O ATOR E SEU PALCO: ÂNTONIO CARLOS RIBEIRO DE ANDRADA NO CENÁRIO POLÍTICO E EDUCACIONAL DE JUIZ DE FORA (1907-1930)
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho busca evidenciar aspectos da organização social e política de
Juiz de Fora/MG, no início do século XX, no tocante à trajetória pública de Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada nesta cidade, enquanto representante fiel de uma política personalista
daquela época.
Neste sentido, busca, ainda, investigar a Educação, enquanto caráter estratégico para
o projeto político de Antônio Carlos R. de Andrada, analisando a visão desse ator frente à
criação dos primeiros Grupos Escolares de Juiz de Fora, implementados na Reforma do
Ensino Primário de 1906, e tendo como foco especial, o papel das cerimônias ocorridas
nestas instituições, tomadas como novo espaço de legitimidade política para Antônio
Carlos.
Para isso, no primeiro tópico traçou-se a origem histórica da organização urbana de
Juiz de Fora/MG, configurando sua posição no cenário econômico, cultural e político de
Minas Gerais. Desde a formação deste estado até a concretização do espaço urbano
juizdeforano como centro hegemônico do mesmo, a fim de delinear um pano de fundo para
a análise da trajetória política de Antônio Carlos.
O tópico subseqüente descreve, sucintamente, a criação dos grupos escolares no
estado de Minas Gerais e em Juiz de Fora, procurando mostrar a presença constante deste
político nas cerimônias destas instituições, nos primeiros anos de instalação.
Em seguida, buscou-se uma análise da trajetória política de Antônio Carlos R. de
Andrada no cenário estadual e municipal, desde início de sua vida pública até os anos 1930,
apoiando-se na visão de Antonio Gramsci sobre a formação das diversas categorias de
intelectuais no mundo moderno, tendo em vista a importante função deste político,
enquanto intelectual organizador e mantenedor da hegemonia econômica e política de uma
elite regional.
Em seguida, a partir das categorias conceituais de política da personalidade e
carisma secular, propostas por Richard Sennett (1998) procurou-se esboçar uma análise
preliminar sobre a atuação deste ator, fundamentada, principalmente, em discursos oficiais,
depoimentos, crônicas de sua época. Que pudessem corroborar com qualidades mais
subjetivas e carismáticas deste político, tecendo, então, algumas considerações sobre o
enfoque central deste texto, ou seja, a política personalista de Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada no cenário educacional de Juiz de Fora, no início do século XX.
1-A CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE JUIZ DE FORA:
O primeiro período marcante da história de Minas Gerais emerge no século XVIII
com o apogeu da mineração, que caracterizou uma época de efervescência cultural e de
intensa atividade urbana, com uma maior diferenciação da estrutura social e maior
intensificação da divisão social do trabalho. Dinâmica esta, que imprimia uma
temporalidade mais acelerada em relação às outras capitanias, voltando-se para mercado
internacional europeu.
Já no final daquele século, com a retração da atividade mineradora, a economia
mineira ruraliza-se, tornando-se a fazenda um núcleo polarizador da vida social, política e
cultural desta região (ARRUDA, p.135).
Este “microcosmo”, suporte da história de Minas Gerais até o final da década de
1920, distinguiu-se de suas congêneres localizadas em outras regiões, por seu caráter de
isolamento, auto-subsistência e diversificação produtiva (ARRUDA1990).
Para ARRUDA (1990), ocorre uma verdadeira inversão, não só no âmbito
econômico, mas também nos âmbitos temporal, social e cultural. “A história de Minas
Gerais torna-se marcada pelo predomínio da duração centrada na fazenda [onde], tudo se
reduz à longa duração do quotidiano, aprisionado e contido no predomínio das relações
sociais imediatas...” (p.136).
Evidencia-se, como conseqüências desta ruralização, uma intensa dispersão
populacional dos centros mineradores para outras regiões da província, como também,
novos padrões societários, pelos quais o convívio citadino tornou-se restrito, e as cidades
tornaram-se apêndice dos núcleos produtores, uma extensão da vida rural e não mais
cidades medulares da vida econômica e social (ARRUDA, 1990, p154).
No entanto, segundo a autora, apesar da decadência da economia exportadora,
cunha-se nesse momento, um lento e progressivo crescimento interno, pautado numa
2
economia mercantil de subsistência, impulsionado por um extenso contingente de mão-de-
obra escrava.
Minas Gerais deixa de importar produtos de primeira necessidade, passando a
produzi-los, suprindo seu mercado interno, assim como exportando para outras províncias,
em especial para a província do Rio de Janeiro, sendo a fazenda o núcleo vital dessa
produção agrícola e artesanal.
Sobre isso, ARRUDA (1990) acrescenta, ainda, que neste momento, recriava-se nas
fazendas mineiras uma estrutura social básica, típica da produção agro-manufatureira da
pré-Revolução Industrial Na Inglaterra, que associava atividade agrícola e artesanal,
caracterizando uma estrutura fechada e auto-suficiente, fato que poderia justificar o entrave
à industrialização sofrido pelo estado de Minas, até o final da década de 1920.
No entanto, da junção com o passado urbano, cultivado nos segmentos sociais
superiores com o universo rústico da fazenda, marcada por uma temporalidade de longa
duração, é que se constituiu o sentimento regional característico do mineiro, deixando
traços marcantes na estruturação política e institucional deste estado.(ARRRUDA, 1990).
A sociabilidade gerada nesta inversão econômica, não afastou a herança dos tempos
dourados da sociedade mineradora, mas se somou a esta vivência profundamente enraizada,
se configurando num universo de interposição do rústico ao ilustrado, ostentando vícios
aristocráticos e aumentando as clivagens sociais.
Isso pôde ser evidenciado, de acordo com a autora, com maior força nas regiões
cafeeiras da zona da Mata Mineira, que nos anos 80 do século XIX, passaram representar
30% das exportações brasileiras de café, se distinguindo das outras regiões da província
voltadas somente para a economia interna.Os fazendeiros desta região, segundo ela, tinham
pretensões claramente aristocráticas, influenciados em larga medida pela proximidade com
a corte, revelando a complexidade do quadro societário mineiro (ARRUDA, 1990,183).
O município de Juiz de Fora, o mais desenvolvido desta região, tem seu crescimento
acelerado a partir deste processo de ruralização, sofrido pela província de Minas Gerais,
originando-se, principalmente, como entreposto comercial e ponto estratégico de paradas de
tropeiros. Porém, ao contrário das outras regiões do estado, não se feudaliza,
3
transformando-se, a partir dos anos 1850, num dos maiores pólos cafeeiros do país,
ganhando relevo nas atividades comercial e industrial.
