UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO
CAMPUS DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
Graziele Aparecida Bassi
LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NO DISCURSO DO JORNALISMO: A COBERTURA DAS ELEIÇÕES 2002 PELA FOLHA DE S. PAULO
BAURU 2005
Graziele Aparecida Bassi
LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NO DISCURSO DO JORNALISMO: A COBERTURA DAS ELEIÇÕES 2002 PELA FOLHA DE S. PAULO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Área de Concentração em Comunicação, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP, Campus de Bauru, como requisito à obtenção do título de Mestre em Comunicação, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Inez Mateus Dota.
Bauru 2005
Graziele Aparecida Bassi
LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NO DISCURSO DO JORNALISMO: A COBERTURA DAS ELEIÇÕES 2002 PELA FOLHA DE S. PAULO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, da Universidade Estadual Paulista, Campus de Bauru, para obtenção do título de Mestre em Comunicação. Banca Examinadora: Presidente: Profa. Dra. Maria Inez Mateus Dota Instituição: Unesp/Bauru Titular: Prof. Dr. Murilo César Soares Instituição: Unesp/Bauru Titular: Prof. Dr. Danilo Rothberg Instituição: Universidade do Sagrado Coração
Bauru, 1º de junho de 2005.
Dedico este trabalho a todos os brasileiros leitores de jornais
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pela oportunidade de ter sentado um dia numa carteira de escola. Aos meus pais, Eurydes Aparecido Bassi e Maria Rissato Bassi e às minhas irmãs, Sandra e Cristina, porque sempre me incentivaram a estudar. A todos os educadores com os quais tive a oportunidade de aprender e compartilhar conhecimentos durante toda a minha vida acadêmica. Ao Eduardo, pelo companheirismo, paciência e apoio em todos os momentos, especialmente nos difíceis. À Maria Inez Mateus Dota pela presteza e prontidão, professora com quem tive a satisfação de trabalhar durante o período do Mestrado. Aos professores amigos que participaram, desde o pré-projeto até a dissertação em si, ajudando, sugerindo ou apoiando. Aos meus amigos e colegas que em pensamento ou palavras muito me ajudaram a não desistir dos meus objetivos.
BASSI, G. A. Linguagem e Subjetividade no discurso do jornalismo impresso: a cobertura das Eleições 2002 pela Folha de S. Paulo. 2005. 212 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, UNESP, Bauru, 2003. RESUMO Reflexão sobre a forma de representação do cenário político eleitoral presidencial pela Folha
de S. Paulo, sob a ótica da análise da prática discursiva empregada pelo jornal, fundamentada
no estudo da relação sujeito-ideologia no meio impresso. A problemática é constituída a partir
de análises da superfície textual, com a finalidade de evidenciar posições, formas de pensar e
de construir sentido pelo diário de acordo com seus princípios e interesses, rompendo com os
paradigmas do pluralismo e da independência, tão defendidos pelo veículo analisado.
Palavras-chave: Jornalismo impresso; Discurso; Política; Ideologia
ABSTRACT
This work shows a reflection about the representation form of the Brazilian election scenery
in 2002 presented by Folha de S. Paulo, from the perspective of the newspaper discourse
practice analysis, based on the study of the subject-ideology relation in the press. The problem
is constituted from analyses of textual surface, with the purpose of emphasizing positions,
ways of thinking and constructing meaning by the paper according to principles and interests,
breaking with the paradigms of pluralism and independence, so much defended by the vehicle
analyzed.
Key words: Press journalism; Speech; Politics; Ideology
LISTA DE ANEXOS Anexo A Qual Lula?
Anexo B Independência e Solidão
Anexo C ´Elite brasileira é perversa´, afirma Lula
Anexo D Lula elogia governo Médici
Anexo E Metalúrgicos protestam em visita de Lula
Anexo F Filósofo aponta falta de coerência no PT
Anexo G Lula pede votos para o ‘companheiro’Quércia
Anexo H PT prepara texto conjunto com a Bolsa para conter ira do mercado
Anexo I Haverá segundo turno?
Pensando o impensável
Anexo J Serra liga alta do dólar à ‘tensão pré-eleitoral´ FMI critica pessimismo de investidores
Anexo K O ataque final dos mercados contra Lula
Anexo L Datafolha avalia atuação do jornal na eleição Lula, Serra e Ciro recebem espaço semelhante
Anexo M Leitores identificam equilíbrio na Folha Leitorado se divide entre Serra e Lula Jornais oscilam ao longo da campanha
Anexo N Gerente da crise e administrador do caos
Anexo O Eleição em sete dias Muitas e fortes emoções
Anexo P Lula precisa conter radicais do PT, diz Piva
Anexo Q As urnas e a crise
Anexo R PT concede quase tudo para ‘última cartada’ de seu líder
Anexo S Mercado testa BC, e dólar bate em R$ 4 Com Lula, Brasil vira Venezuela, diz tucano Escalada do câmbio gera outro confronto Deixar Serra é ‘covardia’, diz Ermírio
Anexo T Serra ataca e diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer
Anexo U Serra usa alta do dólar para desafiar Lula
Anexo V Ermírio ataca ‘covardes’ que mudam de lado
Anexo X A largada
Anexo W Tucano liga PT a troca da cor da bandeira
Anexo Y Dias de decisão
Anexo Z Folha se manteve equisdistante no 2º turno Leitor reconhece cobertura apartidária 49% votam em Serra, 42% preferem Lula
Anexo AA Pesquisa aponta vitória de Lula para presidente hoje
Anexo AB Lula, com 64% dos votos válidos, deve ser eleito hoje; Serra tem 36%
Anexo AC ‘Lulinha paz e amor’ fugiu aos conflitos
SUMÁRIO AGRADECIMENTOS 05
RESUMO 06
ABSTRACT 07
LISTA DE ANEXOS 08
1 INTRODUÇÃO 09
2 O CAMPO JORNALÍSTICO 13
2.1 As teorias do Jornalismo (ou da Notícia) 14 2.1.1 Ação pessoal 16 2.1.2 Ação social 19 2.1.3 Ação ideológica 23 2.1.4 Ação tecnológica 26 2.1.5 Ação histórica 27 2.1.6 Para quem se destina o jornalismo? 29
2.2 Um breve perfil da imprensa brasileira 31 2.2.1 A mídia e o modelo de jornalismo brasileiro 32 2.2.2 Oligopólios: ponto conflitante da mídia brasileira 34
2.3 O jornal Folha de S.Paulo 35 2.3.1 Um breve histórico 35 2.3.2 Projeto Editorial e Manual de Redação: estratégias de posicionamento mercadológico 37 2.3.2.1 A Folha e a crise do mercado 40
3 A ANÁLISE DO DISCURSO 43
3.1 Definições e conceitos 44 3.1.1 A perspectiva francesa 44 3.1.2 Outras perspectivas 48
3.2. A relação linguagem ideologia: o estudo da subjetividade na prática discursiva do jornalismo 52 3.2.1 Discurso e sujeito 53 3.2.2 A subjetividade no jornalismo e o jornalismo enquanto prática discursiva 56 4 JORNALISMO, POLÍTICA E AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002 64
4.1 Jornalismo e Política: campos que se entrecruzam 65 4.1.1 O Jornalismo e seu papel na construção do sentido político 67
4.2 Os modos de produção da notícia nas Eleições Presidencias de 2002 69 4.2.1 Visibilidade ou construção do sentido e interpretação da realidade? 70 4.2.2 O cenário político eleitoral em 2002 73 4.2.2.1 Cenários e candidatos 78
5 O ENFOQUE DA FOLHA DE S. PAULO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002 84
5.1 Processos de análise 85 5.1.1 A prática discursiva do jornalismo 85 5.1.1.1 Delimitação do corpus 86 5.1.1.2 Temática recorrente e referência ao estilo predominante 87 5.1.2 Formas de representação do sujeito no discurso jornalístico 88 5.1.2.1 Os dêiticos 89 5.1.2.2 As modalidades 91 5.1.2.3 A axiologia 94 5.1.2.4 A intertextualidade e a interdiscursividade 96 5.1.2.5 O discurso enquanto prática social 98
5.2 Análises 100
5.2.1 O jornalismo “independente”, “apartidário” e “pluralista” 100 5.2.1.1 A visão do articulista 101 5.2.1.2 O retrato da imparcialidade trazido pelas notícias 104 5.2.1.2.1 Os critérios do Instituto Datafolha 106 5.2.1.2.2 Uma cobertura “diferente”? 107 5.2.1.2.3 A imprensa por ela mesma 108 5.2.1.2.4 Sobre os candidatos: preferências 109 5.2.1.2.5 O referendo do leitor 112 5.2.1.2.6 O voto do (e)leitor 115 5.2.1.3 Considerações 117
5.2.2 Contestando as pesquisas 117 5.2.2.1 Desenhando o cenário do segundo turno 119 5.2.2.1.1 A “batalha” intensa, o debate e o “caos econômico” 120 5.2.2.1.2 Vamos ter uma “virada”? 121 5.2.2.1.3 Um último olhar 125 5.2.2.2 A pesquisa segundo os articulistas 127 5.2.2.3 Considerações 129
5.2.3 “O Fator Lula” e a ameaça do Mercado Financeiro 129 5.2.3.1 Previsões “sangrentas” 130 5.2.3.2 Notícias: o fantasma do mercado 133 5.2.3.2.1 As estratégias do PT – 1º turno 134 5.2.3.2.2 A crise econômica e Serra – 1º turno 135 5.2.3.2.3 A crise econômica e Serra – 2º turno 136 5.2.3.2.4 Fontes de peso 141 5.2.3.2.5 O “outro lado” 143 5.2.3.2.6 O caso da bandeira vermelha 143 5.2.3.2.7 Torcendo pelo segundo turno 144 5.2.3.3 Considerações 145
5.2.4 PT “cor de rosa” e “Lulinha paz e amor” 146 5.2.4.1 O partido das duas faces 146 5.2.4.2 A entrevista: um só lado da moeda 149 5.2.4.3 A agenda de Lula 151 5.2.4.3.1 Alianças 151 5.2.4.3.2 De costas para o sindicato 153 5.2.4.3.3 Saudades da ditadura? 155
5.2.4.4 O novo PT 157 5.2.4.4.1 Cedendo anéis. E também dedos 158 5.2.4.4.2 A estrutura profissional da campanha 159 5.2.4.4.3 Aliados 160 5.2.4.5 “Lulinha paz e amor” 161 5.2.4.6 Considerações 163 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 164
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 175
ANEXOS 183
9
1 INTRODUÇÃO
10
1. INTRODUÇÃO
A imprensa é palco para discussões e apresentações de temas, o espaço privilegiado de
poucas vozes e um dos locais de visibilidade da política. Discutir a forma de representação do
cenário político eleitoral de 2002 pelo jornalismo impresso brasileiro é a proposta deste
estudo.
A tarefa terá como aporte o pensamento de estudiosos sobre a atividade jornalística,
enfocando, principalmente, os fatores que influenciam a seleção e a produção da notícia.
Também buscamos como referência os estudos de pesquisadores sobre o campo político
relacionado aos meios de comunicação, bem como suas análises sobre o pleito majoritário
brasileiro em 2002, no tocante à cobertura prestada pelos meios de comunicação no período.
Essa leitura será feita sob a luz da Análise do Discurso, uma abordagem que busca
revelar o sentido que está por trás das escolhas feitas no processo informacional. Nesse
contexto, percebemos que a forte influência do jornalismo dá-se justamente por ser um tipo de
discurso que tenta apagar as marcas de subjetividade visando à isenção, à neutralidade.
Entendemos que a produção da informação feita pelo jornalismo constitui
representação da realidade que segue interesses e objetivos de atores internos e externos do
espaço jornalístico e que vai influenciar diretamente na construção do sentido.
O objetivo da análise é verificar como se dá a relação sujeito-ideologia em textos do
jornal Folha de S. Paulo, um dos principais diários brasileiros, por intermédio da análise de
recortes em que serão verificadas as escolhas lexicais que apontam para a subjetividade do
jornalismo e que materializam a ideologia e, assim, como coloca Fowler (1991), observar
como a linguagem vai consolidar e confirmar as organizações que a moldam.
No capítulo dois apresentamos as Teorias do Jornalismo (ou da Notícia), um conjunto
crítico de discussões sobre o fazer jornalístico em que devem ser levadas em conta as ações
11
pessoais, sociais, ideológicas, tecnológicas e históricas que influenciam diretamente nessa
atividade e que determinam aquilo que é produzido e publicado pela imprensa.
Com essa visão geral da produção noticiosa, focamos nossa atenção no jornalismo
impresso brasileiro concentrando nossa análise de forma particular no jornal Folha de S.
Paulo. Propomos traçar um perfil do meio na atualidade, discutindo para quem se destina o
jornalismo impresso e analisando alguns princípios que regem a imprensa brasileira.
No capítulo em seqüência, nossa abordagem se refere diretamente à Análise do
Discurso, por meio de autores que seguem a linha francesa e também as inglesas - Análise
Crítica do Discurso e Teoria Social do Discurso. Trazemos, de maneira muito especial, uma
discussão de estudos sobre a subjetividade e a produção do sentido na prática discursiva do
jornalismo como um meio de compreender as relações entre sujeito-sentido-ideologia na
imprensa.
Posteriormente, o quarto capítulo discute particularmente o jornalismo e a política
enquanto campos que se entrecruzam e que se necessitam, e o papel do jornalismo na
construção do sentido político. Nesse capítulo retomamos também o contexto das eleições
presidenciais de 2002, com o resgate do cenário eleitoral especialmente durante o período
eleitoral, ou seja, aquele que acontece durante a veiculação nos meios de comunicação do
Horário Eleitoral Gratuito, com destaque aos quatro principais candidatos no primeiro turno e
aos dois oponentes do segundo turno. Fazemos uma discussão sobre o enfoque dos meios de
comunicação, observando os modos de produção da notícia eleitoral.
No quinto capítulo estão delimitados os processos de análise, discutindo como se dá a
prática discursiva do jornalismo a partir das formas de identificação e representação do sujeito
nesse tipo de discurso, que nos levará, finalmente, à compreensão do discurso enquanto
prática social. O objeto desta pesquisa é constituído por quarenta textos noticiosos do jornal
Folha de S. Paulo, do período Eleitoral, que compreende o intervalo entre 20 de agosto - data
12
em que se inicia a propaganda eleitoral gratuita, e 27 de outubro - data em que se encerra o
segundo turno das eleições presidenciais.
Optamos pela seleção de enunciados agrupados em quatro eixos, quais sejam: a imagem
que a Folha faz de si para o público-leitor, as interpretações das pesquisas de opinião pública
do período, o agendamento da crise econômica como fator eleitoral e o tratamento dado ao
candidato Luís Inácio Lula da Silva.
Os recortes foram obtidos nos cadernos Brasil (1o Caderno) e Especial Eleições 2002,
que abordam propriamente a notícia sobre política. Os textos foram distribuídos por temas
predominantes e discutidos com base no referencial teórico-metodológico construído para este
trabalho.
Para fazer a análise, selecionamos trechos das notícias, agrupamos por gênero
jornalístico predominante e os enquadramos a partir de temáticas que identificamos como
predominantes no jornal durante o período. Em nossas análises identificamos marcas
lingüísticas como os dêiticos, a modalidade, a axiologia e a intertextualidade, com o fim
principal de recorrer às marcas de subjetividade no texto jornalístico.
Finalmente, em nossas considerações, discutimos nossas impressões a respeito das
relações entre o jornalismo e a política e, a partir dos estudos sobre as formas de construção
das notícias políticas feitas pelo jornal Folha de S. Paulo, questionamos o paradigma da
independência e do pluralismo propagados pelo diário.
13
2 O CAMPO JORNALÍSTICO
14
2.1 AS TEORIAS DO JORNALISMO (OU DA NOTÍCIA)
Trazemos nesta primeira parte o referencial teórico sobre as Teorias do Jornalismo (ou
da Notícia), pois entendemos que o pensamento de pesquisadores a respeito da atividade
jornalística nos auxilia na compreensão das ações e fatores que influenciam na construção e
no fabrico da notícia, podendo se tornar uma fonte rica de conhecimentos junto à aplicação da
metodologia da análise do discurso de um meio impresso no período eleitoral de 2002, de que
tratamos adiante.
De uma atividade diretamente relacionada à técnica (a imprensa), o jornalismo, no
cenário contemporâneo, tem um papel de extrema relevância à sociedade. “As notícias são
socialmente relevantes nas sociedades democráticas, onde o acesso à informação, mais do que
um direito, pode ser definido como uma necessidade que emana dos próprios fundamentos do
sistema” (SOUSA, 2002, p. 198).
Hoje o jornalismo é uma instituição. Tornou-se uma organização que contrata
profissionais para quem estabelece contratos e normas e organiza a produção de notícias com
a finalidade de gerar lucros assim como toda empresa do sistema capitalista.
Com a conquista da liberdade de imprensa e de expressão coube ao jornalismo
trabalhar para legitimar a democracia, cumprindo sua função social de garantir o acesso da
população à informação. Nesse aspecto, o jornalismo é uma modalidade de conhecimento que
contribui para a construção da realidade individual (PARK, 1972; TUCHMAN, 1983; HALL,
1993; GENRO FILHO, 1997; MEDITSCH, 1998 apud SOUSA, 2002).
É pelo campo jornalístico que se estabelecem as discussões sociais. Nele, as diversas
opiniões são apresentadas e defendidas, sejam elas favoráveis à ideologia dominante ou
contrárias a ela, uma vez que o pensamento dominante não é unânime em todas as camadas
sociais e precisa sempre ser contestado. Por essa razão que os efeitos do jornalismo
dependem, como principal instância, do receptor, de sua forma de pensar.
15
Os valores jornalísticos (liberdade, independência, autonomia, rigor, honestidade, eqüidistância...), ao mesmo tempo que sustentam e dão coesão ao grupo profissional dos jornalistas, mostram à sociedade que o jornalismo é legítimo e necessário, tal como são legítimas e necessárias as atividades dos jornalistas (SOUSA, 2004, p. 27).
Mesmo perdendo o papel de portal da informação para a mídia digital, a consistência e
a profundidade para o infotainement, sendo controlada pelas rotinas diárias, ameaçada pelo
tempo e falta de pluralismo de idéias, agravadas com a recente entrada dos grandes
oligopólios da comunicação, e dependente de uma agenda rica em contatos e de bons
relacionamentos, a atividade jornalística é ainda a responsável por tornar pública grande parte
das informações e por trazer para a discussão os acontecimentos e idéias que possivelmente
farão parte da agenda do público.
O jornalismo constitui uma actividade profissional de grande dificuldade e de grande complexidade, e, por isso, um alvo fácil de criticar. Afinal, os jornalistas são frequentemente obrigados a elaborar a notícia, a escrever a ‘estória’, em situações de grande incerteza, com falta de elementos, confrontados com terríveis limitações temporais, pressionados pela concorrência de outros órgãos de informação. Ainda mais, precisam de seleccionar certos acontecimentos dentro duma avalancha de múltiplos acontecimentos, fazendo escolhas quase imediatas, sem grande tempo para reflectir sobre o significado e o alcance histórico do que acaba de acontecer e que “precisa” de ser informado imediatamente (TRAQUINA, 1999, p.12).
Ao colocar em questão “por que é que as notícias são como são” e “por que é que
temos umas notícias e não outras”, alguns pesquisadores (TRAQUINA, 1999; 2001; SOUSA
2002; 2004) buscam respostas nas teorias do Jornalismo (ou da Notícia).
Mesmo não havendo entre os acadêmicos acordo sobre se já existe ou não conhecimento científico suficiente para se enunciar com clareza uma teoria unificada do jornalismo, não é menos certo que a pesquisa tem produzido resultados dignos de registro na compreensão e explicação do fenômeno jornalístico, quer na sua globalidade quer em casos particulares (SOUSA, 2004, p. 19).
Os estudos enfocados pelas Teorias da Notícia se debruçam sobre a relação entre o
jornalismo e as implicações sociais e políticas da atividade jornalística. As pesquisas partem
16
das análises de pesquisadores como Gaye Tuchman, Jorge Pedro Sousa, Michael Schudson,
Nelson Traquina, Robert Hackett, Stuart Hall, entre outros, cada qual abordando enfoques
diversos sobre a atividade jornalística em diferentes épocas, sob diferentes contextos. Na
opinião de Traquina (2001, p. 32):
(...) é possível esboçar a existência de várias teorias que tentam responder à pergunta porque as notícias são como são, reconhecendo o facto de que a utilização do termo teoria é discutível porque pode também significar apenas uma explicação interessante e plausível e não um conjunto elaborado e interligado de princípios e proposições. De notar também que estas teorias não excluem mutuamente, ou seja, não são puras ou necessariamente independentes umas das outras.
Buscando relacioná-las de forma sucinta, seguimos parte da divisão elaborada por
Sousa (2002; 2004) para discutir as teorias. O autor sugere que o espaço jornalístico passa
pela influência direta do que ele chama de “ações”, dentre as quais abordaremos: 1) ação
pessoal; 2) ação social; 3) ação ideológica; 4) ação tecnológica. Ações estas que deverão ser
norteadas pela força de 5) ação histórica.
2.1.1 Ação pessoal
Existem estudos baseados na metáfora do Gatekeeping – um portão por onde o
jornalista (porteiro) faria a seleção de algumas informações. Por esse portão umas notícias
passam (aquelas que recebemos), e outras, não.
O gatekeeper foi um conceito desenvolvido por White (1999) para estudar o fluxo de
notícias nos jornais, sobretudo no aspecto individual e subjetivo do jornalista que vai decidir
se uma informação passa ou se será rejeitada.
A passagem de uma notícia por determinados canais de comunicação estava dependente do facto de certas áreas dentro dos canais funcionarem como gates. (...) certos sectores dos gates são regidos ou por regras imparciais ou por um grupo ‘no poder’ tomar a decisão de ‘deixar entrar’ou de ‘rejeitar’ (WHITE, 1999, p. 142).
17
Sobre esse aspecto discutido por White (1999, p. 145), concordamos com sua
observação de que a comunicação pela notícia é “extremamente subjectiva e dependente de
juízos de valor baseados na experiência, atitudes e expectativas do gatekeeper”.
Há de se considerar, porém, que a ação pessoal, além da experiência subjetiva e da
capacidade de cognição, é fortemente influenciada pelo “sistema” ao qual o jornalista está
atrelado. Fatores como tempo, por exemplo, influenciam diretamente no fabrico das notícias
e, dessa forma, o jornalista pode escolher o tema que mais lhe convenha diante do deadline,
procurando por informações mais próximas e que confirmem suas convicções mais
facilmente. “Essas informações são, por sua vez, recombinadas, montadas e adaptadas à
linguagem do meio através do qual vão ser veiculadas, ou seja, sofrem um processo de
transformação” (SOUSA, 2004, p. 20). Nessa mesma linha, destacamos a consideração de
Traquina (1999, p. 136):
O factor tempo influencia a cobertura jornalística dos acontecimentos e constitui em si um critério de noticiabilidade, podendo servir como ‘cabide’ para pendurar a notícia ou actuar como justificação devido ao conceito de ‘actualidade’. (...) Devido ao facto de as notícias serem definidas na cultura ocidental como essencialmente uma resposta à pergunta “o que há de novo?”, as notícias são elaboradas num quadro temporal muito limitado e são ‘servidas’ o mais rapidamente possível.
Outro aspecto muito interessante diz respeito à auto-imagem que o jornalista tem de si
mesmo. Para Traquina (2001, p. 33), a profissão de jornalista está carregada de mitos, como o
da neutralidade, em que se tem como premissa que “o jornalista é um comunicador
desinteressado, isto é, um agente que não tem interesses específicos a defender que o desviem
da sua missão de informar, procurar a verdade, de contar o que aconteceu, doa a quem doer”.
Sousa (2002), em pesquisa com a comunidade de jornalistas portugueses, constatou
que as convicções dos profissionais ditam a forma de tratamento e enquadramento da notícia:
18
Alguns jornalistas que se consideravam “neutros”, perspectivando as suas profissões como meros canais de transmissão e que outros se viam como “participantes”, acreditando que os jornalistas necessitam de explorar, esquadrinhar e sacar a informação em ordem a descobrir e desenvolver as histórias (SOUSA, 2002, p.41-42).
É realmente importante observar que os jornalistas se entendem e se definem como
“neutros”, já que questionamos a “não-neutralidade” no espaço jornalístico, uma vez que, a
partir do momento em que se opta por contar um assunto com umas palavras e não outras,
automaticamente já se faz uma escolha por algo que se quer ou que não se quer dizer. No
enunciado existe um interesse em jogo, marcas discursivas que demonstram o que foi dito, o
que está implícito e o que está subentendido (DUCROT, 1987). Nessa mesma linha, Hackett
(1999), com base em críticos da imparcialidade jornalística argumenta:
À parte o papel do jornalismo como mediador do mundo social, a própria linguagem não pode funcionar como transmissora directa do significado ou veracidade supostamente inerentes ao acontecimento. (...) isso acontece porque a rotulagem de algo implica a existência e avaliação de um contexto (HACKETT, 1999, p. 107).
A imparcialidade deve ser contestada se levarmos em consideração que a notícia se
constrói a partir de forças de interesse do espaço jornalístico, como a posição ideológica da
empresa de comunicação e do próprio jornalista, e a relação com fontes de informação, com o
meio cultural e com a própria sociedade.
Ainda, como uma força de ação pessoal, há de se levar em conta o aspecto ético, os
valores morais e os princípios do gatekeeping. Ou seja, como o jornalista percebe o produto
noticioso como algo que esclarece a comunidade, em detrimento dos seus próprios fins,
satisfação pessoal ou desejo de audiência e prestígio. “Parece ser claro que, em função das
considerações do seu papel ético, o jornalista poderá afetar os conteúdos que produz”
(SOUSA, 2002, p. 42). Na mesma linha, acrescentamos a exposição feita por Chaparro (1994,
p. 24):
19
É fácil imaginar situações similares no dia-a-dia do jornalista: a dúvida entre o revelar e o omitir uma informação que contraria os interesses de certa fonte importante; a decisão de fazer um título positivo ou negativo em relação a um ministro amigo; a opção de colaborar ou não com a polícia, divulgando ou evitando a divulgação de certas notícias; aceitar ou recusar um convite para jantar com gente do governo ou dos departamentos de relações públicas de empresas interessadas em divulgação; adequar ou não o texto ao interesse ideológico de editores, quando estão em jogo informações importantes para o relato verdadeiro dos fatos; resistir ou ceder à tentação de aproveitar o poder de informar para se vingar de alguém de quem não se gosta ou de quem se tem razões de queixa...
Nesse sentido, a ação pessoal do jornalista é um dos fatores marcantes na construção
da notícia, “embora temperada por outras forças conformadoras” (SOUSA, 2002, p. 45),
como atesta a citação de Manuel Chaparro, acima apresentada e como veremos adiante.
2.1.2 Ação social
O jornalismo, como um espaço específico de produção de conteúdos dentro do campo
midiático, está sujeito à influências e à ação da sociedade na qual está inserido. “A produção
jornalística é permeada por relações estruturais de forças e lutas entre jornalistas e outros
atores sociais que dão às disputas formas particulares de ação social” (FRANCISCATO,
2002, p.5).
Um dos fatores considerados como uma influência de ação social é o fator tempo. O
tempo (ou a falta dele) torna-se uma influência de ação social na medida em que transcende a
ação pessoal do jornalista, pois se impõe com tirania às rotinas das redações. Sempre com
tempo cronometrado, o jornalismo atual tende a perder a profundidade. Sobre o fator tempo,
Traquina (1999, p. 174) observa:
Lemos o jornal para saber o que é que aconteceu ontem e não há 15 dias; e se um acontecimento que teve lugar há 15 dias é notícia, provavelmente o é porque só agora o campo jornalístico teve conhecimento do sucedido. Os acontecimentos devem ser actuais; a própria actualidade constitui um fator de noticiabilidade.
20
O fator rotina também possui uma ação poderosa. Redações jornalísticas atualmente
seguem padrões e rotinas para o fabrico da notícia. Nesse aspecto, podemos considerar o
tempo imposto para a produção, os manuais de redação que ditam formatos, determinam
regras que “engessam” o estilo do jornalista, além da edição propriamente dita. Para a
empresa jornalística, o manual de redação assegura ao jornalista, sob pressão constante do
tempo, rapidez na transformação do acontecimento em notícia.
Para Sousa (2002), as rotinas jornalísticas podem distorcer ou simplificar
arbitrariamente o mundo dos acontecimentos, constranger os jornalistas e burocratizar a
atividade. O autor entende que a rotina é uma das responsáveis diretas pela uniformidade da
notícia e por termos a sensação de ler a mesma coisa em diferentes veículos noticiosos. Isso
porque o modo “correto” de se fazer o jornalismo gera uma perda da polifonia dos órgãos
jornalísticos, e, por conseqüência, uma visível falta de abertura democrática aos veículos.
“Intuitivamente, nas organizações noticiosas em que as rotinas são mais importantes, o
produto será, à partida, menos diversificado, até porque a seleção operada pelos gatekeepers
tenderá para a uniformidade” (SOUSA, 2002, p. 52). É possível, quando se fala de ação
social, que a profissionalização dos jornalistas tenda a reduzir a diversidade (discursiva e de
pontos de vista) no jornalismo.
A respeito da problemática das rotinas, Tuchman (1999) destaca a questão da
construção da informação numa seqüência apropriada, ditada pelas normas de redação e estilo
das empresas jornalísticas para afirmar a objetividade. Ela ressalta: “Até certo ponto, as
dificuldades do jornalista são mitigadas pela fórmula familiar de que a notícia preocupa-se
com ‘o quem, o quê, o quando, o onde, o porquê, o como’. A isto chama-se os ‘seis
servidores’ de uma notícia” (TUCHMAN, 1999, p. 83).
Há ainda alguns fatores que são determinantes na “modelagem” da notícia que
independem do repertório do jornalista, tais como os manuais de redação e o tipo de
21
engajamento da empresa jornalística. Isto determina, inclusive, que o editor remodele a
notícia. A esse respeito, destaca-se a forte influência na produção noticiosa de diretores,
editores e chefes de redação, como coloca Chaparro (1994, p. 79):
Nas camadas superiores estão aqueles a quem Paillet chama de ‘árbitros’(diretores, editores, pauteiros, editorialistas, chefes de reportagem e até repórteres com prestígio pessoal), que decidem o que, quando e como publicar. Eles definem conteúdos, prioridades, relevâncias, enfoques, propósitos e a disposição final dos textos, a relação entre eles e a sua apresentação. (...) Aos ‘árbitros’ pertence ainda, o poder da ‘última olhada no pacote de mensagens’ a ser enviado para o público, depois que as informações escolhidas recebem o tratamento técnico de acabamento por parte de secretários de redação, diagramadores, ilustradores e outros.
A respeito de ações que perpassam normas e manuais de redação, rotinas jornalísticas
à arbitragem hierárquica nas redações, Chaparro (1994, p. 100) traz uma brilhante dedução,
apontando que o fazer jornalístico é conduzido à criação de um produto (o jornal) permeado
pelos aspectos formais que estabelecem forma e conteúdo:
É verdade que, enquanto discurso, cada manual de redação forma um conjunto lógico de enunciados normativos, estabelecendo ‘verdades’ constitutivas de um saber (fazer jornal) oficial e inquestionável, emitido pela organização para um universo fechado, especializado e dependente. Objetivo: impor uma linguagem- -padrão, e normas de ação, tendo em vista a obtenção, em escala econômica, de um produto cultural com determinados atributos de conteúdo e forma. Na realidade, existem dois discursos: o discurso da fisionomia institucional, configurado nos manuais e na metalinguagem de cada veículo; e o discurso produto que resulta da prática, desenvolvida no contexto completo das relações sociais, culturais, políticas e econômicas, de múltiplos intervenientes e conflitantes interesses, e do qual o próprio jornalista faz parte – tanto o repórter, que investiga e escreve a notícia, quanto o editor que, direta ou indiretamente, pauta, reescreve e decide o quê, o porquê e o como do que vai ser publicado.
Um outro aspecto que tange a ação social diz respeito à relação de jornalistas com suas
fontes de informação. Existe uma articulação na sociedade que traz para o jornalismo relações
de força e poder, exercício do processo político, econômico, cultural, expectativas e interesses
próprios de atores internos ou externos às redações, capazes de impor limites aos jornalistas.
“As rotinas têm conseqüências (...) proliferam nos meios de comunicação as posições das
22
fontes ‘oficiais’ em detrimento das perspectivas de outras fontes” (SOUSA, 2004, p. 21).
Nessa mesma visão, Traquina (1999) entende que as fontes oficiais têm mais espaço,
pois representam a autoridade da informação. “Quanto mais alta é a posição do informador
melhor é a fonte de informação. Esta convenção tem o seguinte raciocínio: a posição de
autoridade confere credibilidade” (TRAQUINA, 1999, p.172), e faz com que o jornalista “se
poupe” de investigar, de apurar a informação sob outros vieses.
As fontes são, geralmente, meios externos à organização jornalística. São responsáveis
pela seleção de informações que vão passar pelo gatekeeping. Elas determinam o assunto que
será agendado e, conseqüentemente, são as responsáveis pela passagem ou não de notícias no
“portão”.
A propósito das fontes, Tuchman (1999, p. 81) aborda que seu papel é validar uma
informação que tem como princípio a objetividade: “Se o repórter decidir falar pelos ‘factos’,
ele não poderá afirmar-se objectivo, ‘impessoal’, ‘imparcial’. (...) Ao inserir a opinião de
alguém, eles acham que deixam de participar da notícia e deixam os ‘factos’ falar”.
Nesse sentido, ao engatar a fala de alguém pelo uso das “aspas”, o jornalista se isenta
da opinião. Segundo Tuchman (1999, p. 82), “o uso de citações para fazer desaparecer a
presença do repórter da notícia estende-se ao uso das aspas como instrumento de sinalização.
Elas podem ser usadas (...) para informar: ‘Esta afirmação pertence a qualquer pessoa, menos
ao repórter’”.
Claro que fontes oficiais são mais seguras e muito mais fáceis de publicar. Fontes que
divulgam informações em off estão se precavendo das eventuais pressões ou mesmo
conseqüências da divulgação da informação. Existe, nesse caso, um grau mais alto de
cumplicidade na relação fonte-jornalista (FRANCISCATO, 2002, p. 15).
Há uma espécie de representação do poder tanto do jornalista, que ganha status
quando se liga a fontes de maior prestígio, quanto das fontes, que buscam a posição de
23
protagonistas do espaço jornalístico. “As fontes podem reter, travar ou acelerar a difusão de
informação e moldá-las aos seus interesses” (SOUSA, 2002, p. 61).
As fontes diferem entre si por posição, influência, volume de informação que possuem
e qualidade das mensagens (SOUSA, 2002). Todos estes aspectos são relevantes para que a
informação passe pelos “portões”.
É costumeiro dizer que “o jornalista que sabe mais pode mais”. Entretanto, muito do
que se divulga nos bastidores pelas fontes de informação não passa de boatos, deturpações ou
inverdades. O jogo de poder, aliado à troca de favores das fontes com os meios de
comunicação, tende a neutralizar o jornalismo independente (DIMENSTEIN, 1990).
2.1.3 Ação ideológica
Ao estudar a ação ideológica como um dos fatores que influenciam a produção e
organização de notícias, Sousa (2002) aponta o “controle” que os meios de comunicação
exercem sobre a sociedade, que orientaria para a manutenção do status quo, legitimação ou
exercício de poder simbólico, fato presente principalmente quando tomamos como exemplo a
cobertura sobre política pelos meios de comunicação. “As rotinas dos jornalistas e das fontes,
as convenções profissionais, os valores e a estrutura organizacional combinam-se, assim, para
manter um sistema de controle e reprodução das ideologias dominantes” (SHOEMAKER e
REESE, 1996 apud SOUSA, 2002, p. 75).
Um outro aspecto apontado pelo autor são as forças ideológicas sobre os meios
jornalísticos e não a influência ideológica dos Meios de Comunicação de Massa na sociedade.
Das conceituações que usa sobre ideologia, o autor atenta para o fato do papel da mídia na
construção do sentido, definindo situações e catalogando pessoas ou acontecimentos.
O ethos jornalístico é, em grande medida, ideológico, pois, considerando a ideologia um conjunto de idéias que sustenta grupos em função de interesses, verifica-se que o
24
ethos jornalístico se alicerça em dois vectores que concorrem para legitimar interessadamente o papel dos jornalistas na sociedade: a ideologia da objetividade e a ideologia do profissionalismo. (...) A ideologia da objetividade leva os jornalistas a construírem notícias de maneira que estas ‘espelhem’ o melhor possível da realidade; a ideologia do profissionalismo alimenta o sentido de missão dos jornalistas, contribuindo para uma atitude de vigilância de poderes (SOUSA, 2004, p. 26, grifos nossos).
Dessa forma, relações de poder explicadas pelos meios de comunicação também são
provavelmente solidificadas, uma vez que a mídia compactua que as relações existentes são
fatos naturais e imutáveis (SOUSA, 2002).
A essa discussão, somam-se as contribuições de autores como Rubim (2003), Fausto
Neto (2003), em análise de períodos eleitorais, ou por Lima (2001), ao lançar o conceito de
Cenário de Representação Política, como veremos adiante.
As notícias passam a ser interpretadas em função das relações de poder e interesses
quando se parte do pressuposto de que a ideologia está ligada ao pensamento de um grupo
dominante, e o jornalismo oferece a esse grupo a manutenção da coesão social, disseminando
um conjunto de normas, valores, idéias e práticas sociais para justificar as relações políticas,
sociais e econômicas existentes no interior da sociedade. De acordo com Orlandi (2003, p.
38), tudo o que é dito é ideologicamente marcado e “é na língua que a ideologia se
materializa”, ou, como escreve Hall et al (1999, p. 228):
Os media definem para a maioria da população os acontecimentos significativos que estão a ter lugar, mas também oferecem interpretações poderosas acerca da forma de compreender estes acontecimentos. Implícitas nessas interpretações estão as orientações relativas aos acontecimentos e pessoas ou grupos nelas envolvidos.
Existe também uma perspectiva que leva em conta a forma como é modelada a
informação. O enquadramento da notícia pode ser fruto de ação cultural e também ideológica,
pois, muitas vezes, as diferenças fazem parte do repertório e da percepção do jornalista
(SOUSA, 2002).
25
As notícias são notícias porque culturalmente fomos condicionados a aceitar que certos acontecimentos merecem ser noticiados e que as notícias, tal e qual como as conhecemos, são representações aceitáveis desses acontecimentos. As notícias, enquanto representações dos acontecimentos, pressupõem e estruturam visões do mundo – os enquadramentos” (SOUSA, 2004, p. 29).
Segundo Machado; Jacks (2002), mesmo que os interesses pareçam ser nobres ou ter
validade universal, mesmo nesses casos, jornalistas são sujeitos que lutam para conciliar seus
critérios éticos e jornalísticos (o seu “news judgement”) com as informações que julgam
relevantes − e organizadas dos pontos de vista que consideram mais adequados.
Sousa (2002) aborda esse assunto sob outro ângulo, mas com igual relevância. Para
ele, as imagens que o jornalista possui de si mesmo e de seu público (leitor) seriam mais um
aspecto de influência ideológica no fabrico da notícia.
As imagens que os públicos têm da imprensa podendo ser afetadas, numa certa extensão, pela história e pela tradição, resultam, para mim, essencialmente da imagem do jornalismo construída pelos públicos a partir dos próprios discursos jornalísticos (o que os media dizem de si e uns dos outros) e dos estereótipos projetados pela ficção popular (SOUSA, 2002, p. 85).
