LIANA LAGAN FERNANDES
LNGUA E ALIMENTAO: DOIS ELEMENTOS DA
IDENTIDADE ITALIANA EM PEDRINHAS PAULISTA
Dissertao apresentada Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Loredana de Stauber Caprara
So Paulo
2006
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CINCIAS
HUMANAS
LNGUA E ALIMENTAO: DOIS ELEMENTOS DA
IDENTIDADE ITALIANA EM PEDRINHAS PAULISTA
Liana Lagan Fernandes
So Paulo
2006
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Ao meu filho Cezar
minha me e memria de meu pai
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Agradecimentos
Meus sinceros e profundos agradecimentos
minha orientadora de Mestrado, Prof Loredana Caprara que aceitou
meu projeto e acreditou na minha capacidade de realizar este trabalho,
incentivando-me, com seu pulso firme, nos momentos mais difceis;
aos imigrantes pedrinhenses pela afabilidade com que me receberam e a
Vincenzo Pignataro e sua famlia pela amizade e apoio prestado;
Prof Giliola Maggio de Castro, por ceder gentilmente as entrevistas por
ela colhidas em Pedrinhas Paulista, material que me foi muito til no
decorrer deste trabalho;
ao Prof. Joo Baptista Borges Pereira pelas sugestes dadas e por
disponibilizar-me seus trabalhos inditos.
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RESUMO
O trabalho apresenta uma anlise da atual linguagem ligada alimentao falada por
imigrantes italianos em Pedrinhas Paulista, pequena comunidade italiana fundada nos anos
50, localizada no interior do Estado de So Paulo.
Utiliza, para tanto, depoimentos colhidos na prpria comunidade em 2002 e em 2005. Os
trechos destacados para a pesquisa foram transcritos obedecendo as normas para transcrio
do projeto NURC.
Que lngua seria mais usada pelos imigrantes quando se trata de referncias alimentares: o
italiano ou o portugus? Os italianos mantiveram a tradio da sua gastronomia?
Mantiveram o lxico original das suas preparaes? Absorveram, em parte ou no, os
hbitos alimentares locais e sua terminologia na lngua local? Os imigrantes criaram uma
interlngua italiano-dialeto-portugus?
Essas e outras questes sero levantadas e analisadas no decorrer do trabalho.
Palavras chave: lngua italiana alimentao Pedrinhas Paulista imigrao italiana -
interlngua
SUMMARY
The present study is an analysis of the language spoken by Italian immigrants living in
Pedrinhas Paulista. This small community was founded in the 50's, and is located in rural
Sao Paulo state. The analysis utilizes depositions from the community in 2002 and in 2005.
Deposition excerpts chosen for the study were transcribed observing the NURC Project
norms. Which language was spoken by the immigrants when discussing nutritional matters:
Italian or Portuguese? Did the Italians maintain their gastronomic traditions? Did they
change their recipes? Did they acquire local eating habits and their local terminology? If so,
did they do it partially or completely? Did the Italian immigrants create an Italian-dialect-
Portuguese interlanguage? These and other questions will be raised during the present
study.
Key words: Italian language local eating - Pedrinhas Paulista - Italian immigration -
interlanguage
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NDICE:
INTRODUO
1. Tema do trabalho...............................................................................................................03
2. Caminho percorrido..........................................................................................................03
CAPTULO I
1. Imigrao e Aculturao...................................................................................................09
2. Apresentao de Pedrinhas e estudos sobre o assunto......................................................13
CAPTULO II
1. Imigrao e cultura italiana...............................................................................................18
2. Corpus do trabalho e tcnica de transcrio......................................................................22
3. A linguagem dos imigrantes italianos dos anos 50...........................................................25
3.1. Alguns conceitos de linguagem.....................................................................................25
3.1.1. nveis de linguagem.....................................................................................................26
3.2. formao da linguagem em Pedrinhas Paulista .............................................................28
3.3. Conservao da lngua italiana entre os italianos de Pedrinhas e entre os italianos
imigrados nas dcadas de 1960/1970 em So Paulo.............................................................35
CAPTULO III
1. Alimentos e tradio em Pedrinhas Paulista.....................................................................41
1.1. Alimentos encontrados pelos imigrantes em 1953.........................................................41
1.2. Criao da tradio.........................................................................................................46
1.3. Recuperao da identidade.............................................................................................52
1.4. Lngua e alimentos.........................................................................................................54
1.4.1. Consumo de carne, smbolo de status.........................................................................57
1.4.2. Consumo de massas, smbolo de tradio...................................................................61
1.4.3. O po, alimento por excelncia do ocidente, smbolo de religiosidade....................64
1.5. Adaptaes e misturas .................................................................................................67
1
2. Linguagem da alimentao em Pedrinhas Paulista...........................................................72
2.1. A permanncia do dialeto na linguagem alimentar: possveis motivos........................74
2.2. Lngua materna, lngua aprendida e interlngua ...........................................................77
2.3. Anlise qualitativa..........................................................................................................81
2.3.1. Bilingismo e Interlinguismo na terminologia alimentar:........................................81
2.3.2. Erros gramaticais........................................................................................................83
a) uso inadequado do ci si se..........................................................................83
b) verbos inventados..................................................................................................84
c) Flexo de grau.......................................................................................................85
2.4. Anlise quantitativa .......................................................................................................87
CONSIDERAES FINAIS................................................................................................94
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................102
ANEXOS
1. anexo I - Projeto NURC..........................................................................................111
2. anexo II -Transcries 2000....................................................................................113
3. anexo III Transcries 2005.................................................................................129
4. anexo IV - Transcries de So Paulo....................................................................148
5. anexo V - Tabela anualpec......................................................................................153
6. anexo VI - Tabela de ocorrncias lexicais..............................................................154
7. anexo VII - Algumas formas dialetais encontradas.............................156
8. anexo VIII Fotos...............................................................................157
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INTRODUO
1. Tema do trabalho
O presente trabalho prope-se a verificar a conservao de resqucios de lngua
italiana, no campo lexical dos alimentos, bem como das adaptaes alimentares, de um
grupo de italianos que imigraram na dcada de '50, anos que sucederam Segunda Grande
Guerra. Em conseqncia do Tratado de Paz entre Brasil e Itlia foram liberadas verbas
relativas aos bens italianos que foram congelados durante o perodo blico. Essas verbas
foram destinadas compra de uma rea ainda pouco habitada no interior do Estado de So
Paulo, apta para a fundao de uma colnia agrcola administrada por uma Companhia
Colonizadora Italiana.
A colnia, denominada Pedrinhas Paulista, em 1953, j estava estruturada em seus
elementos bsicos para receber o grupo composto inicialmente por 143 famlias de
imigrantes, em maioria camponeses, acompanhadas por um Padre, que provinham de vrias
regies da Itlia e falavam principalmente seu dialeto.
2. Caminho percorrido
A escolha do tema deste trabalho foi um processo demorado, pois unir
conhecimentos de nutrio com letras italianas no tarefa fcil. Mesmo assim, embora
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formada em nutrio, decidi ingressar no curso de ps-graduao em italiano, apresentando
um projeto sobre fala e comida.
No curso de italiano, o assunto j estava sendo estudado numa tese de doutorado,
que abordava a terminologia alimentar das massas e os italianismos alimentares no Brasil,
pela professora Paola Baccin.
Ingressei nessa empreitada dos estudos lingsticos relacionados aos alimentos e,
mesmo tendo feito diversas pesquisas em livros de receitas e alimentao de vrias regies
da Itlia, no encontrava um vis satisfatrio, com consistncia suficiente para embasar
uma dissertao de mestrado.
Tive de passar por um perodo de adaptao, cursando matrias da graduao para
aprimorar meus conhecimentos em gramtica, lngua e literatura italiana e, s depois,
comecei a fazer os cursos do programa de ps-graduao sugeridos pela minha orientadora.
Cursei a disciplina Lexicologia, Lexicografia, Terminologia: Teorias e Prticas e
as aulas dos cursos mais especficos diretamente ligados ao assunto da pesquisa como: O
italiano Medianamente Formalizado e O Italiano dos Imigrados: Lngua materna ou
Lngua Inventada? A Experincia de Pedrinhas Paulista, alm de uma disciplina dentro da
rea de Sade Pblica, Introduo Investigao Cientfica em Alimentos, Nutrio e
Sade Pblica. Atravs desses cursos, de um semestre de durao cada um, pude obter
embasamento para desenvolver e apresentar minha pesquisa.
No momento em que fui apresentada a Pedrinhas Paulista, no curso O italiano
dos Imigrados: Lngua Materna ou Lngua Inventada? A Experincia de Pedrinhas
Paulista, ministrado pela professora Giliola Maggio de Castro, me entusiasmei com a
possibilidade de fazer uma pesquisa com imigrantes. A leitura do livro do professor Joo
Baptista Borges Pereira, Italianos no Mundo Rural Paulista, iluminou meu caminho,
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acenando para o fato de que a questo alimentar representa um forte trao cultural e que, na
fase de implantao da colnia, os imigrantes passaram por muitas e dolorosas adaptaes,
inclusive em relao lngua e aos alimentos.
Apresentei a idia de fazer uma pesquisa lingstica da alimentao em Pedrinhas
Paulista para a minha orientadora e ela aprovou.
A escolha de trabalhar com imigrantes italianos no se deu por acaso, mas teve
relao com as minhas questes pessoais. Como filha de me italiana e de pai brasileiro,
desde cedo comecei a perceber as diferenas de lngua e de comidas no ambiente ao meu
redor. No momento da escolha pela profisso, me inscrevi em dois vestibulares, o de
nutrio e o de letras, lngua italiana. Ingressei em ambos, mas por motivos situacionais s
pude concluir a Faculdade de Nutrio, matria pela qual naquele momento meu interesse
era maior.
Depois de dez anos envolvida com minha vida profissional como nutricionista, me
senti compelida a terminar o que havia comeado e a retomar os estudos de lngua italiana.
Pensei em usar os conhecimentos adquiridos na graduao, mas com a maturidade
necessria para enfrentar uma nova etapa. No seria o caso de fazer um novo curso de
graduao, mas aprofundar meus conhecimentos de nutrio e lingsticos no curso de ps-
graduao.
