University of Brasilia
Economics and Politics Research Group–EPRG
A CNPq-Brazil Research Group http://www.econpolrg.com/
Research Center on Economics and Finance–CIEF Research Center on Market Regulation–CERME
Research Laboratory on Political Behavior, Institutions and Public Policy–LAPCIPP Master’s Program in Public Economics–MESP
Graduate Program in Economics–Pós-ECO
Motivação Partidária nas Transferências Voluntárias da União: O papel do Legislativo
Federal
Fernanda L. Marciniuk (UnB) Maurício S. Bugarin (UnB) Débora C. Ferreira (UnB)
Economics and Politics Working Paper 101/2020 January 30th, 2020
Economics and Politics Research Group Working Paper Series
http://www.econpolrg.com/
1
Motivação Partidária nas Transferências Voluntárias da União:
O papel do Legislativo Federal1
Fernanda L. Marciniuk2 Maurício S. Bugarin3 Débora C. Ferreira4
Departamento de Economia, Universidade de Brasília
Resumo
Este artigo investiga a influência do alinhamento partidário entre atores políticos das esferas
federal e municipal na determinação das transferências voluntárias federais aos municípios,
com especial enfoque na identidade partidária entre deputados federais e prefeitos, a partir do
indicador de Quociente Locacional de Bendavid-Val. A análise econométrica confirma o efeito
positivo e significante dessa identidade partidária, indicando o importante papel desempenhado
pelos deputados federais na distribuição partidária de transferências intergovernamentais. A
principal contribuição desse trabalho é ir além do tradicional alinhamento entre prefeito e
Presidente da República e investigar o papel dos parlamentares federais na distribuição
partidárias das transferências voluntárias.
Palavras Chaves: Transferências Voluntárias; Convênios Públicos; Quociente Locacional de
Bendavid-Val; Identificação partidária; Transferências partidárias do Legislativo.
Classificação JEL: H77, D72, C33
Abstract
This paper presents empirical evidence that the distribution of federal voluntary transfers is
biased in favor of municipalities in which the mayor's party has higher identification with the
coalition of parties in the Legislature that has strong representation in the municipality. This
research measures party identification between the federal Legislature and the municipal
Executive branch based on Bendavid-Val's locational quotients applied to voting data. The
paper’s main contribution is to go beyond the mayor-president partisan transfers’ approach, and
to shed light on the important role the federal Legislature plays in the partisan distribution of
subnational voluntary transfers.
Key words: Voluntary intergovernmental transfers; Intergovernmental grants, Bendavid-Val’s
locational coefficient, Party identification, Legislative partisan transfers.
JEL classification: H77, D72, C33
1 Trabalho aceito para publicação na revista Estudos Econômicos. 2 Pós-doutoranda no Departamento de Economia da Universidade de Brasília, e-mail: [email protected]. 3 Professor titular do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, e-mail:
[email protected], URL: www.bugarinmauricio.com. 4 Doutoranda no Departamento de Economia da Universidade de Brasília, e-mail:
2
1. Introdução
A literatura econômica tem identificado tanto teórica quanto empiricamente a influência
do alinhamento partidário entre presidente e prefeito sobre o nível de transferências voluntárias
recebidas do governo federal5. Contudo, pouco se investigou acerca do impacto da identidade
partidária entre Poder Legislativo federal e Executivo local no volume dessas transferências.
Apesar da importância do presidente na aprovação e liberação de recursos das emendas
parlamentares à Lei Orçamentária Anual (LOA), os deputados federais participam de forma
ativa da sua elaboração, desempenhando um importante papel na interligação entre o governo
federal e os governos locais e, consequentemente, na determinação das políticas públicas
subnacionais. Ademais, estudos do Legislativo brasileiro sugerem que a disciplina partidária na
atividade parlamentar é capaz de conferir influência aos partidos no processo orçamentário
(MUELLER, 2003; PEREIRA E MUELLER, 2002; FIGUEIREDO & LIMONGI, 2002; 2008;
NICOLAU, 2006).
Nesse contexto, o presente artigo tem por objetivo principal investigar a influência do
alinhamento partidário entre atores políticos das esferas federal e municipal na determinação
do montante de transferências voluntárias federais destinadas aos municípios, com especial
enfoque na identidade partidária entre deputados federais e prefeitos. Como objetivo secundário,
busca testar as hipóteses teóricas de que as transferências voluntárias da União são direcionadas
em maior medida para municípios cujos prefeitos pertencem ao partido do presidente e a
partidos da base governista em âmbito federal.
Para atingir esses objetivos, adotou-se como estratégia empírica o modelo de painel com
efeitos fixos, utilizando a base de convênios públicos federais de 2001 a 2012 como proxies
para as transferências voluntárias no período. Foram incorporadas como variáveis de interesse
(i) a identidade partidária entre o prefeito e a zona de maior influência do partido do deputado
federal, obtida com base no indicador de Quociente Locacional criado por Bendavid-Val
(1991); a (ii) identidade partidária entre o presidente e o prefeito; bem como (iii) a identidade
partidária entre o prefeito e a coalizão do partido do presidente. Incluíram-se ainda variáveis de
controle referentes a características políticas, fiscais e sociodemográficas dos municípios e a
atributos pessoais dos prefeitos, construídas por Marciniuk e Bugarin (2019).
Tendo como variável dependente a receita total recebida pelos municípios por meio de
5 Ferreira e Bugarin (2005, 2007), Brollo e Nannicini (2012), Sakurai e Theodoro (2018) Bugarin e Marciniuk
(2017) Wright, 1974 (EUA); Ansolabehere & Snyder, 2006 (EUA); Gonschorek Et Al. 2018 (Indonésia); Khemani,
2003 e 2007 (India); Kraemer, 1997 (México); Porto & Sanguinetti, 2001 (Argentina); Rozevitch & Weiss, 1993
(Israel); Solé-Ollé & Sorribas-Navarro, 2008 (Espanha); Tamura, 2010 (Japão); Veiga & Pinho, 2007 (Portugal)).
3
convênios, este artigo encontra evidência de que municípios que possuem identidade partidária
entre o Poder Legislativo Federal e o Poder Executivo Municipal recebem transferências
voluntárias superiores aos municípios que não possuem essa identidade (em média, um aumento
de R$3,24 por habitante). Já o efeito da identidade partidária entre prefeito e presidente
corresponde, em média, a R$ 7,43 a mais no valor total dos convênios por habitante, em linha
com o que já havia sido evidenciado por Ferreira e Bugarin (2005, 2007) e outros estudos mais
recentes.
Outros resultados obtidos pela análise são os de que prefeitos de primeiro mandato e
candidatos à reeleição recebem maiores montantes de transferências voluntárias (em média,
R$8,03 adicionais por habitante), ao passo que os prefeitos de primeiro mandato e que não são
candidatos à reeleição recebem menos transferências voluntárias, corroborando intuições de
Marciniuk e Bugarin (2019). Além disso, o estudo apresenta evidência de que partidos mais à
esquerda receberam maiores volumes de transfer6encias voluntárias, um resultado também
encontrado em Bugarin e Marciniuk (2017) e que talvez reflita o fato de que um partido de
esquerda ocupou a presidência do país na maior parte do período considerado, entre outros
achados.
Os resultados aqui apresentados corroboram a hipótese teórica de que os partidos políticos
desempenham importante papel no direcionamento das transferências voluntárias da União para
os municípios, não somente por meio do alinhamento entre prefeitos e presidente, mas também
pela identidade partidária entre prefeitos e deputados federais. No entanto, os resultados
sugerem que o Executivo nacional ainda exerce papel prevalente sobre esse direcionamento no
período de análise.
Este trabalho inova na literatura econômica ao avaliar empiricamente a relação entre a
distribuição espacial dos votos para os partidos dos deputados da Câmara Federal e a sua relação
com a distribuição de transferências voluntárias federais aos municípios. A principal inovação
metodológica, além da utilização da base de convênios públicos federais como proxies para as
transferências voluntárias, é o uso do Quociente Locacional de Bendavid-Val para medir a força
do partido de um deputado em um determinado município.