Em redações, esses estereótipos poderiam encorajar um estilo, uma tentativa de
orientar uma produção, como também a seleção e fabricação de notícias por temas. Não é à
toa que especialistas costumam dizer que o jornalista, muitas vezes, menospreza e pouco
conhece seu público.
Para estudiosos que abordam a relação linguagem-ideologia, como Althusser (1985, p.
96), “toda ideologia interpela os indivíduos concretos enquanto sujeitos concretos, através do
funcionamento da categoria de sujeito”. Como sujeitos de um processo, somos obrigados a
tomar posições, escolhendo uma palavra, omitindo uma outra, pois de um determinado lugar
que ocupamos e de onde falamos e do papel que representamos, não nos é permitido dizer
determinadas coisas.
26
“Todavia, aquilo que os jornalistas pensam deles próprios, dependerá da sociedade em
que vivem, da imagem da imprensa, em geral, e da imagem da organização para a qual
trabalham” (SOUSA, 2002, p. 86) e do que pensam de seus leitores. Em suma, do seu
universo sócio-cultural.
Desse modo, o jornalismo trabalha com uma imagem a respeito do interlocutor que
determina as questões que dizem respeito ao uso da linguagem e à prática discursiva. O
jornalista fala e escreve tendo a imagem de um “leitor virtual” que irá absorver o seu
enunciado.
2.1.4 Ação tecnológica
O ciberespaço, o acesso a notícias 24 horas por dia tem feito com que o jornalista
perca gradativamente o seu papel de portal da notícia, que já pode ser acessada 24 horas por
dia e o leitor já não precisa mais esperar pelo jornal para saber dos fatos. Ao contrário dos
meios tradicionais, a comunicação on-line está permitindo a interatividade e a comunicação
direta com o receptor. “Os ‘consumidores’ têm maior capacidade de se furtar ao ‘crivo’
jornalístico no que respeita à obtenção da informação” (SOUSA, 2002, p. 88).
O jornalismo hoje é uma empresa e, com ela, muitas mudanças de ordem tecnológica e
estrutural são as fontes diretas de informação na organização noticiosa. Para Sousa (2002), as
mudanças promoveram inovações nos processos de seleção, processamento e distribuição das
notícias. Tudo isso aliado aos multimeios e à nova tendência de interatividade que hoje é um
dos maiores desafios colocados aos grupos de comunicação, aliado à segmentação da
audiência já que a oferta de programas é tão segmentada e, ao mesmo tempo, com conteúdos
tão homogêneos.
Para Sousa (2002, p. 110) “tal fenômeno terá contribuído para uma aproximação
global das formas discursivas jornalísticas”, e essas mudanças promoveram, ainda, mais uso
27
de aparato tecnológico.
O autor aponta para a tendência do infotainement, uma nova abordagem noticiosa em
função da competição acirrada do jornalismo com o entretenimento, da adaptação para um
formato novo, superficial, redesenhado para se parecer com a TV e orientado para o consumo.
Segundo Ramonet (1999, p.137), “agora, as informações devem ter três qualidades principais:
serem fáceis, rápidas e divertidas”.
Para os estudiosos do jornalismo, essa tendência pode ser a causa da falta de
perspectiva da carreira jornalística e aponta também para a diminuição do poder do jornalista.
“Esse poder pode estar a diminuir, devido à força das novas tecnologias, que estão a retirar ao
jornalista o papel de gatekeeper privilegiado de gestor do espaço público informativo”
(SOUSA, 2002, p. 112).
Excesso de informações, necessidade de velocidade para acompanhamento dos fatos e
concorrência com o jornalismo on-line apontam para uma superficialidade das matérias
jornalísticas impressas, como observa Ramonet (1999, p. 137), “cada vez mais, a imprensa
escrita adota o formato da mídia audiovisual: ela privilegia os artigos curtos, coloca títulos de
modo astucioso para provocar”.
Por outro lado, talvez o jornalismo ainda não saiba explorar as várias potencialidades
da tecnologia do hipertexto, no sentido de oferecer um aprofundamento das temáticas. Muitos
textos que encontramos em jornais on-line conservam os traços tradicionais dos jornais
impressos.
2.1.5 Ação histórica
“Podemos dizer que as notícias que temos, que os conteúdos e os formatos das notícias
que temos, são frutos da história” (SOUSA, 2002, p. 90). Com essa afirmação o autor mostra
que fatores históricos marcam o desenvolvimento do jornalismo.
28
Existe uma vasta diferença do jornalismo atual para o jornalismo do século XIX,
quando predominava o gênero opinativo, dada a escassez de notícias e a politização dos
leitores, que era mais elitizada e em número reduzido (ALVAREZ, 1992 apud SOUSA,
2002).
Nessa época predominava o artigo como formato do discurso jornalístico. A notícia só
se tornou a unidade discursiva preponderantemente informativa no final dos anos 30, quando
surgiu a imprensa de massa nos Estados Unidos, ocasião em que aumentou o volume de
informações, a alfabetização, o poder de compra da população e o aparecimento da empresa
noticiosa, direcionada para o lucro, junto às inovações tecnológicas que permitiram o aumento
das tiragens (DE FLEUR; BALL-ROKEACH, 1989).
Foi quando começou a existir uma disputa entre os jornais, para imposição dos valores
da objetividade como prática social legítima dentro do campo jornalístico. Surgiram as
técnicas do lide, da pirâmide invertida, do texto impessoal, do uso de aspas, etc. Essas novas
regras de elaboração jornalística representaram uma ruptura simbólica com o passado.
Sousa (2002) conceitua duas tendências do jornalismo desde a 2ª Guerra Mundial: 1) a
competição crescente em preços dos exemplares e 2) a concentração monopolista e
oligopólica do setor de comunicação. Esta última, tão relevante e em nível mundial, é
justificada pelos grandes impérios midiáticos como sendo uma condição imprescindível para
sobrevivência, mas, no entanto, “configura-se como uma indústria de mídia extremamente
concentrada e regida por princípios exclusivamente comerciais, na qual o que conta são os
critérios de rentabilidade, acima dos critérios públicos, e o paradigma consumidor(a) por
sobre o cidadão(ã)” (LEON, 2003, p. 404).
Recentemente, temos a internacionalização de grupos, megacorcoporações que
controlam os meios impressos, cadeias de televisão, TV a cabo, internet, cinema, softwares,
29
provedores, telefonia e outros1. São sete as corporações que dominam o mercado mundial de
comunicação: Disney, AOL-Time Warner, Sony, News Corporation, Viacom e Bertesman e,
se não forem estabelecidas restrições a esta lógica oligopolista, futuramente podem ser ainda
menos.
No Brasil existem cinco tradicionais grupos de mídia: Grupo Folha, O Estado de S.
Paulo, Organizações Globo, Grupo Abril, Jornal do Brasil e SBT. Todos esses são
proprietários de diferentes tipos de mídia do setor de comunicações, cujas concessões foram
emitidas pelo governo brasileiro (LIMA, 2001, p. 97).
Por fim, a ação histórica completa o que Sousa (2002) chama de “um mix explicativo
para a noticiabilidade”, já que é o contexto que define as notícias que temos hoje, pois ao
longo do tempo o que tem valor notícia para a sociedade muda. E, justamente, contextos
históricos estão presentes em todas as outras ações (pessoal, social, ideológica, cultural e
tecnológica) referentes ao universo do jornalismo e do fabrico das notícias.
2.1.6 Para quem se destina o jornalismo?
Essa pergunta tem primordial valor para tentarmos compreender as variáveis presentes
na produção da notícia jornalística. Justamente porque com ela refletimos sobre as razões
mercadológicas que permeiam a empresa jornalística, uma vez que esta tem como principal
fonte de renda não o faturamento com a venda de exemplares aos leitores, mas sim, o espaço
que destina à publicidade. “Hoje a informação é considerada essencialmente uma mercadoria.
Não é um discurso que tenha a vocação ética de educar o cidadão ou de informar (...), pois
tem, essencialmente e antes de mais nada uma perspectiva comercial” (RAMONET, 2003, p.
247).
Em concordância com essa visão acrescentamos a afirmação de Arbex Jr. (2001, p. 1 Esse fenômeno é denominado Propriedade Cruzada, ou seja, diferentes meios no setor de comunicação controlados por um mesmo grupo (LIMA, 2001).
30
114), que entende os meios de comunicação como uma indústria centralizadora: “A
comunicação de massa se estabelece quando a fonte emissora da informação é única e
centralizada, estruturada como indústria, ao passo que os destinatários da informação são um
número imenso de seres humanos nas mais distintas regiões do país ou do planeta”.
Sob esse prisma, Carlos Chaparro afirma que o leitor não possui voz no jornalismo. É
tratado como um consumidor. “O leitor (...) raramente consegue interferir em conteúdos e
intenções. Embora nos discursos de marketing dos jornais o leitor seja a razão central dos
objetivos jornalísticos, na prática, ele recebe um tratamento de consumidor” (CHAPARRO,
1994, p. 81).
E, justamente por ser o leitor entendido como um consumidor que, quanto mais
assinaturas, mais empresas vão querer anunciar no jornal. Isso reforça a tese de que o jornal
não pode entrar em dissonância com o leitor, pois este pode não mais comprá-lo,
deslegitimando-o. Logo, se a empresa jornalística enxerga o leitor como consumidor, o jornal
é visto como sendo um produto, “e como tal se deve relacionar com o mercado”
(CHAPARRO, 1994, p. 82).
Nesse sentido, muitas vezes, a empresa jornalística fica propensa a evitar
constrangimentos com as empresas anunciantes podendo, inclusive, alterar o conteúdo
editorial para evitar atritos. Essas distorções ficam evidentes em jornais do mundo inteiro e de
todos os tamanhos.
Diante dessa constatação, percebemos que as notícias jornalísticas são dominadas pelo
mercado e pelo lucro. Segundo Ramonet (1999, p. 8), existe um esquema industrial concebido
pelos proprietários das empresas de comunicação em que “cada um constata que a informação
é antes de tudo considerada como uma mercadoria, e que este caráter prevalece, de longe,
sobre a missão fundamental da mídia: esclarecer e enriquecer o debate democrático”.
Além de evitar ou omitir informações, existem empresas que pautam determinados
31
assuntos em função da propaganda do anunciante. Segundo Ramonet (1999, p. 60):
A informação se tornou de verdade antes de tudo uma mercadoria. Não possui mais valor específico ligado, por exemplo, a verdade ou à sua eficácia cívica. Enquanto mercadoria, ela está em grande parte sujeita às leis do mercado, da oferta e da demanda, em vez de estar sujeita a outras regras, cívicas e éticas, de modo especial, que deveriam, estas sim, ser as suas. (grifos nossos)
Dessa forma, Ramonet (1999) esclarece que a relação entre poder e imprensa na
atualidade não é mais entendida apenas sob o viés político, mas especialmente pela questão
econômica e financeira.
De acordo com o raciocínio desse autor os poderes – legislativo executivo e judiciário
- estão em crise. Nesse sentido, ele questiona a imprensa – entendida como o quarto poder -,
aquele que teria como missão cívica averiguar o funcionamento dos três outros, já não pode
mais ser qualificada desse modo (RAMONET, 1999).
Para falar de ‘quarto poder’ ainda seria preciso que os três primeiros existissem e que a hierarquia que os dispõe na classificação de Montesquieu fosse válida. Na realidade, o primeiro poder é hoje claramente exercido pela economia. O segundo (cuja imbricação com o primeiro se mostra muito forte) é certamente o midiático – instrumento de influência, de ação e de decisão incontestável – de modo que o poder político só vem em terceiro lugar (RAMONET, 1999, p. 40).
O pensamento de Ignacio Ramonet acerca do poder econômico é claramente
observado na prática quando passamos à análise da cobertura do jornal Folha de S. Paulo
sobre o cenário eleitoral presidencial de 2002. Os capítulos 4º e 5º deste trabalho indicam
como a questão da crise financeira brasileira incidiu na cobertura da conjuntura política
durante o período.
2.2 UM BREVE PERFIL DA IMPRENSA BRASILEIRA
32
O estudo de como estão configurados os meios de comunicação no Brasil é uma forma
de entendermos a sistemática da produção das notícias que fazem parte do nosso cotidiano.
Sobre esse aspecto, trazemos uma breve discussão de como está estruturado o modelo de
jornalismo brasileiro. Nossa preocupação é traçar um perfil com as principais características
do meio impresso para, em seqüência, fazer uma abordagem do jornal Folha de S. Paulo, que
analisamos com maior profundidade.
2.2.1 A mídia e o modelo de jornalismo brasileiro
Com a conquista da liberdade de imprensa e de expressão, o jornalismo brasileiro se
aproxima do “Modelo Ocidental de Jornalismo”, porém, com algumas particularidades que
iremos discutir posteriormente.
O Modelo Ocidental de Jornalismo preconiza que a imprensa deve ser independente do estado e dos poderes, tendo o direito a reportar, comentar, interpretar e criticar as atividades dos agentes do poder, inclusive dos agentes institucionais, sem a repressão ou ameaça de repressão (SOUSA, 2002, p. 33).
O modelo ocidental de jornalismo projeta a idéia de uma imprensa independente, uma
espécie de espaço público para a discussão de idéias, cumprindo sua função social de garantir
o acesso da população à informação.
A importância dada à mídia como fonte de informação na sociedade levou Lima
(2001) a classificar a sociedade de media-centric, que se caracteriza como uma organização
social centrada na mídia e que depende dela mais do que de instituições como a família, as
igrejas, sindicatos ou partidos políticos para a construção do conhecimento e a tomada
cotidiana de decisões.
No caso da imprensa, que não se caracteriza com um meio de comunicação de massa,
pois é restrita à pequena parcela da população, a opinião publicada é restrita a formadores de
33
opinião, justamente pela premissa de que os fatos são discutidos com mais profundidade.
Os eventos dignos de se tornar notícia se originam de limitado grupo de pessoas que têm acesso privilegiado à mídia, que são tratadas pelos jornalistas como fontes confiáveis, e cujas vozes são aquelas que são mais largamente apresentadas no discurso da mídia (FAIRCLOUGH, 2001, p. 143).
Mas, será esse conhecimento oferecido pelo jornalismo livre, totalizante e creditível?
O conhecimento gerado pelo jornalismo possui algumas particularidades, ou seja, o processo
de produção e fabrico das notícias com o qual o público-leitor/espectador irá estabelecer
referência é amplamente influenciado por inúmeros fatores dentro e fora do espaço
jornalístico. Dessa forma, a informação oferecida pelo jornalismo é criada a partir de
determinados recursos e fundamentos pré-estabelecidos.
Nesse sentido, à idéia de “Modelo Ocidental de Jornalismo” deve-se levar em conta
alguns fatores como imposição do pensamento dos países ocidentais ricos para os países
pobres; a existência de empresas de jornalismo dependentes da publicidade e convivendo com
a lógica do mercado e a grande concentração da informação em conglomerados da mídia
(SOUSA, 2002), regras que não fogem à realidade da mídia de modo geral e especialmente do
jornalismo praticado no Brasil e geram algumas distorções em relação ao funcionamento
desse sistema.
Ao contrário da imprensa européia, em que predomina a opinião aberta, no Brasil a
imprensa segue os padrões do jornalismo norte-americano, ou seja, o jornalismo dito
informativo, aquele que se define como imparcial, uma vez que se apresenta como isento de
opinião ou de uma ideologia. Com esse discurso, o gênero busca estabelecer uma relação de
credibilidade com o leitor.
No entanto, o papel de representação do jornal, como um veículo influenciado por
atores internos e/ou externos do espaço jornalístico, fatalmente o leva a se posicionar desta ou
34
daquela maneira, ocorrendo uma falsa neutralidade no tratamento da notícia
(FRANCISCATO, 2002).
2.2.2 Oligopólios: ponto conflitante da mídia brasileira
Um ponto conflitante dos meios de comunicação brasileiros amplamente estudado por
Lima (2001) é a existência dos oligopólios dos meios de comunicação. No Brasil, o setor de
comunicação é controlado por uns poucos grupos familiares e por elites políticas regionais
que detém o poder político em qualquer um dos dois âmbitos com cargos eletivos (Executivo
e Legislativo), uma concentração que fere, inclusive, o parágrafo quinto do artigo 220 da
Constituição Brasileira que determina que os meios de comunicação não podem, direta ou
indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
Impulsionadas pelas brechas na legislação do país, cerca de dez famílias controlam a
radiodifusão no país: Marinho (Globo), Saad (Bandeirantes), Abravanel (SBT), Sirotsky
(RBS), Câmara (Centro-Oeste), Jereissati (Nordeste), Civita (Abril), Mesquita (Grupo OESP),
Frias (Grupo Folha), Levy (Gazeta Mercantil). O conceito de coronelismo eletrônico define
bem a situação brasileira, em que 90% da mídia é controlada por apenas 15 grupos (SILVA;
CUNHA, 2003, p. 12).
Lima (2001) relata o poder de exclusividade do Presidente da República nas
concessões de serviços de radiodifusão, uma decisão usada como moeda política. Fato que
desvenda a tentativa de políticos em exercer, pelos meios de comunicação, o controle sobre
parte do eleitorado demonstrando claramente o grande vínculo entre os meios de comunicação
e as elites políticas brasileiras.
Para Lima (2001), a disparidade social brasileira é o que permite à mídia submergir ao
controle sobre a informação por um pequeno segmento social que se intitula como os
defensores dos interesses do país.
35
Além do poder político, vale ainda destacar que o cenário brasileiro modificou-se nos
últimos anos com o avanço de grupos religiosos sobre o campo dos meios de comunicação.
Sobretudo as igrejas evangélicas têm se destacado na disputa pelo setor.
2.3 O JORNAL FOLHA DE S. PAULO
Passamos aqui a fazer uma abordagem particular do jornal Folha de S. Paulo cujos
recortes constituem o corpus do nosso estudo. Nosso objetivo é traçar um perfil do diário
como forma de compreender melhor o seu comportamento discursivo. Sobre este aspecto não
é nossa intenção realizar um estudo completo e detalhado da história do veículo.
Buscamos, apenas, construir um breve contexto do diário, sua relação com o leitor e
avaliação de sua linha editorial na tentativa de compreender como a Folha de S. Paulo
sagrou-se como o maior jornal de circulação do Brasil.
2.3.1 Um breve histórico2
A Folha de S. Paulo é atualmente o maior jornal brasileiro, quer falemos na atual
tiragem, de 300.712 unidades3, quer na estrutura empresarial que o suporta. O ano de sua
fundação é 1921, quando Olival Costa e Pedro Cunha colocam em circulação o jornal Folha
da Noite. Em 1925 é fundada a Folha da Manhã e 24 anos depois, a Folha da Tarde. Apenas
em 1960 os três jornais se fundem na Folha de S. Paulo.
É também nos anos 60 que Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho
assumiram o controle acionário da empresa.
2 Todos os dados levantados da história da Folha de S. Paulo que constituem esta parte do trabalho foram coletados no site da Folha, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/conheca/história.shtml e da edição especial Primeira Página – Folha de São Paulo - uma viagem pela história do Brasil e do mundo nas 216 mais importantes capas da Folha desde 1921. 3 Os 5 maiores jornais brasileiros em circulação média diária são: Folha de S. Paulo, com 300.712; O Globo, com 240.468; O Estado de S. Paulo, com 228.671; Extra, com 207.186; e Correio do Povo, com 179.634. Dados de dezembro de 2003, fornecidos pelo IVC – Instituto Verificador de Circulação. Fonte: Revista Negócios da Comunicação, Ano II, número 6, 2004, p. 47.
36
O pioneirismo da Folha de S. Paulo é observado em vários momentos. Em 1967, foi o
primeiro a usar a impressão em off-set colorida e em 1971, o sistema eletrônico de
fotocomposição. Em 1976, foi criada a sessão Tendências/Debates, um espaço para
publicação de artigos.
O jornal foi também o primeiro a estabelecer, de forma documentada, um projeto
editorial, no início da década de 80, cujas metas, de acordo com a empresa, eram a
informação correta, interpretações competentes e pluralidade de idéias. Ainda nessa década a
Folha se tornou a primeira redação informatizada da América do Sul.
Em 1984 foi publicado o primeiro Projeto Editorial e o primeiro Manual de Redação
editado em livro, que já conta com três versões revisadas e ampliadas (1987, 1992 e 2002).
Na década de 90 merecem destaque a reorganização do jornal em cadernos temáticos,
o posicionamento, como o primeiro órgão da imprensa, a favor do impeachment do Presidente
Fernando Collor e o início de circulação com primeira página colorida todos os dias.
Em 1993 a família Frias de Oliveira assumiu o total controle acionário da companhia.
Nesse período a Folha registrou uma média de 522 mil exemplares vendidos aos domingos,
tornando-se o maior jornal com circulação paga do país.
Mas foi em 1994 que o diário bateu recorde de tiragem e vendas na história brasileira
com o lançamento do “Atlas Folha/ The New York Times” em fascículos dominicais, com a
distribuição de 1.117.802 exemplares no lançamento e nas semanas subseqüentes.
Em 1995, após iniciar as atividades no Centro Tecnológico Gráfico em Tamboré, SP,
o jornal passou a circular com páginas internas coloridas. E em 1996 criou o Universo Online
(UOL), primeiro portal de informações de grande porte do país, que no mesmo ano, se fundiu
com o Brasil Online (BOL), do Grupo Abril.
No ano de 1999 a empresa divulgou um total de 350 mil assinantes no portal UOL e
uma visitação de 400 milhões de páginas vistas por mês, uma média de 3,2 milhões de
37
pessoas, o que correspondia a 80% dos usuários de Internet no Brasil. É também no mesmo
ano que a empresa anunciou a venda de 12,5% da participação acionária para o grupo Morgan
Stanley Dean Witter & Co., iniciando a expansão do portal para a América Latina ao mesmo
tempo em que o jornal passou por uma reformulação gráfica, adotando um novo formato.
Em 2000 a companhia criou a NetGratuita, a FolhaWaap, um serviço de informações
via telefonia celular e, começou a publicar, em parceria com o InfoGlobo, o jornal Valor
Econômico. Ainda nesse ano o jornal Folha de S. Paulo apresentou um novo projeto gráfico e
a criação de novos cadernos.
2.3.2 Projeto Editorial e Gráfico, Manual de Redação: estratégias de posicionamento mercadológico
“A Folha é um jornal feito em São Paulo com irradiação nacional, que se propõe a
realizar um jornalismo crítico, apartidário e pluralista” (MANUAL DE REDAÇÃO, 1996, p.
13 – grifos do autor). Essa asserção encabeça a apresentação do Projeto Folha.
A edição do novo Manual de Redação da Folha de S. Paulo, publicada em 2002,
repete, na primeira parte, o Projeto Editorial seguido pela empresa em 1997, mas vale lembrar
que o jornal segue projeto editorial desde a década de 70, como citamos anteriormente.
Arbex Jr (2001), em ensaio crítico sobre o jornalismo brasileiro, lembra que a Folha
se obstinou na adoção do manual de redação, o que, para os jornalistas da época, representava
a imposição de normas para a produção de seus textos.
O uso de termos e expressões como ‘limites implacáveis de tempo e de espaço’ ou a forte noção de hierarquia e disciplina presentes nos verbetes não é casual. Decorre de percepção, segundo a qual a produção de jornal deveria ser encarada como uma guerra diariamente travada entre, de um lado, a direção de redação e a ‘elite’ do jornal (editores fechadores) – encarregados da missão de implantar as normas do manual – e, de outro, uma redação integrada por jornalistas pouco habituados a isso, ou por tradição ou por serem muito jovens (ARBEX JR, 2001, p. 150).
38
Para o jornalista, a identificação da Folha com os setores mais democráticos do Brasil
se inicia justamente nos anos 70, quando o jornal passou a ter artigos assinados por
intelectuais, políticos e personalidades identificadas como de oposição ao regime militar, e
também passou a contar com representantes da sociedade civil em seu conselho editorial.
Segundo Melo (1992), a Folha sempre se preocupou em tornar pública a sua história e
a sua linha editorial, com várias publicações analíticas desde a década de 80. Foi também
nesse período que o jornal estava se modernizando, informatizando-se e implantando uma
estrutura gerencial na redação.
O grande salto do jornal durante os anos 80 marca um período de demissões
ocasionadas pela informatização, da otimização do desempenho e da adoção de um programa
de metas trimestrais, que visava fechar a edição do jornal cada dia mais cedo (ARBEX JR,
2001).
Arbex Jr. (2001), que trabalhou na empresa de 1984 a 1992, relata que apesar de a
sociedade ver o jornal como um “porta voz da democracia”, o que acontecia eram atitudes
contraditórias, observadas dentro da redação, no trato com seus profissionais.
A FSP aparecia, aos olhos da sociedade, como porta-voz da democracia, ao mesmo tempo em que, internamente, praticava uma política autoritária de rígido controle industrial e ideológico. O “paradoxo” apenas aparente, resolve-se com a constatação de que a FSP apenas adotou uma estratégia de transformar a luta pela democracia em marketing. Em outros termos, a FSP implantou na imprensa nacional a defesa da democracia-para-o-mercado (ARBEX JR, 2001, p. 144).
O autor relata que o jornal não tinha aderido de fato a um projeto democrático de
sociedade, como a sociedade acreditava. As estratégias resumiam-se em seduzir o leitor,
caracterizado, de acordo com Melo (1992), como da classe média, pressionada pela crise
econômica e com valores políticos relativamente conservadores.
Segundo Melo (1992, p. 7), desde a década de 80 a Folha se caracterizava pela
39
sintonia com as expectativas da sociedade civil na transição do regime autoritário para um
sistema democrático de governo. Um dos fatos que mais contribuíram para isso foi o apoio
dado à campanha Diretas Já, em oposição ao seu maior concorrente, O Estado de São Paulo,
que assumia posição mais conservadora, vinculada às oligarquias do país (ARBEX JR, 2001).
No Brasil dos anos 80, essa preocupação se traduzia em uma aparência de vigor, rebeldia e juventude, em franco contraste com o “concorrente”, como era chamado, internamente, o jornal O Estado de S. Paulo. A “linha ideológica” também deveria produzir seus efeitos visuais, na forma de apresentação do jornal, princípio que iria nortear todo o processo de “cadernização” e reformas gráficas que a FSP introduziria ao longo dos anos 80. É essa a linha de sedução que explica a participação da FSP na campanha pelas Diretas Já (ARBEX JR, 2001, p. 146).
Para Chaparro (1994, p. 92), foi justamente nos anos 80 que a Folha decidiu “enterrar
com o passado o jornalismo engajado – e implantar, definitiva e integralmente, o projeto de
‘um jornalismo apartidário, pluralista, crítico, didático, moderno na tecnologia e na
linguagem’, síntese oficial do Projeto Folha”, e que causou uma grande frustração na equipe
interna de reportagem.
Para Chaparro (1994), não apenas a organização Folha, pioneira na implantação de
manuais de redação, mas toda a imprensa brasileira possui normas carregadas de “muitos
propósitos, mas (sic) poucos princípios”. Ele faz uma analogia entre as apresentações dos
manuais de redação da Folha, d’O Estado e d’O Globo com o estatuto do jornal espanhol El
Pais.
Enquanto a imprensa brasileira se preocupa com as técnicas jornalísticas de produção
e apresentação da notícia, o diário espanhol inclui, em seu texto introdutório, a premissa da
busca da verdade e a defesa do interesse do leitor. No caso da Folha, Chaparro observa: “O
manual da Folha, embora em tom solene, logo na introdução reduz o jornal a um produto e os
ideais jornalísticos a meras estratégias de marketing” (CHAPARRO, 1994, p. 103).
40
Ao organizar uma obra analítica sobre os gêneros jornalísticos na Folha de S. Paulo,
Melo (1992) aponta distorções entre o projeto editorial do jornal e a prática jornalística diária.
O estudo aponta a ausência de pluralidade nos artigos opinativos, com baixa participação de
mulheres, negros e índios; controle na publicação de cartas do leitor; interferências políticas
sutis nos editoriais; e o baixo uso do gênero entrevistas.
Arbex Jr (2001, p. 153) denuncia que, com o término do período ditatorial, passou a
existir um mal-estar na produção do jornal, quando “a Folha mudou o tom de seu discurso,
tornando-se cada vez mais ‘empresarial’ e dissociada dos anseios nacionais e populares”. Isso
levou ao afastamento de jornalistas, mantendo-se somente os chamados “jornalistas
intelectuais”, aqueles que gozavam de certa autonomia.
O Projeto Folha proclamava-se “pluralista” - por supostamente admitir, nas páginas do jornal, a expressão de uma pluralidade de opiniões – e “apartidário”- por não se filiar a qualquer “partido” (no sentido institucional do termo), o que significava um limite muito claro à possibilidade do exercício do “pluralismo”. A direção do jornal tinha consciência disso. Como conseqüência, a implantação do projeto exigia uma “guerra contra a esquerda” dentro da redação (ARBEX JR, 2001, p. 154).
O autor critica os princípios de objetividade pregados pelo projeto editorial da Folha,
que, mesmo afirmando que “Não existe objetividade no jornalismo” (FOLHA, 1992, p. 19),
ressalta que uma notícia deve ser o puro registro de fatos sem comentários e interpretações, o
que revela a adoção de um discurso tecnicista.
2.3.2.1 A Folha e a crise do mercado
O maior jornal do país e seus concorrentes estão hoje em franca queda na circulação
de exemplares, acentuada desde os primeiros sinais de desgaste do Plano Real que ocasionou
a instabilidade da moeda em relação ao dólar e o conseqüente aumento dos insumos,
especialmente do papel.
41
Outro fator preponderante são as alternativas de busca pela informação on-line: mais
rápida e gratuita. Não é à toa que a Folha, entre outras empresas jornalísticas, passou a
disputar leitores na Internet.
Na década de 90 a Folha chegou a ter uma circulação média de 606 mil exemplares
por dia. Hoje não passa dos 350 mil, sendo entre 80% e 90% os exemplares destinados aos
assinantes. Nessa época ações promocionais levaram o jornal a bater recordes de circulação,
medidas paliativas que ajudaram a assegurar o volume de tiragens.
Especialistas afirmam que, muito além da questão econômica, os jornais estão se
tornando menos atrativos para o público leitor. Isso porque estão perdendo o seu caráter
analítico e estão apenas repetindo as notícias divulgadas em tempo real por outros meios,
como a televisão e a Internet, como relata Lins da Silva. “O jornal brasileiro hoje é previsível,
traz notícias que eu já vi ontem e tem linguagem empolada” (NEGÓCIOS, 2004, p. 35).
Para Ramonet (1999), isso ocorre porque a idéia de informação sofreu alteração nos
últimos anos. Para esse autor, informar já não é mais descrever um fato de forma precisa e
comprovada, trazendo parâmetros que permitam ao leitor compreender um significado, mas,
“‘mostrar a história em curso, a história acontecendo’, ou, em outras palavras, fazer o público
assistir (se possível, ao vivo) os acontecimentos” (RAMONET, 1999, p. 132).
Nesse sentido, cabe ao meio impresso uma reestruturação, que é possível por meio da
reflexão sobre o tratamento do conteúdo e linguagem, como uma questão de sobrevivência no
mercado. Analistas, como Noblat, afirmam que a imprensa precisa trazer informações mais
interpretativas, analíticas, com textos profundos e longos (NEGÓCIOS, 2004, p. 38). Além da
reformulação editorial está em questão também a adoção do formato tablóide, muito comum
na imprensa internacional e pouco usado no Brasil.
Em termos de anunciantes – os que pagam os jornais -, este tem sido um grande
problema para os empresários do setor. Desde o ano 2000 o investimento publicitário em
42
jornais caiu de R$ 2.117 milhões para R$ 1.918 milhões4.
Na Folha, uma das empresas mais bem sucedidas da imprensa brasileira, e que destina
quase 30% de sua área à publicidade, a queda de circulação refletiu no fechamento dos
cadernos regionais no interior do Estado de São Paulo e na demissão de parte da redação.
4 Os dados foram publicados pela Revista Negócios da Comunicação, Ano II, número 6, 2004, p. 44, que usou como fonte: Mídia Dados 2003/Projeto Inter – Meio e Mensagem.
43
3 A ANÁLISE DO DISCURSO
44
3.1 DEFINIÇÕES E CONCEITOS
Nossa abordagem inicial traz definições e conceitos da Análise do Discurso com base
em autores que seguem a linha Francesa, enfocando os trabalhos que realizaram sobre o modo
de constituição dos sujeitos e produção dos sentidos. Enfocamos também outras perspectivas
na linha da Análise Crítica do Discurso e a Teoria Social do Discurso, ambas direcionadas
para produtos da mídia e de origem inglesa.
3.1.1 A perspectiva francesa
A Análise do Discurso é uma das diversas metodologias para estudar a linguagem sem
se preocupar apenas com a lingüística ou com a superfície textual, transcendendo, portanto, as
Teorias Não-Enunciativas que se limitam aos estudos da língua em si e por si mesma como
um sistema de signos e de regras (CERVONI, 1989), e a Análise de Conteúdo, um método
interpretativo muito usado nas pesquisas das Ciências Sociais que busca extrair sentidos dos
textos (PINTO, 1999).
O foco da Análise do Discurso não é entender “o que” o texto significa, mas sim
“como” o texto se faz significar, um conhecimento que deve ser obtido a partir do próprio
texto (ORLANDI, 2003).
Isso ocorre porque a preocupação não está mais no sentido das palavras, expressões ou
frases que podem mudar conforme o contexto em que são usadas, mas em função das forças
presentes nas condições de produção e consumo dos textos (MARIANI, 1999, p. 108).
Essa perspectiva de estudo tem uma de suas origens na França na década de 60. A
Escola Francesa leva em conta, principalmente, a produção do sentido como sendo um
método de tratamento da informação a partir da articulação da lingüística, da psicanálise e,
especialmente, do modo social de produção da linguagem, como aborda Mariani (1999, p.
107): “A AD é uma ciência que situa seu objeto – o discurso – no campo das relações entre o
45
lingüístico e o histórico-ideológico, buscando, no interior deste campo, as determinações
sociais, políticas e culturais dos processos de construção do sentido”.
A linguagem é um suporte de pensamento, um instrumento de comunicação e o
discurso é o espaço onde emergem as significações (ORLANDI, 1988). É pelo discurso que
se concretiza a materialidade. Para Brandão (1998, p. 19), a Análise do Discurso “nasceu com
a preocupação de fazer uma análise textual voltada para o texto considerado na sua
opacidade”, ou seja, naquilo que está por detrás do campo enunciativo, na significação, no
sentido produzido, tratando-se, portanto, da palavra em movimento, uma vez que “articula o
lingüístico com o social” (BRANDÃO, 1997, p. 17).
E por tratar a linguagem como uma produção do pensamento de um sujeito e sua
capacidade de significar e significar-se em um determinado contexto histórico-social é que o
discurso tem a idéia de movimento, percurso (ORLANDI, 2003). É pelo discurso, portanto,
que o homem realiza mediações entre sua realidade e a realidade social, uma vez que ele é um
membro de uma determinada sociedade, onde exerce papéis.
Nesse contexto, a Corrente Francesa da Análise do Discurso pressupõe que todo
sujeito, ao exercer práticas sociais, assume lugares que o remetem a uma relação de classes, e,
conseqüentemente, a posicionamentos ideológicos:
Ao produzir o discurso, o homem se apropria da língua, não só com o fim de veicular mensagens, mas principalmente, com o objetivo de atuar, de interagir socialmente, instituindo-se como Eu e constituindo, ao mesmo tempo, como interlocutor, o outro, que é por sua vez constitutivo do próprio Eu, por meio do jogo de representações e de imagens recíprocas que entre eles se estabelecem (BRITO, 1994, p. 19).
Para ORLANDI (1988), o discurso materializa a ideologia, pois a linguagem não é um
dado e nem a sociedade um produto. Elas se constituem mutuamente e a linguagem, sendo um
suporte de pensamento, passa pelo núcleo social e ideológico, como nos acrescenta Brandão
46
(1997, p. 18): “Preconizando, assim, um quadro teórico que alie o lingüístico ao sócio-
-histórico, na AD, dois conceitos tornam-se nucleares: o de ideologia e o de discurso”.
Ideologia, compreendida sob a ótica do marxismo, trazendo como sentido o
pensamento produzido a partir de determinadas condições sociais e históricas que passam pela
imposição dos ideais da classe dominante (CHAUÍ, 1980 apud BRANDÃO, 1997), conceito
que vamos adotar neste trabalho.
Na Análise do Discurso Francesa, o conceito de ideologia se apropria, principalmente,
do pensamento de Althusser, que, com base no pensamento marxista, elaborou a conceituação
dos Aparelhos Ideológicos do Estado, em que define que os sujeitos apoiados em instituições
estabelecem papéis sociais e, portanto, Formações Ideológicas, que determinam “aquilo que
pode e deve ser dito” (BRANDÃO, 1997).
Toda ideologia tem por função constituir indivíduos concretos em sujeitos. Nesse processo de constituição, a interpelação e o (re)conhecimento exercem papel importante no funcionamento de toda ideologia. É através desses mecanismos que a ideologia, nos rituais materiais da vida cotidiana, opera a transformação dos indivíduos em sujeitos. O reconhecimento se dá no momento em que o sujeito se insere, a si mesmo e a suas ações, em práticas reguladas pelos aparelhos ideológicos. Como categoria constitutiva da ideologia, será somente através do sujeito e no sujeito que a existência da ideologia será possível (BRANDÃO, 1997, p. 24).
Um outro conceito, de Foucault (1969 apud BRANDÃO, 1997), que complementa o
tratamento dado à ideologia na Análise do Discurso é o de Formações Discursivas. Com essa
noção, Foucault concebe o enunciado como o local onde as posições de subjetividade podem
se manifestar, gerando significações às vezes dispersas, já que o sujeito é o resultado das
várias posições que ele assume no discurso. Fairclough (2001, p. 69) exemplifica esse
conceito: “um(a) médico(a) é constituído(a) pela configuração de modalidades enunciativas e
posições de sujeito que é reassegurada pelas regras correntes do discurso médico”. As
formações discursivas são, portanto, elementos que compõem e coexistem no discurso
47
(BRANDÃO, 1997, p. 31).
A partir dos pensamentos de Althusser e Foucault e fazendo uma releitura da
lingüística formulada por Saussure, Michel Pêcheux desenvolve o aporte teórico da Análise
do Discurso Francesa. “É justamente para romper com a concepção tradicional da linguagem
que Pêcheux fez intervir o discurso e tentou elaborar teoricamente, conceitualmente e
empiricamente uma concepção original sobre este” (HENRY, 1990, p. 26).
As reflexões de Pêcheux (1990) mostram como a ideologia está presente na língua,
uma vez que não existe discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia. E é por intermédio
da língua que o sujeito expressa o sentido. Orlandi (2003), com base no pensamento desse
teórico, afirma que a relação língua-discurso-ideologia é formada partindo da idéia de que a
materialidade específica da ideologia é o discurso e a materialidade específica do discurso é a
língua. Como acrescenta Brito (1994, p. 13), “estudiosos buscam uma compreensão da
linguagem não mais centrada na língua, mas em nível situado fora dessa dicotomia
saussureana, ou seja, entre a língua e a fala está o discurso”.
A Análise do Discurso de Pêcheux (1990) apresenta como quadro epistemológico a
articulação de conhecimentos de três regiões:
1. o materialismo histórico, como teoria das formações sociais e de suas transformações, compreendida aí a teoria das ideologias; 2. a lingüística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de produção de enunciação ao mesmo tempo; 3. a teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos processos semânticos. Convém explicitar ainda que estas três regiões são, de certo modo, atravessadas e articuladas por uma teoria da subjetividade (de natureza psicanalítica) (PÊCHEUX; FUCHS, 1990, p.163).