Aprendi a lngua italiana no colgio Dante Alighieri e no mbito familiar,
convivendo com minha me, minha av italiana e meus parentes da Itlia. Durante minha
formao em Nutrio, as questes ligadas aos hbitos alimentares das diferentes etnias
sempre me causaram interesse, e minha ascendncia permitiu que eu convivesse
diretamente com preparaes tpicas italianas, em casa e tambm em minhas visitas a
parentes na Itlia.
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A cincia da Nutrio oferece uma srie de possibilidades de aprofundamento em
especialidades de estudo, desde a nutrio em si, dietoterapia em hospitais ou consultrios,
educao alimentar em escolas, nutrio em Sade Pblica para comunidades ou creches e
nutrio do esportista, bem como estudar os hbitos alimentares brasileiros e de povos
diferentes. Este ltimo assunto era o mais que me atraa. O pesquisador da rea de nutrio
no encontra fronteiras, ou no deveria encontr-las, na medida em que se envolve com um
tema voltado ao estudo dos hbitos alimentares de comunidades ou etnias, tal a ntima
relao entre comida e povo. Cada comunidade expressa sua cultura e suas razes
atravs da escolha e disponibilidade de alimentos, bem como de rituais de preparao dos
mesmos, o que podemos chamar de culinria.
Dois elos ligam um indivduo sua origem: o aprendizado da lngua materna e a
comida que se est acostumado a comer na infncia. Ambos so preservadores da
identidade social e tnica de um adulto (Visser 1998: p.41). Refletindo sobre essas
observaes, resolvi desenvolver um trabalho sobre a lngua e a comida de um grupo de
imigrantes italianos.
Pedi autorizao Profa. Giliola Maggio de Castro para utilizar o material com
depoimentos gravados por ela em italiano, composto por 45 entrevistas a moradores de
Pedrinhas Paulista, recolhidas 50 anos aps a fundao do ncleo colonial. Dei incio, com
um grupo de alunos da professora, ao processo de transcrio das fitas, dando nfase aos
trechos de interesse para o meu trabalho a respeito da alimentao dos imigrantes de
Pedrinhas Paulista. Tambm, atualmente, participo do grupo de transcrio do CNPq, que a
mesma professora coordena.
Ainda assim, havia a necessidade de coletar dados especficos para desenvolver
minha pesquisa. Em 2005 estive em Pedrinhas entrevistando mulheres imigrantes com
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perguntas dirigidas diretamente alimentao e suas receitas e ento, pude perceber a
abrangncia do item comida, tanto na preservao dos costumes tradicionais importados
da Itlia, quanto nas adaptaes realizadas em solo brasileiro. A linguagem usada por elas
seria tambm alvo de anlise. Ao chegar cidade fui recebida com muito carinho e
medida que eu ia conhecendo as pessoas, cujas vozes eu ouvira nas fitas durante as
primeiras transcries, sentia a importncia do trabalho de campo e do contato direto, pois
as vozes foram tomando corpo em carne e osso, em rostos, em sorrisos, em sentimentos
vivos.
Minha me, imigrante italiana, me acompanhou nessa viagem, e esse fato se tornou
fundamental para eu poder imergir mais profundamente e de forma no artificial - no
cotidiano dos pedrinhenses. Esse contato real se deu no momento em que uma das
entrevistadas usou palavras de seu dialeto regional calabrs e minha me se reconheceu e se
emocionou, ao lembrar da sua vivncia na Itlia. Essa forte identificao se deu tambm no
momento em que trocvamos experincias e recordaes sobre msicas antigas italianas e
os festivais de San Remo. Da para frente, passei do status de pesquisadora para uma
condio de igualdade, em que experincias foram trocadas, de imigrante para imigrante.
Eu mesma senti a fora de minhas razes, de uma forma muito especial: alguns encontros se
davam mesa na melhor tradio italiana - com comida farta e deliciosa, o que no podia
estar mais adequado para o tipo do trabalho que proponho.
Quebrada essa fronteira que separa entrevistador de entrevistado, as conversas se
deram sem a preocupao de manter uma formalidade, o que facilitou a coleta de dados
lingsticos.
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Infelizmente no pude comparecer s festas tpicas de Pedrinhas, que reproduzem a
tradio italiana, atravs das msicas, comidas e danas, mas pude ver atravs de vdeo
como tudo muito cuidado.
Visitei o Museu de Pedrinhas, inaugurado recentemente - em 7 de agosto de 2003
que rene objetos antigos da poca da colonizao, recuperados e cuidadosamente
organizados pela Prefeitura: ferramentas agrcolas dos hericos pioneiros e colonizadores,
as pequenas camas e mesinhas com os pratos usados no jardim da infncia da poca, cama
com estrado de rede de ferro fornecida pela Companhia, foges, moedores de caf, lenis
bordados, carteirinhas da biblioteca, mesa de parto da enfermaria e muitos outros objetos
recolhidos de porta em porta e que hoje compem um rico acervo histrico ao lado de
muitas fotos do incio da colnia.
O ponto culminante dessa minha viagem se deu no dia de Finados, quando pude
observar os italianos na missa realizada dentro do cemitrio, numa celebrao que retrata a
realidade do cotidiano dos moradores mais do que qualquer festa tpica. Ouvi dialetos,
italiano, portugus; vi senhoras apoiadas nos mais jovens para se locomover, grupos de
senhores se formando para ouvir a beno do padre, mas tambm para se cumprimentarem
e compartilharem a mesma dor, a dor da perda de entes queridos, fundadores da colnia.
Gravei entrevistas com mulheres de diferentes faixas etrias de diversas regies da
Itlia, imigrantes e filhas de imigrantes, e na volta a So Paulo dei inicio ao processo de
transcrio desse novo material de pesquisa, contedo que corresponde diretamente ao meu
foco de trabalho e sobre o qual vou desenvolver esta dissertao.
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CAPTULO I
1. Imigrao e aculturao
Os fenmenos lingsticos, tratados neste trabalho, esto ligados situao da
imigrao italiana no perodo que se seguiu Segunda Guerra Mundial e, para tanto,
necessrio estabelecer algumas premissas a fim de esclarecer o raciocnio que fundamenta o
nosso discurso sobre a aculturao que se deu entre os italianos emigrados para Pedrinhas
Paulista e o povo brasileiro, focalizando alimentao e lxico correspondente.
O conceito de aculturao j foi largamente discutido por pesquisadores e seus pares
na dcada de 50 e o nosso trabalho utilizar o termo aculturao no sentido em que o
define Seppilli, ou seja:
Il termine acculturazzione viene usato nelle scienze storico-
sociali, e in modo specifico in quelle antropologiche, per indicare
genericamente ogni tipo di processo di interazione che si determina fra
pi culture quando esse entrano fra loro in una qualche forma di
reciproco contatto(Seppilli -2002: 09)
Algumas situaes facilitaram e intensificaram o contato entre culturas diferentes,
so elas:
- contato estabelecido entre populaes culturalmente heterogneas separadas por
fronteiras;
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- ingresso de indivduos portadores de uma determinada cultura em um contexto
social/ territorial totalmente diferente;
- contatos entre indivduos culturalmente diferentes e de vrias origens, em
territrios de alta visitao humana como portos e santurios;
- interao cultural distncia atravs da mdia, especialmente nos tempos atuais de
globalizao, pelo enorme salto da tecnologia em telecomunicaes e Internet. Isso
possibilitou aos indivduos de culturas diferentes o acesso aos instrumentos de
comunicao, conhecer e absorver sistemas culturais diversos, especialmente culturas de
pases considerados de maior poder, de maior prestgio econmico-social.
Cada uma dessas situaes facilita o contato entre indivduos e suas culturas,
possibilitando entre eles a absoro de hbitos. A intensidade e o xito do processo
aculturativo depende de vrios fatores envolvidos como: a durao do contato entre os
indivduos; nmero de indivduos envolvidos; o tipo do sistema social; a hegemonia e o
poder dos indivduos e das culturas.
Um dos motivos causadores de maior impacto ao processo de aculturao foi o
fenmeno migratrio. Um grande contingente populacional europeu imigrou em busca de
oportunidade de trabalho. Tiveram como destino pases em crescimento econmico e
populacional como Estados Unidos, Austrlia, Argentina, Canad e Brasil. No caso do
Brasil, um pas j marcado pela plurietnia, onde ndios, negros e portugueses
compartilhavam o territrio - no na mesma proporo nem na mesma situao econmico-
social como j se sabe - a eles se somaram outros povos brancos: os conquistadores
holandeses que no sc XVII ocuparam o nordeste brasileiro, portugueses imigrantes e, j no
sc XIX e XX, povos de vrias etnias europias. No comeo do sculo passado o pas
comeou a receber uma boa proporo de asiticos e imigrantes de mais de 60 pases,
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sendo os mais expressivos os povos italianos, espanhis, alemes, austracos, russos, srio-
libaneses, iugoslavos, franceses, hngaros, belgas, suecos, tchecos e judeus (Borges
Pereira: 1985).
Todos os estudos relativos imigrao de europeus viram nisso uma manobra
favorvel crescente necessidade de ocupar o territrio e branquear a populao, isso
particularmente no perodo que foi denominado de primeira grande imigrao. O
processo de integrao social entre os imigrantes foi facilitado, em maior ou menor grau, e
dependeu de fatores como: 1) receptibilidade da sociedade aos de fora, 2) compatibilidade
entre a sociedade acolhedora e o grupo acolhido e 3) dimenses sociais e culturais
implcitas no processo.
Os italianos da primeira leva de imigrao foram recebidos como grupos de
agricultores a partir de 1875, quando representaram o maior contingente imigratrio do
perodo. Dois modelos imigratrios se evidenciaram: o primeiro para substituir, como
assalariados, a mo de obra escrava nas fazendas, espalhando os italianos pelas grandes
plantaes de caf; e o segundo em forma de ncleos coloniais estabelecidos em espaos
relativamente desabitados em que, j nesse perodo, os imigrantes comeavam a criar uma
espcie de territorialidade tnica italiana, cultivando e recriando a sua cultura original e sua
expresso lingstica. (Prado:1942)
A situao da imigrao dos italianos de Pedrinhas Paulista, j em outro momento,
no segundo ps-guerra, foi semelhante a esse segundo modelo, pois vieram para cultivar
terras isoladas em espaos semi-desabitados. Retomaremos o assunto mais adiante.
A segunda grande emigrao italiana ocorreu aps o fim da segunda guerra
mundial, na metade do sc. XX.
