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O USO EXCESSIVO DOS PRINCÍPIOS NO ÂMBITO DO CONTROLE DA
CONSTITUCIONALIDADE E OS LIMITES AO ATIVISMO JUDICIAL
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................3
1. Normas: Regras e Principios Constitucionais .......................................................7
1-1- Classificações e funções dos princípios constitucionais .................................11
2. O Controle de Constitucionalidade das Normas ............................................13
2.1– A Atividade do juiz constitucional e suas limitações ..................................21
3. A problemática do uso excessivo dos princípios nos julgamentos................26
4. Conclusão ...........................................................................................................26
Bibliografia ....................................................................................................................29
3
INTRODUÇÃO
Na época primitiva os homens viviam sem qualquer codificação que
regulamentasse suas ações e convívio. As tarefas eram naturalmente divididas entre os
habitantes e sobreviviam os mais fortes, eis que não havia regulamentação de direitos.
Com o passar do tempo e o crescimento do número de habitantes, estes
começaram a sentir a necessidade de organizarem-se e estabelecerem regras, momento
em que se observa o surgimento das sociedades.
Na idade Antiga foi concedida aos profetas legitimidade para fiscalizar os atos dos
governantes que extrapolassem aos limites impostos pela Bíblia, fato este que Karl
Loewenstein1 aponta como o início do surgimento do constitucionalismo.
Em seguida, a Idade Média seguiu no desenvolvimento do constitucionalismo, já
em rumo ao apontamento de, mesmo que formalmente, alguns direitos individuais, na
Magna Carta de 1215, contudo, apenas na Idade Moderna verificou-se a aplicação
concreta desses direitos, ainda que não de modo universal, marcada pela Constituição
norme-americana de 1787 e francesa de 1791.
Se por um lado a Idade Moderna foi marcada pelo jusnaturalismo moderno pelo
qual lei e razão encontravam-se interligados, há de se ressaltar que este durou apenas até
a primeira metade da Idade Contemporânea, quando ascendeu o juspositivismo afastando
o direito da ideia de justiça.
Interessante relembrar, que após a Revolução Francesa, Napoleão Bonaparte
ocupou a posição de imperador francês e, com isso, promulgou, em 1804, o código
conhecido como Código Napoleônico.
Apesar de não ter sido o primeiro código estabelecido na nação européia, o Código
Napoleônico fez emergir a “Era da Codificação” e com ela a ideia de dogma da
completude, segundo a qual os Códigos continham toda a regulamentação, cabendo ao
juíz apenas aplicá-la.
1 Loewenstein, Karl. Teoria de la constituicion; citado em pt.wikipedia.org
4
Desta feita, pode-se dizer que a ideia de codificação advinda do Código
Napoleônico fez surgir, como dito, naquela época, o sentimento de que ao juiz cabia
apenas aplicar a lei, que já se encontrava previamente estabelecida.
Em 1934 surgiu a Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen2, que, analisando as
relações naturais de causa e efeitos (princípio da causalidade) chega a estrutura do dever-
ser, através do princípio da imputabilidade, pelo qual um fato torna-se condição de outro
conectado com o anterior por uma vontade atributiva do vínculo.
A teoria kelseniana estabelece uma hierarquização das normas, de forma que, a de
menor nivel hierárquico sempre busca validade na norma imediatamente superior. Assim,
a norma superior regula e institui a criação da norma inferior.
Após a 2ª Guerra Mundial foi possível observar, por conseguinte, a crise do
pensamento positivista, isso porque percebeu-se as severas violações aos direitos
fundamentais e a necessidade de consagração da primazia do princípio da dignade da
pessoa humana, fazendo com que o pensamento ético e a ideia de justiça voltasse a estar
atrelada ao Direito.
Após o século XXI surgiu o neocostitucionalismo, marcado pela preocupação com
a concretização das normas até então meramente programáticas, bem como pela releitura
da noção de Direito, pautado não mais apenas pela letra fria da lei, mas intimamente
interligado à moral, justiça e ética.
Neste sentido, Gisele Leite3 informa que o neoconstitucionalismo conduziria a
uma remoralização do fenômeno jurídico, pois, de acordo com a doutrinadora, mitigaria-
se, desta forma, a separação entre o direito e a moral. Afirma, ainda, que o direito é um
fato social e como tal não pode ser analisado de uma forma isolada, sendo necessário, por
outro lado, avaliar os valores envoltos à toda sociedade.
No ordenamento jurídico vigente, a norma superior na escala hierárquica, ou seja,
a que direciona as inferiores e lhes fundamenta a validade, é a Constituição.
2 Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. Martins Fontes, 1985, p. 288 3 Leite, Gisele. Neopositivismo, Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. Disponível em:
www.temasatuaisprocessocivil.com.br
5
Deste feita, pode-se afirmar que a Constituição representa o fundamento de
validade das normas a ela inferiores, pelo que deve ser entendida e interpretada como
soberana.
Em consequência à soberania da Constituição e ao fato desta servir de fundamento
de validade para as normas inferiores, surgiu a necessidade de verificar a adequação de
tais normas em relação àquela, com a finalidade de impedir a introdução no ordenamento
jurídico de preceitos incompatíveis com a “Lei Maior”.
Sgarbi4, em importante reflexão sobre a validade das normas se utiliza da teoria
Kelseniana para concluir que sendo válida uma norma, pode-se dizer que ela existe no
conjunto normativo. Assim, existindo, deve ser obedecida e aplicada juridicamente.
A tal respeito é de suma importância o princípio da supremacia da Constituição.
Em relação ao supracitado princípio e tendo em vista a teoria piramidal de Kelsen,
pela qual a Constituição está no vértice do sistema jurídico do país, conferindo-o validade,
José Afonso da Silva5 afirma que se trata da lei suprema do Estado. Isso porque a
Constituição abrange a estrutura do Estado, bem como a organização dos seus órgãos e
suas normas fundamentais, donde decorre sua superioridade frente às demais normas.
Prossegue o doutrinador apontando que é do princípio da supremacia da
Constituição que advém a ideia de compatibilidade vertical, pelo qual as normas de grau
inferior, para serem válidas, devem ser compatíveis com as normas de grau superior.
Conclui-se, assim, que, devem ser consideradas inválidas as normas inferiores
incompatíveis com a Constituição, posto que, havendo conflito entre aquelas e esta, a
resolução está em favor das normas de grau mais elevado, justamente por constituírem o
fundamento de validade das demais.
Por conseguinte, o instrumento utilizado pelos juízes constitucionais para verificar
a validade de uma norma inferior em relação a Constituição é o controle de
constitucionalidade das normas.
4 Sgarbi, Adrian. Clássicos de Teoria do Direito. Lúmen Júris. Rio de janeiro, 2009, p. 41 5 Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Malheiros, 2005, p. 47
6
A problemática que será abordada neste trabalho consiste, exatamente, em analisar
a atividade dos juízes constitucionais no que toca ao momento da interpretação e
aplicação das normas no julgamento das ações que lhes são propostas.
Isto porque tem-se notado que, ao julgar as referidas causas, os juízes
constitucionais têm usuarpado a função do legislador, ultrapassando os limites de sua
atuação e invadindo a esfera da competência legislativa.
Não fosse apenas isso, os juízes constitucionais têm, ainda, desprezado as normas
positivadas e aplicado excessivamente princípios vagos e subjetivos, criando direitos
aonde o legislador, competente para tanto, já o fez.