Orlandi (2003) exemplifica o plano de trabalho na Análise do Discurso Francesa: a
primeira etapa baseia-se na passagem da superfície lingüística para o texto (discurso), quando
é estabelecida uma análise de natureza lingüístico-enunciativa, ou seja, na seleção de marcas
48
presentes no enunciado. A segunda etapa diz respeito à passagem do objeto discursivo para as
Formações Discursivas, ou seja, os modos de representação dos sentidos, “observando os
processos de significação” (ORLANDI, 2003, p. 78). A terceira etapa, finalmente, é a
passagem do processo discursivo para a Formação Ideológica.
Com muitas décadas de existência, a AD hoje é reivindicada por diversos campos de
estudo, como a comunicação, justamente por ser “uma disciplina do entremeio”, como diz
Orlandi (1996 apud MARIANI, 1999, p. 107).
Segundo Brandão (1998) e Gill (2003) hoje não podemos falar numa escola francesa
de AD, mas de várias, que surgiram a partir da diversidade de objetos, formas de análise e
diferentes preocupações, e que, no entanto, têm em comum a noção da linguagem enquanto
elemento produtor do sentido. “O que estas perspectivas partilham é uma rejeição da noção
realista de que a linguagem é simplesmente um meio neutro de refletir, ou descrever o mundo,
e uma convicção da importância central do discurso na construção da vida social” (GILL,
2003, p. 244).
3.1.2 Outras perspectivas
O conceito de ideologia marxista também está presente na Análise Crítica do
Discurso, fruto dos trabalhos de pesquisadores ingleses sobre análise de discurso, iniciados na
década de 70. Segundo Fairclough (2001, p. 47), a Análise Crítica se baseia em “casar um
método de análise textual com a teoria social do funcionamento da linguagem em processos
políticos e ideológicos, recorrendo à teoria lingüística”.
Recorrer aos estudos dos pesquisadores da Análise Crítica é uma excelente
oportunidade para procurar entender o funcionamento da linguagem produzida pelos meios de
comunicação e a sua relação com o sistema político-ideológico, como ressalta Gill (2003, p.
246). O trabalho lingüístico crítico
49
(...) tem uma preocupação explícita com a relação entre linguagem e política. A tradição está bem representada nos estudos da mídia, particularmente na pesquisa sobre imprensa, e enfatizou – entre outras coisas – a maneira como formas lingüísticas específicas (tais como a anulação do sujeito, passivização ou nominalização) podem ter efeitos dramáticos sobre a maneira como um acontecimento ou fenômeno é compreendido.
Sob a ótica de Fowler (1991), um dos teóricos partidários dessa escola, as
representações ideológicas estão presentes nos enunciados ora causando conflitos, ora
consensos. Para o autor, que trabalha com a perspectiva da Análise Crítica do Discurso em
textos jornalísticos, a linguagem vai consolidar e confirmar as organizações que a moldam.
Assim, os diferentes modos de colocar a linguagem como produção de significado podem
envolver sistemas ideologicamente diferentes.
A lingüística crítica busca, estudando os detalhes minuciosos da estrutura lingüística à luz do contexto social e histórico no texto, expor os padrões de crenças e valores que são codificados na língua e que estão no limiar da notícia para que qualquer um aceite o discurso como ‘natural’ (FOWLER, 1991, p. 67, tradução nossa5).
Assim, estudiosos como Fowler buscam em suas análises as representações da
linguagem por estereótipos, discriminações e atitudes que remetam ao poder como
manifestações da ideologia dominante.
Para Fowler (1991), o discurso discriminatório reforça os estereótipos. Mesmo que a
intenção não seja discriminatória, os termos conceituais são repetidos e isso parece uma coisa
normal e por isso não é uma questão muito refletida.
Mesmo em se tratando de um problema lingüístico, é no discurso que aparece um
grande número de expressões que se referem ao poder e que foram incorporadas ao senso
5 Critical linguistics seeks, by studying the minute details of linguistic structure in the light of the social and historical situation of the text, to display to consciousness the patterns of belief and value which are encoded in the language – and which are below the threshold of notice for anyone accepts the discourse as ‘natural’ (FOWLER, 1991, p. 67).
50
comum numa forma ideológica de manutenção do status quo. “A língua simplesmente reflete
os fatos” (FOWLER, 1991, p. 104, tradução nossa6), ou, como escreveu Sousa (2004, p. 18):
“A linguagem é mediadora entre o mundo e as idéias e imagens que temos dele”.
Outra visão que não podemos deixar de mencionar diz respeito à Teoria Social do
Discurso, de Fairclough (1995; 2001). O trabalho do teórico tem em comum com a Escola
Francesa a dimensão crítica da linguagem enquanto uma prática social, discutindo o papel da
linguagem como (re)produtora de ideologias, mas, também, o seu papel enquanto capacidade
de transformação social. “Especificamente, as conexões entre o uso da língua e exercício de
poder freqüentemente não estão claras entre as pessoas, contudo, aparentam, num exame mais
próximo, ser de vital importância para os funcionamentos do poder” (FAIRCLOUGH, 1995,
p. 54, tradução nossa 7).
Para esse teórico, a linguagem como prática social implica a constituição da identidade
social por meio do relacionamento entre a sociedade e os sistemas de conhecimentos e
crenças, ou seja, das representações sociais (FAIRCLOUGH, 1995).
(...) ao produzirem seu mundo, as práticas dos membros são moldadas, de forma inconsciente, por estruturas sociais, relações de poder e pela natureza da prática social em que estão envolvidos, cujos marcos delimitadores vão sempre além da produção dos sentidos. Assim, seus procedimentos e suas práticas podem ser investidos política e ideologicamente, podendo ser posicionados por sujeitos (e membros) (FAIRCLOUGH, 2001, p. 101).
A prática discursiva de Fairclough (1995; 2001) envolve os processos de produção,
distribuição e consumo textuais. O discurso é a linguagem utilizada como a representação da
prática social e traz pontos de vista particulares, elaborados por intermédio de uma construção
6 Language simply reflects the facts (FOWLER, 1991, p. 104). 7 “Specifically, connections between the use of language and its exercise of power are often not clear to people, yet appear on closer examination to be vitally important to the workings of power” (FAIRCLOUGH, 1995, p. 54).
51
arquitetada pelo produtor do texto.
O autor, em sua teoria, desenha uma concepção tridimensional indispensável para a
realização de análise discursiva de produtos da mídia, o que ele chama de “Análise Crítica do
Discurso” e que envolve as relações entre: Texto, Prática Discursiva e Prática Social.
Na esfera textual, Fairclough (1995) propõe a análise de processos de produção em
textos. O estudo engloba análise do vocabulário, gramática, semântica, fonética e sistema de
escrita. Trata-se de uma análise lingüística que se preocupa com a organização do texto, seus
significados e forma, uma vez que é impossível dissociar uma noção da outra, já que são
elementos intrínsecos.
Nesse sentido, a Prática Discursiva abrange o estudo da construção do texto
observando o sistema de produção, os valores sociais, as representações particulares do autor
(ideologia), assim como as identificações sociais e a relação do emissor com o receptor.
Contempla, portanto, a mediação entre o textual, o social e o cultural. A análise pela prática
discursiva - chamada pelo autor de criativa -, faz uma ponte entre a linguagem e a sociedade.
Observa a heterogeneidade nos formatos e significados nos textos e localiza a relação
do repertório com a prática discursiva. Por conseqüência, o analista tem de compreender os
aspectos sociais e culturais. “Conseqüentemente, na análise intertextual o analista é mais
dependente da compreensão social e cultural” (FAIRCLOUGH, 1995, p. 61, tradução nossa8).
A visão de como são estruturados os termos que configuram os gêneros e discursos, as
mudanças da ordem do discurso e a sua relação com outras ordens socialmente adjacentes são
entendidas como Prática Social.
O que o autor chama de “Ordens do Discurso” são as dominações hegemônicas
presentes nos enunciados, ou seja, construídas por grupos dominantes que lutam para manter a
estrutura particular entre si. Implica um código estável de uma prática discursiva e, portanto,
8 “Consequently, in intertextual analysis the analyst is more dependent upon social and cultural understanding” (FAIRCLOUGH, 1995, p. 61).
52
aceito pela sociedade. “Tais processos geralmente procedem de maneira não-consciente e
automática, o que é um importante fator na determinação de sua eficácia ideológica (...)”
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 109).
Ele acredita que exista a mudança nas ordens do discurso que poderão trazer uma
contribuição ao debate das mudanças sociais. A ordem do discurso é remodelada por
intermédio das redefinições de relacionamentos entre o público e o consumo.
À medida que os produtores e os intérpretes combinam convenções discursivas, códigos e elementos de maneira nova em eventos discursivos inovadores, estão, sem dúvida, produzindo cumulativamente mudanças estruturais nas ordens do discurso: estão desarticulando ordens de discurso existentes e rearticulando novas ordens de discurso, novas hegemonias discursivas (FAIRCLOUGH, 2001, p. 129).
Com a rearticulação da ordem do discurso, observamos o caminho que envolve o
contexto de produção e as mudanças sociais. “Novas hegemonias discursivas” podem afetar
as ordens do discurso, levando a processos de mudanças sociais. Essas mudanças na ordem do
discurso são, segundo o autor, a chave para a compreensão do discurso e as relações entre os
gêneros que os constituem.
As visões apresentadas têm pontos em comum. Entretanto, apresentam certas
diferenças entre uma ou outra conceituação. A possibilidade de conciliá-las com objetivo de
analisar a influência do meio impresso no período eleitoral, como veremos a seguir, é uma
forma de extrapolar regras e convenções de grupos fechados, criados sob determinados
contextos, na busca de ampliar visões que possibilitem um estudo apoiado no pensamento de
autores que trabalham com a relação linguagem-ideologia e os modos de produção do sentido
em eventos comunicacionais.
3.2 A RELAÇÃO LINGUAGEM-IDEOLOGIA: O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA PRÁTICA DISCURSIVA DO JORNALISMO
53
O estudo da subjetividade, ou da presença de marcas de sujeito no campo enunciativo,
parte do pressuposto de que todo discurso provém de um alguém que se manifesta sobre
alguma coisa que é dirigida para um outro alguém. Justamente nessa polaridade entre eu e tu
que os sentidos são produzidos, pois implica um posicionamento do enunciador em relação ao
outro, o seu enunciatário. Posição esta que depende de fatores como contexto, lugares e papéis
assumidos pelos sujeitos da enunciação.
3.2.1 Discurso e sujeito
É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de ‘ego’. A subjetividade de que tratamos aqui é a capacidade do locutor de se propor como ‘sujeito’(BENVENISTE, 1988, p. 286).
Esse trecho da obra de Benveniste (1988) nos remete à noção de subjetividade dentro
do estudo da linguagem. Para esse teórico, a subjetividade leva o autor do enunciado a se
posicionar como sujeito em seu discurso e isso acontece a partir da língua. Existe, portanto,
um sujeito pensante, criador do enunciado e um outro que está presente no interior do
enunciado, aquele que se faz ouvir. A partir desse raciocínio, a linguagem “é o lugar de
criação da subjetividade”, como afirma Gomes (2000, p. 63).
Nessa perspectiva, o enunciador passa a ter papel privilegiado, pois se torna
representado por um sujeito que lhe atribui sentido, como esclarece Brandão (1998, p. 37):
“porque falo, aproprio-me da linguagem, instauro minha subjetividade e é enquanto sujeito
constituído pela linguagem que posso falar, representar o mundo”.
Benveniste (1988) afirma que o emprego do eu só existe porque o sujeito se projeta a
alguém, um tu a quem dirige seu enunciado e que lhe trará a noção de reciprocidade. Eu e tu
protagonizam a enunciação, um não se concebe sem o outro e apresentam em si, as marcas de
pessoa.
54
A linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo a ele mesmo como eu no seu discurso. Por isso, eu pressupõe outra pessoa, aquela que, sendo embora exterior a ‘mim’ torna-se o meu eco – ao qual digo tu e que me diz tu. A polaridade das pessoas é na linguagem a condição fundamental cujo processo de comunicação, de que partimos, é apenas uma conseqüência pragmática (BENVENISTE, 1988, p. 286).
Indo um pouco além da concepção de Benveniste, entendemos que a questão central
da subjetividade não está na polaridade do eu-tu, mas sim no espaço discursivo criado entre
ambos, que se manifesta ora na identidade ora na alteridade dos sujeitos, uma vez que o
sujeito só é construído ao se relacionar com o outro (BRANDÃO, 1997). É com esse olhar
que se coloca a Análise do Discurso.
Uma explicação sobre esse tema se encontra na obra de Pinto (1999). Para o autor
existe uma distinção entre o autor do texto e o sujeito do enunciado, que no próprio enunciado
é encontrado como o responsável pelo discurso. Algumas vezes o sujeito do enunciado
explicita diferentes posicionamentos, lugares ou discursos que aparecem no texto. “São seres
de papel” (PINTO, 1999, p. 32) que ora são livres e ora interpelados por seus papéis sociais.
É sob esse paradigma que Pêcheux elabora sua teoria. A primeira premissa do autor é
que o “sujeito não é um dado a priori, mas constituído no discurso” (PÊCHEUX, 1975 apud
BRANDÃO, 1998, p. 40) e que seu discurso é determinado pela posição e lugar de onde fala.
Dessa forma, não existe sentido em si mesmo: ele é determinado pelas posições ideológicas
colocadas em jogo no processo discursivo.
Pêcheux centra o sujeito como o responsável pelo efeito ideológico no discurso, ora
livre, ora “interpelado” pelo lugar que ocupa no sistema de produção. Assim, suas idéias são
trabalhadas em três frentes: Ilusões Discursivas – Formações Imaginárias – e Formações
Ideológicas.
A Ilusão Discursiva do sujeito da enunciação é o que Pêcheux (1990) chama de noção
55
de esquecimento e se divide em duas formas:
1) ao produzir um enunciado, o sujeito cria a noção de que é o único senhor de sua fala.
Segundo Orlandi (2003, p. 35), esse esquecimento vem da instância do inconsciente e mostra
como o sujeito é afetado pela ideologia, pois tem a ilusão de ser a origem de um sentido e
assim, se esquece que suas idéias advêm de outros enunciados.
Outra noção vem da definição de polifonia de Ducrot (1987 apud Brito, 1994).
Segundo Ducrot (1987) o sujeito do enunciado (enunciador) traz a voz do “ponto de vista”, da
“perspectiva” de uma posição ideológica que o permite falar. É a pessoa cujo ponto de vista é
apresentado. É onde o sujeito reconhece o que pode e deve ser dito. No entanto, no mesmo
enunciado, pode-se ter uma ou mais vozes, trazendo a noção de polifonia, ou seja, do
aparecimento de várias falas atravessadas no mesmo discurso.
2) de forma pré-consciente ou consciente, o sujeito escolhe uma forma em detrimento de
outra, a um dito em relação a um não-dito, indiciando sinais de parcialidade. Segundo
Brandão (1998, p. 41), “essa operação dá ao sujeito a ilusão de que seu discurso reflete o
conhecimento objetivo que tem da realidade, de que é senhor de sua palavra, origem e fonte
do sentido”.
Com base especialmente neste apagamento, o de não sermos a fonte única ou original de nossos discursos, e somando-se a ele a compreensão das formações ideológicas, dizemos que um discurso é sempre um efeito de sentido. Vem de um lugar e vai a outro. Um discurso é sempre decorrência, antes de ser causa (MACHADO; JACKS, 2001, p. 4).
Como Formações Imaginárias, o teórico entende as posições e lugares ocupados pelo
sujeito do enunciado em relação ao seu enunciatário, como ele mesmo define as condições de
produção do discurso: “como pertencentes a um sistema de normas nem puramente
individuais nem globalmente universais, mas que derivam da estrutura de uma ideologia
política, correspondendo, pois, a um certo lugar no interior de uma formação social dada”
56
(PÊCHEUX, 1990, p. 77).
Para explicar as Formações Imaginárias, Pêcheux traça um esquema onde imagina um
sujeito A (enunciador) em relação a um sujeito B (enunciatário) representados em um certo
lugar. A cria uma imagem sobre si mesmo enquanto produtor do discurso: “Quem sou eu para
lhe falar assim?” e sobre B: “Quem é ele para que eu lhe fale assim?”. Da mesma forma, B
se projeta em relação a si mesmo: “Quem sou eu para que ele me fale assim?” e em relação a
A; “Quem é ele para que me fale assim?” (PÊCHEUX, 1990, p. 83).
Continuando com o raciocínio de Pêcheux, existem regras e representações na
sociedade, dessa forma, todo indivíduo possui diversos papéis, e em cada um deles, pode se
manifestar ou se calar de acordo com a sua posição. A isso, o autor chama de Formações
Ideológicas que consiste no indivíduo em condição de sujeito ora livre, ora afetado pela
ideologia. “Falaremos de formação ideológica para caracterizar um elemento suscetível de
intervir como uma força em confronto com outras forças na conjuntura característica de uma
formação social em dado momento” (PÊCHEUX; FUCHS, 1990, p. 166).
É a interpretação do sentido dentro de Formações Discursivas que nos remete às
Formações Ideológicas. Sentido que se regula pelas condições de produção do discurso, pela
realidade, pelo contexto. É pela realidade que nos enquadramos e que determinamos o sentido
de nosso discurso.
3.2.2 A subjetividade no jornalismo e o jornalismo enquanto prática discursiva
Partindo dos conceitos de subjetividade anteriormente construídos e sob a luz da
análise do discurso, propomos pensar o jornalismo na perspectiva da prática discursiva, como
forma de compreender as relações entre sujeito-sentido-ideologia na imprensa.
Originalmente, o jornalismo impresso carregava um caráter nitidamente opinativo. Foi
a partir do século XVIII que os jornais começaram a impor valores de objetividade no campo
57
jornalístico. A preocupação estava em relatar os fatos de forma precisa, sem exposição de
comentários pessoais, ou seja, eliminando as marcas de subjetividade com o propósito de
conferir precisão, exatidão, equilíbrio e clareza textuais. Chaparro (2003) traz uma excelente
explicação à busca de “objetividade” no jornalismo:
No ‘policiamento’ da opinião, que os crentes da objetividade fazem, é claramente identificável um viés moralista, como se a opinião, só por si, tornasse suspeita a informação. E a questão não é moral nem ética, mas de estratégia interlocutória: para o relato dos acontecimentos, a narração é mais eficaz (CHAPARRO, 2003, p. 14).
Segundo Baccega (1998, p. 54), na imprensa, “a objetividade se apresenta
textualmente com ausência de sujeito. Ou seja, é o fato que assume contar-se como se não
houvesse intermediação do sujeito e sua linguagem”.
A terceira pessoa do singular ou do plural (ele/eles), normalmente usada no discurso jornalístico, evidencia fractura e distanciamento entre o enunciador e os acontecimentos representados no discurso. Revela também uma intenção de objectivização do discurso. Por vezes, o enunciador procura desvincular-se de si mesmo, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, o que parece conferir-lhe maior capacidade analítica e objetividade (SOUSA, 2004, p. 81).
A separação entre opinião e informação, a colocação do enunciador ausente, tem como
objetivo passar a sensação de que o jornalista (enunciador) não intervém no sentido, como
analisa Gomes (1999, p. 66): “Essa ausência faz pensar que os fatos como contando-se por si
próprios”. Entretanto, de acordo com Chaparro (2003), tudo não passa de mera ilusão, pois
leva-nos a crer
(...) que a paginação diferenciada dos artigos garante notícias com informação purificada, livre de pontos de vista, produzida pela devoção à objetividade. Como se tal fato fosse possível, e até desejável (...) Trata-se de um falso paradigma, porque o jornalismo não se divide, mas se constrói com informações e opiniões (CHAPARRO, 2003, p. 3).
58
Nesse contexto, a análise do discurso é uma forma de compreender a convivência
entre a objetividade e a subjetividade num mesmo espaço, mesmo sendo o texto de
predominância estilística subjetiva (editorial, artigo, crônica, coluna, etc) ou objetiva (nota,
notícia, matéria, reportagem), pois ajuda a esclarecer o falso paradigma da objetividade.
Correntemente tipificam-se os principais gêneros jornalísticos em notícia, entrevista, reportagem, crônica, editorial e artigo (de opinião, de análise, etc.). Porém, os gêneros jornalísticos não têm fronteiras rígidas e, por vezes, é difícil classificar uma determi-nada matéria, até porque, consideradas estrategicamente, todas as matérias jornalís-ticas são notícias, especialmente se aportarem informação nova (SOUSA, 2004, p. 94).
Como lembram Caldas, Gonçalves e outros (2003, p. 1): “o discurso não é neutro, a
língua não é o espelho da realidade, mas sua representação”, uma vez que a produção de
mensagens não se apóia no caráter informativo, mas no sujeito que, ao produzir um
enunciado, está necessariamente interferindo, interpretando, reformulando, conferindo um
novo sentido.
E como não existe discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia, como muito bem
abordam os teóricos da análise do discurso (ORLANDI, 1988; BRANDÃO, 1998), o meio
impresso caracteriza-se como um cenário para a produção de sentidos de sujeitos que se
manifestam ideologicamente. Como esclarece Mariani (1999), o discurso jornalístico é
ideológico porque é produzido sob um contexto histórico, em que predominam determinados
fatos que nos remetem a interpretações da realidade.
Entretanto, os leitores - sejam eles mais ou menos críticos -, vão perdendo de forma
desapercebida o contexto histórico e assim, tomam a direção do sentido proposto pelo jornal
que lêem. “As interpretações engendradas nos jornais fazem circular os sentidos hegemônicos
que interessam às instâncias que os dominam” (MARIANI, 1999, p. 112).
Para Mariani (1999), a falsa noção da objetividade é uma forma de incentivar o “não- -
59
conflito”, pois permite a colocação de um ponto de vista de forma silenciosa, livre de críticas
assumidas, criando a noção para a grande maioria dos receptores de que o enquadramento
trazido pela imprensa é uma verdade inquestionável (MARIANI, 1999).
Fairclough (1995) alerta que as conexões entre linguagem e exercício de poder não
têm ficado claras entre as pessoas. É o caso do repórter que, numa entrevista, legitima seu
discurso como aquele “que fala pelo público” para seu entrevistado. Na verdade, o
direcionamento do entrevistador é feito de acordo com as relações de poder entre os grupos,
poder este que se sustenta como prática e que assim se mantém, como observa o autor: “Pode-
se considerar que a mídia de notícias efetiva o trabalho ideológico de transmitir as vozes do
poder em uma forma disfarçada e oculta” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 144).
O discurso jornalístico é editado a partir de filtros que nos fornecem um recorte, uma
leitura da realidade. Compreendê-lo requer uma varredura das condições sócio-culturais e
históricas predominantes.
Se perdemos a noção de contexto e de relevância no consumo das informações que nos
são apresentadas, estabelecemos com o jornal que preferimos uma espécie de “contrato de
leitura”9, em que o jornal esconde e mostra o que lhe convém, usando de estratégias
discursivas. O jornalista, tendo em mente o seu “público leitor”, escreve para um tu virtual,
pensando em seu papel como a fonte da notícia e no que o seu leitor se interessa em saber. O
leitor, por sua vez, estabelece uma relação de confiança com o jornal. Segundo Brito (1999, p.
44): “o jornal visa a convencer o leitor; o leitor, convencido, sustenta o jornal. Por
conseguinte, ambos se necessitam. De onde se conclui que deverá haver uma semiose, uma
vez que sem ela o jornal se invalida por falta de instauração de sentido do leitor”. 9 O conceito de Contrato de Leitura foi formulado por Eliseo Veron, com base na teoria da enunciação como metodologia para analisar os suportes de imprensa. Para Veron, pelo contrato de leitura podemos observar o elo entre um veículo de imprensa e seus leitores. Cada suporte de imprensa cultiva, ao longo de sua existência, uma relação que se alimenta de uma permanente negociação com seus leitores. (VÉRON, 1983 apud FERREIRA, 2000).
60
Podemos entender essa relação entre o jornal e o leitor a partir do conceito de Pêcheux
(1990). Em relação à noção de Ilusões Discursivas, o esquecimento leva o jornalista a, muitas
vezes, se apropriar do discurso de suas fontes de informação.
É comum que o jornalista se utilize não só da visão sobre a realidade fornecida pelas fontes, mas também de suas expressões. Em muitos momentos, assume as perspectivas de enunciação de outros pensando serem as suas. No momento em que produz o texto, considera-se o dono deste discurso, seu autor (MACHADO; JACKS, 2001, p. 4).
A essa noção, o conceito de polifonia elaborado por Ducrot (1987 apud Brito, 1994)
também é aplicável, pois observamos as várias vozes que colocam dentro de um mesmo
enunciado, ora explicitadas pelo uso do discurso relatado, ora implícitas pela apropriação da
idéia sem o uso de citações.
Ainda retoma a noção de apagamento o processo de escolha de umas palavras em
detrimento de outras na construção do sentido como sendo parte do jogo de “isenção” armado
pelo jornalismo, especialmente pelo gênero informativo, que evita adjetivos como forma de
não atribuir valores aos fatos, permitindo que o jornal mantenha uma imagem de seriedade,
independência, neutralidade e imparcialidade ao veicular seus modelos de verdade.
O jornalismo informativo − gênero supostamente ‘não contaminado’ pela opinião, pela valoração e pela ideologia − define a si mesmo como imparcial e isento. Faz parte de seu jogo discursivo fazer crer que ele se interpõe entre os fatos e o leitor de forma a retratar fielmente a realidade (MACHADO; JACKS, 2001, p. 1).
O conceito de Formações Imaginárias também é caro ao jornalismo porque estabelece
uma ilusão vital e, ao mesmo tempo, hipócrita para o jornalismo, como lembram Machado;
Jacks (2001):
61
Como já observamos, o jornalismo não pode construir outra imagem a respeito de si mesmo que não aquela de ser uma instituição capaz de um relato fiel dos fatos e dos pensamentos. É por meio do jornalismo que o leitor espera ler o mundo. Podemos pensar que nossa relação, enquanto jornalistas, com nossos leitores, é paradoxal ou hipócrita, dependendo do termo que se prefira usar. Sabemos que o jornalismo é uma narração do real mediada por sujeitos (no exercício de suas subjetividades) e que as escolhas se dão da pauta à edição, passando pela apuração, pela seleção das fontes e pela hierarquização das informações. Tendo consciência desse processo ou não, o leitor ainda assim busca no jornalismo uma porta para o real (MACHADO; JACKS, 2001, p. 6).
Segundo Sousa (2002), é o jornalismo o responsável por trazer as notícias que irão se
tornar os referentes da realidade social para aqueles que participam dessa realidade e
contribuirá para a construção das imagens que essa realidade terá para esse grupo. Para
Maingueneau (2001, p. 40) “o discurso jornalístico é de certa forma antecipadamente
legitimado, uma vez que foi o próprio leitor que o comprou”.
O jornalismo é um fenômeno do homem moderno, o meio onde ele se espelha e retira
seu conteúdo (referencial). “Não será errado afirmar que os meios jornalísticos são o principal
veículo de comunicação pública através dos quais a estrutura de poder se comunica com a
sociedade” (SOUSA, 2002, p. 122).
Dessa forma, os meios jornalísticos conferem notoriedade a determinados fatos ou
temas, “democratizando” o acesso à informação e tornando habitual o consumo, contribuindo
para conferir um sentido e criando um quadro explicativo para o mundo (SOUSA, 2002).
“Sentidos” e “explicações” para o mundo enviesados por influências, interesses e
acordos que determinam os critérios de noticiabilidade. Para Mariani (1999, p. 102): “O ato
de noticiar (...) não é neutro nem desinteressado: nele se encontram, entrecruzando-se, os
interesses ideológicos e econômicos do jornal, do repórter, dos anunciantes, bem como, ainda
que indiretamente, dos leitores”.
Dessa forma, a informação oferecida pelo jornalismo é criada a partir de determinados
recursos e fundamentos pré-estabelecidos, o que remonta à subjetividade na prática
jornalística, pois o discurso jornalístico propõe leituras e releituras do mundo, e por esse único
62
motivo, “um olhar, portanto, nunca é imparcial” (MARIANI, 1999, p. 104).
Em outras palavras, o jornalismo é uma prática dotada de um conjunto de atores, de
instituições e de recursos próprios para uma ação especializada (FRANCISCATO, 2002) e
que escolhe, de forma singular, os eventos que irá noticiar de acordo com critérios como
conhecimento e situações prévias, contexto onde ocorre, número de pessoas envolvidas,
valores notícia (eventos inesperados, com conseqüências, envolvendo uma pessoa da elite ou
várias pessoas, etc), ou mesmo a angulação (enquadramento) como o evento noticioso é
tratado. “Dito de outro modo, as notícias podem indiciar aspectos da realidade (...), mas não
podem nunca refletir a realidade porque isto é impossível” (SOUSA, 2004, p. 28).
São esses atores e essas práticas que conferem sentidos à organização política e social
de um grupo. “O que se escreve nos jornais são interpretações do mosaico que constitui
historicamente uma formação social, mas não é do mosaico inteiro que se fala, apenas de sua
parte hegemônica, i.e., da parte que se impõe a ler” (MARIANI, 1999, p. 105).
De acordo com Fowler (1991) quando a mídia traz-nos informações construídas a
partir do enfoque sobre uma pessoa, nós, inconscientemente, a relacionamos com nossos
valores percebidos. Tal processo é um trabalho ideológico que nos apresenta modelos
socialmente construídos e projetados no mundo do conhecimento. Essa operação é feita por
intermédio do uso de palavras que rotulam as pessoas e que fazem parte de uma estrutura
ideológica representada no espaço do jornal impresso. Fowler (1991) mostra, em seus
estudos, como a personalização, a categorização e a discriminação de indivíduos tornaram-se
uma prática utilizada pelo jornalismo.
O indivíduo é estereotipado e categorizado a um grupo de forma prejudicial
(pejorativa). O “grupo” aparece como um instrumento de discriminação entre classes e, no
discurso, adquire aparência solidificada. Nesse sentido, para Fowler (1991), o discurso tem
poder na manutenção da discriminação social, pois é pela linguagem que nomeamos
63
categorias, estabelecemos fronteiras e permitimos que as categorizações sejam faladas ou
escritas.
Assim, o jornalismo precisa ser analisado como um produto midiático formador de
opinião, difusor do discurso ligado às instâncias de poder, produtor de sentido para os
acontecimentos e, portanto, dotado de subjetividade e nem um pouco imparcial, e a Análise
do Discurso é uma das formas de se entender esta problemática: “(...) a análise do discurso
permite conhecer indiretamente o público-alvo de um jornal, assumindo que determinado
setor do público escolhe esse jornal porque se revê nos seus conteúdos e formatos” (SOUSA,
2004, p. 15).
Levando-se em conta os fatores de construção da notícia (interesses internos e
externos da empresa jornalística), considera-se que é praticamente impossível que um veículo
impresso adote uma posição de neutralidade (FAIRCLOUGH, 2001, p. 143 - 144).
64
4 JORNALISMO, POLÍTICA E AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002
65
4.1 JORNALISMO E POLÍTICA: CAMPOS QUE SE ENTRECRUZAM
Para tentar compreender a delicada relação entre o jornalismo e a política, recorremos
inicialmente a Pierre Bourdieu (1997) que lança a idéia de campo, uma moldura definida por
cada uma das partes com seus agentes e interesses individuais.
Segundo o teórico, o campo político é o lugar onde são gerados produtos políticos,
problemas, programas, análises, comentários, conceitos e acontecimentos que, na maioria das
vezes, ficam à parte dos cidadãos comuns. “Bourdieu, ao analisar o campo político, assinala
que o monopólio dessa atividade por especialistas – profissionais da política – tem
concentrado o capital nas mãos de um grupo selecionado de pessoas” (RUBIM, 1994, p. 43).
Todos os que ficam à parte do campo político (os que não são profissionais da
política), tornam-se os “consumidores” desses produtos, conceitos e idéias gerados pela
política. A estes cabe a decisão de avaliar, escolher e validar.
Nesse sentido, os produtos gerados pela política necessitam de visibilidade, que,
atualmente, é grande parte feita pelos meios de comunicação. Portanto, a necessidade de
reconhecimento e visibilidade do campo político existiu antes mesmo do advento dos meios
de comunicação. “Antes (...) outros fatores ‘vivenciavam’ o discurso político. Se hoje é
importante que o candidato tenha um rosto atraente, antes pesavam mais a técnica retórica, o
timbre da voz ou mesmo o talhe do corpo (...)” (MIGUEL, 2002, p. 158).
Segundo Miguel (2002, p. 167), os campos político e jornalístico “guardam certo grau
de autonomia e a influência de um sobre o outro não é absoluta nem livre de resistência; na
verdade, trata-se de um processo de mão dupla”, pois “a imprensa lê cinicamente a disputa
política e os políticos se adaptam ao comportamento esperado, numa cadeia de alimentação
mútua” (CAPPELLA E JAMIESON 1997, p. 9-10 apud MIGUEL, 2002, p. 159) e nesse
sentido, ambos os campos estão submetidos aos juízos da sociedade, como ressaltou Pierre
66
Bourdieu:
(...) esses dois campos têm em comum estarem muito direta e muito estreitamente situados sob a influência da sanção do mercado e do plebiscito. Daí decorre que a influência do campo jornalístico reforça as tendências dos agentes comprometidos com o campo político a submeter-se à pressão das expectativas e das exigências da maioria, por vezes passionais e irrefletidas, e freqüentemente constituídas como reivindicações mobilizadoras pela expressão que recebem na imprensa (BOURDIEU, 1997, p. 114-115).
Dessa forma, política e jornalismo se interferem, apesar de serem campos autônomos e
se guiarem por lógicas diferentes. Para Fausto Neto (2003), o campo político brasileiro perdeu
a visibilidade de discussão fora do campo da mídia. O campo midiático, portanto, amplia o
acesso aos agentes da política, expondo-os de forma mais permanente à sociedade. Com
respeito a essa idéia, temos também as impressões de Rubim:
O deslocamento hoje nitidamente detectado entre a luta política – assumida, circunscrita e realizada, em boa medida, através do campo político – e a visibilidade da política, crescentemente ensejada na atualidade pelo campo das mídias, especialmente nas sociedades mídia-centradas, conforme a denominação cara aos autores norte-americanos, não resta dúvida estimula ainda mais tal distinção (RUBIM, 2004, p. 20).
Na política, os agentes do processo buscam a visibilidade, que se faz principalmente
por intermédio dos meios de comunicação, como coloca Miguel (2002, p. 158): “É necessário,
em primeiro lugar, o reconhecimento de que a mídia é um fator central da vida política
contemporânea e não é possível mudar este fato”. Ainda sobre a questão da visibilidade,
temos a observação de Rubim (2004):
(...) o primeiro desafio de qualquer ator político, seja ele individual ou coletivo, na atualidade passa a ser a aquisição de uma existência pública, que o inscreva efetiva e legitimamente no cenário político, propiciando condições mínimas para uma efetiva competição política e eleitoral. A visibilidade dos atores, portanto, passa a ser um desafio político-midiático (RUBIM, 2004, p. 19-20).
67
4.1.1 O Jornalismo e seu papel na construção do sentido político Disse Marcondes Filho (1986, p. 11) que “um conglomerado jornalístico nunca está
sozinho. Ele é, ao mesmo tempo, a voz de outros conglomerados econômicos ou grupos
políticos que querem dar às suas opiniões subjetivas o foro de objetividade”. A partir dessa
idéia, acrescentamos que o jornalismo projeta a política sob enquadramentos com o objetivo
de transformar a notícia em uma mercadoria para a sociedade e, por esse motivo, na maioria
das vezes, atrelada às esferas do poder.
Para esse pesquisador, Jornalismo e Estado, como instituições, são “independentes” e,
de fato, funcionam como organizações separadas; entretanto, apresentam proximidades. “Os
agentes que operam essas instituições não se distinguem tão claramente. (...) Sua proximidade
vem da origem de classe, da ideologia de uma forma geral e do trânsito das esferas comuns”.
(MARCONDES FILHO, 1986, p. 77).
Nesse contexto, encontramos ainda em Marcondes Filho (1986) a noção de que o
jornalismo é uma instituição suporte da sociedade capitalista porque, ao projetar a informação
institucionalizada sob o ponto de vista oficial, via de regra, busca amenizar, encobrir fatos e
silenciar vozes.
Além disso, existe a mercantilização da informação, com bases na exploração e no
lucro do trabalho dentro da empresa jornalística. Sodré (1999), em uma das obras mais
completas sobre o jornalismo no Brasil, declara que a imprensa nasceu com o capitalismo e é
regida pelas regras de produção e circulação ditadas pelo sistema. Nessa mesma linha,
Marcondes Filho (1986, p. 12), afirma:
Atuar no jornalismo é uma opção ideológica, ou seja, definir o que vai sair, como, com que destaque e com que favorecimento, corresponde a um ato de seleção e de exclusão. Este processo é realizado segundo diversos critérios, que tornam o jornal um veículo de reprodução parcial da realidade. Definir a notícia, escolher a angulação, a manchete, a posição na página ou simplesmente não dá-la é um ato de decisão consciente dos próprios jornalistas. É sobre a notícia que se centra o interesse principal no jornalismo.
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Com tantas influências, interesses e valores norteando a construção e fabrico das
notícias, muitas vezes os processos jornalísticos tendem a degradar a função informativa e
pouco têm trabalhado para reforçar o seu papel de mediador/regulador na sociedade (SOUSA,
2002).
O jornalismo, na visão ocidental e democrática, existe para informar, comunicar utilmente, analisar, explicar, contextualizar, educar, formar, etc, mas também existe para tornar transparentes os poderes, para vigiar e controlar os poderes de indivíduos, instituições ou organizações, mesmo que se tratem de poderes legítimos, manifestados do sistema social. Este, como qualquer outro sistema, tem tendência a perpetuar-se. Por vezes, todavia, a idéia é que a situação inversa é dominante, isto é, os poderes controlariam e influenciariam mais os meios jornalísticos do que ao contrário (SOUSA, 2002, p. 58).
No campo do jornalismo político, o conhecimento oferecido está submetido a relações
de conflito de interesses dos atores internos e externos do espaço jornalístico. As influências e
relações de poder impõem limitações sobre tratamento, conteúdo, enquadramento e interferem
diretamente na produção da notícia.
As notícias adotam um estilo apropriado a determinado jornal, refletindo os processos sociais e econômicos em que o jornal está inserido. Esse estilo veicula uma ideologia que está incorporada na linguagem, aí implantada pelas práticas sociais e discursivas existentes (DOTA, 2004, p. 2)
As notícias passam a ser interpretadas em função de relações de poder e interesse.
Quando se parte do pressuposto de que a ideologia é o pensamento de um grupo dominante, o
jornalismo oferece a esse grupo a manutenção da coesão social, disseminando um conjunto de
normas, valores, idéias e práticas sociais para justificar as relações políticas, sociais e
econômicas existentes no interior da sociedade.
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Os meios de comunicação são um dos vectores através dos quais se fazem sentir as estratégias e táticas de dominação e de controlo ideológico da sociedade, pois têm a capacidade de construir os sentidos prevalecentes para a realidade, definirem a norma e os desvios à norma (Hall, 1989) (SOUSA, 2004, p. 25).
A produção jornalística política acontece, portanto, no âmbito da negociação. É um
processo que leva em conta princípios, interesses, expectativas, avaliações e recursos
(DIMENSTEIN, 1990) e que, portanto, é costurada à ação ideológica.
Sob a perspectiva de ideologia de Gramsci, Sousa (2002) observa que os meios de
comunicação servem uma hegemonia, uma vez que aceita as interpretações “oficiais” dos
acontecimentos, centram-se em fontes advindas das elites dominantes, deslegitimando vozes
alternativas. E as marcas dessa hegemonia podem ser vistas na notícia.