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A Itlia destroada pela guerra, em situao poltica e econmica difcil, estava
procurando se reconstruir, mas no podia oferecer trabalho para todos os cidados. A
soluo para combater escassez de trabalho e de capital, mais uma vez seria a emigrao. A
retomada da emigrao foi facilitada pela poltica governamental italiana. Muitos italianos
emigraram para pases europeus, mas uma grande corrente canalizou-se em itinerrios
transatlnticos. Alm dos italianos, no mesmo perodo e pelas mesmas razes, chegaram ao
Brasil, alemes e povos da Europa Oriental e do Oriente Mdio. Em meados de 1950 o
governo brasileiro ajustou acordos polticos com pases da Europa para estimular a
receptao de imigrantes. Os tratados de colaborao econmica garantiam ao mesmo
tempo obteno de mo de obra pelo pas hospedeiro e remessa de capital para o pas de
origem. Consideremos os italianos:
Na ptria, o trabalhador que se transferisse para alm-mar
representaria, com a sua ausncia, um consumidor a menos e, com as
suas remessas de divisas, um produtor a mais. (Trento, 1989: 405).
Havia nesse perodo trs tipos de acordos imigratrios: 1) individual, em que o
italiano esperava a chamada de acordo com a oferta de trabalho, 2) de colonizao agrcola,
em que os italianos serviriam de mo de obra nas fazendas e 3) em grupos, em que famlias
inteiras eram transferidas para criao de colnias agrcolas subvencionadas.
Segundo Trento, a ltima iniciativa teve maior xito econmico por concentrar
todos os esforos dos acordos imigratrios, apoiado pelo decreto-lei 6117 - sancionado pelo
governo brasileiro - que regulamentava a formao de ncleos coloniais destinados a
receber e fixar, na qualidade de proprietrios, no s trabalhadores rurais brasileiros mas
tambm um grande contingente de estrangeiros. Houve vrias ofertas de colonizao
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agrcola aos italianos em diversas regies do Brasil, alguns estados chegaram a oferecer
gratuitamente terras aos colonos, o que induziu a chegada de um grande nmero de
agricultores italianos.
Houve tambm que se pensar em como resolver o problema dos bens italianos
retidos pelo governo brasileiro durante a guerra. Estabeleceu-se que a restituio seria feita,
mas o dinheiro no poderia sair do territrio brasileiro e que deveria servir para facilitar a
imigrao de agricultores e a colonizao de terras frteis, porm ociosas.
Duas comisses tcnicas italianas foram formadas e subsidiadas pelo ECA
Economic Cooperation Administration - e tinham como finalidade avaliar as condies de
viabilizar a ocupao de territrio por imigrantes.
2. Apresentao de Pedrinhas e estudos sobre o assunto
Aps vrias medidas governamentais, tanto de um pas como de outro, para atrair
imigrantes italianos e algumas visitas dos peritos italianos em misses, para avaliar a
viabilidade de se fundar colnias italianas no Brasil, finalmente criou-se uma situao
estvel que possibilitou o tipo de imigrao com grupos de famlias que se concentrariam
em colnias agrcolas onde os lotes, assim como as despesas com a viagem, inicialmente
subvencionados pela Companhia, seriam vendidos em prestaes aos colonos.
Para tanto, os peritos procuravam terras com qualidade para plantio em posio
geogrfica favorvel, onde houvesse vias de acesso para escoamento de produo e em
proximidade a centros urbanos. Pedrinhas, ento um pequeno arraial com algumas famlias
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agrcolas nativas, prximo de Assis, na regio oeste do Estado de So Paulo, se apresentou
como uma regio favorecida para o tipo de colonizao desejada e foi apontada como ideal.
Com a aprovao da liberao dos bens italianos no territrio brasileiro, em 8 de
outubro de 1950, foi constituda a Companhia Brasileira de Colonizao e Imigrao
Italiana - com sede no Rio de Janeiro e em So Paulo - que comeou o trabalho de
preparao da colnia.
Em 1953, os imigrantes comearam a chegar e se instalar em lotes pr-determinados
e organizados pela Companhia, que transformou as fazendas em terreno apropriado para a
lavoura e construo de um ncleo urbano, de casas residenciais, comerciais e de servio
pblico para suprir as necessidades iniciais dos colonos. Dentro desta organizao, os
italianos encontraram-se em um ambiente diferente daquele em que viviam na Itlia e se
viram obrigados a adaptar-se ao clima, ao ambiente, lngua falada por brasileiros e aos
alimentos encontrados na nova terra.
Os processos sociais e culturais envolvidos na fixao deste grupo de imigrantes
foram estudados j desde o incio da criao da colnia e foram apresentados em livros e
trabalhos. Uma investigao importante e pioneira sobre o assunto feita pelo prof. Joo
Baptista Borges Pereira colheu aspectos fundamentais da colnia ainda em fase de
fundao. Iniciada em 1960 e que somente em 1974 a pesquisa foi publicada com o ttulo -
Italianos no Mundo Rural Paulista e reeditada em 2003. Nas palavras do prprio autor a
pesquisa:
teve como alvo a compreenso do processo [...] que envolve um
grupo de imigrantes, quando, em seu deslocamento espacial, se v na
contingncia de enfrentar, com seus recursos culturais de origem, uma
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nova realidade, que , ao mesmo tempo, fsico-geogrfica, demogrfica,
social e cultural. (Borges Pereira, 2003: 23)
A comunidade de Pedrinhas Paulista representa um ncleo de interesse de estudos
sociais, culturais e lingsticos porque os italianos ali radicados ao chegarem viram-se
obrigados a adaptar-se ao clima, ao ambiente, lngua falada por brasileiros e aos alimentos
encontrados nesta nova terra. Mas mesmo com toda a dificuldade encontrada em um
ambiente diferente daquele em que viviam at a transferncia de ptria, sempre
conservaram o forte desejo de manter os costumes trazidos da pennsula. Os fatos que aqui
nos interessam, ligados lngua e alimentao, fazem parte do social e do cultural,
incluindo, de maneira especfica, os aspectos lingsticos, pois atravs da lngua que se d
o intercmbio entre culturas, e atravs das palavras se nomeiam as coisas que nos
circundam e formam o nosso cotidiano, inclusive as palavras ligadas alimentao.
O professor Joo Baptista entra no cotidiano das pessoas recm-chegadas colnia,
para as quais a estranheza de viver no novo ambiente se revelava nas pequenas coisas de
todos os dias como comer, cuidar da casa e trabalhar os campos. Assiste diretamente esse
drama, por isso seu testemunho fundamental para qualquer pesquisa posterior sobre
Pedrinhas, referncia obrigatria, como tem acontecido, para todos os outros trabalhos
realizados em Pedrinhas. o prprio autor, alis, a indicar isso na sua introduo, ao dizer
que:
claro que o presente estudo poderia dar contribuies mais
substanciais na medida em que pudesse seguir o desdobrar dessa marcha
aculturativa. Isso equivaleria, porm, a dedicar a vida a seguir o
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desenrolar do processo. Empresa difcil, mas no impossvel. (Borges
Pereira, 1974: 05).
O fato de ter sido Pedrinhas objeto de outros estudos, que retomaram e ampliaram
as sugestes iniciais do professor Joo Baptista, mostrou que no se tratou realmente de
uma empresa impossvel. O processo de aculturao em Pedrinhas continua suscitando
interesse, sob os mais diversos aspectos.
Pelo grande nmero de estudos realizados na colnia consideramos que Pedrinhas
Paulista representa, at o momento, a comunidade de imigrantes que mais recebeu
pesquisadores, chegando a ser objeto de estudo para teses de doutorado e tema para
diversos artigos publicados por revistas do Departamento de Letras da USP. Veremos a
seguir o elenco das pesquisas a respeito da colnia:
1966 - Italianos no Mundo Rural Paulista. Tese de livre-docncia do professor Joo
Baptista Borges Pereira. Obteve prmio Governador do Estado em 1974. Publicada pela
ed. Pioneira e reeditada em 2002 pela Edusp.
1967 - Organizao Social e Educao Escolarizada numa Comunidade de Imigrantes
Italianos e seus descendentes. Tese de doutorado de Jos Fernando Martins Bonilha, sob a
orientao do prof. Florestan Fernandes. Publicada em 1970.
1969 - As Colnias Bastos e Pedrinhas, Estudo Comparativo de Geografia Agrria. Tese
de doutorado de Fernando Fonseca Salgado, sob a orientao do prof. Pasquale Petrone,
apresentada Faculdade de Presidente Prudente do Departamento de Geografia da USP e
publicada em 1971.
1997 - O cooperativismo no Vale do Paranapanema. Estudo das cooperativas:
Riograndense, Agropecuria de Pedrinhas Paulista e Coopermota (1980- 1995). Tese de
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doutorado de Lus de Castro Junior sob orientao da Prof Maria do Carmo Sampaio di
Creddo, do programa de ps Graduao de histria da UNESP de Assis.
1997 - Ncleo de Pedrinhas: identidade, histria e cultura material. Dissertao de
mestrado de Silvana Cristina Oliveira Muniz, sob orientao do Prof. Pedro Paulo Abreu
Funari, do programa de ps-graduao em histria da UNESP de Assis.
2000 - Menina, Menina! Storie da unoasi italiana in Brasile, Pedrinhas 1951-1991.
Tese de doutorado de Michele Petochi, sob orientao dos professores Stabili e Flores, do
programa de ps-graduao em letras da Universit degli studi Roma Tre, na Itlia. Estudo
que relata a transformao e adaptao da lngua italiana do momento da criao da colnia
at a emancipao para Distrito.
2000 - Pedrinhas Paulista: Memria e Inveno. Tese de doutorado apresentada pela
prof. Giliola Maggio de Castro, sob a orientao da Prof. Liliana Lagan, do programa de
ps-graduao de Geografia da USP.
2003 Eles Fizeram a Amrica! A saga dos Imigrantes Italianos de Pedrinhas Paulista.
Dissertao de mestrado de Danusa Rodrigues Alcades sob orientao da Prof. Ester
Kominsky UNESP de Marilia.
