ORIGENS NACIONAIS DA DOUTRINA DA ESG
Ubiratan Borges de Macedo Adjun~ da Divisão de Pesquisa e Doutrina/ESG
A ESG surgiu em 1949 sob o impacto da experiênci?- brasileira com. a Segunda Guerra Mundial. Tornou..'.se evidente a necessidade de um curso de estadornaior combinado -e de um curso que hal;>ilitasse elites civis e militares no estudo das realidades nacionais para o preparo do esforço da guerra, iminente no julgamento da época. Porém se a Escola surgiu em· função de um evento externo, qual seja a expectativa de um novo conflito, ao nascer já tinha uma doutrina pronta pelo menos com suas teses centrais. Tal esboço estava contido num documento intitulado "Princípios Fundamentais" de autoria do grupo fundador e o qual iniciava dizendo que a criação da ESG "se alicerça em um.a série de princípios que são aceitos como verdades". Verdades de modo óbvio no consenso comum ao grupo fundador e às autoridades às quais era dirigido o documento.
Havia pois um consenso doutrinário tomado como indiscuti-
vel, sendo a novidade a idéia de uma escola ou um .centro de altos estudos para implementálas. Nestes princípios já consta• va a idéia de Segurança Nacional como conceito mais amplo do que o de Defesa Nacional, este relacionado só à defesa contra uma guerra externa convencional.
Ap::i.recia ali a firme crença de aue "O Brasil possui os requisitos básicos (área, população, recursos) indispensáveis para se tornar uma grande potência". E num corolário afirma-se que "o Desenvolvimento do Brasil depende da remoção dos óbices que o entravam de modo a se obter uma aceleração do ritmo.
o modo de acelerar esse desenvolvimento será o trabalho em conjunto através de método de planejamento a nível nacional, que é preconizado a.pesar de não "expressis verbis". (S.alienta-se o uso do conceito de Desenvolvimento ainda incomum à época).
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r·oae-se pois perct:1Jer J~ t:;:i
truturados os temas que iriam ser f ocalize,dos nestes últimos decênios pela ESG. - Poder-se-ia perguntar: de on
de vieram estas idéias? Ao contrário do enunciado pelo padre JOSÉ COMBLIN em "A Ideologia de Segurança Nacional,. (1977) que atribuiu a uma cópia de doutrina americana o ensinamento esguiano; apesar de 110 meSimo livro não conseguir iden~ tificar essas origens por citar quase sempre documentos brasileiros e não explicar as fundas divergências entre o National War College e a ESG e as concordâncias v:ersarem sobre temas óbvios de dominio comum. Além de ingenuidades como ligar a existência de um Conselho de Segurança Nacional à ideologia da E.SJ, aliás já previsto na Constituição de 46 anterior à ESG. - Julgamos serem outras suas origens.
Mas seria mais razoável perguntar aos estudiosos brasileiros pelas origens da doutrina da E8G.
E com certa surpresa alguns leitores descobrirão por exemplo que Wilson Martins no sexto volume de sua magnífica "História da Inteligência Brasileira,., p. 563 atribui a origem da doutrina da ESG à:s concepões expostas no livro do General Góis Monteiro "A Revolução de 30 e a Finalidade Política do E~ército" (1934). E dois anos antes em l.976: Edmundo Campos Coelho, pesquisador do IUPERJ, afirmava em sua tese "Em Busca de Identidade: O Exército e a Política na Sociedade Brasileira,,:
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das as diferenças de circunstân~ oias, a doutrina militar de Góis Monteiro é, no essencial idêntica à doutrina de Segurança Nacicr nal elaborada pela inteligência da Escola Superior de Guerra. Ela antecipa de ma.is de vinte anos a doutrina militar do regime instaurado com a revolução de 1964. A nossa tese, é na verdade, a de que o pensamento de Góis Monteiro foi simplesmente retomado e reela.borado em função de uma nova conjuntura" (105). .
Esta tentativa de encontrar fontes brasileiras para a ESG já. data de 1973 do livro de Micllel Schooyan - "Destin du Brésil", o qual apontava o positivismo do início da República com seu "Ordem e Progresso» como antecessor da Segurança e Desenvolvimento, e, o integralismo para aspectos secundários da doutrina.
A nossa tese sobre as origens da doutrina é um pouco diversa. A form.ulação doutrinária na ESG é fruto de uma elaboração coletiva sucessiva. Durante esites trinta anos, geraçõés de membros do seu corpo pennanente e seu corpo de estagiários burilaram algumas idéias básicas, sendo hoje impossível identificar autores da forma atual. Mas é possível identificar a origem das idéias básicas.
A atual doutrina da Escola Superior·de Guerra representa a evolução do nacionalismo de Alberto Torres e do pensamento de Oliveira Vianna.
Alberto Torres nos seus dois livros de 1914 "O Problema Nacional Brasileiro" e a "Organi-
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preocupações animadoras da novel instituição. Alberto Torres reclamava uma "soberania real" mais forte do que as formas jurídicas e políticas de soberania.
