Universidade Presbiteriana Mackenzie
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ESTUDANTES DE LICENCIATURA: QUEM SÃO? O QUE ESPERAM DA FORMAÇÃO
INICIAL E DA DOCÊNCIA COMO PROFISSÃO?
Mary Sasaqui Oshio (IC) e Patrícia Cristina Albieri de Almeida (Orientadora)
Apoio: PIBIC Mackenzie/MackPesquisa
Resumo
A partir da premissa que o perfil do aluno da licenciatura mudou e que os cursos de formação docente enfrentam o desafio de propiciar uma formação profissional de qualidade, interessa a presente pesquisa caracterizar o perfil do aluno que escolhe a docência como profissão, bem como compreender as expectativas e concepções dos estudantes de licenciatura sobre a profissão docente. Os sujeitos dessa pesquisa são os estudantes do curso de Pedagogia das duas últimas etapas de uma instituição universitária localizada na grande São Paulo. A coleta de dados foi realizada em dois momentos: questionário e discussão de grupo. Foram realizadas três entrevistas em grupo no curso de Pedagogia e aplicado 79 questionários. A análise do questionário permitiu a caracterização do perfil dos licenciandos e a constatação de que a precariedade na formação básica trouxe conseqüências para o avanço nos estudos a nível superior. A análise dos depoimentos dos grupos de discussão teve dois enfoques: fontes de identificação com a profissão docente, no qual aspectos relacionados à profissão docente e sua função social foram os principais motivos que levaram os estudantes a optarem pela licenciatura e; a compreensão do papel do curso na construção da profissionalidade, que suscitaram questões em relação ao currículo e ao papel do professor formador. A pesquisa permitiu que fossem identificadas lacunas na formação inicial no curso de Pedagogia, porém também pode-se destacar importantes contribuições e intenções contidas na estrutura curricular da Licenciatura que contribuirão para a construção de uma prática docente que busca a profissionalidade.
Palavras-chave: formação docente, profissionalização docente e papel do professor formador
Abstract
Based on the premise that the profile of education students has changed and that majors in education face the challenge of providing a top quality professional foundation, this research aims to identify the characteristics of students who choose teaching as a profession, as well as to understand their expectations, beliefs, values and views regarding the teaching profession. The subjects of this research are Early Childhood Education students at a university in the Greater Sao Paulo area in their last two terms. Data gathering was completed in two stages: a questionnaire and a group discussion. Three group interviews and 79 questionnaires were conducted in the Education class. Questionnaire analysis made it possible to characterize the profile of the graduating class and conclude that a weak foundation in basic education caused a negative impact for the advancement of studies at the higher education level. The analysis of the testimonies in the discussion groups focused on two major points: identification sources within the teaching profession, in which the related aspects of the teaching profession and its social functions were the main reasons that influenced the students to choose the educational field and; the understanding of the role that the curriculum plays in building professionalism, which brought about questions regarding the curriculum and the role of professors. The research made it possible to indentify weaknesses in the Early Childhood Education undergraduate major. However, one can also highlight important contributions and intentions
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contained within the curricular structure of the Education major, which will contribute to the foundation of a teaching practice which seeks a high level of professionalism.
Key-words: teacher’s education, teacher’s professionalization and the teacher’s role as a developer
of citizenship
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INTRODUÇÃO
No conjunto das pesquisas acerca da formação de professores, das reformas e do modelo
formativo que se pretende instaurar, ainda se sabe pouco sobre o trabalho do professor
formador e sobre o aluno que procura os cursos de licenciatura. As pesquisas também são
incipientes no que diz respeito ao perfil dos estudantes de cursos de licenciatura e sobre as
questões relativas à atratividade da carreira docente.
Os dados do Censo Escolar de 2007, último dado disponível no Ministério da Educação
(MEC), registram uma mudança no perfil dos que buscam a profissão docente, bem como a
queda no número de formandos em cursos de licenciatura. De 2005 a 2006, houve uma
redução de 9,3% de alunos formados em cursos de licenciatura e o perfil sócio-econômico
de quem escolhe o magistério tem se alterado nos últimos anos. Os jovens da classe média
têm se desinteressado pela carreira e os estudantes que escolhem o magistério como
profissão tendem a ser de classe socioeconômica desfavorecida. A maioria dos estudantes
é proveniente do ensino público que tem apresentado um baixo desempenho no Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem). Trata-se de alunos que tiveram dificuldades de diferentes
ordens para chegar ao ensino superior.
Na última década vários países vêm manifestando preocupação com o perfil das pessoas
que venham a optar pela docência. Em 2005, a OCDE1 (Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico) divulgou um relatório intitulado “Attracting, Developing and
Retaining Effective Teachers” que retrata que vários países enfrentam dificuldades em atrair
professores qualificados para substituir os que vão se aposentar na próxima década. Mesmo
os países que não registram problemas de escassez de docentes manifestam preocupação
em atrair professores.
Em uma pesquisa desenvolvida por André e colaboradores (2009) sobre o trabalho docente
do professor formador, a mudança no perfil do aluno da licenciatura foi muito enfatizada.
Especialmente no caso das instituições comunitárias e na privada, os participantes da
pesquisa identificam a falta de preparo adequado dos estudantes, principalmente quanto à
capacidade de leitura, escrita e compreensão de texto, bem como a falta de domínio dos
conhecimentos básicos da área em que esses estudantes irão atuar. Os formadores
identificam, também, que muitos estudantes têm uma visão utilitarista da formação
universitária. Já a realidade na universidade pública é outra, os formadores elogiam o
repertório cultural e o aproveitamento dos estudantes. O desafio desses professores,
segundo eles, é convencer os estudantes a não desistir do magistério. 1 A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma organização internacional e
intergovernamental que agrupa os países mais industrializados da economia do mercado. Tem sua sede em Paris, França. Na OCDE, os representantes dos países membros se reúnem para trocar informações e definir políticas com o objetivo de maximizar o crescimento econômico e o desenvolvimento dos países membros.