Poderíamos dizer que os discursos estabelecem os termos e as categorias através das quais vemos o mundo, ou seja, os enquadramentos que fazem com que o mundo tenha sentido. Além disso, os discursos definem o território das discussões quando diferentes enquadramentos sobre um assunto chegam ao espaço mediático. Assim, o jornalismo ajuda a definir as fronteiras do aceitável e não aceitável, do legítimo e ilegítimo, do falado e não falado, do consensual e do desviante numa determinada sociedade (SOUSA, 2004, 19).
Os meios de comunicação mostram e escondem o que melhor lhes convém. Dessa
forma, relações de poder explicadas pelos meios de comunicação também são provavelmente
solidificadas, uma vez que a mídia compactua que as relações existentes são fatos naturais e
imutáveis (SOUSA, 2002).
Além disso, há de se constatar ainda que a imprensa tende a destacar a política dentro
da estrutura de partidos e com esta estrutura as manobras de bastidores, negociações e
alianças (MIGUEL, 2002, p. 175; DIMENSTEIN, 1990), que muitas vezes, não passam de
meras especulações e balões de ensaio que nem sempre têm a veracidade verificada.
4.2 OS MODOS DE PRODUÇÃO DA NOTÍCIA NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002
70
O objetivo deste tópico é resgatar os poucos ensaios publicados sobre as Eleições
Presidenciais de 2002 em relação à questão da visibilidade da política pelos meios de
comunicação de modo geral no período em questão, uma problemática que, para alguns
pesquisadores ultrapassou os limites do propósito “tornar público” e até mesmo do poder de
agendamento para um controle de sentido e interpretação da realidade.
Outro aspecto apresentado diz respeito ao cenário brasileiro durante o período pré-
-eleitoral e eleitoral, como forma de contextualizarmos, de modo sucinto, como se
desenvolveram as pré-candidaturas e como foi a disputa dos primeiro e segundo turnos
eleitorais presidenciais em 2002.
Recorrer a essa discussão sobre o poder de construção do sentido pelos meios de
comunicação no contexto do último pleito majoritário, bem como conhecer a opinião de
especialistas a respeito do cenário eleitoral e dos candidatos, nos auxilia na interpretação dos
recortes de textos noticiosos que constituem o foco de nossas análises.
4.2.1 Visibilidade ou controle do sentido e interpretação da realidade?
Diferentemente da comunicação interpessoal, as mensagens geradas pelos meios de
comunicação se apresentam de forma unilateral. Como um produto acabado e completo, a
mensagem provém de um espaço central e de grande abrangência e, dessa forma, constrói a
realidade com os seus aparatos tecnológicos e linguagens próprias aplicadas com a finalidade
de expor, tornar comum. Iniciamos essa discussão com a colocação feita por Rubim:
A comunicação mediática deixa transparecer de imediato sua mutação fundante: de mera intermediária a comunicação agora concebida como mídia, torna-se produção e divulgação (é obvio) sociais de bens simbólicos: como falante/fala da sociedade e como fabricante de (inter)mediações onde e quando os discursos sociais são reproduzidos, isto é, produzidos novamente pela mídia, através do acionamento de gramática e olhar determinados, e reproduzidos tecnicamente em números sempre mais fantásticos e alucinantes (RUBIM, 1994, p. 35 – grifos do autor).
71
Ao tratar do pleito mais recente da política brasileira, Fausto Neto (2003) acrescenta
que o fato mais relevante das Eleições 2002 não é o poder de agendamento da mídia, e sim, a
hipótese de que o campo político parece perder as condições próprias de enunciação, uma vez
que os enunciados passaram para o controle do campo midiático.
(...) se o campo político perdeu o controle das condições de produção de visibilidade de sua discursividade na esfera pública, parece agora perder, igualmente, as condições de sua própria enunciação, na medida em que o poder de sua enunciação passaria, hoje, por um conjunto de estratégias e operações que estariam sob o controle de dispositivos de enunciação do próprio campo da mídia (FAUSTO NETO, 2003, p. 118).
Essa hipótese, lançada pelo autor, constitui uma reflexão sobre o poderio da mídia, que
lançou um conjunto de operações enunciativas na organização do discurso dos atores do
cenário político nas últimas eleições e deu-se a partir de análises sobre o comportamento de
programas jornalísticos na televisão.
Nesse estudo, para Fausto Neto, ficou claramente exposto o controle do profissional de
comunicação, que enviesa a temática de acordo com um roteiro pré-estabelecido, não
permitindo saídas para outras questões a não ser aquelas pré-agendadas, delimitando tempo,
insistindo na obtenção da resposta, exaltando o domínio do assunto pautado e chegando, até
mesmo, à falta de ética, com colocações preconceituosas. “Tais estratégias tornam, assim, a
política ‘refém’ das condições de produção do sentido produzidas pela mídia” (FAUSTO
NETO, 2003, p. 123).
Em outras palavras, o controle das operações enunciativas feito pelos meios de
comunicação, ao se entrecruzar com o enunciado político, mostra claramente algumas
estratégias usadas para a produção do sentido. Fausto Neto lembra-nos do poder da televisão
para criar controles sem limites sobre as enunciações advindas de outros campos, como o
político, por exemplo.
72
Evidentemente, esse fenômeno não é observado apenas nos programas jornalísticos da
televisão. É comum a todos os meios. O próprio Fausto Neto, em outro estudo a respeito do
discurso do jornalismo impresso, aponta recursos discursivos desse meio em que se
sobressaem os “ideais da mídia”:
O discurso jornalístico se constitui numa longa citação de títulos, textos e imagens, organização gráfica, hierarquização editorial, etc, articulada e articulando um estilo a partir de uma variedade de palavras, introduzindo suas respectivas expressividades. Falando de muitas coisas a partir de elos unificadores, o discurso jornalístico pode fazer do campo da mídia um dos lugares estratégicos de constituição do discurso social. Não se trata de uma voz a fazer, simplesmente, o reclame das coisas, mas uma voz que se impõe às coisas e que anuncia seus próprios semantizadores (FAUSTO NETO, 1994, p. 160 - grifos do autor).
A respeito do deslocamento do “poder” para o campo midiático na construção do
sentido político, Rubim observa: “(...) agora a comunicação retém, em grande parte, o
momento de publicização da política. Isso significa poder” (RUBIM, 2004, p. 45). Poder que
se revela no uso de dispositivos como agendamentos, composição de cenários políticos e
interpretação da realidade (RUBIM, 2004) e que podem ser observadas no campo discursivo,
por intermédio da análise da mensagem, e particularmente, no uso da linguagem enquanto
reprodutora de ideologias (FAIRCLOUGH, 2001), como propõe este trabalho.
Para Miguel (2002), essa tendência faz com que os políticos de origens partidárias
diferentes adaptem seus discursos em função das operações enunciativas dos meios de
comunicação, criando um estilo pasteurizado e sem o aprofundamento dos conteúdos. “Os
políticos de todas as matizes têm revelado uma tendência a descaracterizar seu próprio
discurso e incorporar o estilo midiático” (MIGUEL, 2002, p. 177).
Diante desse cenário onde o campo jornalístico tornou-se o espaço de projeção do
campo político e, mais do que isso, transformou-se num instrumento de controle da produção
de enunciados dos políticos e conferiu sentidos, Fausto Neto (2003) propõe aos profissionais
73
das empresas de comunicação uma reflexão sobre as condições sobre as quais estruturam,
moldam e definem suas produções e o seu papel enquanto agente da informação e da
prestação de serviço; mesmo porque, o eleitor toma conhecimento da política sobretudo pelos
meios de comunicação, como observa a pesquisadora portuguesa Suzana Salgado:
Inúmeros estudos têm comprovado um maior impacto e uma maior legitimidade das mensagens políticas transmitidas pelos media, através da mediatização dos jornalistas, funcionando estes como uma espécie «selo de garantia» para o público receptor (SALGADO, 2004, p. 3).
4.2.2 O cenário político eleitoral em 2002
A história recente da intervenção da mídia nos pleitos presidenciais, em especial no Brasil, deixou marcas profundas em nosso imaginário social e demonstrou como a mídia tem desempenhado significativo papel político e eleitoral, em especial no período pós-ditadura, quando o país já se encontra estruturado em rede e ambientado pela comunicação midiática, vivendo uma situação de Idade Mídia (RUBIM, 2003, p. 44).
A partir do comentário de Rubim, podemos afirmar que tem sido muito comum na
mídia brasileira um posicionamento, implícito ou não, a favor de um candidato que melhor
corresponda às expectativas da empresa de comunicação. Exemplos disso foram as eleições
presidenciais de 89, 94 ou de 98, em que a preferência da mídia já foi objeto de análise de
muitos especialistas (ALBUQUERQUE, 1997; CONTI, 1999; LIMA, 2001; SOARES, 1995;
1999).
Sobre essa ótica, em se tratando de períodos eleitorais, os meios de comunicação terão
mais influência quando for oferecido mais do que a simples intermediação das mensagens
entre a política dos partidos e o público.
74
O noticiário político tem sido estudado em seu caráter de realidade construída e as notícias não são tratadas como o oposto do entretenimento, mas como um tipo de dramatização, semelhante, em alguns aspectos, ao conteúdo da programação de ficção. Outra contribuição importante se deu no estudo do agendamento (agenda setting) promovido pelo jornalismo nos meios, trazendo um conhecimento sobre sua capacidade de afetar as avaliações da audiência sobre os assuntos e contextos em que esses assuntos aparecem (SOARES, 1995, p. 22).
A atuação do jornalismo no processo eleitoral tem sido objeto de discussão, em
especial no que diz respeito ao problema da construção da agenda política e a polêmica em
torno do impacto da informação sobre a audiência. Há de se considerar que a construção da
notícia política é um processo de negociação, em que se confrontam interesses, expectativas,
avaliações e recursos (FRANCISCATO, 2002). Sobre os interesses e negociações, Sousa
(2002, p. 58) lança a seguinte reflexão:
Que garantias oferecem aos cidadãos os “jornalistas” (uso intencionalmente entre aspas) que hoje estão a cobrir uma campanha e depois da campanha se tornam assessores dos políticos cujas campanhas cobriram, regressando, posteriormente ao jornalismo, num círculo vicioso?
Em Lima (2001) e em Fausto Neto (2003) encontramos estudos de períodos curtos,
como o eleitoral, que chegam à conclusão de que é pelos meios de comunicação que temas
relacionados à política são discutidos, colocados em pauta, supervalorizados ou esquecidos,
um fato observado desde as eleições presidenciais de 1989, quando a mídia se colocou
explicitamente de forma favorável a um candidato em detrimento de outro; de 1994, quando
trabalhou em torno de agendamentos e tematizações um tanto quanto mais implícitas por
restrições jurídicas, como lembram bem os pesquisadores; ou em 1998, quando os meios de
comunicação silenciaram a disputa, de modo a favorecer a reeleição de FHC (RUBIM, 2004).
No período eleitoral, os meios de comunicação tornam-se um lugar estratégico para
veiculação de discursos de interesses próprios dos candidatos, em que vemos uma interação
75
entre o discurso veiculado na mídia e o discurso dos candidatos. As notícias constituem uma
espécie de pauta para discussão e se baseiam em tema de maior penetração junto ao público.
Na mídia impressa, os temas são tratados de forma incisiva e com mais profundidade.
O que desejo assinalar aqui é que os meios de comunicação são, em si mesmos, uma esfera da representação política. A mídia é, nas sociedades contemporâneas, o principal instrumento de difusão das visões de mundo e dos projetos políticos; dito de outra forma, é o local em que estão expostas as diversas representações do mundo social, associadas aos diversos grupos e interesses presentes na sociedade. O problema é que os discursos que ela veicula não esgotam a pluralidade de perspectivas aos diversos grupos e interesses presentes na sociedade. As vozes que se fazem ouvir na mídia são representantes das vozes da sociedade, mas esta representação possui um viés. O resultado é o que os meios de comunicação reproduzem mal a diversidade social, o que acarreta conseqüências significativas para o exercício da democracia (MIGUEL, 2002, p. 163).
No pleito de 2002 o que ficou marcado pela atuação da mídia foi a questão da
“superexposição” (RUBIM, 2004) que se desdobrou em dois períodos: 1) no período pré-
-eleitoral e 2) no período eleitoral, com ênfase ao Horário Eleitoral Gratuito.
O primeiro período, o da construção das pré-candidaturas, foi marcado com a
exploração da televisão, com a veiculação de programas partidários no horário gratuito. A
imprensa atuou nessa fase com grande exposição das alianças partidárias, as quais sofreram
ação de regras de verticalização impostas pelo sistema eleitoral brasileiro. Como destaques
principais têm-se a ascensão e queda da candidatura de Roseana Sarney, do PFL, desmontada
pelas denúncias de corrupção; e a criticada aliança do PT com o PL.
No período eleitoral, observamos a aparição dos candidatos dentro do Horário
Eleitoral Gratuito, o que Fausto Neto classificou como “Campanha Oficial”, “que é
caucionado a partir de protocolos discursivos que se apóiam em competências midiáticas,
enquanto uma das suas condições de produção” (FAUSTO NETO, 2003, p. 121).
Dentro da “campanha oficial”, cada um dos candidatos oferece a sua interpretação da
realidade sobre temas levantados pela agenda pública, principalmente pautados pelos meios
76
de comunicação. Para Mauro Porto (2002 apud RUBIM, 2003), Lula trabalhou
principalmente com análise da conjuntura, enquanto que Serra priorizou a apresentação do seu
plano de governo. Ciro evidenciou a propaganda negativa e Garotinho, a apresentação de suas
realizações.
Entretanto, além da visibilidade dos candidatos pelo Horário Eleitoral Gratuito, existiu
também a “Campanha Oficiosa”...
(...) que se desdobra em outros dois conjuntos de estratégias: a cobertura dos mídias, via mecanismos de agendamentos e de tematização de atores, questões, etc; e as iniciativas institucionais midiáticas, que transformam as rotinas da sua programação e dos seus gêneros para, assim, acolher a política, como novas possibilidades de lhe dar visibilidade (FAUSTO NETO, 2003, p. 121).
É justamente pela “campanha oficiosa” que a mídia, a “guardiã do contato” (FAUSTO
NETO, 2003, p. 122) entre a política e os eleitores, vai estabelecer seu trabalho discursivo
restritivo, delimitando temas pontuais do campo político.
No decurso de uma campanha, os políticos esforçam-se para fazer passar a sua mensagem nos órgãos de informação, ou seja, transformar o seu discurso de propaganda política em notícia, porque se acredita numa maior eficácia da mensagem política mediatizada, ou seja, quando esta sofre as alterações próprias dos profissionais da informação (SALGADO, 2004, p. 3).
Até agora, todos os pesquisadores que estudaram a atuação dos meios de comunicação
em relação ao período eleitoral presidencial de 2002, afirmaram que a superexposição, a
ampla visibilidade, foi uma circunstância motivada pela necessidade de configurar a
legitimidade e credibilidade para a população a respeito da cobertura (RUBIM, 2004;
COLLING, 2004; CHAIA, 2004; FAUSTO NETO, 2003; MIGUEL, 2004) na busca de
proclamação da “pluralidade”, como forma de transmitir ao receptor um posicionamento
confiável.
77
Mas, por detrás da questão da credibilidade, para Rubim (2004) os meios de
comunicação brasileiros adotaram essa posição justamente pela falta de um candidato
consensual entre as elites. Já para Chaia (2004) e Colling (2004), a visibilidade foi uma forma
de divulgar os outros candidatos que se colocaram como alternativa a Lula, que “encabeçou”
as pesquisas em todo o período.
Observações de tendências à parte, para nós, o fato mais relevante é que a visibilidade
não significa necessariamente qualidade na informação. Trata-se de uma idéia pela qual se
imagina que tudo é exposto e somente aquilo o que é exposto é realidade.
A idéia simplista que a mera visibilidade representa um benefício para a política e um expediente democrático para as candidaturas em competição carece de um sentido mais consistente, pois ‘esquece’ que a mediação contemporânea da visibilidade da política não se realiza ao modo de uma plena e pura transparência, para a qual a mídia funcionaria como apenas um elo de intermediação (passiva) entre a política e os cidadãos. Bem mais complexo que isto, tal mediação supõe sempre intervenção ativa dos múltiplos atores sociais partícipes e das culturas envolvidas no procedimento de mediação ativa efetuado pelas mídias, que inevitavelmente envolve selecionamentos, agendamentos, silenciamentos, etc (RUBIM, 2004, p. 14).
Assim, os meios de comunicação não são passivos, como muitos imaginam, bem
como uma ampla exposição está longe de ser entendida como uma informação de qualidade.
“Mais espaço para a cobertura da campanha eleitoral não é necessariamente garantia de
prover a cidadania com informação de melhor qualidade” (MIGUEL, 2004, p.100). A respeito
dos aspectos visibilidade e superexposição pelos meios de comunicação, vale acrescentar a
observação de Ramonet (1999) acerca do efeito ‘bola de neve’, em que os meios se
contaminam e se auto-estimulam:
Quanto mais os meios de comunicação falam de um assunto, mais se persuadem, coletivamente, de que este assunto é indispensável, central, capital, e que é preciso dar-lhe ainda mais cobertura, consagrando-lhe mais tempo, mais recursos, mais jornalistas. Assim, os diferentes meios de comunicação se auto-estimulam, superexcitam uns aos outros, multiplicam cada vez mais as ofertas e se deixam
78
arrastar para a superinformação numa espécie de espiral vertiginosa, inebriante, até a náusea (RAMONET, 1999, p. 21).
Isso porque a cobertura pode não englobar prioritariamente temas como o programa de
governo dos candidatos ou a trajetória dos mesmos, seus feitos e realizações ou as bases de
seus partidos e sim, denúncias, suspeitas, escândalos, fatores que ficam expostos ao crivo dos
meios de comunicação, como se eles fossem os guardiões da ética e da moral.
“A mídia pareceu funcionar com base na máxima de que cabe a ela colocar todos os
candidatos na parede, demonstrando ‘isenção’ e ‘criticidade’, confundidas com objetividade,
com relação a todas as candidaturas” (RUBIM, 2004, p. 17). Esse recurso ajudou a divulgar a
“política em descrédito”, abrangendo aspectos como corrupção e tentando associá-los aos
candidatos ou delimitando um espaço para troca de acusações relativas a questões pessoais
entre os candidatos.
4.2.2.1 Cenários e candidatos
Para tratarmos do cenário das eleições presidenciais de 2002 e dos candidatos
recorremos ao conceito do Cenário de Representação Política – CR-P, elaborado por Lima.
De modo sucinto, CR-P é o espaço para a construção pública das significações relativas à
política e o papel central e hegemônico na construção da realidade (LIMA, 2001, p. 191).
Pressupõe a existência de uma sociedade media-centric, ou seja, centrada na mídia,
que exerce um papel fundamental numa sociedade cujos sistemas nacionais de comunicações
são consolidados, e com o exercício de uma hegemonia, na qual a televisão é identificada
como o meio dominante. Como aponta Ramonet (1999, p. 26), “a televisão que dita a norma,
é ela que impõe sua ordem e obriga os outros meios, em particular a imprensa escrita, a seguí-
la”. Fato comprovado se destacarmos a cobertura da imprensa, totalmente pautada no horário
eleitoral gratuito divulgado na televisão, bem como nas entrevistas em estúdio e nos debates
79
também apresentados nesse meio. Nesse sentido, o CR-P é construído na e pela mídia.
O CR-P é o espaço específico de representação da política nas ‘democracias representativas’ contemporâneas, constituído e constituidor, lugar e objeto da articulação hegemônica total, construído em processos de longo prazo, na mídia e pela mídia, sobretudo na e pela televisão (LIMA, 2001, p. 182).
Estudos relacionados ao CR-P aplicam o conceito em análises a respeito do papel dos
meios de comunicação influenciando resultados de eleições. Lima desenvolveu duas hipóteses
aplicadas nas análises dos pleitos:
1) O CR-P dominante, embora não prescreva os conteúdos da prática política, demarca os limites dentro dos quais as idéias e os conflitos políticos se desenrolam e são resolvidos, podendo neutralizar, modificar ou incorporar iniciativas opostas ou alternativas. 2) Um candidato em eleições nacionais e majoritárias dificilmente vencerá as eleições se não ajustar sua imagem pública ao CR-P dominante. A alternativa é a construção de um CR-P contra-hegemônico ou alternativo (LIMA, 2001, p. 198).
A hipótese do CR-P leva-nos a considerar o alto grau de importância dado à mídia no
agendamento de informações. Vale lembrar que esse tipo de atitude visa ao favorecimento de
grupos ou de partidos políticos que se alinham às empresas de comunicação.
No caso particular do meio impresso, entendemos que este teve um papel relevante no
período eleitoral, pois foi quem pautou, analisou e discutiu com profundidade assuntos que
acreditava dever fazer parte da agenda dos candidatos e excluiu os que julgou não ter
importância.
Retomando o contexto do período, Chaia (2004) afirma que as candidaturas de Lula e
de Ciro Gomes já estavam desenhadas desde as Eleições de 1998. Vale ressalvar que a
candidatura de Lula passou por uma prévia eleitoral no PT e que Lula relutava publicamente à
escolha de seu nome como o candidato do PT pela quarta vez.
80
A autora ainda aponta José Serra e Antony Garotinho como “novidades” do processo
eleitoral. Sobre Serra, sua candidatura teve resistências dentro do próprio partido, o PSDB, e o
apoio da principal base aliada, o PFL, foi rachado.
Retomando rapidamente o 1o turno e seus quatro principais candidatos, verificamos
que os meios de comunicação destinaram uma cobertura intensa e voltada, principalmente,
para a disputa do segundo lugar nas pesquisas, já que Lula manteve-se em primeiro lugar
durante todo o período.
No período em questão, um dos maiores destaques foi a cobertura intensa das trocas
de acusações entre Ciro Gomes e José Serra dentro do Horário Eleitoral Gratuito e a
associação de Ciro Gomes à destemperança, ao desequilíbrio, que o fez perder a vice-
-liderança para José Serra. Sobre esse episódio, Alessandra Aldé (2004, p.112) afirma: “De
modo geral os jornais parecem ter sido muito coniventes com a estratégia de Serra para
desconstruir a imagem de seu principal adversário na disputa pelo segundo turno”.
A respeito da candidatura de Lula, a cobertura enfocou o perfil de “articulador” do
candidato, expondo, muitas vezes de forma crítica, e porque não dizer pejorativa, as suas
ligações com segmentos do PMDB, PSB e PFL, além de sua postura mais moderada em
relação a temas pontuais como o MST – Movimento dos Sem Terra -, ou a Alca – Área de
Livre Comércio das Américas.
Sobretudo, a questão que mais agendou os meios de comunicação foi a econômica.
Miguel (2004) aponta que, no contexto das Eleições 2002, o destaque principal foi o
agravamento da crise econômica, além de questões a ela associadas, como a participação
brasileira na Alca. Essas problemáticas foram amplamente pautadas pela mídia e
profundamente discutidas, no caso do meio impresso.
Durante toda campanha para Presidente em 2002 esteve em pauta a especulação em
suas diversas formas, em especial a econômica e a exigência, especialmente pelos meios de
81
comunicação, de um comprometimento dos candidatos em relação a “compromissos de ordem
econômica”.
Isso fez com que cada um dos principais candidatos firmasse compromissos de
manutenção da agenda econômica programada pelo governo FHC, em especial, os candidatos
de “oposição”, que poderiam representar o rompimento com o modelo vigente.
Segundo Rubim (2003, p. 49), “a mídia, por exemplo, impôs um fechamento do
horizonte discursivo da agenda em debate e também privilegiou um enquadramento restrito
dos temas veiculados. Com isso, a cena de disputa da interpretação da realidade se viu
restringida”.
O fechamento do campo discursivo dos meios de comunicação na questão da crise
econômica colocou temas outros em segundo plano e transformou o mercado em um fator
imprescindível na política.
O sujeito político ‘mercado’, construído na e pela mídia, como que dita posturas dos candidatos e mesmo exige determinados candidatos confiáveis. Todos, pretensamente iguais, tornam-se agora desiguais perante a mídia, porque se alguns têm a ‘competência’ de acalmar o mercado, outros estão contaminados, imanentemente, com o vírus que provoca o caos econômico (RUBIM, 2004, p. 17).
Essa citação de Antonio Rubim é facilmente comprovada se relembrarmos que o dólar
e o risco-país subiam todas as vezes em que as sondagens, apresentadas de forma intensa
pelos meios de comunicação, indicavam queda de José Serra, o candidato do Governo, e
mantinham a preferência do eleitorado à Lula, que liderou praticamente todas as pesquisas
feitas no período em primeiro e segundo turnos. “A associação entre instabilidades econômica
e política com a candidatura de Lula foi imediata, estampada nas capas das revistas semanais
e jornais, gerando o medo” (CHAIA, 2004, p. 41).
Foi justamente a questão do mercado que trouxe às eleições presidenciais de 2002 um
82
paradoxo marcante: medo versus esperança, que gerou diferentes formas de interpretar a
realidade.
Dessa forma, o candidato da situação, José Serra, em especial no segundo turno,
colocou-se no Horário Eleitoral Gratuito, nas campanhas publicitárias e em grande quantidade
de notícias nos meios de comunicação como a “alternativa adequada” para vencer a crise sem
medo, porque representava a continuidade. Com essa interpretação da realidade, a candidatura
de Serra parte para a associação da imagem de Lula ao medo, trazendo, como último recurso
dentro do Horário Eleitoral Gratuito, o depoimento da atriz Regina Duarte que afirmava estar
com medo de que o Brasil perdesse sua estabilidade caso Lula vencesse as eleições.
Entretanto, a campanha de Lula soube muito bem como driblar o estigma do medo e
revertê-lo em esperança, como explica Rubim (2003):
Para Lula uma das questões essenciais para tornar a quarta eleição competitiva e construir uma possibilidade efetiva de chegar à presidência do Brasil colocava-se cristalinamente no âmbito da disputa de imagem. A dialética entre esperança e medo, na já compacta formulação de Duda Mendonça, estava no cerne do problema. Era imprescindível (re)construir a imagem pública de Lula de tal modo que ela ajudasse a superar o medo, inclusive de votar e correr um risco com Lula, e possibilitasse a vitória da esperança (RUBIM, 2003, p. 53).
Foi exatamente com o signo da esperança que a imagem de Lula incorporou a
possibilidade de mudança. Mudança sem sobressaltos e com a garantia de compromissos.
Para Rubim (2003), Lula foi capaz de colocar-se como uma alternativa firme, demonstrando
capacidade de governar e revertendo aquela imagem do Lula radical e despreparado, sem
diploma universitário.
A imagem do Lula negociador não só serviu para diminuir resistências, como aconteceu privilegiadamente com a imagem do ‘Lulinha paz e amor’. Politicamente posicionou o candidato em um lugar privilegiado na circunstância da crise, dotando-o da possibilidade simbólica de liderar, via negociação, um processo de reconstrução de alternativas para o país (RUBIM, 2003, p. 57).
83
Serra, em contrapartida, não conseguiu incorporar a situação de candidato do governo
e, ao se concentrar no combate aos seus adversários, como fez no primeiro turno,
principalmente com Ciro Gomes, e com Lula no segundo turno, ganhou para si a imagem “de
alguém que passa por cima, sem escrúpulos quando quer chegar em algum lugar” (FAUSTO
NETO, 2003, p. 82).
Serra (...) se viu questionado como liderança capaz de enfrentar a crise, posto que sua trajetória eleitoral, longe de trazer marcas de alguma capacidade política de aglutinação, como aconteceu com a de Lula, foi exaustivamente anunciada como um árduo combate e um violento atropelo de seus adversários (RUBIM, 2003, p. 58).
Simultaneamente, esse deslocamento agravou a situação da candidatura José Serra que, além dos problemas de apoio político e de ordem pessoal, defrontou-se com a dificuldade de ser candidato do governo em meio a uma conjuntura que solicita mudanças (RUBIM, 2003, p. 58).
Foi o Lula “remodelado”, perfil marcante na “campanha oficial” sob um viés positivo
– embora muito criticado pela “campanha oficiosa”- (em contraste com o Serra ambíguo, em
crise de identidade, que relutou em utilizar o rótulo de “continuísta” – embora aclamado pela
mídia como a “alternativa adequada”), que conquistou o eleitorado brasileiro e culminou na
eleição de Lula em 2002.
Questionado sobre o CR-P nas Eleições 2002, Venício Lima explica que a hipótese se
confirma no caso da candidatura de Lula, uma vez que o candidato ajustou a sua imagem ao
CR-P dominante:
Quando o processo eleitoral ainda estava em curso, eu arriscaria afirmar que as eleições de 2002 confirmariam - no caso da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva - a hipótese do CR-P (Cenário de Representação da Política). (...) A segunda hipótese de meu trabalho enuncia que um candidato em eleições nacionais e majoritárias dificilmente vencerá as eleições se não ajustar sua imagem pública ao CR-P dominante. Foi o que aconteceu com Lula (LIMA, 2004, p. 1).
84
5 O ENFOQUE DA FOLHA DE S. PAULO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002
855.1 PROCESSOS DE ANÁLISE
A Análise do Discurso é um método de análise que mostra como a ideologia se
manifesta no discurso. Direcionada à prática jornalística, é possível enxergar os recursos
utilizados para conduzir o leitor a determinados sentidos, visões de mundo determinadas pela
imprensa e pelos jornalistas que a representam num determinado contexto.
Todo analista recorre a um caminho particular, o que revela que não existe uma
análise neutra ou objetiva. O analista recorre a um enfoque, delimita um corpus, enfim,
escolhe um enquadramento. Dessa forma, cada análise supõe novas descobertas que levam a
outras análises e visões.
O que se espera do dispositivo do analista e que ele lhe permita trabalhar não numa posição neutra mas que seja relativizada em face da interpretação: é preciso que ele atravesse o efeito transparência da linguagem, da literalidade do sentido e da onipotência do sujeito. Esse dispositivo vai assim investir na opacidade da linguagem, no descentramento do sujeito e no efeito metafórico, isto é, no equívoco, na falha e na materialidade. No trabalho da ideologia (ORLANDI, 2003, p. 61).
5.1.1 A prática discursiva do jornalismo
Optamos por verificar a questão da subjetividade na prática discursiva do jornalismo,
pois mais do que uma indústria midiática, o jornalismo é uma organização influente, poderosa
e legitimadora da sociedade porque oferece um espaço público para o debate, o conhecimento
sem contato físico e, como já afirmamos, a interpretação da realidade de fatos próximos ou
distantes.
Escolhemos analisar os fatores que envolvem a atividade jornalística no campo da
política e em períodos de curto prazo, como o eleitoral, “um momento político singular e
intenso” (RUBIM, 2003, p. 52). Nosso recorte visa à analise dos fatores que envolvem o
fabrico e a circulação da notícia política e tenta compreender o papel do jornalismo na
sociedade, em especial, busca as influências do jornalismo justamente por ser um tipo de
86discurso que tenta apagar as marcas de subjetividade visando à neutralidade, à imparcialidade.
No campo específico da análise do discurso jornalístico impresso, normalmente é relevante ter-se em consideração os seguintes elementos de contexto: jornais e revistas que vão ser analisados, circunstâncias do fenômeno que está a ser estudado e conhecimento científico relevante para a interpretação dos dados recolhidos durante a pesquisa (SOUSA, 2004, p. 11).
5.1.1.1 Delimitação do corpus
O corpus é constituído por recortes do jornal Folha de S. Paulo, um dos diários
brasileiros com relevante tiragem e circulação no território nacional.
A escolha do diário deu-se porque foi constatado que, logo no início da campanha
eleitoral, o jornal se intitulou como “neutro”, como sempre o faz. Para “comprovar” sua
neutralidade, o jornal publicou em 14 de julho de 2002 uma matéria sobre as eleições
presidenciais em que encomendou uma pesquisa sobre a atuação dos principais jornais
brasileiros em relação a cobertura dedicada aos pré-candidatos e seus partidos (LO PRETE,
2002; DINES, 2002), fato que se repetiu ao final do 1o e do 2o turnos das Eleições, como
exprime o trecho a seguir: “O objetivo da pesquisa é avaliar o grau de isenção da cobertura da
Folha, para aferir a aplicação dos princípios de apartidarismo e pluralismo de seu projeto
editorial” (FOLHA, 2002, p. 12 – grifo do autor).
Os recortes do jornal Folha de S. Paulo foram selecionados durante o período eleitoral,
que compreende o intervalo entre 20 de agosto - data que se inicia a propaganda eleitoral
gratuita -, e 27 de outubro - data em que se encerra o segundo turno das eleições presidenciais.
Escolhemos enunciados que enfocam especialmente o tratamento dado ao candidato Luís
Inácio Lula da Silva, nos cadernos Brasil (1o Caderno) e Especial Eleições 2002.
Os recortes foram obtidos no Banco de Dados da Folha de S. Paulo, um serviço do
87diário à comunidade em geral, onde é possível o acesso aos arquivos do jornal para consulta e
é permitida a fotocópia dos mesmos.
5.1.1.2 Temática recorrente e referência ao estilo predominante
Para delimitar o corpus, escolhemos analisar textos tradicionalmente classificados
quanto a predominância do gênero Opinativo (Editorial, Artigo, Crônica, Opinião Ilustrada,
Opinião do Leitor), Informativo (Notícia, Reportagem, Informação pela imagem) e
Interpretativo (Reportagem em Profundidade) (BELTRÃO, 1980) de dois dias da semana:
sexta-feira, dia que se encerra a semana política e financeira, e domingo, dia em que o leitor
dispõe de mais tempo para leitura.
O agrupamento é feito de acordo com as temáticas percebidas como predominantes.
Mesmo os recortes possuindo gênero estilístico diferente nos dão a dimensão da recorrência
do tema durante o período, perpassando as várias formas de construção de sentido no jornal.
Evidentemente, o material informativo possui nuances diferentes do opinativo.
Enquanto o primeiro é construído por uma pauta, que revela o enfoque noticioso e,
conseqüentemente, os critérios como a apresentação de estilo “objetivo”, o segundo está
sujeito a várias tendências, possui um responsável e, muitas vezes, tem relevância
mercadológica para a empresa jornalística, uma vez que determinado colunista/articulista traz
prestígio ao jornal.
Entretanto, apesar de se classificarem como vozes com orientações diferentes, são
constituídas igualmente por sujeitos enunciadores, que se manifestam, ora de forma clara ora
implícita. No caso do gênero opinativo, entendemos, a partir de nossos estudos, que o jornal,
muitas vezes, usa da voz do outro para dizer aquilo que pensa. Nesse sentido, avaliamos que o
agrupamento é válido porque mostra tendências de sentido construídas pela empresa
jornalística, se comparada com a notícia construída a partir da voz da instituição.
88Por esse motivo, a análise é feita por agrupamento temático, contudo dá-se de forma
separada e aponta o gênero jornalístico predominante, a fim de realizar uma discussão
posterior quanto ao tratamento dispensado ao tema na parte informativa e opinativa do jornal.
5.1.2 Formas de representação do sujeito no discurso jornalístico
Como compreendemos em nossos estudos sobre a prática discursiva, não existe
discurso sem sujeito. Segundo Benveniste (1988, p. 288), “o discurso provoca a emergência
da subjetividade”. Nossa abordagem, portanto, será direcionada ao estudo da Subjetividade,
ou seja, da apresentação do sujeito na prática discursiva no jornalismo impresso. A análise do
sujeito, pela sua posição e lugar de onde fala concebe o efeito de assujeitamento à formação
discursiva com a qual ele se identifica.
Como etapa inicial, analisaremos a superfície textual, isto é a materialidade
lingüística: quem diz, a forma como diz e o que se diz. Para isso, recorremos às teorias
enunciativas, à metodologia da AD Francesa e à Análise Crítica do Discurso, com o objetivo
de encontrar algumas formas de representação do sujeito no discurso do jornalismo.
No espaço discursivo se revelam as marcas (pistas) que atestam a relação entre sujeito
e linguagem (ORLANDI, 1988, p. 54). As formas de representação do sujeito no discurso são
traços presentes na superfície lingüística. Segundo Pinto (1999, p. 22), “é na superfície dos
textos que podem ser encontradas as pistas ou marcas deixadas pelos processos sociais de
produção do sentido”, ou, como disse Dota (1994, p. 173), “através das orientações atinentes
às operações enunciativas, é possível situar o autor do texto no contexto externo e estudar as
relações que ele estabelece com seu enunciado: com o que ele diz, com o que ele cita e com
seus leitores”.
Apresentaremos aqui, com base em estudiosos das Teorias Enunciativas e da Análise
do Discurso, algumas dessas marcas, como o uso dos dêiticos: elementos reflexivos que
89designam os elementos que constituem a enunciação, com enfoque às marcas de sujeito e sua
posição ideológica como emissor em relação ao outro – o receptor; as modalidades:
identificando a atitude do enunciador perante seu enunciado e seu enunciatário, e a axiologia:
uso de termos com diferentes graus de subjetividade presentes nos enunciados, variando de
acordo com o gênero jornalístico predominante; e a intertextualidade e a interdiscursividade,
que identificam as construções enunciativas a partir de elementos de outros enunciados.
5.1.2.1 Os dêiticos
Os dêiticos, de acordo com Benveniste (1988), são uma classe de palavras que diferem
dos outros signos da linguagem, pois não denominam nenhuma entidade lexical. São palavras
que designam os elementos que constituem a enunciação: eu-tu (pessoa), o espaço e o tempo.
Fazem parte de um contexto e só dele, onde o locutor se designa como “eu”, como explica
Benveniste (1988, p. 288): os dêiticos se definem “somente com relação à instância de
discurso na qual são produzidos, isto é, sob a dependência do eu que aí se enuncia”.
Permitem, portanto, a inserção do sujeito na fala. Gomes (1999, p. 61) acrescenta que
essas palavras “funcionam como marchas nas quais se engata um falante e o mundo enquanto
falado”.
Segundo Fuchs (1984), desde a Antiguidade se reconheceu que alguns termos só
obtinham valor quando relacionados a um contexto.
Longe de serem unidades isoladas, esses termos formam um verdadeiro sistema (...) uma vez que servem como pontos de ‘ancoramento’ da mensagem (...). Do mesmo modo, eles manifestam uma propriedade importante da linguagem: a de comportar em si própria as condições de reflexividade, de conter em si, enquanto código, unidades que remetem ao próprio funcionamento desse código (FUCHS, 1984, p. 113-114).
Para Kerbrat-Orecchioni (1980), os dêiticos são um conjunto de signos vazios, não
90referenciais com relação à realidade e que leva em conta não apenas as unidades externas do
discurso mas seus componentes e a situação espacio-temporal. É impossível atribuir um
sentido preciso a essas palavras. Assim Brandão (1998, p. 48) define os dêiticos: “A
referência dêitica, portanto, leva em conta não só as outras unidades do discurso mas
elementos que lhe são exteriores e que dizem respeito à situação de comunicação”.
Os dêiticos de pessoa são identificados pelos pronomes pessoais e, como disse Fuchs
(1984), são o primeiro ponto de ancoragem para identificação da subjetividade na linguagem.
Também nas palavras de Benveniste (1988, p. 288), “a linguagem está de tal forma
organizada que permite a cada locutor apropriar-se da língua toda designando-se como eu”.
A designação de eu pelo enunciador pressupõe o tu como enunciatário, como agentes
da enunciação. Na obra de Cervoni (1989) é proposta uma discussão sobre a terceira pessoa, o
ele do enunciado, considerado por alguns autores como dêitico, pois ele ao estar presente na
fala é participante do processo comunicativo. Outros autores entendem que ele não é dêitico
porque não remete ao quadro enunciativo.