Além desta introdução, o trabalho estrutura-se da seguinte forma: a Seção 2 apresenta
uma contextualização institucional acerca da descentralização fiscal no Brasil e das
transferências voluntárias. A seção 3 traz o referencial teórico sobre o papel dos partidos
políticos na distribuição de recursos via transferências voluntárias. Em seguida, a seção 4
discute os resultados da análise empírica, com a apresentação do modelo e das variáveis
utilizadas para os testes econométricos. Por fim, a seção 5 traz as conclusões desta pesquisa.
4
2. Contextualização institucional
2.1. Descentralização fiscal no Brasil
A descentralização fiscal introduzida pela Constituição Federal de 1988 e o consequente
fortalecimento dos municípios foram responsáveis por profundas mudanças nas instituições dos
governos locais, alterando os sistemas de decisões e as práticas dos atores políticos em todos
os níveis de governo. Com ela os municípios se tornaram responsáveis pela implantação de
grande parte dos programas do governo federal e pela alocação de parte considerável dos
recursos nacionais (Bugarin e Gadelha, 2020). No entanto, apesar de o Brasil optar por um
sistema fiscal descentralizado para a prestação de serviços públicos, adotou-se um sistema de
arrecadação de tributos centralizado e com posterior redistribuição para os governos locais
(MENDES et al., 2008).
Assim, sob a lógica do federalismo brasileiro, as transferências de recursos entre os entes
federativos se tornaram uma ferramenta de extrema importância para viabilizar o melhor
desempenho dos entes governamentais. Fundamentadas em argumentos econômicos e políticos
(BARBOSA, 1998; BUGARIN et al., 2010), as transferências são consideradas essenciais para
suprir a lacuna entre a capacidade e a necessidade de se prover serviços públicos de modo
uniforme para todos os cidadãos e, além disso, para resolver problemas de externalidades, tais
como o efeito spillover6.
Apesar de sua importância, a partilha do “bolo tributário” via transferências pode gerar
ineficiência na alocação dos recursos públicos7. Portanto, um bom desenho do sistema de
transferências de recursos governamentais é um elemento importante no contexto institucional
brasileiro tanto para o equilíbrio fiscal quanto para a qualidade da intervenção do setor público
na economia.
Grande parte do montante enviado aos entes subnacionais é distribuída sob a forma de
transferências constitucionais ou legais – as denominadas transferências obrigatórias. As
transferências constitucionais consistem na distribuição de recursos provenientes da
6 Spillover ou “efeito transbordamento” reflete como o incremento do gasto de uma determinada unidade da
federação influencia outra unidade federativa próxima. Tipicamente, um prefeito de um município não está
preocupado com o transbordamento de suas decisões de políticas públicas, o que faz com que as provisões de bens
e serviços públicos decididas de forma descentralizada tendam a não ser ótimas do ponto de vista social agregado. 7 Um exemplo bastante debatido é a divisão dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), cujo
desenho beneficia particularmente os municípios pequenos (com menos de 10.500 habitantes) em detrimento dos
grandes centros, em especial aqueles situados em periferias metropolitanas (municípios com grande demanda por
serviços públicos). Devido a esse viés em favor de municípios pequenos, o desenho do FPM tem estimulado a
proliferação de municípios no Brasil (TEIXEIRA, MAC DOWELL & BUGARIN, 2002; BUGARIN &
GADELHA, 2020), em movimento contrário àquele de amalgamação que está ocorrendo nos países mais
avançados (DOLLERY & YAMAZAKI, 2018).
5
arrecadação de tributos federais ou estaduais, aos estados, Distrito Federal e municípios, com
base em dispositivos constitucionais como, por exemplo, os Fundos de Participação Estaduais
ou Municipais. As transferências legais são reguladas por leis específicas e seus recursos são
repassados para acorrer a despesas específicas8. Bugarin & Mariciniuk (2017) apresentam
evidências estatísticas de que essas transferências obrigatórias são técnicas e não são enviesadas
por considerações de alinhamento político entre prefeito e presidente e/ou governador.
Além dessas transferências obrigatórias, os governos federal e estadual utilizam
transferências voluntárias que são operacionalizadas por meio de convênios, contratos de
repasse, ou outros instrumentos congêneres. Os recursos repassados via transferências
voluntárias podem contemplar os municípios por meio de proposta do Poder Executivo via Lei
Orçamentária Anual (LOA) – municípios explicitamente contemplados no Orçamento Geral da
União (OGU) ou aqueles que pertencem a alguma região contemplada – ou por meio de
emendas parlamentares a essa proposta de Lei Orçamentária do Poder Executivo. Além das
emendas individuais, o Congresso pode apresentar outros dois tipos de emendas, as coletivas e
as dos relatores. As emendas coletivas podem ser apresentadas por bancadas estaduais e
regionais ou por meio de comissões e as emendas dos relatores, podem ser de autoria do relator
geral ou dos relatores parciais.
Com efeito, é justamente por intermédio das emendas parlamentares à LOA que os
congressistas participam de forma ativa do planejamento do orçamento federal e desempenham
um importante papel na interligação entre o governo federal e os governos locais.
Nesse contexto, as transferências voluntárias, por definição, possuem um forte
componente político, tanto por parte do Poder Executivo nacional, que tem a prerrogativa de
executá-las, quanto do Poder Legislativo federal, que tem a prerrogativa de alocar esses
recursos nas áreas de seu interesse.
A legislação e a execução prática do orçamento da União, em geral, são caracterizadas
pelo orçamento autorizativo das despesas, na qual parte destas despesas pode ser
contingenciada, isto é, o governo não tem a obrigação de realizar tudo o que está expresso na
LOA. No que diz respeito às emendas parlamentares, até 2014 as despesas previstas também
eram de execução discricionária e não necessariamente eram realizadas pelo Poder Executivo.
A partir do exercício financeiro de 2015, instituiu-se legalmente o regime do “orçamento
impositivo” em relação às emendas individuais pela Emenda Constitucional nº 86/2015, as
8 Por exemplo, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Nacional de Apoio ao
Transporte Escolar (PNATE), o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), entre outros.
6
quais passaram a ser consideradas de execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita
corrente líquida realizada no exercício anterior. Indo além, a Emenda Constitucional nº
100/2019 instituiu o orçamento impositivo, em até 1% da receita corrente líquida realizada no
exercício anterior, também para as emendas das bancadas estaduais. O Poder Executivo
somente poderá deixar de executá-las diante da ocorrência de impedimentos técnicos ou caso
se verifique que a reestimativa da receita e da despesa possa resultar no descumprimento da
meta de resultado fiscal estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 9.
Assim, à medida que se expandem as hipóteses de emendas impositivas, maior poder de
alocação de recursos recai sobre os deputados federais.
2.2. Panorama das transferências voluntárias entre 2001 e 2012
De forma a conciliar competências constitucionais comuns entre a União, os estados, o
Distrito Federal e os municípios, a União realiza transferências voluntárias de recursos para os
estados e municípios. Conforme já exposto, a operacionalização dessas transferências, em geral,
acontece por meio de convênios ou contratos de repasses, os quais proporcionam relevante
flexibilidade e poder para lidar com situações específicas ou imprevistas do contexto
econômico e político (MENDES, MIRANDA & COSIO, 2008). No que se segue, utiliza-se o
termo convênio de forma genérica, se referindo aos demais instrumentos de transferências
voluntárias de recursos, como o contrato de repasse, termo de parceria, termo de fomento e
termo de colaboração.
Os repasses via convênios públicos, no período entre 2001 e 2012, alcançaram o montante
de quase R$ 110 bilhões de reais (R$ 109.997.656.438,94) em um total de quase R$ 200 mil
(R$ 195.632,00) convênios firmados. Setorialmente, mais de 50% do montante total foi firmado
por meio de apenas dois Ministérios: Cidades (32%) e Saúde (19%), conforme se verifica da
Tabela 1.
