Faculdade Unyleya Português Jurídico
Gloria Teresinha da Silva Melgarejo
O PORTUGUÊS JURÍDICO COMO OBSTÁCULO AO ACESSO À JUSTIÇA
Rio de Janeiro 2017
Gloria Teresinha da Silva Melgarejo
O PORTUGUÊS JURÍDICO COMO OBSTÁCULO AO ACESSO À JUSTIÇA
Monografia apresentada à Faculdade Unyleya como requisito
para conclusão do curso de Pós-graduação lato sensu
“Português Jurídico".
Orientador: João Francisco Sinott Lopes
Rio de Janeiro 2017
RESUMO
Este trabalho traz reflexões sobre a complexidade do “juridiquês” enquanto
obstáculo ao efetivo acesso à Justiça. A necessidade por parte do meio jurídico de
se expressar de maneira tão rebuscada e as consequências deste modo de agir
para as relações entre os profissionais do Direito e aqueles que se utilizam de seus
serviços, sobretudo as pessoas mais pobres, foram focos do estudo. A intenção foi
juntar subsídios para reflexão de alternativas, que tornem a comunicação no meio
jurídico mais fácil e efetiva. Foi utilizada abordagem qualitativa e a fonte de pesquisa
foi a bibliografia existente sobre o tema, com destaque para buscas na Internet. Os
excessos da linguagem jurídica, que podem impedir uma compreensão clara e
rápida dos textos dos autos; a hipótese de esta situação de restrição ao
entendimento poder se configurar como uma forma velada (ou não) de violação ao
direito constitucional de acesso à Justiça; o poder da linguagem no âmbito jurídico;
os eventuais prejuízos possivelmente causados pelo uso do “juridiquês” ao bom
andamento dos processos judiciais; e a percepção de autores que já se dedicaram
ao assunto a respeito da dificuldade de entendimento pelas partes leigas do que
acontece no curso processual foram objetos de análise. No Capítulo 1, ao refletir-se
sobre o poder da linguagem no âmbito jurídico, verificou-se que o Direito está
interligado à linguagem, pois esta é ferramenta base para o trabalho executado
pelos operadores da área. Justamente por isso, há uma grande preocupação por
parte dos autores analisados com a utilização de termos e expressões que causem
ruídos à comunicação. No Capítulo 2, avaliou-se o quanto o “juridiquês” interfere
negativamente no bom andamento dos processos judiciais e se constatou que,
apesar de haver legislação que regule o texto legal com vistas a facilitar sua
acessibilidade, na prática, a complexidade linguística abre um buraco entre a
comunidade leiga e os intelectuais juristas e o uso de uma linguagem recheada de
vícios e citações desnecessárias acaba por tornar a Justiça cara e morosa. No
Capítulo 3, refletiu-se sobre o “juridiquês” enquanto ruído na comunicação com
pessoas leigas. Os autores analisados são unânimes quanto à necessidade de se
encontrar um equilíbrio entre a linguagem técnica e a do leigo. A conclusão do
trabalho foi que o uso de uma linguagem jurídica clara, acessível e objetiva é
determinante para que o cidadão possa usufruir efetivamente do seu direito
constitucional de acesso à Justiça. É de suma importância escolher a linguagem
mais adequada ao receptor da mensagem, sob pena de a comunicação não se
completar por falta de entendimento. No âmbito jurídico, a situação se agrava, pois
as consequências da ausência deste cuidado constituem-se em um obstáculo ao
acesso à Justiça, já que afeta negativamente o andamento dos processos judiciais
(Justiça cara e morosa) e faz pessoas leigas de reféns de profissionais do ramo, o
que vai de encontro ao conceito de Estado Democrático de Direito, que leva à ideia
de que a informação jurídica ao alcance de todos é uma das formas de exercício
democrático.
Palavras-chave: Justiça. Juridiquês. Linguagem. Comunicação. Democratização.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 5
REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................................... 7
CAPÍTULO 1- O poder da linguagem no âmbito jurídico ...................................... 9 CAPÍTULO 2- “Juridiquês” versus bom andamento dos processos judiciais ..14
CAPÍTULO 3- “Juridiquês” como ruído na comunicação com pessoas leigas.19 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 25 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 27
5 INTRODUÇÃO
O Português Jurídico, linguagem própria utilizada por operadores do Direito,
muitas vezes, pode se apresentar como um obstáculo ao acesso à Justiça pela
incompreensão gerada naqueles que não conhecem seus termos e expressões.
Qual seria a relação entre a complexidade do “juridiquês”, não raro
indecifrável ao ponto de as partes interessadas não conseguirem acompanhar o
curso processual, e o efetivo acesso à Justiça?
O trabalho que exerce na Defensoria Pública da União possibilitou à autora
sua aproximação desta linguagem diferenciada, que é o Português Jurídico. Tendo a
Comunicação Social como atividade profissional, dois aspectos despertaram seu
interesse. O primeiro seria o motivo de o meio ter a necessidade de se expressar de
maneira tão rebuscada e, muitas vezes, até incompreensível. O segundo seriam as
consequências deste modo de agir para as relações entre os profissionais do Direito
e aqueles que se utilizam de seus serviços, principalmente as pessoas com menor
poder aquisitivo e, consequente, acesso ao conhecimento das mais variadas formas
da língua. Também trouxe preocupação a dificuldade que a imprensa em geral tem
em compreender este verdadeiro dialeto, desconhecido por parte dos leigos.
Este estudo pretende se aprofundar nestas questões para, com isso,
oferecer subsídios que possam contribuir na reflexão de alternativas, que tornem a
comunicação no meio jurídico mais fácil e efetiva. Informações claras poderão
favorecer o transcorrer dos processos judiciais, beneficiando as instituições
envolvidas, os seus agentes e usuários.
