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A Deus, que inunda-me de graas, apesar das
minhas tantas e impenitentes transgresses.
A minha famlia - e a minha me em especial -
pelo afeto e invarivel amparo.
Aos professores do curso, doadores francos de
saber.
A todos aqueles que, como eu, passam as noites em
viglia, imersos em pesados volumes de temtica poltico-
filosfica, como que a nutrir a convico ntima de que achegada de uma nova aurora mera questo de tempo.
NCLEOS INTEGRALISTAS DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO
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Monografia sobre Plnio SalgadoGentilmente cedido ao N.I.E.R.J.
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Nada nos separa. A nossa geografia, escreveu-a
o branco, com nomes indgenas, e consolidou-a
com o suor do negro. (...) O nosso apego terra
to forte, no extremo Amazonas, onde o tapuia
contemplativo ouve o segredo cochichado das
Iaras e da Cobra-Grande, quanto no extremo
pampa, onde o gacho galopa a sua inquietudeno rastro luminoso dos boitats das coxilhas. (...)
porque misteriosas foras, que vieram desde as
primeiras transfuses de sangue, trabalham, sem
o percebermos, pela unidade do esprito
brasileiro.
Plnio Salgado
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justamente como motor primeiro do comunismo, ambos encerrando supostas
identidades de fundamentos e finalidades.
Provocar o emergir de dados sobre a cosmoviso geral de Salgado, e, na
medida do possvel, clarificar o mecanismo da associao por ele empreendida entre
liberalismo e comunismo: tais foram os embries interrogativos que deram gnese a
presente dissertao.
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SUMRIO
RESUMO ............................................................................................................. 3
SUMRIO ............................................................................................................ 5
INTRODUO ..................................................................................................... 7
1 FONTES FORMATADORAS DO PENSAMENTO DE SALGADO .................. 101.1 Um Brasil em Turbilho ............................................................................ 10
1.2 Sntese Biogrfica de Plnio Salgado ....................................................... 12
1.3 Fontes formatadoras do Pensamento de Salgado ................................... 14
1.3.1 Alguns Pensadores e Correntes Tericas ............................................ 18
1.3.2 Alberto Torres (1865-1917) ................................................................... 19
1.3.3 Farias Brito (1861-1917) ....................................................................... 22
1.3.4 O Conservadorismo Catlico ................................................................ 24
1.4 O Influxo Modernista ................................................................................ 34
1.4.1 Os Romances de Salgado .................................................................... 34
1.4.2 Concepes Nacionalistas Retiradas do Movimento Modernista ......... 42
2 O ADVENTO E O OSTRACISMO DA AIB; A FUNDAO DO PRP ............. 48
2.1 O Mimetismo Poltico Europeu ................................................................. 48
2.2 Salgado e a Revoluo de 1930 ............................................................... 52
2.3 Nascimento e Consolidao da AIB ......................................................... 55
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2.3.1 O Manifesto de Outubro ......................................................................... 56
2.3.2 A Expanso do Sigma ........................................................................... 62
2.3.3 As Relaes com o Estado Novo .......................................................... 65
2.4 Exlio e Ressignificao ............................................................................ 72
2.5 O Integralismo nos Novos Tempos ........................................................... 74
3 A ENGENHARIA POLTICO-FILOSFICA DO ANTICOMUNISMO DE
SALGADO ........................................................................................................... 81
3.1 Materialismo .............................................................................................. 83
3.2 Epicuristas e Esticos: o Problema dos Costumes .................................. 86
3.3 A Apatia do Estado Liberal ....................................................................... 883.4 A Mstica do Marxismo ........................................................................... 90
3.5 Evolucionismo Poltico/Darwinista ............................................................ 92
3.6 Propriedade e Trabalho ............................................................................ 95
3.7 Cosmopolitismo: Rothschild e Trotski ....................................................... 97
3.8 Superando os Preconceitos do Sculo XIX ............................................ 98
3.9 Os Trs Totalitarismos .............................................................................. 101
CONCLUSO ...................................................................................................... 105
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................... 108
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INTRODUO
Ao longo destes oito semestres de estudos, que objetivaram, como alvo
central, a captao de saberes no campo da cincia poltica, detemo-nos, em
decorrncia da prpria estrutura curricular do curso, na leitura de uma vastssima
gama de autores, pertencentes s mais variadas matrizes ideolgicas, escolas e
mtodos analticos. Da gora helnica aos clssicos e ps-modernos, dos
pragmticos aos idealistas, dos anarquistas aos conservadores, dos interessados
pela decodificao da psicologia ntima dos povos aos decifradores dos mecanismos
funcionais das instituies e dos partidos polticos. Para tanto, buscamos socorro em
praticamente todo o conjunto das cincias sociais, na certeza de que a histria, a
sociologia, a antropologia e a filosofia, entre outras, poderiam nos fornecer subsdios
valiosos para robustecer a riqueza ontolgica da cincia poltica em si.
Contudo, diante da eminncia da concluso do curso, nos exigida aformulao de um trabalho em sentido estrito, capaz de sintetizar os conhecimentos
absorvidos em nossa trajetria de estudos de forma que seja possvel fundi-los em
um tema especfico, sem que haja, entretanto, prejuzo qualidade do contedo.
Cientes destas condies que a priori se nos apresentam, resolvemos nos
valer da margem de liberdade intelectual que o ambiente acadmico de outra parte
nos oferece para abordar um tema de interesse sobretudo brasileiro, cientes de que
uma tal opo por certo no despreza a problemtica terica que inquietou e
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inquieta a cincia poltica em mbito mundial. com base nestas assertivas que
aqui dissertaremos sobre o pensamento anticomunista de Plnio Salgado.
Julgamos que o enfoque em tal assunto, se alicerado em informaesconfiveis, ser capaz de proporcionar questionamentos caros e instigantes
anlise poltica, sobretudo no que concerne interpretao de algumas tendncias
ideolgicas paradoxais, que apesar de terem tido seu ponto de ebulio no passado,
permanecem nutridas de relevncia considervel.
Assim, ao debruarmo-nos na pesquisa sobre o pensamento de Plnio
Salgado, pretendemos resgatar momentos histricos que se mostraram cruciais parao desenvolvimento scio-poltico do Brasil, levando em conta a efervescncia dos
conflitos polticos em um passado recente e seus ecos na formulao das correntes
intelectuais que aglutinavam a inteligncia brasileira de ento. Obviamente, adota-se
uma tal perspectiva sob constante preocupao de manter a nfase na prpria
estrutura da doutrina concebida por Salgado, observando os preceitos por ele
utilizados para combater o comunismo, bem como suas motivaes para tanto, o
que, nos parece, teve gnese em precedentes de convices pessoais que apenas
se vinculam ao espectro poltico, como o caso do espiritualismo. Servimo-nos, a
fim de clarificar esses posicionamentos, das prprias obras de Salgado, alm dos
trabalhos publicados por pesquisadores desta temtica.
Com base nisso, pretendemos demonstrar que o anticomunismo pliniano
tinha como pressuposto inicial a idia de que para se dar combate real e eficiente ao
marxismo era preciso opor-se com idntica tenacidade ao que seria o principal fator
que permitiu seu advento: o esprito burgus, o que, definitivamente, configura umateoria anticomunista bastante singular.
No obstante, para empreendermos uma abordagem satisfatria desta
particularidade, procuramos mapear, nos dois captulos iniciais, quais teriam sido as
principais fontes formatadoras do iderio de Salgado, bem como o ambiente em que
esteve ele inserido durante sua maturao intelectual e, subseqentemente, como
se deu a sua militncia poltica de fato.
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Dado que Plnio Salgado cooptou importante parcela das correntes de
pensamento nacionalista e ou conservador do Brasil (especialmente no perodo do
entre-guerras), supomos que o tema encerra relevncia suficiente para merecer
ateno deste e de outros trabalhos. Se houve em nosso pas um pensador que
formulou uma doutrina mpar de anticomunismo, visualizando nesta uma ferramenta
importante de atuao poltica, e que com tais mtodos conseguiu influir
pesadamente durante mais de trinta anos na vida poltica nacional, entendemos que
cumpre cincia poltica brasileira estud-lo.
a esta empresa que o presente trabalho almeja oferecer sua contribuio.
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1 FONTES FORMATADORAS DO PENSAMENTO DE SALGADO
1.1 Um Brasil em Turbilho
Em ltima anlise, fermentava-se desde a proclamao republicana de 1889
a formao de uma nova mentalidade no panorama poltico-cultural brasileiro, queapenas aparentemente imerso em virtual imobilidade at o incio da segunda dcada
do sculo XX, em verdade silenciosamente prenunciava o advento de uma srie de
inovaes.
Enquanto na arena poltica So Paulo e Minas Gerais alternavam-se no
controle do poder central de modo a garantir significativo distencionamento entre os
interesses oligrquicos, apaziguados que foram atravs da poltica do caf-com-leite, o palco intelectual mostrava-se incapaz de apresentar rupturas ou
reorganizaes conceituais significativas, ao menos a ponto de influir decisivamente
nas demais esferas sociais.
Ao contrrio do que j se verificava na Europa ocidental e em parte da
Amrica do Norte, o Brasil, com uma economia eminentemente baseada na
agricultura, viu a formao dos grandes centros cosmopolitas ter gnese apenas a
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partir do trmino da Primeira Grande Guerra, tendo sido adiado, portanto, o advento
de uma sociedade de massas em nosso pas.
No entanto, o horizonte j permitia antever transformaes no ambiente
nacional. Como indicativo da dramaticidade do processo de acelerao histrica que
ento se operava no seio da sociedade brasileira, podemos assinalar que enquanto
em 1907 o pas detinha um contingente de 149 mil trabalhadores industriais, em
1920 este universo atingiria a casa de 275 mil. Assim, os primeiros anos da dcada
de 1920 protagonizaram o despontar de um novo paradoxo na matriz econmica
nacional, o que posteriormente implicaria no penoso enfrentamento de
desdobramentos polticos incertos, seno imprevisveis. Mesmo em plena vignciada abundante e exitosa produo cafeeira, o antigo modelo enftico em relao
exportao de bens primrios cede lugar a um processo que visa simultaneamente
substituir as importaes e consolidar o mercado interno:
(...) sombra da produo cafeeira ocorreu uma certamonetarizao das atividades econmicas, de modo a darnascena a um mercado interno de mercadorias de consumo e
de produo (ferramentas e implementos agrcolas),inicialmente alimentado por importaes dos pasesavanados e, gradativamente, suprido pela produo local. (...)Evidentemente no bastava haver uma demanda demanufaturados para propiciar a implantao da indstria local.Era preciso, antes de mais nada, existir fora de trabalho ecapitais disponveis para a acumulao, o que se verificava(...). (Mantega, 1984, p.80)
Toda essa mutao econmica e social teve como reflexo - ou pelo contrrio,como ferramenta impulsiva - a paulatina lapidao de uma estrutura cultural diversa,
que iria encontrar seu pice na Semana de Arte Moderna de 1922 e no enorme
influxo de concepes elaboradas pelos intelectuais da nova sociologia nascente,
de inclinao francamente nacionalista.