Em virtude da característica autorizativa das emendas orçamentárias até a EC nº 86/2015,
observou-se casamento entre valores de convênios autorizados e aqueles efetivamente
executados em alguns períodos e descasamento em outros, sobretudo a partir de 2010, quando
foi intenso o uso de mecanismos de contingenciamento pelo Poder Executivo federal, conforme
se verifica do Gráfico 1.
9 Art. 166. § 11, 12, 13 e 18, da CF/88.
7
Tabela 1– Características dos Convênios Firmados por Ministério entre 2001 e 2012.
Ministério Montante Total
Firmado
Valor Máximo
Firmado
Valor
Mínimo
Firmado
Quantidade
Convênios
Firmados
Valor Médio
Convênios
Firmados
%
firmados/1
Cidades 35720036454,89 687271808,00 3369,32 34 724 1028684,38 32,473%
Saúde 20488911642,44 160697744,00 4803,81 43 521 470782,18 18,627%
Integração Social 9505206665,18 257463904,00 14827,98 10 299 922925,20 8,641%
Turismo 9253674460,47 74416128,00 8006,35 19 916 464635,19 8,413%
Educação 8506931868,37 86844424,00 998,71 22 804 373045,60 7,734%
Energias 5135069320,37 97561992,00 1209,45 14 315 358719,47 4,668%
Agricultura, Pesca e
Abastecimento 4530414625,12 16235287,00 8461,84 17 661 256520,84 4,119%
Trabalho 3257759698,46 168864240,00 14317,09 301 10823121,92 2,962%
Desenvolvimento Agrário 3107819377,68 10677935,00 4812,74 10 123 307005,76 2,825%
Desenvolvimento Social 3002286026,14 88474944,00 242,18 12 996 231016,16 2,729%
Trabalho 1862671269,73 133380064,00 48013,40 894 2083524,91 1,693%
Cultura 1647865855,19 29707534,00 3676,31 1 759 936819,70 1,498%
Defesa 1263210064,38 28578542,00 44587,38 1 776 711266,92 1,148%
Justiça 877382256,03 67484352,00 7279,89 1 033 849353,58 0,798%
Ciência e Tecnologia 768273001,78 32680300,00 16012,70 1 382 555913,89 0,698%
Desenvolvimento indústria e
Comércio Exterior 557438053,48 66764852,00 40031,75 818 681464,61 0,507%
Presidência da República 407387403,87 161023664,00 8060,92 1 003 406168,89 0,370%
Comunicações 58746299,9 5809447,50 25584,97 278 211317,62 0,053%
Relações Exteriores 37232136,00 37232136,00 37232136,00 1 37232136,00 0,034%
Planejamento e Orçamento 4815371,23 2280984,30 330163,63 3 1605123,74 0,004%
Minas e Energias 4524588,23 578521,19 50771,09 25 180983,52 0,004%
Fonte: Tabela elaborada pelos autores com dados da Secretaria do Tesouro Nacional.
Nota: Os valores são deflacionados com a utilização do índice IPCA para o ano de 2014. /1: % Firmados se refere ao valor de convênios firmados para o ministério específico em porcentagem do montante
total firmado.
8
Gráfico 1 – Montante anual de convênios firmados e convênios executados (em bilhões de reais
de 2012)
Fonte: Bugarin e Marciniuk (2017).
3. Literatura relacionada
3.1. Literatura sobre transferências voluntárias
As discussões envolvendo as transferências voluntárias têm ganhado cada vez mais
espaço na literatura e nos debates políticos nacionais, parte discutindo seus impactos positivos
nas esferas política e econômica e parte apontando suas características catalisadoras de
corrupção (SODRÉ & ALVES, 2010). Os argumentos em defesa das transferências voluntárias,
em particular das emendas parlamentares, partem da ideia de que elas são essenciais para que
o governo federal alcance a sua governabilidade perante o parlamento (PEREIRA &
MUELLER, 2002; PEREIRA & MUELLER, 2003), são um reforço ao vínculo entre
representantes e representados (PEREIRA & RENNÓ, 2001) e são importantes na redução das
desigualdades regionais no Brasil (CARVALHO, 2009).
Em oposição, o principal ponto negativo levantado pela literatura especializada se refere
ao caráter essencialmente clientelista dessa forma de transferência. Neste contexto, os
deputados e senadores podem usar seu poder político para solicitar aos ministérios a liberação
de verba para os estados, as regiões ou municípios que representam, com objetivos puramente
políticos e eleitoreiros, de maneira que as regiões mais necessitadas tenderiam a ficar de fora
da lista dos beneficiados. Desse modo, as transferências beneficiariam apenas os municípios
com maior força política dentro do Congresso. Mainwaring (1991) defende que o uso político
0
2
4
6
8
10
12
14
16Bilh
ões
Contracted discretionary transfers Actual discretionary transfersTotal contratado Total executado
9
dos recursos públicos nas formas de patronagem, clientelismo e patrimonialismo gera um alto
custo para a economia do país e também para a legitimidade do sistema político10.
Quanto à capacidade de direcionamento do poder Executivo nas transferências
voluntárias, existe abundante literatura internacional sugerindo que existe um viés partidário
nessas transferências. Segundo essa literatura, os montantes dessas transferências aumentam
quando o partido do prefeito é o mesmo que o partido do presidente, um fenômeno conhecido
como transferências partidárias ou “partisan transfers” (WRIGHT, 1974 (EUA);
ANSOLABEHERE & SNYDER, 2006 (EUA); GONSCHOREK et al. 2018 (Indonésia);
KHEMANI, 2003 e 2007 (India); KRAEMER, 1997 (México); PORTO & SANGUINETTI,
2001 (Argentina); ROZEVITCH & WEISS, 1993 (Israel); SOLÉ-OLLÉ & SORRIBAS-
NAVARRO, 2008 (Espanha); TAMURA, 2010 (Japão); VEIGA & PINHO, 2007 (Portugal)).
Para o caso do Brasil, desde os trabalhos precursores de Ferreira e Bugarin (2005, 2007),
confirmados com bases de dados mais precisas em Brollo e Nannicini (2012), para o setor de
infraestrutura, em Sakurai e Theodoro (2018) para bens de capitais e em Bugarin e Marciniuk
(2017) para convênios em geral, também têm-se focado em mostrar que municípios cujos
prefeitos pertencem ao mesmo partido que o presidente (respectivamente, governador) recebem
mais transferências voluntárias do executivo federal (respectivamente, estadual). Ferreira e
Bugarin (2005, 2007) argumentam que o governo federal tem um compromisso natural com
seu próprio partido e uma forma de recompensar aqueles que o apoiaram durante o processo
eleitoral é conduzir recursos públicos cuja aplicação é discricionária do governo federal para
localidades da base governista.
No que diz respeito ao papel do Legislativo na definição das transferências voluntárias, a
literatura internacional tende a focar nos incentivos individuais dos congressistas, que se
empenhariam em transferir recursos para projetos em seus distritos correspondentes de forma
a receber o retorno dos cidadãos na forma de votos nas eleições subsequentes11. Trata-se da
“conexão eleitoral”, também conhecida na literatura anglo-saxã com “pork barrel politics”12.
10 O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chama atenção sobre o efeito negativo da sistemática orçamentária
no que se refere às emendas parlamentares, sobre a legitimidade do governo. Para o ex-presidente, “por menores
que sejam os recursos de transferências via emendas, estas infectam a percepção do uso de recursos públicos, pois
são noticiadas com alarido, como se tudo fosse clientelismo e todo clientelismo em si mesmo fosse corrupção. O
resultado perverso disso é que os ministros ou gestores públicos incumbidos da relação com os parlamentares
sofrem considerável desgaste, na medida em que não cedem às pressões. E quando cedem, ainda que nos limites
da lei e do moralmente aceitável, veem-se associados às piores práticas” (CARDOSO, 2006). 11 Considerando que nos Estados Unidos e na Austrália os distritos eleitorais são unitários, ou seja, existe apenas
um deputado eleito por distrito eleitoral, esse foco nos interesses dos deputados é natural. 12 Vide, por exemplo, Mayhew (1974) e Stein & Bickers (1994) para os Estados Unidos, Golden & Picci (2008)
para a Itália e, Veiga & Veiga (2013) para Portugal, entre outros estudos.