O objetivo deste trabalho é analisar os excessos de formalidade, de
arcaísmos, de termos latinos, dentre outros, da linguagem jurídica, que possam
impedir uma compreensão clara e rápida do texto dos autos, quer pelas partes
interessadas no processo ou pelos serventuários da justiça, e até pelo advogado da
parte contrária, e refletir como esta situação de restrição ao entendimento pode se
6 configurar como uma forma velada (ou não) de violação ao direito constitucional de
acesso à Justiça. Para tanto, pretende refletir sobre o poder da linguagem no âmbito
jurídico, pesquisar, na bibliografia existente sobre o tema, que tipo de prejuízo é
causado pelo uso do “juridiquês” ao bom andamento dos processos judiciais e
verificar como autores que já se dedicaram ao assunto percebem a questão da
dificuldade de entendimento pelas partes leigas sobre o que acontece no curso
processual.
Quanto à metodologia, será utilizada a abordagem qualitativa por apresentar
maior liberdade teórico-metodológica. As informações a serem analisadas serão
pesquisadas em bibliografia existente sobre o tema, com destaque para buscas na
rede mundial de computadores, a Internet. Também serão meios utilizados, para
obtenção de informações, publicações periódicas, artigos e/ou matérias de jornais e
revistas, inclusive os veiculados em meios eletrônicos, e documentos legislativos.
7 REFERENCIAL TEÓRICO
O direito de acesso à Justiça para todos se constitui em um dos pilares da
cidadania plena e está previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. No artigo “Linguagem Jurídica e Acesso à Justiça”, a
professora Nirlene da Consolação Oliveira sustenta: “Não têm direito de acesso à
Justiça, todos aqueles para os quais a linguagem jurídica se lhes afigura como uma
língua alienígena”. (OLIVEIRA, disponível em:
<http://revistapensar.com.br/direito/pasta_upload/artigos/a121.pdf>Acesso em 23 de
março de 2016).
Oliveira relata que, em março de 2004, “uma pesquisa do Ibope,
encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, demonstrou haver um
enorme fosso entre a linguagem jurídica e a língua utilizada pelo cidadão comum,
deixando do lado de fora dos portais do Judiciário uma parcela significativa da
população brasileira”. De acordo com a professora, a linguagem jurídica pode ser
considerada “como um dos obstáculos ao acesso ao direito”.
Para a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), “a Justiça deve ser
compreendida em sua atuação por todos e especialmente por seus destinatários.
Compreendida, torna-se ainda mais imprescindível à consolidação do Estado
Democrático de Direito”. Tal preocupação fez com que a associação lançasse o livro
“O Judiciário ao alcance de todos: noções básicas de juridiquês”, com o intuito de
“alterar a cultura linguística dominante na área do Direito e acabar com textos em
intricado juridiquês”. (AMB, 2007, p.4)
O mesmo livro dedica um capítulo ao relacionamento entre o Judiciário e a
Mídia.
Muitos jornalistas, induzidos ao erro pela falta de tempo ou de
conhecimento em relação aos procedimentos e à linguagem jurídica, não
raro interpretam sentenças, liminares e outros atos judiciais de forma
incorreta. As características de apuração da Mídia, condicionadas não só a
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questões de tempo, mas também a fatores como pouco espaço, dificultam a
clareza dos textos e implicam incorreções no uso da linguagem de assuntos
de conteúdo técnico. (AMB, 2007, p. 7 e 8)
Segundo a AMB, nesta relação, verifica-se que o Judiciário se distancia do
público “pela postura excessivamente formal, pela produção de material
eventualmente incompreensível para o cidadão comum, por sentenças com
linguagem e vocabulário complicados, por exemplo”, ao mesmo tempo em que a
imprensa “continua a revelar patente desconhecimento jurídico por parte de
jornalistas designados para a cobertura de tais assuntos”. (AMB, 2007, p.8)
9 CAPÍTULO 1 O poder da linguagem no âmbito jurídico
O Direito é interligado à linguagem. O mundo jurídico, de acordo com Cruz
(2003), procura solucionar os conflitos da sociedade com o uso da retórica e é por
meio da linguagem que as leis se exteriorizam, sejam elas escritas ou verbais.
Segundo a autora, “no âmbito jurídico, a comunicação é o fator que viabiliza a
existência do Direito”. Para ela, linguagem e Direito são “como ‘a panela e a tampa’,
e o Direito nada seria sem a linguagem”. (CRUZ, 2003)
Entre as definições para o termo “linguagem”, relacionadas no Michaelis
Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, estão: “faculdade que tem todo homem
de comunicar seus pensamentos e sentimentos”; “conjunto de sinais falados,
escritos ou gesticulados de que se serve o homem para exprimir esses
pensamentos e sentimentos”; e “qualquer meio utilizado pelo homem para se
comunicar”. (DICIONÁRIO MICHAELIS, disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=linguagem>Acesso em 20
de janeiro de 2017). Ou seja, é através da linguagem que os seres humanos
interagem e se sociabilizam.
Marilena Chauí, em Convite à Filosofia, conceitua linguagem como “a forma
propriamente humana da comunicação, da relação com o mundo e com os outros,
da vida social e política, do pensamento e das artes”. (CHAUÍ, 2000, p. 173)
A linguagem é nossa via de acesso ao mundo e ao pensamento, ela nos envolve e nos habita, assim como a envolvemos e a habitamos. Ter experiência da linguagem é ter uma experiência espantosa: emitimos e ouvimos sons, escrevemos e lemos letras, mas, sem que saibamos como, experimentamos sentidos, significados, significações, emoções, desejos, ideias. (CHAUÍ, 2000, p. 185)
Em Linguagem Jurídica e Acesso à Justiça, Nirlene da Consolação Oliveira
vai além e define “linguagem” como construção histórica, social e cultural.
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Esta concepção fundamenta-se na ideia de que, como elemento constitutivo da atividade propriamente humana, a linguagem origina-se no processo social da existência humana, processo este que combina interações do homem com a natureza e com os outros homens. (OLIVEIRA, [s.d.])
Oliveira [s.d.] acredita que “a linguagem só existe enquanto realização
social” e que “a função social da linguagem, em um Estado Democrático de Direito,
não deveria ser outra senão a de comunicar”. Ela considera que tal comunicação é
prejudicada pelo chamado “juridiquês”.
