LEONARDO BRENNER FLECK
MATRÍCULA 320604 – PUBLICIDADE E PROPAGANDA
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO
COMUNICAÇÃO, CONSUMO SUSTENTÁVEL E CIDADANIA:
PERSPECTIVAS PARA O CONSUMO EM NOSSA SOCIEDADE
PROFESSOR ORIENTADOR: LEONEL AZEVEDO DE AGUIAR
2
“Vamos olhar nos olhos de nossas
crianças e dizer que tivemos tecnologia,
mas faltou visão?”
John F. Kennedy
3
Sumário
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 4
1.SOCIEDADE DE CONSUMO ......................................................................... 7
1.1.Perspectivas teóricas......................................................................................... 8
2.CRÍTICAS À SOCIEDADE DE CONSUMO ................................................ 13
2.1. As mudanças no âmbito dos discursos ........................................................... 13
2.2. O consumo verde e suas limitações ................................................................ 16
2.3. Consumo Sustentável .................................................................................... 18
3. O IDEC E O CONSUMO SUSTENTÁVEL ................................................. 21
3.1. Instituto Akatu – pelo consumo consciente .................................................... 22
3.2. Greenpeace .................................................................................................... 23
4. MANUAL DE EDUCAÇÃO PARA O CONSUMO SUSTENTÁVEL ........ 26
4.1. Água. Um valioso recurso ............................................................................. 30
4.2. A importância da agricultura sustentável ....................................................... 31
4.3. O Valor da biodiversidade e sua conservação ................................................ 32
4.4. A renovação energética ................................................................................. 33
4.5. O lixo e a reciclagem ..................................................................................... 34
4.6.Consumo sustentável e cidadania.................................................................... 35
4.7. A gestão da mente sustentável ....................................................................... 38
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 40
Anexos........................................................................................................................ 44
Referências bibliográficas e sites pesquisados ............................................................. 46
4
Introdução
Ao observar as relações entre as pessoas, a sociedade em que vivemos e os valores
do mundo que nos cerca, podemos ver a importância que o consumo tem em nossas
vidas. O homem sempre usufruiu do ato de consumir, usando os recursos da natureza
desde os tempos mais remotos. Nas três ultimas décadas, no entanto, observamos que
estamos retirando da natureza mais do que a capacidade de sua renovação e começamos
a colocar em dúvida a ostentação deste consumismo e os valores da sociedade de
consumo. Observamos, por exemplo, que ter os objetos é mais importante do que usá-
los.
A sociedade de consumo se mostra presente no nosso cotidiano, quer pensemos ou
não sobre o assunto e façamos ou não algo para mudar esta situação. As conseqüências
desta sociedade de consumo para a vida das pessoas são diversas, como a valorização da
cultura do ter em detrimento da cultura do ser, o uso de produtos desnecessários e
conseqüente desperdício dos recursos naturais finitos do nosso planeta ou o aumento
das cargas de trabalho e diminuição do tempo de lazer para ostentar os atuais níveis de
consumo.
Além disso, podemos observar também o crescente impacto ambiental causado
pelo consumo excessivo nos países desenvolvidos do hemisfério norte e a poluição
causada pela pobreza e má distribuição de bens nos países em desenvolvimento, que
fica mais evidente nos centros urbanos e suas periferias.
Decidi sobre a escolha deste tema em função da vontade de conhecer outras
formas de consumir e de alguma forma estar contribuindo, como mediador e produtor
simbólico desta sociedade, para uma noção mais humana de consumo. Além disso,
5
observei que este tema tem ocupado cada vez mais espaço no discurso de governos,
empresas, instituições internacionais, universidades, entre outros atores.
Assim sendo, esta pesquisa tem como proposta analisar algumas teorias sobre a
sociedade de consumo, as propostas alternativas de consumo sustentável e o papel de
diferentes atores e instituições que atuam neste cenário com a difusão de idéias sobre o
consumo sustentável.
O primeiro capítulo propõe algumas teorias sobre a sociedade de consumo,
incluindo o pensamento de alguns autores como Jean Baudrillard, Pierre Bordieu, Mary
Douglas, Nestor Garcia Canclini, Michel De Certeau e Featherstone, com pontos de
vista complementares para a compreensão de alguns motivos sociais, antropológicos e
culturais que explicam o ato do consumo.
O segundo capítulo começa descrevendo os argumentos que mostram a
insustentabilidade dos atuais padrões de consumo em nossa sociedade. Depois passa a
mostrar as mudanças no âmbito dos discursos que, no decorrer da história, apontavam
para as causas dos impactos ambientais. O discurso inicial, que dizia que os principais
causadores de impactos ambientais eram decorrentes do desenfreado crescimento
populacional dos países em desenvolvimento, passou a responsabilizar a produção dos
países desenvolvidos e mais tarde os hábitos de consumo de todos.