No campo estritamente poltico, entretanto, os choques de inovao no
seriam menos importantes. A Campanha Civilista de Rui Barbosa (1909/1910), aquesto do servio militar obrigatrio trazida luz por Olavo Bilac e a Liga de Defesa
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Nacional (1916), a exploso do movimento tenentista e os acontecimentos do Forte
de Copacabana (1922-24), a fundao do Partido Comunista (1922) e o lendrio
episdio que se convencionou classificar como Coluna Prestes (1924), so alguns
dos sintomas que preparam terreno para a grande ruptura empreendida por Vargas
e a revoluo de 1930.
em meio a este contexto que a figura de Plnio Salgado se desenvolve e
prepara as bases para emergir definitivamente.
1.2 Sntese Biogrfica de Plnio Salgado
Filho de um farmacutico e de uma professora, Plnio Salgado nasceu a 22 de
janeiro de 1895 na cidade de So Bento do Sapuca, interior do Estado de So
Paulo. Muito cedo inicia sua ao poltica e aos 18 anos um dos fundadores do
Partido Municipalista, primeiro do gnero no Brasil, fato que de certa forma
prenuncia seu zelo pela problemtica dos municpios, tendncia que viria a sustentarpor toda a vida.
Ainda em 1913, cria o Correio de So Bento, semanrio que um ano depois
lhe credenciaria ao cargo de redator do Correio Paulistano, na capital do Estado.
Sendo esse informativo intimamente ligado ao ento Governo Estadual, dominado
pelo Partido Republicano Paulista (PRP), Salgado passa a transitar entre a elite
poltica local e em 1927 eleito Deputado Estadual, com apoio de Jlio Prestes.
Antes disso, porm, participa ativamente da Semana de Arte Moderna de
1922, envolvendo-se nos debates em torno da nova esttica artstico-literria e do
nativismo indianista, alm de desenvolver seu nacionalismo, que mais tarde iria
robustecer-se com o advento do Movimento Verde-Amarelista, fundado em parceria
com Menotti del Picchia, Motta Filho e Cassiano Ricardo.
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Depois de escrever uma srie de artigos publicados pelo Correio Paulistano,
atravs dos quais j se percebe fragmentos da embrionria ideologia integralista,
Salgado lana o romance O Estrangeiro (1926) e v coroadas suas atividades
literrias com o ingresso na Academia Paulista de Letras trs anos depois.
Assiste aos acontecimentos de 1930 em solo Europeu, como preceptor de um
jovem de famlia abastada. Contudo, j institudo o governo varguista, retorna ao
Brasil e dirige o jornal A Razo, para o qual escreve artigos doutrinrios diariamente.
Em decorrncia da ecloso da Revoluo Constitucionalista em So Paulo, a sede
do jornal incendiada, o que precipita a fundao da Sociedade de Estudos
Polticos(SEP), entidade pr-integralista que serviria como substituta de A Razonafuno de agente difusor da apologtica de Salgado, bem como instrumento para
aglutinar seus seguidores, os mesmos que formariam o ncleo central do grupo que
em sete de outubro de 1932 proclama o Manifesto de Outubro. Nascia assim a Ao
Integralista Brasileira(AIB).
Salgado logo afirma-se como lder supremo (Chefe Nacional) do novo
movimento, embora a adeso de nomes como Miguel Reale, Gustavo Barroso eRaymundo Padilha tenha forjado esferas de influncia considerveis sobre a
militncia. Chega a ter chancelada sua candidatura Presidncia da Repblica,
empresa que viria a ser revogada pelo decreto estadonovista de extino dos
partidos polticos.
Dbia se mostra sua relao com a nova ordem, e aps uma colaborao
inicial que lhe valeu o convite de Vargas para assumir o Ministrio da Educao,acaba por repudiar o decreto de fechamento da AIB e ento preso na Fortaleza de
Santa Cruz, l permanecendo at 21 de junho de 1939, sob acusao de ser o
mentor do famoso Putschdo ano anterior, geralmente atribudo aos integralistas.
Parte para o exlio em Portugal, onde desempenha atividades de
conferencista e solidifica, atravs da publicao de diversas obras religiosas, sua
condio de intelectual e lder catlico militante. Durante esse perodo, envia ao
Brasil uma srie de manifestos e orientaes formais aos membros da extinta AIB,
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explicitando, em um deles, sua aprovao declarao de guerra do governo
brasileiro contra o Eixo nazi-nipo-fascista1.
Uma vez redemocratizado o sistema poltico, Salgado retorna terra natal e
eleito presidente do Partido de Representao Popular(PRP), organizao esta que
passa a congregar parte significativa dos antigos camisas-verdes. Embora
germinada no exlio, operacionaliza-se nessa poca sua ressignificao ideolgica,
que teve no apoio a candidatura presidencial de Eduardo Gomes um marco divisor
peremptrio, no sentido do abandono do anti-sistemismo caracterstico da AIB.
Em 1955, disputa a presidncia da Repblica pelo PRP, obtendo 632. 848votos, e um ano depois eleito Deputado Federal pelo Estado do Paran. Exerce
por mais duas vezes a legislatura federal (1960-64 e 1970-74)2, agora representando
So Paulo.
Salgado profere seu discurso de despedida na Cmara dos Deputados e
decide abandonar a vida pblica, vindo a falecer em dezembro de 1975, aos 80 anos
de idade.
1.3 Fontes Formatadoras do Pensamento de Salgado
Sabe-se que muitas foram as correntes de pensamento que, em maior ou
menor grau, influenciaram o iderio de Salgado.
Pelo lado literrio, somando-se, claro, aos seus contemporneos
modernistas, observa-se que os romances de Machado de Assis parecem ter
desempenhado importante papel em suas concepes. Na sua obra A Quarta
1 Sobre os posicionamentos de Salgado no exlio e sua relao extra-institucional com o Estado Novo e os
membros da AIB na clandestinidade, consultar O Integralismo perante a Nao, p.179-353, bem como o item
2.3.2 do presente trabalho, As relaes com o Estado Novo.2 Em virtude do bipartidarismo institudo pelo regime militar em 1964, Salgado exerce este ltimo mandato
pelaAliana Renovadora Nacional (ARENA)
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Humanidade, Salgado dedica todo um captulo ao autor de Memrias Pstumas de
Brs Cubas, procurando sistematicamente relacionar a temtica dos escritos de
Assis com o esprito brasileiro em suas diversas manifestaes. Assis teria sido o
gnio que traduziu o sentido de uma poca na histria do esprito nacional (A
Quarta Humanidade, p.141), ou tambm o grande esprito que a Providncia
iluminou com a capacidade de devassar os meandros mais escuros dos destinos do
seu povo. (idem, p.144)
Para Salgado, o mdium das raas de alguma forma teria consubstanciado
os trs vetores tnicos da formao da nacionalidade, pois em sua personalidade
(...) o tom sardnico da raa tupi, a um tempo amargo esuperior, funde-se com o sarcasmo do africano; e o elementoariano, que entra no sangue do gnio da nossa terra,disciplina-o com o senso lgico de uma velha cultura. (AQuarta Humanidade, p. 147)
Contrapondo-se aos crticos que enxergavam tonalidades pessimistas nos
livros de Assis, Salgado argumenta no sentido de que tal pessimismo encobriria, na
verdade, um protesto silencioso a fim de demonstrar inconformidade com o
panorama cultural brasileiro de sua gerao. Assim, este sentimento ficaria
paradoxalmente metamorfoseado, tendo gnese um otimismo (sentimento de f)
em Assis, no qual Salgado vislumbra um alento para a necessidade de se acreditar
na Ptria brasileira. (idem, p.150)
Tambm a histria e a literatura pica lusitana compem a temtica de
Salgado. Como parte de seu apelo nacionalista, que via na herana deixada por
nossos descobridores um dos pilares da brasilidade, os autores e heris de Portugal
tm destaque em seus escritos. A justificativa para tal posicionamento a de que o
estudo da histria de Portugal, anterior a 1500, fundamental para o conhecimento
da personalidade nacional brasileira, pelo fato de que tanto o Brasil como Portugal
so filhos legtimos de uma mesma lusitanidade (Reconstruo do Homem, p.
168). Irmanados atravs de um lao cultural e sentimental que o Atlntico
impotente para romper, ambos os povos teriam razes em comum e um mesmo
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destino histrico a cumprir. Considerando D. Filipa de Lencastre, esposa de D.
Joo I, como a grande matriarca fundadora da nacionalidade portuguesa, Salgado
exalta o cotidiano repleto de romances de cavalaria e culto de Deus (idem, p.173)
em que fora educado seu filho, o Infante D. Henrique, enxergando a o embrio da
heroicidade e da potica que permitiu a Portugal tornar-se um grande Imprio
ultramarino, porque aqueles homens, criadores de um esprito nacional, s
procuravam grandeza ou na cincia e nas letras, ou no herosmo das batalhas, ou
no martrio por amor de Cristo. (ibidem, p.178-179). Porm, mesmo dando
recorrente relevo a Cames, aos empreendimentos da Escola de Sagres e a outros
nomes e episdios importantes da histria de Portugal, Salgado condiciona sua
admirao por este pas, limitando-a a evocao de um sentimento que l existiuoutrora (o Imprio teocrtico e cristo). Vinculando novamente o Brasil Nao de
Cabral, Salgado dirige-se aos lusos propondo o reerguimento desta antiga
concepo afirmando que tivestes a responsabilidade de nos fazer como somos, e
ns, por conseguinte, temos o direito de exigir que sejais como fostes! (Aliana do
Sim e do No, p.98). Evidencia-se aqui, de um lado, o antimodernismo que
caracteriza uma das esferas da mentalidade de Salgado, e, de outro, seu forte apelo
cristo, que tem nos valores do catolicismo medieval uma fonte basilar.
As encclicas papais e documentos oriundos do magistrio da Igreja tambm
so uma constante nas referncias de Salgado, sobretudo durante o perodo do ps-
guerra. O enfoque antimodernista de Pio IX, o anticomunismo de Pio XI, o moralismo
de Pio XII e principalmente a doutrina social de Leo XIII, deixaram marcas
importantes nas concepes de Plnio, como veremos mais adiante.