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Com base nessas considerações de que o perfil do aluno da licenciatura mudou e de que os
cursos de formação docente enfrentam o desafio de propiciar uma formação profissional de
qualidade delineou-se a presente pesquisa. A pretensão foi investigar: Quem é o aluno que
escolhe a docência como profissão? Quais as expectativas e concepções dos estudantes de
licenciatura sobre a profissão docente? O que o estudante de licenciatura espera do curso?
Quais os conhecimentos e práticas do curso são considerados mais significativos para os
estudantes, futuros professores?
Considerando os questionamentos apresentados em relação ao perfil do aluno do curso de
licenciatura, interessa à presente pesquisa: descrever e analisar como os alunos das
licenciaturas concebem sua formação docente. Para tanto, pretendeu-se: caracterizar o
perfil do aluno que escolhe a docência como profissão; compreender as expectativas e
concepções dos estudantes de licenciatura sobre a profissão docente; identificar e analisar
as expectativas do estudante de licenciatura em relação ao curso de formação; identificar e
analisar os conhecimentos e práticas do curso considerados mais significativos para os
futuros professores.
REFERENCIAL TEÓRICO
A fim de fundamentar teoricamente este trabalho, inicialmente, julgou-se essencial situar as
discussões sobre a identidade da profissão docente e sua profissionalidade num contexto de
grandes mudanças. Para tanto, foram consultados teóricos como Imbernón, Laranjeiras,
Nogueira, Vaillant e, também, a pesquisa da Fundação Carlos Chagas sobre a Atratividade
da Carreira Docente.
A seguir se retomará as discussões sobre a docência como profissão e sua função, a partir
de Roldão, Imbernón e Vaillant. Ao tratar sobre conhecimento profissional será abordado
questões referentes aos saberes docentes fundamentados em autores da literatura
internacional como Tardif, Gauthier e Shulman, que influenciaram teóricos brasileiros.
Para finalizar este quadro teórico será abordado o tópico sobre formação inicial e
permanente no qual pretende-se descrever, a partir de Imbernón e Vaillant, se estes
espaços têm sido um solo propício para que os saberes docentes se desenvolvam.
Docência: uma questão de profissionalização-desprofissionalização
Muitas discussões têm permeado o debate nacional e internacional num momento de
construção de um novo perfil profissional docente. A educação do futuro, como bem explica
Imbernón, (2009, p. 33) requer uma nova formação docente inicial e permanente, que se
caracteriza primordialmente pela capacidade reflexiva em grupo, como processo coletivo
para regular as ações, os juízos e as decisões sobre o ensino, já que o contexto de trabalho
tornou-se mais complexo e diversificado.
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Nas próximas décadas, a profissão docente deverá desenvolver-se em uma sociedade em mudança, com um alto nível tecnológico e um vertiginoso avanço do conhecimento [...] será necessário formar o professor na mudança e para a mudança.
Assim sendo, são essenciais investimentos na formação de professores, tema este que tem
sido o centro das atenções e, também, um dos pontos mais importantes a serem tratados
dentre as políticas públicas para a educação, pois os atuais desafios colocados à escola
exigem do trabalho educativo outro patamar profissional (ROLDÃO, 1998; LARANJEIRA et
al, 2002; NOGUEIRA, 2008; IMBERNÓN, 2009; VAILLANT, 2009).
Entretanto, quando se trata deste assunto, percebe-se que a questão é complexa e exige a
consideração de vários fatos concomitantes:
[...] os professores estão inseridos numa crise de identidade, agravada pela precarização da formação e dos salários; pela falta de organização como profissão; pelo individualismo/isolamento dos professores e, conseqüentemente, o enfraquecimento do trabalho coletivo dentro e fora das escolas; pela dependência das políticas governamentais e pela não participação na criação das mesmas; pela alienação política e, ainda, pela fragilidade psicológica que se produz em meio a esta crise (NOGUEIRA, 2008, p. 4721).
Denuncia-se deste modo o contexto de fragilidade e a indefinição do trabalho docente, em
virtude de políticas educacionais impostas às instituições escolares e pelos próprios
professores, como atores principais da profissão docente, perdidos em meio à massificação
do magistério comprometendo, consequentemente, a sua profissionalização (NOGUEIRA,
2008; IMBERNÓN, 2009).
Nogueira (2008), fundamentada em Roldão (2005), trata a formação docente como uma
questão de profissionalização-desprofissionalização. Suscitou-se a idéia da docência como
uma semiprofissão em função da indefinição da especificidade de ser professor perante os
desafios e tensões da pós-modernidade. É reconhecido atualmente que uma das tarefas
essenciais, não só no Brasil, mas também na América Latina, consiste em
[...] encontrar a maneira de melhorar as perspectivas de carreira dos professores e de modificar o imaginário coletivo referente a essa profissão. Os responsáveis pela educação enfrentam o desafio constante de dispor de um número suficiente de professores que sejam competentes, que permaneçam motivados e que tenham condições de trabalho adequadas durante toda a sua carreira profissional (VAILLANT, 2009, p.125).
A profissão docente não pode se render a este contexto complexo no qual está inserida, é
importante considerar que não é uma tarefa somente da categoria, mas da sociedade como
um todo reagir à situação de deterioração e desvalorização da profissão. Assim, como a
conjuntura de fatores gerou uma desconfiança a respeito da profissão docente, a superação
da perda de prestígio social e da deterioração da imagem profissional também só poderá ser
superada num esforço conjunto de diversas áreas da sociedade.