10
A literatura para o caso brasileiro também tem focado nos interesses individuais dos
congressistas (AMES, 1995a, 1995b, 2003; FIRPO et al., 2015). Mais recentemente,
SCHNEIDER et al. (2020) contribuem com essa literatura mostrando que a introdução da urna
eletrônica no país fortaleceu os incentivos à conexão eleitoral no Legislativo.
No entanto, os autores deste trabalho não têm conhecimento de estudos visando avaliar
econometricamente a motivação partidária nas transferências voluntárias oriundas do
Legislativo. O presente trabalho tem por objetivo justamente desenvolver essa avaliação.
3.2. O papel dos partidos políticos na distribuição de recursos via transferências
voluntárias no Brasil
O presente trabalho também se insere no debate atual sobre a força dos partidos na
organização interna do Legislativo brasileiro.
De acordo com corrente teórica mais tradicional da ciência política, a legislação eleitoral
vigente no país reforça o comportamento individualista dos políticos, tanto na arena legislativa
quanto na arena eleitoral, e dificulta a construção de um sistema partidário efetivo
(MAINWARING, 1991), sobretudo em virtude da adoção de um sistema político de lista aberta
com representação proporcional 13 (SILVA, 2010). Nesta visão, os partidos não são
considerados importantes vínculos entre o eleitorado e o sistema político, sendo os políticos, de
forma individual, os principais responsáveis por este vínculo.
Esta interpretação sobre o sistema político brasileiro resulta no argumento de que os
deputados, de forma individualizada, tendem a negociar recursos públicos via transferências
voluntárias com o Poder Executivo para suas áreas de interesse, os chamados distritos eleitorais
informais14, em troca de votos (AMES 1995a; 1995b; 2003). Como resultado, o sucesso de um
político dependeria proporcionalmente da quantidade de recursos públicos gasto na sua zona
de influência, pois estes recursos garantiriam seu controle político sobre essas regiões e,
consequentemente, se converteriam em votos nas próximas eleições, independentemente da sua
vinculação partidária (SILVA, 2010; PEREIRA & RENNÓ, 2001).
Em contraposição a essa corrente tradicional, há uma série de teóricos que apontam para
a importância dos partidos políticos na distribuição dos recursos via transferências voluntárias.
13 No Brasil, as eleições para cargos legislativos adotam o sistema de lista aberta. Neste sistema, cabem aos
eleitores escolher se querem votar na legenda do partido ou diretamente nos candidatos de sua preferência. Ao
final das votações, somam-se os votos recebidos por todos os candidatos de cada partido, adicionando-se ao total
os sufrágios dados para a legenda. A quantidade de cadeiras que caberá a cada partido será determinada por uma
fórmula (com base no Método D´Hondt), e os candidatos de cada legenda serão ordenados de acordo com o número
total de votos que receberam. 14 Vide, a esse respeito, AMES (2003) ou ainda SILVA (2013).
11
Em uma primeira linha de argumentação, há a discussão sobre a existência de um sistema
parcial de influência entre as arenas legislativa e eleitoral, em que o papel dos partidos é
reduzido na arena eleitoral, mas relevante na atividade parlamentar. De acordo com Pereira e
Mueller (2003), as regras internas do Congresso tornam o comportamento dos parlamentares
dependentes da lealdade de seus respectivos partidos, o que os fortalece.
Uma outra corrente já defende a existência de ações mais coordenadas entre os
legisladores e seus partidos, inclusive na arena eleitoral, havendo motivações de influência
partidária na elaboração de emendas parlamentares (FIGUEIREDO & LIMONGI, 2002; 2008;
NICOLAU, 2006, entre outros).
Segundo Figueiredo e Limongi (2008), os deputados não possuem total liberdade para
alocar recursos baseados apenas em seus interesses particulares. A alocação das emendas está
inteiramente subordinada à proposição orçamentária feita pelo Poder Executivo, em primeiro
lugar, e depois está sujeito às determinações do partido por meio de seus líderes no Congresso.
Dessa forma, a liberdade do deputado para escolher quais programas pretende emendar
(programas previamente propostos) e qual o local que pretende enviar o recurso, estará cerceado
se houver diretrizes partidárias que o estimulem a direcionar os recursos para outras regiões
(SILVA, 2010).
Segundo Pereira e Mueller (2002), a execução das emendas individuais é vista como uma
das principais formas disponíveis ao Executivo para negociar suas preferências com sua
coalizão no Congresso. Além disso, esse tipo de emenda seria utilizado pelo Congresso como
uma moeda de troca política de baixo custo. Figueiredo e Limongi (2002) ainda ressaltam que,
além das emendas individuais, existem as coletivas e as dos relatores, que têm precedência
sobre as individuais e possuem maior ingerência da dinâmica partidária15.
Neste artigo, seguindo essa última corrente teórica testa-se se os convênios firmados entre
a União e os municípios são passíveis de influência partidária em todos os âmbitos do governo
federal e municipal.
4. Análise Econométrica
Esta seção pretende analisar empiricamente os efeitos da identidade partidária entre os
entes governamentais e legisladores na distribuição de rendas via transferências voluntárias,
15 Vale notar, ademais, que em 26 de junho de 2019 foi promulgada a 100ª emenda à Constituição brasileira, “que
prevê a execução obrigatória de emendas das bancadas estaduais no Orçamento da União”, confirmando a
importância do caráter coletivo dado pelo Congresso Nacional às emendas (vide:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/06/26/orcamento-impositivo-para-emenda-de-bancada-e-
promulgado-pelo-congresso).
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/06/26/orcamento-impositivo-para-emenda-de-bancada-e-promulgado-pelo-congressohttps://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/06/26/orcamento-impositivo-para-emenda-de-bancada-e-promulgado-pelo-congresso
12
por meio de convênios públicos e contratos de repasses federais, para os municípios.
As análises utilizam um painel de dados não-balanceado16 com 5.568 municípios para os
anos de 2001 a 2012, englobando três ciclos eleitorais municipais completos, método esse que
oferece um contraponto em termos de validade externa à análise desenvolvida em Brollo e
Nannicini (2012). No entanto, é importante ressaltar aqui que uma análise baseada na
metodologia de regressão descontínua em muito complementaria e enriqueceria os resultados
encontrados; essa abordagem é deixada aqui como uma sugestão para pesquisas futuras.
As variáveis de interesse foram construídas com dados do Tribunal Superior Eleitoral
para os vários níveis de governo.
4.1. As variáveis de interesse
A principal variável de interesse é a identidade partidária entre o Poder Executivo do
município i no tempo t e o Poder Legislativo Federal no mesmo período t (Id. Leg𝑖𝑡). Trata-se
de uma variável dummy que assume o valor 1 se o município pertencer a uma área de
concentração de votos de um dado partido e o prefeito deste município pertencer ao partido em
questão.
Para calcular essa área de influência do partido político utiliza-se o Quociente Locacional,
criado por Bendavid-Val (1991) e adaptado para a economia política por Silva & Davidian
(2013), sendo capaz de medir a concentração dos votos recebidos pelo deputado em cada
município, controlando-se pelo tamanho relativo dos municípios dentro de seu respectivo
estado. Dessa forma, o índice mensura em quantos municípios o deputado concentrou os seus
votos e será medido da seguinte forma:
𝑄𝐿𝑗𝑖 =
𝑉𝑗𝑖
𝑉𝑗𝑉𝑖𝑉
(1)
Sendo 𝑉𝑗𝑖 o total de votos do partido j no município i, 𝑉𝑖 = ∑ 𝑉𝑗𝑖𝑗 o total de votos no município
i, 𝑉𝑗 = ∑ 𝑉𝑗𝑖𝑖 o total de votos do partido j e 𝑉 = ∑ ∑ 𝑉𝑗𝑖𝑗𝑖 o total de votos em toda a região
(estado ou microrregião). Dessa forma, considerando uma distribuição homogênea, este
indicador permite a comparação dos votos obtidos por município em termos relativos (SILVA
& DAVIDIAN, 2013).