De outra parte, quando em visita Europa em 1930, Salgado pde observar
de perto os reclames incendirios dos arautos do nacionalismo autoritrio europeu
que ento insinuava-se na conquista do poder. Embora a associao incondicional
do integralismo com o fascismo nos parea problemtica, cabe mencionar que o
sistema italiano e a estrutura corporativista elaborada por Mosca e Paretto (que,
grosso modo, viria a ser implementada por Mussolini) mereceu sua especial
ateno, como se percebe atravs do artigo Como eu vi a Itlia, de autoria de
Salgado, publicado na Revista Hierarquia, maro/abril de 1932, citado por Trindade
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(1974, p. 108). No entanto, sua adeso s demais correntes nacionalistas europias
de ento mostra-se parcial, no obstante algumas citaes elogiosas.
Contudo, as obras de Salgado denotam intensa preocupao com questes
filosficas, o que repetidamente o leva a tratar de problematizaes levantadas por
inmeros filsofos, objetiva ou subjetivamente. Se sua crtica implacvel ao
racionalismo enciclopedista tem como alvo autores como Rousseau e Locke, seu
sentimento antimodernista deixa-se revelar nas investidas contra o cientificismo
experimental de Descartes, o evolucionismo de Spencer e Haeckel, o determinismo
de Freud, o igualitarismo naturalista de Rousseau, o mundialismo de Kant e o
utilitarismo de Stuart Mill. Assim como seu anticomunismo rebela-se contra osmtodos de Marx e Sorel (propondo a substituio luta de classes e da violncia
soreliana pela caridade crist), seu embasamento espiritualista est em Farias Brito
e no socorro das encclicas papais.
Dito isso, o prprio Salgado quem nos fornece subsdios para traar um
quadro da enorme gama de autores que norteavam as investigaes de seu crculo
intelectual pr-integralista:
De 1922 a 1926, eram to absorventes as leituras quefazamos de Marinetti, Soffici, Govoni, Apollinaire, Cocteau,Max Jacob, Cendars, como de 1926 a 1930, tendo nsmudado de tema, foram as leituras de Marx, Sorel, Lenine,Trotzki, Riazanov, Pleckanov, Fuerbach. (Despertemos aNao, p.11)
No obstante a referncia a tantos tericos estrangeiros de matriz mais ou
menos politizada, o que sinaliza a crescente ideologizao de Salgado, parece-nos
evidente, pela anlise de suas obras, que as idias que decisivamente penetraram
em sua psique foram irradiadas a partir de autores brasileiros, detidos, cada um a
seu modo, na problemtica nacional, o que no implica necessariamente no
desprezo aos questionamentos mais amplos e universais. Em que pese sua
ateno, neste perodo, s obras de divulgao marxista, como a passagem
supracitada demonstra, Salgado pondera que no cheguei a ficar comunista,
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porque as novidades do materialismo histrico j me tinham fascinado aos
dezessete anos. (idem, p.17)
1.3.1 Alguns Pensadores e Correntes Tericas
Como veremos em seguida, a permanente preocupao com questes
relativas ao nacionalismo fez com que Salgado outorgasse prioridade aos
intelectuais brasileiros, o que facilmente perceptvel atravs de seus textos. A
citao hegemnica, constante e ininterrupta de nomes como Alberto Torres, FariasBrito, Oliveira Vianna, Euclides da Cunha e Jackson de Figueiredo, tanto no perodo
integralista quanto no ps-guerra, nos permitem concluir que foram esses os marcos
referenciais na formao da estrutura ideolgica pessoal de Salgado:
(...) estava eu muito influenciado por alguns patrcios, acomear por Farias Britto, o filsofo cearense que me incutiu,mediante anlise que fez das filosofias do sculo XIX, o
sentimento espiritualista. Ao mesmo tempo, embrenhei-me naleitura de Alberto Torres. Primeiro, na sua OrganizaoNacional, em que criticava a Constituio de 1891, mostrandoseu desacerto pela falta de conexo com a verdadeirarealidade do nosso pas, em seguida, no seu livro O ProblemaNacional Brasileiro, que me inspirou apaixonada orientaonacionalista. Aberto Torres foi meu mestre de nacionalismobrasileiro. Entrei, ento, na leitura de Oliveira Vianna, o maiorsocilogo que o Brasil tem produzido. Os seus livros O Ocasodo Imprio, O Idealismo na Constituio e A Evoluo do PovoBrasileiro calaram profundamente no meu esprito de jovem.
(Salgado apud Drea, 1982, p.304)
Alis, o sopro terico destes autores iria ressoar inclusive na formao do
imaginrio do prprio movimento integralista como um todo. conforme esta lgica
que Darnton interpreta algumas assertivas sustentadas por Miguel Reale, Chefe de
Doutrina da AIB:
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No negado pelos integralistas, que na elaborao de seuprograma poltico, tenha exercido alguma influncia as idiasdo que Miguel Reale chama de Primeiro Fascismo, comotentativas de superao do liberalismo e do comunismo. Mas,
segundo Reale, no foi menor o influxo dos grandesintrpretes nacionais como Euclides da Cunha, OliveiraVianna, Farias Brito, Alberto Torres, e outros, que haviamposto o problema da realidade brasileira. (Darnton, 1990,p.188)
Assim, procuraremos sinteticamente mapear algumas destas correntes
tericas, analisando as respectivas reverberaes ideolgicas que tiveram no
pensamento de Salgado.
1.3.2 Alberto Torres (1865-1917)
As argumentaes fundamentais da produo normativa de Alberto Torres
giram em torno da solicitao permanente de se conceber uma idia de conscincia
nacional, bem como da crtica severa importao artificial de frmulas polticas
estrangeiras para se sanar o problema nacional brasileiro, que tendo para ele
caractersticas singulares, no encontraria desfecho satisfatrio sem basear-se em
um enfrentamento objetivo e prtico:
Nenhum outro povo tem tido at hoje, vida mais descuidadado que o nosso. O esprito brasileiro ainda um esprito
romntico e contemplativo, ingnuo e simples, em meio deseus palcios, de suas avenidas, de suas bibliotecas e deseus mostrurios de elegncias e vagos idealismos. Com umacivilizao de cidades ostentosas e de roupagens, de idiasdecoradas, de encadernao e de formas, no possumosnem economia, nem opinio, nem conscincia dos nossosinteresses prticos, nem juzo prprio sobre as coisas maissimples da vida social. (Torres, 1978, p.14-15)
Portanto, as duas obras principais de Torres, O Problema Nacional Brasileiro
e A Organizao Nacional(ambas vindo tona em 1914), enfocam sobretudo esse
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universo terico, influenciando diretamente a faceta menos idealstica (e mais
pragmtica) do nacionalismo adotado por Salgado e o integralismo, pois o corpo de
doutrina integralista, sendo fundamentalmente nacionalista, procura desenvolver
com categorias prprias o trabalho iniciado por Alberto Torres. (Souza, 1999, p.20).
Ainda destacando o carter nacional dos estudos de Torres, carter este que
apresenta-se indissocivel de um entendimento realista e prtico, Salgado
assegura que o pensador fluminense, alm de ter dado combate s teorias raciais
europias, ocupou-se das pequenas (e to grandes) realidades brasileiras at
ento esquecidas pelos eruditos e desponta como o supervisionador dos
fenmenos sociais, o reajustador das instituies s realidades, o crtico das leis e oesquematizador dos novos lineamentos polticos do pas. (O Ritmo da Histria,
p.258)
Tambm Oliveira Vianna corrobora para a tese do pioneirismo de Torres
quanto abordagem essencialmente brasileira das questes polticas, uma vez que
o autor de A Organizao Nacional revelou uma viso mais compreensiva e mais
brasileira da nossa vida ntima de povo (...) nenhum, como ele, consolidou um tovasto corpo de concluses positivas, prticas, experimentada sobre a verdadeira
orientao da nossa poltica e dos nossos governos. (Vianna apud Trindade, 1974,
p. 29)
Alm de classificar Torres como sendo o seu mestre de nacionalismo
brasileiro, Salgado estende o raio de abrangncia de seus estudos, considerando-o
como responsvel pela
(...) antecipao do conceito integral de nacionalidade queserve hoje de base ao nacionalismo alemo, ao italiano, aoportugus. a profecia sobre o drama pelo qual passa oEstado Democrtico, entre os dois perigos eminentes: o doestatismo absoluto e o liberalismo pauperante, aniquilador.(Despertemos a Nao, p.155-156)
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Intensificando ainda mais a analogia que desenvolve entre as idias de Torres
e a doutrina integralista, Salgado sustenta que no pomos dvida em afirmar que o
grande pensador poltico se hoje vivesse seria integralista. (Psicologia da
Revoluo, p.80)
Cumpre-nos ainda acrescentar que se as convices nacionalistas de Torres
e sua denncia das fantasias jurdicas e das instituies republicanas
supostamente desconectadas da realidade tiveram eco importante na cosmoviso
de Salgado, suas crticas direcionadas ao federalismo implantado pela Repblica e
sua defesa do corporativismo, reivindicaes mais tarde exploradas pela plataforma
programtica integralista, tambm devem ser consideradas.3
Por fim, cumpre fixar que estudiosos que a priori ligam o pensamento de
Salgado ao fascismo em geral, sendo o integralismo, nesse caso, mera reproduo
dos totalitarismos militaristas europeus, costumam ver contradies na assimilao
pliniana das receitas de Torres, uma vez que se o nacionalismo do primeiro
pretendia-se puro, ou seja, alheio s frmulas estrangeiras, o movimento poltico
liderado por Salgado teria ido de encontro s inspiraes genuinamente nacionais justamente pelo fato de supostamente sujeitar-se ao iderio fascista, importando
frmulas ao invs de busc-las no prprio Brasil.
1.3.3 Farias Brito (1861-1917)
Se Alberto Torres foi o mestre de nacionalismo de Salgado, menor no foi apenetrao da filosofia de Raimundo de Farias Brito em seu pensamento. Autor de
3 Robustecendo essa ressalva, o trabalho de SANTOS, Cleiton Oliveira dos. Albeto Torres: o pensamentointegralista em gnese. Goinia: UFG, Monografia de Especializao. Departamento de Cincias Humanas eFilosofia, Universidade Federal de Gois, 2004, p.27, pondera que Torres vai dar, tambm, o primeiro passo
rumo a uma elaborao terica do corporativismo no Brasil, outro ponto que o integralismo iria desenvolver no
contexto dos anos de 1930, acrescentando adiante que um dos graves erros da Repblica, apontado tanto por
Torres quanto pelo integralismo, foi o regime federativo: a transformao da unidade nacional herdada do
Imprio em vrias naes independentes. Da que uma das propostas do integralismo seja a abolio do Estado
dentro do Estado, e, como Torres, a volta das antigas Provncias (idem, p.29-30).