Seu processo de urbanização se acentuou a partir de 1840, com o desenvolvimento
das atividades agropecuárias, em especial a produção cafeeira (mais precisamente, em
1850). Nesta época, a cidade começa a adquirir um "ar aristocrático", delineado pelos
barões do café. A cafeicultura trouxe “prestígio político, econômico e social” à elite agrária,
que diversificará seus investimentos, implementando seu projeto industrial (YAZBECK,
1999, p.25).
Este processo foi intensificado com a construção da Estrada União Indústria, que,
além de possibilitar o maior escoamento da produção agrícola, possibilitou também, o
desenvolvimento do comércio e de outras atividades econômicas, trazendo ainda os
imigrantes alemães (meados da década de 1850). Esses artífices e agricultores, mais tarde,
juntamente com outros imigrantes, em especial os de origem italiana, terão também
inserção na sociedade como operários, comerciantes e proprietários de pequenas
indústrias1.
A partir de 1865, o panorama social se diversificou, ainda mais, com as instalações
das primeiras indústrias. Além da implementação de vários serviços, , como as
comunicações ferroviárias, a imprensa diária, os serviços telefônico e bancário.
Em 1888, Juiz de Fora supera o panorama de crise assegurando sua hegemonia
socioeconômica na região, ao se impor como importante centro industrial, o que lhe traria
mais tarde o codinome de Manchester Mineira.
No entanto, neste período predominam indústrias de pequeno porte, caracterizadas
pela “produção limitada, uso de tecnologia elementar, com baixo índice de capital investido
e pela absorção de pequena quantidade de mão-de-obra”.Configuração que se modificou a
partir de 1890 e principalmente no início do século XX, com a implementação de indústrias
de grande porte (sociedades anônimas), empregando maior número de operários e
utilizando tecnologia mais moderna, impulsionada pela energia elétrica. Que passou a ser
uma realidade para a cidade com a criação da Companhia Mineira de Eletricidade (1889).
(YAZBECK, 1999,p. 28)
4
Cresceu, então, a diversidade da população urbana, com a maior presença da classe
operária, de profissionais liberais, capitalistas, comerciantes, incorporando a esta, escravos
libertos, imigrantes e migrantes de outras regiões.De acordo com o senso de 1890, a cidade
de Juiz de Fora tinha 17.622 habitantes, sendo que deste total, 2503 hab eram imigrantes
estrangeiros e 1.632 hab migrantes de outros estados, representando quase 24% de sua
população, expandindo, com isso, o mercado consumidor da produção da cidade
(YAZBECK, 1999, p.26).
Com isso, cresceu também o comércio atacadista da cidade, que abastecia a Zona da
Mata, parte da Serra e da Província do Rio de Janeiro. (OLIVEIRA, 1998).
Esse ambiente tornou-se propício para o desenvolvimento cultural, evidenciado na
imprensa, nas associações, teatros e nos clubes2, estes últimos, considerados por SENNETT
(1998)3 as primeiras instituições criadas para o discurso privado, no qual se podia
selecionar a platéia, suscitando mais prazer nessas interações discursivas (p.111).
Esse rápido crescimento econômico e urbano da cidade foi retratado por Lindolfo
Gomes, já em 1896, em artigo publicado no Almanach de Juiz de Fora:
“A população atinge atualmente mais de 15.000 almas e as edificações multiplicam-se progressivamente; em cada rua, em cada canto, dia a dia surgem novos prédios, novos chalets [...]. A cidade é quase toda iluminada à luz elétrica [...] abastecida de regular água potável, servida de carros de praça e de uma ferro-carril [...]; Juiz de Fora é uma cidade essencialmente cosmopolita e caminha aceleradamente, progredindo espantosamente [...]. A fumarada das fábricas, o burburinho das ruas, o rodar ruidoso dos carros, a grita dos apregoadores enche-nos consoladoramente de animação e suaviza-nos as horas insípidas de trabalho” (GOMES apud OLIVEIRA, 1998, p.47)4.
O olhar otimista e romântico deste autor contrasta com uma realidade oposta,
configurada pelo paradoxo entre desenvolvimento econômico e suas iniqüidades. Das
quais, podemos citar os problemas de insalubridade e higiene, decorrentes da urbanização
desordenada e das péssimas condições de vida e de trabalho de seu operariado, sendo a
cidade de Juiz de Fora freqüentemente assolada por epidemias.
Essa realidade reforça a heterogeneidade deste espaço urbano, marcado pela
ascensão e o fortalecimento de novas classes sociais, entre elas o operariado e a pequena
burguesia, propiciando a emergência de questões contraditórias dentro desta sociedade.
5
Questões que tiveram lugar de destaque nas discussões políticas da cidade, elevando assim,
a educação elementar como instrumento fundamental para a modernização e o progresso da
mesma (CHRISTO, 1994; YAZBECK, 1999).
É neste contexto que se criam os primeiros Grupos Escolares da cidade de Juiz de
Fora, no início do século XX, buscando uma nova organização e modernização do espaço
educacional, a fim de inculcar novos valores e regras para essa sociedade. Espaço este que
permitiu concretizar uma visão otimista da modernidade diluidora das contradições sociais
já existentes5.
2-OS GRUPOS ESCOLARES: UM NOVO ESPAÇO PÚBLICO
Apesar do sistema educacional brasileiro ter sido marcado, desde o seu início, pela
descentralização, sabe-se, no entanto, que, já no final do século XIX e início do século XX,
algumas unidades da federação colocaram a educação popular como uma das questões
centrais de seus governos (São Paulo e Rio de Janeiro), implementando reformas de ensino
que visaram instituir novos padrões de organização do sistema escolar, entre estes os
Grupos Escolares.
Em Minas Gerais, o relatório de Estevam de Oliveira, de 1902, apoiado nas
experiências anteriores, produz amplo diagnostico da educação popular em nosso Estado,
estabelecendo propostas de mudanças para a educação pública.
Algumas destas propostas foram concretizadas com a Reforma do Ensino Primário e
Normal de 1906 (Lei n°1960), implementada no governo de João Pinheiro, político de
visão pragmática que via na modernização deste sistema de ensino o meio mais eficaz para
o progresso econômico do Estado.
Embora não tenha havido, nesta época, significativa expansão do sistema, esta
Reforma propiciou através da criação dos Grupos Escolares, uma organização mais racional
do espaço e do tempo escolar, bem como do trabalho docente, implementado o sistema de
seriação, modelo alternativo às escolas multiseriadas..
Os primeiros Grupos Escolares de Juiz de Fora foram instalados em fevereiro e
março de 1907 (o 1o e o 2o Grupo Escolar)6, ambos funcionando em um mesmo prédio e em
turnos diferentes, sob uma única direção.