(...) tendo em vista toda a discussão sobre participação democrática e cidadã, infira-se que a linguagem jurídica - rebuscada, obsoleta, impregnada de arcaísmos e latinismos - não contempla os ideais constitucionais de igualdade e democracia, impactando, em grande medida, o acesso à Justiça. (OLIVEIRA, [s.d.])
Caetano et al., [s.d.] define “juridiquês” como um conjunto de expressões e
termos utilizados entre os operadores do Direito, “com gírias e jargões que tornam
robusto o texto apresentado aos autos dos processos. É definido como um desvio no
linguajar jurídico por prejudicar a inteligibilidade aos interlocutores”.
Em linhas gerais, linguagem jurídica é a forma de expressão escrita ou oral
utilizada no universo jurídico. Diferencia-se de outras linguagens pela utilização de
termos técnicos próprios e de recursos de rebuscamento do texto.
Os termos técnicos, englobados no que se denomina terminologia jurídica, são signos que remetem a situações e conceitos específicos do Direito, criados com o objetivo de dar ao texto jurídico, clareza, precisão e objetividade. Em outra faceta, os recursos de ornamentação e rebuscamento presentes na linguagem jurídica, dentre os quais destacam-se o arcaísmo, o preciosismo, o latinismo, o vocabulário erudito, as citações doutrinárias e as expressões laudatórias, têm, igualmente, seus objetivos, motivação e consequências. (OLIVEIRA, [s.d.])
Arcaísmo é o uso de palavras e expressões obsoletas. De acordo com
Oliveira, “são palavras que a memória coletiva dobrou e guardou, e que, com
frequência, pulam dos espessos dicionários para exibir sua cara amarrotada em
muitos textos e, com propriedade, nos textos jurídicos”. São exemplos de palavras e
expressões arcaicas: exordial, excelso soldalício, ergástulo público, o Supremo
Pretório, dentre outras.
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Aqueles que utilizam tais palavras consideram que o texto ganha feições eruditas e carimbo de sabedoria. Há ainda quem considere tal uso um recurso estilístico e outros, na mais notória ignorância, veem como uma necessidade para dar ao texto clareza e precisão. (OLIVEIRA, [s.d.])
A autora destaca ainda que “a presença de palavras e expressões arcaicas
está normalmente combinada com a uma produção textual prolixa e truncada, o que
compromete sobremaneira a compreensão do texto”. (OLIVEIRA, [s.d.])
Latinismo é o uso de palavras e expressões em Latim, língua morta da qual
se originou a Língua Portuguesa.
É de se esperar, portanto, transitem no léxico contemporâneo resquícios da raiz latina, claramente manifesta em radicais e afixos, presentes na formação das palavras portuguesas. Contudo, muitas palavras e expressões latinas, por influência do Direito romano, foram trazidas ao vocabulário jurídico sem modificações na escrita, vindo a compor com relevância a linguagem jurídica, sem que sejam de notório conhecimento popular. (OLIVEIRA, [s.d.])
Cruz (2003) ressalta que o jurista com vocabulário pobre não terá sucesso
profissional. “De outro lado, o Direito não pode esquecer da linguagem comum, visto
que tudo começa com a linguagem vulgar e com esta também termina. Na verdade
o que ocorre é uma tradução, assim como traduzir uma língua estrangeira
desconhecida.”
No artigo A (In)compreensão da Linguagem Jurídica e seus Efeitos na
Celeridade Processual, os autores pesquisadores alertam para o poder da
linguagem, que, segundo eles, consiste em “um artifício de poder na vida em
sociedade, mais ainda no mundo jurídico”. Eles explicam: “O operador do direito se
vale das palavras, tanto oralmente como na forma escrita, para conseguir o objetivo
de seu cliente nos autos.” (CAETANO et al., [s.d.])
Jhonatan de Castro e Silva, em Direito: linguagem, poder simbólico e
interpretação, conceitua Direito como “um sistema de normas, que só adquirem
juridicidade enquanto inseridas nesta estrutura maior que é o próprio ordenamento
jurídico”.
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Normas existem para pautar condutas humanas ou tudo que faça referência à conduta humana (...). Basicamente, estabelece o que devemos, não devemos e o que podemos fazer, ou seja, os limites e as razões do agir humano em sociedade. Para tanto, transmitem-se, manifestam-se e vivem por meio da linguagem. (SILVA, [s.d.])
Sendo assim, “para que possamos nos conduzir juridicamente, devemos
entender e compreender os signos que veiculam o quê é juridicamente exigido de
nós, senão não há comunicação jurídico-normativa possível”, esclarece o autor.
Para a juíza Oriana Piske (2006), reconhecer a necessidade de simplificação
da linguagem jurídica é o primeiro passo para a real democratização e pluralização
da Justiça.
É certo que a entrega da prestação jurisdicional não pode deixar de transitar por um processo, previamente regrado com uma linguagem clara, sem margem à ambiguidade na interpretação. O devido processo legal é essencial para a legitimação da atividade judicial, mas esse processo deve ser caminho de realização da Justiça, não estorvo incompreensível e inaceitável. (PISKE, 2006)
A magistrada sugere que tribunais e comarcas adotem uma linguagem mais
compreensível, promovam campanhas de simplificação e cursos de atualização da
linguagem jurídica e criem revistas que contemplem peças jurídicas que contenham
exemplos de expressões substituídas por alternativas mais simples. Cita como
exemplos as substituições de “Pretório Excelso” por “Supremo Tribunal Federal”,
“peça exordial” por “petição inicial”, “expert” por “perito”, “cônjuge sobrevivente” por
“viúvo” e assim por diante.
Sobre iniciativas do tipo, uma das que se destaca é a da Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB). Lübke (2016) conta que a AMB lançou, em 11 de
agosto de 2005, na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de
Janeiro, Brasil, uma campanha pela “Simplificação da Linguagem Jurídica” utilizada
por magistrados, advogados, promotores e outros operadores da área, “com o objeto
de aproximar o Poder Judiciário do cidadão comum, através de uma reeducação
linguística nos tribunais e nas faculdades de Direito, com o uso de uma linguagem
mais clara, e objetiva”.
