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0 J O V E M
J O S por
THOMAS MANN
2. VOLUME
Com o romance intitulado
O Jovem Josprossegue a publi-cao da monumental trilogia
de Thomas Maimn Jos e Seus
Irmos, de qiue j saiu o i. vo-
lume.
Obra de concepo audaciosa,
nelai depositou Thomas Manin o
melhor do seu talento de escri-
tor, conferindo histria b-
blica/ uma dimenso inteira-
mente nova. O Jovem Jos
vem acrescentar mais uma pe-
dra nesse edifcio, em que alargueza de concepo do arqui-
tecto se conjuga harmoniosa-
mente com a finura do arteso
que no descura um s por-menor.
Depois de haver publicadoA Montanha Mgica, Os Bud-
denbrook e Cabeas Trocadas,a Editorial Livros do Brasil
no poderia deixar de incluirna suai Coleco Dois Mundos
uma obraprima que a crtica
imiuindiall e 01 pblico tm sau-dado em todos os quadrantes eque beirn merece a qualificao
de lssdca.
Vr
tilt'scro
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VOLUMES PUBLICADOS
NESTA COLECCO:*
1 O LIVRO DE SAN MICHELE, porAXEL UUNTHE
2AS VINHAS DA IRA, porJOHN STEINBECK
3 GOG,por GIOVANNI PAPINI4 MADAME CURIE,por EVA CURIE
5HOMENS E BICHOS,por AXEL MUNTHE
6 ARCO DO TRIUNFO,por ERICH MARIA REMARQUE7 HISTRIA DE CRISTO,por GIOVANNI PAPINI
8 SERVIDO HUMANA, por W.SOMERSET MAUGHAM
9 PALAVRAS E SANGUE, por GIOVANNI PAPINI
10 GERAO PERDIDA, porALDOUS HUXLEY11O DOUTOR ARROWSMITH, porSINCLAIR LEWIS
12 OFIO DA NAVALHA,por W. SOMERSET MAUGHAM
13 OS BUDDENBROOK, por THOMAS MANN
14 MIGUELANGELO NA VIDA DO SEU TEMPO, por GIOVANNI PAPINI
15O LIVRO NEGRO NOVO DIRIO DE GOG, por GIOVANNI PAPINI16TERRA BENDITA,por PEARL S. BUCK
17OS FILHOS DE WANGLUNG, porPEARL S. BUCK18 CASA DIVIDIDA, porPEARL S. BUCK
19 CONTRAPONTO, porALDOUS HUXLEY20 ODIABO, por GIOVANNI PAPINI
21 ASCHUVAS VIERAM, porLOUIS BROMFIELD
22CHUVA E OUTRAS NOVELAS, por W.S. MAUGHAM
23 O PATRIOTA,por PEARL S. BUCK
24POR QUEM OS SINOS DOBRAM, porE. HEMINGWAY
25ADMIRVEL MUNDO NOVO, porALDOUS HUXLEY26VIGIA DO MUNDO, por GIOVANNI PAPINI
27DEBAIXO DO CU, porPEARL S. BUCK28CONSCINCIA DE MDICO, porMORTHON TOMPSON29 SEM OLHOS EM GAZA, porALDOUS HUXLEY
30 OS THIBAULT, porROGER MARTIN DU GARD(3 v.)
31 LUCY CROWN, porIRWIN SHAW32 A MONTANHA MGICA, por THOMAS MANN
33 DIRIO DE ANNE FRANK
34 O BREVE REINADO DE PEPINO IV, porJOHN STEINBECK
35 EXAME DE CONSCINCIA, por W.SOMERSET MAUGHAM36 REBECA, porDAPHNE DU MAUR1ER37 OS JOVENS LEES, porIRWIN SHAW
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38 A VIDA DE VICTOR HUGO, por A. MAUROIS
39O OUTRO EU, por DAPHNE DU MAUR1ER40 A CONDIO HUMANA, por ANDRE MALRAUX
41 O OBELISCO PRETO,por ERICH MARIA REMARQUE
42 O PODER E A GLRIA,por GRAHAM GREENE
43AQUELE DIA INESQUECVEL, porJAMES HILTON44A ARVORE DA NOITE,por TRUMAN CAPOTE45 JUIZO UNIVERSAL,por GIOVANNI PAPINI
46 NO RASTO DE ANNE FRANK, por ERNEST SCHNABEL
47 A INOCNCIA E O PECADO,por GRAHAM GREENE
48 PRECONCEITO RACIAL, porPEARL S. BUCK
49 OS POSSESSOS, porALBERT CAMUS50ESTA TERRA CRUEL, porERSKINE CALDWELL
51 REGRESSO AO ADMIRVEL MUNDO NOVO, por ALDOUS HUXLEY52 ENTRE DOIS TIROS, por A. ROBBE-GRILLET
53 SANGUE E PRISAO, por CURZIO MALAPARTE
54 AS VERDES COLINAS DE AFRICA, porE. HEMINGWAY55RETRATO DO ARTISTA QUANDO JOVEM, porJ. JOYCE
56 FRIAS EM CROME, por ALDOUS HUXLEY
57MALDITOS TOSCANOS, por CURZIO MALAPARTE58 LUZ DE AGOSTO, por WILLIAM FAULKNER
59 A VIDA TRGICA DE VAN GOGH, porI. STONE
60UM HOMEM LIQUIDADO, por GIOVANNI PAPINI
61 DEBAIXO DO VULCAO, porMALCOLM LOWRY
62A FLOR OCULTA, porPEARL S. BUCK
63 ESTRANHOS FRUTOS, por ULL1AN SMITH64 NA OUTRA MARGEM, ENTRE AS RVORES, porERNEST HEMINGWAY
65 A VIDA AVENTUROSA DE JACK LONDON, porIRVING STONE
66CARTAS AOS HOMENS DO PAPA CELESTINO VI, por GIOVANNI PAPINI
67DUAS SEMANAS NOUTRA CIDADE, porIRWIN SHAW68 FIM DE SEMANA,por ROGER VAILLAND
69 HENDERSON, O REI DA CHUVA, porSAUL BELLOW
70 O GRANDE PROBLEMA, porALDOUS HUXLEY71RETRATO DO ARTISTA QUANDO JOVEM CO, por DYLAN THOMAS72 RUA PRINCIPAL,por SINCLAIR LEWIS
73 OS INDIFERENTES, porALBERTO MORAVIA
74 UMA AGULHA NO PALHEIRO, por /. D. SALINGER75KAPUTT, por CURZIO MALAPARTE
76 OINVERNO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO, porJOHN STEINBECK77GENTE DE DUBLIM,por JAMES JOYCE
78 O TEMPO TEM DE PARAR, por ALDOUS HUXLEY79 OS CONQUISTADORES, porANDR MALRAUX
80 UMA LUZ AO ESCURECER, porERSKINE CALDWELL
81 OS PATRIOTAS, porJAMES BARLOW
82 A ESTRADA REAL,por ANDR MALRAUX83 A ILHA, porALDOUS HUXLEY
84 OS CARNEIROS DE FOGO, porPIERRE GASCAR
8s OPROCESSO, porFRANZ KAFKA86 COM AMOR E RAIVA, por VASCO PRATOUNI
87 A NAVE DOS LOUCOS, por KATHERINE A. PORTER88 A SERPENTE VERMELHA, porPEARL S. BUCK
89 CASA INDEFESA, porHEINRICH BOLL
90 PARIS UMA FESTA, porERNEST HEMINGWAY
91 O CASTELO,por FRANZ KAFKA92 VIAGENS COM O CHARLEY, porJOHN STEINBECK
93 A SANGUEFRIO, por TRUMAN CAPOTE94 MORTE NO CASTELO, porPEARL S. BUCK
95 A TRUTA, porROGER VAILLAND
96 CORRESPONDENTE DE GUERRA, por JOHNSTEINBECK97 TAMBM O CISNE MORRE, porALDOUS HUXLEY98 A AGUIA AZTECA CAIU, por CARLO COCCIOLI
99 H SEMPRE UM AMANH, por PEARL S. BUCK100 O CONFORMISTA, porALBERTO MORAVIA
101 AMERICA, porFRANZ KAFKA
102 FILHOS DA GUERRA, porPEARL S. BUCK
103 O VOLGA NASCE NA EUROPA,por CURZIO MALAPARTE
104 O DON TRANQUILO, porMIKHAIL CHLOKHOV.Obra em 4 vols.
10s A PELE, por CURZIO MALAPARTE106 BABI YAR, porANATOLY KUZNETSOV
107 EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO, por MARCEL PROUST1 vol.:No Caminho de Swan; 2.0 vol.: A Sombra das Raparigas em Flor; 3 vol.:
O Caminho de Guermantes; 4.0 vol.: Sodoma e Gomorra; 5 vol.: A Pri
sioneira
108 A FAMLIA FORSYTE, por JOHN GALSWORTHY i. vol.: O Proprietrio;2. vol.: No Tribunal;3.0vol.: A Nova Gerao
109 OS NO VOS FORSYTE, por JOHN GALSWORTHY 1 vol.: 0 MacacoBranco; 2vol.: A Colher de Prata;3.0vol.: 0Canto do Cisne
no AS TRS FILHAS DA SENHORA LIANG, porPEARL S. BUCKin JOS E SEUS IRMOS, por THOMAS MANN1 vol.112 SOMBRAS NO PARASO,por ERICH MARIA REMARQUE
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OSE SEUS IRMOS
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C A P A D E D O R I N D O D E C A R V A L H O
s
Reservados todos os direitos pela legislao em vigor
C O L E C O D O I S M U N D O S
THOMAS MANN
JOSE SEUS IRMOS
II VOLUME
O JOVEM JOS
TRADUO DE ELISA LOPES RIBEIRO
EDIAO LIVROS DO BRASIL LISBOA
Rua dos Caetanos.22
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Ttulo da edio original:
JOSEPH UND SEINE BRDER
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O J O V E M J O S
T O T E
DA BELEZA
A histria continua. Conta que Jos, aos dezasseis anos, era
pastor como os irmos e vivia na companhia dos fiilhos de
Baila e de Zelfa, mulheres do pai. Na verdade assim era,e tambm sabemos o que diz mais o belo colquio a seu
respeito: que ele comunicava ao pai tudo quanto sabia de mau
acerca dos irmos. De um certo ponto de vista, poderseia dizerque era um rapazelho insuportvel, e os irmos assim o conside-
ravam. Ns no partilhamos desse ponto de vista, ou melhor,podemos aceitlo um momento, para logo o abandonarmos. PorqueJos era mais do que isso. As passagens que citmos so exactas,
mas necessitam de ser explicadas uma por uma, para que a situaose torne clara e o que resumimos ao entrar no domn.io do passado
assuma as suas reais propores.Jos tinha dezassete anos e era, na opinio de todos que o
viam, o mais belo dentre os filhos dos homens. Francamente, nodiscreteamos com prazer sobre a formosura. Tanto a palavra comoa ideia so inspidas. A formosura no ser um sofisma, um sonhoexemplar? Supese que h leis reguladoras da beleza. Mas umalei dirigese ao entendimento e no s sensaes. As sensaes
escapam ao entendimento. Da a insipidez da beleza perfeita queno deixa nada a desejar. As sensaes precisam de ter algo que
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perdoar, seno vir,amse para outro lado com um bocejo. S o pe-dante, que ama o consagrado, o convencional, pode apreciar a
estrita perfeio a ponto de se entusiasmar por ela. difcil atri-
buir grande valor a essa espcie de entusiasmo. Uma lei obriga e
iimpe exteriormente. A compulso interior no obra de lei,mas de seduo. A beleza uma magia exercida nas nossas sen-
saes e, como tal, sempre um tanto ilusria, muito vacilante eefmera em seus efeitos. Coloquese uma cabea feia num corpo
belo. Este s continuar a ser belo se for visto no escuro, havendoportanto engano. Na verdade, quanta iluso, quanta artimanha,quanto engano andam envolvidos no assunto! O mundo est cheio
de anedotas de rapazes vestidos de mulher que fazem andar rodaa cabea dos homens e de raparigas vestidas homem que des-
pertam paixes am pessoas do mesmo sexo. Basta que se descubrao embuste para que as paixes arrefeam, porque a beleza perdeu
o seu objectivo. Talvez at que a beleza humana em seus efeitos
sobre os sentidos no passe de magia do sexo. De modo que, emvez de se dizer que um ente formoso, falarse com mais pro-
priedade de um homem perfeito ou de uma muil'her absolutamentefeminina.
