Intervalos de aula são a melhor coisa que existe quando
se está em uma faculdade. Depois daquele alívio de ter re-
spondido à chamada você sai da sala já tramando fazer algo:
comer, beber algo (alcoólico ou não, depende da ocasião),
fumar um cigarro ou simplesmente jogar conversa fora, ou
tudo isso junto. Principalmente em um curso de comunica-
ção é importantíssimo manter o diálogo aberto com seus
colegas e não só focado naquelas fofoquinhas infames. Foi
em uma destas conversas que tive a ideia para esta pauta.
Minha colega Nathália Araújo contava sobre sua ida ao es-
petáculo da Paixão de Cristo em Nova Jerusalém, quando
mencionou o comentário de uma espectadora ao final da
cena do suicídio de Judas. Enquanto todos aplaudiam a cena
a mulher disse: “E eu lá vou aplaudir gente safada!”.
Sempre me encucou esta confusão que algumas pes-
soas fazem entre ficção e realidade, ator e personagem. Você
já deve ter visto na mídia alguma coisa sobre atores e atrizes
que são xingados e até agredidos nas ruas devido às car-
acterísticas dos personagens que representam nas novelas.
Pois é, eu também já vi e sempre achei isso muito escroto.
Como alguém não consegue entender que ali na telinha a
pessoa está representando algo e quando sai dali ela volta
a ser quem realmente é. Pra elucidar esta minha dúvida de-
cidi procurar algum psicólogo. Foi quando conversei com o
professor Alex Peña-Alfaro, do Departamento de Psicologia
da Universidade Católica de Pernambuco, e ele me contou
que acredita que estes fenômenos se intensificaram com o
Sobre ficção, realidade
e senso crítico
alcance que as telenovelas tomaram na vida das pessoas,
gerando uma identificação que não se via/vê com os livros
ou filmes, por exemplo.
A freqüência com a qual temos contato com a ficção
novelística na TV é doentia e ainda existem outros fatores
que contribuem para o agravamento deste quadro. Na opi-
nião de Peña-Alfaro, “diferente dos livros, nos quais há uma
distância entre o leitor e a história que é contada, a televisão
nos transporta para outra dimensão através da imagem, do
movimento, da fisionomia”. Quando o indivíduo sai de sua
casa para um outro ambiente onde há também a atuação ele
acaba reproduzindo o mesmo comportamento e confund-
indo o espetáculo com a televisão, como o que aconteceu
no relato de Nathália. O professor ainda lembrou que o con-
trário também pode acontecer e citou o exemplo de quando
Tiago Lacerda estava fazendo Jesus Cristo no espetáculo da
Paixão e algumas meninas ficavam gritando “gostoso, gos-
toso!”, mas aí creio que seja mais falta de educação, mesmo.
Outro problema, talvez o principal, parece ser a falta de
senso crítico dos nossos cidadãos que já estão tão imersos na
cultura do entretenimento alienante que não estabelecem
mais uma distância crítica saudável. Assim fica fácil con-
fundir o vilão da novela das oito com o ator que o representa.
Além das novelas que transmitem a imagem de um mundo
ideal, servindo assim como refúgio ao mundo cruel e real,
existem diversos programas que desafiam a nossa inteligên-
cia negativamente. Não estou com aquele papo chato de in-
telectual medíocre dizendo que só devemos ver coisas que
acrescentem conteúdo a nossa vida. Não, de maneira alguma.
Uma boa dose de besteira diária não faz mal pra ninguém. A
questão é saber diferenciar as coisas, ter senso crítico e não
engolir passivamente tudo que é veiculado. Esta é a grande
diferença entre um ser alienado ou não; e não ver ou não Big
Brother Brasil como vários pensam por aí.
Desde o início da televisão no Brasil as telenovelas têm
lugar cativo na programação das emissoras. A Rede Globo
é a principal emissora produtora de novelas no Brasil e por
muito tempo teve o monopólio de audiência neste tipo de
produção. Há alguns anos outras emissoras vem investindo
mais neste tipo de programa, chegando a concorrer com as
novelas do “plin plin”. Hoje, após às 17h30 (sem contar com
a reprise de novelas antigas em Vale a Pena Ver Denovo, na
programção vespertina da Rede Globo) os brasileiros são
bombardeados por várias novelas de várias emissoras. E a
maioria das famílias para neste horário para ver todas elas,
sim, não duvide disso, eu mesmo tenho um exemplo na min-
ha casa: minha mãe. Na verdade ela só não gosta das nove-
las das 19h da Rede Globo e Malhação, mas todo o resto ela
vê, inclusive a da Record. Eu, semeador da discórdia que sou,
sempre a questiono: “Mãe, a senhora é viciada em novela?” e
ela retruca “que nada menino, só vejo porque não tem nada
pra fazer”. Mas é capaz de rolar briga se eu trocar o canal
para ver outra coisa. Como ela, devem existir mais milhões
no Brasil e pra mim está aí a raiz do problema.
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