campbell (2002), las ciudades metropolitanas se caracterizan principalmente por tener intensas interdependencias y factores externos/efectos secundarios entre los territorios locales, mientras que el conjunto de esos territorios tiene características comunes funcionales socioeconómicas, políticas e históricas que le otorgan una identidad colectiva. Teniendo en cuenta esta definición, resulta igualmente claro que el propio tamaño no es un factor determinante”. 448
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.67. 449
Francisco Toscano Gil esclarece que o fenômeno é denominado contraurbanización na América do Norte. (GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.54.) 450
Indústrias e Prestação de serviços para pessoas e empresas.
190
à mobilidade urbana. O processo de degradação urbana pode ser descrito
conforme as observações de Alaôr Caffé Alves451:
Dentre estes, pode-se pôr em relevo o da utilização inadequada do solo urbano, em virtude das dificuldades decorrentes da utilização do espaço urbano de modo não compatível com as funções que deve desempenhar; o da consequente perda da fluidez do espaço metropolitano, visto que a principal vantagem da aglomeração espacial metropolitana, ou seja, a fácil acessibilidade é neutralizada pelas dificuldades impostas à fluidez da rede de transportes e de comunicação; o da deterioração prematura do capital imobiliário, pelas aceleradas e contínuas alterações nas funções dos edifícios, sistemas viários, espaços verdes, e; o do estreitamente acelerado da capacidade de absorção da infra-estrutura urbana, em virtude do adensamento populacional; o da saturação do uso econômico dos recursos naturais, como água, ar, terrenos para recreação etc; o do crescimento progressivo das necessidades de investimentos em serviços urbanos, requerendo nova tecnologia e um volume considerável de recursos financeiros; e, ainda, como um problema de grande expressão, de caráter institucional, o da deficiência de uma administração unificada, capaz de propor soluções em nível metropolitano frente à multiplicidade de governos locais que agem na região.
Os problemas metropolitanos reclamam soluções regionais, uma vez
que são conexos e interdependentes. Em função dos estreitos limites entre os
territórios municipais não há que se falar em tomada de decisões parciais ou
isoladas por parte de um município. Neste sentido, a realidade metropolitana
demandará a construção de um sistema integrado de gestão que envolva
vários centros políticos, municípios que atuem de forma coordenada na
organização e na execução das políticas metropolitanas.
A descrição das etapas que revelam o surgimento da realidade
metropolitana pode ser sintetizada por José Afonso da Silva452:
O desenvolvimento industrial gerou a grande cidade dos nossos dias, cujo crescimento acelerado amplia a urbanização de áreas próximas, interligando núcleos vizinhos, subordinados a Administrações autônomas diversas. Essa continuidade urbana, que abrange vários núcleos subordinados a Municípios diferentes, gera problemas específicos que demandam solução uniforme e comum. Mesmo sem essa continuidade urbana surgem situações urbanas contíguas, polarizadas ou não por um núcleo principal, que requerem organização jurídica especial que propicie tratamento urbanístico adequado ao aperfeiçoamento da qualidade de vida de todo o assentamento humano da área. Esse fenômeno, que resulta da expansão urbana, constitui uma realidade fática, sociológica, e se
451
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.107. 452
Capítulo VI – Do Plano Urbanístico Metropolitano, p.154. In: Direito Urbanístico Brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
191
transforma, entre nós, em entidades jurídicas, como regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões, quando instituídas por lei complementar estadual, na forma prevista pelo art. 25, §3°, da CF.
3.1 A positivação no sistema jurídico brasileiro da realidade metropolitana
Nos dedicaremos agora a uma breve abordagem histórica sobre o
tratamento jurídico dedicado à realidade metropolitana para compreendermos
os contornos atribuídos à tipologia regional à luz da Constituição de 1988.
A doutrina453 costuma apontar como precedente do tratamento
metropolitano, sem empregar esta expressão, o art. 29 da Constituição de
1937454. No entanto, a competência atribuída aos Estados-membros para criar
a entidade responsável por administrar o agrupamento não foi exercida.
A figura regional só foi reaparecer no ordenamento jurídico brasileiro na
Constituição Federal de 1967 (art. 157, §10º, Título III – Da Ordem Econômica
e Social). Segundo o dispositivo, a Região Metropolitana seria criada por Lei
Complementar da União455.
Por sua vez, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969,
introduziu profundas modificações na Carta Constitucional de 1967, e foi
considerada por muitos uma nova Constituição, decorrente de um novo poder
constituinte originário. As regiões metropolitanas permaneceram no título
dedicado à Ordem Econômica, embora tenha havido pequenas alterações
formais e na redação que levaram à criação do art.164456.
Mais uma vez a Constituição conferiu à União a competência para
instituir regiões metropolitanas, exclusivamente para realizar serviços comuns
dos Municípios integrantes da mesma comunidade socioeconômica. Coube ao
legislador federal estabelecer regras, dentro dos parâmetros constitucionais,
para organizar as Regiões Metropolitanas.
453
HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional Brasileiro e as Regiões Metropolitanas. Revista de Informação Legislativa. abr-jun.1975, p.40. 454
Art. 29 - Os Municípios da mesma região podem agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns. O agrupamento, assim constituído, será dotado de personalidade jurídica limitada a seus fins. Parágrafo único– Caberá aos Estados regular as condições em que tais agrupamentos poderão constituir-se, bem como a forma, de sua administração 455
Art 157 – A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes § 10 – A União, mediante lei complementar, poderá estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por Municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, integrem a mesma comunidade sócio-econômica, visando à realização de serviços de interesse comum. 456
Art. 164. A União, mediante lei complementar, poderá para a realização de serviços comuns, estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, façam parte da mesma comunidade sócio-econômica.
192
Foram editadas as Leis Complementares Federais criando Regiões
Metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador,
Curitiba, Belém e Fortaleza (Lei Complementar nº 14/1973) e Lei
Complementar nº 20/1974 (criou a Região Metropolitana do Rio de Janeiro)
além de atribuir aos Estados-membros competências para sua disciplina e
organização.
O legislador federal não instituiu apenas as figuras regionais, mas
utilizou seu poder impIícito, decorrente do art.164 da Constituição de 1969,
para organizar as Regiões e estabelecer em vários de seus dispositivos
competência para os Estados criarem suas estruturas administrativas
metropolitanas.
Mencionamos as principais leis sobre o assunto, destacando a
legislação federal, uma vez que a União era o ente competente para disciplinar
a matéria e em alguns aspectos conferir competência aos Estados para
disciplinar a criação de Conselhos e estruturas administrativas.
Com base no art. 2º da Lei Complementar nº 14/1973, cada Estado seria
responsável por criar em cada Região Metropolitana um Conselho Deliberativo,
presidido pelo governador do Estado, e um Conselho Consultivo.
O Estado de São Paulo cuidou de estruturar sua administração
metropolitana por meio da Lei Complementar nº 94 de 29/5/1974 e providenciar
a autorização legislativa para criar a Empresa Metropolitana de Planejamento
da Grande São Paulo (Emplasa) e o Fundo Metropolitano de Financiamento e
Investimento. Por meio do art.6º da Lei Complementar nº 94/1974 foram
criados o Conselho Deliberativo da Grande São Paulo (Codegran) e o
Conselho Consultivo Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da Grande
São Paulo (Consulti).
Importante o pioneirismo da legislação mineira (Lei Complementar nº
6.303/1974), ao criar, com base no art. 2º da Lei Complementar nº 14, não
apenas os Conselhos Deliberativo e Consultivo, mas também uma autarquia,
denominada Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte
(Plambel), com personalidade jurídica de direito público, autonomia
administrativa, patrimonial e financeira para administrar a Região Metropolitana
de Belo Horizonte.
193
A partir da Constituição Federal de 1988, inovações significativas ao
tratamento metropolitano foram introduzidas pelo art. 25, §3º. A competência
para instituir e organizar Regiões Metropolitanas foi atribuída aos Estados-
membros, por meio de lei complementar. Além disto, o legislador constituinte
acrescentou duas figuras até então inexistentes, denominadas Aglomerações
Urbanas e Microrregiões. Com relação ao tratamento das necessidades
metropolitanas, o constituinte optou por qualificá-la como função pública de
interesse comum, que necessitaria ainda da integração em seu planejamento,
execução e organização. Como substrato material para criar figuras regionais,
o constituinte previu a existência de agrupamentos de municípios limítrofes.
Com relação às legislações estaduais, a Constituição estabeleceu
pequenos contornos para tratar figuras regionais, atribuindo aos Estados-
membros mais autonomia para sua criação, planejamento e organização.
Neste caso, examinaremos o tratamento conferido pelas Constituições
estaduais e leis complementares específicas de cada Estado da Federação.
Mencionaremos referências, sobretudo, de São Paulo e Minas Gerais, em
razão dos incrementos realizados recentemente na Gestão Metropolitana.
A introdução de um novo regime constitucional para as figuras regionais
implicou a edição de novas leis complementares, pois as Leis Federais
relativas à criação das regiões metropolitanas não foram recepcionadas em
função dos entes políticos responsáveis por sua criação. No sistema anterior
era a União, e na Constituição de 1988, a competência foi atribuída aos
Estados-membros.
Esta tese457 não surtiu efeito imediato para os legisladores estaduais,
uma vez que em Minas Gerais as novas legislações só foram editadas em
2006, e em São Paulo, a partir de 2011.
Foram elas, em Minas Gerais, a Lei Complementar Estadual nº 88
(responsável pela instituição e gestão de região metropolitana e sobre o Fundo
de Desenvolvimento Metropolitano), a Lei Complementar nº 89 (que criou a
Região Metropolitana de Belo Horizonte) e a Lei Complementar nº 90
(responsável pela criação da Região Metropolitana do Vale do Aço), todas de
12 de janeiro de 2006.
457
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.159.
194
Em São Paulo, destacamos a Lei Complementar nº 1.139, de 16 de
junho de 2011, responsável pela reorganização da Região Metropolitana de
São Paulo, que substituiu a antiga Lei Complementar nº 14 de 1973.
3.2 Noções gerais sobre regiões metropolitanas
Inicialmente visamos esclarecer o sentido do termo metrópole, antes de
o relacionarmos com regiões. Entre os vários sentidos a ele atribuídos, do
ponto de vista dos urbanistas e cientistas sociais a expressão diz respeito às
grandes áreas urbanas e interurbanas espalhadas territorialmente458. Isto
significa dizer que por meio de evoluções tecnológicas e do incremento da
urbanização pelo processo de globalização, as extensões urbanas foram se
alastrando e ampliando os limites físicos da cidade, o que levou vários
geógrafos, estatísticos e economistas a compreenderem o fenômeno por meio
de conceitos como metrópole, megapolo, megalópole, aglomeração, área
urbana e metápole459.
As agências oficiais de estatística se referem ao termo considerando
aspectos demográficos dos países. Jornais de grande circulação contam com
cadernos de notícias específicos denominados metrópoles quando pretendem
noticiar fatos ligados a assuntos locais da cidade ou crimes e escândalos
políticos de grandes conurbações.
Já vimos também que o termo metrópole, de origem grega, está
relacionado ao sentido de cidade-mãe, principal centro urbano.
Por outro lado, vale a pena também examinarmos a definição trazida
pelo dicionário460 sobre Região e Região Metropolitana. Destacaremos dentre
os seus vários sentidos aquele referente ao tema de nossa investigação.
Região na terminologia latina é substantivo feminino e corresponde à grande
extensão de terreno. Por sua vez, Região Metropolitana é região densamente
urbanizada constituída por municípios que, independentemente de sua
458
SPINK, Peter Kevin; TEIXEIRA, Marco Antônio Carvalho; CLEMENTE, Roberta. Governança, governo ou gestão: O caminho das ações metropolitanas in: Cadernos Metrópolenº 22, v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.456. 459
LEFÉVRE, Christian. Governar as metrópoles: questões, desafios e limitações. Cadernos Metrópolenº 22, v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.304. 460
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994.
195
vinculação administrativa, fazem parte da mesma comunidade socioeconômica,
e cuja interdependência gera a necessidade de coordenação e realização de
serviços de interesse comum.
Diante dos vários sentidos do vocábulo, fixaremos o conceito positivado
no ordenamento jurídico brasileiro para permear a nossa pesquisa.
Antes de analisarmos o regime jurídico das regiões metropolitanas,
faremos uma breve consideração sobre outros aspectos relevantes ao estudo
das regiões metropolitanas.
Alaôr Caffé Alves461 explica que a compreensão do conceito de região
metropolitana envolve dois aspectos preliminares: estrutural e funcional.
Os estruturais consideram a descrição das condições básicas que
determinam a existência da região metropolitana. O propósito é determinar
uma noção absoluta, imutável, independentemente das modificações
históricas. O autor adverte que o esforço de elaborar um conceito válido para
qualquer época e lugar está fadado ao fracasso462. Isto porque, a realidade
metropolitana tem enfoques econômicos, urbanísticos, jurídicos e
antropológicos, que podem ser conceituados por enfoques distintos. Assim, a
abordagem exclusivamente estrutural do conceito não é a mais adequada.
O conceito pode ainda ser estudado sob o enfoque funcional,
direcionado para as ações humanas, finalidades, solução de problemas e
alcance de objetivos. Não basta descrevermos a realidade sob o aspecto
estrutural, é preciso avaliar o que atribui realidade à sua operacionalidade. A
função do conceito é descrever o mundo para operacionalizá-lo; é preciso
exprimir nele sua direção ou finalidade.
Assim, o estudo de determinada realidade exige a conjunção dos
elementos estrutural e funcional.
A abordagem jurídica enfatiza os dois elementos. Da mesma forma, o
conceito jurídico não considera apenas a estrutura normativa necessária à
qualificação jurídica da realidade metropolitana, mas também a funcionalidade
461
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.149. 462
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.149.
196
específica em razão da qual a norma é concebida e aplicada à realidade.
Explica o autor463:
Se a juridicidade não está e não pode estar afeta tão somente à mera caracterização normativa, vale dizer, também ideal da ação humana, essa caracterização, entretanto, empresta um sentido de inequívoca necessidade para a abordagem jurídica do problema. Essa questão se coloca não só sob o aspecto da estrutura normativa necessária à qualificação jurídica da realidade metropolitana, como também e principalmente sob o aspecto da funcionalidade específica em razão da qual a norma jurídica é concebida e aplicada em relação à referida realidade e seus problemas.
Do ponto de vista jurídico, o aspecto estrutural está na hipótese da
norma, na realidade fática descrita na norma como hipótese, na proposição
descritiva das situações fáticas464. Por isto é necessário compreendermos os
aspectos urbanísticos, sociais, econômicos, ciências que informam o substrato
material que qualificará a hipótese normativa.
Com relação ao aspecto funcional, examinaremos o conteúdo da norma
jurídica para identificaros fins, objetivos invocados para concretizar
determinado aspecto da realidade. Com base no art. 25, §3º da Constituição
Federal de 1988, o aspecto estrutural do conceito é formado pela existência de
agrupamentos de municípios limítrofes e o funcional pelos objetivos de
integração, organização, planejamento e execução de funções públicas de
interesse comum.
Esta abordagem preliminar justifica os motivos pelos quais utilizaremos
em certos momentos conhecimentos da realidade econômica, social e
urbanística para o estudo da região metropolitana visando reforçar o enfoque
jurídico do problema.
463
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.149. 464
Baseado em VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2005 : “Seguimos a teoria da estrutura dual da norma jurídica: consta de duas partes, que se denominam norma primária e norma secundária. Naquela, estatuem-se as relações deônticas direitos e deveres, como conseqüência da verificação de pressupostos, fixados na proposição descritiva de situações fácticas ou situações já juridicamente qualificadas; nesta, preceituam-se as conseqüências sancionadoras, no pressuposto do não-cumprimento do estatuído na norma determinante da conduta juridicamente devida”.
197
3.2.1 Conceito
Os conceitos jurídicos de regiões metropolitanas foram positivados pelos
Estados-membros através de Constituições Estaduais e Leis Complementares.
Com base nas definições legais, a doutrina formulou diversos conceitos,
ora caracterizando as regiões metropolitanas como pessoa jurídica, ora como
órgão, considerando sempre os aspectos relacionados com a gestão da
realidade metropolitana.
Antes de apresentarmos estes conceitos comentaremos o Projeto de Lei
Federal nº 3.460, de autoria de Walter Feldman (PSDB/SP), denominado
Estatuto da Metrópole, que no âmbito federal definiu em seu art. 6º, I Região
Metropolitana.
3.2.2 Conceito previsto no estatuto da metrópole
Na década de 90, por ocasião da discussão do Estatuto da Cidade,
Clementina de Ambrosis465recordou que as diretrizes gerais para a criação das
Regiões Metropolitanas foram tratadas pelo Projeto de Lei nº 5.788 de 1990466.
No entanto, foi redigido pela Comissão de Constituição e Justiça um
substitutivo em 28/11/2000 pelo deputado Iranildo Leitão, que o retirou, uma
vez que a criação e a instituição das Regiões Metropolitanas foram
consideradas competência exclusiva do Estado (art. 25, §3º da Constituição).
Em razão da ausência de tratamento das regiões metropolitanas por
meio do Estatuto da Cidade (art. 25, §3º da Constituição Federal), coube aos
465
Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. In: (Coord.) MOREIRA, Mariana. Estatuto da Cidade CEPAM, São Paulo, 2001. 466
Diretrizes Gerais para criação de Regiões Metropolitanas: I– estabelecimento de meios integrados de organização administrativa das funções públicas de interesse comum; II– cooperação na escolha de prioridades, considerando que o interesse comum prevaleça sobre o local; III– planejamento conjunto das funções de interesse comum, incluindo o uso do patrimônio público; IV– execução conjunta das funções públicas de interesse comum, mediante rateio de custos proporcionalmente à arrecadação tributária de cada município; V– estabelecimento de sistema integrado de alocação de recursos e de prestação de contas. Vale a pena mencionar que o projeto de lei também definia o sentido de função pública de interesse comum e patrimônio público: “Entende-se função pública de interesse comum como as atividades ou serviços cuja realização por parte de um município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto nos outros municípios integrantes da Região Metropolitana.Entende-se patrimônio público de interesse comum como o conjunto dos equipamentos de educação, saúde, transporte e lazer, bem assim dos recursos naturais, econômicos e culturais, que atenda simultaneamente a todos os municípios da Região Metropolitana”.
198
Estados através de suas próprias Constituições e Leis Complementares criar o
tratamento jurídico das regiões metropolitanas.
Em termos legislativos o cenário sofreu modificações em 2004, quando
foram realizados seminários e audiências públicas na Câmara dos Deputados,
que culminaram com a proposição do Projeto de Lei nº 3.460/2004, do
deputado federal Walter Feldmann, denominado Estatuto da Metrópole, cujo
objetivo era tratar a questão metropolitana em âmbito federal.
Apesar de competir ao Estado criar Regiões Metropolitanas, a União não
foi excluída do planejamento regional de ordenação do território (art. 21, IX, XV,
XX.
A ela compete com exclusividade instituir diretrizes ao desenvolvimento
urbano, elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação
do território e de desenvolvimento econômico e social, o desenvolvimento de
instrumentos para organização e manutenção de serviços oficiais de
estatística, geografia, geologia e cartografia em âmbito nacional.
Recentemente467, a tramitação do Projeto de Lei nº 3.460/2004 foi
reativada com a criação da Comissão Especial que dará um parecer ao projeto,
tendo o deputado Zezéu Ribeiro (PT/BA) como relator.
467
Em abril de 2012 o relator do projeto entendeu como medida necessária a realização de um Seminário com a participação da sociedade denominado Fórum da Região Sudeste para debater e recolher subsídios técnicos para a elaboração do referido projeto. No dia 14/06/2012 na Assembleia Legislativa de São Paulo o evento ocorreu com a participação de técnicos e autoridades no assunto: Vice-presidente da Emplasa, Luiz José Pedretti; Prefeito de Diadema e presidente do Consórcio Grande São Paulo, Mário Reali; Nabil Bonduki, professor de Planejamento Urbano da FAU/USP, Barros Munhoz, presidente da Assembléia Legislativa, Barros Munhoz, Renato Viegas, Diretor Presidente da Emplasa, Deputado Federal Walter Feldman, autor do projeto, Giliar Santos, representante dos movimentos populares, Vereador Alexandre Pimentel, Presidente da Câmara Municipal de Carapicuíba e o deputado federal William Dib, que em 18 de abril de 2012 foi eleito 1º Vice-Presidente da Comissão Especial. Na ocasião o deputado Walter Feldman explicou que o projeto propõe uma política nacional de planejamento urbano regional, ou seja, a União passa a ter responsabilidade de auxiliar no planejamento territorial urbano. Neste sentido, o autor reconhece que sem este patamar institucional, a União se dedicará junto aos Municípios que atuam sem planejamento à fornecer recursos para as demandas de políticas públicas como moeda de troca política. O propósito é criar instâncias administrativas com o propósito de fazer com que os Municípios participem da gestão regional, mediante planos regionais instituídos pelos Estados como forma de coletar recursos financeiros para realizar os aportes adequados para desenvolvimento do saneamento básico, dos transportes e meio ambiente. O deputado acrescenta que o projeto de lei é responsável pela criação da política nacional de planejamento urbano e de um sistema nacional estatístico. Da mesma forma, introduz o Conselho das Cidades na política regional, além de estabelecer estrutura técnica de acompanhamento, ou seja, o governo federal passa a ficar preocupado com a nova modalidade organizativa das cidades brasileiras. Existe também a proposta de um fundo nacional de investimentos, que será administrado pelo Conselho das Cidades que indicará as fontes de subsídios nas Leis Orçamentárias Anuais e nos Planos Plurianuais federais. A leitura da justificativa do projeto de lei reafirma as explicações do autor do projeto, além de enfatizar a ausência do tratamento do tema metropolitano no Estatuto da Cidade, tornando imperiosa a “regulamentação do universo das unidades regionais, de características essencialmente urbanas, que dote o País de uma normatização que, de forma dinâmica e continuada, uniformize, articule e organize a
199
O art.2º do Projeto caracteriza a Política Nacional de Planejamento
Regional Urbano, um conjunto de objetivos e diretrizes que a União, articulada
com os Estados, Distrito Federal e Municípios integrantes de unidades
regionais urbanas468 vão utilizar para estabelecer especificações para
organização regionalizada do território nacional, assegurar o equilíbrio do
desenvolvimento dessas unidades e o bem-estar da população.
Um dos objetivos do Estatuto da Metrópole é elaborar um conjunto de
critérios técnicos de referência nacional para caracterizar a trilogia regional469.
A cada dez anos serão feitas pesquisas nacionais considerando urbanização,
mudanças funcionais, crescimento demográfico dos Municípios e processos de
conurbação. Mas enquanto o estudo não for providenciado, o projeto adotará
provisoriamente parâmetros para definir do ponto de vista nacional o sentido de
Região Metropolitana, conforme indicados no art. 6º, I:
Art. 6º – Até que se proceda à caracterização de unidades regionais urbanas,conforme estabelecido no art. 5º desta Lei, passam a vigorar as seguintes definições: I – região metropolitana: é o agrupamento de Municípios limítrofes, que apresente, cumulativamente, as seguintes características: a) um núcleo central com, no mínimo, 5% (cinco por cento) da população do País ou dois núcleos centrais que apresentem, conjuntamente, no mínimo, 4% (quatro por cento) da
ação dos entes federativos naqueles territórios em que funções de interesse comum tenham de ser necessariamente compartilhadas”. O Estatuto da Metrópole foi dividido em duas partes, sendo a primeira dedicada à Política Nacional de Planejamento Regional Urbano (Título I) e a segunda ao Sistema Nacional de Planejamento e Informações Regionais Urbanas (Título II). Dispõe o § 2º do art. 2º que a Política Nacional de Planejamento Regional Urbano deverá seguir na sua elaboração e execução as diretrizes e instrumentos do Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001). A Política Nacional de Planejamento Urbano deverá cumprir os objetivos gerais e específicos indicados no projeto de lei. Nos termos do art. 3º constituem objetivos gerais da Política Nacional de Planejamento Regional Urbano, por exemplo: II – realizar a organização e a manutenção dos serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; III – promover, por meio da União, a elaboração de um conjunto de critérios técnicos de referência nacional, que contemple, entre outros, aspectos estruturais, funcionais, sociais, econômicos, hierárquicos, tipológicos e espaciais de centros urbanos na rede brasileira de cidades, visando a classificação de Municípios e a caracterização de unidades regionais urbanas; IV – orientar a União e os Estados na instituição de unidades regionais urbanas; V – promover a cooperação entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios componentes de unidades regionais urbanas, mediante articulação e integração de seus órgãos e entidades das administrações direta e indireta, atuantes regionalmente, visando o compartilhamento de informações estatísticas, geográficas, geológicas e cartográficas e a integração do planejamento e da execução das funções públicas de interesse comum. Por sua vez, o art. 7º estipula os objetivos específicos da Política Nacional de Planejamento Regional Urbano, com destaque especial: IV – fomentar a prática do planejamento territorial regional urbano e de planos diretores urbanos regionais, mediante a articulação e compatibilização dos planos diretores de Municípios integrantes de uma mesma unidade regional urbana, e a otimização dos instrumentos das políticas regional e urbana, estabelecidos nesta Lei e na Lei nº 10.257, de 2001 – Estatuto da Cidade. 468
Art. 2º, § 1º – Para os fins de aplicação da Política Nacional de Planejamento Regional Urbano, entende-se por unidade regional urbana o agrupamento de Municípios limítrofes, que têm por finalidade integrar a organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum, observado o disposto no art. 25, § 3º, da Constituição Federal. 469
Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões.
200
população nacional; b) taxa de urbanização acima de 60% (sessenta por cento), para cada um dos Municípios integrantes da região; c) população economicamente ativa residente nos setores secundário e terciário de, no mínimo, 65% (sessenta e cinco por cento), considerado cada um dos Municípios integrantes da região; d) urbanização contínua em, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento) dos Municípios componentes da região.
Neste sentido, indagamos: um diploma federal poderia instituir diretrizes
gerais para toda e qualquer região metropolitana instituída no país? À luz da
divisão constitucional de competências a resposta é afirmativa.
A União participa do planejamento urbano nacional, conferindo as
diretrizes gerais para os planejamentos regionais e locais.
Com base em Ricardo Marcondes Martins470 ao tratar de normas gerais
em direito urbanístico, defendemos a constitucionalidadedo projeto de lei que
trata do Estatuto da Cidade, apesar de competir especificamente aos Estados-
membros criar Regiões Metropolitanas através de Leis complementares.
Segundo o autor, o preenchimento do conteúdo das normas gerais da
União e dos Estados decorre da ponderação de princípios (prevalece o da
segurança jurídica) bem como do município (prevalece o da igualdade). Isto
significa que no exercício da competência do art. 24, o legislador
infraconstitucional deverá verificar o princípio que irá predominar.
Priorizado o da igualdade, as peculiaridades urbanas de cada Estado
deveriam ser observadas em suas legislações para definir as figuras regionais.
Este é o sistema aplicado até então, gerando disparidades em relação à
realidade urbana do país, uma vez que os parâmetros para criar a Região
Metropolitana de São Paulo não são os mesmos de Manaus, por exemplo.
No entanto, se o projeto de lei do Estatuto da Metrópole for aprovado,
haverá coerência em relação à aplicação das regras de competência
constitucionais, pois o interesse nacional, em nome da segurança jurídica será
priorizado. Aprovado o projeto de lei reconhecendo parâmetros nacionais,
fixados como patamar mínimo para todos os Estados-membros criarem suas
figuras regionais, haverá segurança jurídica e planejamento urbano uniforme e
470
MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº 20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013.
201
equilibrado em todo país, reduzindo as disparidades urbanas, decorrente do
fenômeno da conurbação.
Não haverá ingerência na competência exclusiva prevista no art. 25, §3º
da Constituição Federal ao tratar da criação pelos Estados-membros das
figuras regionais. O Estatuto da Metrópole não obriga, apenas fornece
parâmetros gerais, caso o legislador Estadual opte por instituir as figuras
regionais. Caso contrário, o Estado apenas deixará de criar as figuras, sem
desrespeitar a partilha constitucional de competências.
Na hipótese dos legisladores estaduais exercerem suas competências
por meio de Constituições ou Leis Complementares, deverão adotar os critérios
gerais da União para criar e administrar o planejameto regional. Diante do
Estatuto da Metrópole, deverão suplementar estes comandos regionais, no que
tange às suas especificidades, decidindo se criarão ou não suas realidades
metropolitanas. Caso decidam fazê-lo, no mínimo deve respeitar estas
diretrizes.
Em razão da ausência do Estatuto da Metrópole, os legisladores
estaduais por meio de Constituições e normas complementares legislam
suplementarmente, de forma ampla sobre a criação das figuras regionais,
oferecendo parâmetros e tratamentos díspares entre as regiões metropolitanas
pelo país.
Por isto seria desejável editar a norma geral federal uniformizando os
critérios e contribuindo com a harmonia do planejamento urbano em todo o
território nacional.
Para Nelson Saule Júnior471 a União tem competência para dispor sobre
as diretrizes gerais do desenvolvimento urbano, matéria diretamente
relacionada à realidade metropolitana, da mesma forma que influencia a
criação de Estados e Municípios (art.18, §3º e §4º da Constituição Federal),
entidades integrantes das Regiões Metropolitanas. A União deverá tratar do
papel, da finalidade, dos critérios para criação e atribuições da região
metropolitana.
471
SAULE JÚNIOR, Nelson. Bases Jurídicas para a instituição de uma Lei Federal sobre o sistema nacional de desenvolvimento urbano. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007, p.96-97.
202
Por fim, compete aos Estados, criar por lei complementar as regiões
metropolitanas constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes para
integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de
interesse comum (art. 25, §3º Constituição Federal). Segundo o autor472:
a) Os Estados podem criar as regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões por lei complementar estadual como unidades regionais estaduais administrativas; b) Os assuntos metropolitanos das regiões estaduais administrativas são assuntos de interesse nacional como a política nacional de desenvolvimento urbano, habitação, saneamento ambiental, mobilidade e transporte urbano; c) A União tem competência constitucional para estabelecer normas gerais sobre assuntos metropolitanos tais como critérios para a criação e organização das regiões estaduais administrativas; d) Cabe a União para atuar de forma cooperada e integrada com os Estados e Municípios definir as prioridades nacionais e regionais, para o planejamento e execução de funções públicas de interesse comum, as formas e instrumentos de cooperação.
O projeto de lei que trata do Estatuto da Metrópole cumpre o mesmo
propósito das demais leis federais urbanísticas, ao viabilizar a elaboração e a
execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e fixar
diretrizes da política nacional de planejamento regional urbano.
O documento aborda normas aplicáveis a todo território nacional, que
proporcionarão à União, ao lado dos Estados e Municípios integrantes das
figuras regionais determinar critérios para a organização regionalizada do
território nacional, assegurar o equilíbrio do desenvolvimento dessas unidades
e do bem-estar da população.
A lei tratará dos fundamentos, objetivos gerais, conceituação, objetivos
específicos, diretrizes gerais, instrumentos e planos da política nacional de
planejamento regional urbano.
Inclui também os fundamentos e objetivos gerais e composição,
Ministério das Cidades (Unidade Coordenadora e Operadora), Conselho das
Cidades (Unidade Normativa e Deliberativa), Unidade de Assessoramento
Técnico (Comitê Técnico), Unidade de Captação, Investimento e
Financiamento, Gestão Democrática do Sistema Nacional de Planejamento e
Informações Regionais Urbanas.
472
SAULE JÚNIOR, Nelson. Bases Jurídicas para a instituição de uma Lei Federal sobre o sistema nacional de desenvolvimento urbano. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007, p.97.
203
A legislação traz ainda os conceitos de cada tipologia regional para
orientar e estabelecer diretrizes aos Estados para criarem suas regiões,
obedecendo aos parâmetros de desenvolvimento nacional.
Assim, a União realizará, a cada 10 anos, uma pesquisa de âmbito
nacional, denominada Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil,
com o objetivo de analisar, regionalmente, a configuração e as tendências da
rede brasileira de cidades, seu processo de urbanização, crescimento
demográfico, organização, mudanças funcionais e espaciais, a classificação
dos Municípios e a caracterização de unidades regionais urbanas.
Para cumprir este propósito, o sistema nacional de planejamento e
informações regionais urbanas deverá manter em bases nacionais a
organização dos serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e
cartografia de âmbito nacional.
Do mesmo modo, como forma de orientar genericamente o
desenvolvimento nacional, o projeto de lei prevê o processo democrático de
elaboração dos planos nacionais, regionais e setoriais urbanos pela União, seu
conteúdo e prazo para revisão. O intuito é promover a integração e orientação
do planejamento de caráter regional e urbano, além da execução das funções
públicas de interesses comuns pelos órgãos e entidades federais, estaduais e
municípios que integram as unidades regionais urbanas.
Em suma, com base na divisão constitucional de competências, o
projeto de lei não amesquinha a competência legislativa exclusiva do Estado,
pois a competência para decidir em última análise se haverá criação ou não
das regiões metropolitanas, mesmo em face dos critérios fixados em lei
nacional, permanece com os Estados.
3.2.3 Conceitos legais e doutrinários
Preliminarmente tratamos das noções gerais sobre o conceito de Região
Metropolitana; verificamos que o fenômeno pode ser estudado sob os aspectos
fático-urbanístico (realidade urbana e econômica) e jurídico.
O fenômeno fático-urbanístico se transforma em instituto jurídico quando
é instituído por lei complementar estadual (art. 25, §3º da Constituição
Federal).
204
Neste caso, cuidaremos das abordagens urbanística e econômica, que
servirão para descrever os elementos da hipótese normativa, a situação fática
juridicamente qualificada. Posteriormente, trataremos do tema do ponto de
vista jurídico, através do regime jurídico e das formas de gestão aplicáveis.
Não existe conceito universal aplicável às figuras regionais, pois caberá
ao ordenamento jurídico de cada país definir os contornos jurídicos das regiões
metropolitanas, conforme esclarece Juan Carlos Covilla Martinez473:
No existe um concepto global de la palabra metrópolis, por lo que corresponde a cada ordenamiento fijar su definición de acuerdo com las características de cada país, buscando ante todo un desarrollo metropolitano.
A formação das regiões metropolitanas tem relação com o intenso
crescimento urbano decorrente do surgimento das cidades. Para José Afonso
da Silva474, é possível estabelecer juridicamente um conceito de cidade:
Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não – agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população. A característica marcante da cidade no Brasil consiste no fato de ser um núcleo urbano, sede do governo municipal.
De outro lado, o Município é ente federado, tem autonomia política, é
capaz de editar suas próprias leis, criar sua própria estrutura administrativa
através da Lei Orgânica e executar suas funções, nos termos da Constituição
Federal.
No Brasil, as cidades experimentaram a partir da década de 60, um
intenso processo de industrialização, acompanhado do aumento de riqueza
econômica, crescimento demográfico, implementação de equipamentos
urbanos (ruas, praças, canalizações subterrâneas, viadutos, escolas,
mercados), estrutura edilícia para abrigar o elevado contingente populacional, o
que acarretou o desenvolvimento de relações sociais, comerciais, culturais e
industriais. Contudo, o acelerado crescimento das cidades, decorrente da
intensificação dos fluxos econômicos, sociais e culturais gerou a expansão dos
núcleos urbanos, circunscritos a uma única sede de Município para outras
473
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.157. 474
SILVA, José Afonso da.Capítulo I – Do Regime Jurídico da Atividade Urbanística, p.24. In: Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
205
cidades vizinhas, criando vínculos entre cidades de municípios próximos,
gerando relações de graus distintos de interdependência.
A região metropolitana é fruto do crescimento da cidade para além dos
limites territoriais do município no qual está inserida. Neste processo há
sempre um núcleo urbano principal que exerce influência econômica e social
em relação aos núcleos urbanos das cidades vizinhas, contidas em outros
Municípios. A interdependência entre os núcleos urbanos em grau elevado
forma um único aglomerado com relações mútuas, denominado conurbação.
Na verdade, conurbação475 é o conjunto formado por uma cidade e seus
subúrbios, ou por cidades reunidas, que constituem uma sequência, sem,
contudo, se confundirem.
Dependendo das características econômicas, sociais e urbanas que
geram a interdependência entre as cidades de vários municípios, distintos tipos
de regiões metropolitanas poderão surgir. Por exemplo, o Estado de São
Paulo, atualmente, conta com 4 regiões: São Paulo, Campinas, Santos e a
recente Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte.
A Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, foi criada pela Lei
Complementar nº 1.139 de 16 de junho de 2011, e tem 8097 Km2, 39
municípios, 5 sub-regiões, 19, 7 milhões de habitantes e 572 bilhões de reais
de PIB476. Por sua vez, a Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral
Norte, criada pela Lei Complementar nº 1.166 de 9 de janeiro de 2012, conta
com 16.178 Km2, 39 municípios, 5 sub-regiões, 2.264.594 habitantes, 55, 6
bilhões de reais de PIB e 94 % taxa de urbanização477.
Sob o aspecto jurídico compreendemos que o fenômeno urbano descrito
é transformado em realidade jurídica quando instituído pelo art.25, §3°, da
Carta Constitucional por Lei Complementar Estadual, conforme observamos
nas palavras de José Afonso da Silva478:
475
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.470. 476
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Reorganização da Região Metropolitana de São Paulo consolida novo sistema de gestão. Publicação da Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano de São Paulo e EMPLASA.São Paulo: Imprensa Oficial, 2008. 477
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte. Publicação da Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano de São Paulo e EMPLASA, 2011. 478
SILVA, José Afonso da.Capítulo I – Do Regime Jurídico da Atividade Urbanística, p.24. In: Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
206
O desenvolvimento industrial gerou a grande cidade dos nossos dias, cujo crescimento acelerado amplia a urbanização de áreas próximas, interligando núcleos vizinhos, subordinados às Administrações autônomas diversas. Essa continuidade urbana, que abrange vários núcleos subordinados a Municípios diferentes, gera problemas específicos que demandam solução uniforme e comum. Mesmo sem essa continuidade urbana surgem situações urbanas contíguas, polarizadas ou não por um núcleo principal, que requerem organização jurídica especial que propicie tratamento urbanístico adequado ao aperfeiçoamento da qualidade de vida de todo o assentamento humano da área. Esse fenômeno, que resulta da expansão urbana, constitui uma realidade fática, sociológica, e se transforma, entre nós, em entidades jurídicas, como regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões, quando instituídas por lei complementar estadual, na forma prevista pelo art. 25, §3°, da CF.
O fenômeno da Região Metropolitana também apresenta dimensão
jurídica, justamente por sua criação decorrer de lei. No entanto, esta criação
parte de substratos da realidade econômica, social e urbanística, conforme
discorre José Afonso da Silva479:
Sob os aspectos econômico, social e urbanístico, o fenômeno é inorgânico, empírico, problemático, ao passo que, definido juridicamente, toma forma, persegue organização, institucionaliza-se. Não é a Constituição que a realiza, por si. Apenas possibilita sua criação. Dá as bases para seu estabelecimento, quando, no citado art. 25, §3°, estatui que “os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, [...] constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes”.
Como parâmetro legislativo, invocaremos as definições de regiões
metropolitanas das legislações paulistas e mineiras:
Com base no art. 153 da Constituição Estadual de São Paulo e do art. 3º
da Lei Complementar nº 760/1994 que instituiu as diretrizes para organização
regional do Estado de São Paulo, temos a definição:
Art.153 – O território estadual poderá ser dividido, total ou parcialmente, em unidades regionais constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, mediante lei complementar, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, atendidas as respectivas peculiaridades. §1º – Considera-se região metropolitana o agrupamento de Municípios limítrofes que assuma destacada expressão nacional, em razão de elevada densidade demográfica, significativa conurbação e de funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração sócio-econômica, exigindo planejamento integrado e ação conjunta permanente dos entes públicos nela atuantes.
479
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.156.
207
Acréscimo do art.3º da LC 764/1994 – Considerar-se-á região metropolitana o agrupamento de municípios limítrofes, com destacada expressão nacional, a exigir planejamento integrado e ação conjunta com união permanente de esforços para a execução das funções públicas de interesse comum, dos entes públicos nela atuantes, que apresente, cumulativamente, as seguintes características: I – elevada densidade demográfica; II – significativa conurbação; III – funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade; IV – especialização e integração socioeconômica.
De acordo com os arts. 44 e 45 da Constituição Estadual de Minas
Gerais e do art. 3º da Lei Complementar nº 88 de 12/1/2006 que dispõe sobre a
instituição e a gestão de região metropolitana e sobre o Fundo de
Desenvolvimento Metropolitano, são regiões metropolitanas:
Art. 44 – A instituição de região metropolitana se fará com base nos conceitos estabelecidos nesta Constituição e na avaliação, na forma de parecer técnico, do conjunto dos seguintes dados ou fatores, dentre outros, objetivamente apurados: I – população e crescimento demográfico, com projeção qüinqüenal; II – grau de conurbação e movimentos pendulares da população; III – atividade econômica e perspectivas de desenvolvimento; IV – fatores de polarização; V – deficiência dos serviços públicos, em um ou mais Municípios, com implicação no desenvolvimento da região. § 1° – Lei complementar estabelecerá os procedimentos para a elaboração e a análise do parecer técnico a que se refere o "caput" deste artigo, indispensável para a apresentação do projeto de lei complementar de instituição de região metropolitana. § 2° – A inclusão de Município em região metropolitana já instituída será feita com base em estudo técnico prévio, elaborado em conformidade com os critérios estabelecidos neste artigo. Art. 45 – Considera-se região metropolitana o conjunto de Municípios limítrofes que apresentam a ocorrência ou a tendência de continuidade do tecido urbano e de complementaridade de funções urbanas, que tenha como núcleo a capital do Estado ou metrópole regional e que exija planejamento integrado e gestão conjunta permanente por parte dos entes públicos nela atuantes. Art. 3º– A instituição de região metropolitana se fará com base nos conceitos estabelecidos na Constituição do Estado e na avaliação, na forma de parecer técnico, dos seguintes dados ou fatores, objetivamente apurados, sem prejuízo de outros que poderão ser incorporados: I – população e crescimento demográfico, com projeção qüinqüenal; II – grau de conurbação e movimentos pendulares da população; III – atividade econômica e perspectivas de desenvolvimento; IV – fatores de polarização; V – deficiência dos serviços públicos, em um ou mais Municípios, com implicação no desenvolvimento da região metropolitana.
208
De acordo com as definições legais, Maria Coeli Simões Pires e Gustavo
Gomes Machado480 explicam o conceito de Regiões Metropolitanas:
O conceito de regiões metropolitanas se estruturam a partir de elementos e fatores pragmáticos oriundos da geografia, da sociologia e da economia, notadamente. Podem ser citados como elementos integrantes do conceito de região metropolitana: a) Municípios limítrofes: Trata-se de exigência constitucional básica para o estabelecimento de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. No Direito Positivo Brasileiro, a região metropolitana, assim como as outras duas espécies regionais, será formada por municípios limítrofes. Deve-se assinalar que a área de conurbação pode envolver a integralidade dos territórios dos Municípios que formam a unidade socioeconômica regional ou parte delas; b) Conurbação: Trata-se do fenômeno geográfico mais visível como decorrência da metropolização. Nesse processo, o tecido urbano de duas ou mais cidades junta-se, implicando a integração das infra-estruturas urbanas e, por conseguinte, a necessidade de planejamento e gestão conjunta permanente das funções públicas de interesse comum; c) Metrópole: O termo metrópole se origina do grego metropolis, que quer dizer “cidade-mãe”. As regiões metropolitanas têm como núcleo uma metrópole, pólo dinamizador do crescimento econômico e populacional do complexo. No Brasil, em virtude do peculiar processo histórico de urbanização, diversas capitais acabaram por ganhar a conformação de grandes cidades, diferentemente do que ocorre na maioria dos países, que é a formação de raras metrópoles. A presença da metrópole pode ser apontada como um dos elementos que diferenciam a região metropolitana da aglomeração urbana, no direito brasileiro; d)Influência:projeção nacional. As regiões metropolitanas comandam e influenciam a rede urbana de grandes porções do território nacional. A industrialização e o maior grau de especialização dos serviços nas metrópoles pressionam as relações produtivas, comerciais e migratórias entre as cidades do complexo ou mesmo entre elas e outros centros nacionais e até internacionais. Influências de âmbito regional-nacional (Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, etc) ou global (São Paulo e Rio de Janeiro) dinamizam, pois, as regiões metropolitanas; e)elevada densidade demográfica: A concentração populacional é um traço marcante das regiões metropolitanas e elemento integrante de seu conceito. Somente a megalópole brasileira formada pelas regiões metropolitanas da Baixada Santista, de São Paulo e de Campinas, com área territorial de 13.000 Km (0,15% do território nacional), concentra cerca de 21,5 milhões de habitantes (12,6% da população brasileira).
480
MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.413-414.
209
Diante desta constatação, os autores481 formulam o conceito de Região
Metropolitana:
Nesse sentido, pode-se conceituar juridicamente a região metropolitana como o complexo geoeconômico formado por Municípios limítrofes polarizados por uma metrópole, e que apresenta forte conurbação, alta densidade demográfica e influência em ampla fração da rede urbana.
Para José Afonso da Silva482, Região Metropolitana “constitui-se de um
conjunto de Municípios cujas sedes se unem com certa continuidade urbana
em torno de um Município”.
O autor chama a atenção para o fato das regiões metropolitanas não
serem explicadas apenas pela existência de um conjunto de Municípios
limítrofes. Na realidade, a essência do conceito está no fenômeno da
conurbação ao exigir que as áreas urbanizadas que integram a região
metropolitana estejam subordinadas a mais de um Município. Assim, para o
autor, não importa que exista uma grande cidade, complexa, absorvente, pelos
subúrbios ou arredores, que demandem soluções conjuntas, se tal cidade
estiver no território de um único Município483:
O que dá a essência ao conceito de região metropolitana, o que justifica, o que legitima sua definição por lei complementar estadual, é precisamente o fenômeno da conurbação, ou seja, a existência de núcleos urbanos contíguos, contínuos ou não, subordinados a mais de um Município, sob a influência de um Município-pólo.
Por sua vez, Alaor Caffé Alves484assim conceitua Região Metropolitana:
Região Metropolitana é constituída por mandamento legal que, reconhecendo a existência de uma comunidade sócio-econômica com funções urbanas altamente diversificadas, especializadas e integradas, estabelece o grupamento de Municípios por ela abrangidos, com vistas à realização integrada da organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum exigidos em razão daquela mesma integração urbano-regional.
481
MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.414. 482
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.156-158. 483
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.156-158. 484
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. ano II. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.13-44.
210
Para Alaôr Caffé Alves, o conceito se qualifica mediante dois elementos:
a) Lei Complementar e b) Agrupamento dos Municípios limítrofes em razão da
organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse
comum485:
O primeiro especifica a forma legal, lei complementar da Constituição Estadual pela qual se reconhece a existência da comunidade sócio-econômica e se determina o agrupamento dos municípios envolvidos; é o elemento instrumental. O outro, subordinado ao primeiro, o que exprime o mandamento decorrente do exercício da faculdade conferida ao Estado para aqueles efeitos, isto é, o mandamento que determina, para certas conseqüências jurídicas, o agrupamento daquilo que antes não estava agrupado.
O autor observa que compete ao Estado organizar, planejar e instituir as
regiões metropolitanas e aos Municípios integrantes sustentar um vínculo
compulsório com o Estado e demais entes para a realização das funções
públicas de interesse comum. Neste caso, o ente político local não poderá
subtrair-se à figura regional, ficando sujeito às condições regionais para realizar
funções públicas de interesse comum estabelecidas por meio de lei
complementar.
José Afonso da Silva e Alaôr Caffé Alves defendem que as regiões
metropolitanas não podem ser instituídas com base em um único município. É
pressuposto a existência de duas ou mais entidades político-administrativas em
função da coordenação, planejamento, articulação, integração e execução de
funções públicas orientadas de modo unificado.
Sob outro ponto de vista, trazemos Eros Roberto Grau486que assim
define região metropolitana:
Conjunto territorial intensamente urbanizado, com marcante densidade demográfica, que constitui um pólo de atividade econômica, apresentando uma estrutura própria definida por funções privadas e fluxos peculiares, formando, em razão disso, uma mesma comunidade sócio-econômica em que as necessidades específicas somente podem ser, de modo satisfatório, atendidas através de funções governamentais coordenada e planejadamente exercitadas. Para o caso brasileiro, adite-se que será ela o conjunto, com tais características, implantado sobre uma porção territorial dentro da qual
485
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. ano II. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.13-44. 486
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.25.
211
se distinguem várias jurisdições político-territoriais, contíguas e superpostas entre si, Estados e Municípios.
Hely Lopes Meirelles487 atribui à Região Metropolitana a natureza de
área de serviço unificado, de serviços especiais de natureza meramente
administrativa.
Os serviços apresentam abrangência metropolitana, uma vez que o
interesse não é apenas local, mas também regional, por afetar a administração
de todo o Estado e, por vezes, até da União. Em razão da abrangência regional
dos serviços é necessário instituir uma administração única, que planeje
integralmente a área, coordene e promova as obras e atividades de interesse
comum da região.
Esta administração da área de serviço especial pode ser feita por
autarquia ou por pessoa jurídica de direito privado. O autor afasta
completamente a natureza federativa da Região Metropolitana, pois não poderá
ser qualificada como entidade política, instância intermediária entre o Estado e
Município488.
Em defesa da natureza de ente, pessoa jurídica, mas com personalidade
exclusiva de direito público, trazemos as reflexões de Pedro Estevam
Serrano489 sobre o conceito e a natureza jurídica das regiões metropolitanas.
Ao formulá-lo, o jurista reconhece o fenômeno em suas duas acepções:
urbanística e jurídica. No primeiro sentido, diz respeito ao mundo do ser, da
realidade fática, enquanto no segundo, refere-se ao mundo do dever-ser, de
acordo com Hans Kelsen490. A despeito de tratarem de realidades distintas, os
planos apresentam mútuas relações, uma vez que o dever-ser condiciona,
comanda a realidade fática, ou seja, a norma jurídica estabelece obrigações e
proibições, disciplina a realidade do mundo fenomênico.
Assim, quando nos deparamos com a realidade urbana, o legislador
estadual deverá verificar sua presença e manifestação, através da subsunção,
para averiguar a necessidade de instituir determinada Região Metropolitana.
487
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.83. 488
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.83-84. 489
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto.Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.188. 490
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.6.
212
Pedro Estevam Serrano reconhece que a Região Metropolitana não é
quarta esfera política no âmbito da federação, não possui um Poder Executivo
e Legislativo próprios. O autor trata o fenômeno do ponto de vista jurídico,
como uma forma de exercício de competência administrativa do Estado-
membro, de forma semelhante a Hely Lopes Meirelles, embora ambos
discordem da forma como serão administrados. Hely Lopes Meirelles permite
que a figura regional seja administrada até mesmo por pessoas jurídicas de
direito privado (Sociedade de economia mista ou empresa pública). Pedro
Estevam Serrano até admite sua administração no âmbito da administração
direta, por meio de órgãos. No entanto, em relação à criação de pessoas
jurídicas da administração indireta para administrar a figura regional, só admite
sua administração por pessoa jurídica de direito público491. E conceitua Região
Metropolitana da seguinte forma492:
Parece-nos tratar-se a Região Metropolitana, portanto e à luz de todo o expendido, de ente administrativo estadual da administração direta ou indireta, sob o regime de Direito Público, instituída por faculdade discricionária do legislador complementar estadual por conta do permissivo constitucional do §3º do art. 25 de nossa Carta Magna, em áreas de conurbação de três ou mais Municípios em que haja a necessidade de realização de serviços e atividades comuns de caráter regional, no interior dos limites da competência constitucional do Estado-membro e em seu nome e sob sua responsabilidade realizados por gestão compartilhada com os Municípios integrantes, nos limites e organização estipulados na lei instituidora, sem interferência na autonomia municipal.
Por fim, registramos as lições de MichelTemer493, ao qualificar a região
metropolitana como órgão de planejamento, de onde deriva a execução de
funções pública de interesse comum. Para o autor, a região metropolitana não
tem personalidade jurídica e por esta razão não pode ser considerada pessoa
política, administrativa, nem mesmo organismo ou centro personalizado de
poder.
491
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.188. 492
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.190. 493
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 114.
213
3.3 Requisitos de criação
Nosso objetivo neste momento é identificar os requisitos exigidos pela
Constituição e Leis estaduais para sabermos se o legislador estadual tem
liberdade, ou melhor, discricionariedade ampla para criar Região Metropolitana
ou se está submetido aos estritos limites da lei, no âmbito do exercício de
competência vinculada.
O Poder Constituinte originário conferiu ao poder constituinte dos
Estados uma faculdade (art. 25, §3º da Constituição) ao redigir no texto
constitucional a expressão “poderão”, atrelada a parâmetros para o exercício
da competência legislativa, quais sejam: a) Instituição de Região metropolitana
por lei complementar estadual; b) existência de agrupamentos de municípios
limítrofes; c) finalidade de integrar a organização, planejamento e execução de
funções públicas de interesse comum494.
Da mesma forma, a Constituição Federal permite que o Poder
Constituinte derivado decorrente, por meio de suas próprias constituições495,
estabeleça requisitos diferenciados para formar as regiões metropolitanas,
além dos previstos no art. 25, §3º. Trata-se da observância do princípio da
simetria, de acordo com a terminologia da jurisprudência. O Poder Constituinte
dos Estados-membros está vinculado à observância dos princípios magnos e
estruturantes do Estado, previstos na Constituição. O quanto possível, devem
ser reproduzidos de forma simétrica nos textos das Constituições Estaduais.
Assim, se não respeitarem os parâmetros do Poder Constituinte
Originário, as disposições das cartas estaduais serão inconstitucionais.
Analisaremos a legislação dos Estados de São Paulo e Minas Gerais
sobre o assunto.
Por força do art. 6º da Lei Complementar nº 760/1994496 do Estado de
São Paulo, os projetos de lei complementar que tratem da criação das
unidades regionais ou a modificação de seus limites territoriais ou de sua
494
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.186. 495
Anna Cândida da Cunha Ferraz, no artigo Poder Constituinte do Estado-membro. Revista dos Tribunais, 1979, p.19 apud ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.27. 496
Lei Complementar nº 760, de 1 de agosto de 1994 – Estabelece diretrizes para a Organização Regional do Estado de São Paulo.
214
designação deverão ser instruídos com o parecer da Secretaria de
Planejamento e Gestão demonstrando as características definidas para Região
Metropolitana497: elevada densidade demográfica, significativa conurbação,
funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade e especialização e
integração socioeconômica.
Acrescenta o parágrafo único do mesmo artigo que os projetos de lei
complementares que tiverem por objetivo a divisão do território estadual em
unidades regionais deverão ser instruídos com certidão atestando a existência
das características legais fundamentais para as Regiões Metropolitanas e o
resultado da audiência aos Municípios interessados.
A Constituição de Minas Gerais (art.42) também previu como requisito
para instituir Regiões Metropolitanas critérios técnicos comprobatórios da
realidade fática que origina a conurbação entre os Municípios limítrofes.
Segundo o art. 44, a região metropolitana será instituída com base na
Constituição Estadual e na avaliação (parecer técnico) de fatores como
população e crescimento demográfico (com projeção quinquenal), grau de
conurbação e movimentos pendulares da população, atividade econômica e
perspectivas de desenvolvimento e polarização da deficiência dos serviços
públicos, em um ou mais Municípios, com implicação no desenvolvimento da
região.
A Constituição Estadual mineira também atrela a inclusão de municípios
em região metropolitana já criada à elaboração de estudo prévio (§2º), que
deverá acompanhar o projeto de lei complementar responsável pela formação
da figura regional (§1º do art. 44 da Constituição de Minas Gerais), nos termos
de lei complementar.
Coube à Lei Complementar nº88 de 2006498 disciplinar o procedimento
de elaboração dos pareceres técnicos, previstos na Carta Constitucional. O
parecer técnico que embasará a criação da Região Metropolitana (§1º do art.
3º) será elaborado por instituição de pesquisa com notório conhecimento e
experiência em estudos regionais e urbanos, a partir de informações fornecidas
por fontes especializadas e acompanhará o projeto de lei responsável, sob
497
Lei Complementar nº 760/1994, Art. 3º, I a IV. 498
Lei Complementar nº 88/2006 (Minas Gerais) – responsável pelas disposições gerais acerca da instituição e gestão de região metropolitana e o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano.
215
pena de inconstitucionalidade (§4º do art. 3º da Lei Complementar nº 88/2006).
Da mesma forma (§2º), o parecer será obrigatório para incluir Município em
região metropolitana já formada.
Segundo o art.3º, §5º e §6º da Lei Complementar nº 88, há possibilidade
dos municípios se manifestarem no processo de criação das regiões
metropolitanas. A instituição de pesquisa responsável pelos estudos técnicos
de criação das regiões metropolitanas encaminhará aos Municípios
interessados, antes de concluir o parecer técnico, as informações coletadas e
analisadas e lhes concederá tempo para manifestação.
Examinemos os requisitos necessários, obrigatórios sem os quais a
Região Metropolitana não poderá ser criada por lei complementar estadual.
Para Pedro Estevam Serrano, o legislador não está vinculado à criação
das Regiões Metropolitanas, não está obrigado a editar lei complementar. No
entanto, se decidir realizar a função, deverá observar os requisitos da norma
constitucional, sobretudo, no que tange aos fins a serem alcançados. Trata-se
de competência legislativa positivamente vinculada, uma vez que terá o
legislador autonomia para qualificar os fins e os pressupostos de fato
respeitando os requisitos constitucionais: agrupamento de municípios limítrofes
que exijam planejamento, organização e execução de funções públicas de
interesses comuns.
O autor admite que há inegável esfera autônoma de decisão do
legislador complementar estadual para decidir criar a Região Metropolitana.
Contudo, a despeito deste campo discricionário e autônomo de decisão, surge
outra competência vinculada quanto aos requisitos de criação da figura
regional. Existem requisitos materiais (fáticos), formais e de conteúdo da norma
constitucional que orientam o legislador infraconstitucional. Se eles não
estiverem presentes, a lei complementar será inconstitucional.
São requisitos materiais, conforme o autor499, a existência de
conurbação entre no mínimo três municípios limítrofes, (a.1) cuja natureza
fática de seu agrupamento exija a realização de serviços comuns, (a.2) a
serem planejados e executados na forma regional.
499
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.166-167.
216
São requisitos formais a criação da figura regional por meio de Lei
Complementar Estadual que, como terceiro requisito, deverá trazer o vínculo
compulsório formado entre os Estados e Municípios na gestão de serviços e
atividades de interesse de todos.
Além dos parâmetros constitucionais, o legislador constituinte estadual
estabeleceu outros requisitos que servem para orientar o exercício da
competência legislativa do legislador constituinte.
É por isto que a doutrina afirma que os Estados-membros não são
totalmente livres para escolher os municípios que integrarão a região
metropolitana. O Município que não reunir as características de integrante da
conurbação, por exemplo, poderá questionar judicialmente seu ingresso na
Região Metropolitana. Sobre o tema observa Rafael Augusto Silva
Domingues500:
É inquestionável que a competência para instituir as regiões metropolitanas é dos Estados-membros. É o que prescreve o art. 25, §3°da CF. Trata-se de competência exclusiva dos Estados-membros sobre Direito Urbanístico. Muito bem. De início, deve ser esclarecido que os Estados-membros não podem instituir regiões metropolitanas sem que haja uma situação fática efetiva, qual seja, que os Municípios sejam limítrofes e que haja interesse comum entre eles. Com efeito, a Constituição Estadual que estabelecer um rol de funções públicas que reputa como de interesse comum, como acontece em alguns Estados-membros, deve observar se há efetivamente essa situação, sob pena de incidir em inconstitucionalidade. Nessa linha, os Estados-membros não são totalmente livres para escolher qual Município pretende incluir na região metropolitana. O Município eleito deve ser limítrofe a outros Municípios, devendo ainda existir interesses comuns entre todos eles. Desatendidos esses pressupostos constitucionais, é possível, inclusive ao Município indicado, impugnar judicialmente a escolha realizada pelo Estado-membro.
A seguir esclareceremos cada um dos requisitos constitucionais para a
criação das Regiões Metropolitanas, igualmente aplicáveis às aglomerações
urbanas e microrregiões.
500
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
217
3.3.1 Requisito material (fático)
Pedro Estevam Serrano501 aponta o fenômeno da conurbação entre no
mínimo três municípios limítrofes, que exijam a necessidade da prestação de
serviços e atividades comuns. O mesmo requisito é mencionado por José
Afonso da Silva, no entanto, sem a necessidade de reunir, no mínimo, três
Municípios limítrofes. Basta existirem “núcleos urbanos contíguos, contínuos ou
não, subordinados a mais de um Município, sob a influência de um Município-
pólo502”.
José Afonso da Silva apenas alerta para a necessidade de participação
de mais de um Município na região, sem definir a quantidade de municípios, o
que não se confunde com a existência de uma grande cidade contida em um
único Município503.
Alaor Caffé Alves504também reconhece a existência de uma comunidade
socioeconômica com funções urbanas altamente especializadas e
diversificadas que estabelece o agrupamento de Municípios limítrofes. Este
requisito está atrelado à avaliação técnica, por meio de pareceres emitidos por
órgãos metropolitanos.
Diante disto poderíamos indagar se estamos diante de uma
discricionariedade técnica. De acordo com Eva Desdentado Daroca505:
discricionariedade técnica cuida de toda atividade da Administração que se rege por critérios técnicos, o que engloba a atividade de aplicação de conceitos jurídicos indeterminados que se referem a conhecimentos especializados, mas também a toda atividade que reclama o emprego da experiência técnica. As apreciações técnicas são para ela as atividades de busca de soluções a problemas práticos utilizando-se de critérios técnicos (conhecimentos especializados).
Parte da doutrina não admite a existência de discricionariedade técnica,
mas apenas uma simples apreciação técnica. A posição predominante, e a qual
501
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.166-167. 502
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.158. 503
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.160. 504
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. ano II. v.3. São Paulo: Max Limonad,1998, p.13-44. 505
Eva Desdentado Daroca, Los problemas del control judicial de la discrecionlidad técnica (um estúdio crítico de la jurisprudência). p.22, apud PIRES, Luis Manuel Fonseca. O Controle Judicial da Discricionariedade Administrativa – Dos Conceitos Jurídicos Indeterminados às Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.226.
218
nos filiamos, entende que a existência de cláusulas técnicas não autoriza o
exercício de competência discricionária, uma vez que o preenchimento dos
critérios técnicos por si só levam o intéprete à escolha de uma única
alternativa. Os critérios são objetivos, técnicos, não comportam margem de
apreciação subjetiva, discricionária.
Admitamos que no exercício da discricionariedade legislativa exista, com
base nas exigências legais, margem de apreciação técnica por parte do
legislador estadual, que apontará a presença de requisitos materiais para
criação da região metropolitana. Na hipótese do legislador decidir criá-la,
deverá pautar-se nos aspectos técnicos trazidos por instituições de pesquisa
que fornecem parâmetros objetivos aos órgãos administrativos. Trata-se de
competência vinculada. Presentes os pressupostos da realidade urbana
conurbada atestados pelo parecer, haverá critério material para a criação da
região metropolitana.
De acordo com Maria Sylvia Zanella di Pietro506, “parecer é ato pelo qual
os órgãos consultivos da Administração emitem opinião sobre assuntos
técnicos ou jurídicos de sua competência”. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello
os qualifica em três tipos, facultativo, obrigatório e vinculante507.
Nos termos das Constituições paulista e mineira, o parecer técnico
elaborado por órgão do governo ou instituição de pesquisa é obrigatório para
avaliar se os municípios têm as características exigidas para instituir Região
Metropolitana e acompanhar o projeto de lei complementar. O caráter do
parecer é vinculante, o que influencia obrigatoriamente a decisão do legislador.
A fundamentação do parecer integrará o conteúdo da decisão legislativa de
criação da Região Metropolitana e é pressuposto para edição da lei
complementar.
De acordo com os requisitos da legislação estadual, o parecer técnico
será obrigatório e vinculante, deverá apreciar requisitos caracterizadores da
506
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.237. 507
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Princípios Gerais de Direito Administrativo, p.583 apud PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.238. Segundo a autora “O parecer é facultativo quando fica a critério da Administração solicitá-lo ou não, além de não ser vinculante para quem o solicitou. Se foi indicado como fundamento da decisão, passará a integrá-la, por corresponder à própria motivação do ato. O parecer é obrigatório quando a lei o exige como pressuposto para a prática do ato final. A obrigatoriedade diz respeito à solicitação do parecer (o que não lhe imprime caráter vinculante). O parecer é vinculante quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e a acatar a sua conclusão”.
219
realidade de conurbação urbana e atestar a existência de municípios limítrofes,
além de estar submetido ao controle judicial.
3.3.2 Requisito formal
O art. 25, §3º da Constituição Federal exige a edição de lei
complementar estadual para a formação das Regiões Metropolitanas.
Examinaremos as constituições estaduais para verificarmos as
características da lei complementar estadual responsável pela criação das
regiões metropolitanas.
Ao procedermos à interpretação do art. 25, §3º, verificamos que a
Constituição Federal não dispõe sobre a iniciativa da lei complementar
estadual, o que faz crer, em um primeiro momento, que a iniciativa é comum
(art. 61, §2º da Constituição Federal) atribuível, simultaneamente aos órgãos
do Poder Legislativo, ao governador do Estado e à população.
Contudo, há quem entenda que o Poder Constituinte Originário atribuiu
ao Chefe do Poder Executivo iniciativa privativa para criar Regiões
Metropolitanas (art. 61, §1º, II, b da Constituição Federal). Assim sustenta
Rafael Augusto Silva Domingues508 para quem a instituição de região
metropolitana é uma forma de organização administrativa do território, matéria
relacionada à organização administrativa e serviços públicos, conteúdo tratado
como competência privativa do Chefe do Poder Executivo, aplicável, pelo
princípio da simetria, ao governador do Estado509.
508
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.159. 509
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.159.:“A discussão é árdua. Entretanto, em relação à lei complementar instituidora das figuras urbanas (região metropolitana, aglomerações urbanas e microrregiões), nos inclinamos no sentido de reconhecer a reserva de iniciativa para o Chefe do Poder Executivo. O que dispõe o art. 61, §1º, II, b da Constituição Federal é que são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre a “organização administrativa e serviços públicos, entre outras matérias”. Em razão do princípio da simetria (corolário do princípio federativo), essa disposição se aplica aos Estados-membros, que devem considerá-la no momento da aprovação das Constituições estaduais. Entendemos, assim, que a instituição dessas figuras urbanas toca de perto a organização administrativa do Estado, assim como os serviços públicos estaduais. É que a instituição da região metropolitana, por exemplo, constitui uma forma de racionalização da atividade administrativa. Os Estados-membros organizam o seu território de maneira a melhor desempenhar o serviço público de sua responsabilidade. Por isso, entendemos que a iniciativa dessa lei complementar cabe privativamente ao Governador do respectivo Estado”.
220
Diversamente argumentam os ministros do STF, ao julgarem a ADIN
2809-0 do Rio Grande do Sul de 25/09/2003, de relatoria de Maurício Corrêa,
DJ, 30/04/2004. O acórdão abordou a polêmica envolvendo a iniciativa para
criação das figuras regionais, ao tratar do tema como pano de fundo de uma
discussão que envolvia vício formal e material na lei complementar estadual
que incluiu município limítrofe (por ato da Assembleia Legislativa) na Região
Metropolitana de Porto Alegre.
Na ocasião, o governador questionou a Assembleia Legislativa em razão
do aumento de despesa em projeto de iniciativa do Poder Executivo (art. 63, I
da Constituição Federal). Sustentou o governador que a competência para criar
e incluir municípios nas Regiões Metropolitanas é privativa do governador (art.
61, §1º, II da Constituição Federal) por dispor sobre a organização e o
funcionamento da administração pública.
O ministro Marco Aurélio foi voto vencido ao entender ser a lei
impugnada inconstitucional por se destinar a dispor sobre processo de criação,
atribuição e organização dos serviços públicos. A maioria dos ministros,
seguindo o relator, considerou-a constitucional. Sepúlveda Pertence e Carlos
Ayres Britto argumentaram que criar Região Metropolitana não implica criar
órgão estadual, nem despesa estadual, mas integrar serviços de competência
municipal.
Em razão do exposto, percebemos dois entendimentos em relação à
iniciativa da criação da lei das figuras regionais: de um lado, trata-se de
iniciativa privativa do governador (art.61, §1º, da Constituição Federal) e de
outro, comum (art. 61§2º), ambas interpretadas à luz do princípio da simetria.
A Constituição do Mato Grosso do Sul (art.89, XXIII) considerou (art.
61§1º) competência privativa do governador a proposição de instituição de
órgãos autônomos, entidades de administração indireta, regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e regiões de desenvolvimento.
Por outro lado, as Constituições de São Paulo510 e Minas Gerais511, ao
tratarem expressamente da criação de figuras regionais, por meio de lei
complementar, não indicaram um dispositivo específico sobre a iniciativa da lei.
No entanto, se examinarmos aqueles que tratam das competências privativas
510
BRASIL. Constituição do Estado de São Paulo. Art.23, Parágrafo único, 17; Art.24, §2º, 1 e 2. 511
BRASIL. Constituição do Estado de Minas Gerais. Arts.42, 65 e 66, III, b, e.
221
do governador do Estado, em ambas verificaremos a reprodução do art.61, §1º,
quanto à criação de organização administrativa e serviços públicos. Neste
caso, se adotarmos o entendimento de Rafael Domingues da Silva, a criação
de figura regional em razão da simetria entre as constituições estaduais e
federais (art. 61, §1º da Constituição Federal) será de iniciativa privativa do
governador, por estar relacionada à administração territorial de funções
públicas de interesse comum.
Ao sustentarmos que as figuras regionais são fatos jurídicos512, não
podemos confundir a forma pela qual o ordenamento atribuiu a organização,
execução e planejamento das funções públicas com o fenômeno jurídico
propriamente dito. Isoladamente, as figuras regionais são fatos jurídicos (e não
serviços, órgãos ou pessoas jurídicas). Por este ponto de vista, não seria
matéria de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, pois não estaria
relacionada à criação de estrutura administrativa para disciplinar funções
públicas de interesse comum.
No entanto, sempre que o Governo do Estado cria determinada figura
regional, na mesma lei regulamenta sua organização, sobretudo, a forma como
será administrada (autarquia ou conselhos). Assim, a lei que forma a região
metropolitana leva à criação de órgãos, estrutura administrativa e definição dos
serviços públicos considerados funções públicas de interesse comum513.
Como a lei que cria a figura regional também dispõe sobre sua estrutura
administrativa, as considerações sobre iniciativa privativa do Chefe do
Executivo Estadual são pertinentes por levar à criação de estrutura
administrativa.
Assim, a criação da figura regional não seria iniciativa exclusiva do
Chefe do Executivo Estadual (por não importar necessariamente em
administração territorial de função pública de interesse comum). Entretanto, se
considerarmos que as leis sobre o assunto tratam no mesmo corpo legislativo
tanto do fato jurídico quanto de sua forma de administração, acolhemos a
posição de quem sustenta ser competência privativa do Chefe do Poder
512
Consequências jurídicas atribuídas pelo ordenamento em razão dos municípios limítrofes apresentarem fenômeno da conurbação que exigirá disciplina das funções públicas de interesse comum. 513
Lei Complementar nº 89/2006, responsável pela criação da Região Metropolitana de Belo Horizonte; Lei Complementar 1139/2011, responsável pela criação da Região Metropolitana de São Paulo, Lei Complementar 1146/2011, responsável pela criação da Aglomeração Urbana de Jundiaí.
222
Executivo (governador). E indagamos: cabe iniciativa popular de lei
complementar estadual destinada à criação de região metropolitana? E
iniciativa popular sobre matérias reservadas à iniciativa exclusiva de outros
titulares?
Como regra geral, não se admite a iniciativa popular para matérias em
relação às quais a Constituição fixou determinado titular para deflagrar o
processo legislativo.
Esta é a orientação das Constituições dos Estados em geral, inclusive
de São Paulo514, por competência atribuída pelo art. 27, §4º da Constituição
Federal.
No entanto, Pedro Lenza515 aponta a possibilidade de admitir iniciativa
popular apenas em matérias reservadas ao Presidente da República, o que
poderemos interpretar, com relação ao governador do Estado. Trata-se do
precedente da Lei que criou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse
Social516.
O tema não é pacífico para a doutrina nem na jurisprudência. Discute-se
assim a possibilidade de iniciativa popular para criar Regiões Metropolitanas,
em razão da iniciativa privativa atribuída pelas Constituições.