S atravs de uma vitria alcanada sobre si prprio queum homem, ou uma mulher, poder referirse beleza do seusemelhante. Raros so os casos, embora existam, em que a beleza
provoca sensaes inteiramente destitudas de interesse prtico.O que em geral entra em jogo o elemento da juventude, isto ,
uma magia que as sensaes tm tendncia a tomar por beleza.A juventude, quando no prejudicada por senes demasiado
graves, suscita no observador a impresso de beleza, e at a si
prpria causa a mesma impresso que o sorriso evidencia inequivo-camente. O encanto da juventude a manifestao de beleza quepor sua prpria natureza paira entre o masculino e o feminino.Um jovem, de dezassete anos no belo no sentido de masculinidadeperfeita. Tambm no belo no sentido de uma feminilidade des-tituda de alcance prtico, o que atrairia bem poucas pessoas. Mastemos de convir que a beleza apoiada na graa juvenil se inclinasempre mais, tanto interiormente como exteriormente, para o
lado feminino. Isto faz parte da sua essncia, das suaves relaes
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da juventude com o mundo e do mundo com ela, como o seusorriso traduz. Aos dezassete anos, na verdade, pode serse maisformoso do que uma muilher ou um homem; ser formoso pelo lado
feminino e pelo masculino; ser to belo, to gracioso que, diantede tanta beleza e tanta graa, os homens e as muliheres fiquem
boquiabertos, encantados.Foi o que se verificou com o filho de Raquel. E por isso se diz
que ele era o mais formoso dentre os filhos dos homens. Adulaoexagerada, pois sempre houve e h muitos seres humanos igual-
mente belos. Desde os tempos em que o homem deixou de vivernos abismos e andar de rastos, encaminhando de algum modo os
seus passos para a imagem corprea de Deus, muitos jovens dedezassete primaveras exibiram pernas esbeltas, quadris estreitos,
busto elegante e pele dourada, no menos susceptveis de seremadmirados. Tm havido muitos de boa altura, nem altos nem baixos
de mais; muitos que sabem estar de p ou andar de maneira airosa
e que encontraram o equilbrio entre a delicadeza e a fora. No nada extraordinrio que sobre um tal corpo assentasse, no uma
cabea de burro, mas uma cativante cabea humana. Porm no
crculo de Jos, era a pessoa dele e a presena dele que exerciamo encantamento da formosura. Na opinio de todos que o con-
templavam, o Sempiterno dotarao de uma graa que lhe ilumi-nava o rosto, e dos seus lbios decerto grossos, excepto quandoos movia, desprendiase um sorriso quase divinal. Sem dvida, essa
graa tinha os seus opositores, e havia quem a atacasse. Mas issonada prova, e nem sequer se pode dizer que os opositores no par-ticipassem da opinio geral. Muitas coisas nos autorizam a afirmar
que o dio dos irmos a Jos no era efectivamente seno o encan-tamento geral com reaces negativas.
O TASTOR
J falmos bastante acerca da beleza de Jos e dos seus dezas-sete anos. Que ele era pastor, assim como os irmos, os filhos deZelfa e de Bala, um asserto que tambm precisa de explicao,
expanso e restrio.
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O abenoado Jacob era um estranho no pas, um ger, como se
dizia, um hspede tolerado e respeitado. No por ter vivido tantotempo fora da ptria, mas por natureza e posio, como filho depais que tambm tinham sido gerins. No se tornara um cidado
estabelecido e membro da classe dominante na cidade. No era
da que lhe provinha a dignidade, mas sim da sabedoria e da
riqueza que possua e tambm da impresso causada pela sua
pessoa e atitude. Sim, pela atitude e no pelo seu sistema de vidainstvel, apesar de legal, caraoterizado, 9e assim se pode dizer, poruma ambiguidade ordenada. Jacob vivia em tendas diante dosmuros de Hbron, como outrora vivera diante das portas de
Siqum. Um, belo dia, podia prse novamente a caminho emdemanda de outros poos e outras pastagens. Poderia contudo ser
considerado um rabe do deserto, um Caim dado ao nomadismo
e rapina, motivo de horror e de terror para os habitantes dacidade ou do campo? No, de maneira nenhuma. Na sua inimizade
mortal a Amaleque, o seu Deus no fazia diferena dos outros Baaldo pas, como Jacob j vrias vezes o demonstrara, armando a sua
gente para ajudar os cidados de Hbron e os camponeses cria-
dores de gado a rechaar as hordas que irrompiam dos desertos doSul, povos criadores de camelos que se entregavam pilhagem etraziam o corpo tatuado com as marcas das tribos. E todavia Jacobno era um campons. No, decididamente. Os seus sentimentos
religiosos no se harmonizavam com os cultivadores da terra,bronzeados pelo sol. Alm disso, a sua situao de ger e hspede
no lhe dava direito a possuir seno o local onde vivia. Arrendava
ora aqui, ora ali uma pequena terra de lavradio, umas vezes lisae plana, outras vezes ngreme e rochosa, cam solo frtil entre o
pedregulho onde o trigo e a cevada podiam germinar. Nela traba-lhavam os seus filhos e os escravos. Como toda a gente sabe, Jos,
alm de pastor, por vezes tamibm fazia de semeador e de ceifeiro.
Mas o gnero de trabalho rural tinha pouca ou nenhuma significaona vida de Jacob. Exerciao sem entusiasmo e apenas para justificar
a permanncia no pas. A sua grande riqueza era constituda por
bens mveis: os rebanhos. Com os lucros dos rehanhos, Jacob abas-teciase fartamente de trigo e de mosto, de azeite, figos, roms,
mel e at de prata e ouro. E a posse de tudo isso regulava as suas
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redaes com a gente da cidade e a do campo em condies que
eram cuidadosamente determinadas por numerosos contratos e lheconferiam foros de cidado, a despeito do seu gnero de vidainstvel.
Para a manuteno dos rebanhos, Jacob precisava de manter
boas relaes comerciais com os negociantes da cidade e com os
camponeses que trazia ao seu servio. Se queria levar uma vida
assente e desejava que o no tomassem por um nmada invasorde terras alheias, tinha de fazer acordos ilegais e amigveis com o
povo de Baal, pelos quais se obrigava a s tocar os rebanhos para
o restolho e a no os deixar vaguear nem pastar seno em terras
de pousio. Verdade que, na ocasio, as terras de pousio no abun-davam por aquelas colinas, pois tinha havido uma longa e aben-
oada quadra de paz. Os habitantes da cidade especulavam com asterras e prosperavam extraordinariamente com o comrcio das
caravanas, com as receitas da armazenagem, do despacho, trans-porte e acompanhamento das mercadorias que vinham da terra da
Marduk, passavam por Damasco, na estrada a leste do Jordo, eatravessavam essa regio at ao mar com destino terra da lama,
ou em direco aposta.Jacob entretanto aumentou as suas terras. Mandouas cultivar
pelos escravos e por servos rurais. Alm dos lucros que tirava dosnegcios, enriqueciamno os produtos do solo. E assim como os
filhos de Ichulano haviam submetido Labo, Jacob pde dominarat sobre os camponeses livres, concedendo4hes emprstimos. O cul-tivo e a colonizao desenvolveramse com rapidez, a ponto de
j no haver campo de pastagem suficientes. E assim como outrora
os prados de Sodartia no compontavam Lot e Abrao juntos, tam-bm agora a terra j no comportava Jacob. Viuse assim obrigadoa dividir os rebanhos. Decidiu mandar a maior parte para pasta-
gens que ficavam ao Norte, a cinco dias de jornada, naquele mesmo
vale de Siqum, rico em mananciais, onde estivera antes. A, ocupa-vamse do pastoreio principalmente os filhos de Lia, desde Rben
a Zabulon, enquanto os quatro de Bala e de Zelfa e os dois de
Raquel ficavam com o pai. Sucedia com eles o que sucede com asrepresentaes dos signos do Zodaco: s seis eram visveis ao
mesmo tempo, comparao a que Jos no se cansava de ailudir.
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Notese que os seis de Siqum vinham para Hbron no tempo dascolheitas, quando havia mais trabalho, mas geralmente estavam
afastados por quatro a cinco dias de viagem, e isto convm tambm
notar porque justifica dizerse que Jos vivia com os filhos das
escravas.
Jos no trabalhava todos os dias no campo ao lado dos irmos.
Efectivamente no se deve tomar muito a srio esse seu trabalho.
Nem sempre guardava os rebanhos, nem revolvia a terra arvelpara a semeadura do Inverno, tornada fofa pela gua das chuvas.S trabalhava quando lhe apetecia. Jacob deixavalhe muito tempo
livre para ocupaes mais elevadas, de que a seguir falaremos.
Mas, quando trabalhava ao lado dos irmos, faziao na qualidadede feitor ou na de ajudante? Foi o que os irmos nunca chegaram
a saber. Eles davamlhe ordens e at bastante speras, mas Jospouco trabalhava, procedendo como se no fosse da sua igualha,
mas antes como um representante e emissrio do pai, destinadoa vigilos. O resultado era que, por um lado, os irmos no gos-tavam de o ter ao p deles e, por outro, irritavamse quando Jos
lhe dava na veneta ficar em casa.
A L I O
Que fazia ele ento? Ficava sentado com o velho Eliezer debaixo
da rvore de Deus, o grande terebinto que havia ao lado do poo,
ocupado em cultivar a cincia. Diziam que Eliezer era parecidocom Abrao. Na verdade, no podiam saber se era parecido ou
no, porque no tinham conhecido o CaJdu, nem lhes chegara,
atraivs dos sculos, qualquer descrio a tal respeito. A afirmaoda parecena s se compreende em sentido inverso, isto : que ostraos de Eliezer ajudavam a evocar a imagem do primitivo pere-
grino e amigo de Deus. No porque os traos do ancio fossemgrandes, nem majestosos, como a figura e o porte, mas por haver
neles uma suavidade, como que uma divina serenidade, fcil de atri-buir a um venervel desconhecido de outras eras. Eliezer era um
pouco mais velho do que Jacob e trajava como ele, moda beduna,meio moda da gente de Sinar, com a orla das vestes franjada. Na
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faixa, trazia metidos os aipetrechos de escrita. A parte da fronte que
o manto lhe deixava descoberta era cadma e sem rugas. As sobran-celhas, ainda pretas e ligeiramente arqueadas, estendiamse desde
a raiz grossa e pouco profunda do nariz art s tmporas. E abaixo
das sobrancelhas, os olhos escondiamse nas plpebras pesadas eempapuadas, quase sem pestanas, mais parecendo lbios em
que se movia o negro globo ocuilar. O nariz, de aletas finas, incli-
navase regularmente at ao bigode, que a partir dos cantos daboca se confundia com a barba brancaamarelada. Por baixo do
bigode aparecia bem ntida a linha vermelha do lbio inferior.As faces, cuja pele macilenta era vincada por uma infinidade depequenas rugas, sobressaam acima da linha da barba. Esta linha,ponto de encontro das faces com a barba, era de uma tal regula-
ridade que a barba parecia estar amarrada por trs das orelhas
e poder ser retirada. Alis, a impresso predominante do rostode Eliezer era a de uma mscara, como se por baixo dela se ocul-
tasse o verdadeiro rosto. Jos lembravase de ter tido, em criana,essa impresso.
