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Os Prognósticos e Lunários de Manuel Gomes Galhano Lourosa (1637-1675) no período

da Restauração

Júlia Maria Correia Gaspar1

Resumo: O interesse central do presente trabalho é investigar o papel político dos

almanaques astrológicos junto as camadas populares no contexto da guerra de Restauração

Portuguesa, em particular os almanaques de Manuel Gomes Galhano Lourosa, astrônomo,

médico e figura política de reconhecida relevância no período. Ainda que houvesse diversos

autores, a construção dos almanaques era padronizada, havendo um prólogo que consistia na

introdução ao ambiente astrológico e críticas aos autores concorrentes quando a ocasião

demandava. Após a introdução tinha início o prognóstico, chamado comumente “Juízo do

Ano”, onde os autores anunciavam os planetas que iriam reger cada época do ano seguinte,

bem como previsões para as estações. Ademais, continham informações que não eram de

cunho astrológico, como por exemplo, as quatro temporãs, notícias a respeito de eclipses e

outras conjunturas celestes, como o aparecimento de cometas no céu, a exemplo disso pode-se

mencionar o cometa de 1664 que ficou visível sobre o céu de Lisboa. Os almanaques

astrológicos publicados em períodos conturbados da história de Portugal são importantes

ferramentas na compreensão social da época, as ideias, crenças e costumes de forma geral.

Majoritariamente eles eram publicados para as camadas populares, que o adquiriam com o

intuito de se informar sobre assuntos como as festas de datas móveis como a Páscoa, as fases

da lua e sua interferência nas marés e, por conseguinte na atividade pesqueira, as estações do

ano e suas características climáticas, que por sua vez influenciavam nas atividades agrícolas;

entre outros fins. Com almanaques que iam além do entretenimento e tinham um valor

instrutivo e politizado em meio a um contexto político instável Lourosa foi lido por peixeiros,

comerciantes de rua, alfaiates etc. e é um indício de que essas classes não estavam alheias das

questões políticas do período da Restauração Portuguesa.

1 Mestranda do programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(PPGHIS/UFRJ) sob orientação do professor Carlos Ziller Camenietzki.

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1. Introdução ao ambiente astrológico de Portugal no século XVII.

Na sua tradição, o conhecimento astrológico tinha como principal objetivo o estudo

dos astros e a forma com que estes interferiam na vida cotidiana do homem. Compreender

suas posições e, por conseguinte prever as características das estações do ano, das lunações,

que interferiam diretamente nas marés e nas atividades pesqueiras. Além disso, saber qual

seria o planeta regente do ano seguinte entre outras previsões acerca dessas temáticas.

Luís Miguel Carolino em Ciência, Astrologia e Sociedade: A teoria da influência

celeste em Portugal (1593 – 1755) mostra que a ciência astrológica não se resumia a visão

“física” do Universo, pode-se considera-la como uma fusão entre a religião e a própria

ciência. Ao longo do século XVII ela se sustentava na humanização do cosmos e na

integração do comportamento e emoções do ser humano no planeta cósmico assim como, era

a explicação do universo para a sociedade e da realidade cotidiana do homem.

Ao longo do século, a ideia de ciência e magia não se configuravam em distintas

visões do mundo, ou mesmo antagônicas entre si. Os estudos sobre a cultura científica de

Portugal da época tenderam a estudar a ciência e, por conseguinte a astrologia em função da

“dogmatização da ciência”.

Seu período de maior ênfase se deu ao longo dos séculos XIV, XV e XVI, e este só foi

possível pela forte influência da visão de mundo aristotélica2, ideia que o mundo superior

(céu) governava o mundo inferior (Terra). Bem como que os corpos celestes influenciavam

diretamente na natureza como pode-se perceber a partir dos exemplos relacionados a

mudanças climáticas e as previsões de fenômenos naturais atípicos.