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Partindo do mote: ninguém valoriza o que não conhece, a campanha teve por foco os estudantes de Direito. Por meio de palestras do presidente da entidade, juiz Rodrigo Collaço, a AMB divulgou a iniciativa em quatro Estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e no Distrito Federal. Também foi lançado um livreto com termos acessíveis, que transmitem as mesmas ideias das expressões complicadas frequentemente utilizadas nos documentos produzidos pelos profissionais do Direito. (LÜBKE, 2016)
É nesse livreto, produzido e distribuído pela campanha, que a AMB registra:
“A Justiça deve ser compreendida em sua atuação por todos e especialmente por
seus destinatários. Compreendida, torna-se ainda mais imprescindível à
consolidação do Estado Democrático de Direito.” (AMB, 2007, p.4)
Lübke (2016) conclui e sintetiza: “Simplificar a linguagem jurídica não é
sinônimo de involução intelectual, o contrário disso, é evolução!”
14 CAPÍTULO 2 “Juridiquês” versus bom andamento dos processos judiciais
Segundo Oliveira [s.d.], a Lei Complementar n° 95 de 26 de fevereiro de
1998, posteriormente alterada pela Lei Complementar nº 107 de 26 de abril de 2001,
veio dispor sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis,
conforme previsão do art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal.
Em seu art. 11, a lei mencionada estabelece que “as disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica.” De forma didática, em seus incisos I e II, explicita as formas de obtenção de clareza e precisão, conforme se pode verificar no texto que traz a lei: I - para a obtenção de clareza: a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando; b) usar frases curtas e concisas; c) construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis; d) buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o texto das normas legais, dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente; e) usar os recursos de pontuação de forma judiciosa, evitando os abusos de caráter estilístico; II - para a obtenção de precisão: a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma; b) expressar a ideia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico; c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto; d) escolher termos que tenham o mesmo sentido e significado na maior parte do território nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais; e) usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado; f) grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto; g) indicar, expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões ‘anterior’, ‘seguinte’ ou equivalentes. (OLIVEIRA, [s.d.])
De acordo com a autora, “é clara a preocupação do legislador com a
acessibilidade do texto legal, uma vez que ele não só estabelece as características
principais para sua redação, como também ensina a escrever de forma a contemplá-
las”. (OLIVEIRA, [s.d.])
Note-se o apreço pelo termo técnico e pela linguagem comum, em detrimento de estilismos ou quaisquer marcas pessoais que venham a
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dificultar o entendimento da lei. O espírito dessa lei é o alcance da norma pelo seu destinatário, objetivo a que se persegue com a uniformidade da técnica legislativa e com redação jurídica adequada, aos moldes do artigo 11, da referida lei complementar. (OLIVEIRA, [s.d.])
O que se verifica na prática, porém, não corresponde ao estabelecido na lei.
Silva [s.d.] considera que “é de fato constatável na experiência cotidiana – e as
críticas neste sentido procedem – que a vaidade e o elitismo são comuns no mundo
jurídico (mas não só neste)”. Para o autor, “a estrutura da linguagem e do discurso
jurídico-científico deve ser mantida; mas, não decorre disso a sustentação do
excesso de formalismo ou tecnicismo prolixo que transparece no famigerado
‘juridiquês’”.
Lübke (2016) destaca prejuízos provocados pelo “juridiquês” ao bom
andamento dos processos judiciais.
Diante dessa complexidade linguística presente no vocabulário dos operadores de Direito, que faz existir um buraco na comunicação entre a comunidade leiga e os intelectuais juristas, discorrer-se-á sobre a importância da clareza na linguagem jurídica, com pretensão de desmistificar essa linguagem empolada, recheada de vícios, citações desnecessárias, que prolongam os prazos de execução dos processos e tornam a justiça cara e morosa. Em matéria de direito e linguagem, é possível encontrar um ponto de equilíbrio entre o discurso técnico e a linguagem cotidiana que possa colocar o judiciário ao alcance de todos. (LÜBKE, 2016)
A professora afirma que, para alguns pensadores, o “juridiquês” é um dos
responsáveis pela lentidão da justiça brasileira. “Peças processuais contendo mais
de 100 páginas, contendo citações desnecessárias que engrossam os autos
processuais.” Ela cita o caso de uma petição inicial que continha 120 páginas, um
exemplo que demonstra “o exagero na linguagem, que consome ainda mais o tempo
das cortes superiores, que por sinal já estão sobrecarregadas com milhões de
processos a serem resolvidos”.
Mesmo esta estando bem encadernada, foi devolvida pelo juiz com um pedido de que fosse mais sucinta. Refeita a petição, ficou esta com 70 páginas. Como se tratava de uma simples reclamação trabalhista, o juiz novamente devolveu o pedido, exigindo mais objetividade. Por fim, o advogado entregou a petição contendo catorze páginas. (LÜBKE, 2016)
Oliveira [s.d.] destaca que, “com o Estado Social positivado na Constituição
16 do Brasil em 1988, iniciou-se a busca de superar as barreiras ao acesso à Justiça,
cujas ações resultariam em reformas legislativas que diminuíssem o custo e a
lentidão dos processos”.
Dentre as causas geradoras da demora no processo cite-se o excessivo número de recursos, o formalismo exagerado, excesso de feitos, falta de adoção da tecnologia da informação, entre outros. O liberalismo e o capitalismo trouxeram a ideia de que tempo é dinheiro, de forma que a produtividade de uma atividade seja na medida em que mais rápido se realize. Acontece que a tutela jurisdicional, organizada numa estrutura burocrática e formalista, não consegue dar uma resposta com a rapidez almejada pela sociedade. Em contraponto à lentidão do Judiciário, a ideia que se coloca é a da segurança jurídica e o temor de que, em razão de uma aceleração desajuizada do processo, tenham-se decisões inadequadas e desequilibradas. O lado nocivo da demora do processo judiciário é que ela se torna um mecanismo útil e previsível amplamente utilizado por aqueles que querem protelar o pagamento de suas obrigações, estratagema este utilizado inclusive pelo Poder Público para atrasar o pagamento de seus débitos. (OLIVEIRA, [s.d.])