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vastssima obra, dentre as quais destacam-se Finalidade do Mundo (1895) A
Verdade como Regra das Aes(1905), A Base fsica do Esprito(1912) e O Mundo
Interior (1914), Brito desde logo ganha vulto no cenrio intelectual brasileiro como
respeitado terico e defensor do espiritualismo.
Suas objees ao materialismo e ao marxismo (especialmente no que tange
ao socialismo cientfico), sustentam-se mais na contra-argumentao
semanticamente metafsica do que nas referncias contidas no embate estritamente
poltico, desenvolvendo, assim, uma estrutura conceitual bastante robusta que lhe
projetou, como se disse, posio de precursor da escola espiritualista no Brasil.4
Opositor intransigente do agnosticismo em todas as suas variantes, o que o
aproxima das crticas empreendidas pelo Pe. Leonel Franca5 s formulaes
kantianas, Brito via no desprezo s questes teolgicas o aspecto fundamental que
provocou a crise moderna:
(...) perdida a primitiva conscincia divina, o homem,comeando por transportar Deus para fora do mundo,terminou por nega-lo. E em poca alguma, cumpre notar,chegou esta negao a adquirir to vasto domnio, como napoca presente, em que no falta quem procure blasonar decincia, fazendo ostentao de impiedade. Mas negar Deus negar a razo do mundo. Por isso, desesperadoras, brutais,haviam de ser as conseqncias resultar do atesmomoderno. (Brito, 1957, p.15-16).
Apelando ressurreio de uma concepo que poder-se-ia classificar deidealista e sacral da vida, Brito opunha-se ao utilitarismo de Stuart Mill de modo
anlogo Salgado, que identificava na supremacia da filosofia do xito, ou seja, no
pressuposto de que o interesse imediato est acima dos princpios morais, o
4 O termo escola foi aqui empregado com o intuito de registrar que o espiritualismo objetivamente encontrou
discpulos no Brasil, como o caso de Jackson de Figueiredo, o Centro D. Vidal e sua gama de scios, e, pela
via filosfica estricto sensu, Mrio Ferreira dos Santos, alm do prprio Plnio Salgado.5 Leonel Franca teve importante papel na renovao espiritual catlica que se desenvolveu no incio do sculo
XX. Anticomunista, crtico veemente do livre-exame advindo do protestantismo e vinculado s correntes maisconservadoras do catolicismo, Franca autor de vasta obra filosfica e religiosa, dentre elas Psicologia da F, A
Igreja, a Reforma e a Civilizao, A crise do Mundo Moderno e Liberdade e Determinismo.
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elemento degradante que suprimiu do homem o mpeto herico e puro dos ideais,
j que a luta por comida luta de animais. Homens s lutam, ou pelo menos s
devem lutar por idias. (idem, p.44).
Analisando o processo de secularizao que se abateu sobre o mundo,
responsvel, sob esta tica, pela inverso de valores que pe o homem em
derrocada, impulsionado pelo iluminismo, o atomismo, o livre-pensamento e a dvida
metdica dos processos cartesianos, Brito termina por tecer ressalvas incisivas aos
resultados da Revoluo Francesa, demonstrando a fragilidade da trade jacobina se
chocada com a realidade:
(...) caindo afinal definitivamente a monarquia absoluta, paradar lugar democracia moderna, tendo por lema fundamentala clebre frmula revolucionria: Igualdade, Liberdade,Fraternidade. Mas a democracia, por seu lado, fascinou porum momento os espritos entusiastas, mas isto somente paradar, logo em seguida, de si mesma, a mais triste cpia.(ibidem, p.17)
Alm disso, Brito acusava o arcabouo poltico-cultural moderno de haver
tecido as teias de sua prpria escravizao, uma vez que as propostas libertrias de
1789 teriam redundado em uma forma travestida de absolutismo, porque se a
democracia foi o resultado legtimo da Revoluo, uma verdade que ao
absolutismo do Papa e dos reis, sucedeu nas democracias o absolutismo dos
capitalistas e banqueiros, mil vezes mais detestvel. (Brito, 1957, p.18)
E seu anti-marxismo orienta-se precisamente nesta esfera de compreenso.Tambm rechaando a plutocracia do capitalismo internacional, Brito esfora-se em
sobrepor o idealismo espiritualista luta de classes e ao materialismo histrico, pois
O ponto de vista dos socialistas : a questo social deve serresolvida politicamente, em nome do interesse. O meu ponto devista : a questo social deve ser resolvida religiosamente, emnome de uma idia. Uma grande idia, um grande princpiomoral eis, pois, qual deve ser o ponto de partida para areforma das sociedades, reforma sobretudo nos caracteres,reforma sobretudo moral. (idem, p.49)
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Aqui se anuncia, tambm, a presena de uma outra idia de Brito incorporada
por Salgado: a revoluo interior. Constantemente presente nas obras dedoutrinao integralista e tambm nos livros de Salgado com nfase voltada ao
espiritual, a revoluo interior funcionaria como um primeiro indicativo da
converso, do exerccio pleno da profisso de f do militante que inicia sua
marcha em nome de novos ideais. Adotando a mesma lgica do antigo ditado
romano, Vis habere Imperium? Impera tibi! (Queres um imprio? Impera a ti!), o
aperfeioamento interior seria a primeira ao transformadora, j que para ascender
a uma condio superior preciso penetrar nos confins mais remotos da nossafloresta interior (Rei dos Reis, p.315) e o nosso combate, por conseguinte, deve
principiar em ns mesmos. a revoluo interior, que aconselhei sempre desde
1932 e que aconselho hoje (...). (Esprito da Burguesia, p.53)
Atravs da anlise comparativa destes fragmentos da filosofia de Brito com as
obras de Salgado, percebe-se que, desconsiderada a revoluo interior, foram ao
menos quatro os princpios que este absorveu daquele: o espiritualismo e a busca
teolgica como signos de oposio ao racionalismo moderno (de onde nasce, em
parte, o anti-modernismo e o anti-materialismo de Salgado), o apriorismo idealista
como fora motriz da postura a ser almejada pelo homem (anti-determinismo e anti-
utilitarismo), a crtica aos fundamentos histricos da democracia liberal e o combate
filosfico ao marxismo.
3.1.4 O Conservadorismo Catlico
Se o sculo XIX assistiu ao predomnio do cientificismo na esfera intelectual,
o incio do sculo XX iria reservar uma contrapartida espiritualista, manifestada, no
caso brasileiro, preliminarmente, como se viu, atravs da filosofia de Farias Brito.
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Este ambiente de forte efervescncia espiritual, romntica e idealista, permitiu
o aparecimento de toda uma gerao de intelectuais ligados ao catolicismo
tradicional/conservador, que buscavam, por meio de publicaes e diversas
atividades culturais, resgatar os valores clssicos da Igreja, ameaados que estavam
pelo ceticismo generalizado e pela crescente secularizao do mundo ocidental.
Como preldio desta movimentao, cabe frisar que ainda em 1888 o Pe.
Jlio Maria empreende vigorosa ofensiva contra o positivismo e o racionalismo em
geral, pressentindo seus efeitos sob a ordem poltica brasileira, uma vez que,
estando as academias militares impregnadas pelas receitas comtianas de Benjamim
Constant, sentimentos antiimperiais e anticlericais cedo ou tarde ganhariam vulto,como de fato ocorreu em 1889 e 1890 (Proclamao da Repblica e dissociao
Igreja-Estado).
A evidncia de que o a ortodoxia de Maria influenciou a gerao espiritualista
de trinta anos depois est nas palavras do prprio Jackson de Figueiredo, cone do
conservadorismo ultramontano dos anos de 1920, para quem o Pe. Maria teria sido
um dos primeiros e mais vivos raios dessa luz de esperana, em terra brasileira,pois o clrigo
(...) ainda , nos dias em que vamos vivendo, o exemplomais bello dessa invencvel misericrdia divina para com ospovos em que foi possvel alastrar-se o mal agnstico, aindivisvel misria de um negativismo organizado,paradoxalmente sistemtico. (Figueiredo, 1924, p.149)
Ao lado de Figueiredo, pode-se inserir nomes como D. Sebastio Leme,
Tasso da Silveira, Pe. Leonel Franca e Alceu Amoroso Lima, expoentes do
catolicismo no Brasil. O centro da temtica destes pensadores direciona-se para o
repdio ao materialismo e ao agnosticismo moderno, sendo apresentada, como
contraproposta, a formao de uma Ao Catlica ampla, atuante e combativa,
capaz de influir politicamente.
Assim, para Tasso da Silveira,
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O renascimento e o humanismo negaram o homem espiritual,que no pode deixar de ser criador, para afirmarexclusivamente o homem natural, escravo da necessidade.Desdobrada tal negao em suas ltimas conseqncias, oresultado foi esse movimento vertiginoso de devastao a quese acha entregue o nosso velho mundo pecador. Porque ohomem, enchendo-se cada vez mais de orgulho, esvaziou-secada vez mais do sentido do seu destino transcendente.(Silveira, 1935, p.10-11)
E similar o diagnstico traado por Leonel Franca:
(...) em nenhuma outra poca, talvez, exerceram os bensmateriais tamanha tirania sobre as vontades como em nossosdias. O homem que conseguiu dominar a natureza com amquina acabou escravizando-se ao despotismo da prpriamquina triunfante. (...) nesta efervescncia de ambies eesperanas, nesta febre de atividades externas, empalidecemos valores do esprito e escasseia o tempo para tudo o queno ganhar e gozar o ganho. (Franca, 1952, p.80-81)
parte das crticas s bandeiras impulsionadoras da ordem de valores ps-iluministas que suplantou a teocracia catlica medieval, percebe-se a evocao
sentimental a esse passado, pois se para Silveira os tempos medievais foram
eminentemente religiosos, que eram arrastados pela nostalgia do cu, a qual
tornava os povos como que possudos por uma loucura santa (Silveira, 1935, p.11),
para Franca em outras eras, as condies de vida social, mais informada pelo
esprito cristo, respeitavam melhor a hierarquia essencial dos valores humanos
(Franca, 1952, p.80).