2005 - Terra Nostra em Mudana: identidade tnica, identidade religiosa e pluralismo
religioso numa comunidade italiana do interior paulista. Dissertao de mestrado de
Mariovaldo Gouveia, sob orientao do Prof. Joo Baptista Borges Pereira, do Programa de
ps-graduao da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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CAPTULO II
1. Imigrao e cultura
Meu interesse pelo aspecto alimentar no processo de aculturao de imigrantes,
especialmente dos fixados em Pedrinhas, prende-se no s minha formao profissional,
sendo eu graduada em Cincias da Nutrio, mas ao fato de considerar o ato de comer, um
dos traos fundamentais da cultura italiana, como bem ressaltou Fabiano Della Bona em
seu trabalho Literatura Italiana e Gastronomia: Um Dilogo Interdisciplinar. Diz o autor:
Talvez nenhum outro povo dedique tanto tempo e d tanta
importncia ao ato de comer como os italianos [...]. Comer, para um
italiano, muito mais do que um ato meramente fisiolgico. Ao sentar
mesa, a preocupao de um italiano no somente a de satisfazer seu
paladar. A comensalidade, o ritual quase sagrado da companhia e da
preocupao com a qualidade, procedncia egenuinialidade dos
alimentos tambm o preocupam. Sem falar no prprio ato de prepar-los,
que em si j pressupe prticas tambm muito rituais, todas elas
permeadas de tradies que afundam suas razes em tempos muito
remotos. No se pode ignorar todas as influncias que as culturas
estrangeiras que dominaram o territrio italiano exerceram sobre os
mais diversos aspectos da vida italiana, e a cozinha, obviamente, no
ficou de lado (Della Bona, 2003: 03).
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Se, como ressalta o autor, a cozinha italiana sofreu, ao longo dos sculos, variadas
influncias estrangeiras dos povos que dominaram o territrio italiano, sendo, portanto,
fruto de variadas culturas, que ainda se fazem sentir de maneira marcante nas profundas
diferenciaes regionais e locais, como se dar a aculturao no contato com outra cultura,
quando os italianos chegam, como imigrantes, em novas terras? Se para o italiano comer
to importante, a ponto de ser - como de resto acontece com muitas culturas - um dos
aspectos fundamentais ligados prpria identidade, como ter sido o trauma vivido pelos
que emigraram, arrancados fora de suas origens e do seu meio, ao perderem contato com
aqueles alimentos a que estavam acostumados? De que maneira superaram (os que
superaram, pois muitos abandonaram a colnia Pedrinhas ainda no incio, como bem relata
o trabalho de Joo Baptista) a forte saudade causada pela ausncia, no s das paisagens
costumeiras, mas tambm da comida cotidiana, ao chegarem num pas com caractersticas
fsico-climticas e gneros alimentcios totalmente diferentes daqueles deixados na terra
natal? Sendo os imigrantes de Pedrinhas provenientes de diversas regies da Itlia (e
portadores, portanto de significativas diferenas regionais) teria acontecido, como
aconteceu com a lngua, uma generalizada uniformizao entre os italianos das mais
variadas procedncias, a ser contraposta aos padres alimentares do local a que chegavam,
tendo que recorrer forosamente aos alimentos que tinham disposio? Essas so algumas
das questes que sero levantadas ao se enfrentar este estudo sobre a influncia italiana na
alimentao em Pedrinhas, questes que acompanham a mesma problemtica da lngua
falada.
No se trata, neste trabalho, de aprofundar a questo to importante e fundamental
da alimentao, especialmente para um povo, como o italiano, para quem o comer se
reveste de uma importncia particular, sendo um dos traos fundamentais de sua cultura,
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mas trata-se de reconhecer nas palavras dos imigrados quais foram os traumas ligados
alimentao, no momento do transplante para a nova terra, e como se deu a posterior
adaptao ao novo meio, at a criao de uma forma de alimentao, em que se
misturaram: a tradio trazida da ptria deixada, a utilizao de novos ingredientes e a
assimilao de hbitos alimentares dos habitantes nativos.
Meu trabalho tambm tem como objetivo analisar a terminologia alimentar da
lngua italiana ainda em uso pelos imigrantes na colnia Pedrinhas e aprofundar os aspectos
que dizem respeito aos hbitos alimentares e lngua falada. Poucos trabalhos nesta linha
foram publicados, muito provavelmente pela interdisciplinaridade que envolve tal tipo de
pesquisa. O desafio realizar um trabalho sob esse enfoque, que at agora foi
marginalmente citado nas pesquisas realizadas anteriormente nesta comunidade. As
dificuldades iniciais encontradas pelos imigrantes italianos em Pedrinhas foram objeto de
algumas consideraes por parte do professor Joo Baptista, no sendo seu objeto
especfico de estudo. No entanto os depoimentos por ele recolhidos diretamente dos
imigrantes so muito interessantes para captar o trauma que significou o primeiro contato
com a nova terra. Diz ele:
Por fim, nesta ordem de consideraes em torno das reaes do
imigrante a estmulos derivados dos quadros naturais, cabe lugar de
destaque s referncias alimentao. Nas confisses dos colonos so
corriqueiras as observaes a respeito do cheiro e do gosto diferentes e
desagradveis dos alimentos. Este trecho, extrado da histria de vida de
uma camponesa proveniente da regio central italiana (Lazio),
exemplifica, com riqueza de detalhes, as reaes do italiano perante tal
situao: Chegamos nas Pedrinha, numa sexta feira, em 1952. Fazia
muito calor. Nossa casa estava quase totalmente coberta de mato. Tinha
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mato at na porta de entrada. Fui ao poo tomar gua. Antes de beber j
comecei a chorar, pois sabia que a gua tinha cheiro e gosto diferentes.
No comeo, a gua no matava a sede. Alguns dias depois, uma vizinha
presenteou-me com um mamo e um abacaxi. Fiquei com o estmago
enjoado s de sentir o cheiro das frutas. As crianas comeram e disseram
que o mamo tinha gosto de coisa podre. Acho que s depois de muito
tempo foi que comecei a comer certas frutas. De banana, at hoje, eu no
suporto o gosto. Nem a laranja daqui era gostosa como as da Itlia. No
comeo eu comia certas coisas, tapando o nariz, sem respirar: o cheiro
era pior que o gosto. Hoje, quase no sinto a diferena(Borges Pereira,
1974: 51)
Este dramtico depoimento, em que, para comer (e portanto se alimentar e manter a
vida) a pessoa deixa de respirar, extremamente significativo do padecimento sofrido
pelos imigrantes em seus primeiros contatos com a diversidade da terra. No entanto outros
depoimentos, tambm recolhidos pelo professor Joo Baptista, falam de um progressivo
aprender a cozinhar com as vizinhas brasileiras, incorporando alimentos novos, como a
carne de boi, que nunca fora alimento freqente na terra de origem:
Eu punha bastante alho e cebola para disfarar o gosto e o
cheiro da comida. A carne me deu muito trabalho. Na Itlia s se comia
carne de vitela; era macia e fcil de cozinhar. Aqui a carne de boi
velho. Eu no sabia como fazer. Fui casa de um brasileiro. Junto com
outras mulheres italianas, e l aprendemos a fazer o bife, do jeito
brasileiro. No difcil, e at gostoso. Meu marido outro dia me disse
que quer voltar Itlia s para comer carne de vitela. Eu j me
acostumei tanto com a carne de boi velho que nem sei mais que gosto tem
a da vitela (Borges Pereira, 1973: 51).
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Estas ltimas observaes so importantes para entender o processo de aculturao,
pois ao lado de um aprendizado existe um esquecimento - e existe tambm a percepo
das diferenas - que se realiza em todos os mbitos da vida cultural (desde o alimentar ao
lingstico) e que ser a base para a criao de algo novo.
2. Corpus do trabalho e tcnica de transcrio
O professor Borges Pereira no se preocupa diretamente com o estudo lingstico e
as citaes dos depoimentos dos italianos que encontramos na sua obra so relatadas em
portugus correto e fluente e no na linguagem real que essas pessoas podiam usar. No
nosso caso, apresentaremos os depoimentos em italiano, ou, para sermos mais exatos, numa
lngua que tem por base o italiano. A transcrio reproduz a lngua falada em todas as
suas caractersticas e irregularidades, embora ciente de que esse modo poder chocar quem
no est acostumado leitura de transcries, consideramos que a melhor forma de
mostrarmos no apenas o que, em Pedrinhas aps 50 anos, sobrou das tradies alimentares
italianas, mas tambm mostrar o que os pedrinhenses ainda lembram da lngua italiana
quando falam do que lhes diz respeito.
Uma intensa pesquisa de campo, realizada pela Profa. Giliola Maggio de Castro do
Departamento de Italiano da USP, fornecer parte do corpus. So depoimentos de
imigrantes colhidos no perodo de 1998 a 2000, nos quais os entrevistados relatam suas
impresses, angstias e alegrias do momento da chegada ao Brasil e suas adaptaes nova
terra. Quase todos os depoimentos contm informaes interessantes relativas
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alimentao, o que me possibilitou sua utilizao. Mas uma nova pesquisa se fez necessria
e fui buscar em Pedrinhas dados relativos alimentao e suas preparaes. Entrevistei
mulheres italianas e pedi para que me explicassem o procedimento de cada etapa das
preparaes dos pratos tpicos da regio de origem. Consegui receitas das mais variadas, o
que enriqueceu meu corpus, permitindo uma anlise especfica para o presente estudo.
Usamos para o processo de transcrio o modelo do NURC (anexo 1), mas foi
necessrio criar algumas regras adicionais que foram adaptadas para este trabalho, por se
tratar de um estudo indito sobre lngua (que envolve italiano e portugus) e alimentao
(que envolve hbitos alimentares) e tivemos que preservar alguns termos criados pelos
italianos que misturam as duas lnguas. No nosso caso, apresentaremos os depoimentos em
italiano, ou, para sermos mais exatos, numa lngua que tem por base o italiano.
O instrumento que permite chegar o mais perto possvel do discurso genuno do
falante so as normas de transcries do NURC utilizadas: prolongamento de vogal (:::),
truncamentos (/), etc. Esses sinais especficos do projeto NURC ultrapassam os sinais
grficos que o falante alfabetizado utiliza quando escreve, como: acentos agudos,
circunflexos e til. No arquivo sonoro como chamando pelos prprios autores do NURC,
as marcaes de transcrio propostas permitem que o que foi realizado no plano sonoro
seja materializado aos olhos do leitor. Aps compreender o funcionamento de cada sinal
proposto e ao ler um trecho de transcrio consegue-se chegar muito perto da linguagem
oral ali manifestada.