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Docência como profissão
Imbernón (2009), fundamentado em Labaree, justifica que não é possível analisar as
mudanças da profissão docente sem considerar os diversos debates sobre a sua
profissionalização que, historicamente, foi considerada como uma semiprofissão
caracterizada pelo saber que o capacitava a ensinar. A imagem da docência tem sido
atrelada a ideias preconcebidas de que para ensinar não é preciso ter uma formação
específica. O percurso da construção da profissionalidade docente apresenta um quadro
histórico e uma representação social ambígua, pois no exercício da profissão docente tem
se assemelhado ao “[...] estatuto mais próximo do funcionário, ora do técnico ou, pelo
contrário, socialmente idealizado em termos mais próximos do artista ou do missionário”.
Pode-se constatar que no imaginário coletivo ainda predomina a idéia de “vocação” e “jeito”
para ser professor em detrimento da sua profissionalidade (ROLDÃO, 1998, p.81).
Um dos autores que fez avançar a discussão do conceito de profissionalidade docente é
Gimeno Sacristán (1995, p.65), o autor define profissionalidade como “o conjunto de
comportamentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser
professor”.
De acordo com Ambrosetti e Almeida (2009), na análise a respeito do processo de
profissionalização da docência, Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004) apresentam duas
dimensões que se articulam no desenvolvimento da profissão. A primeira é uma dimensão
interna, na qual a profissionalidade é entendida como o processo que proporciona a
aquisição dos saberes próprios da docência e a construção das competências profissionais.
A segunda é uma dimensão externa, no qual o profissionalismo está relacionado à obtenção
de um status profissional e ao reconhecimento social da profissão.
De maneira mais aprofundada e detalhada Roldão (1998), imersa em uma perspectiva
sociológica, define quatro eixos definidores que permitem distinguir uma profissão de outras
atividades. Os descritores de profissionalidade são identificáveis quando um profissional:
exerce uma determinada atividade “socialmente reconhecida como útil em resultado da sua
finalidade”; aplica “o saber requerido para exercê-la”, ou seja, “precisa dominar um conjunto
de saberes, que incluem conhecimentos teóricos e práticos, competência e capacidades
específicas”; tem “poder de decisão sobre ação” e “autonomia” e “correspondente
responsabilização”; e “pratica a sua atividade num quadro de desenvolvimento profissional
que implica um permanente processo de análise reflexiva que lhe permite modificar
decisões” (ROLDÃO, 1998, p.80). A partir desses descritores é possível analisar e clarificar
a profissionalidade docente. Portanto, a seguir será abordada tal questão que contribui de
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forma significativa para a compreensão sobre a ação e o conhecimento do profissional
docente.
Função docente
A natureza da função específica de professor e o conhecimento profissional docente são
duas dimensões interdependentes, construídas sócio-historicamente. Roldão (1998) explica
que aprender é um processo complexo e interativo tornando se indispensável um
profissional de ensino, o professor. Assim sendo, o que distingue o ato de ensinar é a difícil
competência de fazer aprender, isto pressupõe a consciência de que a aprendizagem ocorre
no outro e só é significativa se ele se apropriar dela ativamente.
Os descritores que definem o ser professor não se alteraram, contudo modificou-se o grau
de consciência crítica dos docentes em relação aos componentes da profissionalidade, bem
como o que se valoriza socialmente quanto à função de ensinar, ao saber educativo, ao
poder de decisão e à reflexividade (ROLDÃO, 1998).
Neste contexto, a função de ensinar assume outra linha de interpretação: a da dupla
transitividade e do lugar da mediação, ou seja, a especificidade de
[...] fazer aprender alguma coisa (a que chamamos currículo, seja de que natureza for aquilo que se quer ver aprendido) a alguém (o ato de ensinar só se actualiza nesta segunda transitividade corporizada no destinatário da ação, sob pena de ser inexistente ou gratuita a alegada acção de ensinar) (ROLDÃO, 2007, p.95).
A dialética do ensino transmissivo versus o ensino ativo pertence a um determinado
contexto sócio-histórico passado. Atualmente, o importante é que a função de ensinar deve
ser definida por razões sócio-históricas, superando as ideológicas e pedagógicas, ou seja,
considerar a integração da complexidade da ação docente e da sua relação profunda com o
seu estatuto profissional (ROLDÃO, 2007).
O profissional da educação deve participar na emancipação das pessoas e ter como objetivo
de ensino tornar as pessoas mais livres, menos dependentes do poder econômico, político e
social. Imbernón (2009) apresenta a visão de que a conquista de espaços profissionais deve
considerar o aumento de democracia real e ajudar a evitar a exclusão social dos educandos,
cooperando com a comunidade.
Conhecimento profissional
A não definição explícita de suas funções profissionais tem levado os professores a assumir
responsabilidades educativas que corresponderiam a outros agentes de socialização.
Atualmente ainda se sabe muito pouco sobre os conhecimentos que estão no alicerce da
profissão docente, por esta razão, também, muitos questionamentos surgem em virtude
desta falta de clareza (IMBERNÓN, 2009).
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O esclarecimento da função de ensinar envolve a sua natureza e o tipo de conhecimento
profissional. Estes têm pendido entre duas tendências: a discursividade humanista e a
tecnicização da atividade. O conhecimento tem sido apontado como o
[...] “elo mais fraco” da profissão docente, aquele que importa investir como alavanca capaz de reverter o descrédito, o desânimo, o escasso reconhecimento – fatores repetidamente identificados na investigação sobre professores e desenvolvimento profissional (ROLDÃO, 2007, p. 97).
A temática sobre os saberes docentes é um assunto recente no contexto das pesquisas
educacionais brasileiras. A discussão sobre o tema surgiu em âmbito internacional nas
décadas de 1980 e 1990, em virtude do movimento de profissionalização do ensino e suas
implicações na busca por um repertório de conhecimento dos professores que legitimasse a
profissão e desta maneira proporcionasse a ampliação do campo de forma quantitativa e
qualitativa.
Ao tratar a questão dos saberes docentes e a formação de professores, observa-se a
influência da literatura internacional e de pesquisas brasileiras, que vêem o professor como
um profissional que constitui o seu conhecimento a partir da profissão, inserido numa
condição complexa e diversificada de trabalho (IMBERNÓN, 2009; NUNES, 2001).