Nossos estudos compreendem a relação dêitica na polaridade eu-tu que remete ao
quadro enunciativo. Entretanto, nas análises de textos jornalísticos (a seguir), observamos que
muitas vezes o sujeito do enunciado comunga as mesmas crenças da instituição jornalística
que ele representa. É o caso de membros do conselho editorial ou de articulistas que, muitas
vezes, se pronunciam por intermédio da organização em que trabalham engatando a terceira
pessoa (ela, a instituição) na unidade discursiva. Sob esse aspecto, entendemos que ele é
dêitico.
Na linguagem do jornalismo impresso, raramente observamos a presença do
enunciador e do enunciatário. Na tentativa de estabelecer a impessoalidade, o jornalismo tenta
apagar as marcas de subjetividade. Isso leva ao discurso ideológico da objetividade: o
afastamento do autor visa à transparência, apaga as ambigüidades e procura tornar claros e
91objetivos os argumentos presentes no texto. Gomes (1999, p. 66) revela que mesmo com o
distanciamento das pessoas “podemos isolar termos que remetem a uma posição de chefia e
poder da qual o jornal se torna o porta-voz ou guardião”.
Gomes (1999), em sua abordagem sobre a enunciação na prática jornalística, lança o
estudo do conceito dos shifters como palavras que engatam um falante. Os “shifters de escuta
ou testimoniais” aparecem constantemente como marcas de subjetividade na prática do
jornalismo, pois indicam os lugares da língua onde o jornalista engata a sua referência. É
quando o jornalista traz em seu enunciado as fontes, uma forma de testemunho ao qual o leitor
se referencia para comprovação do fato contado. “Palavras como fulano ‘disse’, ‘segundo eu
entendi’, ‘em nosso conhecimento’, etc., são exemplos desses shifters” (GOMES, 1999, p. 64)
e representam uma estratégia jornalística para se livrar da responsabilidade do discurso.
Os dêiticos de tempo e espaço são identificados pelos advérbios. São termos que
implicam relações de espaço e tempo em torno do sujeito da enunciação, uma vez que o
homem está situado num espaço e num tempo determinados: o presente, que combina
qualquer indicação de tempo.
Poder-se-ia supor que a temporalidade é um quadro inato do pensamento. Ela é produzida, na verdade, na e pela enunciação, e da categoria do presente nasce a categoria do tempo. O presente é propriamente a origem do tempo (BENVENISTE, 1988, p. 85).
Sobre o aspecto da temporalidade, é comum ao jornalismo impresso o tratamento dos
fatos sempre em tempo presente. O aqui-agora da imprensa é uma forma de manter a
atualidade dos fatos, como forma de não perder o tempo em relação a outras mídias, como a
Internet, muito mais imediatistas e que justamente têm o tempo a seu favor.
5.1.2.2 As modalidades
92 O estudo da modalidade na comunicação é um caminho para a compreensão da
construção do sentido. Para Fuchs (1984) o estudo das modalidades faz parte de uma tradição
de análise não puramente gramatical, mas lógico-gramatical.
A modalidade é uma atitude do sujeito enunciador em relação ao enunciado e ao seu
enunciatário. A análise da superfície textual permite relacionar a categoria da modalidade
presente a partir das marcas lingüísticas que a recobre, o que remete à posição do enunciador,
e, conseqüentemente, aponta as marcas de subjetividade na linguagem.
As operações de modalização intervém para especificar o ponto de vista segundo o qual o enunciador concebe, considerando o outro, o objeto da comunicação, ponto de vista cujas operações de conexão vão negociar a pertinência argumentativa e as conclusões a tirar com o outro (DAHLET, 1994, p. 122).
Segundo Dota (1994, p. 176), com base na teoria de Culioli, a modalidade é uma
categoria gramatical. “Quando produz um enunciado, o enunciador sempre toma posição com
respeito à relação predicativa: ele emite um julgamento. É por isso que a teoria de Culioli
considera que todo enunciado é modalizado”. Ainda, segundo a pesquisadora, existe
modalidade desde que se note a existência de uma marca que revele um julgamento do
enunciador, seja ela no uso de verbos, advérbios ou mesmo na relação de conteúdo de uma
frase anterior ou subseqüente a determinado enunciado.
Dota (1994) relaciona a operação de modalização à combinação de três elementos: 1)
relação predicativa (o predicado e seus argumentos); 2) operador lingüístico de modalização
(verbo, adjetivo, advérbio, substantivo, etc) e 3) o enunciador, como origem do julgamento.
Culioli (1976 apud Dota, 1994) define quatro tipos de modalidade, embora muitas
vezes uma modalidade possa pertencer a mais de um tipo, como lembra Dota (1994, p. 183):
“não podemos nos esquecer, entretanto, que os vários tipos de modalidade se entrelaçam,
compondo, como um todo, a operação da modalização”. Apresentamos uma breve definição
93dos tipos propostos por Culioli:
1) Modalidade 1: com a asserção, a interrogação, a injunção e o hipotético.
A asserção é a validação do “conteúdo da relação predicativa, como verdadeira ou
falsa, afirmando ou negando” (DOTA, 1994, p. 178).
A interrogação se dá quando “o enunciador percebe que o conteúdo daquilo que ele
diz pode ser validado, mas que ele não é capaz de efetuar esta validação” (DOTA, 1994, 178).
Logo, não assume uma posição entre verdadeiro e falso. Umas das marcas visíveis é o ponto
de interrogação. Segundo Dota (1994), a interrogação quando propõe ao enunciatário uma
decisão sobre a validação pode revelar, ao mesmo tempo, a modalidade assertiva e a
intersubjetiva, pois pretende que o interlocutor se posicione.
A injunção é um valor que “recobre a súplica, a ordem, o desejo, o pedido e a
sugestão” (DOTA, 1994, p. 179).
O hipotético acontece quando o enunciador lança uma hipótese.
2) Modalidade 2 – epistêmica: muito utilizada pela prática jornalística, a modalidade
epistêmica “não trata de uma questão de falso ou verdadeiro, como ocorre na asserção”
(DOTA, 1994, p. 181), mas revela que o enunciador exprime uma ausência de certeza. O uso
de termos como “provavelmente”, “pode ser”, “possivelmente”, “talvez” entre outros,
marcam esta modalidade.
3) Modalidade 3 – apreciativa: visa à qualificação, descartando a questão de
verdadeiro e falso: “trata-se de fazer uma apreciação sobre o caráter bom, ruim, feliz, infeliz,
etc., do conteúdo da relação predicativa, sendo, portanto, essencialmente qualitativa” (DOTA,
1994, p. 182). Dota (1994) esclarece que essa modalidade combina também com a asserção
quando qualifica o validado ou o não-validado.
4) Modalidade 4 – intersubjetiva: essa modalidade “diz respeito às relações entre
sujeitos, sujeito enunciador e sujeito do enunciado” (DOTA, 1994, p. 183). Pode incidir
94também sobre o enunciatário, pressionando, persuadindo, tentando convencer, sugerir,
estabelecer ordem ou vontade. De acordo com Dota (1994), muitos pesquisadores afirmam
que essa modalidade está sempre presente no enunciado porque, ao produzir um sentido, o
enunciador sempre está se propondo a convencer seu enunciatário, mesmo que de forma
implícita, uma vez que “todo o discurso é organizado a fim de se tornar persuasivo” (GILL,
2003, p. 250).
Ainda sobre modalidade, Fairclough (2001) divide modalidade em ‘subjetiva’ e
‘objetiva’. Segundo o autor, a subjetiva tem sempre uma proposição explicitada. Fica clara a
afinidade do falante com o que está sendo expresso. No caso da modalidade objetiva surgem
dúvidas quanto ao julgamento do enunciador: se seu ponto de vista é universal, ou se
representa outro indivíduo ou um grupo. “O uso da modalidade objetiva freqüentemente
implica alguma forma de poder” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 200).
Para o autor, o discurso da mídia associado ao estudo das modalidades oferece uma
visão de como os fatos são tratados de acordo com os valores de verdade e conhecimento e
sustenta o trabalho ideológico, oferecendo imagens da realidade, moldando sujeitos e
contribuindo para o controle social, uma vez que as diferentes formas de julgamento do
enunciador refletem os graus de incerteza. Segundo Fairclough (2001), a mídia...
(...) sistematicamente transforma em ‘fatos’ o que freqüentemente não passa de interpretações de conjuntos de eventos complexos e confusos. Em termos de modalidade, isso envolve uma predileção por modalidades categóricas (...) Trata-se também de uma predileção por modalidades objetivas que permitem que perspectivas parciais sejam universalizadas (FAIRCLOUGH, 2001, p. 201-202).
5.1.2.3 A axiologia
Todas as palavras trazem consigo um sentido cultural. As diferentes práxis (cultural,
social, tecnológica, etc) determinam os juízos interpretativos subjetivos inscritos no
95inconsciente lingüístico de uma sociedade. Para Kerbrat-Orecchioni (1980), as palavras
possuem determinadas cargas semânticas e, inconscientemente, definimos a aplicação e a
escolha de determinadas palavras em nossos enunciados. Segundo Fairclough (2001, p. 230):
“Essas escolhas e decisões não são de natureza puramente individual: os significados das
palavras e a lexicalização dos significados são questões que são variáveis sociais e
socialmente contestadas, e facetas de processos sociais e culturais mais amplos”.
A axiologia, ou teoria dos valores, leva em conta o peso das palavras de acordo com os
valores de objetividade ou de subjetividade e a forma de usá-las no discurso. Dessa forma, é
possível ao sujeito enunciador relacionar unidades sintáticas que caminham para a
objetividade – quando seleciona palavras que o ajudem a apagar os traços individuais; ou que
remetam à subjetividade – quando o mesmo se coloca como sujeito, seja de forma explicita ou
implícita.
Portanto, o sujeito enunciador é sempre a fonte do enunciado em qualquer situação
(KERBRAT-ORECCHIONI, 1980). Nenhum indivíduo tem a liberdade de descrever com
imparcialidade absoluta, o que confirma que a objetividade é uma mera ilusão.
Segundo Kerbrat-Orecchioni (1980), as diferenças dos termos objetivos e subjetivos é
que o objetivo tem classe denotativa estável, enquanto que o subjetivo é um conjunto fluido e
varia de um enunciado para outro, dependendo do contexto. Assim, não é possível medir o
grau de subjetividade.
Certos termos flutuam entre a classificação de objetivo e subjetivo. Eles pretendem,
em princípio, a objetividade, e estão situados em várias classes de palavras, como os
substantivos. Isso acontece por causa da polissemia (palavras com vários significados) e a
axiologia evolui de acordo com o repertório da pessoa. Para Kerbrat-Orecchioni (1980),
algumas palavras podem trazer consigo conceitos que remetam ao racismo, comunismo,
nacionalismo, palavras de ordem ou de disciplina, etc, e podem ser usadas para
96valorizar/desvalorizar uma pessoa no discurso. A autora coloca, ainda, que termos valorativos
podem ter relação positiva com x e, ao mesmo tempo, pejorativa com y.
De modo geral, os termos axiológicos são mais usados em passagens avaliativas e
menos em descritivas. Em algumas práticas discursivas, como no jornalismo, ao se pretender
“apagar” as marcas de subjetividade, aparece então a subjetividade objetivizada, ou seja, a
colocação de termos na forma assertiva, como se fossem verdadeiros, uma constatação que é
reforçada pelos estudos de Fowler (1991), como já abordamos anteriormente (item 3.1.2).
5.1.2.4 A intertextualidade e a interdiscursividade
A intertextualidade consiste numa construção enunciativa usando elementos de outros
enunciados. Trata-se de textos que evocam outros textos. Para os lingüistas, a
intertextualidade é fato mais comum do que se imagina. “‘Cada enunciado é um elo na cadeia
da comunicação’. Todos os enunciados são povoados e, na verdade, constituídos por pedaços
de enunciados de outros, mais ou menos explícitos ou completos” (FAIRCLOUGH, 2001, p.
134). Em concordância, temos as palavras de Pinto (1999, p. 27): “todo o texto se constrói por
um debate com os outros”.
Para Fairclough, a intertextualidade deve ser o foco principal na análise do discurso
uma vez que ela é uma das chaves para a compreensão das ordens do discurso e das relações
hegemônicas. Como coloca o autor, “o conceito de intertextualidade aponta para a
produtividade dos textos, para como os textos podem transformar textos anteriores e
reestruturar as convenções existentes (gêneros, discursos) para gerar novos textos”
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 135).
A intertextualidade indica a heterogeneidade discursiva. E é um recurso muito
observado no universo do jornalismo, tornando-se, dessa forma, um precioso elemento em se
tratando da análise da subjetividade no discurso jornalístico.
97O conceito pode ser classificado de duas formas, quais sejam: intertextualidade
manifesta ou constitutiva (AUTHIER-RÉVUZ, 1982 apud FAIRCLOUGH, 2001). A
manifesta consiste na apresentação textual marcada e sugerida por traços na superfície do
texto, como as aspas (no caso do discurso relatado), ou mesmo pelo discurso indireto, quando
se recorre ao uso dos testimoniais, ou, como denomina Fairclough (2001, p. 140):
representação do discurso. “A representação do discurso é obviamente uma parte importante
das notícias: representações do que as pessoas disseram e o que merece ser notícia”. A essa
noção, temos também a contribuição de Pinto (1999, p. 27), que classifica a intertextualidade
manifesta com o termo heterogeneidade mostrada, “caracterizado pela manifestação,
localizável pelos receptores/intérpretes (e pelo analista de discursos, entre eles) a partir do
contexto situacional imediato, de uma multiplicidade de outros textos citados de maneira
unívoca ou aludidos pelo texto presente”.
Sobre o aspecto do discurso indireto – que se encaixa no conceito de intertextualidade
manifesta -, Fairclough (2001) observa que pode ocorrer uma ambivalência sobre se as
palavras são atribuídas ao enunciador ou à pessoa cuja fala é apresentada, um fator que
implica o efeito e a forma de interpretar as palavras. E nesse sentido, nas notícias dos jornais -
pela predominância estilística -, são apresentados pontos de vista pela voz dos outros, o que
sugere uma forma muito peculiar de representação no discurso.
A intertextualidade constitutiva, que vamos tratar com o termo interdiscursividade,
apresenta-se com a manifestação de outro texto sem uma sugestão explícita.
A intertextualidade manifesta é o caso em que se recorre explicitamente a outros textos específicos em um texto, enquanto interdiscursividade é uma questão de como um tipo de discurso é constituído por meio de uma combinação de elementos de ordens do discurso (FAIRCLOUGH, 2001, p. 152).
Temos também a abordagem de Pinto (1999, p. 27):
98
Heterogeneidade constitutiva ou interdiscurso, constituído pelo entrelaçamento no texto presente de vestígios de outros textos preexistentes, muitas vezes independentemente de traços recuperáveis de citação ou alusão e segundo restrições sócio-histórico-culturais sobre as quais o(s) autore(s) empírico(s) do texto não tem controle.
A própria adequação de um discurso para facilitar a mediação indica esse tipo de
intertextualidade, também muito observado no jornalismo, como observa Fairclough, 2001, p.
143:
Isso é associado com uma tendência dos fornecedores de notícias para agirem como ‘mediadores’, figuras que cultivam ‘características que são consideradas típicas da audiência alvo’ e uma relação de solidariedade com essa audiência suposta, e que podem mediar os eventos dignos de serem notícias para a audiência nos termos de seu próprio ‘senso comum’ ou numa versão estereotipada disso (Hartley, 1982: 87).
Para Pinto (1999) a grande tarefa do analista de discurso é encontrar explicações sobre
porque o uso de citações - quer sejam conscientes ou inconscientes -, contribuem para
determinar o contexto social e histórico vigentes.
5.1.2.5 O discurso enquanto prática social
Com a verificação das marcas de subjetividade presentes nos recortes selecionados,
passaremos a análise do processo discursivo, quando serão observadas as formações
discursivas presentes no discurso jornalístico. “A partir do objeto discursivo, o analista vai
incidir uma análise que procura relacionar as formações discursivas
10
10 O conceito de Formações Discursivas, de Pêcheux, foi apresentado nas páginas 50 e 51 desse trabalho.
distintas (...) com a formação ideológica que rege essas relações” (ORLANDI, 2003, p. 78).
Pela abordagem de Fairclough (2001), nessa fase é observado o contexto sociocultural de
99produção da notícia.
É quando atingimos os processos responsáveis pelos efeitos de sentido, apoiando nos
“esquecimentos” e na formação ideológica de Pêcheux observando, assim, a materialização da
ideologia (Pêcheux, 1990) ou as dominações hegemônicas (Fairclough, 2001; Fowler, 1991)
aceitas pela sociedade. “Ao olhar os textos, o analista defronta-se com a necessidade de
reconhecer, em sua materialidade discursiva, os indícios (vestígios, pistas) dos processos de
significação aí inscritos” (ORLANDI, 2003, p. 90).
Dessa forma, ampliamos nossa visão e entendemos a linguagem como prática social,
ou seja, como elemento capaz de orientar um discurso. Este é o elemento chave para o
trabalho do analista do discurso, como muito bem explica Gill (2003, p. 248):
Os analistas do discurso vêem todo discurso como prática social. A linguagem, então não é vista como um mero epifenômeno, mas como uma prática em si mesma. As pessoas empregam o discurso para fazer coisas – para acusar, para pedir desculpas, para se apresentar de uma maneira aceitável, etc. Realçar isto é sublinhar o fato de que o discurso não ocorre em um vácuo social. Como atores sociais, nós estamos continuamente nos orientando pelo contexto interpretativo em que nos encontramos e construímos nosso discurso para nos ajustarmos a esse contexto. (grifos da autora)
Para Fairclough (1995; 2001), a prática discursiva contribui tanto para a reprodução
das representações sociais como também para transformá-las.
O pesquisador esclarece que o discurso “é um mero reflexo de uma realidade social
mais profunda” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 93), ou seja, sua constituição não é articulada
por um simples jogo de idéias, mas de uma prática social “firmemente enraizada em
estruturas sociais materiais, concretas, orientando-se para elas” (FAIRCLOUGH, 2001, p.
93), ou, dito de outro modo, provém de valores, pontos de vista ou formas de representar o
mundo, como enfatiza Gill (2003, p. 250): “(...) não existe nada ‘simples’, ou sem
importância, com respeito à linguagem: fala e textos são práticas sociais, e até mesmo
100afirmações que parecem extremamente triviais, estão implicadas em vários tipos de
atividades”.
Portanto, como prática social, o discurso torna-se uma forma de contribuição para
preservação ou para a mudança das relações e hegemonias tradicionais, orientadas por
questões econômicas, culturais e ideológicas e, especialmente, políticas, aspecto de maior
preocupação para Fairclough (2001) e foco deste trabalho, como tratamos (a seguir).
O discurso como prática política não é apenas um local de luta de poder, mas também um marco delimitador na luta de poder: a prática discursiva recorre a convenções que naturalizam relações de poder e ideologias particulares e as próprias convenções, os modos em que se articulam são um foco de luta (FAIRCLOUGH, 2001, p. 95).
5.2 ANÁLISES
Os tópicos trazidos a seguir fazem parte das análises discursivas realizadas segundo a
metodologia e o plano de trabalho preliminarmente apresentados. Os trechos selecionados de
cada um dos recortes foram agrupados de acordo com o enfoque predominante no conteúdo
informativo. Procuramos estabelecer temas que foram agendados pela Folha de S. Paulo
durante as eleições 2002, de acordo com a nossa percepção à recorrência temática, buscando
matérias que preenchiam esses temas predominantes durante o período delimitado para a
análise.
Nossa análise, além de reunir os critérios apresentados pela Análise do Discurso,
busca utilizar, também, como suporte as ações que influenciam na produção e fabrico da
notícia jornalística.
5.2.1 O jornalismo “independente”, “apartidário” e “pluralista”
101Esse tema merece atenção pela postura da Folha de S. Paulo em auto-afirmar-se
apartidária ao tratar das Eleições 2002. A tentativa de mostrar a independência e comprovar
uma atitude de neutralidade para com os presidenciáveis marcou a cobertura do diário em
toda a campanha eleitoral e, por esse motivo, abordamos esse tema em nossas análises.
Tratamos o assunto em duas partes. A primeira observa apenas um artigo de opinião.
Na seqüência, trazemos uma discussão a partir da seleção de trechos de oito notícias sobre o
mesmo tema, selecionadas durante o período eleitoral.
5.2.1.1 A visão do articulista
A seguir trechos de um texto da parte “opinativa” do jornal: o artigo intitulado
“Independência e Solidão” (anexo B), publicado por Clóvis Rossi, membro do Conselho
Editorial do diário, que tenta convencer o leitor de que a Folha é um jornal independente e,
como tal, é o único dentre os meios de comunicação brasileiros.
O articulista centra seus argumentos a partir de uma questão (“‘Como a Folha não
tem candidato, se todos têm?’” (l. 9-10)), formulada por um certo sujeito com quem
estabelece uma relação de proximidade. A resposta será endereçada não apenas a esse sujeito,
mas aos leitores do diário. Dessa forma, a pergunta feita pelo suposto “amigo” do articulista
não se remete ao sujeito do discurso, mas à organização Folha, uma terceira pessoa
representada pelo sujeito da enunciação como o seu porta-voz. A questão, engatada no texto
por um tu solidário ao sujeito enunciador, é usada para amarrar a primeira pessoa (eu) à
terceira pessoa (a Folha) com a finalidade de levar o leitor a concluir que, sendo o sujeito
enunciador uma pessoa sem preferências partidárias, logo o jornal também o é.
A independência exclusiva da Folha é mostrada a partir das escolhas lexicais grifadas
abaixo, tiradas de trechos do artigo analisado:
(1) “É dura a vida de jornais e de jornalistas que tentam ser independentes. Ninguém
102acredita” (l. 1-3) - Trecho extraído do artigo Independência e Solidão, 25/08/2002– (anexo
B).
(2) “‘Tucanos’ acham a Folha petista (...) Petistas dizem, ao contrário, que a Folha está
com José Serra. Ciro Gomes acusou o jornal de governismo (...) Anthony Garotinho
conseguiu a mágica de acreditar que a Folha apóia a um só tempo José Serra e Lula
(...)” (l. 12-12; 16-18; 20-22) - - Trecho extraído do artigo Independência e Solidão,
25/08/2002– (anexo B).
(3) “Mas o mais grave nessa batalha pela independência nem é a incompreensão. É a
solidão. Hoje por hoje, até o restante da mídia soltou razoavelmente suas amarras”. (l.
29-33) - Trecho extraído do artigo Independência e Solidão, 25/08/2002– (anexo B).
Em (1), selecionamos a expressão é dura como uma marca valorativa que tenta trazer
a idéia de que ser independente é algo difícil. Isso é reforçado com a oração Ninguém
acredita. Ao afirmar, de maneira assertiva, que ninguém acredita que existam jornais e
jornalistas independentes, a trama do enunciado se inicia, pois o autor terá como objetivo
fazer o leitor acreditar que o jornal que escolheu para ler é imparcial.
Nos trechos selecionados em (2), o articulista lança mão da ironia, explicando a “teoria
conspiratória” em que todos os partidos se afirmam perseguidos, injustiçados pelo veículo.
Recorre à interxtualidade colocando as opiniões dos adversários (Tucanos acham; Petistas
dizem; Ciro Gomes acusou; Anthony Garotinho conseguiu a mágica de acreditar).
Nos dois trechos anteriormente selecionados, observamos marcas modais assertivas,
com a predominância do uso de orações afirmativas que buscam validar a opinião do
articulista. Em todas as orações percebemos uma combinação com a modalidade
intersubjetiva, uma vez que existe uma tendência do sujeito enunciador em levar ao
convencimento de que a Folha é um jornal independente e, como tal, é único, apesar de ser
equivocadamente criticado por correntes diversas do cenário político.
103No trecho (3) a palavra solidão é trazida ao texto - uma marca modal apreciativa para
enfatizar que o diário é o único a prezar os princípios da imparcialidade. O tom, enfático,
aparece no uso da palavra grave, que indica uma valorização de uma grande dificuldade,
representada ainda pela expressão batalha pela independência, que recorre à luta travada
pelo diário para defender a pluralidade, já que o articulista afirma de modo assertivo que até o
restante da mídia soltou razoavelmente suas amarras. Nesse trecho, o autor lança a
dicotomia Folha X outros veículos da mídia. Mas, ao afirmar as posições adotadas pelo
restante da mídia, o autor usa um atenuante: a palavra razoavelmente. Por todo trecho vemos
uma predominância da modalidade apreciativa.
Após tentar provar a existência de um modelo de jornalismo exclusivamente
independente praticado pela Folha, o articulista vai então responder como é que se faz um
jornalismo pluralista, reiterando suas convicções dentro do diário que representa, como
observamos no trecho (4):
(4) “não tenho carteirinha de partido nenhum nem sou fã incondicional de candidato
nenhum (então como agora)”. (l. 6-9) - Trecho extraído do artigo Independência e Solidão,
25/08/2002– (anexo B).
Ao afirmar seus valores, o eu do enunciado é um dêitico de pessoa, que engata o
sujeito enunciador no texto como primeira pessoa. Contudo, na postura de articulista e
membro do conselho editorial do veículo, representa e se enquadra dentro da organização
Folha e, ao se declarar, de forma assertiva e em primeira pessoa, que não tem preferência por
algum candidato ou partido, o faz pela instituição. A oração entre parênteses (então como
agora) remete ao tempo presente, visando a reforçar os princípios de independência nas
eleições 2002. Aqui, a asserção negativa (não tenho carteirinha (...) nem sou fã de
candidato nenhum (...)) procura, mais uma vez, validar o discurso da imparcialidade do
sujeito enunciador.
104Nos trechos a seguir, (5) e (6), o jornalista explica que, se o leitor encontrar palpites de
especialistas em relação aos candidatos, essa opinião é externa à organização jornalística. Ora
o autor afirma que as opiniões dos analistas (palpites externos) se referem ao contexto
(realidade), ora acentua que tais valores estão alinhados às preferências de quem os emite:
(5) “É quase impossível conseguir conversar com algum especialista sem temer que suas
opiniões estejam enviesadas por preferências eleitorais ou, pior, por preconceitos contra
um candidato” (l. 40-44) - Trecho extraído do artigo Independência e Solidão, 25/08/2002–
(anexo B).
(6) “palpites externos dizem respeito à realidade, não à preferência (ou preconceito)
eleitoral do analista”. (l. 52-56) - Trecho extraído do artigo Independência e Solidão,
25/08/2002– (anexo B).
Nos dois enunciados existe uma intenção de justificar o trabalho “independente” do
especialista em política dentro da Folha, afirmando que suas opiniões partem do contexto, “da
realidade” e não das preferências do jornal. Em (6) o autor reforça, entre parênteses, que o
jornalismo da Folha se isenta de preconceitos, um modo de dizer que aceita, por exemplo,
candidaturas como a de Lula, que ainda nesse período sofre com rejeição por parte da mídia e
do empresariado. Existem, nesses dois trechos selecionados, marcas que possuem valor modal
intersubjetivo, uma vez que a atitude do sujeito enunciador exerce forte pressão sobre seu
enunciatário.
5.2.1.2 O retrato da imparcialidade trazido pelas notícias
O tema da independência é explorado também pela Folha de S. de Paulo em matérias
jornalísticas (notícias). Nesse tipo de texto, em que predomina o estilo “objetivo”, a Folha usa
como principal recurso os resultados de pesquisas de opinião com seus leitores e os dados
fornecidos pelo Instituto Datafolha, da própria Folha, obtidos por análise quantitativa da
105distribuição de espaço em centimetragem para cada candidato e classificação de textos
enquanto “positivos”, “negativos” ou “neutros”.
As notícias – acompanhadas de infográficos (v. anexos L e M) – são construídas por
números matemáticos, numa tentativa de se estabelecer critérios objetivos, usados para a
validação da premissa de que a Folha possui princípios de apartidarismo e pluralismo
estabelecidos em seu projeto editorial, um “lembrete” que aparece na maioria dos textos
analisados:
(1) “O jornal utiliza o trabalho como um dos instrumentos para aferir a aplicação dos
princípios de apartidarismo e pluralismo estabelecidos em seu projeto editorial” – (l. 9-
13) - Trecho extraído da matéria: Datafolha avalia atuação do jornal na eleição, 27/09/2002 -
(anexo L).
(2) “Ao pedir que os leitores opinem sobre a isenção da cobertura, a Folha tem por objetivo
monitorar a percepção dos princípios de pluralismo e apartidarismo que regem seu
projeto editorial” – (l. 16-21) – Trecho extraído da matéria: Leitores identificam equilíbrio
na Folha, 27/09/2002 - (anexo M).
(3) “O objetivo da pesquisa é avaliar o grau de isenção da cobertura da Folha para aferir
a aplicação dos princípios de apartidarismo e pluralismo de seu projeto editorial.” - (l.
30-34) – Trecho extraído da matéria: Folha se manteve equidistande no 2º turno, 25/10/2002 -
(anexo Z).
(4) “Os resultados demonstram que o jornal transmitiu a imagem de apartidarismo,
conduta prevista por seu projeto editorial” – (l. 20-24) - Trecho extraído da matéria: Leitor
reconhece cobertura apartidária, 25/10/2002 - (anexo Z).
Os quatro trechos anteriores fazem apologia aos princípios de apartidarismo e
pluralismo prezados pelo jornal e pré-estabelecidos em seu projeto editorial. Em todos os
parágrafos o uso da modalidade assertiva (com a afirmação) tem como propósito validar que a
106Folha é um jornal que, por princípios, possui conduta pluralista e apartidária.
Essa conduta é então referendada pela maioria do público leitor do jornal, como
reforçado, inclusive, no título de uma das notícias (“Leitor reconhece cobertura apartidária”)
e por um instituto de pesquisa de opinião que aparece também em destaque, em título de outra
notícia selecionada (“Datafolha avalia atuação do jornal da eleição”); este último é um meio
de reforçar que os dados apresentados no decorrer da matéria foram levantados por um órgão
competente, que faz o papel de fonte oficial do diário.
Ainda sobre os quatro trechos anteriormente apresentados, vale destacar que os
períodos assertivos possuem marcas modais apreciativas, como os substantivos pluralismo e
apartidarismo apresentados nos enunciados para atribuir valor ao próprio jornal.
Retomando novamente a linguagem explorada pelos infográficos, ressaltamos que a
Folha inaugura um estilo novo de apresentação dos dados: um visual gráfico que destaca, por
intermédio de círculos e setas simulando traços manuais com canetas destaque, alguns
números apresentados. Trata-se de uma estratégia que visa à informalidade, usada para
destacar alguns dados numéricos, estabelecer uma aproximação com o leitor e orientá-lo
quanto à compreensão dos gráficos. Esse estilo, mais solto, foi inaugurado no caderno
Especial da Copa de 2002 e retomado no Caderno Eleições 2002. Os destaques auxiliam na
construção das informações jornalísticas.
Entretanto, constatamos a existência, ainda que sutis, de marcas que atestam
preferências, ausência da imparcialidade e mensagens persuasivas nesses textos analisados,
como discutiremos a seguir. As matérias selecionadas, com a mesma temática, foram
publicadas no final do primeiro turno e do segundo turno.
5.2.1.2.1 Os critérios do instituto Datafolha
Inicialmente selecionamos um trecho com referência direta aos critérios de
107classificação do instituto Datafolha:
(5) “Ainda que pautada por critérios rigorosos, permanentemente examinados pelo
Datafolha em conjunto com a redação, a tarefa de classificar as informações em
‘positivas’, ‘negativas’ e ‘neutras’ sempre esbarra em uma dose de subjetividade,
reconhece o diretor geral do instituto” (l. 91-99) - Trecho extraído da matéria: Datafolha
avalia atuação do jornal na eleição, 27/09/2002 - (anexo L).
Nesse trecho, após detalhar para o leitor o que o instituto considera como “positivo”,
“negativo” ou “neutro” (v. anexo L), o enunciador se antecipa a um possível questionamento
do leitor sobre a ausência de objetividade na classificação desses critérios, observados no uso
da conjunção ainda que e da expressão sempre esbarra em uma dose de subjetividade.
Essa menção é feita por intermédio de uma fonte citada na matéria, o diretor do instituto, cuja
citação nesse texto vem de forma indireta e com esta procura-se atribuir credibilidade, dado o
status da fonte. Entretanto, o uso dos termos critérios rigorosos, de valor modal apreciativo,
sugerem que o órgão competente cumpre os parâmetros pré-estabelecidos.
5.2.1.2.2 Uma cobertura “diferente”?
(6) “A série de gráficos ao lado demonstra que, na Folha, o sobe-desce de reportagens
consideradas ‘positivas’ e ‘negativas’ foi menos acidentado do que no ‘Estado’ e no
‘Globo’”. – (l. 14-19) – Trecho extraído da matéria: Jornais oscilam ao longo da campanha,
27/09/2002 - (anexo M).
Nesse enunciado, com base na notícia intitulada “Jornais oscilam ao longo da
campanha” em que se tem uma análise de conteúdo apresentada pelo Instituto Universitário
de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ -, a Folha argumenta a diferença da sua cobertura
em relação aos seus concorrentes, na medida em que acontecem menos oscilações quanto à
classificação dos conteúdos destinados aos candidatos. Nesse trecho, percebemos o
108predomínio da modalidade intersubjetiva (combinada com asserções afirmativas), uma vez
que reitera a posição da Folha como diferente dos outros diários brasileiros.
5.2.1.2.3 A imprensa por ela mesma
Em editorial publicado no dia do primeiro turno das eleições 2002, a Folha de S.
Paulo faz uma reflexão acerca do seu comportamento em relação ao período. Destacamos
alguns trechos:
(7) “Cada um a seu modo, imprensa e Ministério Público, deram passos decisivos rumo a
sua consolidação como instituições de controle do exercício do poder” - (l. 110-114) –
Trecho extraído do editorial As urnas e a crise – 06/10/2002 - (anexo Q).
No trecho anteriormente descrito (7), o jornal se apresenta como uma instituição de
poder, equiparando-se ao Ministério Público. A assertiva afirmativa combina com a
modalidade intersubjetiva pelo posicionamento persuasivo em relação ao enunciador
sugerindo que a imprensa é um órgão de poder.
(8) “Quanto à atuação dos principais veículos de mídia, a cobertura da campanha eleitoral
cuja primeira fase se encerra hoje, coroa um processo de amadurecimento. Nunca se deu
tanta oportunidade ao leitor, ao ouvinte e ao telespectador de travar conhecimento com
as idéias principais dos candidatos”- (l. 122-137) – Trecho extraído do editorial As urnas e
a crise – 06/10/2002 - (anexo Q).
Em (8) o trecho em negrito destaca de forma positiva a superexposição do tema
eleições nos meios de comunicação. Para a Folha, a oportunidade que o leitor tem de
vislumbrar os candidatos nos veículos de comunicação é sinônimo de amadurecimento do
órgão, uma marca modal apreciativa. Novamente, concluímos que a modalidade
predominante é a intersubjetiva, na medida em que se busca convencer o leitor de que uma
cobertura intensa a respeito dos candidatos é sinal de uma postura madura, correta não apenas
109do diário em questão, mas da mídia de modo geral.
Em (9) o foco dos elogios acerca da mídia se fecha no jornal em questão. Mais uma
vez, a Folha se coloca como um jornal independente e, novamente, apresenta-se como o único
na mídia brasileira a não apoiar qualquer um dos candidatos. Nesse trecho predomina a
modalidade intersubjetiva uma vez que o enunciador sugere de forma explícita sua imagem
perante seu leitor.
(9) “A prática do jornalismo também se aperfeiçoou em busca de um modelo de atuação cada
vez mais independente. Aprimorou-se tecnicamente. Este jornal, que sempre cultivou a
independência, o pluralismo e o apartidarismo como pilares de sua política editorial e
procurou submeter candidatos e partidos, sem distinção, ao mesmo filtro crítico,
contribuiu para esse processo. O exercício pleno desse jornalismo crítico, independente e
pluralista, entende esta Folha, obriga o jornal, diferentemente do que fazem outros
veículos de mídia, a não apoiar nenhum candidato à Presidência, a governo de Estado ou
a qualquer cargo eletivo” – (l. 144-161) – Trecho extraído do editorial As urnas e a crise –
06/10/2002 - (anexo Q).
5.2.1.2.4 Sobre os Candidatos: preferências
Na seqüência observamos as explicações para os resultados alcançados em relação aos
candidatos:
(10) “Para instituto, Folha dá mais notícias ‘negativas’ sobre Serra e Ciro; Lula obtém
tratamento mais ‘positivo’” (linha fina) - Trecho extraído da matéria: Datafolha avalia
atuação do jornal na eleição, 27/09/2002 - (anexo L).
(11) Para o cientista político Marcus Figueiredo, coordenador do estudo do instituto
fluminense, maior visibilidade costuma corresponder a crescimento da cobertura ‘negativa’.
‘Quanto mais o candidato aparece, mais sujeito a crítica ele está’” (l. 47-54) - Trecho
110extraído da matéria: Datafolha avalia atuação do jornal na eleição, 27/09/2002 - (anexo L).
(12) “Personagens de um tiroteio que começou na primeira noite da propaganda televisiva,
os dois candidatos registraram percentuais similares nas três categorias de classificação
do noticiário” – (l. 29-34) - Trecho extraído da matéria: Datafolha avalia atuação do jornal
na eleição, 27/09/2002 - (anexo L)
Nos trechos (10) e (11) tenta-se argumentar porque José Serra e Ciro Gomes, que, pelo
contexto, disputavam o segundo lugar, de acordo com pesquisas do primeiro turno das
eleições 2002, tinham mais notícias de cunho “negativo” do que os outros candidatos. No
primeiro trecho (10), observamos o predomínio de marcas modais assertivas afirmativas, que
enunciam o conteúdo da matéria. Em (11) a análise feita por um especialista - engatada no
texto pelo recurso da intertextualidade -, aparece como uma justificativa para os critérios de
noticiabilidade, ou seja, a notícia negativa tem mais valor. Justamente por levar o leitor ao
convencimento sobre os critérios para a construção das notícias, em (10) temos o predomínio
da modalidade intersubjetiva.
Ainda em (12), vemos o peso do valor-notícia à questão da chamada cobertura
negativa. O enunciador usa inicialmente uma marca modal apreciativa (personagens de um
tiroteio) para qualificar o combate entre os candidatos José Serra e Ciro Gomes e depois
procura creditar ao jornal uma atribuição similar de espaço aos dois candidatos.
Na seqüência, observa-se certa preferência de que Serra vá para o segundo turno com
Lula:
(13) “O cientista político acredita, por exemplo, que a condição de candidato do governo
contribui para explicar porque José Serra recebeu nos jornais, em vários momentos da
atual campanha, espaço maior do que o dedicado a adversários em situação semelhante
nas pesquisas” (l. 50-58) - Trecho extraído da matéria: Lula, Serra e Ciro recebem espaço
semelhante, 27/09/2002 - (anexo L).
111(14) “‘O novo embolamento no segundo lugar se caracterizou muito recentemente”, diz.
“As chances de Garotinho cresceram agora, na reta final’” (l. 38-42) - Trecho extraído da
matéria: Lula, Serra e Ciro recebem espaço semelhante, 27/09/2002 - (anexo L).
Nesses trechos as abordagens favorecem diretamente José Serra. No primeiro
enunciado (13), por intermédio do recurso da intertextualidade, o enunciador se apropria da
fala de um analista para justificar o espaço maior recebido por Serra na Folha de S. Paulo. O
discurso é engatado no texto pelo testimonial “o cientista político acredita”, um recurso
usado para comprovar que a referência opinativa vem da fonte e não do jornalista.
Na fala temos a marca modal apreciativa “candidato do governo” para qualificar
Serra (título que o então candidato praticamente negou durante toda a sua campanha), para
relembrar o enunciatário que, por ser do governo, Serra estava em maior evidência.