A questão só será resolvida pela técnica de ponderação entre os
princípios jurídicos, à luz do caso concreto. Estamos diante de dois princípios
jurídicos constitucionais que sustentam o modelo de Estado Democrático
Social de Direito. De um lado, a regra da iniciativa popular decorre do princípio
democrático em sua vertente participativa (art.1º, parágrafo único). Por outro
lado, estamos diante de norma que restringe a participação de um Poder da
República para deflagrar processo legislativo (embora interpretado
restritivamente) decorre da cláusula de harmonia entre os poderes517, refletida
514
BRASIL. Constituição Federal. (1988). Art.27, § 4º; BRASIL. Constituição do Estado de São Paulo. Art. 24, §2º, 1 e 2; §3º, 1, 4 e 5. 515
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.507. 516
Durante 13 anos o processo legislativo foi obstacularizado em razão do vício formal de iniciativa tendo em vista que a matéria tratada (art. 61, §1º, II, a e “e”) seria de competência exclusiva do Presidente da República. No entanto, no ano de 2005, o entendimento da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado foi modificado em razão da aprovação da Lei nº11.124 de16/6/2005
516, sob o
argumento de que as matérias de iniciativa popular não deveriam ser restritas por força da democracia participativa, soberania popular, cidadania, pleno exercício dos direitos políticos, princípios democráticos que se sobrepõem à iniciativa restrita e exclusiva atribuída apenas a um dos Chefes de Poderes. 517
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.110.
223
no mecanismo de freios e contrapesos, garantidor do princípio constitucional da
separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal).
De fato, há um motivo para a regra de exceção ser interpretada
restritivamente, pois o Poder Constituinte vislumbrou em nome da harmonia,
decorrente do princípio da separação dos poderes, a necessidade do Poder
Executivo exercer com exclusividade a iniciativa de determinados projetos de
lei.
Ao final, faremos também uma breve reflexão sobre a extinção da
Região Metropolitana visto que a Constituição Federal apenas tratou da criação
das figuras regionais, sem dispor sobre as formas de sua extinção.
Apresentamos as lições de Pedro Estevam Serrano518, que resolve a
questão ao aplicar o princípio do paralelismo das formas:
que pode se entendido como a via transversa, o caminho pelo qual a criação tomou e para o qual a destruição tomará em anverso àquela, ou seja, a região metropolitana criada por lei complementar deve ser extinta pelo mesmo instrumento legal.
Acrescenta ainda519 que as regiões metropolitanas também poderão ser
extintas por meio de decisão judicial que declare inválida sua instituição por
meio de efeitos ex tunc, retroativos, preservando-se os direitos de terceiros de
boa-fé e a continuidade dos serviços públicos.
3.3.3 Requisito de conteúdo
Pedro Estevam Serrano520 ao tratar dos requisitos para a criação válida
da Região Metropolitana afirma que, implicitamente, está previsto (§3º do art.
25), vínculo compulsório entre o Estado e o Município na gestão das funções
públicas de interesse comum. A denominação utilizada pelo autor é gestão
compartilhada entre o Estado e os Municípios integrantes da região.
518
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.209. 519
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.209. 520
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.169.
224
Para Alaôr Caffé Alves521a denominação é mesmo vínculo compulsório.
Independentemente da terminologia utilizada, a Constituição Federal previu
implicitamente a obrigatória participação dos Municípios na gestão do interesse
metropolitano junto ao Estado.
Mas, o que efetivamente caracteriza o vínculo compulsório? O
agrupamento forçado de municípios limítrofes por meio de lei complementar
estadual com o intuito de organizar, planejar e executar funções públicas de
interesse comum (art. 25, §3º da Constituição Federal). De acordo com Pedro
Estevam Serrano522, a instituição da Região Metropolitana implica a submissão
dos Municípios a seus termos, independentemente de sua vontade.
Ainda que não seja atribuída ao Município a possibilidade de escolher
integrar a região metropolitana, o vínculo compulsório pressupõe a garantia de
que os municípios devem participar das decisões e ações regionais, em todas
as fases da gestão do interesse comum523:
A lei complementar deverá prever, como condição de sua constitucionalidade, a participação dos Municípios integrantes da Região Metropolitana em sua organização e funcionamento, no papel e intensidade definidos autonomamente pelo legislador complementar estadual. O fato de ser instrumento de gestão compartilhada dos interesses estaduais no interior da Região Metropolitana é que dá sentido sistêmico à exigência de lei complementar para sua instituição.
A ideia é obtida como contraponto à noção de convênios ou consórcios
entre entidades governamentais, vínculos jurídicos possíveis em razão do art.
241 da Constituição Federal que prevê, por meio destas figuras, a gestão
associada de serviços públicos. O vínculo consorcial está adstrito à vontade
das partes envolvidas, no caso os Municípios, que poderão a qualquer
momento se retirar do pacto celebrado. O consórcio pressupõe adesão
autônoma das partes e não é veículo constitucional previsto para a instituição
da Região Metropolitana524.
521
ALVES, Alaôr Caffé. Saneamento Básico – Concessões, Permissões e Convênios Públicos (pareceres). Bauru: Edipro, 1998, p.182. 522
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.193. 523
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.170. 524
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.193.
225
Sustentam Pedro Estevam Serrano e Alaôr Caffé Alves, que se a
Constituição Federal desejasse um vínculo voluntário entre os municípios não
criaria uma disposição distinta, em outro Título da Constituição, que cuida
estritamente da Organização do Estado. Assim conclui Alaôr Caffé Alves525:
Assim, não há outra forma plausível de interpretação do referido dispositivo constitucional senão a de considerá-lo como uma expressão jurídica pela qual se adiciona um conteúdo novo ao sistema federativo brasileiro, na medida em que nele se introduz uma modalidade de relacionamento compulsório entre entidades político-administrativas nas regiões metropolitanas, cuja instituição, no entanto, ficou a depender do seu estabelecimento, através de lei complementar.
Vale adicionar as observações de Alaôr Caffé Alves526 no sentido de
observar que o vínculo regional não pode ser criado pelo Estado de forma
arbitrária, de acordo com sua vontade e escolha de qual município integrará a
região metropolitana. A lei complementar está adstrita aos critérios materiais,
ou seja, o município deve pertencer à realidade urbana conurbada
comprovada, segundo algumas leis estaduais, por pareceres técnicos. Assim, a
escolha dos municípios está vinculada às situações objetivas, descritas na
hipótese normativa de cada figura regional, sob pena de inconstitucionalidade
da lei complementar. Para o jurista527:
Disso decorre que o vínculo regional não pode ser criado pelo Estado ao seu talante, de modo arbitrário, se não houver uma situação objetiva que justifique a necessidade daquele provimento de funções públicas de interesse comum. Se não houver tal situação objetiva, a criação de regiões metropolitanas, de aglomerações urbanas ou de microrregiões seria tida como ato francamente inconstitucional. Essas figuras regionais, portanto, não podem ser criadas arbitrariamente, sem base nas exigências de ação conjunta para atender às necessidades efetivamente comuns a vários entes político-administrativos locais. Se isto ocorrer, deverá ser interpretado como ingerência absolutamente impertinente contra a autonomia municipal, o que obviamente é inconstitucional. Entretanto, se existir real e efetivamente a situação de exigências regionais de caráter comum, pode o Estado declará-la por lei complementar, criando as condições institucionais para seu provimento, sem que os municípios envolvidos possam alegar a impertinência do vínculo regional.
525
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.66. 526
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.66. 527
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.66.
226
A existência de vínculo compulsório também foi acolhida pela
jurisprudência em dois acórdãos julgados pelo STF528. O primeiro trata da ADIN
796-3 do Espírito Santo, publicada em 2/2/1998 e relatada pelo ministro Néri da
Silveira. O segundo, da ADIN 1841-9 do Rio de Janeiro, publicada em
20/9/2002, relatada pelo ministro Carlos Velloso. No primeiro caso, foi
considerada inconstitucional a previsão da Constituição do Estado do Espírito
Santo que determinava a anuência dos municípios com relação ao ingresso de
regiões metropolitanas, por meio do plebiscito. No segundo caso, o STF
considerou inconstitucional a previsão da Constituição do Rio de Janeiro que
determinava a concordância prévia dos Municípios com relação à formação das
Regiões Metropolitanas. Nos dois acórdãos, ficou decidido que o art. 25, §3º da
Constituição Federal previu competência privativa dos Estados para disciplinar
as Regiões Metropolitanas, sem que os Municípios tenham de manifestar sua
vontade com relação à formação da região.
Além disto, os ministros argumentaram que o Estado não pode
estabelecer (arts. 25, da Constituição Federal de 1988 e 11, do ADCT),
requisitos não previstos pela Constituição Federal para criar Região
Metropolitana.
Não há no texto constitucional determinação para a realização de
plebiscito para compor o processo de formação das figuras regionais.
Também foi invocado o vínculo compulsório entre os municípios da
região a ser criada, o qual impede que um possa ser retirado por conta da
discordância de seus munícipes.
Assim, questionamos o art.6º, parágrafo único, II, da Lei Complementar
nº 760 de 1994 do Estado de São Paulo, que condiciona os projetos de lei
complementar que têm por objetivo criar unidades regionais ao resultado de
audiência dos Municípios interessados.
528
MENCIO, Mariana. Considerações jurídicas sobre as Constituições Estaduais que introduzem o plebiscito e o referendo como Instrumento de Participação Popular no Processo Legislativo de criação das Regiões Metropolitana. Boletim de Direito Administrativonº4 (BDA), ano XXVIII, São Paulo: NDJ, 2012, p.427-446.
227
Nossa posição
As considerações sobre o conceito de Região Metropolitana da doutrina
e da lei são extensíveis às aglomerações urbanas e microrregiões.
A despeito de revelarem aspectos econômicos, urbanos e sociais da
realidade metropolitana, na maior parte das vezes consideram a dimensão
territorial, que envolve diversas cidades espraiadas em mais de um município,
áreas de funções comuns que necessitam de uma administração única. Ao
qualificar a região metropolitana, muitos juristas incluem no conceito a natureza
administrativa das funções, que pode ser exercida por órgão público ou
autarquia, empresas públicas ou sociedade de economia mista. Vincula-se,
deste modo, a região metropolitana ou as aglomerações urbanas e
microrregiões às entidades, pessoas jurídicas, responsáveis por sua gestão.
Este é o caso do voto-vista de Ricardo Lewandowski na ADIN 1842, que ao
tratar da natureza jurídica dos novos entes regionais definiu região
metropolitana como autarquia territorial:
Ora, se a região metropolitana é um conceito jurídico que institucionaliza um fenômeno empírico, a saber, a existência de núcleos urbanos contíguos, com interesses públicos comuns, correspondendo, na abalizada lição de Alaor Caffé, a uma autarquia territorial, intergovernamental e plurifuncional, sem personalidade política.
A Constituição Federal e as legislações estaduais consideram como
substrato fático das figuras regionais agrupamento de municípios limítrofes,
com vistas ao planejamento, organização e execução comuns. No entanto,
cada figura regional será distinta em relação à outra dependendo do tipo de
relação que os Municípios limítrofes apresentam entre si. A Região
Metropolitana, por exemplo, é caracterizada por municípios conurbados com
elevada densidade demográfica, funções urbanas e regionais com alto grau de
diversidade, especialização e integração socioeconômica. Por outro lado, a
aglomeração urbana também deverá apresentar conurbação entre municípios,
mas em grau menor; na microrregião a relação entre os entes locais é apenas
interação funcional de natureza físico-territorial, econômico-social e
administrativa.
228
Francisco Toscano Gil529, ao tratar do fenômeno metropolitano, observa
que o termo é ambivalente e revela duas dimensões: fática e jurídica. No
primeiro caso, a expressão deve ser abordada sob o enfoque da realidade
metropolitana e, no segundo, da realidade jurídica do fato jurídico
metropolitano.
Na Colômbia, Juan Carlos Covilla Martinez,530mesmo reconhecendo que
os termos áreas, regiões ou zonas metropolitanas digam respeito apenas ao
aspecto da entidade administrativa que regula a questão metropolitana, utiliza
as conclusões de Maria Concepción Barrero Rodríguez531 para diferenciar as
dimensões extrajurídicas e jurídicas de área metropolitana. No primeiro caso,
manifestado pela concepção urbana e, no segundo, refletido na organização
política ou administrativa atribuída pelo Direito, como por exemplo, na
Colômbia, que considera área metropolitana como entidade administrativa de
Direito Público.
Alaôr Caffé Alves532, nos anos de 1980 constatou que o fenômeno
metropolitano no seu aspecto estrutural, de manifestação de existência, é
revelado por várias ciências, jurídicas, urbanas e econômicas, justificando a
insuficiência do aspecto estrutural na formulação de conceitos.
Por outro lado, o jurista espanhol, ao perceber o enfoque multidisciplinar
do fenômeno metropolitano, estudado por várias disciplinas (econômica,
sociológica, urbana e geográfica) detecta consequências distintas em relação a
este fenômeno, daquelas formuladas por Alaôr Caffé Alves em razão da
quantidade de significados que podem ser atribuídos ao mesmo fenômeno. É o
que o autor 533denominou: “El caráter multidisciplinar y polisémico del hecho
metropolitano”.
Ao revelar vários sentidos, o objeto de estudo torna-se complexo,
devendo ser portanto abordado sob os enfoques fáticos e jurídicos. Francisco
529
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.28. 530
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.36-40. 531
Las áreas metropolitanas, p.59 apud MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010. 532
ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981,p.145. 533
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.28.
229
Toscano Gil utiliza os ensinamentos de Barrero Rodrigues534, que também
distingue as dimensões fáticas e jurídicas da área metropolitana:
Hay un concepto extrajurídico de Área metropolitana y un concepto normativo. Desde um punto de vista fáctico, se alude con tal denominación a aquellas aglomeraciones urbanas situadas en el cinturón de las grandes ciudades, desde la óptica del Derecho, a las formas de organización y gobierno características de tales espacios. Dos signficados profundamente interrelacionados pero entre los que conviene distinguir adecuadamente. Nuestro estudio se centra em la vertiente jurídica del Área metropolitana en cuanto respuesta del ordenamiento – uma de las múltiples posibles – la problemática generada por las Áreas metropolitanas en su dimensión fáctica.
A realidade metropolitana são fatos, realidades urbanas conurbadas, ou
não, conforme estivermos diante de região metropolitana, aglomeração urbana
ou microrregião que necessitam de soluções jurídicas. São formadas por
cidades conectadas por núcleos de população que perfazem a mesma
realidade econômica e social535. Por sua vez, o fato jurídico metropolitano536 é
o significado atribuído pelo direito à realidade fática metropolitana e às
correspondentes consequências jurídicas traduzidas nas diversas técnicas
empregadas para solucionar os problemas metropolitanos.
Baseados nesta perspectiva,distinguimos as notas características da
realidade fática, que informam o fenômeno metropolitano como realidade
urbana, dos aspectos relevantes para o Direito. É por isto que nos dedicamos
ao exame dos requisitos fáticos, materiais e formais previstos pelo
ordenamento para compreendermos o fenômeno metropolitano. Esse também
é o motivo pelo qual Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e
Microrregiões não podem ser confundidas com pessoas jurídicas ou órgãos,
pois traduzem o que denominamos no campo da Teoria Geral do Direito de
fatos jurídicos.
De acordo com Maria Helena Diniz537: “O fato jurídico stricto sensu é o
acontecimento independente da vontade humana, que produz efeitos jurídicos”.
534
Concepción, Las áreas metropolitanas. Instituto Garcia Oviedo, Madrid: Civitas, 1993, p.59 apud Consideraciones preliminares In: GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.29. 535
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.30. 536
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.31. 537
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito – Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação.20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.538.
230
A realidade metropolitana é um fato, um acontecimento que ocorre no
mundo real e também comporta enunciados linguísticos, que podem ser
formulados por várias ciências, dependendo do aspecto escolhido: geográfico,
urbanístico, sociológico e econômico. É por isto que nos dedicamos a
esclarecer a origem desta realidade, bem como às várias formas de informar
sua caracterização, isto é, se basta existir uma única cidade-polo para
influenciar as demais ao seu redor ou se deve haver vários centros
canalizadores de relações entre estes núcleos urbanos. Contudo, todas estas
notas ainda não são relevantes para o mundo jurídico, pois não são
enunciados tratados pelo Direito, como explica Aurora Tomazini de Carvalho538:
Cada sistema delimita sua própria realidade, elegendo modo pelo qual seus enunciados lingüísticos serão constituídos. Não é qualquer linguagem habilitada a produzir efeitos jurídicos, somente o código próprio daquele sistema é capaz de modificá-lo, constituindo-lhe novas realidades. Assim, enquanto não traduzido em linguagem jurídica, o fato pode existir socialmente, politicamente, historicamente, economicamente, religiosamente, mas não se configura como uma realidade jurídica, porque não integrante do sistema do direito positivo e, portanto, não é capaz de nele produzir qualquer efeito.
A realidade metropolitana só acarretará consequências jurídicas quando
transformada em fato jurídico metropolitano e surtir efeitos nesta órbita.
Deverá, portanto, ser traduzido em enunciado próprio do sistema jurídico visto
que apenas a linguagem do Direito constitui o fato jurídico. Assim, é preciso
que determinada realidade fenomênica seja captada pela hipótese
normativa539, pelo antecedente normativo, descrita em linguagem normativa e
aplicada ao caso concreto, por meio da interpretação da norma jurídica540. O
fato jurídico não está contido inteiramente na hipótese normativa, o que existe
são apenas critérios para a sua identificação. Somente com o fenômeno da
subsunção (aplicação da situação concreta prevista na hipótese jurídica)
teremos um fato jurídico.
Tanto a hipótese normativa quanto o fato jurídico são enunciados
linguísticos do Direito, descrevem acontecimentos do mundo fenomênico. A
distinção entre os enunciados está no grau de determinação, pois na hipótese
538
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito (O Constructivismo Lógico- Semântico). São Paulo: Noeses, 2009, p.505. 539
MELLO, Celso Antônio Bandeira de Mello. Teoria Geral do Direito e do Estado, p.13 apud SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.123. 540
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito (O Constructivismo Lógico- Semântico). São Paulo: Noeses, 2009, p.505.
231
encontramos as notas identificadoras da realidade condicionantes de tempo e
espaço enquanto no fato nos deparamos com a ação concreta verificada num
ponto do tempo e num lugar do espaço541. É o entendimento de Aurora
Tomazini de Carvalho542:
No enunciado da hipótese (antecedente de normas abstratas), ainda não temos o fato jurídico, apenas critérios para identificá-lo. Somente com o enunciado antecedente da norma individual e concreta, produzido na finalização do processo de aplicação, é que o fato jurídico aparece na sua integridade constitutiva. Por isso, não é correto dizer que o fato jurídico está contido na hipótese de incidência. Esta contém apenas a indicação de uma classe, com as notas que um acontecimento precisa ter para ser considerado fato jurídico. É somente com a norma individual e concreta, veiculada pelo ato de aplicação, que o fato jurídico é constituído, antes dela, ele não existe.
Região metropolitana, aglomeração urbana e microrregião são fatos
jurídicos, isto é, acontecimentos da realidade fática incorporadas pelas normas
jurídicas como elementos relevantes para descrição do fenômeno e atribuição
das consequências jurídicas. Analisamos legislações estaduais para
verificarmos os requisitos fáticos indicados para criação de determinada figura
regional. É por isto, que o legislador estadual indica diversos elementos da
realidade urbana, geográfica e econômica para descrever a hipótese normativa
(elevada densidade demográfica, significativa conurbação, funções urbanas e
regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração
socioeconômica e vínculo compulsório).
Acrescentamos a isto o fundamental papel da Lei Complementar
Estadual, conforme observa Pedro Estevam Serrano543. Não basta o suporte
material, fático, da realidade urbana porque a criação jurídica da realidade
metropolitana só ocorre com a edição de Lei Complementar Estadual.
Por outro lado, não há fato jurídico metropolitano com a simples
descrição normativa destes elementos. Deve haver interpretação e subsunção
atestando que os elementos do fato estão consubstanciados na descrição da
norma. Assim, é fundamental que o legislador estadual, através do exercício da
541
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito(O Constructivismo Lógico- Semântico). São Paulo: Noeses, 2009, p.508. 542
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito(O Constructivismo Lógico- Semântico). São Paulo: Noeses, 2009, p.508. 543
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.153.
232
competência discricionária, verifique baseado em estudos e pareceres técnicos
se os requisitos materiais constam no caso concreto, culminando com a edição
da lei complementar.
Em suma, a região metropolitana é um fato jurídico que acarretará
consequências administrativas aos interesses metropolitanos.
Assim, não devemos confundir as formas de gestão da realidade
metropolitana com o seu conceito, uma vez que o Direito, ao descrever os
elementos da realidade urbana e social atribuindo-lhes consequências
jurídicas, também cuida do regime jurídico das figuras regionais e das suas
várias formas de administração.
E por fim, refletiremos sobre o exercício de competência do legislador
estadual, atribuída pela Constituição, para criar as figuras regionais do art. 25,
§3º.
Concordamos com Pedro Estevam Serrano que entende ser exercício
de competência discricionária do legislador estadual a criação das três figuras
regionais. Neste caso, não seria possível imputar ao legislador
infraconstitucional a prática de conduta omissiva em relação ao dever instituído
na Constituição, corrigível por meio do Mandado de Injunção (art.5º, LXXI)e
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art.103, §2º), conclusões
endossadas por Flávia Piovesan544. Com base em José Afonso da Silva545,
verificamos que a norma do artigo art. 25, §3º546é classificada como norma de
eficácia limitada, definidora de princípio institutivo ou organizativo; são aquelas
que dependem de lei para formar órgãos, estruturas administrativas e
instituições previstas na Constituição547.
Não obstante existir para o legislador estadual discricionariedade
legislativa (art. 25, §3º, da Constituição Federal), o exercício da competência
está vinculada aos critérios das Constituições e Leis estaduais
544
PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas (Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão e Mandado de Injunção). 2.ed.São Paulo: RT, 2003, p.68. 545
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1999 apud PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas (Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão e Mandado de Injunção). 2.ed.São Paulo: RT, 2003, p.66. 546
Normas Constitucionais de Eficácia Plena, Normas Constitucionais de Eficácia Contida e Normas Constitucionais de Eficácia Limitada, que por sua vez abrange as normas definidoras de princípios institutivos ou organizativos e as normas definidoras de princípios programáticos. 547
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.82 apud PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas (Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão e Mandado de Injunção). 2.ed.São Paulo: RT, 2003, p.68.
233
correspondentes, obedecidos os parâmetros do Poder Constituinte Originário.
Havendo previsão de estudos técnicos para viabilizar a criação das Regiões
Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões (conforme verificamos
nas Constituições paulista e mineira), estaremos diante do exercício de
competência vinculada548 aos critérios da Lei.
Apesar de estarmos diante de competência legislativa, poderemos
utilizar subsídios da discricionariedade e vinculação administrativa para
esclarecermos conceitos de vinculação na competência legislativa, conforme
fez Pedro Estevam Serrano.
O fato das leis atrelarem a criação de Regiões Metropolitanas,
Aglomerações Urbanas e Microrregiões aos critérios técnicos, não significa que
estamos diante da discricionariedade técnica. Apesar de parte da doutrina
entender tratar-se de atuação discricionária, baseada em apreciação técnica,
adotamos o posicionamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro. A apreciação
técnica não caracteriza margem de escolha do administrador, mas exercício de
competência vinculada, pois restringe a manifestação de vontade do legislador
aos parâmetros técnicos da lei, comprovados por estudos ou pareceres.
Mas quando a lei utiliza conceitos que dependem da manifestação de
órgão técnico, o Administrador Público não terá mais de uma opção para
decidir549. Os critérios apontados pelos pareceres e certidões, que pela
legislação são obrigatórios, nortearão o exercício da competência do legislador
estadual.
3.4 Distinções entre Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões
A Constituição de 1988 (art.25, §3º) introduziu ao lado das Regiões
Metropolitanas as figuras regionais, Aglomerações Urbanas e Microrregiões,
548
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.222: “Pode-se, pois, concluir que a atuação da Administração Pública no exercício da função administrativa é vinculada quando a lei estabelece a única solução possível diante de determinada situação de fato; ela fixa todos os requisitos, cuja existência a Administração deve limitar-se a constatar, sem qualquer margem para apreciação subjetiva. E a atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito”. 549
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.223. Para a autora, no caso do direito à aposentadoria por invalidez, a decisão da Administração fica vinculada a laudo técnico, fornecido pelo órgão especializado competente, que concluirá sobre a invalidez ou não para o trabalho; não resta qualquer margem de discricionariedade administrativa.
234
ambas formadas por Lei Complementar Estadual para integrar a organização, o
planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
Partiremos nossa exposição das seguintes questões: o sentido das
novas figuras regionais coincide com o conceito de Região Metropolitana? O
tratamento jurídico conferido à Região Metropolitana é o mesmo atribuído às
Aglomerações Urbanas e Microrregiões?
O principal desafio é identificarmos as distinções e semelhanças entre
as figuras regionais. Em relação à segunda questão, o assunto é pouco
discutido na doutrina, o que exige uma interpretação sistemática para identificar
suas premissas jurídicas. Segundo José Afonso da Silva550,
Regiões Metropolitanas constitui-se de um conjunto de Municípios cujas sedes se unem com certa continuidade urbana em torno de um Município; Microrregiões forma-se de grupos de Municípios limítrofes com certa homogeneidade e problemas administrativos comuns, cujas sedes não sejam unidas por continuidade urbana. Aglomerações Urbanas carecem de conceituação, mas de logo se percebe que se trata de áreas urbanas sem um pólo de atração urbana, quer tais áreas sejam das cidades-sedes dos Municípios, como na Baixada Santista, ou não.
Quanto à distinção conceitual entre as figuras regionais, Rafael Augusto
Silva Domingues551compartilha o entendimento de José Afonso da Silva. As
microrregiões não apresentam continuidade urbana. Por sua vez, as
aglomerações urbanas, embora muito semelhantes às regiões metropolitanas,
não contam com um Município-polo que exerça atração em relação aos
Municípios limítrofes.
Do ponto de vista legal, identificamos a definição destas figuras nas
Constituições Estaduais, que nem sempre revelam o mesmo sentido atribuído
pela doutrina. Como exemplo, citaremos as legislações dos Estados de São
Paulo e Minas Gerais embora vários outros tenham instituído Regiões
Metropolitanas e outras figuras regionais. O Rio de Janeiro, por exemplo,
dispõe em sua legislação de interessante estrutura organizacional das figuras
regionais, criação de microrregiões e previsão de Planos Diretores
Metropolitanos. Optamos pelas regiões mineiras e paulistas porque as leis
550
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed.São Paulo: Malheiros, 2012, p.156. 551
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
235
complementares não foram objetos de controvérsias de ações propostas no
STF, como no caso do Rio de Janeiro e Bahia, por exemplo552.
Com relação ao Estado de São Paulo, reunimos as definições da
Constituição Estadual e da Lei Complementar nº 760/1994 (que estabelecem
diretrizes para a organização regional do Estado) para identificarmos as
seguintes noções:
(Constituição do Estado) (Constituição Estadual) Art. 153, §2º – Considera-se aglomeração urbana o agrupamento de Municípios limítrofes que apresente relação de integração funcional de natureza econômico-social e urbanização contínua entre dois ou mais Municípios ou manifesta tendência nesse sentido, que exija planejamento integrado e recomende ação coordenada dos entes públicos nela atuantes. Acréscimo da LC 760/1994. Art. 4º – Considerar-se-á aglomeração urbana o agrupamento de municípios limítrofes, a exigir planejamento integrado e a recomendar ação coordenada dos entes públicos nele atuantes, orientada para o exercício das funções públicas de interesse comum, que apresente, cumulativamente, as seguintes características:I – relações de integração funcional de natureza econômico-social; II urbanização contínua entre municípios ou manifesta tendência nesse sentido. Art.153,§3º – Considera-se microrregião o agrupamento de Municípios limítrofes que apresente, entre si, relações de interação funcional de natureza físico-territorial, econômico-social e administrativa, exigindo planejamento integrado com vistas a criar condições adequadas para o desenvolvimento e integração regional. Acréscimo da LC 760/1994 – Art. 5º – Considerar-se-á microrregião o agrupamento de municípios limítrofes a exigir planejamento integrado para seu desenvolvimento e integração regional, que apresente, cumulativamente, características de integração funcional de natureza físico-territorial, econômico-social e administrativa.
O Estado de Minas Gerais, quanto às definições de Aglomerações
Urbanas e Microrregiões, só conta com previsão na sua Constituição (arts. 48 e
49). O art. 48 considera aglomeração urbana o agrupamento de Municípios
limítrofes que apresentam tendência à complementaridade das funções
urbanas que exija planejamento integrado e recomende ação coordenada dos
entes públicos.
Acrescenta ainda (parágrafo único) que o art. 44 deverá ser aplicado no
que for possível à criação da aglomeração urbana, especialmente no que tange
à comprovação de critérios técnicos caracterizadores da figura regional, por
552
Ação Direta de Inconstitucionalidade nºs. 1942 e 2077.
236
meio de parecer que instruirá o projeto de lei responsável por instituir a
aglomeração553.
O art.49 considera microrregião o agrupamento de Municípios limítrofes
resultante de elementos comuns físico-territoriais e socioeconômicos que exija
planejamento integrado com vistas a criar condições adequadas para o
desenvolvimento e a integração regional.
No Direito espanhol, Francisco Toscano Gil554 explica que aglomeração
urbana, assim como realidade metropolitana, possui vários sentidos.
Inicialmente distinguimos aglomeração urbana do fenômeno metropolitano, se
considerarmos que a aglomeração urbana poderá limitar-se
administrativamente apenas a um município, enquanto a conurbação engloba
vários deles. No entanto, em certos casos, o legislador espanhol utiliza os
termos como sinônimos, ao dispor sobre os Planos de Ordenação do Território
da Andalucía. Afirma ainda que a União Europeia, na sua Oficina Estadística
(Eurostat), ao tratar das aglomerações urbanas como conjunto de unidades
territoriais de base nível NUTS 5 com mais de 50 mil habitantes, constituídas
por unidades locais contíguas com densidade populacional superior a 500
habitantes por quilômetro quadrado, praticamente equipara a figura à região
metropolitana.
Por sua vez, Juan Carlos Covilla Martínez555entende que aglomeração
urbana é um conceito sociológico e urbano, mas não jurídico, por ser originário
de estudos urbanos. Para o autor, foi um equívoco o constituinte brasileiro
regulamentar em seu art. 25, §3º o fenômeno urbano.
Aglomeração urbana e as outras figuras regionais são fatos jurídicos,
que partem de fenômenos da realidade para receberem consequências
jurídicas. Portanto, não há que se falar em equívoco por parte do constituinte
brasileiro. Assim, se o dispositivo constitucional remeteu às leis
complementares a definição da figura regional, a caracterização do fenômeno
partirá de conceitos urbanos, econômicos, para ser qualificado como realidade
jurídica por meio de lei complementar.
553
BRASIL. Constituição do Estado de Minas Gerais. Art.44, I a V, §1° e 2º. 554
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.41. 555
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.31.
237
Acrescenta o autor556que aglomeração urbana não está
necessariamente conurbada, apesar de apresentar um grande centro
dominante sobre áreas suburbanas, em razão de critérios de densidade
demográfica, movimentos pendulares entre as cidades, ou por taxas de
consumo de energia. Desta forma, o autor retira a conurbação como elemento
da aglomeração urbana, qualificando o fenômeno estritamente por aglomerado
de pessoas em um território, isto é, por agrupamentos de população nas
margens da cidade. Trata-se da mancha urbana formada pela população que
cresce além do perímetro urbano, até o limite do território onde ainda
encontramos moradias. Mas não é esta concepção que vigora em nosso
ordenamento jurídico.
Diante da variedade de conceitos legislativos e de constribuições da
doutrina estrangeira, Maria Coeli Simões Pires e Gustavo Gomes Machado557
explicam as dificuldades para identificar essas noções:
A expressão aglomeração urbana raramente aparece na legislação, e o conceito é pouco desenvolvido na doutrina mais consolidada sobre planejamento e gestão urbana. A primeira referência urbana a tal unidade regional consta na Lei Federal nº 6.766/1979, no art. 13, sendo, porém omissa a norma quanto à conceituação da espécie. Em linhas gerais, uma aglomeração urbana apresenta algumas das características que qualificam a região metropolitana, nisso reside a dificuldade de defini-la. É ela igualmente um complexo geoeconômico formado por municípios limítrofes e caracterizado por certo grau de conurbação e pela presença de problemas urbanos de repercussão regional, para cuja solução são necessárias ações compartilhadas entre os entes federativos envolvidos. A constitucionalização da espécie, à sua vez, desafia o novo Direito Urbanístico a precisar-lhe o conceito e a apontar, compreender e explicar os seus desdobramentos teóricos e pragmáticos. Na verdade, a doutrina tem buscado a diferenciação conceitual entre região metropolitana e aglomeração urbana, a partir da metodologia utilizada para a hierarquização da chamada Rede Urbana Brasileira, importante subsídio à formulação de políticas públicas de planejamento territorial de âmbito nacional, regional e municipal, como se colhe da lição de Motta e Ajara
558 A rede urbana do país, [...], compreende o
conjunto de centros urbanos que polarizam o território nacional e os fluxos de pessoas, bens e serviços que se estabelecem entre eles e com as respectivas áreas rurais. É formada por centros urbanos de dimensões variadas, que estabelecem relações dinâmicas entre si de diferentes magnitudes. São estas interações que respondem, não
556
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.31. 557
MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008. 558
MOTTA, Diana Meirelles; AJARA, César. Rede urbana brasileira: hierarquia de cidades. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2000.
238
apenas pela atual conformação espacial da rede, mas também por sua evolução futura, cuja compreensão é fundamental para o estabelecimento de metas de políticas públicas.
As definições jurídicas das tipologias regionais decorrem da análise de
estudos técnicos, pautados em estudos geográficos da realidade urbana, que
consideram critérios ambientais, demográficos e de distribuição de atividades
econômicas.
Trata-se da distinção entre a realidade e o fato jurídico metropolitano,
conceitos aplicáveis às figuras regionais de aglomerações urbanas e
microrregiões.
Para uniformizarmos as terminologias, nesta pesquisa utilizaremos
figuras regionais ou trilogia regional para designarmos as três realidades.
Assim, as regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões serão
estudadas do ponto de vista da realidade regional e do fato jurídico.
Quanto à realidade fática, o urbanismo, a economia e outras ciências
descrevem os fenômenos apropriados pela norma jurídica, configurando a
hipótese que ao ser aplicada no caso concreto, resultará no fato jurídico.
A primeira parte da abordagem estudará a realidade urbana das três
entidades regionais. A doutrina invoca o modelo da “Hierarquização da Rede
Urbana Brasileira”para informar o estudo da trilogia regional.
Esta referência conceitual foi utilizada pela publicação559 elaborada pela
Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano SA (Emplasa), Fundação
Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), Secretaria de Planejamento e
Desenvolvimento Regional, órgãos e pessoas jurídicas pertencentes ao Poder
Executivo do Estado de São Paulo. Tem como objetivo fornecer subsídios para
formular e implementar o planejamento regional, criar e institucionalizar
Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões no Estado de
São Paulo. Sua ideia central para conceituar as regiões considera a
presunção da existência de certo grau de homogeneidade socioeconômica entre municípios funcionalmente articulados e, também, na ideia de conformação de uma organização territorial integrada por municípios limítrofes. Esta organização, por sua vez, estrutura-se por relações funcionais que se dão entre um núcleo, com
559
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo.Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011.
239
funções polarizadoras, e municípios que compõem sua área de influência
560.
Entre as explicações técnicas da teoria que influenciam o modelo
conceitual561, destacamos:
Em geral, as regionalizações que adotam essa formulação têm por fundamento a Teoria do Lugar Central (TLC), desenvolvida por Christaller e, alternativamente, o modelo de redes urbanas, apresentado por Losch. Elas se baseiam no princípio da centralidade, segundo o qual o espaço é organizado em torno de um núcleo urbano principal, denominado lugar central. A região complementar, ou entorno, desenvolve relação de codependência com o núcleo principal que lhe oferta bens e serviços urbanos.
Os critérios que consideram o modelo da centralidade do ponto de vista
técnico identificam a área de influência de centros urbanos a partir de alguns
indicadores562 que demonstraremos a seguir:
Quadro 17 – Indicadores utilizados para a análise da Rede Urbana do Estado de São Paulo:
Critérios Indicadores Utilizados
Centralidade: área de influência de centros urbanos
REGIC – IBGE/2007 Região de Influência das Cidades – Estudo do IBGE que identifica e hierarquiza os centros urbanos brasileiros e suas regiões de influência
Centros decisórios/relaçõesinternacionais: presença de centros decisórios e fluxos de relações com a rede urbana brasileira e uma rede mundial de cidades
Sede das 500 maiores empresas do país Embarque de passageiros nos aeroportos estaduais e federais Embarque de cargas nos aeroportos estaduais e federais Agências bancárias e depósitos bancários
Escala da urbanização: dimensão do processo de urbanização
Taxa de urbanização Taxa de crescimento populacional Índice de infraestrutura urbana (saneamento e energia elétrica) Índice de consumo de bens
Complexidade/diversificação da economia urbana: presença e articulação de setores econômicos
Percentual da PEA urbana
Diversificação do terciário: grau de diversificação/complexidade das atividades de serviços
Percentual da PIA ocupada em bancos Percentual da PIA ocupada em serviços técnicos e profissionais
560
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo.Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011, p.17. 561
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo.Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011, p.17. 562
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo.Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011, p.139.
240
Percentual da PIA ocupada em serviços de saúde Percentual da PIA ocupada em administração pública
Estes indicadores563 permitiram classificar os centros urbanos
hierarquicamente a partir dos modelos abaixo:
1.1) Metrópole: Apresenta a maior gama de bens e serviços, que se caracterizam por seu grande porte e por fortes relacionamentos entre si, além de possuírem extensa área de influência; 1.2) Capital Regional: Não possui bens e serviços de maior complexidade tecnológica. Tem área de influência de âmbito regional, sendo referida como destino, para um conjunto de atividades; 1.3) Centro sub-regional: detém bens e serviços com níveis intermediários de complexidade. Atividades de gestão menos complexas. Tem área de atuação mais reduzida e seus relacionamentos com centros externos à sua própria rede se dão, em geral, penas com a metrópole; 1.4) Centro de Zona: Cidade com menor porte, com atuação em sua área imediata. Exerce funções de gestão elementares, apresentando bens e serviços inferiores aos do centro sub-regional; 1.5) Centro local: cidade cuja centralidade e atuação não extrapolam os limites do município, servindo apenas aos seus habitantes. Representa a menor unidade administrativa e possui bens e serviços mais simples.
Com base nesta classificação, identificamos municípios que deveriam
ser incorporados ao estrato superior da rede urbana, apontamos a estrutura e
os níveis hierárquicos entre os centros urbanos com funções de polos e
caracterizamos os municípios a partir da hierarquia (polos, subpolos e
articulações).
563
PEA: Sigla do IBGE. Corresponde à população economicamente ativa. Neste sentido, designa a população que está inserida no mercado de trabalho ou que está procurando exercer alguma atividade remunerada. PIA: Sigla do IBGE: Pesquisa Industrial Anual: A série da pesquisa industrial anual teve início em 1996 com o propósito de fornecer informações anuais sobre o setor industrial formado pelas indústrias extrativas e de transformação, nos períodos intercensitários. As pesquisas referentes ao período 1966-1995 passaram por diversas fases com diferenças nas abordagens metodológicas e nos desenhos amostrais. A partir do ano de 1996, a PIA foi adequada aos parâmetros do novo modelo de produção das estatísticas industriais, comerciais e de serviços, em que os censos econômicos qüinqüenais foram substituídos por pesquisas anuais de base amostral. O Cadastro Central de Empresas (CEMPRE), atualizado sistematicamente, passou a ser a referência comum para o universo das empresas coberto por estas pesquisas. O desenho das pesquisas estruturais anuais leva em consideração a concentração da atividade produtiva nos segmentos de maior porte, dando tratamento censitário para as empresas de 20 ou mais pessoas ocupadas na organização das pesquisas do comércio e de serviços, e de 30 ou mais pessoas ocupadas, nos casos das pesquisas das indústrias e extrativas e de transformação e da construção. As demais empresas, numericamente majoritárias, mas com pequena expressão no cômputo geral da atividade econômica, são objeto de seleção probabilística. (Fonte Série Relatórios Metodológicos- Pesquisa Industrial Anual- Empresas. V. 26, p.9).
241
Contudo, a base técnica do Estudo das Regiões no Estado de São Paulo
considerou outras duas tipologias, distintas do critério hierárquico: a primeira
adotou critérios funcionais, demográficos, socioeconômicos e físico-territoriais
para definir as regiões com o propósito de identificar as relações entre
municípios-polos e de seu entorno, abrangidos em sua área de influência564. A
segunda considerou grupos de municípios com comportamentos estatísticos
semelhantes em relação a determinados temas, como demografia, economia e
meio ambiente. O propósito não foi estabelecer um posicionamento quanto ao
território, mas com relação à rede de cidades e o pertencimento a uma região
determinada para complementar as duas outras abordagens.
Com base nestes critérios e na definição jurídica oferecida pelas
Constituições Estaduais e pela Lei Complementar Estadual nº 760/1994 foi
possível produzir os conceitos e indicadores para definir Regiões
Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões.
Quadro 18– Conceitos e indicadores para definição de Regiões Metropolitanas565
Conceitos Principais Indicadores Indicadores Complementares
Elevada densidade demográfica
Densidade demográfica= Região com mais de 700hab/Km2 e mais de 1300 hab/Km2 na sede
Tamanho da população urbana = Região com mais de 1,5 milhões de habitantes
Liderança do pólo Sede com posição no Regic ≥ ao nível 5
Taxa de crescimento da população urbana = Região com taxa de crescimento populacional igual ou acima da média estadual
Significativa conurbação Existente ou não à continuidade da mancha urbana
Fluxos pendulares recebidos (deslocamento da população entre cidades) = Região com recepção de fluxos
564
Funcional: pendularidade trabalho/estudo (1º, 2º e 3º destinos – 2000), fluxos de saúde – processamento das Autorizações de Internação Hospitalar – AIHs (1º, 2º e 3º destinos – 2009), classificação dos municípios segundo as tipologias do Observatório das Metrópoles e da tipologia combinada a partir da análise de clusters. • regionalização: considerando a posição dos municípios e sua inserção regional, segundo: a organização regional do ESP, desenvolvida no estudo da Emplasa (1992/1993), a estrutura e a morfologia da rede urbana paulista propostas pelo estudo da rede urbana (Ipea/IBGE/Unicamp – Nesur – de 1999), balizados pelo Regic (IBGE – 2007), e considerando a divisão territorial oficial do Estado em RAs; • demográfico: População Urbana (1991 e 2009), Densidade Bruta (1991 e 2009), Taxa de Urbanização (1991 e 2009), Taxas de Crescimento Populacional (1991/2000 e 2000/2009), Classificação dos Municípios segundo a Tipologia do IPRS (2006). • econômico: PEA total e PEA ocupada por setor (1991 e 2000), valor adicionado fiscal (1993 e 2008), PIB municipal (2006), Classificação dos Municípios segundo a tipologia do PIB. • ambiental: Classificação dos municípios por UGRHI, Balanço Hídrico (2007). 565
Fontes: Emplasa, Fundação Seade e IBGE.
242
pendulares (trabalho/estudo) acima de 100 mil pessoas e mais de 70 mil pessoas na sede.
Funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração socioeconômica
Hospitais de alta e de média complexidade, ensino, sede com valor do PIB superior a R$ 18, 5 milhões
Fluxos de cargas recebidos (carga de origem externa à RA/carga total destinada à RA. Região com proporção de fluxos recebidos superior a 50%.
Quadro 19 – Critérios principais e complementares para definição de aglomerações urbanas
566
Conceitos Principais indicadores Indicadores complementares
Densidade demográfica Média densidade demográfica= Região com mais de 150hab/Km2
Tamanho da população urbana = Região com mais de 250 hab/Km2
Liderança do pólo Sede com posição no Regic ≥ ao nível 2
Presença de equipamentos de porte regional (hospitais de média complexidade, centros de distribuição; shopping centers) existente ou não.
Significativa conurbação Existente ou não a continuidade da mancha urbana
Fluxos pendulares recebidos (deslocamento da população entre cidades) = Região com recepção de fluxos pendulares (trabalho/estudo) acima de 5 mil pessoas e região com proporção de fluxos recebidos superior a 50% Taxa de crescimento da população positiva
Quadro 22 – Critérios principais e complementares para definição de microrregião
567
Conceitos Principais indicadores Indicadores complementares
Relação de integração funcional de natureza físico-territorial
Sistema viário intermunicipal e capacidade de suporte do meio ambiente (condição de balanço hídrico satisfatório, isto é, relação demanda/disponibilidade hídrica).
Estrada vicinal
Relação de integração funcional de natureza econômico-social
Similaridade das atividades econômicas e prestação de serviços públicos comuns aos municípios (tipologia do PIB industrial, agropecuário e serviços).
Presença de equipamentos de porte regional (hospitais de média complexidade, centros de distribuição; shopping centers) existente ou não.
Relação de integração de natureza administrativa
Presença de consórcios intermunicipais
Programa governamental de desenvolvimento regional.
566
Fontes: Emplasa, Fundação Seade e IBGE. 567
Fontes: Emplasa, Fundação Seade e IBGE.
243
Com base no estudo técnico do governo do Estado de São Paulo568,
constatamos graus de hierarquia apenas nas cidades das Regiões
Metropolitanas e Aglomerações Urbanas, justamente por verificarmos os
distintos níveis de liderança e atração exercidos entre as cidades em função de
alguns elementos. Entre eles, citamos a densidade demográfica, a presença de
equipamentos de comércio e serviços de porte regional, fluxos de cargas
recebidas e destinadas e a intensidade de deslocamentos entre as populações
das cidades limítrofes.
As cidades de Microrregiões não apresentam relações de lideranças em
função destes aspectos, uma vez que os fatores identificadores apontam para
relações de integração funcional de natureza físico-territorial, econômico-social
e de natureza administrativa. O importante na microrregião é constatar
integrações entre as cidades do ponto de vista do suporte ambiental, atividades
econômicas e prestação de serviços públicos comuns aos municípios.
Diante do suporte técnico desenvolvido em função das Redes Urbanas,
Maria Coeli Simões Pires e Gustavo Gomes Machado569assim conceituam
estas figuras:
Portanto, de acordo com o critério indicado, a aglomeração urbana pode ser compreendida como um conjunto de municípios limítrofes intensamente urbanizados, ou mesmo conurbados, com posição intermediária na hierarquia da rede urbana, cuja interação reclama um aparato de gestão das funções públicas que suplante a ação isolada do Município polarizador ou dos Municípios envolvidos. [...] Já a noção de microrregião não se prende à idéia de intensa urbanização. Surge a partir da identificação de funções púbicas de interesse comum entre Municípios limítrofes, como decorrência de alguma peculiaridade regional que os une ou de virtual facilidade de escala para provimento de algum serviço público ou desenvolvimento de outras atividades administrativas, de planejamento ou de fomento.[...] Assim, a microrregião é o agrupamento de Municípios limítrofes que apresentam, entre si, relações de interação funcional de natureza físico-territorial, econômico-social e administrativa, exigindo planejamento integrado, com vistas à criação de condições adequadas para desenvolver potencialidades e superar limitações para o desenvolvimento.
568
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo. Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011, p.133-149. 569
MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
244
A realidade que caracteriza cada uma das figuras regionais leva em
conta tipos distintos de relações estabelecidas entre os municípios limítrofes, o
grau de influência que determinada cidade exerce em relação à outra,
consubstanciada na ideia de hierarquia entre os núcleos urbanos.
Do ponto de vista técnico, o critério de hierarquia entre as cidades que
formam a trilogia regional pode exercer grau máximo de atração, considerada
metrópole em relação aos outros centros; em outro extremo poderá ser um
centro local, sem exercer sobre outra qualquer influência a ponto de extrapolar
os limites territoriais.
As relações surgirão dependendo do desenvolvimento da região. A
capacidade de atração máxima poderá ser baseada tanto em uma cidade que
apresente toda a infraestrutura urbana, de prestação de serviços e indústrias,
como modelo monocêntrico (que atrai permanentemente a população do
entorno para satisfação de suas necessidades) quanto em cidades de modelo
policêntrico (quando várias delas apresentam infraestrutura e ampla rede de
serviços, que aos poucos rompem com o grau de polarização e dependência
em relação aos demais centros urbanos).
Portanto, a hierarquia de rede urbana está relacionada à capacidade de
atração e liderança exercida por determinada cidade em relação às outras, em
função de oferta de serviços, equipamentos urbanos e densidade demográfica,
o que gera distintos graus de conurbação entre os núcleos urbanos.
Do ponto de vista urbano, identificamos entre as figuras regionais graus
de importância e interdependência entre as cidades e municípios envolvidos.
Observamos, por exemplo, que tanto na Região Metropolitana quanto na
Aglomeração Urbana o fenômeno da conurbação está presente, isto é, o
crescimento de várias cidades que extrapolam o núcleo urbano de um
município passando a integrar outros municípios, através de relações com as
cidades vizinhas. O grau elevado de urbanização faz desaparecer as zonas
rurais entre as cidades interligadas e o predomínio da grande zona urbana,
formada pela junção dos municípios limítrofes. Isto significa que nas duas
regiões, as áreas urbanizadas estão interligadas a mais de um Município, a
partir da articulação entre vários núcleos urbanos em relação aos diversos
municípios. Por sua vez, as microrregiões não contam com o fenômeno da
conurbação. Cada núcleo urbano, com sua zona urbana e rural, pertence a um
245
Município. Os municípios apresentam entre si relações físico-territoriais,
econômico-sociais, administrativas, mas sem extrapolar suas respectivas
fronteiras. A microrregião conta com características de homogeneidade físico-
territorial (os municípios poderão pertencer às mesmas unidades de
conservação ou Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos – UGRGI)
e socioeconômica.
Destacamos, por exemplo, a criação da Microrregião de São Roque570.
Ela abrangerá cinco municípios, no eixo Raposo Tavares–Castelo Branco, que
apresentam ligações funcionais com Sorocaba. Todos pertencem à mesma
UGRGHI e com relação à ocupação do solo, predominam chácaras de recreio.
A economia é diversificada. Convivem municípios industriais com outros
pautados na prestação de serviços. Os Municípios estão inseridos na UGRGI
Tietê-Sorocaba, que apresenta balanço hídrico crítico, e não abrigam unidades
de conservação571.
Deste modo, o critério técnico que informará a definição jurídica das
várias tipologias regionais levará em conta o grau de complexidade e
tangenciamento da malha urbana entre as cidades de Municípios. Assim, a
conurbação entre os Municípios sempre existirá nas Regiões Metropolitanas
em grau de complexidade elevado. Mas está em estágio de formação nas
aglomerações urbanas e não existe nas microrregiões, uma vez que as cidades
integrantes permanecerão nos limites de seus Municípios que contarão com
áreas rurais e urbanas, sem apresentar entre si o tangenciamento entre seus
territórios.
O Estado de São Paulo, recentemente, criou pela Lei Complementar nº
1.146 de 24/8/2011 a Aglomeração Urbana de Jundiaí. Ainda não foram
criadas microrregiões, embora tenha sido proposto o Projeto de Lei Estadual nº
32, publicado em 11/5/2011 que cria a microrregião de São Carlos formada
570
Ainda não foi criada, no entanto é identificada como possibilidade de microrregião. In: GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo.Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011. 571
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo.Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011.
246
pelos Municípios de Analândia, Descalvado, Dourado, Ibaté, Ribeirão Bonito e
São Carlos572.
Todavia, o fato jurídico regional – denominado assim, por referir-se às
três entidades do art. 25, §3º da Constituição Federal – não conta com a noção
de hierarquia entre região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião.
Do ponto de vista jurídico, hierarquia significa ordem, subordinação de
poderes ou série contínua de graus ou escalões, em ordem crescente ou
decrescente573. Em termos de regiões previstas pela Constituição Federal, não
há vínculo de subordinação em relação à outra tipologia. Quando se fala em
hierarquia das redes consideramos aspectos da realidade fática, geográficos,
urbanísticos que demonstram grau de desenvolvimento elevado de um centro
urbano em relação a outro capaz de atrair o crescimento e a expansão dos
centros limítrofes.
Sobre o tratamento jurídico dado às tipologias regionais à caracterização
do fato jurídico regional, indagamos: o regime jurídico atribuído às Regiões
Metropolitanas pode ser aplicado às aglomerações urbanas e microrregiões?
Os interesses regionais são titularizados pelos Estados? Entre si, os municípios
envolvidos sustentam vínculos compulsórios? Quais os requisitos que
autorizam sua criação?
Do ponto de vista doutrinário, Rafael Augusto Silva Domingues574
sustenta que as aglomerações urbanas justificam o mesmo tratamento jurídico
atribuído à Região Metropolitana. Entende, todavia, que as microrregiões
deverão receber um tratamento jurídico distinto.
Discordamos do autor por constatarmos que o tratamento jurídico para a
criação das figuras, os interesses comuns e o modelo de gestão são
semelhantes entre elas.
572
Projeto de Lei nº 32/2011 – Microrregião de São Carlos. Art.3º – Fica criado o Conselho de Desenvolvimento da Microrregião de São Carlos, de caráter deliberativo e normativo, composto por representante do município integrante da região e por representantes do Governo do Estado de São Paulo, nos campos funcionais de interesse comum e garantida a paridade das decisões nos termos dos arts. 9º e 16 da Lei Complementar nº 760, de 1º de agosto de 1994 e art.154 da Constituição do Estado de São Paulo. 573
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994.
574
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
247
Do ponto de vista das funções públicas de interesse comum, a Lei nº
1.166/2012575 responsável pela formação da Região Metropolitana do Vale do
Paraíba e Litoral Norte, por exemplo (art.12) criou o Conselho de
Desenvolvimento para especificar as funções públicas de interesse comum,
como o planejamento e o uso do solo, habitação e meio ambiente.
Por outro lado, a Lei Complementar nº 1.146/2011 responsável pela
criação da Aglomeração Urbana de Jundiaí dispensou (art.5º) o mesmo
tratamento a respeito das funções públicas de interesse comum. O §1º ressalta
que assim como a Região Metropolitana, o planejamento dos serviços da
aglomeração urbana será de competência do Estado e dos municípios que
integram a região.
Tanto as leis que instituíram Aglomerações Urbanas no Estado de São
Paulo, como os projetos de lei que tramitam para aprovar a criação de
microrregiões, apresentam estrutura jurídica semelhante à conferida às
Regiões Metropolitanas, respeitadas suas especificações. Mencionamos, por
exemplo, a existência dos Conselhos de Desenvolvimento, que permitem a
gestão compartilhada das funções públicas de interesse comum de forma
paritária entre os Municípios e o Estado pertencentes às aglomerações
urbanas e microrregiões576.
Da mesma forma, entendemos que o vínculo compulsório presente nos
Municípios integrantes de Regiões Metropolitanas, deve ser aplicado aos
municípios das aglomerações urbanas e microrregiões.
A distinção entre região metropolitana, aglomeração urbana e
microrregião reside apenas na realidade urbana, fática, disposta na hipótese da
norma jurídica. Verificamos por meio da legislação do Estado de São Paulo577 e
de Minas Gerais578 que estes elementos deverão constar em estudos técnicos
ou pareceres para justificara edição das leis complementares que vão criar as
figuras regionais.
Quanto ao fato jurídico regional, as três realidades apresentam regimes
jurídicos semelhantes.
575
Região Metropolitana: Lei Complementar nº 1.166 de 9/1/2012. 576
Aglomeração Urbana de Jundiaí. Lei Complementar nº 1.146/2011. Art. 5º, I a VII; §1º; Art.6º, I e II; Art.8º, §1º. 577
Lei Complementar nº 760/1994, Art. 6º. 578
Constituição do Estado de Minas Gerais, Art.44.
248
3.5 Considerações sobre Regiões Metropolitanas na Espanha e Colômbia
Com o propósito de aprofundarmos nossa análise sobre o fenômeno
metropolitano, faremos uma abordagem comparativa em relação ao modelo
brasileiro das Regiões Metropolitanas considerando a análise jurídica dos
modelos espanhol e colombiano. Iniciaremos pela Espanha.
3.5.1 Espanha
Com base nos arts. 141.3 e 152.3579 da Constituição espanhola, os
legisladores das Comunidades Autônomas poderão criar os agrupamentos de
municípios como entidades metropolitanas, ao lado das províncias e das
Comunidades Autônomas, para solução de problemas próprios das áreas
metropolitanas. De acordo com Francisco Toscano Gil580:
En respuesta a esta cuestión sostiene BARRERO RODRIGUEZ, amparándose en la jurisprudência constitucional vertida em esta materia, que estos preceptos habilitan al legislador tanto para constitución de entes de naturaleza territorial como para la de entes no territoriales o de naturaleza institucional. Éste es em definitiva, el margen de opción política que el constituyente deja al legislador, si quiera ir por el camino de la creación de uma entidad metropolitana de naturaleza local para la solución de los problemas próprios e las áreas metropolitanas.
Apesar de várias áreas metropolitanas já terem sido criadas, antes
mesmo da edição da Constituição de 1978, e adaptadas ao novo modelo de
Estado (como foi o caso da Entidade Municipal de Barcelona) ou a
transferência da Coplaco581 para a Comunidade Autônoma de Madrid, o
verdadeiro alicerce legislativo para concretizar a organização local foi
construído a partir da Lei de Bases do Regime Local de 2 de abril de 1985582.
579
Constituição espanhola. Capítulo segundo – De la Administración Local -Artículo 141: 3. Se podrán crear agrupaciones de municipios diferentes de la provincia. Capítulo Tercero – De las Comunidades Autônomas – Artículo 152: 3. Mediante la agrupación de municipios limítrofes, los Estatutos podrán establecer circunscripciones territoriales propias, que gozarán de plena personalidad jurídica. 580
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.113. 581
Área Metropolitana de Madrid. Comisión de Planeamento y Coordenación del Area Metropolitana de Madrid. 582
Ley 7/1985 de 2 de abril, Reguladora de las Bases del Régimen Local.
249
Neste sentido, a lei básica do Regime Local significou uma oportunidade
para o legislador estadual regular de forma geral a realidade metropolitana.
A criação da área metropolitana é compartilhada entre o Estado e a
Comunidade Autônoma (art.43, item I). É o que a doutrina espanhola denomina
naturaleza bifronte del régimen local español. 583 De um lado, o Estado Central
desenvolve as diretrizes gerais, e de outro, as Comunidades Autônomas a
partir das bases concebidas pelo Estado, legislam e executam as medidas para
criar regiões. O legislador da Comunidade Autônoma deverá obedecer às
bases fornecidas pelo legislador estatal584.
Francisco Toscano Gil585distingue realidade metropolitana de área
metropolitana. Entende que área metropolitana compreende o espaço
geográfico, sociológico e econômico, delimitado pelos estudiosos como fim de
demarcar os limites de estudo e âmbito de abrangência da realidade
metropolitana. Trata-se, portanto, do espaço metropolitano. Já a realidade
metropolitana diz respeito aos fatores reais que geram a necessidade de
delimitar o espaço e atuação sobre ele.
Ao analisar a terminologia adotada pelo art.43 da LBRL o autor
constatou ter havido uma coincidência entre a denominação jurídica da
entidade com a delimitação fática que diz respeito ao espaço afetado pelo fato
metropolitano que se pretende solucionar.
As áreas metropolitanas são criadas ou extintas por lei editadas pela
Comunidade Autônoma (art. 43, item 1). Trata-se de competência discricionária
exercida conforme o Estatuto das Comunidades586.
Se a criação de áreas metropolitanas não estiver prevista no Estatuto da
Comunidade Autônoma, a doutrina entende que não haverá impedimento para
criar as áreas metropolitanas. Neste caso, bastará a previsão estatutária
genérica, a existência de agrupamentos de Municípios distintos da Província.
A lei editada pela Comunidade Autônoma responsável por criar as Áreas
Metropolitanas (art.43, item 3) deverá dispor sobre os órgãos responsáveis por
583
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.125. 584
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.135. 585
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.34-35. 586
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.139.
250
sua administração, o regime econômico e de funcionamento das obras e
serviços de prestação ou realização metropolitana e seu procedimento587.
Sobre os requisitos técnicos exigidos pela legislação (art.43, item 2588)
para a criação das Áreas Metropolitanas, citamos a existência de grandes
centros populacionais urbanos formados por laços econômicos e sociais, que
necessitem de planejamento e coordenação de determinados serviços e obras.
Ao analisar as características da realidade metropolitana que informam a
competência discricionária do legislador autônomo, Francisco Toscano Gil
enumera alguns critérios, aprofundando a análise daqueles previstos na LBRL:
a) existência de conurbação; b) superação dos limites administrativos dos
municípios e c) laços sociais e econômicos entre as populações das cidades
envolvidas589.
O autor espanhol investiga os requisitos (eleitos pela doutrina
espanhola) que permitem identificar os vínculos econômicos e sociais entre os
núcleos de população integrados nas áreas metropolitanas e que necessitam
de planejamento comum. Esclarece ainda que são utilizados os critérios de
deslocamentos da população, não apenas em relação à mobilidade residência-
trabalho, mas também para compras, lazer ou prestações de serviços. Assim, a
população estabelece vínculos entre distintos núcleos urbanos em função dos
deslocamentos para adquirir bens e serviços que, por vezes, estão em cidades
distintas590.
3.5.2 Colômbia
Em matéria metropolitana, a legislação colombiana é baseada nos arts.
319, 325 e 326 da Constituição Política e na recente Lei nº 1.625, editada em
587
LBRL–Artículo 43.3. La legislación de la Comunidad Autónoma determinará los órganos de gobierno y administración, en los que estarán representados todos los Municipio integrados en el área; el régimen económico y de funcionamiento, que garantizará la participación de todos los Municipios en la toma de decisiones y una justa distribución de las cargas entre ellos; así como los servicios y obras de prestación o realización metropolitana y el procedimiento para su ejecución. 588
LBRL– Articulo 43. 2. Las áreas metropolitanas son entidades locales integradas por los Municipios de grandes aglomeraciones urbanas entre cuyos núcleos de población existan vinculaciones económicas y sociales que hagan necesaria la planificación conjunta y la coordinación de determinados servicios y obras. 589
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.37. 590
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.57.
251
29 de abril de 2013591. A lei atual não será aplicada à região metropolitana de
Bogotá que será disciplinada por legislação específica.
Importante mencionarmos que a Lei nº 1.625/2013 é objeto da Acción
Pública de Inconstitucionalidade, proposta em 13/6/2013, sob o argumento de
violar o art. 319 da Constituição Política que determina ser a lei de
ordenamento territorial, consubstanciada na Ley Orgânica 128/1994, o
instrumento adequado para organizar o regime administrativo e fiscal das áreas
metropolitanas. Desta forma, a legislação atual não poderia ter revogado o
diploma, considerado instrumento legítimo para organizar as áreas
metropolitanas. Como o Tribunal Constitucional ainda não proferiu uma decisão
a respeito, comentaremos a lei que está em seu pleno vigor.
Segundo o art.319 da Constituição Política (c/c art.2º da Lei nº1.625),as
áreas metropolitanas são entidades administrativas de direito público, dotadas
de autonomia administrativa e patrimônio próprio, formadas por um conjunto de
dois ou mais municípios integrados em torno de um município do núcleo,
relacionados por vínculos interterritoriais, ambientais, econômicos, sociais,
demográficos, culturais e tecnológicos com o intuito de promover o
desenvolvimento sustentável e a administração coordenada do ordenamento
territorial e da prestação racional de serviços públicos.
As entidades administrativas metropolitanas, conforme estabelece a
Constituição colombiana, não pertencem à organização estatal, não são
autônomas politicamente, embora Juan Carlos Covilla Martinez592esclareça que
as entidades administrativas metropolitanas não deixam de executar sua
própria administração, com base nas atribuições que lhe são conferidas.
A área metropolitana exerce sua jurisdição sobre o território dos
municípios integrantes, cuja sede será o município núcleo da área, segundo a
lei, a capital da província. Na hipótese de vários municípios serem
considerados a capital do departamento, o município núcleo será aquele que
em primeiro lugar tiver a maior categoria, de acordo com a Lei nº 617/2000.
591
Articulo 1°. Objeto de la ley. La presente ley tiene por objeto dictar normas orgánicas para dotar a las Áreas Metropolitanas de un régimen político, administrativo y fiscal, que dentro de la autonomía reconocida por la Constitución Política y la ley, sirva de instrumento de gestión para cumplir con sus funciones. La presente ley, deroga la Ley 128 de 1994 y articula la normatividad relativa a las Áreas Metropolitanas con las disposiciones contenidas en las Leyes 388 de 1997, 1454 de 2011, 1469 de 2011 y sus decretos reglamentarios, entre otras. 592
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.93, nota de rodapé nº12.
252
As decisões da entidade administrativa prevalecem sobre as decisões
municipais, sem com isto acarretar a redução da autonomia municipal. O
Conselho de Estado da Colômbia entende que, na hipótese do Município não
pertencer a uma área metropolitana, será dotado de ampla autonomia. Por
outro lado, se pertencer à zona metropolitana, pelo fato das decisões
transcenderem a esfera municipal, as decisões do órgão metropolitano deverão
predominar, sem com isto violar a autonomia municipal593.
Segundo os arts.6º e 7º da Lei nº 1.625/2013, as áreas metropolitanas
são competentes, por exemplo, para coordenar o desenvolvimento sustentável
de forma integrada entre os municípios participantes da área, para racionalizar
a prestação de serviços públicos pelos municípios que a compõem, execução
de infraestrutura rodoviária e projetos de interesse social na região
metropolitana; fixar diretrizes para a gestão do território dos municípios que
compõem as áreas para integrá-los em relação aos planos de gestão territorial,
elaborar e aprovar o Plano de Desenvolvimento Metropolitano, o de
ordenamento territorial e coordenar o desenvolvimento de políticas de
mobilidade urbana e habitacional metropolitana.
De acordo com a Constituição e a Lei, a hipótese normativa exige fatos
metropolitanos (art.10 da recente lei aprovada em 2013) para instituir área
metropolitana. Diante disso, questionamos: no sistema colombiano, quem será
o responsável pela avaliação da existência do fato metropolitano?
Juan Carlos Covilla Martinez594 nos responde invocando a decisão do
Contencioso Administrativo de 11/9/2003, tomada por ocasião da criação da
área metropolitana de Cartagena. Foi conferida exclusivamente às autoridades
administrativas – compostas pelo Alcalde (espécie de Prefeito) e pelos
concejales (espécie de Conselhos595) bem como aos cidadãos que integram o
colégio eleitoral dos municípios envolvidos – a avaliação dos resquisitos
urbanísticos da lei, afastando completamente a participação de órgãos
técnicos, como os Institutos de Geografia, por exemplo.
593
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.94. 594
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.96. 595
Consejo = Conselho, tribunal, corpo diretivo, corpo coletivo superior. (GARCIA, Hamílcar de. Dicionário Português Espanhol; Espanhol Português. São Paulo: Globo,1998.) Pode ser equiparado às Câmaras Legislativas Municipais ou Conselhos Municipais, no âmbito do Direito Brasileiro.
253
A orientação permanece em vigor nos arts. 7º, a, c/c 8º, ao dispor que as
áreas metropolitanas são responsáveis pela identificação dos fatos
metropolitanos, por meio dos alcaldes, de 1/3 dos conselheiros municipais, 5%
dos cidadãos integrantes das áreas e governadores dos Departamentos ao
qual pertençam os municípios da área metropolitana.
O fato metropolitano é mais amplo que o fenômeno da conurbação
descrito na legislação brasileira. De acordo com o art.11 são avaliados pela
abrangência territorial, eficiência econômica, capacidade financeira, técnica e
de organização político-administrativa.
E como são criadas as áreas metropolitanas? De acordo com o art. 8º
da Lei nº 1.625/2013, é necessário que dois ou mais municípios apresentem
características de fato metropolitano, isto é, que sejam integrados ao redor de
um município núcleo em razão de relações físicas, econômicas e sociais. Além
do suporte fático, a lei prevê formalidades para a sua criação. São autoridades
competentes para criar áreas metropolitanas os prefeitos dos municípios
interessados (alcaldes), um terço dos vereadores (conselheiros) dos municípios
envolvidos (Consejales), 5% dos cidadãos que compõem o colégio eleitoral dos
Municípios e o governador ou governadores dos departamentos aos quais
pertencem os municípios integrantes da área.
Na hipótese da inclusão de um novo município em área metropolitana
(§3º do art. 8º), a lei conferiu a iniciativa aos prefeitos dos munícípios anexados
(alcaldes), ao presidente dos Conselhos Municipais (legislativo local), a 1/3 dos
Conselheiros (legisladores locais) ou de 5% dos cidadãos que integram o
censo eleitoral dos municípios. Sua aprovação será por maioria de votos em
cada um dos municípios vizinhos interessados em anexação, através da
participação de pelo menos 5% da população registrada no eleitorado.
Qualquer um dos legitimados para criar área metropolitana terá o dever
de elaborar um projeto apontando os municípios que integram o fato
metropolitano e as razões que justificam a criação da área metropolitana.
O projeto será entregue à Secretaria Nacional de Estado Civil, para que
em 10 dias úteis, a partir do recebimento, o órgão verifique os legitimados, os
municípios integrantes e as razões que justificam a criação da área
metropolitana. Na sequência, a Secretaria Nacional deverá convocar o
254
referendo cujos meios para organizá-lo serão oferecidos pelo Cartório de
Registro Nacional de Estado Civil.
A data para realizar o referendo não poderá ser inferior a três nem
superior a cinco meses a partir da chamada deflagrada e será publicada no site
da Secretaria Nacional de Estado Civil. Durante este período, a data do
referendo596 será divulgada periodicamente pelos meios de comunicação que
tiverem maior impacto sobre os municípios envolvidos.
O projeto de criação será aprovado quando a maioria dos votos de cada
município for favorável à proposta e a participação cidadã atingir, pelo menos,
um quarto da população registrada no eleitorado de cada um dos municípios
envolvidos.
Em seguida à realização do referendo popular, os responsáveis pela
iniciativa do projeto de criação da área metropolitana ou da anexação de
municípios em relação à área existente, encaminharão o projeto de lei para o
acompanhamento da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Os órgãos
do Poder Legislativo avaliarão em até um mês os aspectos de relevância e
oportunidade para constituir uma região metropolitana ou acrescentar um ou
mais municípios às áreas integrantes597.
Na sequência, os prefeitos de cada município no qual o projeto foi
aprovado e os presidentes de câmaras municipais deverão protocolar o projeto
de criação no Cartório de Registro Nacional de Estado Civil do município
núcleo da região, quando se tratar de formação ou adesão de área já existente,
em até 30 dias.
Segundo o art.4º da Lei nº 1.625/2013 o ato administrativo que forma
uma área metropolitana será regra obrigatória para o qual será regido cada
conselho ao aprovar o orçamento anual.
596
Vale ressaltar que na Colômbia o referendo não se confunde com os sentidos de consulta popular, plebiscito e referendo, disciplinados pela legislação brasileira (Lei Federal nº 9.709/1998). Enquanto no Brasil, o referendo é convocado posteriormente a realização de ato legislativou ou administrativo, no sentido de ratificar ou rejeitar a medida (art. 2º, §1º) na Colômbia o referendo é consulta feita para aprovar ou rejeitar propostas (projetos) de lei, podendo ser de âmbito nacional, regional, departamental, distrital, municipal ou local (art. 3º, § único da Lei 134/1994). 597
Foi proposta em 13/6/2013 “Acción Pública de Inconstitucionalidade” em relação ao art. 8º da Lei 1625/2013. De acordo com o dispositivo legal, após o registro do projeto no Cartório de Registo Nacional de Estado Civil, os responsáveis pelo envio do projeto remeterão seu conteúdo para análise da Comissão Especial do Senado e da Câmara dos Deputados que tratam de assuntos de Descentralização e Ordenamento Territorial. A ação questiona a constitucionalidade do dispositivo face ao art. 287 da Constituição que consagra a autonomia para gestão dos próprios interesses por parte das entidades municipais. O Tribunal Constitucional ainda não se manifestou sobre o assunto.
255
Ressaltamos que a legislação prevê (art.11, §1º) a sanção de demissão
para as autoridades que dificultarem o registro das novas áreas metropolitanas
e a incorporação de novos municípios às áreas existentes.
Por isso, embora a lei não preveja a forma de dissolução da área
metropolitana ou a retirada de determinado município, Juan Carlos Covilla598
sustenta que esta hipótese poderá constar nos Estatutos registrados. Se não
constar, pelo princípio do paralelismo da forma, uma nova consulta popular
será convocada para tratar da extinção da área, uma vez que é requisito
necessário para criá-la.
3.5.3 Comparação entre as Regiões Metropolitanas do Brasil, Colômbia e Espanha
Ao tratarmos das regiões metropolitanas à luz da realidade espanhola e
colombiana, comentamos a forma de Estado de cada um para verificarmos
suas distinções em relação ao modelo federalista brasileiro.
Ao contrário das regiões metropolitanas brasileiras – que não são
entidades políticas com base no modelo federalista – as áreas metropolitanas
espanholas e colombianas são criadas no modelo de Estado unitário, que
conta com a descentralização legislativa e administrativa limitada, ora nas
comunidades autônomas ora nas entidades territoriais. Assim, os Estados
apesar de serem unitários, admitem modernamente, descentralização limitada,
exercida por meio de um forte controle dos órgãos centrais do Estado.
As regiões metropolitanas espanholas são criadas pelas comunidades
autônomas, com base nas diretrizes centrais e gerais do Estado central. Sua
criação e extinção decorrem de lei, expedida no exercício de competência
discricionária. A criação das regiões exige o preenchimento de requisitos
técnicos, entre os quais a existência de conurbação, a superação dos limites
administrativos municipais e relações sociais e econômicas imbricadas entre as
populações das cidades envolvidas.