Evidentemente existe, na linguagem oral, um complemento de comunicao de
atividade no verbalizada atravs de signos como gestos e expresses faciais do falante,
que se perdem no processo de reproduo em udio.
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Para a proposta desta anlise a falta desses elementos lingsticos no verbais nas
transcries no far diferena.
Quando o discurso oral passado para o formato de texto outro signo da comunicao
abandonado: a entonao da voz do falante. Consideraremos a marcao grfica (NURC)
com letras maisculas para indicar alterao emocional, quando o falante eleva o tom de
voz.
Esses sinais de transcrio - como colocar letras em maisculo para acenar que o falante
elevou a voz - tm como finalidade enfatizar a palavra: por exemplo quando ele eleva o tom
de voz ao dizer banane, a expresso grfica dessa palavra dentro desse contexto ser
BANANE. E quando o entrevistado desejar enfatizar algum fonema, naturalmente ele o far
pronunciando-o pausadamente, a imagem grfica para esse fonema ser representado
separando-o por slabas assim: BA-NA-NE.
Essa manobra da transcrio suficiente para identificar o grau de afetividade que o
falante italiano tem com a comida. Vamos considerar que BA-NA-NE sinal grfico que
expressa um maior grau de afetividade possvel numa transcrio, quando o falante elevou
o tom de voz e teve o cuidado de pronunciar pausadamente.
de conhecimento comum que muitas palavras italianas entraram para o
vocabulrio portugus porm com modificaes em sua escrita (morfolgicas e sintticas),
como por exemplo: lasanha e lasagna. Por se tratar da anlise do lxico alimentar, preferi
utilizar a grafia italiana da palavra como se eles estivessem falando: lasagna.
Por se tratar de uma linguagem oral, na qual se notam pronncias diferentes, o processo de
transcrio das entrevistas precisou de uma definio em relao s diferenas fonticas
como por exemplo: mamon registramos como mamo, feijon como feijo, etc. Nesse
caso, mantivemos a palavra em portugus que o que a pessoa queria dizer,
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desconsiderando suas limitaes de pronncia. Por outro lado, foram mantidas as
consoantes duplas para os casos das palavras criadas, para preservar sua formao
fontica no caso da pronncia ser muito marcada.
3. A linguagem dos imigrantes italianos dos anos 50
3.1. Alguns conceitos de linguagem
Cada indivduo tem certo nmero de elementos lingsticos memorizados que permitem
a comunicao. A linguagem humana fruto da capacidade do homem de comunicar-se
com seus semelhantes atravs de signos verbais, num sistema compreendendo lxico e
todas as regras gramaticais; foi aprendido em casa e no meio social, existe na conscincia
de cada indivduo, que tem liberdade de combinar os signos e utiliz-los para elaborar sua
mensagem e organizar os pensamentos. (Barbosa, 1995)
Para ter uma idia mais clara do assunto, consideramos os dicionrios mdios em uso
no Brasil e na Itlia. O Novo Aurlio de 1999 registra 435 mil verbetes, locues e
definies abrangendo todas as reas do conhecimento. O Zingarelli de 1983 apresenta
127 mil verbetes relativos principalmente tradio literria. Nos anos do ps guerra, o
Novo Palazzi registra 64 mil verbetes de tradio literria. Mesmo no mais reduzido desses
dicionrios temos um nmero de palavras que nenhum falante capaz de memorizar. O
sistema muito mais amplo do que a capacidade do homem - mesmo o mais culto de
armazen-lo.
Quantas dessas palavras so conhecidas pelo falante comum ou mesmo por aquele
com escolaridade mdia superior? Alguns milhares. Quantas palavras conhece o povo no
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escolarizado ou pouco escolarizado? Talvez 500 ou mil. H uma diferena muito grande de
conhecimento lingstico lexical entre as pessoas, determinada pelo nvel scio cultural.
Existem vrios graus de comunicao: quando o ouvinte consegue absorver parte da
informao; quando o ouvinte consegue absorver quase toda a informao e quando o
ouvinte consegue absorver toda a informao. No ltimo caso, ouvinte e falante usam
exatamente o mesmo sistema ou cdigo lingstico, nos dois primeiros casos o ouvinte
desconhece signos que fazem parte do sistema ou cdigo do falante. Quando o cdigo
lingstico utilizado no comum entre o falante e o ouvinte, a conseqncia uma
compreenso fragmentada.
Mais complexa era a condio das massas populares italianas dos anos 50,
particularmente os agricultores pobres de regies afastadas, com escolaridade mnima que
falavam tambm dialeto, numa poca em que a mdia no era to difundida como hoje,
tinham conhecimento limitado da lngua materna. Foram esses os que emigraram. Antes
mesmo de chegarem ao Brasil tinham dificuldade em se comunicar em italiano com
pessoas estranhas ao seu pequeno mundo e no entendiam com clareza uma linguagem
mais sofisticada. Apesar disso muitos chegaram ao Brasil carregando livros, preocupados
em no perder o pouco que sabiam da lngua materna, pela qual tinham carinho e apreo e
que ainda e de alguma forma preservam.
3.1.1. Nveis de linguagem:
A primeira distino na linguagem, ento, social e cultural. A segunda acontece
entre lngua falada e lngua escrita. A lngua escrita passa por um processo de planejamento
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e organizao que permite uma seqncia contnua de idias. Na lngua falada o processo
de reflexo e elaborao so paralelos, ocasionando interrupes e retomadas dos assuntos,
o discurso torna-se truncado e interrompido. Nosso material para anlise apresenta-se em
texto oral transcrito. Preservamos as caractersticas da oralidade na comunicao:
truncamentos, abandono, retomada de assuntos, pausas, etc., o que pode provocar
estranhamento, mas no significa falta de conhecimento da lngua.
Em relao s diferenciaes diafsica e diastrtica da lngua italiana, De Mauro
(1963) sintetiza os nveis lingsticos na seguinte hierarquia: italiano scientifico, italiano
standard, italiano popolare unitario e italiano regional colloquiale.
Berruto (1987) apresenta outro modelo das diferenas de linguagem do italiano
contemporneo baseado em trs premissas: 1. evitar misturar as diferentes variaes, mas
saber que os nveis de linguagem se interseccionam. 2. lembrar que a diferenciao
geogrfica tem um peso importante para a lngua italiana (dialetos). 3. considerar as
variantes diafsica, diastrtica e diamsica. Berruto desenha uma linha horizontal que vai
do polo italiano scritto-scritto ao polo parlato-parlato (diamsica).
Numa anlise diastrtica, traa uma linha vertical que vai do polo alto, scio
cultural alto, ao polo basso scio cultural baixo. No eixo formado por essas duas linhas,
ele desenha uma outra linha transversal para classificar os diferentes nveis de
formalidade/informalidade, numa anlise diafsica. Ainda, isola algumas categorias de
linguagem a ttulo exemplificativo, com variedades fundamentais que estabelecem pontos
de referncia. Do formal ao informal; acadmico, burocrtico, literrio; do culto ao regional
e ao popular. Berruto tambm atesta que tnue a linha que separa os nveis de
diferenciao de linguagem:
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Il riconoscimento dellautonomia della dimensione diamesica non
del tutto chiarito in sede teorica. Indubbiamente, uso scritto e uso
parlato rappresentano due grandi classi di situazioni dimpiego della
lingua: e questo un buon argomento per ritenere la diamesia una
sottocategoria della diafasa. Daltra parte, anche vero che
lopposizione scritto-parlato taglia transversalmente la diafasa e le altre
dimensioni, e non riconducibile completamente allopposizione
formale-informale. (Berruto,1994:24)
Os diferentes nveis de linguagem no se apresentam numa disposio rgida e
simples, tornando possvel encontrarmos: nvel de linguagem oral formal e nvel de
linguagem oral informal, etc.
Nessa tica, as transcries que fazem parte do corpus desse trabalho apresentam
caractersticas da linguagem falada de nvel coloquial popular com influncias
regionais/dialetais acentuadas.
3.2. Formao da linguagem em Pedrinhas Paulista
Ao longo da permanncia no Brasil, os italianos sofreram adaptaes como
acenamos no capitulo anterior. Uma delas foi a adaptao e mudana da linguagem usada
por eles.
De acordo com obras consultadas sobre o tema, podemos visualizar um quadro geral
da situao lingstica dos italianos da comunidade em trs momentos distintos: em 1953,
no perodo da sua chegada ao Brasil; outro momento em 2000, na pesquisa da prof Giliola
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Maggio de Castro, e mais adiante em 2005, nas entrevistas colhidas por mim
especificamente para este trabalho.
Em 1950 havia na Itlia 47 milhes de habitantes, sendo que sete milhes e meio
eram analfabetos, treze milhes com curso primrio no concludo mas que sabiam ler
alguma coisa, 25 milhes com curso primrio completo, trs milhes e meio com curso
mdio (correspondente oitava srie) e 1,3 milhes diplomados no colegial, dos quais
apenas 1,8% com curso superior. ( wwwold.inran.it/Documentazione)
Dados encontrados em bibliografia citada no captulo I desta dissertao mostram
que os emigrados das vrias regies da Itlia nos anos seguintes Segunda Guerra faziam
parte de uma mesma realidade: condio scio-econmica baixa, pouca escolaridade e falta
de oportunidade de trabalho. Em sua maioria eram trabalhadores braais (operrios e
agricultores) e usavam uma linguagem simples, basicamente composta pelo dialeto na fala
cotidiana e pela lngua nacional - aprendida na escola e pelos meios de comunicao -
comprometida pelo baixo grau de conhecimento e raras ocasies de uso. Em sua maioria
cursaram alguns anos do curso elementare, equivalente primeira parte do ensino
fundamental no Brasil e muitos emigraram antes de alcanar a idade escolar. Os adultos,
operrios e agricultores, se valiam apenas de seu trabalho braal para garantir o sustento da
famlia.