Em (14), também por intermédio de sua fonte oficial, temos uma justificativa para a
falta de espaço dedicada a Antony Garotinho em detrimento do espaço dedicado a Serra na
disputa pelo “segundo” lugar. Nesse caso, utilizando do interdiscurso, é relatado o discurso da
fonte oficial, como representante do instituto de pesquisa, justificando a ausência de notícias
sobre Garotinho por se tratar de um período no qual ele não estava ainda em franco
crescimento nas pesquisas de opinião. Nesse trecho temos o uso do testimonial “diz” para
referenciar a fonte de informação e uso do dêitico de tempo agora, para marcar a
temporalidade e justificar a falta de atualidade dos dados apresentados.
Em ambos os trechos notamos o predomínio da modalidade intersubjetiva, pois existe
uma intenção clara de justificar os dados publicados, persuadindo o leitor a convencer-se das
idéias apresentadas.
A seguir vemos como o jornal enxerga Lula:
(15) “No mesmo intervalo de tempo, o inverso ocorreu com Luiz Inácio Lula da Silva
(PT). Em confortável liderança nas intenções de voto, o que o desobrigou de envolver-se
112em confrontos” – (l. 40-45) - Trecho extraído da matéria: Datafolha avalia atuação do jornal
na eleição, 27/09/2002 - (anexo L).
(16) “Também a biografia de Lula ajuda a explicar um certo ‘viés de condescendência’
detectado pelo instituto. Diferentemente de Serra e Ciro, o petista não tem um passado
administrativo pelo qual possa ser diretamente cobrado- não obstante as administrações
petistas em municípios e Estados” (l. 81-89) - Trecho extraído da matéria: Datafolha avalia
atuação do jornal na eleição, 27/09/2002 - (anexo L).
Em (15) o jornal sutilmente critica Lula pela falta de combate com os adversários da
campanha. É claro o predomínio da modalidade intersubjetiva quando percebemos a intenção
do enunciador de levar o leitor a questionar-se sobre os motivos que levam Lula a fugir do
embate político.
Já no enunciado seguinte (16) temos marcas explícitas de opinião por parte do jornal
em relação ao candidato. A marca assertiva negativa presente no trecho “o petista não tem
passado administrativo pelo qual possa ser diretamente cobrado” critica a falta de
experiência do candidato em cargos públicos, em tom nitidamente provocativo, observado
especialmente no primeiro trecho do mesmo enunciado, no qual é justificada a menor
presença de matérias “negativas” sobre o candidato no jornal, qualificada como “viés de
condescendência”, uma marca modal apreciativa que justifica a atitude da Folha perante o
candidato.
5.2.1.2.5 O referendo do leitor
Os enunciados selecionados em seqüência fazem parte das notícias construídas a partir
das sondagens realizadas com os leitores do jornal. Observamos uma intensa exploração de
dados numéricos simulando uma identificação positiva dos leitores com os posicionamentos
do jornal.
113(17) “Para maioria dos entrevistados pelo Datafolha, jornal não favorece nem persegue
nenhum dos candidatos à Presidência” - (linha fina) – Trecho extraído da matéria: Leitores
identificam equilíbrio na Folha, 27/09/2002 - (anexo M)
Esse trecho, que apresenta marcas modais assertivas com a negação - “jornal não
favorece nem persegue” -, simula uma relação de concordância do leitor com o jornal, ao
afirmar ferrenhamente os princípios de isenção. Esse destaque, pela linha fina, é combinado
com o título da matéria “Leitores identificam equilíbrio na Folha”, procurando exaltar a
simbiose entre o jornal e os seus leitores.
Nos três enunciados a seguir aparecem os dados percentuais. Em todos eles temos a
distribuição dos entrevistados de acordo com as respostas obtidas nas questões dispostas pelo
instituto.
(18) “Para 10% dos entrevistados, José Serra (PSDB) é beneficiado pelo jornal. A seguir
vêm Luís Inácio Lula da Silva (PT) com 3% e Ciro Gomes (PPS), com 1%. Na opinião
dos leitores, Ciro é o mais prejudicado pela Folha. Dos pesquisados, 4% fazem esse
diagnóstico. Lula, com 2%, e Antony Garotinho (PSB), com 1% também foram
mencionados” – (l. 21-32) – Trecho extraído da matéria: Leitores identificam equilíbrio na
Folha, 27/09/2002 - (anexo M).
(19) “Como pontos positivos do trabalho da Folha, foram citadas a publicação de
informações a respeito dos candidatos (35%), a imparcialidade (20%) e a qualidade do
conteúdo informativo (16%). Não souberam responder 27%” – (l. 67-74) – Trecho
extraído da matéria: Leitores identificam equilíbrio na Folha, 27/09/2002 - (anexo M).
(20) “Como pontos negativos, foram mencionadas parcialidade (8%) e deficiências de
conteúdo nas reportagens (8%). Não souberam responder a questão 31%. Quase metade
(44%) afirmou não encontrar pontos negativos.” – (l. 74-80) – Trecho extraído da matéria:
Leitores identificam equilíbrio na Folha, 27/09/2002 - (anexo M).
114Após uma releitura do primeiro trecho (18), que questiona o leitor se o jornal está
beneficiando algum dos candidatos, percebemos que, somadas as respostas, 21% dos leitores
não enxergam o equilíbrio prezado pela Folha. É interessante ressaltar que esses dados
aparecem em totalidade apenas no conteúdo da notícia, porque, nos gráficos, os mesmos
dados se dividem em dois quadros (v. anexo M).
Os trechos (19) e (20) não são apresentados nos infográficos, apenas no conteúdo da
notícia. Em (19) observamos que apenas 20% dos leitores destacam a imparcialidade do
jornal. Em (20) o jornal afirma que 44% dos leitores declararam não encontrar pontos
negativos, enquanto que 31% não souberam responder e 16% encontraram falhas ou
parcialidades no conteúdo. Em nenhum momento é citada a forma como os entrevistados
foram abordados ou a forma de aplicação da pesquisa, apenas o universo de pesquisados, 386
leitores da Grande São Paulo.
Os recortes textuais a seguir dizem respeito as sondagens com leitores no 2º turno, no
qual vemos novamente as estratégias discursivas do jornal em afirmar a eqüidistância em
relação às eleições:
(21) “Pesquisa feita entre quarta e quinta-feira da semana passada entre leitores da Folha na
Grande São Paulo revela que 81% deles avaliam que o noticiário sobre as eleições tem sido
isento e não favorece nenhum dos finalistas ao segundo turno presidencial.” - (l. 1-9) -
Trecho extraído da matéria: Leitor reconhece cobertura apartidária, 25/10/2002 - (anexo Z)
(22) “Pesquisa anterior, feita com a mesma finalidade e já com a campanha pelo segundo
turno em andamento, revelou, com porcentagens parecidas, que o leitor atribuía boa
qualidade às informações do jornal e as consumia por ver nelas a isenção” – (l. 32-39) -
Trecho extraído da matéria: Leitor reconhece cobertura apartidária, 25/10/2002 - (anexo Z).
(23) “O jornal manteve assim o relativo equilíbrio que já havia observado na cobertura
da campanha do primeiro turno.” - (l. 61-64) – Trecho extraído da matéria: Folha se
115manteve equidistande no 2º turno, 25/10/2002 - (anexo Z).
Observamos que todos os trechos combinam as modalidades assertivas com a
modalidade intersubjetiva pois em todos eles percebemos a tentativa de persuasão do leitor
quanto à validade da sondagem e a afirmação dos resultados positivos por meio do referendo
da maioria dos entrevistados. Vale também destacar, no enunciado (21), uma referência
dêitica de tempo (semana passada) como forma de justificar a periodicidade dos dados.
5.2.1.2.6 O voto do (e)leitor
Mais uma vez destacamos uma “vontade” da Folha de que Serra realize o 2º turno
com Lula. Como nos recortes (24), (25) e (26) :
(24) “Leitorado do jornal se divide entre Serra e Lula” – (título) – Trecho extraído do box:
Leitorado se divide entre Serra e Lula, 27/09/2002 - (anexo M).
(25) “Em levantamento realizado entre 2 e 4 de setembro pelo Datafolha, o petista tem 26%,
contra 29% de José Serra, que subiu nove pontos percentuais em relação à pesquisa
anterior” (l. 10-15) – Trecho extraído da matéria: Leitores identificam equilíbrio na Folha,
27/09/2002 - (anexo M).
(26) “Apesar do PT gozar da preferência de 31% dos entrevistados, mais do que o dobro
do apoio registrado pelo PSDB (14%), Lula não disparou na intenção de voto dos
leitores na Grande São Paulo.” – (l. 1-8) – Trecho extraído da matéria: Leitores identificam
equilíbrio na Folha, 27/09/2002 - (anexo M).
Os trechos (24) e (25) revelam uma polaridade entre Lula e Serra (e este está
vencendo) na opinião dos leitores do jornal na Grande São Paulo. Ainda em (25) o jornal
destaca o crescimento de Serra, uma forma de destacar que o candidato deve ir para o 2º
turno.
Em (26) o atenuante expresso pela palavra apesar é um meio para remeter ao
116enunciador que a “simpatia” em relação ao Partido dos Trabalhadores não fez com que Lula
crescesse nas pesquisas com leitores do jornal, uma marca da modalidade intersubjetiva usada
para argumentar que Lula e Serra estão “em pé de igualdade” e devem ir para o 2º turno.
Já em relação ao 2º turno, a Folha explicita uma preferência sutil a José Serra ao
expressar os resultados das sondagens com seus leitores, como destacamos:
(27) “Há pouco mais de um mês os leitores da Folha na Grande São Paulo estavam
praticamente empatados quanto à opção de voto para o segundo turno: 43% preferiam José
Serra (PSDB) e 44% tinham preferência por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Há uma semana,
no entanto, o grupo favorável ao tucano tornou-se ligeiramente maior e agora soma
49%, contra 42% favoráveis ao petista.” – (l. 1-12) - Trecho extraído da matéria: 49%
votam em Serra; 42% preferem Lula, 25/10/2002 - (anexo Z).
(28) “Isso revela que o público leitor da Folha está dividido em relação às duas
candidaturas.” (l. 46-48) - Trecho extraído da matéria: 49% votam em Serra; 42% preferem
Lula, 25/10/2002 - (anexo Z).
Em ambos os trechos notamos um esforço do jornal de manter o quadro empatado
entre os candidatos com uma sutil diferença favorável a Serra, explicitada com mais clareza
no título de uma das notícias “49% votam em Serra; 42% preferem Lula”. Os dados das
sondagens confrontam as pesquisas de opinião de caráter mais abrangente que o próprio
Instituto Datafolha vinha publicando freqüentemente no período e que davam larga vantagem
à Lula. A modalidade predominante é a intersubjetiva, na medida em que os trechos
sutilmente expressam o desejo da Folha em ressaltar o crescimento do apoio do eleitorado a
José Serra.
(29) “E, a exemplo do que outras pesquisas têm apontado, 96% dos eleitores de Lula no
primeiro turno manterão seu voto no segundo, o mesmo acontecendo com 97% dos que
votaram em Serra.” (l. 25-30) - Trecho extraído da matéria: 49% votam em Serra; 42%
117preferem Lula, 25/10/2002 - (anexo Z).
Da mesma forma, a modalidade intersubjetiva predomina também no trecho (29),
quando o enunciador sugere que os seus (e)leitores manterão sua opinião no 2º turno.
5.2.1.3 Considerações
A partir das marcas selecionadas e analisadas nos textos, concluímos que a publicação
do artigo opinativo e das notícias destacando a cobertura do jornal referente ao período
eleitoral presidencial representa uma estratégia da Folha de convencer seu leitor de que seu
trabalho é apartidário e pluralista.
A preocupação em demonstrar a independência é uma forma de estabelecer uma
imagem de credibilidade, confiança e, acima de tudo, ressaltar que esse mérito é apenas e
somente seu em toda a imprensa brasileira, “comprovado” pela encomenda de sondagens de
dois órgãos oficiais (Datafolha e IUPERJ) e também pela amostragem de opinião do público
leitor do diário.
A Folha, ao produzir esse efeito de sentido, adota um discurso ideológico que busca
mascarar o sentido hegemônico presente em sua linguagem, como forma de manter o
“contrato de leitura” por meio da imagem construída de um discurso neutro, independente.
5.2.2 Contestando as pesquisas
Imensa maioria das notícias publicadas pela Folha durante as eleições 2002 foi
pautada pelos resultados divulgados pelo instituto Datafolha, da própria Folha de S. Paulo,
como observamos em nossas análises. Constatamos, na temática anteriormente discutida (O
jornalismo “independente”, “apartidário” e “pluralista”), que existe uma tendência do diário
em ressaltar uma imagem de credibilidade ao reforçar o jornalismo que pratica como
independente, e boa parte desse argumento é reforçada pelos resultados das pesquisas de
118opinião pública, de forma especial nas notícias e matérias informativas.
Contudo, ao lançarmos nosso olhar sobre os editoriais e artigos publicados no período
eleitoral que recorrem à temática “Pesquisas Datafolha”, percebemos um posicionamento de
descrença dos resultados, especialmente se estes não estão em concordância com os princípios
do corpo editorial, e uma “torcida” ferrenha para a alteração do quadro apresentado pelas
sondagens. Como aborda Beltrão (1980), pelo editorial, enquanto gênero opinativo, o jornal
pode manifestar-se a favor de quem desejar, da mesma forma que ocorre no artigo assinado;
entretanto, nos mesmos espaços, o diário preza os princípios de neutralidade em relação ao
evento político.
Transcrevemos trechos de cinco editoriais e de dois artigos em que constatamos essa
tendência durante os dois turnos do pleito.
(1) “Os resultados da pesquisa Datafolha que este jornal publica hoje inaugurarão uma
semana em que a dúvida enunciada acima ganhará total proeminência na discussão de
analistas políticos, de agentes do mercado financeiro e da opinião pública de maneira
geral” (l. 1-8) – Trecho extraído do editorial Haverá segundo turno? – 22/09/2002 -(anexo I).
(2) “A duas semanas do dia do pleito, não se pode dizer que a tendência de subida de Lula
seja um fato inexorável dessa reta final. Ainda haverá eventos importantes, até lá, que
poderão afetar a decisão do voto do eleitorado” (l. 25-31) – Trecho extraído do editorial
Haverá segundo turno? – 22/09/2002 - (anexo I).
Em (1) e (2) o editorialista prevê que o resultado das pesquisas eleitorais publicadas -
as quais apontam vantagem de Luiz Inácio Lula da Silva em relação aos outros candidatos -,
deverá suscitar um novo posicionamento da opinião pública e dos analistas políticos. Em (2) o
adjetivo inexorável (inabalável), uma marca modal apreciativa, é combinada com a oração
assertiva negativa, declarando abertamente que o corpo editorial acredita que as tendências
apontadas pelas pesquisas devem se alterar, pois eventos importantes surgirão. O quadro
119sugerido no enunciado (1) e na segunda oração em (2) trazem as marcas modais hipotéticas
combinadas com a modalidade intersubjetiva, uma vez que exprimem com clareza que o
jornal responde de forma afirmativa aos leitores à questão lançada no título do editorial: “Sim,
haverá segundo turno”.
5.2.2.1 Desenhando o cenário do segundo turno - editoriais
Convencido o leitor da hipótese do segundo turno, o enunciador agora explica o
cenário, tentando apontar as causas que levaram aos resultados das pesquisas de opinião. Em
(3), (4) e (5), nossas análises recobrem especialmente José Serra, na tentativa de explicar
porque o candidato “governista” não emplaca nas sondagens.
(3) “Já há uma discussão que volta, a partir de agora, sobre, em havendo um segundo
turno, qual será o adversário de Lula. A campanha de José Serra logrou desbancar Ciro
Gomes do alto patamar em que se encontrava e atingir a vice-liderança. Mesmo assim, não
conseguiu consolidar uma distância confortável sobre o terceiro colocado. Dos votos que
Ciro perdeu, apenas parte migrou para o governista” (l. 57-67) – Trecho extraído do
editorial Haverá segundo turno? – 22/09/2002 - (anexo I).
(4) “Tudo somado, esta pesquisa do Datafolha parece revelar que se alastra na população
um sentimento de oposição ao governo de Fernando Henrique Cardoso e, por
conseqüência, ao candidato imediatamente identificado com os oito anos de sua gestão”
(l. 75-81) – Trecho extraído do editorial Haverá segundo turno? – 22/09/2002 - (anexo I).
(5) “O desejo de mudança pode ser o elemento a conferir uma propulsão extra às
intenções de voto em Lula e, mais discretamente, em Garotinho. Também pode ser o
fator que está impedindo Serra de romper a barreira dos 20%” (l. 81-87) – Trecho
extraído do editorial Haverá segundo turno? – 22/09/2002 - (anexo I).
Em todos os trechos observa-se o predomínio da modalidade intersubjetiva na medida
120em que o enunciador sugere a seu leitor que o cenário ideal para o segundo turno deve ter
como candidatos José Serra e Lula.
5.2.2.1.1 A “batalha” intensa, o debate e o “caos econômico”
Em (6), (7) e (8) novamente o enunciador é persuasivo ao sugerir que o período que
antecede o primeiro turno será muito disputado, a exemplo dos superlativos: intensíssima (6)
e duríssima (8), marcas modais apreciativas para qualificar a disputa. Em (7) a colocação é
de se esperar é uma marca modal intersubjetiva apontando a vontade, o desejo do diário de
que aconteça o segundo turno.
As marcas modais intersubjetivas são observadas ainda no segundo trecho em
destaque em (7); o jornal reforça que as mudanças da opinião dos eleitores serão ocasionadas
pelo debate entre os presidenciáveis (um evento produzido pela televisão); e em (8), ao lançar
mão do argumento de que a crise dos mercados - associada a Lula - , possa alterar o cenário
político.
(6) “As próximas duas semanas, que prometem ser de intensíssima batalha política,
elucidarão de vez essas questões” (l. 88-91) – Trecho extraído do editorial Haverá segundo
turno? – 22/09/2002 - (anexo I).
(7) “É de esperar que redobrem as forças para tentar barrar a ascensão de Lula e
qualificar-se para o turno final. Restam aos presidenciáveis dois dias para apresentação de
programas no rádio e na TV, os quais devem ter maior audiência. Na quinta-feira está
agendado um debate na TV Globo. Se faltam poucos votos para Lula vencer, falta
também pouco para que seus adversários precipitem um segundo turno” - (l. 70-80) –
Trecho extraído do editorial Eleição em sete dias – 29/09/2002 - (anexo O).
(8) “A única certeza que pode ser enunciada hoje é a de que serão dias de duríssima
disputa os poucos que nos separam de 6 de outubro, temperados por mais uma rodada
121de instabilidade nos mercados financeiros” - (l. 81-86) – Trecho extraído do editorial
Eleição em sete dias – 29/09/2002 - (anexo O).
A seguir, a seleção dos trechos (9) e (10) mostra claramente como a Folha usa o poder
econômico para construir significados. Em ambos os casos a crise econômica é atribuída ao
cenário eleitoral, prevalecendo nos textos a marca modal intersubjetiva:
(9) “Na democratização recente, parecem fadados a coincidir processos de sucessão
presidencial com momento de deterioração do cenário econômico” - (l. 21-25) – Trecho
extraído do editorial As urnas e a crise – 06/10/2002 - (anexo Q).
(10) “Este ano, 2002, não foge ao padrão. E o termômetro da incerteza financeira, que
engendra atitudes defensivas nos investidores internacionais em relação ao Brasil, é o
frenético comportamento da taxa de câmbio” - (l. 41-49) – Trecho extraído do editorial As
urnas e a crise – 06/10/2002 - (anexo Q).
Entretanto, em (10), observamos a modalidade assertiva para julgar o período em
questão, recorrente ao dêitico este em este ano eleitoral, que não foge ao padrão da influência
do cenário econômico. A modalidade intersubjetiva prevalece na medida em que os
argumentos são lançados pelo enunciador, de forma a sugerir uma conjuntura.
5.2.2.1.2 Vamos ter uma “virada”?
A seguir, trechos de um editorial publicado no dia que antecede a propaganda eleitoral
gratuita no segundo turno das eleições presidenciais, daí o título “A largada”, que sugere o
início de uma nova fase.
O texto é pautado no resultado da prévia eleitoral feita pelo instituto Datafolha, da
mesma empresa jornalística do diário, que aponta Lula com 26 pontos percentuais sobre
Serra. Valendo-se de possibilidades, o jornal alega que o resultado não é surpreendente, mas
tenta lembrar seu leitor que o resultado ainda não foi definido e aposta numa virada de José
122Serra, que entende como difícil, porém não é impossível.
(11) “Não há propriamente surpresa nos resultados da pesquisa Datafolha para a
Presidência que este jornal publica hoje” (l. 1-4) - Trecho extraído do editorial A largada –
13/10/2002 - (anexo X).
(12) “Era de esperar que a primeira pesquisa indicasse o candidato do PT, Luiz Inácio Lula
da Silva, bem à frente do presidenciável do PSDB, José Serra” (l. 9-13) - Trecho extraído do
editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).
Nos trechos (11) e (12) o enunciador afirma não se surpreender com o resultado da
pesquisa eleitoral publicada. Em (11) a oração assertiva negativa e em (12) a marca assertiva
afirmativa indicam que o resultado da sondagem, para o jornal, era previsível. Com isso, o
diário parece indicar um certo desprezo pelas indicações numéricas que apresenta.
Já nos recortes (13) e (14) percebemos alguma surpresa do editorialista em relação aos
dados com que tece seu texto:
(13) “Talvez a magnitude da distância entre os dois, de 26 pontos percentuais, tenha
ficado além do que uma parte dos analistas previa” (14-17) - Trecho extraído do editorial
A largada – 13/10/2002 - (anexo X).
(14) “Mas nem o apaixonado eleitor de Serra esperava que o seu candidato figurasse a
uma distância pequena de Lula na primeira sondagem”(l. 18-21) - Trecho extraído do
editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).
Em (13), depois de atribuir desprezo ao resultado da pesquisa, é sugerido que os
analistas poderiam achar o resultado um pouco surpreendente. A colocação do advérbio
talvez é uma marca da modalidade epistêmica. Também existem sinais de qualificação do
resultado, como o uso do termo magnitude, que remete à modalidade apreciativa.
Em (14), novamente, se volta a atenuar a importância do resultado da pesquisa,
indicando que provavelmente os eleitores de Serra (ou o próprio jornal?) já esperavam um
123resultado como esse. A tentativa de sugerir uma vontade, com o uso da palavra talvez
combina a modalidade epistêmica com a intersubjetiva.
No enunciado abaixo vemos como o enunciador torce para que os resultados se
alterem e quais argumentos ele usa para convencer seu leitor, traçando cenários prováveis:
(15) “Mas isso não quer dizer que está descartada a hipótese de Serra ultrapassar Lula”
(l. 30-32) - Trecho extraído do editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).
(16) “Para vencer, o tucano terá que anular, em duas semanas, uma vantagem da ordem
de 24 milhões de votos. A tarefa é difícil, porém não é impossível” (l. 31-36) - Trecho
extraído do editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).
Em (15) é mostrado, por intermédio de dados numéricos, as chances de Serra para
reverter o resultado. Em ambos os trechos, novamente temos a combinação das modalidades
epistêmica e intersubjetiva.
Os argumentos presentes em (15) e (16) são reafirmados e indicam o desejo do autor
de que o fato ocorra, indicando a modalidade intersubjetiva. Os adjetivos difícil e impossível
qualificam o julgamento e são marcas da modalidade apreciativa.
(17) “Além disso, a lamentável recusa do PT em expor o seu candidato a mais debates e
as indagações mais críticas pode associar uma imagem negativa a Lula” (l. 40-44) -
Trecho extraído do editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).
(18) “Segundo o Datafolha 74% dos eleitores julgam ser muito importante a realização
dos debates entre Lula e Serra” (l. 44-46) - Trecho extraído do editorial A largada –
13/10/2002 - (anexo X).
Em (17) o enunciador busca convencer o leitor de que a imagem de Lula tende a se
desgastar pela superficialidade e pela não-participação em debates. Ao sugerir essa
possibilidade, além de indicar a modalidade epistêmica também emite uma sugestão, marca
da modalidade intersubjetiva.
124No trecho (18), transmitindo um dado obtido na pesquisa Datafolha, o jornal reforça
sua convicção de que a realização do debate pela televisão é muito importante, uma marca
modal apreciativa, combinada com a modalidade intersubjetiva, já que o trecho tem caráter
altamente persuasivo.
Vale destacar que nessa mesma edição em que a parte “opinativa” do jornal argumenta
sobre a importância do debate, na parte chamada de “informativa” no Caderno Eleições, o
resultado da sondagem a respeito do Debate confirma que “74% acham o debate importante”,
entretanto, com menor destaque, aparece a seguinte observação: “70% dos entrevistados
disseram que um debate não os faria mudar sua intenção de voto” (Especial 3, domingo, 13 de
outubro de 2002).
(19) “A propósito do conteúdo dos programas, é provável que a campanha de Serra
parta definitivamente para o ataque contra Lula e o PT” (l. 47-50) - Trecho extraído do
editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).
(20) Já do lado petista, a necessidade de administrar o seu cacife de intenções de voto deve
levar a campanha a evitar ainda mais o confronto. (l. 53-56) - Trecho extraído do editorial
A largada – 13/10/2002 - (anexo X).
Em (19) e (20) são feitas previsões a respeito das estratégias que seriam usadas no
Horário Eleitoral Gratuito que se iniciaria no dia subseqüente. As sugestões apresentadas no
jornal com o uso das locuções verbais é provável e deve levar indicam marcas modais
epistêmicas novamente combinadas com a modalidade intersubjetiva, já que os trechos
novamente apontam a sugestão por parte do enunciador de que a campanha de Serra será mais
agressiva e que a de Lula deve permanecer branda.
(21) “Lula parece comportar-se como se eleito estivesse” (l. 57-58) - Trecho extraído do
editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).
(22) “Mas o fato inequívoco é que nada ainda está decidido. Grandes viradas na política
125brasileira já ocorreram no passado recente” (63-66) - Trecho extraído do editorial A
largada – 13/10/2002 - (anexo X).
(23) “Em vez de tratar o resultado das eleições como favas contadas, cabe esperar o
desenrolar do jogo, pois ainda há lances decisivos a serem jogados” (l. 66-70) - Trecho
extraído do editorial A largada – 13/10/2002 - (anexo X).
No trecho (21) o jornal reforça a crítica ao comportamento de Lula. Em (22) e (23),
com sugestões que indicam o desejo do editoralista, sugere-se uma virada, como se fosse dito
ao leitor que “ainda” é possível reverter a situação. No segundo trecho, chama a atenção o
fato de o jornal negar o resultado da sua própria pesquisa quando ele desdenha do resultado.
Ainda nesse trecho, ao tratar a disputa como um jogo, prevê que “novos lances serão
colocados”, na tentativa de “virar o jogo”, marcas modais apreciativas usadas para estabelecer
proximidade com o leitor.
5.2.2.1.3 Um último olhar
Nesse editorial publicado a uma semana da eleição, a Folha propõe a análise da reta
final da campanha de José Serra, que intensificou os ataques a Lula. O jornal destaca a
comparação entre Lula e Hugo Chávez, o despreparo de Lula e sua atitude de se poupar de
confrontos, como observamos no trecho (24):
(24) “A propaganda da chapa governista se pautou, nos últimos dias de campanha, pelos
ataques sistemáticos e cada vez mais fortes a Lula e ao PT. Os serristas, de modo geral,
procuraram despertar o temor da população a respeito de uma futura administração
petista, atribuindo despreparo a Lula e a seu partido, sugerindo comparação entre o que
ocorre na Venezuela de Hugo Chávez e o que poderia ocorrer no Brasil de Lula e
criticando o petista por furtar-se aos debates diretos entre presidenciáveis”- (l. 17-30) –
Trecho extraído do editorial Dias de decisão - 20/10/2002 - (anexo Y).
126Contudo, no trecho (25) se reconhece que as estratégias não estavam surtindo o efeito
necessário. Observamos a marca modal epistêmica: é possível aventar a hipótese para
atenuar suas conclusões a respeito do fato percebido.
(25) “Mas essa estratégia radical de Serra parece não ter comovido o eleitor a mudar a
decisão de voto. É possível, inclusive, aventar a hipótese de que a ‘campanha negativa’
se tenha voltado contra o próprio Serra, impedindo que o candidato governista subisse
na preferência do eleitorado e, até, fazendo com que a diferença em favor a Lula
aumentasse” – (l. 30-40) – Trecho extraído do editorial Dias de decisão - 20/10/2002 -
(anexo Y).
Em (26) o enunciador critica o descaso da campanha de Lula aos confrontos com os
adversários. Ele qualifica a campanha como festiva e avessa a confrontos.
(26) “Vale lembrar que a campanha de Lula, afora um ou outro episódio isolado,
manteve-se na linha ‘festiva’, repleta de cantigas e de imagens de confraternização e
avessa a confrontos”- (l. 40-45) – Trecho extraído do editorial Dias de decisão - 20/10/2002
- (anexo Y).
Nos trechos (27) e (28) o jornal avalia a campanha sob a ótica da campanha de Serra.
Usando marcas modais epistêmicas, como o verbo parecer, e as expressões é bastante
provável e pode estar, o enunciador atenua a avaliação negativa que faz da campanha de
Serra e do cenário político de modo geral.
(27) “A favor de Lula, parece prevalecer um sentimento plebiscitário neste segundo
turno sobre os oito anos de governo FHC – por mais que a campanha de Serra tenha
lutado para evitar que o confronto ganhasse essa conotação”(l. 56-62) – Trecho extraído
do editorial Dias de decisão - 20/10/2002 - (anexo Y).
(28) “É bastante provável que o público esteja enxergando o confronto entre Lula e
Serra como o da mudança contra a continuidade. E a continuidade – em meio a uma
127drástica crise financeira – pode estar sendo duramente punida” (l. 71-73) – Trecho
extraído do editorial Dias de decisão - 20/10/2002 - (anexo Y).
(29) “É preciso aguardar o veredicto das urnas depois de uma semana que contará com
um debate na TV e que ainda pode reservar surpresas” (l. 94-97) – Trecho extraído do
editorial Dias de decisão - 20/10/2002 - (anexo Y).
O trecho (29), de editorial publicado no segundo turno, encerra uma análise feita
acerca das campanhas de Lula e Serra em que o jornal chega a admitir que as estratégias de
Serra não estavam surtindo efeito. Contudo, novamente o enunciador expressa sua esperança
na alteração dos resultados, tentando sugerir ao leitor que os fatos poderão reverter a disputa,
uma marca modal intersubjetiva.
5.2.2.2 A pesquisa segundo os articulistas
Em concordância com o corpo editorial, destacamos trechos de artigos opinativos
publicados simultaneamente aos editoriais selecionados.
Em (30) o articulista explica o cenário desenhado pela pesquisa em tom crítico à Lula.
Ele usa de marcas modais apreciativas para qualificar de forma pejorativa a postura do
candidato, ironizando a forma de apresentação e moldagem do presidenciável.
(30) “Pois bem: o Datafolha que este jornal publica hoje mostra que o eleitor está
condenando Serra e que Luiz Inácio Lula da Silva passeia garbosamente o seu novo
revestimento (‘teflon’), no qual resvala, mas não gruda nenhum torpedo” - (l. 13-19) –
Trecho extraído do artigo Pensando o impensável – 22/09/2002 - (anexo I).
No trecho em seqüência (31) o mesmo articulista tenta persuadir o leitor sobre sua
vontade de que os resultados de sondagens possam se alterar. Os termos valorativos: é óbvio e
é sempre bom repetir reforçam a presença da marca modal intersubjetiva.
(31) “Não quer dizer, é obvio, que Lula vá liquidar o jogo já no primeiro turno, embora
128esteja muito perto. Nem quer dizer que Lula ganhará no segundo turno. Pesquisa, é
sempre bom repetir, é o instantâneo de um momento, não o fim da história” - (l. 20-27) –
Trecho extraído do artigo Pensando o impensável – 22/09/2002 - (anexo I).
Os trechos (32) e (33) inserem, a exemplo dos editoriais, a questão econômica no
cenário eleitoral. As marcas apreciativas enorme agitação do mercado e nervosismo ainda
maior (em referência ao mercado) são usadas para pressionar o leitor a respeito da crise
financeira, combinando-as com a marca modal intersubjetiva.
(32) “É esse o cenário desenhado de um lado pela pesquisa Datafolha, cujos números
principais o leitor já viu na capa do jornal de hoje, e, de outro, pela semana de enorme
agitação nos mercados, que levou o dólar a um novo recorde, próximo a R$ 4” - (l.9-15)
– Trecho extraído do artigo Muitas e fortes emoções – 29/09/2002 - (anexo O).
(33) “2 – Como é pouco razoável supor que Lula caia nas pesquisas a serem
eventualmente divulgadas no início da semana, o mercado reagirá com nervosismo
ainda maior à perspectiva de vê-lo eleito já. Continuará pois exibindo a “ganância
infecciosa” nele apontada por Pedro Malan, uma descoberta, aliás, feita com atraso de pelo
menos um século” - (l.29-38) – Trecho extraído do artigo Muitas e fortes emoções –
29/09/2002 - (anexo O).
No trecho (34), mais uma vez o enunciador pressiona o leitor a respeito de suas
convicções. Fazendo analogia com batalha, ou guerra todos os tiros (...) terão de ser
disparados, ou com o ditado popular perdido por perdido, truco, ele declara claramente a
necessidade de ações “maquiavélicas” para se atingir os objetivos. Dessa forma, a modalidade
intersubjetiva é a predominante nesse recorte.
(34) “1 - Todos os tiros remanescentes terão de ser disparados contra o líder nas
pesquisas. Suspeito que todas as considerações de marketeiros, de assessores, de candidatos,
etc., serão postas de lado em nome do ‘perdido por perdido, truco’” - (l.22-28) – Trecho
129extraído do artigo Muitas e fortes emoções – 29/09/2002 - (anexo O).
5.2.2.3 Considerações
As sondagens eleitorais são tratadas com uma subjetividade explícita pela parte
opinativa do jornal. Editoriais e artigos sobre essa temática se pautam pela probabilidade de
uma “virada” nos resultados apontados.
Sob a luz da Análise do Discurso, compreendemos que o corpo editorial da Folha
efetiva um trabalho ideológico ao transmitir um sentido construído em favor de José Serra. A
posição parcial, que muitas vezes está velada em textos informativos publicados pelo diário,
dessa vez está explícita no editorial, apesar do corpo editorial afirmar-se como neutro.
Mesmo se tratando de um texto publicado na sessão opinativa do jornal, no qual se
tem uma opinião emitida sobre um assunto, existe a ausência das marcas do sujeito
enunciador o que, segundo Fairclough (2001), pode trazer ao leitor uma certa dúvida sobre a
visão dos editores. Ela representa um ponto de vista universal, individual ou da organização?
Ao publicar, portanto, um ponto de vista em favor de uma das partes, a Folha, mais
uma vez, coloca-se numa posição parcial em relação à temática das eleições, porque defende
seus interesses, influencia e auxilia na construção do cenário político que possa favorecer-lhe.
5.2.3 “O Fator Lula” e a ameaça do Mercado Financeiro
Um dos temas mais pautados pela imprensa nas eleições 2002 foi a crise do mercado
financeiro. A questão econômica, como já dissemos anteriormente, além de estar presente nos
cadernos especializados em Economia, tomou conta também das primeiras páginas do jornal
e, de modo especial, do caderno Especial Eleições 2002 na Folha de S. Paulo.
O agravamento da crise econômica com a alta da moeda americana e a elevação do
risco-país - termo do economês muito explorado por toda os meios de comunicação brasileiros
130-, foi, sobretudo, associado ao que o diário chamou de “incerteza política” brasileira, atribuída
em alto grau a Lula e, de modo mais brando, aos outros candidatos de oposição no primeiro
turno; e de forma intensa a Lula no segundo turno.
Demonstrada como um elemento imprescindível na política pela Folha, a questão
econômica e os fatores a ela associados, perpassaram artigos, colunas, editoriais e notícias
jornalísticas do período, na grande maioria das vezes, cercados por previsões e comentários
negativos, especialmente quando associados ao resultado das sondagens sobre as intenções de
votos.
5.2.3.1 Previsões “sangrentas”
Selecionamos, do período proposto, trechos de dois textos opinativos do colunista
Vinicius Torres Freire publicados em dois domingos subseqüentes do 1º turno, e que fazem
previsões negativas sobre o mercado, caso Lula vença as eleições.
(1) “O mercado quer sangue, que já está correndo. Deve correr mais. Este jornalista
ouviu banqueiros e diretores de cinco bancos nos últimos seis dias” – (l. 1-5) – Trecho
extraído do artigo: O ataque final dos mercados contra Lula, 20/09/2002 - (anexo K).
(2) “(...) essas pessoas descreviam com calma o tumulto financeiro que racionalmente
podem provocar caso o sucesso de Luiz Inácio Lula da Silva se confirme” – (l. 9-13) –
Trecho extraído do artigo: O ataque final dos mercados contra Lula, 20/09/2002 - (anexo K).
Logo na primeira oração do primeiro trecho (1), o jornalista lança mão do terror e do
sensacionalismo. Usa o estilo metafórico para despertar interesse e dar noção ao leitor sobre a
gravidade do assunto. Fala de sangue associado à tragédia (a crise financeira), como se o
mercado financeiro fosse o “terrorista” potencial. Nesse sentido, temos o interdiscurso, pois o
enunciador usa como recurso o discurso do terrorismo.
Na segunda oração lança uma previsão: a crise vai piorar. Todos os trechos combinam
131a modalidade intersubjetiva, pela pressão feita sobre o leitor de modo a convencê-lo de que o
país está vivenciando uma “terrível” crise, uma constatação que não é do jornalista, mas de
especialistas, pessoas da área econômica, ou seja, fontes fidedignas.
São essas fontes que aparecem, ainda, no trecho seguinte (2) alertando a respeito da
crise caso o sucesso de Lula da Silva se confirme; uma oração assertiva hipotética, que traz
como seqüência um enunciado no qual observamos o uso da antítese com as palavras: calma,
tumulto e racionalmente. Recorrendo a figura de linguagem, o jornalista procura advertir
que suas fontes já calculam friamente como reagirão caso Lula vença as eleições.
(3) “Agora, depois de o PT entregar, ao menos retoricamente, os anéis e os dedos, o
mercado quer as mãos e os braços. Os bancos estão ansiosos para saber quem vai tocar o
barco furado da economia caso Lula vença” – (l. 22-30) – Trecho extraído do artigo: O
ataque final dos mercados contra Lula, 20/09/2002 - (anexo K).
(4) “A demonização de Lula da Silva, a especulação típica de períodos de volatilidade e
incerteza e a tormenta financeira mundial, tornaram-se mais agudas nas duas últimas
semanas” – (l. 1-5) – Trecho extraído do artigo: Gerente da crise e administrador do caos,
27/09/2002 - (anexo N).
Em (3) e (4), novamente o enunciador usa metáforas. Em (3) dirige-se ao PT, fazendo
alusão à mudança de postura do partido que, agora, fez trocas e concessões para conquistar o
mercado (e o eleitorado). Ironiza quando afirma ser uma postura apenas do âmbito discursivo
e, finalmente, associa a direção da política econômica a um barco furado se Lula vencer as
eleições. Temos a marca apreciativa de valor negativo associada novamente a uma marca
assertiva hipotética.