O homem, portanto, era visto como personagem integrante do cosmos e parte orgânica

da natureza e precisava ser estudado a partir da teoria da influência celeste, como pode-se

observar em A cruz e a Luneta, de Carlos Ziller Camenietzki.

Prever o futuro sempre foi um problema que interessou aos homens, e

acreditar que os astros governavam tudo o que acontecia na Terra sempre foi

crença comum das pessoas. Na Idade Média [...] o astrólogo era personagem

de grande importância na vida dos povos. 3

2 Neste momento, a visão aristotélica se pautava na ideia de imutabilidade e perfeição dos céus, dessa forma, ao

traçar um mapa das posições dos astros, poder-se-ia compreender a influência celeste. 3CAMENIETZKI, Carlos Ziller. A Cruz e a Luneta: Ciência e Religião na Europa Moderna. Rio de Janeiro:

Access, 2000, p. 31.

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Em seus primórdios, a astrologia era exercida, devido a necessidade de um

conhecimento aprofundado sobre os astros e o céu, justificando a implementação de cálculos

bastante complexos para a observação dos fenômenos celestes. Majoritariamente realizada por

religiosos, contudo era comum nesse momento alguns Reis possuírem seu “astrólogo

particular” para realizar previsões a respeito de questões políticas.

No meio político, a astrologia interferia em diversas facetas, como por exemplo, nos

casamentos arranjados com base na análise conjunta dos mapas astrais dos envolvidos. Bem

como, qual seria a melhor época do ano para a realização de manobras políticas, golpes e

deposições de governantes do poder, baseado nos estudos celestes e nas guerras sua influência

girava em torno de melhores momentos para avanços ou recuo de determinada tropa.

Entretanto, com o passar o tempo, tais práticas passaram a fazer parte da vida

cotidiana das camadas populares, atingindo, dessa forma, todas as camadas sociais. O que nos

faz refletir acerca da separação criada pela historiografia contemporânea entre “cultura

erudita” e “cultura popular” que em certa medida não se observa nesse período a luz dessa

temática dos almanaques astrológicos.

Na vida cotidiana das camadas populares, as influências que os prognósticos

desempenhavam em relação as atitudes dos trabalhadores iam desde as atividades pesqueiras

até atividades agrícolas dos camponeses. Os primeiros acompanhavam as previsões

astrológicas para saber precisamente da lunação e a partir de então compreender as mudanças

nas marés e organizarem seu trabalho em alto mar. Os camponeses, por sua vez, conseguiam

facilmente organizar suas plantações, época de semear e colher, com base nas características

das estações do ano, épocas de chuva e estiagem, que também estavam presentes nos

prognósticos

A astrologia e a medicina também caminharam juntas durante longo tempo. A partir da

teoria Hipocrático-galênica dos humores, desenvolvida no século V e aceita até meados do

século XVII, compreendia-se as doenças como desequilíbrios dos humores (sangue, fleuma,

bile amarela e bile negra ou melancolia)4 que compunham o corpo humano e que eram

influenciados pelas ações dos planetas.

4PASTORE, Gianriccardo Grassia. Astrologia e Inquisição em Portugal nos séculos XVI e XVII. Lisboa:

Universidade de Lisboa, 2014. Dissertação de mestrado.

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Manuel Gomes Galhano Lourosa em seu “Prognostico e Lunário do ano de 1647”

menciona a necessidade dos médicos serem também astrólogos e matemáticos. Compreende

tais conhecimentos de forma interligada, comentando inclusive que os estudiosos que não as

compreendessem dessa forma eram “coche de uma perna”. Tal crítica se mostra recorrente nos

prognósticos do autor, já havendo comentado sobre o assunto em seu prognostico do ano de

1638 e de 1643.