Os primeiros anos dos italianos na colnia e o processo de adaptao s novas
condies de vida foram relatados na obra do prof. Joo Baptista e o autor faz algumas
consideraes no que diz respeito ao plano lingstico:
....na colnia [...] essa variedade de dialetos fracionou o
universo de comunicao do grupo, levando-o a buscar uma esfera
29
comum de entendimentos recprocos. Duas alternativas se apresentaram
ao grupo: cultivar a lngua italiana ou a portuguesa.....(Borges Pereira,
1964:205)
Um fator importante a ser considerado na anlise da linguagem dos pedrinhenses a
convivncia com o padre Dom Ernesto, guia espiritual do grupo heterogneo dos
imigrados, provenientes de diferentes regies da Itlia. Este convvio durante muito tempo
possibilitou ao grupo usar e melhorar a lngua italiana nacional, como meio de
comunicao entre eles. Dom Ernesto chegou ao Brasil em 1952, com os primeiros
colonos, e participou ativamente da construo da comunidade, mantendo sua coeso
religiosa e lingstica e a identidade italiana.
....A Igreja foi uma das primeiras construes planejadas para a
Colnia, sua pedra fundamental, lanada em 21/09/1952 marcou a
fundao da colnia [...] Desde sua inaugurao esteve sob a
coordenao do Monsenhor Ernesto Montagner, que manteve preservada
a cultura peninsular, realizando todas as missas e bnos em italiano,
at o ano de 1995 quando faleceu. Atualmente um padre brasileiro est
frente da Parquia, e a periodicidade das missas naquele idioma no a
mesma, mas a comunidade conserva a tradio, participando dos atos
religiosos e cantando os famosos cantos gregorianos..
(http://www.pedrinhaspaulista.sp.gov.br/omunicipio/turismo)
No entanto, a presso do ambiente local para o cultivo da lngua portuguesa foi
reforada pelos meios de comunicao como rdio, jornal e televiso da poca, mesmo que
no princpio no existissem em nmero considervel na colnia. Apesar dos constantes
30
esforos do padre e das escolas do jardim da infncia com freiras italianas, para se manter a
lngua italiana, segundo a opinio do professor Borges Pereira ...a lngua portuguesa saiu
vencedora..... Na poca de sua pesquisa j estava ocorrendo a construo de uma espcie
de italiano misturado com elementos lexicais dialetais e portugueses, iniciava-se a
formao de uma interlngua.
...na prtica o que est ocorrendo , no momento, a adoo de
uma espcie de lngua franca, formada de elementos italianos, dialetais,
brasileiros e de termos regionais, sobretudo de expresses nordestinas.
Ainda que bastante sincrtico, tal elaborao lingstica d o
denominador comum atravs do qual os indivduos se entendem e se
colocam em comunicao com os brasileiros.... (Borges Pereira 1964:
206)
Essas consideraes so importantes para o entendimento da nova realidade
lingstica que veio se formando ao longo dos anos e que podemos reavaliar no ano de
2000, ano em que os italianos de Pedrinhas foram revisitados para uma nova pesquisa que
mostra o quadro lingstico atual. As consideraes da profa. Giliola Maggio de Castro so
de extrema relevncia:
A anlise da evoluo lingstica em Pedrinhas Paulista, na
medida em que possvel verific-la, mostra que, sua chegada o
imigrante no falava italiano, mas o dialeto de sua aldeia. Em seguida,
entrando em contato com outros imigrantes, provindo de outras regies
italianas que, por sua vez, falavam o prprio dialeto, ele teve de adaptar-
se a um italiano comum, a fim de comunicar-se com eles. Finalmente, o
imigrante teve de adaptar-se ao portugus-brasileiro, em sua variedade
31
local, para os contatos com os brasileiros que ali moravam. Nesse
quadro de fragmentao lingstica, insere-se a aprendizagem e a
manuteno do italiano dos pedrinhenses como um meio de no esquecer
suas origens. (Castro, 2002:145)
Como se v, tanto em um enfoque social quanto lingstico, as adaptaes pelas
quais tiveram que passar os imigrantes em estudo foram muitas.
A ao do padre que, durante o contato com seus paroquianos, mantinha seu
discurso na lngua italiana, foi marcante. Atravs dos documentos (os sermes eram falados
por muito tempo em lngua italiana) que se encontram em Pedrinhas Paulista e de memrias
de pessoas que o conheceram, percebemos que o nvel lingstico de sua fala era bastante
informal, mas no incorreto, o que era necessrio para poder se comunicar com seus fiis.
Os pedrinhenses, ento, entre eles, mantinham contato com a lngua italiana, embora dentro
do ncleo familiar falassem o dialeto. Eram religiosos (a maioria) portanto no s
freqentavam a igreja mas conversavam com o padre, o que em parte preservou formas de
cultura peninsular, como atesta a prof Giliola:
Quanto ao uso do italiano comum na comunicao entre
imigrados de regies diferentes, preciso destacar a ao do padre Dom
Ernesto que, falando em italiano do plpito e nas conversas pblicas e
particulares com seus paroquianos, com a autoridade de sua funo e de
sua personalidade, alm de manter unida a comunidade pedrinhense ao
redor de seus ideais cristos, de suas tradies familiares e da imagem
da Itlia que lhe era prpria, ajudou tambm na manuteno e ampliao
do patrimnio lingstico originrio italiano de seus paroquianos. A ao
do padre, por algum tempo, criou uma barreira contra aquela que
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poderia ser a natural expanso do portugus na pequena comunidade. .
(Castro, 2002: 147)
Nas transcries das entrevistas se percebe o esforo dos pedrinhenses para
utilizao do maior nmero possvel de elementos lexicais do italiano pois, tanto nas
entrevistas da prof Maggio de Castro, como nas minhas, conduzimos sem imposio - o
uso da lngua italiana. O contedo das entrevistas que temos em mos como objeto de
estudo permite inmeras anlises. Essa mescla de lnguas e dialetos falados em Pedrinhas
Paulista recebe, nesta proposta de trabalho, um tratamento sob o ponto de vista alimentar,
ou seja a linguagem da alimentao. O material que compe o corpus desse trabalho est
numa forma escrita de linguagem oral, informal e misturada, apresentada em transcries
com todas as caractersticas da oralidade.
O motivo da opo pela anlise de entrevistas com referncia aos alimentos vem da
hiptese que lngua e alimentao tm uma forte ligao entre si na preservao da
identidade cultural. A lngua um bem ao qual cada indivduo se sente ligado
visceralmente e o ato de alimentar-se compreende no apenas a necessidade de nutrir-se e
manter a vida, mas algo fortemente interiorizado em cada ser humano, algo individual que
transcende a questo cultural e que promove a manuteno de hbitos alimentares. Porm,
no plano do consciente que o indivduo, dentro da sua comunidade, preserva os rituais de
preparao e consumo das refeies, repetindo as receitas ao longo dos anos e conservando
o lxico relacionado aos alimentos.
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Alm disso, o alimentar-se remete ao afeto, principalmente o materno, pois a me
quem d vida e alimento ao beb, ela tambm quem ensina as primeiras palavras1,
colaborando na formao da identidade alimentar que se mantm ao longo dos anos.
Veremos durante a anlise geral do corpus se no falar do italiano instalado em
Pedrinhas Paulista aparecem esses elementos da cultura e da identidade ligados
alimentao, mas no nos deteremos agora ao to complexo tema da afetividade ligada a
alimentos, porque isso envolve muitos outros fatores que desconhecemos e no nos
compete e nem temos instrumentos para explicar. Mas decidimos que se o momento em
que o falante elevou o tom de voz coincidir com a referncia a um determinado alimento,
essa palavra aparecer em letras maisculas, indicando que existe um fator emocional
ligado ao alimento dentro do contexto. Consideraremos que o fator emocional um forte
mantenedor dos hbitos alimentares e do lxico alimentar correspondente.
Verificaremos se o processo lingstico dentro do campo lxico alimentar
acompanha o processo de interao geral e misturas entre as lnguas. Ser que o lxico
alimentar original na lngua italiana (consideramos o que foi preservado do italiano e do
dialeto) ficou no plano secundrio sendo vencido pelo portugus mela substitudo por
ma; pasta por macarro, etc. - ou, esse processo no ocorreu e o lxico alimentar
italiano ficou preservado?
1 A primeira lngua aprendida chamada de lngua materna.
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3.3. Conservao da lngua italiana pelos imigrantes de Pedrinhas e
pelos italianos imigrados nas dcadas de 1960/1970 em So Paulo
capital
preciso ressaltar que a cidade de So Paulo tambm acolheu italianos do segundo
ps-guerra e isso aconteceu em dois momentos distintos: os que chegaram em condies
semelhantes s dos italianos de Pedrinhas na dcada de 50 e os que chegaram num
momento posterior, nos anos 60 e 70, que j estavam inseridos no processo de
crescimento econmico italiano e foram chamados por consociate, para desenvolver
funes diretivas nas filiais de empresas italianas no Brasil. Devido condio scio-
econmica a que pertenciam, estes italiani allestero se instalaram em bairros da elite
brasileira, mas tiveram de adequar seus hbitos ao novo contexto social, assim como todo
imigrante.
O grupo de imigrantes que chegou na cidade de So Paulo no imediato ps-guerra
espalhou-se pela cidade, especialmente por bairros como Brs e a Mooca, onde os traos
culturais italianos da primeira imigrao j haviam sido parcialmente estereotipados e num
ambiente em que j habitavam muitas outras etnias. Pouco a pouco foram perdendo o
contato com a lngua italiana fora do mbito familiar, conforme pesquisa - que vem sendo
realizada desde 1994 - sobre a lngua italiana ainda falada na coletividade italiana em So
Paulo, coordenado por docentes do Departamento de Lngua e Literatura Italiana da
Universidade de So Paulo, permite conhecer parte da situao lingstica em So Paulo.
Verificou-se que a maioria dos que chegaram como imigrantes haviam perdido o uso
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fluente da lngua italiana. Apenas aqueles que chegaram atravs de contratos de trabalho
por empresas italianas no Brasil falavam o italiano padro.