A professora critica juristas, profissionais do Direito e estudiosos do
problema do acesso à Justiça, que não dão relevância à linguagem jurídica como
aspecto sociocultural a ser mais seriamente considerado na democratização da
Justiça. O caminho de sua argumentação é previsível e ratificado em muitas outras discussões: o problema da linguagem jurídica não está nela e, sim, no cidadão, que é pobre, sem instrução, sem educação de qualidade. O que quer dizer claramente que a linguagem jurídica pode permanecer exatamente como está até que todos os cidadãos estejam ricos, instruídos e educados. Enquanto isso não acontece, com ou sem a intervenção do Estado, é natural que a Justiça esteja à disposição apenas de um pequeno grupo de privilegiados. (OLIVEIRA, [s.d.])
Oliveira opina que “o problema não é só de educação, é da linguagem
jurídica. O que é muito razoável de se pensar porque as pessoas de formação
superior diversa da jurídica, educadas e letradas, também não entendem a
linguagem jurídica”.
A professora afirma ainda:
Estabelecendo-se como um código a que poucos têm acesso, pode-se dizer que, ao produzir o texto jurídico, o autor tem em mente seus destinatários: aqueles a quem é possível a compreensão do mesmo, e aqueles para quem a compreensão é impossível. A sua intenção de exclusão de determinado público já se explicita no momento em que ele escolhe com que palavras comporá o seu texto. (OLIVEIRA, [s.d.])
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As dificuldades relacionadas com a linguagem que impossibilitam a
comunicação também contribuem para a demora na solução de conflitos pelo Poder
Judiciário. Caetano et al [s.d.] destaca que, “em macro esfera, o juridiquês torna o
trabalho cartorário mais lento, dificulta o entendimento pelos serventuários da justiça
e pelas partes leigas, que têm seu direito constitucional de acesso à justiça
restringido e acabam “reféns” dos advogados para entender o que acontece no
curso processual”.
É importante destacar que o cerne da questão não se refere ao uso de termos técnicos, porque muitos são necessários e insubstituíveis sob pena de macular o objetivo da peça que o contém. Todavia, conforme já explanado, o juridiquês pode existir na forma do preciosismo, pelo exacerbado uso de expressões latinas, de expressões ou termos arcaicos, rebuscados e neologismo, tornando-se um dos fatores que dificultam a compreensão das peças processuais por parte de pessoas leigas e até mesmo de advogados. Vê-se no cotidiano dos serventuários dos Tribunais de Justiça a necessidade de primeiro compreender as expressões latinas não costumeiras, para então trabalhar nos autos. (CAETANO et al., [s.d.])
Segundo Caetano et al [s.d.], “se a linguagem jurídica for mal empregada,
tende a afastar o operador do direito do público que procura o Poder Judiciário”. O
autor considera que, apesar de o acesso à justiça ser um direito inerente a todo
cidadão, “o juridiquês é uma barreira e fomenta a desvalorização social do
Judiciário, visto que sem a compreensão individual do processo e, por
consequência, de seu resultado, dificulta-se a credibilidade de sua eficácia”.
É necessário entender as formalidades e solenidades próprias dos textos jurídicos como instrumento capaz de promover harmonia entre o advogado e os receptores, pois a linguagem rica prescinde de complexidade, uma vez que um linguajar exacerbado em arcaísmo e rebuscado pode conferir ambiguidade e proporcionar um entendimento divergente do esperado, bem como gerar a lentidão da máquina judiciária. (CAETANO et al., [s.d.])
Na opinião de Cruz (2003), o Direito não deve reduzir-se a uma só
linguagem, apesar de não poder se afastar da tecnicidade de suas normas.
Ou seja, a linguagem do Direito não é exclusivamente natural ou exclusivamente técnica, mas composta de ambas as espécies, podendo-se denominar a linguagem jurídica como mista. Afinal, em decorrência da necessidade de se cumprir as normas, a linguagem empregada nas normas jurídicas, ou melhor, na tradução destas, deve se basear na linguagem natural para que o Direito cumpra o seu papel de controle social e resolução de conflitos. (CRUZ, 2003)
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Para Lübke (2016), “há uma enorme disparidade na comunicação do “Mundo
Jurídico” com “Mundo Popular” que torna o Judiciário cada vez mais distante da
sociedade”.
Há excessos (e exageros) na linguagem jurídica, na comunicação dos advogados e magistrados, nas peças processuais, nas súmulas, que vão além do técnico, do lógico, do racional, do eficiente, ou seja, que atinge o nível do ‘blá-blá-blá’, do supérfluo, do obscuro, do ridículo, que faz nascer “a morosidade mórbida do Judiciário de todos os dias”. (LÜBKE, 2016)
A professora conclui que, “para sanar isso, é necessário clareza na
comunicação, sensibilidade para saber com quem está lidando, ou seja, ser culto
para com os cultos e simples para com os simples”.
Ter ciência de que a Justiça é para todos, sem exceção. É saber que um juiz, um promotor, um advogado, um operador do direito exerce seu ofício para promover justiça aos povos – “todo poder emana do povo” – e que este povo é composto por pessoas de diferentes classes sociais, intelectuais, culturais e econômicas, e que também possuem o direito de entender seus direitos. (LÜBKE, 2016)
19 CAPÍTULO 3 “Juridiquês” como ruído na comunicação com pessoas leigas
Terminologia é o conjunto de palavras técnicas pertencentes a uma ciência
ou a uma arte. Oliveira [s.d.] explica que, “na ciência jurídica, a utilização de termos
que vão trazer ao enunciado precisão e certeza serve, em tese, para salvaguardar a
segurança jurídica”. Segundo a autora, “por esse viés, é que se valoriza o termo
técnico como aquele que vai estabelecer oposições claras e bem definidas, trazendo
no contexto jurídico, para cada palavra, uma ideia particular”.