6
Toda a organização e funcionamento destas instituições (programas, métodos de
ensino, horários das disciplinas, hierarquização do trabalho, etc) estavam sujeitos às
determinações regulamentares estabelecidas pela Secretaria do Interior do Estado. Dentre
estas regulamentações constavam à ocorrência de cerimônias para instalação do ano letivo e
as que antecediam aos exames finais, sendo elas registradas no Livro de Registro dos
Termos de Instalação e Atas de Exames do 1o e 2o Grupo Escolar de Juiz de Fora.
Nestes documentos eram registrados, de um modo geral, nomes das autoridades
presentes (diretor, inspetores, agente executivo do município e outras), nomes dos
professores, o número de alunos matriculados e o número de alunos presentes nas
cerimônias, nomes e notas dos alunos que prestaram os exames, nomes das autoridades que
compunham a banca examinadora e suas respectivas assinaturas. Além de referências ao
público presente e à imprensa, havia também relatos sucintos dos discursos proferidos
nestas sessões.
É interessante notar a importância dada a estas cerimônias, nos primeiros anos de
instalação destes grupos, sendo as mesmas revestidas de expressiva solenidade, com a
presença de atores influentes na vida cultural, política e econômica da cidade (médicos,
farmacêuticos, advogados, entre outros). Além desses atores estavam presentes pais de
alunos, professores de outras instituições, indivíduos de diferentes classes sociais, bem
como jornalistas, que traçavam na imprensa local, um retrato significativo das referidas
instituições.
Para FARIA FILHO (2002), este novo espaço escolar ganha uma dimensão
estratégica, o que poderia, em parte, explicar a presença destes atores:
“[...] a defesa de um espaço específico para a realização da ação educativa escolar levada avante por uma gama de sujeitos (médicos, professores, políticos, sobretudo), pode ser entendida também, como uma busca por dotar a instituição escolar de um lugar próprio na cena social, possibilitando-lhe definitivamente distinguir-se da casa, da igreja e da rua [...]”.(p.113) (grifos do autor).
De acordo com os registros, é possível notar, também, que as cerimônias perdem
sua relevância a partir de 1911, quando a presença de pessoas “gradas” da sociedade não se
faz tão recorrente, tornando os textos destes documentos, cada vez mais sucintos. Período
7
este, que coincide com a atuação mais expressiva de Antônio Carlos na política de Juiz de
Fora, então, presidente da Câmara Municipal e Agente Executivo do Município, cargos que
renunciou em junho de 1912, para tomar posse como parlamentar na Câmara Federal.
O documento nos mostra, neste período, a presença recorrente de Antônio Carlos
nestas cerimônias dos Grupos Escolares de Juiz de Fora (1907/1911), que mais tarde, já na
Presidência do Estado (1926/1930), implementará também uma ampla reforma do ensino
primário e normal, investindo, pesadamente, em recursos pedagógicos e na formação de
professores.
A partir da análise do documento, acima referido, e com relação à expressão deste
ator no cenário político da época, nos leva a refletir sobre a importância estratégica dada
por este ator à educação, em especial às cerimônias dos grupos escolares, enquanto novo
espaço de visibilidade e credibilidade política.
3-A ATUAÇÃO POLPÍTICA- INTELECTUAL DE ANTONIO CARLOS
RIBEIRO DE ANDRADA:EM MINAS AGERAIS E JUIZ DE FORA:
A atuação de Antônio Carlos R. de Andrada no cenário sócio-político de Juiz de
Fora, no período relacionado, foi bastante expressiva. Herdeiro de uma elite tradicional,
com grande influência econômica e política na região, atuou como Vereador (1901/03) e,
posteriormente, eleito Presidente da Câmara e Agente Executivo do Município, em
setembro de 1907, assumindo no período de 1908 a 1912; cargos que acumulou com o de
Senador do Estado (MG). Foi ainda, advogado, jornalista, proprietário do “Jornal do
Comércio” e professor em diversas instituições de ensino da cidade, como a Academia de
Comércio (1893) e a Escola Normal Oficial/JF (1894), lecionando, mais tarde, em diversos
cursos superiores de Juiz de Fora (YAZBECK, 2000).
No contexto regional foi Secretário das Finanças do Estado (1902), Prefeito Interino
de Belo Horizonte (1906) e Deputado Federal (1911/1917 e 1919/25), assumindo a pasta da
Fazenda (1917/1919). Mais tarde assumiu o cargo de Presidente do Estado (1926/30),
momento este que sua atuação se fez mais marcante no cenário educacional mineiro, com a
criação da Universidade de Minas Gerais, em 1927, e com a Reforma do Ensino Primário e
Normal, em 1928.
8
Segundo PEIXOTO (1983), a Educação ocupou, no final dos anos 1920, lugar de
destaque no programa de governo de Antônio Carlos R. de Andrada, tendo ela, neste
momento, um caráter estratégico e mediador, frente à crise política-social que se instala
naquela década, marcada por conflitos e impasses decorrentes de mudanças estruturais na
base econômica do país.
Neste contexto, a expansão urbano-industrial possibilitou o fortalecimento e a
ascensão de novas frações da sociedade, entre elas a classe média e o operariado, que
passaram a reivindicar maior participação no processo político, maior acesso à
escolarização e melhores condições de vida e de trabalho.
Neste momento, emergem também, segundo a autora, forças antagônicas no interior
das oligarquias mineiras, representadas pela ala mais progressista, que reage,
estrategicamente, às pressões sociais, propondo a modernização da estrutura política do
Estado. Até então, de caráter excludente e exclusivista, dominada, principalmente pelas
elites cafeeiras.
Para a autora, a Educação, no final dos anos 1920, serviu a Antonio Carlos, além de
um importante instrumento de visibilidade política, justificado pelo seu ambicioso projeto
de chegar à Presidência da República, como também, veículo de controle e persuasão
social, capaz não só de atender às exigências da época, mas também “de incorporar novos
grupos ao projeto das classes dominantes”.
DIAS (1997) ao analisar a natureza política que envolveu a criação da Universidade
de Minas Gerais, em 1927, no governo de Antônio Carlos, afirma que, esta não poderia ser
entendida, somente pelo seu aspecto de manobra política, no intuito de projetar regional e
nacionalmente este ator, uma vez que este “estadista mineiro” tinha uma visão de mundo de
cunho liberal, mais refinada, que incluía certo respeito pela opinião pública, não podendo o
mesmo, simplesmente, ser visto “como um coronel ou como um representante fiel e
exclusivo deste” (p. 29).