Tais julgados tornam-se, deste modo, sobremaneira duvidosos, ao passo que as
decisões proferidas não encontram fundamento legal, não passando de criações,
inovações, por julgadores e não legisladores.
A esse respeito, oportuno destacar os ensinamentos de Maria Benedita Urbano6,
ao apontar que o controle de constitucionalidade das normas – instrumento de verificação
de compatibilidade das normas inferiores com a Constituição -, vem desencadeando tanto
um problema de separação de poderes (de um lado o poder judicial e do outro o poder
legislativo/político; ou entre tribunais e parlamento) e um problema de legitimidade (de
um lado se encontrando a autocracia judicial e do outro a democracia).
Ainda como bem aponta, grande parte da atividade interpretativa das normas
constitucionais acontece no âmbito do controle de constitucionalidade, pelo que se
conclui não se tratar, apenas, de uma questão interpretativa.
O fato é que, conforme visto, demasiados são os casos aos quais o juíz
constitucional é dado decidir acerca da compatibilidade ou não (constitucionalidade ou
não) das normas inferiores em relação à Constituição, contribuindo, assim, para crescente
estreitamento e choque entre àqueles a quem cabe julgar e aos que cabe legislar, sob o
manto da legitimidade democrática.
Por fim, buscar-se-á entender, neste trabalho, o limite do “criativismo judicial”,
ou seja, os limites da liberdada da atuação dos juízes constitucionais no momento de
aplicação/concretização do direito.
6 Urbano, Maria Benedita. Curso de Justiça Constitucional. Almedina, 2012, p. 65
7
1- Normas: Regras e Principios Constitucionais
Antes mesmo de adentrar à problemática objeto deste trabalho, qual seja, os
limites da atuação dos juízes constitucionais e a excessiva aplicação dos princípios
quando realizado o controle de constitucionalidade das normas, a despeito da lei
positivada, necessário se faz estudo acerca dos referidos institutos.
Em todos os campos do saber a palavra princípio sinaliza um conjunto de ideias
que se organiza em torno de uma ideia central, sendo subordinadas ou derivadas de outra
ainda maior que lhes da sentido. O princípio seria, então, a ideia central que subordina as
demais.
Segundo Luís-Diez Picazo7, a ideia de princípio deriva da linguagem da
geometria, “onde designa as verdades primeiras”, sendo, exatamente por isso,
“princípios”, “porque estão ao princípio, sendo as premissas de todo um sistema que se
desenvolve more geometrico”.
Apesar de modernamente os princípios serem vistos como normas jurídicas,
dotadas de positividade, imperatividade e eficácia, deve-se ter em mente que tal
pensamento representa uma evolução na história do Direito, haja vista que, em tempos
não tão distantes, tais não tinham caráter de norma jurídica, tratando-se de meros
aconselhamentos, destituídos de aplicação prática e imediata.
Inicialmente, é importante observar que o sistema jurídico do Estado de direito
democrático português se consubstancia num sistema normativo aberto de regras e
princípios, conforme ensina Canotilho, devendo ser entendido o termo “aberto” pela
estrutura dialógica, que é a disponibilidade ou a capacidade de aprendizagem das normas
constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às acepções de
verdade e justiça8.
Por outro lado, o fato de representarem um sistema de regras e princípios sugere
que as normas podem se apresentar como regras ou como princípios9.
7 Luís-Diez Picazo. Los princípios generales del derecho en el pensamento de F. Castro. Anuário
de Derecho Civil, p. 1267, apud, Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 228 8 Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, p. 165 9 Alexy, Theorie der Grundrechte, p. 71 ss.; citado por Jose Joaquim Gomes Canotilho, p. 172
8
Entende-se, assim, que regras e princípios são diferentes espécies de normas e que
não guardam, portanto, hierarquia entre si diante da ideia de unidade da Constituição.
Desta feita, Humberto Ávila10 apresenta importante distinção acerca dos referidos
institutos – regras e princípios. Ao sentir do ilustre jurista, um sistema jurídico deve ser
misto, ou seja, composto por regras e princípios, posto que, se pensarmos num sistema
apenas comporto por princípios, podería-se inferir que este se apresentaria
demasidamente flexível, faltando-lhe guias claros de comportamento; ao passo que um
sistema composto apenas por regras seria, em contrapartida, demasiadamente rígido.
Ávila considera que um ordenamento jurídico composto apenas por princípios
apresentaria problemas de coordenação, conhecimento, custos e controle de poder e que
num sistema composto apenas por regras, invariavelmente rígido, não seria possível
amoldas às soluções aos casos concretos.
Alerta, ainda, para a salutar conclusão de que não existe hierarquia entre os
institutos, nem mesmo grau de importância mais elevado de um frente ao outro,
desempenhando cada espécie as funções que lhes são próprias e que se complementam.
Como visto anteriormente, regras e princípios são espécies do gênero normas, o
que induz ao correto raciocínio de que há diferenciaças entre as terminologias claramente
visualizadas.
Seguindo os critérios propostos por Canotilho11, bem se poderá ter a exata noção
das diferentes carcterísticas que compõem cada espécie. O doutrinador se refere a diversas
determinantes, tais como o grau de abstração, que é mais elevado em relação aos
princípios; ao passo que, de modo diverso, as regras possuem uma abstração
relativamente reduzida; o grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto,
enfatizando que os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações
concretizadoras, enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta; o carácter de
fundamentalidade no sistema das fontes de direito, entendendo que os princípios são
normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua
posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua
importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito);
a proximidade da ideia de direito, apontando os princípios como standards juridicamente
10 Avila, Humberto. Teoria dos Princípios. Malheiros, 2009., p. 120-1 11 Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Almedina, 1993., p. 176
9
vinculantes radicados nas exigências de justiça, proposta por Dworkin ou na ideia de
direito, de Larenz, tratando, as regras, como normas vinculativas com um conteúdo
meramente funcional e, por fim, a natureza normogenética, pela qual os princípios são
fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras
jurídicas, desempenhando, por isso, o que chama de uma função normogenética
fundamentante.
Ainda no âmbito da importante distinção entre os princípios e as regras, Luiz
Roberto Barroso12 propõe que a discussão se baseie como qualitativa ou estrutual, posto
que, no entender do jurista, as regras descrevem condutas a partir das quais se fará a
subsunção ao caso concreto, havendo enquadramento ao mesmo; ao passo que em relação
aos princípios, estes estão previsto de maneira mais abstrata, sem determinantes de
condutas corretas.
Informa, ainda, Barroso, que, havendo conflito no momento de aplicação das
regras, apenas uma delas poderá prevalecer (pelo que invoca o sistema tud ou nada – all
or nothing proposto por Dworkin), alertando para que as regras somente deixam de incidir
sobre o caso concreto quando inválidas, quando houver outra mais específica ou se não
estiver mais em vigor.
Prossegue informando que, na aplicação dos princípios, o intérprete deverá, em
caso de colisão, dar a cada um o exato peso, ou seja, serão aplicados de forma graduada,
de acordo com as circunstâncias que se possa inferir do caso concreto e da relação com
outras normas, ao que denomina técnica da ponderação ou balanceamento.
Conclui, Barroso13, afirmando que tanto a aplicação do esquema tudo ou nada
também aos princípios, bem como a possibilidade de ponderação das regras já vem sendo
debatidas.