Dessa forma, essenciais são, por exemplo, a utilização dos termos roubo e furto para tipificar condutas diferentes, bem como situações que envolvam calúnia, difamação ou injúria não podem ser tomadas como sinônimas, sob pena de se cometer injustiça. (OLIVEIRA, [s.d.])
Para a professora, o problema da terminologia jurídica “reside não onde a
relação de oposição é necessária, mas sim, quando entre palavras com o mesmo
significado, escolhe-se aquela menos conhecida da maioria das pessoas para
materializar o texto oral ou escrito”.
São exemplos o uso de termos e expressões tais como de cujus, ex tunc, outorga uxória, vício redibitório, trânsito em julgado, comodato, erga omnes, os quais podem ser substituídos por expressões mais conhecidas, sem que haja prejuízo na relação semântica. Se a função do Direito contemporâneo é a resolução de conflitos, buscando métodos lógicos e eficazes, primando por princípios e valores necessários ao bem-estar coletivo, não se justifica o uso de um vocabulário que vá apartar ao contrário de harmonizar direitos e garantias fundamentais. (OLIVEIRA, [s.d.])
Cruz (2003) adverte que “não se pode esquecer a linguagem comum, visto
que o cliente é afeito apenas à linguagem diária e o advogado terá de lhe responder
na mesma linguagem, caso contrário não será entendido”.
É necessário ainda inferir que a linguagem, sendo uma forma de comunicação entre as pessoas, busca construir signos com significados para uma relação clara e objetiva. A linguagem técnica, por ter um caráter de cientificidade, deixa muitas pessoas confusas e por isso a importância de operadores jurídicos para sanar essas dúvidas, esclarecendo os termos técnicos que a ciência do Direito possui. (CRUZ, 2003)
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Na visão de Silva [s.d.], aqueles que detêm o poder de criar normas
jurídicas, a quem ele chama de “autoridades”, devem ser objetivos e claros ao
utilizarem os signos com os quais produzirão tais normas. Do mesmo modo, aqueles
que, direta ou indiretamente, contribuem para este processo, como os advogados,
também devem ter este cuidado. “Assim, os destinatários terão alguma possibilidade
de compreender os limites jurídicos de sua conduta.”
A casta dos jurisconsultos, fechando-se em si, elege-se como a única capaz de entender e fazer os leigos entenderem o que a lei ordena, proíbe ou permite. (...) Cria-se um campo jurídico no qual as relações sociais são neutralizadas, pois os participantes diretos são absorvidos no jogo (tornam-se clientes), mas não atuam com efetividade. Falam apenas por meio dos profissionais ou peritos (advogados, juízes, promotores...) capazes de entender as regras e que sabem como jogar. (SILVA, [s.d.])
No tocante ao Brasil, o autor avalia que o jurista nacional vive em uma
sociedade em processo nascente de democratização e disso decorre seu papel ou
função social: a inclusão de toda sociedade na compreensão e desenvolvimento da
ordem jurídica nacional, de acordo com os caminhos traçados pela Constituição
Federal de 1988. No entanto, nas camadas mais “refinadas” do conhecimento humano, nutre-se um preconceito generalizado contra o conhecimento vulgar, contra o que é popular, sendo que as experiências do cotidiano constituem uma fonte inesgotável de questionamentos, base para qualquer pesquisa de caráter científico ou filosófico. Portanto, a democratização do saber deveria ser a nota dominante. (SILVA, [s.d.])
Oliveira [s.d.] questiona: “Que compreensão poderia ter um cidadão diante
da expressão ‘Agravo julgado deserto’?” A professora avalia que, diante de um texto
que é “um amontoado de termos técnicos, misturados a um farto juridiquês, regado a
rebuscamentos e latinismos”, o cidadão, que é o outro na ponte do diálogo, não
existe: “ele foi anulado pelo discurso implícito no texto e a linguagem jurídica do
texto pôde ser mantida em paz”.
Não existindo o cidadão, existe, contudo, o outro a quem o texto se dirige e que será capaz de decifrar as manchas escuras do papel. O outro pode ser o juiz, o desembargador, o ministro, alguém, enfim, pertencente à engrenagem jurídica hierarquizante. Assim, o rebuscamento, a bajulação, os excessos de ornamentação presentes na linguagem jurídica revelam, como regras do jogo, uma postura de servilismo e reverência, comuns nas relações hierárquicas de poder e nas sociedades fundadas na desigualdade. (OLIVEIRA, [s.d.])
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Lübke (2016) considera que cabe ao profissional da área jurídica facilitar ao
seu interlocutor, isto é, ao jurisdicionado, o entendimento frente àquilo que este
busca na esfera jurídica: seus direitos. “Mas sabe-se que nem sempre isso
acontece, pois a linguagem jurídica possui muitos vocábulos que para boa parte da
população não são compreensíveis.” A professora entende que o rigor formal é
necessário ao procedimento jurídico, “uma vez que o ramo do direito é repleto de
formalidades, solenidades, termos técnicos e lógicos”, mas afirma que é condenável
“o excesso de formalismo, de rebuscamento, a falta de discernimento/sensibilidade
na escolha/seleção lexical”.
Um grande exemplo disso foi o julgamento dos mensaleiros em 2012, em que os ministros do Supremo Tribunal Federal fizeram questão de falar difícil, em um julgamento que foi transmitido ao vivo para milhões de brasileiros. O Supremo Tribunal Federal, órgão máximo da Justiça da União no Brasil, e que tem como competência primordial a defesa da Constituição Federal, não deu tanta importância ao artigo 13 da Constituição em vigor que determina que “a Língua Portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”, utilizando uma linguagem incompreensível para a maioria dos espectadores. (LÜBKE, 2016)
Para Oliveira [s.d.], o fato é que nem todo cidadão brasileiro tem direito a ter
direitos, “o que, no caso em questão, quer dizer que não tem direito de acessar à
Justiça todo aquele que não tem direito à uma educação jurídica ou não tem
condições econômicas para pagar seu acesso”. Ou seja, “não têm direito de acesso
à Justiça todos aqueles para os quais a linguagem jurídica se lhes afigura como uma
língua alienígena”.