Este autor supõe ainda que Antônio Carlos seguia um comportamento na linha da
ilustração, levantando a idéia de que certos projetos implementados em seu governo, entre
eles sua ampla reforma de ensino, poderiam ser entendidos como uma tentativa de fazer
9
convergir a “razão pragmática” e a “razão humanística” - vertentes marcantes da tradição
intelectual mineira – em uma razão científica (DIAS, 1997, p.134).
Para análise da atividade política e intelectual de Antônio Carlos, buscou-se apoiar
no trabalho de Antonio Gramsci, Os Intelectuais e a Organização da Cultura, que
desenvolveu ampla teoria sobre os processos históricos de formação das diversas camadas
de intelectuais na sociedade moderna e a conseqüente organização e expansão da cultura.
Para GRAMSCI (1979), o processo histórico real de formação das diversas
categorias intelectuais é bastante complexo.
Cada grupo social cria para si, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de
intelectuais, garantindo-lhe maior homogeneidade e consciência de sua própria função no
sistema societário, favorecendo a organização e expansão deste mesmo grupo7.
Assim, cada nova classe cria e elabora, em seu desenvolvimento progressivo, seus
próprios intelectuais orgânicos, atuantes não somente no campo econômico, mas também
político e cultural, tendo como marca fundamental a capacidade organizativa das relações
gerais entre a classe que representa e a sociedade como um todo. Para o autor estes
intelectuais, muitas vezes, nada mais são que “especializações” de aspectos parciais da
atividade intelectual primitiva.
Do mesmo modo, a categoria de intelectuais pré-existentes, organicamente
envolvida com a estrutura econômica anterior (intelectuais tradicionais) é assimilada pelo
novo grupo social “essencial”, marcando uma continuidade histórica. Este processo de
assimilação se dá de forma mais rápida na medida em que esta mesma classe cria e
fortalece sua própria categoria de intelectuais orgânicos.Diz o autor:
“Uma das características mais importantes de todo grupo essencial que se
desenvolve no sentido de domínio é a sua luta pela assimilação e conquista ideológica dos
intelectuais tradicionais (...)” (p.9)
Esses intelectuais tradicionais, por sua vez, julgam-se autônomos, uma categoria
independente do grupo social dominante. No entanto, para GRAMSCI (1979) este critério
de distinção da categoria intelectual com relação às outras atividades de uma sociedade,
deve ser buscado no conjunto geral das relações sociais, no qual esta atividade se insere.
Pois, qualquer trabalho humano, seja ele o mais instrumental, encerra também uma
10
atividade intelectual criadora – homus faber + homus sapiens. Afirma ainda, que todo
homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual, ou seja, todo homem é
um filósofo que contribui para manter ou criar uma nova visão de mundo.
Com isso, conclui GRAMSCI (1979), que a criação de uma nova camada de
intelectual consiste na elaboração crítica desta atividade comum a todos, estando os
intelectuais diretamente envolvidos com a vida prática. Ou seja, estes formam uma
categoria especializada para o exercício da função intelectual, sendo a escola o instrumento
mais eficaz do mundo moderno para a elaboração dessas diversas categorias8.
Deste modo, afirma o autor que esta elaboração não pode ser entendida em termos
abstratos, mas através de processos históricos concretos, intrinsecamente relacionados ao
contexto social (atividade produtiva) e às aspirações de determinadas camadas de uma
sociedade.
Reforça ainda, que a relação entre os intelectuais e a produção econômica é
mediatizada pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são “funcionários”,
estando a organicidade dos mesmos apoiada na maior ou menor relação que os intelectuais
travam com o grupo social fundamental, fixando aí, uma gradação tanto de suas funções
como das superestruturas da sociedade.
Com relação às últimas, aponta GRAMSCI (196) dois grandes planos
superestruturais: A sociedade Civil - que é formada pelo conjunto de organismos privados -
e o da Sociedade Política, com a função de garantir a hegemonia dos grupos dominantes a
partir do consenso e da coerção jurídico-estatal.
Dentre as diversas categorias de intelectuais, temos os intelectuais urbanos, ligados
diretamente ao processo de industrialização, trazendo as marcas e as viscitudes do mesmo.
Esta categoria, muitas vezes, é marcada por uma forte especialização e estandardização,
que gera a concorrência, desemprego, superprodução escolar, etc.
Segundo o autor, estes intelectuais têm pouca autonomia sobre o processo de
produção, funcionando como articuladores entre a massa instrumental e a classe
empresarial, sendo responsáveis pela execução imediata do plano de produção. Os
intelectuais urbanos (técnicos) não exercem nenhuma função política sobre essa massa
instrumental.
11
Nas sociedades de economia predominantemente agrícola, prevalecem as categorias
de intelectuais rurais, na sua maioria, formadas por intelectuais “tradicionais” (advogados,
professores, padre, tabelião, médicos...) que se ligam à massa social camponesa e à pequena
burguesia das cidades, colocando as mesmas em contato com a administração estatal. Têm
por isso, uma grande função político-social, representando um modelo de aspiração social
do camponês.
Outro elemento importante para a construção teórica de GRAMSCI (1979), se apóia
no processo histórico de formação dos partidos políticos modernos, que para o autor, estão
diretamente relacionados à criação de novas categorias de intelectuais.
Todos os partidos políticos atuam na sociedade civil desempenhando o mesmo
papel que é atribuído ao Estado na sociedade política, tendo, para alguns grupos sociais, a
função de elaborar sua própria categoria de intelectuais orgânicos. Não mais na relação
imediata com a atividade produtiva, mas diretamente ligada às atividades políticas e
filosóficas.Ou seja, a atividade partidária se desenvolve como uma atividade educativa,
uma função diretiva na formação de “intelectuais políticos, qualificados, dirigentes e
organizadores de todas as atividades e funções inerentes ao desenvolvimento orgânico de
uma sociedade integral e política” (GRAMSCI, 1979, p.14).
Outro elemento importante para entendermos a formação das diversas categorias de
intelectuais está centrado no processo histórico de formação dos intelectuais tradicionais
que detiveram o monopólio das atividades intelectuais na sociedade ocidental da era
clássica até o mundo moderno.Categoria que foi absorvida pelas classes dominantes no
processo de industrialização, garantindo, por diversos mecanismos, sua supremacia
intelectual e política.
Este fenômeno pode ser transposto para a realidade da província mineira,
configurada principalmente a partir do século XIX até o final dos anos de 1920. Sob a qual
o processo de industrialização - semelhante ao da Alemanha (‘Junkers’) - foi delongado
pela manutenção do monopólio político e intelectual de uma aristocracia rural. Que,
diferentemente de outros contextos sociais, garantiu ao mesmo tempo o monopólio político-
intelectual, possuindo como base de sustentação sua própria econômica.Realidade
12
reforçada por uma cultura religiosa, predominantemente, católica que possibilitou a grande
distância entre a massas populares (na sua maioria analfabeta) e seus intelectuais.