Corriam as histrias mais variadas e absurdas a respeito das
origens de Eliezer e dele prprio, histrias a que mais tarde nosreferiremos. De momento bastar dizer que ele era mordomo deJacob e seu mais antigo criado, que sabia ler e escrever e era omestre de Jos.
Dizme, filho da esposa legtima perguntava ele ao rapaz
quando estavam ambos sentados sombra da rvore da cincia ,quais so as trs razes por que Deus criou o homem em ltimolugar, depois dos animais e das plantas?
Ao que Jos devia responder: Deus criou o homem em ltimo lugar para que se no
pudesse dizer que ele O ajudara na obra da Criao. Segundo, paraque o homem se humilhasse, podendo dizer a si mesmo, convicto:
A mosca varejeira precedeume. Terceiro, para que se pudessesentar mesa do banquete, como um hspede para o qual todasas coisas tinham sido preparadas.
Ento Eliezer concordava, satisfeito: como dizes.E Jos ria.
2J. s. I.2. v. 17
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Mas isto no nada. No passa de um exemplo dos muitosexerccios de treino de memria e sagacidade, bem como dos
inmeros ditos e historietas dos tempos antigos em que o rapaz
devia tornarse versado. Eliezer comeara a contarlhos desde amais tenra idade, e havia muito que Jos aprendera a enfeitiar
os ouvintes, aliis j pasmados s de contemplarlhe a formosura.
beira do poo j ele procurara distrair o pai com a fbula dos
nomes, narrando como a donzela Ichara obtivera do lascivo men-sageiro o nome de Deus e como, mal acabara de ouvir o verda-
deiro nome, o gritara e, merc dele, subira intacta na sua virgin-dade, enganando o importuno Senaza. Acolheraa o Senhor nas
Alturas com grande benevolncia, dizendolhe: Escapaste ao laodo pecado, por isso vais ter um lugar entre as estrelas. E era esta
a origem da constelao da Virgem. Quanto a Senazai, o mensa-
geiro, viuse condenado a permanecer c em baixo, no p, sem
poder subir, at ao dia em que Jaicob, filho de Yitzchak, teve perto
de Bethel aquele sonho da escada que conduzia ao Cu. Por essa
escada que Senazai pde tornar a subir, profundamente humi-
lhado de s o conseguir graas ao sonho de um mortal.
Poderse dar a isto o nome de cincia? No. Porque no era
a pura verdade, mas simples recreao do esprito, embora des-tinada a disciplinlo e a preparlo para receber verdades austeras
e sagradas. Jos aprendeu assim com Eliezer o que era o mundo
celeste, composto simbolicamente de cu superior, terra celeste
do zodaco e mar celeste meridional. Ao universo celeste corres-pondia exactamente o universo terrestre, dividido em trs partes:
atmosfera, reino terrestre e oceano terrestre. Este segundo Jos
aprendeucorria em volta do disco da Terra como uma faixa,mas encontravase tambm por baixo dela e, no tempo do grandedilvio, teria irrompido por todas as fendas, misturando as suas
guas com as do mar celeste que caam do alto. O reino terrestredava, porm, a quem o observasse a mesma ideia de terra firme,e a terra celeste, l no cirno, era como uma regio montanhosa
com dois picos, o Sol e a Lua Horeb e Sinai.
O Sol e a Lua, com outros cinco astros errantes, constituamos sete planetas transmissores de ordens, que circundavam o
Zodaco em sete crcuilos de vrias dimenses, de sorte que este
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assemelhavase a uma torre redonda de sete degraus, cujos terraos
conduziam ao cu setentrional e casa do Senhor. L, estava Deus.E a Sua montanha sagrada refulgia como gneas pedrarias, tail como
o Hermon cintilava com a neve sobre a regio do norte. Eliezer,enquanto falava, apontava para a montanha resplandecente do
Senhor, visvel de qualquer parte, e portanto tambm da rvore dacincia, de modo que o aluno no distinguia o que era celeste do
que era terrestre.Jos aprendeu a misteriosa maravilha dos nmeros sessenta,
doze, sete, quatro e trs; o divino carcter da miedida; como tudo
se combinava e correspondia entre si de maneira to assombrosa
que outra coisa se no podia fazer seno cair em adorao peranteto perfeita harmonia.
Eram doze as constelaes do Zodaco, formando as estaes
do grande crculo, e eram doze os meses de trinta dias cada um.
O crculo menor correspondia ao maior, que tambm era dividido
em doze perodos. Havia assim um perodo sessenta vezes maiordo que o disco solar, sendo este a hora dupla. Ela era o ms dodia, mostrandose tamibm engenhosamente divisvel. A rbita solar,
visvel nos equincios, continha tantas vezes o dimetro do disco
solar quantos os dias do ano: trezentas e sessenta vezes. E precisa-
mente nesses dias o nascer do Sol durava desde o momento emque nascia no horizonte a sua orla superior at ao momento em
que o astro se apresentava cheio e luminoso: a sexagsima parte
de uma hora dupla. Esse era portanto o minuto duplo. E assimcomo o Vero e o Inverno formavam a grande revoluo terrestre,e o dia e a noite formavam a pequena, assim das doze horas duplas
provinham doze horas singelas, respectivamente para o dia e para anoite, e sessenta minutos singelos para cada hora do dia e da noite.Que ordem, que harmonia, que exactido em tudo isto!
Mas repara ainda, Dumuzi, filho verdadeiro! Presta aten-
o. Apura bem os sentidos!Eram sete os astros errantes e transmissores de ordens, e a
cada um cabia um dia. Sete era tambm em especial o nmero
da Lua, que abria o caminho dos deuses, seus irmos, l no firma-mento, ou por outras palavras, o nmero dos quartos de Lua, de
sete dias cada um. O Sol e a Lua eram dois, como tudo mais.
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como o sim e o no. Por isso podiamse agrupar os planetas em
dois e cinco, e com muito mais razo do lado dos cinco. Porque
o nmero cinco tinha uma relao maravilhosa com o doze,
visto que cinco vezes doze faziam sessenta. E sessenta, como sevira, era sagrado. Mais maravilhosa ainda era a relao com o
sete, por cinco e sete serem doze. E no se ficava por ali. Com tal
diviso e agrupamento obtinhase uma semana planetria de cincodias, e no ano ocorriam setenta e duas dessas semanas. Cinco era
tambm o nmero pelo qua] se devia multiplicar setenta e doispara se chegar a trezentos e sessenta, nmero glorioso soma ao
mesmo tempo dos dias do ano e resultado numrico daquela diviso
da rbita solar pela linha mais comprida que era possvel traarsobre o disco.
Simplesmente prodigioso!Mas tambm se podiam agrupar os planetas em trs e quatro,
com igual direito para ambos os lados. O nmero dos regentes do
Zodaco era de trs: Sol, Lua e Istar. Alm. disso, era o nmero
csmico, determinando em cima e em baixo a diviso do Universo.
Quatro, finalmente, era o nmero dos pontos cardeais, a que corres-
pondiam as divises do dia. Esse era igualmente o nmero de
partes em que se dividia a rbita solar, cada uma delas governada
por um planeta. Quatro era tambm o nmero da Lua e de Istar,pois ambas mostravam quatro fases. Porm, que resultado se obti-
nha, multiplicando quatro por trs? O resuiltado que se obtinha
era: doze!Jos ria, mas Bliezer erguia as mos, dizendo: Adonai!
E como sucedia que, dividindo os dias da Lua pelo das suas
fases por quatrode novo se obtinha a semana de sete dias?Nisto se via a mo do Altssimo.Com todas estas coisas o jovem Jos, soib a direco do vdho,
se ia entretendo como se fosse com um jogo, jogo a um tempo
divertido e proveitoso. Jos percebia que Deus dotara o homemde inteligncia para a causa sagrada, e que o homem, no para acorrigir, mas para a tornar mais coerente, a fim de que os tre-
zentos e sessenta dias coincidissem com o ano solar, tivera por fim
de intercalar mais cinco dias. Dias difceis e maus, dias de drages,maldies e noites invernais. S depois de eles passarem, surgia a
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Primavera e predominava outra vez a quadra das bnos.
O nmero cinco aparecia aqui com um aspecto intolervel. Mas
treze tambm era ruim. E porqu? Porque os doze meses lunares
tinham s trezentos e cinquenta e quatro dias e era preciso agre
garemseJihe, de quando em quando, uns meses desagradveis, que
correspondiam dcima terceira constelao zodiacal o Corvo.
Esse excedente dava ao treze o cunho de nmero aziago, do mesmo
modo que o corvo era uma ave de mau agoiro. Por isso Benoni
Benjamim estivera em risco de morrer ao atravessar as portas do
nascimento, como quem atravessa a estreita passagem entre os
cumes da Montanha do Mundo, e por pouco no sucumbira na
luta contra as foras do mundo inferior, apenas por ser o dcimoterceiro filho de Jacob. Mas em seu lugar fora aceita Dina, que
perecera.Bem estava em penetrar a natureza do esprito de Deus. Con-
tudo os portentos operados com os nmeros no eram perfeitos:
o homem, com a sua inteligncia, teve de ajustlos. E a rectificao
foi seguida de desgraa e maldio, a que no escapou nem o sim-ptico nmero doze, que se tornou agoirento, porque teve de ser
acrescentado aos trezentos e cinquenta e quatro dias do ano
lunar, a fi;m, de os fazer coincidir com os trezentos e sessenta e
seis do ano lunarsolar. Se, porm, considerassem trezentos e
sessenta e cinco como nmero dos dias, failtava sempre, comoJos podia calcular, um quairto de dia. No decorrer do tempo,
como Jos podia calcular, um quarto de dia. No decorrer do tempo,
essa diferena, repetindose mil quatrocentos e sessenta vezes, per-
fazia um ano inteiro. Este era o perodo de Srio.
Tornouse sobrehumana a concepo que Jos fazia dotempo e do espao, passando dos crculos menores a outros e outros
incomparavelmente maiores que os rodeavam, a anos completosde espantosa extenso. O prprio dia era um ano pequeno, comas suas estaes, a sua claridade estival e a sua noite invernal, e os
dias eram contidos no grande giro de revoluo. Mas era grande
s comparativamente, e mil quatrocentos e sessenta dos tais diasformavam o ano de Srio. O mundo, entretanto, compunhase dodesenvolvimento dos anos maiores ou tailvez ainda no defini-
tivamente os maiores cada um com o seu Vero e o seu
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Inverno. Este comeava quando todas as estrelas se achavam na
constelao do Aqurio ou dos Peixes; quando se achavam naconstelao do Leo ou do Caranguejo comeava o Vero. Cada
Inverno principiava com uma inundao e cada Vero com um
incndio, de modo que entre um ponto inicial e um ponto final
davamse todas as revolues e todos os movimentos circulares.