J Alceu de Amoroso Lima, dono de vastssima obra e nome de liderana na
militncia laica brasileira at a morte, chegou a aderir, ao menos informalmente, ao
integralismo, abandonando-o somente em meados da dcada de 1940, quando
passou a adotar posturas menos ortodoxas, seja nos assuntos religiosos, seja nas
questes polticas. Antes disso, porm, Lima no encontrava incompatibilidades
entre o integralismo de Salgado e os ensinamentos da Igreja:
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O integralismo possui, no campo social, em grande parte osmesmos adversrios que a Igreja. E a luta contra inimigoscomuns um lao que cria aproximaes indestrutveis. (...) seh realmente vocao poltica, confesso que no vejo outro
partido que possa, como a Ao Integralista, satisfazer tocompletamente s exigncias de uma conscincia catlica,que se tenha libertado dos preconceitos liberais. (Lima ApudSalgado, 1955, p.158-159)
Contudo, Jackson de Figueiredo (1891-1928) o nome mais controverso e
radical dessa gerao preocupada com o estabelecimento de uma Ao Catlica.
Com a fundao do Centro D. Vital (1922), este pensador passa a cooptar a elite
intelectual leiga, tendo como um de seus mais eminentes discpulos justamenteAmoroso Lima, que, referindo-se a Figueiredo, nos diz: eu confesso que nenhum
homem, at hoje, me deu como ele o pressentimento misterioso do que o homem.
E por isso mesmo, talvez, que a mim, como a tantos outros, foi ele quem mostrou
o Caminho de Casa. (Lima apud Carneiro, 1947, p.168-169)
O prprio nome de batismo do centro denota explcita referncia a D. Vital de
Oliveira, bispo de Olinda em 1874. Neste mesmo ano, o Papa Pio IX, atravs daBula Syllabus, probe aos catlicos o ingresso na maonaria, condenando os
aspectos herticos da entidade. D. Vital, em conjunto com D. Antnio Macedo da
Costa, bispo de Belm do Par, imediatamente faz cumprir o teor da Bula e passa a
punir irmandades e fiis suspeitos de ligaes com a maonaria, no que , atravs
do lobbymanico, repreendido pelo governo e condenado, ao lado do outro bispo,
a quatro anos de recluso, pena que um ano depois seria comutada pelo ento
ministro-chefe Duque de Caxias, do Partido Conservador. Tal acontecimento -conhecido na historiografia como Questo Religiosa - promoveu dspare agitao
poltica no Imprio, datando destes dias os mais fortes atritos entre o magistrio
eclesistico e o poder secular brasileiro, ao menos at a ruptura unilateral
estabelecida pela Repblica.
Salgado identifica o patrono do centro como personalidade irradiadora da
reao catlica brasileira contra a insidiosa manobra de infiltrao manica nas
associaes religiosas, exaltando-o como o grande capuchinho que to
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nobremente honrou a cadeira episcopal de Pernambuco. (Aliana do Sim e do No,
p. 27) Especificamente no que tange ao centro que homenageia o bispo, Salgado
observa-o com no menos simpatia, citando-o como responsvel pelo renascimento
do movimento de cultura catlica (...) que mais tarde congregou nomes como os de
Jackson de Figueiredo, o impetuoso chefe leigo da Ao Catlica. (idem, p. 27)
Figueiredo bem representa a mentalidade contra-revolucionria,
antidemocrtica e monarquista (o que, alis, aproxima-o do integralismo lusitano),
denunciadora das filosofias anticrists em orquestrao com foras secretas que
estariam a conspirar nas trevas. Ironizando o bolchevismo, Figueiredo expressa seu
anticomunismo, ao mesmo tempo em que desaprova energicamente a modernidade:ns, catlicos de verdade, somos uma ameaa muito mais sria ao mundo moderno
do que os mais convictos bolchevistas. O que vale a esse sarapatel de oiro e de
lama que mais fcil ser bolchevista do que catlico de verdade. (Figueiredo
Apud Carneiro, 1947, p. 181)
Contudo, se Tasso da Silveira e Amoroso Lima foram mais tarde entusiastas do
integralismo, Figueiredo, falecido prematuramente (1928), no foi facultadoconviver com a AIB, fato que suscita interrogaes acerca de quais teriam sido suas
atitudes polticas em face do movimento de Salgado, embora a existncia de mais
elementos de identificao do que de antagonismo entre ambos incline o estudioso a
recair sobre a concluso de associa-los. No obstante tal questionamento, Salgado
buscava apresentar-se como herdeiro legtimo da ortodoxia catlica, fazendo
constantes referncias a Jackson de Figueiredo e procurando incessantemente a
aprovao da hierarquia catlica ao integralismo. (Calil, 2001, p.42)
De fato, a busca de Salgado ao beneplcito eclesistico diante das posturas
integralistas e das suas prprias parece ter surtido efeito, se considerarmos que o
tom moralista de suas obras, aliado a sua opo poltica conservadora, a um tempo
antiliberal e anticomunista, aproximou-o do clero, que poca, inexistindo tanto as
medidas de aggiornamentosancionadas pelo Conclio Vaticano II como a Teologia
da Libertao, tendia a posicionar-se preponderantemente mais direita do quadro
poltico.
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As declaraes simpticas ao integralismo proferidas por altos membros da
Igreja foram intensamente divulgadas por Salgado como prova cabal de que o
movimento seria acima de tudo cristo e nacionalista, simptico Igreja e distante
do totalitarismo nazi-fascista, classificado, principalmente no ps-45, como
agnstico e neo-pago. Em O Integralismo Perante a Nao (p. 209-214), por
exemplo, so transcritos vinte depoimentos de bispos e arcebispos brasileiros
aprovando o integralismo. Soma-se a isso a presena de sete padres na Cmara
dos Quatrocentos, espcie de Cmara Baixa da AIB.
E a religiosidade assumiu proeminncia indita no discurso de Salgado apartir de seu exlio em Portugal. Embora o apelo de ndole crist estivesse presente
anteriormente, como se verifica, inclusive, atravs das publicaes anuais de Cartas
de Natal que mesclavam oraes religiosas e argumentaes mais voltadas
situao poltica, seria no recesso do exlio que Salgado escreveria obras de
contedo majoritariamente teolgico, ficando a poltica relegada a um segundo
plano. o caso de A Imagem Daquela Noite, Vida de Jesus, Rei dos Reis, e A Tua
Cruz, Senhor, alm de, em menor grau, Primeiro Cristoe Aliana do Sim e do No.Especialmente Vida de Jesus, apesar de extensssimo, no traz qualquer referncia
poltica explcita, o que no impede Salgado de rotul-lo como sntese de seu
pensamento e espelho de um sentimento que vive em mim e tudo explica em mim.
(Vida de Jesus, 1945, p.7) Outro dado que corrobora para robustecer a legitimidade
de Salgado como representante da intelectualidade catlica de sua poca (com forte
penetrao ao menos na parcela mais ortodoxa, que sem dvida era ento
dominante), diz respeito sua participao como observador na Comisso dosDireitos Humanos da ONU, a convite das Conversaes Catlicas Internacionais.
Como fruto desta empresa, vem a tona a obra Direitos e Deveres do Homem, em
que Plnio defende a Doutrina Social da Igreja e os textos bblicos, considerando-os
parmetros mais apropriados para formulaes do gnero, ao mesmo tempo em que
censura diversos pareceres proferidos na Assemblia devido ausncia de
embasamentos espiritualistas em seus respectivos contedos. Neste livro, Salgado
ope-se veementemente aceitao da URSS como membro da ONU, alegando
mais motivos religiosos e morais (o atesmo oficializado pelo regime sovitico e a
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priso de padres e freiras pelo mesmo) do que discordncias eminentemente
polticas, embora estas no estejam ausentes. Ainda nesse sentido, consta,
conforme Calil (2001, p. 230-231), que Salgado teria respaldado as aes
ultraconservadoras do Monsenhor Lefebre, o que o ligaria definitivamente s
correntes mais tradicionalistas e dogmticas do catolicismo.
Contudo, curioso o fato de que Salgado jamais tenha aderido formalmente
Sociedade Brasileira de Defesa da Tradio, Famlia e Propriedade (TFP), fundada
em 1960 pelo advogado Plnio Corra de Oliveira, - que, segundo Trindade (1974, p.
127), inclusive teria sido membro do setor de assuntos religiosos da SEP - j que
esta entidade, sendo intransigente propagadora dos valores tradicionais docatolicismo, alm de radicalmente anticomunista no mbito poltico, sustenta, ainda
que parcialmente, convices idnticas s encontradas em seu pensamento.
Outrossim, como parte de suas referncias condio de catlico militante,
Salgado no poupa elogios a diversos Sumos Pontfices, da mesma forma como
reprova a sociedade por evadir-se de fazer o mesmo, permanecendo na impiedade:
Pinta Leo XIII aos olhos do mundo o quadro das injustiassociais e mostra o caminho verdadeiro; mas os homenspreferem ouvir Marx e Engels, porque pregam o dio, e Sorelporque ensina o catecismo da violncia. Levanta-se Pio X,irradiante de bondade, e mostra os erros modernos largamentedisseminados; mas os homens ainda preferem ler as sedutoraspginas de Emerson, Carlyle e Ruskin, porque falam daexaltao da vida na Terra, e sobretudo Nietzsche porqueprega a crueldade e o esmagamento dos homens sob as botas
dos heris. Aparece Bento XV, aos relmpagos do mundo emincndio e chama a ateno dos espritos desorientados para afilosofia perene de Toms de Aquino (...); mas os homenspreferem embriagar-se com a utopia dos catorze princpios deWilson (...). Sobre o rescaldo da Grande Guerra, projeta-se afigura formidvel de Pio XI, que escreve os mais luminososcaptulos marcando a Verdade no meio dos dolos modernos;mas os homens preferem chafurdar na lama com que omaterialismo de Freud infeccionou os costumes, precipitando oapodrecimento das almas(...). (Aliana do Sim e do No, p.65-66)
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De Pio IX, autor da encclica antimodernista Quanta Cura (1864), que
condenou, entre outros fundamentos, o rompimento dos vnculos outrora cultivados
entre Igreja e Estado, a liberdade de filiao religiosa e o funestssimo erro do
comunismo e do socialismo, Salgado diz ser um Pontfice Mrtir, profeta dos
nossos tempos, Papa que teria sido o primeiro de maneira to dramtica, a
enfrentar hipcritas inimigos disfarados de nobres ideais e sedutoras promessas.