Com relação ao espaço urbano de Juiz de Fora, sabe-se, porém que este foi
marcado, no decorrer do século XIX e início do século XX, por uma forte urbanização e
industrialização, sendo possível admitir, já neste espaço, alguns elementos fundamentais de
sua sociedade capitalista.Isso teria, de certa forma, influenciando a atuação de Antônio
Carlos, no que se refere à manutenção da hegemonia de uma classe dominante, que passa a
investir no processo de industrialização nesta cidade, constituindo um cenário marcado por
uma maior complexidade social. Ou seja, uma organização política eficiente e coerciva,
capaz de fortalecer esta hegemonia, ao mesmo tempo buscar ações mais conciliatórias na
sociedade civil.
Antônio Carlos, representante fiel desta classe, como também de uma categoria
político-intelectual, teve, em Juiz de Fora, talvez um papel definidor para sua política
econômica e cultural.
Wilson Cid, jornalista juizforano, estudioso da história econômica de Juiz de Fora,
faz a seguinte análise9:
“Antônio Carlos fez a transição entre o baronato do café e a industrialização. Isso ajudou a formar uma hegemonia política em Juiz de Fora muito importante. E ele foi o símbolo disso. Quer dizer, como o mais legítimo executor do poder. [...]. Ele e o João Penido representavam o poder político dominante na cidade, e não era só isso, era o poder de pensamento, a intelectualidade [...] vamos perceber que a vinda do capital da cafeicultura para a zona urbana que estava na indústria, e por isso a cidade se tornou um grande centro industrial na época, é uma transmissão de capital também. O capital da cafeicultura vindo para cá. E é por isso também que se criou aqui uma elite muito poderosa. Na minha opinião, Antônio Carlos teve grande acuidade exatamente em liderar esse capital que chegou de fora e que se instalou aqui para a indústria. Tanto é que logo ele se queixa da carga tributária em cima. Quer dizer não em cima dele, mas em cima dos que ele liderava[...] Não acredito que ele tivesse gosto pelas atividades industriais, pelas atividades urbanas, mas tinha consciência da importância que exerciam no desenvolvimento, na economia (...) “. (CID apud in FARIA & PEREIRA, 1998, p.98)”.
Reitera Cid que os Andradas nunca tiveram, na verdade, uma relação muito direta
coma produção industrial, mas sim “um amor pela política, pelo exercício da política”
(idem).
13
Este discurso nos revela a importante função desempenhada por Antônio Carlos
nesta cidade, enquanto intelectual orgânico dirigente e mantenedor da hegemonia
econômica e política de uma elite “poderosa” na região.
4- O PALCO E SEU ATOR:
Indo além da análise proposta anteriormente, podemos também, entender a atuação
política deste ator, voltada para o contexto das cerimônias dos grupos escolares, a partir da
concepção de Sociedade Intimista, , proposta por Richard Sennett (1998), sobretudo, a
partir das categorias conceituais de política da personalidade e carism secular, sustentando
a idéia de que, nos primeiros anos de instalação destas instituições, essas solenidades
poderiam estar servindo a Antonio Carlos R. de Andrada, como novo locus de conservação
de sua hegemonia política.
Neste caso, a atuação de Antônio Carlos estaria apoiada também, em uma segunda
via, alternativa e complementar às estratégias clientelistas daquela época, pautada em uma
atuação personalista e carismática, na qual, o que importava para este ator, não era somente
o seu texto, mas a arte de persuasão e de domínio de uma platéia, através de uma
apresentação expressiva em público.
Essas idéias foram desenvolvidas por Richard Sennett em seu trabalho “O declínio
do Homem Público: As Tiranias da Intimidade” (1998), que buscou, a partir da interação
entre história e teoria, proposições sobre as mudanças concretas do comportamento público.
Nesta obra, SENNETT (1998) trabalha aspectos que envolvem o equilíbrio entre a
vida pública e a vida privada, identificando questões sociológicas que refletem no
esvaziamento do caráter objetivo da participação e da ação em público e a importância
dilatada dos aspectos emocionais subjetivos dos agentes sociais.
Para o autor, em geral, o domínio público, hoje, tornou-se desprovido de sentido e a
participação na res publica, uma questão de obrigação formal, deixando, a mesma, de ser
um espaço de atuação e negociação política e social. Visto que nosso código moderno de
significação das relações entre a vida pública e a privada se apresenta confuso, exacerbado
por uma imaginação psicológica da vida, onde “as pessoas tratam em termos de
sentimentos pessoais os assuntos públicos, que somente poderiam ser adequadamente
14
tratados por meio de códigos de significação impessoal” (p.18). Em contrapartida, cria-se
um problema na vida privada, que perde sua fronteira, não se achando mais refreada pelo
mundo público.
Desta forma, a sociedade é vista como “significativa”, somente quando convertida
num grande “sistema psíquico”, do qual resulta uma obsessão pelas pessoas em detrimento
das relações sociais mais impessoais. O indivíduo busca autenticidade e legitimidade,
enquanto ator social, por meio de qualidades pessoais. Segundo SENNETT (1998), ”o que
torna uma ação boa (autêntica) é a personalidade daqueles que nela se engaja, e não a ação
em si mesma” (p. 25).
SENNETT (1998) procura, então, entender a maior absorção psíquica e a menor
participação social, observada hoje, como aspectos resultantes de um processo que,
segundo ele, se estabeleceu com a queda do Antigo Regime e com a formação de uma nova
cultura urbana, secular (imanente) e capitalista.
Para o autor, o equilíbrio entre o domínio público e privado existente no
Iluminismo, foi rompido por mudanças nos códigos de crença da sociedade cosmopolita
(séc. XIX), que definiram novos papéis para seus atores públicos. A ponte existente entre o
palco e a vida, estabelecida no Antigo Regime, que configuravam os intercâmbios sociais -
constituídos através de sinais (convenções) de comportamentos mais impessoais -, se rompe
gradativamente, tornando os sinais mais subjetivos e, passando a personalidade individual a
ser o princípio de organização das cidades cosmopolitas (mistificação da condição humana
através da crença nas experiências imediatas dos indivíduos/ personalidade imanente)10.
Com isso, SENNETT (1998) aponta a relação do capitalismo industrial com a
cultura política como força atuante que possibilitou essa mudança. Esta ocorreu de duas
formas: a primeira, através das pressões privatizadoras, na qual a Família passa a ser a
unidade representante da estabilidade social e a vida pública moralmente inferior àquela; e,
em segundo lugar, a “mistificação” da vida material em público, causada pela produção e
distribuição em massa das mercadorias, pela qual as marcas públicas perdem suas formas
distintivas e as mercadorias se tornam mais uniformes, ganhando atributos próprios à
personalidade íntima (“fetichismo das mercadorias”).