Foram colhidos depoimentos com italianos pertencentes a este segundo grupo. Os
entrevistados na cidade de So Paulo vieram da Itlia com uma situao econmica elevada
o que permitiu viagens freqentes Itlia e a conservao das relaes com a cultura
italiana atravs de associaes ou entidades tais como: Crcolo Italiano, COMITES,
Instituto Italiano de Cultura, onde continuam falando a lngua que haviam estudado
longos anos na escola e na universidade. Esses foram os dois principais motivos que
colaboraram para a conservao da lngua italiana e preservao da sua identidade cultural
e lingstica. O resultado dessa pesquisa mostra, como atesta a Prof Loredana Caprara,
que:
Queste persone, forse alcune migliaia, nonostante il lungo
periodo passato allestero e unattivit spesso svolta in ambiente
brasiliano, continuano a parlare un italiano fluente e abbastanza
corretto, anche se, in certa misura, un po differente dallitaliano
peninsulare, perch meno attualizzato e pi conservatore, in definitiva un
po rigido e antiquato (Caprara, 2004:105)
luz da leitura dessas entrevistas (anexo IV) percebemos que se trata de outra
realidade, muito diferente da de Pedrinhas Paulista. O motivo da imigrao no foi to
dramtico e a transferncia de pas parece ter deixado menos cicatrizes. Vieram para
exercer suas profisses em condies privilegiadas no mercado de trabalho, onde suas
especializaes seriam valorizadas.
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No entanto em relao ao sentimento envolvido com a alimentao, tambm essas
pessoas tm uma forte ligao com a comida e com as tradies alimentares da ptria, e que
deixam transparecer nas entrevistas. O lxico alimentar aparece como argumento principal
em alguns momentos de seu discurso.
Aproveitando o material dessa pesquisa, achamos interessante traar uma rpida
comparao entre a lngua da alimentao falada pelos dois grupos mas lembramos que a
anlise detalhada da linguagem em Pedrinhas Paulista se desenvolver no decorrer deste
trabalho. s transcries feitas na cidade de So Paulo, daremos o nome de transcries do
grupo SP, e s de Pedrinhas, transcries do grupo Pe.
Num recorte para uma pesquisa diastrtica comparativa entre os italiani allestero
dos anos 60 e 70 - o grupo SP - e o grupo de italianos entrevistado em Pedrinhas Paulista
- o grupo Pe -, observamos que o primeiro grupo esteve e est inserido em um ambiente
scio-cultural mais elevado e as condies de imigrao foram outras: o nvel de linguagem
usada nos encontros com italianos e no falar cotidiano corresponde diretamente
escolaridade e ao nvel cultural a que cada grupo pertenceu at o momento da emigrao,
no decorrer desses anos e ao que est inserido atualmente. Sob um recorte diatpico atual
dos dois grupos de imigrantes podemos constatar que os que imigraram para o campo e os
que imigraram para o centro urbano tiveram experincias diferentes em relao ao meio e
isso foi um dos motivos fundamentais determinantes da manuteno, ou no manuteno,
de hbitos e lngua materna.
Os dois grupos, cada um sua maneira, mantiveram o uso da lngua: os italianos de
So Paulo por se encontrarem em situao scio-cultural favorvel, e os outros por estarem
isolados como grupo social de caracterizao tpica italiana, num determinado territrio no
qual a maior parte da vida cotidiana se desenrolava naquele mbito restrito. Verificamos
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tambm que os dois grupos selecionados para a pesquisa O Italiano dos Italianos de So
Paulo, apesar das diferenas, possuem pontos em comum. Ambos so compostos por
italianos que provm de regies diferentes, so homens e mulheres na faixa etria dos 70
anos e permaneceram coesos durante muitos anos relacionando-se entre si.
Considerando que o conhecimento do lxico alimentar bsico comum a todas as
classes sociais, os dois grupos formaram o seu vocabulrio com um conjunto de palavras do
campo alimentar na infncia, independente da regio de provenincia e de seu dialeto local.
A comparao entre as duas linguagens se valida nessa premissa: o que nos interessa saber
quanto o lxico alimentar italiano foi preservado durante o curso imigratrio at os dias
atuais.
Os trechos que dizem respeito alimentao do grupo de imigrantes SP so poucos,
porque as entrevistas foram dirigidas verificao da competncia em vrios nveis de
linguagem, focalizada em questes como atividades profissionais e culturais alm da vida
domstica, ao passo que o segundo grupo foi conduzido ao assunto por uma seqncia de
perguntas aplicadas sobre as impresses iniciais em relao alimentao e adaptaes.
Percebemos a diferena entre os dramas vividos pelos dois grupos em relao
alimentao. Todavia, vale lembrar que ambos os grupos passaram o perodo da guerra na
Itlia, isto , presumimos que se no passaram fome propriamente dita, pelo menos
passaram por uma situao que favoreceu a valorizao da alimentao. Nos depoimentos
do grupo SP nos parece que a alimentao e suas adaptaes ficaram secundrias a outros
interesses; para o grupo Pe, a alimentao ocupa outro grau de importncia reforado pelo
cenrio ps-guerra, quando eles passaram por uma carncia de determinados gneros, o que
ocasionou uma extrema valorizao da questo alimentar: o que parece representar um
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papel importante na adaptao s novas condies de vida no novo continente. Assunto que
ser retomado e analisado no captulo III deste trabalho.
Alm disso, nos anos 60 nos grandes centros urbanos brasileiros j havia mais
disponibilidade de alimentos industrializados em relao zona rural. Na poca, nos
centros urbanos - estamos falando de So Paulo - um ambiente italianizado j havia se
formado, pois os italianos da primeira imigrao (desde 1870), haviam espalhado seus
costumes alimentares, como pizza, polenta e macarro, os quais, aos poucos se
incorporaram aos hbitos dos brasileiros. A presena dos italianos formava um mercado
consumidor que favoreceu a importao de massas prontas e farinha de trigo e em virtude
de crises externas como a Primeira Guerra Mundial, ampliou-se o parque industrial em So
Paulo destacando-se as indstrias de pastifcios, passando os produtos alimentcios a serem
fabricados no Brasil (Dean, 1971).
No houve muita dificuldade para o grupo SP no processo de adaptao nova
condio alimentar por dois principais motivos: a cidade j havia sido italianizada e a classe
econmica a que pertenciam permitia aquisio de gneros italianos, mesmo os mais caros.
No entanto faltavam algumas frutas e verduras a que essas pessoas estavam acostumadas.
Os italianos de So Paulo mantiveram os hbitos alimentares de origem, porm tambm se
deixaram seduzir por iguarias da comida brasileira formando uma dieta mista, o que de fato
deve ter acontecido com a maioria dos italianos imigrados. Vejamos um exemplo:
Doc e le abitudini alimentari?
Inf ah le abitudini alimentari (+) la feijoada mi piace molto (++)
(ridono) bevo la caipirinha per (+) mangio molta pastasciutta
(ridono)
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Doc2 e lei si brasilianizzato (+) o conserva alcuni costumi italiani Inf no non mi sono assolutamente Doc2 no Inf brasilianizzato non pretendo assolutamente brasilianizzarmi sono nato milanese (+) la mia: (+) il nome della mia famiglia viene da (+) prima dellanno mille: quindi ancora (voglio) continuare a essere milanese fin quando fino alla fine Doc1 lei ma lei conserva ancora prima delle alcuni: le abitudini per esempio alimentari a casa mangiate molto la pasta qualcosa del genere (+) (sebbene) che a::al nord si mangia abbastanza anche il riso no inf beh a Milano (+) il riso (+) doc 1 il riso doc1 fondamentale ( ) doc1 [ci sono delle risaie ( ) inf [alis alis (+) pi che (++) a Milano si mangia pi riso che pasta doc 1 [s s inf sia como risotto sia come (+) come minestra sia minestra di verdura con riso si mangia pi riso che pasta a Milano e queste abitudini (+) sono in parte rimaste (+) intendiamoci bene anche nel campo dellalimentazine que si cambia (+) si cambiato: (++) evidentemente quelle che erano le diretrici italiane nel senso che si sia adatta molto di pi anche per questione di clima senzaltro per questini de clima doc2- ahn ahn s inf rimane quache cosa delle vecchie abitudini per esempio il risotto giallo milanese non adattato eh: non so anche bistecca alla milanese qualche volta (ridono)
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CAPTULO III
1. Alimentos e tradio em Pedrinhas Paulista
De posse de um corpus robusto, rico em referncias alimentao e suas receitas,
propomos fazer uma anlise sob diferentes aspectos, tanto em relao aos hbitos
alimentares quanto em relao linguagem da alimentao. Essa parte da pesquisa tratar
especialmente das adaptaes e misturas alimentares.
1.1. Alimentos encontrados pelos imigrantes em 1953
A origem da alimentao do brasileiro vem do ndio, do negro e do portugus. Dos
ndios a alimentao brasileira herdou a mandioca e seus derivados como farinha seca,
mingaus, bolos e at pes, o palmito comido in natura ou em tortas e piro. Os ndios
consumiam pimenta vermelha e amarela como forma de condimento, como at hoje,
chegando a masc-la muitas vezes, hbito que no se difundiu entre outros povos.
Consumiam o milho, abbora, paoca e banana dgua cozida. As frutas eram cajus,
abacaxis, goiabas, laranjas limas e limes. Conheciam o arroz e o feijo, mas no se tem
registro do consumo da mistura arroz com feijo. Como alimentos de origem animal,
consumiam apenas animais de caa, assim como cotias, tatus, capivara, algumas aves
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aquticas, peixes, crustceos e moluscos. A carne era consumida assada numa espcie de
churrasco colocada no espeto que vinha apoiado em duas forquilhas acima de brasas.
Este procedimento para assar carnes muito apreciado at hoje em reunies sociais
e festas familiares. Para os italianos, o churrasco, alm de promover consumo de carne em
abundncia, tambm usado como motivo para reunir a famlia:
236 (...) L1 - mi piace tanto quando unisco tutti i miei figlinostro
sistema tutto italiano :: non si scappa sia dal dolce sia dal
mangiare.. so che qu in Brasile un sistema molto buono e ci piace
molto churrasco che in Italia non esiste la clima che non si pu
mangiare come qua in Brasile qua bisogna sustentar-se di pi
perch un clima molto caldo e sfibra molto la gente.
458 () L1 nel churrasco facciamo tante cose...eh:::
prendo/facciamo la picanha neh che si cuoce prima tutta intera poi
si fa a fettine a volte si passa nella graticola con con la/col burro e
si d una tostatina neh?...()
Dos africanos foi herdado o uso de carnes de caa de animais de grande porte como
o gado bovino, arroz, sorgo ou trigo e derivados como o cuscuz (Kuz-Kuz), feijes de
vrias espcies, inhame, amendoim, azeite de dend e leite de coco, sementes dos alimentos
trazidos pelos escravos durante suas traumticas viagens em navios negreiros.