Essa proximidade desenvolvida pelas duas disciplinas tiveram a aprovação da Igreja e

foi difundida ao longo de muito tempo, inclusive se utilizando de mapas astrais e a ação dos

corpos celestes para o tratamento e cura de doenças como menciona Keith Thomas:

“Considerava-se que diferentes signos do zodíaco governavam diferentes partes do corpo, e

uma eleição adequada dos momentos tinha que ser feita para administrar medicamentos, fazer

sangrias ou realizar operações”. 5

A astrologia, como mencionado anteriormente, era realizada em sua maioria por

religiosos e durante esse período podemos observar o surgimento do curso de esferas do

Colégio Jesuítico de Santo Antão, que foi sugerido pelas “matemáticas” e em seu início fora

destinado estritamente a fidalgos devido ao seu caráter mais prático de noções náuticas a

partir da posição dos astros e observação do céu. Com o passar dos anos, o curso passou a ser

mais teórico e aberto a outras camadas sociais, o que abrangeu um leque maior de pessoas.

Este curso deteve algumas características constantes ao longo do século, devido as

discussões acerca de filosofia e teologia que de um lado estavam as ideias tradicionalistas e

por outro as novas que estavam abalando a Europa de uma maneira geral. Apesar disso, ele

sofreu algumas alterações ao longo do tempo como por exemplo, o afastamento das noções

práticas destinadas à marinha e a aproximação da teoria.

Os professores possuíam grande autonomia em relação a estrutura das cadeiras, assim

como a forma com a qual melhor se adequavam para lecionar. Dessa forma, podemos

perceber algumas claras diferenças de acordo com o professor que estava lecionando em

determinado momento. Alguns dedicavam-se a lições de astrologia judiciária mesmo o tema

sendo marcado por contrariedades ao longo de vários séculos por parte de grandes estudiosos

como, São Tomás de Aquino, Santo Agostinho e Santo Isidoro.

5THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 240.

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Estes por sua vez, criticavam a astrologia na medida em que ela colidia com a noção

de livre arbítrio tomada como cânone pelo Concílio de Trento. Se os astrólogos podiam

prever o futuro tanto de questões relacionadas a natureza quanto a pessoas físicas, de que

forma as escolhas influenciariam no decorrer da vida?

Essa foi uma pergunta extremamente enfática no momento em questão, o Padre João

Delgado, por exemplo, na condição de professor do Colégio de Santo Antão a princípio tinha

em mente que não se poderia saber de nada natural por meio da ciência astrológica e mais

tarde contraditoriamente disse que “o saber da verdadeira astrologia, como o das demais

ciências, sempre he e sempre foi lícito. 6”

Como este exemplo supracitado, podemos enumerar tantos outros que também se

preocupavam com a questão do livre arbítrio, todavia escreveram, lecionaram e responderam

positivamente as indagações a respeito da astrologia, como o Padre Simão Fallonio e o Padre

Francisco da Costa.

O ensino da astrologia judiciária se mostrou presente em quase todos os cursos do

Colégio na primeira metade do século XVII. Após essa época sua importância foi sendo cada

vez mais diminuída, mas sem desaparecer por completo. Pode-se dizer então, segundo o autor,

que as “aulas de esfera” do Colégio Jesuíta de Santo Antão foram uma atividade escolar de

extrema importância e significado na cultura portuguesa do século.

Apesar dessa ampla difusão do conhecimento astrológico em determinado momento

ele entrou em declínio. Pode-se dizer, segundo Luís Miguel Carolino, que um dos principais

motivos para seu declínio foi a progressiva adoção do sistema Copernicano e os estudos que

desenvolveram a teoria heliocêntrica bem como, a ideia de que o céu não era imutável,

portanto, seria impossível de mapeá-lo das formas com que se fazia até então. Dessa forma, as

práticas astrológicas foram perdendo a sua credibilidade.

[...] enquanto a discussão se deteve nos limites da influência astral e na

denúncia da ignorância dos astrólogos, enquanto a realidade cósmica foi

perceptível através de uma hierarquização entre a região celeste, perfeita e

imutável, e a região terrestre, imperfeita e sujeita à influência celeste, a

astrologia foi um conhecimento possível; enquanto predominou uma

6 ALBUQUERQUE, Luís de. A “Aula da Esfera” do Colégio de Santo Antão no Século XVII, separata de “Anais

da Academia Portuguesa da História”, 2ºs, 21, Coimbra: Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga / Junta

de Investigações do Ultramar, 1972. pp. 158.

