o FASCINIODOS
NUMEROS PRIMOS
Desde que os nlimeros primos tornaram-se conhecidos, eles tem desafiado a curiosidade e 0 engenhodos matematicos, motivando uma serie aparentemente inesgotavel de questoes. Algumas delas, apesar deterem sido propostas antes de Euclides nascer, chegaram a determinar a pesquisa dos matematicos atuais.Ha muitas questoes ja respondidas; algumas, 0 proprio Euclides solucionou no Elementos. Mas ha outrasque vem, atravessando os seculos sem que se consiga resolve-Ias.
Essas questoes constituem uma boa parte do "charme" dos nlimeros primos. Mas eles ainda exibemoutros atrativos: siio importantes em certas situac;oes teoricas e, recentemente, tem mostrado utilidadepratica!
Vamos apresentar alguns exemplos esparsos para que 0 leitor possa sentir 0 fascinio dos primos.Escolhemos apenas situac;oes razoavelmente simples.
E possivel que esta tenha sideuma das primeiras perguntas sobre osprimos. Ela foi respondida por Euclidesno Elementos e vale a pena conheceressa resposta e sua justificativa, que econsiderada um modele de raciociniomatematico elegante e, ao mesmotempo, conciso.
Para entender 0 raciocinio de Eu-clides, observamos antes um fato: mul-tiplicando numeros primos e acrescen-tando 1, obtem-se um numero que naotem nenhum dos primos multiplicadoscomo fator. Dois exemplos facilitarao acompreensao desta afirmativa.• numero n = 2.3 + 1 nao tem fator 2(pois, dividido por 2, deixa resto 1),nem fator 3 (pois, dividido por 3, dei-xa resto 1);• numero n = 2 3 5 + 1 nao temfator 2, nem 3, nem 5 (dividido por 2, ou3, ou 5 deixa resto 1)
E provavel que esta indaga<;:aotambem seja muito antiga. Mesmo as-sim, ate hoje nao tem res posta satisfa-t6ria. Para 0 leitor ter uma ideia do pro-blema, convem comparar a sequenciados numeros primos com outras se-quencias que eram bem conhecidaspelos pitag6ricos: as sequencias denumeros triangulares, quadrados etc.
Para come<;:ar, veja um exemplode numero triangular
Agora, vejamos como Euclides racioci-nou para responder a questao. Nesseraciocinio, prova-se que existem infini-tos numeros primos:
• imagine que s6 existam tres nume-ros primos: a, b e c: considere, entao, 0
• numero n = a . b . c + 1;esse numero nao e primo, pois e di-
ferente de a, b ou c; portanto, ele podeser decomposto em fatores primos;
• no entanto, os fatores primos den nao podem ser nem a, nem b, nem cpois dividindo n por qualquer um deles,obtem-se resto 1;
• primeira conclusao: devem existirmais do que tres numeros primos parapodermos decompor n.
6 e um numero triangular porque6 pontos podem ser d\spostosna forma de um triangulo equilatero
Acabamos de provar que devemexisti r mais do que tres numeros pri-mos. Usando 0 mesmissimo raciocinio,concluiremos que devem existir maisdo que 4 ou 1 000 ou qualquer outraquantidade fixa de primos.
clusao tinal:• con .
. tem intinitoSeXIs . osnumeros pnm .
Assim, Euclides nos convence deque ha infinitos primos Isto e um dosteoremas de seu livro, que foi enuncia-do com estas palavras:
"Numeros primos sao mais do quequalquer quantidade fixada de nume-ros primos".
Da mesma forma, temos a sequenciados numeros quadrados:
• • • •• • • • • • •
• • • • • • • • •• • • 0 • 0 0 •1 4 9 16
Os pitag6ricos observaram que assequencias de numeros triangulares,quad rados, pentagonias etc., tinhamtodas elas, certas regularidades, ouseja, leis de forma<;:ao.
• •• • •
Veja agora a sequencia dos numerostriangulares:etc.
.,.. • •0 0- 0
.. .. 0
/ \ \ /'. ..0-0 e_._ ._ 0 o.
3 6 10
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Por exemplo, na sequencia dostriangulares observa-se uma regulari-dade na diferenya entre dois elemen-tos consecutivos:
+2 +3 +4 +5
f\f\f\f\1 3 6 10 15
Algo semelhante nota-se na se-quencia dos quadrados:
+3 +5 +7 +9f'\f\f'\f'\1 4 9 16 25
Essas regularidades permitem en-contrar 0 proximo elemento da sequen-cia, quando conhecemos os anteriores.