Lembramos que os fenômenos da conurbação e da superação dos
limites administrativos do Município também integram os requisitos materiais da
criação das regiões metropolitanas brasileiras. Com relação ao último item, a
598
MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.105.
256
legislação brasileira também o adota ao mencioná-lo na constituição de
agrupamentos entre municípios limítrofes (art. 25,§3º da Constituição Federal).
Nos três países, as áreas metropolitanas (regiões metropolitanas), do
ponto de vista administrativo, são entidades administrativas de direito público,
formadas por dois ou mais municípios integrados em torno de um município do
núcleo, relacionados por vínculos interterritoriais, ambientais, econômicos,
sociais, demográficos, culturais e tecnológicos com o objetivo de promover o
desenvolvimento sustentável e a administração coordenada do ordenamento
territorial e da prestação racional de serviços públicos.
Independentemente da forma de Estado que a entidade administrativa
(região metropolitana) venha a ser criada, de uma maneira ou de outra, não
será dotada de autonomia política.
Na Colômbia, por exemplo, as entidades administrativas (gênero que
pertence às áreas metropolitanas) diferem das entidades territoriais (art.286 da
Constituição Política), pois não pertencem à organização estatal, nem exercem
autonomia política. No entanto, as entidades administrativas, embora distintas
das territoriais, não deixam de exercer autoridade nem suas próprias
competências. A área metropolitana exerce sua jurisdição sobre o território dos
municípios integrantes, cuja sede será o município núcleo da área.
Em regra, as áreas metropolitanas surgem a partir da identificação do
fato metropolitano, mais amplo que a conurbação e que apresenta os critérios
de abrangência territorial entre dois ou mais municípios, eficiência econômica,
capacidade financeira, técnica e de organização político-administrativa.
As áreas metropolitanas na Colômbia são criadas a partir da iniciativa
dos representantes dos Poderes Executivo e Legislativo do Departamento e
dos Municípios que integram a região e a partir da realização de referendo. O
projeto de lei é submetido ao legislativo nacional para que no exercício de
conveniência e oportunidadeseja criada a área metropolitana. O ato
responsável pela criação é administrativo, embora seja normativo em relação
aos municípios que compõem a área.
Ao compararmos com a realidade jurídica brasileira, temos que, mesmo
distintas, as formas de Estado onde as regiões serão formadas – Estado
unitário (Colômbia e Espanha) e Federação (Brasil) – alguns componentes são
semelhantes. Na Espanha as áreas metropolitanas são criadas por
257
comunidades autônomas, dotadas de parcial autonomia política, assim como
as entidades municipais e departamentais na Colômbia, denominadas
entidades territoriais. Elas contam com certa descentralização, embora
submetidas ao regime de criação determinado pelos órgãos do Estado Central.
No Brasil, em razão do modelo federalista, o Estado (entidade autônoma
politicamente) é o responsável por editar a lei complementar que criará a
Região Metropolitana, a partir de critérios técnicos definidos pela Constituição
do Estado e leis complementares.
Todas as leis exigem o cumprimento de requisitos de análise técnica
para a criação das regiões, denominado conurbação, independentemente do
tipo de Estado no qual a região irá surgir. Ao lado da apreciação técnica
obrigatória para criar região em cada país, em alguns casos, como no
colombiano, há intensa participação popular e das entidades territoriais
(municípios) que a integrarão, por meio de referendo. Esta realidade não é
admitida no Brasil, em função do vínculo compulsório que une os entes da
região.
Por outro lado, na Espanha a realidade é criada pela legislação da
comunidade autônoma, baseada nas diretrizes do órgão central, sem
participação popular.
Em todos os países a realidade metropolitana torna-se jurídica a partir
de instrumentos legais que contam com a participação de órgãos legislativos,
decidindo instituir ou não a região metropolitana, a partir de critérios de
conveniência e oportunidade.
No Brasil, a discricionariedade legislativa (art.25,§3º), exercida pelo
Estado é vinculada. O Estado poderá gerir o interesse regional metropolitano
de forma isolada ou compartilhada com os demais municípios. Nesta última
hipótese, deverá exercer competência vinculada para criar a região,
observando os requisitos formais, materiais e de conteúdo previstos na
legislação.
Na Espanha e na Colômbia o legislador responsável pela criação das
entidades também exerce competência discricionária. Caberá, no primeiro
caso, ao legislador das comunidades autônomas verificar se é melhor para o
interesse local administrar os problemas metropolitanos por meio da gestão por
áreas ou até mesmo por consórcios. No segundo, o juízo de conveniência e
258
oportunidade ficará a cargo do legislador da entidade central do país. Porém,
em ambos, deverão respeitar os requisitos técnicos para criar a região, o que
revela o exercício de competência vinculada.
259
4 ADMINISTRAÇÃO DAS REGIÕES METROPOLITANAS
Identificamos na doutrina várias denominações para designar a função
de gerir o interesse metropolitano: governança, governabilidade, sistemas de
governo ou de Administração Metropolitana.
Adotaremos nesta tese a expressão Administração Metropolitana e
abandonaremos o termo gestão, por restringir a atividade administrativa
exclusivamente à execução dos comandos da lei, desconsiderando que o
sistema de administração das regiões metropolitanas pressupõe a elaboração
por parte do governo do Estado, através dos Poderes Legislativo e Executivo
de políticas públicas, consubstanciadas em planos estatais.
Também não adotaremos governo, governabilidade, por não ser objeto
da tese a compreensão dos aspectos da ciência política que procuram
identificar o grau de interação entre as políticas formuladas com aquilo que é
captado pela sociedade civil ou até mesmo que incrementa o desenvolvimento
econômico da região.
Nosso foco é a análise jurídica do fenômeno metropolitano. Assim,
adotamos a terminologia ampla ‘administração pública’ que revela o exercício
de funções políticas e administrativas, formuladas conjuntamente pela
Administração Pública e Poder Legislativo e executadas pelo Poder Executivo,
com o propósito de tutelar o interesse público. Trata-se da definição de
determinada política, por meio de planos e leis propostos pelo Poder Executivo,
que serão aprovados pelo Poder Legislativo e executados no exerício da
função administrativa.
Quanto ao termo ‘regime jurídico’ do Plano Diretor Metropolitano, temos
o termo ‘regime’, de acordo com o Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa599, que tem ligação com a noção de regimento. O mesmo dicionário
traz regimento como conjunto de normas que regem, regulamentam
determinada instituição.
Ao estudarmos o conjunto de normas jurídicas que regulamentam o
Plano Diretor Metropolitano, devemos identificar os princípios e regras jurídicas
599
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.147.
260
que disciplinam a administração do interesse metropolitano, definir o ente
político competente para exercer as funções legislativas e administrativas
referentes às funções públicas de interesse comum.
Caberá ao Estado, por meio das Assembleias Legislativas e autarquias
estaduais, compostas por Conselhos Deliberativos, exercer suas competências
para administrar as funções comuns.
Analisaremos as várias tipologias de administração do interesse
metropolitano através de um breve estudo comparado em relação aos modelos
empregados em outros países, sobretudo, Colômbia e Espanha para
verificarmos as formas de administração admitidas pelo ordenamento jurídico
brasileiro.
Admitiremos apenas a administração das regiões metropolitanas de
forma institucionalizada por vínculos compulsórios (art.25, §3° da Constituição
Federal), descartando os arranjos consorciais (art. 241 da Constituição
Federal). Por meio desta opção, verificaremos que a elaboração e a
implementação do Plano Diretor Metropolitano será fruto de arranjos
institucionais.
4.1 Modelos de administração metropolitana600
As diversas tipologias da administração metropolitana variam em função
da forma de Estado adotada por determinado país, seja ele unitário ou
federativo. As distinções consideram maior ou menor autonomia dos entes
políticos locais e regionais e suas relações com os poderes nacionais.
Para sistematizá-las, mencionaremos a classificação adotada por
Christian Lefévre601 que compreende duas grandes tipologias e algumas
subdivisões. São elas os modelos institucional e não institucional.
A classificação escolhida tem o propósito de sistematizar modelos de
Administração Metropolitana utilizados por vários países, independente das
600
A terminologia governo metropolitano, até este item, é estendida apenas para as Regiões Metropolitanas, uma vez que as figuras jurídicas aglomerações urbanas e microrregiões são criações da Constituição Federal de 1988 e não foram elaboradas internacionalmente. Quando tratarmos dos modelos adotados no Brasil, estas figuras regionais serão incluídas. 601
LEFÉVRE, Christian.Governabilidad democrática de las áreas metropolitanas. Experiências y lecciones internacionales para las ciudades lationamericanas. Gobernar las metropolis.ROJAS, Eduardo; CUADRADO-ROURA, Juan R.; GUELL, José Miguel Fernández. Banco Interamericano de Desarrollo (BID). Washington DC, 2005, p.198.
261
formas de Estado adotadas, comparar e analisar os modelos administrativos
mencionados. Passemos aos modelos, apresentados inicialmente em um
quadro sinótico e, posteriormente, detalhados.
A) Modelo Institucional
A.1) Arranjos (ajustes) supramunicipais
A.2) Arranjos (ajustes) intermunicipais
A.2.1) Autoridades conjuntas intermunicipais com sentido metropolitano
A.2.2) Autoridades conjuntas intermunicipais “inframetropolitanas”
A.2.3) Autoridades conjuntas intermunicipais monossetoriais:
B) Governança Metropolitana não institucional
B.1) Coordenação das estruturas existentes
B.2) Formalização de acordos
A) Modelo Institucional
Envolve a criação de um novo escalão de governo, independentemente
das unidades locais. É denominado “modelo metropolitano” e nele admite-se
alternativamente constituir arranjos intermunicipais, citar uma instituição que
não é como um novo escalão de governo e que depende, para seu
funcionamento e financiamento, das unidades de governo, normalmente dos
municípios.
É importante neste modelo a escolha das autoridades governantes
mediante eleições diretas e com legitimidade funcional. É preciso obter
recursos financeiros próprios e dispor de profissionais para planejar e executar
políticas para garantir substancial autonomia em relação aos governos
superiores e aos poderes locais.
A.1) Arranjos supramunicipais
É a criação de um novo escalão de governo, independente das unidades
de governo locais existentes. É um modelo mais desenvolvido que os arranjos
institucionais e reúne cinco características: a) escolha das autoridades
262
metropolitanas por meio de eleições, o que confere legitimidade ao exercício do
poder; b) o território onde incide as determinações da área equipara-se ao
território das funções metropolitanas (lixo, planejamento, transporte e outros);
c) presença de recursos próprios; d) atribuição de competências próprias; e)
quadro de pessoal autônomo para elaborar e executar as políticas públicas na
área.
Christian Lefévre602 explica que, em geral a reunião de todas as
características cria um modelo ideal que admite uma variedade de formas,
impossível de sintetizar. Cada um dos países adota um conjunto de elementos,
que particulariza o seu perfil. Destacaremos como exemplo a nova autoridade
metropolitana de Londres denominada Greater London Authority (GLA), criada
em 2000, em substituição a Greater London Council, extinta em 1986. É
dirigida por um prefeito eleito diretamente, cujas atividades são
supervisionadas pela Assembleia de Londres, composta por 25 representantes
da população, 11 deles eleitos diretamente e 14 escolhidos de forma indireta,
por meio da indicação de setores representativos da sociedade. Sob a égide do
GLA estão os 32 municípios que integram a autoridade metropolitana e a City
of London Corporation.
A GLA é assistida por quatro agências setoriais (Transporte,
Desenvolvimento Econômico, Polícia, Fogo e Emergência) todas sob controle
do prefeito.
A autoridade exerce funções relativas ao desenvolvimento econômico,
planejamento ambiental e ações ligadas aos serviços de saúde. No que tange
ao transporte, a dimensão operativa foi transferida para o prefeito que preside a
Companhia de Transportes Londres (Transport for London), a principal
companhia de transportes públicos da área de Londres.
Contudo, a autonomia da GLA em relação à autoridade metropolitana
anterior foi restringida sensivelmente, pois suas atividades e seu orçamento
são controlados pelo governo nacional. A entidade não tem recursos fiscais
próprios, com exceção da taxa sobre o congestionamento, e conta com o
auxílio de subsídios domésticos e financimento de municípios.
602
LEFÉVRE, Christian. Governabilidad democrática de las áreas metropolitanas. Experiências y lecciones internacionales para las ciudades lationamericanas. Gobernar las metropolis.ROJAS, Eduardo; CUADRADO-ROURA, Juan R.; GUELL, José Miguel Fernández. Banco Interamericano de Desarrollo (BID). Washington DC, 2005, p.198.
263
A.2 Arranjos intermunicipais
Não implica criar um novo nível de governo que depende das unidades
participantes (geralmente municípios) para financiar e executar ações. É um
modelo baseado em cooperação obrigatória ou voluntária entre os municípios
da região metropolitana. Os arranjos são diversificados, o que permite uma
sistematização simplificada das formas de arranjos que surgirão, dependendo
do grau e natureza da cooperação entre os governos locais. Indicamos três
categorias de ajustes intermunicipais, conforme descrevemos a seguir.
A.2.1 Autoridades conjuntas intermunicipais com sentido metropolitano
São arranjos mais completos, porém mais limitativos para exercer
competências municipais. Se aproximam do modelo de governo metropolitano,
exceto pelo fato dos integrantes que as administra não serem eleitos
diretamente. Tem capacidade para obter recursos financeiros e exercer
competências relevantes para planejar e executar políticas e ações.
Citemos como exemplo as communautés urbaines e as communautés
d´aglomération na França, responsáveis pela administração de quase todas as
150 áreas urbanas. As communautés urbaines compreendem áreas com
população superior a 500 mil habitantes e as communautés d´aglomeration
administram comunidades com população entre 50 mil e 500 mil habitantes.
São dirigidas por conselhos eleitos indiretamente, uma vez que seus membros
são representantes dos municípios. Nelas a cooperação é obrigatória. São
responsáveis por funções relevantes como o transporte público, meio
ambiente, habitação social, planejamento, desenvolvimento econômico, esgoto,
coleta do lixo e cultura. As atividades são financiadas por impostos e
transferências do governo central e dos municípios.
A.2.2 Autoridades comuns “inframetropolitanas”
A peculiaridade deste ajuste está no fato da cooperação intermunicipal
ocorrer apenas em uma parte da área metropolitana. Abrange vários setores de
264
competência, embora apresente diversidade com relação às funções
delegadas e financiamentos. Dois exemplos demonstram variedade do modelo:
as experiências italiana e brasileira as quais detalharemos a seguir,
separadamente:
A.2.2.1 Experiência italiana
A Agência de Desenvolvimento do Norte de Milão (ASNM), associação
criada em 1996 para transformar a economia e o desenvolvimento social do
norte de Milão, surgiu de um acordo voluntário e abrange quatro municípios,
com cerca de 300 mil habitantes cada um deles (a área metropolitana tem
cerca de 4 milhões de pessoas).
Regida por um Conselho de representantes dos quatro municípios, da
província de Milão e da câmara de comércio (que na Itália é considerada uma
"autoridade funcional local") é dirigida pelo prefeito da maior cidade integrante
da região metropolitana.
Quando foi constituída, o ASNM contava apenas com algumas funções,
particularmente a regeneração urbana da área. Mas, posteriormente, novas
responsabilidades como o planejamento estratégico foram incorporadas. As
funções podem ser delegadas ou removidas dos municípios, livremente.
O ASNM não tem recursos próprios e seu financiamento advém
principalmente dos quatro municípios e subsídios provinciais, da região, do
Estado e da União Europeia.
A.2.2.2 Experiência brasileira
Christian Lefévre destacou o exemplo do Consórcio Intermunicipal do
Grande ABC, criado em 1990, como experiência brasileira603.
Em 1992, foi instituído o Consórcio Intermunicipal do ABC, pessoa
jurídica de direito privado, composta pelos sete prefeitos dos municípios
envolvidos, reunidos estrategicamente em torno da questão ambiental da
disposição dos resíduos sólidos e para discutir temas de interesse regional.
603
NEGRELOS, Eulália Portela. Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos. Limites do ente federativo municipal. Cadernos Metrópole nº22,v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.545-570.
265
Em março de 1997, foi instalada a Câmara Regional do Grande ABC,
com a participação do governo do Estado, dos sete prefeitos, representantes
das classes trabalhadora e empresarial, entidades que reúnem associações e
de caráter urbano e regional para elaborar e implementar o “projeto estratégico
de desenvolvimento da região”.
Em seguida, foi criada, em 1998, a Agência de Desenvolvimento
Econômico do ABC, cuja competência era também produzir e divulgar a base
atualizada de dados e de análises científicas do panorama socioeconômico da
região do ABC. Esse conjunto de iniciativas embasou uma nova estrutura de
administração aplicada ao ABC.
A Lei Federal nº 11.107/2005, regulamentadora dos consórcios públicos
(art.241 da Constituição Federal) transformou o consórcio em autarquia, em 8
de fevereiro de 2010604 , pessoa jurídica de direito público, integrante da
administração indireta dos municípios consorciados, com legitimidade para
planejar e executar ações de políticas públicas de âmbito regional.
A entidade passou a ser o primeiro consórcio multisetorial de direito
público e natureza autárquica do país. Nesta data, os prefeitos dos sete
municípios instalaram a Assembleia Geral nos mesmos moldes do Contrato de
Consórcio Público.
A autarquia recebeu atribuições para firmar acordos entre as
administrações e abrir processos de licitação para obras em prol dos sete
municípios, receber recursos das esferas federal e estadual, e de organismos
internacionais para viabilizar os projetos regionais dos Grupos de Trabalho do
Consórcio Público.
O Consórcio é mantido com recursos dos municípios, de acordo com
suas receitas orçamentárias. As atividades são realizadas a partir de diretrizes
emanadas da Assembleia, órgão soberano constituído pelos sete prefeitos
consorciados, que se reúnem mensalmente ou em caráter extraordinário. É a
Assembleia que elege anualmente o presidente e o vice-presidente.
Compete à Secretaria Executiva encaminhar as deliberações com o
auxílio de uma equipe técnica, assistentes e dos Grupos de Trabalho (GTs).
604
NEGRELOS, Eulália Portela. Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos. Limites do ente federativo municipal. Cadernos Metrópole nº22,v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.545-570.
266
Determina o Estatuto da Autarquia que são finalidades específicas do
Consórcio (art.4º), atuar como gestor, articulador, planejador ou executor, por
exemplo, das áreas de infraestrutura, desenvolvimento econômico e regional,
desenvolvimento urbano e gestão ambiental e saúde605.
A.2.3 Autoridades conjuntas intermunicipais monossetoriais (potencialmente multisetoriais)
São compostas pelo agrupamento de diferentes níveis de governo e
cobrem a área metropolitana por áreas de atuação. Tratam de setores
específicos de interesse entre os envolvidos.
Destacamos como exemplo as associações na Espanha (consórcios
metropolitanos setoriais ) e o trânsito na federação alemã.
As federações de tráfegos alemães ou Verkehrsverbund (VV) estão em
quase todas as principais áreas urbanas da Alemanha. São organismos
complexos, pois congregam o município central (denominado Kreis) com o
Estado. Suas principais funções são planejamento e gestão do tráfego de
transportes públicos nas áreas urbanas. Cuidam do sistema de estacionamento
e estão envolvidas no planejamento do uso da terra em áreas urbanas,
desfrutando de poderes para expedir licenças de construção ou para rejeitar
assentamentos excessivamente dispendiosos para cobrir os transportes
públicos.
Os modelos descritos não são excludentes entre si. Encontramos várias
combinações nas áreas metropolitanas, como os modelos supramunicipais e
monosetoriais. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, há
incidência de modelos supramunicipais e autoridades inframetropolitanas.
B) Governo metropolitano não institucional
Trata-se do modelo de governança que envolve coordenação política
entre os vários setores, formalizadas por meio de acordos, dos quais
destacamos duas categorias.
605
Versão integral do estatuto. Disponível em: http://www.consorcioabc.sp.gov.br. Acesso em: 10 jun.2013.
267
A primeira refere-se aos acordos de coordenação de estruturas já
existentes. Este tipo de arranjo ocorre em áreas metropolitanas que não
contam com instituições urbanas, mas com estruturas já existentes, como por
exemplo, órgãos mono ou multissetorial, mas inframetropolitanos.
Os organismos não podem gerenciar as áreas urbanas, pois sua
jurisdição é pequena e restrita a um único setor. Assim, por meio de acordos,
firmam cooperação mais ampla. Foi o caso da gestão metropolitana em
Londres, durante grande parte das décadas de 80/90, quando os modelos de
organização supramunicipal tinham sido extintos.
Desde meados de 1980, cidades britânicas com o intuito de compensar
os problemas de fragmentação na área metropolitana, criaram as "associações
de ordem superior", associações de parcerias público-privadas (APP), que
visavam coordenar um nível mais amplo: o campo da regeneração econômica
e o planejamento. Citemos o exemplo de Birmingham, que em 2002 criou a
Comunidade Birmingham Estratégia de Parceria (BCSP) que apresentou um
plano estratégico para a cidade e reuniu a área mais notável de Birmingham.
Seus membros eram a própria cidade, a Câmara de Comércio, algumas
associações empresariais, instituições de caridade ou trabalho voluntário.
A segunda categoria, por sua vez, refere-se à formalização de acordos
que contribuam para a cooperação dos atores públicos e de coordenação
política. Estes mecanismos são, em geral, "monossetoriais"pois estão limitados
a um objeto ou propósito específico (financiamento da infraestrutura, por
exemplo). Seu funcionamento e desenvolvimento dependem da vontade
política de órgãos públicos, o que pode causar certa instabilidade, dependendo
de fatores como continuidade político-partidária. É o caso dos Accordi di
programma, na Itália, também denominados contratos de programa.
Para facilitar a cooperação entre as autoridades públicas e o setor
privado, a Itália desenvolveu, desde o ano 2000, um conjunto de instrumentos,
como os contratos- programas que podem ser utilizados para grandes projetos
de infraestrutura de importância local, como por exemplo, metrô, feiras
internacionais, aeroportos, estações ferroviárias e é celebrado em várias fases.
A primeira delas, uma reunião geral com a participação do prefeito, presidente
da província ou da região; em seguida, os atores deliberam sobre o
financiamento e a construção do projeto, culminando com a aprovação do
268
compromisso pelo Conselho Regional e posterior conversão em lei. Se um dos
atores envolvidos não realizar o acordo, sofrerá sanções.
4.2 Perfil da administração metropolitana no Brasil
Do ponto de vista da administração metropolitana, quais os modelos
adotados no Brasil a partir da sistematização elaborada por Christian Lefévre?
A resposta partirá, dentre outras obras, das considerações de Sol
Garson606 sobre a evolução histórica dos modelos de administração
metropolitana no Brasil.
Antes das discussões metropolitanas surgirem no ordenamento jurídico
brasileiro, Maria Paula Dallari Bucci607explicava que o debate sobre o
compartilhamento de serviços públicos entre entes federados é antigo e
remonta aos primeiros delineamentos da proposta de criação das Regiões
Metropolitanas. O art. 29 da Constituição de 1937 já previa o agrupamento de
municípios para administrar serviços comuns, sem a rubrica de “Regiões
Metropolitanas”.
No entanto, o dispositivo constitucional não foi implementado. Os
debates metropolitanos começaram em 1960 com a aceleração do processo de
urbanização no país e a discussão sobre problemas urbanos relacionados às
práticas de gestão, ou seja, planos e programas que dessem conta dos
problemas criados pelo deslocamento acelerado de pessoas em busca das
áreas de maior dinamismo, como, por exemplo, as regiões metropolitanas.
Em 1963, o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e o Instituto de
Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE) apresentaram ao
final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana, a criação de órgãos que
administrassem, de forma consorciada, os problemas comuns dos municípios.
No mesmo contexto, outras iniciativas surgiram baseadas na ideia de
administração consorciada. Os Municípios de Porto Alegre e Belém
promoveram a articulação com o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
(SERFHAU) para o planejamento metropolitano. Por sua vez, o Rio de Janeiro,
606
GARSON, Sol. Regiões metropolitanas: por que não cooperam? Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópolis: Belo Horizonte, MG: PUC, 2009, p.99. 607
BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão associada de serviços públicos e regiões metropolitanas. In: Estudos em Homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
269
por conter municípios integrantes de regiões metropolitanas em dois Estados
(Guanabara e Rio de Janeiro), provocou a iniciativa do Governo Federal para
criar o Grupo de Estudos da Área Metropolitana (GERMET).
Em 1964, a ação na área urbana, coordenada pelo governo federal foi
inserida, do ponto de vista do planejamento regional, em um contexto mais
amplo direcionado para o desenvolvimento econômico. Deste modo, no âmbito
do Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, foi criado o
Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada (EPEA), posteriormente
denominado IPEA.
No ano de 1967, a área de Desenvolvimento Regional e Social ganhou
um núcleo dedicado aos estudos urbanos. A ação é executada através de
políticas setoriais operadas por empresas públicas, subordinadas a distintos
ministérios, com garantia de recursos e agilidade em sua alocação, como o
Banco Nacional de Habitação (BNH).
Já na década de 1960, por ocasião da criação do IPEA pelo governo
federal pensamentos sobre gestão consorciada e metropolitana eram
intensificados. Isto porque foi constatado que as aglomerações urbanas, em
razão da intensa urbanização, formadas em torno da grande cidade por meio
de núcleos urbanos apontavam para problemas envolvendo transportes
deficientes, ausência de moradia e grande contingente de fluxo migratório. Os
limites das jurisdições políticas municipais não eram mais suficientes e
coincidentes com as áreas de influência econômica exercida sobre os núcleos
urbanos, que ampliavam suas fronteiras territoriais e a necessidade da
população residente.
Problemas desta ordem não poderiam ser tratados pelos governos locais
de forma isolada, até pela fraca autonomia que eles detinham.
Em razão da importância política e econômica das áreas metropolitanas,
o Direito começou a tratar do assunto por meio do governo federal, buscando
integrar ações entre os Estados e os Municípios envolvidos nas demandas
metropolitanas.
Assim, as regiões metropolitanas foram previstas pela Constituição
Federal de 1967. Neste momento, foi conferida à União a competência para
instituí-las por meio de leis complementares (art.157, §10º da Constituição de
1967). O planejamento e a administração das obras e serviços de interesse
270
comum ficariam a cargo de uma entidade metropolitana, organizada pelo
Estado e dirigida por um Conselho Metropolitano e por uma Diretoria Executiva.
No Conselho, além de representantes dos três níveis de governo, poderiam ter
assento representantes de associações atuantes na região.
A natureza das regiões metropolitanas era apenas de serviços comuns.
Não havia o Estado como titular do interesse metropolitano. O intuito era fazer
os municípios enfrentarem os problemas comuns conjuntamente. Afirma
Edésio Fernandes608 que, nesta época, a “natureza jurídica da região
metropolitana é de associação compulsória de municípios. Os municípios
seriam obrigados a, juntos, resolver problemas comuns. Não se falava em
titularidade ou participação do Estado-membro. A questão era local”.
A Emenda nº 1 da Constituição Federal de 1969 mantém a mesma
natureza da região metropolitana consagrada pela Constituição Federal de
1967.
Em 8 de junho de 1973 a União estabeleceu, por meio da Lei
Complementar nº14, as regras básicas sobre as Regiões Metropolitanas
previstas na Constituição Federal de 1967, o que permitiu a criação das regiões
metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador,
Curitiba, Belém e Fortaleza.
Cada Região Metropolitana teria um Conselho Deliberativo, presidido
pelo governador do Estado, e um Conselho Consultivo, ambos previstos na lei
estadual (art.2º).
Apesar da União criar as Regiões Metropolitanas, a gestão e os custos
dos Conselhos era atribuição do Estado-membro (art.2º, §3º).
Foram atribuídas ao Conselho Deliberativo as funções de elaborar o
Plano de Desenvolvimento integrado da região metropolitana e a programação
dos serviços comuns, a coordenação da execução de programas e projetos de
interesse da região metropolitana, com o objetivo de unificar os serviços
comuns609 sempre que possível.
608
FERNANDES, Edésio. Gestão Metropolitana: Cadernos da Escola Legislativa nº12.v.7.jan-jun.Belo Horizonte, 2004, p. 65-79. 609
Lei complementar 14, Parágrafo único – A unificação da execução dos serviços comuns efetuar-se-á quer pela concessão do serviço a entidade estadual, que pela constituição de empresa de âmbito metropolitano, quer mediante outros processos que, através de convênio, venham a ser estabelecidos.
271
Quanto ao Conselho Consultivo (art.4º) tinha competências para opinar,
por solicitação do Conselho Deliberativo, sobre questões de interesse da região
metropolitana, sugerir a elaboração de planos regionais e a adoção de
providências relativas à execução dos serviços comuns.
O art.5º indicou os serviços comuns de interesse metropolitano que
interessavam aos Municípios integrantes da região. Dentre eles, destacamos o
planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social, o saneamento
básico e o uso do solo metropolitano, além de outros serviços incluídos na área
de competência do Conselho Deliberativo pela lei federal.
Quanto ao financiamento das regiões (art.6º), os Municípios da região
metropolitana que participassem da execução do planejamento integrado e dos
serviços comuns, teriam preferência para obter recursos federais e estaduais,
inclusive sob a forma de financiamentos e de garantias para empréstimos.
Em 1º/7/1974 por ocasião da fusão entre os Estados do Rio de Janeiro e
da Guanabara, foi criada a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A Lei
determinou (art.20) aplicar à Região Metropolitana do Rio, o disposto sobre
conselhos e interesses metropolitanos previstos na Lei Complementar nº 14 de
8/6/1974.
Na realidade, a partir da Constituição Federal de 1988 (art.25, §3º), outro
regime metropolitano foi constituído. A responsabilidade por criar e organizar
regiões foi transferida do governo federal para os Estados. Os municípios
foram reconhecidos membros da federação, entes federados, o que dificultou a
legitimação dos Estados como órgão de coordenação de ações metropolitanas.
A despeito da Constituição Federal prever a criação de tipologias
regionais pelos Estados, o ordenamento jurídico não conta com lei federal
estabelecendo diretrizes mínimas para uniformizar os critérios regionais para
todos os Estados, inclusive quanto à Administração Metropolitana. Deste modo,
cada Estado-membro, através de suas próprias Constituições e Leis
Complementares, ficou responsável pela criação dos regimes jurídicos
administrativos das metrópoles.
Recentemente algumas experiências metropolitanas de Estados da
federação contribuíram para fortalecer os vínculos compulsórios entre os
municípios, aprimorar a organização e o planejamento das funções públicas de
interesse comum.
272
Em 12/1/2006, a Lei Complementar Estadual nº88 de 12/1/2006 instituiu
a gestão e o fundo de desenvolvimento para todas as regiões metropolitanas
do Estado de Minas Gerais. Na mesma data, a Lei Complementar Estadual
nº89 criou a região metropolitana de Belo Horizonte.
Para compor a administração metropolitana, em 12/1/2009, a Lei
Complementar Estadual nº107 criou a Agência de Desenvolvimento da Região
Metropolitana de Belo Horizonte encarregada de promover a gestão
compartilhada de funções públicas de interesse comum junto às cidades da
RMBH, que executarão as determinações do Conselho deliberativo
Metropolitano da Grande Belo Horizonte. Enfatizemos a experiência de
fortalecimento metropolitano no Estado de São Paulo. Até junho de 2011, a Lei
Complementar nº14/1973 não havia sido recepcionada pela atual Constituição,
o que possibilitou a edição da recente Lei Complementar Estadual nº1.139 de
16 de junho de 2011.
A lei estadual levou à criação de estruturas organizacionais como
Conselhos Deliberativo e Consultivo, Câmara Temáticas junto aos Conselhos
Deliberativos e Autarquia.
O Conselho de Desenvolvimento da Região tem caráter normativo e
deliberativo e será integrado à autarquia de gestão da Região, caso seja
criada. É composto pelo prefeito de cada Município, integrante da Região
Metropolitana (ou por pessoa por ele designada) e representantes do Estado
vinculados aos campos funcionais de interesse comum. A lei garante no
Conselho a participação paritária dos Municípios em relação ao Estado quanto
aos votos de deliberação (art.9º, parágrafo único).
Por sua vez, o Conselho Consultivo será regrado pelo Regimento
editado pelo Conselho de Desenvolvimento e composto por representantes da
sociedade civil, dos Poderes Legislativo Estadual e dos Municípios que
integram a Região Metropolitana de São Paulo e dos Poderes Executivo
Municipal e Estadual.
Compete ao Conselho de Desenvolvimento das Regiões Metropolitanas
de São Paulo (art.12) especificar as funções públicas de interesse comum ao
Estado e aos Municípios da Região Metropolitana de São Paulo, como o
planejamento e uso do solo, transporte e sistema viário regional, habitação,
273
saneamento ambiental, meio ambiente, desenvolvimento econômico,
atendimento social e esportes e lazer.
Ao Conselho Consultivo cabe elaborar (art.15) propostas representativas
da sociedade civil, dos Poderes Executivos e Legislativos estaduais e
municipais que integram a Região Metropolitana de São Paulo, a serem
submetidas à deliberação do Conselho de Desenvolvimento, propor ao
Conselho de Desenvolvimento Câmaras Temáticas e Temáticas Especiais
(art.16 desta lei complementar) e opinar, por solicitação do Conselho de
Desenvolvimento, sobre questões de interesse da respectiva sub-região.
Caberá ao Poder Executivo Estadual criar entidade autárquica vinculada
à Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano (se necessário para executar
funções públicas de interesse comum) arrecadar receitas próprias, elaborar
planos e projetos e fiscalizá-los e desapropriar bens de utilidade pública
necessários à realização de funções comuns.
Enfatizamos que a jurisprudência acolheu o modelo de gestão
compartilhada entre os Estados e Municípios da região metropolitana das
funções públicas de interesse comum, por meio do voto-vista de Ricardo
Lewandowski, que orientou o entendimento dos demais ministros na ADIN
1842. Desta forma, os Estados e Municípios deveriam gerir as funções
metropolitanas em uma autarquia territorial composta por órgãos deliberativos
e consultivos que garantam a participação conjunta entre ambos. É
assegurado, por meio destes órgãos, o direito dos Estados e Municípios da
região metropolitana de participarem do processo decisório no plano
intergovernamental.
A despeito da criação de modelos institucionais, em razão das
experiências de São Paulo e Belo Horizonte (denominados modelos
institucionais de gestão metropolitana supramunicipais) desde 2005 foi
introduzido no Direito brasileiro o modelo de autoridades conjuntas
intermunicipais inframetropolitanas chamadas Consórcios Públicos.
Duas correntes abordam a possibilidade de priorizar o governo
metropolitano por consórcios ou mecanismos institucionais (conselhos,
autarquias, agências).
274
Jeroen Johannes Klink610 explica que em razão da reunião do Fórum das
Entidades Metropolitanas, de 11 de novembro de 2008, duas tendências
dicotômicas de modelos de gestão metropolitana foram apresentadas:
Por um lado, uma vertente protagonizada principalmente pelos representantes dos órgãos de planejamento na esfera estadual, que defende um modelo com um viés estadualizado, de acordo com o qual a atribuição principal do planejamento, da gestão e da organização das regiões metropolitanas pertence à esfera estadual. De acordo com essa visão, a lei dos consórcios públicos proporciona, inegavelmente, um fortalecimento institucional e jurídico dos arranjos colaborativos horizontais existentes entre os municípios, mas não pode ser considerado um instrumento que substitui a prerrogativa da esfera estadual na matéria das regiões metropolitanas. A lei também não permitiria a delegação de funções de planejamento para o consórcio, limitando a aplicação desse instrumento ao domínio da execução de serviços de interesse comum. Por fim, os representantes dos órgãos de planejamento estadual receiam que a lei dos consórcios públicos também sirva para o governo federal intensificar cada vez mais o trânsito direto entre os ministérios e as cidades, esvaziando ainda mais as funções de planejamento da esfera estadual. Por outro lado, há uma vertente, que poderíamos rotular de municipalismo regionalizado, de acordo com a qual o consórcio público representa um embrião de um novo modelo institucional para a governança metropolitana. Nessa perspectiva, a flexibilidade e o grau de abertura da nova lei proporcionariam um ambiente favorável à experimentação e à aprendizagem, com novos arranjos mais amplos de colaboração interfederativa, mas sempre impulsionada pela vontade autônoma dos municípios.
Conduzindo a corrente que enfatiza os acordos horizontais por meio de
consórcio público, destacamos Paula Ravanelli Losada611:
O Consórcio é uma estratégia fundamental frente à escassez de recursos financeiros, às diferenciações regionais na capacidade gerencial e fiscal dos entes federados, à profundidade das desigualdades sociais e à natureza cada vez mais complexa dos problemas urbanos e ambientais, que exigem soluções cada vez mais intersetoriais e intergovernamentais [...] Por ela reconhece-se ao estado competência para instituir a região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, cabendo à lei complementar estadual dispor sobre o funcionamento de tais intermunicipalidades; ela não assegura, porém, a participação do estado na gestão das funções públicas de interesse comum. De qualquer forma, independentemente do que venha a ser decidido, é necessário induzir o uso de instrumentos voluntários. Nesse sentido, acreditamos que os consórcios públicos são mais eficazes para uma atuação realmente integrada dos entes federados, desde que os contratos celebrados no
610
KLINK, Jeroen Johannes.Novas Governanças para as áreas metropolitanas. O panorama internacional e as perspectivas para o caso brasileiro. Cadernos Metrópole nº22, v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p. 415-433. 611
O Comitê de Articulação Federativa e o Desafio da Governança Metropolitana no Brasil. Governança das Metrópoles. Conceitos, experiências e perspectivas. Jeroen Klink (org). Anna Blume, 2010. p.285.
275
âmbito da cooperação federativa possuam proteção jurídica adequada.
Dentre outras vantagens de se utilizar os consórcios como instrumento
indutor da governaça metropolitana, citamos a constituição de câmaras ou
conselhos com a participação social. Sobre o tema, explica a autora612:
Nada impede que na estrutura de um consórcio sejam criadas instâncias, inclusive com caráter deliberativo, reproduzindo assim, quando couber, o princípio de gestão democrática das cidades, inclusive da cidade metropolitana. A idéia não é nova. Nos anos 1950 já se falava em uma estrutrura político-administrativa apropriada para as áreas metropolitanas, com uma alternativa para atender aos interesses comuns intermunicipais ou regionais. Vitor Nunes Leal chegou a sugerir a “instituição de entidades especiais, com personalidade jurídica própria, dispondo de autonomia administrativa e financeira”. Para ele, essa forma seria a que melhor poderia conciliar a conveniência da centralização de certos serviços públicos com a autonomia dos municípios, que participariam da composição ou escolha dos quadros dirigentes da organização regional. Com o advento da Lei nº 11.107, de 2005, a idéia de Nunes Leal tornou-se possível.
Sol Garson e Jeroen Johannes Klink defendem a variedade de modelos
de governo metropolitano, ao contrário do modelo único, pautado em vínculos
compulsórios.
Afirma Jeroen Johannes Klink613 que a discussão não tem vencedores,
por ignorar a pluralidade de arranjos colaborativos no âmbito da gestão
metropolitana que pode ser feita por consórcios ou pela instituição de regiões
metropolitanas.
No Brasil, há uma tendência atual de introduzir dois modelos de gestão
metropolitana: os decorrentes dos vínculos compulsórios (art.25, §3ºda
Constituição Federal) e os baseados nas relações voluntárias entre os entes
federativos (União, Estados e Municípios) celebrados por meio de consórcios
públicos (art.241 da Constituição Federal e regulamentados pela Lei nº
11.107/2005 e pelo Decreto nº 6.017/2007).
Assim, investigaremos se esta tendência é permitida pelo nosso
ordenamento jurídico, isto é, se equivale a uma escolha de decisão política
612
LOSADA, Paula Ravanelli. O Comitê de Articulação Federativa e o Desafio da Governança Metropolitana no Brasil. Governança das Metrópoles. Conceitos, experiências e perspectivas. In: KLINK, Jeroen. São Paulo: Anna Blume, 2010, p.285. 613
KLINK, Jeroen Johannes.Novas Governanças para as áreas metropolitanas. O panorama internacional e as perspectivas para o caso brasileiro. Cadernos Metrópole nº22,v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.415-433.
276
discricionária dos entes federativos envolvidos na administração dos interesses
metropolitanos ou se o sistema constitucional impõe condicionamentos legais.
Analisaremos brevemente o regime jurídico dos consórcios públicos
introduzidos pelas legislações regulamentadoras do art. 241 da Constituição
Federal para compararmos como o regime do art. 25, §3º da mesma Carta.
Além disto, apontaremos as contribuições das doutrinas espanhola e
colombiana que admitem utilizar parte das entidades territoriais dos respectivos
Estados, a opção de escolha entre a administração do fenômeno metropolitano
pela definição compulsória das áreas metropolitanas, instituídas pelas
comunidades autônomas e os consórcios metropolitanos integrais. Estes
últimos são qualificados por Francisco Toscano Gil614 como aperfeiçoamento
dos consórcios metropolitanos setoriais disciplinados pela Lei nº 7/1993, de 27
de julho, regulamentadores da demarcação municipal da Andaluzia (LDMA),
parcialmente derrogados pela Lei nº 5/2010, de 11 de junho, que trata da
autonomia local da Andaluzia (Laula).
4.2.1 Breves considerações sobre o regime jurídico dos consórcios públicos brasileiros
O art. 241 da Constituição Federal previu a gestão associada de
serviços públicos entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
por meio de consórcios públicos e convênios. Uma única norma, a Lei Federal
nº 11.107/2005 estabeleceu normas gerais para a constituição dos consórcios
públicos e convênios. Posteriormente, foi editado o Decreto nº 6.017/2007
regulamentador da Lei.
Observa Maria Sylvia Zanella di Pietro615 que antes da Lei nº
11.107/2005 a doutrina considerava o convênio e o consórcio acordos de
vontades para a consecução de fins comuns. O consórcio era utilizado quando
os entes estavam no mesmo nível (entre Municípios ou Estados) e o convênio
quando os entes eram de patamares distintos de governo (União e Municípios,
por exemplo).
614
GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.106. 615
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo.26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.533.
277
No entanto, o art. 1º c/c art. 6º da Lei Federal nº 11.107/2005 modificou
a tradicional natureza jurídica dos institutos ao atribuir ao consórcio público
personalidade jurídica ora de direito público, ora de direito privado. Assim, o
consórcio público adquirirá personalidade jurídica de direito público, na
hipótese de constituir associação pública, mediante a vigência das leis de
ratificação do protocolo de intenções ou pessoa de direito privado, mediante
atendimento dos requisitos da legislação civil.
Deste modo, o art. 2º, I, do Decreto nº 6.017/2007 assim qualifica o
consórcio público:
pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na forma da Lei nº 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos.
Os consórcios públicos são integrados tanto pelos entes do mesmo nível
federativo quanto pelos entes de patamares distintos da federação. Desta
forma, poderão ser constituídos somente por Municípios ou por um Estado e
Municípios com territórios nele contidos, ou entre Estados apenas, Estados e
Distrito Federal ou entre Distrito Federal e Municípios. O art.1º, §2º, da Lei
Federal nº 11.107/2005 restringe a participação da União no consórcio público,
pois determina que este somente participe daqueles nos quais também façam
parte todos os Estados em cujos territórios estejam os Municípios
consorciados.
De acordo com o art. 6º da Lei Federal, embora o §1º determine que
apenas as associações públicas integrem a Administração Indireta, a
interpretação deve ser estendida aos consórcios com personalidade de direito
privado616.
Quanto ao regime jurídico aplicável às pessoas de direito privado, dispõe
a lei que a pessoa jurídica será regida pelo direito civil em tudo o que não for
expressamente derrogado por normas de direito público. Assim (art.6º, §2º, da
Lei Federal nº 11.107/2005) as pessoas de direito privado deverão submeter-se
à licitação, celebração de contratos regidos pelo direito público e prestação de
616
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo.26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.534.
278
contas ao Tribunal de Contas (art.9º) mas admitirão seus funcionários pelo
regime celetista.
Independentemente da personalidade jurídica do consórcio público, a Lei
Federal concedeu-lhe alguns privilégios. Entre eles, desapropriar e instituir
servidões, contratar pela administração direta ou indireta dos entes da
Federação consorciados, com dispensa de licitação, determinar limites maiores
para escolher a modalidade de licitação617, dispensar licitação ao celebrar
contrato de programa com ente da federação ou entidade de sua
Administração Indireta, para prestar serviços públicos de forma associada e
impor valores maiores para dispensar licitação em razão do montante618.
Foram previstos no art. 3º do Decreto nº 6.017/2007619 vários campos de
atuação dos consórcios, como a gestão associada de serviços públicos, prestar
serviços, inclusive assistência técnica, executar obras e fornecer bens à
administração direta ou indireta dos entes consorciados, promover o uso
racional dos recursos naturais e proteger o meio-ambiente, gerir e proteger o
patrimônio urbanístico, paisagístico ou turístico comum e as ações e políticas
de desenvolvimento urbano, socioeconômico local e regional.
A constituição dos consórcios públicos obedecerá às seguintes fases,
nos termos da Lei Federal: a) subscrição do protocolo de intenções (art. 3º); b)
publicação do protocolo de intenções na imprensa oficial (art. 4º, §5º); c)
promulgação por cada um dos partícipes de lei, ratificando, total ou
parcialmente, o protocolo de intenções (art. 5º) ou disciplinando a matéria (art.
5º, §4º).
De acordo com o art. 2º, III, do Decreto nº 6.017/2007, o protocolo de
intenções é considerado um contrato preliminar que, ratificado pelos entes da
federação interessados, converte-se em contrato de consórcio público. Na
verdade, por este protocolo não é assumido um compromisso com direitos e
obrigações, apenas são definidas as cláusulas utilizadas no momento da
celebração.
Por meio das etapas para constituir, alterar e extinguir o consórcio
público, constatamos que o instrumento tem como principal característica firmar
617
§8º do art. 23 da Lei nº 8.666/1993, acrescentado pela Lei nº 11.107/05. 618
Art. 24, I e II, da Lei nº 8.666/1993, conforme alteração introduzida no parágrafo único do art. 24 pela lei nº 11.107/05 619
Decreto nº 6.017/2007: Art.2º, IX a XIV.
279
pactos voluntários entre os envolvidos. Isto é demonstrado pelo art. 5º, §1º e
§2º da Lei Federal nº 11.107/2005, ao permitir que mesmo o ente federativo
subscrevendo o protocolo de intenções, poderá optar por não participar do
consórcio ou fazê-lo parcialmente, com ratificação mediante clásula de
reservas. Somente após a ratificação por cada consorciado será celebrado o
contrato.
A lei de consórcio não prevê procedimento para saber quantas são as
leis e o momento adequado para considerar o protocolo ratificado. Nesse caso,
Maria Sylvia Zanella di Pietro620 afirma o absurdo resultante da lei, que neste
caso permite surgir da personalidade jurídica de cada consorciado em
momento distinto, atrelado à ratificação dos municípios consorciados.
A autora entende também que a lei contém impropriedades na
constituição do consórcio. Não há motivo para exigir contrato de constituição de
consórcio público de pessoa jurídica de direito público, pois como é
considerada autarquia (art.6º, I) deve ser aplicado o art. 37, XIX da
Constituição Federal, que exige lei apenas para criar a figura, dispensando a
ratificação legal.
De acordo com o art.6º, II621, da lei federal, os consórcios formados por
personalidade de direito privado estão adstritos ao cumprimento do art. 45 do
Código Civil, que condiciona o surgimento da personalidade de pessoa jurídica
de direito privado ao registro do ato no Cartório de Registro.
No que tange à alteração ou extinção do consórcio, a lei determina pelo
art.12 que dependerá de instrumento aprovado pela assembleia geral,
ratificado mediante lei por todos os consorciados.
Refletindo o caráter voluntário dos consórcios, a lei federal prevê a
possibilidade do ente retirar-se do consórcio público (art.11), por meio de ato
formal de seu representante na assembleia geral. Por outro lado (art.8º, §5º), o
ente federado será excluído, após suspensão, do consorciado que não
consignar, em lei orçamentária ou créditos adicionais, as dotações suficientes
para suportar as despesas assumidas no contrato de rateio (art.8º) considerado
instrumento de financiamento do Consórcio Público. Dispõe o art. 2º, VII do
620
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo.26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.538. 621
Lei Federal nº 11.107/2005 Art.6º – O consórcio público adquirirá personalidade jurídica: II – de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil.
280
Decreto regulamentador da lei, que o contrato de rateio é o meio pelo qual os
consorciados se comprometem a fornecer recursos para realizar despesas do
consórcio público.
E por fim (art.4, XI, “d”, da Lei Federal, c/c art. 2º, XVI) os entes
federados consorciados, no ato do protocolo de intenções poderão prever o
contrato de programa. Trata-se de um instrumento pelo qual devem ser
constituídas e reguladas as obrigações que um ente da federação, inclusive
sua administração indireta, tenha com outro ou com o consórcio público, no
âmbito da prestação de serviços públicos por meio de cooperação.
Deste modo, a gestão associada de serviços públicos pode ser feita de
duas formas. A primeira, através do contrato programa celebrado pelo
integrante do consórcio (que assume a obrigação de prestar serviços por meio
de seus órgãos ou por entidade da administração indireta) e a segunda, pelo
ente federado que optar por prestar o serviço público, sem a qualificação de
consórcio público, revestindo-se como pessoa jurídica de direito público ou
privado.
4.2.2 Considerações sobre o modelo espanhol e colombiano: institucional com arranjos supramunicipais e consorcial
Do ponto de vista institucional, com arranjo supramunicipal, podemos
apontar a experiência espanhola da Comunidade Autônoma de Madrid
(CAM)622, criada em 1983 junto a 17 regiões espanholas, instituídas entre 1979
e 1983. Sua jurisdição abrange apenas uma parte (embora maioria) da
população regional. No entanto, o seu território cobre, aproximadamente, a
área funcional da metrópole de Londres, com cerca de 8 mil km2 e uma
população de aproximadamente 5,2 milhões de pessoas. O município de
Madrid conta com 55% dos habitantes da região. Integram o perímetro da
(CAM) 179 municípios e é administrado por um conselho regional, cujos
membros são eleitos pelo povo e, por sua vez, entre eles, elege um presidente.
Os 179 municípios que integram a Região de Madrid estão abaixo da
autoridade metropolitana e exercem competências limitadas.
622
LEFÉVRE, Christian. Governabilidad democrática de las áreas metropolitanas. Experiências y lecciones internacionales para las ciudades lationamericanas. Gobernar las metropolis.ROJAS, Eduardo; CUADRADO-ROURA, Juan R.; GUELL, José Miguel Fernández. Banco Interamericano de Desarrollo (BID). Washington DC, 2005, p.198.
281
Na Espanha, as regiões se equiparam aos Estados dos países federais,
dotados de competências federativas e legislativas. O CAM tem uma única
província e, como tal, assumiu os poderes da antiga Madrid. Com a recente
transferência de funções, a Comunidade Autónoma de Madrid é responsável
por áreas de políticas públicas, como o transporte e infraestrutura, educação,
saúde, planejamento, desenvolvimento econômico, meio ambiente, cultura e
pesquisa; muitos são da sua competência exclusiva.
Em relação à Colômbia, destacamos as contribuições da administração
institucional, previstas nos arts. 14 e 15 da Lei nº 1.625/2013. As áreas
metropolitanas são administradas pela Junta Metropolitana, que por sua vez, é
formada pelos prefeitos (Alcalde) de cada um dos municípios integrantes das
áreas metropolitanas; um representante da Câmara Municipal do Município
núcleo da área, um das outras Câmaras Municipais (escolhido entre os
Presidentes das câmaras referidas), um permanente do Governo Central (com
direito à manifestação sem voto) e um das entidades sem finalidades
lucrativas, sediada na área de jurisdição metropolitana, cujo objeto principal
seja proteger o meio ambiente.
De acordo com o art. 15, §1º da lei, a Junta Metropolitana é presidida
pelo prefeito metropolitano (alcalde metropolitano) e, na sua ausência, pelo
vice-presidente.
Quando necessário, a Junta Metropolitana, com autorização do seu
presidente poderá convidar pessoas do setor público ou privado para
participarem das sessões nas quais poderão expor suas opiniões, sem direito a
voto.
Compete aos membros da Junta Metropolitana, ao representante legal
da área metropolitana, aos conselheiros dos municípios da área metropolitana
e à iniciativa popular propor acordos metropolitanos (art.18).
Também compete ao Conselho Metropolitano (Junta Metropolitana)
aprovar o plano de desenvolvimento metropolitano, expedir normas sobre o uso
do solo rural e urbano no município, fixar o perímetro urbano, prestar serviço
público, declarar de utilidade pública ou de interesse social os imóveis urbanos
e rurais imprescindíveis ao desenvolvimento das necessidades previstas no
Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano e indicar os imóveis
desapropriados para cumprir estas finalidades.
282
Quanto aos serviços prestados, a Junta Metropolitana definirá aqueles
que afetam mais de um município conurbados.
O funcionamento das Juntas Metropolitanas garante a autonomia dos
municípios conurbados, porque embora suas decisões tenham supremacia em
relação às decisões dos municípios integrados, todos compõem o conselho e
participam de suas decisões.
Por fim, citamos o Conselho Metropolitano de Planejamento. De acordo
com o art. 26, é um órgão consultivo das autoridades metropolitanas que visa
preparar, elaborar e avaliar os planos da área, além de recomendar ajustes a
serem introduzidos.
4.2.2.1 Considerações sobre o modelo consorcial espanhol
A estrutura jurídica dos consórcios como forma de gestão metropolitana
na Espanha é uma alternativa ao modelo das áreas metropolitanas, previstas
no art. 43 da Lei nº 7/1985, de 2 de abril responsável pela disciplina das bases
do regime local (LBRL).
Ao constatar que a doutrina brasileira questiona a adoção desta
estrutura para administrar interesses metropolitanos, optamos por verificar se
este modelo seria aplicável à realidade brasileira.
Na concepção de Francisco Toscano Gil, a solução jurídica do fenômeno
metropolitano no Estado Espanhol não está exclusivamente adstrita ao modelo
das áreas metropolitanas, entidade local prevista pela Lei de Bases Locais
(LBRL), até por não ter sido demonstrada sua eficiência nos últimos 25 anos.
Assim, foi necessário introduzir outros instrumentos, como os consórcios
caracterizados por seus vínculos voluntários e flexíveis.
O termo consórcio é polissêmico, isto é, tem vários significados.
Francisco Toscano Gil623 afirma ser difícil fixar um único sentido para a
expressão. Para o autor o termo não é utilizado apenas pelo Direito
Administrativo, mas também pelo Direito Privado. Todavia, independentemente
623
GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.31.
283
do ramo, o vocábulo apresenta como característica básica a existência de
interesse comum.
Como o objeto de análise da nossa tese envolve o Direito Administrativo,
reproduziremos o conceito de consórcio para o direito espanhol, considerando
sua inserção nesta área. Assim define o autor624:
Siendo así, debemos decir, que entendemos el Consorcio administrativo como la técnica jurídica de cooperación interadministrativa por la cual varias Administraciones Públicas ponen en común la gestión de un asunto del interes de todas estas, mediante la creación de uma organización dotada de personalidad jurídica e integrada por todas ellas, que constituye una nueva Administración Pública creada a tal fin.
O gênero Consórcio Administrativo na Espanha abrange três tipos de
consórcios: o local e o metropolitano, que subdivide-se em setorial e integral.
De acordo com a Lei da Comunidade Autônoma da Andalucia (Laula), os
consórcios (art.78) são considerados associações públicas e voluntárias,
dotadas de personalidade jurídica e capacidade de criar e gerenciar serviços e
atividades de interesse comum, e sujeitos ao direito administrativo.
O consórcio sujeita-se às normas do ordenamento jurídico local. Assim,
o consórcio local, é portanto considerado um consórcio administrativo com a
peculiaridade de ser regido pelo Direito Local, com a participação das
administrações locais entre os seus membros625 (art.78, 2º da Ley5/2010
(Laula). Francisco Toscano Gil626 compreende os consórcios locais nos
seguintes termos:
Debemos concluir que el Consorcio local, como Administración Pública constituída al servicio de intereses predominamente locales, tiene naturaleza jurídica local, por lo que se incardina en el ordenamiento jurídico local. Y ello, al margem de la opinión que se tenga sobre si el Consorcio local debe o no definirse como entidade local, lo que, em nuestro Derecho, es todavia una cuestión diferente a
624
GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.32. 625
O regime jurídico do consórcio local é composto pelas seguintes legislações: Ley 7/1985 de 2 de abril, regulamentadora do regime local das entidades territoriais do Estado Espanhol; Real Decreto legislativo 781/186.de 18 de abril, que aprova o texto revisado das disposições legais relativas ao governo local; Ley 30/1992, de 26 de novembro que regula o regime jurídico das Administrações Públicas e o processo administrativo comum; Decreto de 17 de junho de 1955 que aprova o Regulamento do serviços das corporações locais, legislações das comunidades autônomas, em especial da Andalucia, introdutora da figura dos consórcios metropolitanos, que veremos adiante, nos arts. 78 a 82 da Ley 5/2010, de 11 de junho da autonomia local da Andalucia (LAULA), além dos Estatutos de constituição dos próprios consórcios. 626
GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.37.
284
la de su naturaleza jurídica, de la que se disocia, y que es em todo caso de carácter local.
A lei 5/2010, de 11 de junio, de Autonomía Local de Andalucía o qualifica
como uma entidade de cooperação, desde que conte com a participação
majoritária dos entes locais e persiga finalidades de interesse local. E conclui o
autor627:
Por tanto, si em la práctica los estatutos reguladores de los consorcios locales suelen configurarlos como entes de Derecho público que gestionan intereses predominantemente locales, entes participados e integrados mayoritariamente por Administraciones Públicas locales, y sujetos fundamentalmente al Derecho local, ningún problema debería haber en dar el siguiente paso, el de definirlos como entes locales en la normativa autonómica.
Como regra geral, os consórcios locais têm as seguintes características:
a) personalidade jurídica; b) entidade de Direito Público, administração pública
instrumental de base associativa sujeita ao Direito Administrativo; c)
Composição heterogênea; d) Técnica de cooperação interadministrativa; e)
Vínculo voluntário.
Com relação à atribuição de personalidade jurídica, sua instituição
implica criar uma associação com personalidade de direito público para
alcançar as finalidades propostas. Sua composição considera diversas
administrações locais de caráter instrumental e corporativo. Trata-se na
verdade de descentralização administrativa que leva em conta as funções
realizadas pelo consórcio em razão do território no qual se localiza (ente local).
A despeito dos consórcios serem compostos por autoridades locais
(municípios), isto não impede que outras entidades formem a associação,
como as próprias comunidades autônomas ou jurídico privadas.
Segundo o art. 57 da Lei nº 7/1985 (LBRL), os consórcios locais são
formas de cooperação interadministrativa, comportam cooperação econômica,
técnica e administrativa entre as autoridades da Administração Local e as
Administrações do Estado e as comunidades autônomas em relação aos
serviços locais e assuntos de interesse comum.
Por outro lado, os consórcios são formados por vínculos voluntários,
decorrentes da vontade de cada autoridade. Não são construídos de forma
627
GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.44.
285
obrigatória, imposta por uma instância superior e sua organização está prevista
em estatutos. Diversos modelos poderão surgir. O consórcio será composto por
um órgão unipessoal, um presidente que representa o consórcio e um órgão
colegiado, formado por representantes das entidades associadas na proporção
estatutária (Lei nº 5/2010 da Comunidade Autônoma da Andalucia).
Acrescenta o item 2 (art.82) que na hipótese do consórcio contar com
membros da Comunidade Autônoma da Andalucia, os órgãos colegiados
deverão ter integrantes destas comunidades.
Francisco Toscano Gil628 explica que o objeto do consórcio pode ser
modificado ou alterado. No entanto, isto não permite afirmar a natureza
conjuntural das suas finalidades. Os consórcios têm duração indefinida e
admitem reformulação em seus objetos.
Os consórcios locais são vocacionados para funcionarem de maneira
permanente e estável e a alteração das suas finalidades não prejudica a sua
continuidade por prazo indeterminado.
Ao lado dos consórcios locais, o direito espanhol admite os consórcios
metropolitanos setoriais, igualmente submetidos ao modelo dos consórcios
locais. A diferença está relacionada à existência dos interesses metropolitanos.
Quando o consórcio local tem o propósito de gerir o interesse metropolitano,
sua denominação é alterada para consórcio metropolitano. Nas palavras de
Francisco Toscano Gil629:
Siendo la finalidade del Consorcio local la gestión de un assunto de interes común a las Administraciones integradas en el mismo, bien puede ocurrir que esse asunto público sea um asunto de naturaleza metropolitana. Y em la medida em que lo metropolitano, según defendemos, se ubica fundamentalmente em el ámbito próprio de los interesses locales, podemos entender que em este supuesto se está utilizando el Consorcio Local para solucionar el fenômeno metropolitano. El Consorcio local, por tanto, se convierte em estos casos em um Consorcio metropolitano, entendientdo por tal aquel Consorcio que se constituye com el fin de atender a lo metropolitano.
A denominação ‘setorial’ para a expressão ‘consórcios metropolitanos’
considera a abordagem de interesses qualificados metropolitanos, restritos às
áreas específicas, como por exemplo, o transporte e a moradia, na Andaluzia.
628
GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.90. 629
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.258.
286
Como, então, definir consórcios metropolitanos setoriais? Trata-se de
um consórcio administrativo, que tem personalidade jurídica decorrente de
associação voluntária de várias administrações municipais, provinciais e
comunidades autonômas. Em razão disto a cooperação é considerada
interadministrativa. Segundo o autor espanhol630:
Así, puede decirse que el Consorcio metropolitano sectorial, como Consorcio administrativo que es, se define como um ente com personalidad jurídica. La persona jurídica que se crea al constituirlo es el resultado de la asociación voluntária a tal fin de varias entidades, aqui Administraciones municipales, Administración provincial y Administracion autonómica. Por esta razón, se predica de él su carácter asociativo, por cuanto su constitución se deriva de esta asociación de voluntades. La presencia de este fenómeno asociativo de base, que es lo que permite entender al Consorcio metropolitano como corporación interadministrativa, va a determinar importantes aspectos de su régimen jurídico.
Registraremos ainda algumas considerações sobre a natureza jurídica
local do consórcio. Nesta modalidade, são compostos os consórcios por
administrações locais e regidos por normas específicas. Esta característica não
é tão clara para os metropolitanos setoriais, uma vez que este é formado por
entes autônomos, provinciais e locais, o que implica imbricamento de
interesses.
Citemos, por exemplo, a Lei nº 2/2003, de 12 de maio de ordenação dos
transportes urbanos e metropolitanos da Andalucia (Louvma). A lei qualifica
expressamente como metropolitano o interesse público dos transportes
urbanos abarcando o âmbito territorial do município e da comunidade
autonôma, denominados nível local intermediário (supramunicipal). O interesse
metropolitano incide sobre o municipal e o autonômo. Deste modo,
identificamos o espaço metropolitano como espaço local intermediário entre os
interesses locais, municipais e provinciais. No entanto, Francisco Toscano Gil
ainda insiste em afirmar ao analisar a (Louvma), que o legislador da Andalucia,
ao final, reconhece a existência dos interesses locais no âmbito metropolitano.
E, então, qualifica o interesse metropolitano como local. Isto porque, o
legislador permite atribuir competências para gerir transportes a um ente que
está na esfera local, tem natureza jurídica e administração local.
630
GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.107.
287
Apesar de amplamente utilizado pela Comunidade Autônoma da
Andalucia,algumas deficiências surgiram em relação à sua aplicação.
A principal crítica diz respeito à forma de abordagem parcial das
questões metropolitanas, que na realidade, exigem a compreensão integral dos
problemas. Diante destas falhas, Francisco Toscano Gil sugere, com base no
modelo criado na Andalucia pela lei que regulamentou os consórcios
metropolitanos setoriais e os locais do ano de 2010, o surgimento de um novo
modelo de consórcio metropolitano (integral) com a perspectiva de gerir e
coordenar de forma global as áreas metropolitanas.
A opção pelo Consórcio Metropolitano integral não implica introduzir ou
substituir o marco legal que disciplina os consórcios locais, extensíveis aos
consórcios metropolitanos setoriais. Na realidade, a distinção em relação ao
regime aplicável aos consórcios metropolitanos setoriais está na ampliação das
funções que serão indicadas no estatuto que poderão abranger uma
regulamentação ampla dos problemas metropolitanos, ao invés de priorizar
funções específicas, setoriais. É possível incluir, portanto, dentre outras
competências, a ordenação do território, urbanismo, moradia, transportes, ciclo
da água, resíduos sólidos urbanos, áreas verdes, telecomunicações, energia,
desenvolvimento social, econômico ou proteção e prevenção contra incêndios.
O propósito desta espécie de consórcio metropolitano, segundo
Francisco Toscano Gil631, é atender vários tipos de competência, abrangendo
integralmente os problemas do território, como foi o caso da Andaluzia, por
meio dos planos de ordenamento do território desenvolvidos para solucionar
problemas em escala metropolitana.
Na realidade, esse modelo consorcial preocupa-se com a visão integral
dos problemas metropolitanos, e não com as funções específicas,
compartimentadas.
Os consórcios metropolitanos integrais são regulamentados por normas
locais, formados por vínculos voluntários de cooperação, flexíveis e contam
com a participação da Administração Autônoma para gestão, planejamento e
coordenação dos interesses metropolitanos.
631
GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.312.
288
São denominadas formas de administração instrumental de base
associativa e consideradas (art.60 da Ley 5/2010), entidades de cooperação
territorial, de caráter supramunicipal, que têm entre os seus objetivos: 1)
promover o desenvolvimento sustentável, a coesão econômica, social e
territorial; 2) viabilizar as condições básicas de governo e gestão; 3) articular,
cooperar e defender os interesses comuns entre as entidades territoriais,
municípios e comunidades autônomas e 4) aplicar aos modelos de organização
metropolitana policêntricas, que atualmente vigoram na Espanha acolhem
vários centros urbanos e têm infraestrutura, em detrimento do antigo modelo
pautado no predomínio das cidades centrais ou metropolitanas, centralizadoras
do fornecimento de bens e serviços.
Verificamos que Francisco Toscano Gil632admite várias soluções ao
problema metropolitano, que não são pautadas exclusivamente nas áreas
metropolitanas nem nos consórcios metropolitanos como única alternativa. O
caráter diversificado da questão metropolitana exige solução variada e admite,
inclusive, adotar planos metropolitanos, na modalidade de ordenação do
território.
4.2.2.2 Considerações sobre o modelo consorcial colombiano
A Lei nº 1.454 de 2011 que disciplina a organização político-
administrativa do território colombiano, ao definir a responsabilidade pelo
ordenamento territorial entre as áreas federais, territoriais e metropolitanas,
prevê vários modelos de associações entre as entidades territoriais na
Colômbia.
A finalidade do ordenamento territorial é descentralizar, planejar, gerir e
administrar as entidades e instâncias de integração territorial, por meio de
transferência de conhecimentos e de decisões do governo central e
descentralizar a esfera nacional e territorial alocando recursos. Para isto, os
instrumentos associativos foram previstos como uma das formas de
implementá-la.
632
GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.315.
289
Com base no modelo associativista há o incentivo para formar parcerias
entre autoridades locais e organismos de integração regional, produzir
economias de escala, sinergias e alianças competitivas para alcançar o
desenvolvimento econômico.
Os modelos poderão envolver associações entre municípios, áreas
metropolitanas e departamentos e são formados livremente por duas ou mais
autoridades locais para fornecer serviços públicos em conjunto, próprios ou
funções administrativas atribuídas à autoridade local, nacional, realizar obras
de interesse comum ou encontrar funções de planejamento, além de garantir o
desenvolvimento de seus territórios.
As associações poderão resolver as funções e serviços comuns como
pessoas coletivas de direito público, sob a direção e coordenação do conselho
de administração ou órgão de gestão, desde que garantida a participação dos
integrantes na tomada das decisões associativas.
Duas agregações merecem destaque, em razão de sua relação com o
tema desenvolvido na nossa tese: as associações de municípios e as de áreas
metropolitanas.
Quanto às primeiras (art.14 da Lei nº 1.454), dois ou mais municípios do
mesmo ou de diferentes departamentos, administrativamente e politicamente,
poderão associar-se para organizarem como prestar serviços públicos e
executarem obras de funções administrativas regionais. Deverão cumprir os
acordos ou planos de contrato assinados pelos respectivos prefeitos e
autorizados pelos conselhos municipais para o exercício das competências
conjuntas.
Com relação à segunda espécie de agregação (art.15), duas ou mais
regiões metropolitanas do mesmo ou de departamentos diversos poderão
associar-se para organizar conjuntamente a prestação de serviços públicos, a
execução de obras de funções administrativas regionais e cumprir os acordos
ou contratos assinados pelos conselheiros das respectivas áreas
metropolitanas.
Os acordos ou contratos originários dos vínculos associativos deverão
ser tratados para fins legais. Neles serão estabelecidas competências
específicas a serem delegadas ou transferidas entre diferentes autoridades, a
depender do assunto.
290
Este modelo de associação foi incorporado recentemente pelo art. 34 da
Lei nº 1.625/2013. Ele permite associações entre áreas metropolitanas
integrantes de um ou vários departamentos como esquemas de associação de
integração territorial e órgãos de coordenação de desenvolvimento municipal
que serão beneficiários dos mesmos direitos e condições dos regimes de
outros tipos de associação territorial. As associações serão celebradas por
meio de convênios ou contratos subscritos pelos diretores das áreas
metropolitanas, autorizadas pelas juntas metropolitanas.
4.2.3 Comparação entre a administração por modelos institucionais compulsórios e por consórcios públicos
Traremos as contribuições da doutrina espanhola, precisamente de
Francisco Toscano Gil e o modelo da legislação colombiana, para refletirmos
sobre a possibilidade de o Brasil adotar como substituição ao modelo
institucional das Regiões Metropolitanas, os consórcios públicos.
O jurista espanhol defende os consórcios metropolitanos integrais como
instrumentos para solucionar as questões metropolitanas. Abordaremos as
semelhanças entre a gestão metropolitana por meio das áreas metropolitanas
(art.43 da LBRL), considerada modelo institucional e os consórcios
metropolitanos. Na sequência, indicaremos à luz da teoria do jurista espanhol,
as vantagens dos consórcios metropolitanos em relação às áreas
metropolitanas. E por fim, acrescentaremos as observações da doutrina
brasileira sobre os dois modelos de gestão para, por fim, nos posicionarmos.
Francisco Toscano Gil633 aponta semelhanças entre os dois institutos,
como por exemplo as que mencionaremos abaixo.
1) Tanto as áreas metropolitanas quanto os consórcios metropolitanos
integrais são pessoas jurídicas de direito público com o propósito de solucionar
as questões metropolitanas. As duas entidades são compostas por integração
de outras administrações públicas, como forma de corporação
interadministrativa. No entanto, as áreas são integradas exclusivamente por
municípios, enquanto os consórcios são compostos por municípios, províncias
633
GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.238.
291
e Comunidades Autônomas. Nas áreas metropolitanas, as comunidades
autônomas atuam como agente propulsor, fomentador, nos consórcios são
membros integrantes;
2) As duas instituições são consideradas entidades locais;
3) Nos dois casos os modelos propostos buscam soluções integradas,
globais;
4) Em ambos, estamos diante de entidades que buscam o exercício
coordenado de competências. Contudo, nas áreas metropolitanas a
coordenação é imposta pela Comunidade Autonôma, enquanto nos consórcios
públicos a coordenação é oriunda de relações voluntárias entre as entidades
integrantes;
5) A criação das áreas metropolitanas envolve limites ao exercício da
autonomia municipal, pois decorre da auto-organização das Comunidades
Autônomas. Por sua vez, os consórcios municipais envolvem respeito à
autonomia local;
6) As áreas metropolitanas são pactos obrigatórios impostos por lei das
Comunidades Autônomas. Já os consórcios públicos são frutos de pactos
associativos, originários de convênios, uma vez que sua voluntariedade é
premissa básica para instituir as entidades locais nas quais se reúnem;
7) O autor reconhece que nos dois casos as entidades são facultativas,
reguladas pelo legislador das Comunidades Autônomas. Nas áreas
metropolitanas, o regime jurídico definido pelo legislador autônomo é mais
rígido do que o atribuído aos consórios que têm ampla margem de
discricionariedade, dentre os poucos condicionamentos estabelecidos pelas
Comunidades Autônomas.
Francisco Toscano Gil634 aponta algumas vantagens da utilização dos
consórcios metropolitanos em detrimento das áreas metropolitanas (art. 43 da
LBRL) como modelo institucional de gestão, dentre as quais, destacamos: a)
vínculo de cooperação voluntária; b) relações de cooperação e horizontalidade
entre as partes integrantes do consórcio; c) os consórcios são mais eficazes
em relação às áreas metropolitanas; d) flexibilidade do regime jurídico; e)
634
GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.297.
292
participação das Comunidades Autônomas; f) Garantia da autonomia local; g)
ampla atuação dos agentes sociais e econômicos.