Sendo a palavra o principal e mais utilizado signo linguístico, fonte privilegiada da interação social, é também onde podem ser percebidas as tensões sociais, os conflitos ideológicos. A sua escolha e utilização, além de refletir o âmbito social, pode também distorcer, levando a múltiplas formas de apropriação e mesmo a nenhuma, a depender da intenção do falante e da habilidade com que este manuseia o signo linguístico. (OLIVEIRA, [s.d.])
Caetano et al [s.d.], aponta “a existência de ruído na comunicação, tanto na
forma escrita quanto na oralidade, devido à utilização excessiva e desnecessária de
termos técnicos”. Em seu entendimento, isso “pode ferir o direito ao acesso à justiça,
pressuposto do Estado Democrático de Direito, uma vez que a parte fica refém de
seu advogado para entender o que acontece no tramitar do processo”.
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Cabe enfatizar que a CF confere ao cidadão vários direitos aos quais possuem acesso através do Poder Judiciário, mas, sobretudo, possuem o direito de entendê-los e, para isso, a linguagem jurídica deve ser consoante à intelectualidade do povo, para que o Direito Constitucional não seja apenas abstrato e que ocorra a popularização dos preceitos basilares do Estado Democrático de Direito. (CAETANO et al., [s.d.]) .
A este respeito, Oliveira [s.d.] indica:
O Estado brasileiro regula a si mesmo e a vida de todos os cidadãos através do Direito. O Direito é ferramenta para viabilizar o bem-estar coletivo e a justiça social, objetivos do Estado Social. Tão importante é o conhecimento do Direito que o artigo 3° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dispõe que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. A presunção de que o conhecimento da lei é exigível de todos faz supor a existência de um Estado Democrático de Informação: um Estado que, através da educação institucional ou não, faça a informação chegar às últimas fronteiras de seu território e ao mais anônimo e pobre nacional. (OLIVEIRA, [s.d.])
Segundo a autora, “o conceito de Estado Democrático de Direito leva
imediatamente à ideia de que a informação jurídica posta a largo ao alcance de
todos é uma das maneiras de exercício democrático”.
Ocorre que o desconhecimento do direito é apontado como um dos fatores a obstar o acesso à Justiça, o que significa, obviamente, que o conhecimento do direito não tem sido democraticamente veiculado. A primeira questão a se considerar é que, de conhecimento presumido, a lei deveria ser, por si só, informadora de direitos e deveres, redigida em uma estrutura padrão simples e direta, utilizando-se de um vocabulário que fosse conhecido da maioria da população a que se destina. (OLIVEIRA, [s.d.])
Oliveira destaca ainda que “muito já se legislou e muitas ações
desembocaram numa justiça mais inclusiva, a exemplo dos Juizados Especiais, a
Assistência Judiciária Gratuita e a Defensoria Pública”.
Na contramão desses avanços, em março de 2004, uma pesquisa do Ibope, encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, demonstrou haver um enorme fosso entre a linguagem jurídica e a língua utilizada pelo cidadão comum, deixando do lado de fora dos portais do Judiciário uma parcela significativa da população brasileira. (OLIVEIRA, [s.d.])
No entender da professora, “indubitável é que o direito, para muitos,
adormece na letra fria da lei porque sua compreensão efetiva está muito distante do
cidadão médio, embora tenha consequências diretas na vida de todos”. Oliveira
acredita que “o discurso técnico, que segue à risca a norma padrão, elaborado em
23 grande formalidade, acaba por marginalizar e excluir sujeitos com baixo grau de
letramento”, mas não só a eles, já que a maior parte das palavras e expressões
latinas é familiar apenas ao universo jurídico e para aqueles que nele transitam. “As
pessoas, de modo geral, mesmo os letrados, as desconhecem e elas lhes perturbam
o acesso ao texto jurídico, o conhecimento do direito.”
A linguagem jurídica é produto de construção sociocultural, imprescindível à efetivação do acesso à Justiça e deveria estar, por princípio constitucional, ao alcance de todos. No entanto, via de regra, é ela a se colocar como uma grande muralha entre o cidadão e o texto jurídico, seja ele escrito ou oral, tornando-se grande responsável pelo desconhecimento do direito e, por consequência, óbice ao acesso à Justiça. (OLIVEIRA, [s.d.])
Para Lübke (2016), “clareza na linguagem jurídica é, também, uma forma de
fazer justiça”.
A simplicidade é maior do que a complexidade; simplicidade está no nível da nobreza, da realeza. O operador de direito que compreende isso deixa de ser um mero “doutor da lei”, um profissional fabricado em laboratório e terá mais condições de promover o bem-estar de toda coletividade, concedendo e garantindo os direitos fundamentais essenciais ao desenvolvimento humano, aliado à democracia, que afirma a soberania popular no poder como instrumento de efetivação dos direitos previstos, ocupando o judiciário um importante papel de interpretar e aplicar os direitos fundamentais previstos na Constituição. (LÜBKE, 2016)
Já Piske (2006) entende que a simplificação da linguagem jurídica é um
instrumento fundamental, “que oportuniza o acesso à Justiça e contribui,
efetivamente, para a compreensão do funcionamento e da atuação do Poder
Judiciário como um todo”. A juíza conclui: “ninguém valoriza o que não entende”.
Fazer-se entender foi justamente o objetivo do juiz gaúcho João Batista de
Matos Danda, ao redigir uma sentença trocando o tom pomposo do Direito pela
linguagem do dia a dia. A história foi contada, em junho de 2015, pela jornalista
Bruna Scirea e publicada pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre.
Sob o título Magistrado faz sentença em linguagem coloquial para combater
"juridiquês", a repórter informou que “o resultado foi um texto de fácil compreensão e
uma repercussão maior do que ele imaginava: virou notícia no meio jurídico — e fora
dele”.