A mitigação da rigidez do pensamento em relação a ambos os institutos se assenta
no fato de que alguns princípios apresentam o que chama de núcleo de sentido, ou seja,
importância conferida às regras, sendo o caso, por exemplo, do princípio da dignidade da
pessoa humana.
12 Luis Roberto Barroso. Interpretação e aplicação da Constituição. Saraiva, 2009., p. 353. 13 Luis Roberto Barroso. Interpretação e aplicação da Constituição. Saraiva, 2009., p. 357.
10
No que se refere às regras, estas mesmo válidas em abstrato, ao serem aplicadas
aos casos concretos, poderão gerar inconstitucionalidade ou violar o próprio fim que
busca alcançar.
De extrema importância se faz, para o estudo em tela, a análise das teorias de
Ronald Dworkin e Robert Alexy à respeito da distinção entre regras e princípios.
Sustenta Dworkin o hoje já ultrapassado modelo tudo-ou-nada de aplicação das
regras.
Para o doutrinador, sendo a regra válida, seus efeitos jurídicos devem ser aceitos;
sendo inválida, não fundamenta e não pode exigir qualquer consequência jurídica. Já em
relação aos princípios, a sua aplicabilidade não se apresenta de forma obrigatória, pois,
nem mesmo os princípios que mais se aproximam de uma regra estipulam consequências
jurídicas que se devam seguir automaticamente quando presentes as condições previstas
em seu conteúdo14.
Já a teoria dos princípios de Robert Alexy15, é fundamentada pela “lei de colisão”.
Para o autor, tanto as regras como os princípios são normas e expressam um dever ser,
diferenciando-se apenas qualitativamente. Neste contexto, os princípios
consubstanciariam-se normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida
possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas. Constituem mandados ou
mandamentos de otimização. Por outro lado, as regras só podem ser cumpridas de forma
exata, integral. Havendo colisão entre normas, uma delas devera ser declarada inválida;
ao passo que entre princípios, um deve ceder frente ao outro, sem a necessidade de
declaração de invalidade.
Assim como Canotilho, Jorge Miranda16 também elenca características
diferenciadoras entre regras e princípios, apontando dentre outras, a maior proximidade
com a ideia de Direito ou dos valores do ordenamento; a maior amplitude, grau de
generalidade ou indeterminação frente às regras; a irradiação ou projeção dos princípios
para um número diverso de regras ou preceitos, por serem heterogeneos; a versatilidade
14 Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, p.25. 15 Alexy, Robert. El Concepto y la Validez del Derecho y Otros Ensayos. Barcelona: Gedisa,
1994. p. 21.
16 Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra, 2000., p. 228.
11
e variabilidade de conteúdos pelo tempo e circunstâncias; a maior abertura dos príncipios,
que não pretendem regulamentação exaustiva de todos os casos; a expansibilidade frente
a situações ou fatos novos e a capacidade de harmonização, sem necessidade de
revogação ou invalidação.
A partir do estudo acima é forçoso concluir o maior grau de generalidade e
abstração dos princípios em relação às regras, bem como que, havendo conflitos no
momento de aplicação destas, uma deverá necessariamente ser invalidada frente a outra,
ao passo que, em relação àqueles, a utilização de um não desprestigia nem invalida os
demais.
1.1- Classificações e funções dos princípios constitucionais
Segundo a classificação proposta por Canotilho17, os princípios podem ser assim
especificados como princípios jurídicos fundamentais, à medida que historicamente
objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram
uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional; princípios políticos
constitucionais conformadores: “os princípios constitucionais que explicitam as
valorações políticas fundamentais do legislador constituinte”; princípios constitucionais
impositivos: “subsumem-se todos os princípios que impõe aos órgãos do estado,
sobretudo ao legislador a realização de fins e a execução de tarefas” e princípios-garantia:
é “atribuída uma densidade de autentica norma jurídica e uma força determinante, positiva
ou negativa. [...] esses princípios traduzem-se no estabelecimento direto de garantias para
os cidadãos”.
Tendo em vista a atual classificação dos princípios constitucionais, tal como
proposta por Canotilho, infere-se que os mesmos apresentam enorme relevo no cenário
jurídico.
Em relação as funções por eles exercidas afirma Paulo Bonavides18 que os
princípios exercem na ordem jurídica as seguintes: interpretativas, supletivas e
fundamentadoras.
17 Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra, 1997., p. 183. 18 Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros, 1999., p. 254.
12
Em justificativa à sua conclusão, Bonavides, assevera que os princípios funcionam
como fundamento da ordem jurídica, possuindo eficácia derrogatória e diretiva; como
orientadores do trabalho interpretativo e como fonte, em caso de insuficiência de leis ou
costumes aplicáveis ao caso em questão.
Como visto, pode-se dizer que os princípios constitucionais exercem
multifunções, é o que afirma Ruy Samuel Espindola19 ao ensinar que além de servirem
como parâmetro para soluções de problemas jurídicos, funcionam, também, como
critérios interpretativos para soluções de outros casos nos quais não sejam aplicados
diretamente.
Importante colocação feita por Espíndola refere-se à aplicabilidade dos princípios
constitucionais em diferentes graus, ou seja, não importa, segundo o doutrinador, o nível
hierárquico-normativo da norma a ser interpretada, bastando que o mesmo a ela se
encaixe.
Canotilho20, de forma bastante elucidativa, ao tratar dos princípios e sua
aplicabilidade, apresenta o que chama de “trabalho metódico de concretização”, que,
segundo explica, é/deve ser, num Estado democrático, orientado por disposições legais.
O trabalho metódico de concretização consiste, assim, em que o jurista que irá
aplicar a norma a tenha como premissa inicial, norteadora - uma vez que foi editada pelas
entidades legitimamente eleitas para tanto.
A partir de então, a norma de decisão representará a medida de ordenação
imediata, composta pela norma positivada e princípios, não se afastando, outrossim, da
primeira e não sendo, ao final, dela independente.
Não menos interessante se faz ainda sua colocação acerca das distinções das
funções concretizadoras. O caso é, neste ponto, que a própria constituição tratará de
positivar as várias instâncias e suas competências.
Deste modo, têm-se como nível basilar os princípios e as normas; evoluindo-se
para o nível político-legislativo, pelos quais as decisões políticas emanadas pelos órgãos
19 Espíndola, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, 1999. 20 Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra, 1999, p. 224
13
legiferantes concretizam os mandamentos constitucionais; e o nível executivo e
jurisdicional, pelo qual se obtém, finalmente, a norma de decisão.
O que se pode concluir, por fim, é a existência de diferentes tipos de normas: regas
e princípios e que estas, aliadas às diversas funções concretizadoras, fazem com que os
mandamentos constitucionais se concretizem através da norma final de decisão, que,
como dito, não pode afastar-se das diretrizes impostas pela constituição.
2- O Controle de Constitucionalidade das Normas
Não menos importante e igualmente pertinente se faz o estudo sobre o controle de
constitucionalidade das normas.
A medida conhecida como controle de constitucionalidade de uma norma
representa o principal meio de imposição de limites ao poder politico, garantidor da
regularidade das funções estaduais pela anulação de um ato tido por inconstitucional.
Ocorre que, nem sempre foi assim.
Num primento momento, a Constituição não era vista como lei suprema, o que
fazia com que não houvesse controle tendo seu texto como paradigma.
À medida, portanto, que este cenário se inverteu, ou seja, passando a Constituição
a ostentar posição de supremacia, os parlamentares começaram a admitir o controle de
constitucionalidade, que, ainda assim, seria pelos próprios efetivado.