Com relação ao vínculo de cooperação voluntária, os consórcios
metropolitanos garantem o respeito à autonomia, porquanto sejam formados
por fórmulas de associação voluntárias, ao contrário das áreas metropolitanas
que decorrem de vínculos compulsórios, que desconsideram a vontade das
entidades locais e limitam sua autonomia. A autonomia local é garantida pelos
consórcios, uma vez que possibilita aos municípios decidirem como satisfazer
os interesses públicos locais.
No que tange ao caráter de igualdade, relações de equilíbrio e
horizontais entre os componentes das associações, o modelo consorcial ao
facultar ajustes voluntários, permite maior participação e de forma paritária
entre os integrantes. Não podemos afirmar, contudo, que as áreas
metropolitanas afastem a participação das entidades integrantes. Isto, porque,
a legislação reguladora determina que todos os municípios participantes da
área metropolitana atuem nos órgãos de governo e da administração. Contudo,
na prática, a representação não é equilibrada em razão dos vínculos
obrigatórios que permeiam a relação.
O autor insiste em afirmar que os consórcios metropolitanos solucionam
problemas metropolitanos com maior eficácia do que as áreas metropolitanas.
Em primeiro lugar, em razão das ações de coordenação desenvolvidas entre as
entidades locais e a diminuição da duplicidade de atuações públicas, pois o
consórcio afasta a criação de novas estruturas administrativas, ao contrário das
áreas metropolitanas que consideram modelos institucionais.
Ressaltamos que os consórcios públicos contam com regimes jurídicos
flexíveis, atribuídos como amplo espaço de discricionariedade pelo legislador
da Comunidade Autônoma. Cada estatuto particulariza e diferencia as
necessidades dos consórcios formados pelas entidades da administração. Se
necessário modificar seu objeto, basta alterar os estatutos, a partir de acordo
prévio entre as entidades consorciadas.
Já as áreas metropolitanas apresentam um modelo jurídico rígido,
atribuído pelo legislador autônomo. Qualquer mudança em seu objeto
necessitará de alteração legislativa por parte do legislador autônomo.
293
Os consórcios metropolitanos são considerados associações de caráter
intermediário, por estarem no meio do caminho entre as fórmulas de
associação estritamente municipais (na Espanha, denominadas
mancomunidad) e a institucionalização dos governos metropolitanos (áreas
metropolitanas formadas por municípios que transferiram autoridades e
competências, por força de lei produzida pelas Comunidades Autônomas).
Nas áreas metropolitanas, as Comunidades Autônomas condicionam
sua criação, extinção e funcionamento, deixando prevalecer vários conflitos
entre as entidades envolvidas. Isto porque as áreas metropolitanas são
modelos impostos, nas quais predominam verticalidade e hierarquia entre os
membros que as compõem, mesmo garantida a participação das entidades
locais em sua administração.
Em relação aos consórcios metropolitanos, as entidades envolvidas
encontram soluções mais facilmente por meio de acordos, afastando as
imposições das comunidades autônomas.
Fransciso Toscano Gil vê respeito maior pela autonomia dos entes locais
com a figura dos consórcios quando comparados às áreas metropolitanas.
Segundo ele, os vínculos entre os entes locais são voluntários, o que implica
relações paritárias entre as administrações envolvidas, flexibilidade em relação
às formas de organizar e prestar serviço em razão da ampla liberdade que a
Comunidade Autônoma lhe confere, predomínio do regime jurídico local desde
o controle dos órgãos de direção até pelas entidades locais consorciadas. As
competências locais são titularizadas pelas administrações locais e não são
transferidas, como ocorre nas áreas metropolitanas para entidades de gestão
criadas pelas Comunidades Autônomas. Com isto a competência não será
atribuída à Comunidade, mantendo seu exercício pelas entidades locais.
E, por fim, por ter mecanismos de administração flexíveis, conta com
maior atuação dos agentes sociais e econômicos que participam da realidade
metropolitana, facilitando a solução dos seus complexos problemas.
Este modelo foi adotado recentemente pela Colômbia, que já contava
com a Lei nº 1.454/2011 ao introduzir modelos associativos, implementados,
atualmente pela Lei nº 1.625/2013 nas áreas metropolitanas. Ao lado das
associações de municípios, a lei possibilitou que duas ou mais regiões
metropolitanas do mesmo ou de diferentes departamentos, associem-se para
294
organizarem conjuntamente serviços e ordenamento territorial das funções
comuns.
A doutrina brasileira ao interpretar os arts. 25, §3ºc/c art. 241 da
Constituição Federal, disciplinado pela Lei nº 11.107/2005 e o Decreto
regulamentador nº 6.017/2007 apresenta posicionamentos distintos sobre o
tema.
No âmbito federal, alguns estudiosos aproximam-se das conclusões de
Francisco Toscano Gil ao enfatizarem as vantagens de utilizar consórcios
públicos como modelo de gestão das regiões metropolitanas em detrimento
dos modelos institucionalizados pelos Estados (art.25, §3º da Constituição
Federal).
Alaôr Caffé Alves distingue os institutos e o âmbito de aplicação à luz do
sistema constitucional brasileiro. Pedro Estevam Serrano Alves Pinto, Gustavo
Gomes Machado e Maria Coeli Simões Pires, embora distinguam os institutos,
introduzem importante contribuição jurídica para demonstrar que, por vezes, as
soluções consorciais poderão ser utilizadas também para questões
metropolitanas. Pedro Estevam Serrano admite que o consórcio público seja
utilizado como forma de administrar figuras regionais, através da prestação de
serviço público.
Alaôr Caffé Alves635 entende que o legislador brasileiro tratou das figuras
em locais distintos da Constituição Federal de forma proposital, por se
referirem a fenômenos diferentes.
O art. 25, §3º da Constituição Federal, Título III, trata da Organização do
Estado, enquanto o art. 241 está no Título IX “Das disposições constitucionais
gerais”. O autor explica que, no primeiro caso, os vínculos metropolitanos são
compulsórios, enquanto os consórcios e convênios pressupõem associações
voluntárias. Se esta interpretação não fosse adotada, as regiões metropolitanas
seriam fragilizadas, uma vez que os integrantes não seriam obrigados a manter
essa relação e poderiam deixar o vínculo quando entendessem oportuno,
descaracterizando a existência das figuras regionais. Acrescenta o jurista636:
635
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.65. 636
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.65.
295
Imagine-se esta ação voluntária em um núcleo urbano-regional, onde o município rebelde estivesse em seu interior, rompendo-se o princípio segundo o qual os municípios metropolitanos devem ser limítrofes. Neste caso, haveria vazios dentro da região metropolitana, constituídos por comunidades que não viessem a aderir ou que viessem a denunciar o convênio em algum momento de sua existência. Não parece ser esse o pensamento do legislador constituinte, motivo pelo qual transportou o referido dispositivo para o capítulo da organização do Estado brasileiro.
O modelo do art. 25, §3º da Constituição Federal prevê o agrupamento
compulsório dos municípios das regiões metropolitanas, o que não permite aos
entes locais terem liberdade para isolar-se, em função de requisitos legais
como conurbação que implica, do ponto de vista fático, a reunião de municípios
limítrofes em razão de fatores econômicos, geográficos, sociais e urbanos.
Para o autor, determinado vínculo não amesquinha a autonomia
municipal, em razão da criação das regiões metropolitanas pelo Estado,
independentemente da vontade dos municípios. Baseados na Constituição
Federal, eles poderão negar-se a participar da gestão das funções ou serviços
comuns regionais, mas terão de suportar as intervenções indispensáveis ao
seu alcance, em razão do interesse regional. O interesse local do Município
agrega-se ao regional, que por sua vez propõe integrar os municípios e o
Estado na gestão, execução e planejamento das funções públicas de interesse
comuns.
Pedro Estevam Alves Pinto Serrano637compartilha o entendimento de
Alaôr Caffé Alves ao distinguir os institutos, embora acrescente peculiaridades
ao pensamento de Alaôr Caffé.
Pedro Estevam Alves Pinto Serrano aponta quatro causas que
distinguem consórcios e convênios das Regiões Metropolitanas: instrumentos
de formação, interesses envolvidos, preservação da autonomia local e natureza
jurídica dos vínculos das entidades envolvidas. E reforça seu posicionamento:
E de plano cabe estipular que consórcios e convênios são institutos jurídicos que não se confundem com a Região Metropolitana, nem esta pode ser criada ou instituída por consórcio, mesmo que entre Estado e Municípios integrantes da área conurbada
638.
637
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.194. 638
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.192.
296
Quanto ao instrumento de formação, as figuras regionais são
constituídas por leis complementares estaduais, enquanto os consórcios são
formados por assinatura de protocolo de intenções, ratificado por lei de cada
uma das entidades envolvidas, até chegar à elaboração do contrato.
Com relação aos interesses envolvidos, o objeto da gestão da Região
Metropolitana são os serviços e atividades que incumbem ao Estado-membro,
enquanto dos consórcios ou convênios intermunicipais são os serviços e
atividades municipais homogêneas, titularizados pelos municípios, por serem
interesses locais, intermunicipais. Esclarece o autor que a homogeneidade
material dos serviços municipais conurbados não os torna integrante da
competência estadual. O serviço de coleta de lixo, por exemplo, é prestado por
cada um dos Municípios da Região Metropolitana. No entanto, este fato não
autoriza o Estado avocar para si a sua gestão. Assim, este serviço, a critério
dos municípios envolvidos poderá ser gerido por meio de consórcio público.
Os serviços comuns (art.25, §3º da Constituição Federal) são
titularizados pelo Estado-membro, embora sejam de interesse comum do
Estado e dos Municípios.
Assim, as respectivas competências constitucionais deverão ser
preservadas, sob pena de violar as autonomias federativas. Caso as Regiões
Metropolitanas avoquem para si as atividades municipais dos municípios
conurbados (ou os municípios por desempenharem essas funções por
consórcios serviços de natureza regional) haverá ofensa ao princípio das
competências federativas.
Quanto aos vínculos dos entes envolvidos, Pedro Estevam Serrano
compartilha a opinião de Alaôr Caffé Alves ao afirmar que as relações
consorciais são celebradas por vontade autônoma enquanto as regiões
metropolitanas e demais figuras regionais são oriundas de vínculos
compulsórios legais e obrigam o município a participar, independentemente de
sua vontade.
Portanto, à luz do sistema constitucional o Estado-membro não poderá
criar a Região Metropolitana por meio de consórcios ou convênios com os
Municípios integrantes do fenômeno da conurbação.
297
Entretanto, o debate toma outros contornos quando nos deparamos com
a contribuição de Gustavo Gomes Machado e Maria Coeli Simões639. Embora
os autores diferenciem as figuras dos consórcios públicos das regiões
metropolitanas vislumbram possibilidades de aplicação dos consórcios para
gerir questões urbanas específicas das Regiões Metropolitanas.
Os doutrinadores mineiros admitem o equívoco do raciocínio que
equipara ou até substitui as regiões metropolitanas pelos consórcios públicos.
Isto porque os autores reconhecem que as figuras regionais têm um sistema
normativo e regulatório estadual geral e abstrato das relações
intergovernamentais no âmbito de cada território.
No entanto, explicam que isto não afasta as possibilidades de
negociações e modelagens cooperativas. Admitem inclusive, que o consórcio
público possa instrumentalizar políticas arrojadas da esfera metropolitana. E
neste sentido, invocam a Lei Complementar nº 88 de 12/1/2006 do Estado de
Minas Gerais640 (art.4º, parágrafo único) que acolhe como princípio da gestão
metropolitana a colaboração permanente entre o Estado e os Municípios da
região metropolitana, através do convênio de cooperação ou associações
públicas, denominados consórcios públicos.
Os doutrinadores mineiros esclarecem que os consórcios públicos não
substituem as regiões metropolitanas. Até porque são formados por vínculos
voluntários, que podem ser considerados instrumentos acessórios na
integração das funções públicas de interesse comum mas não são
instrumentos principais, uma vez que as regiões metropolitanas são realidades
impostas em razão dos fenômenos jurídicos da conurbação e incompatíveis
com vínculos que dependam da vontade de entes federativos641:
Ademais, considerando que nenhum ente federativo poderá ser obrigado a se consorciar ou a se manter consorciado, decorrendo disso o caráter instável dos consórcios públicos, constata-se que esses arranjos contratuais podem ser instrumentos acessórios na
639
MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008. 640
Dispõe sobre a Instituição e gestão de região metropolitana e sobre o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano. 641
MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 420-421.
298
integração das funções públicas de interesse, mas não os principais, visto que os problemas comuns de caráter regional de um agrupamento de Municípios são realidades que se impõem, indepentendemente da configuração político-institucional do território, e não podem ter suas soluções inteiramente à mercê das autonomias municipais. Especialmente no caso das regiões metropolitanas, o fenômeno da conurbação implica a integração das infra-estruturas urbanas e, por conseqüência, a necessidade de planejamento e gestão conjunta permentente das funções públicas de interesse comum.
Por outro lado, a despeito de distinguirem os consórcios das regiões
metropolitanas, os autores admitem que os consórcios possam ser utilizados
pelos municípios participantes das regiões metropolitanas para promover a
administração intermunicipal da política urbana de interesse comum. Assim,
admitem que os consórcios públicos sejam utilizados para viabilizar o
urbanismo nas regiões metropolitanas, por meio da implementação
compartilhada de distintos instrumentos de política urbana regulados no
Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Como fundamento jurídico para o
raciocínio, Maria Coeli Simões e Gustavo Gomes Machado mencionam o
art.3º, do Decreto nº 6.017, de 2007, que regulamenta a Lei nº 11.107/2005
que admite os consórcios para promover ações e políticas de desenvolvimento
urbano, socioeconômico local e regional:
Esse importante instrumento urbanístico de política urbana, regrado pelo Estatuto das Cidades, pode ser utilizado em situações nas quais o fenômeno urbano a ser disciplinado ultrapasse a circunscrição administrativa de um Município. Não há razões lógicas nem de direito para negar elasticidade ao instrumento da operação urbana consorciada para regulação de questões urbanísticas de interesse transmunicipal. Nas regiões fronteiriças de Municípios metropolitanos, nas quais se evidencia a fusão física das cidades, as operações urbanas consorciadas podem mostrar-se um instrumento eficaz para a condução dos interesses comuns intermunicipais.
Pedro Estevam Alves Pinto Serrano642 acolhe o posicionamento dos
autores mineiros ao admitir que a Região Metropolitana atribua por convênio a
um ou mais Municípios consorciados ou conveniados, integrantes da Região, a
realização material de atividades ou serviços de sua competência.
Sustenta ainda que os consórcios ou convênios poderão prestar serviços
públicos de sua competência, na região metropolitana na qual os municípios
participantes estão inseridos, desde que não vulnerada a autonomia municipal
642
Região Metropolitana e seu regime constitucional, p. 195
299
dos demais municípios. O convênio ou consórcio também não devem ser
utilizados para estabelecer relação que implique satisfação meramente
patrimonial ou de captação de lucro por qualquer das partes, de acordo com
Celso Antônio Bandeira de Mello643:
Caso uma Região Metropolitana pretenda atribuir a um ou mais Municípios atividades que tratem de forma desigual os Municípios integrantes, de forma a submeter um à autoridade do outro, esta pretensão será eivada de inconstitucionalidade inafastável por ofensa à autonomia municipal dos Municípios não agraciados. Tal fato ocorreria, por exemplo, se a Região Metropolitana atribuísse a um dos Municípios que a integram atividade de planejamento ou regulamentar. Obviamente são atividades indelegáveis, pois implicariam vulnerar a autonomia de Municípios em favor do agraciado pela outorga.
. Nossa posição
A exposição detalhada dos modelos de governo para a gestão de
problemas metropolitanos está relacionada à nossa crítica a respeito da
tendência no plano internacional, especialmente na Espanha, de substituir o
modelo institucional supramunicipal (art.25, §3º) pelos consórcios públicos na
gestão das funções públicas de interesse comum. De acordo com o sistema
jurídico brasileiro, seria possível gerir funções públicas de interesse comum por
meio de consórcios públicos (arranjos intermunicipais institucionais com
autoridade inframetropolitana) em substituição ao modelo institucional de
arranjo supramunicipal, de acordo com a terminologia adotada por Christian
Lefrévere?
Se adotarmos a premissa de que os consórcios públicos são alternativas
à administração metropolitana, defenderemos a produção de planos diretores
pelos municípios participantes dos consórcios para tutelar questões urbanas
interlocais como forma de viabilizar o planejamento urbano metropolitano.
Mas se entendermos que os consórcios não são alternativas para a
gestão das funções públicas de interesse comum, empregaremos um modelo
de plano diretor regional próprio da Região Metropolitana (art.25, §3º), que não
se confunde com os planos elaborados pelos municípios consorciados. Este é
o posicionamento que adotaremos nesta tese.
643
Curso de Direito Administrativo, 26 edição. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 659.
300
No entanto, isto não afasta a possibilidade dos municípios integrantes
das regiões metropolitanas celebrarem entre si consórcios ou convênios para a
gestão de interesses referentes a este espectro de atuação interlocal, como os
problemas urbanos intermunicipais.
Mencionaremos o Consórcio Intermunicipal do ABC, formado pelos
municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul,
Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Criado em 1990,
tornou-se entidade autárquica em 8 de fevereiro de 2010 (Lei Federal de
Consórcios nº 1.107/2007). Dentre as suas finalidades (art.4º do Estatuto do
Consórcio) verificamos a atuação como gestor, articulador, planejador e
executor, por exemplo, de infraestrutura, desenvolvimento econômico regional
e urbano e gestão ambiental.
Nesta tese, destacaremos a atuação relacionada ao desenvolvimento
urbano e de gestão ambiental. Determina o Estatuto que o Consórcio Público
adote, por exemplo, medidas para promover o desenvolvimento urbano e
habitacional, desenvolver ações de requalificação urbana com inclusão social,
implantar um sistema integrado de gestão e destinação final de resíduos
sólidos industrial, residencial, da construção civil e hospitalar, articular
regionalmente planos diretores e legislação urbanística.
Para viabilizar a adoção destas medidas o Consórcio Municipal elaborou
o 2º Planejamento Regional Estratégico (2011/2020). O Consórcio elaborará
um Plano Diretor Regional com ações estratégicas para a consecução de
objetivos urbanos no território dos Municípios participantes. Dentre elas,
destacamos a elaboração de um plano de uso e ocupação regional cujo intuito
é compatibilizar o uso e a ocupação do solo dos diferentes municípios. O plano
regional definirá diretrizes regionais de regularização fundiária para orientar os
municípios integrantes do consórcio, definir diretrizes regionais de
adensamento compatíveis com as capacidades de suporte de cada município
consorciado. E por fim, definir diretrizes regionais relativas à mobilidade urbana
e à articulação com a região metropolitana para associar o planejamento do
sistema de mobilidade dos vários municípios.
As Regiões Metropolitanas qualificam esta competência constitucional
como função pública de interesse comum. A Lei Complementar nº 1.139/2011
que criou a Região Metropolitana de São Paulo, atribuiu ao Conselho de
301
Desenvolvimento a especificação das funções públicas de interesse comum, no
âmbito do planejamento e uso do solo (art. 12).
Entretanto, os consórcios públicos não substituem a gestão integrada
viabilizada pelo arranjo institucional supramunicipal do art. 25, §3º, da
Constituição Federal. Isto porque, apenas o modelo institucional de governo
das regiões metropolitanas é capaz de abranger a complexidade das funções
públicas de interesse comum, estritamente relacionada ao fenômeno da
conurbação ou outra forma de relação física, geográfica, econômica, social
entre os municípios que informaram o substrato material de criação destas
tipologias regionais.
A Lei Complementar nº 1.139 de 16/6/2011, ao instituir a Região
Metropolitana de São Paulo abrange número maior de municípios agrupados
(art.4º) nas seguintes sub-regiões: I–Norte: Caieiras, Cajamar, Francisco
Morato, Franco da Rocha e Mairiporã; II–Leste: Arujá, Biritiba-Mirim, Ferraz de
Vasconcelos, Guararema, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá,
Salesópolis, Santa Isabel e Suzano; III–Sudeste: Diadema, Mauá, Ribeirão
Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São
Caetano do Sul; IV–Sudoeste: Cotia, Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da
Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra, Taboão da Serra e Vargem Grande
Paulista; V –Oeste: Barueri, Carapicuíba, Itapevi, Jandira, Osasco, Pirapora do
Bom Jesus e Santana de Parnaíba.
Os municípios integrantes da região sudeste representam os
consorciados do ABC, mas igualmente compõem uma sub-região da grande
região metropolitana de São Paulo, se articulam com os demais municípios da
região metropolitana compartilhando problemas metropolitanos relacionados às
funções públicas de interesse comum.
Diante do sistema jurídico brasileiro, não podemos adotar soluções
alienígenas para problemas nacionais. Os modelos de Estado são distintos e
os tipos de governo metropolitano sofrem influências em razão da forma
unitária ou federativa de Estado e do conjunto de competências atribuídas aos
integrantes da figura regional.
Os consórcios públicos metropolitanos integrais ou setoriais espanhóis,
ou os formados por áreas metropolitanas na Colômbia, são considerados entes
locais que cuidam de interesses metropolitanos também considerados locais.
302
Apesar de serem mecanismos de cooperação interadministrativa – com
personalidade jurídica, decorrente de associação voluntária dos municípios, de
certa forma similiar ao modelo brasileiro – poderão gerir interesses
metropolitanos que envolvem o imbricamento de interesses provinciais,
municipais e das comunidades autônomas. Ainda assim são interesses locais,
administrados por entidades locais e regidos por interesse local. Não nos
esqueçamos também que estamos diante de um Estado unitário, que a
despeito de propiciar descentralização política para as províncias,
comunidades autônomas e municípios, ainda depende da interferência em
certa medida do poder central.
Na Espanha o consórcio é um modelo supramunicipal, ao contrário da
tipologia brasileira, pois a despeito de ser formado por vínculo voluntário de
cooperação entre as entidades locais, comunidades autônomas e provinciais
contam com a participação da Comunidade Autônoma na gestão, planejamento
e coordenação dos interesses metropolitanos.
O modelo das áreas metropolitanas espanholas, em certa medida, se
aproxima do modelo brasileiro e dos arranjos consorciais. Nos dois países as
entidades integrantes formam pessoas jurídicas de direito público. As regiões e
as áreas metropolitanas são formadas apenas por municípios conurbados
agrupados por um agente externo. Na Espanha, a Comunidade Autônoma; e
no Brasil, o Estado-membro. Admite-se nos arranjos consorciados dos dois
países a participação dos Estados e das Comunidades Autônomas.
As áreas metropolitanas são formadas por vínculos compulsórios entre
os municípios, impostos pelos Estados ou Comunidades autônomas; já os
consórcios surgem de pactos associativos voluntários das entidades locais. Na
Espanha o primeiro modelo é visto como mitigador da autonomia municipal.
Na Espanha, as entidades consorciadas e as áreas metropolitanas são
consideradas locais facultativos porque reguladas pelo legislador das
Comunidades Autônomas. Nas áreas metropolitanas, o regime jurídico é mais
rígido do que o atribuído aos consórios, que por sua vez têm ampla margem de
discricionariedade, limitados por poucos condicionamentos estabelecidos pelas
Comunidades Autônomas.
Não poderíamos considerar este regime jurídico para as Regiões
Metropolitanas brasileiras pois são geridas por autarquias vinculadas à
303
Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Estado de São Paulo,
auxiliadas por dois Conselhos que garantem a participação dos municípios da
região, afastando uma eventual mitigação na autonomia municipal.
Verificaremos no art. 7º e seguintes da Lei Complementar nº 1.139/2011, que
os Conselhos garantem o respeito à autonomia municipal, pois os municípios
participam dos órgãos diretivos e consultivos da região metropolitana.
O Conselho de Desenvolvimento será composto pelo prefeito de cada
Município integrante da Região Metropolitana de São Paulo e o Consultivo por
vereadores e outros integrantes do Poder Executivo municipal ao lado de
representantes da sociedade civil e dos Poderes Legislativo e Executivo
Estadual.
Como forma de proteger a autonomia municipal, mencionamos o art.9º
da Lei nº 1.139/2011 que promove no Conselho de Desenvolvimentoa
participação paritária do conjunto de Municípios em relação ao Estado. Por
força do parágrafo único, se houver diferença de número entre os
representantes do Estado e dos Municípios, os votos serão ponderados, de
modo que tanto os votos do Estado, como os dos Municípios, correspondam,
respectivamente, a 50% da votação.
Deste modo, é possível rebater ponderações da doutrina espanhola ao
atribuir grande importância ao consórcio, em detrimento dos modelos
supramunicipais brasileiros, como forma de substituir a gestão compulsória do
art. 25, §3º da Constituição Federal.
A despeito de Franscisco Toscano Gil644 dizer que os consórcios
públicos fortalecem a autonomia municipal – por serem formados por vínculos
voluntários com respeito à vontade das entidades locais – no modelo brasileiro
garantimos a autonomia municipal pelos vínculos compulsórios formados pelas
administrações supramunicipais.
O autor espanhol admite que as áreas metropolitanas na Espanha
permitem a participação das entidades integrantes, até porque a legislação
reguladora determina que todos os municípios integrantes da área
metropolitana participem dos órgãos de governo e administração. Contudo, ele
644
GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.238.
304
afirma que na prática, a representação equilibrada não é efetiva em razão dos
vínculos obrigatórios que permeiam a relação.
Apesar das várias vantagens dos consórcios sobre o modelo das áreas
metropolitanas, sobretudo, com relação ao seu regime flexível pautado nos
estatutos (que contam com espaços de discricionariedade conferidos pela
Comunidade Autônoma) o modelo consorcial brasileiro não admite este regime
jurídico. O Estatuto dos consórcios é elaborado pelos componentes do
Consórcio que ora pode ser formado pelos Municípios (como pessoa jurídica
de direito público, sem intervenção do Estado), ora pelo Estado (ocasião em
haverá interferência pelo simples fato de ser membro da pessoa jurídica de
direito público ou privado integrante do consórcio).
Ressaltamos que os consórcios públicos, mesmo integrados por
Estados, são fruto de contratos, enquanto as regiões metropolitanas,
administradas por meio de autarquias,são formadas por lei complementar
estadual, através de vínculos compulsórios, em razão de aspectos geográficos,
urbanos, sociais e econômicos, que inviabilizam a manifestação de vontade
dos municípios integrantes.
Ao contrário do modelo espanhol, as regiões metropolitanas são criadas
para a administração das funções públicas de interesse comum que incumbem
ao Estado, tanto do ponto de vista da administração, quanto da titularidade. Os
consórcios públicos destinam-se à gestão de serviços e atividades municipais
homogêneas, titularizadas pelos municípios, por serem interesses locais,
intermunicipais. Eles só incidem sobre os municípios que participam do
consórcio. Não estão integrados no âmbito geral às regiões metropolitanas,
que tratam de funções de municípios articuladas com todo o fenômeno de
conurbação.
A distinção entre os modelos de gestão, considerando os tipos de
interesses administrados, foi abordada nos anos de 1980, por Alaor Caffé
Alves, sob a égide da Constituição Federal de 1969. O interesse metropolitano,
administrado pelas regiões metropolitanas, decorria de grandes concentrações
urbanas, responsáveis pela extensão física de uma cidade por mais de dois
municípios. Assim, um organismo único era o gestor de vários problemas
relacionados aos demais municípios, os quais só poderiam ser equacionados
regionalmente. O jurista já identificava que soluções tratadas por meio de
305
institutos intermunicipais, como os convênios e consórcios, não eram
adequados para resolver problemas metropolitanos envolvendo solução em
escala global. Assim, Alaôr Caffé Alves645 distinguia interesse metropolitano e
serviços comuns de interesse municipal, os quais seriam administrados por
institutos distintos. Além disto, não seria possível excluir a possibilidade dos
municípios integrantes das regiões metropolitanas da celebração de convênios
e consórcios, sob pena de ofensa à autonomia municipal646:
Por isso, é preciso fazer a distinção entre os serviços comuns de interesse metropolitano e os serviços comuns de interesse intermunicipal. Estes últimos são tratados a nível do relacionamento, direto e espontâneo, entre os municípios vizinhos interessados na solução de determinados problemas comuns, mas que não interessam ao conjunto urbano-regional. Tal relacionamento pode se concretizar através da utilização de instrumentos adequados e tradicionalmente colocados à disposição das unidades políticas para a realização de propósitos comuns. Assim, de conformidade com o art. 13, §3º, da Constituição Federal
647, a União, os Estados e os
Municípios poderão celebrar convênios para execução de suas leis, serviços ou decisões, por intermédio de funcionários federais, estaduais ou municipais. [...] Evidentemente, não se poderia excluir, por inconstitucional, a capacidade de os municípios integrantes de regiões metropolitanas celebrarem convênios a respeito de assuntos que interessem a mais de uma comunidade local. Isso seria impor uma restrição à autonomia municipal, vedada expressamente pela Lei Maior. Então, haverá serviços comuns de interesse intermunicipal que podem ser objeto de avenças entre duas ou mais municipalidades, na região metropolitana, sem que sejam, por isso, identificados como serviços comuns de interesse metropolitano.
Apesar de semelhanças com o modelo espanhol, existem distinções
entre os regimes jurídicos que não permitem aos consórcios públicos
substituírem completamente as regiões metropolitanas, embora possam ser
utilizados por cada uma das figuras para resolver questões de incidência local,
que não se confunde com funções públicas de interesse comum. Isto significa
dizer que os consórcios públicos poderão auxiliar a gestão dos problemas
metropolitanos apenas para um âmbito restrito de competências, que abrange
municípios ou o Estado quando participante. Este modelo não é juridicamente
destinado para gerir questões complexas, abrangentes, que envolvam a
articulação com municípios das regiões metropolitanas unidos por fenômenos
645
ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981,p.280. 646
ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.280. 647
BRASIL. Constituição Federal. (1969).
306
urbanos da conurbação e reunidos por relações de integração funcional de
natureza físico-territorial, os quais caracterizam interesse metropolitano.
O âmbito de abrangência do modelo consorcial é distinto do
compulsório, de acordo com o ordenamento jurídico nacional. Os ajustes
consorciais (arranjos intermunicipais institucionais com autoridade
inframetropolitana) abrangem interesses interlocais, homogêneos, um campo
distinto de incidência em relação às funções públicas de interesse comum,
geridas pelos arranjos supramunicipais (art.25, §3º da Constituição Federal)
referentes aos interesses tutelados pelo Estado, o que autoriza a distinção
entre os regimes jurídicos previstos pelo legislador constituinte.
Assim, ainda que uma parcela da doutrina defenda a possibilidade da
administração do interesse metropolitano por consórcios públicos, entendemos
não ser o instrumento adequado para esta finalidade, em razão da fragilidade
do vínculo. O regime jurídico de elaboração e execução dos planos diretores
metropolitanos não será pautado por arranjos consorciais, mas por vínculos
compulsórios e institucionais formados a partir do previsto no art. 25, §3º da
Constituição Federal.
307
5 PLANEJAMENTO URBANO
Ao consultarmos o dicionário648 para investigarmos o sentido do termo
‘planejamento’, encontramos três significados:
Sm. 1. Ato ou efeito de planejar; 2. Trabalho de preparação para qualquer empreendimento, segundo roteiro e métodos determinados; planificação: planejamento de um livro, de uma comemoração. 3. Brás. Elaboração, por etapas, com bases técnicas (especialmente no campo sócio-economico), de planos e programas com objetivos definidos; planificação.
Com relação ao item 1, ‘planejamento’ significa ato ou efeito de planejar.
Por sua vez, o verbo transitivo direto ‘planejar’ apresenta os sentidos:
1. Fazer o plano ou planta de; projetar, traçar: Um bom arquiteto planejará o edifício. 2. Fazer o planejamento de; elaborar um plano ou roteiro de; programar, planificar: planejar um roubo. 3. Fazer tenção ou resolução de; tencionar, projetar: “Mesmo antes do dia nascer, levantar-se, planejando uma vistoria aos serviços”
Imediatamente identificamos a relação entre as atividades de
planejamento e edição de plano. Planejamento é sinônimo de atividade,
processo de elaboração, realizado por etapas com bases técnicas para
alcançar objetivos definidos.
Do ponto de vista lógico, envolve um conjunto de etapas ligadas entre
si,o desenvolvimento de métodos e caminhos necessários para chegar aos fins
desejados649.
Esse conceito envolve a idéia de uma rede seqüencial de atividades ligadas organicamente entre si, formando um processo onde se faz presente também a idéia de uma rede sistêmica, com as implicações funcionais dela resultantes.
A atividade de planejamento começou a ser utilizada pelo Estado como
instrumento de governo e administração no século XVIII, mas recebeu
destaque com o Estado Social, caracterizado pela atuação intensiva do Estado
no domínio econômico para reduzir as desigualdades sociais.
648
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.1343. 649
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.42.
308
O planejamento estatal não poderia ser desenvolvido no Estado Liberal
do século XIX, pois o Estado não poderia intervir na esfera dos particulares,
salvo quando indispensável para impedir que a liberdade de uns interferisse na
de outros, garantir a ordem, a paz e a segurança. Era o Estado mínimo, que
não intervinha na vida econômica nem na liberdade dos cidadãos.
No entanto, a ausência da atuação do Estado na ordem econômica
culminou com o aparecimento de crises sociais em razão da falta de garantia
de direitos mínimos à população que a despeito de trabalhar, não vivia em
condições dignas de subsistência.
De um lado, a Revolução Industrial e o Estado de Direito propiciaram o
desenvolvimento econômico e o fortalecimento do sistema capitalista, de outro
consagraram a forte concentração de riqueza na mão de poucos que se
beneficiavam do sistema alimentado pela mão de obra de trabalhadores
explorados em suas condições de trabalho que incluía trabalho infantil e
elevadas jornadas, além da ausência de direito à saúde, educação e amparo
contra a doença e a velhice, se não fosse mais possível trabalhar.
Os movimentos sociais do final do século XIX e início do XX culminaram
com o surgimento do Estado e mobilizaram as massas populares para
reinvindicarem sua atuação e propiciar melhores condições de vida, salários,
saúde, educação e habitação.
As Constituições de Weimer (1919) e do México (1917) foram as
primeiras a consagrar o novo modelo de Estado que, por necessariamente
atuar no domínio econômico e social dos indivíduos, passou a utilizar o
planejamento,um conjunto de métodos e etapas destinados à promoção da
justiça social.
Fernando Alves Correia650 afirma que o planejamento era o instrumento
por excelência do Estado para programar racionalmente a sua intervenção no
domínio econômico e social dos indivíduos. Isto, porque, o Estado Social
exerce atividades complexas, que necessitam alocar racionalmente recursos
públicos e investimentos privados para atender às necessidades sociais651:
650
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 276. 651
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 276
309
Com o Estado de Direito Social, a planificação estende-se a muitos sectores anteriormente não abrangidos por ela, ao mesmo tempo que sofre uma mudança funcional, na medida em que passa de uma actividade de mera execução da lei à própria definição e realização de objetivos sociais, nomeadamente a regulamentação dos processos de desenvolvimento económico e a criação de condições mínimas de vida para todos os cidadãos.
Atualmente, o uso do planejamento como um instrumento de atuação
estatal representa vários propósitos como os de auxiliar a coordenação de
programas nos diversos setores de intervenção do Estado no domínio
econômico, coordenar os diferentes serviços estatais, utilizar de forma racional
os meios e recursos do Estado para alcançar os objetivos e compatibilizar
vários interesses contraditórios de uma sociedade democrática e pluralista652.
Neste estudo adotaremos a definição de planejamento elaborada por
José Afonso da Silva653: “O planejamento, em geral, é um processo técnico
instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos
previamente estabelecidos”.
5.1 Planejamento e plano: relações
A atividade de planejamento tem íntima relação com a elaboração de um
plano, pois o ato de planejar exige a edição do meio pelo qual se
instrumentaliza o processo de planejamento654. Considerando o caráter
dinâmico do planejamento e estático do plano, explica Alaôr Caffé Alves655:
O plano é a estratificação de certos momentos do processo de planejamento. O processo é dinâmico, fluente e sinuoso; o plano, produto daquele processo, é estático, embora não imutável, e exprime uma tentativa de imprimir coerência, consistência e certeza em relação às medidas propugnadas durante o referido processo. O plano estratifica, de certo modo, as etapas ou fases do planejamento, isto é, a definição dos objetivos gerais, a pesquisa dos meios disponíveis, a determinação dos meios necessários, a fixação da seqüência ou simultaneidade das operações e dos objetivos parciais, a demarcação do local (ou locais) da ação, do seu cronograma e, como prolongamento lógico, a indicação das medidas de controle de sua implementação. O plano delinea as decisões de caráter geral do sistema, suas grandes linhas políticas, suas estratégias, suas diretrizes e precisa responsabilidades.
652
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004. p.276. 653
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.89. 654
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.89. 655
Com base em SILVA, Benedicto. Uma teoria geral de Planejamento. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1964, p.125, apud ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.71-72.
310
Apesar da proximidade entre eles, o produto do processo de
planejamento não se confunde com a atividade que culmina com a sua edição.
Conforme Fernando Alves Correia656, é possível existir um planejamento que
não resulte na aprovação de um plano, ou a continuidade da atividade ainda
que o plano tenha sido editado. No primeiro caso, atentamos para a hipótese
do Poder Executivo ter realizado estudos técnicos ao lado de medidas
propostas pela população que resultaram em um projeto de plano diretor, que
não tenha sido aprovado pelo Poder Legislativo Municipal. No segundo,
mencionamos a aprovação do plano e o processo contínuo de planejamento
para elaborar propostas de projetos de lei que regulamentem os instrumentos
urbanísticos nele contidos.
Em razão do Estado social atuar em diferentes setores (domínio
econômico, campo social, urbano, ambiental e orçamentário) surgem várias
espécies de planos que procuram compatibilizar as decisões do Estado com as
expectativas da iniciativa privada. Há aqueles que dificultam delimitar
uniformemente seu conceito e conteúdo. Os planos, dependendo da espécie,
podem adotar apenas diretrizes ou estratégias gerais, até formularem
programas, políticas governamentais ou assumirem comandos concretos como
instrumentos de intervenção na liberdade e propriedade do particular.
A doutrina diverge se é possível elaborar um conceito comum de plano
correspondente às diversas espécies que ele poderá assumir. Enquanto alguns
sustentam um conceito uniforme de plano que corresponda a cada espécie,
outros defendem a criação de um conceito uniforme657.Nos filiamos à última
corrente. Com base na literatura alemã, esclarece Fernando Alves Correia658:
“Em todos os casos, trata-se de actos da Administração Pública, que consistem
na utilização de diferentes medidas discricionárias, interligadas, com o fim de
impor uma certa ordem nos sectores a que se aplicam”.
Destacamos desta definição que plano é ato da Administração Pública,
que usa medidas discricionárias para ordenar certa realidade.
656
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 275. 657
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 286. 658
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. p.287.
311
Quanto ao caráter de ato administrativo atribuído ao plano, não podemos
adotá-lo em nosso sistema jurídico, pois a Constituição brasileira converteu o
processo de planejamento e plano para o Direito, atribuindo-lhe característica
de norma jurídica.
A qualificação de plano como ato legal já decorria da Constituição de
1969, ao prever que o plano só teria eficácia jurídica junto à Administração e
aos administrados, se aprovado por lei. Na Constituição Federal de 1988,
vários dispositivos atestam a institucionalização jurídica, segundo José Afonso
da Silva659, do processo de planejamento e seu produto (plano). Assim, os
planos adquirem natureza de lei, pois são por ela aprovados e integram o
conteúdo legislativo. É o que verificamos nos arts. 21, IX, 30, VIII, 48, IV, 174,
§1º e 182, §1º, da Constituição Federal.
Apesar da lei aprovar o plano, isto não restringe sua natureza legal.
Além de aprovar o plano, é conferida eficácia jurídica às regras planificadas. O
plano, portanto, integra o conteúdo da norma. Segundo José Afonso da
Silva660:
Por isso, a nosso ver, o plano passa a integrar o conteúdo da lei, formando, assim, com esta, uma unidade legislativa. Em sentido formal, portanto, os planos urbanísticos no Brasil têm natureza de lei, e também o têm no sentido material, pois como já vimos, são conformadores, transformadores e inovadores da situação existente, integrando o ordenamento jurídico que modificam, embora neles se encontrem também regras concretas de natureza administrativa, especialmente quando sejam de eficácia e aplicabilidade imediatas e executivas.
Para Alaôr Caffé Alves661 não há sentido em diferenciar plano de lei que
o aprova, já que o Poder Executivo tem o dever de cumprir as disposições
aprovadas pelo Legislativo. Qualquer disposição contida no plano, de cunho
político ou proposições jurídicas permissivas e proibitivas geram deveres em
relação aos seus destinatários. A firma o autor, baseado em Fernando Garrido
Falla662:
659
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.90. 660
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.98. 661
GORDILLO, Agustín A.La Planificación y el Poder Legislativo. In: Perspectivas del Derecho Público em la Segunda Mitad del Siglo XX, v.III, 1969, p.225, apud ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.84. 662
FALLA, Fernando Garrido. Tratado de Derecho Administrativo. Madrid, Instituto de Estúdios Políticos, 1976, p.396-397, apud ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.85.
312
Sob o ponto de vista do plano aprovado por lei, é indiferente que os juízos lógicos definidores daquelas situações jurídicas se encontrem ou não no articulado da lei ou no plano. Cumpre, entretanto, distinguir, através de percuciente análise, as disposições que efetivamente expressam aqueles juízos das que representam uma retórica política, destinada a servir de pano de fundo para a interpretação do plano como um todo. Mesmo neste último caso, não se pode de modo algum dizer que as formulações assim caracterizadas sejam irrelevantes, visto que, em razão de sua própria investidura jurídica, passam a oferecer o necessário balizamento à correta interpretação das disposições geradoras de situações jurídicas de poder ou de dever contidas no plano ou na lei que o aprovar.
Adotada a eficácia jurídica dos planos, a doutrina questiona o seu grau
de eficácia, de obrigatoriedade. Explica José Afonso da Silva663 que a doutrina
reconhece dois tipos de planos: o indicativo e o imperativo.
No primeiro caso, o planejamento é típico de Estados intervencionistas,
sociais que apenas impõem medidas de intervenção no domínio econômico.
Os planos estatais sugerem condutas, editam comandos que convencem ou
não os particulares a adotarem seus comandos. No segundo caso, o
planejamento imperativo é típico de países socialistas, cujo planejamento é
necessário em razão da administração estatal dos meios de produção. Neste
caso, as direrizes dos planos são obrigatórias para coletividade.
Qual a solução adotada pelo constituinte de 1988? Dispõe o art. 174 que
planejamento e plano jurídico são determinantes para o setor público e
indicativos para o setor privado. A Constituição adotou um modelo de Estado
Social, intervencionista, que protege no Título VII, da Ordem Econômica (art.
170) valores como livre iniciativa, propriedade privada, livre concorrência e a
função social da propriedade, justiça social e redução das desigualdades
regionais e sociais. Assim, o plano é sempre obrigatório para o setor público,
mas indicativo aos particulares, através de sugestões que visam convencer os
particulares para o processo de planejamento.
Diante do art.174 e do caráter jurídico da atividade de planejamento e
seu produto, poderíamos pensar que a afirmação seria um disparate jurídico.
Afinal, qual o sentido de sustentar um plano jurídico obrigatório se é indicativo
para o setor privado nos termos constitucionais?
Pelo fato do plano ser meramente indicativo para o setor privado não
existem motivos para retirar seu conteúdo jurídico. José Afonso da Silva664,
663
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.90.
313
baseado em Agustin Gordillo, explica que as sugestões do plano, as
faculdades conferidas aos particulares não retiram seu caráter jurídico, pois as
normas também conferem faculdades, comportamentos permitidos aos seus
destinatários. Os enunciados sugestivos são fundamentos de ações que os
particulares vão realizar em troca de benefícios previstos nos planos. Caso os
particulares cumpram as exigências do Poder Público, poderão auferir
benefícios e estímulos previstos no plano. Conforme explica Fernando Garrido
Falla665, o planejamento indicativo, se realizado, é considerado atividade de
fomento: “a planificação de tipo indicativo, na qual os benefícios e estímulos
que se oferecem ao setor privado constituem a contraprestação das obrigações
que os particulares assumem, ao aceitar livremente tais benefícios”.
Por outro lado, o caráter indicativo dos planos traz consequências
jurídicas aos particulares por condicionar suas condutas à atuação
governamental planejada, sobretudo, nas atividades que dependem de licença
e autorização do Poder Público, além da imposição de respeitoaos objetivos
dos planos666:
Por outro lado, se é certo que o plano indicativo não obriga o setor privado, é também certo, como uma nota de sua índole jurídica: (1º) que a liberdade de atuação do empresariado privado fica, em termos globais, condicionada à atuação governamental planejada; (2º) que o setor privado não pode atuar deliberadamente contra os objetivos do plano; (3º) que, naquelas hipóteses em que a atividade depende de autorização ou licença, a Administração poderá ter em conta os objetivos, previsões e requisitos estabelecidos, para outorgar, ou não, a autorização ou licença, pois, em tais casos, sua concessão ou denegação se converte em matéria regrada.
Para Ricardo Marcondes Martins667o art.174 é preciso pois proporciona que
o particular saiba antecipadamente as medidas tomadas pelo Poder Público ao
realizar o planejamento:
o planejamento é vinculante para o setor público e obriga os agentes públicos, quando das decisões discricionárias futuras, a observar a antecipação fixada no plano e indicativo para o setor privado revela para os particulares quais serão as decisões discricionárias futuras.
664
GORDILLO, Agustín A. Derecho Administrativo de la Economia, p.423 apud SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.92. 665
Problemática Jurídica de los Planes de Desarrollo Econômico, p.111 apud SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.92. 666
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.93. 667
MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação Administrativa à luz da Constituição Federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p.132.
314
O autor qualifica o ato de planejamento como a situação de quem pode
escolher entre duas ou mais alternativas. Como se trata de exercício de função
administrativa, o Estado atua no campo da discricionariedade, de liberdade de
atuação nos limites legais do plano para alcançar a melhor forma de
concretizar o interesse público. Segundo Ricardo Marcondes Martins, a
atividade de planejamento estatal é a antecipação de escolhas futuras por
parte do Estado, no exercício de competência discricionária668:
Eis a natureza jurídica do planejamento estatal: é uma restrição ao exercício futuro da discricionariedade por meio da antecipação. A fortiori, não consiste num meio de intervenção na ordem econômica e, pois, num meio de regulação; trata-se de uma forma de realização dos meios de intervenção, dos meios da regulação. Quer dizer: em rigor, os meios são a ordenação, o fomento e, nos termos a seguir examinados, a exploração direta; as decisões discricionárias relativas a esses meios devem, sempre que possível, ser antecipadas.
Nessa perspectiva, explica também que669o planejamento, ao ser
imperativo para o Estado, proporciona antecipar as escolhas discricionárias de
acordo com as determinações previstas no plano. E não isenta o particular do
efeito das decisões pois lhes confere segurança jurídica, visto que saberá
antecipadamente o teor das decisões do Estado e suas consequências. O
planejamento urbanístico confirma esta afirmação, ao antecipar as decisões do
Estado, como por exemplo, as zonas nas quais haverá moradias populares ou
incidirão medidas de proteção ambiental. Assim, quando os comandos do
plano forem executados os proprietários dos imóveis urbanos não poderão
edificar suas casas nestas áreas, em razão das medidas previstas no plano
diretor.
5.1.1 Espécies de planos
Em razão das inúmeras atividades assumidas pelo Estado Social nos
setores da saúde, meio ambiente, econômico e urbanístico, são criadas
diversas espécies de planos administrativos. Para esta tese, acolheremos a
divisão entre os planos econômicos e territoriais. Qual o conteúdo e o fator de
668
MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação Administrativa à luz da Constituição Federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p.131. 669
MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação Administrativa à luz da Constituição Federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p.132.
315
diferenciação entre eles? Fernando Alves Correia670aponta para os diversos
elementos da realidade sobre o qual cada espécie de plano aborda ou melhor,
os distintos objetos disciplinados.
O plano territorial tem o território como objeto e sobre ele determina seus
comandos e intervenções. Indiretamente estes planos também atuam no
planejamento econômico, desde que conexos com o do território, em razão de
efeitos condicionados ou induzidos pela planificação do solo. Por sua vez, o
plano econômico é um conjunto de normas jurídicas que possibilita ao Estado
definir por um período de tempo os objetivos da política econômico-social e os
meios para concretizá-la.
O jurista português acrescenta que os planos de desenvolvimento
econômico e social são classificados com base em vários critérios, destacando
aqueles que priorizam a projeção temporal e o âmbito de abrangência. No
primeiro caso, identificamos os planos de longo prazo e médio prazos e os
anuais. No segundo, temos as espécies de planos nacionais e regionais.
Do ponto de vista da atuação do Estado, enquadramos os planos
econômicos sociais como atividade típica de intervenção do Estado no domínio
econômico que guarda relação com as três grandes concepções da
planificação econômica surgidas na História e adotadas pela Constituição
Federal (Título VII – Da Ordem Econômica) como misto de planificação do
terceiro mundo com intervenção pública na economia.
Fernando Alves Correia671enumera três grandes concepções da
planificação econômica. A primeira diz respeito aos Estados de regime coletivo,
nos quais a planificação econômica é necessária, em razão da titularidade
pública dos meios de produção e sua unidade de decisão. A segunda refere-se
aos países de terceiro mundo, nos quais o planejamento assume natureza de
desenvolvimento de algumas atividades produtivas importantes para a
economia e algumas estruturas públicas como aeroportos, transportes,
educação e saneamento. Por fim, a planificação pode ser qualificada como
uma intervenção pública na economia, na qual coexistem bens públicos e
privados, empresas públicas e privadas e de sociedade de economia mista.
670
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. p. 280. 671
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. p.281.
316
A Carta Magna acolhe a mistura entre o segundo e o terceiro modelos
de planificação. O art.170 da Constituição, ao disciplinar os princípios vetores
da ordem econômica, garante a livre iniciativa, a propriedade privada e a livre
concorrência como corolários da intervenção estatal no domínio econômico,
mas por outro lado, prevê mecanismos para reduzir as desigualdades regionais
e sociais e promover a justiça social.
No entanto, o planejamento territorial (ou pela denominação nacional,
planejamento urbanístico) trata das formas de ordenar o uso e a ocupação do
solo e a disciplina da propriedade, atividades diretamente relacionadas com a
intervenção do Estado na propriedade. José Afonso da Silva, baseado em
Joseff Wolff672, afirma: “A planificação urbanística é um acontecimento que tem
sequelas de funda repercussão e impõe sensíveis limitações aos direitos de
propriedade sobre o solo”. Isto porque o planejamento urbano qualifica
juridicamente o solo em urbano, rural ou de expansão urbana, prevê
proibições, assinala limitações e deveres com relação ao coeficiente de
aproveitamento e edificabilidade, o que importa, sobretudo no direito de
propriedade. Sob esta perspectiva estudaremos o planejamento urbanístico e
seus planos de ordenação territorial.
O fato de enquadrarmos os planos urbanos nas atividades de ordenação
territorial (provocando intervenção do Estado na propriedade) não afasta sua
relação com o domínio do Estado no plano econômico. Isto porque se trata de
uma relação indireta, pois aspectos da ordenação urbanística nos planos
urbanos, influenciam o signo de riqueza do mercado imobiliário, que é a
propriedade privada. Assim, a fixação de zoneamento (industrial, comercial,
misto, residencial), a definição de potencial construtivo modificam o valor
atribuído a determinado terreno ou propriedade eventualmente edificada.
A Constituição Federal de 1988 adotou esta relação e inseriu então o
Capítulo II (Política Urbana) no Título VII (Ordem Econômica).
A caracterização do planejamento urbanístico ou territorial como medida
de intervenção na propriedade, mas que indiretamente implica atuação do
672
“El planeamiento urbanístico del territorio y las normas que garantizan su efectividad, conforme a la Ley Federal de Ordenación Urbana”. In: La Ley Federal Alemana de Ordenación Urbanística apud SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.94.
317
Estado no domínio econômico, foi assim retratada por Fernando Alves
Correia673:
[...] Na medida em que os planos definem os princípios e regras respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo, ficam aqueles a conhecer qual o tipo e intensidade de utilização que podem dar à sua parcela de terreno. Em relação aos particulares, os planos urbanísticos constituem, deste modo, um factor de previsibilidade das decisões administrativas de gestão urbanística. A estas vantagens decorrentes da planificação urbanística acresce outra de inegável importância: a influência benéfica que a existência de planos tem sobre o mercado de solo para fins de edificação. Na verdade, a definição antecipada pelo plano urbanístico dos terrenos destinados à edificabilidade (para fins habitacionais, comerciais ou industriais) e da intensidade da sua vocação edificatória inspira confiança nos agentes interessados na realização de operações de transformação do solo, designadamente a construção, e estimula, pela via do reforço da segurança, o comércio desta classe de terrenos.
O mesmo raciocínio foi adotado por Edésio Fernandes674ao destacar a
importância do Estatuto da Cidade que não apenas regulamentou os usos e
ocupações do solo urbano, mas interferiu na dinâmica econômica dos
mercados imobiliários675:
[...] O Estatuto da Cidade não só regulamentou os instrumentos urbanísticos pela Constituição de 1988, como também criou outros. São instrumentos que podem e devem ser utilizados pelos municípios de forma combinada, de maneira a promover não apenas a regulação normativa dos processos de uso, desenvolvimento e ocupação do solo urbano, mas especialmente para induzir ativamente os rumos de tais processos, podendo dessa forma interferir diretamente com, e reverter em alguma medida, o padrão e a dinâmica dos mercados imobiliários produtivos formais, informais e, sobretudo, especulativos que, tal como operam hoje, têm determinado o processo crescente de exclusão social e segregação espacial nas cidades brasileiras.
5.2 Planejamento urbano e planos urbanísticos
Os planos urbanísticos são produtos, instrumentos que materializam,
concretizam as determinações do processo de planejamento urbano. No
sistema jurídico brasileiro são aprovados por lei e têm natureza jurídica.
Segundo José Afonso da Silva676, o plano urbanístico não é um simples
673
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. p.283. 674
FERNANDES, Edésio. Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade, p.40. In: (Org). MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. 675
FERNANDES, Edésio. Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade, p.40. In: (Org). MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. 676
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.94.
318
conjunto de relatórios, mapas e plantas técnicas, mas também revela normas
jurídicas disciplinadoras da política do solo e sua edificação.
Assim, o planejamento urbano não irá alterar significativamente o
espaço urbano enquanto o seu produto não for aprovado como lei. O
planejamento urbano e seu instrumento de concretização (o plano urbanístico)
são instrumentos do direito urbanístico aplicados na ordenação dos espaços
habitáveis, no conjunto campo-cidade, como forma de corrigir e eventualmente
prevenir os prejuízos do processo de urbanização.
Como instrumento do direito urbanístico, nos valemos do conceito de
planejamento urbano desenvolvido por Maria Magnólia Lima Guerra677:
Hoje, o planejamento é procedimento inicial de toda e qualquer atividade urbanística. Entende-se por planejamento urbano a atividade da Administração dirigida à ordenação de seu território através de determinação prévia do uso do solo urbano por entidades públicas ou particulares, de localização das áreas residenciais, industriais, comerciais e de lazer, de determinação das áreas públicas, de delimitação do exercício de direito de propriedade, e, ainda, através do estabelecimento das formas de desenvolvimento da cidade. Como se vê, o planejamento urbano destina-se, fundamentalmente, a explicitar as diretrizes a serem seguidas para a solução de problemas essenciais da cidade.
Como forma de ordenar os espaços habitáveis das cidades, o
planejamento urbano gera o plano que apresenta várias funções de disciplina
do solo urbano. Fernando Alves Correia678aponta quatro tipos de funções dos
planos urbanos: (1) Inventariação da realidade ou da situação existente; (2)
Conformação do território; (3) Conformação do direito de propriedade do solo;
(4) Gestão do território.
A primeira função de inventariação da realidade urbana pressupõe a
atividade de técnicos, arquitetos, engenheiros, que deverão verificar a
realidade física, social e econômica do território que sofrerá a ordenação do
solo.
José Afonso da Silva679cita 10 passos adotados por Jorge
Wilheim680para elaborar planos diretores. Esta função apresentada pelo jurista
677
GUERRA, Maria Magnólia Lima. Aspectos Jurídicos do Uso do Solo Urbano. Fortaleza, 1981, p.41. 678
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 288. 679
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.144.
319
português corresponde à fase do diagnóstico que pressupõe avaliar com
profundidade os problemas de desenvolvimento do Município e compreende
duas análises: a primeira retrospectiva da situação existente, na qual serão
identificadas as demandas e suas causas e a segunda projetiva, que irá
salientar os meios necessários para solucioná-las.
A segunda função refere-se à conformação do território, que na
metodologia de Jorge Wilheim corresponde às fases de definição do plano de
diretrizes em relação à situação retratada e a instrumentação do plano. Como o
propósito dos planos é modificar a realidade e influenciar a organização do
espaço, o plano abrigará definir regras e princípios que vão orientar a solução
dos problemas territoriais. Além disto, serão escolhidos os instrumentos para
alcançar metas. Trata-se da previsão financeira, isto é, dos recursos
necessários para implementar e executar o plano, definir instrumentos
urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade para cumprir a função social da
propriedade, como a outorga onerosa do direito de construir, direito de
preempção, parcelamento e edificação compulsórios, por exemplo. Além disto,
o projeto de lei elaborado pelo Poder Executivo deverá ser aprovado no
Legislativo para ser respeitado pelos habitantes do território que será
ordenado.
A terceira função diz respeito à conformação do direito de propriedade
do solo. Isto significa que o plano contém normas jurídicas que disciplinarão a
essência do direito de propriedade681, por meio da classificação do uso e
destino do solo, divisão do território em zonas urbanas, rurais ou de expansão
urbana, fixação dos parâmetros a que deve obedecer a ocupação, o uso e a
transformação de cada um deles. Segundo Fernando Alves Correia682,esta
função só pode ser aplicada aos planos específicos, que contenham
determinações sobre o destino das áreas singulares. Esta peculiaridade não
diz respeito aos planos que estabelecem normas gerais sobre o uso e a
ocupação do solo.
680
WILHEIM, Jorge. O Substantivo e o Adjetivo, p.185 apud SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.144. 681
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p.290. 682
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 290.
320
Pautado na legislação portuguesa, o jurista explica que esta função de
conformação do direito de propriedade do solo está diretamente relacionada ao
grau de concretização e de detalhamento que o plano urbanístico apresenta.
De um lado há os programas nacionais e os planos regionais de política de
ordenamento do território, os setoriais e intermunicipais, que indicam opções
gerais, diretrizes com relação à organização do território por ele abrangido. Por
outro lado, há os planos que apresentam especificações, detalhamentos sobre
o uso e ocupação do solo, que englobam os planos especiais e municipais de
ordenamento do solo.
De acordo com o sistema urbanístico português, os planos especiais são
instrumentos elaborados pela administração central, de natueza regulamentar,
que estabelecem normas de tutela dos recursos ambientais e os municipais
regulam o regime de uso do solo, ou seja, as vocações e destinos das parcelas
de terreno, formas de urbanização e edificação. É neste último que
encontramos o grau mais específico de conformação do direito de propriedade,
pois prescreve a densidade habitacional, as áreas urbanizável e de construção,
o número de pisos e superfícies de lotes683.
E por fim, os planos devem gerir os territórios. Isto significa que os
planos não se dedicam apenas à regulamentação do uso e ocupação do solo,
mas também deverão criar sistemas de gestão territorial para garantir que suas
normas sejam executadas. Assim, preocupam-se com o surgimento de órgãos
para executar as políticas e fiscalizar sua aplicação.
O art. 42 do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) determina
que o Plano Diretor deverá, no mínimo, conter um sistema de
acompanhamento e controle, baseados no modelo de gestão democrática (art.
43), através de Conselhos, audiências públicas, consultas e outros
mecanismos de participação popular.
683
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004. p. 292. Para o autor, os planos municipais de ordenamento do território apresentam várias tipologias, sendo necessário distinguir os planos diretores municipais, dos planos de urbanização e os planos de pormenor, cujo grau de concretização e de detalhe vai aumentando à medida que se passa dos primeiros para os segundos e destes para os indicados em terceiro lugar. Assim, a função conformadora do direito de propriedade do solo é mais intensa e incisiva nos planos de pormenor do que nos planos de urbanização e mais profunda nestes do que nos planos diretores municipais. Neste sentido, o autor utiliza o próprio conteúdo dos planos para confirmar suas ideias. Ele diferencia indicadores e parâmetros urbanísticos, quanto ao grau de concretização da conformação. Os indicadores são genéricos e inclui os conceitos de densidade populacional, densidade habitacional, área urbanizável, área de implantação e área de construção. Já os parâmetros englobam os índices volumétricos, número de pisos, cérceas, superfícies de lotes, superfícies de pavimentos, afastamentos das construções.
321
Trazemos duas classificações de Fernando Alves Correia684 que apesar
de terem sido realizadas à luz do sistema jurídico português, são úteis para
analisarmos a tipologia dos planos urbanísticos previstos na Constituição
Federal de 1988.
O primeiro critério divide os planos em razão da finalidade. O segundo
os classifica de acordo com o âmbito espacial de aplicação.
De acordo com a natureza das metas e objetivos (finalidade)
perseguidos por cada um dos planos, dividem-se em: a) globais ou gerais; b)
setoriais e c) especiais. Os planos globais determinam um ordenamento
integral do território por eles abrangido e disciplinam de forma genérica todos
os usos e destinos do espaço. Citemos como exemplos planos jurídicos
disciplinados como normas gerais no Estatuto da Cidade (Lei Federal nº
10.257/2001). Os planos setoriais têm como propósito programar e concretizar
diversas políticas específicas com incidência ou repercussão na organização
do território. Desta maneira, citamos os planos previstos na Lei Federal nº
6.766/1979(disciplina as normas gerais sobre o parcelamento do solo urbano) e
na Lei Federal nº 12.587/12 (dispõe sobre a Política Nacional de Mobilidade
Urbana).
Os planos especiais ou específicos têm como finalidade definir os usos e
o regime de gestão do espaço, compatíveis com a preservação do meio
ambiente. Os conteúdos são mais concretos e precisos, justamente por
definirem as modalidades e intensidades de uso e ocupação do solo. Neste
caso, citamos como exemplo os Planos Diretores Municipais.
Quanto ao âmbito espacial de aplicação, a divisão dos planos é
horizontal e não se preocupa com o valor hierárquico de cada um deles. Assim,
a doutrina enumera cinco tipos de planos: nacional, regional, supramunicipal,
municipal e submunicipal.
Os nacionais introduzem no sistema jurídico programas nacionais de
ordenamento territorial, cuja aplicabilidade abrange todo o país, como os
planos nacionais de gerenciamento costeiro685. Os planos regionais podem
atingir mais de um Estado ou Regiões Administrativas de desenvolvimento da
684
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 294-301. 685
Lei do Gerenciamento Costeiro. Lei Federal nº 7.661/1988. Art. 1º, Art.3º, I a III.
322
União (art. 43 da Constituição Federal). A União Federal poderá utilizar planos
macrorregionais destinados a ordenar o território dos complexos
geoeconômicos e sociais por ela criados. Como planos supramunicipais,
citamos os planos intermunicipais de ordenamento territorial que abrangem a
totalidade ou parte de áreas pertencentes a dois ou mais municípios vizinhos,
consubstanciados nos planos dos consórcios municipais (editados com base
no art. 3º, XII do Decreto nº 6.017/2007 regulamentador da Lei nº 11.107/2005).
São destinados a viabilizar ações e políticas de desenvolvimento urbano,
socioeconômico local e regional em âmbito supramunicipal. Igualmente
mencionamos os planos de ordenação territorial estaduais. Quanto aos planos
municipais, citamos os planos diretores (art.40, §2º) que deverão abranger o
território do Município integralmente (conjunto campo-cidade). E por fim, os
planos submunicipais, restritos aos planos territoriais específicos, que
abrangem apenas uma parte do município. Citamos os planos de bairros, os
quais deverão estar articulados com o plano diretor.
5.3 Planejamento urbanístico brasileiro686
Até agora trouxemos subsídios genéricos aplicáveis a todo e qualquer
tipo de planejamento ou plano urbanístico. A partir deste momento, utilizaremos
critérios gerais para explicitar o sentido e o alcance conferidos pelo legislador
ao planejamento urbano brasileiro.
No art.182 da Constituição Federal, identificamos que a política de
desenvolvimento urbano, executada pelo Município, tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes. Mais adiante, o parágrafo 1º afirma que o plano diretor é o
instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, que
por sua vez, deve ser ordenada e disciplinada por meio de planos diretores
para alcançar o desenvolvimento das funções sociais da cidade.
Por outro lado, dispõe o art. 2º do Estatuto da Cidade que a política
urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
686
Ao mencionarmos planejamento urbanístico não desconsideramos os planos urbanos, que são produtos do processo de planejamento. Indicaremos de forma genérica planejamento urbanístico para nos referirmos tanto ao processo de planejamento quanto aos planos. Quando nos referirmos às distinções entre eles, serão abordados separadamente.
323
da cidade e da propriedade. Em seguida, prevê no art. 4º um rol de
instrumentos da política urbana considerados meios utilizados pelo Poder
Público para concretizar suas decisões de mérito, opções com relação aos
objetivos a serem atingidos para desenvolver as funções sociais da cidade e da
propriedade. Dentre eles destacamos os planos previstos nos incisos I, II, III,
que tratam, respectivamente, dos planos nacionais, regionais e estaduais de
ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; planejamento
das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões e
planejamento municipal, em especial: planos diretor, plurianual, programas e
projetos setores e planos de desenvolvimento econômico e social.
Ao interpretarmos os dispositivos de forma sistemática, percebemos que
o planejamento urbano é um instrumento de ordenação da política urbana para
concretizar princípios da função social da cidade e da propriedade.
Destacaremos, então, algumas noções para construirmos nossa análise: o
planejamento como instrumento de ordenação e os princípios da função social
da cidade e propriedade. Nosso intuito é demonstrar que o planejamento
urbano tem como objetivo alcançar a função social da cidade e propriedade,
mas para isto deverá ordenar a política urbana, conformar, restringir e por
vezes sacrificar o direito de propriedade.
Alguns entendem, assim como Nelson Saule Júnior que o direito à
cidade é a pedra fundamental do direito urbanístico por consistir (art. 2º, II, da
Lei Federal nº 10.257/2001) na garantia do direito a cidades sustentáveis, que
engloba o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à
infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao
lazer, para as atuais e futuras gerações. Assim, compete ao planejamento
urbano viabilizar estas funções ao disciplinar o ordenamento das cidades.
Mas o planejamento urbano também deve zelar pelo cumprimento da
função social da propriedade. Qual, então, o conteúdo deste princípio jurídico?
Atualmente (arts. 5º, XXII, XXIII do rol dos direitos e garantias
individuais; art. 170, II e III, previsto no Título VII) foi garantido no sistema
jurídico brasileiro o direito subjetivo de propriedade privada, mas que deverá
atender a uma função social.
Esta concepção do princípio não se coaduna com o conteúdo defendido
em 1912, na França, por Duguit que qualificava a propriedade como função
324
social. Segundo o jurista francês, a posição do indivíduo na sociedade não
decorre de direitos subjetivos, mas de funções por eles exercidas687:
O homem não tem direitos. A coletividade tampouco. Porém, todo indivíduo tem na sociedade uma certa função a cumprir, uma certa tarefa a executar. Este é precisamente o fundamento da regra de direito que se impõe a todos. Em relação à propriedade, a função assinalada é dupla: de um lado, o proprietário tem o dever e o poder de empregar a coisa que possui na satisfação das necessidades individuais e especialmente nas suas próprias, de empregar a coisa no desenvolvimento de sua atividade física, intelectual e moral. De outro lado, o proprietário tem o dever e, por conseguinte, o poder de empregar a sua coisa na satisfação de necessidades comuns, de uma coletividade nacional inteira ou de coletividades secundárias.
Não podemos adotar esta concepção, uma vez que o proprietário
privado também exerce o direito de propriedade para atender interesses
específicos, individuais. Basta lembrarmos as noções de função pública para
verificarmos o descabimento desta concepção. Aquele que realiza função
pública cumpre determinações para proteger interesse alheio e não próprio.
Esta concepção não se coaduna inteiramente com o particular, até porque a
Constituição Federal adota o modelo de Estado Social, mas que também
assegura a vigência da ordem capitalista, pautada nos valores da livre iniciativa
e garantia da propriedade privada. A ordem constitucional garante no mínimo
um conteúdo econômico688, aproveitável deste direito.
Maria Magnólia Lima Guerra689esclarece que não podemos adotar esta
concepção, ao afirmar que embora a propriedade tenha uma função social, ela
é um direito e não apenas uma função. Endossa seu posicionamento
explicando que esta concepção não é acolhida pelos ordenamentos jurídicos
não socialistas, como é o caso brasileiro. E reproduz contribuição de Santi
Romano690 para confirmar sua tese, que confere à propriedade privada a
característica da bilateralidade atributiva, uma qualificação aparentemente
sofisticada que corresponde à garantia atribuída pela ordem jurídica ao conferir
687
ROCHA, Silvio Luís Ferreira da.Função Social da Propriedade Pública. ColeçãoTemas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.71. 688
A expressão é de Carlos Ari Sundfeld em Direito Administrativo Ordenador, p.93 apud PIRES, Luis Manuel Fonseca. Limitações Administrativas à Liberdade e à Propriedade. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.318. Este autor destaca uma passagem importante da obra de Carlos Ari Sundfeld que ilustra o conteúdo econômico da propriedade: “Em outras palavras, qualquer condicionamento do direito de propriedade tem como limite a viabilidade prática e econômica do emprego da coisa: proibido este, o direito estará totalmente sacrificado”. 689
GUERRA, Maria Magnólia Lima. Aspectos Jurídicos do Uso do Solo Urbano. Fortaleza, 1981, p.57. 690
ROMANO, Santi. Princípios de Direito Constitucional Geral. Tradução de Maria Helena Diniz. São Paulo: RT,1977, p.145-146. In: GUERRA, Maria Magnólia Lima. Aspectos Jurídicos do Uso do Solo Urbano. Fortaleza, 1981, p.58.
325
certo direito a alguém e o seu correspondente dever. Assim, a propriedade é
um direito que deve ser fruído, mas que deve cumprir deveres coletivos,
voltados ao interesse social.
Conclui que o direito de propriedade continuará sendo um direito, mas
com uma vertente social691:
[...] É claro que a sua natureza continuará sendo a de um direito, vestido, no entanto, com outra roupagem, tendo em vista o fim a que ela se destina na sociedade moderna. Em outras palavras: um direito posto sobre uma base social em que se possa exigir do titular da propriedade, como já se assinalou, não apenas determinados comportamentos negativos, mas igualmente comportamentos positivos, de tal sorte que o direito de propriedade seja exercido realmente em perfeita correspondência com a sua função social.
Esta é a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello692,que qualifica o
conteúdo mínimo econômico da propriedade, como funcionalidade da
propriedade. Segundo ele, a noção de propriedade como função permite
equivocadamente pensarmos nas hipóteses em que as propriedades não
cumpridoras de função social estariam desprotegidas à luz do ordenamento
jurídico. Isto não corresponde à realidade jurídica constitucional, já que, como
regra, existe proteção para a propriedade que desatenda a função social. A
proteção existe, embora incompleta, como por exemplo, no pagamento das
indenizações pela desapropriação como sanção (títulos da dívida pública) ao
contrário das demais (prévias, justas e em dinheiro).
Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, o dever de cumprir a função
social pela propriedade compreende dois sentidos: cumprir destino
economicamente útil, que obriga a propriedade a produzir utilidades
específicas, sob pena de sofrer, sucessivamente, parcelamento e edificações
compulsórias, IPTU progressivo, desapropriação com pagamento de títulos da
dívida pública (art. 184, §4º da Constituição Federal) e cumprir objetivos da
justiça social693:
691
GUERRA, Maria Magnólia Lima. Aspectos Jurídicos do Uso do Solo Urbano. Fortaleza, 1981, p.59. 692
Novos aspectos da função social da propriedade. In: ROCHA, Silvio Luís Ferreira da.Função Social da Propriedade Pública.ColeçãoTemas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.71. 693
Novos aspectos da função social da propriedade. In: Silvio Luis Ferreira da Rocha. Função Social da Propriedade Pública.Coleção de Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.71.
326
Adotaremos o conceito sintético de função social da propriedade
proposto por Silvio Luis Ferreira da Rocha694:“pode ser concebida como um
poder-dever ou um dever-poder do proprietário de exercer o seu direito de
propriedade sobre o bem em conformidade com o fim ou interesse coletivo”.
Se de um lado, o planejamento urbano deve cumprir os princípios da
função social da cidade e da propriedade, de outro é instrumento de ordenação
dos espaços habitáveis da cidade, da política urbana, conformando, restringido
e sacrificando direitos.
O termo ordenação é provocativo. Adotaremos dois sentidos atribuídos
pelo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa por guardarem íntima relação
com a noção desenvolvida nesta tese. Ordenação pode correponder ao (1) ato
ou efeito de ordenar; ordenamento e (2) ordem. Para ‘ordem’, temos os
significados: (1) Disposição conveniente dos meios para se obterem os fins; (2)
Disposição metódica; arranjo de coisas segundo certas relações. Ordenar
implica organizar, conformar, dispor elementos ordenadamente para obter fins.