Baseados nesses exemplos, ma-tematicos do passado tentaram encon-trar alguma regularidade na sequenciados primos. Um exame superficialmostra-nos a rlificuldade da tarefa:
+1 +2 +2 +4 +2
f\ f\ f\ f\f\2 3 5 7 11 13
+4 +2 +4 +6 +2
f'\ f\ f\ f\ f\13 17 19 23 29 31
As diferenyas parecem suce-der-se de maneira irregular. Sera que,ao menos, essas diferenyas SaG sem-pre pequenas como 2, 4 ou 6? De ma-neira nenhuma! Prova-se facilmenteque elas podem ser muito maio res:1 000, 1 000 000 ou qualquer outraquantidade desejada. E atenyao: istonao significa que a diferenya entre do isprimos consecutivos aumente a medi-da em que os numeros primos cres-yam. Por exemplo, 113 e 127 SaG pri-mos consecutivos; a diferenya entreeles e 14. Avanyando um pouco maisna sequencia dos primos. encontramosdois consecutivos com diferen9a 2: SaG149 e 151.
Observemos a sequencia dos pri-mos sob um outro angulo. No caso dosnumeros figurados, os matematicosencontraram facilmente formulas quedao 019 deles ou 049 OU 0 nO.
Por exemplo, um aluno de 5' seriepode examinar esta tabela:
Numeros quadrados
Ordem Valor
1° 129 439 94° 1659 25
...n9 ?
e perceber que 0 "enesimo" numeroquadrado e n2 (Repare que daqui vem 0habito de usar a expresao "eleva~ aoquadrado" no lugar de "elevar a se-gunda potencia".) Temos, entao, paraos numeros quadrados. a formulaQn = n2, na qual Qn indica 0 "enesimo"numero quadrado.
Outro exemplo: para os numerostriangulares, a formula correspondentee
Veja como essa formula pode serexplicada, utilizando-se apenas recursos da Matematica do 1° grau:
• considere 0 enesimo numero trian-gular; por exemplo:n = 4
• junte a figura obtida com ela mes-ma:
• observe que voce obtem n filas, ca-da uma com n + 1 pontos:
.•. .•• • •..... 4 filas com
5 pontos cadaou4,5 pontos.. .
•entao, 0 total de pontos e n(n +
1); como esse total corresponde ao do-bro de um numero triangular. con-clui-seque n(n+1)
Tn =-------2
Pois bem, em relayao aos nume-ros primos, os matematicos nao conse-guiram obter uma formula que forne-cesse a sequencia dos mesmos. Por is-so, tentaram um objetivo mais modes-to: encontrar formulas que dessemapenas numeros primos, em bora naotodos eles. Inumeras tentativas foramfeitas nesse sentido. Uma del as, bas-tante engenhosa, resultou na formula:
P,=12-1+41=41;
P2 = 43; P3 = 47; P4 = 53
Parece que sempre obteremos nu-meros primos, nao e? Infelizmente, naoe 0 caso. Essa formula funciona paraval ores de n ate 40. mas ..
P4, = 412
que nao e numero primo.
Eo bastante dificil saber se um nu-mero e ou nao e primo, quando 0 nu-mero e muito grande. Se houvesse for-mulas que so dessem numeros primosficaria mais facil encontra-Ios. No en-tanto, essas formulas parecem naoexistir.
Em resumo, 0 problema de encon-trar numeros primos e conhecer 0 com-portamento da sequencia dos primos,vem resistindo aos esforyos dos mate-maticos por seculos e seculos.
Entretanto, os matematicos naodeixaram de obter algumas vitorias. Noseculo passado foi descoberta e, aposquarenta (I) anos foi demonstrada, umaformula surpreendente. Ela fornece aquantidade aproximada de primos queexistem de 2 ate qualquer numero n.Por exemplo essa formula nos dizquantos primos existem, aproximada-mente, entre 2 e 2 trilh6esl Infelizmen-te, discutir essa formula nao e tarefaelementar e ultrapassa os objetivosdeste artigo.
Em 1742,Goldbach propos a Euler,um dos mais brilhantes matematicosda epoca, um problema incomum.
Goldbach observava que variosnumeros par.es, a partir de 4, podiamser escritos como soma de dois nume-ros primos. Por exemplo:
4=2+26=3+38=3+5
10 = 3 + 712 = 5 + 714 = 3 + 11
Ele conjecturou que esse fato de-veria ser sempre verdadeiro mas comonao tinha certeza pediu a Euler que de-monstrasse 0 fato.
Em nosso dia a dia, lidamos comnumeros naturais (2; 7 000etc.) e racio-nais (3/5; 0,25 etc.); eventual mente uti-lizamos racionais negativos (-2; -72,5etc.). Mas os numeros irracionais (V2etc.). dificilmente aparecem no dia adia, embora sejam essenciais em inu-merasaplicayoes cientificas.
A existencia dos numeros irracio-nais foi uma descoberta dos pitag6ri-cos e constitui-se em um capitulo cru-cial no desenvolvimento da Matemati-ca. Os numeros primos tiveram um pa-pel destacado nesse momento: foi apartir deles que se pode demonstrar airracionalidade de V"i', 0 primeiro dosnumeros irracionais a ser conhecido.