O final do segundo capítulo mostra as os limites do consumo verde, mostrando que
o esverdeamento da produção e do consumo verde por si só não resolve a questão da
sustentabilidade e define o consumo sustentável, que propõe mudanças na esfera do
consumo.
6
No terceiro capítulo faço a análise de algumas instituições como o Instituto de
defesa dos consumidores (IDEC), o Instituto Akatu para um consumo consciente e o
Greenpeace e do seu trabalho de comunicação e educação para um consumo
sustentável, visando o exercício da cidadania.
O quarto capítulo se propõe a mostrar algumas questões importantes retiradas do
manual de educação para o consumo sustentável, publicado pelo IDEC, em parceria
com o Ministério da Educação e do Meio Ambiente.
7
1) Sociedade de Consumo
Ao discutir a relação entre sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania,
Fátima Portilho (2005) concentra a discussão na tese da percepção do impacto
ambiental dos atuais padrões de consumo e a crescente centralidade deste discurso
dentro das principais correntes do ambientalismo internacional. A autora descreve o
processo histórico e as mudanças discursivas que, com o passar do tempo, levaram o
foco da discussão dos impactos ambientais gerados pela produção em todos seus
aspectos, para a os impactos causados pelo consumo.
Com o advento do chamado novo ambientalismo, movimento que surge nos
EUA na década de 70, caracterizado pelo ativismo político e ações antiestabilishment,
surgem novos argumentos dizendo que os padrões de consumo das sociedades
ocidentais modernas, além de socialmente injustos e moralmente indefensáveis, como
criticado há tempos, são ambientalmente insustentáveis (Portilho, 2005, p.23).
Ao apresentar as diversas mudanças nos discursos sobre consumo e meio
ambiente, a autora levanta alguns questionamentos sobre a sociedade de consumo
citando alguns autores, como Fritz Schumacher, por exemplo, que afirma em sua obra
Small is beautful (1974), que nós não podemos continuar produzindo e consumindo em
proporções sempre crescentes, uma vez que nosso planeta é o nosso maior capital.
Outro autor citado é Jonathon Porritt (1984) que acusa o consenso dominante desde a
revolução industrial de que a produção e o crescimento econômico aumentam o bem-
estar humano.
8
Estes argumentos mostram na prática que os atuais padrões de consumo
baseados na produção crescente nos levam para uma sociedade que não garante
necessariamente o bem estar, ou seja, o fato de termos mais desenvolvimento
econômico e tecnológico somente não significa qualidade de vida e um crescimento que
leve em conta a sustentabilidade ambiental e social.
Na introdução do livro de Fátima Portilho, Selene Herculano amplia a discussão
e acrescenta algumas críticas à sociedade de consumo:
A dita sociedade de consumo pauta-se pelo momentâneo, pelo fugaz, pelo imediato,
pelo fruir de mercadorias e serviços, pela ausência de sentido final de teleologia. Em tal
sociedade, também poluída pela produção de riquezas para aplacar tal fruição, novas
riquezas para um consumo distintivo, gerador de status: o ar puro, o silêncio, o sossego,
a paz, a água limpa, são novos bens a serem usufruídos em determinados espaços
escassos (Herculano, 2005, p.13).
1.1)Perspectivas teóricas
Algumas mudanças na forma de ver o consumo podem ser observadas no âmbito
da sociedade moderna. Ao observar as interações sociais e culturais podemos ver cada
vez mais o consumo e o ato de consumir fazendo parte da vida cotidiana das pessoas e
muitos autores tentaram descrevê-las nos diversos campos de estudo, como a
Sociologia, a Economia, a Ciência Política, a Antropologia e os Estudos Culturais.
Um dos autores citados para descrever a sociedade de consumo é Jean
Baudrillard. Em sua teoria,
mercadorias de consumo possuem inevitavelmente uma capacidade significante, ou seja
um valor signo. Este valor-signo é crescentemente determinado pelo poder das
instituições e profissionais de propaganda, pesquisa motivacional, promoções, ou seja,
intermediários culturais (Baudrillard, citado por Portilho, 2005, p 94).
Segundo o autor, os consumidores participam de um sistema no qual assimilam
os significados transferidos para dentro deles via manipulação do código da mercadoria
9
pelos profissionais de marketing. O consumo é, portanto, uma atividade e um processo
tanto econômico quanto cultural (Portilho, 2005, p. 94).