Os dispositivos legais utilizaram apropriadamente o termo para traduzir a
ideia de planejamento como forma de racionalizar, ordenar, conformar, os
elementos que compõem o espaço das cidades, que integram a política
urbana.
Carlos Ari Sundfeld695 relacionou muito bem os conceitos e esclareceu
as conexões entre ordenação da política urbana e planejamento urbano.
Ordenar, planejar, pressupõe adotar intervenções na política urbana que
devem seguir um objetivo, a garantia das funções sociais da cidade e da
propriedade. Sem o planejamento e a ordenação da política urbana
predominam os efeitos caóticos do processo de urbanização. É por isto que o
ordenamento qualifica o planejamento como instrumento. É por propiciar a
ordem, conformação de direitos para que a política urbana cumpra os seus
objetivos legais.
O jurista destaca dois sentidos para ordenação, revelados pelo Estatuto
da Cidade e que expressam sua ligação com o planejamento urbano:
694
ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Função Social da Propriedade Pública.ColeçãoTemas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.71. 695
SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.54.
327
a)imposição vinculante e 2) estado de equilíbrio, que os agentes privados ao
lado do Estado deverão concretizar. O primeiro sentido está no art.1º,
parágrafo único do Estatuto da Cidade ao dispor que as normas urbanísticas
são vinculantes, pois são de ordem pública. O segundo decorre do art.2º que
estabelece a busca pelo equilíbrio entre os vários componentes do meio
urbano696:
Ao assentar suas diretrizes gerais, o Estatuto expressa a convicção de que, nas cidades, o equilíbrio é possível– e, por isso, necessário. Deve-se buscar o equilíbrio das várias funções entre si (moradia, trabalho, lazer, circulação, etc), bem como entre a realização do presente e a preservação do futuro (art. 2º, I); entre o estatal e o não estatal (incisos III e XVI) entre o rural e o urbano (inciso VIII); entre a oferta de bens urbanos e a necessidade dos habitantes (inciso V); entre o emprego do solo e a infra-estrutura existente (inciso VI); entre os interesses do Município e os dos territórios sob sua influência (incisos IV e VIII). O crescimento não é um objetivo; o equilíbrio, sim, por isso, o crescimento deverá respeitar os limites da sustentabilidade, seja quanto aos padrões de produção e consumo, seja quanto à expansão urbana (inciso VIII). Toda intervenção individual potencialmente desequilibradora deve ser previamente comunicada (inciso XIII), estudada, debatida e, a seguir, compensada.
Conclui o autor que o ordenamento urbanístico previsto no Estatuto da
Cidade não pode ser um conjunto desordenado de determinações, mas deverá
conter diretrizes racionais, que irão disciplinara organização do espaço
habitável. Assim, segundo Carlos Ari Sundfeld, o ordenamento urbano
decorrerá do planejamento urbano697:
Na lógica do Estatuto, o ordenamento urbanístico não pode ser um aglomerado inorgânico de imposições. Ele deve possuir um sentido geral, basear-se em propósitos claros, que orientarão todas as disposições. Desse modo, o ordenamento urbanístico deve surgir como resultado de um planejamento prévio, além de adequar-se sinceramente aos planos.
O planejamento como instrumento de ordenação do espaço urbano e da
política urbana, traduz uma imposição normativa vinculante que conforma,
condiciona e ordena.
696
SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.55. 697
SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.57.
328
De acordo com a Constituição Federal de 1988, a ordenação da política
urbana diz respeito a todos os entes da federação: União (edição das normas
gerais) Estados (suplementando estes comandos) e os Municípios, no que
tange ao peculiar interesse local (art. 24, c/c art 21, XX, 25, §3º, 30, I, VIII e
182). Mas qual é o conteúdo da ordenação do solo urbano?
José Afonso da Silva definiu o conceito, afirmando que a ordenação é
um conjunto de medidas destinadas a realizar o conteúdo dos planos
urbanísticos698:
Consiste fundamentalmente, pois, na sistematização do solo municipal e implica uma série de medidas, quer voluntárias, quer impostas pela lei, destinadas à consecução de determinados objetivos urbanísticos, por meio das quais se modificam ou alteram certas relações dominiais sobre os terrenos ou se configuram, de modo diverso, as propriedades imóveis, do ponto de vista econômico, ou jurídico, para efeitos de sua edificação.
O autor699 explica que o zoneamento, o parcelamento e os parâmetros
de uso e ocupação do solo são instrumentos transformados em normas que
compõem o conteúdo dos planos urbanísticos e geram impactos e influências
diretas no conteúdo da propriedade urbana. As normas modificam relações
dominiais sobre os terrenos ou atribuem valor econômico às propriedades
imóveis. Deste modo, o ordenamento jurídico brasileiro acolhe a noção de que
o planejamento urbano é um meio de conformação da propriedade imobiliária.
Esclarecemos, por fim, que juridicamente o correto é dizer ‘conformação
da propriedade imobiliária’ e não ‘do direito da propriedade imobiliária’. Esta
distinção apontada por Celso Antônio Bandeira de Mello700 contribui para
separarmos as noções de limitações à propriedade dos sacrifícios de direito.
Explica ainda que a noção de propriedade é distinta de direito de
propriedade701. A primeira, abstratamente considerada, recebe um tratamento
698
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.181. 699
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.181. 700
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.351. 701
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.350.: “Não há direitos ilimitados. Falar em direito-e, pois, em direito de propriedade – é falar em limitações. Assim, é compreensível que dispositivos legais estabeleçam condicionamentos ao exercício da propriedade, traçando, deste modo, o perfil do direito correspondente. Em suma: as normas atinentes à propriedade e ao seu uso e gozo definem o âmbito de expressão da propriedade, tal como reconhecida em um dado sistema justpostivo. São elas que desenham o que chamamos de “direito de propriedade”, isto é, o conteúdo juridicamente protegido e aceito como valido, em certa ordenação nacional, para a propriedade. Daí que são distintas as noções de propriedade, abstramente considerada – ou seja, para além do seu delineamento normativo, em tal ou
329
jurídico que varia em razãodo sistema constitucional de cada país, ora restrito,
ora mais amplo com relação às faculdades que lhe são atribuídas pelo Direito.
Já o direito de propriedade nasce justamente da conformação, do perfil
conferido à propriedade por determinada ordem jurídica.
Assim, o Código Civil brasileiro ao conferir ao proprietário (art.1228) a
faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, bem como o direito de reavê-la do
poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, representa o
conjunto de normas que delinearam este perfil jurídico ao direito de
propriedade. As limitações à propriedade não são indenizáveis, pois definem a
extensão do direito e não colidem com ele. Essas limitações não reduzem o
conteúdo do direito, apenas atribuem características a ele.
Fernando Alves Correia702 baseado nas doutrinas espanhola e alemã,
afirma que o plano urbanístico é um instrumento que define o conteúdo e os
limites da propriedade do solo sem natureza expropriativa. Qual seria o
fundamento para esta afirmação?
Precisamos compreender os fatores que geram valorização e utilidade
econômica à determinada propriedade. A propriedade rural tem seu valor em
função do que nela é possível plantar, cultivar, produzir. Por isto, a Constituição
Federal ao tratar de sua função social se preocupou com o critério da
produtividade. O art.186, I, da Carta Magna prevê como um dos requisitos para
cumprir a função social da propriedade rural o seu aproveitamento racional e
adequado. Na hipótese de descumprimento deste inciso junto aos outros
critérios do art. 186, a União poderá (art.184) desapropriar o imóvel rural, com
pagamento em títulos da dívida agrária. Mas o que norteia o critério do uso
adequado e racional da propriedade?
De acordo com o art. 6º da Lei nº 8.629/1993, a propriedade rural será
produtiva quando atingir simultamente determinados índices previstos em seus
incisos, em razão dos graus de utilização da terra e eficiência na exploração.
Determina também o art. 12 da mesma lei, como um dos critérios para fixar a
indenização, a aptidão agrícola da propriedade rural703.
qual País, e de direito de propriedade, pis este é a configuração que ela tem perante certo direito positivo; é a resultante do plexo normativo reportado, pelas leis do País, aos poderes de quem a titularize e das contenções que lhe sejam aplicáveis”. 702
CORREIA, Fernando Alves. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.333. 703
Lei nº 8.629/1993 - Art. 6º, §1º, §2º, I a III; §3º, I a V; § 4º, §5º,§ 6º. Art. 12. I a V.
330
E quais critérios influenciam o valor econômico da propriedade urbana?
O valor de um terreno urbano depende daquilo que nele possa ser implantado.
Vale dizer, os usos, o grau de edificabilidade, as zonas nas quais estão
situados os terrenos agregam valor. Quem explica o grau de valorização
econômica atribuído ao solo urbano é o jurista português Fernando Alves
Correia, com base em Eduardo Garcia de Enterría e Luciano Parejo Alfonso704.
[...] O valor de um terreno está intimamente dependente daquilo que nele se pode implantar. O valor do solo é fortemente condicionado pela espécie e intensidade de utilização que nele for possível realizar. Aquele está, por conseguinte, dependente do tipo de edificação (edificação destinada à habitação, à indústria, ao comércio, a fins recreativos ou análogos, etc) e, dentro de cada um deles, da superfície, densidade e altura das construções. Esta evolução também é clara no que respeita ao solo rústico este é apenas um ponto de localização de uma empresa agrícola. Tudo isto demonstra que não é mais o solo que constitui o valor fundamental e o elemento possuidor da vis atractiva, mas antes a capacidade de nele se criar riqueza.
Compete ao plano urbanístico atribuir esta configuração econômica, o
conteúdo de utilidade que será conferido à propriedade ou ao solo urbano.
Esta também é a conclusão de José Afonso da Silva705ao afirmar que a
qualificação do solo como urbano decorre dos planos urbanísticos, que lhe
fixam o destino urbanístico ao qual fica vinculado o proprietário.
O plano poderá, por exemplo, conferir ao solo urbano, a qualidade de
lote (uma parcela do terreno destinada à edificação706), fruto do parcelamento
do solo (Lei nº 6.766/1979). Da mesma forma, poderá qualificá-lo como
edificável, possibilitando ao particular exercer o direito de construir (art.1299 do
Código Civil).
Assim, o direito de construir, que nasce com a edificabilidade do solo,
não é inerente ao direito de propriedade, mas atribuído pelo plano urbanístico.
É o plano que fixará o coeficiente de aproveitamento (relação entre metros
quadrados do lote e área de edificação nele admissíveis)707, taxa de ocupação
(projeção horizontal da edificação no lote), gabarito (altura e volume edificável),
portanto, condicionar o exercício da faculdade de construir. Se o plano não
704
ENTERRIA, Eduardo Garcia de; ALFONSO, Luciano Parejo. Lecciones de Derecho Urbanístico. Madrid: Civitas, 1981, p.427 apud CORREIA, Fernando Alves. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.335. 705
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.82. 706
Lei Federal 6766 - Art.2º, §1º e §4o.
707SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.85.
331
vislumbrar esta destinação ao solo, o proprietário não poderá infringir o
comando legal.
As conclusões de José Afonso da Silva ao atribuir natureza constitutiva
para o direito de construir do proprietário, como se decorresse de concessão
do Poder Público708foram adotadas por Eduardo Garcia de Enterría, na
Espanha709:
A propriedade urbana se constrói com base em três princípios fundamentais: a) urbanizar deixou de ser um conteúdo da propriedade para converter-se em função pública. A edificação do solo, como máximo expoente dessa atividade, é uma tarefa exclusivamente assinada aos planos, ou, em sua falta, à própria lei do solo; b) o plano determina exaustivamente todos os usos possíveis do solo urbano. O ius edificandi já não é mais uma faculdade livre do proprietário, é, quanto à sua medida concreta, uma estrita determinação do plano. c) a incidência do plano sobre a propriedade privada não é mais a de uma limitação que restrinja uma liberdade inicial, posto que sem plano nãohá aproveitamento urbano possível. O plano outorga positivamente faculdades, não limita uma posição básica de liberdade do proprietário.
O plano urbanístico tem a natureza jurídica de limitação administrativa,
pois conforma o exercício de direito de propriedade dos particulares,
determinando exaustivamente todos os usos possíveis do solo urbano, suas
categorias (industrial, residencial, institucional) seus recuos710 (afastamentos
da edificação das fronteiras de lotes) e outros índices urbanísticos. Caso o
Poder Público tenha fixado determinado perímetro urbano, como zona de
interesse social para construir casas populares, o proprietário de lote nesta
localidade, não poderá construir seu empreendimento de edifícios de alto
padrão neste local.
Ao constatarmos esta natureza jurídica, quais as consequências
jurídicas advindas das limitações administrativas? A questão sugere
investigarmos a indenizabilidade ou não das conformações ao direito de
propriedade.
Limitações administrativas são condicionamentos da propriedade, não
implicam sacrifícios de direitos ou expropriações, pois apenas disciplinam como
a propriedade deve ser utilizada, portanto, não ensejam pagamento de
indenizações.
708
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.86. 709
Pedro Escribando Collado, La propriedad Privada Urbana, p. 208 apud SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.85. 710
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.85.
332
Das modalidades denominadas pela doutrina “restrições do Estado
sobre a propriedade privada”711as limitações são caracterizadas pela imposição
de obrigações de caráter geral a proprietários indeterminados, em prol do
interesse coletivo. As limitações decorrem do que a doutrina denomina
supremacia geral, isto é, relação de sujeição entre o Estado e os
administrados, que decorre da condição do indivíduo submeter-se à ordem
jurídica imposta pelo Estado.
Pelo fato de serem obrigações gerais e abstratas, provenientes de lei,
impostas a todos os indivíduos indistintamente e que configuram o perfil da
propriedade, não há que falarmos em dever de indenizar, pois o valor
econômico é conferido pelas normas que desenham o perfil do direito. O
indivíduo exerce o direito tal como a ordem jurídica o definiu. Não há
expectativa rompida. O propósito das limitações é conformar o exercício da
propriedade para evitar prejuízos à sociedade ou violações à ordem
urbanística, ao meio ambiente, à segurança pública, à ordem pública e à
circulação de pessoas.
Celso Antonio Bandeira de Mello712 adverte que o Estado brasileiro não
tem ampla discricionariedade para atribuir ao direito de propriedade o perfil que
lhe aprouver, inclusive suprimindo seu conteúdo mínimo de aproveitamento
econômico. Isto porque, a Constituição Federal (art. 5º, XXIII e 170, II) garante
o direito de propriedade.
O autor afirma que são limitações administrativas à propriedade as
normas municipais que estabelecem zonas e os padrões de ocupação do solo.
No entanto, não suprimem o direito de propriedade, já definido, uma vez que
todos os moradores de determinada região estão submetidos ao zoneamento
imposto ou ao potencial construtivo definido em Plano Diretor713:
A cidade é recortada em áreas ou zonas, fixando-se os usos permitidos em cada qual (industrial, comercial, institucional, residencial e misto) e os padrões que regerão a ocupação edilícia na zona correspondente. [...] É bem de ver que tais disposições, condicionantes do uso da propriedade e das edificações passíveis de serem erigidas nos diversos lotes e zonas, irão delinear o âmbito da expressão do direito de propriedade no que concerne ao uso e gozo
711
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.131. 712
MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.353. 713
MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.353-354.
333
dela. São disposições gerais e abstratas estabelecidas por lei, e colhem genérica e abstratamente a coletividade de imóveis categorizadas por suas ubicações físicas nas diferentes zonas, pois a cada zona correspondem um certo destino urbanístico e um certo regime edilício. Nisto nada há que suprima, comprima ou deprima o direito de propriedade. Há, pura e simplesmente, o delineamento jurídico do âmbito de expressão legítima da propriedade. Em uma palavra, há a composição do desenho daquilo que é o direito de propriedade nos seus atributos de uso e gozo. Traceja-se por tal modo o perfil do direito de propriedade, direito comum a todos os que se encontram no mesmo requadro zonal. Bem por isso, a estatuição e a modificação ulterior destes limites modelados em lei não ensejam indenização alguma aos proprietários.
Além de conformar a propriedade urbana, o plano urbano também
poderá acarretar sacrifícios de direito. Nem todas as determinações dos planos
urbanísticos (plano diretor), tratam apenas de limitações à propriedade. O art.
4º do Estatuto da Cidade o qualifica como instrumento da política urbana e que,
portanto, pode ser previsto em planos municipais e estaduais, institutos
administrativos da servidão, desapropriação e tombamento de bens. Neste
caso, não estaremos mais diante de institutos que conformam o direito de
propriedade, mas que suprimem, comprimem o próprio direito, caracterizando o
que a doutrina714chama de sacrifício de direito. Diante desta hipótese caberá o
direito à indenização.
O Plano Diretor do Município de São Paulo (Lei Municipal nº
13.430/2002), ao tratar do patrimônio histórico cultural (art.90, I) determinou
como ação estratégica a utilização da legislação municipal ou tombamento
para proteger bens culturais, vegetação significativa e referências urbanas.
As desapropriações e tombamento de bens e as servidões
administrativas são institutos legais, mas que afetam o direito de propriedade.
Haverá mitigação em relação aos atributos do art.1228 do Código Civil sobre
as faculdades de uso, gozo e disposição do bem. Justamente por suprimirem
este conteúdo da propriedade ensejam o pagamento de indenizações.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello715 os sacrifícios de
direito caracterizam-se por imporem restrição peculiar em relação a certos
bens, em razão de interesse público. Não são todos submetidos à restrição,
714
MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.354. 715
MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.353.
334
mas apenas alguns que suportam o sacrifício dos atributos da propriedade em
relação ao interesse público.
A servidão administrativa, segundo Maria Sylvia Zanela di Pietro716:“é
considerada um direito real de gozo, de natureza pública, instituído sobre
imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou por
seus delegados, em favor de um serviço público ou de um bem afetado a fim
de utilidade pública”. Segundo este instituto, há um dever de suportar717 relativo
a um bem, imposto a um ou poucos particulares. Há um sacrifício parcial do
direito de propriedade, que deverá ser utilizado para benefícios coletivos. Como
é caso das restrições para construir ao redor de área tombada718.
O mesmo ocorre no tombamento, pois em nome da memória histórica
coletiva ou fatores artísticos, apenas o proprietário do bem suporta as medidas
de conservação e reforma, reguladas pelo Poder Público, de fiscalização do
estado de conservação e alienação mediante respeito à preferência em relação
à União, Estados e Municípios (arts.17 e 22 do Decreto nº25/1937).
Na desapropriação, o grau de ingerência no direito de propriedade é
absoluto, pois compromete o próprio direito, uma vez que obriga o proprietário
do bem a entregá-lo compulsoriamente ao Poder Público, mediante pagamento
de indenização, para a consecução de utilidades coletivas.
Em todos os casos há o dever de indenizar, pois apenas alguns são
tolhidos total ou parcialmente do exercício do direito de propriedade719.
Por fim, distinguimos a função do plano urbanístico decorrente de ser
instrumento de política pública (que alcança a função social da propriedade) da
função de conformação da propriedade urbana e explicitar algumas distinções
entre o princípio da função social da propriedade e as limitações
administrativas.
Concretizar o princípio da função social implica impor vários deveres e
obrigações ao proprietário visando o aproveitamento da propriedade para fins
coletivos.
716
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.157. 717
MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.354. 718
Decreto nº 25/1937, Art. 18. 719
MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.356.
335
Citemos o art. 182, §4º da Constituição Federal combinado com arts.5º,
7º e 8º do Estatuto da Cidade. Do ponto de vista do direito subjetivo, o
proprietário poderá (art.1228 do Código Civil), usar sua propriedade da maneira
que lhe aprouver. Poderá locar o imóvel, morar ou dispor dela quando desejar.
No entanto, se estiver por muito tempo desocupada (e o plano diretor demarcá-
la como área suscetível de parcelamento e edificação compulsórios) e
posteriormente uma lei municipal720 for editada, todas as consequências do
artigo 182,§4º da Constituição Federal serão aplicadas ao proprietário. Isto
porque, ele não poderá mais deixá-la desocupada, sem utilidade alguma. Neste
caso, o Plano Diretor, acompanhado de lei municipal, poderá inicialmente impor
obrigações ao proprietário de parcelar, edificar ou utilizar a propriedade
compulsoriamente. Caso não seja cumprido (art. 5º do Estatuto da Cidade) o
IPTU progressivo será cobrado e se não for pago (art.7º) o imóvel estará
sujeito à desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública.
Quando o Município (art.8º, §4º) do Estatuto da Cidade, adquirir o imóvel
por desapropriação, estará obrigado a aproveitá-lo adequadamente em até
cinco anos, contados a partir da sua incorporação ao patrimônio público, sob
pena do prefeito e outros agentes públicos incorrerem em ato de improbidade
administrativa (art. 52, I do Estatuto da Cidade).
Verificamos que limitações administrativas são condicionamentos
impostos à propriedade, atribuindo-lhe um perfil jurídico. Em regra é
caracterizada por obrigações de não fazer. Excepcionalmente para alguns
juristas721 é considerada obrigação de fazer (art.182, §4º da Constituição
Federal).O proprietário não deverá construir desrespeitando os gabaritos,
seguranças e pavimentos indicados na legislação urbanística para não
comprometer a segurança das construções.
No entanto, a função social da propriedade é mais ampla que a
limitação administrativa, pois impõe obrigações positivas ao proprietário para
atender finalidades sociais. Já as limitações estabelecem obrigações de não
fazer para evitar que alguns danos sejam causados ao meio ambiente, ao
patrimônio histórico, à segurança e à saúde.
720
O Município de São Paulo, pela Lei nº15.234 de 1/7/2012 institui (do art. 182, § 4º da Constituição Federal) os instrumentos para cumprir a Função Social da Propriedade Urbana no Município de São Paulo e dá outras providências. 721
Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella di Pietro.
336
Este é o entendimento de doutrinadores que admitem distinguir os dois
conceitos pelo tipo de prestação que os envolve e pelo fato da função social
abranger também estímulos que induzem o proprietário a utilizar a propriedade
de acordo com interesses sociais. Enfatizando o primeiro critério, trazemos o
pensamento de Dinorá Grotti722:
Não se confundem, também, a função social da propriedade e limites ou restrições a ela impostos, pois a função social, fator que determina a atuação do proprietário, serve como fonte de estímulos e sanções, ou como meio de impor, a aquele, deveres positivos, pelo fato de ser titular da propriedade, em relação a outros sujeitos determinados, ou perante a coletividade. [...] Em suma, enquanto as limitações administrativas à propriedade são os contornos do próprio direito, a conformação jurídica que possibilita o exercício concreto de um direito, a função social representa um dever, imposto ao proprietário, de orientar o uso e fruição de sua propriedade de modo a amparar, em alguma medida, o interesse da coletividade.
Para reforçar o sentido da função social como conjunto de estímulos que
o proprietário do bem adotará para cumprir interesses sociais, invocamos
Francisco Eduardo Loureiro723que alerta para o fato da função social ser mais
ampla que as limitações, por proteger com incentivos a pequena e média
empresa, subsidiar a instalação de indústrias em determinadas regiões, isentar
do pagamento de tributos propriedades de valor histórico, preservadas ou
tombadas, isto é, servir para o estímulo de várias condutas socialmente
relevantes.
Luis Manuel Fonseca Pires724apresenta exemplos que distinguem
limitações administrativas e função social da propriedade: o autor explica que o
proprietário pode edificar sua propriedade cumprindo todos os índices
urbanísticos previstos no plano diretor e leis municipais, mas deixará de
cumprir a função social se o imóvel ficar sem utilidade, desocupado725.
Assim, o planejamento urbano e seu produto (plano urbanístico) têm
funções distintas daquelas previstas pela teoria geral dos planos urbanos. Não
servem apenas como meio de conformação da propriedade imobiliária urbana,
722
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Função Social da Propriedade Privada.In: Direito Ambiental e Urbanístico:Estudos do Fórum Brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.66. 723
ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Função Social da Propriedade Pública. ColeçãoTemas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.74. 724
PIRES, Luis Manuel Fonseca. Limitações Administrativas à Liberdade e à Propriedade. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.125. 725
PIRES, Luis Manuel Fonseca. Limitações Administrativas à Liberdade e à Propriedade. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.125.
337
pois podem por vezes contemplar servidões administrativas e até
desapropriações, que importam em sacrifícios de direito. Além disto, o
planejamento urbano é um instrumento da política urbana, destinado a cumprir
os princípios da função social da cidade e da propriedade.
5.3.1 Regime jurídico do planejamento urbano
Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa726, um dos
sentidos do termo ‘regime’ está atrelado ao de ‘regimento’, ou seja, conjunto de
normas que regem, disciplinam determinada instituição.
Celso Antônio Bandeira de Mello727 desenvolve a noção de regime
jurídico ao abordar o valor metodológico do regime jurídico administrativo. Na
realidade, regime jurídico corresponde ao complexo de princípios e regras
jurídicas.
Compete ao jurista, cientista do Direito, identificar o conjunto de normas
jurídicas, ou seja, princípios e regras, as categorias fundamentais e institutos
típicos que regulamentam determinada realidade. Ao estudar o regime jurídico
que disciplina uma matéria, o jurista interpretará o sentido e o alcance das
normas, formulará postulados científicos, enfim, identificará as diferentes
relações entre as normas jurídicas, por meio da interpretação sistemática,
gramatical, finalística, lógica e histórica. Da mesma forma, integrará o sistema
se existir aparente lacuna, formulando analogias ou identificando princípios
gerais para que determinada situação jurídica seja resolvida à luz das normas
jurídicas728:
Se o que importa ao jurista é determinar em todas as hipóteses concretas o sistema de princípios e regras aplicáveis – quer seja a lei clara, obscura ou omissa, todos os conceitos e categorias que formule se justificam tão-só na medida em que através deles aprisione logicamente uma determinada unidade orgânica, sistemática, de normas e princípios. A razão de ser destes conceitos é precisamente captar uma parcela de regras jurídicas e postulados que se articulam de maneira a formar uma individualidade.
726
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.1477. 727
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.85. 728
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.90.
338
Nesta perspectiva, a tarefa do jurista ao estudar o sistema de
planejamento urbano é identificar os princípios e regras jurídicas que norteiam
o seu funcionamento. Lembremos que plano urbano é norma jurídica.
O fundamento constitucional para atribuir a natureza jurídica aos planos
urbanísticos decorre do art.5º, II, que determina ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Como os planos
urbanísticos têm conteúdos que fixam obrigações ora gerais, ora específicas
aos particulares, estes só poderão ser obedecer aos comandos se estiverem
pautados em lei. Além disto, os arts. 48, IV, 174, §1º e 182 da Cartar e afirmam
a natureza jurídica legislativa dos planos urbanísticos.
Ao identificarmos o regime jurídico que regula o planejamento urbano
brasileiro, nos preocupamos em examinar as normas constitucionais que
disciplinam o assunto; os entes federados que exercem competência para
editá-los além de interpretar o regime jurídico atribuído aos diversos planos
previstos pela Constituição. Ao verificarmos que o Estatuto da Cidade previu
algumas tipologias de planos, definiremos os princípios que norteiam a
elaboração dos planos urbanos, com base no art. 2º, que determina as
diretrizes gerais a serem obedecidas pelos entes federados.
As normas jurídicas previstas pelo art.2º estabelecem conteúdos
vinculantes que vão nortear a elaboração dos planos urbanos, como por
exemplo, a diretriz do inciso VII, que determina a promoção e a integração e
complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, a ordenação do uso e
ocupação do solo para evitar a utilização inadequada dos imóveis urbanos e a
proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes (art. 2º, VI, ‘a’ e ‘b’).
Vimos também que a função social da propriedade e da cidade são
princípios que influenciam a elaboração dos planos urbanos. Além disto, o
art.2º, II, determina que todos devam ser elaborados de forma democrática,
com a participação direta da população que sofrerá os seus impactos.
Os planos urbanos devem apresentar conteúdo jurídico (art. 42),
abrangência territorial de suas disposições (art.40, §2º), processo de
elaboração (art. 40, §4º), prazo (art. 40, §3º), sistema de execução e
implementação. Além disto, pelo fato dos planos urbanos conformarem o
conteúdo da propriedade, questionamos se caberia indenização ao proprietário,
na hipótese de novo uso ser estipulado por outro plano editado. Trata-se da
339
abordagem do direito intertemporal que versa sobre identificar as normas
jurídicas que serão aplicadas em função de relações jurídicas consolidadas,
tendo em vista que modificam o tratamento jurídico dos planos em relação às
disciplinas de uso e ocupação do solo.
Diante das várias normas que disciplinam o regime jurídico dos planos
urbanos, ele (plano) será abordado considerando os aspectos 1) competência
para edição dos planos; 2) conteúdo; 3) abrangência; 4) finalidade; 5) revisão,
6) elaboração; 7) execução e efeitos; 8) direito intertemporal.
Posteriormente passaremos ao conjunto de normas constitucionais que
disciplinaram a organização dos planos urbanos.
5.3.2 Sistema constitucional de planejamento urbano
O sistema de planejamento destinado a ordenar a política urbana é
formado pela atuação de todos os entes da federação e não apenas do
Município, a despeito do direito urbanístico tratar essencialmente da realidade
das cidades, considerada sede do núcleo de determinado Município.
Carlos Ari Sundfeld729 explica que as políticas urbanas não podem ser
desenvolvidas de forma isolada pelo planejamento, por um único plano. Elas
necessitam de articulação e coordenação junto à política geral do Estado e às
políticas setoriais730: “a política urbana, enquanto política espacial, precisa
necessariamente coordenar-se com a política econômica do país e com as
políticas de transportes, saneamento, energia, agrária, etc”. Esta afirmação
decorre da interpretação sistemática dos arts.174,§1º, 21, IX e XX e 182, da
Constituição Federal.
O art. 174, §1º, da Constituição Federal, garante a coordenação entre os
planos nacionais e regionais de ordenação do território e desenvolvimento
econômico e social, as diretrizes do desenvolvimento econômico editadas pela
União,com os planos diretores municipais.
729
SUNDFELD. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais, p.50. In: (Coords.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010. 730
SUNDFELD. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais,p.50. In: (Coords.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010.
340
A articulação coordenada entre os planos nacionais, estaduais e
municipais foi denominada por Carlos Ari Sundfeld731como um sistema que tem
racionalidade decisória, baseada na observância de normas de maior
abrangência, intermediárias e, por fim, pelo nível local. As normas em matéria
urbanística deverão respeitar as de maior abrangência nos sentidos territorial e
temático732:
Para viabilizar essa coordenação a Constituição adotou um sistema de racionalidade decisória em que as normas e decisões em matéria urbanística (isto é, de política espacial da cidade) têm sua validade condicionada ao respeito de normas e decisões de maior abrangência, tanto no sentido territorial (a política espacial da cidade deve compatibilizar-se com a política nacional de ordenação do território) como temático (a política espacial da cidade deve compatibilizar-se com a genérica política de desenvolvimento).
A concepção de coordenação entre planos, dos mais gerais aos mais
específicos e concretos, obrigando a articulação entre os vários níveis de
competência federativa, decorre do federalismo de cooperação, na sua
perspectiva de equilíbrio.
Do mesmo modo, a coordenação entre planos foi prevista na doutrina
estrangeira, segundo Fernando Alves Correia733, sob a classificação dos planos
com base no grau analítico das previsões. Por este critério o processo de
planejamento ocorre conforme uma concretização progressiva, ou seja, pelo
que o jurista português denomina “sequência gradualista de comandos sempre
menos abstratos e sempre mais concretos”. Assim, os planos mais genéricos
deverão prever diretrizes gerais; os mais específicos, medidas setoriais,
pontuais sob o ponto de vista da organização territorial. No entanto, deverão
guardar entre si uma relação de obediência e vinculação entre os níveis
genéricos, influenciando a elaboração dos níveis concretos de exigências. Nas
doutrinas italianas e espanholas este sistema gradual de comandos se
expressa em três níveis: planos de diretrizes, operativos e execução. Os planos
de diretrizes devem apenas traçar parâmetros gerais do ordenamento do
731
SUNDFELD. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais,p.50. In: (Coords.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010. 732
SUNDFELD. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais,p.50. In: (Coords.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010. 733
CORREIA, Fernando Alves.O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.192.
341
território para orientar a elaboração e o conteúdo dos planos posteriores. Os
operativos revelam aos municípios ou entre municípios vizinhos as diretrizes
dos planos gerais, além de traçar normas que os planos de execução deverão
obedecer. Estes últimos vão especificar e concretizar as previsões dos planos
operativos. Há, portanto, um sistema de obediência em razão do grau de
comandos e especificações que cada plano apresenta.
Este pensamento pode levar equivocadamente à crença de que há uma
hierarquia entre os planos ou uma obediência hierárquica entre eles. É preciso,
portanto, ter cautela com a afirmação de José Afonso da Silva734que sustenta a
existência no ordenamento nacional de um sistema de planejamento
urbanístico estrutural, que comporta a construção hierárquica de planos de
ordenação territorial com diversas abrangências:
Um sistema de planejamento urbanístico estrutural, que comporta a construção hierárquica de planos de ordenação territorial com amplitudes diversas, indo dos arcabouços maiores dos planos nacionais e macrorregionais até os mais limitados dos planos microrregionais e locais, de tal sorte que os nacionais estabeleçam as diretrizes e objetivos gerais do desenvolvimento da rede urbana no território nacional em função do plano nacional de desenvolvimento econômico-social. Os macrorregionais desceriam aos aspectos mais particularizados das regiões em função do planejamento econômico-social regional; os planos estaduais e os microrregionais dentro de cada Estado, observadas aquelas diretrizes e objetivos, seriam planos de coordenação urbanística; e, finalmente, cada Município faria seu plano urbanístico (plano diretor), segundo suas necessidades e conveniências, respeitados as diretrizes e objetivos econômicos e sociais fixados nos planos de nível superior.
Não estamos diante de hierarquia entre planos da União, dos Estados e
dos Municípios para afirmar que o plano federal é mais importante que o
municipal. A federação não comporta hierarquia entre seus entes, mas divisão
de competências. Compete à União tratar do interesse nacional, os Estados
dos regionais e os Municípios os locais. Desta forma, cada ente federado tem
sua parcela de autonomia política, sobre a qual o outro não pode legislar. A
estruturação de forma escalonada que a doutrina estrangeira denomina
sequência gradual de comandos (dos mais abstratos aos mais concretos) tem
relação com os diversos níveis de competência, apenas quanto ao interesse
que a norma regulamenta. Só isto, não pelo fato de sempre prevalecer o
interesse da União na federação.
734
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.105.
342
Utilizaremos a terminologia de Carlos Ari Sundfeld que identifica graus
de articulação e coordenação para atribuir aos diversos planos uma
racionalidade decisória.
Este sistema é perfeitamente identificável no ordenamento jurídico
constitucional brasileiro. Mas qual o critério adotado pelo constituinte para
organizar os graus de abrangênciados planos urbanísticos? Explica José
Afonso da Silva735 que a Constituição ao articular a abrangência entre os
planos preferiu promover uma integração global entre os aspectos físicos-
territoriais com os econômicos e sociais e obedecer ao critério vertical-
horizontal.
Isto significa que os aspectos econômicos e sociais deverão ser mais
intensamente regulados pelo planejamento nacional e menos efetivos em
âmbito local. Por sua vez, a ordenação físico-territorial deve ser priorizada no
nível concreto abrandada em escala nacional. Assim, do ponto de vista vertical
os planos nacionais assumiriam com mais ênfase a disciplina dos aspectos
econômicos e sociais e os planos municipais priorizariam a ordenação físico
territorial. No entanto, do ponto de vista horizontal, ainda que a União priorize
os planos econômicos e sociais, também tratará de diretrizes gerais de
desenvolvimento urbano, por exemplo. Desta forma, os planos federais,
estaduais e municipais, à luz da divisão de competências constitucionais,
deverão obedecer a seguinte articulação entre os diversos graus de
abrangência dos planos urbanos736:
[...] desde que o planejamento econômico e social realizado no nível nacional estabeleça diretrizes do desenvolvimento urbano (interurbano – ou seja, da rede urbana nacional), como aspecto da política de crescimento econômico e da melhoria da qualidade de vida das populações; a essas diretrizes, integradas na política econômica do desenvolvimento, se vincularia a política urbana no nível regional e estadual como aspecto da programação econômica dos mesmos níveis; finalmente, a elas estariam integrados os planos urbanísticos locais, mais concretamente destinados à ordenação do território para o cumprimento das funções urbanísticas elementares (habitar, trabalhar, recrear e circular) – ou, como diz a Constituição, destinados a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (art. 182).
735
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.52. 736
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.104.
343
José Afonso da Silva737conclui que este sistema permitiu o surgimento
de uma tipologia de planos urbanísticos baseada nos arts. 21, IX e XX, 24, I,
30, VIII e 182 da Constituição Federal. Haverá, portanto, vinculação quanto aos
graus de concretização dos planos, de maneira que os planos federais sirvam
como normas gerais e diretrizes para os estaduais e municipais. A União, por
meio da Lei Federal de Desenvolvimento Urbano (editada com base no art. 24,
§1º, c/c art. 182, que corresponde ao Estatuto da Cidade) instituiu regras para
aplicar as normas constitucionais a todos os níveis de planejamento da
federação.
José Afonso da Silva738 formulou as tipologias de planos urbanos que
podemos extrair do sistema constitucional. Utilizaremos sua sistematização
acrescentando informações a partir das tipologias do art.4º do Estatuto da
Cidade.
A) PLANOS URBANÍSTICOS FEDERAIS A.1) Nacionais Gerais: Estabelecem as diretrizes e objetivos gerais do desenvolvimento urbano (da rede urbana). Fundamento Legal: art. 24, I, §1º c/c art. 21, IX, XX; art. 182, art. 4º, I do Estatuto da Cidade. A.2) Macrorregionais: sob a responsabilidade das superintendências do desenvolvimento das regiões geoeconômicas do país. Fundamento Legal: art. 43 da Constituição Federal; art. 4º, I do Estatuto da Cidade * A Lei Federal nº 11.445 de 5/1/2007 (Saneamento básico) e o Decreto nº 7.217/2010, art. 24, II – o Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB), elaborado pela União; e (III) e os planos regionais de saneamento básico elaborados pela União(inciso II do art. 52 da Lei n
o 11.445, de
2007). A.3) Setoriais: ordenação territorial especial (plano de viação, plano de defesa do meio ambiente, etc.) * Art. 21, XX da Constituição Federal –art. 16, c/c art. 22, I Planejamento pela União da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal nº 12.587/2012) – Instrumentos do art. 23. Lei nº 12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos –art. 14: Plano Nacional. * A Lei Federal nº 11.445 de 5/1/2007 estabeleceu diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. O Decreto nº 7.217/2010 explicita em seu art. 24 que o processo de planejamento do saneamento básico envolve três categorias de planos: (I) o plano de saneamento básico, elaborado pelo titular;(II) o Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB), elaborado pela União; e (III) os planos regionais de saneamento básico elaborados pela União(art. 52, II, da Lei n
o 11.445, de 2007).
* Art.8º da Lei nº 9.433 de 8/1/1997– Política Nacional de Recursos Hídricos: Plano Nacional de Recursos Hídricos. * Art.7º – Lei nº 7.661/1988 c/c Decreto nº 5.300/2004: Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.
737
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.50. 738
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.106.
344
* Art.6º do Decreto nº 4.297/2002 – Zoneamento Econômico Ecológico Nacional e Regional. B) PLANOS URBANÍSTICOS ESTADUAIS B.1) Gerais: de ordenação do território estadual, respeitadas as diretrizes federais; art. 4º, I do Estatuto da Cidade. B.2) Setoriais: defesa do meio ambiente, plano de viação estadual, respeitadas diretrizes e princípios do plano nacional de viação (art. 21, XXI da Constituição Federal). * Art. 21, XX da Constituição Federal – art. 17, c/c art. 22, I Planejamento pelo Estado da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal nº 12.587/2012) – Instrumentos do art. 23. * Lei nº 12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos – art. 14: Planos Estaduais de resíduos sólidos; os planos microrregionais de resíduos sólidos e os planos de resíduos sólidos de regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas; os planos intermunicipais de resíduos sólidos. ** Depende do titular do serviço de saneamento (Lei Federal nº 11.445 de 5/1/2007 c/c Decreto nº 7.217/2010) art. 24: (I) o plano de saneamento básico, elaborado pelo titular; Art. 8º da Lei nº 9.433 de 8/1/1997 – Política Nacional de Recursos Hídricos: Plano Estadual de Recursos Hídricos. * Art. 7º– Lei nº 7.661/1988 c/c Decreto nº 5.300/2004: Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro * Art. 6º, B, do Decreto nº 4.297/2002 – Zoneamento Econômico Ecológico Estadual B.3) Zona Intermediária: Planos das Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: art. 4º, II do Estatuto da Cidade c/c art. 25, §3º da Constituição Federal. B.3.1) Microrregionais: com valor de planos de coordenação no âmbito de cada região administrativa estadual. C) PLANOS URBANÍSTICOS MUNICIPAIS C.1) Gerais: planos diretores;art. 4º, III c/c art. 40 do Estatuto da Cidade e art. 182 da Constituição Federal; plano municipal de Mobilidade Urbana previsto no art. 24, § 1º da Lei nº 12.587/2012 (Política Nacional da Mobilidade Urbana). C.2) Parciais: zoneamento, alinhamento, melhoramentos urbanos. C.3) Especiais/Setoriais: distritos industriais, renovação urbana. Art. 14 – Lei Federal nº 12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos: Planos Municipais de Gestão integrada de resíduos sólidos.
** Depende do titular do serviço de saneamento (Lei Federal nº 11.445 de 5/1/2007 c/c Decreto nº 7.217/2010) art. 24: (I) o plano de saneamento básico, elaborado pelo titular; *Art. 7º – Lei nº 7.661/1988 c/c Decreto nº 5.300/2004: Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro. * Art. 6º, B, do Decreto nº 4.297/2002 – Zoneamento Econômico Ecológico Local
5.4 Tipologias de planos urbanísticos
Com relação ao direito intertemporal, ressaltamos que nem todo Plano
Urbanístico tem aspectos que sofrerão este impacto de alteração na
345
conformação da propriedade em razão de mudanças no regime de uso do bem
regulado por determinado plano.
Os planos editados pelos entes federados estão dispostos de forma
escalonada, em razão de uma sequência gradual de comandos normativos,
que atingem graus abstratos aos mais concretos.
Apenas os planos concretos, específicos, tocam em temas que
influenciam no conteúdo econômico da propriedade. Os gerais estabelecem
diretrizes, comandos genéricos, que orientam, disciplinam, mas não ingressam
em aspectos que podem referir-se a limitações ou restringir a propriedade.
Envolvem aspectos de indenização relativos, portanto, ao conteúdo econômico
da propriedade.
Para o jurista português Fernando Alves Correia739, “a função
conformadora do direito de propriedade do solo exercida pelos planos
urbanísticos vai aumentando a sua intensidade e a sua eficácia vinculativa à
medida que se desce na respectiva escala hierárquica”. José Afonso da
Silva740aponta três graus aos planos urbanísticos:
A disciplina urbanística deverá atuar mediante três graus de intervenção fundamentais que, por sucessivas aproximações, determinam a configuração futura dos espaços habitáveis: (a) como diretrizes e orientação geral e coordenação macrorregional, agirão aos planos urbanísticos federais; (b) como programação urbanística e coordenação microrregional, elaborar-se-ão os planos urbanísticos estaduais; (c) como instrumento urbanístico para realizações concretas, implatar-se-ão planos urbanísticos municipais.
Com relação ao conteúdo dos planos urbanísticos, vigora no Brasil
ampla discricionariedade de consequências jurídicas741. A doutrina portuguesa
explica que a atividade urbanística de planejamento urbano conta com ampla
discricionariedade na escolha das soluções e do conteúdo dos planos, por ser
uma atividade de previsão e atuação à luz de uma realidade urbana que se
modifica constantemente. É por esta razão, para conferir disposições
normativas adequadas que os planos devem ser “maleáveis” para se
739
CORREIA, Fernando Alves.O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.184-185. 740
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.110. 741
CORREIA, Fernando Alves.O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.285.
346
adaptaremàs condições de cada realidade urbana742.Contudo, Fernando Alves
Correira743 admite que estes espaços de discricionariedade são sujeitos a
limitações, como por exemplo, de princípios extraídos do ordenamento jurídico,
que orientam os planos urbanos.
Na realidade jurídica brasileira, todas as leis estabelecem princípios,
diretrizes e conteúdos que deverão ser observados como patamares mínimos
para a elaboração dos planos previstos em cada lei. O conteúdo de cada
norma que disciplina os planos já trata dos assuntos e matérias específicas que
deverão disciplinar.
Carlos Ari Sundfeld744, ao discorrer sobre as diretrizes do Estatuto da
Cidade (art.2º)745 explica o sentido jurídico destas previsões por fornecer
parâmetros normativos ao controle das orientações seguidas pela política
urbana, com o propósito de viabilizar a invalidação das normas e atos a eles
contrários.
O jurista aprofunda a análise mencionando um plano diretor com
excessivos ou inadequados usos do solo em relação à infraestrutura urbana.
Ao analisarmos o art.2º, VI, “c”, verificamos que a diretriz de planejamento
urbano do Estatuto da Cidade é garantir a promoção de ordenação e controle
do uso do solo e evita o seu parcelamento, a edificação e o uso excessivo ou
inadequado em relação à infraestrutura urbana. O autor explica que diante da
contrariedade do plano diretor municipal, a Lei Federal permite questioná-lo
com base na teoria do desvio de poder legislativo746.
742
CORREIA, Fernando Alves.O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.286 743
CORREIA, Fernando Alves.O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.286. 744
SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais, p.55. In: (Coord.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei 10257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 745
Lei Federal nº 10.257/2001 Art. 2o, I, II e III.
746SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais, p.55. In: (Coord.) DALLARI,
Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei 10257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.: “Assim, por exemplo, a previsão do art. 2º, VI, c, do Estatuto – de que a ordenação deve evitar os empregos do solo que se apresentem como “excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana” – pode servir para censurar a alteração da lei de zoneamento que autorize a intensificação do emprego do solo quando isso importar quebra da necessária relação de equilíbrio entre a intensidade desse emprego e as possibilidades da infra-estrutura. Pode-se dizer que as novas disposições do Estatuto dão fundamento jurídico específico para o controle do desvio de poder legislativo em matéria urbanística, o qual até aqui não era freqüente, apesar da evolução recente da teoria sobre esse controle (propiciado pela aplicação dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e ou devido processo legal substantivo)”.
347
Assim, observamos que existe um campo de normas jurídicas limitando
a discricionariedade do legislador quando da elaboração dos planos
urbanísticos, que pode ser controlada do ponto de vista do desvio legislativo
ou, se contrariar dispositivo da Constituição, por meio da inconstitucionalidade
das leis. Mas mesmo diante desta limitação legislativa, há um campo de
atuação discricionária, que comporta espaço de decisão do legislador, para
preencher o conteúdo dos planos urbanos.
5.4.1 Planos urbanísticos federais, estaduais e municipais: noções gerais
Iniciemos compreendendo o sentido das diretrizes gerais de
desenvolvimento urbano (articulada, no art. 21, IX com habitação, saneamento
básico e transportes públicos). O que poderia preencher este conteúdo para
vislumbrarmos o que é desenvolvimento urbano? Nelson Saule Júnior747
explica que o Ministério das Cidades748adotou o seguinte conceito:
Podemos definir o desenvolvimento urbano como a melhoria das condições materiais e subjetivas de vida nas cidades, com diminuição da desigualdade social e garantia de sustentabilidade ambiental, social e econômica. Ao lado da dimensão quantitativa da infra-estrutura, dos serviços e dos equipamentos urbanos, o desenvolvimento urbano envolve também uma ampliação da expressão social, cultural e política do indivíduo e da coletividade, em contraponto aos preconceitos, a segregação, a discriminação, ao clientelismo e cooptação econômica.
O autor749 indica os temas que tratam diretamente do desenvolvimento
urbano para nortear a atuação estratégica dos entes federativos e promover a
política de desenvolvimento urbano dentre os quais destacamos o
ordenamento e regulação do território, habitação, saneamento ambiental,
mobilidade, transporte urbano e trânsito, política fundiária com ênfase na
regulação do uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, dos serviços
e infraestrutura urbana e financiamento público.
747
SAULE JÚNIOR, Nelson.Bases Jurídicas para a instituição de uma Lei Federal sobre o sistema nacional de desenvolvimento urbano, p.98. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007. 748
Cadernos Ministério das Cidades Desenvolvimento Urbano. Política Nacional de Desenvolvimento Urbano nº1, nov.2004, p.8. Disponível em: www.cidades.gov.br. Acesso em: 28 jan.2013. 749
SAULE JÚNIOR, Nelson.Bases Jurídicas para a instituição de uma Lei Federal sobre o sistema nacional de desenvolvimento urbano, p.98. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007.
348
Pelo fato da União ter competência para instituir normas gerais de direito
urbanístico, os Estados atuarem suplementarmente (interesse regional) e os
Municípios, no âmbito local, todos agem de forma cooperada quanto à
elaboração, implementação e execução do desenvolvimento urbano.
Em 2006 foi apresentada a proposta de Lei Federal de Cooperação dos
Entes Federativos sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano
(baseada no art.23, IX da Constituição Federal750). Todavia, a atuação conjunta
voltada ao desenvolvimento urbano não depende de Lei Complementar e pode
ser exercitada no âmbito das competências do art.24. Assim, a União editará
diretrizes gerais, os Estados e Municípios suplementarão os planos nacionais,
no que for referente, respectivamente, aos interesses regional e local.
Na ausência de uma lei complementar para coordenar os entes
federados, Nelson Saule Júnior751 arrolou várias legislações federais que
trazem mecanismos de atuação conjunta entre eles para alcançar a política de
desenvolvimento urbano, núcleo fundamental do planejamento urbano752.
Dentre elas, podemos citar: Estatuto da Cidade, Lei de Resíduos Sólidos e
Mobilidade Urbana.
O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) contém normas
gerais da política nacional de desenvolvimento urbano e estabelece normas
jurídicas de ordem pública de observância necessária por todos os entes
federados no campo do direito urbanístico.
750
SAULE JÚNIOR, Nelson. Bases Jurídicas para a instituição de uma Lei Federal sobre o sistema nacional de desenvolvimento urbano, p.98. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007. O texto serviu como subsídio para elaborar a proposta de Lei Federal de Cooperação dos Entes Federados sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, do Ministério das Cidades – Programa das Nações Unidas. 751
SAULE JÚNIOR, Nelson. Bases Jurídicas para a instituição de uma Lei Federal sobre o sistema nacional de desenvolvimento urbano, p.104. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007. 752
O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/1979), a Lei Federal que trata do Conselho Nacional das Cidades (MP 2220/2001 c/c Lei nº 11.683/2003), Lei sobre o sistema nacional de habitação de interesse social (Lei nº 11.124/2005), Lei sobre o Patrimônio da União que disciplina as formas de uso das terras urbanas e rurais da União (Lei nº 9.636/1998), Lei Federal que trata do Zoneamento Ecológico e Econômico (art. 9º, II, da Lei nº 6.398/1981 e Decreto nº 4.297/2002), Lei que dispõe sobre o plano nacional do gerenciamento Costeiro (Lei nº 7.661/1988 c/c Decreto nº 5.300/2004), Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007 c/c Decreto nº 7.217/2010), Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal nº 12.305/2010 c/c Decreto nº 7.217/2010), Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997), Mobilidade Urbana (Lei Federal nº 12.587/2012), Zoneamento Econômico Ecológico (Lei nº 6.398/1981 c/c Decreto nº 4.297/2002) e Programa Minha Casa, Minha Vida (Lei Federal nº11.977/2009).
349
Mesmo considerado um conjunto normativo intermediário753, concretizou
os comandos do art.182 (que trata da política urbana), tornando viável
implementar mecanismos para cumprir a função social da cidade e da
propriedade, de fixar instrumentos da política urbana, como o direito de
preempção, a outorga onerosa, o estudo de impacto de vizinhança, que
dependem de legislação municipal, ao lado do plano diretor municipal.
As normas que compreendem o núcleo fundamental do planejamento
urbano disciplinam temas relativos à função social das cidades (art.2º, I, do
Estatuto da Cidade). Esta, por sua vez, só é garantida quando se viabiliza o
direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, infraestrutura
urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer. Assim, as
diversas legislações esparsas relacionadas aos temas do desenvolvimento
urbano criaram, de acordo com regras constitucionais, um sistema envolvendo
os três entes federados no planejamento de matérias específicas.
5.4.2 Planos urbanísticos federais, estaduais e municipais: gerais e setoriais
A partir da perspectiva constitucional, constatamos duas tipologias de
planos urbanos: gerais e setoriais.
Segundo o art.21, IX da Constituição Federal, compete à União elaborar
e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território.
Ao analisar os dispositivos legais que tratam da competência da União
em matéria de planejamento urbano, José Afonso da Silva754 afirma que a
União tem competência para estabelecer três tipos de planos de ordenação
territorial nacional: (a) o plano urbanístico nacional; (b) os planos urbanísticos
macrorregionais e (c) os planos urbanísticos setoriais.
Todavia, não temos uma legislação única, sistematizada e uniforme
atribuindo diretrizes e coordenações entre as atividades de planejamento
urbano nos vários níveis territoriais da federação.
753
SUNDFELD.Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais, p.52. In: (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010. 754
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.112.
350
Por enquanto, o ordenamento jurídico conta com leis setorizadas, que
tratam de temas relacionados ao desenvolvimento urbano, como a Lei da
Mobilidade Urbana e a Política Nacional de Resíduos Sólidos, por exemplo.
Os planos urbanísticos macrorregionais abrangem o processo de
ordenação territorial destinado a disciplinar a ocupação urbana do solo nas
macrorregiões (art.43 da Constituição Federal). Trata-se de administração
instituída pela União para promover ações em um mesmo complexo
geoeconômico e social, com o objetivo de desenvolver e reduzir as
desigualdades sociais. Com base neste dispositivo foram criadas a
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), pela Lei
Complementar nº125/2007, autarquia, sediada em Recife, e vinculada ao
Ministério da Integração Nacional e a Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia (Sudam), pela Lei Complementar nº 124/2007, autarquia, sediada
em Belém e vinculada ao Ministério da Integração Nacional.
As leis atribuíram às autarquias a competência para produzirem planos e
propor diretrizes ao desenvolvimento de suas áreas de atuação, em
consonância com a política nacional de desenvolvimento regional, articulando-
os com os planos nacionais, estaduais e locais. Entretanto, não temos ainda
uma Lei que coordene e implemente este planejamento territorial. Caso isto
ocorra, deverá ser editada uma lei federal, iniciada no Poder Executivo Federal
e aprovada pelo Congresso Nacional, como lei ordinária755.
Por força do art. 24, I, §2º, a Constituição Federal reservou aos Estados-
membros a competência para legislarem suplementarmente sobre direito
urbanístico e estabelecerem diretrizes gerais de ordenação do seu território,
inclusive por meio de planos estaduais ou regionais de urbanismo.
Nesta perspectiva, o Estatuto da Cidade (art.4º), previu por parte dos
Estados-membros a elaboração dos planos regionais e estaduais de ordenação
do território e a elaboração de planos para as regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões.
Em razão da competência constitucional para os Estados editarem
planos urbanísticos de ordenamento territorial, José Afonso da Silva concebeu
as tipologias de planos estaduais e seus respectivos conteúdos. Ele entende
755
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.122.
351
ser possível, por planos estaduais, estabelecer regiões de uso industrial,
delimitar áreas supramunicipais destinadas à proteção ambiental, melhorar o
interesse turístico, a indicação e a localização de infraestruturas básicas
supramunicipais, como as linhas de comunicação terrestre, marítima e o
saneamento básico756.
José Afonso da Silva distingue duas tipologias de planos conforme o
âmbito de incidência. De um lado, identifica os planos estaduais de
desenvolvimento urbano, composto por diretrizes gerais, atuação interurbana,
supramunicipal, envolvendo os municípios localizados em seu território para
estabelecer diretrizes observadas pelos entes municipais, em função do caráter
de coordenação geral de ordenação territorial.
Menciona também os planos urbanísticos das regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões que apresentam caráter intraurbano, de
efeito direto e concreto, por ocasião do tratamento do interesse metropolitano,
que decorre do interesse local e de sua projeção para outros municípios, em
razão da expansão das cidades, além do território de um único município757:
A função do planejamento estadual de desenvolvimento urbano há de consistir na consecução de objetivos gerais ou microrregionais, consequentes a um conjunto de diretrizes e ações interurbanas, que conduzam a uma ordenação a rede urbana no território do Estado ou da microrregião que sirva de base à atividade planejadora. Vale dizer que não será adequado ao Estado o exercício de função urbanística de efeito direto e concreto intra-urbano, salvo nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas e em alguns outros setores muito especiais.
José Afonso da Silva758 ao explicar o conteúdo dos planos de ordenação
do espaço territorial estadual, argumenta que deverá versar sobre:
(a) o estabelecimento de regiões de uso industrial; (b) a delimitação de áreas supramunicipais que se considere necessário submeter a determinadas limitações e a uma adequada proteção ou a melhoramentos, tais como tutela do meio ambiente natural (planos estaduais ou microrregionais de combate à poluição, de proteção florestal, de preservação dos mananciais que sejam do domínio estadual (Constituição Federal, art 26, I), tutela do meio ambiente cultural (proteção do patrimônio histórico, paisagístico, artístico e arqueológico do Estado), melhoria das áreas de interesse turístico em nível estadual ou regional; (c) indicação e localização de infra-estruturas básicas supramunicipais: linhas de comunicação terrestre, marítima e aérea, saneamento básico, fornecimento de energia e
756
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.107. 757
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.127. 758
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.105.
352
outras análogas, para conseguir-se o modelo urbanístico do território estadual ou microrregional.
Citemos como exemplo, a Lei Federal nº 6.803 de 2/7/1980, que trata
das diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de
poluição, atribuindo aos Estados competência para restringir a localização de
estabelecimentos industriais, após a oitiva dos Municípios, em razão de
padrões de uso e ocupação do solo definidos em termos de interesse
ambiental. Com relação à localização de infraestrutura básica supramunicipal,
mencionamos o art. 17, IX, XI, alínea “a” da Lei nº 12.305/2010 que determina,
por parte dos Planos Estaduais de Resíduos Sólidos, a previsão em áreas
metropolitanas de zonas favoráveis para localizar unidades de tratamento de
resíduos sólidos ou de disposição final de rejeitos.
José Afonso da Silva759explica que em termos de localização de
indústria, o Estado deverá atuar da seguinte forma:
(1) não tem eficácia a lei estadual de determinação de localização industrial onde o Município a proíba; (2) o Estado, segundo diretrizes e objetivos regionais estabelecidos no plano, poderá restringir a localização de indústrias (mesmo onde o Município a admita), mediante controle dirigido à iniciativa privada.
Acrescenta que o Estado não tem competência para determinar a
localização das indústrias em relação à zona específica, ao contrário do que
dispõe a norma municipal, em razão das competências constitucionais
urbanísticas atribuídas ao Município. Contudo, dentro de um plano de
regionalização industrial poderá fixar objetivos de interesse público, de cunho
supramunicipal, impondo restrições à localização industrial, por meio de
parâmetros legais de licenciamento estadual, que condicionarão a atividade do
particular ao construir os estabelecimentos industriais.
Não haverá ingerência na competência municipal, pois o Estado em área
supramunicipal atuará em conjunto com os Municípios para licenciar ou
autorizar a abertura de indústrias, em razão da competência comum (art.23, VI,
IX e X, c/c art. 225 da Constituição que tutela o meio ambiente).
E por fim, prevê o art. 182, §1º, da Constituição Federal a competência
do Município elaborar plano diretor como instrumento básico da política de
desenvolvimento e de expansão urbana e o Estatuto da Cidade (Lei nº
759
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.132.
353
10.257/2001) que estabelece em seu art.4º, III, “a”, o plano diretor como
instrumento da política urbana municipal.
5.4.2.1 Planejamento urbano estadual: supramunicipal e metropolitano
A Carta Magna previu para o Estado-membro atribuições em matéria
urbanística, no que tange ao planejamento urbano. Tomando por base, que o
Município tem força constitucional (art.30, VIII, c/c art.182) de grande parte da
matéria urbanística quanto à organização dos espaços habitáveis do município,
qual o conteúdo designado constitucionalmente aos Estados para cumprir esta
tarefa? Ao considerarmos que planejamento urbano diz respeito à ordenação
dos espaços territoriais habitáveis do Estado, constatamos que o conteúdo do
planejamento urbano estadual refere-se aos interesses supramunicipais,
disciplinados genericamente, que condicionam a elaboração dos planos
específicos traçando orientações. A função do planejamemento estadual diz
respeito à coordenação de ações relativas à disciplina dos espaços habitáveis.
Por força do art. 25, §3º, da Constituição Federal, a competência estadual para
instituir Regiões Metropolitanas também considera o planejamento urbano em
seu território.
Nos dois casos nos referimos ao conteúdo do planejamento urbano
estadual como matérias de cunho urbanístico e ambiental, pela íntima relação
que apresentam entre si.
Assim, procuramos estabelecer o conteúdo do planejamento urbano dos
estados vinculados à aplicação das medidas de proteção ambiental ao
ordenamento territorial dos espaços supramunicipais e metropolitanos.
Com relação aos espaços territoriais supramunicipais, de acordo com
José Afonso da Silva760, não poderá versar sobre “funções urbanísticas de
efeito direto e concreto intraurbano, salvo nas regiões metropolitanas e
aglomerações urbanas e em alguns outros setores muito especiais”. O campo
supramunicipal do Estado atuará como função coordenadora, organizadora da
atuação urbana dos Municípios, através de seus planos diretores.
760
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.125.
354
Os Estados cumprirão as diretrizes de ordenação do seu território,
mediante intervenção direta naquilo que lhe compete e mediante articulação
com os Municípios e incentivos à iniciativa privada, tendo em vista761:
I – a coordenação do desenvolvimento urbano em nível estadual e regional; II – o estabelecimento de critérios de assentamento urbano de relevância regional, como a criação de novos núcleos populacionais e a regionalização industrial; III – a delimitação de áreas supramunicipais que se considere necessário submeter a determinadas limitações ou a uma adequada proteção ou melhoramento, visando à tutela do meio ambiente, como a proteção florestal, a preservação dos mananciais e das margens das águas públicas; IV – a tutela do meio ambiente cultural, como a proteção do patrimônio histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, etnológico e turístico do Estado; V – a indicação e localização de infraestruturas básicas supramunicipais e a definição da rede viária extraurbana.
Rafael Augusto Silva Domingues762aponta três exemplos que
demonstram a atuação do Estado-membro no planejamento urbano.
Os dois primeiros dizem respeito à imposição de limites para construção
quando se tratar de patrimônio ambiental, cultural, paisagístico, histórico e
ecológico por se tratar de competência comum (art.23, III, IV e VI) e
concorrente (art. 24, VI e VII da Constituição Federal). Trata-se do art. 229 da
Constituição da Paraíba763 e do art. 236, §11, da Constituição do Pará764.
No primeiro caso, a legislação paraibana fixou normas específicas sobre
a disciplina de construção urbana, referente aos gabaritos, no que tange à zona
costeira do território. No segundo caso, as mesmas normas de construção de
pavimentos de prédios foram previstas nas instâncias balneárias, turísticas e
hidrominerais do Estado do Pará. Os conteúdos foram possíveis por tratar dos
aspectos ambientais e turísticos, matérias relacionadas à atribuição Estatal.
Da mesma forma, o art.13 da Lei nº 6.766/1979 que condiciona em
determinadas situações a aprovação dos loteamentos pelos Municípios e está
atrelado ao prévio exame e anuência dos Estados-membros é constitucional
face ao conteúdo urbano que pode ser impresso a tais situações. Este é o
entendimento de Rafael Augusto Silva Domingues e Toshio Mukai, que
identificam claramente o interesse supramunicipal de ordem urbanística que
761
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.126. 762
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.142. 763
BRASIL. Constituição do Estado da Paraíba. Art.229. §1°, ‘a’ e ‘b’. 764
BRASIL. Constituição do Estado do Pará. Art.236, §11.
355
demanda legislação estadual para evitar conurbações excessivas, densificação
caótica e desarmonia nas urbanizações indesejáveis765.
O legislador estadual ao fixar por meio das Leis Complementares
responsáveis pela criação de regiões metropolitanas o sentido de função
pública de interesse comum, dispõe dentre as várias espécies, de conteúdos
relacionados ao planejamento urbano destinado à proteção ambiental, às
funções referentes ao uso do solo metropolitano e à preservação e proteção ao
meio ambiente e combate à poluição (art. 43 da Constituição mineira). A tarefa
do jurista será compreender o sentido do planejamento urbano metropolitano,
de maneira a não colidir com os arts.30, VIII e 182, §1º, clásulas constitucionais
intangíveis que preservam o conteúdo essencial da competência municipal em
matéria urbanística.
Segundo Hely Lopes Meirelles766, estas competências são traduzidas
em dois tipos de atribuições municipais: de ordenação espacial e de controle
da construção. A primeira diz respeito ao plano diretor, às normas de uso,
parcelamento e ocupação do solo, envolve o zoneamento, o loteamento e a
composição estética e paisagística da cidade; a segunda, o controle da
construção, normas que incidem sobre o traçado urbano, equipamentos sociais
e edificações nos requisitos funcionais e estéticos, expressas no Código de
Obras do Município. Este conteúdo compõe o núcleo intocável, que a atuação
do Estado no campo urbanístico não poderá versar, tanto no campo
supramunicipal quanto metropolitano.
Ao tratarmos das competências concorrentes dos Estados-membros nos
referimos às duas correntes de entendimento no que tange ao campo de
suplementação da atuação do Estado no interesse supramunicipal (regional) e
metropolitano. Há quem defenda, como José Afonso da Silva767 que a atuação
do Estado está sempre limitada pelas normas gerais federais urbanísticas e
referentes à competência municipal, quanto à ordenação do solo urbano. O
jurista até admite ingerência concreta e direta em matéria intraurbana por parte
do Estado, diante das regiões metropolitanas.
765
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.144; MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental.3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006. 766
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.508. 767
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.124.
356
Ainda no campo das competências do Estado supramunicipais, Carlos
Ari Sundfeld768argumenta que as normas suplementares estaduais poderão,
desde que observadas as normas gerais da União, regular exaustivamente as
matérias urbanísticas, restando ao Município dispor sobre o interesse local.
Rafael Augusto Silva Domingues769aceita aplicar esta corrente ao
autorizar os Estados-membros, observadas as normas gerais federais, o
esgotamento da matéria urbanística, sem se preocupar com o interesse local,
que deverá ceder lugar ao interesse metropolitano770:
Quando estivermos diante de um interesse estritamente local, a competência dos Municípios continuará constituindo um obstáculo intransponível para os Estados-membros. Contudo, diante de um interesse metropolitano, este obstáculo não mais existirá, podendo os Estados-membros legislar plenamente, “esgotando” a matéria urbanística que envolve a metrópole, restando aos Municípios a possibilidade de suplementação desta legislação estadual, sem olvidar, é claro, da necessidade de se “ouvir” os Municípios. Em suma, as decisões devem ser compartilhadas, mas, não havendo consenso, a “decisão final”, segundo o nosso entendimento, é atribuída ao respectivo Estado-membro.
Adotamos a corrente ampliativa (com algumas restrições), que
incrementa a competência urbanística dos Estados-membros, diante do
interesse metropolitano, sem comprometer o exercício das competências
municipais na disciplina dos espaços habitáveis.
O interesse local é condicionado pelo metropolitano. A premissa decorre
do pensamento de João Luiz Teixeira Neto771que ao dividir os municípios em
três categorias (integrantes de regiões metropolitanas, rurais e urbanizados,
sem integração de região metropolitana) admite que a predominância do
interesse será menos intensa nos Municípios metropolitanos. Ainda que o
interesse metropolitano seja titularizado pelo Estado (competente para elaborar
e executar o plano metropolitano) acolhemos Rafael Augusto Silva Domingues
de forma moderada, para quem o Estado-membro respeita o núcleo essencial,
intangível das competências urbanísticas municipais do art. 30, VIII e 182, §1º
da Constituição Federal.
768
SUNDFELD, Carlos Ari. Sistema Constitucional de Competências. Revista Trimestral de Direito Público nº1. São Paulo: RT, 1993, p.278. 769
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.168. 770
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.169-170. 771
NETO, João Luiz Teixeira. O peculiar interesse municipal. Cadernos de Direito Municipal (RDP) nº64, out-dez, São Paulo: RT,1982, p.212.
357
Assim, o conteúdo do Plano Diretor Metropolitano será elaborado de
forma compartilhada entre os Estados e Municípios, no âmbito do Poder
Executivo Estadual. Competirá à Assembleia Legislativa Estadual aprova-lo
respeitando as matérias urbanísticas do Município, o que retira do Estado o
esgotamento da matéria urbanística que abrange os assuntos metropolitanos.
Portanto, a premissa adotada para nortear o conteúdo dos planos
urbanísticos metropolitanos restringe a atuação dos Estados quanto à
competência municipal, mas contempla aspectos intraurbanos, por exemplo,
quanto ao zoneamento industrial fixado para reduzir a poluição ambiental. É
uma corrente intermediária, que admite avanços no tratamento da matéria
urbanística e ambiental relacionados ao parcelamento do solo e ao
zoneamento, sem tornar o Estado-membro agente pleno da atuação
urbanística e o município mero executor dos instrumentos da política de
ordenação territorial.
358
6 PLANEJAMENTO URBANO METROPOLITANO
Iniciaremos esclarecendo as origens do Plano Diretor das Regiões
Metropolitanas. A ideia não é nova e foi prevista em outros dispositivos legais
desde a década de 70 no Brasil.
Em alguns Estados foi anterior às Leis Complementares nº 14/1973 e nº
20/1974 responsáveis por criarem as Regiões Metropolitanas de São Paulo,
Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém, Fortaleza e Rio
de Janeiro (art.164 da Constituição de 1969).
Eros Roberto Grau777explica que os municípios da Região Metropolitana
de Porto Alegre, criada em 1968, conscientes da incapacidade de resolverem
os problemas individualmente assumiram a condução do desenvolvimento
metropolitano, criaram o Conselho Metropolitano de Municípios (CMM) e
instituíram o Grupo Executivo da Região Metropolitana (GERM), ambos em
1970, este último como executor técnico das diretrizes e políticas daquele
Conselho, o que levou à elaboração, entre 1971/73 do Plano de
Desenvolvimento Metropolitano.
Eros Grau778cita também a elaboração do Plano de Desenvolvimento
Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte, concluído em
10/12/1972.
Do ponto de vista jurídico, o Plano Metropolitano foi criado pela Lei
Complementar nº14/1973 ao atribuir ao Conselho Deliberativo (art.3º) a
competência para elaborar o Plano de Desenvolvimento integrado da região
metropolitana e a programação dos serviços comuns. Por força do art.20 da Lei
Complementar nº 20/1974, as disposições relativas à elaboração do Plano
Integrado de Desenvolvimento Metropolitano eram extensíveis à Região
Metropolitana do Rio de Janeiro.
Com relação à atuação do Conselho Deliberativo, Alaôr Caffé Alves779
explica que o fato do órgão colegiado ter competência para elaborar o Plano de
Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana, ou seja, tomar a iniciativa
777
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.88. 778
GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.89. 779
ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981,p.195.
359
e estimular não significava obrigatoriedade para concretizá-lo. Assim, para o
autor, a elaboração do plano metropolitano não era obrigatória, mas uma
competência discricionária do Poder Executivo Estadual.
Quanto à competência para aprovar o plano metropolitano, a Lei
Complementar apenas se referia à entidade competente para deflagrar o
processo, sem tratar do Poder Legislativo. Não competia ao Conselho
Deliberativo, órgão executivo, aprovar o plano. Alaôr Caffé Alves780sugeria
aprovação por decreto do governo do Estado ou pela Assembleia Legislativa,
pois segundo a Lei Complementar nº 14/1973, o plano metropolitano não era
considerado lei. A ausência de natureza legislativa do plano, segundo Alaôr
Caffé Alves781, comprometia sua eficácia, por se tratar de plano meramente
retórico, sem comandos normativos obrigatórios.
As leis complementares, em razão do regime constitucional de 1969,
foram elaboradas pela União, responsável pela criação das Regiões
Metropolitanas. Mas competia aos Estados elaborar e executar os planos e
programas referentes aos serviços comuns. O governo do Estado de São
Paulo editou a Lei Complementar Paulista nº94, de 29/5/1974 para aplicar as
diretrizes da Lei Complementar Federal em relação à Região Metropolitana de
São Paulo. Posteriormente a Lei Paulista foi alterada pela Lei Complementar nº
144/1976.
Com relação à elaboração do Plano Metropolitano, a lei federal foi
reproduzida pela lei estadual para compor o regime jurídico do Plano
Metropolitano.
De acordo com a Lei Complementar Paulista (art.7º), foi atribuído ao
Conselho Deliberativo da Grande São Paulo (Codegran) a competência para
elaborar e atualizar o Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da
Grande São Paulo.
A Lei Complementar Federal e a Lei Paulista garantiram a participação
dos municípios na elaboração do Plano Integrado de Desenvolvimento
Metropolitano, embora de forma tímida. Seus membros compunham os
Conselhos Deliberativos e Consultivos (Lei Federal, art.6º e Lei Estadual
780
ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.196. 781
ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.199.
