Novembro de 2009Luiz Antonio B. CamachoDEMQS-ENSP-FIOCRUZ
Análise de causalidade na avaliação
em que medida mudanças
observadas (incluindo indiretas
e não intencionais) no estado de
saúde podem ser atribuídas às
intervenções em saúde ou a
fatores externos ao programa?
Modelo Geral de Causalidade (Rothman et al., 1986)
Causa suficiente: conjunto(s) mínimo(s) de condições (causas componentes) que inevitavelmente determina um evento
Causas necessárias: componentes obrigatórios em todas as causas suficientes
Intervenções podem prescindir do conhecimento completo das causas suficientes, e basear-se apenas no conhecimento de uma causa necessária, ou de componentes.
Critérios de A.B.Hill (1965) para definição de associação causal
Temporalidade Plausibilidade
científica Coerência Analogia
Força da associação
Gradiente Consistência Especificidade Evidência
experimental
Critérios de A.B.Hill (1965) para definição de associação causal
TEMPORALIDADE: causa postulada deve preceder efeito atribuído
único dos critérios que é essencial Problemas: sequencia temporal pode não ser
aparente (como nos estudos seccionais); ou pode parecer invertida: causalidade
reversa (ex., pródromos de doença levando à exposição, seguida pelo aparecimento de manifestações clinicas (programas de rastreamento de doenças)
Critérios de A.B.Hill (1965) para definição de associação causal (CONT.)
PLAUSIBILIDADE CIENTÍFICA: conhecimento existente sobre o
fenômeno dá sentido às associações. Limitada pelo conhecimento corrente Ex.: revacinação com BCG em
escolares prometida efeito biologicamente plausível;
Avaliação do programa de revacinação não confirmou efetividade esperada.
Critérios de A.B.Hill (1965) para definição de associação causal (CONT.)
COERÊNCIA: Inferencia causal não conflita com
o conhecimento sobre a historia natural da doença (nem com o modelo lógico do programa)
ANALOGIA: semelhança com outros cenários com evidências de efetividade de intervenções
Critérios de A.B.Hill (1965) para definição de associação causal (CONT.)
FORÇA DA ASSOCIAÇÃO entre intervenção e desfechos de interesse
associações estatísticas fortes seriam mais dificilmente explicáveis por viés, variáveis de confusão e pelo acaso.
Exceções: Associações de fraca magnitude como tabagismo e doença cardiovascular podem ser de base para intervenções em saúde.
Associações fortes podem resultar em parte de variáveis de confusão não reconhecidas ou não controladas devidamente
Critérios de A.B.Hill (1965) para definição de associação causal (CONT.)
“GRADIENTE” DA ASSOCIAÇÃO:magnitude da associação proporcional à intensidade e duração da intervenção costuma aumentar confiança na inferencia causal. Gradientes pode não ser linear nem monotônico. Nivel limiar de exposição (Rothman et al., 2008)
Critérios de A.B.Hill (1965) para definição de associação causal (CONT.)
ESPECIFICIDADE: poucos desfechos para uma causa postulada (vice-versa)Ex.: Rastreamento de câncer com sigmoidoscopia associado à redução de mortalidade por câncer de reto e colon distal, mas não à redução a outros tipos de câncer de colon (Weiss, 2002).
CONSISTÊNCIA: Resultados da intervenção replicadas em
cenários diferentes dias nacionais de vacinação contra pólio e
redução drástica da polio em muitos países; sucesso da promoção de condom na redução
de transmissão do HIV pode ser limitado por fatores culturais e sócio-econômicos
Critérios de A.B.Hill (1965) para definição de associação causal (CONT.)
EVIDÊNCIA EXPERIMENTAL: intervenções aplicadas e desfechos
observados em condições controladas por pesquisador.
Tão bom para sustentar inferência causal quanto o modelo lógico em que se baseia drenagem de pântanos pode causar a redução de malária, mas seria inadequado inferir evidência de causalidade dos miasmas (Poole, 1999).
Abordagens quantitativas e qualitativas
ABORDAGEM QUANTITATIVA medidas de efeito definidas segundo lógica contrafactual: grupo de referencia (sem intervenção) representa o que teria ocorrido na ausencia da exposição.
Em contraste, ABORDAGEM QUALITATIVA se baseia na investigação do modus operandi para analisar causalidade (Mohr, 1995).
Enfatiza a coleta e análise detalhada de relações entre grande número de elementos em poucas unidades de observação.
Sua validade para avaliação em saúde dependeria do aprofundamento na análise dos mecanismos de atuação das intervenções na produção de resultados. Contribui no “insight” e nas evidências de congruência a que se referem Habicht, Victora & Vaughan .