Cada um destes movimentos compreendia quatrocentos e trinta edois mil anos, sendo a repetio exacta de todos os movimentos
precedentes, porque os astros, tendo voltado mesma posio,
deviam reproduzir no conjunto os mesmos efeitos. Por isso essas
revolues se chamavam renovaes da vida e tambm repeti-
es do passado ou volta perptua. Tinham tambm o nomede Olam, o aeon. Mas Deus era o Senhor dos aeons, El Olam,
o que vive nos aeons, Chai Olam, e pusera no corao do homemolam, isto : capacidade para pensar nos aeons e, em certo
sentido, ter domnio sobre eles.Era uma instruo de soberbas propores. Jos entretinhase
com assuntos elevados. Efectivamente, que coisas no sabia aqueleEliezer! Mistrios que tornavam o estudo em prazer reall e ao
mesmo tempo lisonjeiro, por serem mistrios conhecidos apenasde alguns homens excepcionalmente inteligentes e discretos que
viviam retirados em templos e cabanas. Assim, Eliezer sabia
e tambm ensinou a Jos que a vara dupla babilnica tinha o com-primento do pndulo, executando sessenta oscilaes duplas numminuto duplo. Apesar de tagarela, o discpulo no divuilgou tal
conhecimento a ningum, pois ele provava mais uma vez o carctersagrado do nmero sessenta que, multiplicado pelo belo nmero
seis, dava o resultado mais sagrado de todos de trezentos esessenta.Jos aprendeu ainda as medidas de comprimento e de distncia,
deduzindoas do seu prprio passo e do curso do Sol. E isto garan-
tiulho Eliezer no era temerrio, pois o homem constitua um
resumido universo que correspondia ao vasto Universo. E assimos nmeros sagrados do ciclo planetrio desempenhavam o seupapel em toda a estrutura da medida no tempo, que se tomava
espao.Tornavase o vcuo e com isto o peso. Jos familiarizouse com
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os pesos e com os valores monetrias do ouro, da prata e do cobre,segundo o uso babilnico e o fencio, o uso rgio e o comum.
Exercitouse em, clculos comerciais, aprendeu a trocar cobre parprata e a trocar um boi pelas medidas de azeite, vinho ou trigo
correspondentes ao seu valor metlico. E em tudo era to gilde esprito que Jacob, ao ouvilo, dava por vezes um estalinho
com a lngua e exclamava: s um anjo, um verdadeiro anjo de Arabote!Jos ficou tambm conhecendo as enfermidades humanas mais
importantes e o tratamento delas; o corpo humano que por suavez se compunha, consoante a trindade csmica, de slidos, lqui-
dos e gasosos. Aprendeu a associar as partes do corpo aos signasde Zodaco e aos planetas; a entender como a gordura dos riins
sobrepujava as demais, por estar volta de um rgo ligado ao
da gerao, sede das energias vitais; a reconhecer no fgado oponto de partida das comoes; a reter na memria um sistema,que tiiniha sempre mo, de instrues divididas por seces gra-
vadas nuim modelo de argila, pelo quail sie verificava serem as vs-ceras uim espelho do futuro e uma fonte de prognsticos fide-dignos. Em seguida, comeou a receber lies acerca dos diferentes
povos.Havia setenta povos, ou talvez setenta e dois, visto serem
setenta e duas as semanas planetrias de cinco dias. Alguns povos
tinham costumes e prticas religiosas extravagantes, principal-
mente as brbaros do extremo norte que habitavam o pas de
Magog, muito alm dos cumes do monte Hermon e ainda para lda regio de Hanigalbat, ao norte do Touro. Mas o extremo oci-dente, chamado Tarchich, era tambm horroroso. Para ali setinham dirigido uns homens destemidos, vindos de Sidon, depois
de terem velejado diais sem conto pelos vastos mares verdes. Pores.se caminho tinham penetrado em Kittiim, que seria a Siclia, aspovas de Sidon e de Gebal, afeitas ao comrcio e s deslocaes,e aili tinham estabelecido colnias. A eles devia Eliezer o conhe-
cimento dos pontos extremos da Terra, no propriamente por lheterom querido proporcionar matria de ensino, mas simplesmentepor se sentirem impelidas a visitar paragens longnquas a fim de
venderem, com particular habilidade, os seus tecidos de prpura
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e bordados artsticos aios respectivos habitantes. Ventos favorveislevavam os navegantes para Chipre, Alchia, ou Dodanim, que
era Rodes, e da, sem grandes perigas, at terra de Muzri e ao
Egipto, donde uima corrente martima, propcia ao seu espritomercantil, lhes reconduzia as embarcaes at ptria. Mas a pr-pria gente do Egipto submetera e abrira cincia de Kuch asterrais dos negros ao longo do Nilo, paira o Sul. Arrojandose cora-
josamente ao mar, eles tinham descoberto as terras de olbano no
baixo mar Vermelho, Punt, o reino da Fnix. No extremo sul acha-
vase, segundo a lenda, o pas do ouro, Ofir. Quanto ao Oriente,
havia em Elaim um rei a quem ainda ningum conseguira pergun-
tar se podia lanar uma visita de olhos para allm das seus dom-nios. Provavelmente no podia.
Tudo isto apenas um resumo dais informaes que Eliezerdava a Jos sombra da rvore de Deus. O rapaiz iaas escrevendo
sob a1 direco do velho e depois, com a cabea metida entre os
ombros, liaas para si at as saiber de cor. A leitura e a escritaeram naturalmente a base de tudo e acompanhavam tudo. De con-
trrio, seriam segredos que lhe entrariam por um ouvido e sairiam
pelo outro. Jos devia portanto conservarse acocorado debaixo darvore, com o busto muito direito e os joelhos bem abertos, para
manter sobre as pernas os petrechos de escrita: a tabuiinha de
barro, na qual fazia com um estilo sinais cuneiformes; as falhas
finssimas tiradas do caule de papiro; ou o pedaio liso de pele de
carneiro, ou de cabra, em que enfileirava as suas garatujas, utili-zando uma cana mascadiai ou cortada em ponta, que ia embebendona escudela de tinta preta ou vermelha. Algumas vezes usava a
escrita comum da regio, para se exercitar na lngua do seu tempoe daquelas redondezas e tambm para aprender a escrever cartas
e notas comerciais primorosas, coimo as dos Fencios. Noutras oca-sies, empregava a escrita de Deus, a escrita oficial e sagrada deBabel, a da lei, da doutrina e das lendas, e neste caso servia^se do
estilo e da tabuiinha. Eliezer dispunha de rmuitos modelos excelen-tes: escritos acerca dos astros; hiinos ao Sol e Lua; tbuas crono-lgicas e meteorolgicas; listas de tributos, ou fragmentos dasgrandes fbulas em verso dos tempos primitivos. Estas no encer-
ravam verdades, mas eram vertidas em termos to ousados e
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impressionantes que se gravavam na memria do leitor como se
fossem factos reais. Tratavam da criao do mundo e do homem;do combaite de Marduk com o drago; da elevao de Istar daescravido dignidade rgia e da sua descida ao Inferno; da erva
fecundante e dia gua vital; dos acontecimentos assombrosos suce-
didos a Adapa, a Etana e quele Gilgaimes, cujo corpo, aipesar deser de cairne divina, no conseguira alcanar a imortalidade. Jos
lia todas essas coisas, correndo o indicador pelas tbuas, e copia-vaas com recatada compostura, erecto, abaixando apenas as pl-pebras. Lia e copia1 vai a histria da amizade de Etaina com a guia
que o transportara at aio cu de Anu, atingindo tal altura que a
Terra c em baixo parecia uima torta e o irnar, um cesto de po.Porm, quando Etana deixara de os avistar, apossarase dele um
tal medo que se precipitara no aibismo juntamente com a guia desfecho bem humilhante. Jos esperava haverse, em caso idn-tico, mais airosamente do que esse famoso heri. Mas a histria
que ele mais apreciava era a de Engidu, o homem dos bosques,que Ddmna, mulher da cidade de Uruk, convertera civilizao,
ensinandoo a comer e a beber de maneira decente, a untar ocorpo com leo, a usar roupa., a parecerse, em suma, com os
homens que viviam nas cidades. Jas achava sobretudo encantadorque Dirma, ao fim de seis dias e seis noites de amor, tivesse ades-trado o lobo dias estepes a ponto de tornlo susceptvel de aper-
feioamento. Ao recitar esses versos, a lngua de Babel saalhe
dos lbias com tail brilho que Eliezer beijava a orla da tnica dodiscpulo e manifestavase:
Salv, filho da predilecta,! Fazes progressos maravilhosos. Em
breve sers Mazkir de um prncipe, ou historiador de um granderei. Lembrate de mim quaindo chegares ao teu reino!
Jos l ia depois ter com os irmos ao campo ou ao prado,a fim de lhes prestar uns servios leves. Mas eles arreganhavamos dentes, dizendo:
A vem o toleiro com os dedos sujos de tinta. Tailvez sedigne agora mungir as cabras. Ou vir ele s para ver se cortamos
algum naco dos carneiros para a nossa painel a? Ah, se dependesses de ns, no voltava com os ossos inteiros. O medo que temosde Jacob que o salva!
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CORPO E ESPIRITO
Passando em revista as provocaes e as desinteligncias di-
rias en/tre Jos e os irmos, verificaremos que as causas fundamen-
tais das ms relaes eram a inveja e a presuno. Se quisermos
ser justos, no nos sier fcil decidir se a. culpa vinha do rapaz
ou do grupo, cada vez rnaiis ameaador. O nosso desejo die impar-
cialidade poderia levarnos a considerar a presuno como fonite
principal daquela infeliz situao, que se agraivaiva com o decorrer
do tempo, mas tambm devemos confessar que raramente tem
havido no mundo motivo to forte para presuno e, por conse-
quncia, parai causar inveja, como aqui.Na verdade, raro que andem! juntas na Terra beleza e cin-
cia. Com razo ou sem ela, haibitumomos a considerar feda a
sabedoria e inspida a graa e, pelo que nos diz respeito, a consi-
derla inspida sem qualquer outra preocupao. Com efeito, que
necessidade pode ter a graa de possuir letras, esprito, sabedoria,
se corre o risco de ser desfigurada, destruda com tais atributos?
Entre esprito e beleza h um abismo to grande que a fuso de
ambos no mesmo ser aigurasenos fora do natural e dnos ins-
tintivamente uma impresso de divinal. Quem seja imparcial con-
templaos necessria monte com enlevo, aio passo que a outros ssuscita despeito.
Era o que acontecia. A deleitvel aceitao que certas presen-
as despertam imediatamente no corao humano, e qual temos
por haibiito dar objectivamente o nome de beleza, era invarivel
no caso do primognito de Raquel. Quer partilhemos, quer no,
com o mesmo entusiaismo a opinio da poca, o que facto que toda a gente Jos achava to encantador que a sua graa se
tornou proverbial, tanto no pas como fora dele. Essa graa, favo-
recida pelai intelectualidade e suias artes, era apreendida com sereno
fervor para se difundir de tal modo realada que, entre beleza e
esprito, deixava de haver contraste e quase no havia diferena.Embora dessem uma impresso divinal, como h pouco dissemos,
entendase bem que Jos no ascendeu ao divino, pois no pas-sava de um ser humaino, por sinal com bastantes defeitos e
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tambm unia compreenso bastante lcida para os reconhecer,
mas expandiuse no divino, isto , na Lua.J descrevemos umia cena edificante das relaes tsicas e
mentais que Jos cultivava com o prodigioso astro, cena passada
decerto na ausncia do pai e de que este, ao chegar, logo o
admoestara. Alis a aifeio do rapaz Lua no era s de ordem
esttica,, mas tambm literria. A Lua era, a imagem celeste de
Tote, o beduno branco e inventor dos sinais, orador e secretrio
dos deuses, padroeiro dos que escreviam. Assim, fora a magia
combinada da beleza e do siaibeir que lhe havia posto a alma em
alvoroo, dando um significado especial ao seu culto solitrio.