Tardif, Gauthier e Shulman são autores internacionais que têm contribuído
significativamente para a compreensão dos conhecimentos que constituem a base do
ensino, ou seja, os saberes mobilizados pelo professor que devem ser desenvolvidos na
formação profissional. Do ponto de vista tipológico apresentam classificações distintas,
porém não excludentes que contribuem para a profissionalização docente. Em suma, pode-
se dizer que as proposições de Tardif (2002) valorizam a experiência e o saber que se
constitui a partir dela, sendo que esta experiência filtra e organiza os demais saberes.
Considera os saberes dos docentes plurais, estratégicos, desvalorizados, temporais e
personalizados. Já Shulman (1986 apud MIZUKAMI, 2002) entende que os docentes
possuem uma epistemologia particular, por isso estuda os diferentes tipos de modalidades
de conhecimento que os professores dominam. Seu foco central é o conhecimento que os
docentes têm dos conteúdos de ensino e do modo como estes se transformam no ensino,
destacando o papel estruturante da dimensão educativa neste processo. E, Gauthier (1998)
buscou uma definição para a pedagogia como um ofício feito de saberes. Estes três
pesquisadores têm enriquecido muito os estudos sobre conhecimento profissional por meio
das questões referentes aos saberes docentes.
Segundo Nunes (2001), a partir da década de 1990, as pesquisas brasileiras buscam
resgatar o papel do professor num contexto de complexidade da prática pedagógica e dos
saberes docentes. Em contrapartida aos estudos que reduziam a profissão docente ao
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tecnicismo, a abordagem dá voz ao professor, ou seja, passa-se a considerar a
subjetividade do professor, a sua história de vida, na constituição do trabalho docente.
A identificação e a análise dos saberes docentes contribuem para a ampliação do campo e
para a implementação de políticas que envolvem a questão da formação do professor, a
partir da ótica dos próprios sujeitos envolvidos.
Formação inicial e permanente
Segundo Vaillant (2009) constatou em suas pesquisas, na América Latina a expansão do
ensino médio e superior fez com que a obtenção de um título docente deixasse de
representar uma marca social distintiva e, por esta razão identificou um grande número de
professores em exercício somente com a formação de nível médio. No entanto, a autora
ressalta que a formação inicial é de grande importância, pois
[...] é o primeiro ponto de acesso ao desenvolvimento profissional contínuo e desempenha papel-chave na determinação da qualidade e quantidade de novos professores que passam a fazer parte desse processo (VAILLANT, 2009, p.147).
O desenvolvimento das competências profissionais do professor pressupõe os
conhecimentos da escolaridade básica. Entretanto, a realidade atual do sistema educacional
brasileiro é marcada não só pela existência de professores leigos, que não tiveram acesso
ao ensino médio ou não o completaram, mas também por uma formação básica precária e,
muitas vezes, insuficiente para sua atuação profissional.
A formação universitária oferece a excelência acadêmica para os futuros docentes, porém,
isto não significa que promova a formação de melhores professores. Vaillant (2009),
fundamentada em Perrenoud (2004), afirma que a elevação da qualidade de ensino e da
competência profissional na sala de aula depende da redução da distância entre a formação
de professores e as escolas.
É preciso analisar a fundo a formação inicial recebida pelo futuro professor ou professora, uma vez que a construção de esquemas, imagens e metáforas sobre a educação começam no início dos estudos que os habilitarão à profissão. É uma etapa muito importante, já que o conjunto de atitudes, valores e funções que os alunos de formação inicial conferem à profissão será submetido a uma série de mudanças e transformações em consonância com o processo socializador que ocorre nessa formação. É ali que se geram determinados hábitos que incidirão no exercício da profissão (IMBERNÓN, 2009, p.55).
De acordo com Imbernón (2009) a formação deveria apoiar-se em uma reflexão dos sujeitos
sobre sua prática docente, de modo a lhes permitir examinar os pressupostos ideológicos e
comportamentais por meio de um processo constante de auto-avaliação que oriente seu
trabalho.
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Assim como a formação a nível superior tem seu espaço fundamental na docência, a
formação continuada torna-se imprescindível. Vaillant (2009) destaca a importância do
conceito de “desenvolvimento profissional” e “autonomia profissional”, ou seja, a concepção
de “formação em serviço” é substituída por processo de formação, de maneira contínua de
acordo com as necessidades que se sucedem em diferentes etapas da vida profissional ou
segundo diferentes tipos de experiências.
Para Laranjeira et al (2002) a formação é entendida como um processo contínuo e
permanente de desenvolvimento que envolve três circunstâncias: uma postura de aprendiz
por parte do professor, uma formação que desenvolva autonomia na aprendizagem e um
sistema escolar que promova condições para o aprendizado.
Vaillant (2009) se refere a este período como “o elo perdido” pela falta de ações políticas
que apóiem a iniciação na docência. Segundo Laranjeiras et al (2002), é um período
delicado, pois o professor iniciante se conscientizará desse momento e atuará como
aprendiz crítico se os professores experientes e os formadores estiverem abertos aos seus
questionamentos, para contribuir com seu processo de crescimento profissional. A
supervisão de professores experientes e formadores, intercâmbio de experiências e
documentação do trabalho são formas para se sistematizar estratégias de trabalho com
professores iniciantes.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Tendo em vista o propósito de investigar o perfil do aluno da licenciatura e suas concepções
sobre a profissão docente e sobre a própria formação, o caminho metodológico orienta-se
naturalmente para uma aproximação à perspectiva dos sujeitos.
Os sujeitos dessa pesquisa são os estudantes do curso de Pedagogia que cursavam as
duas últimas etapas da Licenciatura no segundo semestre de 2010 de uma instituição
universitária localizada na grande São Paulo. A coleta de dados foi realizada em dois
momentos: questionário e discussão de grupo.