Haja vista a óbvia ineficácia advinda de um controle político (autocontrole), este
passou a ser efetivado pelos tribunais, momento em que se tornou um controle judicial
das nomas constitucionais.
Interessante citar o conceito de Constituição proposto por Rogério Soares21, pelo
qual esta seria “uma ordenação sistemática e racional da comunidade política”,
apresentada em documento escrito, garantidor dos direitos fundamentais e do poder
político e sua divisão.
21 Soares, Rogério. "Constituição", citado por Jose Joaquim Gomes Canotilho, Direito
Constitucional. Almedina, 1997., p 12
14
Importa mencionar, por oportuno, que a necessidade de anulação do ato
inconstitucional, ou seja, de retirada deste ato contrário à Constituição do ordenamento
jurídico, advém da noção de que a Carta Magna representa a lei suprema e rígida.
Logo, se entende que a retirada do ordenamento juridico de um ato
inconstitucional reafirma ainda mais a superioridade, a soberania da Constituição.
Tal acepção tonar-se ainda mais evidente nos ensinamentos de Hans Kelsen,
percursor do sistema piramidal das normas jurídicas positivas.
Sabe-se, assim, que o sistema piramidal22 estabelece a Constituição como norma
fundamental positiva, tendo esta, por sua vez, o condão de delegar aos outros órgão a
competência para produzirem suas próprias normas.
Não se deve perder de vista, por sua vez, que as normas a serem emandas a partir
da Constituição (infraconstitucionais), devem buscar fundamento de validade naquela
(Constituição), consagrada como soberana por nosso ordenamento jurídico.
Em relação ao controle de constitucionalidade das normas, deve-se, ainda,
observar o princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição, uma
vez que, como já enuncia, não se pode permitir que uma norma seja interpretada de forma
a contrariar o sentido perseguido pelo legislador constituinte.
Deve-se atentar, contudo, para o fato de que tal princípio se refere aos casos de
normas polissêmicas, ou seja, que comportam vários tipos de interpretação e não para
àquelas que possuem uma única interpretação possível.
À respeito do princípio em análise afirma Canotilho ao citar
Leibholz/Rinck/Hesselberger23 que a interpretação conforme a constituição só é legítima
nos casos em que existe uma margem de interpretação, cabendo ao julgador, dentre as
várias opções interpretativas, aquela que mais capta o sentido constitucional.
22 Kelsen, Hans citado por Jose Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional. Almedina,
1997., p 47
23 Leibholz/Rinck/Hesselberger citados por José Joaquim Gomes Canotilho. Direito
Constitucional. Coimbra, 1999., p. 230
15
Decerto, como termina por apontar, o princípio não se aplica quando se acaba por
obter uma regulação nova, contrária ao proposto pelo legislador, ou mesmo quando a
norma nao admite mais de um resultado interpretativo.
Outro ponto relevante sobre o tema está em saber por quem é analisada a questão
da constitucionalidade.
Segundo leciona Maria Benedita Urbano24 o dever de respeito ao texto
constitucional, soberano que é, faz surgir a necessidade de se controlar o respeito a essa
concordância. De acordo com a doutrinadora, neste contexto, visualiza-se a justiça
constitucional, autônoma e específica frente às demais.
Entendendo-se, assim, pela existência de uma justiça constitucional, ou seja, pela
existência de uma função judiciária responsável pela resolução de controvérsias no
âmbito da matéria constitucional, resta analisar se há, então, uma jurisdição
constitucional.
Neste sentido, observa Barroso25 em breve análise histórica que, até meados do
século XX vigorava em grande parte da Europa a supremacia do Poder Legislativo com
soberania do Parlamento, tendo a lei como expressão da vontade geral. Posteriormente,
observa-se o surgimento de novas constituições, bem como o modelo de supremacia da
Constituição. Nesse contexto, deu-se o que chama de “constitucionalização dos direitos
fundamentais”, passando diversos países europeus a criar tribunais constitucionais.
Pode-se entender, por conseguinte, que a jurisdição constitucional se concretiza
pela atividade dos juízes constitucionais ao exercerem a justiça constitucional. Teria,
então, a jurisdição constitucional o condão de fornecer a última palavra em termos de
interpretação.
Como bem assevera Gilmar Mendes26 acerca da Jusrisdição constitucional nos
Estados contemporâneos, contitui àquela o papel de “guardiã da Constituição”, cabendo
tanto ao legislador quanto à justiça constitucional funções de extrema relevância.
24 Urbano, Maria Benedita. Curso de Justiça Constitucional. P. 15 25 Barroso, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo: o triunfo tardio do direito constitucional no
Brasil, p. 5 26 Mendes, Gilmar. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaartigodiscurso/anexo/munster_port.pdf
16
Salienta, ainda, com maestria, que “a interpretação e a aplicação da Constituição
é tarefa acometida a todos os Poderes, assim como a toda a sociedade”.
Voltando ao conceito de jurisdição constitucional, Maria Benedita Urbano27
aponta a existência dos sentidos material e orgânico.
Desta forma, material seria o conceito referente ao objeto, ou seja, o tipo de
atividade desenvolvida; ao passo que o conceito orgânico “aponta para a existência de
um complexo de órgãos criados para o efeito de realizar a justiça, nomeadamente a
resolução de controvérsias ou litígios jurídicos”.
Substancialmente analisando, o sentido de jurisdição se refere à existência de
órgãos encarregados da função jurídica-constitucional.
A existência ou não de tribunais constitucionais, ou seja, de jurisdição
constitucional em seu sentido orgânico, dependerá do modelo de justiça constitucional
adotado.
De acordo com o modelo unitário, os próprios tribunais ordinários encarregar-se-
ão de realizar a justiça constitucional, analisando as questões de sua competência, não
sendo criado, para tanto, tribunais especiais.
Já o modelo da separação, por outro lado, se caracteriza pela existência de um
tribunal próprio, a par da ordem judiciária existente, ao qual caberá o exercício da justiça
constitucional.
Em Portugal, após a extinção do Conselho da Revolução, em 1982, foi criado o
Tribunal Constitucional, desfazendo-se, ainda, do modelo político de controle, tendo
como competência nuclear a fiscalização da constitucionalidade das leis e de sua
interpretação, sendo definitivas as suas decisões.
No Brasil, os sujeitos controladores são os juízes que compõem o Poder Judiciário,
seja atuando de forma singular, no primeiro grau de jurisdição ou em colegiados, como
nos graus superiores.
27 Urbano, Maria Benedita. Curso de Justiça Constitucional. Almedina, 2012., p. 14
17
Tratando-se, assim, do controle judicial de constitucionalidade, importante
analisar, ainda, a forma com que é efetivado, podendo ser: difuso, concentrado ou misto
(híbrido).
O sistema difuso de controle de constitucionalidade teve origem, como muitos
acreditam, com o famoso caso Marburry v. Madison, pelo qual o Juiz John Marshall, da
Suprema Corte norte-americana, em 1803, decidiu que, sinteticamente que, havendo
conflito entre a aplicação de uma lei num caso concreto e a Constituição, deve prevalecer
a segunda, por ser hierarquicamente superior.
A grandiosidade do caso seu deu pelo estabelecimento, desde então, de que
passaria a ser possível a qualquer juíz ou tribunal realizar o controle de
constitucionalidade, uma vez que o ordenamento jurídico norte-americano esta pautado
pela common law.