360
Paulista, art. 4º, §1º). Os municípios da região metropolitana participavam da
execução do planejamento integrado e dos serviços comuns com preferência
para obter recursos federais e estaduais, sob a forma de financiamentos e de
garantias para empréstimos.
Mas as leis não garantiram a participação popular durante a elaboração
do Plano Metropolitano, pois os Conselhos só contavam com representantes
do Estado e dos Municípios. Na década de 80, Alaôr Caffé Alves782discutia a
ausência desta participação popular durante a elaboração dos planos
metropolitanos, o que impedia o consenso da população quanto ao seu
conteúdo e até mesmo legitimidade e respeito às suas determinações783.
6.1 O tratamento jurídico do Plano Diretor Metropolitano após a Constituição Federal de 1988
O art.25, §3º, da Constituição Federal apenas trata da instituição da
Região Metropolitana, sem referir-se ao Plano Diretor Metropolitano.
No entanto, foi proposto, na Câmara dos Deputados, o projeto de
Emenda Constitucional nº 50/2011, do deputado Alberto Mourão, que
acrescenta ao art.182, os parágrafos 5º a 8º relativos à obrigação dos Estados
editarem Plano Diretor Metropolitano abrangendo o território de todos os
municípios integrantes da região. Segundo a emenda, a elaboração do Plano
Diretor Metropolitano não exime os municípios integrantes da região
metropolitana de elaborarem os respectivos planos diretores municipais.
O projeto também fixa prazo três anos, após a entrada em vigor da
emenda, para os Estados elaborarem Plano Diretor Metropolitano sob pena de
suspender o repasse de recursos da União não classificados como
transferências obrigatórias.
782
ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.214. 783
ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.214.: “Nas palavras de Alaôr Caffé Alves: [...] Por outro lado, não se pode esquecer que o plano metropolitano se refere a uma realidade urbanística regional, interferindo, se implementando, no seio da comunidade cujas aspirações devem ser necessariamente levadas em conta. Na verdade, a participação comunitária na elaboração do plano é, em nossa opinião, imprescindível não só porque possibilita acolher as expectativas e os reais interesses da população a que se dirige, como também porque essa participação legitima a exigibilidade das determinações do plano frente aos administrados. A participação induz ao consenso e este passa a ser o fundamento das exigências jurídicas a serem feitas”.
361
Do ponto de vista legislativo, a primeira referência após a Constituição
Federal de plano urbano metropolitano foi o Projeto de Lei nº 5.788 de 1990
que tratou da primeira versão do Estatuto da Cidade.
Clementina de Ambrosis784 explicou que tratava de capítulo específico
sobre Região Metropolitana e seu planejamento. No entanto, um projeto
substitutivo elaborado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados, redigido em 28/11/2000, retirou do Estatuto da Cidade o tratamento
das regiões metropolitanas, sob o argumento de ser matéria de competência
exclusiva do Estado criar e organizar figuras regionais.
O antigo projeto do Estatuto da Cidade previa o Plano Diretor
Metropolitano, abrangendo o território de todos os municípios integrantes sem
eximi-los da elaboração do plano diretor local.
A despeito do projeto de lei ter retirado este comando sobre Regiões
Metropolitanas do Estatuto da Cidade, permaneceram “vestígios” do projeto
substituído, que culminaram com os dois artigos que tratam de Regiões
Metropolitanas, um deles sobre o planejamento urbano (arts.4º, II e 45 da Lei
Federal nº 10.257/2001). O primeiro prevê como instrumento da política urbana
o planejamento das regiões metropolitanas, e o segundo trata da gestão
democrática dos gestores das regiões metropolitanas, através da inclusão
obrigatória e significativa da participação popular e de associações
representativas de vários segmentos da comunidade, garantindo o controle
direto das atividades e o exercício da cidadania.
Notamos que as noções de planejamento urbano metropolitano não
foram completamente abandonadas nas Constituições e leis complementares
estaduais. A Constituição do Estado de Goiás (Emenda nº46 de 9/9/2010)
previu (art.90, §3º) que as diretrizes do planejamento das funções de interesse
comum serão objeto do Plano Diretor Metropolitano, microrregional ou
aglomerado.
Por sua vez, a Lei Complementar nº87 de 16/12/1997 que trata da
criação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, determina (art.5º,I) a
elaboração do Plano Diretor Metropolitano pelo Conselho Deliberativo e
submetido à Assembleia Legislativa. O plano conterá diretrizes de
784
AMBROSIS, Clementina de. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. In: (Coord.) MOREIRA, Marian. Estatuto da Cidade – CEPAM. São Paulo, 2001.
362
planejamento integrado, de desenvolvimento econômico e social, incluídos os
aspectos relativos às funções públicas e serviços de interesse metropolitano ou
comum.
Igualmente (art.6º, V) caberá ao Estado elaborar e supervisionar a
execução dos planos, programas e projetos relacionados às funções públicas e
serviços de interesse comum, conforme o Plano Diretor Metropolitano. Por sua
vez (arts. 8º e 9º da Lei Complementar nº 87), os órgãos setoriais estaduais e
os planos, programas e projetos dos municípios integrantes da região deverão
observar as diretrizes do Plano Diretor Metropolitano.
Alguns artigos desta lei tiveram sua constitucionalidade questionada pelo
STF (ADIN 1842), quanto à transferência ao Estado do Rio de Janeiro de
competência municipal, sobretudo em relação aos serviços de saneamento
básico. A ação foi julgada em 28/2/2013, mas os dispositivos sobre o Plano
Diretor Metropolitano não foram objeto da ação.
Baseado na Lei Complementar nº 87 de 16/12/1997 foi editada a Lei nº
5.192/2008 determinando o Plano Diretor decenal da Região Metropolitana do
Estado do Rio de Janeiro. De acordo com o parágrafo único, deverá ser
elaborado pelo governo do Estado, através de uma entidade coordenadora,
que inclua representantes de todos os municípios integrantes da Região
Metropolitana.
O Plano Diretor (art.3º) deverá criar a gestão metropolitana consorciada,
ambiental, uso de solo, saneamento ambiental, urbanização, transportes de
passageiros e cargas, habitação, recursos hídricos, matrizes energéticas,
insumos de produtos e industrial e educação pública.
O Plano Metropolitano deverá abordar questões específicas como
projetar o crescimento populacional, identificação e incremento das demandas
por investimentos em relação aos polos industriais Petroquímico de Itaboraí,
Gás Químico de Duque de Caxias e Siderúrgico de Santa Cruz e Itaguaí.
Em relação à mobilidade urbana, deverá tratar do Arco Rodoviário
Metropolitano. Quanto às questões ambientais, abordará os programas de
Despoluição das Baías de Guanabara (PDBG) e de Sepetiba (PDBS), com
enfoque no saneamento ambiental da zona oeste do Município do Rio de
Janeiro.
363
De acordo com o art. 46, IV, da Constituição mineira, haverá em cada
região metropolitana um Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado,
considerado instrumento de planejamento (arts.5º e 6º da Lei Complementar nº
88 de 2006785) que terá diretrizes para o desenvolvimento econômico e social
relativas às funções públicas de interesse comum. Os planos diretores dos
municípios da região metropolitana serão orientados pelo Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado quanto às funções públicas de interesse comum
(§1º).
Os municípios participam do processo de elaboração assim como os
representantes de interesses sociais, culturais, econômicos e de instituições de
relevante interesse regional (§2º). As mesmas disposições constam na Lei
Complementar nº 89 de 2006, que trata da gestão da Região Metropolitana de
Belo Horizonte786.
Ao lado destas leis, a Lei Complementar nº 107 de 2009 criou a Agência
de Desenvolvimento Metropolitano de Belo Horizonte para (art. 4º, I, II) elaborar
o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado e implementar planos,
programas e projetos de investimento, executar metas e prioridades.
Em 14 de setembro de 2011 foi lançado o Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte até
2030, que propõe, por exemplo, criar uma estrutura de mobilidade em rede
com obras rodoviárias e ferroviárias como opção de transporte.
A legislação paulista não tratou expressamente do Plano Diretor
Metropolitano. Mas, no art. 24 da Lei Complementar nº 1.139 de 16/6/2011787,
determinou a compatibilização entre os planos e projetos dos Estados e
Municípios com as diretrizes metropolitanas estabelecidas em lei ou fixadas
pelo Conselho de Desenvolvimento.
Em 16 de abril de 2013, em razão da abertura do Conselho de
Desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo, o prefeito Fernando
Haddad defendeu um planejamento estratégico conjunto envolvendo os 39
municípios da região metropolitana através de um plano diretor. Na ocasião,
sugeriu que a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa)
785
Trata da instituição e a gestão de região metropolitana e sobre o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano das regiões metropolitanas mineiras. 786
Lei Complementar nº 89 de 2006, Art. 8º, XII, §1º e §2º. 787
Responsável pela criação da Região Metropolitana de São Paulo.
364
recolha junto aos secretários de Desenvolvimento Urbano de cada cidade a
compilação dos planos diretores para elaborar um planejamento metropolitano,
sobretudo, nas questões de mobilidade urbana e saúde pública788.
Embora não tenha estrutura formal jurídica nem competência
deliberativa, o parlamento metropolitano de São Paulo (composto pela Câmara
Municipal de 30 municípios integrantes da Região Metropolitana) começou em
10 de maio de 2011 os estudos e pesquisas para elaborar o Plano Diretor
Metropolitano.
6.2 Plano Diretor Metropolitano e as contribuições das legislações espanholas e colombianas
Na Espanha o ordenamento jurídico prevê planos metropolitanos para
implementar políticas públicas das Comunidades Autônomas. Foram previstos
três tipos: planos estratégicos, setoriais e territoriais, os quais se aproximam
mais dos planos urbanísticos brasileiros, por abrangerem o âmbito espacial da
área metropolitana.
Ao analisar o planejamento metropolitano nas Comunidades Autônomas
espanholas, Francisco Toscano Gil789explica que os planos estratégicos,
utilizados no ramo das ciências empresariais, demonstraram eficácia na
solução dos fatos metropolitanos. O autor cita referências importantes
utilizadas na Espanha: Primeiro Plano Estratégico Metropolitano de Barcelona
(aprovado em 10/3/2003), Plano Estratégico de Revitalização de Bilbao
Metropolitano e o editado entre 2000/2010, Plano Estratégico de Zaragoza e
sua área de influência (aprovado em julho de 1998 e revisado em junho de
2006), concretizado com o Plano Estratégico de Zaragoza e seu Entorno e o II
Plano Estratégico de Málaga (2010).
E segundo a Lei nº7 de 2/4/1985, responsável pela regulação do poder
local, previu no art. 59.1 os planos setoriais que definem objetivos e
determinam prioridades para as políticas públicas, específicas, relacionadas a
determinado setor de serviço. Daí o nome plano setorial. Assim, poderão
788
SECRETARIA Executiva de Comunicação. “Haddad é eleito presidente do Conselho Metropolitano e propõe plano diretor integrado”. Disponível em: <www.prefeitura.sp.gov.br>. Acesso em: 17 abr. 2013. (Trecho da notícia veiculada no portal da Prefeitura) 789
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.265.
365
atribuir ao governo da Nação ou ao Conselho de governo, a faculdade de
coordenar a atividade da administração local no exercício de suas
competências, por meio dos planos setoriais.
Francisco Toscano Gil defende que os planos setoriais sejam
metropolitanos, específicos para resolver os problemas destas áreas. Neste
caso, as administrações locais não se manifestarão, devendo submeter-se à
vontade das administrações responsáveis por sua coordenação:790
La planificación sectorial prevista em este artículo de la LBRL, entendida como técnica jurídico-administrativa al servicio de la Administración estatal o autonómica para la coordinación de la Administración local, puede ser, como ya se ha dicho, un instrumento de solución del hecho metropolitano. En estos términos, esta técnica se caracteriza por la ausencia de voluntariedad para las Administraciones locales coordinadas em el espacio metropolitano, que, con los limites marcados por la própria LBRL, se ven aquí sujetas a la imposición de la voluntad de la Administración que las coordina, conforme a la conocida jurisprudência del Tribunal Constitucional, en STC 214/1989, de 21 de diciembre (FJ 20) (Iustel: §101420).
Os planos territoriais, segundo Francisco Toscano Gil, são os
instrumentos mais adequados para o planejamento metropolitano.
De acordo com o art. 148.3 da Constituição espanhola, as Comunidades
Autônomas poderão assumir competências de ordenação territorial, uma vez
que lhe são facultadas competências para o planejamento espacial e o
desenvolvimento urbano e habitação.
Francisco Toscano Gil destaca a Comunidade Autonôma de Andaluzia
por ser referência e pioneira na edição de planos de ordenamento territorial
metropolitano em relação a outras comunidades autônomas.
Pautada na Constituição espanhola, a Comunidade de Andaluzia editou
a Ley1de 11/1/1994 que trata da sua Ordenação Territorial (denominada LOTA)
e previu como típico plano territorial metropolitano os planos sub-regionais
(art.10 a 16). Embora não sejam os ideais, apresentam reflexos e relações
sobre as áreas metropolitanas. Francisco Toscano Gil791, também considera os
planos regionais (arts. 6º a 9º do Decreto nº 206/2006), os setoriais de
790
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p. 267. 791
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.269.
366
Ordenamento Territorial das Aglomerações Urbanas (POTAU) e os de
Transportes Metropolitanos (PTM).
A Lei nº 1/1994 da Comunidade de Andaluzia regulamentou (arts.10 a
16) os planos sub-regionais. O âmbito de aplicação dos planos de ordenação
territorial corresponde (art.14) aos municípios limítrofes e contíguos, que por
suas proximidades físicas, funcionais e socioeconômicas, compõem um espaço
adequado de planejamento territorial.
De acordo com o art. 11, a LOTA prescreve para os planos de nível sub-
regional os objetivos territoriais e as propostas a serem desenvolvidas como o
esquema básico de infraestrutura e a distribuição de equipamentos e serviços
disponíveis ou supramunicipal necessários para desenvolver os objetivos,
identificar áreas de gestão e compatibilidade de usos da terra e para proteger e
valorizar a paisagem, os recursos naturais e o patrimônio histórico e cultural,
combatibilizar e adaptar as determinações dos planos com incidência na
ordenação do território e os urbanísticos em relação ao plano sub-regional
territorial, além do prazo para revisão.
A iniciativa para elaborar o plano é do Ministro das Obras Públicas e
Transportes que após a oitiva dos empresários sobre os quais incidirão suas
consequências, submeterão o conteúdo à aprovação do Conselho de
governadores.
Na hipótese dos municípios manifestarem a intenção de participar da
formulação do plano territorial sub-regional, deverão encaminhar a iniciativa
para a aprovação no plenário dos municípios, por pelo menos 3/5 dos
municípios, incluídos no plano, desde que agrupados por, pelo menos, metade
da população dessa área.
Elaborado o plano, será submetido à consulta pública por até dois
meses e à oitiva das administrações governamentais.
O plano será ainda aprovado por decreto do Conselho de governo e
dirigido ao parlamento.
É possível destacar o êxito da planificação metropolitana na
Comunidade de Andaluzia com a aprovação dos planos territoriais (2006), de
Ordenação Territorial das Aglomerações Urbanas de Sevilha (Decreto nº
195/2006) e Málaga (Decreto nº 213/2006).
367
Em relação aos planos regionais e setoriais, que incidem na realidade
metropolitana e afetam sua área de abrangência, citamos o de Ordenação
Territorial Regional da Andaluzia (aprovado pelo Decreto nº 206/2006) que
apesar de ser referência para a organização territorial da comunidade para
todos os outros planos, em alguns aspectos se refere à realidade metropolitana
e à ordenação territorial. Esta é a análise de Franscisco Toscano Gil792:
Aunque el ámbito territorial del POTA
793 no sea el del area
metropolitana, sus determinaciones vinculan al resto de los planes regulados em la LOTA, también a los de ámbito subregional, por lo que habrá que tenerlo en cuenta especialmente en lo que incida sobre el hecho metropolitano. La lectura detenida del POTA nos lleva, sin ningún género de dudas, a la conclusión de que el problema metropolitano, y la necesidad de su solución, están muy presentes en el mismo.
Em dois pontos específicos o plano menciona a realidade metropolitana,
objeto de sua disciplina. No item 13, se refere ao Sistema Regional Polinuclear,
uma área urbana, afetada, em maior ou menor grau por processos de natureza
metropolitana, que representam cada uma das grandes cidades da Andaluzia
(capitais provinciais, mais de Jerez e Algeciras), e seu âmbito metropolitano. A
delimitação da área deve ser flexível, de maneira que o plano preveja
possibilidades para que, durante sua vida útil, participem deste centro, novos
municípios.
No item 26, trata da abordagem supramunicipal e metropolitana dos
territórios da Comunidade de Andaluzia, como prioridade para a ação pública a
fim de resolver os problemas de áreas urbanas (terra, transporte e habitação).
Além disto, a abordagem metropolitana permite o desenvolvimento econômico
e espacial da região e o aprimoramento dos instrumentos de cooperação
envolvidos na gestão dessas cidades e nas estruturas metropolitanas.
Por fim, quanto aos Planos de Transporte Metropolitano (arts.19 a 22 da
Lei nº2/2003), que trata da ordenação dos transportes urbanos e
metropolitanos de passageiros em Andaluzia, a Comunidade planeja os
transportes em espaço metropolitano. São matérias que embora não sejam
afetas à ordem territorial, em razão da dimensão metropolitana do serviço,
792
GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.274. 793
Plan de Ordenación del Território de Andalucía, aprobado por Decreto nº 206/2006, de 28/11, del Consejo de Gobierno
368
intervém na área metropolitana. Mencionamos, por exemplo, o Plano de
Transporte Metropolitano de Sevilha, aprovado pelo Decreto nº 188/2006, de
31/10.
A legislação colombiana dispõe sobre o regime de planejamento
metropolitano em um Estado unitário. Nossa análise sobre o tema levará em
conta esta peculiaridade.
Dispõe o art.311 da Constituição colombiana que compete aos
municípios prestarem serviços públicos previstos na lei, construírem obras que
exigem progresso local e ordenarem o desenvolvimento territorial.
Prevê o art.7º da Lei nº 1.625/2013 que compete às áreas
metropolitanas tratarem da disciplina dos interesses metropolitanos. A
legislação confere ainda à Junta Metropolitana determinar os interesses
metropolitanos, que afetam simultaneamente pelo menos dois dos municípios
integrantes da área decorrente do fenômeno da conurbação.
Diante das competências de cada entidade, a Lei colombiana estabelece
a supremacia das decisões das áreas metropolitanas em relação aos
municípios, mesmo que existam colidências.
De acordo com o art. 311 da Constituição colombiana, caberá ao
Município organizar o desenvolvimento do seu território. E por força do art.7º
da Lei nº 1.625/2013, foi conferida à Junta Metropolitana o planejamento
urbanístico, através da elaboração dos Planos Integral de Desenvolvimento
Metropolitano e Estratégico Metropolitano de Ordenamento Territorial.
O Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano (art.12) é um marco
estratégico geral, com visão metropolitana e regional integrada, que permite
implementar um sistema de coordenação, abordando a programação de
desenvolvimento metropolitano e estabelecendo critérios e objetivos comuns
para o desenvolvimento sustentável dos municípios sob sua jurisdição. Do
ponto de vista da hierarquia dos planos, ocupa o grau mais elevado em relação
aos demais planos de uso do solo das áreas metropolitanas.
Sua formulação deverá ser feita conforme as orientações do plano
nacional de desenvolvimento setorial e planos específicos dos municípios.
De acordo com o art.13, deverá contar, dentre outros conteúdos, com a
definição dos objetivos e diretrizes para a localizar a infraestrutura de
transportes, serviços públicos, equipamentos e espaços públicos
369
metropolitanos de escala, áreas de reserva para proteger o meio ambiente,
recursos naturais e da paisagem, determinar áreas estratégicas que possam
ser protegidas, diretrizes físicas territoriais, sociais, econômicas e fatos
relacionados com o ambiente metropolitano.
Deverá determinar a estrutura urbano-rural para horizontes de médio e
longo prazo e definir políticas, estratégias e diretrizes para localizar programas
e projetos de habitação social em escala metropolitana.
Caberá à Junta Metropolitana aprovar o plano de desenvolvimento
integral metropolitano com duração de longo prazo incluindo componentes do
ordenamento físico territorial, como norma geral de caráter obrigatório que os
municípios deverão respeitar. Seu presidente (art.23 da Lei nº 1.625/2013)
deverá executá-lo mediante decreto metropolitano (plano integral) e promover a
formulação do Plano Estratégico Metropolitano de Ordenamento Territorial
(art.22), cujo conteúdo definirá o sistema de equipamentos metropolitanos e
sua dimensão, a estratégia para a moradia social e prioritária no âmbito
metropolitano, o ordenamento do solo rural e urbano e as normas obrigatórias
que definem os objetivos e critérios que os municípios deverão respeitar
relativos ao interesse metropolitano.
O plano de ordenamento territorial (tal qual o Plano Diretor
Metropolitano) será baseado nas diretrizes gerais do plano integrado de
desenvolvimento e condicionará a atuação dos municípios quanto aos
interesses metropolitanos.
6.3 Regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas
Verificaremos as bases constitucionais e legislativas que sustentam a
previsão do Plano Diretor Metropolitano para compreendermos o regime
jurídico que informa sua elaboração e aprovação.
Foi proposto na Câmara dos Deputados o projeto de Emenda
Constitucional nº 50/2011, do deputado Alberto Mourão que acrescenta ao art.
182 §5º a §8º a obrigação dos Estados editarem Plano Diretor Metropolitano
abrangendo todos os Municípios integrantes da região.
Diante disto, indagamos se é necessária uma reforma constitucional
para incluir em nosso sistema jurídico o Plano Diretor Metropolitano. Já
370
verificamos também que vários dispositivos do Estatuto da Cidade e leis
estaduais fundamentam legislativamente os planos diretores.
Entendemos que o ordenamento jurídico já contém dispositivos legais
suficientes que indicam a previsão para elaborar o plano e as pilastras que
sustentam o regime jurídico dos planos diretores metropolitanos.
Iniciaremos nossa análise a partir da previsão do Estatuto da Cidade
(arts.4º, II e 45) o qual consideramos a norma federal norteadora, matriz, da
política de desenvolvimento urbano estadual em termos intraurbanos e
supramunicipais. Caberá ao Estado que for elaborar as normas jurídicas e o
planejamento urbano respeitar os instrumentos, adotá-los, inclusive, quando
necessário, legislando ou modificando aspectos referentes ao atendimento do
interesse regional ou metropolitano. O Estatuto da Cidade é a norma referência
para discorrermos a respeito da previsão e da competência do regime jurídico
dos Planos Diretores Metropolitanos.
Para Jacintho Arruda Câmara794, ao tratar da juridicidade que o plano
diretor recebeu com o Estatuto da Cidade795, afirmou:
Os contornos jurídicos mais precisos a respeito do planejamento urbano foram traçados somente com a edição da Lei Federal nº 10.257, de 10/7/2001, o chamado Estatuto da Cidade. A partir deste marco regulatório, não só no campo urbanístico–que, obviamente, continua a ter substancial e perene material de trabalho–mas também sob o prisma estritamente jurídico, o planejamento urbano adquire reflexos concretos.
É comum, segundo a doutrina, considerar que o Estatuto da Cidade só
está direcionado para ordenar os espaços das cidades do núcleo urbano do
Município. No entanto, a interpretação deve ser extensiva e abarcar também o
fenômeno metropolitano pela Lei Federal nº 10.257/2001 por abranger uma ou
mais cidades que inicialmente ocupavam o núcleo urbano de um município,
cresceram intensamente e ocuparam o território de outros municípios, unindo o
seu a outras cidades no mesmo ente federado.
O fenômeno metropolitano diz respeito às cidades, não apenas a uma
delas, mas no mínimo duas capazes de gerar a conurbação, inseridas no
território municipal.
794
CÂMARA, Jacintho Arruda. Plano Diretor, p. 317. In: (Coord.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio.Estatuto da Cidade (Comentários à Lei 10257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 795
CÂMARA, Jacintho Arruda. Plano Diretor, p. 317. In: (Coord.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio.Estatuto da Cidade (Comentários à Lei 10257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
371
O Estatuto da Cidade serve para orientar vários instrumentos que
poderão ser utilizados na política local dos planos diretores, já que a maioria
deles exige previsão no plano diretor do município e regulamentação em lei
municipal específica, como o parcelamento e a edificação compulsória (art.5º).
Vários municípiosque tiveram junção de território em razão do
crescimento de suas cidades serão regulados pelo parâmetro geral do Estatuto
da Cidade.
Odete Medauar assim discorre sobre a força vinculante das diretrizes da
política urbana do Estatuto da Cidade796:
Evidente que o Estatuto da Cidade destina-se precipuamente aos Municípios, executores diretos da política de desenvolvimento urbano. E por força do seu art. 51, aplica-se também ao Distrito Federal e seu Governador. Mas se Estados legislarem sobre matéria urbanística, deverão absorver as regras desse diploma.
Consideramos o Estatuto da Cidade o fundamento jurídico para os
planos jurídicos metropolitanos.
Este também é o entendimento de Maria Coeli Simões Pires e Gustavo
Gomes Machado ao tratarem da possibilidade de utilizar os consórcios públicos
na gestão das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões797. Ambos afirmam que os consórcios públicos poderão facilitar o
tratamento urbanístico das regiões metropolitanas, utilizando de forma
compartilhada os instrumentos do Estatuto da Cidade por vários municípios.
Para eles, o Estado tem competência para regulamentar os instrumentos de
gestão intermuncipal do território, nos termos do Estatuto da Cidade798:
Ressalte-se, contudo, que a gerência do território em escala regional-função pública, deveras, de interesse comum, instrumentalizada pelos consórcios, não pode, outrossim, desmerecer regulamentação estadual contida na legislação, nos termos do art. 25, §3º, da Constituição da República, da função uso do solo metropolitano. Ainda que prevalecente a tese da natureza procedimental defendida por Jobim no STF, não resta dúvida de que o Estado poderá
796
MEDAUAR, Odete. A força vinculante das diretrizes da política urbana. In: Temas de Direito Urbanístico nº 4, p.22. Ministério Público de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005. 797
MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.432. 798
MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.432.
372
regulamentar instrumentos de gestão intermunicipal do território, valendo-se, notadamente, das direrizes contidas no Estatuto da Cidade, documento normativo que não tem sido apropriado pelos Estados-membros como matriz de política urbana, que deve encontrar abrigo, também, nas competências do Estado. Esse entendimento é reforçado pelo art. 24, I, da Constituição da República, que atribui aos Estados competência para legislar, concorrentemente com a União, sobre Direito Urbanístico.
Os autores se referem também à utilização das operações urbanas
consorciadas nas situações em que o fenômeno urbano a ser disciplinado
ultrapassar a circunscrição administrativa de um Município, que pode envolver
tanto interesses intermunicipais (abarcados por consórcios públicos) quanto
fenômenos metropolitanos (que dizem respeito ao nosso tema)799:
Esse importante instrumento urbanístico de política urbana, regrado pelo Estatuto das Cidades, pode ser utilizado em situações nas quais o fenômeno urbano a ser disciplinado ultrapasse o circunscrição administrativa de um Município. Não há razões lógicas nem de direito para negar elasticidade ao instrumento da operação urbana consorciada para regulaçãode questões urbanísticas de interesse intermunicipal. Nas regiões fronteiriças de Municípios metropolitanos, nas quais se evidencia a fusão física das cidades, as operações urbanas consorciadas podem mostrar-se um instrumento eficaz para a condução dos interesses comuns intermunicipais.
Podemos utilizar, por exemplo, estudos de impacto de vizinhança de
abrangência metropolitana (art. 36 do Estatuto da Cidade). O Plano Diretor
Metropolitano poderá fixar critérios a serem observados pela legislação de
cada município para elaboração de estudos de impacto metropolitanos, durante
a construção de empreendimentos ou funcionamento de atividades privadas ou
públicas nos municípios limítrofes que terão impactos negativos nos interesses
comuns.
Os Estados poderão editar normas jurídicas de direito urbanístico,
inclusive o Plano Diretor Metropolitano, com base nas diretrizes e comandos
genéricos fixados pela União, pelo Estatuto da Cidade, particularizando ou
especificando detalhes relativos ao interesse metropolitano.
A mesma diretriz é adotada para as demais leis federais sobre temas
correlatos ao desenvolvimento urbano. São elas a Lei Federal nº
6.766/1979(parcelamento do solo urbano) e a Lei da Política Nacional dos
799
MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.434.
373
Resíduos Sólidos, cujas normas cuidam (Lei nº 12.305/2010), respectivamente,
de licenciamento de empreendimentos metropolitanos e resíduos sólidos. Estas
leis não mencionam o Plano Diretor Metropolitano, mas trazem diretrizes que
poderão orientar o seu conteúdo. Quanto à Política de Resíduos Sólidos, o
art.17 trata de um plano setorial relacionado à matéria urbanística dos planos
de regiões metropolitanas sobre resíduos sólidos. Na elaboração dos planos,
os Estados poderão utilizar as diretrizes da Lei Nacional para fixar os
comandos específicos desta política.
As leis federais que estabelecem previsões sobre o Plano Diretor
Metropolitano são seus fundamentos jurídicos, dispensando a edição de
emendas à Constituição para tratar do assunto.
6.3.1 Competência para elaboração
Nosso sistema jurídico constitucional só admite como ente federado
capaz de editar seus planos jurídicos ou normas jurídicas a União, Estados,
Distrito Federal e Municípios. Diante disso, questionamos: se a Região
Metropolitana não é uma entidade política, quem poderá elaborar o Plano
Diretor Metropolitano?
O Estado é o ente federativo responsável por elaborá-lo e aprová-lo,
com fundamento na Lei Complementar nº 1.139/2011 do Estado de São Paulo
e acrescentaremos a Constituição Estadual e a Lei Complementar nº 760/1994.
Por força do art. 152, parágrafo único da Constituição Estadual compete
ao Poder Executivo Estadual coordenar e compatibilizar os planos regionais.
Como precendente jurisprudencial, reproduzimos a ementa e alguns
trechos da decisão monocrática proferida pela ministra Cármen Lúcia, no
Recurso Extraordináro 474922 (SC), em 22/6/2012, pautada na jurisprudência
do STF para garantir o exercício de competência do Estado em matéria
urbanística, devendo a legislação municipal respeitar seus limites:
E 474922/ SC – SANTA CATARINA–RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA–Julgamento: 22/06/2012 PublicaçãoDJe –126 DIVULG 27/06/2012 PUBLIC 28/06/2012 Partes: RECTE.(S) : MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS
374
PROC.(A/S)(ES):PROCURADOR–GERAL DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS RECDO.(A/S):MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROC.(A/S)(ES) PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTDO.(A/S): SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL DA GRANDE FLORIANÓPOLIS – SINDUSCON ADV.(A/S): JOÃO JOSÉ RAMOS SCHAEFER DECISÃO–RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS PARA LEGISLAR SOBRE ASSUNTOS DE INTERESSE LOCAL E PROMOVER O ORDENAMENTO TERRITORIAL URBANO: NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DAS NORMAS ESTADUAIS SOBRE DIREITO URBANÍSTICO, MEIO AMBIENTE EPROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO TURÍSTICO E PAISAGÍSTICO. JULGADO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. (…) Analisados os elementos havidos nos autos, DECIDO. 3. Razão jurídica não assiste ao Recorrente. 4. Pela jurisprudência do Supremo Tribunal, a competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local e promover o adequado ordenamento territorial urbano não afasta a incidência das normas estaduais expedidas com base na competência concorrente para legislar sobre direito urbanístico, meio ambiente e patrimônio turístico e paisagístico: “A competência municipal, para promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano C.F., art. 30, VIII – por relacionar-se com o direito urbanístico,está sujeita a normas federais e estaduais (C.F., art. 24, I)” (ADI 478, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 20.2.1997 – grifos nossos).
Luiz Henrique Antunes Alochio800menciona o precedente do STF anterior
à Constituição Federal que ainda orienta a Constituição atual. É o Recurso
Extraordinário 101.331-1 do Estado da Paraíba, relatado pelo Ministro Carlos
Madeira e publicado no Diário da Justiça de 29/11/1985. Na ocasião, os
Ministros do STF entenderam que as normas da Constiuição Estadual que
fixavam parâmetros restritivos para a construção da orla marítima deveriam ser
obedecidas pelos municípios quanto à competência para autorizar construções
nesta área. De acordo com o acórdão, a competência estadual para legislar
sobre matéria urbanística que transcenda ao interesse local, não violaria
disposições constitucionais e legais sobre o direito de propriedade.
As conclusões de Luiz Henrique Antunes Alochio801traduzem a
competênciado Estado para editar Plano Diretor Metropolitano. O Poder
800
ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.117. 801
ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.116.:“Nesse sentido, nada impede que as próprias Regiões Metropolitanas exerçam a atribuição de planejamento urbano, especialmente os atos
375
Executivo Estadual composto por autarquia e conselhos deliberativos será
responsável por elaborar o plano e seus aspectos técnicos, enquanto a
Assembleia o aprovará ou não, no exercício da função legislativa.
6.3.2 Objetivos e finalidade
Os planos urbanísticos buscam essencialmente modificar a realidade de
acordo com as diretrizes do seu conteúdo. O plano metropolitano deverá conter
as finalidades, objetivos que pretende atingir para conformar a propriedade
urbana metropolitana, criar obrigações aos proprietários dos bens e disciplinar
relações jurídicas para promover o direito às cidades sustentáveis.
Onde estão previstos os objetivos do planejamento metropolitano? Qual
a finalidade do plano metropolitano?
As finalidades do plano metropolitano serão definidas junto à população,
em um processo democrático, com a participação dos órgãos executivos do
Estado. Cada plano é fruto de um processo típico e peculiar legislativo que fixa
objetivos em função da realidade que pretende disciplinar. Há leis que norteiam
os parâmetros mínimos, os objetivos que deverão orientar os planos
metropolitanos.
Os planos diretores deverão integrar a organização, o planejamento e a
execução das funções públicas de interesse comum.
O Estatuto da Cidade prescreve (art.2º) que a política urbana tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
propriedade urbana e estabelece diretrizes (I a XVI) que deverão ser seguidas
pelos destinatários da lei para alcançarem os objetivos gerais.
Assim, os Planos Metropolitanos deverão ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais das cidades metropolitanas e da
propriedade urbana, cumprindo, no mínimo, as diretrizes do art.2º, I e II, como
a garantia do direito às cidades sustentáveis e a participação popular na gestão
das regiões metropolitanas.
Ao lado do Estatuto da Cidade, os Planos Metropolitanos deverão
cumprir os objetivos previstos na Constituição Estadual e Leis Complementares
materiais, legando-se à Assembleia Legislativa Estadual a edição da legislação decorrente desses Planos”.
376
responsáveis pela criação das regiões metropolitanas. Com base no parâmetro
paulista, três normas são observáveis quanto à orientação dos planos
metropolitanos na condução do planejamento regional.
De acordo com o art. 152 da Constituição Paulista, a organização
regional do Estado pretende promover:
I– o planejamento regional para o desenvolvimento sócio-econômico e melhoria da qualidade de vida; II–a cooperação dos diferentes níveis de governo, mediante a descentralização, articulação e integração de seus órgãos e entidades da administração direta e indireta com atuação na região, visando ao máximo aproveitamento dos recursos públicos a ela destinados; III– a utilização racional do território, dos recursos naturais, culturais e a proteção do meio ambiente, mediante o controle da implantação dos empreendimentos públicos e privados na região; IV– a integração do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum aos entes públicos atuantes na região; V–a redução das desigualdades sociais e regionais.
Estes objetivos também foram previstos pela Lei Complementar
nº760/1994 e reproduzidos pelo art.3º da Lei Complementar nº 1.139/2011,
responsável pela criação da Região Metropolitana de São Paulo.
Portanto, dois tipos de objetivos são necessários para elaborar o
planejamento metropolitano. O primeiro diz respeito à promoção de política
regional, reunião de esforços dos municípios e Estados para integrar as
funções comuns e o desenvolvimento social e regional. O segundo reflete a
preocupação prevista pelo Estatuto da Cidade em promover o direito à cidade
sustentável, que no âmbito da região metropolitana, será mais amplo, pois
abrangerá várias cidades, que cresceram além dos limites dos municípios, nos
quais estavam inicialmente situadas, promovendo a interface em relação a
outras cidades, de outros municípios integrantes da região metropolitana.
Neste sentido, o desafio nos parece maior.
6.3.3 Obrigatoriedade
Ao tratarmos da obrigatoriedade de editar Plano Diretor Metropolitano,
examinaremos as hipóteses determinadas pela legislação como dever jurídico
de elaboração do plano pelo Estado-membro criador da Região Metropolitana.
Investigaremos também as normas jurídicas que estabelecem
obrigações para o Estado elaborar o Plano Diretor Metropolitano.
377
Nossa constatação inicial é de ordem constitucional. Só admitiremos a
obrigatoriedade de Plano Diretor Metropolitano, se conforme o art. 25, §3º, da
Constituição Federal, for instituída Região Metropolitana. Segundo Luiz
Henrique Antunes Alochio802:
[...] Em questão de planejamento urbano de interesse metropolitano, cabe definir a posição do Estado. Melhor dizendo: o Estado, diante de um planejamento de cunho urbanístico que se possa caracterizar de fato como de interesse comum ou interesse regional, passaria a ter competênciapara esse tipo de ordenação. Para tal mister, bastar-lhe-ia a criação de uma região metropolitana, na forma do art. 25, §3º da Carta Política. Cumpre notar uma observação, a nosso sentir de extremo relevo: a Constituição parece vincular a competência do Estado para a “[...] execução de funções públicas de interesse comum” à existência (criação) de uma região metropolitana. Portanto, a competência residual do Estado “[...] para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum” demandaria a presença de regiões metropolitanas.
Partindo do pressuposto que a Região Metropolitana tenha sido criada,
indagamos: quais seriam as sanções previstas no ordenamento jurídico que
tornam a edição do Plano Diretor Metropolitano obrigatório?
De acordo com Maria Helena Diniz803, a norma jurídica é composta por
duas notas essenciais: a imperatividade e o autorizamento. A norma jurídica é
imperativa porque prescreve condutas devidas e comportamentos proibidos e
autorizante, pois permite ao lesado pela sua violação exigir o seu cumprimento,
a reparação do dano causado ou a reposição das coisas ao estado anterior.
Deste modo, investigaremos se o Estatuto da Cidade ou outra norma legal
fixam mecanismos para reparar ou sanções para obrigar a edição do Plano
Diretor Metropolitano, se não for editado.
Em relação ao Plano Diretor Municipal, a Constituição Federal (art.182,
§1º) determinou que planos diretores serão editados pelas cidades com mais
de 20 mil habitantes. Por sua vez, o art. 41 do Estatuto da Cidade acrescentou
outras hipóteses de obrigatoriedade, determinando a edição de plano diretor,
por exemplo, para cidades integrantes de regiões metropolitanas e
aglomerações urbanas ou onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os
instrumentos previstos no §4º do art. 182 da Constituição Federal.
802
LOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.114. 803
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.386.
378
Por outro lado, o mesmo diploma legal ao criar hipóteses de elaboração
obrigatória do plano diretor, previu consequências jurídicas, caso o dever não
fosse cumprido pelos órgãos do Poder Público municipal.
Determinou o art. 50, que os municípios enquadrados na obrigação de
editar os planos diretores que abrigam cidades com mais de 20 mil habitantes,
integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, deverão editá-
los até 30 de junho de 2008. Na hipótese de inércia, os agentes públicos
envolvidos sofrerão sanções administrativas e funcionais e os prefeitos
responderão por atos de improbidade administrativa (art. 52, VII do Estatuto da
Cidade).
O Estatuto da Cidade cometeu um equívoco, pois estabeleceu sanções
jurídicas apenas para duas hipóteses que reputou obrigatória a edição do
plano, deixando de mencionar os prazos e as sanções correspondentes para
as hipóteses dos incisos III a VI.
Jacintho Arruda Câmara reflete sobre este aparente paradoxo legislativo,
que ora impõe prazo para cumprimento de obrigações e respectiva sanção e
ora não fixa consequência jurídica. E sugere como interpetação a determinação
de dois grupos de obrigação criados pela Lei Federal nº 10.257/2001. São eles
os planos diretores sujeitos e não sujeitos ao cumprimento de prazo.
Portanto, estavam submetidos ao cumprimento do prazo até junho de
2008 apenas as cidades indicadas nos incisos I e II. As demais deveriam editar
o plano diretor tão logo a condição legal tivesse sido concretizada. Isto significa
que, quando houver a intenção do Poder Públicode utilizar os instrumentos
para viabilizar políticas urbanísticas previstas na Constituição ou a cidade for
inserida em área de especial interesse turístico, os municípios deverão elaborar
seus respectivos planos.
Com relação à obrigatoriedade de editar planos diretores, quais as
consequências jurídicas previstas pelo Estatuto da Cidade, se não o forem?
Jacintho Arruda Câmara804esclarece, por fim, qualificando as tipologias das
consequências previstas: consequências de natureza institucional, funcional
ordinária e funcional extraordinária.
804
CÂMARA, Jacintho Arruda. Plano Diretor. In: (Coord.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio.Estatuto da Cidade (Comentários à Lei 10257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.328.
379
Conforme Maria Helena Diniz805,estas normas, do ponto de vista da
atributividade, são menos que perfeitas, pois autorizam, se violadas, aplicar
pena ao violador, mas não a nulidade ou a anulação do ato que as violou.
As consequências institucionais são aplicáveis para todas as hipóteses
do art. 41 e significam que toda vez que um determinado município não editar
seu plano diretor, deixará de utilizar os instrumentos da política urbana, como a
outorga onerosa, o parcelamento e a edificação compulsória, o direito de
preempção, a transferência do direito de construir e outorga onerosa (arts.42, II
c/c art. 5º do diploma federal).
Quanto às consequências funcionais ordinárias e extraordinárias, são
aplicáveis como consequências jurídicas apenas para as hipóteses do art. 41, I
e II (art.52, VII do Estatuto da Cidade) que acrescenta aos agentes públicos
envolvidos com a edição dos planos diretores a responsabilidade
administrativa, por descumprimento de deveres funcionais e a responsabilidade
por ato de improbidade administrativa cometida pelo prefeito.
Indagamos ainda se o regime previsto pelo Estatuto da Cidade para os
planos diretores municipais seria aplicável aos planos metropolitanos. De
acordo com o art.41, II do Estatuto da Cidade, o plano diretor é obrigatório para
cidades integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas.
Analisaremos apenas a primeira parte do dispositivo, que menciona cidades
integrantes de regiões metropolitanas.
O artigo menciona obrigação dirigida às cidades, que são as sedes dos
núcleos urbanos dos municípios, mas a entidade política capaz de editar os
planos diretores são os municípios, entes federados que têm poderes
Executivo e Legislativo.
Por força deste dispositivo, as cidades, em razão do fenômeno da
conurbação urbana, crescem do ponto de vista físico, social, econômico e
demográfico, para além das fronteiras físicas dos municípios, onde estão
situadas e abrangem outros municípios, promovem relações com cidades de
outros municípios e geram agrupamento de municípios limítrofes. Assim,
determinou o legislador federal que cada município integrante da região
805
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.393.
380
metropolitana elabore seu respectivo plano diretor. Caso contrário, os
Municípios serão submetidos às sanções institucionais, funcionais ordinária e
extraordinária.
Concomitantemente à obrigação dos Municípios editarem seus planos
diretores, os Estados responsáveis pela criação da região metropolitana
estariam obrigados a editar seus planos diretores metropolitanos (art.41, II)? O
dispositivo já pressupõe a existência de Regiões Metropolitanas criadas pelos
Estados, o que autoriza a formulação de Plano Diretor Metropolitano.
Por outro lado, constatamos que os municípios das regiões
metropolitanas não resolvem isoladamente suas competências, em razão do
fenômeno da conurbação. Surge o interesse metropolitano, tutelado pelo
Estado, mas que guarda relação direta com o interesse local e conta com a
participação dos municípios para realizar atividades.
Os interesses metropolitanos resultam em conexões e interferências
recíprocas entre os diferentes municípios exigem ação unificada entre os
municípios da região e o Estado responsável por sua criação. As funções
comuns, portanto, dizem respeito a um só tempo aos vários municípios
conurbados, cuja gestão exige uma atuação integrada.
Isto significa que o dispositivo legal só será complementado com a ação
do Estado ao editar um Plano Diretor Metropolitano. De nada adianta cada
município criar seu plano diretor isoladamente, se está inserido em uma região
metropolitana, unida por vínculo compulsório, que o obriga a uma atuação
compartilhada entre o Estado e os demais municípios da região. Pelo fato de
integrarem a região metropolitana, necessitam de um planejamento comum ao
lado dos planos diretores de cada município.
Nelson Saule Júnior806ao atentar para a integração das funções públicas
sugeriu que os municípios da Região Metropolitana de São Paulo, que
apresentam parte de seus territórios em área de manacial ocupada por
população de baixa renda poderiam executar uma política de urbanização e
regularização fundiária, por exemplo, adotando zonas especiais de interesse
social. Além disto, poderia haver um Consórcio para planejar integralmente a
questão fundiária dos municípios da região ou um comitê sobre política urbana,
806
SAULE JÚNIOR, Nelson.Plano Diretor.In: (Org.) MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado.Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 275.
381
baseado no modelo da gestão compartilhada existente na política de recursos
hídricos através dos comitês por bacia hidrográfica.
O art.41, II, seria, então, ao mesmo tempo substrato legal para a edição
dos planos diretores dos municípios integrantes das regiões metropolitanas e
para elaboração do Plano Diretor Metropolitano.
Notamos também que a gestão compartilhada por consórcios e por
planos respectivos é possível entre municípios vizinhos que compartilham o
mesmo problema urbano. No entanto, não se confunde com a administração
metropolitana (art.25, §3º da Constituição Federal), que demanda o Plano
Diretor Metropolitano como forma de articular o desenvolvimento urbano de
todos os municípios da região. Assim, se o consórcio ou as estruturas
baseadas em Comitês de Bacia Hidrográfica podem ser utilizados para a
gestão compartilhada dos problemas comuns destes municípios, com mais
razão o Plano Diretor Metropolitano tem o condão de abarcar a realidade global
dos municípios integrantes da região metropolitana.
Assim, consideramos o art.41, II, o fundamento legislativo que obriga o
Estado, quando criar Região Metropolitana, editar o Plano Diretor
Metropolitano, ao lado dos planos diretores de cada município pertencente à
Região Metropolitana. Trata-se de uma interpretação extensiva, aplicável ao
caso concreto, conforme esclarece Maria Helena Diniz807:
A interpretação extensiva desenvolve-se em torno de um preceito normativo, para nele compreender casos que não estão expressos em sua letra, mas que nela se encontram, virtualmente, incluídos, conferindo, assim, à norma o mais amplo raio de ação possível, todavia sempre dentro de seu sentido literal. Não se acrescenta coisa alguma, mas se dá às palavras contidas no dispositivo normativo o seu significado. Conclui-se tão somente que o alcance da lei é mais amplo do que indicam seu termos.
Ao interpretarmos o texto legal extensivamente, com relação à hipótese
de obrigatoriedade do plano metropolitano, poderemos fazer o mesmo quanto
às consequências jurídicas previstas para não edição dos planos diretores
pelos municípios das regiões metropolitanas (art.50 do Estatuto da Cidade)? A
resposta é negativa, visto que o sistema de aplicação de sanções é distinto.
807
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.444.
382
Só poderemos utilizar para a hipótese de não edição pelo Estado do
Plano Diretor Metropolitano as consequências institucionais. Não serão
aplicadas as sanções funcionais para os agentes públicos envolvidos, nem de
improbidade administrativa ao governador do Estado, em razão do princípio da
legalidade. Não há previsão expressa desta figura típica em legislação federal.
Não poderemos acrescentar novas hipóteses por mera interpretação, sem lei
que amplie o rol das sanções cabíveis. Estes são os ensinamentos de José
Roberto Pimenta Oliveira808que afirma categoricamente que somente por lei
federal formal é possível estabelecer tipos e sanções estatais aplicáveis a
condutas desonestas. Além disso, não são admitidos acréscimos de figuras
típicas por medidas provisórias, leis delegadas e decretos.
Por sua vez, é possível aplicar consequências jurídicas institucionais em
razão da não edição de Plano Diretor Metropolitano. Da mesma forma que o
plano diretor, o Estado não poderá utilizar os instrumentos de ordenação
urbana previstos no Estatuto da Cidade, resguardados os instrumentos típicos
de interesse municipal, desde que compatíveis com a realidade metropolitana,
como por exemplo, o estudo de impacto de vizinhança de caráter
metropolitano.
O Estado deixará de cumprir o mandamento constitucional (art.25, §3º)
que ao prever a criação de região metropolitana, determina a realização de
planejamento regional integrado em relação às funções públicas de interesse
comum. A razão do dispositivo constitucional é permitir que o desenvolvimento
urbano dos municípios integrantes da região metropolitana obedeça ao Plano
Diretor Metropolitano para orientar o crescimento das cidades e a execução
das competências delimitadas como interesse metropolitano.
Esta diretriz se coaduna com o princípio do Direito alemão, de acordo
com o jurista português Fernando Alves Correia809, denominado
desenvolvimento urbanístico em conformidade com o plano. Segundo ele, o
desenvolvimento e a evolução urbanística não podem ser deixados ao
respectivo crescimento natural, mas devem ser ordenados e disciplinados
pelos planos urbanísticos previstos na lei. Ora, se examinarmos o art.2º, IV que
808
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.202. 809
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p.288.
383
orienta o planejamento urbano em geral, também adotamos a diretriz do
planejamento urbano como vinculante e obrigatória para os Estados e
Municípios, destinatários do Estatuto da Cidade. Assim, deverá haver
planejamento metropolitano, ou seja, distribuição espacial da população e das
atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência,
para evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos
negativos sobre o meio ambiente.
Ao lado das sanções institucionais do Estatuto da Cidade, ao
realizarmos uma interpretação sistemática, nos deparamos com algumas
sanções jurídicas aplicáveis à ausência de Plano Diretor Metropolitano,
referente aos resíduos sólidos, matéria constante de plano metropolitano,
tratada na Lei Federal nº 12.305/2010.
Resíduos sólidos, de acordo com as leis que tratam das regiões
metropolitanas são considerados funções públicas de interesse comum e estão
intimamente relacionados com a política de desenvolvimento urbano. A
disciplina da Política de Resíduos Sólidos foi abordada na Lei Federal
nº12.305/2010 e regulamentada pelo Decreto nº 7.404/2010. Mas a lei não
deixou de mencionar a função metropolitana em relação a esta matéria. Assim,
regulamentamos esta questão pelo plano metropolitano, no qual as
observações da lei federal são aplicáveis no que tange ao interesse
metropolitano de resíduos sólidos.
O art. 16 da Lei nº 12.305 de 2/8/2010 condicionou a elaboração de
plano estadual de resíduos sólidos, para obter pelo Estado os recursos da
União, ou por ela controlados, destinados a empreendimentos e serviços
relacionados à gestão de resíduos sólidos, ou para serem beneficiados por
incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou fomento para
tal finalidade. Igualmente, o art. 78 do Decreto nº7.404/2010 acrescentou os
planos de resíduos sólidos das regiões metropolitanas como condição para
financiar e incentivar as entidades federais (art.16 da Lei).
No entanto, se os planos de resíduos sólidos de regiões metropolitanas,
que poderão integrar o conteúdo dos planos diretores metropolitanos, não
forem elaborados, os Estados não receberão os recursos federais para
aprimorarem a política de resíduos sólidos no âmbito metropolitano. Trata-se
384
de uma sanção de cunho financeiro, que reflete no fomento de atividades
protetivas ao meio ambiente810.
Ressaltamos ainda que as Constituições e as leis estaduais
responsáveis pela criação e disciplina das regiões metropolitanas, poderão
prever consequências jurídicas para a hipótese de não edição do Plano Diretor
Metropolitano como forma de estimular a realização do planejamento urbano
regional. As legislações mineiras e paulistas ainda não trataram do assunto.
6.3.4 Conteúdo
A primeira questão a qual nos dedicaremos é a existência de
discricionariedade por parte do legislador responsável por elaborar e aprovar o
planomunicipal ou estadual visto que ambos revelam natureza legislativa.
Na sequência verificaremos as normas jurídicas que disciplinam o
conteúdo dos planos diretores municipais e estaduais e as consequências
jurídicas na hipótese de inobservância.
6.3.5 Planejamento urbano e discricionariedade legislativa
Na elaboração dos planos diretores municipais, o ordenamento jurídico
prevê discricionariedade legislativa? Em Portugal, Fernando Alves Correia811ao
tratar da discricionariedade na atividade de planejamento, admite que os
planos urbanos são caracterizados por uma significativa liberdade de
conformação, ou melhor, por uma acentuada discricionariedade. Explica que a
legislação reconhece à entidade planejadora um amplo poder discricionário na
escolha das soluções adequadas ao desenvolvimento urbanístico de
determinado território. Isto porque a atividade de planejamento urbano é uma
tarefa de previsão, na qual o conhecimento da realidade urbanística do ente
local e o juízo de prognose sobre a evolução dos processos urbanísticos são
810
Já refletimos sobre estes dispositivos da Lei Federal nº 12.305/2010 em: MENCIO, Mariana. Considerações acerca da constitucionalidade dos dispositivos legais que priorizam o acesso aos incentivos financeiros da União para os Estados e Municípios integrantes de Microrregiões na elaboraçãodos planos estaduais e municipais de Resíduos Sólidos. Boletim da NDJ nº10, out. 2012, ano XXVIII. 811
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 466.
385
essenciais para a disciplina dos espaços. A realidade urbana é dinâmica e
precisa contar com esta margem de discricionariedade para produzir
adaptações às condições do uso e ocupação do solo de determinado território.
Quanto aos planos urbanos, segundo o autor vigora o princípio da
discricionariedade da planificação da Administração em grau máximo812:
É no domínio do conteúdo do plano, ou seja, no campo das soluções a adoptar quanto ao regime de ocupação, uso e transformação do território por ele abrangido, que ganha maior expressão o chamado princípio da discricionariedade de planificação da Administração. A discricionariedade da autoridade que elabora e aprova o plano assume particular relevância quando esta determina o chamado zonamento funcional, estabelecendo os destinos ou vocações das várias parcelas do território por ele abrangidas.
No entanto, o autor admite que apesar de vigorar o princípio da
discricionariedade da Administração, considerando que em Portugal o regime
jurídico dos planos não é legislativo – tal como o nosso ordenamento jurídico
considera – o administrador público está sujeito às vinculações legais, como o
respeito aos princípios da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade, boa-fé
e outros. E afirma813:
O espaço da discricionariedade de planejamento está, assim, sujeito, a uma série de limitações. Elas resultam essencialmente daquilo que designamos por “princípios jurídicos fundamentais ou estruturais dos planos”. Uns são de carácter externo e outros de índole interna. Os primeiros definem a moldura da discricionariedade de planejamento, limitam-na do exterior, estabelecendo limitações ou condicionamentos que têm de ser obrigatoriamente observados antes de o órgão competente se debruçar sobre uma determinada decisão de planificação. Os segundos colocam, no interior do espaço da discricionariedade de planejamento, limitações na escolha entre as várias soluções alternativas a consagrar numa concreta decisão
planificatória. Segundo a doutrina portuguesa são limites à atividade de planejamento
urbano: obedecer ao princípio da legalidade, homogeneidade da planificação,
tipicidade dos planos, desenvolvimento urbanístico conforme o plano e a
obrigação de planificar, a definição pela lei da competência para elaborar e
aprovar os planos e o procedimento para a sua formação. Além disso temos a
determinação pela lei de um regime particular para certos tipos de bens,
812
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 468. 813
CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 468.
386
fixação pela lei de standards urbanísticos, dever de fundamentação e proibição
de planos meramente negativos, obrigação da unidade externa, de clareza e da
consideração pelo plano das circunstâncias concretas.
No ordenamento jurídico brasileiro, identificamos a discricionariedade
legislativa (art.182, §1º da Constituição Federal), que confere aos planos
diretores característica legal e o exercício de competência concorrente em
matéria urbanística.
De acordo com a competência concorrente em matéria urbanística (art.
24, I, c/c art. 182, da Constituição Federal), cabe à União editar normas gerais
sobre a política de desenvolvimento urbano, que foram tratadas no Estatuto da
Cidade, Lei nº 10.257/2001. Por sua vez (art. 30, II, c/c art. 24), os Municípios
deverão produzir seus planos diretores, desde que respeitem as diretrizes
gerais da norma federal, podendo suplementar o instrumento de ordenação
espacial com normas jurídicas considerando o interesse municipal de disciplina
do uso e ocupação do solo urbano. Deste modo, ao elaborar o Plano Diretor, o
Município deverá observar o conteúdo do Estatuto da Cidade como referencial
básico. A partir deste raciocínio, o que vem a ser discricionariedade legislativa?
Encontramos o conceito na obra de Pedro Estevam Serrano814:
Conceituamos, assim, discricionariedade legislativa como a designação das margens de liberdade de valoração própria do legislador, quando ocorrentes diretrizes materiais heterônomas (meios), em vista da obtenção de fins positivamente vinculados.
O exercício da função legislativa é elaborar lei por meio do Poder
Legislativo, inovar na ordem jurídica, criar obrigações e direitos, estabelecer
finalidades e meios para os exercícios das funções administrativas e judiciais.A
lei, por ser fonte primária do Direito, cria um conjunto de direitos e obrigações
em relação ao princípio da supremacia da constituição815.
Segundo Pedro Estevam Serrano816, o legislador preponderantemente
aplica a norma constitucional ao exercer a função legislativa, observando maior
ou menor grau de densidade normativa dos comandos constitucionais. De
814
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.43. 815
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo.20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 45. 816
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.17.
387
acordo com Joaquim Gomes Canotilho817, Pedro Estevam Serrano identifica
três hipóteses nas quais é possível avaliar a vinculação do legislador em sua
atividade criadora de leis à luz da Constituição Federal.
No primeiro caso, encontramos a competência de concretização
legislativa que inclui situações de restrita criação por parte do legislador. Ele só
poderá complementar ou declarar condições como sendo relações jurídicas
abstratas. Identificamos também situações nas quais o legislador está
vinculado, possibilitando que o legislador crie de forma autônoma normas mais
amplas, competindo-lhe qualificar fins ou criar pressupostos de fato ou
diretrizes materiais. Por fim, encontramos a competência legislativa
negativamente vinculada, ocasião em que o legislador tem ampla margem de
inovação legislativa, encontrando-se limitado apenas pela não contradição ou
contrariedade ao sistema constitucional.
Diante dos aspectos de vinculação da atividade legislativa à
Constituição, onde encontramos o que a doutrina chama discricionariedade
legislativa? O termo discricionariedade nos conduz ao direito administrativo,
ramo jurídico que usa esta expressão com sentido próprio, relacionado à
função de executar comandos da lei e não de criar comandos legais, como na
atividade legislativa. Apesar da origem comum, o termo ligado à atividade
legislativa traz outro sentido, relacionado à criação de normas, pois a
Constituição ao determinar vinculações e parâmetros ao legislador utiliza
conceitos amplos e imprecisos, com baixa carga normativa, que necessita de
legislação correspondente. A margem de atuação do legislador é mais ampla
que o administrador público, pois cria valores em relação à ordem jurídica.
Quanto ao exercício de competência vinculada do legislador em relação
à Constituição, Pedro Estevam Serrano818baseado em Joaquim Gomes
Canotilho,categoriza as competências legislativas a partir das “margens de
liberdade” oferecidas ao legislador pela vinculação constitucional, tendo em
vista a identificação do vício legislativo do desvio de poder da seguinte forma:
(a) competência de concretização legislativa; (b) competência legislativa
817
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra,1994apud SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.23. 818
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.86.
388
discricionária (c) competência legislativa vinculada exclusivamente nos fins; (d)
competência legislativa negativamente vinculada, conforme reproduzimos819:
Tendo por critério a margem criativa do legislador diante da vinculação constitucional, e por objetivo a identificação da possibilidade de ocorrência do vício do desvio de poder legislativo- chegamos à seguinte classificação das competências legislativas: a) Competência de concretização legislativa – Compreende as competências legislativas em que a vinculação constitucional positiva estabelece os meios e os fins, mas não deixa margem para valoração material autônoma, b) Competência legislativa discricionária – Designa as hipóteses em que o sistema constitucional estabelece, para o legislador, uma competência legislativa materialmente dirigida à prossecução de um fim vinculado positivamente, requerendo que ele concretiza as “determinações heterônomas” por meio de “determinantes autônomas”, ou seja, introduzindo e agregando ao ordenamento valores obtidos por ponderação própria; c) Competência legislativa vinculada exclusivamente nos fins– Compreende as situações em que a Constituição restringe-se a comandar positivamente os fins, sem oferecer diretrizes materiais para sua prossecução; d) Competência legislativa negativamente vinculada– Compreende aquelas “situações de legislar” em que só há vinculação constitucional no sentido da não contradição ou contrariedade aos princípios, fins e valores constitucionais (modal do proibido).
Em apenas um caso estamos diante da discricionariedade legislativa.
Trata-se da hipótese na qual as finalidades são determinadas pelo legislador
constituinte e as formas e meios pelos quais os fins são atingidos. Não há,
neste último, liberdade absoluta para o legislador, mas um direcionamento
material criado pelo constituinte, para orientá-lo na escolha das formas pelas
quais alcançará os fins legais. A norma apontará um caminho, uma direção
para o alcance da finalidade. Ao dispor sobre os meios, deve existir uma
margem de discricionariedade para o legislador escolher como atuará no
alcance do fim positivado.
Deste modo, o jurista820cria uma tipologia para identificar as normas
constitucionais que atribuem exercício de competência legislativa: esta relação
de meio material específico-fim positivamente vinculado só ocorre no interior da
competência “legislativa discricionária”, conforme discorre Pedro Estevam
Serrano821:
819
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.86. 820
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.93. 821
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.84.
389
Esta diretriz material deverá ter uma dimensão conotativa reduzida o suficiente para possibilitar ao legislador sua ampliação através da ponderação de fatores próprios de valoração, mas ampla também o suficiente para ir além da simples prerrogativa geral de legislar. Precisará estipular “o que” da atividade legislativa, mas não de forma tão densa que venha a tolher a possibilidade da realização da atividade legiferante em termos axiológicos e materialmente criativos. A competência legislativa, nesta categoria, se traduz numa “tarefa de legislar” para obter um “fim”.
A discricionariedade legislativa é a única categoria que aponta para a
ocorrência do desvio de poder legislativo. As demais categoriais geram vícios
de inconstitucionalidade material.
Pedro Estevam Serrano opta pelo entendimento de Gilmar Mendes que
trata o desvio de poder legislativo, no âmbito da competência legislativa, como
um vício de inconstitucionalidade no exercício da liberdade de decisão
autônoma do legislador. As normas produzidas pelo legislador deverão
obedecer aos aspectos formais e materiais positivados na Constituição. Assim,
estaremos diante de inconstitucionalidade formal quando existir uma
inadequação procedimental, uma incompatibilidade do processo de produção
da lei com as normas constitucionais que o regulam.
O desafio é verificarmos o que permite apartar o desvio de poder
inerente ao exercício da atividade legislativa e a inconstitucionalidade material,
revelada pelo simples contraste entre o objetivo prescritivo imediato das
normas constitucionais e o das leis inconstitucionais. O desvio legal é verificado
quando identificamos vícios lógicos ou teleológicos, relação meio-fim da
atividade legislativa, baseados em raciocínios de ponderações entre meios e
fins alcançados pela norma. Parafraseando Pedro Estevam Serrano822,o desvio
de poder legislativo comporta duas modalidades: a) o desvio de finalidade
legislativa (quando utilizada competência legislativa para obter fim diverso
àquela prerrogativa de legislar, ou seja, houver inadequação entre os fins da
medida adotada e os fins constitucionais que conformam a competência
legislativa); b) e o desvio de poder por vício causal (quando a medida legal for
inadequada, contraditória ou irrazoável diante dos fins a que se destina;
822
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.96.
390
quando o exercício da própria competência legislativa for irrazoável e
desproporcional aos fins desejados)823.
Então, qual a relação entre o conteúdo do plano diretor municipal, o
desvio de poder legislativo e o exercício da competência legislativa
discricionária? Este questionamento nos leva a pensar sobre a adequação do
plano diretor municipal às diretrizes mínimas da lei federal que regulamenta a
política de desenvolvimento urbano: o Estatuto da Cidade. Não há, portanto,
uma relação direta entre o exercício da competência legislativa municipal com
a Constituição Federal, mas com a legislação federal. Raciocinamos, portanto,
no exercíciode competências constitucionais concorrentes. O plano diretor
deve obedecer às normas gerais do Estatuto da Cidade (art. 24, I c/c art. 182,
§1º da Constituição Federal) que atribui ao Poder Público Municipal, por meio
do Plano Diretor, executar a política de desenvolvimento urbano, conforme a
Lei Federal nº 10.257/2001.
E se houver descumprimento do (quanto ao conteúdo mínimo do art.42 e
das diretrizes do art.2º) haverá ponderação entre os meios eleitos pelo plano
diretor para alcançar os fins destinados à ordenação das cidades, os quais
devem obedecer às diretrizes mínimas da Lei Federal nº 10.257/2001.
De acordo com Carlos Ari Sundfeld a inobservância às diretrizes
mencionadas autoriza invalidar leis contrárias a seu conteúdo, justamente por
ser parâmetro normativo para o controle das orientações que devem ser
seguidas pela lei que disciplina a política urbana. O autor fornece como
fundamento jurídico para invalidar o plano diretor contrário ao conteúdo das
normas federais, a teoria do desvio de poder legislativo, uma sofisticação
pertencente ao gênero das inconstitucionalidades materiais824.
Acrescentemos um precedente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo,
sobre o Plano Diretor de Vila Velha. Embora o teor do acórdão (liminar da ADIN
nº100110030515, com sessão em 17/11/2011), não tenha se referido à teoria
do desvio de poder, o conteúdo tem relação íntima com a nossa discussão.
823
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.95. 824
SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.55.
391
O Procurador Geral de Justiça do Espírito Santo ingressou com a ação
pretendendo suspender imediatamente a vigênciada Lei Municipal nº 5.155, de
09 de agosto de 2011, que dispõe sobre alterações no Plano Diretor Municipal
(PDM) do município de Vila Velha. Um dos argumentos invocados foi o vício de
constitucionalidade material, para nós retratado como desvio de poder
legislativo, pelo fato do plano criar distritos industriais sobrepostos em áreas de
interesse ambiental e alterar o perímetro de áreas de interesse ambiental como
o Parque Municipal de Jacarenema, o Morro do Moreno e o Morro de
Jaburuna. De acordo com o Procurador Geral, esta transformação contraria o
"princípio do não retrocesso social", que, a despeito de não ser expresso, pode
ser extraído do art. 186 da Constituição Estadual. Estamos diante de uma via
inadequada escolhida pelo legislador municipal para definir o zoneamento da
cidade. Não há como atingir o desenvolvimento sustentável, a própria função
social da cidade, implementando na zona rural e nas áreas de interesse
ambiental, distritos industriais. Reproduzimos trecho do voto do desembargador
Carlos Simões Fonseca, ao identificar o desvio de poder como um vício causal.
Observamos que as modificações do plano diretor são inadequadas,
irrazoáveis para o alcance dos fins do desenvolvimento sustentável das
cidades:
De outro lado, a Lei ora atacada também padece de vício de inconstitucionalidade material, já que as alterações introduzidas no Plano Diretor Urbano de VilaVelha – tais como a criação de distritos industriais em áreas de interesse ambiental e a alteração do perímetro do Parque Municipal de Jacarenema, Lagoa Encantada, Morro do Moreno e Morro do Jaburuna – vão de encontro a relevantes princípios constitucionais, tais como o princípio do não-retrocesso social e o princípio da prevenção. Sobre o princípio do não retrocesso social, o Ministro Celso de Mello, citado como referência pelosdoutrinadores, tem pontuado o seguinte:"O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentaisde caráter social, que sejam desconstituídasas conquistas já alcançadas pelo cidadãoou pela formação social em que ele vive. – A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüênciadesse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados". Nesse contexto, deve-se reconhecer que a
392
criaçãode Zonas Industriais em áreas de interesse ambiental e a redução de áreas de preservação consiste em verdadeiro retrocesso social, posto que o direito ao meio ambiente ecologicamente saudável e equilibrado encontra-se expressamente previsto no art. 186, caput, da Constituição Estadual, que, em simetria com o art. 225, caput, da Constituição Federal. Desta regra também extrai-se o princípio da prevenção,que deve ser obedecido por Estado e Municípios,e que, segundo Paulo Affonso Leme Machado consiste no"dever jurídico de evitar a consumação de danos ao meioambiente" (In: Direito Ambiental Brasileiro. 19.ed. SãoPaulo: Malheiros, 2011, p.97). Oportuno ressaltar que de acordo com as conclusões finais do Relatório Técnico n.º031/11, do Ministério Público Estadual, as modificações empreendidas pelaLei nº 5.155/11 não foram precedidas de estudos ambientais e viabilidade da alocação de infraestrutura parasaneamento básico. Tal preocupação também foi externada pelo "Fórum em Defesa de Vila Velha contra o PDM", em texto publicadono jornal "Praia da Costa", edição n.º 166, de novembrode 2011, no excerto destacado a seguir: "As mudanças aprovadas impactam toda a região rural do município, mantida como talno PDM de 2007, por abrigar áreas ecologicamente frágeis, tais como a bacia de inundação do Rio Jucu, a área de amortecimentodo Parque de Jacarenema, além de remanescentes da Mata Atlântica. Em termos genéricos, quase nenhum estudoambiental foi apresentado. A ocupação da planície de inundação da margem direita do Rio Jucu precisa ser feita em cota acima de 2,30m, conforme decreto municipal24/2004, devendo ser próxima de 3 metrospara poder evitar as cheias do rio. Isto pode encarecer sua ocupação que poderá ocorrer de forma desordenada. Da mesma forma, o urbano tende a ocupar áreas de interesse ambiental, que se transformaram com a mudança do PDM em áreas urbanas. Isto pode ocasionar, em longo prazo – 50 anos ou com a ocupação quase total destas novas áreas urbanas –, o represamento de água do rio Jucu em sua foz, juntamente com o aumento do run-off, podendo causar erosões na Barra do Jucu ou necessidade de aumento do dique do Jucu,em sua margem esquerda. Além disto, a drenagem das áreas da planície será para o Rio Jucu, podendo se ter que fazer algumas obras caras para evitar cheia, como ocorre atualmente nos bairros da baixada de Guaranhuns, quando as chuvas que atingem a Serra do Caparaó enchem o rio e ele represa por até algumas semanas as águas nestes bairros.A ausência dos estudos preliminares indica o açodamento desta alteração, que pode trazer consequências graves para a ocupação urbana do município, que já enfrenta sérios problemas de drenagem e agressão ao meio ambiente.
Segundo Nelson Saule Júnior825, os instrumentos do plano diretor
deverão combater a especulação imobiliária, garantir a gestão democrática das
cidades, implementar as cidades sustentáveis, promover a regularização
fundiária das populações de baixa renda. Caso contrário, o plano diretor poderá
ser questionado judicialmente por meio da Ação Civil Pública (art. 54 do
825
SAULE JÚNIOR, Nelson.Plano Diretor.In: (Org.) MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.263.
393
Estatuto da Cidade826) para proteger a ordem urbanística. Assim, a sociedade
civil ou o Ministério Público poderão utilizar a ação visando responsabilizar os
agentes públicos e privados pelo uso indevido dos instrumentos de política
urbana que acarrete lesão às funções sociais da cidade.
Examinaremos se o ordenamento jurídico previu conteúdo discricionário
para o legislador estadual elaborar o plano, a possibilidade de
inconstitucionalidade material e o desvio de poder no exercício de competência
legislativa.
Na hipótese dos planos diretores metropolitanos apresentarem
conteúdos que não atendam às diretrizes do Estatuto da Cidade.
Do ponto de vista da ordenação do uso do solo urbano e rural, o Plano
Diretor Metropolitano fixará diretrizes e padrões genéricos para prevenir e
evitar ocupações desordenadas de áreas de vulnerabilidade direta e indireta,
como o setor costeiro, zonas de encostas e fundos de vale, além de aumentar
a cobertura vegetal das áreas urbanas dos municípios conurbados e promover
o plantio de espécies que reduzam as ilhas de calor (art. 10, I e XI). Essas
medidas são parâmetros para orientar a disciplina do uso do solo urbano e
rural em cada município integrante da região metropolitana.
Imaginemos a hipótese do Plano Diretor Metropolitano, ao dispor sobre
diretrizes da política de mudanças climáticas, adotar medidas que diminuam a
cobertura vegetal das áreas urbanas dos municípios conurbados, ou promover
adensamentos urbanos em áreas de fundos de vale em municípios
metropolitanos, gerando ocupações desordenadas em áreas estratégicas de
controle natural do clima, aumentando a ilha de calor urbano e incrementando
o efeito estufa em cada município.
A teoria do desvio de poder poderá ser aplicada ao caso concreto, pois
os padrões adotados são desproporcionais, irrazoáveis, diante dos fins aos
quais estão atrelados (art.2º, VI, g, do Estatuto da Cidade), justamente por
aumentar a poluição e a degradação do clima dos municípios metropolitanos.