Grupo de Discussão
Foram realizadas três entrevistas em grupo no curso de Pedagogia com duração de
aproximadamente de uma hora. O primeiro constituído de 9 alunos do 6º/7º semestre do
período vespertino, o segundo por 5 alunos do 8º semestre do período noturno e o último
por 10 alunos do 6º semestre do mesmo período. O foco principal era investigar as fontes de
identificação com a profissão e os pontos mais e menos significativos no curso de
licenciatura.
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Nos grupos o procedimento de intervenção seguiu um roteiro para orientar o processo de
discussão e o aprofundamento do tema. A atividade foi conduzida por dois pesquisadores:
um assumiu o papel de mediador, dirigindo a discussão e, o outro, procedeu ao registro das
interações. Essas anotações foram necessárias para detectar o contexto das falas, os
momentos de hesitação, de maior discordância, expressões corporais, dispersões e
impressões gerais a respeito do andamento da discussão. O registro das falas foi feito por
meio de gravação em áudio para garantir a completa cobertura dos dados que,
posteriormente, foram transcritos.
Mediante autorização formal da instituição, os participantes assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, no qual concedem à participação na pesquisa. Para as
entrevistas em grupo também foi solicitada autorização para a gravação das mesmas.
A discussão em grupo permitiu reunir estudantes que vivenciam o mesmo percurso
formativo, partilhando alguns traços em comum e, ao mesmo tempo, com variações nas
suas trajetórias de vida e de escolarização que permitiram opiniões diferentes. É uma
técnica de pesquisa que permite a obtenção de dados de natureza qualitativa, o objetivo é
coletar, a partir do diálogo e do debate com e entre os participantes, informações acerca de
um tema específico, permitindo que eles apresentem, simultaneamente, seus conceitos,
impressões e concepções.
Questionários
O questionário foi aplicado nas últimas etapas do curso de Pedagogia (totalizando 79
questionários) e foi elaborado com o intuito de obter informações que permitissem uma
caracterização dos estudantes, incluindo dados sobre idade, sexo, escolaridade dos pais,
período em que estuda, se trabalha, bem como indicadores de nível socioeconômico. No
questionário, também se buscou dados a respeito da escolha profissional, permanência na
docência, as expectativas em relação ao curso de licenciatura, os pontos altos e baixos e a
avaliação a respeito do currículo do curso.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O que se identificou em termos de caracterização, a partir da análise do questionário, foi que
os estudantes, em sua maior parte, freqüentam o curso de licenciatura no período noturno,
são dependentes financeiramente da família, porém para se tornarem mais independentes,
estão exercendo atividade remunerada desde que ingressaram no ensino superior. Há uma
desigualdade predominante de gênero quando comparado com outras profissões nas quais
a distribuição é mais equitativa ou de prevalência masculina e há a tendência de professores
jovens ingressarem na educação básica. Em relação à formação na educação básica,
observou-se que um número significativo de alunos realizou estudos em escola pública e, na
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maioria dos licenciandos, será o primeiro membro da família a obter o ensino superior. Em
termos de capital cultural, são jovens que tiveram poucas oportunidades de acesso aos
bens culturais da humanidade.
Apesar de ser uma instituição privada, em virtude dos diversos benefícios para àqueles que
não possuem condições financeiras, ela tem acolhido estudantes das classes média e baixa.
Considerando a dimensão de gênero, ainda prevalece a associação da carreira do
magistério às mulheres, o que fica em suspenso é se há, ainda, uma representação no
imaginário coletivo a associação do sexo feminino à maternidade e ao cuidado e, que por
ser visto como algo que não gera riqueza, não é valorizado profissionalmente nem
financeiramente.
Em relação a este aspecto de valorização da docência, notou-se que estudantes associam a
desvalorização da profissão à questão salarial não condizente com as demandas
profissionais. Há uma crítica em relação à política educacional brasileira que não favorece a
atratividade pela carreira docente, pois remuneração e reconhecimento social estão
interligados.
Ao se considerar a precariedade em que se encontra a educação básica e os dados
apontados, somente confirma-se a situação encontrada por André e Almeida (2010), o que
tudo indica, os professores formadores tem razão quando afirmam que o perfil do aluno da
licenciatura mudou e que este novo quadro social tem representado novos desafios para a
docência.
Na análise do grupo de discussão foi identificada a necessidade de investimento no
aprendizado da língua portuguesa, pois os licenciandos perceberam dificuldades de leitura e
produção de textos em seus colegas, principalmente evidenciados na elaboração dos
Trabalhos de Graduação Interdisciplinar (TGI), consideraram esta condição inaceitável para
um futuro professor. Tal constatação é condizente com o que os professores formadores
apontaram como dificuldade no desempenho do mandato de ensinar a ensinar e, a
necessidade de reorganizar o ensino e adequar o trabalho pedagógico ao perfil do aluno.
Assim sendo, é importante advertir, como André e Almeida (2010) constataram, que estas
lacunas deixadas pela educação básica, ainda não tem se constituído em uma preocupação
nas universidades, portanto, não é um lapso somente da universidade na qual o estudo foi
realizado. As autoras identificaram que não há propostas nos cursos investigados de
mecanismos de nivelamento dos discentes como previsto pelo Sistema de Avaliação
Nacional de Cursos de Ensino Superior. Os cursos precisariam criar programas
institucionalizados, com diretrizes claramente definidas, para identificar as dificuldades que
interferem no desempenho acadêmico dos alunos e propor programas de apoio adequados
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às demandas existentes. O contexto de precarização da educação básica gera novas
exigências ao trabalho do professor formador, como André e Almeida (2010) sugerem, essa
constatação fortalece a idéia de que haja um Projeto de Formação, em que sejam previstas
ações para enfrentar essa questão.
A investigação, sobre o nível de satisfação dos estudantes em relação à licenciatura e como
avaliam a sua formação, detectou que a maioria dos estudantes teve suas expectativas em
relação ao curso atendidas e que contribuiu para a formação do professor. É um indicativo
que o curso de licenciatura da universidade pesquisada tem alcançado o seu objetivo de
formar docentes do ponto de vista do licenciando.