Dos portugueses herdamos ensopados de carnes, ovos, po de trigo, presunto, vinho
e confeitos de acar.
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Estava formada uma gastronomia que at hoje consideramos como tradicional
brasileira com algumas diferenas regionais, mas sendo mais freqente em Minas Gerais,
onde a ocupao dos portugueses e negros escravos foi macia especialmente na poca da
extrao do ouro. Preparaes como tutu de feijo, feijoada preparada com carne seca e
pedaos considerados inaproveitveis do porco, frango com quiabo e farofa de mandioca
foram sendo criados ao longo dos anos de minerao2, inicialmente em Ouro Preto e
imediaes, e de l, espalharam-se pelo Brasil.
Na culinria do norte do Brasil tambm se encontra a presena dos alimentos
trazidos no perodo da colonizao como cuscuzes, azeite de dend, camaro seco, feijes e
farinha de mandioca. Todos esses alimentos se misturaram aos alimentos trazidos pelos
imigrantes do comeo do sculo, entre eles os italianos, que estranharam alguns dos
alimentos brasileiros, como farinha de mandioca, feijo preto, inhame, po de milho e
carne-seca.
Embora o arroz seja a base da alimentao do mundo oriental e o feijo seja
largamente consumido em pases da frica e tambm no Mxico, a dupla feijo com
arroz notoriamente brasileiro. Os tupinambs j conheciam o feijo e o arroz antes
mesmo de Cabral apontar em terras brasileiras: o feijo chamava-se comand, palavra
que significa alimento muito e o arroz era chamado abatiap, milho dgua.
A composio feijo com arroz preto no branco, prato bsico que se tornou
sinnimo de alimento, de sustento brasileiro assim como a pastasciutta tem lugar na
simbologia italiana sendo parte essencial da sua base alimentar. Tanto o arroz como o feijo
no so alimentos desconhecidos na culinria italiana: o feijo consumido nas sopas, o
2 Nos primeiros anos de minerao a carne era salgada e transportada nos lombos dos burros at secar durante o transporte no longo trajeto Parati-Ouro Preto. Processo que conservaria a carne para consumo nas viagens.
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arroz, em risotos. Os risotos tomam o lugar da pastasciutta como base da alimentao
dos italianos de muitas cidades do norte da Itlia e so freqentemente consumidos
misturados a ervilhas, frutos do mar, cogumelos ou mesmo misturados apenas a queijo
parmeso e manteiga:
541 (...)L1 ecco come si fa il risotto...i risotti son fatti tutti
alla stessa maniera neh [...] si cambia ingredienti neh da noi
usano molto ste risotti per esempio nel veneto ci sono risotti
di di...piselli che la/ che noi ... risi e bisi bisi perch i
piselli in dialetto si chiamano bisi [...] bisi... che hanno
offerto at alla regina Elisabete ( ) alla Venezia e riso con i
funghi dopo con con cose di mare neh [...]Poi si pu fare con
le zucchine puoi fare con qualsiase cosa [...] da noi si usa pi
i risotti neh...
284 (...) L1 mamma faceva sempre pasta e fagioli mamma
faceva pasta e fagioli molto e pastasciutta pi alla
domenica...
357 (...) L1 i radicchi si mangiava i radicchi pure tagliati
fini con i fagioli si faceva insalata neh il mangiare tipico
veneto neh?...
A expresso feijo com arroz largamente usada pelos brasileiros, que desde
pequeninos aprendem a cantiga Um, dois, feijo com arroz. Trs quatro, feijo no prato.
Cinco, seis, feijo outra vez ou, como elemento fortificador da dieta, est fraco, precisa
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comer mais feijo com arroz, ou ainda na injusta expresso no fez nada diferente, ficou
no feijo com arroz.
A cincia da nutrio provou que esse prato to popular e singelo ainda desempenha
destaque nutricional, essa mistura a que mais se aproxima das recomendaes
internacionais de ingesto de macronutrientes3.
O feijo com arroz em sua simplicidade tem papel de igual importncia na cultura
de brasileiros, aparecendo em obras literrias, contos e msicas.
bem verdade que os brasileiros enriqueceram seu cardpio com pratos
estrangeiros, mas tambm todos os que aqui vieram, renderam-se delcia de um prato de
arroz com feijo. Os italianos em Pedrinhas Paulista no tiveram muita dificuldade para
incorpor-lo dieta por motivos bastante convincentes: facilidade de plantio em terras
brasileiras e sabor agradvel e conhecido. Consumidos separadamente na Itlia em sopas de
feijo ou risotos, juntar esses dois elementos em um prato s no representou grande
esforo:
170 (...) L1 -.possiamo dire riso e fagioli per esempio il
mangiare...nostro qui...per me stato uno de/delle cucine pi/pi
grande pi interessante perch non ho mai detto eh...ma riso e
fagioli li mangiano i brasiliani...io da/dalla prima volta che mi
sono seduto nel ristorante di Santos e mhan (mi hanno) portato
davanti tutto quel mangiare quello riso bianco dentro quelle
pannellette piccole li i fagioli quella terrina di terracotta io sono
rimasto soddisfatto ma si buonssimo e non c non cho mai
dispr/ non ho mai disprezzato solo che no/non ha mai abbandonato
anche la nostra neh... ci sono della maggioria la maggior parte dei
3 A combinao arroz com feijo , na proporo de trs para um, tem composio 60% de carboidratos, 15% de protenas e 25% de gorduras e tima combinao de aminocidos para compor protenas completas.
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giorni si fa riso e fagioli anche si fa la pasta fuori il resto si vive
non c problema...
1.2. Criao da tradio
A chamada dos italianos inscritos no programa de imigrao pelo modelo de
colonizao que fixava as famlias em ncleos agrcolas, alimentava o sonho de
enriquecimento, pois a expectativa de vencer pelo prprio esforo numa terra de
oportunidades era reforada pelas facilidades que a Companhia ofereceria. De fato, cada
famlia no haveria de se preocupar com os elementos bsicos como moradia e terras para
trabalho, podendo se concentrar no objetivo principal: fazer a Amrica. Em segundo
lugar mas no menos importante, esse modelo garantiria, no imaginrio dos italianos, a
manuteno da italianidade do grupo, recriando uma pequena Itlia dentro do Brasil. De
fato, as tradies italianas se mantiveram melhor preservadas nas localidades onde o fluxo
migratrio foi implantado em forma de comunidades tipicamente italianas, o que favoreceu
o retardo ao processo de aculturao.
Mas a dura realidade mostrou aos italianos que, viver em outro ambiente no era
tarefa fcil e o processo de transferncia de pas e todas as adaptaes decorrentes foram
traumticas. Muitos regressaram logo nos primeiros anos, mas as famlias que
permaneceram passaram por um doloroso processo de ajustes e progressiva aceitao da
nova condio de vida.
A primeira impresso foi marcada pela sensao de que tinham acreditado numa
iluso: encontraram as casas - que lhes foram prometidas - imersas em vegetao crescida,
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insetos de todos os tipos, terra vermelha por toda parte, falta ou dificuldade de obteno de
gua e outras dificuldades relacionadas ao clima, o que impediu ou dificultou o cultivo da
lavoura ou criao de animais pelos mtodos utilizados na Itlia, obrigando-os ao
aprendizado dos mtodos brasileiros, tanto para a lavoura e a criao de animais como para
o preparo dos alimentos.
100 (...) L1- quando siamo arrivati a casa peggio ancora::; lerba che non si vedeva neanche per entrare dentro di casa...ci hanno portato la pastasciutta su:::su un camioncino d/dentro l/la pentola grande cos col mescolo la pastasciutta un pezzo di pane...(ridono) oh si ride ma...a veder quella casa a veder mo/mobili...
141(...)L1 - ... certo dopo non stato facile...o fatto di ambientarsi::: tipo di lavoro e::: un po la lingua e:::: la gente tutto ci hanno tutto un altro costume nostro e::: ci mancava tutto perch::: abbiamo lasciato lambiente la casa l/abbiamo arrivato qui la Companhia ci ha dato una casetta ci ha dato il letto per dormire::: un pezzo di cucina con sedie con tavolo tutto quanto...ma non era quello che avevamo lasciato...cominciare dal mangiare da quell/tutto quelle storie...
A obteno de gua livre de terra vermelha dos rios era tarefa difcil e forou os
italianos a consumi-la ainda no muito lmpida, provocando rejeio em todos,
acostumados gua cristalina proveniente das nascentes dos Alpes e dos Apeninos. A
obteno de gua mais limpa - estava condicionada escavao de poos artesianos que
alcanavam apenas lenis freticos superficiais que depois de um tempo ficavam
esgotados. Para lavar as roupas brancas tinham de ferv-las, como faziam as brasileiras.
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Por meios mais modernos, pde-se alcanar atravs de perfurao mais profunda, as
guas do aqfero de Botucatu ou Guarani, o maior do mundo, o que colocou fim ao
problema da gua impura do incio da ocupao da colnia.
(fonte:www.daaeararaquara.com.br/guarani)
Os relatos a respeito da gua encontrada no incio da colnia so unnimes e sempre
em tom negativo. Selecionamos alguns:
74 (...) L1 - Siamo venuti qui... arrivato...si presentato un ragazzo, un::: altone ( ).. e ci aveva pergutato se avevamo acqua...o companheiro cera dato due filtri che erano de terracotta, sti filtri erano dentro e lacqua si manteneva fresca e ( ) insomma bevevamo cos...
105 (...) Doc: e il problema pi grande cos per adattarsi [...] L1 - stato un po duro perch si abitava fuori e non cera e:::/ non cra acqua...e:::e:::e lacqua ce la portavano con i fusti ...e. ( ) ce nera poca perche con quei fusti ( ) si vede che Dio non voleva che si amalassi n perch (ridono) i pozzi furavano i pozzi e poi::: dava lacqua un due tre mesi e poi venivano sempre con questi pr/pr/pr/ portarci::: ci portavano lacqua con questi fusti e:::per laVARE per fare da mangiARE per tutto allora si prendeva con::con dei secchi:::cecchi se/ secchi secchi neh? L2 ( ) da lacqua con baldi neh?... e::: pulita quella pi pulita per fare da mangiare e per bere, dopo quella ci la/ce la mettevano sui fusti la roba invec
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