826
Art. 54. “O art. 4o da Lei n
o 7.347, de 1985, passa a vigorar com a seguinte redação: Art 4º. Poderá ser
ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Acolhemos a doutrina que defende a utilização do instrumento para declaração incidental de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos do poder público, desde que a controvérsia jurídica não figure como pedido, mas como causa de pedir. (MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva, 2011).
394
Esta medida viola o conteúdo constitucional das funções sociais da cidade (art.
182 da Constituição Federal de 1988), que conta com o adequado
ordenamento do solo para construir cidades sustentáveis.
Trata-se de desvio de poder legislativo, de Plano Diretor Metropolitano,
face à contribuição que viabiliza o planejamento urbano, desde que para
alcançar finalidades do desenvolvimento sustentável, nas cidades, traduzido no
art.182 como função social da cidade.
Temos então que sustentabilidade é dever ético e jurídico-político de
viabilizar o bem-estar no presente, sem prejuízo do bem-estar futuro, próprio e
de terceiros.
Juarez Freitas qualifica a sustentabilidade como pluridimensional, pois o
bem-estar, objetivo que ela busca alcançar, repercurte em várias dimensões da
existência humana, o que inclui as ambientais, sociais, econômicas, ética,
jurídico-políticas.
Priorizaremos a dimensão jurídico-política da sustentabilidade a partir da
qual Juarez Freitas827explica que se trata de um princípio jurídico, de estatura
constitucional, imediata e diretamente vinculante (arts. 225, §3º, 170, VI), que
atribui eficácia aos direitos fundamentais de todas as gerações, não apenas de
terceira dimensão e que reputa antijurídica qualquer omissão causadora de
injustos danos intrageracionais e intergeracionais.
O princípio foi consagrado desde o preâmbulo da Constituição Federal,
passando pelos arts. 3º, II (objetivos da República), arts.170, VI; 174, §1º; 192,
205, 218, 219 e 225. Do ponto de vista infraconstitucional, o desenvolvimento
sustentável foi acolhido por vários diplomas legais828.
Além disso, o princípio jurídico constitucional da sustentabilidade
preenche lacunas na ausência de previsão legal (art.4º da Lei de Introdução ao
Direito Brasileiro) e confere parâmetros para interpretar normas jurídicas e
reduzir a margem de discricionariedade do intérprete legal.
827
FREITAS, Juarez. Considerações sobre Sustentabilidade– Direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p.71. 828
Lei nº 6.938/1981, art. 2º, I do Estatuto da Cidade, Lei nº 9.433/97, art. 2º, II da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei nº 11.145/2007, art. 48, II, Lei nº 9.985/2000, arts. 2º, II, XI, XII, a Lei nº 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima e até mesmo a Lei nº 12.587/2012, art. 5º, que trata da mobilidade urbana. São normas jurídicas concretizaram o conteúdo jurídico do princípio constitucional.
395
Diante do exposto, qualificar a sustentabilidade como norma jurídica–
sob a perspectiva das cidades sustentáveis, prevista no art. 2º, I do Estatuto da
Cidade – autoriza o controle legislativo do Plano Diretor Metropolitano caso seu
conteúdo seja desproporcional ou inadequado para alcançar esta finalidade,
que está positivada em forma de princípio jurídico constitucional.
6.3.5.1 Objeto do Plano Diretor Metropolitano
Quais matérias poderão compor o plano diretor? Aquelas que dizem
respeito ao interesse metropolitano, no caso em especial, objeto da tese,
apenas as normas jurídicas que disciplinem uso e ocupação do solo e medidas
de proteção ambiental.
Os interesses metropolitanos resultam em conexões e interferências
recíprocas entre os diferentes municípios, exige ação unificada, integrada entre
os Municípios componentes da região e o Estado responsável por sua criação.
As funções comuns, portanto, dizem respeito a um só tempo aos vários
municípios conurbados, cuja gestão exige atuação integrada.
Isto demonstra, que o interesse metropolitano é conceito jurídico
indeterminado, que revela relato abstrato da norma, que necessita de
especificação do conteúdo, conferindo ao jurista certa margem de
interpretação.
Em resumo, no plano metropolitano serão abordadas ações e diretrizes
relativas ao planejamento do uso e ocupação do solo das regiões
metropolitanas de modo a evitar que o processo de conurbação acarrete
efeitos negativos para o meio ambiente, referentes à poluição e degradação
ambiental.
Como forma de orientar a elaboração do conteúdo do plano
metropolitano, levando em conta certa margem de discricionariedade, tanto os
Poderes Executivo quanto o Legislativo deverão obedecer às normas contidas
nas leis federais e estaduais responsáveis pela edição da política de
desenvolvimento urbano e proteção ambiental.
Iniciaremos nossa abordagem pela Lei da Mobilidade Urbana (Lei
Federal nº 12.587/2012) quanto ao seu aspecto de proteção ambiental. Com
396
base na lei, medidas de controle da poluição ambiental poderão ser adotadas
na esfera metropolitana e incluídas no plano diretor.
Em 19 de fevereiro de 2013, o jornal Folha de S.Paulo noticiou o debate
entre o prefeito Fernando Haddad e o governador do Estado, Geraldo Alckmin,
a respeito da inspeção veicular ambiental na região metropolitana de São
Paulo.
Fernando Haddad demonstrou-se favorável ao interesse metropolitano
sob o aspecto ambiental. Segundo ele, muitos proprietários de veículos da
capital, para não respeitarem a lei de inspeção veicular, licenciam seus carros
em municípios da região metropolitana. Além disso, segundo ele, não é
coerente com a própria política ambiental exigir que apenas os veículos da
capital paulista sofram a inspeção, pois vários veículos “forasteiros” circulam
nas vias públicas paulistanas e contribuem diretamente para o aumento da
poluição atmosférica municipal. Trata-se de um problema que não é resolvido
exclusivamente pela esfera local, mas implica na contribuição de todos os
municípios metropolitanos829.
Na mesma reportagem, Geraldo Alckimin demonstrou-se favorável à
proposta, ao dizer que há um projeto sobre inspeção estadual tramitando na
Assembleia, enviado em 2009830.
Ainda que o problema da inspeção veicular ambiental metropolitana seja
debatido em um contexto político, recordemos que a matéria já foi juridicizada
pela Lei nº12.587/2012 (Lei da Mobilidade Urbana), podendo ser adotada como
instrumento de gestão do sistema de transporte e mobilidade urbana por todos
os entes federados831.
829
FOLHA de S.Paulo. Caderno Cotidiano. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), cobrou ontem o governador Geraldo Alckmin (PSDB) para que a inspeção veicular ambiental seja implantada em todo o Estado ou pelo menos na região metropolitana. Publicado em: 19 fev. 2013. 830
FOLHA de S.Paulo. Caderno Cotidiano. Publicado em: 19 fev.2013. “O governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse na manhã desta terça-feira (18) que é favorável à implantação da inspeção veicular nas regiões metropolitanas do Estado de São Paulo: "Nós somos favoráveis, sim, mas precisamos debater na Assembleia Legislativa a abrangência e a melhor maneira de fazer", disse o tucano, questionado sobre o assunto um dia depois de o prefeito Fernando Haddad (PT) defender a expansão da inspeção. "Eu acho que não é no Estado de São Paulo, mas nas regiões metropolitanas", concluiu. 831
Ressaltamos que o entendimento do atual prefeito Fernando Haddad foi incorporado na Lei Municipal nº 15.688, de 11.04.2013, que dispõe sobre o Plano de Controle de Poluição Veicular do Município de São Paulo – PCPV–SP e o Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso do Município de São Paulo – I/M–SP. Art. 5º, § 3º. O Executivo poderá incluir, na frota-alvo, os veículos licenciados em outros municípios que: I – circulem mais de 120 (cento e vinte) dias por ano no território do Município de São Paulo.
397
De acordo com o art. 23, II e VII da Constituição Federal, o Estado, no
âmbito da região metropolitana, poderá regulamentar medidas de controle da
poluição ambiental por meio da inspeção veicular metropolitana, no Plano
Diretor Metropolitano. Embora considerado inicialmente um instrumento
ambiental, poderá ser disciplinado pelo planejamento urbano, pois está
relacionado à política urbana, sobretudo quanto a modelo de cidades
sustentáveis. A disciplina de uso e ocupação do solo, matéria por excelência do
Plano Diretor Metropolitano, também poderá tratar de assuntos ambientais, por
revelar interface direta com a matéria e contribuir para a construção das
cidades sustentáveis (art. 2º, I do Estatuto da Cidade).
Desta maneira (art.23 da Constituição), os Estados e Municípios da
região metropolitana, dentre outros instrumentos de gestão do sistema de
transporte e da mobilidade urbana, vão fixar padrões de emissão de poluentes
para locais e horários determinados condicionando o acesso e a circulação aos
espaços urbanos sob controle; monitorar e controlar as emissões dos gases de
efeito local e de efeito estufa dos transportes motorizados, facultando a
restrição de acesso a determinadas vias em razão dos índices de emissões de
poluição.
Ademais, a Lei nº 13.798 de 9/11/2009832 que instituiu a Política
Estadual de Mudanças Climáticas, prevê a elaboração de planos adequados e
integrados para a gestão das áreas metropolitanas, que podemos interpretar
como conteúdo suscetível de tratamento do Plano Diretor Metropolitano (art. 6º,
VI). Para cumprir esta tarefa, o art. 5º, XV destaca como um dos objetivos
promover um sistema de planejamento sustentável de baixo impacto ambiental
e energético, inclusive identificar, estudar a suscetibilidade e proteger áreas de
vulnerabilidade indireta quanto à ocupação desordenada do território.
O Plano Diretor Metropolitano fixa diretrizes e padrões genéricos
destinados a prevenir ocupações desordenadas de áreas de vulnerabilidade
direta e indireta, como o setor costeiro, as zonas de encostas e fundos de vale,
aumentar a cobertura vegetal das áreas urbanas dos municípios conurbados,
plantar espécies que reduzam as ilhas de calor (art. 10, I e XI), todas medidas
832
Dispõe sobre condições para as adaptações necessárias aos impactos derivados das mudanças climáticas e sobre as formas destinadas a redução ou estabilização da concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera.
398
observadas como parâmetros para disciplinar o uso do solo urbano e rural nos
municípios da região metropolitana.
Quanto a oferecer aos mananciais uma proteção regional, com base na
Lei Estadual nº 9.866/1997833e Lei nº 13.579/2009, destacamos, por exemplo,
como instrumento de planejamento e gestão o art.10 da Lei nº 9.866/97 que
propõe utilizar áreas de intervenção, diretrizes e normas ambientais e
urbanísticas de interesse regional (art. 11, I). Segundo o art.12 foram definidas
áreas restritas à ocupação, de ocupação dirigida e de recuperação ambiental.
Destacamos ainda o art.16 ao determinar que para cada Área de
Proteção da Região de Mananciais (APRM), serão estabelecidas diretrizes e
normas ambientais e urbanísticas de interesse regional, respeitadas as
competências municipais e da União, considerando especificidades e funções
ambientais das áreas de intervenção para garantir padrões de qualidade e
quantidade de água bruta, passível de tratamento convencional para
abastecimento público. Segundo o art.19, as leis municipais de planejamento e
controle do uso e ocupação do solo urbano deverão incorporar as diretrizes e
normas ambientais e urbanísticas de interesse para preservar, conservar e
recuperar os mananciais.
Sobre fixar índices específicos, através da combinação dos critérios de
uso e ocupação do solo com parâmetros ambientais834, a Lei da bacia Billings
estabelece diretrizes para o planejamento e gestão de cada área de
Intervenção835. Para a subárea de ocupação de baixa densidade (SBD836)
foram definidos (art.25, I, II e art.30) parâmetros de uso e ocupação do solo, a
fim de assegurar a manutenção das condições ambientais adequadas à
833
Dispõe sobre as diretrizes e normas para a proteção e recuperação das bacias hidrográficas dos mananciais do Estado de São Paulo. 834
Lei nº 13.579/2009 – art. 4º: VII – lote mínimo: área mínima de terreno que poderá resultar de loteamento, desmembramento ou desdobro; VIII – taxa de permeabilidade: o percentual mínimo da área do terreno a ser mantida permeável de acordo com a área de intervenção; IX – coeficiente de aproveitamento do terreno: relação entre a área construída e a área total do terreno, de acordo com a área de intervenção; X – índice da área vegetada: relação entre a área com vegetação, arbórea ou arbustiva, e a área total do terreno, definida de acordo com a área de intervenção. 835
Lei da Bacia Bilings . Art. 4º – II – Área de Intervenção: Área Programa sobre a qual estão definidas as diretrizes e normas ambientais e urbanísticas voltadas a garantir os objetivos de produção de água com qualidade e quantidade adequadas ao abastecimento público, de preservação e recuperação ambiental, na seguinte conformidade. 836
Lei da Bacia Bilings. Art. 20 – Áreas de Ocupação Dirigida (AOD) – são áreas de interesse para a consolidação ou implantação de uso urbano ou rural, desde que atendidos os requisitos que assegurem a manutenção das condições ambientais necessárias à produção de água em quantidade e qualidade para o abastecimento público. IV– SBD: Subárea de Ocupação de Baixa Densidade: área não urbana destinada a usos com baixa densidade de ocupação, compatíveis com a proteção aos mananciais.
399
produção de água para o abastecimento público837. É admitido o uso misto em
todas as subáreas, desde que respeite a legislação municipal de uso e
ocupação do solo e as disposições quanto a parâmetros urbanísticos,
infraestrutura e saneamento ambiental definidas na Lei nº 13.579/2009.
Com relação ao zoneamento industrial disciplinado pela Lei Federal nº
6.803 de 2/7/1980, o Estado, ao tratar da Região metropolitana, por meio de
plano diretor disciplinará genericamente parâmetros e critérios do zoneamento
industrial que conduzirão os municípios para fixarem essa área.
De acordo com a Lei nº 6.803/1980 (art.1º), as zonas destinadas à
instalação de indústrias serão definidas em esquema de zoneamento urbano,
aprovado por lei municipal, que compatibilize as atividades industriais com a
proteção ambiental. Nas Regiões Metropolitanas, o art. 11 determina
expressamente que compete aos Municípios instituir o zoneamento urbano,
sem prejuízo do disposto na lei estadual de zoneamento industrial.
Assim, os Estados por meio do plano metropolitano apresentarão
modelos e parâmetros genéricos que vão influenciar a elaboração do
zoneamento urbano pelo Município. É a nossa interpretação da Lei Federal
(art. 2º, §1º, I, II, III e §2º), em conjunto com o art. 11. Ao definir o zoneamento
urbano para localizar indústrias, os municípios consideram as áreas de seu
território com elevadas capacidades de assimilação de efluentes e proteção
ambiental, as restrições legais ao uso do solo. Igualmente, as áreas industriais
deverão manter, em seu contorno, de acordo com as diretrizes da lei
metropolitana, anéis verdes de isolamento capazes de proteger as zonas
circunvizinhas contra possíveis acidentes e efeitos residuais.
Com base na Constituição Federal de 1988 (art.30, VIII, c/c art.182), o
art. 7º da Lei Federal nº6.803/80 deverá ser interpretado visando preservar a
autonomia e competência municipal responsável por definir parâmetros de uso
e ocupação do solo. Assim, o Estado apenas aprovará genericamente padrões
de uso e ocupação do solo, aos municípios integrantes da Região
837
Vale destacar que ficará reservada, dentro do lote especficado com área vegetada de lote urbano, 30% da área total do lote, podendo ser dividida em, no máximo, até duas áreas dentro do lote. De outro modo, o gabarito máximo para execução das edificações dentro do lote especificado será de 20 metros, contados a partir da cota do piso do pavimento térreo até a última laje, de cobertura dos pavimentos, sendo tolerados acima desse gabarito apenas as casas de máquinas de elevador e o reservatório de água, quando necessários.
400
metropolitana, nas quais, por suas características culturais, ecológicas,
paisagísticas, ou pela necessidade de preservar mananciais e proteger áreas
especiais, ficará vedada a localização de estabelecimentos industriais. O
Estado não poderá impedir a localização de estabelecimentos nos municípios,
pois é uma competência intangível do município.Ele apenas fixará princípios e
diretrizes para impedir a localização de indústrias, considerando os aspectos
legais, desde que os municípios decidam se acatarão ou não a norma.
Destacamos também o uso dos instrumentos da política nacional dos
resíduos sólidos da Lei nº 12.305/10, em razão do imbricamento entre a gestão
dos resíduos sólidos e o conteúdo urbanístico e ambiental do planejamento
metropolitano quanto à política de saneamento básico838.
Segundo o art.11 da Lei nº 12.305/2010 incumbe aos Estados integrar a
organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse
comum relacionadas à gestão dos resíduos sólidos nas regiões metropolitanas.
Em relação ao saneamento básico, determina a elaboração de Plano
Estadual de Resíduo Sólido, cujo conteúdo está no art. 17, I a XII, com
destaque ao inciso XI, que prevê a fixação de zonas favoráveis para a
localização de estações de tratamento de resíduos sólidos e disposição final de
rejeitos.
Assim, o Estado deverá, por exemplo, prever em seu plano diretor as
zonas favoráveis para a localização de unidades de tratamento de resíduos
sólidos ou de disposição final de rejeitos, como usinas de compostagem que
poderão ser instaladas nos municípios da região. Com base nas diretrizes
gerais do plano metropolitano, os municípios poderão definir em seus planos
diretores as áreas específicas para abrigar as estações de tratamento dos
resíduos sólidos.
838
As atividades de gestão dos resíduos sólidos estão intimamente relacionadas com aspectos urbanísticos e ambientais, basta examinarmos a Lei nº 11.445/2007, lei federal que dispõe sobre o saneamento básico, em conjunto com a Lei 12305/2010
838, que trata da política nacional de resíduos
sólidos. A política de manejo dos resíduos sólidos compõe o gênero saneamento básico (art. 3º, I, “c”) ao abranger conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas. Por sua vez, reza o art. 2º, III e IV da Lei nº 11.445/2007 que o manejo de resíduos sólidos deverão ser realizados para promover a articulação com as políticas de desenvolvimento urbano, de habitação e proteção ambiental, sendo que o art. 7º, III qualifica como sendo um dos objetivos da política nacional de resíduos sólidos o estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços.
401
A despeito deste conteúdo referir-se ao interesse metropolitano, não
devemos confundi-lo com os zoneamentos específicos das leis municipais, que
indicam a localização de cada estação de tratamento em determinado tipo de
município, acarretando eventual invasão de competência do município pelo
Estado. As interfaces entre os interesses metropolitanos e locais são
frequentes e não poderão acarretar indevida ingerência de competência de um
em relação a outro.
Por outro lado, os mesmos instrumentos de política urbana previstos no
Estatuto da Cidade poderão ser implementados, no âmbito da competência
concorrente pelos Estados-membros.
Assim entendem Maria Coeli Simões Pires, Gustavo Gomes Machado839
e Odete Medauar840.
Os Estados-membros ao legislarem sobre Planos Diretores
Metropolitanos – no âmbito da competência suplementar (art.24,§2º) e
supletiva (§3º da Constituição Federal) – poderão prever no Plano Diretor
Metropolitano, o Estudo de Impacto de Vizinhança Metropolitano. Esta hipótese
foi retratada por José Nilo de Castro841, que aventou a possibilidade de
elaboração de estudo pelos Municípios integrantes de Região Metropolitana e a
empresa de siderurgia Usiminas sobre os impactos que a expansão da
indústria causaria na região, na época de sua construção. Enfatizamos o
incremento de grandes movimentos dos trabalhadores, durante os
deslocamentos entre as cidades nas quais estão sediadas as indústrias e as
cidades onde residem os funcionários (dormitórios). Os impactos deste
fenômeno refletem problemas relacionados à ordenação do uso e ocupação do
solo dos municípios quanto à implantação de novos distritos industriais e
eventuais questões ambientais advindas de um crescimento populacional
desordenado.
839
MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.432. 840
MEDAUAR, Odete. A força vinculante das diretrizes da política urbana. In: Temas de Direito Urbanístico nº 4. Ministério Público de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005, p.22. 841
CASTRO, José Nilo de; RODRIGUES, Tais Erthal; PASSOS, Pagani Carolina. Expansão da Usiminas – Crescimento populacional – Região Metropolitana do Vale do Aço – Execução de funções públicas de interesse comum – Poder Regional – Articulação entre os Municípios – Preceitos da Lei Complementar nº 90/2006 – Conferência Metropolitana. Revista Brasileira de Direito Municipal nº 25 (RBDM).ano 8, jul-set. Belo Horizonte, 2007, p.16.
402
Em razão da instalação destas indústrias, os Municípios da Região
Metropolitana do Vale do Aço poderão sofrer com a insuficiência de espaços
territoriais habitacionais para a maioria dos funcionários atraídos pelo novo
cenário842:
Como é cristalino de se concluir, a elaboração de EIV que não prescinde à realização de estudos de impacto ambiental– pode ser adaptada às regiões metropolitanas, dado que, guardadas as devidas proporções, os Municípios integrantes das Regiões Metropolitanas são vizinhos e, portanto, são passíveis de sofrer os mesmos impactos relacionados à insuficiência de serviços públicos, adensamento populacional, especulação imobiliária, et. [...] Pode-se compreender, portanto, que uma vez entendida a expansão realizada pela Usiminas como função pública de interesse comum, essa atividade causará impacto nos outros Municípios integrantes da RMVA, sendo possível lançar mão de instrumento, à semelhança do EIV, a fim de subsidiar o planejamento das ações.
Enfim, o plano metropolitano poderá prever a elaboração de Estudo de
Impacto para uso e ocupação do solo e aspectos ambientais que considerem o
interesse metropolitano, compartilhado entre os municípios vizinhos
(integrantes da Região Metropolitana). Os aspectos examinados neste estudo
não consideram os requisitos dos arts. 36 e 37 do Estatuto da Cidade quanto
ao conteúdo da lei municipal para obter licenças e autorizações de construção
e funcionamento de empreendimentos no município. O estudo metropolitano
não exclui o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) exclusivamente municipal.
Diversamente, o conteúdo do EIV metropolitano trará referências
genéricas sobre problemas compartilhados por todos os municípios da Região
Metropolitana em função de um grande empreendimento que impacte de forma
abrangente aspectos de uso, ocupação do solo e proteção ao meio ambiente.
E permite um planejamento estratégico genérico para toda a região, sem
excluir, eventual detalhamento observado por cada município em estudo
próprio, baseado em planos diretores e legislações específicas.
O instrumento foi adotado pelo Projeto de Lei Estadual nº 3.078/2012843,
que trata da gestão do solo metropolitano, sob a denominação de Estudo de
Impacto Metropolitano (EIM), sobre parcelamento do solo metropolitano e
realização de empreendimentos com grandes impactos regionais (art. 28). De
acordo com o projeto de lei, o EIM será requisito para a emissão de anuência
prévia, por exemplo, em parcelamentos do solo, para fins urbanos, de glebas
842
Lei Complementar nº 90/2006. 843
Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
403
superiores a 50 hectares. Em função do art.29 do Projeto, o EIM será
executado para contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento
ou área de influência (direta ou indireta) indicando, por exemplo, os impactos
relativos à infraestrutura, ao meio ambiente, à valorização imobiliária e às
ações mitigadoras e compensatórias para os impactos à área conurbada.
Quanto ao parcelamento do solo urbano em forma de loteamento e
desmembramento (Lei Federal nº 6.766/1979), o Plano Diretor Metropolitano
poderá dispor sobre o assunto, desde que observe os limites da competência
municipal (art.30, VIII da Constituição Federal).
Quando o art.13 determina ao Estado disciplinar a aprovação pelos
Municípios dos loteamentos e desmembramentos, examinar e conceder
anuência prévia à aprovação do projeto do empreendedor – quando as
modalidades de parcelamento estiverem em área limítrofe do município ou
pertencerem a mais de um município nas regiões metropolitanas – não estará
sendo mitigada a competência municipal.
Rochelle Jelinek844 faculta aos Estados fixar diretrizes para aprovar os
projetos de parcelamentos (art.13, II, parágrafo único, da Lei nº 6.766/1979).
Neste caso, cada Estado-membro dispõe sobre a autoridade e o conteúdo das
diretrizes gerais. Mas as disposições de cada legislação são tratadas de forma
abrangente. O Estado fixará os requisitos necessários para disciplinar o
parcelamento do interesse metropolitano, competindo ao Município, a última
palavra quanto à aprovação e decisão sobre o parcelamento do solo.
Não se trata de competência ampla para todo e qualquer parcelamento
do solo localizado em município integrante de Região metropolitana. Deve
existir uma peculiaridade em atenção ao art.13 que considera a localização do
loteamento ou parcelamento em área conurbada, de município limítrofe ou
localizado em mais de um município, provocando impacto regional que
necessite de integração no parcelamento da região metropolitana. Não há que
falarmos em atuação se o parcelamento do solo estiver em um único município
da região, incrustrado no seu território, sem efeito para os demais municípios
844
JELINEK, Rochele. Licenciamento Ambiental e Urbanístico para o parcelamento do solo urbano. Promotora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul. In: Disponível em: <www.mp.go.gov.br>. Acesso em: 15 jul. 2013, p.19.
404
da região metropolitana. Neste caso, apenas o Município atuará na aprovação
do parcelamento do solo845.
Esta foi a solução adotada pelo Projeto de Lei nº 3.078/2012846, proposto
pelo governador de Minas Gerais para disciplinar a gestão unificada da função
pública de interesse comum de uso do solo metropolitano do Estado, posição a
qual acolhemos.
De acordo com o art.8°, a agência de desenvolvimento metropolitano é o
órgão responsável pela gestão unificada do interesse comum do uso do solo.
Cabe a ele emitir anuência para aprovar projetos de parcelamento do solo em
área de Município em região metropolitana e para alterar o uso do solo rural
para fins urbanos (Lei Federal nº 6.766/1979, art.53) quando inserido em área
de interesse metropolitano.
Ainda que o Estado aja nas hipóteses de parcelamento em áreas
metropolitanas, a atuação do Município não é dispensada (art.9º da lei federal
de parcelamento do solo), pois competirá à autoridade local aprovar o
loteamento ou desembramento de acordo com as suas diretrizes de uso e
ocupação do solo, traçados de lotes, espaços livres, áreas reservadas para
equipamentos urbanos e tipo de uso do loteamento, de acordo com a sua
legislação (art. 6º e 7º da lei federal).
No Estado de São Paulo compete ao Grupo de Análise e Aprovação de
Projetos Habitacionais (Graphohab), Decreto Estadual n°33.499/91, o papel de
autoridade metropolitana na aprovação e licenciamento de loteamentos, ao
reunir todas as secretarias estaduais (de habitação, meio ambiente, da saúde),
órgãos e empresas concessionárias de serviços públicos.
Em Minas Gerais, o exame de anuência prévia pelo Estado é feito pela
Agência da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Lei Delegada nº
180/2011, modificadora do Decreto nº 44.646/2007). Concedida a anuência
prévia pela Agência Metropolitna (art. 29), o processo de parcelamemento será
845
MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental.3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.152. 846
Em 19/6/2013 foi realizada audiência pública na Câmara dos Vereadores de Ipatinga em função do Projeto de Lei nº 3.078/2012 que trata da gestão unificada do solo metropolitano por plano integrado de desenvolvimento metropolitano. Os municípios integrantes da Região metropolitana do vale do aço (RMVA) demonstraram preocupação com possível redução da autonomia dos municípios da Região, motivo pelo qual foi encaminhado à mesa diretora da Assembléia Legislativa de Minas Gerais pedido de suspensão da tramitação do projeto até que ele seja completamente discutido pelos municípios. Disponível em: <www.diariodoaco.com.br/noticias>. Publicada em: 19 jun.2013. Acesso em: 18 set.2013.
405
remetido à prefeitura municipal para exame e aprovação pelo Poder Público
municipal em última instância e encaminhado ao Registro Imobiliário (parágrafo
único).
6.3.5.2 Plano Diretor Metropolitano e Plano Diretor: interfaces
Começaremos nosso estudo a partir dos interesses interesse local e
metropolitano, no âmbito do planejamento urbano. Em resumo, o que
expusemos sobre interesses metropolitano e local:
1) Em relação aos entes federados que integram as Regiões
Metropolitanas, convivem dois tipos de interesses: de um lado, o interesse
local,de cada Município, de outro, os interesses comuns, resultante de todos ou
alguns deles. As duas tipologias deverão conviver respeitando os limites da
autonomia dos entes federados.
2) No interesse local predomina o interesse imediato do Município em
relação ao do Estado ou União e serão resolvidos casuisticamente. Já o
interesse comum refere-se ao predomínio regional, não está territorialmente
limitado a um município, por envolver interesse de vários entes locais vizinhos.
Os interesses metropolitanos resultam em conexões e interferências recíprocas
entre os municípios, exige ações integradas entre os Municípios da região e o
Estado responsável por sua criação. As funções comuns, portanto, dizem
respeito a um só tempo aos vários municípios conurbados, cuja administração
exige atuação conjunta.
3) Os conceitos de interesse metropolitano e local são jurídicos
indeterminados, apresentam áreas de certeza positiva, negativa e zonas de
penumbra.
4) De acordo com as leis estaduais que tratam das Regiões
Metropolitanas, qual o sistema adotado para qualificar o interesse
metropolitano? 4.1) Analisamos separadamente as leis paulistas e mineiras,
que instituem as regiões metropolitanas indicam genericamente as atividades
consideradas funções públicas de interesse comum, como o saneamento
básico, o planejamento urbano e o uso e ocupação do solo; 4.2) No entanto, o
critério legal é insuficiente, pois estes assuntos também dizem respeito ao
interesse municipal e precisam ser bem definidos para não haver indevida
406
violação do campo de competências constitucionais atribuídas aos Estados e
Municípios.4.3) Interesse Regional é aquele que não pode ser resolvido
isoladamente pelo Município. Por vezes, fatores de ordem física, geográfica,
social e administrativa modificam o espectro de ação local para o regional.
Assim, algo que inicialmente poderia ser resolvido isoladamente pelos
municípios, em razão dos impactos e efeitos que geram em regiões
conurbadas, será disciplinado em âmbito regional. 4.4) O interesse
metropolitano resulta das conexões e interferências recíprocas entre os
municípios, que demandam ações unificadas para sua solução;5) A definição
dos dois tipos de interesses pelo Poder Executivo conta com a colaboração dos
Estados e Municípios e representantes da sociedade civil por meio de órgãos
colegiados. 6) Por fim, o conteúdo do interesse metropolitano e local é
submetido, respectivamente, ao Poder Legislativo Estadual e à Câmara
Municipal.
E quais os parâmetros dentro das zonas de certeza positiva e negativa
utilizados para definir conteúdo do interesse local e metropolitano quanto ao
uso, ocupação do solo urbano e proteção ambiental?
José Afonso da Silva847 e Hely Lopes Meirelles848 definem como zonas
de certeza positiva para qualificar o interesse local (art.30, VIII da Constituição
Federal) normas referentes ao uso e ocupação do solo, parcelamento do solo
urbano, zoneamento, composição estética e paisagística da cidade e controle
da construção.
As normas de zoneamento de uso do solo são fixadas por leis
municipais por serem consideradas de interesse municipal (art.30, VIII da
Constituição Federal) conforme explica José Afonso da Silva849: “O
zoneamento é matéria que se insere dentro do que se chama peculiar interesse
do Município, ficando o munícipe sujeito às limitações urbanísticas impostas
pelo Poder Público”.
Por sua vez, o Município no campo da competência local dispõe sobre a
ocupação do solo urbano. Explica, José Afonso da Silva850 que o objetivo do
controle da ocupação do solo é garantir para as cidades uma distribuição
847
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.245. 848
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.508. 849
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.249. 850
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.252.
407
equitativa e funcional de densidade, ou seja, densidades edilícias e
populacionais compatíveis com a infraestrutura e equipamentos das áreas
consideradas.
Por meio das normas de ocupação do solo, vários modelos de
assenamento urbano surgem, em razão da dimensão do lote onde será
construído o edifício e os índices urbanísticos de ocupação do solo (taxa de
ocupação851, coeficiente de aproveitamento852, áreas de estacionamento).
Podemos indicar como zonas de certeza negativa para qualificar
interesse local, de regulamentação exclusiva pelo Município, a fixação de área
mínima dos lotes oriundos do parcelamento do solo urbano. Por se tratar de
norma urbanística, a Lei nº 6.766/1979, ao dispor sobre o parcelamento do solo
urbano, é considerada (art.24, I, §1º, da Constituição Federal) norma geral da
União, responsável por determinar padrões mínimos, válidos para todo o
território nacional, de urbanização das glebas e habitabilidade dos lotes, por
conta do loteamento e do desmembramento.
Não caberá aos Municípios disciplinar em suas legislações urbanísticas
o tamanho mínimo de determinado lote originário de parcelamento do solo. Isto
porque dispõe a Lei nº 6.766/1979, art. 4º, II, que os lotes serão formados com
área mínima de 125m² e frente mínima de 5m, salvo quando o loteamento se
destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de
interesse social, aprovado pelos órgãos públicos. Portanto, não caberá ao
município legislar sobre este assunto que não é considerado interesse local.
Já os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer
normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para
adequar a Lei às peculiaridades regionais e locais.
São consideradas pela lei federal normas locais as urbanísticas que
visam assegurar aos loteamentos os equipamentos e as condições mínimas de
habitabilidade e conforto, harmonizadas com o plano diretor municipal. De
acordo com os arts. 2º e 4º, são normas jurídicas desta espécie a definição dos
índices urbanísticos (taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento) por
851
Taxa de ocupaçãorefere-se à superfície do terreno a ser ocupada com a construção. É um índice que estabelece a relação entre a área ocupada pela projeção horizontal da construção e a área do lote. In: SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.255. 852
Coeficiente de Aproveitamento, segundo o professor José Afonso da Silva, em seu SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.255, é a relação entre a área total da construção e área do lote.
408
planos diretores ou leis municipais específicas para a zona onde estiverem
situados.
Contudo, existem zonas de penumbra, que exigem do intérprete da
norma um exercício de hermenêutica jurídica para aplicá-la sem invadir a
competência constitucional de outro ente federado. É neste ponto que surgem
vários conflitos de competência, cabendo ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da
Constituição Federal) decidir a controvérsia.
Dentro destas zonas de penumbra, analisaremos três casos para
verificarmos se há interesse local ou metropolitano que justifique o tratamento
das seguintes matérias: a) zoneamento industrial; b) aprovação pelo Estado de
loteamento e desmembramento quando localizados em áreas metropolitanas
(Lei nº 6.766, art.13, II); c) previsão pelo plano estadual de resíduos sólidos,
em áreas metropolitanas, de zonas favoráveis para a localização de unidades
de tratamento de resíduos sólidos ou de disposição final de rejeitos (Lei nº
12.305/2010, art.17, IX).
Ao analisarmos as legislações envolvidas no zoneamento industrial,
verificaremos que o Estado poderá tratar do assunto em níveis regional e
metropolitano. Haverá um necessário imbricamento entre as noções de
interesse local e metropolitano quanto à incidência do assunto.
Do ponto de vista do zoneamento urbano é competência do Município
defini-lo (art. 30, VIII, da Constituição Federal).
Em se tratanto de competência regional, os Estados (art.24) exercem
competência suplementar, obedecendo à norma geral federal que dispuser
sobre o assunto e respeitando a competência municipal. Afirma José Afonso da
Silva853 que o Estado não poderá agir no exercício da função urbanística de
efeito concreto intraurbano, mas deve atuar em nível supramunicipal de
ordenação territorial, que aos Municípios cabe observar apenas como normas
de atuação e coordenação regional. O autor ainda propõe que o conteúdo do
Plano Diretor Estadual deverá abordar, por exemplo, objetivos estratégicos do
desenvolvimento da rede urbana estadual e sua relação com o ambiente rural;
as diretrizes gerais da organização do território do Estado em correlação com
os programas estaduais de desenvolvimento econômicoe social, diretrizes
853
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.127.
409
urbanísticas (nos planos federais) e diretrizes de regionalização e do
zoneamento industrial supramuncipal.
Com relação ao zoneamento industrial, os Estados não poderão atuar no
que tange à localização industrial no perímetro urbano, por se tratar de
competência municipal854:
traçar diretrizes gerais ao direcionamento, ao ordenamento e ao controle do assentamento industrial em nível supramunicipal, obtendo-se dos Municípios envolvidos, mediante convênio, assistência e incentivos, a adequação de seus planos diretores e de suas leis de uso do solo aos objetivos pretendidos.
Se o Estado não poderá proibir a localização industrial em algum
município de estabelecimentos industriais, o que deverá fazer, em razão da
competência comum ambiental (arts.23, VI, IX e X, e 225, IV da Constituição
Federal)? Segundo José Afonso da Silva, o Estado, dentro de um plano de
regionalização industrial que determina objetivos de interesse público,
supramunicipal, deverá impor condições à iniciativa particular, sujeitará o
empresário a obter licença ambiental estadual para instalar e funcionar
empreendimentos industriais na área supramunicipal definida pelo plano.
O raciocínio será diferente no âmbito da ação do Estado em se tratando
de Regiões Metropolitanas.
Dispõe as legislações estaduais, como a Lei Estadual Complementar nº
1.139 de 2011 (art.12) ao criar a Região Metropolitana de São Paulo, que
compete ao Conselho de Desenvolvimento Metropolitano gerir os interesses
metropolitanos, dentre eles o planejamento, o uso do solo e o meio ambiente.
Quanto à normatização do zoneamento industrial, mencionamos a Lei
Federal nº 6.803/1980, que prevê as diretrizes básicas para o zoneamento
industrial, nas áreas críticas de poluição dos Estados e Municípios e nas
Regiões Metropolitanas de São Paulo e a Lei nº 1.817, de 27/10/1978, que
determina os objetivos e as diretrizes para o desenvolvimento industrial
metropolitano, a disciplina do zoneamento industrial, a localização, a
classificação e o licenciamento de estabelecimentos industriais na Região
Metropolitana de São Paulo.
854
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.132.
410
Em razão das legislações antecederem a Constituição Federal de 1988,
a doutrina discute a recepção pela nova ordem constitucional. De um lado, Ives
Gandra Martins855 defendeu a não recepção da Lei nº 1.817/1978856, pela nova
ordem Constitucional, por entender que os Estados-membros não têm
competência sobre política urbana (art.182 e parágrafos, que atribuem
exclusivamente aos Municípios, pelo plano diretor, a competência para
disciplinar a política de desenvolvimento e expansão urbana).
O jurista enfrentou em seu parecer a questão que relatamos a seguir: o
Município de Diadema era regulado pelo plano diretor (Lei nº468/1973) que não
restringia o direito de construir, sobretudo quanto aos estabelecimentos
industriais. Por outro lado, a Lei nº 1.817/1978 (art.10) restringiu o porte e
impôs critérios para a instalação de um estabelecimento. O jurista defendeu
que as limitações da lei estadual não foram recepcionadas pela nova
Constituição, pois continham normas que desrespeitavam a autonomia
municipal, subordinando o interesse municipal ao nacional, tratamento
compatível apenas com a ordem constitucional de 1969. Neste caso, pela
Constituição de 1988, apenas as regras do plano diretor municipal
prevaleceriam, afastando qualquer tipo de limitação para a construção de
indústrias no município.
Discordamos do jurista pelas razões que passamos a expor. Com
relação ao zoneamento industrial disciplinada pela Lei Federal nº 6.803 de
2/7/1980, o Plano Metropolitano abrangerá os critérios do zoneamento
industrial que vão orientar a disciplina do zoneamento urbano a ser definido
pelos municípios. As leis estaduais e federais vão estabelecer os contornos
genéricos das zonas, que serão escolhidas pelos municípios em seu território,
através de especificações como capacidade de assimilar efluentes ou
condições favoráveis para instalar a infraestrutura e os serviços necessários ao
funcionamento das indústrias.
855
MARTINS, Ives Gandra. Competência legislativa retirada dos Estados para os Municípios pela nova ordem constitucional. Revista dos Tribunais 645/13, jul.1989. In: (Orgs.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional: Organização do Estado. Coleção doutrinas essenciais. v.III. São Paulo: RT, 2011. 856
Lei nº 1.817, de 27 de outubro de 1978 –Estabelece os objetivos e as diretrizes para o desenvolvimento industrial metropolitano e disciplina o zoneamento industrial, a localização, a classificação e o licenciamento de estabelecimentos industriais na Região Metropolitana da Grande São Paulo e dá providências correlata.
411
O art. 7º da Lei Federal nº 6.803 de 2/7/1980, recepcionado pela
Constituição Federal, preserva a autonomia e a competência municipal
responsável por definir os parâmetros de uso e ocupação do solo. O Estado
apenas aprovará genericamente padrões de uso e ocupação do solo, aos
municípios da Região Metropolitana, nas quais, por suas características
culturais, ecológicas, paisagísticas, ou necessidade de preservar mananciais e
proteger áreas especiais, fica vedada a localização de estabelecimentos
industriais.
O Estado apenas fixará princípios e diretrizes para impedir a localização
de indústrias, desde que os municípios decidam se acatarão a norma.
A interface entre as competências municipal e estadual quanto à
definição do zoneamento industrial por planos diretores foi abordada por Paulo
Affonso Leme Machado857:
[...] Competirá ao Município dizer o local das indústrias e das zonas de reserva ambiental. Contudo, a lei fala em esquema de zoneamento. Localizar as indústrias não equivale a criar zonas industriais, porque a lei reservou aos governos estaduais aprovar a delimitação, a classificação e a implantação de zonas estrita e predominantemente industriais. Institui-se, assim, o poder de tutela estadual ou federal sobre a ação municipal de zoneamento industrial. Não será admissível a intervenção direta da União ou dos Estados para fazer o esquema de zoneamento urbano. Entretanto, a lei reservou a possibilidade de ação indireta dos Estados para todos os tipos de zonas industriais, pois de nada valerá o Município indicar o local, se não houver a aprovação da delimitação em fase posterior.
A disciplina do zoneamento industrial regulamentada por lei nacional e
pelo Estado (região metropolitana), não envolve, exclusivamente,a disciplina de
uso do solo. A lei cuida ainda dos aspectos relacionados ao controle da
poluição, matéria de caráter ambiental, exercida de forma comum entre os
entes federados (arts.23, VI, c/c com a competência concorrente do art. 24, VI
da Carta Magna).
Determina a Lei nº 6.803/1980 (art.1º), que as zonas destinadas à
instalação de indústrias serão definidas em esquema de zoneamento urbano,
aprovado por lei, que compatibilize as atividades industriais com a proteção
ambiental. Rege o parágrafo 1º, art.1º, que as zonas de que trata este artigo
857
MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro.16.ed.São Paulo: Malheiros, 2008, p.205.
412
serão classificadas em: a) zonas de uso estritamente industrial; b) zonas de
uso predominantemente industrial; c) zonas de uso diversificado.
Quando as indústrias estiverem em Regiões Metropolitanas (art.10 da
Lei nº 1.917/1978, §1º), caberá ao Conselho de Desenvolvimento Metropolitano
aprovar a delimitação, a classificação e a implantação de zonas de uso estrito e
predominantemente industrial.
Com base na Lei das Regiões Metropolitanas de São Paulo 1139/2011,
competirá ao Conselho de Desenvolvimento, com a participação de prefeitos
dos Municípios da Região e de representantes do Estado definir zonas
industriais de acordo com a classificação federal para evitar que indústrias
poluentes se instalem em locais impróprios, comprometendo a qualidade do ar
atmosférico da região.
Igualmente a Lei Estadual nº 1.817/1978, para compatibilizar o
desenvolvimento industrial com a melhoria das condições de vida da população
e a preservação do meio ambiente; na Região Metropolitana de São Paulo,
permitiu que o Conselho de Desenvolvimento Metropolitano de São Paulo,
tratasse do zoneamento industrial como interesse metropolitano. Neste caso,
os integrantes deste colegiado deverão estabelecer critérios de localização
industrial, baseados em três categorias (art. 6º): I – zona de uso estritamente
industrial (ZEI);II – zona de uso predominantemente industrial (ZUPI), dividida
nas subcategorias ZUPI-1 e ZUPI-2;III – zona de uso diversificado (ZUD).
Ao realizar esta tarefa, o Conselho de Desenvolvimento Metropolitano
deverá observar o art. 7° que oferece os critérios para fixar o zoneamento
industrial. Assim, cada uma das zonas de uso industrial são qualificadas,
considerando aspectos ambientais e relativos à economia regional e à
infraestrutura urbana, índices urbanísticos de uso e ocupaçãodo solo urbano,
critérios de dimensionamento, de ocupação, de aproveitamento de lotes e de
categorias de uso conforme e não conforme, sem prejuízo da observância da
legislação federal e estadual sobre a matéria.
A Constituição do Estado de São Paulo prevê (art.183) a competência
do Estado para estabelecer diretrizes à localização e integração das atividades
industriais, considerando aspectos ambientais, sociais, geográficos e
econômicos, competindo aos Municípios (parágrafo único) de acordo com as
diretrizes e critérios estaduais, criar e regulamentar zonas industriais.
413
Assim, o Plano Diretor Metropolitano cria repercussões concretas em
relação ao zoneamento industrial no planejamento dos municípios da região,
ao estabelecer modo e intensidade de uso e ocupação do solo.
As normas em vigor envolvem disciplina de uso e ocupação do solo,
atrelada às questões ambientais. Isto porque a regulamentação do uso visa a
proteção ambiental e a redução dos impactos decorrentes da poluição. Isto já é
possível no exercício de competência estadual regional, quando o Estado
estabelece políticas indutoras ou condicionadoras no campo do licenciamento
ambiental para controlar a atividade industrial do empresário. No entanto, no
campo das Regiões Metropolitanas, por meio desta legislação específica, o
critério ambiental serviu como base para o controle do uso e ocupação do solo,
mesclando os dois campos de competências constitucionais (urbanístico-
ambientais).
Seguimos o entendimento de Luiz Carlos Guimarães Castro858, que
tratou de tema semelhante referente à recepção constitucional da Lei Estadual
nº 466/1981 do Rio de Janeiro. Por este diploma estadual, atribuiu conforme a
Lei Federal nº 6.803/1980, a competência do Estado, por meio do Conselho de
Desenvolvimento Metropolitano, para tipificar genericamente as modalidades
de zonas industriais. O Procurador do Estado defendeu a edição da norma
estadual no âmbito da competência supletiva estadual (art. 24, VI, §2º, da
Constituição Federal).
Defende o jurista carioca que, embora o zoneamento seja matéria de
competência local (art. 30, VIII, c/c art. 182 da Constituição Federal), na qual se
insere o zoneamento industrial, como forma de uso e ocupação do solo, a
matéria transcende a esfera urbanística exclusiva do Município por refletir
interesses ambientais. Ao tratar de zoneamento industrial, a matéria vincula-se
à tipologia das indústrias admissíveis em regiões do solo urbano consideradas
zonas críticas de poluição, por consistir em política de controle de poluição,
assunto de competência concorrente entre os entes federados (art.24, VI, da
Constituição Federal).Transcrevemos algumas conclusões do autor com as
quais concordamos859:
858
CASTRO, Luiz Carlos Guimarães. Revista de Direto da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro nº 44, 1992, p.291. 859
CASTRO, Luiz Carlos Guimarães. Revista de Direto da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro nº 44, 1992, p.296.
414
Há que se ressaltar que a poluição decorrente da localização de um estabelecimento industrial não se restringe a um assunto de interesse local, simplesmente concernente ao Município onde a indústria se teria fixado; a poluição aérea por gases tóxicos não se detém nos limites municipais, o mesmo sendo dito com relação aos efluentes lançados nas águas dos rios; principalmente numa “região crítica”, todos os municípios constantes da dita região recebem, possivelmente com a mesma intensidade, os efeitos nocivos advindos do estabelecimento industrial, não se atendo, por esta razão, o controle dos agentes poluidores a um único ou peculiar interesse municipal.
Quanto à aprovação pelo Estado de loteamento e desmembramento,
quando localizados em áreas metropolitanas (art.13, II, da Lei nº 6.766),
entendemos que é constitucional em face da competência suplementar do
Estado em matéria urbanística, considerando o interesse metropolitano.
Justifica-se o dispositivo ao lado da competência local dos municípios na
aprovação de loteamentos e desmembramentos, por envolver situações nas
quais o parcelamento do solo terá conexão direta entre o interesse
metropolitano e o local.
Apesar de alguns doutrinadores, como Toshio Mukai860interpretarem o
dispositivo mais restritivamente em nome da autonomia municipal, ainda assim
é necessário aplicá-lo à luz da Constituição Federal, para minimizar a
conurbação excessiva gerada pelos parcelamentos do solo não planejados.
No entanto, o autor enfatiza que art.13, II, c/c com o seu parágrafo único
da Lei Federal nº 6.766/1979 só deverá ser aplicado às áreas de intensa
conurbação, ou seja, em parcelamentos urbanos localizados em áreas
limítrofes de municípios ou em mais de um município. Não é, portanto,
aplicável em todo e qualquer parcelamento urbano localizado em certos
municípios, justamente por não existir interesse supramunicipal a ser
resguardado.
O dispositivo continua em vigor, não foi considerado inconstitucional e é
aplicável em vários Estados, conforme verificamos no Estado de São Paulo por
meio do julgado da Corregedoria Geral de Justiça de 8/8/2006 que considerou
autoridade legal para aprovar loteamento na Região metropolitana de São
Paulo, a Secretaria de Estado da Habitação e não o Conselho de
860
MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental.3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.152.
415
Desenvolvimento da Região metropolitana de Campinas (Lei Complementar nº
870/2000), conforme argumentou o Ministério Público do Estado de São Paulo:
PROCESSO CGJ DATA: 8/8/2006 FONTE: 517/2006 LOCALIDADE: AMERICANA Relator: Álvaro Luiz Valery Mirra Legislação: Art. 13, parágrafo único, da Lei nº 6.766/79. PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. LOTEAMENTO – IMPUGNAÇÃO. AUTORIDADE METROPOLITANA – ANUÊNCIA. QUALIFICAÇÃO REGISTRAL – LEGALIDADE FORMAL. GRAPROHAB – SECRETARIA ESTADUAL DA HABITAÇÃO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. Ementa:Registro de Imóveis – Loteamento – Impugnação ao registro – Empreendimento localizado em município integrante de região metropolitana – Anuência da autoridade metropolitana (art. 13, p.u., da Lei nº 6.766/1979) – Competência atribuída à Secretaria de Estado da Habitação pelo Decreto Estadual nº 47.818/2003 – Anuência concedida por referido órgão – Suficiência para reconhecimento da legalidade formal do empreendimento, no âmbito da qualificação registral – Impossibilidade de negativa de vigência de referida norma na esfera administrativa, sob o argumento de ilegalidade e inconstitucionalidade – Controle de legitimidade de norma infra-legal em confronto com a lei e a Constituição reservado, como regra, na matéria, ao Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional – Impugnação não acolhida – Registro autorizado – Recurso não provido
861.
Para reforçar a autonomia municipal – ainda que o Estado, nos casos da
Região metropolitana, atue como instância de anuência prévia de loteamentos
e desmembramentos, fixando comandos genéricos – o Município tem papel
preponderante na disciplina do parcelamento do solo urbano (art.30, VIII da
Carta Magna em consonância com a Lei Federal nº 6.766/1979). Sempre
caberá ao Município o início e o término da aprovação do parcelamento do
solo, de acordo com as diretrizes instituídas pela legislação local.
Em razão Projeto de Lei nº 3.078/2012 (art. 8°, VI e VII) que disciplina a
gestão do uso do solo metropolitano em Minas Gerais, a agência metropolitana
terá a competência apenas para emitir anuência prévia à aprovação dos
projetos de parcelamento do solo em área de Município da região
metropolitana e alterar o uso do solo rural para fins urbanos quando se tratar
de conurbação urbana, matéria afeta ao interesse metropolitano.
Desta maneira, não há redução da autonomia municipal, pois o
parcelamento do solo e a alteração do uso do solo são exercitáveis, no âmbito
861
Jurisprudência do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil–Fonte: http://www.irib.org.br/asp/Jurisprudencia.asp?id=15654 – acesso em 03/12/2011.
416
da competência local, restritos aos limites territoriais de cada município. No
entanto, se as questões de parcelamento do solo extrapolam o interesse local,
são transformadas em interesse metropolitano, que autoriza a imediata atuação
da autoridade estatal. Assim, o município mantém a competência para ordenar
e parcelar o solo quando não estiver em jogo interesse de outros municípios.
Caso contrário, o Estado deverá atuar em razão do interesse metropolitano
com a participação dos municípios que integram a região metropolitana.
Invocamos ainda as recentes alterações do Estatuto da Cidade,
promovidas pela Lei nº 12.608/2012. Segundo o art.3° da Lei Federal nº
6.766/1979, o parcelamento do solo para fins urbanos só poderá ser admitido
em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica,
definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.
Em razão do recente art. 42-B do Estatuto da Cidade, os Municípios que
pretendam ampliar seu perímetro urbano deverão elaborar projetos específicos,
definindo parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, a fim de
promoverem a diversidade de usos e contribuírem para gerar emprego e renda,
conforme as diretrizes do plano diretor (art.42-B, §1º). Na sequência, o
§3ºdetermina que a aprovação de projetos de parcelamento do solo no novo
perímetro urbano ficará condicionada a um projeto específico e deverá
obedecer às suas disposições. Ora, este dispositivo coloca um ponto final às
discussões que ensejam dúvida em relação à atuação das autoridades
metropolitanas estaduais quanto à anuência prévia. Mesmo havendo uma
função estadual neste sentido, o Município sempre atuará de forma decisiva,
pois caso os municípios que integram a região metropolitana decidam ampliar
seus perímetros urbanos, a aprovação dos parcelamentos dependerá do
projeto específico elaborado pelo Município de acordo com a legislação local.
Portanto, em conformidade às alterações legislativas, o art. 13 da Lei Federal
nº 6.766/1979 deve ser interpretado em conjunto à legislação editada
posteriormente, que por sua vez, imprime função relevante aos municípios na
aprovação dos loteamentos e desmembramentos urbanos.
Por fim, discutiremos o art. 17, IX, XI, “a”, da Lei nº 12.305/2010 que
atribui como conteúdo do Plano Estadual de Resíduos Sólidos, a previsão em
áreas metropolitanas de zonas favoráveis para localização de unidades de
tratamento de resíduos sólidos ou de disposição final de rejeitos.
417
Esta matéria pode ser disciplinada no Plano Diretor Metropolitano,
quando tratar de localização de unidades de resíduos sólidos ou disposição
final de rejeitos em regiões metropolitanas. Estamos diante de norma de
caráter ambiental, inteiramente relacionada com o zoneamento urbano.
Assim como defendemos a constitucionalidade da competência do
Estado, no Conselho Metropolitano para definir zoneamento industrial,
aplicamoso mesmo raciocínio no campo da instalação de equipamentos de
tratamentos de resíduos sólidos, evitando contaminação do solo e problemas
de poluição ambiental relacionados ao destino dos resíduos. O legislador não
determinou expressamente ao Estado fixar zonas para instalar equipamentos
de tratamento do lixo. O dispositivo apenas mencionou a possibilidade do plano
estadual metropolitano prever zonas favoráveis para localizar unidades de
tratamento de resíduos sólidos que, no âmbito da competência de zoneamento
do município, seriam definidas por lei municipal.
Poderíamos enquadrar o caso acima relacionando-o às normas
urbanísticas, que transcendem o interesse local. Luiz Henrique Antunes
Alochio862entende ser possível disciplinar o planejamento urbano nas Regiões
Metropolitanas.
O jurista cita o Recurso Extraordinário 101.3311863 do Estado da
Paraíba, que ao tratar de normas de direito de construir, expedidas pelo Estado
no controle das construções na orla marítima, agiu conforme a lei por se tratar
de norma que transcende o peculiar interesse local. O autor reconhece que o
acórdão foi proferido à luz da Constituição de 1969, sem tratar especificamente
de interesse metropolitano. Contudo, utiliza a noção de transcendência do
interesse local como paradigma para afirmar que o planejamento urbano pode
ser objeto de interesse metropolitano regulamentado por Plano Diretor
Metropolitano864:
Diante de tais razões, fundamento nosso entendimento de que as regiões metropolitanas podem servir de instrumentalidade para o planejamento urbanístico, desde que obedecidas as peias e limites para a fixação dos reais interesses metropolitanos, que serão os delimitadores da atuação estadual. No caso, as leis deverão ser
862
ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.116. 863
Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 22 fev.2013. 864
ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.117.
418
aprovadas pelas Assembleias Legislativas, cabendo às regiões metropolitanas a execução dos atos materiais de planejamento.
O jurista capixaba admite ainda que o Plano Diretor Metropolitano
excepcionalmente trate de assuntos concretos, de menor grau de generalidade
e abstração como forma de sobrepor-se ao conteúdo das normas municipais.
Para o autor, as normas do Plano Diretor Metropolitano são genéricas, dão
diretrizes, demonstram em relação às demais normas elevado grau de
generalidade e abstração865:
[....] A presença de eventual regra mais concreta será uma exceção nesse nível de planejamento urbanístico; as “normas metropolitanas” têm por essência o viés ordenador da região metropolitana, o que, por essência, já se vai aproximando de elevado grau de abstração e generalidade. Não são normas próprias para a veiculação de regras de comportamento individual do cidadão. [...] Em suma, os Planos Metropolitanos, muito mais que ordenadores de comportamentos privados, funcionariam como ordenadores dos partícipes de uma região. Teria função institucional de equalizar as regras e políticas públicas locais, em benefício de um interesse regional, e não apenas a ordenação de comportamentos diretores dos proprietários e empreendedores.
Em suma, ainda que o autor admita as normas de concreção
específicas, legisladas pelo Estado em âmbito metropolitano, ressalva que
serão excepcionais, pois a matéria típica deste plano é mais genérica,
fornecedora de princípios e diretrizes.
Em razão da existência de dois planos diretores – um editado pelo
Estado (no que toca ao ordenamento territorial metropolitano) e outro no que
tange ao ordenamento territorial municipal – quem deverá prevalecer? O
metropolitano ou o municipal?
Para Rafael Augusto Silva Domingues866 não há prevalência entre
planos. Cada ente federado tem sua parcela de competência, em razão da qual
o outro não pode legislar, exceto nas hipóteses de competência suplementar.
Assim, a ideia de prevalência deverá ser substituída por constitucionalidade de
um plano em relação ao outro.
865
ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.259. 866
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.154.
419
Com base em Alaôr Caffé Alves867, temos que os planos diretores
metropolitanos deverão inspirar a elaboração dos planos diretores municipais,
criando modelos territoriais que refletem a localização das atividades
econômicas e sociais numa área geográfica, prevendo, inclusive, as
infraestruturas e os equipamentos urbanos necessários. Além disto, o plano
metropolitano servirá como ponto de coordenação e articulação entre os planos
metropolitanos e municipais, evitando contradições, interferências ou
superposições em relação ao conteúdo de cada um.
Na hipótese das zonas de penumbra (em termos de definição do
interesse local e metropolitano), caberá aos Municípios disciplinar
detalhadamente os parâmetros de uso e ocupação do solo, específicos para
ordenar seus espaços habitáveis, com índices concretos distintos de outros
municípios da mesma região. Este é o núcleo intangível da competência
municipal quanto ao direito urbanístico.
Por outro lado, o interesse local receberá influência das diretrizes
metropolitanas, pois abrange de forma comum, os interesses de toda região,
atentando para os aspectos locais que ainda subsistem quando o Município
integra a Região Metropolitana, apesar dos condicionamentos relativos à sua
competência diante das funções públicas de interesse comum.
A lei que cria o plano metropolitano urbanístico e ambiental
estabelecerá, para as regiões metropolitanas, as diretrizes, objetivos, metas e
prioridades da região quanto aos aspectos de uso e ocupação do solo e as
medidas de proteção ao meio ambiente.
O plano metropolitano irá nortear a elaboração dos planos municipais
em relação à ordenação do uso e ocupação do solo urbano visando proteger
medidas ambientais, como a preservação de mananciais, o combate à poluição
e aos efeitos negativos que decorrem do efeito estufa.
Os planos diretores municipais serão, portanto, elaborados em
conformidade às metas e diretrizes gerais do Plano Diretor Metropolitano. Por
meio da “corrente ampliativa de tratamento moderado”, no que tange ao
exercício de competências urbanísticas dos Estados-membros na disciplina
territorial e ambiental das Regiões Metropolitanas, o Plano Diretor
867
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.166.
420
Metropolitanoirá nortear, direcionar, definir prioridades e ações para disciplinar
o ordenamento territorial das regiões metropolitanas e sua proteção ambiental.
Se optarmos pelo termo prevalência fracassaremos uma vez que
estamos tratando de competências entre entes federativos disciplinados pelo
princípio da igualdade das pessoas políticas868. A Constituição Federal outorga
aos entes federados um conjunto de competências para serem exercidas em
patamar de igualdade. Só falamos em superioridade quando tratamos da
influência que a Carta Constitucional exerce sobre as leis editadas por cada
ente, visto que deverão seguir rigorosamente os padrões constitucionais.
Portanto, os planos metropolitanos (editados pelos Estados) e os planos
municipais entre si estão em patamar de igualdade, pois foram editados sob a
égide da Constituição.
Assim, qual a relação entre o conteúdo de ambos os planos?
Entendemos que os dois deverão ser compatíveis entre si, coexistirem,
conciliarem seus conteúdos sem predominância de um sobre o outro.
Nessa perspectiva, adotamos o raciocínio de Rafael Augusto Silva
Domingues869 que admite o diálogo entre os conteúdos e na hipótese de
eventual discordância, a análise da divisão de competências constitucionais ao
dispor que todo conteúdo de interesse metropolitano seja atribuído ao Estado e
o municipal, de ordenamento e parcelamento do solo urbano, conferido aos
municípios.
Assim, como fixar conteúdo (diretrizes genéricas) no Plano Diretor
Metropolitano é competência do Estado, suas disposições influenciarão os
planos municipais. Os Municípios, em razão do vínculo compulsório que
ostentam na criação das regiões metropolitanas pelo Estado, poderão
influenciar, participar da elaboração de seu conteúdo, dialogar com os órgãos
estaduais. No entanto, se não concordarem com suas disposições, deverão
aceitar os comandos genéricos, diretivos, pois integram a Região
Metropolitana. Os planos diretores metropolitanos não deverão invadir os
limites relacionados à competência urbanística municipal (art.30, VIII e 182 da
868
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.185. 869
DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.152.
421
Constituição Federal). Não há prevalência de matéria local, mas respeito ao
seu conteúdo em razão da divisão constitucional de competências.
Rafael Augusto Silva Domingues870, ao analisar a constitucionalidade
das Cartas da Bahia, de São Paulo e do Rio Grande do Sul, afirma que a
primeira tem disposições inconstitucionais em relação à Carta de 1988. Por
outro lado, alguns artigos da Constituição paulista poderão ser interpretados
conforme a Constituição Federal e por fim reputa inteiramente constitucionais
as determinações da Constituição gaúcha.
Segundo os arts.167 e 168 da Constituição baiana, não podemos afirmar
que cabe ao Estado legislar sobre direito urbanístico, restando aos Municípios
apenas executar a política urbana, reduzindo completamente o sentido de
autonomia municipal.
A Constituição Paulista (Art. 155), por sua vez, compatível com a
Constituição Federal, pois determina que os Municípios alinhem,no que couber,
seus planos às ações, diretrizes e objetivos dos planos estaduais de ordenação
territorial. Mas prescreve, em seu parágrafo único, que o Estado, no que
couber, compatiblizará os planos estaduais com o plano diretor. Isto demonstra
respeito às competências de cada ente, em função da terminologia, no que
couber.
Na mesma linha, a Constituição gaúcha (art.177), ao determinar que os
Municípios da região metropolitana, além de contemplar os aspectos de
interesse local, deverão compatiblizar suas determinações com as normas de
planejamento metropolitano.
Esta premissa orienta o trabalho desenvolvido e implementado pelos
governos de Minas Gerais e São Paulo em seus planos metropolitanos.
Em 23 de novembro de 2011, durante a III Conferência Metropolitana da
Região de Belo Horizonte, o secretário extraordinário de Gestão Metropolitana,
Alexandre Silveira, afirmou871:
O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) é um documento fundamental e norteador das políticas públicas da Região Metropolitana de Belo Horizonte e, por meio dele, já foram definidas
870
ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.153. 871
“Gestão Metropolitana realiza II Conferência Metropolitana do Vale do Aço”. Reportagem veiculada em <www.folhadocomercio.com.br.Publicada em nov.2011. Acesso em: 17 jul.2013.
422
as prioridades de trabalho para o desenvolvimento da região metropolitana.
Do mesmo modo, em 16 de abril de 2013, o prefeito Fernando Haddad,
ao assumir a presidência do Conselho de Desenvolvimento da Região
Metropolitana de São Paulo, propôs elaborar um plano diretor estratégico para
a região, integrando as diretrizes de desenvolvimento dos 39 municípios. Ao
lançar as bases do projeto, explicou872:
Para pensar em médio e longo prazo a região metropolitana, você precisa ter um plano diretor. A idéia é que a Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano) capitaneie, junto aos secretários de Desenvolvimento Urbano de cada cidade, a compilação dos planos diretores existentes para criar uma visão de futuro da região metropolitana, propôs Haddad. A partir das informações levantadas pela Emplasa, o conselho elaborará um trabalho de planejamento estratégico integrado, apontando soluções conjuntas para questões como mobilidade urbana e saúde pública. [...] Durante a reunião, o prefeito Fernando Haddad anunciou a doação ao Município de Cotia de um terreno de cerca de mil metros quadrados, atualmente pertencente à COHAB. No local, está sediado o maior parque de Cotia. A iniciativa é um exemplo de parceria entre os municípios da região metropolitana. A COHAB possui dezenas de milhões de metros quadrados em outros municípios. Disponibilizar este estoque fundiário seria extremamente benéfico para parques e moradias no entorno de São Paulo, o que iria contribuir com o desenvolvimento da própria capital.
A manifestação do prefeito está alinhada ao nosso pensamento, pois
através da análise dos planos municipais, os órgãos metropolitanos terão
subsídios sobre a realidade local para articularem ações genéricas
considerando as competências municipais.
Por fim, citamos Toshio Mukai873, ao responder a pergunta: os planos
nacionais, estaduais, regionais (inclusive os metropolitanos) obrigatoriamente
devem ser observados pelo Município?
A questão é bastante discutível. Contudo, se admitimos que os planos urbanísticos são parte integrante do direito urbanístico, e sendo este consubstanciado por normas enquadráveis como matéria concorrente dos três níveis de Governo, devemos admitir, também, em princípio, que os planos estaduais e metropolitanos obrigam sua observância (se o Município se dispuser a aprovar seu plano) pelo Município. Entretanto, em caso de conflitos de diretrizes e normas,
872
“Haddad propõe plano diretor integrado para Região Metropolitana”.Reportagem veiculada na Rede Nossa São Paulo. Disponível em: 17 abr.2013. Disponível em: <www.nossasaopaulo.org.br>. Acesso em: 17 jul.2013. 873
MUKAI, Toshio. Direito Urbanístico e Planejamento Municipal. Fórum de Direito Urbano e Ambiental (FDUA) nº15, ano 3, mai-jun, Belo Horizonte, 2004, p.6.
423
sempre que os planos municipais contrariarem aqueles planos, se contiverem assuntos, diretrizes ou normas que contemplem maior repercussão na necessidade local e menor no interesse geral, devem prevalecer sobre os planos nacionais, estaduais ou metropolitanos.
Deste modo, concluímos que o ordenamento jurídico exige por parte dos
municípios a observância dos planos metropolitanos. No entanto, na hipótese
de contrariedade entre os seus conteúdos, o plano municipal deverá ser
respeitado se estivermos diante de interesse local.
6.3.6 Elaboração, aprovação e revisão
Cuidaremos agora do processo legislativo que o Plano Diretor
Metropolitano deverá percorrer em razão de ser considerado uma lei.
Avaliaremos o tipo de lei que veicula as direrizes do plano diretor e a
iniciativa que Constituição Estadual atribui ao plano metropolitano para
conhecermos o quórum de aprovação da lei e as etapas específicas do
processo legislativo. Por fim, verificaremos o grau de participação popular
atribuído pelo ordenamento na elaboração do plano diretor.
Ao examinarmos a Constituição do Estado verificamos o tipo de lei
atribuída para expedir o plano metropolitano. Na ausência de dispositivo
expresso, significa que o legislador atribuiu à espécie normativa a qualidade de
lei ordinária. Caso contrário, diante da previsão expressa, a norma será
complementar. A Constituição do Estado de São Paulo, por exemplo, não
dispôs sobre esta espécie. Apenas por simetria, reproduziu do art. 25, §3º, da
Constituição Federal, ao determinar que a criação de região metropolitana será
por lei complementar.
Em relação à iniciativa do projeto de lei que trata do Plano Diretor
Metropolitano, qual o regime jurídico adotado? Caberá à Constituição Estadual
tratar do assunto.
Como exemplo, no que tange ao Plano Diretor Municipal, a previsão
caberá à Lei Orgânica. Uma vez silente, a doutrina e a jurisprudência não são
unânimes no tratamento da matéria.
Em decisão publicada pelo STF, em 2/4/2002 – por ocasião do
julgamento do Recurso Extraordinário 218.110-6 de São Paulo, relatado pelo
424
Ministro Néri da Silveira, em ADIN contra lei municipal – por unanimidade os
ministros não identificaram normas que atribuíssem ao Chefe do Poder
Executivo Municipal a exclusividade de iniciativa relativa ao planejamento
urbano.
Regina Maria Macedo Nery Ferrari874, José dos Santos Carvalho
Filho875, acompanham o entendimento do STF, acolhendo a tese de iniciativa
geral para o Plano Diretor. Assim, ele será proposto por qualquer membro ou
comissão da Câmara, do Prefeito e por cidadãos (art. 29, XII, da Constituição
Federal).
Mas há julgados que acolhem entendimento contrário, defendido por
José Afonso da Silva876e Luiz Henrique Antunes Alochio877 ao reconhecerem
competência privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal para editar o
Plano Diretor878.
874
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito Municipal. 2.ed. São Paulo: RT, 2005, p.237. 875
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 2.ed.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.271. 876
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.143. 877
ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.129. 878
A seguir vários trechos de julgados defendendo para edição de plano diretor municipal, competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo: ADIN N. 174.103-0/6-00 – SÃO PAULO – VOTO 13.829 –RRBF/CECP. Entretanto, este Tribunal tem reiteradamente decidido que a iniciativa legislativa nestes casos, que envolvem a ocupação e o uso do solo, é de competência exclusiva do prefeito, pois dependem de estudos prévios e técnicos e audiências junto às entidades comunitárias que só o Poder Executivo local, por meio de seus órgãos, está apto a realizar.Sobre o assunto:"Segundo o art. 30, incs. I e VIII, da Magna Carta compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local e, no que couber, promover adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. E, conforme art. 180, II, da Constituição Bandeirante, no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão a participação das entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e soluções dos problemas e projetos que lhes sejam concernentes.Vale dizer, o Município tem competência suplementar para o ordenamento urbano. Contudo, com a edição do ato normativo, o Poder Legislativo invadiu a esfera da competência privativa da Prefeita, não sendo respeitada a harmonia e independência dos Poderes, na medida em que, projeto de lei que trate de matéria relativa ao uso e ocupação do solo, é de iniciativa exclusiva daquela autoridade, a qual possuiu as melhores condições de avaliar a necessidade de alteração do zoneamento, pois dispõe do suporte técnico necessário. É imperiosa a realização de prévio estudo tendente a verificar a pertinência das futuras regras em relação ao local a que serão aplicadas" (ADIn n°. 171.822-0/5-00, rei. Des. Penteado Navarro, julgada em 18/03/2009). Rio Grande do Sul: A iniciativa para apresentação de projeto de Lei visando alteração do Plano Diretor de Maquine foi da Câmara dos Vereadores. No entanto, o Procurador Geral de Justiça questionou a constitucionalidade da lei municipal em relação ao disposto na Constituição Estadual alegando ofensa ao princípio da separação dos poderes, pois compete ao Poder Executivo a iniciativa dos projetos de lei que cuidam de matéria relativa ao Plano Diretor. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS MUNICIPAIS. INSTITUIÇÃO DO PLANO DIRETOR. PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR. REQUISITO CONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE PUBLICIDADE PRÉVIA E ASSEGURAÇAO DA PARTICIPAÇÃO DE ENTIDADES COMUNITÁRIAS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E VIOLAÇÃO FRONTAL AO § 5º DO ART. 177 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL.AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE.Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70017515719Comarca de Porto Alegre PROPONENTE: EXMO SR DR PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA REQUERIDA CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE MAQUINE REQUERIDO: EXMO SR PREFEITO MUNICIPAL DE MAQUINE DECISÃO: 26 DE MARÇO DE 2007
425
E qual o tratamento jurídico dedicado ao Plano Diretor Metropolitano?
No Estado de Minas Gerais, dispõe a Constituição do Estado (art.46, II, §3º, III)
que incumbe ao Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano
provocar a elaboração e aprovar o Plano Diretor Metropolitano e suas
modificações, fiscalizar e controlar sua implantação.