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A ideia surgiu quando João Batista de Matos Danda, então juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, viu-se completamente perdido em uma conversa com a filha. Por mensagem, a jovem contava sobre um novo emprego, na área do marketing. — Ela escreveu expressões como "startup", "incubada", "transmídia", "DNA de marca". Aí, eu perguntei: ‘minha filha, o que tu estás falando exatamente? Traduz, por favor’ — conta Danda, ainda achando graça do papo que não lhe fez sentido. Ao se dar conta de que a linguagem técnica acaba restringindo o entendimento a poucos, geralmente aqueles que trabalham na mesma área, o juiz, então, se propôs ser mais claro em suas decisões. (SCIREA, 2015)
Na matéria, Scirea (2015) compara um trecho da sentença em questão com
a maneira como as mesmas informações normalmente seriam escritas.
Ao falar do processo de revisão da sentença, o magistrado soltou essa: "para julgar de novo, vou ler as declarações de todos mais uma vez e olhar os documentos. Pode ser que me convença do contrário. Mas pode ser que não. Vamos ver". É um texto tão coloquial que parece não ter nada de mais, certo? Errado. O próprio juiz conta como normalmente essa ideia seria escrita, em um processo "normal": — Inconformado com a sentença, que julgou improcedente a ação, recorre o reclamante buscando sua reforma quanto ao vínculo de emprego e indenização por acidente de trabalho. Com contrarrazões sobem os autos a este tribunal. É o relatório. Passo a decidir. (SCIREA, 2015)
“Se é linguagem, tem que comunicar e, se o país é formado por realidades
sociais tão diversas, algo precisa ser feito para minimizar a desigualdade frente à
informação.” (OLIVEIRA, [s.d.])
25 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta deste trabalho foi refletir e avaliar o quanto e de que forma a
complexidade do “juridiquês”, linguagem própria utilizada por operadores do Direito,
funciona (ou não) como obstáculo ao efetivo acesso à Justiça. Procurou-se
identificar a razão de o meio jurídico ter necessidade de se expressar de maneira tão
rebuscada e, muitas vezes, até incompreensível e verificar as consequências deste
modo de agir para as relações entre os profissionais do Direito e aqueles que se
utilizam de seus serviços, principalmente as pessoas com menor poder aquisitivo e,
consequente, acesso ao conhecimento deste linguajar. A intenção deste estudo foi
oferecer subsídios para reflexão de alternativas, que tornem a comunicação no meio
jurídico mais fácil e efetiva.
Para tanto, focou-se na análise dos excessos de formalidade, de arcaísmos,
de termos latinos, dentre outros, da linguagem jurídica, que podem impedir uma
compreensão clara e rápida dos textos dos autos, quer pelas partes interessadas no
processo ou pelos serventuários da justiça, e até mesmo pelo advogado da parte
contrária. A hipótese de esta situação de restrição ao entendimento poder se
configurar como uma forma velada (ou não) de violação ao direito constitucional de
acesso à Justiça também foi foco de atenção. Através de pesquisa na bibliografia
existente sobre o tema, refletiu-se ainda sobre o poder da linguagem no âmbito
jurídico, sobre eventuais prejuízos possivelmente causados pelo uso do “juridiquês”
ao bom andamento dos processos judiciais e sobre a percepção de autores que já
se dedicaram ao assunto a respeito da dificuldade de entendimento pelas partes
leigas do que acontece no curso processual. Utilizando-se abordagem qualitativa, foi
usada, como fonte de pesquisa, a bibliografia existente sobre o tema, com destaque
para buscas na rede mundial de computadores, a Internet.
No Capítulo 1, refletiu-se sobre o poder da linguagem no âmbito jurídico e se
verificou que o Direito não tem como existir sem a linguagem, pois esta é ferramenta
base para o trabalho executado pelos operadores da área. Justamente por isso, há
uma grande preocupação por parte dos autores analisados com a utilização de
26 termos e expressões que causem ruídos à comunicação.
No Capítulo 2, avaliou-se o quanto o “juridiquês” interfere negativamente no
bom andamento dos processos judiciais e se constatou que, apesar de haver
legislação que regule o texto legal com vistas a facilitar sua acessibilidade, na
prática, a vaidade e o elitismo são comuns no mundo jurídico. A complexidade
linguística abre um buraco entre a comunidade leiga e os intelectuais juristas e o uso
de uma linguagem recheada de vícios e citações desnecessárias acaba por tornar a
Justiça cara e morosa.
No Capítulo 3, refletiu-se sobre o “juridiquês” enquanto ruído na
comunicação com pessoas leigas. Os autores analisados são unânimes quanto à
necessidade de se encontrar um equilíbrio entre a linguagem técnica e a do leigo. O
uso de uma linguagem jurídica clara, acessível e objetiva é determinante para que o
cidadão possa usufruir efetivamente do seu direito constitucional de acesso à
Justiça.
Todo texto tem um público-alvo a que se destina. É de suma importância que
se escolha a linguagem mais adequada ao receptor da mensagem que se quer
passar, sob pena de a comunicação não se completar por falta de entendimento. No
caso da linguagem jurídica, a situação se agrava, pois as consequências da
ausência deste tipo de cuidado constituem-se em um obstáculo ao acesso à Justiça,
já que afeta de forma negativa o andamento dos processos judiciais (Justiça mais
cara e morosa) e faz pessoas leigas que precisam dos serviços judiciais de “reféns”
de profissionais do ramo, o que vai de encontro ao conceito de Estado Democrático
de Direito, que leva à ideia de que a informação jurídica ao alcance de todos é uma
das formas de exercício democrático.
27 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CRUZ, Kelly Graziely da. LINGUAGEM: qual sua Importância no Mundo Jurídico? Publicado em 2003. Disponível em:
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LÜBKE, Helena Cristina. Entender Direito é um Direito de Todos. Publicado em
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http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=linguagem. Acesso em: 20
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28 PISKE, Oriana. Simplificação da Linguagem Jurídica. Publicado em 2006.
Disponível em:
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SCIREA, Bruna. Magistrado faz sentença em linguagem coloquial para combater "juridiquês". Zero Hora, Porto Alegre, 05 junho 2015. Disponível em:
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SILVA, Jhonatan de Castro e. Direito: linguagem, poder simbólico e interpretação. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21809/direito-linguagem-
poder-simbolico-e-interpretacao. Acesso em: 25 de jan. 2017.