Para compreender um pouco mais sobre as motivações e fatores que levam ao
consumo, Fátima Portilho cita uma série de outros autores que propõem a análise das
atividades consumo priorizando o ponto de vista cultural em vez do econômico. Entre
eles estão Pierre Bordieu, que vê no consumo
uma motivação para a necessidade de grupos sociais se distinguirem ou serem
reconhecidos, além de ser um local onde os conflitos entre as classes ganham
continuidade através da disputa pela apropriação de bens de consumo. (Portilho, 2005,
p. 95)
A autora cita também Mary Douglas (1997), que em In defense of Shopping,
defende a idéia de que primeiramente existe uma escolha básica do indivíduo racional
sobre qual tipo de sociedade em que ele quer viver e desta escolha os artefatos e objetos
utilizados serão selecionados para demonstrá-la. Isso significa que o hábito de consumo
e os objetos desejados por um indivíduo dependem da visão que ele tem de mundo e do
que pretende para o futuro. Se este está preocupado, por exemplo, em demonstrar status
ou pertencimento a um grupo pensando em atividades momentâneas, fará escolhas de
consumo no sentido de afirmação individual. Por outro lado, se este sujeito entende que
o consumo tem impactos ambientais ou tenha uma concepção de mundo que leve em
conta as futuras gerações, fará escolhas que levem em conta o bem estar coletivo e o
ambiente em que vive.
Esta concepção de mundo é constituída por diversos fatores determinantes para
estas escolhas, como, por exemplo, a existência expressiva ou não de grupos que atuam
na disseminação de informações sobre consumo e cidadania, a participação ou
envolvimento deste sujeito em projetos de empresas interessadas na questão da
sustentabilidade ou até mesmo a existência de políticas governamentais voltadas para a
10
questão do consumo, entre tantos outros. Como se pode observar todos estes fatores
acima descritos de alguma forma interferem na visão de mundo do indivíduo e afetam
significativamente suas escolhas.
Ainda nessa análise, Fátima Portilho cita Featherstone, outro autor que analisa a
sociedade de consumo, mas que segundo a autora, também consegue incluir em sua
análise o papel dos produtores de bens, como os profissionais que atuam com mídia,
design, programas de TV, entre outros. Segundo Feathersone,
embora todos tenham acesso aos bens materiais, são poucos aqueles que têm a
capacidade de ter acesso aos “bens de informação” da produção terciária (educação,
artes, atividades culturais, lazer etc.), além do conhecimento sobre como utilizar, de
maneira adequada, os novos bens e seu valor social/cultural. Sendo assim as pessoas
passam a valorizar as revistas, jornais e programas de TV que fornecem as informações
com significados sobre a cultura de consumo, que ensinam a “consumir de maneira
correta”, fazendo com que as pessoas sejam capazes de transmitir os sinais adequados. (Portilho, 2005, p.99)
Esta característica da sociedade de consumo levantada por Featherstone mostra
que os produtores culturais, ou seja, as pessoas que conseguem ter acesso aos bens de
informação e reprocessá-los possuem um papel muito relevante nesta sociedade. São
estes que compreendem e dão os significados aos bens, lançam tendências e demandas
de consumo, através da propagação de informações para os outros indivíduos.
Com relação ao modo como os receptores processam estas informações,
Feathersone identifica que os primeiros estudos do consumo negligenciaram os
seguintes aspectos:
1) os indivíduos não são consumidores passivos, como sugerido pelos teóricos escola de
Frankfurt, mas ativamente engajados nas práticas de consumo; 2) tais formas de
ativismo podem ser relacionadas a estratégias e habitus de classe e, neste sentido, os
consumidores não são meramente parte de uma “massa indiferenciada”; 3) o termo
“estilo de vida” poderia ser usado para entender as dinâmicas da cultura de consumo,
pois os indivíduos usam suas praticas de consumo para moldar padrões distintivos
(Portilho, 2005, p.99).
11
Neste sentido, os consumidores não estariam fadados a apenas consumir porque
são estimulados pelos meios de comunicação de massa e por causa dos processadores de
informação. É certo que não podemos negar que estes direcionam as ações e de alguma
forma geram demandas de consumo, mas segundo Feathersone, os consumidores
também participam ativamente nas práticas de consumo, atribuindo também a esta
prática um significado e construindo uma luta no campo simbólico.
No final de sua análise sobre as teorias da sociedade de consumo e caminhando
no sentido da multiplicidade de significados e diferentes formas de apropriação dos
bens de consumo pelos indivíduos, Fátima Portilho cita outros autores como De Certeau
e Nestor Garcia Canclini.