Em São Paulo, a Constituição do Estado não tratou do assunto. Só
identificamos que será o Poder Executivo competente, pela leitura do art. 13 da
Lei Complementar nº 760/1994, c/c Lei nº1.139/2011 (Região Metropolitana de
São Paulo). Segundo a última legislação (art.6º, I) caberá ao Conselho de
Desenvolvimento deliberar sobre planos, projetos, programas, serviços e obras
realizados com recursos financeiros do Fundo de Desenvolvimento da Região
Metropolitana de São Paulo (art.17, §2º) pela autarquia vinculada à Secretaria
de Desenvolvimento Metropolitano. Da combinação entre os dois dispositivos,
verificamos que o governador contará com a proposição do Plano Diretor
Metropolitano pela autarquia e aprovação pelo Conselho de Desenvolvimento
Metropolitano, para na sequência encaminhá-lo à Assembleia Legislativa.
Considerando o modelo paulista, em função da iniciativa exclusiva do
Chefe do Poder Executivo Estadual para deflagrar o processo legislativo do
plano metropolitano, seria possível prever a iniciativa popular?
A Constituição Paulista previu (art.24, §3º) previu a iniciativa popular que
poderá ser exercida por meio da lei ordinária, pela apresentação de projeto de
lei subscrito por, no mínimo, 0,5% do eleitorado do Estado, assegurada sua
defesa por representante dos responsáveis, perante as comissões pelas quais
tramitar.
Acolhemos a possibilidade de atribuir à iniciativa popular o projeto de lei
do plano metropolitano, como prestígio do princípio democrático.
Quanto ao processo de participação popular, durante a elaboração do
Plano Diretor Metropolitano, qual seria o regime jurídico aplicável?
Com relação ao Plano Diretor Municipal (art.2º, II e art.40, §4º do
Estatuto da Cidade) ao elaborar o plano diretor e fiscalizar sua implementação,
os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantem as audiências públicas
e debates com a população e associações representativas dos segmentos da
RELATOR: DES. GUINTHER SPODE
426
comunidade; a publicidade dos documentos e informações e o acesso de
qualquer interessado ao material.
Se o processo legislativo do plano diretor municipal não for conduzido de
forma democrática (art.52, VI, do Estatuto da Cidade) agentes públicos e o
prefeito poderão responder por improbidade administrativa. Trata-se de uma
norma, com relação ao autorizamento, segundo Maria Helena Diniz879, mais
que perfeita. O descumprimento dos comandos legais autoriza a nulidade do
ato, o restabelecimento da situação anterior e a aplicação de pena ao violador.
Com relação aos planos diretores municipais que não observam o
processo democrático, vários foram questionados em âmbito estadual,
caracterizando a inconstitucionalidade da lei face à Constituição do Estado.
Assim tem se manifestado a jurisprudência do Tribunal do Rio Grande do
Sul880.
Ressaltamos que, antes do Estatuto da Cidade (10 de julho de 2001), o
Tribunal do Rio Grande do Sul881 já havia se manifestado argumentando que as
Leis Municipais do Rio Grande do Sul – sobre política urbana, em específico à
elaboração do Plano Diretor – deveriam obedecer à publicidade prévia e a
participação de entidades comunitárias, cuja orientação político-administrativa
foi atribuída pelo art.29, VII, da Constituição Federal e 177 da Constituição
Estadual do Rio Grande do Sul.
No campo metropolitano, em razão da competência suplementar
urbanística do Estado é necessário observar as normas gerais da União (art.
24, I da Constituição Federal). Dispõe o art. 2º ,II,da Lei nº 10.257/2001, que a
política de desenvolvimento urbano deverá ser conduzida de forma
879
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.391. 880
Em 5 de abril de 2004, esse mesmo Tribunal de Justiça julgou por unanimidade inconstitucional a Lei 1.365/99 do Município de Capão da Canoa, Rio Grande do Sul, que estabeleceu normas acerca das edificações e dos loteamentos, alterando o plano diretor, porque não ocorreu a obrigatória participação das entidades comunitárias, legalmente constituídas, na definição do plano diretor e das diretrizes gerais de ocupação do território, conforme exige o art.177, §5°, da Constituição Estadual de 1989.ADIN nº 70005449053. RELATOR ARAKEN DE ASSIS. 881
Esse é o entendimento estabelecido pelas ADINS 70003026564 e 70002576239, procedentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Tanto na primeira ADIN, proposta contra uma lei municipal que instituía o Plano Diretor do Município de Bento Gonçalves, quanto a segunda ADIN, referente ao Plano Diretor do Município de IMBÉ, foi caracterizado vício formal no processo legislativo e na produção de lei
que não respeitaram o § 5 do art. 177 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul que determina que as Leis Municipais do Rio Grande do Sul sobre política urbana devem obedecer à condicionante da publicidade prévia e a garantia da participação de entidades comunitárias, sob pena de ofender ao princípio da Democracia Participativa.
427
democrática por meio da participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade para formular, executar,
e acompanhar planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. Na
sequência, determina o art. 45, que os gestores das regiões metropolitanas e
aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da
população e de associações representativas dos vários segmentos da
comunidade, de modo a garantir o controle direto das atividades e o pleno
exercício da cidadania.
Por serem normas gerais, têm diretrizes vinculantes em relação aos
entes federados que não observadas tornarão nulo ou inconstitucional o ato
administrativo ou lei produzida. Estas são as considerações de Odete
Medauar882:
Desse modo, leis de normas gerais e leis de diretrizes têm alcance igual no tocante ao caráter impositivo e vinculante de seus preceitos, em tese, à legislação dos Estados, Distrito Federal e Municípios [...] O Estatuto da Cidade fornece, então, os parâmetros aos Executivos e Legislativos municipais na elaboração de suas leis e planos urbanísticos. Além do mais, melhor que invocar, a cada passo, a inconstitucionalidade deste ou daquele dispositivo, é buscar a aplicação e efetivação das diretrizes contidas no Estatuto da Cidade, para atenuar os graves problemas acarretados pelo caos urbano.
Ao lado das diretrizes vinculantes do Estatuto da Cidade, a participação
democrática no desenvolvimento urbano decorre da ideia de democracia
(art.1º, parágrafo único da Constituição Federal). Ao lado deste dispositivo,
outros determinam a participação representativa e direta no poder (arts.14 a
17, 34, VII, “a”, 27, 28, 29, XII, 32, § 1º e 2º, 44, parágrafo único e art. 82 da
Constituição Federal). Assim, violar a gestão democrática por parte dos planos
diretores metropolitanos atenta contra os dispositivos constitucionais e pode
ser questionado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN),
(art.102, I, a da Constituição Federal).
Em relação aos diplomas estaduais, o art. 11 da Lei Paulista nº
1.139/2011 determina que o Conselho de Desenvolvimento convocará,
ordinariamente, a cada seis meses, audiências públicas para expor suas
deliberações sobre os estudos e planos em andamento e o uso dos recursos
882
MEDAUAR, Odete. A força vinculante das diretrizes da política urbana. In: Temas de Direito Urbanístico nº 4. Ministério Público de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005, p.23.
428
do Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo, a que se
refere o art. 21 da Lei Complementar.
Por sua vez, dispõe o artigo 15, I, parágrafo único da Lei nº1139/2011
que o Conselho Consultivo encaminhará propopostas para serem deliberadas
pelo Conselho de Desenvolvimento por meio de iniciativa popular, subscrita
por, no mínimo, 0,5% do eleitorado de determinada sub-região metropolitana.
Diante dos instrumentos participação popular no âmbito da gestão
democrática metropolitana, questionamos: é possível aplicar as mesmas
consequências jurídicas previstas para o plano diretor municipal, no que tange
a participação popular, ao plano diretor metropolitano?
Neste caso, estamos diante de normas perfeitas, conforme explica Maria
Helena Diniz883, cuja violação apenas autoriza a declarar nulidade do ato ou a
possibilidade de anular ato praticado contra sua disposição, mas não será
cabível pena ao violador.
Será possível questionar o Plano Diretor Metropolitano (lei estadual),
face à Constituição Federal, por desrespeito aos preceitos de gestão
democrática das cidades, por meio de ação direta de inconstitucionalidade (art.
102, I, “a”, da Constituição Federal).
Por fim, a realidade urbana é mutável, precisa adequar-se às
transformações físicas, sociais, econômicas. Isto contribui com a necessidade
de alteração e revisão do plano diretor.
Determina o Estatuto da Cidade (art.40, §3º), que a lei instituidora do
plano diretor deverá ser revista, ao menos, a cada dez anos. Na hipótese da
revisão não ocorrer, o legislador previu (art. 52, VII) sanções de improbidade
que deverão ser aplicadas aos agentes públicos envolvidos e ao prefeito, mas
não pode ser aplicada ao Plano Diretor Metropolitano em razão do princípio da
legalidade.
Luiz Henrique Antunes Alochio884 entende o processo de revisão do
plano “uma reapreciação global das disposições do plano com vista a actualizá-
lo devido à alteração das circunstâncias que nortearam a sua elaboração”.
883
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.392. 884
ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.232.
429
Assim, como poderíamos prever os prazos de revisão do plano
metropolitano? As Constituições e Leis Estaduais complementares
responsáveis pela criação (art.25, §3º da Constituição Federal) deverão fixar
prazos para a revisão dos planos diretores metropolitanos, mas ao consultá-las
ainda não os detectamos.
Visualizamos prazos de vigência dos planos quando se referem aos
resíduos sólidos, matéria regulamentada por lei federal, que poderá integrar o
conteúdo do plano metropolitano.
Segundo a Lei Federal nº 12.305/2010, art.17, o plano estadual de
resíduos sólidos será elaborado para vigência por prazo indeterminado,
abrangendo todo o território do Estado, para atuação em 20 anos e revisões a
cada quatro.
Por enquanto, a falta de previsão específica em relação aos prazos de
revisão não causam sérias consequências, em razão de alguns deles não
tratarem especificamente de matérias concretas, que afetam o ordenamento
territorial dos municípios da região metropolitana. Se isto ocorrer, será
necessário determiná-los, sob pena de comprometer o licenciamento de
indústrias, comércio e outras atividades, em razão das normas estaduais
metropolitanas. Se o plano não atender à realidade prática, em face das suas
constantes transformações, como agir se não houver prazo para a sua revisão,
conforme o Estatuto da Cidade?
Por analogia, poderemos eventualmente utilizar o prazo de 10 anos
concebido para o plano diretor municipal, por reunir normas gerais que os
Estados, ao elaborarem e implementarem seus planos metropolitanos, deverão
obedecer.
Luiz Henrique Antunes Alochio885 ao refletir sobre a revisão do plano
diretor entende que após o prazo de vigência do plano, se não houver
alteração, ele deixará de produzir efeitos.
885
ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.267.
430
6.3.7 Abrangência
Identificaremos agora os limites territoriais alcançados pelo Plano Diretor
Metropolitano e as áreas compreendidas pelas normas jurídicas deste
instrumento jurídico.
Inicialmente avaliaremos a aplicação das diretrizes do plano
metropolitano em relação às zonas urbanas e rurais dos municípios
conurbados. Em seguida, apuraremos se o ordenamento jurídico autoriza o
plano metropolitano a definir zonas específicas para a atuação das normas
jurídicas, criar áreas de expansão metropolitana ou núcleos metropolitanos,
formados pelo agrupamento de municípios conurbados em razão das
características de cada conjunto de entidade local circunvizinha. Poderá o
plano metropolitano definir áreas diferentes do zoneamento municipal para
incidir suas normas jurídicas em razão das peculiaridades dos municípios
limítrofes, que participam da Região Metropolitana?
Em termos de abrangência, o plano diretor municipal (art.40, §2º do
Estatuto da Cidade), deverá englobar o território do Município como um todo;
vincula a aplicação do dispositivo à diretriz do art. 2º, VII, que determina a
integração e a complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo
em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob
sua área de influência. A doutrina e a jurisprudência discutem então se o Plano
Diretor deverá disciplinar as áreas urbanas e rurais ou apenas as urbanas. É
uma reflexão sobre os limites territoriais de abragência do plano municipal, que
por sua vez, envolve o estudo das competências constitucionais de cada ente
federado.
Por outro lado, advém do fenômeno da conurbação urbana, um
processo que possibilita o crescimento das cidades além dos limites territoriais
do município no qual estão contidas.
Neste processo há sempre um núcleo urbano principal que tem
influência econômica e social em relação aos núcleos urbanos das cidades
vizinhas, que estão em outros municípios. A interdependência entre os núcleos
urbanos em grau elevado forma um único aglomerado com relações mútuas,
431
denominado conurbação. Trata-se886de uma cidade e seus subúrbios (ou
cidades reunidas) que formam uma sequência, sem se confundirem.
Michel Temer887 e Regina Maria Macedo Nery Ferrari888 entendem que a
conurbação faz desaparecer faixas que limitam as cidades, contribuindo para o
isolamento de uma em relação a outra, acarretando sobreposição das áreas
contíguas e o desaparecimento das áreas rurais entre as cidades que
estabelecem entre si relações de polarização econômica.
Os Estados-membros (art.25, §3º, da Constituição Federal) ao
instituírem as Regiões Metropolitanas fixam como limites territoriais da Região
metropolitana os municípios limítrofes, que sofreram a junção das cidades em
torno de vários municípios, como ocorreu com a Região Metropolitana de São
Paulo889.
Ao delimitarmos o âmbito de aplicação do Plano Diretor Metropolitano,
indagamos se apenas as zonas urbanas, responsáveis pela conurbação serão
disciplinadas ou se as conurbações abrangerão as zonas rurais. Como será
possível abranger as zonas rurais se o fenômeno da conurbação extingue
estas áreas e unifica os limites urbanos dos municípios limítrofes? Se o Plano
Metropolitano abranger as zonas rurais, poderá o Estado disciplinar as
atividades desta área, conforme a Constituição Federal?
Há duas posições doutrinárias baseadas no art. 40, § 2º c/c art. 2º, VII
do Estatuto da Cidade. Alguns defendem que o plano diretor só deva disciplinar
a área urbana, pois as áreas rurais são de competência da União, que detém
(art.22, I, c/c 184 e 187, da Constituição Federal) exclusividade na disciplina do
direito civil e agrário. Assim argumenta Toshio Mukai890, pela
inconstitucionalidade do art. 40, §2º, do Estatuto da Cidade em face do art.
182, §1º e §2º, da Constituição Federal. Segundo ele, os dispositivos referem-
886
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.470. 887
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.114. 888
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito Municipal. 2.ed. São Paulo: RT, 2005, p.93. 889
Lei Complementar nº 1.139/2011 art. 3º, §1º Art. 3º § 1º – Ficam mantidos os atuais limites territoriais da Região Metropolitana de São Paulo, composta pelos seguintes Municípios: Arujá, Barueri, Biritiba–Mirim, Caieiras, Cajamar, Carapicuíba, Cotia, Diadema, Embu, Embu-Guaçu, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Guararema, Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itapevi, Itaquaquecetuba, Jandira, Juquitiba, Mairiporã, Mauá, Mogi das Cruzes, Osasco, Pirapora do Bom Jesus, Poá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Salesópolis, Santa Isabel, Santana de Parnaíba, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, São Lourenço da Serra, São Paulo, Suzano, Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista. 890
MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.134.
432
se apenas aos aspectos urbanos da disciplina das cidades, pois determinam
que a política de desenvolvimento urbano tem como objetivo ordenar funções
sociais da cidade. O plano diretor é portanto um instrumento básico da política
de desenvolvimento e de expansão urbana. Conclui afirmando que o plano
diretor municipal deverá abranger até a área de expansão urbana sem alcançar
a zona rural, sob pena de usurpar competência da União.
Por outro lado, há quem entenda ser constitucional o art. 40, §2º do
Estatuto da Cidade, se interpretado à luz da divisão constitucional de
competências. É o posicionamento de Jacintho Arruda Câmara891, José Afonso
da Silva892, Hely Lopes Meirelles893, Nelson Saule Júnior894 e Carlos Ari
Sundfeld895 ao qual acolhemos. Todos partem de uma visão global, integrada,
entre os vários setores da política urbana, que se relacionam com aspectos
ambientais e rurais. Entendem que a Constituição Federal aborda em capítulos
apartados a política urbana (arts. 182 e 183) da política agrária e fundiária
(arts. 184-191), o que demonstra ser o direito agrário um limite ao direito
urbanístico.
José Afonso da Silva896, Hely Lopes Meirelles897 e o Estatuto da Cidade
(art.42-B) entendem que a delimitação do perímetro urbano é de competência
do Município. Assim, caberá ao Plano Diretor ou lei municipal estabelecer
requisitos que darão à área condição urbana ou urbanizável. Posteriormente
uma lei específica irá delimitá-la.
A Lei nº 12.608/2012 introduziu o art.42-B no Capítulo III do Estatuto da
Cidade dispondo sobre diretrizes a todos os municípios que pretenderem
ampliar seu perímetro urbano.
Mas o plano diretor não deverá desconsiderar as influências das zonas
rurais sobre as urbanas, integrando as duas disciplinas. Há vários exemplos no
ordenamento jurídico demonstrando a integração entre as áreas rurais e
891
CÂMARA, Jacintho Arruda. Plano Diretor. In: (Coord.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio.Estatuto da Cidade (Comentários à Lei 10257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.325. 892
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.137. 893
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.509. 894
SAULE JÚNIOR, Nelson.Plano Diretor.In: (Org.) MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.267. 895
SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.49. 896
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.241. 897
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.516.
433
urbanas. Citemos a atuação indireta do Município sobre a disciplina da zona
rural, por exemplo, quando diante de um imóvel rural que tenha perdido suas
características de exploração agrícola, extrativa, pecuária ou agroindustrial
(como nos caso das chácaras de recreio) e pretendam sofrer a incidência da
Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano nº 6.766/1979. Neste caso,
deverá obedecer ao disposto no art. 53, que determina prévia audiência do
Incra e aprovação da prefeitura para alterar uso do solo rural para fins urbanos,
além de obrigatoriamente, ser incluído, por lei municipal, em zona de expansão
urbana898. Assim entende o acórdão do TJ/SP do Município de Itatiba, julgado
em 29/6/2011899.
Hely Lopes Meirelles900 defende que a ação urbanística do Município é
plena na área urbana e restrita na área rural. Desta forma, será permitido ao
Município intervir excepcionalmente na zona rural apenas para coibir
empreendimentos ou condutas prejudiciais à coletividade urbana, preservar
recursos ambientais e disciplinar sua proteção para viabilizar o
desenvolvimento da cidade.
Se o Município não tratar no plano diretor da interface entre as áreas
urbanas e rurais, haverá uma inconstitucionalidade, segundo Nelson Saule
Júnior901.
Agora que verificamos os limites da competência do município quanto às
áreas rurais, refletiremos sobre a atuação do Estado em relação à abrangência
do Plano Diretor Metropolitano. A Região Metropolitana, ao ser instituída em
função do fenômeno da conurbação, cria entre os seus municípios limítrofes
uma nova configuração territorial, que por sua vez, exige definição de
zoneamento para o uso e a ocupação do solo.
898
MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental.3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.149. 899
VOTO Nº 4.256–APELAÇÃO COM REVISÃO Nº 9153800-90.2003.8.26.0000 ITATIBA APELANTE: CLUBE DE CAMPO FAZENDA APELADA: PREFEITURA MUNICIPAL DE ITATIBA Juiz de 1ª Instância: Esaú Messias dos Santos CONSTITUCIONAL E DIREITO URBANÍSTICO MANDADO DE SEGURANÇA LOTEAMENTO IMÓVEL SITUADO NA ZONA RURAL REGULARIZAÇÃO MATÉRIA DE COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO.1. As normas gerais sobre direito urbanístico, notadamente as que versem sobre parcelamento do solo, são aplicáveis tanto aos imóveis localizados em zona urbana quanto em zona rural. 2. Compete ao Município promover adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, CF). 3 Inexistência de direito adquirido frente ao poder de polícia do Estado. Ausência de direito líquido e certo. Segurança denegada. Sentença mantida. Recurso desprovido. 900
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.509. 901
SAULE JÚNIOR, Nelson.Plano Diretor.In: (Org.) MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.267.
434
Determina o art. 1º, §1º da Lei Complementar nº 1.139/2011 que os
limites territoriais da Região Metropolitana de São Paulo são formados pelos
municípios arrolados neste artigo902. Ainda que a doutrina afirme que a
conurbação urbana entre os municípios da Região Metropolitana elimine as
zonas rurais entre os limites municipais, constatamos que isto não ocorre.
Os Municípios que compõem as regiões metropolitanas incluem suas
zonas rurais e urbanas na nova configuração territorial metropolitana e
contribuem para formar outros contornos de uso e ocupação do solo,
originários dos municípios limítrofes unificados. Por sua vez, os novos limites
territoriais formam diferentes áreas regionais (com áreas urbanas e rurais)
distintas de suas áreas rurais e urbanas, definidas no território municipal
isolado903:
a região metropolitana de São Paulo apresenta conurbação contínua mais evidente que as outras regiões e o vísivel complexo de pólos de concentração de atividades terciárias. Nesta região, as indústrias se concentram no entorno das rodovias e em pólos industriais institucionalizados em alguns municípios. O cinturão verde coincide com os limites da região metropolitana e é usado como reserva natural, para o turismo e para o lazer, ou para captação de água potável e rarefeitas atividades primárias, como o plantio de hortaliças. (grifos nossos) .
Os municípios poderão ordenar por meio de seus planos diretores as
zonas urbana e rural de seus espaços habitáveis. Examinaremos a viabilidade
jurídica dos planos metropolitanos disciplinarem as zonas rurais e urbanas dos
municípios conurbados.
Observamos que suas normas jurídicas disciplinam questões
envolvendo áreas rurais e urbanas dos municípios limítrofes. Basta
analisarmos a Lei nº 13.798/2009 que cuida da Política de Mudanças
902
Art. 1º – A Região Metropolitana da Grande São Paulo fica reorganizada como unidade regional do território estadual, nos termos do art. 25, § 3º, da Constituição Federal, dos arts. 152 a 158 da Constituição Estadual e, no que couber, da Lei Complementar nº 760, de 1º de agosto de 1994, bem como na forma estabelecida por esta lei complementar. § 1º – Ficam mantidos os atuais limites territoriais da Região Metropolitana de São Paulo, composta pelos seguintes Municípios: Arujá, Barueri, Biritiba-Mirim, Caieiras, Cajamar, Carapicuíba, Cotia, Diadema, Embu, Embu-Guaçu, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Guararema, Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itapevi, Itaquaquecetuba, Jandira, Juquitiba, Mairiporã, Mauá, Mogi das Cruzes, Osasco, Pirapora do Bom Jesus, Poá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Salesópolis, Santa Isabel, Santana de Parnaíba, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, São Lourenço da Serra, São Paulo, Suzano, Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista. § 2º – Integrarão a Região Metropolitana de São Paulo os Municípios que vierem a ser criados em decorrência de desmembramento, incorporação ou fusão dos Municípios indicados no § 1º deste artigo. 903
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo. Publicado em jun.2008, p.47.
435
Climáticas do Estado de São Paulo. O art.10, IV, por exemplo, determina a
utilização de medidas de atuação na disciplina do uso do solo urbano e rural
para ordenar a agricultura e as atividades extrativas, adaptar a produção a
novos padrões de clima e disponibilidade hídrica, diversificar a produção para
garantir o suprimento, conter a desertificação, utilizar áreas degradadas sem
comprometer ecossistemas naturais, controlar queimadas e incêndios, prevenir
a formação de erosões, proteger nascentes e fragmentos florestais e recompor
corredores de biodiversidade. A utilização de medidas para prevenir danos ao
clima e eliminar o efeito estufa abrange áreas rurais e urbanas dos municípios,
que serão tratadas pelo Estado em âmbito metropolitano.
Em razão da abrangência do plano metropolitano nas áreas urbanas e
rurais de cada município conurbado, questionamos se o Estado ao elaborá-lo
deveria respeitar os limites de zona rural e urbana fixadas pelo Município ou se
poderia criar um zoneamento específico, como por exemplo, núcleos
metropolitanos ou área de expansão metropolitana. Poderia o Estado, ao tratar
do interesse metropolitano, modificar ou alterar a qualificação urbanística do
solo para aplicar o Plano Diretor Metropolitano?
Considerando o exercício de competência legislativa urbanística
Estadual nas regiões metropolitanas, podemos dizer que o interesse local sofre
condicionamentos ao integrar as Regiões Metropolitanas permitindo criar
zoneamento específico para a abrangência do Plano Diretor Metropolitano,
uma vez que a predominância do interesse local é menor nos municípios
metropolitanos904.
Adotamos a corrente ampliativa para incrementar a competência
urbanística dos Estados-membros, apenas quando estivermos diante do
interesse metropolitano. No entanto, não concordamos com a amplitude
atribuída pela doutrina à atuação do Estado ao disciplinar os espaços
habitáveis nas regiões metropolitanas. Acolhemos a corrente defendida por
Rafael Augusto Silva Domingues de forma moderada pela qual o Estado-
membrodeve respeitar o núcleo essencial, intangível das competências
urbanísticas municipais (art. 30, VIII e 182, §1º, da Constituição Federal).
904
NETO, João Luiz Teixeira. O peculiar interesse municipal. Cadernos de Direito Municipal (RDP)nº64, out-dez, São Paulo: RT,1982, p.212.
436
Se necessário, para disciplinar e abranger as áreas submetidas ao Plano
Diretor Metropolitano, o Estado poderá criar áreas metropolitanas, abarcando
zonas urbanas e rurais dos municípios limítrofes integrantes da região, através
de classificações genéricas, agrupando municípios com características e
peculiaridades comuns que serão melhor atendidas por normas especiais.
O fato foi bem observado pela legislação catarinense (Lei Complementar
Estadual nº495 de 2010) que instituiu as Regiões Metropolitanas de
Florianópolis, do Vale do Itajaí, do Norte/Nordeste Catarinense, de Lages, da
Foz do Rio Itajaí, Carbonífera e de Tubarão.
De acordo com o art. 2º da Lei, as Regiões Metropolitanas previstas no
diploma serão compostas por um núcleo metropolitano e uma área de
expansão metropolitana, que tem como sede, respectivamente, os municípios
de Florianópolis, Blumenau, Joinville, Itajaí, Criciúma e Tubarão.
Segundo o art.3º, serão incluídos no núcleo metropolitano os municípios
que atendam, alternativamente, ao art. 6º, II, III ou IV, da Lei Complementar nº
104, de 1994 (significativa conurbação), nítida polarização, com funções
urbanas e regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração
socioeconômica.
Determina ainda o art.4º que estão incluídas na área de expansão
metropolitana de Florianópolis, do Vale do Itajaí, do Norte/Nordeste
Catarinense, da Foz do Rio Itajaí, Carbonífera e de Tubarão, os municípios que
dependam de utilização de equipamentos públicos e serviços especializados
do núcleo metropolitano, com implicação no desenvolvimento da região (I); e
apresentem perspectiva de desenvolvimento integrado, por meio de
complementaridade de funções (II).
A reunião dos municípios limítrofes poderá gerar novos usos e
zoneamentos do solo, que atuem em perspectiva metropolitana.
6.4 Plano Diretor Metropolitano e direito intertemporal
Em razão do frequente crescimento das cidades, gerando conurbações
urbanas, e a necessidade de adequação constante dos novos usos e formas
de ocupar o solo às necessidades da população, são impostas revisões e
adequações das legislações urbanas, que alteram os critérios de uso e
437
ocupação do solo urbano. Determinada zona na qual era permitida localizar
estações de tratamentos de resíduos sólidos (nos termos da lei) do ponto de
vista fático, pode começar a ser inapropriada para estas finalidades, em razão
do surgimento de estabelecimentos comerciais, lojas ou restaurantes em seu
entorno.
Hely Lopes Meirelles905 observa que a mudança de destinação de um
bairro ou de uma rua produz grandes alterações econômicas e sociais,
valorizando ou desvalorizando substancialmente as propriedades atingidas, em
razão das suas novas características. Assim, alterar o zoneamento
constantemente ofende direitos adquiridos. O mesmo podemos afirmar em
relação às alterações das formas de ocupação do solo de áreas de ocupação
dirigida, subárea de ocupação urbana consolidada (art.21, II da Lei nº
13.579/2009906).
As modificações das leis urbanísticas, sobretudo, com relação ao
zoneamento e ocupação do solo, impõem aos habitantes das regiões
metropolitanas novas regras que, por vezes, modificam o regime jurídico do
plano que até então vigorava. Instaura-se uma situação de aparente colisão
entre a necessidade de alterar leis para melhor satisfazer o interesse público e
proteger a segurança jurídica (art.5º, XXXVI907 da Constituição Federal). Por
força da segurança jurídica, um princípio de direito, há garantia de
previsibilidade e estabilidade das relações jurídicas, reduzindo
significativamente os impactos aos direitos de quem sofrerá os ajustes
decorrentes das modificações legislativas. Segundo Márcio Cammarosano908:
Destarte, previsibilidade e permanência de efeitos jurídicos, direitos e obrigações e alterabilidade da ordem normativa, de sorte a conferir segurança jurídica de um lado, e atendimento às necessidades supervenientes de adequação do direito às transformações sociais de outro, convivem em estado, digamos assim, de permanente tensão, a reclamar mecanismos de harmonização.
905
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.524. 906
Lei 13579/2009– Define a Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings – APRM-B. Art. 21 – Para efeito desta lei, as AOD compreendem as seguintes subáreas: II– Subárea de Ocupação Urbana Consolidada – SUC: área com ocupação urbana irreversível e servidas parcialmente por infraestrutura, inclusive de saneamento ambiental e serviços urbanos. 907
BRASIL. Constituição Federal. (1988) Art.5º, XXXVI–a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; 908
A proteção constitucional do direito adquirido, p. 276 in Soluções Constitucionais
438
Diante da aparente colisão entre a segurança jurídica das relações e as
alterações que poderão sofrer pelas normas jurídicas, relações jurídicas serão
formadas sob a égide da lei modificada, cujos efeitos perdurarão durante a
vigência da lei posterior. O desafio do jurista é definir critérios jurídicos para
pacificar os problemas decorrentes do direito intertemporal, isto é, situações
surgidas em função de um regime jurídico cujos efeitos permanecem para
serem disciplinados pela lei nova.
O tratamento da matéria é permanentemente discutido por ocasião das
sucessivas alterações dos planos diretores municipais e leis urbanísticas locais
justamente por disciplinarem matérias relacionadas à intervenção direta do
Estado na propriedade, dispondo, por exemplo, sobre localização e normas de
edificação.
Já verificamos que os planos metropolitanos, em regra, dispõem sobre
diretrizes gerais em termos urbanísticos e ambientais, por respeitar os limites
da competência do plano diretor municipal. Ainda que o ordenamento jurídico
admita (Lei nº 13.579/2009909, arts. 20 e 28; Lei 13.798/2009910, art.10) a
fixação de índices ambientais com reflexo na disciplina de uso e ocupação do
solo urbano, pelo plano metropolitano, as medidas são genéricas e influenciam
substancialmente as normas dos planos diretores municipais. Neste caso,
citamos respectivamente a definição dos lotes mínimos e coeficientes de
aproveitamento nas áreas de ocupação dirigida a áreas de mananciais da
Billings, bem como a determinação dos coeficientes de permeabilidade do solo
usado para contenção de ilhas de calor em áreas metropolitanas adensadas.
Assim, o plano metropolitano indiretamente poderá intervir em situações
que modificam a situação econômica de um proprietário. Neste caso, o
particular poderá ser obrigado a alterar a localização de sua indústria em razão
das novas normas instituídas pelo plano metropolitano superveniente, observar
novos coeficientes de aproveitamento em áreas de mananciais ou submeter-se
a novos índices de cobertura vegetal para construir edificações, distintos da
norma anterior.
Em suma, pelo fato do Plano Diretor Metropolitano disciplinar
genericamente as condições ambientais que fornecem subsídios para compor
909
Define Área de Proteção da Recuperação de Mananciais da Bacia Billings. 910
Política Estadual de Mudanças Climáticas.
439
o uso e a ocupação do solo e zoneamento urbano municipal, suas
qualificações influenciarão as normas feitas pelos municípios, quanto ao
zoneamento local. A mesma situação poderá ser estendida ao local da estação
de tratamento de resíduos sólidos. Assim, é necessário estudarmos o
fenômeno da colisão entre as normas do plano metropolitano anterior e do
novo para identificarmos os critérios de solução referentes às situações
constituídas durante o antigo plano, que permanecem em desacordo com o
atual plano metropolitano. Ainda que o conteúdo do plano metropolitano seja
genérico, os padrões fixados orientam o planejamento municipal. Daí a
necessidade de investigarmos os aspectos do direito intertemporal, que serão
executados pelo Município.
Examinaremos o momento em que a norma passa a vigorar, as
situações jurídicas que a lei deverá regular, o que implicará na construção da
noção de direito adquirido, inteiramente relacionada com a segurança jurídica.
A partir da noção de direito adquirido, refletiremos sobre as relações jurídicas
protegidas pelo novo plano diretor constituídas sob a regência do plano
anterior.
Segundo o art.6º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (Lei nº
12.376/2010), a lei em vigor terá efeito imediato e geral, devendo ser aplicada
para as novas relações jurídicas.
Em razão da edição de novas leis, determina (art.2º §1º) que a posterior
revoga a anterior quando expressamente o declare, seja com ela incompatível
ou regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Assim, conflitos
jurídicos surgirão em função dos diferentes regimes jurídicos formados antes e
depois da vigência da nova lei.
A nova lei só vigora para o futuro ou regula situações anteriormente
constituídas? Em certos casos, a lei nova traz em seu conteúdo normas de
disposição transitórias, que por vezes, admitem, excepcionalmente, aplicar a
nova lei para situações passadas (retroatividade da lei). Salvo hipóteses
expressas e excepcionais, em regra as normas só regulamentam
comportamentos futuros, em nome do princípio da segurança jurídica911.
911
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.404.
440
Contudo, caso seja possível aplicar leis retroativamente, alcançando
eventos pretéritos, quais as balizas do ordenamento jurídico para proteger a
estabillidade das relações jurídicas e promover a segurança jurídica? O art. 5º,
XXXVI da Constituição Federal e o art. 6º, §1º, §2º, §3º, da Lei de Introdução
ao Direito Brasileiro tratam do assunto.
Ao reuni-los, interpretamos que estando em vigor a nova lei,
imediatamente deverá ser aplicada e disciplinará os atos e fatos jurídicos
formados a partir de sua edição. No entanto, na hipótese de se admitir os
efeitos retroativos pela própria previsão legal, deverá respeitar o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Para o nosso caso,
interessam o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.
Por outro lado, é possível afirmar, tal como José Afonso da Silva912 e
Celso Antônio Bandeira de Mello, que o direito adquirido além de servir de
limite para o fenômeno da retroatividade das leis, também serve como
parâmetro para aplicar os efeitos imediatos das leis às situações jurídicas
regradas.
Estas conclusões são o resultado da distinção feita por Celso Antônio
Bandeira de Mello913entre afacta praeterita, facta futura e facta pendentia. O
direito adquirido só abrange a categoria da facta pendentia, por envolver
situações anteriores à nova lei, mas cujos efeitos continuam durante a vigência
da nova lei. Não se confunde com a facta praeterita, eventos constituídos e
consumados antes do vigor da nova lei e nem mesmo com o facta futura, que
engloba as relações jurídicas formadas pelo império da nova lei.
Celso Antônio Bandeira de Mello914 qualifica como sendo a função do
direito adquirido permitir que situações jurídicas constituídas sob a égide da lei
anterior permaneçam protegidas pela lei antiga, ainda que produzam efeitos
sob o império da nova lei.
912
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.296. 913
MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Direito Adquirido e Direito Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público nº 44. São Paulo:Malheiros, 2003, p.8.: “Deveras, não há confundir os facta praeterita, ocorridos e vencidos ante diem legis, com os facta futura, sucedidos ex die legis, nem com os facta pendentia, surgidos ante diem legis, mas cujos efeitos se perlongam e se processam durante o império da lei superveniente. É precisamente com relação a estes últimos que se põem as questões delicadas de direito intertemporal.” 914
MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Direito Adquirido e Direito Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público nº 44. São Paulo:Malheiros, 2003.
441
Entretanto, adverte o jurista915 que é preciso atentarmos ao fato de que
nem todos os direitos nascidos no passado, que permanecem com a produção
de efeitos sob o vigor da nova lei, são considerados adquiridos e, portanto,
imunizados pela lei antiga. Diante disto, precisamos compreender o sentido
efetivo de direito adquirido.
Por força do art. 6º, §2º, da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro,
reputa-se direito adquirido aqueles que o seu titular, ou alguém por ele, exerça
como aqueles cujo começo do exercício tenha termo fixado ou condição
estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. Segundo Maria Helena Diniz916 “o
direito adquirido é aquele que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e
à personalidade de seu titular”.
Para José Afonso da Silva917 direito adquirido é aquele integrado ao
patrimônio do titular, mas não exercido. Com ele não se confunde o ato jurídico
perfeito (art.6º, §1º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro), ato consumado
segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
Para verificarmos como serão solucionados os conflitos intertemporais
decorrentes das situações jurídicas formadas durante a vigência do plano
metropolitano anterior, e que mantém seus efeitos sob a regência do Plano
Diretor Metropolitano superveniente, a tarefa do jurista será identificar as
hipóteses em que estamos diante de direitos adquiridos, expectativas de
direitos ou ato jurídico perfeito, no âmbito das relações jurídicas no campo do
zoneamento, uso e ocupação do solo metropolitano.
Suponhamos que certo empresário adquiriu determinado lote em área
urbana isento de padrões de exigência de cobertura vegetal de acordo com o
Plano Metropolitano em vigor. Na sequência, outro plano passa a vigorar,
exigindo padrões de cobertura vegetal e o plantio de espécies de árvores
adequadas à redução das ilhas de calor urbanas, com o objetivo de evitar o
efeito estufa. Quais as consequências jurídicas que o empresário poderá
experimentar? O mesmo raciocínio poderá ser estendido para o caso de certo
proprietário de uma unidade de tratamento de resíduos sólidos localizada em
915
MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Direito Adquirido e Direito Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público nº 44. São Paulo:Malheiros, 2003, p.9. 916
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.404. 917
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.300.
442
uma área da região metropolitana, favorável para seu funcionamento e que, em
virtude de modificações da dinâmica da cidade, passa a ser inadequada para a
instalação e o funcionamento pelo plano metropolitano superveniente?
A resposta dependerá da análise conjugada de duas hipóteses
relacionadas entre si. O primeiro aspecto deverá considerar as diferentes
consequências que o ordenamento jurídico atribui ao uso do solo ou de
edificação e para a ocupação ou edificação do solo. De acordo com José
Afonso da Silva918o zoneamento de uso diz respeito ao direito que todos têm
de atuar, suscetível de deslocamento no espaço, dinâmico, pois caso o uso
não seja permitido por norma posterior, mais facilmente o imóvel poderá se
adequar ao novo uso, em razão de sua troca de local de funcionamento. Não
há uma ameaça plena ao padrão estabelecido pelo uso do bem.
Por outro lado, quando estamos diante de ocupação e da edificação de
imóvel, a propriedade é estática e localizada em determinado padrão.
A edificação construída em desacordo às diretrizes da atual legislação,
não é facilmente resolvida por simples transferência de sua localização. É difícil
adequá-la aos padrões corretos, portanto, o imóvel incompatível deverá ser
demolido 919:
O uso refere-se ao direito que todos tem de atuar, que é um direito mais passível de controle, mais fácil de deslocar no espaço e menos suscetível de reação quando restringido em relação a seu exercício em determinados lugares (zonas de uso), porque nisso não se vê ameaça alguma a padrões tradicionais estabelecidos. Já o assentamento urbano conflui com o direito de propriedade imobiliária, de natureza nitidamente estática e localizada; mexer com ele é eriçar um conjunto de normas de Direito tradicionalista e de garantias seculares, que logo provocam reações, porquanto se teme que se comece a minar aqueles padrões estabelecidos. Além disso, o assentamento urbano é indeslocável; não se transfere uma edificação desconforme de um modelo de assentamento para outro em que seja conforme, como é possível fazer com um uso desconforme, deslocando-o para uma zona de uso em que ele seja conforme, admissível.
Inicialmente precisamos distinguir os seguintes conceitos: situação
jurídica tolerável, direito adquirido, interesse jurídico, expectativa de direito e
direito consumado (ato jurídico perfeito). Desta forma, indicaremos a
qualificação de cada situação jurídica em função de cada hipótese referente ao
zoneamento de uso e padrões de ocupação e edificação. As consequências
918
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.297. 919
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.297.
443
jurídicas serão distintas em se tratando de modificação de uso e alteração de
padrões de ocupação do solo.
Poderemos inicialmente supor que certo empresário deseje estabelecer
sua unidade de tratamento de resíduos sólidos ou de disposição final de
rejeitos em zona favorável. Quais as hipóteses passíveis de proteção jurídica
no caso de lei superveniente modificar os padrões de uso de determinada
zona?
Caso este empresário apenas revele o interesse em estabelecer-se na
zona favorável de uso para estabelecimentos destinados ao tratamento de
resíduos sólidos, mas não toma qualquer iniciativa para viabilizar seu projeto,
não estaremos diante de direito protegido, mas apenas de um simples
interesse.
Mas se esse mesmo empresário resolver adquirir o terreno ou
estabelecimento, a partir do plano metropolitano em vigor, justamente por
autorizar o uso pretendido e modificar os padrões de uso favorável, ainda
assim não estaremos diante de direitos protegidos, mas apenas de interesse
legítimo.
Por sua vez, haverá expectativa de direito, se na hipótese anterior, ao
adquirir o imóvel com uso previsto no plano, o empresário solicitar junto aos
órgãos públicos o certificado de uso permitido.
Quando então estaremos diante de direito adquirido (o empresário terá
direito de instalar-se efetivamente ou continuar o uso) estabelecido pelo plano
metropolitano revogado?
Quanto ao uso, precisamos verificar se nos referimos ao uso inicial ou
continuidade em função de situação anterior constituída que permanece nos
termos na nova lei.
Na primeira hipótese, o empresário pretenderá iniciar o exercício do uso,
após a compra do terreno ou edificação e imediatamente será surpreendido
pela lei superveniente que modificará os padrões em razão de índices
específicos de cobertura vegetal, até então inexistentes. Neste caso, o
ordenamento jurídico só irá viabilizar a proteção do uso permitido pelo plano
como direito adquirido, quando o interessado instalar-se efetivamente com o
alvará de funcionamento. Só a partir deste momento é que falaremos em
444
integração dos direitos no patrimônio do particular, tornando-se exigível por
meio do Poder Judiciário, que o uso e o gozo sejam impedidos.
Por outro lado, o proprietário do estabelecimento de tratamento de
resíduos sólidos só terá o direito de continuar o uso, em relação ao plano
metropolitano superveniente (que o veda) se tiver adquirido o direito de renovar
o alvará de funcionamento e localização antes da superveniência da lei nova
proibitiva. E quando estaremos diante deste direito? Sabemos que os usos
industriais, comerciais ou para funcionamento de estação de tratamento de
resíduos sólidos, ao contrário dos usos residenciais, são monitorados por meio
de licenças de funcionamento e instalação renováveis, de acordo com o prazo
legal. A renovação das licenças são formas de controle dos padrões de
emissão de gases ou condicionamentos resultantes de eventuais
transformações da atividade que serão alteradas causando impactos na região
onde estão instalados. O direito à renovação existirá enquanto as condições de
uso estiverem em conformidade às determinações legais para o local. Quando
estiver desconforme, por superveniência de lei modificadora do zoneamento,
será tolerado pelas disposições transitórias de lei ou protegido como direito
adquirido enquanto perdurar a vigência da licença de localização e
funcionamento, que é periódica.
Adverte José Afonso da Silva920que a licença não tem obrigação de
permanecer enquanto o seu prazo não expirar. O Poder Público municipal, em
função do novo Plano Diretor Metropolitano, poderá considerar a caducidade
da licença por entendê-la incompatível como novo zoneamento em razão do
interesse público. Neste caso, em função do direito adquirido, será indenizado,
desde que comprovados os prejuízos. Além da indenização, será possível usar
o estabelecimento em nova localidade favorável para instalar estações de
tratamento, em razão do uso, por natureza, permitir exercício em várias
localidades.
E, por fim, investigar as consequências jurídicas impostas pelo
ordenamento jurídico, caso o novo Plano Diretor Metropolitano imponha ao
empreendedor novos parâmetros de cobertura vegetal921ou coeficiente de
920
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.300. 921
Lei nº 13.798 de 09 de Novembro de 2009 – Institui a Política Estadual de Mudancas Climáticas. Art. 10–O disciplinamento do uso do solo urbano e rural, dentre outros resultados, buscará: XI– aumentar a
445
aproveitamento em áreas de ocupação dirigida, em regiões de mananciais922
para a construção de edificações. Trata-se de superveniência de modelo de
assentamento urbano, de ocupação, diverso do existente em determinada
zona. Conforme José Afonso da Silva923é preciso distinguir quatro hipóteses: a)
edificação licenciada, mas não iniciada; b) edificação licenciada, já iniciada; c)
edificação concluída, sem “habite-se”; d) edificação concluída, com “habite-se”.
Quando haverá direito adquirido? O assunto é controverso e revela três
posições. Nos filiamos à corrente de José Afonso da Silva924.
Na hipótese inicial do proprietário de terreno obter licença para construir,
deverá obedecer ao prazo de vigência legal para o início da edificação. Caso o
prazo expire, a licença caduca, e, com ela, as faculdades decorrentes. Não
haverá direito adquirido se for aprovado novo plano metropolitano, pois nova
licença deverá ser liberada, de acordo com as novas determinações da lei. A
caducidade da licença só gera expectativa de direito, pois o direito de construir
será abstrato. Assim, caso a lei anterior tenha previsto coeficiente de
aproveitamento maior para o imóvel, e o prazo da licença de construir tenha
decorrido, se o plano posterior fixar coeficiente menor em relação ao primeiro,
não haverá direito a ser protegido. O proprietário deverá providenciar nova
licença.
No primeiro caso, a licença ainda poderá estar no prazo, mas a obra
ainda não ter sido iniciada. Qual será o direito do proprietáriose for editado um
plano metropolitano superveniente? De acordo com José Afonso da Silva925
não estaremos diante de direito adquirido, mas de situação tolerada, caso o
novo plano assim tenha disposto no ato de suas disposições transitórias. Do
contrário, o direito não será protegido, não será o caso de indenização, por não
se tratar ainda de direito adquirido. O proprietário não fará jus ao coeficiente de
aproveitamento do plano anterior e deverá adequar-se ao novo plano.
cobertura vegetal das áreas urbanas, promovendo o plantio de espécies adequadas à redução das chamadas ilhas de calor. 922
Lei nº 13.579, de 13 de julho de 2009 Define a Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings – APRM-B, e dá outras providências correlatas. Art. 27– Constituem parâmetros urbanísticos básicos para a instalação de uso urbano, residencial e não residencial ou qualquer outra forma de ocupação nos Compartimentos Ambientais e respectivas AOD, lote mínimo, cota-parte, coeficiente de aproveitamento, taxa de permeabilidade e índice de área vegetada constantes do Quadro II anexo a esta lei. 923
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.302. 924
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.304. 925
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 302.
446
No entanto, esta hipótese é discutível na doutrina. Lúcia Valle
Figueiredo926 e Luís Manuel Fonseca Pires927entendem que haverá proteção
ao direito adquirido, com indenização, desde o despacho de deferimento da
licença, independentemente do início da construção928:
Do despacho de deferimento ou, mais tecnicamente dizendo, do ato administrativo de deferimento, ao que entendemos, emerge, líquido e certo, o direito de construir dentro dos moldes aprovados e sem obstáculos colocados pela Administração.
E, mais adiante, conclui929:
A Administração pode suprimir uma licença para edificar se houver interesse público relevante que a isso impulsione. Entretanto, quer haja ou não sido iniciada a construção, é, necessariamente, a supressão da licença com indenização.
Esclarece Luís Manuel Fonseca Pires930ao acolher Lúcia Valle
Figueiredo, que é mais adequado sustentar que o direito adquirido deve ser
protegido tão logo o interessado obtenha a licença, pois baseado em
declaração do Poder Público o proprietário confirmará investimentos, firmará
compromissos com terceiros que irão edificar, decorar, instalar equipamentos e
adquirir materiais. O proprietário assumirá despesas em razão de uma
expectativa legítima que o ato da Administração Pública gerou.
Caso a licença tenha sido expedida, mas a obra não iniciada, há quem
sustente que estaremos diante de direito adquirido, apenas com o deferimento
da licença, sem cogitar se a obra foi iniciada ou concluída.
Por sua vez, para o STF931 o direito adquirido surge com a edificação
licenciada e a obra iniciada. O leading case do STF a este respeito (RE 85002
do ex-ministro Moreira Alves) acolhia como premissa a ementa do acórdão932:
926
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade. 2.ed.São Paulo: Malheiros, 2005, p.160. 927
PIRES, Luis Manuel Fonseca. Regime Jurídico das Licenças. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 202. 928
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade. 2.ed.São Paulo: Malheiros, 2005, p.139. 929
PIRES, Luis Manuel Fonseca. Regime Jurídico das Licenças. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 202. 930
PIRES, Luis Manuel Fonseca. Regime Jurídico das Licenças. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 202. 931
AI 135464 AgR / RJ – RIODEJANEIRO–AG.REG.NO AGRAVODEINSTRUMENTO Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO–Julgamento: 05/05/1992 Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação–DJ 22–05-1992 PP–07217EMENT VOL–01662-02 PP-00453 RTJ VOL-00142-01 PP-00358 Parte(s): AGTE.(S): COCIBRA ENGENHARIA INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A ADV.(A/S): GERALDO ALVES DE SOUZA AGDO.(A/S): PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO
447
Licença de construir. Revogação. Fere direito adquirido a revogação de licença de construção por motivo de conveniência, quando a obra já foi iniciada. Em tais casos, não se atinge apenas a faculdade jurídica o denominado direito de construir, que integra o conteúdo do direito de propriedade, mas se viola o direito de propriedade que o dono do solo adquiriu com relação ao que já foi construído, com base na autorização válida do Poder Público. Há, portanto, em tais hipóteses, inequívoco direito adquirido, nos termos da Súmula 473.
Quando dizemos que estamos diante de obra iniciada? Esclarece José
Afonso da Silva933 que o entendimento não é pacífico, mas é possível adotar
como um bom critério para sua definição o descrito no antigo Código de
Edificações do Município de São Paulo. Neste caso, obra iniciada é
caracterizada pela conclusão dos trabalhos de sua fundação, do corpo principal
da edificação de acordo com soluções técnicas (esqueamento, tubulações,
sapatas corridas ou fundações diretas–art. 527, §3º), atualmente mantido, de
forma menos clara, pelo atual Código de Obras e Edificações do município de
São Paulo (Lei nº 11.228/1992).
Contudo, José Afonso da Silva questiona o STF ao atrelar a obra
iniciada como direito adquirido a ser protegido pelo ordenamento jurídico. Para
o jurista, muitas vezes, a legislação municipal prevê que, mesmo após o início
da obra, sua interrupção por determinado período gera a caducidade da
licença. Além disto, durante a construção, o Poder Público tem o direito de
fiscalizar a execução da obra para verificar se está sendo realizada conforme a
licença que só termina com o termo de conclusão (habite-se). Caso não exista
obediência aos padrões da licença, a prefeitura terá o dever de determinar a
demolição da obra. Por isto, não há direito adquirido com o simples início da
obra. Por esta tese, o proprietário não adquire o direito de continuar com sua
atividade construtiva se sobrevier lei nova alterando regras relativas ao modelo
de edificação (ocupação) do solo. A partir do novo Plano Diretor Metropolitano,
ADV.(A/S): ANDRE TOSTES E OUTROS Ementa: DIREITO DE CONSTRUIR.MERA FACULDADE DO PROPRIETARIO, CUJO EXERCÍCIO DEPENDEDEAUTORIZAÇÃO DO ESTADO. INEXISTÊNCIADE DIREITO ADQUIRIDOA EDIFICAÇÃO ANTERIORMENTE LICENCIADA - MAS NEM SEQUER INICIADA, SE SUPERVENIENTEMENTE FORAM EDITADAS REGRAS NOVAS,DEORDEM PÚBLICA, ALTERANDO O GABARITO PARA CONSTRUÇÃO NO LOCAL. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental improvido. 932
É importante ressaltar que inadequadamente a ementa do acórdão denomina revogação do direito de construir como forma de extinção do ato. No entanto, é preciso observar que estamos diante do ato denominado licença para construir, considerado vinculado e, portanto, insuscetível de revogação. Neste caso, seria correto afirmar que houve caducidade, isto é, extinção do ato por interesse público superveniente. 933
SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.303.
448
o Poder Público deverá compatibilizar sua edificação às novas normas
supervenientes. Na hipótese em que não for possível, o bem estará sujeito à
demolição, caso não tenham sido previstas normas de tolerância. Dependendo
do prejuízo, o autor considerará a hipótese de indenização para cobrir os danos
provenientes da nova determinação.
José Afonso da Silva só considera direito adquirido passível de proteção
a situação em que a obra está concluída, dependendo do termo de conclusão
ou do “habite-se”. Assim, sobrevindo Plano Diretor Metropolitano novo que
modifique os coeficientes de aproveitamento e cobertura vegetal, o proprietário
só terá direito a construir segundo os padrões do plano revogado, se tiverem
sido cumpridos os requisitos anteriores. No entanto, se o Poder Público
municipal verificar ser impossível manter os padrões anteriores nem adequá-
los à nova situação, o imóvel será desapropriado por necessidade pública, com
prévia e justa indenização em dinheiro.
Com relação à quarta hipótese, estaremos diante de ato jurídico perfeito
ou ato consumado, pois a obra já foi construída, teve sua regularidade atestada
pelo Poder Público e recebeu o habite-se. Assim, caso o Plano Diretor
Metropolitano modifique a situação, não tolerando mais os padrões de
cobertura vegetal e coeficiente de aproveitamento até então em vigor, se não
tiver sido previsto tolerância, o Poder Público municipal mais uma vez deverá
desapropriar o bem imóvel construído nos padrões do antigo plano
metropolitano.
449
7 CONCLUSÕES
Sintetizaremos algumas premissas desenvolvidas nesta tese para
indicarmos as proposições jurídicas formuladas durante a nossa pesquisa.
1) Com relação à natureza jurídica do Plano Diretor Metropolitano,
constatamos que se trata de uma lei e resulta da atividade de planejamento
metropolitano, pois o ato de planejar deve converter-se, afinal, em um plano.
Segundo a Constituição Federal (art.174), o planejamento ao ser
imperativo para o Estado e indicativo para os particulares, permite antecipar
escolhas discricionárias dentro das determinações previstas no plano. Por
outro lado, não isenta o particular de decidir, pois lhe confere segurança
jurídica ao saber antecipadamente as decisões que serão tomadas pelo Estado
e suas consequências.
O planejamento urbanístico, portanto, antecipa as decisões do Estado.
Verificamos a criação das zonas onde serão localizadas as estações de
tratamento de resíduos sólidos ou regiões nas quais incidirão medidas de
proteção ambiental. Nelas, os proprietários dos imóveis urbanos não poderão
edificar suas casas em razão das medidas previstas pelo plano diretor.
Embora os planos urbanos sejam uma intervenção do Estado na
propriedade, não há como negarmos sua profunda relação com o domínio do
Estado no plano econômico. Esta relação ocorre de forma indireta, pois
aspectos da ordenação urbanística influenciam a riqueza do mercado
imobiliário, que é a propriedade privada. Fixar parâmetros de zoneamento
urbano modifica o valor que será atribuído a determinado terreno ou
propriedade eventualmente edificada.
Assim, consideramos que os planos urbanísticos são produtos,
instrumentos que materializam, concretizam as determinações do processo de
planejamento urbano e revelam conteúdo normativo.
2) Pelo fato da União ter a competência para instituir normas gerais de
direito urbanístico, os Estados atuarem suplementarmente no interesse
regional e os Municípios, no âmbito local (do art. 24, c/c art. 30, VIII, c/c art. 182
450
da Constituição Federal), os três entes federados atuam de forma cooperada
quanto à elaboração, implementação e execução do desenvolvimento urbano.
Assim, é possível estabelecer tipologias de planos urbanísticos editados por
cada ente. A articulação coordenada entre os planos federais, estaduais
regionais, metropolitanos e locais é baseada na observância das normas de
maior abrangência em relação ao nível intermediário e local. Trata-se de um
raciocínio de aplicação de planos por escalonamento de níveis temáticos de
abrangência territorial, sem pressupor hierarquia que decorre do modelo de
federalismo de cooperação, na sua perspectiva de equilíbrio, adotado pela
Constituição. Trata-se de aplicar normas genéricas por planos mais
abrangentes, em termos nacionais, regionais e metropolitanos para definir
normas concretas por planos diretores locais.
Os planos diretores metropolitanos, em regra, apresentam normas
gerais, que estabelecem diretrizes, comandos abrangentes e excepcionalmente
tratam de aspectos concretos referentes aos limites e restrições da
propriedade. Isto ocorre apenas quando dispõem sobre zoneamento, uso e
ocupação do solo, desde que relacionados com o meio ambiente.
3) O ordenamento jurídico já tem dispositivos legais suficientes que
indicam como elaborar o Plano Diretor Metropolitano e as pilastras que
sustentam o seu regime jurídico.
O Estatuto da Cidade assumiu no sistema jurídico brasileiro o papel de
lei geral de direito urbanístico. Por sua vez, na formulação dos Planos
Metropolitanos caberá aos Estados respeitarem os instrumentos do Estatuto da
Cidade e adotá-los, inclusive, quando necessário.
Deste modo, consideramos o Estatuto da Cidade fundamento jurídico
para os planos diretores metropolitanos, por abarcar soluções que nos
permitem compreender questões referentes à administração metropolitana e a
utilização pelos Estados de instrumentos de planejamento metropolitano.
A mesma diretriz deve ser adotada em relação às demais leis federais,
que dispõem sobre temas correlatos ao desenvolvimento urbano. São elas a
Lei Federal nº 6.766/1979 (parcelamento do solo urbano) e a Lei da Política
Nacional dos Resíduos Sólidos. Ambas se referem a normas que cuidam,
respectivamente, de licenciamento de empreendimentos metropolitanos e
451
resíduos sólidos. Especificamente elas não mencionam o Plano Diretor
Metropolitano, mas apresentam diretrizes que orientam seu conteúdo.
4) As Regiões Metropolitanas não editam os planos metropolitanos, visto
que não têm autonomia política; são criadas pelos Estados-membros por meio
de Leis Complementares diante do agrupamento de municípios limítrofes, para
integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de
interesse comum. Impõem ainda soluções administrativas que envolvem os
municípios limítrofes – através das diversas formas de gestão, ora como órgão,
ora como pessoa jurídica de direito público – para planejar e executar o uso e a
ocupação do solo metropolitano, saneamento básico e preservação do meio
ambiente.
Juridicamente, o conceito de Região Metropolitana não é uniforme, pois
depende dos contornos definidos pelo ordenamento jurídico de cada país.
No Brasil, os requisitos para criar por parte dos Estados as regiões
metropolitanas são estabelecidos pelas Constituições e leis estaduais. No
entanto, não existe um diploma nacional que estabeleça os critérios uniformes
para a criação destas regiões.
Destacamos o Projeto de Lei Federal nº 3.460/2004, o Estatuto da
Metrópole, que em âmbito federal definiu (art.6º, I) o conceito e os critérios
qualificadores da Região Metropolitana. Defendemos a constitucionalidade
deste diploma.
A região metropolitana é fato jurídico, acontecimento da realidade fática
incorporado pelas leis complementares estaduais como elemento relevante
para descrever o fenômeno urbano e atribuir suas consequências jurídicas.
Por outro lado, não há fato jurídico metropolitano com a simples
descrição normativa destes elementos. É necessário existir um ato de
interpretação, de subsunção atestando que os fatos estão consubstanciados na
norma. É fundamental que o legislador estadual, por meio da competência
discricionária, verifique baseado em estudos e pareceres técnicos se os
requisitos materiais estão previstos no caso concreto, culminando com a lei
complementar.
Portanto, não devemos confundir as formas de administração
metropolitana com o seu conceito. Não está correto qualificar as figuras
452
regionais como pessoas jurídicas ou órgãos. Isto diz respeito às consequências
jurídicas atribuídas pelo legislador para administrar a realidade regional através
de órgãos públicos, pessoas jurídicas de direito público ou modelos
consorciais. Em suma, a região metropolitana é um fato jurídico que acarretará
consequências administrativas de interesses regionais.
Quanto à criação da Região Metropolitana pelo Estado-membro,
estamos diante de competência discricionária do legislador (ao escolher a
forma de gestão do interesse regional) e vinculada (quanto ao respeito dos
critérios materiais, formais e de conteúdo).
Os municípios que integrarem por vínculo compulsório a região
metropolitana não poderão abandoná-la, por meio de plebiscitos ou outros
mecanismos de anuência, pois deverão participar das deliberações de forma
compartilhada.
As Regiões Metropolitanas são distintas das aglomerações urbanas e
microrregiões (art. 25, §3º da Constituição Federal). O critério técnico que
define juridicamente as várias tipologias regionais considera a complexidade e
o tangenciamento da malha urbana entre as cidades de municípios. O critério é
fundamentado na conurbação entre eles, presente em grau elevado nas
regiões metropolitanas e inexistente nas microrregiões.
Portanto, a distinção entre região metropolitana, aglomeração urbana e
microrregião está apenas na realidade urbana, fática, disposta na hipótese da
norma jurídica. Quanto ao fato jurídico regional, as três realidades têm regimes
jurídicos semelhantes.
O Estado é o ente federativo responsável em última análise pela tutela
do interesse metropolitano e pela aprovação e elaboração dos Planos
Metropolitanos.
Por meio do Poder Executivo, contará com autarquia, Conselhos
Deliberativos e Consultivos para elaborar o plano, seus aspectos e a atuação
do Poder Legislativo, por meio das Assembleias Estaduais que poderão
aprová-lo. Compete ao Estado a titularidade das funções públicas de interesse
comum e consequentemente, a responsabilidade pelo planejamento urbano
metropolitano, espécie de interesse metropolitano.
453
A Carta Constitucional ao criar as regiões metropolitanas pautou-se no
federalismo cooperativo democrático ou, para outros, no equilíbrio federativo,
pois reconheceu funções que os Municípios não podem resolver isoladamente.
Ao atribuir competências concorrentes para resolver problemas comuns,
assegurou autonomia aos Municípios e não limitou seu exercício. Ao submeter-
se às decisões da figura regional, o município não obedece ao Estado de forma
autoritária, mas democrática, pois é assegurada sua participação conjunta.
Quanto ao vínculo compulsório que une os Estados e Municípios,
também não há que falarmos em redução de autonomia federativa.
Nas Regiões Metropolitanas, mesmo sendo necessário imprimir a
cooperação entre os entes, há por parte dos Municípios e Estados (art.25, §3º)
a ligação por meio de vínculo compulsório. Se o Município não cooperar, a
última palavra será do Estado.
5) Com relação à administração metropolitana, os consórcios públicos
não são modelos adequados de administração das funções públicas de
interesse comum à luz do nosso sistema jurídico.
Isto não afasta a possibilidade dos municípios integrantes das regiões
metropolitanas celebrarem entre si consórcios ou convênios para a gestão de
interesses referentes a este espectro de atuação interlocal.
Entretanto, os consórcios públicos não substituem a gestão integrada
viabilizada pelo arranjo institucional supramunicipal (art.25, §3º da Constituição
Federal). Isto porque, apenas o modelo institucional de governo das regiões
metropolitanas abrange a complexidade das funções públicas de interesse
comum, estritamente relacionada ao fenômeno da conurbação e número
expressivo de municípios envolvidos.
6) Quanto ao conteúdo do Plano Diretor Metropolitano, o conjunto de
normas jurídicas que disciplinarão o planejamento urbano são extraídas da
competência concorrente por parte do Estado, tomando por base o conceito de
interesse metropolitano, qualificado pelas funções públicas de interesse comum
(art. 25, §3º, da Constituição Federal).
Os interesses metropolitanos resultam em conexões e interferências
recíprocas entre os municípios, exigem ação unificada, integrada entre os
454
municípios da região e o Estado responsável por sua criação. As funções
comuns dizem respeito a um só tempo aos vários municípios conurbados, cuja
gestão exige atuação integrada.
Isto demonstra que o interesse metropolitano é conceito jurídico
indeterminado, revela um relato abstrato da norma e necessita especificar o
conteúdo, conferindo ao jurista certa margem de interpretação.
Assim, o intérprete deverá examinar os fatos concretos para identificar
sua adequação à norma jurídica qualificada por conceito indeterminado. Fixar o
sentido das funções comuns diz respeito à interpretação, ao juízo de
subsunção, que será realizado pelo modelo das leis estaduais por Conselhos
Metropolitanos e Autarquias (Poder Executivo) junto à Secretaria de
Desenvolvimento Metropolitano e pelo Poder Legislativo, por meio das
Assembleias Legislativas.
O plano metropolitano disporá sobre aspectos genéricos de uso e
ocupação do solo metropolitano, medidas de combate à poluição e degradação
ambiental, fixando diretrizes, metas, parâmetros que vão influenciar a
elaboração dos planos diretores pelos municípios.
Na hipótese dos planos diretores metropolitanos apresentarem
conteúdos que não correspondam às diretrizes das leis federais e estaduais,
será aplicada integralmente a teoria do desvio de poder, em função da
desproporcionalidade, irrazoabilidade dos padrões adotados diante dos fins aos
quais estão atrelados. Trata-se de desvio de poder legislativo, do Plano Diretor
Metropolitano, face ao conteúdo da carta constitucional, que viabiliza o
planejamento urbano para alcançar as finalidades do desenvolvimento
sustentável, nas cidades metropolitanas, traduzido no art. 182 como função
social da cidade.
Em relação às eventuais colidências entre planos diretores
metropolitanos e municipais, compete aos municípios disciplinar
detalhadamente os parâmetros de uso e ocupação do solo, específicos para
ordenar seus espaços habitáveis, com índices concretos, distintos de outros
municípios da mesma região. Este é o núcleo intangível da competência
municipal no que diz respeito ao direito urbanístico. Por outro lado, o interesse
local será influenciado pelas diretrizes metropolitanas, por integrar a Região
Metropolitana.
455
A lei que criar o plano metropolitano urbanístico e ambiental
estabelecerá nas regiões metropolitanas suas diretrizes, objetivos, metas e
prioridades relativas aos aspectos de uso e ocupação do solo e as medidas de
proteção ao meio ambiente.
Os planos diretores municipais serão elaborados em consonância com
as metas e diretrizes gerais do Plano Diretor Metropolitano. Entendemos que
ambos deverão ser compatíveis, coexistirem, conciliarem seus conteúdos sem
que um predomine sobre o outro.
Assim, como o conteúdo para fixar diretrizes genéricas do Plano Diretor
Metropolitano é de competência do Estado, suas disposições deverão
influenciar os planos municipais.
Os municípios participam junto com os órgãos estaduais da elaboração
do plano metropolitano. E, mesmo não concordando com algumas diretrizes,
deverão se submeter aos seus comandos em função do vínculo compulsório.
Os únicos limites intangíveis que os planos diretores metropolitanos
deverão respeitar são os relacionados à competência urbanística municipal
(art.30, VIII e 182 da Constituição Federal). Não há prevalência de matéria
local, mas respeito ao seu conteúdo em razão da divisão constitucional de
competências, obedecendo sempre à norma de maior para a de menor
abrangência em termos de concreção direta do tratamento conferido ao
zoneamento, uso e ocupação do solo.
7) Ao ser instituída em função do fenômeno da conurbação, a Região
Metropolitana cria entre os Municípios limítrofes que integram sua estrutura
uma nova configuração territorial, que exige definição de zoneamento para o
uso e a ocupação do solo. Deste modo, o conteúdo do plano metropolitano
regulamentará as relações jurídicas envolvendo áreas rurais e urbanas dos
municípios limítrofes.
Por outro lado, ao elaborar o plano metropolitano, o Estado poderá criar
um zoneamento específico, disciplinar e abranger áreas submetidas ao Plano
Diretor Metropolitano, respeitadas as proporções do zoneamento municipal. A
reunião dos municípios limítrofes poderá gerar novos zoneamentos do solo,
que atuem em perspectiva metropolitana, qualificado, como núcleo
metropolitano e de expansão metropolitana.
456
8) Os objetivos do plano metropolitano serão definidos
democraticamente, com a participação dos órgãos executivos do Estado. Cada
plano é fruto de um processo típico e peculiar legislativo que fixa objetivos em
função da realidade que pretende disciplinar.
No entanto, existem leis que oferecem parâmetros mínimos para definir
os seus objetivos. Entre elas, citamos as diretrizes do Estatuto da Cidade e as
Leis estaduais. Em regra, dispõem sobre a integração do planejamento e da
execução de funções públicas de interesse comum entre os entes públicos na
região, a redução das desigualdades sociais e regionais.
Só admitimos a obrigatoriedade de Plano Diretor Metropolitano se for
instituída Região Metropolitana (art. 25, §3º da Constituição Federal). Além
disso, com base no art. 41, II, do Estatuto da Cidade, os municípios integrantes
de região metropolitana deverão elaborar seus planos diretores. Logo, o
Estado-membro deverá elaborar seu plano metropolitano. Caso não seja feito
pelo Estado, só haverá consequências institucionais sem sanções de
improbidade administrativa e responsabilidade funcional administrativa, em
nome do princípio da legalidade.
Assim, a falta de um Plano Diretor Metropolitano afasta o uso dos
instrumentos de ordenação urbana previstos no Estatuto da Cidade e impede a
obtenção de recursos federais para aprimorar a política de resíduos sólidos
(art.16 da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos).
Ao lado das sanções, as Constituições e leis estaduais poderão prever
consequências jurídicas para a hipótese de não edição do Plano Diretor
Metropolitano, até como forma de estimular o planejamento urbano regional.
9) Em relação à iniciativa do projeto de lei que trata do Plano Diretor
Metropolitano, caberá à Constituição Estadual abordar o assunto. Na hipótese
do legislador não prever expressamente lei complementar, competirá à lei
ordinária esta tarefa.
Até o momento, as Constituições e leis estaduais não previram o órgão
para a propositura do projeto de lei. Ainda que a legislação estadual determine
iniciativa privativa ao Chefe do Poder Executivo, quanto à iniciativa popular,
entendemos ser viável em nome do princípio democrático. Acreditamos
457
também ser importante a participação popular durante o processo de discussão
e aprovação do plano metropolitano, em nome das diretrizes gerais do Estatuto
da Cidade e do art. 45 do mesmo diploma.
10) As leis estaduais ainda não estabeleceram prazo para a revisão dos
planos metropolitanos. Desta forma, serão utilizados por analogia os 10 anos
previstos pelo Estatuto da Cidade para revisar os planos diretores municipais.
O conteúdo genérico do Plano Diretor Metropolitano deverá prever os
critérios que vão nortear a resolução de conflitos resultantes da colisão entre as
normas do novo e do antigo plano.
Apesar de tratarmos das normas de direito intertemporal do plano
metropolitano elaborado pelo Estado, a autoridade competente para viabilizar
as medidas concretas de uso e ocupação ao solo será o município. Nesta
hipótese, não há que falarmos em conflito de competências, pois a normas do
plano metropolitano são genéricas e influenciam as normas de uso e ocupação
dos municípios, entidade federativa por excelência competente para executar
estas atribuições.
Diante de normas de zoneamento, modificação do uso do solo, o direito
adquirido, que possibilitará instalar empreendimento e a manutenção do uso,
ainda que novo plano entre em vigor, proibindo-o, surgirá apenas diante do uso
inicial, acompanhado de instalação do empreendimento e obtenção do alvará
de funcionamento.
Quanto à manutenção do que já está em funcionamento, só haverá
proteção ao direito adquirido se o proprietário tiver adquirido o direito à
renovação do alvará de funcionamento e localização antes da superveniência
da lei nova proibitiva. Neste caso, o Poder Público deverá tolerar o uso
inadequado em razão do novo plano, até o fim do prazo de licença. Contudo,
mesmo havendo tolerância do uso durante a vigência da licença, o Poder
Público poderá extingui-la por meio da caducidade, por entender que a nova lei
introduziu mecanismos protetivos para a área, o que ensejará indenização ao
proprietário.
Além da indenização, será possível usar o estabelecimento em nova
localidade favorável para instalar estações de tratamento.
458
Em relação à ocupação e à edificação de imóvel, só haverá direito
adquirido e indenização se houver obra licenciada, construída, mas sem
expedição do habite-se.
Assim, sobrevindo Plano Diretor Metropolitano alterando os coeficientes
de aproveitamento, o proprietário só terá direito a construir segundo os padrões
do plano revogado se tiver cumprido os requisitos anteriores. Mas se o Poder
Público verificar ser impossível manter estes índices de aproveitamento, nem
adequá-lo à nova situação, o imóvel será desapropriado por necessidade
pública, com a prévia e justa indenização em dinheiro.
Por fim, estaremos diante de ato jurídico perfeito quando a obra tiver
construída, regularizada e atestada pelo Poder Público municipal, mediante o
habite-se. Se o Plano Diretor Metropolitano modificar a situação, não tolerar
mais os padrões de aproveitamento em vigor e na hipótese de não ter previsto
tolerância, o Poder Público municipal deverá desapropriar o bem imóvel
construído nos padrões do antigo plano metropolitano.
459
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