Dentre as diversas razões para a sua satisfação em relação ao curso de formação, os
alunos referiram-se a dois aspectos interligados: consideram o curso de boa qualidade e
que este proporcionou a base para a profissão docente. Para os licenciandos o curso
promoveu uma formação profissional para o exercício da docência em decorrência dos
conhecimentos adquiridos e pela competência didática dos docentes da Universidade. Ao se
referirem ao saber ensinar, ou seja, à prática docente, os estudantes parecem compreender
que esse conhecimento profissional está relacionado com o seu trabalho, que vai se
constituindo ao longo da carreira docente e não com o conhecimento teórico universitário.
Apesar da avaliação positiva, os fatores que levaram os alunos a considerarem que as
expectativas não foram atendidas, merecem um olhar atento, pois suscitam questões que
estão em pauta em muitas pesquisas no meio acadêmico. A docência tem sido questionada
como profissão e os cursos de formação buscam caminhos de reformulação para que
consigam dar conta das novas demandas sociais, políticas e econômicas.
Analisando as justificativas dos estudantes que não tiveram suas expectativas atendidas em
relação ao curso, chama a atenção as críticas ao desenvolvimento dos conteúdos da grade
curricular num curto espaço de duração do curso, à crítica a aspectos relacionados à
dinâmica de condução da disciplina pelo professor e à forma inadequada da relação
professor/aluno. Observou-se que a estrutura, a organização e os conteúdos disciplinares
da grade curricular dependem diretamente do seu desenvolvimento pelo corpo docente da
Universidade.
Identificou-se que as principais fontes de identificação com a docência foram a: influência da
família, gostar de criança, a experiência prévia em espaços escolares e não escolares, a
função social, formação e profissão docente.
Dentre os diversos fatores que influenciaram o desejo de ser professor o apreço pela
profissão e pelo processo ensino-aprendizagem foram os aspectos mais citados no
questionário. Para que esta função docente se concretize efetivamente no cotidiano escolar,
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a formação inicial deve promover a habilitação para o “ensino ativo”, considerando que a
aprendizagem é um processo complexo e interativo que evidencia a necessidade do
professor como um indispensável profissional de ensino. Já há o anseio nos licenciandos de
adquirir tal conhecimento, cabe a instituição universitária imprimir esta marca distintiva do
ato de ensinar, que é a difícil competência de fazer aprender.
Outra fonte de identificação relatada nos grupos de discussão que merece destaque é
considerar o papel social que a docência exerce, isto é, a formação de cidadãos e da
sociedade. As justificativas nos remetem a uma imagem salvífica da Educação, uma
ferramenta pela qual o status quo pode ser alterado e novos valores, considerados mais
éticos, podem ser implantados. Identificou-se o desejo de colaborar na formação dos
cidadãos com a conotação de proporcionar uma emancipação. Neste sentido, a formação
inicial tem um papel importante a desempenhar na conscientização do compromisso com a
educação democrática.
Em relação ao papel do curso na construção da profissionalidade, analisou-se os pontos
mais e menos significativos para a formação apontados pelos licenciandos, com destaque
para o papel do formador, da instituição, da estrutura curricular de formação, práticas
curriculares e pedagógicas.
Dentre os pontos mais significativos, apontados pelos licenciandos, ressaltou-se a qualidade
teórica do curso, contudo a apreensão desta teoria só foi possível para aqueles que
estavam inseridos no ambiente escolar. Consideraram que, quem tinha experiência prévia
em magistério ou, que estivesse trabalhando na área em estágio remunerado, teve um
aproveitamento muito maior do que aqueles que se restringiram aos estágios obrigatórios.
Do ponto de vista da contribuição dos estágios foi ressaltado como um espaço onde a teoria
proporciona a formação de um espírito crítico no aluno, postura essa moldada ao se deparar
com a prática escolar. Destacou-se que durante o percurso formativo é construído um
arcabouço teórico que possibilita uma leitura nas entrelinhas da sociedade, da educação e
do homem. Permitindo que tenha uma compreensão das partes e do todo de uma forma
crítica, avaliando os pontos fortes e fracos, sem perder o foco daquilo que é ideal, possível e
utópico.
Os aspectos de criticidade e de pesquisa estão inter-relacionados e são igualmente
merecedores de atenção na formação docente. A universidade ofereceu concretamente
práticas que colaboram no desenvolvimento de um espírito pesquisador nos licenciandos.
Porém, as atividades extracurriculares oferecidas pela instituição não se restringiam
somente a área de pesquisa, a monitoria, por exemplo, foi destacada como um dos pontos
significativos da formação. O papel do formador nesta situação colabora diretamente na
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constituição da profissionalidade do futuro professor, pois o licenciando tem a oportunidade
de ter experiências que constituem o repertório do ‘saber fazer’ de um professor.
Estes pontos altos destacados relacionados à relação teoria e prática, a construção de uma
criticidade e de um espírito investigativo trazem à tona a importância dos pensamentos de
Gauthier (1998) quando ele se refere à Pedagogia como um ofício feito de saberes. Neste
sentido a universidade tem colaborado para superar os obstáculos historicamente
construídos em relação à profissionalização do ensino.
Os professores formadores exerceram um papel importante na formação inicial, foram vários
os relatos a respeito do assunto, apontando diversos aspectos. Na relação professor-aluno,
os licenciandos destacaram aspectos subjetivos do formador associados ao
comprometimento e uma postura de incentivo e companheirismo. Qualidades subjetivas
associadas às disciplinas contribuem para a conscientização dos licenciandos da sua
responsabilidade e compromisso com a formação de valores.