Como culto, era vago, confuso e propenso a degenerar forte
motivo parai desassossegar o pai , mas por isso mesmo inebriante,
porque as emoes mentais e fsicas se misturavam nele de
maneira arrebaitadora.
Sem dvida, todo o ser humano tem e acalenta, mais ou
menos conscientemente, uma concepo, uma ideia querida, fonte
de uma paixo secreta em que o sentimento da vida se alimenta
e sustem. Para Jos essa ideia preciosa era a coabitao do corpo
e do esprito, da beleza e do saiber e a conscincia reciprocamente
fortalecedora dos dois elementos. Alguns escravos e viajantes cal-
deus tinhamlhe contado que Bei, para criar o gnero humano,
fizera decepar a prpria cabea a fim de que o sangue se mistu-
rasse com a terra, e da massa de terra ensanguentada fora criada
a vida. Jos no acreditava, mas quando queria tornarse cnscio
da sua prpria existncia e tirair da um sentimento de prazer,
meditava na cruenta mistura do terrestre com o divino, regozijan-
dose intimamente die ser formado com tal .substncia. A sorrir,
lemhravarse de que a conscincia do corpo e dia beleza devia seraperfeioada e fortalecida peia conscincia do esprito e viceversa.
Acreditava: sim que o esprito de Deus, a que o povo de Sinardava o nome de Mummu, adejara sobre as guas do caos e
criara o mundo com o poder da palavra. Que maravilha! pen-sava ele. O mundo surgira pelo podeir da palavra livremente arti-
culada, e ainda hoje qualquer coisa que existisse s se tornava
real e presente quando o homem lhe dava vida chamandoa pelo
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nome. Como no havia, pois, uma bela e graciosa cabea de se
convencer tambm da sua sabedoria expressa em palavras?
Semelhantes ensina mentos e tendncias, que Jacob encoraijava
por razes que depois mencionaremos, s serviam para desviarJos cada vez miais dos filhos de Lia e dos das escravas. Alm de
o colocarem parte, traziam em si os germes da presuno e dadesconfiana. Repugnanos dizer que os irmos, os primeiros filhos
de Jacob, cujos nomes todos sabemos de cor, eram afinal uns indi-vduos vulgares, porque seramos injustos para dois, pelo menos:
o complicado e paciente Jud e Rben, homem fundamentalmente
bom. Eim primeiro lugar, impossvel falarse de beleza, tainto a
respeito dos mais novos e mais prximos da idade de Jos, comodos que aindavaim na casa dos vinte, embora fossem moos robus-
tos, especialmente os filhos de Lia, que se ufanavam da sua fora
e agilidade, no s Rben coimo Siimeo, Levi e Jud. Quanto ao
dom da palavra e sabedoria, no havia nenhum que se no
gabasse da sua completa ignorncia e do maior desprezo por seme-lhantes talentos. De Neftali, filho de Baila, diziase que desde muito
pequeno tinha grande facilidade em falar. Mas as reivindicaes
populares eram pouco exigentes, porque Neftali limitavase a uma
loquacidade ocia, sem base para temas elevados. Todos os irmos,
em suma, eraim como devia ter sido Jos paira se poder adaptar
sociedade fraterna pastores e ocasionalmente lavradores. Exer-
ciam as duas fuines com eficincia e molestavaos que o maisnovo, conquanto se imaginasse to caipaz como eles, tivesse licena
do pai para s os ajudar nas horas que lhe ficavam livres da sua
ocupao habitual de ler e escrever nas tbuas. Antes de lhe porem
depreciativamente a alcunha de o luntico, chamavamlhe NoUtnapichtim, o sapientssimo, ledor de pedras antediluvianas. Por
seu lado, Jos mimoseavaos dizendolhes na ciara que eles eramuns cabeas de burro e gente que no sabia diferenar o bemdo mal, fiado em que o medo que os irmos tinham do pai osimpedia de lhe darem uma surra memorvel. Cenas a que nogostaramos de assistir e, por mais bonitos que fossem os olhos
de Jos, temios de achar to reprovvel a resposta como a zom-
bar,. Corn efeito, de que vale a sabedoria se no isenta deorgulho?
2S
E como procedia Jacob a despeito de tudo? Ele no era
letrado. Falava, sem dvida, muito bem o babilnio, melhor ait
que o seu dialecto cananeu meridional. Mas no sabia falar a
lngua dos Egpcios, talvez porque desconfiava de tudo e conde-
nava tudo o que vinha daquele pas. Para ele o Egipto represen-
tava a terra da imoralidade e da tirania feudal. A vida de servido
levada pelo povo a favor do Estado, que se sobrepunha' a tudo,
no se conciliava com o seu sentido vido de independncia eresponsabilidade pessoal. O culto que prestavam aios animais e aos
mortos no podia deixar de ser considerado por ele uma loucura,
uma abominao, e ainda mais o dos mortos que o dos animais,
porque tudo o que havia debaixo da terra, como o gro que nelaapodrece para se frutificar, significava impudiccia. Jacob no dava terra da lama o nome de Keme nem o de Mizraim, mas
de Cheol, inferno, reino dos mortos, e a sua averso, baseadaem causas ticas espirituais, era extensiva ao valor excessivo que,
segundo lhe constava, ali se atribua s letras. Neste ponto, ele,
pessoalmente, no ia, alm da assinatura do nome nos contratos,
quaindo no preferia aporlhes o timbre. O resto, deixavao a cargode Eliezer, seu mais antigo servo, o que se compreende, porque
as habilidades dos nossos criados so habilidades nossas. De qual-
quer modo, no dependia delas a dignidade de Jacob, por seressencialmente natural, espontnea. Provinha antes da fora do seusentimento e da sua experincia, dia plenitude da sua histria subtil
e expressiva, da simplicidade natural que irradiava da sua pessoa
e que a todos impressionava., da preponderante personalidade deuim homem dotado de sonhos audazes, que privava com Deus,
homem, em suma, que no precisava de se embaraar com livrose escritas. Seria despropositado comparar Jacob com Eliezer, ecertamente que a este nunca teria ocorrido a ideia de semelhanteconfronto. Teria Eliezer tido algum dia o sonho da escada ou,
com a ajuda de Deus, teria feito descobertas no reino da Natu-reza, como aquela da mgica simpatia na criao do gado mido
de plo malhado? No, nunca.Mais, afinal, por que razo favorecia Jacob a educao lite-
rria1 de Jos, permitindo que lhe fossem ensinadas doutrinas cujo
perigo paira o rapaz e para as relaes dele com os irmos no
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podia passarlhe despercebido? Por duas razes, ambas filhas do
seu aimor: uma de natureza ambiciosa, outra die natureza pedag-
gica. Lia, a desprezada, sabia o que dizia quando, ao tempo do
nascimento de Jos, falando consigo mesma e com os filhos das
suais entranhas, declarava que dali por diante eles nada rnaiis repre-sentariam aos olhos de Jacob. Desde o dia em que o filho da
esposa verdadeira, Duimuzi, o rebento filho da virgem, lhe fora
concedido, Jacob no pensara seno em plo frente dos quehaviam chegado primeiro, em fazer do primognito de Raquel o
primognito de todos os outros. Embora sincera e justificada, asua ira contra Rben pala falta cometida com Baila no deixava
de ser tambm um pouco estudada e de envolver um oerto exa-
gero intencional. Jos no saibia disto ou mal o pressentia, masquando contou aio pad com pueril malcia o quie vira, Jacob pensou
antes de maiis nada: Agora posso amaldioar o meu filho maisvelho e ficar livre o lugar pana o mais novo! Acudiulhe essaiideia. Porm, teve receio da clera dOs filhos que vinham logo
depois de Rben e no ousou tirar vantagem imediata da opor-
tunidade. Deixou assim o caso em suspenso, reservando para ofilho querido o lugar de honra, o lugar da herana e da eleio.
que se traitava da eleio hereditria da bno de Abrao que
Jacob trazia consigo e que recebera do pad cego em vez de Esa,e ele s queria conferila com uma regularidade que mais tarde nopudesse ser posta em dvida Esse grande bem, se fosse possvel,
caberia a Jos, mais apto a receblo, tanto em carne como em
esprito, do que o grosseiro e leviano Rben. Jacob lanaria mo
de todos os recursos para demonstrar em geral, inclusive aos irmos,que Jos possua altos dons, entre eles, por exemplo, o do saber. Os
tempos haviam mudado. At ento, os herdeiros de Abrao notinham tido necessidade desse predicado. O prprio Jacob no
lhe sentira a falta. Mas quem podia dizer se no futuro no seria,se no necessrio, pelo menos til e desejvel que o abenoadofosse tambm uim letrado? Grande ou pequena, era uma vantagem,
e quanto mais vantagens Jos tivesse sobre os irmos, melhor.
Esta foi umia das razes do consentimento de Jacob. A outra
tinha razes mais profundas no desvelado corao do pai e diziarespeito salvao da alma do rapaz e sua sade espiritual.
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Vimos como Jacob, naquela cena beira do poo, interrogara cau-
telosamente o filho acerca das prximas chuvas, ao mesmo tempo
que colocava as mos sobre ele como que a proteglo. S o grande
anseio de uma informao sobre to importante assunto o indu-
zira a valerse da disposio de nimo do filho que, sem embargo,inquietava o corao paterno, embora ele no deixasse de a apreciar.
Notara em Jos estados de alma prximos do xtase, tendn-
cias para arroubos no muito pronunciados e meio inventados,
mas por vezes genuinamente profticos. Gomo pai, a sua atitude
nesse particular vacilava, impressionado como andava com a equ-voca mistura de mal e de santidade que h em semelhantes ten-
dncias. Dos irmos no havia um sequer que revelasse o maiisleve indcio de pertencer aos eleitos. No tinham a menor apa-
rncia de videntes nem de pessoas visitadas por Deus. Nesse ponto,
por causa deles podia dormir descansado. xtases para o bem ou
para, o mal no eram coisas de que entendessem. E de certo modo
facilitava os planos de Jacob o facto de Jos ser diferente dosirmos. Poderseia interpretar tal facto como uma distino que,
acrescentada s outras, tornava mais convincente a escolha.
Apesar disso, Jacob no deixou de se preocupar com o que
vira. Havia por ali certa gente (Deus livrasse Jos de se tornarcomo eles), santos parvajolais, babosos, energmenos, que ganha-
vam a vida espumando da boca e fazendo profecias. Orculos
humanos que saam a palrar tolices ou eram visitados nas caver-nas por uma freguesia curiosa, de quem recebiam dinheiro ou
obtinham de comer pela tarefa de acharem objectos perdidos oupredizerem dias felizes. Por motivos religiosos, Jacob no gastavadeles, corno ningum alis gostava, conquanto todos procurassem
no os melindrar. Andavam imundos e tinham uns modos tontose desordenados. A crianada acossavaos aos gritos de Aulasaula
lakauia, arremedaindolhes a falia desconexa. Feriamse e mutila-vamse, comiam alimentos deterioradas, traziam uma canga ao
pescoo ou um par de chifres na cabea, e algumas vezes andavamnus. Eram tpicas desses indivduos as duas usanas: os chifres e
a nudez. Sabiase a origem de tal procedimento: a imundcie doculto de Baal, a prostituio ritual, a fertilidade mgica e os sacri-
fcios orgacos aos ps de Melech, o reitouro.