(idem, p.23)
Da figura de Pio XII, conservador nato e ltimo Papa de perfil aristocrtico,
Salgado comenta ser um portador do fogo da palavra dos propagadores do
evangelho do I sculo, e o anjo consolador que Deus enviava para enxugar aslgrimas e limpar o sangue dos inocentes, (Primeiro Cristo, p.249) e ainda sublinha
que (...) no duvidarei em proclam-lo, entre os vultos da histria em nossos dias, o
mais alto, o mais nobre, o maior de todos. (idem, p. 243)
Da mesma forma como a citao de Chefes da Igreja funcionava como
profisso pblica de f para Salgado, o que garantia seu posto de lder catlico
metapoltico ao mesmo tempo em que incitava a religiosidade da militnciaintegralista/perrepista, determinados ensinamentos eclesisticos foram incorporados
sua ao poltica em si. Plnio elegeu, ao lado do corporativismo, a doutrina social
da Igreja (pormenorizada por Leo XIII na encclica Rerum Novarumde 1891) como
ponto de partida da sua concepo de mediao dos conflitos sociais, que
contrariando a luta de classes marxista e a mercantilizao do trabalho empreendida
pelo liberalismo, propunha harmonizar os embates no mundo do trabalho,
promovendo a conscincia crist e a espiritualizao do labor, sem que fossenecessrio abolir as diferenciaes econmicas naturais advindas da bipartio que
divide operrios e patres, pois a justia social do cristianismo no ser executada
por decretos coercitivos, mas pela natural persuaso que decorre do amor, nas
conscincias iluminadas pelo evangelho. (Primeiro Cristo, p. 151) Tambm inserida
no bojo de fundamentao de sua proposta de formao de uma democracia crist
(conceito criado no perodo perrepista), a idia de conciliao opor-se-ia
inevitavelmente ao marxismo:
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frente espiritual homognea e centralizada fim de fazer ruir o materialismo e o
atesmo. Declarando-se entusiasta da idia (o que, alis, pode ter sido um dos
elementos que o afastou da TFP, j que esta exclusivista em sua catolicidade e
problematiza a prtica do ecumenismo), Salgado afirma que, estando ele prprio
(...) na dupla condio de catlico e de chefe de um partidopoltico que apela, no apenas para os catlicos, mas paratodos os cristos de todas as disciplinas, e at para os que,pelo menos, crem em Deus e nos destinos sobrenaturais dohomem, no sentido de formarmos uma frente nica contra ogrande perigo deste sculo, que o materialismo, sob todasas suas formas. (Esprito da Burguesia, p.67-68)
Torna-se interessante notar que Salgado preocupa-se em configurar o
integralismo e o PRP como movimentos polticos ecumnicos, sem imposies
confessionais irredutveis, muito embora suas declaraes pessoais tenham sido
baseadas, como vimos, na aceitao irrestrita dos preceitos catlicos. A abertura de
tais espaos de movimentao religiosa no interior das agremiaes polticas
chefiadas por Plnio, que no caso do integralismo teve incio com a realizao do
Congresso de Vitria (1934), quando catlicos mais integristas, como os
patrionovistas, evadiram-se do movimento, permitiu inflar os quadros da AIB por
meio da adeso de protestantes e espritas (conforme tabela apresentada por
Trindade (1974, p.153), os protestantes eram 36 e os espritas 2 entre um universo
pesquisado de 125 dirigentes integralistas), o que reflete uma estratgia exitosa de
arregimentao de correligionrios.
1.4 O Influxo Modernista
primeira vista, o emprego da adjetivao de modernista a Salgado soa
como uma contradio em si. Como j foi observado anteriormente, seu repdio aos
valores identitrios da modernidade manifesto, partindo da crtica ao materialismo
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pela via idealista, passando por incompatibilidades filosficas e religiosas, e
culminando em desacordo poltico/institucional com a nova ordem que veio a
assentar-se no ocidente, em ltima anlise, a partir do iluminismo e da Revoluo
Francesa.
Contudo, se considerarmos sua ativa participao no movimento literrio
modernista e particularmente na Semana de Arte Moderna de 1922, veremos que a
terminologia, que a princpio pareceria incoerente, reveste-se de nova roupagem,
enquadrando-se perfeitamente s posturas de Salgado neste contexto especfico.
Assim, imprescindvel se torna compreender seu envolvimento com a
intelectualidade que impulsionou a Revoluo Literria, se almejarmos de fatoabarcar as principais fontes formatadoras de seu pensamento.
Absolutamente politizada, a Semana de Arte de 1922 relegou a Salgado ao
menos duas heranas substanciais: seu apego literatura e a opo nacionalista,
que consolidou-se a partir de ento.
1.4.1 Os Romances de Salgado
No que tange ao mundo das letras, Plnio, que desde a juventude dedicou-se
ao ofcio de escrever, chega a publicar trs romances, desconsiderando-se, claro,
suas obras polticas, que so em muito maior nmero. Em que pese essa
desproporo, seus livros ficcionais ganham mritos adicionais aos olhos dopesquisador, reveladores que so, subjetiva ou objetivamente, implcita ou
explicitamente, de posicionamentos poltico/ideolgicos do autor, sobretudo se
considerarmos, como Trindade (1974, p.63), que no se pode compreender a
ideologia integralista sem penetrar no significado dos romances de Salgado.
Embora separados por perodos relativamente longos, os romances O
Estrangeiro (1926), O Esperado (1931) e O Cavaleiro de Itarar (1933) possuem
certa continuidade e demonstram o processo de maturao ideolgica do autor, bem
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como sua tica acerca dos acontecimentos sociais que vo se desenrolando no
Brasil, precisamente pelo fato de que os trs livros, ainda que de modo peculiar,
procuram retratar grandes temas nacionais intimizando-os atravs de personagens e
ambientes simblicos.
Sobre O Estrangeiro, o Prprio Salgado quem sustenta que o meu primeiro
manifesto integralista foi um romance (Despertemos a Nao, p.09) e nos oferece
as coordenadas para a compreenso da temtica que o compe:
O tema central daquele romance, to discutido na poca de
seu aparecimento, era o choque entre a concepo do jussanguinis das correntes imigratrias e a do jus soli em que seexprimiam as foras da terra e da tradio histrica da nossaptria, absorvendo os seus filhos na comunho nacionalbrasileira. (O Ritmo da Histria, p. 191)
Assim, no centro das idias levantadas pelo romance est a preocupao
com o processo de construo da identidade brasileira, em um pas que poca
ainda no havia assimilado inteiramente as culturas estrangeiras que para c
aportavam desde o Imprio, o que de certo modo retardou a sntese geradora da
conscincia e da cultura nacional. Ficam evidentes aqui os ecos do antropofagismo
modernista e a vontade de ruptura com a esfera de influncia cultural europia, uma
vez que a caracterstica que daria singularidade ao Brasil residiria em nossa
capacidade de incorporao cultural que paradoxalmente produz unidade atravs do
convvio e absoro dos valores disseminados pela diversidade.
Um dos personagens principais de O Estrangeiro o professor Juvncio,
nacionalista convicto que procura por todas as formas integrar os estrangeiros
comunidade brasileira, dedicando-se ao ensino da lngua e do Hino Nacional aos
filhos de imigrantes, precisamente do mesmo modo como anos depois vieram a
fazer os integralistas nas zonas de colonizao italiana e alem no sul do pas.
Novamente Salgado quem indiretamente traa este paralelo, englobando
outros personagens do mesmo romance:
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Doloroso o drama de Juvncio, pois contra ele, contra suaatividade, reagem mais fortemente do que a ao dos prpriosestrangeiros o charlatanismo da poltica operante configuradona personalidade do major Feliciano, que um oportunista,hoje perfeitamente adaptvel a qualquer dos partidos em queapodrece o povo brasileiro; e o alheiamento dos intelectuais,fazendo arte pela arte, em suas torres de marfim, como opersonagem Eugnio; e a desorientao ideolgica, desseconfusionismo nitidamente estrangeiro e, por isso, fixado, nolivro, na figura de um russo, Ivan, o tipo acabado efotograficamente idntico aos portadores de teorias queinfestam as colunas dos jornais, das revistas e as tribunas dasconferncias em que se expedem as idias da moda. (Ritmo
da Histria, p.192)
Alm da aluso, que no nosso entender, procura relacionar Juvncio e a Ao
Integralista nas atividades de nacionalizao em reas de imigrao e a suposta
reao de uma politicagem oportunista e interesseira (pecha estendida, por esta
tica, a todos os partidos polticos), nota-se o reflexo da crtica modernista aos
autores parnasianos (acusados de conscientemente apartarem-se das realidades do
mundo alheiamento intelectual e de promoverem uma arte comprometida emdemasia com as regras estilsticas arte pela arte). Porm, o fato de o porta-voz
de confusionismos estrangeiros e teorias modistas amplamente divulgadas estar
encarnado em um personagem de origem russa no nos parece clarificar outra coisa
seno o incipiente anticomunismo de Salgado, j que a Rssia de 1926 encontrava-
se sob jugo bolchevista e os reclames da Internacional incitando expanso do
socialismo j podiam ser ouvidos, inclusive no Brasil, com a fundao do Partido
Comunista quatro anos antes. Neste raciocnio, O Estrangeiro teria sido o primeiroaviso sobre o perigo (hoje aos olhos de todos), do dilvio russo cujas ltimas ondas
viro morrer aqui neste hemisfrio ocidental. (Ritmo da Histria, p.195) e
corporificou o momento da transio. A sua forma exprime a influncia da revoluo
literria, mas no seu fundo, delineia-se a revoluo poltica. (Despertemos a Nao,
p.11)
Mas, se em seu primeiro romance Salgado expe as aflies de uma nao
em formao, imersa em mltiplos entrechoques culturais, seu segundo livro, de
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cinco anos depois, denuncia a situao poltica brasileira em sua sistemtica
operacional. Sob um enredo repleto de ironias que subsidiam crticas virulentas aos
conchavos polticos, Salgado condena o messianismo incubado na psiquebrasileira,
ao contrrio do que o ttulo de O Esperado poderia fazer supor: aquele livro
antimessinico tem sido julgado... pelo ttulo! (idem, p. 18)
Em claro reflexo de seu nacionalismo, as pginas do romance contam a
histria de uma articulao poltica levada a cabo por congressistas visando outorgar
o monoplio das vendas do caf brasileiro a um grande conglomerado comercial
ingls. Neste universo, os interesses nacionais nem sempre so priorizados e os
lucros pessoais de polticos corruptos queles sobrepem-se em uma prticaadesista e subserviente aos ditames das velhas naes absorventes (O Esperado,
p.107). Tal mentalidade, colonizada, impregnada de estrangeirismos e atenta,
apenas, s negociatas polticas interesseiras e desideologizadas, bem reproduz,
para Salgado, o retrato perfeito da logstica operacional da Repblica Velha,
conforme se depreende das passagens em que citado o personagem do senador
Avelino dos Prazeres.