Indicadores de impacto (“exposição” é fator de proteção)
FPE: fração prevenida nos expostos à intervenção
(I0 – I1)/I0 = 1 - RR
I1: incidência em expostos
I0 : incidência em nãonão expostos
IT : incidência na população
RR : risco relativo
(I0 – I1)/I0 = p(1 – RR )
FPP: fração prevenida na população
p : proporção de expostos na população
Métodos quantitativos na avaliação em saúde
Abordagens quantitativas na avaliação em saúde utilizam
(1) estratégias de coleta dos dados para obter evidências de associação entre intervenções e desfechos controlando a influência de fatores externos (variáveis de confusão e viés); e
(2) técnicas analíticas baseadas na variabilidade de medidas de atributos selecionados para representar os elementos considerados relevantes no modelo lógico do programa.
Métodos quantitativos na avaliação em saúde
Plausibilidade e probabilidade (Habicht, Victora & Vaughan) e estratégias de controle de fatores que afetam a validade interna de um estudo:
Avaliação de plausibilidade: observador estrutura observações de forma a delimitar grupos para a comparação indicada nos objetivos.
Avaliação de probabilidade: randomização maximiza a confiança em que diferenças entre grupos definidos pela intervenção são atribuíveis à intervenção
Almeida Fº N & Rouquayrol MZ. Fundamentos Metodológicos
da Epidemiologia. In Rouquayrol MZ (ed.) Epidemiologia
& Saúde, 4ª ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 1993.
“Hierarquia” dos tipos de estudos segundo poder analítico
I Revisões sistemáticas e metanálises de ensaios clínicos randomizadosrandomizados comparáveis (homogeneidade), com validade interna e mínima possibilidade de erro alfa.
Ensaios clínicos randomizadosEnsaios clínicos randomizados com desfecho e magnitude de efeito clinicamente relevantes, correspondentes à hipótese principal em teste, com adequado poder e mínima possibilidade de erro alfa.
II Revisões sistemáticas de estudos de casos e controles e de coortes
Ensaios clínicos randomizados de menor qualidade metodológicaEstudos de intervenção não-randomizadosCoortes e estudos de casos e controles bem conduzidos, com baixo risco de vieses e acaso
III Estudos não-analíticos: séries e relatos de casos
IV Opinião de especialistas
Limites à validade interna (p.ex., estudos de avaliação de programas)
1. Viés, vício, tendenciosidade
i. alocação das unidades de análise privilegia
subgrupos com probabilidade diferenciada de
apresentar o desfecho
Ex.: voluntários costumam diferir nos fatores de
risco daqueles que recusam participação
Limites à validade interna
1. Viés, vício, tendenciosidade
ii. erro sistemático na classificação de exposição ou
de desfecho
Ex.: antecedentes vacinais ou diagnóstico etiológico
das meningites
Limites à validade interna de estudos de comparação entre grupos
2. Confusão ou confundimento (“mistura de
efeitos”):
Fatores prognósticos explicam parte da
associação aparente entre intervenção e
resultados
Ex.: diferenças etárias entre as crianças vacinadas
e as não vacinadas.
Controles históricos ou “antes e depois”Coronary care unit versus hospital mortality in acute myocardial
infarction. Robinson, J.S. Israel J. Med. Sci. 5(4):772-776, 1969.
Os primeiros 200 pacientes com IAM admitidos na UC do Royal Perth Hospital, comparados com 200 pacientes consecutivos, admitidos com IAM no mesmo hospital, imediatamente antes da abertura da UC.
The effects of the DRG-Based Prospective System on Quality of Care for
Hospitalized Medicare Patients. Kahn KL, Rubenstein LV, Draper D, Kosecoff J, Rogers WH, Keeler EB & Brook RH. JAMA 264 (15):1953-1994.
Objetivos: avaliar a qualidade da atenção hospitalar pelo sistema público aos
idosos (Medicare) antes e depois da implantação do sistema de pré-pagamento (PPS), segundo grupos diagnósticos em 1982.
Estudo caso-controleEfetividade de programa de rastreamento de câncer no estômago no Japão.
Oshima et al., 1986 Avaliação de efetividade do rastreamento para câncer de estômago
em uma pequena cidade rural do Japão, com programa de rastreamento desde 1962.
Óbitos por Ca de estômago pareados a indivíduos vivos de mesmo sexo, idade e distrito.