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Outra força atuante neste momento, que mudou a vida pública, foi uma nova visão
de mundo, a secularidade imanente, que se formou na sociedade burguesa influenciada pelo
positivismo científico, pela teoria Darwiniana e pelas transformações ocorridas no campo
da arte e da psicologia. Esta nova perspectiva, baseada no princípio da imanência, segundo
o qual se apreende os fatos como realidades em si mesmas, tendo as coisas significados
nelas próprias, possibilitou a dissolução das fronteiras do pessoal e do impessoal,
preparando para a “atual era da subjetividade radical” (1998, p38). Além dessas forças,
somam-se a sobrevivência cultural da crença na vida pública, herdada do Antigo Regime e
as contradições que esse legado criou na nova geração, que se fixou, como espectadores
passivos, mais na observação dos fenômenos sociais do que na interação com eles. Além
disso, estes espectadores, tendo como regra a passividade como um requisito para o
conhecimento de si e dos outros, buscavam, prioritariamente, através das experiências com
estranhos, um desenvolvimento pessoal livre dos rigores da instituição familiar,
configurando um paradoxo entre personalidade e sociabilidade11.
Em relação à superposição do imaginário privado sobre o imaginário público,
SENNET (1998) aponta como um dos principais aspectos desta força psicologizante, o
discurso político, que já era evidenciado muito fortemente no Séc. XIX.
“[...] o sistema de expressão pública tornou-se um sistema de representação pessoal; uma figura pública apresenta aos outros aquilo que sente, e é essa representação de seu sentimento que suscita a crença. A superposição do privado sobre o público exercia uma atração particularmente forte sobre as platéias burguesas, mas na medida em que se podia fazer com que outros inferiores na escala social, acreditassem nos seus termos, podia ocorrer dominação de classes por meio da imposição dos cânones burgueses de” respeito “diante de uma personalidade autêntica. Em suma, as idéias atuais de” autenticidade “em público têm suas raízes numa arma antiideológica que começou a ser utilizada no século passado, na luta de classes” (SENNETT, 1998, p.42) (grifo meu).
O homem público tenta captar a atenção de uma platéia paralisada, sendo sua liderança
interpretada em termos de “credibilidade’ mais do que em termos de” proezas “(p.271). Neste caso,
o que importa nessa relação não é mais o conteúdo de seu discurso, mas a representação que este
ator faz dele, constituindo-se neste momento, a política da personalidade”.
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No Século XIX, fortalece-se a crença na poder involuntária do inconsciente, na
revelação da personalidade através de signos imanentes, ou seja, na crença de que a
personalidade de um indivíduo poderia ser revelada involuntariamente pelas formas físicas,
pelos gostos pessoais e pelo seu discurso – a aparência como indícios da personalidade.
Códigos de significação imanentes (códigos de personalidade) que são os termos da
secularidade moderna, e que definiram a popularidade de um líder público, em especial,
pelo seu discurso retórico, revelando aí um líder capaz de atrair grupos, cujos interesses são
opostos à ideologia divulgada.
A burguesia irá utilizar como elemento mediador, este político intérprete de
atuações públicas (um ator), que impõe através de suas características distintivas, como a
auto-suficiência e a educação refinada (expressas não só em seu discurso, mas também na
forma de representar o mesmo), legitimando sua autoridade.
Essa figura pública apresenta aos outros o que sente e é essa representação de seu
sentimento é que suscita crença. “Uma aparência crível é aquela em que a personalidade é
exposta...”.(311)
Neste sentido, a autoridade do líder se legitima em público a partir do momento
imediato em que o político fala a uma multidão, a qual enxerga em seu discurso retórico
uma personalidade superior, imergindo num abandono temporário de seus interesses
próprios.(280)
O político carismático busca, então, subjugar a paixão de uma multidão pela força
de sua personalidade, como uma força antiideológica, suscitando interesse e respeito a
partir da qualidade de suas aparições em público, constituindo uma política da
personalidade, instrumento diluidor dos interesses de classes (SENNETT, 1998, p.285).
Segundo Sennett, (1998), isso só foi possível devido à doutrina da imanência, na
crença no imediato e não mais no transcendente. Neste caso, o poder da personalidade é
legitimado no momento imediato da aparição pública, através da qual pode-se suspender o
peso do passado, das antigas injúrias e convicções. (p.286)
Logo, “O político carismático secular, dá a seus ouvintes a fé na absoluta realidade do
momento concreto e imediato, e assim, fazendo, destrói os poderes que têm eles de se
expressarem...” (p.290).
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Ao contrário de um carisma religioso, que supõe uma força que transcende à
personalidade do da guia carismático, numa sociedade secular o poder do carisma se volta
para a personalidade vigorosa do líder, sendo sua origem mais mistificadora do que em uma
sociedade voltada para o sagrado.
O poder do orador está em tirar proveito da mistificação, através da qual não se
importa qualquer padrão de verdade colocado em seu texto, mas a qualidade de suas
intenções, de seu sentimento, base auto-suficiente para sua legitimidade.O que enceta a
crença é a capacidade deste ator de revelar-se diante de sua platéia, através de uma
“espontaneidade controlada”, demonstrando uma personalidade poderosa capaz de expor
sua intimidade, sem perder o controle emocional, suscitando neste momento sua
superioridade sobre a platéia, que se sente, de forma real e absoluta, paralisada (p.291).
Para este autor, o carismático secular não pode, então, ser confundido com um
demagogo arrebatado, capaz de dirigir sua platéia à sublevação. Para que se torne crível, o
carismático, em geral, se reveste de uma personalidade afável, sofisticada, sendo capaz de
centralizar a atenção de seus ouvintes sobre seus gostos pessoais, sua aparência, sua
habilidade de retórica e até mesmo sobre sua vida mais íntima. “A liderança passa a ser
uma forma de dramatização, de sedução, desviando a platéia da possibilidade desta medir
seus atos, mas prendendo-a as suas motivações, aos seus sentimentos, expressos em sua
representação” (p.291).
O líder carismático serve à política como um agente estabilizador da ordem social,
através do qual, a política pode entrar em contato íntimo com a massa, evitando conflitos
ideológicos (p.330).
Deste modo, Sennett afirma que o carisma secular desinveste as pessoas com
relação às questões sociais, produzindo passividade. Ele funciona como uma “instituição
burocrática”, distraindoa atenção das massas da política para os políticos. Ou seja, numa
política da personalidade subtrai-se o conteúdo político em favor de uma “sedução
incivilizada”, pela qual o conteúdo da arte de representação se rompe de seu intérprete,
perdendo todo seu sentido - o ator sem sua arte.