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concepção aristotélica do mundo, apesar das importantíssimas críticas a que

estava sujeita. 7

A partir então do século XVIII, o pensamento da sociedade começou a mudar em

relação a forma de ver os astrólogos e seus almanaques astrológicos. À vista disso, os

almanaques passaram a ter um caráter jocoso e houve uma diminuição das temáticas

astrológicas. E foi o momento em que a astronomia e a astrologia se separaram, a primeira

ficando com o caráter científico e a segunda com o misticismo, vista como superstição.

2. O autor de prognósticos Manuel Gomes Galhano Lourosa

Manuel Gomes Galhano Lourosa destacou-se como um dos mais importantes

astrólogos portugueses do século XVII, publicou almanaques astrológicos ao longo de quase

quarenta anos. Estudou Medicina, Astrologia, Matemática e Astronomia na Universidade de

Coimbra, exerceu seu trabalho na Costa da Caparica e posteriormente em Almada8.

Entre as diversas atividades que o ocupavam, a escrita de prognósticos foi a que se

dedicou por mais tempo tendo escrito o primeiro 1637 e o último em 1675. Nesse período o

cenário político português era mais do que instável, especialmente com a derrubada de Filipe

IV e o fim da União Ibérica. Com a retomada da independência política de Portugal, tendo o

Duque de Bragança, coroado o Rei D. João IV, o quadro político português deu uma grande

guinada e a mudança política refletiu em todo os setores sociais do reino, atingindo inclusive

homens dedicados aos estudos do céu, como Lourosa.

Além dos almanaques mencionados acima, em 1666 Lourosa publicou uma obra de

grande impacto no meio astrológico da época intitulada Polymathia Exemplar, em que

analisou o aparecimento do cometa de 1664/65. Nessa obra ele expôs sua teoria sobre a

natureza dos cometas e trouxe uma inovação importante, na época, para a análise aristotélica

dos fenômenos físicos. Tal obra foi publicada no mesmo momento da Sciographia da nova

Prostimasia celeste, & portentoso cometa do anno de 1664 do Padre Antonio Pimenta. Ambas

tratavam da mesma problemática do surgimento do cometa no céu de Lisboa, entretanto com

7CAROLINO, Luís Miguel. Ciência, Astrologia e Sociedade. A Teoria da Influência Celeste em Portugal (1593-

1755). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. 8MACHADO, Barbosa Diogo. Bibliotheca Lusitana: Hiftória, Crítica, e Cronológica. Na qual se comprehende

a noticia dos autores portuguezes, e das obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da Ley da

Graça ate o tempo presente. Lisboa: Ignacio Rodrigues, 1752.

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visões distintas sobre o tema, Lourosa tendendo mais a explicações de com base nos estudos

dos céus e Pimenta a explicações pautadas na Divindade da coisa9.

Outro importante trabalho de Manuel Lourosa foi o Alvitre Mathematico. Tratado

politico, physiologico, democrático, ethico, aristocrático e theologico. Esse texto foi enviado

para publicação em 1641, entretanto a censura da Inquisição impediu que fosse feito e a obra

permaneceu como manuscrito, pois se tratava de um discurso onde mostrava claramente seu

desgosto pelos anos de domínio Castelhano e incitava a comunidade lusitana a se refazer

diante da independência com base no conceito e Pátria Portuguesa10.

A partir disso, pode-se dizer que Lourosa foi uma figura importante para o meio

científico astrológico e para a difusão da astrologia para de forma mais ampla bem como, o

ambiente político de Portugal Restaurado devido as suas diversas publicações que mostravam

seus alinhamentos políticos e comentavam os acontecimentos em voga nos momentos em

questão.