No trecho seguinte (4) fala, outra vez, da crise usando expressões como tormenta para
definir o período que ele chama de volátil e incerto, graças à demonização de Lula, um
termo usado para associar o presidenciável ao negativo, ao mal. Todas essas marcas são
132valorativas e, portanto, combinam com a modalidade apreciativa.
A seguir, nos trechos (5) e (6), o colunista usa de períodos assertivos afirmativos para
validar suas ‘teorias conspiratórias”.
(5) “Mas há promessa firme de tumulto financeiro caso um eventual governo Lula ‘não
entregue’ o que o mercado acha que ele prometeu. Indefinição é incerteza, é mais risco, é
juro alto, é real no chão.” – (l. 95-101) – Trecho extraído do artigo: O ataque final dos
mercados contra Lula, 20/09/2002 - (anexo K).
(6) “Mas o ‘fator Lula’ voltou com tudo, assim como os mercados e a economia voltaram a
entrar em parafuso. Vamos ter meses infernais” – (l. 96-110) – Trecho extraído do artigo: O
ataque final dos mercados contra Lula, 20/09/2002 - (anexo K).
Em (5) ele argumenta que a equipe de Lula não satisfaz as exigências do mercado, daí
a expressão indefinição combinada com outras marcas apreciativas do economês de alto valor
axiológico negativo como incerteza, risco, juro alto, real no chão para definir o período.
Em (6) o autor atribui os rumos financeiros ao “fator Lula” e prevê que os meses
eleitorais serão infernais. O peso da expressão meses infernais indica uma pressão sobre o
leitor para acontecimentos muito negativos, prejudiciais ao crescimento do país do ponto de
vista econômico.
As previsões ainda aparecem em (7), mas com a predominância da modalidade
assertiva hipotética, quando novamente o articulista lança uma hipótese:
(7) “O choque terá de ser radical, tanto mais radical se Lula da Silva for eleito” – (l. 85-
87) – Trecho extraído do artigo: Gerente da crise e administrador do caos, 27/09/2002 -
(anexo N).
Nos três trechos a marca modal intersubjetiva prevalece combinada com a modalidade
apreciativa, na medida em que o colunista expõe seus argumentos para persuadir, convencer o
leitor dos problemas que o país encontrará se a hipótese de que Lula seja eleito se confirmar.
133A seguir, observamos algumas impressões a respeito da equipe do PT:
(9) “O PT tem ‘economistas profissionais’ (poucos, é verdade. Não tem quadros internos
prontos e bastantes para ocupar a burocracia econômica. Não tinham nem para ocupar
a Prefeitura de São Paulo).” – (l. 74-80) – Trecho extraído do artigo: O ataque final dos
mercados contra Lula, 20/09/2002 - (anexo K).
(10) “Enfim, após tanta dificuldade para ganhar a eleição, é difícil acreditar que
entregariam a rapadura tão rápido, fazendo loucuras econômicas, de resto assumindo o
governo numa situação que, a princípio, impede qualquer ação muito distante da
ortodoxia.” – (l. 86-94) – Trecho extraído do artigo: O ataque final dos mercados contra
Lula, 20/09/2002 - (anexo K).
No trecho (9) o autor lança mão da ironia para desqualificar o PT. A oração entre
parênteses, com marcas modais assertivas negativas, é usada para justificar a ausência de
profissionais capazes dentro do PT para administrar a economia quando governo.
Em (10), o enunciador recorre à modalidade epistêmica para explicitar a ausência de
certeza, a dúvida quanto à condução do governo pelo PT, observadas pelo uso da expressão: é
difícil acreditar e pelo verbo entregariam, embora o próprio autor acredite que a condução
da situação econômica não possibilitaria muitas manobras fora daquilo que “reza as cartilhas”.
O enunciador usa a expressão idiomática (entregar a rapadura) para ironizar a postura
do eventual governo petista de não reconhecer-se como vencido, de não desistir de um projeto
(não entregariam a rapadura), uma marca modal epistêmica, por indicar fatos possíveis
acerca das atitudes do eventual governo do PT.
5.2.3.2 Notícias: o fantasma do mercado
As notícias e notas trazidas em seqüência também estão relacionadas
predominantemente com a questão do mercado financeiro. São informações sobre as
134estratégias de Lula para conter a crise financeira (claramente a ele associadas), a forma como
a campanha de Serra conduziu a questão nos 1º e 2º turnos e a publicação de opiniões de
representantes do FMI e da imprensa internacional.
Vale destacar, contudo, que durante todo o período eleitoral, a Folha trouxe notícias
destacando que o problema não estava diretamente ligado ao candidato em especial, mas à
conjuntura mundial, como o trecho abaixo que traz a opinião de um representante que fala
pelo Fundo Monetário Internacional a respeito das eleições no Brasil:
(1) ‘“O Fundo mostrou sua disposição de trabalhar com qualquer governo
comprometido com políticas econômicas sólidas, evitando, ao mesmo tempo,
interferência externa no processo democrático’, disse” - – (l. 15-21) – Trecho extraído da
matéria: FMI critica pessimismo de investidores, 20/09/2002 - (anexo J).
No entanto, com maior predomínio, as notícias destacavam a crise financeira como um
sintoma das pesquisas eleitorais de intenção de voto para Lula, mas, sem dúvida, vale ressaltar
que estas últimas ganharam mais destaque, como nos textos selecionados para discussão a
seguir e que serão apresentados por temas e subdivididos pelo período (1º e 2º turnos):
5.2.3.2.1 As estratégias do PT – 1º turno
(2) “O PT prepara mais um antídoto para a desconfiança do mercado em relação a Luiz
Inácio Lula da Silva. Trata-se de um documento em elaboração com representantes do
mercado de capitais.” - (l. 1-6) – Trecho extraído da matéria: PT prepara texto conjunto com
a Bolsa para conter ira do mercado, 20/09/2002 - (anexo H).
(3) “São ações em linha com o marketing petista de vender Lula como um negociador
responsável, que não faria mudanças bruscas na economia” – (l. 41-45) – Trecho extraído
da matéria: PT prepara texto conjunto com a Bolsa para conter ira do mercado, 20/09/2002 -
(anexo H).
135Observamos, pela leitura da matéria, que o PT assumiu a eleição de Lula como um
fator contagiante na crise do mercado e, por esse motivo, o partido estava planejando ações
para reverter à situação, um tema com alto valor de noticiabilidade e que ganhou capa do
caderno Eleições 2002.
Em (2) o jornal qualifica o documento elaborado pelo partido para conter a crise
financeira como mais um antídoto, aludindo a mais uma estratégia fabricada em favor do
candidato. Posteriormente, a Folha explica que o documento parte de especialistas do
mercado, aqueles mesmos que possuem desconfiança sobre Lula. As marcas modais
apreciativas combinam, nesse período, com a modalidade assertiva, exprimindo certeza
quanto à veracidade das informações divulgadas.
No trecho seguinte (3) o enunciador se posiciona em relação ao documento elaborado
pelo PT como “ações de marketing para vender” uma imagem do candidato. Nessa parte
vemos a marca modal assertiva afirmativa, combinada com a modalidade apreciativa por
existir uma qualificação opinativa a respeito das estratégias (ações em linha com o
marketing). No mesmo trecho ainda existe uma marca modal epistêmica, com o verbo faria
indicando uma ausência de certeza em relação à atitude do presidenciável.
5.2.3.2.2 A crise econômica e Serra – 1º turno
Abaixo, selecionamos alguns trechos de notícias publicadas pela Folha sobre a postura
de José Serra a respeito do tema crise econômica no primeiro turno:
(4) “Mas candidato evita relacionar diretamente turbulência do mercado econômico à
situação de Lula nas pesquisas” – (linha fina) – Trecho extraído da matéria: Serra liga alta
do dólar à tensão pré-eleitoral, 20/09/2002 - (anexo J).
(5) “Questionado sobre o fato de a crise ser atribuída a estabilidade de Lula nas
pesquisas de intenção de voto, o tucano foi evasivo. Disse que isso é uma questão para
136‘analistas de mercado’, não para um candidato a presidente. ‘Sou candidato, não sou
analista econômico, apesar de economista’” – (l. 16-24) – Trecho extraído da matéria: Serra
liga alta do dólar à tensão pré-eleitoral, 20/09/2002 - (anexo J).
(6) “A cautela de Serra faz parte da estratégia do PSDB, cuja ordem é expor os petistas
a contradições em seus discursos, mas preservando a imagem do tucano, que teme ser
prejudicado por parecer agressivo com o rival” – (l. 25-31) – Trecho extraído da matéria:
Serra liga alta do dólar à tensão pré-eleitoral, 20/09/2002 - (anexo J).
O primeiro trecho destacado (4), a linha fina, é um atenuante do título da matéria. Isso
pode ser observado na conjunção mas. Dessa forma, a Folha vai construir o texto declarando
que José Serra não fez ataques diretos aos adversários.
No trecho seguinte (5) o enunciador qualifica o candidato José Serra como evasivo
pela sua postura de não confirmar a pergunta formulada pelo jornalista, uma marca modal
apreciativa. O trecho é construído com afirmações do presidenciável, usando primeiramente a
intertextualidade e terminando com uma citação do candidato nas quais se combinam marcas
assertivas afirmativas e negativas e que termina com o atenuante apesar, usado pelo
presidenciável para destacar seu know-how sobre o assunto.
Em seqüência (6) temos a explicação sobre a estratégia de José Serra de manter-se fora
de discussões sobre a questão econômica. O enunciador parece concordar com a estratégia do
PSDB de expor as contradições do discurso do PT ao se posicionar de forma assertiva
afirmativa. O atenuante mas volta a aparecer no texto para afirmar que Serra está preservando
sua imagem, justamente porque o candidato ganhou “fama de agressivo” por atacar seus rivais
no primeiro turno, em especial, Ciro Gomes.
5.2.3.2.3 A crise econômica e Serra – 2º turno
A mudança de atitude de Serra, muito mais agressivo no 2º turno, parece ter ganhado o
137apoio da Folha de S. Paulo. Muito atrás nas pesquisas de intenção de voto, o candidato passou
a atribuir a crise econômica diretamente a Lula e relacioná-lo aos presidentes da Venezuela,
Hugo Chávez, que na ocasião enfrentava problemas com a opinião pública daquele país e
estava em evidência nos meios de comunicação internacionais; e da Argentina, Fernando de
La Rúa, que levou aquele país a uma das maiores crises já vividas.
No dia 11 de outubro de 2002, após o dólar chegar à casa dos R$ 4, a capa da Folha
publicou a seguinte manchete: “Mercado testa BC, e dólar bate em R$ 4”, com uma chamada
de capa explicativa:
(7) “A seca de empréstimos externos para o Brasil, devido à crise global, ao baixo
crescimento do país e à incerteza política detonou a alta do dólar no ano.” – (l. 26-30) –
Trecho extraído da matéria: Mercado testa BC, e dólar bate em R$4, 11/10/2002 - (anexo S).
Em (7) o jornal caracteriza o período eleitoral como de “incerteza política”. Essa
expressão, embora não relacionada diretamente no texto a qualquer dos candidatos, tem
relação direta a Lula se observarmos a distribuição das notícias na primeira página da Folha
(v. anexo S), que traz ao lado da manchete duas chamadas de notícias do caderno Especial
Eleições 2002 em que Serra faz acusações a Lula:
(8) “O candidato à Presidência José Serra (PSDB) afirmou, durante ato em Goiânia, que o
Brasil corre risco de virar ‘uma Venezuela caso o petista [Lula] seja eleito.’” Trecho
extraído da chamada: Com Lula, Brasil vira Venezuela, diz tucano, 11/10/2002 - (anexo S).
(9) “O candidato do PSDB a presidente, José Serra, desafiou Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
para um debate sobre o dólar. Questionado, o petista disse: ‘Isso tem que perguntar para o
Armínio’” – (l. 1-8) – Trecho extraído da chamada: Escalada do câmbio gera outro
confronto, 11/10/2002 - (anexo S).
Em (8), pela voz do outro (José Serra), o jornal coloca sua forma de pensar. O trecho
traz a modalidade assertiva (afirmou) e a modalidade intersubjetiva ao enunciar: o Brasil
138corre o risco, explicitando uma opinião em relação ao futuro político do país.
No trecho (9) temos outra chamada relacionada a José Serra a respeito de Lula. Desta
vez o jornal usa o verbo desafiar, para sugerir o duelo entre os oponentes, e tenta trazer a
noção de que Lula está “fugindo” do debate sobre o tema, justificada com uma colocação feita
pelo próprio candidato.
Nos dois recortes encontramos o predomínio da marca modal intersubjetiva, que
recobre a pressão do enunciador em relação ao seu enunciatário, convencendo sobre suas
posições.
Após observar a primeira página, vamos aos trechos das notícias apresentadas pelo
jornal:
(10) “O candidato à Presidência José Serra (PSDB) deu início à campanha do segundo turno
pelo país ontem em Goiânia acusando seu adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de
‘arrogante’ e alertando para o risco de o Brasil se transformar em uma Venezuela caso o
petista seja eleito. Tucanos e pefelistas aliados que participaram do evento também
fizeram discursos duros contra o PT” – (l. 1-13) - Trecho extraído da matéria: Serra ataca e
diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer, 11/10/2002 - (anexo T).
O trecho (10) mostra como a Folha se apropria do discurso de José Serra para acusar
Lula. Trata-se do lide da matéria sobre a cobertura de um comício do presidenciável do
PSDB. O jornalista remete ao local do discurso com o dêitico de tempo ontem e retoma o
contexto com suas próprias palavras, mas a partir do discurso de Serra. As marcas
apreciativas tucanos e pefelistas resgatam a união da base aliada de José Serra, formada por
parte do PFL.
Expressões como adversário e arrogante são marcas modais apreciativas de Lula. O
trecho: ‘caso Lula seja eleito’ combina com a modalidade assertiva hipotética para afirmar
que o país “corre o risco de” se transformar no país vizinho, uma marca modal epistêmica,
139pois exprime ausência de certeza. Venezuela, nesse sentido, é uma palavra de valor
axiológico extremamente negativo, remetendo o leitor aos problemas que aquele país vem
enfrentando em razão do seu presidente.
(11) “No país vizinho, a população foi às ruas ontem para pedir que o presidente Hugo
Chávez – que tem afinidades com Lula e enviou um presente ao petista nesta semana
para cumprimentá-lo pelas eleições no Brasil – convoque eleições gerais imediatamente.”
– (l. 29-36) - Trecho extraído da matéria: Serra ataca e diz que país pode virar Venezuela se
Lula vencer, 11/10/2002 - (anexo T).
Aqui, o enunciador contextualiza a situação na Venezuela e abre um aposto, para
resgatar a afinidade de Lula a Hugo Chávez. Todo o trecho combina a modalidade assertiva,
pela validação da informação, à modalidade intersubjetiva, uma vez que sugere ao leitor a
ligação, a afinidade de Lula com o presidente venezuelano.
(12) “‘Nós prometemos o realismo; e ele, o delírio”. Para ele, “o eleitor vai escolher se o
próximo presidente vai ser Juscelino Kubitschek ou Fernando de La Rúa’, em
referência ao ex-presidente argentino” – (l. 50-55) - Trecho extraído da matéria: Serra
ataca e diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer, 11/10/2002 - (anexo T).
Nesse trecho selecionado (12) vemos, na transcrição do discurso do senador Arthur
Virgílio, marcas de sujeito com o dêitico nós, incluindo-se ao grupo de apoio a José Serra e
trazendo uma menção direta a Lula, que não faz parte do processo comunicativo (ele). Após,
o discurso relaciona José Serra a JK, presidente lembrado pelo estilo desenvolvimentista e
Lula ao presidente argentino Fernando de La Rúa, esquerdista, que marcou um período de
crises na Argentina. Os nomes dos presidentes também possuem peso axiológico pelo
significado remetido à lembrança do enunciatário sobre os “feitos” realizados durante os
governos dos mesmos.
(13) “O pefelista Ronaldo Caiado também criticou Lula. ‘Aquele homem não fala o que
140pensa. Fala o que o seu marqueteiro manda. Ele não sabe governar’” – (l. 70-74) - Trecho
extraído da matéria: Serra ataca e diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer,
11/10/2002 - (anexo T).
Novamente o enunciador se apropria da fala da base aliada de Serra para criticar as
estratégias de marketing político de Lula e a falta de experiência do candidato, percebemos o
predomínio da modalidade intersubjetiva, já que busca sugerir ao leitor um perfil negativo de
Lula.
(14) “Depois do evento, Serra comentou a alta do dólar dizendo que é uma alta
especulativa. ‘É uma especulação devido à tensão pré-eleitoral. Para acalmar o mercado,
posso dizer que, se for eleito, vou baixar o dólar’” – (l. 63-69) - Trecho extraído da matéria:
Serra ataca e diz que país pode virar Venezuela se Lula vencer, 11/10/2002 - (anexo T).
Nesse trecho (14) o autor retoma o tempo e lugar da enunciação (depois do evento),
mostrando um comentário do candidato, agora menos inflamado, em que opina sobre a alta do
dólar, desta vez não a relacionando ao oponente, mas qualificando como especulação e
tensão eleitoral. A modalidade intersubjetiva aparece quando o enunciador sugere, com as
palavras do próprio candidato, que Serra vai baixar o dólar, se eleito.
(15) “A estratégia tucana prevê trazer novamente ao debate eleitoral os supostos riscos
econômicos de uma vitória da oposição” – (l. 27-30) - Trecho extraído da matéria: Serra
usa alta do dólar para desafiar Lula, 11/10/2002 - (anexo U).
(16) “Coordenador do programa de governo de Serra, o economista Gesner Oliveira,
disse que a vitória do tucano representará um ‘choque de credibilidade’ cuja
conseqüência imediata será a queda do dólar, o que permitirá ao país ‘poupar valiosos
recursos’” – (l. 86-94) - Trecho extraído da matéria: Serra usa alta do dólar para desafiar
Lula, 11/10/2002 - (anexo U).
Essa matéria, que tem como mote as declarações de Serra sobre a alta do dólar,
141mostra, mais uma vez, o sentido construído pela Folha a respeito das eleições, indicando sua
preferência por Serra. O título: “Serra usa alta do dólar para desafiar Lula” faz relação às
fugas de Lula quanto às investidas de Serra para o embate. No trecho (15) o jornal aponta que
a pauta a respeito dos riscos econômicos faz parte de uma estratégia eleitoral. Em (16),
usando a opinião do coordenador do Programa de José Serra como fonte, o jornal aponta a
vitória do candidato como a “melhor alternativa” para o país. Os verbos no futuro do presente
denotam a confirmação das promessas se Serra for eleito presidente.
Os dois trechos possuem a modalidade intersubjetiva como predominante, pela
estratégia de convencimento do leitor sobre a preferência da empresa jornalística.
5.2.3.2.4 Fontes de peso
Caras ao jornalismo, as fontes de informação conferem status e credibilidade às
notícias. Entre as poucas entrevistas publicadas pelo jornal no período, temos a de Antônio
Ermírio de Moraes, empresário respeitado e aliado do PSDB. A entrevista, ilustrada com uma
foto em que o empresário está com Fernando Henrique Cardoso (v. anexo V), foi publicada na
mesma edição da Folha de S. Paulo do dia 18 de outubro, cuja chamada para entrevista
aparece também na capa do jornal sob o título: “Deixar Serra é ‘covardia’, diz Ermírio” (v.
anexo S). Como observamos, essa edição deu grande espaço à ofensiva de Serra contra Lula.
Selecionamos alguns trechos:
(17) “O empresário Antônio Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim, sem citar
nenhum nome, classificou ontem de covardes os empresários que declararam apoio ao
presidenciável tucano, José Serra, no primeiro turno e passaram a apoiar Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) no segundo turno: ‘Tem muita gente covarde que já está pulando
para o outro lado. Mas isso é falta de caráter’”. (l. 1-12) – Trecho extraído da matéria
Ermírio ataca ‘covardes’ que mudam de lado - 11/10/2002 - (anexo V).
142(18) “Ele fez coro ao presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que no dia anterior
vinculou a tensão do mercado à falta de clareza das propostas dos candidatos à
Presidência” (l. 13-18) – Trecho extraído da matéria Ermírio ataca ‘covardes’ que mudam de
lado - 11/10/2002 - (anexo V).
No trecho (17) está em destaque a crítica de Moraes ao empresariado que se coloca em
favor de Lula. O recurso da intertextualidade com a fala do empresário comprova e reforça o
lide da matéria. Em (18) o enunciador associa a declaração de Moares à opinião de uma outra
fonte, Armínio Fraga, presidente do Banco Central, sobre a crise do mercado atrelada à
corrida eleitoral.
Em seguida vemos um trecho (19) em que o enunciador reformula a opinião do
empresário e lança o atenuante em parte para declarar que Antônio Ermírio de Moares não
associou a alta do dólar apenas ao cenário eleitoral.
(19) “Para o empresário, apenas ‘em parte’ pode se atribuir a subida do dólar ao efeito
da eleição presidencial: ‘Não é o caso de Lula, não. O mundo inteiro está apavorado, e
ponto final’”(l. 43-48) – Trecho extraído da matéria Ermírio ataca ‘covardes’ que mudam de
lado - 11/10/2002 - (anexo V).
Novamente o enunciador reafirma a posição de aliado de Ermírio de Moraes, que se
coloca como um eleitor de Serra mesmo com os resultados anunciados pelas pesquisas.
(20) “Em relação a Serra, o empresário avaliou como ‘difícil’ a chance dele vencer a
disputa contra Lula: ‘Acho que não é fácil. Mas acho que...Eu vou votar no Serra. Não
vou virar a casaca, né?”’ (l. 59-63) – Trecho extraído da matéria Ermírio ataca ‘covardes’
que mudam de lado - 11/10/2002 - (anexo V).
A expressão não vou virar a casaca, né?, de Moraes, parece sugerir ao leitor para que
mantenha seus propósitos, assim como o empresário.
1435.2.3.2.5 O “outro lado”
(21) “Mercadante chamou de ‘terrorismo’ a atitude do governo, que atribui à expressiva
votação obtida por Lula e outros oposicionistas no primeiro turno” – (l. 59-63) - Trecho
extraído da matéria: Serra usa alta do dólar para desafiar Lula, 11/10/2002 - (anexo U).
(22) “O prefeito de Aracaju, o petista Marcelo Deda, rebateu as críticas de Serra e
classificou de ‘terrorismo retórico’ a insinuação de que, num governo Lula, o Brasil
pode virar uma Venezuela” – (l. 76 - 81) - Trecho extraído da matéria: Serra ataca e diz que
país pode virar Venezuela se Lula vencer, 11/10/2002 - (anexo T).
Esses dois trechos mostram a estratégia de defesa do lado do PT sobre as acusações de
Serra nas duas notícias publicadas no dia 11 de outubro. Apesar do espaço dado ao “outro
lado”, entendemos que o destaque não foi feito de forma equilibrada, como ditam os
princípios do jornal. O espaço destinado para rebater as críticas são muito menores e
aparecem no “pé” das matérias (v. anexo T).
Os dois trechos usam do argumento de que os oponentes fazem “terrorismo eleitoral”
contra Lula, uma marca apreciativa. Em um dos trechos (21) a acusação não parte apenas da
equipe de Serra mas também do governo.
5.2.3.2.6 O caso da bandeira vermelha
No trecho a seguir o enunciador usa o recurso da intertextualidade manifesta e
constitutiva (interdiscurso) para produzir uma notícia sobre a letra da música da campanha de
José Serra. O discurso entre aspas é uma forma de indicar ao leitor que o sentido advém de
outra fonte, tornando o jornal isento de sua concepção. Entretanto, cabe destacar, a partir dos
conceitos de Fairclough (2001), que a intertextualidade é uma representação do que foi dito e
que merece ser notícia. Nesse caso, aponta para uma convenção pré-existente, altamente
ideológica, que faz uma ligação sócio-histórica do Partido dos Trabalhadores à “onda
144comunista”, daí a interdiscursividade presente também nesse enunciado.
(23) “O horário eleitoral de José Serra no rádio e na TV, ontem, subiu ainda mais o tom dos
ataques ao PT. A principal novidade foi um jingle insinuando que votar em Lula seria
trocar a cor da bandeira do Brasil. ‘Muda meu país, mas não muda de bandeira, aonde
é verde amarela, ela não é vermelha’, diz a letra da música, em referência à cor símbolo
do PT” – (l. 1-11) - Trecho extraído da matéria Tucano liga PT a troca da cor da bandeira,
18/10/2002 - (anexo W).
5.2.3.2.7 Torcendo pelo segundo turno
Selecionamos dois recortes em que a Folha faz previsões a respeito do segundo turno
das eleições 2002. Em todos os trechos o jornal deixa evidente a possibilidade de que a
candidatura de Lula deve se enfraquecer ou mudar de rumos, no caso de não liquidar as
eleições no primeiro turno. Avaliamos que é intenção do enunciador exprimir ausência de
certeza, observada com o uso de termos como “pode causar” em (24), “obrigaria” e “seria”
em (25), marcas modais epistêmicas usadas para lançar uma nova conjectura ao período
eleitoral.
(24) “Se frustrada essa possibilidade, a realização do segundo turno pode causar danos
ainda não mensuráveis à candidatura Lula, que vinha embalada por adesões políticas e
empresariais não previstas em razão da possibilidade de vitória definitiva no pleito de hoje” -
(l. 15-22) – Trecho extraído da matéria PT concede quase tudo para ‘última cartada’ de seu
líder, 6/10/2002 - (anexo R).
(25) “Seja qual for o adversário, uma vitória na segunda etapa obrigaria Lula a ‘ceder
anéis’, na forma de mais ministérios para partidos que o apoiarem. Seria o ministério
possível, não o desejado”- (l. 90-95) – Trecho extraído da matéria PT concede quase tudo
para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).
145No trecho (26) o enunciador projeta o cenário eleitoral do segundo turno, contudo,
essa hipótese aparece combinada novamente com suposições do enunciador a respeito do
sentido criado, na medida em que acrescenta que esse cenário deve “esfriar” a participação
dos militantes e diminuir o apoio do empresariado, já que a maioria se colocaria pró-Serra.
Avaliamos o predomínio da marca modal epistêmica na construção textual combinada com a
marca modal intersubjetiva na medida em que é utilizada de forma persuasiva, ou seja, com o
objetivo de indicar, apontar uma idéia.
(26) “Enfrentar José Serra (PSDB) no segundo turno seria a comprovação da avaliação,
feita em documento interno no 12º Encontro Nacional do PT, em dezembro do ano passado,
de que Lula iria disputar a Presidência com um situacionista, mas poderá provocar
arrefecimento na militância, novo distanciamento de ao menos parte do empresariado e
pressões fortes do mercado financeiro” - (l. 51-57) – Trecho extraído da matéria PT
concede quase tudo para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).
5.2.3.3 Considerações
Um dos temas que recebeu o peso do valor-notícia nas Eleições 2002 na Folha, a crise
econômica e também todos os fatores a ela associados transformaram-se em manifesto
eleitoral a favor de José Serra. Apesar da publicação de algumas notícias que não associavam
a crise econômica à eleição de qualquer um dos candidatos de “oposição”, nesse jornal,
percebemos um predomínio dos enquadramentos noticiosos sobre a questão financeira
diretamente atribuída a Lula, de forma muito particular nos períodos que encerram o 1º turno
e durante todo o 2º turno.
Apesar de afirmar-se um jornal apartidário, percebemos uma intenção de manifestar
preferências, sejam elas explícitas na opinião dos articulistas/colunistas, sejam pela voz da
fonte da informação, como forma de manter os padrões de objetividade. Entendemos que foi
146estabelecida uma relação direta entre o “caos” financeiro e Lula, a “última cartada” para tentar
reverter os resultados apontados pelas sondagens.
Nesse sentido observamos a ação ideológica que o discurso do jornalismo impresso
exerce sobre a sociedade, ao construir um sentido para a interpretação da realidade da forma
que melhor lhe convém.
5.2.4 PT “cor de rosa” e “Lulinha paz e amor”
Apresentamos algumas leituras feitas pela Folha sobre as transformações do Partido
dos Trabalhadores, qualificada como “PT cor de rosa”, e sobre as estratégias traçadas para a
remodelagem do perfil de Lula, apelidada de “Lulinha Paz e Amor”, que também recebeu
notável enfoque nos meios de comunicação.
A seguir, selecionamos trechos de um artigo publicado na sessão Tendências e
Debates da Folha, fazendo uma leitura sobre o PT e sobre seu candidato à presidente.
Selecionamos esse texto porque notamos que há uma grande preocupação do diário em
transmitir ao leitor que o candidato do PT inspira o medo, ao expor de forma negativa
contradições e incoerências que norteiam a campanha de Lula e insinuando que o partido
possui até mesmo “uma afinidade com as FARC”, como declarado pelo articulista em um
dos trechos selecionados.
5.2.4.1 O partido das duas faces
Nos enunciados analisados, notamos a construção de uma imagem do candidato
supondo que todas as falas e ações de Lula não passam de estratégia eleitoral visando à sua
eleição. Para o articulista, o discurso petista foi remodelado com objetivo de “acalmar os
mercados” e encobrir suas contradições internas.
Em seqüência, alguns trechos em que observamos marcas lexicais que remetem a um
147julgamento negativo do candidato e de seu partido:
(1) “Os deslocamentos recentes do PT para o centro do espectro partidário suscitam questões
sobre o sentido dessa mudança de rumo. Pode-se, evidentemente, dizer que eles
correspondem a uma necessidade eleitoral”. (l. 1-7) - Trecho extraído do artigo Qual Lula?,
23/08/2002 - (anexo A).
(2) “Consideremos a hipótese, plausível, de que estamos presenciando um movimento de
“social-democratização” forçada do PT que reluta em dizer o seu nome”. (l. 16-20) -
Trecho extraído do artigo Qual Lula?, 23/08/2002 - (anexo A).
(3) “A vaguidade dos propósitos petistas, a generalidade das repostas às perguntas dos
jornalistas e a postura reiterada de nada esclarecer correspondem a uma finalidade de
cunho eleitoral demagógico”. (l. 56-61) - Trecho extraído do artigo Qual Lula?, 23/08/2002
- (anexo A).
Nos três trechos anteriormente apresentados o enunciador coloca em xeque a postura
atual do PT. O autor chama a atenção do leitor (eleitor) sobre a incoerência doutrinária do
partido e as mudanças adotadas visando a alcançar a vitória nas eleições. Em todos os trechos
percebemos uma tentativa de validar uma opinião construída sobre o partido, o que aponta
para a modalidade intersubjetiva.
No trecho (1) o verbo poder, de valor modal epistêmico, por lançar uma ausência de
certeza, ao combinar com a palavra evidentemente, usada para reforçar uma idéia, indicia,
também, uma marca modal intersubjetiva, já que aponta para uma pressão do enunciador ao
propor a idéia da existência de um falseamento no discurso do partido. Da mesma forma, a
palavra plausível, destacada no trecho (2), tem o mesmo valor modal intersubjetivo, pois
busca convencer o leitor a aceitar que a sua suposição de que o partido mascara uma realidade
é razoável, admissível.
Também destacamos marcas modais apreciativas para qualificar de forma negativa a
148postura do PT, como os termos necessidade eleitoral (1), movimento de ‘social-
democratização’ forçada (2), vaguidade dos propósitos e postura reiterada de nada
esclarecer correspondem a uma finalidade de cunho eleitoral demagógico (3).
Em seqüência, selecionamos os enunciados (4), (5) e (6) enfocando a chamada “ala à
esquerda” do PT, com a construção de um sentido que sugere ao leitor que essa corrente
deverá representar um perigo para o regime democrático brasileiro, caso o candidato do
partido vença as eleições presidenciais:
(4) “Paralelamente a esses processos de social-democratização forçada e de demagogia, um
outro processo está em curso, o da realização do projeto revolucionário das alas mais à
esquerda do partido”. (l. 75-79) - Trecho extraído do artigo Qual Lula?, 23/08/2002 -
(anexo A).
(5) “(...) movimento totalitário, a saber, aquele processo que conduz ao desmantelamento
do Estado, à abolição da democracia, visando à instalação de um regime que se pretende
revolucionário”. (l. 85-89) - Trecho extraído do artigo Qual Lula?, 23/08/2002 - (anexo A).
(6) “Sem falar no discurso anti-americano, anti-Alca e anti-FMI (...) d) relutância
extrema no cumprimento de ordens judiciais; e) ideologização da educação pública; f)
afinidade com as FARC; h) vinculação com o jogo do bicho, recuperando a velha
máxima de que os fins justificam os meios”. (l. 70-71; 97-106) - Trecho extraído do artigo
Qual Lula?, 23/08/2002 - (anexo A).
Ao emitir julgamento com enunciados assertivos, que procuram validar a informação,
e com palavras para qualificar o discurso com valor modal apreciativo tais como: projeto
revolucionário (4) e movimento totalitário (5), o articulista objetiva aliar o PT com as
FARC (guerrilha colombiana), com a ilegalidade, como o jogo do bicho e o Movimento dos
Sem Terra; este último, tratado em tom negativo pela mídia brasileira, que muitas vezes o
associa a movimentos de guerrilha.
149Além disso, o texto remete também à ligação do partido ao movimento “anti-
americano, anti-Alca e anti-FMI” (6), um fator muito negativo se retomarmos o contexto das
eleições, quando a questão da especulação da economia dominou a agenda do meios de
comunicação.
O enunciado “recuperando a velha máxima de que os fins justificam os meios”,
final do trecho (6), recorre à modalidade intersubjetiva, ao tentar persuadir o enunciatário que,
para o partido, o que interessa é ganhar as eleições a todo e qualquer custo.
Das marcas anteriormente analisadas desse artigo opinativo publicado pela Folha de S.
Paulo no período eleitoral, que demonstra uma visão explicitada por um especialista
(Professor Universitário de Filosofia), consideramos a existência de uma intenção em conferir
sentido negativo à construção da imagem do candidato do PT. Nesse texto, a generalização do
Partido dos Trabalhadores e a associação ao MST ou as FARC indicam o uso de estereótipos
e discriminação ao grupo (petistas), a quem mesmo inconscientemente, o leitor pode fazer
uma associação pejorativa.
Sob o contexto das eleições, o discurso ideológico representa a manutenção do status
quo. O que se observa é o mesmo discurso do medo no qual o candidato José Serra,
principalmente, iria se apoiar ao longo do período, com mais intensidade no final da
campanha eleitoral, na possibilidade de reverter os resultados apontados em pesquisas de
opinião pública.
5.2.4.2 A Entrevista: um só lado da moeda
Gênero que muito pouco aparece na imprensa brasileira, a entrevista também não foi
muito explorada durante as Eleições 2002. Dentre as poucas publicadas, temos uma entrevista
com o mesmo especialista que assinou o artigo anteriormente analisado, Denis Rosenfield,
que acabara de lançar um livro a respeito do partido. A entrevista, publicada no caderno
150Especial Eleições 2002, em 8 de setembro de 2002, ocupa quase toda a página e abre espaço
para expor uma crítica sobre os rumos do Partido dos Trabalhadores segundo a ótica do
entrevistado. Evidentemente, a opinião é assumida por um especialista e não pelo jornal.
Contudo, pelas notícias analisadas nesta dissertação, percebemos que a postura do diário
comunga com as idéias explicitadas pelo colunista.
Em seguida dois trechos preparados pelo jornal para introduzir o leitor à entrevista:
(1) “Para Denis Lerrer Rosenfield, partido precisa enfrentar sua divisão interna para
definir caminho que vai seguir” - (linha fina) – Trecho extraído da matéria: Filósofo aponta
falta de coerência no PT, 8/09/2002 - (anexo F).
(2) “Gaúcho, Rosenfield acompanha de perto a experiência do PT-RS – que comanda a
Prefeitura de Porto Alegre há 14 anos e o governo estadual há quatro –, do qual é um
crítico feroz” - (l. 23-28) – Trecho extraído da matéria: Filósofo aponta falta de coerência no
PT, 8/09/2002 - (anexo F).
No primeiro enunciado selecionado, o jornal atribui ao entrevistado uma opinião
expressa na linha fina, ao engatar o testimonial “Para Denis Rosenfield”, junto ao título do
texto. A oração assertiva, com o objetivo de validar uma informação, combina de modo
especial com a modalidade intersubjetiva, já que observamos o verbo precisar indicando uma
pressão sobre o sujeito do enunciado (partido).
Em (2) o enunciador marca a posição da fonte, ao qualificá-lo como gaúcho,
indicando a relação de proximidade dele com uma das principais cidades governadas pelo PT,
explicação que vem entre apostos no enunciado, de forma a situar o leitor. Outro termo
valorativo está em crítico feroz quando é estabelecida a posição do especialista em relação ao
tema. Nesse trecho existe um predomínio da modalidade apreciativa.
Bem ao lado da entrevista está publicado um box explicativo revelando que as
opiniões do entrevistado publicadas pelo jornal receberam críticas dos leitores (v. anexo F).
151Esse texto ainda traz uma pequena biografia da fonte, em que são apontadas a formação do
analista e os livros publicados e, também, onde o jornal afirma que o mesmo não tem filiação
partidária. Selecionamos uma pequena parte:
(3) “Freqüente colaborador de jornais, Rosenfield gerou várias reações de leitores com
artigos recentes na Folha, a maioria crítica. O filósofo, entretanto, afirma manter
separadas as suas atividades em sala de aula e as de analista político” (l. 6-14) – Trecho
extraído do box: Artigos de gaúcho causam reações críticas, 8/09/2002 - (anexo F).
Vale comentar que o jornal expõe, em box ao lado da entrevista, que o entrevistado
recebe críticas dos leitores por atacar o PT. Na explicação, o filósofo declara que é professor e
analista político.
5.2.4.3 A Agenda de Lula
Apresentamos duas matérias jornalísticas abordando a cobertura da candidatura de
Lula logo no início do primeiro turno eleitoral presidencial. A seleção de textos sobre o
candidato para análise foi feita porque notamos existir uma tendência do diário em mostrar
que o discurso do candidato é incoerente e contraditório. Nos enunciados selecionados,
observamos a construção de uma imagem do candidato cujo objetivo é apresentar a hipótese
de que todas as falas e ações do candidato, bem como as alianças, não passam de estratégia
eleitoral visando à sua eleição.
5.2.4.3.1 Alianças
A seguir, alguns trechos em que observamos um julgamento negativo do candidato,
conforme alguns termos em destaque:
(1) “Após ir a Brasília para dar apoio, com reservas, ao acordo entre o Brasil e o FMI (Fundo
Monetário Internacional), Lula voltou, em cima de um palanque, ao discurso mais
152agressivo contra o fundo e suas políticas” (32-38) - Trecho extraído da matéria ‘Elite
brasileira é perversa’, afirma Lula, 25/08/2002 - (anexo C).
(2) “Mais tarde, em Palmas, Lula declarou que vai continuar as obras da Ferrovia Norte-
Sul que corta o Estado do Tocantins, onde esteve em campanha eleitoral. Paralisada por
falta de recursos do governo federal, a construção foi contestada pelo petista quando ele
exerceu o cargo de deputado federal constituinte, em 1988” (l. 61-70) - Trecho extraído da
matéria ‘Elite brasileira é perversa’, afirma Lula, 25/08/2002 - (anexo C).
(3) “‘Tenho horror a obras inacabadas. Não podemos virar o paraíso das obras
inacabadas’, disse Lula, depois de reconhecer que era contrário ao envio de verbas para a
ferrovia. Obra polêmica do governo do ex-presidente Sarney, que hoje flerta com apoio
ao PT na eleição presidencial (...)”(l. 70-79) - Trecho extraído da matéria ‘Elite brasileira é
perversa’, afirma Lula, 25/08/2002 - (anexo C).