No conctrole difuso, ou seja, concreto, o objeto é um direito subjetivo, de modo
que, o pedido não está propriamente ligado à declaração de inconstitucionalidade da lei,
- que ocorre apenas de forma incidental, sendo a questão da constitucionalidade a causa
de pedir. Tendo em vista a ocorrência do controle difuso se dar diante do julgamento de
um caso concreto, como todas as decisões casuísticas, terão eficácia inter partes (entre as
partes litigantes no processo).
Assim, nestes casos, um caso concreto é posto à decisão perante um tribunal de
jurisdição ordinária, surgindo, então, a necessidade de se julgar uma questão de
inconstitucionalidade, que, conforme ensina Maria Benedita Urbano28, “podendo, desde
modo, afirmar-se que a norma ou normas objeto de controlo estavam relacionadas e, mais
do que isso, eram imprescindíveis à resolução da questão jurídica colocada”.
Ao longo do século XIX, este modelo americano de controle da
constitucionalidade foi predominante, porém, revelou alguns inconvenientes de sua
concretização, tais como: a deseconomia (proliferação de processos idênticos devido ao
efeito meramente inter partes) e a instabilidade jurídica (decisões diferentes e/ou
conflitantes sobre o mesmo caso).
Por sua vez, surgiu o modelo concentrado (kelseniano), predominantemente
adotado na Europa, que se caracteriza pela concentração em um único órgão, com
28 Urbano, Maria Benedita. Curso de Justiça Constitucional. Almedina, 2012., p. 19
18
competência orginária, da realização do controle de constitucionalidade das normas,
havendo ação própria para litigar à respeito da constitucionalidade.
Ao contrário do que ocorre no controle difuso, o controle concentrado, abstrato,
tem como pedido a análise da constitucionalidade da norma, não havendo partes e/ou caso
concreto.
Sendo assim, também inversamente ao que ocorre no controle difuso, o controle
concentrado, produzirá decisões com eficácia erga omnes (contra todos).
Neste caso, não há um caso concreto posto à julgamento do qual dependa uma
decisão acerca da questão da inconstitucionalidade. Nao há, assim, a tutela de interesses
individuais em causa, pois como bem pondera Maria Benedita Urbano ao citar Michel
Fromont29, “o exame que é levado a cabo pelo tribunal constitucional tem como objeto o
confronto entre dois teztos jurídicos, um de valor superior e outro de valor inferior, pelo
que, como se disse, não é contemplada nenhuma situação concreta de aplicação da lei”.
O controle misto tem lugar à medida em que se flexibiliza ou mitiga os institutos
puramente reconhecidos, que, separadamente considerados, apresentam falhas.
O controle difuso passa a não se sustentar por si só, uma vez que “por vezes, a
eficácia da decisão não se reduz aos simples efeitos inter partes, generalizando-se. Esse
fenômeno está associado ao princípio do stare decisis e à utilização da regra dos
precedentes judiciais”30.
Assim como o modelo norte-americano, o modelo kelseniano é mitigado à medida
em que através da via prejudicial (difuso), pode-se obter o efeito erga omnes
característico do sistema concentrado, haja vista a possibilidade dos juizes ordinários
remeterem ao Tribunal Constitucional a norma que considere relevante ao processo.
Isto porque, no direito Português é atribuída ao Tribunal Constitucional, que é um
Tribunal autônomo, a competência para controlar a constitucionalidade das normas
através dos juízes constitucionais; enquanto que no direito Brasileiro o controle é exercido
pelos tribunais ordinários (controle difuso) e pelo Supremo Tribunal Federal (controle
concentrado).
29 Urbano, Maria Benedita. Curso de Justiça Constitucional. Almedina, 2012., p. 20 30 Urbano, Maria Benedita. Curso de Justiça Constitucional. Almedina, 2012., p. 21
19
Em termos de direito constitucional brasileiro, importa salientar a adoção do
sistema híbrido e a possibilidade, também como no direito português, do efeito da decisão
em controle difuso vir a tornar-se erga omnes.
A excessão em comento está insculpida no artigo 52, X da Constituição da
Republica Federativa do Brasil, pelo qual:
“Compete privativamente ao Senado Federal:
X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
Sendo assim, em sede de controle difuso de constitucionalidade, ou seja, de forma
incidental, chegando a matéria por via recursal à analise pelo Supremo Tribunal Federal,
é posível que o Senado (por força do art. 52, X da CRFB), após encaminhamento da
decisão daquele Tribunal, com solicitação, venha a exarar resolução suspendendo para
todos a execução da lei, caso em que o aspecto subjetivo no controle concreto deixa de
ser apenas inter partes, passando a erga omnes.
Salienta-se, no entanto, que também neste caso deve-se analisar o princípio da
separação dos poderes ao atentar-se que o Senado não é obrigado a editar resolução
suspendendo a lei tida por inconstitucional. É o caso de atuação discricionária do Senado,
que o faz por motivos de conveniência, com fundamento no princípio da igualdade, no
sentido de evitar decisões conflitantes sobre a mesma matéria.
Em relação às decisões do juiz constitucional estas estão divididas em: decisões
interpretativas em sentido estrito e decisões manipulativas.
As decisões interpretativas em sentido estrito podem ser de rechaço (o juiz
constitucional repudia qualquer interpretação possível que seja contrária à Constituição)
ou de aceitação (anula-se qualquer decisão ordinária ofensiva à Constituição).
Pedro Lenza ao citar Guastini31, identifica tais decisões informando que o que
deve ser anulado não é o dispositivo e sim a interpretação que lhe for atribuída no sentido
da inconstitucionalidade, no todo ou em parte, caso contrarie a Constituição.
31 Guastini, R. Guastini, Estudios sobre la interpretaciónjurídica, México, Porrúa, 2000, p. 47-
49, citado por Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p. 182.
20
É importante salientar que, neste caso, o dispositivo não é retirado do ordenamento
jurídico, sendo anulada apenas a interpretação inconstitucional, ou seja, sendo banido
com eficácia erga omnes, a sua vertente contrária à Constituição.
Já no que tange às decisões manipulativas há a aceitação do pedido de
inconstitucionalidade levado à julgamento, porém, nestes casos, verifica-se severa atitude
legiferante por parte do juiz constitucional. Tais decisões podem ser aditivas ou
substitutivas.
Conforme leciona Gilmar Mendes32, através da sentença aditiva “a Corte
Constitucional declara inconstitucional certo dispositivo legal não pelo que expressa,
mas pelo que omite, alargando o texto da lei ou seu âmbito de incidência”.
Em relação a sentença substitutiva afirma Canotilho33 que havendo declaração de
inconstitucionalidade com efeito substitutivo, “o Tribunal declara a
inconstitucionalidade de uma norma enquanto, na parte ou nos limites em que contém
uma prescrição em vez de outra”.
Ao comentar a organização da justiça constitucional italiana, afirma Alessandro
Pizzorusso34 que “a primordial finalidade do controle de constitucionalidade é a proteção dos
direitos fundamentais, que, apesar da inexistência de procedimentos específicos como o recurso
de amparo, o controle se desenrola nos próprios processos ordinários civis, penais ou
administrativos, de forma incidental, pela remessa dos autos à Corte Constitucional, concebido
para resolver uma questão prejudicial para a decisão do procedimento em curso, garantindo-se,
igualmente, a supremacia dos direitos constitucionalmente protegidos”.