9VÓLARO, Carlos Henrique. Sinais de Soberania: Leitura dos Céus e Ação Política na Guerra da Restauração

Portuguesa (1649 – 1668). 99 fls. Dissertação (Mestrado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em

História Social, Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2010. 10

CAMENIETZKI, Carlos Ziller. O Astrônomo e a Restauração: Manuel Gomes Galhano Lourosa e sua

intervenção na política de Portugal Restaurado. In: History of Astronomy in Portugal, 2014, Lisboa.

Proceedings of International Conference History of Astronomy in Portugal. Institutions, theories, practices.

Lisboa: Sociedade Portuguesa de Astronomia, 2009.

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3. Os Prognósticos e Lunários de Lourosa

Figura 1

Fonte: LOUROSA, Manoel Gomez Galhano. Prognóstico e Lunário do anno de 1644.

Lisboa: Antonio Alvarez, 1643.

Durante os séculos XVII e XVIII os almanaques astrológicos, faziam parte da vida

cotidiana europeia e, devido ao baixo custo (cerca de quatro réis) e ao caráter instrutivo, eram

bastante populares, em particular entre os portugueses. Vendidos nas ruas por pregoeiros,

todos os almanaques astrológicos eram lançados anualmente, geralmente entre novembro e

dezembro.

Publicados in oitavo – modelo já amplamente difundido naquele momento, uma das

características era que a partir de uma folha original obtinham-se oito páginas do prognóstico.

Além disso, outro fator que os diferenciava bastante dos demais livros era o reduzido número

de páginas que continham, entre 16, 24 ou 32 páginas cada, ficando fácil de identifica-los11.

Tais obras eram destinadas a um público pertencente as camadas populares, entretanto,

esse não foi um empecilho para o engajamento dos editores da época e nem mesmo para o

público, já que nesse período os níveis de alfabetização em Portugal eram bastante altos para

11CAROLINO, Luís Miguel. A Escrita Celeste: Almanaques astrológicos em Portugal nos Séculos XVII e XVIII.

Rio de Janeiro: Access Editora, 2002.

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a época, chegando a cerca de 50%12

. Além disso, a forma com que os almanaques eram

organizados; com ilustrações e forma de escrita direta e fácil e também pela recorrente prática

da leitura em conjunto nas praças eram outros pontos facilitadores.

Ainda que houvesse diversos autores, a construção dos almanaques era padronizada,

havendo um prólogo que consistia na introdução ao ambiente astrológico e críticas aos

autores concorrentes quando a ocasião demandava. Após a introdução tinha início o

prognóstico, chamado comumente “Juízo do Ano”, onde os autores anunciavam os planetas

que iriam reger cada época do ano seguinte13.

Na parte destinada ao Juízo do Ano do “Prognostico e Lunario do ano de 1644” o

autor diz que em 19 de março às 10:53 da noite o sol entraria em Aries e que o planeta Júpiter

seria o senhor do ano, também tendo Vênus como participante. Isso prometia desmanchos de

amores, gostos, galas e alegrias. Entretanto, Touro na casa 7 prometia guerras, desterros,

levantamentos e inimigos públicos.

Ademais, continham informações que não eram de cunho astrológico, como por

exemplo, as quatro temporãs – que eram os três dias para se jejuar em cada estação do ano.

Neste mesmo prognostico supracitado podemos observar que as primeiras temporãs seriam

nos dias 17, 19 e 20 de fevereiro, as segundas em 18, 20 e 21 de maio, as terceiras em 14, 16 e

17 de setembro e as últimas 14, 16 e 17 de dezembro. A partir disso, segundo o autor, seis

coisas poderiam ser notadas neste ano de 1644: “Insultos violento, novidades estranhas,

cometimento de pazes suspenso em razão do Estado, ano medíocre nos frutos da terra, pouca

água quando necessária e finalmente a Europa toda revolta em guerra”. 14

Notícias a respeito de eclipses e outros fenômenos celestes poderiam ser vistas nas

advertências finais, como neste ano de 1644 que não haveria eclipses vistos no horizonte do

céu de Portugal. Mas não deixariam de haver dois eclipses solares; um em 1 de setembro,

visto apenas pelos mais orientais como Constantinopla e a França também sentiria seus

sobressaltos e o outro em 8 de março, visto pelos mais ocidentais como a América. E mais

posteriormente a aparição do cometa no céu de Lisboa, em 1664, como já dito anteriormente.