Por exemplo, se a alocação espacial dos votos de todos os candidatos fosse
homogeneamente distribuída, uma cidade com 1% do total dos eleitores do estado deveria
16 O painel é não-balanceado devido essencialmente ao fato de que nem todos os municípios fornecem os dados
solicitados pela Secretaria do Tesouro Nacional e que são usados para a construção do FINBRA.
13
contribuir com 1% dos votos para todos os candidatos em uma dada eleição; considera-se que
se um deputado receber 10.000 votos, 1% (100 votos) desses votos seriam provenientes daquele
município. Isto implica em um QL igual a 1. Caso o deputado tenha recebido 450 votos naquela
cidade, o QL indicará 4,5, já que ele recebeu 4,5 vezes o número de votos esperado em uma
distribuição homogênea. No entanto, apesar de este índice mensurar apropriadamente o nível
de concentração de votos por candidato e por município, ele não permite inferir diretamente se
o candidato tem votação mais ou menos concentrada no município, i.e., apenas permite analisar
qual a relação entre os votos esperados e os votos recebidos por cada candidato em cada um
dos municípios isoladamente.
Assim, a variável identidade partidária entre o Poder Executivo do município i no tempo
t e o Poder Legislativo Federal no tempo t é dada por:
Id. Leg𝑖𝑡 = {
1 se o partido do prefeito no município 𝑖 no período 𝑡 for 𝑗
e 𝑄𝐿𝑗𝑖 > 1
0 caso contrário
(2)
Ou seja, a Id. Leg𝑖𝑡 será igual a 1 (um) se o partido gestor do município i for igual ao partido j
e esse partido tenha um quociente locacional no município i maior do que um. Isso não significa
necessariamente que o prefeito estará atuando em sua área de influência partidária, dado que o
QL captura dados das eleições para o Legislativo federal, enquanto as eleições municipais
podem derivar de outras alianças partidárias, já que não há verticalização na legislação
eleitoral17.
De forma a poder dialogar com a literatura mais tradicional que foca no papel do
Executivo federal, incluem-se também variáveis de identidade partidária entre os diferentes
níveis do poder executivo:
Id. Pres𝑖𝑡 = {1 se os partidos do prefeito no município 𝑖
e do presidente forem os mesmos no perído 𝑡0 caso contrário
Id. Coa. Pres𝑖𝑡 = {1 se o partido do prefeito no município 𝑖 pertence à
coalizão nacional de apoio ao presidente 0 caso contrário
Portanto, Id. Pres𝑖𝑡 será igual a 1 (um) se o partido do prefeito do município i no ano t
for igual ao partido do presidente no ano t. Da mesma forma, 𝐼𝑑. 𝐶𝑜𝑎. 𝑃𝑟𝑒𝑠𝑖𝑡 será 1 (um) se o
17 Os autores desenvolveram uma análise gráfica por município e por partido do indicador QL para as eleições de
2006 e de 2010. Por limitação de espaço, essa análise não foi incluída neste artigo, mas encontra-se à disposição
do leitor interessado sob demanda aos autores.
14
partido do prefeito do município i no ano t pertencer à coalizão do partido do presidente no ano
t. A variável dummy que representa os governos estaduais (Id. Gov𝑖𝑡) segue a mesma lógica da
variável Id. Pres𝑖𝑡 .
Espera-se que todas essas variáveis de interesse apresentem um efeito positivo sobre as
transferências voluntárias indicando a existência de viés político na distribuição de recursos via
convênios.
4.2. As variáveis de controle
Além de envolverem diferentes atores políticos com diferentes interesses, os programas
e ações do governo federal possuem diversos critérios técnicos para a priorização da aplicação
dos recursos discricionários. Muitas vezes o nível de desenvolvimento socioeconômico local,
as regras e limites impostos pelas instituições orçamentárias, dentre outros motivos, são levados
em conta para a efetivação dos convênios e contratos de repasse. Dessa forma, além da análise
principal, pretende-se verificar se essas transferências são influenciadas por outras condições
políticas do ente, pelas características sociais dos municípios, pelas regras institucionais
impostas ao recebimento dessas verbas e pelas características pessoais dos prefeitos. Todas as
variáveis de controle utilizadas nas análises foram construídas como em Marciniuk e Bugarin
(2019).
Características políticas dos municípios:
Nível de competição eleitoral para o Legislativo Federal (Taagepera): Para se analisar o nível
de competição política em um dado município, Taagepera (1979) propõe um indicador de
desequilíbrio eleitoral que reflete o desequilíbrio das disputas eleitorais em cada cidade:
Taagepera = 𝑇𝑚 =∑ [
(𝑃𝑖,𝑚−𝑃𝑖+1,𝑚)
𝑖]−𝐻𝑚
2∞𝑖=1
√𝐻𝑚−𝐻𝑚2 (3)
𝑇𝑚 é o índice de desequilíbrio para a cidade m, 𝑃𝑖,𝑚 é o percentual de votos do i-ésimo
candidato à Câmara dos Deputados (Federal) na cidade m e 𝐻𝑚 é o índice de Herfindahl-
Hirschman18 na cidade 𝑚. Este índice será incluído na fórmula do índice de desequilíbrio como
uma forma de eliminar a “correlação residual” com o próprio termo H, já que o somatório do
numerador varia entre os limites de √𝐻 a 𝐻2.
18 O índice de Herfindahl-Hirschman neste contexto será calculado da seguinte forma: 𝐻𝑚 =
∑ 𝑉2𝑖,𝑚𝑖
(∑ 𝑉𝑖,𝑚𝑖 )2 em que 𝑉𝑖,𝑚
é o número de votos recebidos pelo candidato i no município 𝑚.
15
Este indicador pretende mostrar quão disputada é a eleição em um município a partir da
ideia de desequilíbrio. Neste contexto, quanto mais desequilibrada for uma votação, menos
acirrada será, afinal um dos candidatos tende a desequilibrar a votação em seu favor. Nota-se
que os valores de 𝑇𝑚 pertencem ao intervalo [0, 1], e quanto mais próximo de 1 (um), mais
desequilibrada é a distribuição de votos naquele município (menos acirrada será a votação no
município).
Ideologia Partidária (Ideologia): Esse indicador é construído com base no trabalho de Powell
& Zucco (2009), atualizado em Zucco (2014). Esse último trabalho estimou as posições
ideológicas dos partidos políticos brasileiros a partir de questionários aplicados aos legisladores
federais de 1990 a 2013. As posições ideológicas são dispostas em um intervalo 0 (zero) e 1
(um) em que zero corresponde a extrema esquerda e um a extrema direita. Vale notar que os
dados em Zucco (2014) tem periodicidade trienal ou quadrienal, correspondendo às sucessivas
edições da pesquisa empírica. Esses dados foram anualizados seguindo a metodologia e os
cálculos em Lopez, Bugarin e Bugarin (2015).
𝑮𝟏 e 𝑮𝟐: Essas variáveis foram utilizadas conforme o trabalho de Marciniuk e Bugarin (2019)
e pretendem medir se prefeitos em primeiro mandato com expectativas de permanecer no cargo
em um segundo mandato tendem a transferir mais rendas do que seus pares que não vislumbram
um segundo mandato. A variável dummy 𝐺1 será igual a 1 (um) se o prefeito é de primeiro
mandato e, além disso, se ele será candidato a reeleição na próxima eleição, e 0 (zero) caso
contrário. Essa variável é uma proxy para prefeitos de primeiro mandato com expectativas de
se reelegerem na próxima eleição. A variável dummy 𝐺2 será igual a 1 (um) se o prefeito é de
primeiro mandato e, no entanto, não tentou a reeleição, e 0 (zero) caso contrário. Essa variável
será uma proxy para os prefeitos de primeiro mandato que não vislumbram um segundo
mandato no cargo.