Assessment of the Direct Effectiveness of BC Meningococcal Vaccine in Rio de Janeiro, Brazil: A Case-Control Study (Noronha et al.,1991)
Study estimated the protective effect of the Cuban vaccine among children living in the metropolitan region of Rio de Janeiro
Casos de meningite meningocócica B e C; controles: outras meningites (não meningocócicas) internadas no mesmo hospital (HESS)
Acompanhamento de coorte (de intervenção)
Grupo de observação
Expostos (vacinados)
Não expostos
Doentes Não doentes
Expostos a b
Não expostos
c d
t0 t1
tempo
Pitfalls in Evaluating the Impact of Coronary Care Units on Mortality From Myocardial Infarctions.Gordis, L.; Naggan, L. & Tonascia, J. The Johns Hopkins Medical Journal 141:287-295, 1977.
Amostra de prontuários revisados para estimar letalidade intra-hospitalar de IAM e sua relação com tratamento em Unidades Coronarianas (UCs).
Hospitais variavam na capacidade diagnóstica: com UC melhor capacidade e melhor registro
Viés de seleção de raça para hospitais com UC
Arritmia aumentou chances de admissão em UC, enquanto ICC e choque não influenciaram
Hospitais sem UC: óbito na emergência antes de admissão na enfermaria
Transferência de pacientes graves para hospitais com UC, inflando letalidade destes.
Ensaio clínico randomizado
CCrriittéérriiooss ddee eelleeggiibbiilliiddaaddee DDeessffeecchhooss
População com a condição de interesse exposta ao risco
Elegíveiss
Intervenção experimental
Grupo de controle
R A N D O M I Z A Ç Ã O
Favorável
Desfavorável
Favorável
Desfavorável
A randomised trial of home-versus-hospital management for patients with suspected myocardial infarction. Hill, J.D.;
Hampton, J.R. & Mitchell, J.R.A. The Lancet 22 April 1978:837-841.
Questão dos clínicos gerais chamados para
atendimento domiciliar de suspeitos de IAM:
excluídos os pacientes cujas condições clínicas ou
familiares indicassem hospitalização, seria possível
manter o paciente de IAM sob tratamento na sua
residência?
Durante 4 anos de estudo, 264 (76%) dos 349 pacientes elegíveis foram alocados aleatoriamente nos grupos de comparação: tratamento em casa ou na UC segundo um plano pré-estabelecido.
Residência (n=132)% Hospital (n=132)%Sexo masculino 79 75IAM prévio 28 25Angina prévia 33 33ECG na residência alteração anterior recente 17 17 alteração inferior recente 14 13 ritmo sinusal + ectopia ventricular 11 6 outras arritmias 4 7 inconclusivo 55 61 normal 14 9Idade (média em anos) 58,6 59,9
Tabela 6: Mortalidade (%) em 6 semanas dos pacientes com suspeita de IAM.
NÃO Residência Hospital randomizados Total
Todos os pacientes 13 11 26 15Com diagn. final de IAM confirmado ou provável 20 18 37 24
Hill et al. 1978.: Resultados
Comparabilidade dos grupos foi assegurada pela
randomização: mortalidade na residência e no
hospital podem ser comparadas diretamente
Análise do subconjunto com diagnóstico confirmado:
maior margem de certeza
Mortalidade nos não randomizados: limites à validade
externa dos resultados
Ensaios pragmáticos e serviços de saúde
Compara intervenções clinicamente relevantes
Maior diversidade de participantes (critérios de elegibilidade mais flexíveis do que ensaios explanatórios)
Observações de múltiplos desfechos de interesse
Tendem a ser maiores (maior n)
de menor duração, menor custo,
minimizam interferência sobre rotina clínica, enfatizam aplicabilidade dos resultados (efetividade)
Estudos de intervenção “pragmáticos”
Design of the Brazilian BCG-REVAC trial against
tuberculosis: a large, simple randomized
community trial to evaluate the impact on
tuberculosis of BCG revaccination at school age
Barreto, M.L.; Rodrigues, L.C.; Cunha, S.S. et al.
Controlled Clinical Trials 23 (2002) 540–
553
Effect of BCG revaccination on incidence of tuberculosisin school-aged children in Brazil: the BCG-REVACcluster-randomised trial. Rodrigues et al.,Lancet 2005; 366: 1290–95
Objetivos do estudo:
estimar a efetividade do BCG em escolares contra
tuberculose em população com alta cobertura
vacinal pelo BCG;
prover evidência científica para fundamentar
decisões de política de imunização.
Pragmatic controlled clinical trials in primary care: the struggle between external and internal validityGodwin et al. BMC Medical Research Methodology 2003, 3:28
Two pragmatic randomized controlled trials on interventions in the management of hypertension in primary care.
Summary: Clinical trials conducted in community practices present investigators with difficult methodological choices related to maintaining a balance between internal validity and external validity.
Methodological purity can lead to clinically meaningless results, while attempting to achieve full generalizability can result in invalid and unreliable results.
Achieving a creative tension between the two is crucial.
Habicht, Victora & Vaughan, 1999
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