12 MARQUILHAS, Rita. A faculdade das letras. Leitura e Escrita em Portugal no século XVII. Bragança

Paulista: Editora da Universidade de São Francisco. 2003. 13

CAROLINO, Luís Miguel. Ciência, Astrologia e Sociedade. A Teoria da Influência Celeste em Portugal

(1593-1755). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. 14

LOUROSA, Manoel Gomez Galhano. Prognóstico e Lunário do anno de 1644. Lisboa: Antonio Alvarez,

1643.

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Figura 2

Fonte: LOUROSA, Manoel Gomez Galhano. Prognóstico e Lunário do anno de 1644.

Lisboa: Antonio Alvarez, 1643.

Os almanaques astrológicos, de forma geral, publicados em períodos conturbados da

história de Portugal são importantes ferramentas na compreensão social da época, as ideias,

crenças e costumes de forma geral. Majoritariamente eles eram publicados para as camadas

populares, urbanas e rurais, que o adquiriam com o intuito de se informar sobre assuntos

como as festas de datas móveis como a Páscoa.

A despeito disso, pode-se exemplificar a partir do mesmo prognóstico mencionado

acima, do ano de 1644. Este seria um ano bissexto, tendo a Quarta-feira de cinzas no dia 10

de fevereiro, a Páscoa no dia 27 de marco, a Pentecoste no dia 15 de maio, Corpus Christi no

dia 26 de maio e assim por diante.

Informavam-se também a respeito das fases da Lua e sua interferência nas marés e,

por conseguinte na atividade pesqueira, as estações do ano e suas características climáticas,

que por sua vez influenciavam nas atividades agrícolas; entre outros fins. As quatro estações

do ano prognosticadas para 1644 tiveram diversas características relatadas no prognóstico.

Iniciando-se pela Primavera, o autor diz que esta se compõe de três meses, começando

em 19 de marco e terminando em 19 de junho. Será, no início, fresca e depois mais quente e

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nevoada e, no fim, haverá geadas prejudiciais aos frutos da terra como foi a do ano de 1643.

Sendo Júpiter seu senhor, e Saturno participante.

Posteriormente vem o Estio que também era comporto por três meses, tendo seu início

em 20 de junho e indo até 21 de setembro. Segundo Lourosa, haverá febres malignas e agudas

em que se os médicos não andarem com o pé conforme a doutrina apodítica, naufragarão os

pobres dos enfermos. Sendo seu senhor Marte, e Vênus e Júpiter participantes.

O Outono, por sua vez, também contava com três meses começando em 22 de

setembro a 19 de dezembro. Esta estação será seca, somente no mês de setembro haverá água

e haverá muitas trovoadas e discórdia entre os contrários. Sendo seu senhor Marte.

E por fim chega-se no Inverno, que será compreendido entre o dia 20 de dezembro a

18 de março do ano seguinte (1645) e terá como características o frio, o vento e a pouca

umidade. Seu senhor sendo Vênus, e Mercúrio participante.

Para além dessas temáticas, os almanaques continham informações de cunho político

que acompanhavam as transformações ocorridas no governo ao longo do conturbado período

da Restauração Portuguesa. Pode-se perceber dessa forma que as camadas populares, a quem

eram destinadas tais publicações, não estavam alheias ao que estava acontecendo na política.

Esses livretos também eram uma forma de Lourosa demonstrar seus alinhamentos políticos e

estimular o povo português a se posicionar diante da Restauração.