É dentro desta perspectiva, proposta por SENNETT (1998), que é possível pensar
na figura de Antônio Carlos como um ator político que buscava credibilidade, concentrando
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atenção em si mesmo, desviando a platéia de seus verdadeiros interesses e necessidades,
procurando, assim, sua sustentação política na conciliação de forças sociais contraditórias
que, de certo modo, estavam presentes no início do século XX, na sociedade juizforana.
Neste sentido, além de se vislumbrar, o ambicioso projeto educacional de Antônio
Carlos R. de Andrade, concretizado no final da década de 1920, com a Reforma do Ensino
Primário e Normal (1927/28), como uma atuação intelectual verdadeira, que se configurou
já nos primórdios de sua carreira, apontando para um interesse marcante deste ator pela
educação. É também importante entrever que as cerimônias dos grupos escolares estariam
servindo para o Andrada, como espaço de visibilidade, como palco para sua atuação
política, visando através deste espaço maior legitimidade política. Ou seja, através de seu
discurso personalista, estaria legitimando sua autoridade, concentrando a atenção em si,
desviando a platéia de seus verdadeiros interesses e necessidades.
Isso pode ser ilustrado, através de um texto publicado em 1915, registro de sua atuação
como político, jornalista e literato na cidade no início dos anos de 1910, pelo qual, podemos
perceber seus ideais liberais já aí, bem representados:
“Não se edifiquem as democracias com a sólida argamassa da instrucção e da educação e só existirá um simulacro republicano, mal dissimulando, paroxismo de decadência fatal, ou a irrupção violenta das paixões demagógicas ou a tirania dos dictadores apoiando-se na corrupção do caráter ou na força das armas. Conferindo o poder ao povo, dar-lhe soberania, dizia Talleyrand porque é o contrapeso da liberdade. A ignorância impelle ao despotismo, á desmoralisação, á miseria, observava Emile Laveley; a instrucção, a educação, ao contrario, asseguram a liberdade de um povo e podem dar-lhe a prosperidade e a virtude. Republica que somos, e republica organizada em moldes de completa egualdade e da mais perfeita liberdade civil e política – assegurando ao cidadão o accesso de todas as posições, podendo alçar-se desde as mais baixas camadas sociais até acender ao ponto supremo – tendo de obedecer e a executar uma constituição libérrima, inspirada nessa outra que ao gênio Gladstone pareceu a mais admirável obra que jamais sahiu do cérebro humano devemos guardar e rememorar a sabedoria desses altos conceitos”. Antonio Carlos (s/d).12
A partir deste discurso retórico, este ator não se preocupa com o conteúdo
convicente do texto, uma vez que aponta uma sociedade pautada na igualdade e na liberdade
política e social, muito distante da realidade de sua platéia, mas próxima de suas convicções
políticas. Ou seja, busca, através de uma atuação convincente, a conciliação de forças sociais
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contraditórias que, de certo modo, já estavam presentes no início do século XX, na
sociedade juizforana, afirmando, assim sua posição hegemônica.
Posição esta, reforçada, possivelmente, pela inexpressiva atuação pública desta
platéia, fruto de uma representatividade política quase nula, resultante da tradição
oligárquica dessa sociedade.
Quanto à expressão deste ator, no que se refere à sua trajetória pública, vários são os
indícios que poderiam sustentar a idéia de um político personalista. Qualidades destacadas
em pequenos recortes de sua vida pública, ressaltadas em entrevistas, crônicas, artigos, etc.,
e amplamente divulgadas por seus contemporâneos, poderiam ilustrar uma personalidade
sutil e sedutora, capaz de envolver até mesmo seus adversários políticos, segundo
SENNETT (1998) características marcantes de uma figura carismática secular.
Dentre as inúmeras crônicas e artigos produzidos por Moacir de Andrade sobre
Antônio Carlos, destaca-se uma interessante anedota do banheiro, que revela no imaginário
deste autor, a arte de representação do político andradino:
(...) Querendo definir os senhores Artur Bernardes, Melo Viana e Antônio Carlos, de acordo com os respectivos temperamentos, divulgou-se a anedota do banheiro. Uma senhora num hotel entrou no banho e deixou, por distração, a porta do banheiro aberta. O Sr. Artur Bernardes, precisando entrar no banheiro e dando com a senhora no banho, retrocedeu, irritado, censurando: “Mas a culpa foi sua de deixar a porta aberta!”. O Sr. Melo Viana entrou no mesmo banheiro e, amável, ficou a pedir desculpas: “Minha senhora, peço a V. Exa. perdoar-me, pois não poderia saber absolutamente que se encontrava aqui”. O Sr. Antônio Carlos entrou no mesmo banheiro e logo que viu a senhora começou a apalpar as paredes, monologando: “Que tristeza ser cego de nascença...”, e ela continuou a banhar-se tranqüila.(ANDRADE apud in FARIA & PEREIRA, 1998, 524).
Uma qualidade que foi diversamente retratada por contemporâneos, era sua capacidade de
persuasão, diz um opositor às vésperas de votar pela destituição de Antônio Carlos da Presidência
da Câmara Federal ”Só não queria encontrar-me antes com o Andrada, pois ele é irresistível – com
duas palavras desorienta a gente”.(apud PEREIRA E FARIA, 1998, p.524).
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A marca aristocrática, definida pela elegância, sutileza e carisma foi registrada por suas
biógrafas Lígia Pereira e Maria Auxiliadora Faria (1998), que publicaram diversos depoimentos,
artigos e comentários sobre a expressão deste político, entre estes destaca-se a de Barbosa Lima
Sobrinho, lê-se:
“(...) Podia mostrar-se magoado, nunca vi, entretanto, de sua parte, nenhum ímpeto de ódio, nem o rictus do rancor. O que mais que tudo definia era aquele sorriso cordial, que brincava sempre por seus lábios, embora muitas vezes, misturado com a malícia de olhos perspicazes, refletindo a atividade de sua inteligência arguta, penetrante, sutil. (...)” (LIMA SOBRINHO apud FARI & PEREIRA, 1998, 520- grifo das autoras).
De Pedro Calmon temos uma interessante análise, na qual afirma ter tido Antônio Carlos
uma capacidade incrível de se adaptar aos novos tempos, pois apresentava uma vantagem acessória,
sobre os outros Andradas, o humor, a “alegria perspicaz” da frase feliz, segundo ele, um verdadeiro
esgrimista verbal, afirmando sobre este político, o seguinte:
“Nele havia o ritmo interior dos reformadores corajosos. [...] A sensibilidade cívica
disfarçada por uma serenidade heróica. E – a dominar suas contraditórias qualidades de ‘homem do
século’ – uma confiança justa e sólida em si mesmo” (CALMON apud in FARIA & PEREIRA,
1998, p.521 – grifos meu).