Dentre os aspectos relacionados à organização didática das aulas, que foram mais
significativos na formação, vale a pena destacar a valorização que os licenciandos
atribuíram às dinâmicas e atividades desenvolvidas em sala, práticas pedagógicas
alternativas como idas ao laboratório de ciências e Estudo do Meio e estudos de caso. De
um modo geral, são práticas pedagógicas que permitiram a compreensão de como aplicar a
teoria na prática por meio de uma aula demonstrativa. No caso do Estudo do Meio, possui
uma característica interessante por ser uma prática que proporciona a interdisciplinaridade.
Os estudos de casos, os filmes e os relatos dos professores, que foram destacados nos
depoimentos dos licenciandos como pontos significativos na organização didática das aulas,
podem ser considerados como ferramentas promissoras em processos formativos da
docência. Neste sentido, os pensamentos de Shulman (1986) contribuem, pois acredita que
seja a solução de dois problemas: a aprendizagem pela experiência e a construção de
pontes entre teoria e prática. Desta maneira não só favorecem a compreensão do processo
ensino-aprendizagem durante a formação inicial, mas também fornece uma estratégia para
o desenvolvimento profissional.
Outro ponto importante a ser ressaltado é a valorização de práticas pedagógicas que
promovam o trabalho em equipe, pois proporciona a reflexão e a discussão entre os pares.
A interação entre os alunos promove o desenvolvimento de conteúdos atitudinais,
procedimentais e conceituais. A formação inicial que valoriza essas práticas está
preparando um solo fértil para que uma nova cultura profissional nas instituições educativas
se desenvolva.
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A identificação dos pontos baixos apontados pelos estudantes em relação ao curso de
licenciatura foi uma importante investigação realizada neste estudo, pois pode colaborar na
avaliação e tomadas de decisões a respeito da formação docente. Neste sentido, colabora
na superação da situação que Gatti (2003, p.26) adverte como: “[...] uma imobilidade muito
grande nas instituições universitárias, nas instituições de ensino superior, no sentido de
apresentar proposições mais avançadas e consistentes para formar professores”.
Em relação à estrutura curricular os licenciandos apontaram diversas questões, entre eles: a
falta de conciliação entre grade curricular e o curto tempo de duração do curso, a crítica ao
currículo, a falta da relação teoria e prática, da interdisciplinaridade e o papel do formador.
O aligeiramento do curso de licenciatura foi um aspecto abordado pelos licenciandos, que
consideram que tal situação trouxe consequências para o andamento e organização do
currículo das universidades, ou seja, as decisões tomadas pelas políticas educacionais
públicas comprometeram o desenvolvimento dos conteúdos das disciplinas, levando a
fragmentação do conteúdo e a superficialidade do tratamento dos assuntos.
Na análise a respeito dos pontos altos do curso, os licenciandos destacaram o conteúdo
teórico como algo significativo, porém o que se observa é que a ênfase teórica, acabou se
apresentando como uma questão irreconciliável, por um lado o curso proporcionou uma
bagagem conceitual que possibilitou a formação de um espírito crítico, por outro, a formação
deixou a desejar no sentido de articular a teoria e prática, deixando lacunas.
Outra questão na estrutura curricular que tem incomodado os estudantes é a existência de
muitos discursos teóricos a respeito de uma prática ideal, contudo pouco vivenciada no
ambiente universitário. Esta situação é um retrato da critica realizada por Gauthier aos
conhecimentos acadêmicos: “[...] não se dirigiam ao professor real, cuja atuação se dá numa
verdadeira sala de aula, mas a uma espécie de professor formal, fictício, que atua num
contexto idealizado, unidimensional, em que todas as variáveis são controladas” (1998,
p.26). Analisando a situação do ponto de vista de Gauthier, caso os licenciandos não
encontrem a correspondência do discurso acadêmico com a prática docente, somente se
perpetuará a critica de que a racionalidade técnica reduziu a complexidade e as diversas
dimensões concretas da situação pedagógica, a um ponto tal, que não se pode mais
encontrar correspondência com a realidade.
Apesar do estágio curricular obrigatório ter uma importante contribuição e ser valorizado, os
alunos o consideraram como um ponto a ser reformulado. Eles reconhecem que há um
impasse nesta questão, pois ao mesmo tempo que a curta duração do estágio não permite
uma análise da prática docente fidedigna, os licenciandos já se sentem sobrecarregados
com as horas determinadas para a atividade. Além deste fato, o estudante fica a mercê da
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escola que o acolhe. Tal situação poderia ser amenizada caso houvesse uma intervenção
da universidade no sentido de mediar a relação licenciando-escola, porém há uma falta de
diálogo entre as instituições, o que também torna o estágio sem sentido, ou seja, sem
cumprir efetivamente o seu objetivo de estabelecer relações entre teoria e prática, dando a
entender que a existência desta atividade é meramente burocrática. De igual modo,
disciplinas que são conduzidas sem clareza de propósitos ou deficitárias em relação ao
conteúdo oferecido podem gerar, nos licenciandos, a sensação da existência de conteúdos
curriculares que só existem pra cumprir as exigências legislativas, mas que não contribuem
para a formação docente. E, neste sentido, há uma interferência direta do professor
formador, em virtude de como organiza e conduz didaticamente a disciplina e, também, pelo
domínio da matéria e pela relação professor-aluno mal estabelecida.
Em função de alguns fatores como a fragmentação do conteúdo, a superficialidade do
tratamento dos assuntos e o prejuízo causado pela forma como algumas disciplinas foram
conduzidas didaticamente, geram no licenciando a sensação de despreparo para a
docência.