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No era nenhum mistrio. Toda a gente conhecia tas ideias
e respectivas associaes. Mas quem convivia com Jacob tomava
conhecimento daquilo com uma espcie de respeito inteiramentediferente da sensibilidade que nele era de tradio espiritual. Jacob
no fazia objeces a um orculo razovel, como, por exemplo,
o da seta ou o do sorteio paira saber a ocasio favorvel a uma
transaco comercial, e era ait possvel que ele observasse como
os pssaros voavam ou a direco que levava o fumo durante umsacrifcio. Mas quando soobrava a razo, esse dom divino; quandolhe tomava o lugar uma fria infrene; a comeava o que ede cha-
mava loucura, palavra que na sua boca era uma palavra forte,to forte que exprimia o ltimo ponto da desaprovao. EraCana, era tudo quanto se relacionava com a sinistra histria
do av na sua tenda, que tinha de amdar nu, sem pejo, praticandoactos abominveis com os Baal da regio. Despirse, andar can-tando ao ar livre, banquetearse com intemperana, entregairse ofi-cialmente luxria com, as mulheres do templo, venerar Cheol,
Isso e mais a Aulassaulalakaula e profecias feitas por meio deconvulses epilpticas, era tudo a mesma coisa, era tudo uma
loucura aos olhos de Jacob. Torturavao a ideia de que a pro-penso infantil de Jos para revirar os olhos e entregarse a sonhos
pudesse ter qualquer ligao com esse lado impuro da alma. Tam-bm Jacob era, como sabemos, um sonhador, mas um sonhadorrespeitvel. Em sonho vira Deus e Seus anjos, e ao som das harpasrecebera as mais confortadoras promessas. A cabea ergueraselhe
da aflio e da humilhao exterior. Mas nessa exaltao, pelasensatez, pelo comedimento, pela integridade espiritual com quese operara, no entrara uma nfima parcela de magia malfazeja.
Seria deplorvel que dons to excelsos e tais bnos paternasfossem desfazerse nos filhos inconstantes em requintada corrup-o. Era fascinante rever o pai na figura do filho, mas no dei-
xava de ser assustador e estranho aquele dbil rejuvenescimento!Havia ao menos para consolo a ideia de que Jos era ainda muitonovo. Com o tempo havia de perder a inconstncia, de se tornarmais firme e robusto, mais cordaito, mais amigo da razo, o dom
divino. Mas ao olhar atilado de Jacob no escapava que a ten-dncia do pequeno para certa espcie de arroubo tinha pontos de
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contacto com a nudez e, por consequncia, com a entrega docorpo, corn Baal e Cheol, com a tnecromaincia, com o desvario doque 9e passa detbaixo do terra. Da o motivo por que Jacob apro-vava a influncia do homem letrado sobre o filho predilecto. Con-
vinha que Jos aprendesse alguma coisa e que sob uma orientaosapiente ele se exercitasse na palavra e na arte de escrever. Para si
prescindira dessas coisas: os seus sonhos mais audazes tinham sido
modestos e razoveis. Mas os do filho, o velho percebia que pre-cisavam de ser disciplinados pelo entendimento. Talvez que ento
descesse sobre ele uma bno de modo a no apresentar a menorsemelhama com vagabundos epilpticos chifrados e nus.
Era isto que Jacob pensava consigo. Parecialhe que certos ele-mentos obscuros que haviam entrado na formao do filho care-
ciam de afrouxamento e de purificao intelectual. E assim vemos
que o velho, fora de meditar, chegou mesma concluso deJos, isto , que o conhecimento do corpo deve ser corrigido eaperfeioado pelo do esprito.
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3-J. S. I. - 2. V. 33
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A B R A O
O SERVO MAI S ANT IGO
Abrao podia realmente terse parecido com Eliezer, ou no
ter. O patriarca talvez fosse magro, baiixo, com tiques
netrvosos e rugas denunciadoras de inquietao. A afirma-o de que Eliezer, preceptor de Jos, se parecia com o
emigrante da Lua no tinha certamente nada que ver com o eru-
dito chefe dos criados, emto visvel em pessoa. Aquela gente falava
no presente, mas referiase ao passado. Transferiam para um aquiloque diziam do outro. Eliezer, afirmavam, pareciase de cama comAbrao. Esta opinio poderia justificarse, considerando o nasci-
mento e a origem do velho casamenteiro. Porque o mais provvel
que ele fosse filho de Abrao. Na verdade, h quem pense queEliezer era um servo oferecido por Nenrod de Babel a Abraoquaindo teve de o deixair pairtir. Mas isto pouco provvel, se no
.impossvel, porque Abrao saiu de Siniar, no tendo entrado nuncaem contacto directo com o potentado, que alis nunca se importara
com ele. O antepassado espiritual de Jacob foi expulso do pasaps um conflito mudo e interno. Tudo quanto se conta acercado embate pessoal entre ele e o legislador, do seu martrio, do
encarceramento, da submisso a uima prova de fogo dentro deum forno de cal, so narrativas (s nos ocuparemos das que Elie
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zer fazia a Jos) resultantes de uma arbitrria combinao de
lendas, ou foraim transmitidas desde o unais remoto passado e cris-
talizavamse num passado maiis prximo, isto , num passado ques contava sedsoentos anos.
O rei que, no tempo de Abrao, restaurou as torres e lhes deu
ainda maior alturai no se chamava Nenrod, nome que era apenasum ttulo rgio e dinstico. Chamavase Amrafel ou Hamurabi.
O verdadeiro Nenrod era o pai daquele Bei ou Babel a quem se
atribua a construo da torre e da cidade e que se tornou um reideus depois de ter sido uim reihomem, como o egpcio Osris. A fi-
gura do Nenrod original pertence, pois, a pocas anteriores a Osris,
donde se podie conjecturar o abismo histrico que o separa doNenrod de Abrao ou, melhor, a incomensurvel natureza desse
abismo. Quanto aos acontecimentos que se supe terem ocorrido
durante o seu reinado, como, por exemplo, o nascimento de um
menino muito perigoso para o seu poderio que lhe foi predito
pelos astrlogos e o levou a decretar uma matana geral de ino-
centes; e como um menino chamado Abrao escapou matana,
sendo criado numa caverna por um anjo a leite e mel que a crianalhe sugava da ponta dos dedos, etc., so historietas a pr deremissa, pois no se lhes encontra rasto. Em resumo, a figura do
rei Nenrod muito parecida com a de Edom, o Vermelho: o pre-
sente atravs do qual brilha um passado cada vez mais distante,perdendose no que divino, por seu turno proveniente do humano,
em tempos ainda mais remotos e mas insondveis. Dia vir emque se verificar o mesmo com respeito a Abrao. Mas, por agora,
limitemonos a Eliezer.
Eliezer no foi portanto dado de presente a Abrao por Nen-rod. H muito mais probabilidades de que fosse filho de Abraoe de uma escrava e de que tivesse nascido em Damasco durantea estada da gente de Abrao nessa florescente cidade. Mais tarde
teria sido alforriado pelo seu genitor, ficando porm na famlia emsituao um tamito inferior de Ismael, filho de Agar. Quanto aosfilhos de Eliezer, Damasek e Elimos, o Caldeu considerou o pri-meiro durante muito tempo como seu herdeiro, na falta de her-
deiros legtimos, at nascer Ismael e depois Isaac, o filho verda-deiro. Mas Eliezer conservou um lugar de importncia entre a
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gente de Abrao, tendolhe cabido a honra de ir a Naarina pedir
a mo de Rebeca para Isaac, a vtima rejeitada.Como sabemos, Eliezer relatou muitas vezes e gostosamente a
Jos a histria dessa viagem. Sintome impelido, e at de muito
boa vontade, a escrever simplesmente a palavra ele, apesar da
minha finme convico de que no era o Eliezer de Abrao quefalava com Jos. O que me embaraa a sua naturalidade emempregar a primeira pessoa quando se referia dita jornada e a
muda aquiescncia do discpulo a essa sintaxe lunar. Jos sorria
e tambm meneava a cabea. Ningum pode sabor se o sorriso
no implicava alguma crtica e se o menear de cabea no denun-
ciava uma delicada indulgncia. Quanto a mim, prefiro crer s nosorriso, pois afiguraseme que a atitude de Jos em relao aomodo de falar de Eliezer era mais clara e perspicaz do que a do
digno meioirmo de Jacob.Dissemos que Eliezer era meioirmo de Jacob e temos razo
para o dizer. Com efeito, Isaac, o filho legtimo, antes de cegar,fora homem de desejos veementes e a sua veemncia no se dirigia
s filha de Baituel. A circunstncia de ela ter sido estril, como
Sara, durante muito tempo deve tlo levado a procurar de vezem quando um filho algures. Anos aintes de nascerem Jacob e Esa,
tivera ele um filho de uma formosa escrava. Esse filho chamavaseEliezer e foi o que mais tarde obteve a alforria. Era, de facto,
tradicional que um filho nascido nessas condies alcanasse a
liberdade e recebesse o nome de Eliezer. Poderseia desculpar oprocedimento die Isaac com o fundamento de que tinha de haverutm Eliezer. Sempre houvera uim no squito da famlia espiritual
de Abrao, desempenhando ais funes de mordomo e chefe dos
criados e, sempre que possvel, tambm era, encarregado de trazera noiva para o filho da mulher legtima. Camo mandava a regra,
o chefe da casa deralhe uma esposa. Dela teve dois filhos: Dama-sek e Elinos. Nuima palavra, Eliezer era uma instituio, como
Nenrod de Babel. E. quando ele e o jovem Jos se sentavam
sombra acolhedora da rvore da sabedoria, ao lado do poo, e orapaz, com os braos cingindo os joelhos, fitava os olhos no sem-
blante do velho mestre que se parecia com Abrao e sabia dizer
eu de maneira to majestosai, curiosas ideias deviam aitravessar
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aquele esprito juvenil. Os seus lindos olhos estaivam pregados na
figura do narrador, mas, trespassandoa, iam deterse na infinita
perspectiva das figuras de Eliezer que diziam todas eu pela boca
da manifestao presente. J as sombras do crepsculo envolviaim '
a grainde rvore quando eles ali se sentavam, mais por trs de Elie-
zer o ar embebido da luz solar palpitava ardentemente e a sucessode identidades perdiase no mas trevas mas na claridade...
A esfera gira. E 'ningum pode saber com certeza ande uma
histria tem a sua nascente, se no Cu ou na Terra. A melhor
homenagem que se pode prestar verdade asseverar que a hist-ria se passa ao mesmo tempo e concordieimente tainto c como l
e s aos mossas olhos parece descer e de novo subir. A histria jdesce como um deus que se toma homem. Tornase terrena e, porassim dizer, burguesa. Como bom exemplo do que queremos dizer,
ocorrenos urna das fanfarranaidas preferidas dos descendentes de
Jacob a chamada batalha dos reis, ou seja, a derrota infligidapor Abrao ao exrcito do Oriente, a fim de libertar o seu irmo
Lot. Publicistas e comentadores eruditos dos ltimas tempos aven-
tam a opinio de que Abrao seguiu os reis, os desbaratou e repe-
liu parai ailm de Damasco, no com trezentos e dezoito homens,
tal como o canto chegara ao conhecimento de Jos, mas sozinho,
acompanhado apenas pelo seu servo Eliezer, e que as estrelashaviam pelejado por eles, de modo a vencerem o inimigo. Acon-
tece que, tendo o prprio Eliezer contado a histria a Jos tambm
desta forma, o rapaz estava' familiarizado com as variantes. Con-tudo, vse que. relatada desta forma, a histria perde o seu carc-ter terrestre e por isso herico que lhe dera a lenda, tomandb
outro bem diverso. Ouvindoa assim (e foi esta a impresso mais
ou menos manifestada por Jos), era como se dois deuses, senhore servo, tivessem combatido e vencido uim nmero de superiores
gigantes ou de inferiores Eloims. E isto significa, sem sombra dedvida, que o acontecimento reconduzido, mo interesse da ver-dade e da justia, sua forma celeste e nela restaurado. Mas ire-mos ns por isso denegarlhe a forma terrena? Pelo contrrio, per
mitemos at concluir que a verdade e a realidade que a vestiamno Cu comprovam as mesmas qualidades na Terra. O que estno ailto desce, mas o que est em baixo no poderia, digamos
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assim, acontecer sem a sua prpria imagem e cpia celeste. Em
Abrao fezse carne o que antes fara celestial. Baseouse ele no
divino, e isso o susteve, quando vitoriosamente ps em debandada
os salteadores da outra margem do Eufraites.