Fragmentação do Legislativo Municipal (Frag.Leg.Mun): Esta variável representa a
fragmentação da câmara legislativa municipal e visa medir a influência da coesão/dispersão das
preferências dos partidos políticos sobre o desempenho fiscal. Este indicador foi baseado no
trabalho de era e Taylor (1970) e traduz o grau de concentração dos partidos políticos que
compõe a câmara dos vereadores e quanto mais próximo de 1 (um) o valor dessa variável, mais
fragmentada (menor a concentração) é a câmara legislativa do município e quanto mais próximo
de 0 (zero), mais concentrado.
Frag. Leg. Mun = 1 − ∑ 𝑣𝑤2
𝐽
𝑤=𝑗 (4)
A variável 𝑣𝑤 é a proporção de cadeiras ocupadas por cada partido 𝑤 na câmara
16
legislativa municipal. Espera-se um efeito negativo dessa variável pois quanto maior o número
de atores políticos envolvidos em uma tomada de decisão, maior a possibilidade de ocorrer
paralisia decisória, ou, ingovernabilidade.
Indicador de Competitividade no Executivo Municipal (Comp.Exec.Mun): Esse indicador
mede a influência do nível de disputas para cargos de chefe do executivo nas contas públicas
subnacionais. O cálculo do indicador é baseado no inverso do índice de concentração de
Herfindhal-Hirschman e traduz que quanto maior o valor do indicador, maior será a disputa nas
eleições:
Comp. Exec. Mun =1
∑ 𝑝𝑘2𝑚
𝑘=1
(5)
Nessa expressão, 𝑘 = 1, … , 𝑚 é a quantidade de candidatos que concorrem à eleição e 𝑝𝑘
é a porcentagem de votos recebidos por cada candidato 𝑘. Espera-se um sinal positivo para o
coeficiente dessa variável pois, quanto maior a competição política no município, maior é o
incentivo gerado ao atual gestor para transparecer ao eleitor que possui habilidades e influência
para aumentar a arrecadação do município.
Participação Popular (Part.Pop): Esse indicador pretende medir se o interesse e a participação
dos eleitores possuem algum efeito na execução das políticas fiscais locais. O indicador é
construído como a proporção entre os votos válidos e os votos brancos e nulos no município 𝑖
na eleição municipal imediatamente anterior ao ano 𝑡. Embora os votos brancos e nulos possam
ser interpretados como uma forma de protesto contra o governo, eles podem ser boas proxies
para o desinteresse político e para a falta de informação a respeito dos candidatos, pelo
eleitorado. Dessa forma:
Part. Pop =𝑄𝑣𝑖
𝑄𝑏𝑖 + 𝑄𝑛𝑖 (6)
Na expressão acima, 𝑄𝑣𝑖 é a quantidade de votos válidos, 𝑄𝑏𝑖 é a de votos brancos e 𝑄𝑛𝑖
é a de votos nulos no município i na eleição imediatamente anterior ao tempo t. Espera-se um
efeito positivo no total de convênios recebidos.
Características dos candidatos:
Este conjunto de variáveis visa capturar o efeito das características pessoais do
prefeito do município diante das decisões tomadas na política fiscal. O conjunto consiste das
variáveis Sexo do Prefeito (Sexo), Idade do Prefeito (Idade) e Instrução do Prefeito
(Escolaridade). Essas variáveis foram coletadas junto ao Tribunal Superior Eleitoral para os
pleitos de 2000, 2004, 2008 e 2012.
17
Características fiscais dos municípios:
Este conjunto de variáveis visa controlar pelas características fiscais do município.
Arrecadação (Receita): a razão entre o Montante de Receitas Próprias do município e a Receita
Corrente Líquida; Gastos com Pessoal (Pessoal): o montante das Despesas com Pessoal do
município em porcentagem da receita corrente líquida; Gastos com investimentos
(Investimento): o montante das despesas com investimento de capital do município em
porcentagem da receita corrente líquida; Transferências Obrigatórias (Transf.Obrig):
Montante das transferências legais e obrigatórias recebidas pelo município em porcentagem da
receita corrente líquida; e Restos a pagar (Restos): Montante das Despesas Inscritas nos Restos
a Pagar do município em porcentagem dos Ativos Financeiros.
Características sociodemográficas dos municípios:
Este conjunto de variáveis visa controlar pelas características sociodemográficas dos
municípios e foram coletadas junto ao IBGE. São elas: Expectativa de vida (Expec.Vida), Taxa
de analfabetismo (Analfabetismo), Taxa de pobreza (Pobreza) e População (Pop).
A Tabela 2 descreve de forma sucinta todas as variáveis de controle utilizadas nos testes
empíricos e apresenta suas estatísticas descritivas respectivas.
Tabela 2 – Descrição das variáveis de controle e suas estatísticas descritivas.
Variáveis Descrição das Variáveis Média Desvio
Padrão Mín Máx
Variáveis de interesse
Id.Leg
Medida de Igualdade partidária entre o Poder
Legislativo Federal e o Poder Executivo
Municipal.
0.6061 0.48862 0 1
Id.Pres Medida de Igualdade partidária entre o Poder
Executivo Municipal e o Poder Executivo Federal. 0.0933 0.29085 0 1
Id.Coa.Pres
Medida de Igualdade partidária entre o Poder
Executivo Municipal e a Coalizão do Poder
Executivo Federal.
0.1091 0.31199 0 1
Id.Gov
Medida de Igualdade partidária entre o Poder
Executivo Municipal e o Poder Executivo
Estadual.
0.1965 0.39737 0 1
Características Políticas dos Municípios (Politicos)
Taagepera
Indicador de Taapegera. Esse índice mede o
desequilíbrio da disputa eleitoral para o
Legislativo Nacional em cada município. Quanto
maior for o índice, menor é a competitividade, ou
seja, menos acirrada é a disputa eleitoral.
0.4943 0.2337 0 0.95
G1 Grupo de prefeitos em primeiro mandato e que 0.4612 0.4985 0 1
18
concorreram à reeleição.
G2 Grupo de prefeitos em primeiro mandato não
candidatos nas eleições subsequentes. 0.212 0.4089 0 1
Ideologia
Ideologia partidária – posição ideológica dos
partidos. Este indicador é construído com base no
trabalho de Powell e Zucco (2009)
5.0411 1.2104 2.13 6.87
Frag.Leg.Mun
Indicador de fragmentação no Legislativo local –
representa a fragmentação da câmara legislativa
municipal e indicará a influência da
coesão/dispersão das preferências dos partidos
políticos sobre o desempenho fiscal.
0.744 0.09847 0 0.942
Comp.Exec.Mun
Indicador de competitividade no Executivo local –
mede o quanto as disputas para cargos de chefe do
Executivo são acirradas em nível municipal.
2.217 0.6736 1 10.42
Part.Pop
Participação popular – proxies para o desinteresse
político e para a falta de informação a respeito dos
candidatos, pelo eleitorado. O indicador pretende
medir se o interesse e a participação dos eleitores
possuem algum efeito na execução das políticas
fiscais locais.
81.089 8.70222 9.16 98.14
Características pessoais do Prefeito (Pessoais)
Sexo Sexo do Prefeito 0.916 0.2775 0 1
Idade Idade do Prefeito 48.488 9.70683 0 88
Escolaridade Escolaridade do Prefeito 4,65 1,72 1 7
Receita Montante de Receitas Próprias do município em
porcentagem da receita corrente líquida. 0.18384 0.17191 -0.17 5.88
Pessoal
Montante das Despesas com Pessoal do município
em porcentagem da receita corrente líquida.
Pretende captar o gasto fixo do governo pois este
gasto é difícil de ser modificado em curto espaço
de tempo.
0.47053 0.13879 0 26.54
Investimento
Montante das Despesas com Investimento de
Capital do município em porcentagem da receita
corrente líquida. Pretende captar os gastos com
investimentos e infraestrutura para a sociedade
local.
0.12117 0.09399 0 4.32
Transf.Obrig
Montante das Transferências Legais e Obrigatórias
recebidas pelo município em porcentagem da
receita corrente líquida.