Alm disso, como comprovao de que seus romances buscavam
acompanhar a dinmica evolutiva da sociedade brasileira, da presena de
personagens tipicamente cosmopolitas em O Esperado subentende-se que as
massas urbanas se fazem presentes, como produto de uma novidade social que
ganha peso na balana poltica e econmica do pas.
Entretanto, o messianismo o motor principal do romance. Enquanto ospersonagens do Clube do Talvez misticamente aguardam a vinda de um homem
ungido, o eleito capaz de fazer com que o projeto do monoplio do caf encontre um
desfecho satisfatrio, a poltica rasteira dos pragmatismos aperfeioa seus mtodos
e triunfa facilmente. Para Salgado, este imobilismo pernicioso, que contemplaria toda
a sociedade, seria uma das causas do subdesenvolvimento brasileiro. Assim, ainda
que seja indiscutvel que Salgado critica a predisposio ao messianismo do povo
brasileiro, inclinado a esperar passivamente a vinda de um salvador, tambm
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verdade que o nacionalismo realista de Plnio leva-o a aceitar este fenmeno como
um dado da realidade psico-sociolgica do povo. (Trindade, 1974, p.70-71)
Concordando inteiramente com Trindade, adicionamos que diversas obras
posteriores de Salgado retomam o tema, no raro demonstrando, em contrapartida,
um ntido entusiasmo pelo sebastianismo portugus, talvez em decorrncia
justamente de seu patriotismo, que aceitando o messianismo como intrnseco
nossa gente, passa a procurar encar-lo de modo menos depreciativo.
O messianismo lusitano, como se sabe, permeou significativamente no
imaginrio popular da nao de Cames e sustenta-se na crena do retorno de D.Sebastio, rei tardiamente cruzado que desapareceu em batalha com foras
maometanas no sculo XVI. Para Salgado, quem no for capaz de nobres sonhos
no compreender jamais D. Sebastio... (Aliana do Sim e do No, p.97), pois o
soberano o heri que vai agir, que desaparecer como mrtir ressurgir como
sonho, permanecer como smbolo, viver como o maior dos mistrios na histria
lusada. (Rei dos Reis, p.278) Exaltando o idealismo de El Rei, vinculando-o
defesa da cristandade, Dilatao da f e do Imprio, como era o lema da coroadesde o Infante D. Henrique, D. Sebastio reuniu a fina flor da juventude da ptria e
com ela entrou em batalha perguntando, como perguntam diante da morte todos
aqueles que crem profundamente na sobrevivncia da alma: de que cor o
medo? (idem, p.281-282). O smbolo do messianismo portugus teria deixado
marcas irremovveis naquela nao, tendo sido seus efeitos romantizados por
Salgado, pois D. Sebastio, com o andar dos sculos, tornou-se o Esperado, o
Desejado, para finalmente significar a inquietude, os anseios de um povo, no sentidoda procura ideal, de transcendncia de ordem tica, poltica, religiosa. (ibidem,
p.285).
Conforme se pode depreender de anlises anteriores aqui citadas, a histria e
a literatura de Portugal so, na tica de Salgado, partes importantssimas de uma
herana que no pode ser ignorada por aqueles que objetivam interpretar o Brasil. O
ineditismo de sua anlise do sebastianismo (a qual no nos deteremos mais
criteriosamente devido ao risco de destoarmos do nosso foco) reside no pressuposto
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de que fragmentos deste sentimento transportaram-se para os trpicos6, j que o
sonho atravessou os mares e o tempo (Rei dos Reis, p.284), vindo ressoar
decisivamente no episdio da Guerra de Canudos, revolta liderada pelo beato
Antnio Conselheiro no serto nordestino em 1896: o sebastianismo constitui o seu
verdadeiro esprito animador. (Rei dos Reis, p.284).
O Esperado, portanto, parte de uma realidade social para envolver-se no
subjetivismo psicolgico do messianismo brasileiro. Outra a nfase de O Cavaleiro
de Itarar, romance em que Salgado detm-se prioritariamente nas questes
polticas. Mais uma vez seus escritos tm como norte a sucesso dos
acontecimentos no Brasil e a transio intelectual pessoal do autor.
J no prefcio da obra, Salgado explicita a sntese de sua trilogia, reforando
o que assinalamos acima: O Estrangeiro foi um aviso. O Esperado foi um
prognstico. O Cavaleiro de Itarardever ser: ou uma glorificao, ou um antema
nacionalidade. (O Cavaleiro de Itarar, p.06) Neste romance, o que prevalece a
agitao poltica e cultural do Brasil entre os anos de 1920 e 1930. Surgido logo
aps a fundao da AIB, o livro chega a tratar, inclusive, da RevoluoConstitucionalista de So Paulo, ocorrida em 1932.
Opondo-se ao inatismo e reconhecendo a influncia do meio na composio
da personalidade, a histria narra a trajetria de Urbano e Teodorico, que
acidentalmente trocados na maternidade, passam a ser educados por famlias de
condies econmicas opostas quelas que encontrariam em caso de
permanecerem no bero de origem. Enquanto a criana pobre educada na Europae transforma-se em um burgus tpico, descrito por Salgado como moralmente
decadente e detido, apenas, aos prazeres do sensualismo e do gozo materialista, a
6Empregamos o termo ineditismo a fim de referirmo-nos relao feita por Salgado entre o sebastianismo e omessianismo brasileiro considerando apenas a amplitude do presente trabalho. No se poderia, sob pena de
atentar contra a justia, desprezar a clarividncia de Euclides da Cunha, que em Os Sertes. So Paulo: MartinClaret, 2002, p.163, transcreve supostos sermes de Conselheiro aos jagunos: (...) das ondas do mar sair D.
Sebastio com todo seu exrcito. Desde o princpio do mundo que encantou com todo seu exrcito e o restituiu
em guerra. E quando encantou-se afincou a espada na pedra, ela foi at os copos e ele disse: Adeus mundo! At
mil e tantos a dois mil no chegars! Neste dia quando sair com o seu exrcito tira a todos no fim da espada destepapel da Republica. O fim desta guerra se acabar na Santa Casa de Roma e o sangue h de ir at a junta grossa.
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outra criana, Urbano, enviada pelos pais ao Exrcito como nica maneira de
garantir sua educao. No desfecho final do romance, ocorre um episdio que
procura simbolizar a nociva luta entre irmos que estaria desenvolvendo-se no seio
da sociedade brasileira: Pedrinho, irmo gentico de Teodorico, mas criado na
humildade da famlia a que Urbano foi enviado, enfrenta-se com o primeiro
(ignorando o parentesco que os unia) e Urbano, procurando agir como pacificador,
termina mortalmente ferido.
Salgado formula tal dramaticidade a fim de rogar pela unidade nacional, e
alm desta mensagem de averso s revolues e micro-revolues que ento se
disseminavam pelo Brasil (no que, sem dvida, a Revoluo Constitucionalista deSo Paulo foi alvo privilegiado), a crtica ao comunismo novamente se faz presente,
repetindo o que ocorrera sete anos antes em O Esperado. A retratao do
comunismo novamente construda com base em traos negativos. Pedrinho, moo
honesto e bom, que na infncia viveu como seminarista, apaixona-se por Elisa,
fazendo-a sua noiva, mas Teodorico, dado aos costumes burgueses de aliciar
amantes, deseja-a como concubina, contra a vontade da moa. Devido
interveno de uma terceira personagem (tambm representante da supostasimoralidades da alta sociedade), Pedrinho preso injustamente, o que o torna
amargo e invadido por remorsos e projetos vingativos. Desesperado, ele ento
politiza seu dio, transferindo-o da pessoa de Teodorico para a burguesia como um
todo:
Chegou porta da Associao dos Trabalhadores. Deviaentrar para aquela sociedade, sabidamente comunista. Que
tinha mais a perder? A vida? Devia d-la para a grande vindita.Pois aquele que roubava a noiva no era um burgus, umcapitalista, um potentado? No era um dos que exploram asmassas trabalhadoras, que as oprimem, em nome de umafalsa liberdade? (...) Pedrinho vibrava de prazer, raiva eesperana. Precisava desabafar-se de qualquer forma. (OCavaleiro de Itarar, 1933, p.106)
Logo, a mentalidade burguesa diretamente responsabilizada pela queda de
Pedrinho ao marxismo. Salgado procura, por esta via, dar ao comunismo um triplo
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combate: associa-o s doutrinas de dio destrutivo que ultrajam o sentimento
cristo, destruindo a pureza atravs da vingana e da criao de bodes expiatrios,
acusa-o de promover uma espcie de totalitarismo individual (j que Pedrinho, uma
vez comunista, politiza todas as aes do cotidiano e gradualmente v atrofiarem-se
em seu ntimo os sentimentos relacionados vida rotineira) e insinua que as
agremiaes marxistas servem-se do desespero de indivduos injustiados pelas
arbitrariedades burguesas para transform-los em massa de manobra assombrada
por valores corrosivos. Soma-se a isso o fato de que Urbano, o tenente idealista que
no encontra sentido claro nas agitaes militares de sua poca, rompe com Lus
Carlos Prestes to logo este acata o marxismo:
(...) Urbano no encontrava nos movimentos de rebeldia osentido exato de uma coordenao de inquietudes e deangstias (...). No era apenas a luta de classe que aqui seprocessava, mas outras lutas (...) de um esprito nacionalprofundo contra as exterioridades absorventes de uma culturaque no teve suas razes na Amrica do Sul. Os adversrios,porm, eram irmos. (O Cavaleiro de Itarar, 1933, p.159-160)
Povoam tambm as pginas de O Cavaleiro de Itarar personagens como
Pedro Maranduba, nacionalista, ardente de f nos destinos do Brasil e amante da
filosofia. Maranduba funda a Ao Fsforos de Segurana, entidade que para ele
teria como misso acordar nos seus semelhantes o que ele denominava a voz da
certeza, que era um senso uniforme de vida. Revelar essa voz em cada indivduo; e
revelar a grande voz da nacionalidade, (O Cavaleiro de Itarar, p. 135) porque o
anti-materialista Maranduba, defensor da ordem e da disciplina, pregava umaexistncia voltada vida herica, bem como o reerguimento do Brasil como nica
nao dotada de qualidades suficientes para plasmar uma conscincia perfeita da
vida. (idem, p.136) Alis, no toa que Trindade (1974, p.75) vislumbra neste
personagem uma espcie de caricatura auto-biogrfica de Salgado, com intuies
sobre sua ao poltica ulterior.