Já o modelo francês prevê um controle de constitucionalidade preventivo, afirma
Charles Eisenmann35, “o controle de constitucionalidade preventivo a ser realizado pelo
Conselho Constitucional, que, no transcurso do processo legislativo, poderá, desde que
provocado pelo Governo, ou pelo presidente de qualquer das Casas Legislativas, analisar a
constitucionalidade de uma proposição ou de uma emenda, antes de sua promulgação, devendo
pronunciar-se no prazo de oito dias”.
32 Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Saraiva, 2012., p. 187 33 Canotilho. José Joaquim Direito Constitucional. Almedina, 1997. P. 1056 34 Pizzorusso, Alessandro. Tribunales Constitucionales. Madrid, 1984. P. 238. 35 Eisenmann, Charles. La justice constitutionnelle et la haute cour constitutionnelle d`Autriche.
Paris, 1986. P. 136.
21
2.1 – A Atividade do juiz constitucional e suas limitações
Com o surgimento das civilizações surgiram também os conflitos sociais e através
dos mesmos, naturalmente, a ideia de que uma terceira pessoa, sem qualquer interesse na
problemática em questão, imparcial, à qual se denominava juíz, seria o responsável por
“dizer o direito”.
Num primeiro momento, a figura do Juíz era tida como do representante do divino,
um ser que recebia o dom de decidir as questões sociais com neutralidade e superioridade.
Com o decorrer da história, portanto, o Juíz passou a ser um cidadão de reputação ilibada,
eleito para julgar as causas com imparcialidade.
Aristóteles36, em sua obra Política, visualizava a existência de três funções
distintas, autônomas e independentes, exercidas pelo poder soberano, que era concentrado
num único órgão, quais sejam: editar normas gerais; aplicar as referidas normas e julgar,
dirimindo os conflitos.
Aprimorando a teoria de Aristóteles, Montesquieu avança no sentido de afirmar
que cada função corresponderia a um órgao e não a um único órgão, fazendo surgir a
divisão funcional de poderes.
De acordo com o que informa, à respeito, Dimitri Dimoulis37, deve haver grande
preocupação acerca do combate à concentração do poder, com riscos de, não o fazendo,
gerar um ambiente absolutista, no qual o exercício do poder político caberá apenas a uma
pessoa ou grupo.
Neste sentido, conforme pregam os adeptos do liberalismo, a separação de
poderes, bem como sua distribuição por diversos órgãos autônomos garante o equilíbrio
polícito e evita o abuso de poder.
Pode-se depreender do estudo da teoria da divisão dos poderes, então, que seu
objetivo é evitar a concentração de poderes nas mãos de um único órgão, fazendo assim
com que não haja abuso. Tal teoria marca a passagem do Estado Absolutista para Liberal
e a caracterização da Tripartição dos Poderes Políticos.
36 Aristóteles. Política. Martin Claret. 37 Dimoulis, Dimitri. Significado e atualidade da separação de poderes., p.145
22
A Constituição da República Portuguesa, que adota o sistema misto de governo
(Presidencialista e Parlamentarista) – também denominado semi-presidencial -, expressa,
em seu artigo 110º, que são órgãos de soberania: o Presidente da República, a Assembléia
da Repúbica, o Governo e os Tribunais.
Em seu artigo segundo, a CRP38 estabelece o Estado de Direito Democrático, da
seguinte forma:
“A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado
na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política
democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e
liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes,
visando a realização da democracia económica, social e cultural e o
aprofundamento da democracia participativa”.
Entende-se, assim, através do referido artigo, que a Constituição Portuguesa adota
a separação e interdependência de poderes, sendo os três primeiros órgãos (Presidente da
República, Assembléia da República e Governo) exercentes de funções políticas e
legislativas, ao passo que aos Tribunais caberiam apenas a função de julgar.
O Tribunal Constitucional, não integrado ao sistema judicial, como prevê o artigo
221º da CRP “é o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em
matérias de natureza jurídico-constitucional” e, prossegue em seu artigo 223º
informando que é de sua competência “apreciar a inconstitucionalidade e a ilegalidade”.
Sobre o tema, oportuno se faz mencionar o que informa o e-book comemorativos
dos 30 anos do Tribunal Constitucional Português39, em relação à sua função própria,
enaltecendo que “o controlo da constitucionalidade exercido pelo Tribunal Constitucional
Português é um controlo normativo, ou seja, o Tribunal aprecia a conformidade com a
Constituição de normas jurídicas (em especial, as normas constantes de leis e de decretos-leis).
O Tribunal não julga casos concretos”.
Para o exercício das suas competências, o Tribunal Constitucional, é composto
por treze juízes, sendo dez destes designados pela Assembléia da República e os outros
três admitidos por estes.
38 https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx 39 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/content/files/tc_ebook_30anos/index.html#14/z, p. 14.
23
Dada aos juízes constitucionais, como visto, a função de apreciar a
inconstitucionalidade e a ilegalidade das normas e, em atenção ao princípio da separação
dos poderes, resta analisar o limite da atuação em busca de tal objetivo, ou seja, a
necessidade de um comportamento meramente passivo, restringindo-se à aplicação das
leis ou proativo, com discricionariedade na tomada de decisões.
No Brasil, conforme mencionado anteriormente, compete ao Supremo Tribunal
Federal, o exercício do controle de constitucionalidade concentrado das normas, não
estando, ainda, sequer adstrito aos fundamentos do pedido realizado pelo órgão
legitimado, é o que assevera Alexandre de Moraes40.
Entende-se, assim, que o STF fica condicionado ao pedido realizado, ou seja,
analisar a constitucionalidade ou não dos dispositivos mencionados, podendo, por outro
lado, declará-la com base em motivos diversos aos apontados.
O exercício do controle de constitucionalidade acaba por gerar, assim, um conflito
entre a atividade dos juízes constitucionais e o legislador. Tanto é assim que ao decidir
pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma pode-se entender que
tais juízes estariam legislando.
O Poder Legislativo brasileiro, diga-se de passagem, encontra-se abalado não só
pela postura ativista do Poder Judiciário como também pelas inúras edições de medidas
provisórias por parte do Poder Executivo.
Neste contexto, leciona Elival da Silva Ramos41 que aceitar a transposição do
exercício das funções típicas representaria grave abalo ao Estado de Direito e ao sistema
político democrático, que acabaria por culminar, inclusive, na impossibilidade de garantia
da dignidade humana.
Os juízes, sobretudo aqueles encarregados da hermenêutica constitucional
deixaram de ser meros aplicadores da lei de forma apenas técnica. Tal fato tem como uma
das causas, como informa Maria BeneditaUrbano42, a “margem de manobra na tomada
das suas decisões interpretativas”, o que, segundo a doutrinadora, favorece uma atuação
mais criativa dos juízes constitucionais.
40 Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. Atlas, 2008, p. 754. 41 Ramos, Elival da Silva. Ativismo Judicial – Parametros Dogmáticos. Saraiva, 2010. P. 9 42 Urbano, Maria Benedita. Curso de Justiça Constitucional. Almedina, 2012., p. 66
24
Deve-se ter em mente, contudo, que a Teoria da Separação dos Poderes implica a
distribuição de funções entre os Poderes, que esta fundamentada sobretudo na
especialização funcional, ou seja, cada órgão é especializado no exercício de uma função
e o respeito a esta sistematização proporciona segurança jurídica.