Em época já tão afastada reclamava um suporte econômico e militar para a soberania ser real e se propunha com seriedade o problema da organização e futuro do estado brasileiro ameaçado pelos particularismos federalistas e pressões externas. Deixava bem clara a necessidade de objetivos nacionais galvanizarem as vontades individuais numa obra que transcendesse os indivíduos e garantisse por esta dedicação o futuro e o presente. Oliveira Vianna propõe-se com vagar e técnica os problemas organizacionais de um estado moderno nas condições brasileiras. Criou e propagou com insistência o conceito de Política Nacional, a grande política que visa objetivos maiores e mais duráveis que os de um partido, região ou tempo, mas refere-se ao conjunto da Nação e seus objetivo&. Todas suas idéias sintetizou-as com brilhantismo no seu último livro, "Instituições Políticas Brasileiras", e que se publicou junto com a criação da ESG e nela exerceu com seus trabalhos anteriores duradoura influência ..
A função das elites, na Doutrina da ESG, de levar ao povo os objetivos nacionais e ao mesmo passo criá-los em intima consonância com seus anseios e aspirações vem de Oliveira Vianna. E esta função atribuída às elites mostra o caráter não mobilizatório do modelo polít.ico esguiano
em conuasr.e com o moae10 mobilizador do integralismo desautorizando a tese de Schooyans.
A influência do positivismo· foi irrelevante na ESG, cingiu-se ao poder evocativo do lema nacional. A teoria militar do positivismo exposta por Benjamin Gonstant é o oposto da que veio prevalecer por mediação de Góis Monteiro, cuja influência mais do que pessoal na doutrina representou antes o compendiamento por um ilustre e autorizado chefe, de idéias que a Missão Militar Francesa difundira e a que se somou a tradicional função de poder moderador das Forças Armadas constante na tradição politica brasileira.
O grupo de militares que a constituiu: Cordeiro, Juarez, e ·mais tarde Golbery do Couto e Silva, trouxeram todos, sobretudo os dois últimos, relevantes contribuições. Do general Golbecy muito mais relevante a influência de seu livro sobre "Planejamento Estratégico" do que seus estudos geopolíticos, estes considerados com curiosidade e simpatia mas sem serem incorporados ao ideário oficial da es-cola, ao contrário do sucedido com o outro livro.
E tl'.ouxeram os seus funda· dores um dado novo Côm relação às fontes históricas na.cio· nais: a firme adesão ao regime democrático e ao seu regime econômico, convicção haurida na Segunda Guerra ao lado da de-· mocracia a,mericana vencedora dos regimes totalitários.
Eis em perspectiva as odgens dos temas políticos e militares
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constantes da doutrina básica da ESG.
Quanto ao tema da Segurança Nacional com o conceito abrangente de garantia a ser proporcionada em especial pelo Estado ao cidadão e ao conjunto da nação por ações econômicas, psicossociais, militares e políticas, encontra suas raízes em Góis Monteiro. E a doutrina da guerra revolucionária e da conseqüente preservação e repressão ao terrodsmo como meio de ação política incompativel, teve é certo sua origem no clima da Guerra Fria, mas rapidamente perdeu esse fundamento para adquirir o de respeito ético à pessoa humana e ao jogo da democracia. Es-. critor recente, Antonio Pairo, com rara felicidade sintetizou a contribuição da doutrina da ESG ao pais.
"A Escola superior de Guerra desenvolveu com êxito uma significativa elaboração teórica, notadamente no que respeita à delimitação daquela esfera de atuação do poder que não pode ser objeto de barganha, ou melhor, que configura as bases do pacto politico. Essa esif era, denominou-se de objetivos nacionais permanerntes, isto é, o conjunto de pressupostos que devem constituir o patamar superior da política, no ponto mesmo de sua confluência com a moral. Tais objetivos consistem na preservaqão da integridade do território; na integração nacional, expressa no crescente espirito de solidariedade entre seus mem-
t>ros e no com oa te aos preconceitos; no aperfeiçoamento político com base nos princípios democráticos; na conquista de níveis de vida compatíveis com os· melhores: padrões do mundo; na obtenção da paz social; e na intangibilidade da soberania nacional, consubstanciada na autodeterminação e na convivência em pé de igualdade com as outras nações.
O desenvolvimento nacional é entendido, portanto, co-mo um conjunto integrado de elementos, sem embargo da prevalência atribuída à superação da pobreza. A instituição atuou igualmente no sentido de eliminar as conotações ideológicas. de que chegaram a revestir-se, na realidade brasileira, a idéia de planejamento.
A ESG permitiu, finalmente, que o tema da segurança nacional viesse a ser abordado em nível acadêmico. A discussã.o nesse nível acabaria contribuindo para o abandono da visão maniqueísta que centrava a fonte da insegurança na ação in&pirada pelos comunistas. A Escola difundiu o entendimento de que as formas de agressão insufladas do exterior somente encontram campo propicio para vicejar em face de condições materiais adversas e do atraso cultural. Afora isto, o ciclo de evolução do Ocidente, em que vivemos, em resultado da evolução tecnológica, também se constitui em fonte de per-
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plexidades. Em vista do reconhecimento dessa amplitude dos foc.Os de insegurança, a segurança nacional é afirmada como condição para o desenvolvimento mas igualmente dependente dos êxitos deste último. Além disto, não é função do Estado isoladamente mas responsabilidade coletiva. (A Querela do Estatismo, p. 118).
BIBLIOGRAFJ:A
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- Paim, Antonio - "A Querela. do Estatismo" - Tempo Brasileiro -Rio 1979.
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"O destino de uma nação pressupõe a decisão de todo um povo e sua participação consciente no projeto nacional."
Manual Básico da ESG - 1983
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