0.92239 0.12928 -0.08 3.83
Restos
Montante das Despesas Inscritas nos Restos a
Pagar do município em porcentagem dos Ativos
Financeiros.
3.7819 420.136 -1101.66 105895.2
Características Sócio-demográficas dos Municipais (Sociais)
Expec.Vida Indicador de expectativa de vida municipal. 71.2737 3.65596 57.46 79.93
Analfabetismo Indicador de Analfabetismo municipal. 18.1113 10.9401 0.752 58.23
Pobreza Indicador de Pobreza municipal. 29.4230 20.4776 -10.8 88.65
Pop População municipal. 32230.8 194003.7 800 1.14e7
Fonte: Elaboração própria.
19
4.3. Resultados empíricos
Os métodos em painel foram escolhidos com o intuito de avaliar o desempenho real dos
indicadores de transferências de renda ao longo do tempo. Uma das grandes vantagens dessa
metodologia é o controle da endogeneidade decorrente de variáveis omitidas (relacionadas com
os eleitores ou com as localidades) fixas no tempo e correlacionadas com os regressores. Cita-
se como exemplos, algumas características institucionais do município que podem estar
correlacionadas tanto com uma maior arrecadação desses recursos voluntários quanto com os
índices sociais.
De fato, o teste F de Chow19 revelou um estatístico 𝐹(21, 5431) = 48,55 com p-valor
de 0,0000, indicando que um modelo de painel com efeitos fixos é superior a um modelo de
OLS empilhado (POLS). Em seguida, o teste de Hausman gerou um estatístico 𝜒2(21) =
1599,15 com p-valor de 0,0000, indicando que o modelo de painel com efeitos fixos é superior
ao modelo de painéis com efeitos aleatórios. Ademais, o teste de Wald modificado para
avaliação de heterocedasticidade por grupo em modelos de efeitos fixos em que o estatístico
resultante foi 𝜒2(5432) = 67 × 107 com p-valor de 0,000020.
Adota-se, portanto, o modelo de painel com efeitos fixos com erro padrão robustos à
heterocedasticidade, com controle para as especificidades temporais por dummies anuais bem
como dummies de estado-ano conforme descrito abaixo, em que o índice 𝑖 refere-se ao
município enquanto o índice 𝑡 se refere ao ano e 𝑢𝑖𝑡 corresponde ao erro.
Convênio𝑖𝑡 = 𝛼0𝑖 + 𝛼1Id. Leg𝑖𝑡 + 𝛼2Id. Pres𝑖𝑡 + 𝛼3Id. Coa. Pres𝑖𝑡 + 𝛼4Id. Gov𝑖𝑡
+ 𝛽Politicos𝑖𝑡 + 𝜎Pessoais𝑖𝑡 + 𝜌Fiscais𝑖𝑡 + 𝜋Sociais𝑖𝑡 + 𝛾Ano
+ 𝛿EstadoAno + 𝑢𝑖𝑡
Na expressão acima, Ano congrega todas as variáveis dummies de ano e EstadoAno
engloba todoas as variáveis dummies de estado-ano21.
19 O teste de Chow compara resultados quando se consideram grupos separadamente ou conjuntamente, e assim
verifica-se se vale a pena utilizar o método de efeitos fixos ou de POLS. Ou seja, o teste compara os resultados
quando consideramos diferentes grupos (um grupo por período, que engloba os efeitos de painel) ou o agrupamento
de grupos (o que ocorre em POLS).
20 O teste de Breusch-Pagan/Cook-Weisberg de heterocedasticidade aplicado ao modelo POLS calculou um
estatístico 𝜒2(1) = 108456,50 novamente com p-valor associado de 0,0000, também rejeitando a hipótese nula de homocedasticidade. 21 Agradecemos a um parecerista anônimo por sugerir a inclusão destas últimas variáveis.
20
Tabela 3 – Regressão para o modelo de painel com efeitos fixos e erros-padrão robustos.
Variável dependente: Montante de recursos recebidos por município por ano per capita.
Variáveis de Controle Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4
Id.Leg 2,22* 3,70** 3,78** 3,24** (1,37) (1,54) (1,627) (1,54)
Id.Pres 12,34*** 9,14*** 8,63*** 7,43*** (1,56) (1,69) (1,69) (1,65)
Id.Coa.Pres 1.84 -1,25 -1,23 -1,85 (1,47) (2,61) (2,61) (2,61)
Id.Gov -6,61*** -6,21*** -6,21*** -7,24*** (0,99) (1,08) (1,08) (1,09)
Taagepera 1,91 1,86 1,37 (1,99) (1,99) (2,04)
G1 8,47*** 7,60*** 8,03*** (1,19) (1,17) (1,20)
G2 -6,36*** -6,36*** -3,32* (1,64) (1,63) (1,88)
Ideologia -1,90*** -1,76*** -2,25*** (0,57) (0,57) (0,55)
Comp.Exec.Mun -1,96** -1,87** -1,59** (0,85) (0,84) (0,80)
Frag.Leg.Mun 16,25* 15,51* 18,72** (9,60) (9,56) (9,19)
Part.Pop 0,11 0,11 0,09 (0,11) (0,11) (0,11)
Sexo 1,12 1,56 (3,50) (3,37)
Idade 0,10*** -0,26*** (0,105) (0,09)
Escolaridade 2,20*** 2,07*** (0,64) (0,64)
Receita 4,06 (4,74)
Pessoal -15,28*** (4,36)
Investimento 48,65*** 22,73)
Trans.Obrig 172,38*** (35,30)
Restos 29,08 21,21)
Expec.Vida -1,64** (0,80)
Analfabetismo 0,87 (0,65)
Número de observações 66.329 53.153 53.152 50.905
Número de municípios 5.558 5.445 5.444 5.432
R-quadrado (within) 0,112 0,116 0,117 0,133
Fonte: Elaborado pelos autores. Nota: Erro padrão em parênteses. *** p
21
A Tabela 3 sintetiza os diversos coeficientes obtidos para a variável referente ao montante
dos convênios recebido pelos municípios per capita em quatro contextos distintos, em que
parte-se da regressão mais simples com apenas as principais variáveis de interesse e adicionam-
se sucessivamente variáveis de controle: Modelo 1 (sem controles, com tendência temporal e
efeitos fixos); Modelo 2 (adicionando-se controles de variáveis políticas); Modelo 3
(adicionando controles de variáveis pessoais do prefeito) e Modelo 4 (modelo completo,
adicionando-se variáveis fiscais e sociodemográficas). Estes testes têm o objetivo de medir a
importância dos grupos das covariadas para a robustez do modelo. Os erros-padrão robustos
encontram-se incluídos entre parênteses.
Os resultados da Tabela 3 revelam que a inclusão dos outros grupos de variáveis de
controle mantém a significância dos coeficientes e não apresenta alteração considerável nos
resultados, sugerindo que o conjunto de controles utilizado possui o potencial de captar
razoavelmente bem a heterogeneidade dos entes da amostra, promovendo adequado tratamento
ao problema de simultaneidade e indicando a robustez do modelo. Mais ainda, a introdução dos
controle sucessivos aumentou a significância geral das regressões, passando o valor do R-
quadrado de 11,2% para 13,3% e, de forma mais importante, aumentou a significância e a
intensidade (se comparado ao modelo 1) do efeito da variável de interesse Id.Leg sobre o
montante total per capita de recursos recebidos pelo município.
De acordo com os resultados descritos na Tabela 3, o efeito da identidade partidária entre
o Poder Legislativo Federal e o Poder Executivo Municipal no montante total conveniado per
capita aponta que os municípios que possuem essa identidade recebem transferências
voluntárias superiores – em média, há um aumento de R$3,24 por habitante (Modelo 4). Esta é
uma contribuição original da presente pesquisa que reforça a tese de que os partidos políticos
desempenham importante papel no direcionamento das transferências voluntárias da União para
os municípios22.