Em importante colocação sobre o tema, Gilmar Mendes43 assevera no sentido de
que agindo por vezes de modo mais ativista e por outras vezes de modo menos ativista, o
Supremo Tribunal Federal vem entendendo que o fato das medidas políticas serem
consideradas discricionária, ou seja, de avaliação de conveniência e oportunidade pelo
próprio órgão, tal fato nao impede que seja realizado o controle judicial nos casos em que
haja violação a direitos constitucionalmente assegurados.
Diante da maior proatividade dos juízes constitucionais, a doutrina tem se
utilizado do termo ativismo judicial, que tem origem na jurisprudência da Suprema Corte
norte-americana, tendo sido esta a autocriadora do controle judicial da
constitucionalidade das leis federais.
Além de constituirem “normas tendencialmente mais abertas”, o que
proporcionaria, de acordo com Maria Benedita Urbano44, “maior espaço de manobra
para os intérpretes constitucionais”, há de considerar, ainda, que “o caráter fragmentário
das constituições, na medida em que reclama um desenvolvimento ulterior das suas
normas, também é de molde a favorecer uma atuação mais criativa dos juízes
constitucionais”.
Nesse sentido também se manifesta Ruben Hernandez Valle45 salientando que a
oposição de funções interpretativas entre os tribunais superiores é gerada tendo em vista
que, se por um lado um é obrigado a velar pela legalidade, por outro há a competência
para tutelar o princípio da supramacia da Constituição.
Prossegue Hernandez informando que tal solução não garante segurança jurídica,
posto que ao produzir-se uma interpretação contrária à Constituição, fruto do criativimo
jurídico, forçando o prejudicado a intentar ação de inconstitucionalidade.
43 Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Saraiva, 2012., p. 592 44 Urbano, Maria Benedita. Curso de justiça constitucional. Almedina, 2012., p. 67 45 Valle, Ruben Hernandez. Poderes del Juez Constitucional., p. 45
25
Forçoso reconhecer que o tema é de grande complexidade, e, visto isso, alberga
opiniões favoráveis e contrárias. Assim, Uadi Lammego Bulos46, com propriedade, crítico
à questão, assevera acerca do perigoso espaço para possibilitar fraude à constituição
através de mutação constitucional às custas da invasão de competências de um órgão do
Poder em outro, em total descaso ao princípio consagrado da separação dos Poderes.
Dentre os argumentos contrários ao ativismo judicial, encontra-se o da falta de
legitimidade democrática dos juízes-constitucionais, como observa Luis Roberto
Barroso47 lembrando que os juízes e membros dos tribunais não são agentes públicos
eleitos pelos titulares do poder, e continua informando que “sua investidura não tem o
batismo da vontade popular. Nada obstante isso, quando invalida atos do Legislativo ou
do Executivo ou impõe-lhes deveres de atuação, o Judiciário desempenha um papel que
é inequivocamente político”.
No direito brasileiro, discute-se, ainda, como crítica ao ativismo judicial, a
limitação ao debate, que corresponderia a elitização do mesmo e consequente exclusão
das demais camadas sociais.
Os limites objetivos do processo hermenêutico encontram divergência doutrinária,
havendo, portanto, enorme discussão à respeito da sua validade e legitimidade.
Numa visão sensivelmente mais favorável ao tema, dispõe Pedro Lenza48 acerca
dos casos de inércia não razoável do legislador responsável pela matéria.
Informa o jurista que, nestes casos, o Poder Judiciário, dotado de uma postura
ativista, passaria a investir-se de legitimidade para suprir a omissão injusta e
possibilitando o exercício do direito fundamental.
No que tange ao ativismo judicial quando do julgamento ações de
inconstitucionalidade por omissão há maior aceitação no sentido de não se atribuir ao
julgador o papel de legislador, tendo em vista que a decisão apenas terá cunho de suprir
a omissão de modo temporário, sem que haja coisa julgada permanente. Vindo,
posteriormente, a ser editada a norma pelo legislativo, suas disposições prevalecerão em
relação à solução temporária apresentada pela Corte Constitucional.
46 Bulos, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. Saraiva, 2014., p. 442 47 Barroso, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileito. Saraiva, 2012.
P. 1666 48 Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Saraiva, 2014. P. 1251
26
3. A hermenêutica jurídica e a problemática do uso excessivo dos princípios nos
julgamentos
O termo hermenêutica provém do grego hermeneúe, sendo a hermenêutica
jurídica o ramo que se ocupa da interpretação das normas jurídicas estabelecendo métodos
para a compreensão legal.
Utilizando-se desta técnica o intérprete busca uma norma jurídica aplicável ao
caso concreto, através do cotejo de elementos textuais e extra-textuais.
Tal atividade de interpretação deve se dar tanto em textos obscuros e imprecisos,
quanto em normas claras, pois a própria conclusão sobre a clareza da norma só pode ser
obtida após sua interpretação.
Deve o intérprete realizar a análise dos diferentes significados possíveis da norma
e questionar qual seria a solução mais correta para o caso em estudo, sendo que sua
conclusão não deve significar uma verdade absoluta e imutável, mas a escolha motivada
e razoável de uma das diversas possibilidades interpretativas, sempre em conformidade
com a Constituição, buscando-se esclarecer o sentido válido de uma regra de direito.
Ao comparar interpretação e hermenêutica, Ivo Dantas trata a hermenêutica como
“o conjunto de princípios que regulam e orientam a interpretação das normas jurídicas”,
caracterizando a interpretação como sendo “o descobrimento do sentido real da norma”.49
Do entendimento acima decorre, então, que, utilizando-se dos princípios que
orientam a interpretação é que se descobrirá o sentido real da norma e, por conseguinte,
sua correta aplicação ao caso concreto.
No entanto, toda vez que desejar-se obter a interpretação constitucional, ou seja,
a correta interpretação do texto da Constituição, para solucionar conflitos que contenham
ou se refiram às matérias nela expostas, deve-se globalmente analisar as regras que por
ela foram privilegiadas, no intuito de entendendo a intenção do legislador, depreender-se
os princípios regentes.
Em decorrência, a tensão dialética criada entre os Poderes Legislativo e Judiciário
no momento da aplicação das normas ao caso concreto, sobretudo quando do julgamento
49 Dantas, Ivo. Principios Constitucionais e Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro. Lumen Iuris, 1995,
p. 83
27
de ações relativas ao controle de constitucionalidade é corriqueira, já que, além do
convencimento do juiz constitucional, será necessário entender o verdadeiro intuito do
legislador.
No caso brasileiro, entretanto, pode-se afirmar que a Constituição de 1988 veio a
abrir maior margem para a normatividade dos princípios constitucionais, consideradas
suas normas fundamentadoras e de sustentação.
O fato da maioria dos dispositivos não só constitucionais, mas também legais
serem abertos e por isso apresentarem margem para diversas interpretações possíveis da
mesma norma torna o sistema dinâmico e paradoxalmente temerário.
Isto porque a dinâmica e a discricionariedade são veículos perigosos ao abuso de
poder e extrapolação de limites de competência se não estiverem presentes a ponderação
de interesses, a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade e sobretudo a
preocupação com a segurança jurídica.
Maria Benedita Urbano, ao citar Luis Prieto Sanchis50, afirma existir uma nova
teoria do direito, representante de uma evolução, resumidas na existência de “mais
princípios que regras; mais ponderação do que subsunção; omnipresença da Constituição em
todas as áreas jurídicas e em todos os conflitos minimamente relevantes, em vez de espaços vazios
em favor da opção legislativa ou regulamentar; omnipotência judicial em vez de autonomia do
legislador ordinário; e, por último, coexistência de uma constelação plural de valores, por vezes
tendencialmente contraditórios, em vez de uma homogeneidade ideológica em torno de um
punhado de princípios coerentes entre si e em torno, sobretudo, das sucessivas opções
legislativas”.