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1.4.2 Concepes Nacionalistas Retiradas do Movimento Modernista
O cenrio intelectual brasileiro no incio do sculo XX encontrava-se
profundamente influenciado pelos postulados de pensadores da escola francesa,
como Anotole France, Le Play e Edmond Demolins, tendo proeminncia, contudo, o
racismo evolucionista de Gustave Le Bon, Vacher Lapougue e Gobineau. Os odes
arquitetura craniana cltica braquicfala ou aos tipos dlico-louros, caractersticas
inerentes aos povos da Europa ocidental e s populaes anglo-saxs, eram ento
propagados como explicao definitiva para a superioridade destas etnias,
enquanto povos mestios, racialmente hbridos, como o brasileiro, estariamrelegados condio de eterna vassalagem. Tamanho ultraje s nossas origens, no
entanto, no foi suficiente para afastar a influncia destas teorias na intelectualidade
pr-modernista brasileira. Referindo-se a esta gama de pensadores, Anglica
Madeira afirma que foram eles:
Uma gerao que internalizou, de forma bastantesubserviente, um ethos de subalternidade, que adotou idiasque no convinham ao momento, tentando desvencilhar-se deum legado que parecia colar-se histria, a colonizao.Estes impasses de fins do sculo 19 e incio do 20 tornammais ntida a ruptura provocada pelos intelectuais modernistas,responsveis pela reverso dos valores atribudos mestiagem e tropicalidade. (Madeira, Fraturas do Brasil: opensamento e a potica de Euclides da Cunha, in Gunter Axte Fernando Schller (Orgs.), Intrpretes do Brasil, 2004,p.113)
Porm, a exemplo do seu mestre Alberto Torres,e dos modernistas como um
todo,Salgado destoa desta corrente inclinada passiva assimilao de preciosismos
derrotistas ao reconhecer na especificidade mestia do povo brasileiro um elemento
positivo, que apenas precisaria contar com uma situao poltica favorvel para
aperfeioar-se. Em artigo de 1926, ele escrevia: no vejo em que nos sejam
superiores os outros povos, sob qualquer aspecto. (Despertemos a Nao, p.35)
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A Semana de Arte Moderna de 1922, impulsionada pelo futurismo de
Marinetti, serviu como divulgadora destes ideais:
A revoluo literria e artstica de 1922-1923 teve o mrito deacender um flamejante esprito de rebeldia, com o qualinicivamos a derrubada dos velhos cultores da forma,quebrando o ritmo dos processos de estilo, e nosencorajvamos no sentido de quebrar tambm o ritmo polticodo pas. (idem, p.11)
Realmente, os efeitos irradiados por aquele evento iriam extrapolar a esfera
artstico-literria, atingindo decisivamente o campo poltico do Brasil de ento. Aindaque o objeto primrio dos organizadores da exposio do Teatro Municipal de So
Paulo fosse implodir o convencionalismo semntico parnasiano e o academicismo
das normas plsticas nas composies, o status quo artstico, enfim, sua
preocupao com o despertar de uma arte nacional conectada com a realidade
brasileira, independente, portanto, das influncias europias, iria contribuir para a
formatao de um ambiente fortemente politizado, onde o nacionalismo
desempenhou papel fundamental. Ao lado do deboche aos bacharis das letras e
catadores de vrgulas, encontra-se uma tendncia telrica de se procurar o
substrato primeiro da cultura brasileira, libertando-a de influncias aliengenas:
No se processou, contudo, uma volta ao ufanismoromntico. O novo nacionalismo tinha uma perspectiva crtica,um tom anrquico e desabusado (...). O caminho foi a vertenteprimitivista. No folclore, nos aspectos mticos e lendrios dacultura popular, quis-se descobrir a essncia do Brasil. Algo
como uma volta s origens primeiras. Da o indianismoreformulado de certos autores da poca. Desejava-se chegars razes. Sonhava-se com a delimitao de uma culturabrasileira, de uma alma nacional. (Gonzaga, 1994, p.173)
Este nacionalismo especfico teve em Salgado um entusiasta. Seguindo uma
tendncia j prenunciada em Euclides da Cunha, que mais tarde seria aprofundada
com maestria por Gilberto Freyre, Salgado parte da idia de que haveria uma diviso
psicolgica entre dois Brasis distintos, mutuamente desconhecidos: as grandesconcentraes litorneas e cosmopolitas de um lado e o imenso serto arcaico e
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tradicional de outro. O primeiro Brasil representaria o tecnicismo, a massificao, o
mundialismo; a modernidade, em suma. Os pilares da nacionalidade, seus aspectos
diferenciais e positivos, no entanto, residiriam nos confins do Brasil sertanejo, onde a
tradio, a religiosidade e o modo de vida provinciano ainda ditam as regras.
Anexando-se a esse Brasil a conscincia de uma herana indgena vivssima, que
qualificaria nosso povo categoria de uma singularidade altamente promissora, tm-
se as bases fundamentais do nacionalismo de Salgado.
Uma vez frisadas as ressonncias do modernismo no pensamento poltico de
Salgado, sobretudo no que concerne sua leitura nacionalista, torna-se importante
mapearmos esta faceta de sua ideologia. Como j pudemos destacar anteriormente,Plnio participara, juntamente com Menotti Del Picchia, Cassiano Ricardo e Motta
Filho, do movimento Verde-amarelista, bem como, ao lado de Raul Bopp, do
Movimento da Anta, ambos nacionalistas, embora tendo como ponto de partida a
veia literria do modernismo. Avaliando tais iniciativas, Salgado conclui que seu
distanciamento em relao seus companheiros de outrora deu-se em decorrncia
de uma alegada carncia de profundidade acerca da temtica nacionalista, j que
haveria uma limitao no horizonte intelectual do movimento que estacionava numnacionalismo demasiadamente exterior e pictrio, havendo a necessidade de se
conceber um nacionalismo interior e intuitivo. (Despertemos a Nao, p.14).
Esta intuitividade telrica e sentimental, que teria como objetivo maior o
resgate das origens mais remotas da brasilidade, foi perseguida por Salgado atravs
do indianismo, pois o prprio Plnio quem nos assegura que em conseqncia do
estudo do ndio, o mistrio da unidade nacional absorveu-me. (idem, p.16). ParaSalgado, haveria no Brasil uma surpreendente unidade tnica, que teria sido o
fundamento que permitiu a existncia e consolidao de uma unidade territorial e
poltica do pas. Tal uniformidade racial teria origem na influncia do sangue
indgena, que penetrando de modo generalizado na imensa maioria da populao
brasileira por meio do sucessivo caldeamento, produziu, com o correr dos tempos,
uma srie de peculiaridades, que vo desde o idioma e o folclore at a constituio
ntima da mentalidade popular. O ndio seria como que a sntese da nacionalidade,
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seu ncleo primordial e invisvel, o ponto para onde confluem todas as foras do
povo:
Essa raa a est na teogonia brasileira, de uma unidadeabsoluta nos seus mitos centrais o Curupira, o Saci, oCaapora, O boitat, a Iara; a vive nos nomes sintticos denossas cidades e dos nossos rios (...); a est no gnio danossa lngua, com expresses ainda mal sadas da prpriaterra, molhadas na impresso inicial; a vibra nas danasoriginais brasileiras, em que o cateret se infiltrou modificandoat os saracoteios africanos. Mas principalmente essa raavive em nosso gnio, a um tempo dcil e meigo, intemerato eagressivo, acolhedor do estrangeiro, mas rebelado aos seus
menores gestos de domnio. Essa raa que se diziadescendente da anta, o maior mamfero da Amrica, contribuiuenormemente na formao da nacionalidade e parece mesmopredominar sobre todas as outras. De sorte que todas as raasestrangeiras que para aqui vierem tero no tupi uma espciede denominador comum... (Despertemos a Nao, p.40)
Logo, o nacionalismo professado por Salgado considera o fator indgena
como grande matriz do Brasil, cumprindo aos nacionalistas, sob esta tica, exalt-lo.
O influxo de povos europeus, asiticos e africanos ao pas no teria impedido o
assentamento definitivo da singularidade nele consubstanciada. Retornando sua
ojeriza aos grandes centros urbanos, Salgado prope a ecloso do brasileiro em
toda a sua fora brbara, o que s ser concretizado quando as cidades
cosmopolitas forem invadidas pelo Esprito Nacional. (idem, p.51-52)
Completa este quadro a crtica tenaz empreendida por Plnio em face do olhar
estrangeiro para com o Brasil, cujas atitudes histricas teriam se caracterizado porum desdm profundo, pois o desprezo que temos sofrido corresponde a um
escorraamento sistemtico. Terra de negros, de mestios, de caboclos, a Europa
nunca nos levou a srio. (A Quarta Humanidade, p.157)
Mais do que isso, Salgado culpa a prpria subservincia dos intelectuais
brasileiros por supostamente terem acatado passivamente um senso de inferioridade
nitidamente imposto por nossos inimigos. Ironizando tais condutas, ele afirma quens, brasileiros, preocupados com as concluses dos europeus, assentamos que o
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maior vexame a que nos podero expor dizerem que no somos uma raa
absolutamente ariana e finaliza conclamando: Basta de tanto aviltamento!
Orgulhemo-nos de nossa origem! (Despertemos a Nao, p.41-42)
Entretanto, seu protesto paradoxalmente adquire um enfoque otimista em face
dessa viso depreciativa que nos era dirigida a partir da Europa. Isso porque seu
raciocnio pressupe que, como conseqncia do desprezo europeu, sendo
consensual o princpio de que o ethos genuinamente brasileiro estaria encarnado
nos caracteres interioranos, o Brasil teria plasmado-se de forma soberana:
Nada foi mais til Amrica do Sul do que o fato de a Europater nos feito o imenso favor de nos desprezar. Pudemos assimcompor uma fisionomia prpria, bem distinta. (...) O Isolamentoda Amrica do Sul foi completo, apesar dessa gentecosmopolita. No tomaram conhecimento de nossa existncia.Por isso, ns, os caboclos do Brasil, pudemos desenvolver-nos a vontade. (A Quarta Humanidade, p.158-159)
A realidade do indgena, bem como do caboclo que habita dos nossos
sertes, teria permitido a conservao de uma pureza primordial de alma, alheia ao
confusionismo cosmopolita. Na tica de Salgado, se consoli
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