O sentimento de despreparo piora quando se trata da disciplina de Fundamentos e
Metodologia da Alfabetização. Gatti (2003) descreve que a universidade assumiu a
responsabilidade pela formação do professor alfabetizador, entretanto este não se encontra
instrumentalizado para promover a mesma qualidade de formação que as escolas normais
de ensino médio promoviam. Nos depoimentos, a disciplina foi considerada como uma
brecha na licenciatura, pois apesar de se ter consciência da complexidade de alfabetizar, o
fato dos licenciandos saírem do curso sem se sentirem preparados para exercer tal tarefa
tem gerado angústia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho partiu da premissa de que o perfil do aluno da licenciatura mudou e que as
práticas formativas sejam redirecionadas no sentido de propiciar bases para a constituição
do conhecimento pedagógico especializado e o início da socialização profissional, a fim de
que esses futuros professores correspondam à complexidade da tarefa educativa num
momento de redefinição da docência como profissão. O objetivo foi de dar voz àqueles que
vivenciam o percurso formativo, ou seja, compreender sobre a formação inicial a partir de
quem vivencia no seu dia a dia acadêmico as exigências formativas, as dificuldades, as
expectativas e as necessidades em relação à constituição profissional.
Os resultados a respeito dos pontos menos significativos no curso de licenciatura deste
estudo parece uma repetição das grandes lacunas formativas encontradas por Gatti (2003,
p. 475):
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As grandes lacunas formativas desses professores, até nos conteúdos próprios, e as enormes lacunas formativas na área pedagógica- porque eles têm uma pincelada de prática de ensino, de didática, de estrutura e funcionamento do ensino, um estágio que, na maioria dos casos, não existe de verdade [...] Como se o professor pudesse ser professor sem ter refletido sobre educação, sobre o desenvolvimento de crianças e jovens, sem ter feito um estágio adequado, sem ter permanecido o tempo necessário em uma escola, sem ter acompanhado o trabalho de outro professor, sem ter tido a chance de ensaiar um trabalho com crianças ou adolescentes.
A autora relata que existem muitas pesquisas a respeito da formação de professores e
argumenta, também, que há muitos discursos sobre a importância do professor, porém
poucas intervenções ocorreram para mudar a condição de sua formação, ou seja, pouco se
fez para “oferecer aos jovens que desejam ser professores um currículo digno para o
desenvolvimento dessa profissionalidade e de seu profissionalismo, um lugar de formação
para onde ele pudesse se dirigir, como uma escolha profissional clara” (GATTI, 2003,
p.475).
O que impressiona nas suas críticas em relação aos cursos de formação e chama atenção
para este estudo é sua advertência em relação à falta de reflexão sobre as consequências
de uma formação fragmentária e precária de um professor para uma sociedade tão
complexa. Tendo em vista a afirmação de Imbernón (2009) de que o professor precisa ser
formado para mudança e na mudança em virtude de seu trabalho ter se tornado mais
complexo e diversificado, fica a dúvida se o que a formação inicial tem oferecido para estes
licenciandos será o suficiente para que atuem neste contexto social tão complexo em que se
encontra a Educação. Então, repetindo as indagações de Shulman: O que um professor
necessita para ser um professor? Mizukami (2004, p.36) traduz bem as ideias do
pesquisador.
A base do conhecimento para o ensino consiste de um corpo de compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições que são necessários para que o professor possa propiciar processos de ensinar e de aprender, em diferentes áreas de conhecimento, níveis, contextos e modalidades de ensino. Essa base envolve conhecimentos de diferentes naturezas, todos necessários e indispensáveis para a atuação profissional. É mais limitada em cursos de formação inicial, e se torna mais aprofundada, diversificada e flexível a partir da experiência profissional refletida e objetivada. Não é fixa e imutável. Implica construção contínua, já que muito ainda está para ser descoberto, inventado, criado.
Como bem destacado por Shulman, a formação inicial é limitada no sentido de fornecer os
saberes necessários para a prática docente, porém ela deve se constituir num primeiro lócus
de socialização profissional e de cultura profissional que valorize o trabalho colaborativo e
investigativo. Vaillant (2009) também ressalta que a formação inicial do professor é o
primeiro momento de acesso ao desenvolvimento profissional contínuo e, portanto,
desempenha papel fundamental na determinação da qualidade e quantidade de novos
professores que passam a fazer parte desse processo.
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Não dá para pensar a dimensão formativa da profissão docente de forma simplista. Como
Gatti (2003) destaca a formação de professores deve considerar quatro aspectos: o
estabelecimento de critérios de perfil para seleção profissional para a docência; superação
da fragmentação formativa entre conteúdos específicos e formação pedagógica; habilitar o
professor a trabalhar com o coletivo escolar e, promover uma mudança na formação dos
formadores. Cabe ressaltar a importância deste último aspecto, pois é necessário lidar com
uma cultura cristalizada nas instituições formadoras e isto está diretamente ligada ao
professor formador que precisa ter um compromisso com a profissionalidade do professor, o
que requer sair do gueto de sua disciplina e promover o trabalho em equipe de forma
integrada no sentido de formar um professor profissional.
Neste estudo pode-se identificar que os licenciandos de um modo geral sentem que suas
expectativas foram atendidas, entretanto ao se comparar os pontos mais e menos
significativos considera-se que, apesar da universidade investigada investir em pesquisa e o
conteúdo teórico ser um dos pontos fortes do curso, outros pontos negativos influenciam
diretamente na prática docente que reafirma a profissionalidade da docência e que promove
a emancipação dos cidadãos na sociedade. Esta pesquisa tomará como certo as palavras
de Gatti (2003) que enquanto houver uma formação que produza a menos valia que se cria
internamente na universidade e que se projeta na sociedade, perpetuará o desmerecimento
social e político dessa profissão, que é de fundamental importância para a nação.
Em síntese, fazer este trabalho foi reconstruir a história da formação inicial do olhar de quem
viveu o ensino superior numa licenciatura, ouvindo as tensões e os impasses, bem como as
realizações e as expectativas em relação ao curso. Olhar o curso de licenciatura da
perspectiva da pesquisa permitiu que fossem identificadas lacunas na formação inicial,
porém também pode-se destacar importantes contribuições e intenções contidas na
estrutura curricular da Licenciatura que, certamente, contribuirão para a construção de uma
prática docente que busca a profissionalidade.
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