Essa demonstrayao consta do Ele-mentos e acredita-se que tenha sideelaborada pelo pr6prio Euclides. Ela etao importante para a teoria e a hist6riada Matematica e i1ustra tao bem aspossiveis aplicayoes te6ricas dos pri- _mos, que vamos reproduzi-Ia. No en-tanto, 'modificamos um pouco 0 argu-mento original de Euclides para tor-na-Io mais simples.
A demonstrayao que voce vai lerap6ia-se no seguinte fato: 0 quadradocje qualquer numero natural tem umaquantidade par de fatores primos.
Por exemplo, 0 numero30= 2.3.5
tem uma quantidade impar de fatoresprimos. Sao tres fatores: 2, 3 e 5. Ele-vando ao quadrado, temos
302= 22. 32. 52.Agora, a quantidade de fatores primose par. Sao seis fatores: 2, 3 e 5 cada umaparecendo duas vezes.
Utilizando este fato, vejamos por-que V2 e um numero irracional.
• Imagine por um momenta que \{2seja racional. Isto significa que V2 eigual a alguma frac;:aom/n, na qual m en sac numeros naturais.
• Temos entao:
V2 = ~ ou
Da igualdade anterior conclui-se que:
2. n2 = m2
• Analisemos agora esta ultimaigualdade. Como ja observamos, osnumeros naturais m2e n2tem, cada umdeles, quantidade par de fatores pri-mos. Agora, atenc;:ao:se n2 tem umaquantidade par de fatores primos, en-tao 2n2 tem uma quantidade impar. Issoporque 2 . n2 tem exatamente um fatorprimo a mais que n2:esse fator e 0 nu-mero 2.
• Este raciocinio nos leva a se-guinte situac;:ao:
2. n2 = m2
quantidadeimpar de
fatores primos:
(3ou 5 ou 70u ..)
quantidadeparde
fatores primos:
(2 ou 4 ou 60u ...)
Euler nao conseguiu faze-Io, nemninguem 0 fez ate hoje. A conjectura deGoldbach e mais uma das questoes in-trigantes e insoluveis provenientes dosnumeros primos: sera que todo nume-ro par acima de 4 e a soma de dois pri-mos?
• Veja que a situac;:aoe absurda:como a quaf]tidade de fatores primosde 2 . n2 e diferente da de m2, os doisnume;:;s nao podem ser igu;;S,
• Fomos levados a este absurdopor termos suposto que Vi e racional.Portanto, V2nao pode serigual a nenhu-ma frac;:aomIn. Isto e, V2 e um numeroirracional.
Uma observac;:ao:para demonstrareste teorema, usamos um metodo deraciocinio conhecido como redulj:ao aoabsurdo. (Tambem usamos este meto-do para provar que ha infinitos primos.)Nesse metoda partimos da hip6tesecontraria ao fate que desejamos pro-var. Por exemplo, para provar que V2 eirracional, comeyamos supondo que V2fosse racional. Racioci nando a parti rda hip6tese falsa, devemos chegar aalgum fato impossivel, como por exem-plo a igualdade m2 = 2n2.Esse fato im-possivel ou absurdo comprova quenossa hip6tese inicial era falsa.
Acabamos de ver um exemplo dautilidade dos numeros primos dentroda pr6pria Matematica. Talvez isto naoseja suficiente para 0 leitor que espe-rava encontrar alguma utilizac;:aodosprimos em situayao do cotidiano. Feliz-mente, tambem este leitor pode sercontentado.
Os numeros primos passaram ater uma importante aplicac;:aopratica.Tal aplicac;:ao esta ligada ao intensedesenvolvimento das comunicac;:oeseda Informatica.
Como 0 leitor bem sabe, os servi-yOS de comunicac;:ao control ados porcomputador prestam uma infinidade deserviyos. Em particular, a transferenciaeletronica de grandes somas em di-nheiro ocorre a cada minuto nos diasatuais, envolvendo bancos e empresasde diversos paises.
Talvez 0 leitor mesmo utilize es-ses servic;:os(embora nem todos trans-firam grandes somas), operando termi-nais de um caixa eletronico. Nesse ca-so, 0 leitor deve possuir uma senha,um c6digo numerico, que Ihe permitamovimentar sua conta bancaria. Pes-soas mal intenclonadas nao devem co-nhecer 0 c6digo do leitor, caso contra-rio retirariam todo 0 dinheiro de suaconta.
Quando a transferencia de dinhei-ro envolve grandes empresas e vulto-sas quantias, os c6digos de acesso aconta bancaria precisam ser conside-ravel mente mais sofisticados.
Nesse ponto entram os numerosprimos: eles sac 0 instrumento para aobtenyao de c6digos praticamente in-devassaveis.
Explicar como esses c6digos sacmontados ultrapassa os limites desteartigo. No entanto, os interessados le-rao com prazer 0 trabalho "Criptogra-!ia e a importancia das suas aplica-yoes", publicado na Revista do Profes-sor de Matematica, nO12 (Caixa Postal20570,01498Sao Paulo, SP).
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