Esse resultado mostra um importante papel do Legislativo na determinação das políticas
públicas subnacionais. No entanto, também foi evidenciado um efeito direto ainda mais forte
quando o prefeito é do mesmo partido do presidente, em média, R$ 7,43 por habitante. Este
resultado sugere que, ainda que tenhamos identificado o papel significativo do Legislativo no
direcionamento dos convênios com os municípios, o Executivo nacional ainda exerce papel
22 Registre-se limitação deste estudo quando ao risco de possível causalidade reversa, dado que os prefeitos
também são importantes para as eleições dos deputados federais. Metodologias alternativas, como possivelmente
experimentos ou regressão descontínua poderiam ajudar a suprir essa limitação. Agradecemos a um parecerista
anônimo pelo comentário.
22
prevalente sobre esse direcionamento. Portanto, os resultados aqui obtidos corroboram os
estudos de Ferreira e Bugarin (2005, 2007), os quais sugerem que as transferências voluntárias
intergovenamentais no Brasil são significativamente influenciadas por motivações político-
partidárias entre os respectivos poderes executivos. O resultado também está em linha com a
teoria da preponderância do Executivo sobre o Legislativo no país, avançada em Pereira &
Mueller (2004).
Ademais, o estudo evidencia um menor nível de transferência quando o prefeito e o
governador pertencem ao mesmo partido, praticamente anulando a vantagem de o prefeito
pertencer ao mesmo partido do presidente. Esse resultado parece associado fenômeno
denominado de “strategic partisan transfer” em Bugarin e Marciniuk (2017), também
encontrado para os Estados Unidos em Garofalo (2019), segundo o qual o Executivo federal
apenas transferiria mais recursos aos prefeitos de municípios de mesmo partido quando esses
municípios estivessem em estados cujos governadores pertenceriam a partidos distintos.
Prefeitos de primeiro mandato e candidatos à reeleição (G1) apresentam maior
recebimento de transferências voluntárias em média (R$8,03 por habitante) em relação a outros
possíveis casos. Em oposição, os prefeitos de primeiro mandato e que não são candidatos à
reeleição recebem em média menos transferências voluntárias. Esse resultado se relaciona com
a pesquisa apresentada em Marciniuk e Bugarin (2019) e sugere um menor esforço no sentido
de conseguir recursos adicionais da União quando o prefeito não vê perspectiva de reeleição.
Outro resultado relevante está associado à variável ideologia, em que, quanto mais à
direita se encontra a posição ideológica do partido que governa o município, menores valores
em média são recebidos via transferências voluntárias. Além de corroborar alguns estudos que
relacionam gastos públicos elevados a partidos de esquerda enquanto os de direita seriam mais
propensos à disciplina fiscal (TAVARES, 2004), esse resultado pode ser parcialmente
consequência do fato de que em grande parte do período considerado, o presidente da república
pertencia a um partido de esquerda23.
Os resultados também sugerem que quanto maior a competitividade nas eleições para
prefeitos (Comp.Exec.Mun), menores são as transferências voluntárias. Essa relação entre os
altos níveis de competitividade e a influência negativa nas transferências voluntárias pode ser
explicada a luz do modelo dos core-voters (COX & MCCUBBINS, 1986), indicando que a
melhor estratégia para os partidos, na tentativa de maximizar votos, tenderia ser aplicar seus
23 Bugarin & Marciniuk (2017) também encontram um viés pró-esquerda nas transferências no período em que o
PT esteve no governo e, além disso, encontram um viés pró-direita no período em que o PSDB esteve no governo.
23
recursos em seus eleitores fiéis e apoiadores (core-voters) do que aplicar no eleitor indeciso
(swing voter).
Os demais resultados interessantes relacionados, por exemplo, ao papel da idade e da
escolaridade do prefeito ou ainda das finanças públicas municipais são deixadas para avaliação
do leitor interessado.
De forma a testar a robustez do resultado encontrado foi ainda desenvolvido um estudo
econométrico alternativo em que a variável dependente passou a ser o montante de recursos
recebidos pelo município, mas agora dividido não pela população, mas pela receita corrente
líquida municipal. Ademais, os dados foram desagregados de acordo com os principais
ministérios dos quais se originaram as transferências. Os resultados encontrados reforçam
aqueles encontrados na análise das transferências per capita, corroborando a robustez do
achado24.
5. Conclusão
Este artigo fez uma análise sobre a concentração dos votos dos partidos políticos para as
eleições do Legislativo Federal por meio do índice de quociente locacional (QL). A partir do
cálculo do indicador QL, construiu-se uma variável de identidade partidária entre o Poder
Legislativo Federal e o Poder Executivo Municipal, a qual é a principal variável de interesse
nos testes empíricos.
O principal resultado e, também, a contribuição original da pesquisa, é a evidência
empírica de que as transferências voluntárias são fortemente direcionadas aos municípios que
possuem identidade partidária com os partidos com influência política na região. Os resultados
reforçam a tese de que os partidos políticos desempenham um importante papel no
direcionamento dessas transferências e, além disso, evidenciam o poder conferido aos
parlamentares na determinação das políticas públicas subnacionais.
No entanto, ainda que tenhamos identificado o papel significativo do Legislativo no
direcionamento dos convênios com os municípios, notou-se que o Executivo nacional ainda
exerce papel prevalente sobre esse direcionamento.
Outro resultado importante, sugere que prefeitos de primeiro mandato e com perspectivas
de reeleição tendem a receber maiores aportes de convênios públicos ao compararmos com
prefeitos de primeiro mandato sem essa perspectiva e com prefeitos de segundo mandato, o que
24 Por economia de espaço, os detalhes dessas regressões não foram incluídos neste artigo, mas encontram-se
disponíveis sob demanda aos autores.
24
sugere um menor esforço no sentido de conseguir recursos adicionais da União quando o
prefeito não vê perspectiva de reeleição. A relação entre possibilidade e perspectiva de reeleição
do prefeito e comportamento fiscal dos municípios é cuidadosamente estudada em Marciniuk
e Bugarin (2019).
Enfim, os testes estatísticos apresentados podem contribuir para um melhor entendimento
da execução das transferências voluntárias no Brasil, consideradas como recursos clientelistas
e distributivos, muitas vezes com impactos negativos política e economicamente.
O presente artigo constitui uma tentativa de melhor evidenciar e entender o efeito da
identidade partidária entre o Poder Legislativo Federal e o Poder Executivo local nas
transferências de rendas voluntárias da União para os municípios, aspecto de grande
importância diante das alterações normativas recentes que estabeleceram o “orçamento
impositivo” para parte das emendas parlamentares e de bancada à LOA.
O estudo poderia ser ampliado em diversos aspectos para aprofundar a compreensão dos
contornos políticos na distribuição desse tipo de recurso. Inicialmente poder-se-ia analisar
separadamente as transferências voluntárias efetivamente emendadas pelos parlamentares e,
dessa forma, tentar entender o efeito da identidade partidária com os parlamentares que
possuem poder político na região de forma individual. Em segundo lugar, poder-se-ia incluir
variáveis para os senadores federais e, além disso, incluir no estudo as transferências voluntárias
de origem estadual para os municípios. Ademais, pode ser feito de forma cuidadosa o teste da
“Strategic Partisan Transfers Hypothesis” (BUGARIN & MARCINIUK, 2017; GAROFALO,
2019) segundo a qual as transferências diretas do governo federal aos municípios não sofre
incremento político quando as três esferas de governo (nacional, estadual e municipal)
encontram-se dirigidas pelo mesmo partido; a ideia é que, nesse caso, o governo federal focaria
suas transferência políticas para o governo estadual que, sendo de confiança, por sua vez faria
a melhor distribuição para seus municípios. Para esse teste, seria fundamental adicionar ao
banco de dados informações complementares sobre a as transferências da União aos Estados.
Finalmente, o resultado aqui obtido poderia ser testado com a metodologia de RDD como em
Brollo & Nannicini (2012), Firpo et al. (2015) e Schneider et al. (2020). Essas extensões são
deixadas como sugestões para pesquisas futuras.
25
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90/2018 11-12-2018 A Previdência Complementar é, de fato, Complementar?, Marcos Nihari and Vander Lucas
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