No teria, por exemplo, a nainraitiva da viagem empreendidapor Eliezier para pedir a mo de Rebeca, a sua prpria histriapara se bastar e na qual o heri e narrador podia basearse tambm
enquanto contava o facto? O velho alterava s vezes essa histriadandolhe uma verso singular, a verso que ele preferia e que
chegou at ms. Dizse, pois, que Eliezer, mandado por Abrao
Mesopotamia pedir Rebeca em casamento paira Isaac, fez em trsdias a caminhada de Bersaib a Harrain, que normalmente levava
vinte ou dezassete, o mnimo, e que a terra saltava ao seu encon-
tro. S podemos entender isto em sentido figurado, uma vez que
a terra no salta nem corre ma direco de ningum. Contudo,assim pode parecer quele que anda com grande ligeireza e leva
como que asas mos ps. Por outro lado, os comentadores guardam
silncio sobre c facto de a jornada ter sido feita, como ento eracostume, com caravana, amimais e bagagem, no aludindo sequer
aos dez camelos. Os esclarecimentos que nos do a tal respeitoso antes de molde a sugerir que o mensageiro e filho natural deAbrao venceu a distncia sziniho e com tal rapidez que. efecti-
vamente, no lhe bastariam s os ps alados, mas precisaria tam-bm de levar asas no chapu... Em suma, temos de concluir que
a narrativa da viagem terrestre e carnal de Eliezer uma tradioceiest;. Tanto assim que, ao contar o seu caso a Jos, ele confun-diu no s a linguagem mas tambm a histria, dizendo que a
terra lhe saltava ao encontro.
Sim, quaindo o olhar meditativo do jovem discpulo repausavasobre a actual manifestao carnal de Eliezer, a perspectiva' da sua
personalidade perdiase. no nas trevas mas na luz. E isto no sorelativamente identidade de Eliezer, mas tambm de outraspessoas, e fcil adivinhar quais. Antecipando um pouco a histriade Jos, acrescentaremos que eram estas as impresses mais reais
e duradouras que lhe ficavam das suas conversas com o velho.As crianas so repreendidas por estarem desatentas. Sucede, porm,que muitas vezes esto atentando noutras coisas mais importantes do
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que aquelas para as quais o mestre rigidamente prtico Jhes chama aalterao. Jos, por muito distrado que fosse, observava mais do
que outras^ muitos observadores, at mais, talvez, do que lhe con-vinha observar.
COMO ABRAO DESCOBRIU DEUS
Quando atrs dissemos outras pessoas, referamonos a
Abrao. Que sabia Eliezer a respeito dele? Muitas coisas e de vriaespcie. O servo falava a respeito do amo ora de uma maneira, ora
de outra. Algumas vezes o Calldeu era simplesmente o homem quedescobrirai Deus, de modo que ele lhe beijara os dedos, jubiloso,
e exclamara: At aqui nenhum homem me chamara Senhor e
Altssimo! Agora serei assim chamado! A descoberta fora prece-dida de muitos esforos, muitos tormentos. O primeiro pai no
se afligira pouco. Na verdade, cedia ao seu prprio impulso,
exortao de apurar o que, para ele, era da maior importncia:
a quem ou a qu devia um homem obedecer. Isto causou impresso
a Jos. Compreendeu imediatamente, sobretudo a grande impor-
tncia dada ao caso, porque as coisas, para terem importncia e
significao, precisavam de ser diante de Deus e dos homens
tomadas a srio. O primeiro pai tinha, sem a menor dvida, tomado
a srio a questo de se saber a quem o homem devia servir e asua resposta fora notvel: s ao Altssimo. Notvel, com efeito,
porque revelava um sentimento de dignidade pessoal que se poderiaquase chamar excessivo e arrogante. Abrao podia ter dito a simesmo: Que sou eu e de que sirvo ou de que serve o ser humano
em mim? Que importa que eu sirva um pequeno Deus ou doloou uma divindade menor? Terlheia sido mais cmodo. Mas no.
Eis o que ele disse: Eu, Abrao, e em mim a humanidade, deveservir exclusivamente o Altssimo. Assim comeou tudo (como
aprouve a Jos ouvir).Assim comeou Abrao a pensar que s meterra se devia
servio e culto, porque ela produzia frutos e conservava a vida.
Mas notou que ela precisava da chuva do Cu. Por isso levantouos olhos para o firmamento, viu o Sol em toda a magnificncia,
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com poder para abenoar e amaldioar, e esteve prestes a decidirse
por ele. Mas o Sol desceu, veio o ocaso, e Abrao convenceuse
de que o astro no podia ser sublime. Olhou ento para a Lua epara as estrelas, para estas com especial expectativa e esperana.
Provvelmente a causa inicial do tormento e do desejo de pere-grinar foi o facto de o seu amor Lua, a divindade de Ur
e de Harran, ser ofendido pelas exageradas honras oficiais prestadas
por Nenrod de Babel ao princpio solar ChamackBelMarduk, emdetrimento de Sin, pastor das estrelas. Isto podia ter sido uma
astcia de Deus a fim de tornar o Seu nome conhecido e glorificado
em Abiram por intermdio dele, pois suscitou no amor que ele
tinha Lua a primeira contradio e um grande desassossego, pro-
porcionandolhe o misterioso ponto de partida da sua carreira.Quando surgiu a estrela da manh, tanto o pastor como o
rebanho desapareceram e Abrao concluiu: No, eles no sodeuses dignos de mim. E com a alma profundamente inquieta
reflectiu: Por mais altos que sejam, se no tivessem acima deles
um guia e senhor, como poderia um prse e o outro erguerse?
Seria imprprio de mim, um homem, servilos, em vez de servir
Aquele que os governa. O nimo de Abrao acercavase da ver-
dade, to suplicante, to aflito, que o Senhor compadeceuse e disse
de si para consigo: Ungirteei com o leo da alegria maiis do que
a todos os teus companheiros.
E assim, num impuilso para o Altssimo, Abrao descobriraDeus. fora de ensinar e meditar, derajlhe forma e corpo, comgrande proveito para todos aqueles a quem a descoberta dizia res-
peito: para Deus, para si e para as almas que ganhou com talentusiasmo. Para Deus, preparando a sua realizao no esprito
humano; para si prprio e sobretudo para os proslitos, conduzindoo que era mltiplo e angustiosamente incerto transform andoo no
Uno, definido e reconfortante de que provm tudo mais, o bem e omal. o sbito e o atroz, assim como o regulador benfico, o ser emque todos e em qualquer caso devem confiar. Abrao reunira as for-as numa fora nica e chamaraas o Senhor, uma vez por todas eexclusivamente, no como num dia festivo em que se entoavam
hinos de adulao e se acumulavam, poderes e honras sobre a caibea
de um deus, Marduk, Anu, ou Chamach, faizendo o mesmo com
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outro deus no dia seguinte ou no templo seguinte. Tu s o nico
e o Altssimo, sem Ti no se exerce justia, no se tomam delibera-es, nenhum deus no Cu ou na Terra se pode opor a Ti, ests
muito aicima de todos eles. Quantas vezes no fora isto dito e can-
tado num mpeto de servil devoo no reinado de Nenrod! Mas
Abrao descobrira e sustentara que s podia ser dito com verdade a
respeito de um, que era sempre o mesmo, essencialmente conhecido,porque a Ele era devido tudo, e assim tornara conhecidas todas as
coisas conforme a sua origem. Os outros homens, no meio dos quais
Abrao se criara, tinham o maior receio de que ele, nas oraese aces de graas, errasse essa origem. Se, por ocasio de alguma
calamidade, faziam penitncia, comeavam as oraes por uma
srie de invocaes s divindades, enunciavam; os nomes de todosos deuses de que se lembravam, pana que no ficasse excludo
aquele que lhes mandara a desgraa e que no sabiam qual era.
Abrao, porm, sabia e diziao ao povo. Era sempre Ele e s Ele,
o Altssimo e Supremo, que podia ser o nico Deus verdadeiro
e que indefectvel mente respondia aos rogos de proteco e aoscnticos de louvor.
Apesar de jovem, Jos compreendia bem a audcia e a fora
de nimo manifestadas nas primeiras ideias que o antepassado
tivera de Deus e que tanto haviam horrorizado muitos daqueles a
quem ele quisera transmitilas. Reailmente, Abrao podia ter sido
alto e um ancio de feies agradveis como EMezer, ou baixo,magro e curvado. O certo que tivera coragem, a grande coragemde concentrar os mltiplos direitas divinos, todas as bnos e
todos os flagelos no Deus nico, de tomar uma, posio que dependia
nica e inseparavelmente do Altssimo. O prprio Loth, plido de
medo, dissera a Abrao: Se o teu Deus te abandona, ficas desamparado!A isto respondeu Abrao:
verdade, tu o dizes. E ento no poder haver, nem no
Cu nem na Terra, desamparo igual ao meu, porque ser completo.Mas lembrate de que, se eu O acalmar e Ele me proteger, nadame faltar e possuirei as portas dos meus inimigos!
Ouvindoo. Loth sentiuse encorajado e exc.laimou: Pois serei teu irmo!
Sim, Abrao soubera transmitirlihe a exaltao de esprito.
Recebeu o nome de Abiram, que significa meu Pai sublime,
ou quis com a mesma justeza, pai do Subliime. Em certo sentidoAbrao era pai de Deus. DeraLhe o ser percebendoO e pen
sandoO. As poderosas peculiaridades que Abrao Lhe atribura
eramLhe decerto prprias originalmente e no fora Abrao o seuautor. Mas de certo modo no o teria sido afinal quando as reconhe-
ceu, pregou e, meditando, as tornou reais? As poderosas qualidadesde Deus eram realmente coisas objectivas que existiam fora de
Abrao, mas que ao mesmo tempo existiam nele. O poder da suaprpria alma, em certos momentos, pouco se distinguia delas, entre
laandose e confund,indase nelas conscientemente. Foi esse podera origem do pacto que o Senhor fez com Abrao. E o pacto, cons-
tituindo na verdade a confirmao exterior de um facto interior,
foi tambm a origem do temor que Abrao tinha a Deus. Pois,
se a grandeza de Deus era terrivelmente objectiva fora dele,
tambm coincidia com a grandeza da sua prpria alma e era pro-duto dela, assim como o grande temor a Deus era um pouco mais
do que temor no sentido comum da palavra. No era simplesmente
temor, porque provinha a um tempo da existncia de uma aliana,
familiaridade, amizade.Efectivamente o antepassado tratava ailgumas vezes Deus de
uma maneira que deve ter causado assomibro no Cu e na Terra,
se no se levar em conta a involuo de semelhantes relaes.O modo familiar, por exemplo, com que se dirigiu ao Senhor, por
ocasio da, destruio de Sodoma e Gomorra., no andava, muito
longe da insolncia, considerando o temvel poder e a grandeza deDeus. Mas quem se ofenderia, se Deus no se ofendeu? Ouve, Senhor, dissera Abrao, ou uma coisa, ou outra, mas no
as duas ao mesmo tempo. Se queres ter um Mundo, no podesexigir que haja nele justia, e se tomas a peito a justia, o Mundoest perdido. Esticas a corda de ambos os lados. Ou moderas as
tuas exigncias, ou o Mundo no pode existir. Chegara a acusaro Senhor de astcia e a lanarlhe em rosto que, enquanto de outra
vez jurara no mandar mais o extermnio pela gua, agora vinha
com o extermnio pelo fogo. Deus, que provveimente no podiaproceder de outro modo com as duas cidades depois do que havia
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sucedido ou estivera prestes a suceder, em Sodoma, aos Seus men-
sageiros, se no levara a bem, tambm no levara a mal, porque seenvolvera num benvolo silncio.