A exemplo disso pode-se mencionar o prognóstico de subtítulo Prognóstico de Pazes e

de Aplausos Lusitanos, o autor tinha como um claro objetivo de comemorar a assinatura do

tratado de paz entre Portugal e Espanha em fevereiro de 1668. Tal tratado propôs o fim das

Guerras de Restauração, garantindo a independência de Portugal15

.

A vista disso, pode-se dizer que com almanaques que iam além do entretenimento e

tinham um valor instrutivo e politizado em meio a um contexto instável Lourosa foi lido por

peixeiros, comerciantes de rua, alfaiates etc. e é um indício de que esses grupos não estavam

alheios ao que se passava nos bastidores governamentais.

15 CAROLINO, Luís Miguel. A Escrita Celeste: Almanaques astrológicos em Portugal nos Séculos XVII e

XVIII. Rio de Janeiro: Access Editora, 2002.

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4. Referências bibliográficos

4.1 Textos de época

ERICEIRA, Conde da (D. Luís de Menezes). História de Portugal Restaurado. 4 vols.

Lisboa: Officina de Rodrigo Domingues, 1751.

_______. Para a História da Ciência em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1973.

LOUROSA, Manoel Gomez Galhano. Prognóstico e Lunário do anno de 1644. Lisboa:

Antonio Alvarez, 1643.

_______. Prognóstico e Lunário do anno de 1647. Lisboa: Antonio Alvarez, 1647.

_______. Prognóstico e Lunário do anno de1669. Lisboa: Officina de Antonio Craesbeeck,

1668.

_______. Polymathia Exemplar. Doctrina de Discursos Varios Offerecida ao Conde de

Castel-Melhor. Cometographia Meteorologica do Prodigioso e Diuturno Cometa que

Appareceo em Novembro do Anno de 1664. Occupação Curiosa do Licenciado Manoel

Gomez Galhano Lourosa, Medico Lusitano. Lisboa: Antonio Craesbeeck de Mello, 1666.

PIMENTA, Antonio. Sciographia da nova Prostimasia celeste, & portentoso cometa do anno

de 1664. Lisboa: Domingos Carneiro, 1665.

4.2. Textos Contemporâneos

ALBUQUERQUE, Luís de. A “Aula da Esfera” do Colégio de Santo Antão no Século XVII,

separata de “Anais da Academia Portuguesa da História”, 2ºs, 21, Coimbra: Agrupamento de

Estudos de Cartografia Antiga / Junta de Investigações do Ultramar, 1972.

ALVIM, Marcia Helena. O conhecimento europeu acerca da natureza: a filosofia natural e

as crônicas elaboradas na Nova Espanha do século XVI. In: VII Encontro Internacional da

ANPHLAC, 2006, Campinas. Anais do VII Encontro Internacional da ANPHLAC, 2006.

AVALOS, Ana. As Above, So Below. Astrology and Inquisition in Seventeenth-Century New

Spain. Florença: Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História e Civilização

Europeia do Instituto Universitário Europeu, 2007.

BARTON, Tamsyn. Ancient Astrology. Londres/Nova Iorque: Routledge Taylor & Francis

Group, 2003.

CAMENIETZKI, Carlos Ziller. O Astrônomo e a Restauração: Manuel Gomes Galhano

Lourosa e sua intervenção na política de Portugal Restaurado. In: History of Astronomy in

Portugal, 2014, Lisboa. Proceedings of International Conference History of Astronomy in

Portugal. Institutions, theories, practices. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Astronomia, 2009.

_______. A Cruz e a Luneta: Ciência e Religião na Europa Moderna. Rio de Janeiro: Access,

2000.

_______; CAROLINO, Luís Miguel. Astrologersat War: Manuel Gomes Galhano Lourosa

and the Political Restoration of Portugal, 1640-1668. Cultureand Cosmos, v. 13, p. 63-85,

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