Outro contemporâneo de Antonio Carlos, que de forma rica e quase literária, soube, por
muitas vezes em suas memórias, desvelar as qualidades expressivas deste ator, foi o memorialista
mineiro Pedro Nava, do qual lemos o seguinte recorte:
“(...) Ele era político. E como político, capaz de idas e vindas, de avanços e recuos, dos embustes, das negaças, das fintas, dos pulos-de-gato, dos blefes que são o lote de todos os que pertencem a tal estado – do Príncipe de Maquiavel, de Luís XI, Churchill, ao último vereador de Santo Antônio do Desterro. Mas era também Andrada, e portador do orgulho familiar que fazia dele um florete do mais fino aço - dobrável, vergável, mas dentro do limite de sua própria substância – no caso a elegância e a tradição de sua raça. Sendo, assim, inquebrantável e sempre voltando silvante – à linha reta de sua fabricação”.(NAVA apud in. FARIA & PEREIRA, 1998, p.498).
Esta narrativa nos mostra, mais uma vez, sua imagem sendo representada por uma
figura que se distingue pela sua atuação, como emissário de uma classe que fez da política
profissão e arte.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS:
De acordo com o que foi exposto neste texto, chama-se a atenção para as qualidades
expressivas de Antônio Carlos, que de certa forma, teriam rendido a este ator maior
legitimidade e visibilidade política.
Dentre estas qualidades, destacam-se sua retórica - ou “esgrima verbal” como quer
Calmon, sua sutileza, sua sagacidade e elegância britânica, própria de um político
personalista, muitas vezes, centrado mais na sua atuação do que nas contradições de seu
texto, revelando aí, marcas sutis da força política do carisma secular. Que sustenta sua
autoridade através de uma personalidade confiante em si mesma, de gostos refinados, capaz
de controlar suas paixões diante de seu público e de forjar uma aura de superioridade ética e
estética sobre o mesmo. Ou seja, um político de sua época, que vislumbrava na sociedade
juizdeforana elementos contraditórios e inconciliáveis próprios do capitalismoindustrial.
É a partir desta análise que se buscou compreender a relevância dada por este ator às
cerimônias dos grupos escolares de Juiz de Fora. Palco que teria servido a Antônio Carlos
como um novo espaço público para expressão de sua arte. Arte da “negaça e do blefe”,
como também da persuasão e da ilusão.
No entanto, é de tamanha importância, ainda, sua atuação enquanto intelectual
orgânico nesta sociedade, que via na Educação um instrumento capaz de garantir sua
legitimidade política. Um ator, um artífice da negociação, organizador e mantenedor de
uma cultura política. Que fez da mesma uma arte concreta, garantindo a hegemonia de um
grupo dominante, do qual também fazia parte.
Neste sentido, é preciso entender sua trajetória política como uma projeto também
intelectual, que, em medida, se consubstanciou na reforma educacional do final da década
de 30, mas que já estava plantado, em seus primórdios, no início do século XX, como um
projeto cultural próprio da modernidade.
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RERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* ESTEVES, Albino (org). Álbum do Município de Juiz de Fora. 1915.
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NOTAS:
1 Sendo estes imigrantes responsáveis pela criação de 50% das industrias juizforanas (GIROLETTI apud YAZBECK,1999). Sobre isso ver GIROLETTI, D. O processo de industrialização de Juiz de Fora: 1850 – 1930. Juiz de Fora. Editora da UFJF. 1988; YAZBECK (1999); OLIVEIRA (1998). 2 Entre eles o Clube Juiz de Fora, O Instituto Jurídico Mineiro (1893), a Sociedade de Medicina e Cirurgia (1889) e, posteriormente, a Academia Mineira de Letras (1909) e a Associação de Imprensa de Minas (1909). 3 SENNITT, R. O declínio do Homem Público: As Tiranias da Intimidade. 1998. 4 OLIVEIRA (1998). 5 Sobre isso ver FARIA FILHO, Luciano Mendes; LOPES, Eliane Marta Teixeira; VEIGA, Cynthia Greive (orgs). 500 Anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte. Minas Gerais. Editora Autêntica. 2º Edição. Coleção Historial, 6. 2000. Entre outros. 6 Apresentando, neste mesmo ano, o número de matrículas, para o 1o Grupo, de 470 alunos, segundo o Termo de Instala ção do 1o Grupo de Juiz de Fora, de 04 de fevereiro de 1907. 7Como exemplo podemos citar a classe empresaria que, a partir do processo de industrialização, criou seus próprios intelectuais orgânicos – intelectuais urbano – marcando sua hegemonia no sistema econômico e político e cultural. Na outra ponta, temos os eclesiásticos ligados organicamente à aristocracia fundiária (p.5). (GRAMSCI,1979). 8 No mundo moderno atividade intelectual assume grande relevância, o que pode ser observado a partir do processo de organização e expansão do sistema escolar. O que se observa também, que as categorias intelectuais se ampliaram com a modernidade, sendo esta expansão justificada não somente pelas necessidades da produção, mas também pelas necessidades do grupo social fundamental. (GRAMSCI,1979p 10) 9 Entrevista concedida, em 27 de novembro de 1995, às autoras de Antônio Carlos: Um Andrada na República. Rio de Janeiro. Nova Fronteira.1998. 10 No Antigo Regime os sinais eram definidos através da objetivação do corpo, na tentativa de dissolver os traços da personalidade individual (roupas,perucas...), como também pelo discurso expressivo utilizado mais como signo do que como símbolo.No séc. XIX as aparências serão valorizadas como sinais do caráter individual e dos sentimentos (SENNET, 1998). 11 Segundo SENNETT, no séc. XIX, a medida que as aparências tornam-se a expressão direta da personalidade interior dos sujeitos, as experiências públicas, passam a estar ligadas à formação do “eu”, enquanto que, no Antigo Regime estas experiências estavam ligadas à formação da ordem pública (1998, p.191). 12 12 ESTEVES, A (org). Álbum do município de Juiz de Fora. 1915. 12 Andrade, Moacir. Definições alheias sobre Antônio Carlos. op. cit. p.79, apud.PERIRA. Lígia M. L. e EARIA,Mª Auxiliadora.Presidente Antônio Carlos: Um Andrada na república: O Arquiteto da Revolução de 30. Rio de Janeiro. Ed. Nova Fronteira.1998.p524.
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