Como dito acima, a discricionariedade presente num sistema aberto, apto a
interpretações dentre diversos sentidos possíveis, é campo para abuso de poder e
extrapolação de competências, uma vez que, ao realizar a subsunção do preceito ao caso
concreto, o juiz constitucional terá amplo espaço de valoração, que, corriqueiramente,
vem sendo preenchidos por produtos vagos de conclusões baseadas apenas em princípios,
que como já vimos, são normas gerais e abstratas e não podem prevalescer onde o
legislador (competente) já se pronunciou.
50 Sanchis, Luis Prieto, citado por Maria Benedita Urbano. Curso de Justiça Constitucional. P. 68
28
A doutrina brasileira vem se posicionando de forma crítica à crescente aplicação
de princípios vagos e sem fundamentos criados pelos juízes constitucionais.
Basta salientar, neste sentido, o que vem sendo chamado de “pan-
principiologismo”, pois ecomo bem explicita Lenio Streck51,“a criação de princípios de
acordo com o "sentire" ou a vontade de cada julgador, de modo arbitrário, em decisão
"solipsista" (seguindo a orientação pessoal de cada intérprete) e em violação à Constituição, o
que pode levar à discricionariedade e a um inaceitável e antidemocrárico decisionismo
(julgamento discricionário e sem fundamentação, surgindo decisões contraditórias a fragilizar a
isonomia) - tendo sido essa problemática-constatação denominada "pan-principiologismo".
De todo o exposto, inevitável concluir que, ao legislador é dada a capacidade de
conformação em relação à Constituição, e, nas palavras de Gerhard Anschutz, “a
Constituição não está acima do poder legislativo, mas à disposição dele”, não para que
esta possa ser alterada, mas para que, servindo de norte, seus dispositivos lhes funcionem
como meros indicativos de parâmetros, que serão adiante interpretados e aplicados pelos
julgadores.
Por fim, resta relembrar que as normas jurídicas não são (nem devem ser) modelos
estáticos e isolados, mas dinâmicos que se implicam e se correlacionam52 e que, estando
as regras positivadas, são os princípios que, ao serem utilizados com vistas à máxima
efetivação daqueles e não como criadores de outros direitos (com limites à competência
jurisdicional), dão ao ordenamento a capacidade de adequarem-se a cada caso concreto.
3– Conclusão
Diante do estudo acima proposto pode-se concluir que, se houve, inicialmente,
grande dificuldade de inserção da limitação do poder politico através do sistema de
controle de constitucionalidade, haja vista o protagonismo das leis; atualmente o
fenomeno encontra-se invertido, por assim dizer.
51 Streck, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Saraiva, 2011. 52 Reale, Miguel. Lições Preliminares de Direito. Sao Paulo, Saraiva, 2003. P. 95
29
Decerto, deparamo-nos atualmente com a desenfreada atuaçao da justiça
constitucional, sendo crescentes, cada vez mais, os casos de controle de
constitucionalidade das normas, tendo em vista a elevação da Constituição ao pedestal
máximo de soberania.
Devido à enorme gama de dispositivos constitucionais, notadamente a albergar,
ao menos no Brasil, a maioria dos fatos jurídicos, resta ao legislador diminuto espaço de
atuação criativa, funcionando, no mais das vezes, como instrumento da realização da
Constituição, isto é, encarregando-se de concretizar as normas programáticas e abstratas.
Ocorre que, por outro lado, como visto, é dada ao juiz-constitucional a função de
exercer o controle da constitucionalidade das normas editadas por este mesmo legislador,
objetivo este, que, corriqueiramente, dá origem a conflitos funcionais.
Os conflitos funcionais tem lugar à medida em que se adota a teoria da separação
dos poderes, através da qual, cada Poder possui sua esfera de atuação e atividades típicas.
A referida teoria é de suma importância histórica, pois garantidora do equilíbrio de poder,
uma vez que objetiva impedir a concentração deste em um só órgão, além de garantir as
limitações e coibir excessos.
Ocorre que, inicialmente, os juízes eram tidos como meros decladores dos direitos
impostos pelas normas (advindas dos legisladores) e, segundo a visão positivista, não
passavam de meros aplicadores mecânicos das leis.
Com a evolução do pensamento jurídico, e, sobretudo, a mitigação da teoria
positivista, os juízes em geral, não só os constitucionais, não mais se contentam em
meramente realizar a prática da subsunção da lei ao caso concreto, prevalecendo-se,
assim, da atividade hermenêutica, para solucionar as questões postas a julgamento.
O conflito funcional têm lugar à medida em que, no caso ora estudado, os juízes
constitucionais passam a exarcerbar os limites de sua atuação, tolhendo a liberdade do
legislador ordinário e agindo como tal.
O protagonismo dos juízes constitucionais e os limites de sua atuação dividem
opiniões, havendo quem seja favorável, principalmente nos casos de omissão legislativa
e os categoricamente contrários, sob o principal argumento de falta de legitimidade
democrática e invasão de competência.
30
Neste contexto observa-se, ainda, além de cada vez maior a atuação e
protagonismos dos juizes constitucionais, a excessiva aplicação de princípios, muitas
vezes vagos e passiveis de inúmeras interpretações, ao caso concreto.
Tendo em vista o estudo aprofundado à respeito dos princípios ora apresentado,
regras e princípios são espécies do gênero normas e ambos possuem força imperativa. A
diferença principal entre os institutos está no fato das regras possuírem conteúdo mais
concreto e seus conflitos resolvem-se pela invalidação de uma delas; ao passo que os
princípios possuem conteúdo mais geral e abstrato, sendo seus conflitos resolvidos por
ponderação, ou seja, um cede frente ao outro.
Imperioso destacar que os princípios, sobretudo os constitucionais, são de extrema
importância ao ordenamento jurídico por se tratarem de diretrizes essenciais que
fundamentam, interpretam e complementam as lacunas.
Não obstante toda importância afeta aos princípios, a problemática reside no fato
dos juízes constitucionais os utilizarem de forma indiscriminada, sobrepondo-os às regras
postividas existentes e não nos limites aos quais se destinam.
O que nao se pode aceitar, neste contexto, é que a atividade interpretativa dos
juízes se desvie do texto normativo e represente, desta forma, uma verdadeira mutação
constitucional sem fundamentos, ocasionando, por fim, a insegurança jurídica combatida
pelo próprio ordenamento jurídico.
Em consequência, nota-se que o deslinde dos casos práticos ficam a mercê do
produto da concretização de tais princípios, que, subjetivos e aglomerados, passam, de
forma forçada, ao “status” de “norma” não positivada, porém, aplicada.
Toda esta nova legislação não positivada, vaga e subjetiva, vem sendo
excessivamente aplicada por parte dos juízes constitucionais – e porque não dizer,
legisladores – que, tangenciando a norma escrita, as leis que constituem o ordenamento
jurídico, assim vem solucionando as questões constucionais.
Por fim, tem-se, como resultado, soluções jurídicas nao baseadas em leis, em
normas, mas fruto da imaginação, conveniência e livre convencimento dos, em verdade,
grandes legisladores, os juízes constitucionais.
31
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http://www.pt.wikipedia.org
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