Este silncio exprimia um facto tremendo relacionado com o
lado exterior de Deus e a grandeza interior de Abrao de que se
compunha talvez a verdadeira criao: a contradio da existnciade um Mundo que devia ser justo repousando na prpria grandezade Deus, ao passo que Ele, como Deus vivo, no era bom, ou s o
era entre outros atributos, at o do mal, e a sua essncia inclua
tambm o mail e era sacrossanta. E assim era a prpria santidade,promovendo a santidade.
maravilha! Fora ele quem esfacelara Tiema e destrura odrago do caos. O grito exultante com que na Criao os deuses
haviam saudado Marduk e que era repetido em cada dia de Ano
Bom pelo povo do pas de Abrao, pertencia, de direito a Ele, o
Deus de Abrao. Ele inspirava ordem e alegre confiana. Se as
chuvas antecipadas ou tardias caam no tempo marcado, era obraSua. Ele levantara barreiras ao mar imenso, relquia do primitivo
dilvio, ptria do leviato, para que na sua mais desaforada turbu-
lncia as no violasse. Fizera nascer o Sol na sua fora cria-dora at ao zenite e principiar tarde a sua viagem para o
Inferno. Tambm fizera a Lua medir o tempo pela peridica
sucesso de fases. Fizera brilhar as estrelas e ordenaralhes queformassem imagens. Regulara a vida dos homens e dos animais,
alimentandoos de acordo com as estaes do ano. De lugares, onde
nenhum homem jamais estivera, caiu neve e regou a Terra, cujodisco Ele fixou na inundao a fim de que nunca ou raramenteoscilasse. Quanta bno, quanto benefcio, quanta bondade!
Mas, assim como um homem que vence o inimigo, depois da
vitria, se apossa das propriedades do vencido, Deus, segundo pare-cia, ao destruir o monstro do caos absorveralhe a essncia e talvezs com isso tivesse atingido pleno desenvolvimento a Sua majes-
tade divina. A luta entre a luz e as trevas, o bem e o mal, o terrore o benefcio na Terra no era, como imaginava o povo de Nenrod,
a continuao daquela guerra desencadeada por Marduk contraTiemat. Tambm no partiam de Deus as trevas, o mal e o terrordesconhecido, o terramoto, o relmpago crepitante, a praga de
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gafanhotos que escurece o Sol, os sete ventos maus, o p de
Abubu, as serpentes e os vespes. Se lhe chamavam o Senhor dapestilncia era porque Ele a mandava e tambm a curava. Ele
no era o Bom, mas Tudo. E era santo! Santo no por causa dabondade, mas por causa da vida e do excesso de vida, Santo na
majestade e no terror, sinistro, perigoso, mortfero, tanto que umaomisso, um erro, a mais insignificante negligncia na atitude de
um mortal para com Ele podia ter as mais horrorosas consequncias.Era santo, mas exigia tambm santidade. E o facto de a exigir
simplesmente pela Sua existncia dava ao santo um sentido maior
do que o de mero terror. A discrio que Ele impunha tornavase
piedade, e a majestade viva de Deus tornavase a medida da vida,a fonte do sentimento do crime, o temor a Deus e o caminhar
perante Ele em santidade e justia.Deus estava presente e Abrao caminhava perante Ele, santifi-
cado na alma pela Sua proximidade exterior. Eram dois, um eue um tu, e ambos diziam eu e para o outro tu. verdade que
Abrao constituiu as qualidades de Deus com o auxlio da sua
prpria grandeza de alma, sem a qual ele no saberia constitulas
nem nomelas e ficariam nas trevas. Deus continuava contudo a
ser um poderoso tu, dizendo eu, independente de Abrao e do
Mundo. Estava no fogo, mas no era o fogo, e por isso seria um
erro adorar o fogo. Deus criara o Mundo, no qual aconteciamcoisas to importantes como a borrasca ou o leviato. Deviase
ponderar isto para se avaliar devidamente a Sua grandeza exteriorou, pelo menos, para a conceber. Ele era necessriamente muito
maior do que todas as suas obras. Chamavaimlhe Makom, espao,
porque ele era o espao em que o Mundo existia, mas Mundo noera o espao em que ele existia. Estava tambm em Abrao, queo reconheceu em virtude do seu prprio poder. E era isto justa-
mente que fortalecia e completava a noo que Abrao tinha doseu prprio eu, que no se destinava a perderse em Deus, a tor-narse com Ele uma e a mesma coisa e a no ser mais Abrao,
mas antes se mantinha erecto perante Ele, naturalmente a grande
distncia, porque Abrao no passava de um homem feito debarro, embora ligado a Ele pelo conhecimento e santificado pela
alta essncia e presena da divindade.
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Fora nessa base que Deus fizera o importante pacto comAbrao, a aliana to promissora para ambas as partes, base de
que Deus era to cioso que queria, ser venerado inteiramente pelosSeus adoradores, sem que eles pudessem volver sequer um olhar
furtivo para os outros deuses de que o Mundo regurgita. E o facto
digno de reparo era que, por intermdio de Abrao e do pacto, vieraao Mundo uma coisa que at ento nunca houvera e os povos no
conheciam a maldita possibilidade de o pacto ser desfeito ealgum renegar o seu Deus.
Muito mais sabia de Deus o primeiro patriarca, mas no sabianadai que pudesse narrar. No existiam historiais acerca de Deus,
como dos outros deuses. E talvez fosse isso o mais notvel: a cora-gem com que desde incio Abrao representou e exprimiu a essnciade Deus, dizendo simplesmente e sem rodeios Deus. Deus no
precedera, no nascera de urna mulher. No trono, a Seu lado, nohavia nenhuma mulher, nem Istar, nem Baalat. Como poderia haver?
Bastava um pouco de senso comum para se concluir que, dada a
natureza divina, no era possvel semelhante concepo. Plantara
Deus no Eden a rvore da cincia e da morte, e o homem comera
do seu fruto. A gerao e a morte eram coisas do homem e no deDeus. No se via nenhuma mulher divina a Seu lado, porque Ele
no necessitava de conhecer muilher alguma, sendo ao mesmo
tempo Baal e Baalat. Tambm no tinha filhas. Nem Salvath nem asanjos que O serviam eram Seus filhos, nem topouco aqueles gigan-
tes que os anjos haviam gerado nas filhas dos homens, desencami-nhados pela luxria feminina. Ele estava s, e esta era a provada Sua grandeza. A condio divina de no ter mulher nem filhos
talvez possa explicar o seu grande cime em relao ao pacto.Seja como for, explica certamente o facto de Ele no ter histriae no haver nada a dizer sobre Ele.
Tudo isto se deve entender em sentido limitado, por se referirtudo ao passado e no ao futuro, se possvel falarse aqui em
fuituro. Deus afinal teve uma histria, mas esta referiase ao futuro,
e futuro de tanta glria para Ele que o presente, por mais gloriosoque fosse, no se Lhe podia comparar. Essa diferena entre o pre-sente e o futuro projectava sabre a sagrada majestade e grandezade Deus uma sombra de esforo e de suspenso, de sofrimento e de
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promessa no cumprida, que devemos francamente reconhecer
para entendermos a natureza ciosa do Seu pacto com o homem.
Viria um dia, o derradeiro, que havia de trazer o cumprimentode Deus. Este dia era fim e princpio, destruio e renascimento.
O Mundo que era, ou talvez no fosse, o primeiro, dissolverseia
na catstrofe final. Reinaria mais uma vez o caos, o primitivosilncio. Ento Deus recomearia a Sua obra mais maravilhosamente
do que antes, sendo Senhor da destruio como era da criao.Do caos e da confuso, da lama e das trevas, a Sua palavra susci-
taria um novo Cosmos. Ressoariam mais alto do que antes as excla-
maes jubilosas dos anjos, testemunhas de tudo, porque o mundo
renovado excederia o outro a todos os respeitos e nele haveriaDeus de triunfar sabre todos os Seus inimigos.
Assim seria. No fim dos dias Deus seria Rei, Rei dos Reis,
Rei dos homens e dos deuses. Mas no o era j? Sim. era, na sere-nidade e no conhecimento de Abrao, mas no reconhecido, nem
admitido em toda a parte e por isso no inteiramente realizado.
A grande, a ilimitada realizao de Deus estava reservada paraaquele primeiro e ltimo dia, para o dia da destruio e da ressur-reio, em que o Seu esplendor absoluto, soltandose dos laos que
ainda o retinham, surgiria ante os olhos de todos. Nenihum Nenrod
se levantaria contra Deus com atrevidas torres de terraos. Nenhum
joelho humano se dobraria mais, a no ser perante Ele. nenhumaboca entoaria louvores a outrem. Deus, como na verdade o eradesde a Eternidade, seria agora realmente Senhor e Rei de todos os
demais deuses. Ao claingor de dez mil trombetas voltadias obliqua-
mente para o Cu, entre cnticos e crepitar de chamas atravs
de uma. tempestade de raios, Ele, revestido de majestade e de terro-res, avanaria para o Seu trono, passando no meio de um mundo
que orava com o rosto no p, a fim de tomar posse vista de todose para sempre de uma realidade que era a Sua verdade.
dia da apoteose divina, dia da promessa, da expectativa e do
cumprimento! Dia que trazia tambm notese a apoteose deAbrao, cujo nome da por diante seria uma pailavra abenoada
com que saudariam entre si as outras raas humanas. Era esta apromessa.. Contudo este dia memorvel no estava no presente,mas num futuro distante. At l o tempo seria de espera, deixando
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7/25/2019 o Jovem Jos - Thomas Mann
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traos de sofrimento nas feies divinas do dia de hoje, indciosdo que vai ser e ainda no se realizou. Deus amarrado, Deus pade-cendo, Deus na priso. Isto moderava o entusiasmo. Todos os sofre-dores O podiam adorar e Ele consolava, no os grandes, mas os
pequenos, incutindolhes um sentimento de desdm por tudo
quanto se assemelhava a Nenrod e a grandeza excessiva. No,
Deus no tinha histrias como o egpcio Osiris, a vtima, o muti-
lado, que fora enterrado e ressurgira, ou como AdnisTamuz, porquem as flautas desferiam endechas nos desfiladeiros, Tamuz,senihor do aprisco, a quem o javali Ninibe dilacerara um lado e que
baixara priso para de novo se erguer.Longe, bem longe de ns pensar que Deus estava ligado aos
mitos da Natureza, que esmaecia de aflio e gelava de angstiapara poder renovarse de acordo com a promessa, no meio de risos
e turbilhes de flores; ao gro que apodrecia dentro da terra parapoder levantarse e brotar; morte e ao sexo; ao culto corrompidode MelechBaal e ao ritual de Tiro, onde havia homens que ofere-
ciam o smen ao deus de abominaes, revirando sinistramente osolhos com loucura e impudor. No permitisse Deus que ele esti-
vesse metido em torpezas tais! Mas estava atado e
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