Os trechos (1), (2) e (3) fazem parte de uma matéria jornalística de cobertura da
campanha de Lula à presidência. Usando do recurso da intertextualidade, a matéria engata
trechos da fala de Lula em comícios na região Norte do país, nos quais acusa a “elite”
brasileira de corrupção. O enfoque não é enaltecer o discurso do candidato, mas expor a sua
associação a personagens da “elite” aos quais Lula propõe aliança, como José Sarney, que
apoiara Lula na eleição. Para informar sobre a aliança, ainda incerta no período, o enunciador
usa o verbo flertar, expondo uma aproximação com interesse entre ambas as partes.
Nesses três trechos o enunciador articula as marcas dêiticas de tempo, quando aborda
no texto referências temporais tentando explicar o que Lula disse no passado e o que diz no
tempo atual (agora): “Após ir à Brasília (...) Lula voltou, em cima de um palanque (...)”;
“Mais tarde, em Palmas, Lula declarou que (...)”; “a construção foi contestada pelo petista
quando ele exerceu o cargo (...)”; “depois de reconhecer que era contrário”.
Em (1), o uso do termo com reservas qualifica o apoio dado por Lula ao FMI em
153reunião com o então Presidente FHC; e “em cima de um palanque” é uma forma também de
avaliar o lugar, a posição em que o sujeito fala. Aqui a expressão escolhida pelo enunciador
foi “mais agressivo”, que remete a existência de uma atitude contrária ao que Lula se propôs
em acordo com o presidente FHC. Da mesma forma, o sujeito enunciador expõe uma
mudança de opinião em relação a uma obra inacabada na região Nordeste (trecho 2), em que
Lula era contra quando deputado em 1988, e agora é a favor, dando a entender que a mudança
de opinião aconteceu justamente por causa da aliança com Sarney.
Ainda sobre alianças com adversários, a Folha expõe a incoerência de Lula ao se unir
ao PMDB de Orestes Quércia, candidato a Senador adversário de Aloísio Mercadante, do
próprio partido do candidato, como mostra o trecho (4), quando o jornal usa o recurso da
intertextualidade inserindo na notícia um trecho do discurso do presidenciável:
(4) “Meu companheiro e amigo Quércia sempre foi contra o neoliberalismo e tem, por
isso, todo o meu apoio”, disse Lula, de mãos dadas com Quércia, em evento de uma
ONG, em São Paulo. Ontem pela manhã, Lula havia pedido votos para Mercadante e Wagner
Gomes, em um palanque em Mauá (São Paulo) – (l. 11-20) - Trecho extraído da matéria Lula
pede votos para o ‘companheiro’ Quércia- (anexo G).
A palavra companheiro, uma marca apreciativa comum nas falas do candidato, é
destacada com sentido irônico pelo jornal, em alusão as articulações projetadas pelo Partido
dos Trabalhadores. No mesmo trecho o enunciador destaca - usando do dêitico de tempo
(ontem) - , que o presidenciável pediu votos para os concorrentes de Quércia em outro evento
eleitoral.
5.2.4.3.2 De costas para o sindicato
Outra matéria que cobre a agenda de Lula destaca a visita do candidato à Embraer. A
notícia traz, como enfoque principal, uma manifestação de sindicalistas em frente à fábrica, a
154qual o candidato afirmou não ter visto, pois chegou e saiu de helicóptero do local. Seguem
alguns trechos:
(5) “Petista é cobrado por trabalhadores ligados à CUT acampados em frente à
Embraer; candidato diz não ter visto ato” – (linha fina) – Trecho extraído da matéria
Metalúrgicos protestam em visita de Lula, 6/09/2002 - (anexo E).
(6) “Enquanto visitava ontem a sede da Embraer, de cuja privatização foi um opositor
oito anos atrás, o presidenciável petista Luiz Inácio Lula da Silva foi criticado por
metalúrgicos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT)” – (l. 1-7) – Trecho
extraído da matéria Metalúrgicos protestam em visita de Lula, 6/09/2002 - (anexo E).
(7) “O presidenciável, que chegou e saiu da fábrica de helicóptero, não se deparou com a
manifestação” – (l. 55-57) – Trecho extraído da matéria Metalúrgicos protestam em visita de
Lula, 6/09/2002 - (anexo E).
Os três trechos colocados na seqüência (acima) permitem uma nova visão dos fatos.
Em (5) temos o destaque da linha fina indicando que Lula não deu atenção a um protesto de
sindicalistas da CUT, central sindical aliada do presidenciável. Enquanto a primeira oração
traz marcas da modalidade assertiva afirmativa, validando a informação que houve um
protesto, a segunda oração traz a modalidade assertiva negativa, com o candidato negando ter
visto a manifestação. O discurso do candidato é marcado com o uso do testimonial diz.
Em (6) o lide da notícia faz referência novamente ao protesto de membros da CUT
durante a visita de Lula à Embraer. Destacamos nesse enunciado a construção de um texto
explicativo declarando que Lula visitou a sede de uma empresa que o mesmo defendia da
privatização durante a antepenúltima eleição que o candidato disputou.
Nesse trecho observamos o predomínio da modalidade intersubjetiva, ao sugerir um
enfoque negativo à notícia, tentando convencer o leitor sobre um novo perfil de Lula, que
“agora” briga com o movimento sindical e que se relaciona com a direção de uma organização
155privatizada.
O trecho (7) está quase no final da notícia e informa porque o candidato não se
deparou com os manifestantes, o que mostra uma atitude do jornal em mostrar a incoerência
de Lula.
O enfoque dado pela Folha a essa notícia mereceu atenção do ombudsman do jornal,
que fez o seguinte comentário sobre a matéria: “A manifestação, organizada por um sindicato
da CUT, com forte influência do PSTU reuniu 15 pessoas e uma placa, e nem teria sido vista
pelo candidato. Mereceria um registro? Sim. Mas não sua transformação em principal
acontecimento da visita” (AJZENBERG, 2002, p. 8).
O crédito ao PSTU é dado, inclusive, pela própria notícia, observado no trecho (8):
(8) “‘Como o Lula, que já foi dirigente sindical e criticou a venda da empresa, vem visitar a
diretoria e faz vista grossa às nossas reivindicações?’, disse Edmir Marcolino da Silva,
diretor do sindicato cutista, que tem forte influência do PSTU, partido do presidenciável
José Maria de Almeida” – (l. 39-47) – Trecho extraído da matéria Metalúrgicos protestam
em visita de Lula, 6/09/2002 - (anexo E).
5.2.4.3.3 Saudades da Ditadura?
Em outra matéria que ganhou destaque em primeira página do caderno Especial, o
diário relata que o candidato faz um elogio ao período da Ditadura Militar durante entrevista
concedida a um telejornal da Rede Globo. Lula destaca pontos da Ditadura Militar que dizem
respeito ao planejamento de governo, obras implantadas, geração de empregos e, ao mesmo
tempo, ressalva que o período foi um dos mais difíceis da história do país, dada a repressão,
mas o sentido construído pelo jornal é de que o candidato enalteceu o período militar.
No título “Lula elogia governo Médici” é destacado o verbo elogiar trazendo uma
apreciação atribuída pelo candidato ao período, usado para chocar o leitor. Informação que
156combina com o lide escolhido, como ressaltamos:
(9) “O candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, fez ontem
elogios ao governo do general Emílio Garrastazu Médici, cuja gestão como presidente
(1969-74) marcou o período de maior repressão política e policial do regime militar” (l.
1-8). – Trecho extraído da matéria Lula elogia governo Médici, 30/08/2002 - (anexo D).
Recorrendo ao estudo das modalidades, temos o predomínio da modalidade assertiva,
um recurso utilizado pelo enunciador para validar suas afirmações. O título e o lide da matéria
são usados para chocar o leitor sobre a postura de Lula, o candidato da “esquerda” que agora
está elogiando o regime militar.
O conteúdo da matéria, no entanto, apresenta as ressalvas que Lula fez em relação à
ditadura durante a entrevista. Lula elogiou o boom de emprego gerado pelo planejamento
estratégico durante a ditadura, mas criticou o período de repressão ocorrido à época:
(10) “A menção à Médici, na verdade, ao regime militar de um modo geral – foi feita por
Lula como contraposição ao que considera falta de planejamento estratégico do atual
governo” (l. 18-23) - Trecho extraído da matéria Lula elogia governo Médici, 30/08/2002 -
(anexo D).
(11) “Apesar dos elogios, o petista procurou explicitar sua crítica à repressão do período.
Disse que ‘não vale a pena viver sem liberdade’. ‘É por isso que eu luto por democracia’,
completou” (l. 58-63) - Trecho extraído da matéria Lula elogia governo Médici, 30/08/2002 -
(anexo D).
Em (10) e (11) o enunciador usa de atenuantes para incluir no texto um novo fato: que
o presidenciável não fez elogios ao sistema ditatorial, mas sim ao planejamento feito para o
período. A expressão na verdade que aparece em (10) é um desses recursos para remeter o
leitor a um outro contexto diferente daquele trazido no título da matéria, que revela que Lula
não corrobora com o período de repressão. Em (11) o atenuante é expresso com a palavra
157apesar.
Sobre essa matéria, percebemos que a escolha do tema, o enquadramento, o título
apresentado, o texto em destaque, a seleção das frases ditas pelo candidato Lula são uma
forma de construir o sentido de que Lula mudou suas posições. O discurso, infeliz, do
candidato, transmitido na entrevista concedida à televisão foi publicado como notícia de capa
do Caderno Eleições e explorado de forma distorcida.
Por todo o texto trechos do discurso de Lula se entrelaçam à matéria. A edição das
citações esconde o verdadeiro sentido e é usada como forma de dar credibilidade ao fato
contado, recorrendo ao recurso da intertextualidade, para se isentar da responsabilidade do
conteúdo informado.
A temática construída em torno das eleições no diário impresso é quase que toda
pautada pela televisão e tem como principal objetivo trazer ao leitor uma postura de
desconfiança em relação à Lula, que lidera as pesquisas de opinião. Aqui observamos como a
linguagem representa a ideologia com uma angulação que traz um sentido distorcido ao
discurso do presidenciável, interpretado e reformulado pela Folha de uma forma disfarçada. É
essa a forma com que se pretende que o leitor do jornal entenda o contexto.
5.2.4.4 O novo PT
Durante o período eleitoral presidencial a Folha mostrou grande preocupação em
“lembrar” o leitor sobre as transformações ocorridas no Partido dos Trabalhadores, o que os
meios de comunicação, de modo geral, trataram de “PT cor de rosa”, uma versão branda do
antigo partido de esquerda. Percebemos que, no enfoque do jornal a respeito das mudanças do
PT, predomina a valorização negativa e a abordagem de desconfiança em relação à postura do
partido. Esse tema, de grande recorrência será tratado com a seleção de alguns recortes
noticiosos.
158(12) “O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), Horácio Piva, fez
ontem advertência para que Lula ‘controle o ímpeto de seus correligionários’, em
referência aos radicais do PT” – (l. 1-5) – Trecho extraído da matéria Lula precisa conter
radicais do PT, diz Piva, 4/10/2002 - (anexo P).
O trecho (12) vale das declarações de uma fonte conhecida no setor industrial, o então
presidente da FIESP, para realçar o sentimento de desconfiança em relação ao partido com
orações assertivas afirmativas, combinada com o dêitico ontem, que coloca a fala com
recente. O título da notícia “Lula precisa conter radicais do PT” recorre à modalidade
intersubjetiva para expressar ordem ou desejo do enunciador.
5.2.4.4.1Cedendo anéis. E também dedos
Nos trechos, em seqüência, observa-se a construção de sentido trazida pela Folha de S.
Paulo a respeito do PT e de seu candidato:
(13) “Partido profissionaliza a campanha, constrói pontes com ex-desafetos e promove
guinadas em seu discurso para conquistar a Presidência” - (linha fina) – Trecho extraído
da matéria PT concede quase tudo para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).
Na linha destaque da reportagem publicada no dia em que se realizou o primeiro turno
das eleições presidenciais, o jornal convida o leitor a refletir sobre a campanha de Lula. As
construções assertivas avaliam as estratégias do PT, justificando a postura adotada visando à
vitória no pleito.
(14) A quarta campanha de Lula teve a égide do “agora ou nunca”, na definição de um petista.
Nunca o PT desenhou com tamanho detalhamento um projeto e nunca foi tão longe para
concretizá-lo” - (l. 97-102) – Trecho extraído da matéria PT concede quase tudo para ‘última
cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).
(15) “Em nome do projeto de finalmente eleger Lula, o delicado equilíbrio interno de
159forças foi jogado de lado” (l. 113-116) – Trecho extraído da matéria PT concede quase tudo
para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).
(16) “Coesa, a direção moderada entregou a Lula um partido unificado a fórceps, em que
a minoria radical foi abafada” (l. 147-150) – Trecho extraído da matéria PT concede quase
tudo para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).
Em (14), (15) e (16) observamos a vontade do enunciador de criticar a estrutura
montada pelo PT para a disputa em questão. Em (14) as asserções negativas, com o repetido
uso da palavra nunca, são uma forma de reforçar uma mudança de postura em relação ao
passado do partido. Nos trechos (15) e (16) observamos que o jornal argumenta para o leitor
que tais mudanças desfiguram a composição do partido, que remetem à marca modal
intersubjetiva. As expressões equilíbrio interno jogado de lado e partido unificado a
fórceps, marcas apreciativas reforçam a sugestão do enunciador ao expor de forma pejorativa
a articulação partidária.
5.2.4.4.2 A estrutura profissional da campanha
(17) “Na esteira da contratação de Duda, uma estrutura altamente profissional foi
montada, reduzindo o espaço para o voluntarismo de antes. Jornalistas vieram a peso de
ouro. Foram montados núcleos de apoio aos Estados, equipes de mobilização e até grupo
especializado em debelar crises” (l.151-159 ) – Trecho extraído da matéria PT concede quase
tudo para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).
(18) “Na campanha atual, Lula gostava de lembrar os tempos de vacas magras do
passado: ‘A gente fazia comício em que eu falava para poste. Agora o petezinho
cresceu’” - (l. 106-113) – Trecho extraído da matéria ‘Lulinha paz e amor’ fugiu aos
conflitos, 27/10/2002 - (anexo AC).
(19) “Foi a mais rica campanha presidencial petista. O partido pediu autorização ao
160TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para gastar até R$ 48 milhões.” - (l. 91-95) – Trecho
extraído da matéria ‘Lulinha paz e amor’ fugiu aos conflitos, 27/10/2002 - (anexo AC).
Nos trechos (17), (18) e (19), o enunciador avalia a estrutura profissional do PT,
apontando mudanças em relação a um tempo em que o partido contava com menos recursos e
com mais participação de voluntários. O sentido criado para a transformação do PT aponta
para uma certa postura crítica às mudanças. No trecho (17) predomina a modalidade assertiva
com termos apreciativos, como peso de ouro, usado para realçar o investimento do partido.
Em (18) o recurso da intertextualidade engata no discurso a fala de Lula, como que se
o mesmo ironizasse os tempos antigos, caracterizado pela apreciação vacas magras. No
trecho (19) o jornal lança a cifra máxima de R$ 48 milhões, avaliando a campanha do partido
como a mais rica, estratégia para reforçar a crítica à forma profissional com que o partido
tratou as eleições 2002. Vale destacar que a reportagem não traça parâmetros em relação aos
gastos de nenhum dos adversários.
5.2.4.4.3 Aliados
Os trechos de (20) a (23) recobrem as alianças partidárias feitas pelo PT em 2002. Em
todos eles o sentido irônico coloca em xeque a postura adotada pelo partido, recorrendo às
falas de Lula a respeito dos recém-aliados e das estratégias petistas. Em todos os trechos
predomina a modalidade intersubjetiva, uma vez que o enunciador sugere, de forma
persuasiva, que a reformulação do partido visa às eleições e que esse fato tem caráter
negativo.
(20) “O PL foi apenas o primeiro passo. Logo vieram apoios que obrigaram Lula a
reformular, sem maiores constrangimentos, uma versão petista do “esqueçam o que
escrevi”, que assombrou FHC”. (l. 172-177) – Trecho extraído da matéria PT concede
quase tudo para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).
161(21) “Após três derrotas, desta vez o petista adotou um discurso mais conciliador e fez
alianças com partidos mais à direita, como o PL, que indicou seu vive, o empresário e
senador José Alencar, 71, e com líderes como José Sarney (PMDB) e Antonio Carlos
Magalhães (PFL)” (l. 16-23) – Trecho extraído da matéria Pesquisa aponta vitória de Lula
para presidente hoje, 27/10/2002 - (anexo AA).
(22) “Após três derrotas, adotou um discurso mais conservador, com a inflexão ao
centro e alianças com a direita” – (l. 50-52) – Trecho extraído da matéria Lula, com 64%
dos votos válidos, deve ser eleito hoje; Serra tem 36%, 27/10/2002 - (anexo AB).
(23) “O sindicalista Luiz Antônio de Medeiros, que na acusação mais leve era ‘pelego’,
foi peça-chave na união com o PL; Orestes Quércia, ‘ex-ladrão de pipoca’, virou
‘companheiro’; José Sarney, anteriormente um ‘grileiro’ e ‘administrador medíocre’,
tornou-se avalista da candidatura. Pazes foram feitas com a Igreja Universal, para quem
Lula já foi o Diabo” (l. 179-189) – Trecho extraído da matéria PT concede quase tudo para
‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).
Da mesma forma, o trecho (24) sugere que a condução das eleições foi moldando Lula
e PT, cuja preocupação era manter-se competitivo na disputa eleitoral. Nesse trecho, a marca
modal apreciativa mal-humorado, usada pelo enunciador para qualificar Lula sugere a
existência de uma contrariedade do próprio candidato em relação às estratégias eleitorais.
(24) “Mais um vez, a solução foi uma guinada rápida. A ‘ruptura’ desapareceu, e foi
feita uma carta prometendo respeito aos contratos e ao superávit acertado pelo atual
governo. Em 8 de agosto, um mal-humorado Lula leu em seu pronunciamento em que o
pacote do FMI era descrito como ‘inevitável’”. (l. 235-243) – Trecho extraído da matéria
PT concede quase tudo para ‘última cartada’ de seu líder, 6/10/2002 - (anexo R).
5.2.4.5 “Lulinha paz e amor”
162A imagem dos candidatos, em especial a de Lula, foi uma das mais exploradas pelos
meios de comunicação para explicar a conjuntura política do período. Para a Folha, a
referência “Lulinha paz e amor” tratou-se de uma estratégia para driblar as discussões
provocadas pelos adversários. Observamos a discussão da temática tratada por uma
reportagem em que se destaca a postura de Lula pelos trechos selecionados:
(25) “Slogan que sintetizou a campanha mais rica do PT foi criado espontaneamente por
Lula em agosto, marcando estratégia que privilegiou emoção em detrimento do
conteúdo” - (linha fina) – Trecho extraído da matéria ‘Lulinha paz e amor’ fugiu aos
conflitos, 27/10/2002 - (anexo AC).
(26) “Naquele 22 de agosto, uma quinta-feira, 66 dias atrás, o candidato do PT à
Presidência criou – impensadamente e sem o auxílio do publicitário Duda Mendonça – o
slogan síntese de sua campanha neste ano” - (l. 8-12) – Trecho extraído da matéria ‘Lulinha
paz e amor’ fugiu aos conflitos, 27/10/2002 - (anexo AC).
(27) “‘Lulinha paz e amor’ primeiro simbolizou o candidato que evitava ataques diretos
a seus adversários e usava o programa eleitoral na TV para prioritariamente divulgar
seu programa de governo” - (l. 43-50) – Trecho extraído da matéria ‘Lulinha paz e amor’
fugiu aos conflitos, 27/10/2002 - (anexo AC).
Em (25) e (26) o enunciador esclarece que a expressão “Lulinha paz e amor” foi
formulada pelo candidato sem o auxílio dos estrategistas políticos contratados pelo partido.
Ele lança mão da ironia para destacar que a equipe de marketing contratada por milhões pelo
candidato não foi a responsável pela concepção do slogan.
O trecho a seguir (28) aponta para uma análise do jornal às estratégias da campanha de
Lula. O enunciador deixa claro uma crítica à campanha de Lula pela falta de conteúdo, pela
promoção de alianças e pela postura de evitar confrontos com os adversários. Em todos os
recortes percebemos o predomínio da modalidade intersubjetiva, utilizada para prevalecer a
163opinião do enunciador perante o leitor, como forma de levá-lo a convencer-se de suas idéias a
respeito da campanha de Lula.
(28) “Até a mídia internacional (...) adotou o ‘Lula peace and love’, que depois virou
sinônimo de um comportamento arredio do candidato, que evitava respostas a questões
que pudessem desagradar a algum segmento do eleitorado ou a algum aliado, vários
deles adversários históricos entre si ou concorrentes nas disputas eleitorais.” - (l.51-64) –
Trecho extraído da matéria ‘Lulinha paz e amor’ fugiu aos conflitos, 27/10/2002 - (anexo
AC).
5.2.4.6 Considerações
A leitura feita pela Folha de S. Paulo da imagem do Partido dos Trabalhadores e de
seu candidato a presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, acerca das transformações pelas quais
passaram é condenatória. O sentido construído pelo diário remete às mudanças na estratégia
eleitoral, sempre de forma negativa.
Observamos, pelos recortes analisados, a proposta de criticar o candidato pelas
alianças feitas durante o período eleitoral, questionar sua capacidade administrativa,
especialmente destacando a falta de experiência e pela falta de combate com os adversários.
Sobre o PT, é visível a ação ideológica de associar o partido a questões ilícitas, a
movimentos de guerrilha e, ainda, a movimentos de esquerda revolucionários. Além disso, o
jornal critica o uso pelo partido do marketing político e alto custo da estrutura da campanha.
A respeito dessas observações, consideramos que mais uma vez o jornalismo da Folha
deixa apenas para o campo conceitual o compromisso com a neutralidade no jornalismo. Pela
materialidade do discurso existe um sentido construído a partir do conceito hegemônico, que
busca restaurar convenções pré-existentes e que sugere, para os leitores, uma interpretação da
realidade.
164
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
165
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletir o jornalismo a partir dos estudos da subjetividade e dos fatores que regem a
construção e a produção da noticía nos trouxe considerações valiosas sobre o papel do meio
impresso brasileiro como um espaço de discussão de questões necessárias à sociedade.
O jornalismo é a porta para o acesso democrático de fatos e notícias, é um campo
privilegiado das discussões sociais e políticas e oferece pontos de vista, sugestões e, mesmo
indiretamente, respostas.
Dessa forma, a atividade jornalística é umas das principais responsáveis por tornar
pública grande parte das informações e por trazer para a discussão os acontecimentos e idéias
que, possivelmente, farão parte da agenda do público.
Em uma era em que a informação é tratada sob o ponto de vista do imediatismo, do
ao-vivo, do tempo real e, justamente pela busca desenfreada da rapidez, talvez o jornalismo
impresso necessite repensar as bases e normas que determinam o conteúdo e o formato da
notícia.
A literatura revista nos apontou, na imprensa brasileira de modo geral, existe uma
tendência de aproximar-se dos meios eletrônicos; daí os investimentos em reformulação
gráfica, trazendo mais cores, gráficos e imagens nas páginas dos jornais, e de privilegiar a
publicação de notícias de predominância estilística objetiva. Por essa razão, entrevistas em
profundidade e reportagens são raras nas páginas dos jornais atualmente.
A partir dessa realidade, percebemos que os meios de comunicação acompanham as
mesmas tendências, se repetem, se copiam, mesmo porque pertencem aos mesmos
conglomerados que operam no que Lima destacou como Propriedade Cruzada, ou seja, aquela
que controla diferentes tipos de meios do setor de comunicação.
A esse aspecto, soma-se a inegável égide do campo econômico que influencia o campo
da comunicação, ocasionada especialmente pelo controle dos meios por poucos grupos, muito
166
mais preocupados com a geração de lucros e com rentabilidade econômica e que, sob o ponto
de vista do jornalismo, leva-o muitas vezes a abandonar a vocação de informar e educar o
receptor.
Por esse motivo questionamos para quem se produz a notícia jornalística. Na
preocupação com os anunciantes, aqueles que pagam as despesas geradas pela empresa
jornalística, concordamos com Ramonet que os jornais tratam a notícia como mercadoria e
preocupam-se em selecionar e conduzir a produção noticiosa de forma a não gerar atrito com
os seus parceiros econômicos e, como não poderia deixar de ser, com seus aliados políticos.
Mais do que isso, enxergam o leitorado como consumidores, numa relação
mercadológica e, justamente por esse motivo, o leitor vem perdendo mais e mais o espaço, a
voz no jornalismo.
Para agravar, os meios de comunicação corroboram com a construção de sentidos com
um forte viés ideológico, especialmente em se tratando do jornalismo político: 1) o sentido de
que estão cumprindo seu dever cívico de possibilitar mais acesso à informação, associando
visibilidade à qualidade, e 2) o sentido de se apresentarem como o “quarto poder”, aquele
capaz de fiscalizar, denunciar e controlar o campo político. Foi o que aconteceu no período
Eleitoral de 2002 e que nos levou a questionar qual o papel da imprensa na divulgação do
campo político.
No caso particular do corpus selecionado do jornal Folha de S. Paulo, que constituiu o
objeto das análises deste trabalho, percebemos a presença dessas tendências anteriormente
apontadas.
Se recorermos ao contexto histórico, a Folha, um dos jornais mais importantes e
tradicionais do país, sempre foi uma das pioneiras da imprensa em se tratando do uso de
tecnologias e padrões técnicos, estratégias adotadas para melhor posicionamento
mercadológico.
167
Quando, na década de 80, o jornal rompeu com o jornalismo engajado, político,
atuante e implantou o seu Projeto Folha, oficialmente passou a difundir a bandeira do
pluralismo e do apartidarismo, por meio de um produto moderno em termos de tecnologia e
linguagem. Os princípios da Folha levaram o jornal a se tornar uma instituição muito mais
profissional e mercadológica.
Justamente essa proposta do apartidarismo e do pluralismo que provocou nossa
análise. Um jornal que, ao mudar o tom de seu discurso, tornou-se cada vez mais empresarial
e, dessa forma, distante dos anseios populares, com baixa pluralidade nos artigos opinativos,
quase extinção de gêneros como entrevistas e com interferências políticas, ainda que sutis, nos
editoriais, não pode ser considerado como independente ou pluralista, proposição que defende
ferrenhamente perante os outros meios de comunicação do Brasil.
Nesse sentido, coube-nos buscar compreender a forma como a Folha de S. Paulo, dada
a sua magnitude, constitui sentidos, determina fatos sob o ponto de vista hegemônico. Essa
tarefa foi direcionada ao tratamento da notícia política, escolhendo como pano de fundo a
relação entre a imprensa e a política, voltando-se particularmente para as Eleições
Presidenciais de 2002.
O momento eleitoral é historicamente singular para o Brasil. É a oportunidade de
discussões sobre problemas da sociedade. O foco é direcionado, como afirmou Soares, à
disputa do cargo executivo majoritário, sem atribuir a devida importância à disputa do
Legislativo.
Com caráter ainda mais singular, as Eleições Presidenciais 2002 levaram, de forma
inédita, um operário à Presidência após três tentativas frustradas, em que tantos analistas e
especialistas reconheceram que os meios de comunicação ajudaram a influenciar os
resultados. Daí a justificativa de concentrar nosso olhar no tratamento da notícia sobre Luiz
Inácio Lula da Silva.
168
Diante do cenário político definido para as Eleições 2002, a partir do jornalismo
impresso, nossos questionamentos nos conduziram a observar a forma como os meios de
comunicação adquirem poder de controle no campo da política, definindo regras e formatos
de apresentação das idéias, delimitando espaços, promovendo a pasteurização da informação,
uma vez que é o político que deve se adequar às normas de divulgação dos meios de
comunicação.
Além disso, numa tentativa de se redimir dos erros do passado, toda a mídia partiu
para a superexposição da temática eleições e dos temas a ela associados, tais como a crise
enconômica brasileira e internacional, a participação brasileira na Alca, o MST e o
desemprego.
A Folha não fugiu à regra. Dispôs de um caderno Especial Eleições 2002 para tratar
do tema, abordando-o, também, nas primeiras páginas, por meio do corpo editorial e das
matérias do tradicional caderno Brasil e, ainda, no caderno Economia, uma vez que a questão
econômica prevaleceu na agenda política do período.
Em torno do cenário político de 2002, questões não mais importantes do que as
alianças partidárias e a exposição do perfil dos candidatos, foram muito exploradas pelos
meios de comunicação, como que se coubesse a eles o poder de sabatinar e de fiscalizar os
candidatos, em analogia aos órgãos oficiais; ou fornecer ao leitor análises do contexto, expor
os casos de denúncias de corrupção, ou mesmo, delimitar espaços para enfrentamentos entre
os oponentes. Isso tudo na tentativa de demonstrar a isenção, a criticidade perante as
candidaturas.
Diante desse cenário, escolhemos observar a cobertura das Eleições Presidenciais sob
o enfoque teórico e metodológico da Análise do Discurso, a fim de compreender o que há por
trás do paradigma da objetividade, um valor tão caro ao meio jornalístico. Com esse método
conseguimos enxergar o dilema da objetividade e da subjetividade no discurso da Folha de S.
169
Paulo.
Ao identificar o sentido de textos por meio da sua materialidade, ou seja, ao verificar
as marcas que regem a construção do sentido dentro de um determinado contexto e que nos
guiam a uma interpretação da realidade, compreendemos que o texto jornalístico - seja qual
for a predominância estilística quanto ao seu gênero-, carrega consigo marcas de
representação de um sujeito que confere uma visão de mundo, um enquadramento, uma forma
de pensar que quase sempre está submetida a relações de poder dentro e fora do espaço
midiático, pois o sujeito, como escreveu Pêcheux e seus seguidores, muitas vezes, se torna
interpelado pelas instâncias do poder.
A análise a que nos propusemos contou com a seleção de quarenta textos jornalísticos,
dos quais extraímos recortes que foram agrupados por temáticas predominantes. Para cada
trecho selecionado buscamos aplicar elementos para análise do discurso com a observação
primeira da subjetividade, como elemento-chave para desmascarar os paradigmas do
pluralismo e da independência propagados pela Folha de S. Paulo.
É certo que este estudo abrangeu uma pequena amostragem de material desse jornal,
podendo, futuramente, incluir novos estudos, com amostras maiores, com comparativos, a fim
de verificar os aspectos observados em âmbito ampliado. Entretanto, a partir deste estudo,
trazemos algumas constatações.
O estudo textual com base na identificação das modalidades, dos dêiticos, da axiologia
e da intertextualidade nos revelou preciosas pistas de como a subjetividade é materializada no
discurso e este, por sua vez, implica uma atitude do enunciador que faz uma escolha por um
viés ou um significado e, portanto, é o responsável pelos efeitos de sentido.
Sobre esse aspecto, a forma como o jornal tenta se colocar para seus leitores,
observada a partir dos recortes que constituem o item 5.2.1 O jornalismo “independente”,
“apartidário” e “pluralista”, reforça o conceito ideológico de que os meios de comunicação
170
têm o poder de fiscalizar o campo da política, equiparando-se ao Ministério Público. Partindo
desse sentido construído, a Folha se inclui - juntamente com todos os outros meios de
comunicação brasileiros -, como o “quarto poder”, destacando ao seu leitor, contudo, que é o
único e exclusivo órgão da mídia que, de fato, pode ser reconhecido como tal, justamente
porque não possui preferências partidárias.
Mais do que destacar essa imagem, o jornal é extremamente persuasivo, pois fabrica
uma realidade com base em números, gráficos, textos opinativos, matérias e notícias com a
finalidade de convencer o leitor de um trabalho exclusivo na mídia brasileira.
Essa visão é construída de forma muito parecida nos textos de características
opinativas e informativas, quer pelo uso de termos apreciativos altamente subjetivos, tais
como independência, pluralismo e apartidarismo; ou quando se percebe as marcas modais
predominantes nos textos. Frases assertivas afirmativas combinadas com marcas modais
intersubjetivas foram muito usadas para conduzir o leitor a aceitar a visão de que a Folha é
um jornal singular, porque não possui preferência partidária ou política.
A ideologia do apartidarismo é reforçada nos editoriais e artigos pela voz do sujeito
que representa a instituição para quem escreve, daí a identificação do dêitico de primeira
pessoa, que aponta o sujeito com a voz da empresa jornalística; e também nas matérias, com o
uso de fontes de órgãos oficiais de pesquisa, reforçando o uso da intertextualidade para
validar o sentido construído pelo diário.
A leitura do item 5.2.2 Contestando as pesquisas explicita as preferências políticas do
conselho editorial do jornal, uma vez que todos os textos afirmam a possibilidade de
mudanças nos resultados das pesquisas Datafolha. Muitas vezes editorialistas chegam a se
desfazer dos dados apurados pelas sondagens se estes não estiverem de acordo com suas
convicções, usando, de forma especial, as marcas modais epistêmicas combinadas com a
modalidade intersujetiva, na medida em que sugerem a ausência de certeza e, ao mesmo
171
tempo, explicitam uma vontade do sujeito enunciador de que os resultados sejam alterados.
Basta uma leitura dos editoriais do jornal para colocar em xeque a sua postura de
independência, dada à posição de insatisfação que o sujeito enunciador explicita em relação
aos resultados das sondagens eleitorais. Portanto, ao se posicionar pelo corpo editorial, e
mesmo pelos articulistas que compõem a sessão opinativa, o jornal auxilia na construção do
cenário político no qual possa ser mais ou menos favorecido, uma vez que tenta persuadir o
leitor a respeito de suas convicções em relação ao cenário político.
A temática discutida no item 5.2.3 “O Fator Lula” e a ameaça do Mercado
Financeiro expõe como a Folha de S. Paulo se manifestou contra a candidatura de Lula. A
crise econômica foi constantemente agendada pelo diário e, na maioria das vezes, associada
diretamente ao candidato do PT.
A respeito do agendamento da Folha em relação à questão econômica, percebemos
diferenças no tratamento da notícia em artigos e matérias. Na parte opinativa, o interdiscurso
com o terrorismo prevaleceu na maioria dos textos analisados, numa forma de exaltar o
sentido do medo e do caos econômico pela voz do outro. O uso de termos apreciativos como
crise, caos, medo aparecem qualificando o PT e o eventual Governo Lula. A modalidade 1
com a hipótese também recobre os trechos selecionados na medida em que lança uma
conjuntura a respeito do período, colocando sempre em xeque as atitudes do candidato Lula
em relação ao futuro econômico brasileiro.
Na parte informativa, a modalidade assertiva aparece combinada com a modalidade
intersubjetiva, pois os textos foram construídos de forma a sugerir o lado negativo de Lula. A
modalidade assertiva deixa de predominar quando são feitas pelo jornal analogias do Brasil
com o cenário da Venezuela. Nesse caso, a modalidade epistêmica, também combinada com a
intersubjetiva, sugere ausência de certeza em relação às decisões do eventual governo Lula.
A partir dessa constatação, concluímos a partir do corpus selecionado a existência de
172
preferências pela Folha que, inicialmente, poderia até somar-se ao bojo da elite que não
possuía um candidato consensual, como abordou Rubim em suas análises sobre o período a
respeito de José Serra, mas que, posteriormente, ao ter o cenário definido para o turno final,
posicionou-se de forma implícita em favor do candidato do governo.
Daí a tentativa de atribuir significados que possibilitassem reverter o quadro eleitoral,
observada com as análises da conjuntura feitas por fontes oficiais, tais como o empresário
Antonio Ermírio de Moraes, Pedro Malan, Armínio Fragra, entre outros, todos aliados à
candidatura de José Serra.
Mais uma vez observamos como a ação ideológica do discurso do jornalismo pode
reforçar as dominações hegemônicas, constituídas por grupos dominantes na tentativa de
controle e poder.
Ponto-chave para a compreensão do Cenário Político em 2002 é a análise da imagem
dos candidatos. Nosso olhar sobre a versão que a Folha fez de Lula e do Partido dos
Trabalhadores revela algumas diferenças das imagens projetadas pela sociedade, como
recobre o item 5.2.4 PT “cor de rosa” e “Lulinha paz e amor”.
Por todo o período, o jornal repercutiu de forma negativa as transformações do
partido, condenou as alianças políticas da candidatura de Lula, suscitou dúvidas em relação às
capacidades do candidato, sugeriu fatos que podiam estar relacionados a Lula, na maioria das
vezes, de forma negativa, associando sua imagem ao medo, em concordância com a
campanha de José Serra.
As análises de trechos de editoriais e de artigos sobre as transformações do Partido dos
Trabalhadores e de Lula nos apontam o uso da modalidade epistêmica com a modalidade
intersubjetiva ao tentar sugerir uma desconfiança a respeito de tais mudanças, associando-as
especialmente às estratégias eleitorais.
No tocante às notícias, observamos especialmente a cobertura intensa da agenda do
173
candidato e uma tentativa de expor as contradições ao longo da campanha, criticando os
gastos elevados com a campanha e a estrutura montada, em analogia às eleições anteriores.
Observamos o recorrente uso da intertextualidade para engatar a fala de Lula às matérias,
sugerindo mudança de postura e justificando ações sob um viés negativo.
Em paralelo, observamos, pela visão de muitos pesquisadores, como Rubim e Chaia,
que a sociedade brasileira enxergou em Lula um articulador, atribuiu a ele os signos da
mudança e da esperança. O fato de o jornal tomar uma posição, qualquer que seja, favorável
ou não a um candidato revela a ausência dos princípios apartidários apregoados pela Folha.
Por outro lado, adotar uma posição contra a candidatura de Lula revela, mais uma vez,
o sentido hegemônico do jornal, voltado para atender os interesses das classes dominantes, os
mantenedores do jornal, como disse Ramonet no item 2.
A partir das análises, identificamos uma tendência no jornal Folha de S. Paulo em
determinar enquadramentos como melhor lhe convinham a partir de estratégias discursivas, o
que nos leva a contestar a idéia defendida pelo diário que, com freqüência, se afirma como
independente ou pluralista.
Diante da desmistificação dos princípios defendidos pelo jornalismo da Folha de S.
Paulo, a partir dos estudos sobre o tratamento da notícia política, avaliamos que um dos
passos para que a imprensa tenha mais possibilidades de discutir, avaliar e porque não opinar,
perpassa a proposta de Noblat, de que o jornalismo brasileiro deva “andar na contramão” das
tendências dos meios eletrônicos.
Isso implica retomar o jornalismo analítico, interpretativo, com reportagens em
profundidade e discussão de temas. As notícias, sob o enfoque analítico, colaboram com o
debate, o questionamento, a apuração dos fatos com mais profundidade, com uma visão
diferente daquela apresentada pela televisão. A proposta apresentada, de motivar a imprensa a
deixar de lado o simplismo, pode lhe trazer de volta a produção da informação com qualidade.
174
Além disso, cabe ao jornalismo romper com o simulacro da objetividade, da
independência e do apartidarismo. A partir de nossos estudos sobre a subjetividade,
entendemos que não existe a imparcialidade no discurso. Então, por que não tomar a atitude
de explicitar posições? Isso estimularia o debate e promoveria muito mais a pluralidade de
idéias e a participação social.
175
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183
ANEXOS
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ANEXO A
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ANEXO B
186
ANEXO C
187
ANEXO D
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ANEXO E
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ANEXO F
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ANEXO G
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ANEXO H
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ANEXO I
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ANEXO J
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ANEXO K
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ANEXO L
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ANEXO M
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ANEXO N
198
ANEXO O
199
ANEXO P
200
ANEXO Q
201
ANEXO R
202
ANEXO S
203
ANEXO T
204
ANEXO U
205
ANEXO V
206
\
ANEXO X
207
ANEXO W
208
ANEXO Y
209
ANEXO Z
210
ANEXO AA
211
ANEXO AB
212
ANEXO AC
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