De Certeau questiona o que os indivíduos fazem com o que eles lêem nos jornais
o com o que vêem na TV, mostrando que os consumidores, supostamente passivos
fabricam significados a partir dos bens materiais e simbólicos que consomem. Para
melhor ilustrar esta idéia, é interessante citar um trecho destacado por Fátima Portilho
que mostra as estratégias dos indivíduos, supostamente mais frágeis diante de um
grande sistema de produção e consumo, para reutilizar e dar novos significados aos bens
que consomem ou através da maneira como consomem:
Diante de uma produção racionalizada, expansionista, centralizada, espetacular e barulhenta, posta-se uma produção de tipo totalmente diverso, qualificada como
“consumo”, que tem como característica suas astucias, seu esfarelamento em
conformidade com as ocasiões, suas “piratarias”, sua clandestinidade, seu murmúrio
incansável, em suma uma quase invisibilidade, pois ela quase não se faz notar por
produtos próprios (onde teria seu lugar?) mas por uma arte de utilizar aqueles que lhe
são impostos (De Certeau, citado por Portilho, 2005, p. 102).
12
Ainda nesta direção, Canclini afirma que o fenômeno do consumo é “algo mais
complexo do que a relação entre meios manipuladores e dóceis audiências”
(Portilho,2005:102). Para o autor,
o consumo tornou-se uma lugar onde é difícil pensar por causa da liberação do seu
cenário ao jogo pretensamente livre (na verdade feroz) das forças de mercado. Canclini
diagnostica o descrédito do Estado e dos partidos políticos na administração das áreas
básicas, mostrando como os Estados cederam ao capital privado o controle da economia, tanto material quanto simbólica, através da privatização em larga escala.
Assim (...) o autor defende a possibilidade da reconquista criativa dos espaços públicos
e o consumo como um lugar de valor cognitivo, útil para pensar e agir significativa e
renovadoramente na vida social, já que “alguns consumidores querem ser cidadãos”
(Canclini, citado por Portilho, 2005, p. 103-104).
Esta última perspectiva teórica de Canclini, citada por Fátima Portilho, mostra a
importância que o consumidor pode passar a ter atuando na vida social através do
campo do consumo.
Todas estas perspectivas teóricas mostram a complexidade do estudo do campo
do consumo. Como vimos, por um lado, umas mostram a exploração e manipulação dos
indivíduos, enquanto outras mostram que estes têm poder e expressão de identidades. A
autora termina concluindo que a expansão da Sociedade de Consumo pode ser
interpretada de duas formas: “tem sido vista ou como sinal de dissolução, morte e
declínio da política, ou, ao contrário como emergência de novas formas de ações
políticas.” (Portilho, 2005, p. 105) Segundo ela, “a atividade do consumo e o próprio
papel do consumidor podem oferecer importantes possibilidades de constituição de
sujeitos sociais ativos e de retorno do cidadão” (Portilho, 2005, p. 105).
O próximo capítulo discorre sobre o surgimento da proposta de consumo
sustentável e sobre o papel do consumidor e de outros atores neste processo da busca
por uma sociedade mais justa e sustentável social e ambientalmente.
13
2) Criticas à Sociedade de Consumo
As críticas ao consumismo e o discurso contra o luxo, a opulência, o
desperdício, o hedonismo e a desmedida começaram antes da década de 60 do século
passado e têm sido sempre renovadas por diferentes argumentos, tanto morais, quanto
religiosos, éticos, políticos e econômicos. Elas são discutidas por diferentes correntes
filosóficas por mais de dois mil anos e sempre geraram controvérsias.
Na introdução do livro Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania,
Fátima Portilho relembra os dados do relatório Nosso futuro comum, da Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fundação Getúlio Vargas, 1991)
sobre a desigualdade na detenção dos bens consumidos. Este diz que
20% da população mundial, que habita principalmente os países afluentes do
hemisfério norte, consome 80% da energia do planeta e produz mais de 80% da
poluição e degradação dos ecossistemas, enquanto que os 80%, que habitam
principalmente os países pobres do hemisfério sul, ficam apenas com 20% dos recursos naturais (Nosso Futuro comum, citado por Portilho, 2005, p. 16).
Com esta informação sobre a desigualdade na distribuição dos recursos e
produção de poluição e degradação, temos um retrato superficial que pode servir como
ponto de partida para começarmos a discussão sobre a questão do consumo sustentável,
bem como discutirmos e entendermos melhor qual o papel dos governos de países ricos
e dos em desenvolvimento e os respectivos atores que se inserem neste contexto,
chegando ao cidadão comum no domínio da esfera privada ou em associações
organizadas.
14
2.1) As mudanças no âmbito dos discursos
No segundo capítulo do livro Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania,
Fátima Portilho descreve a emergência internacional do discurso político sobre
consumo e meio ambiente. De acordo com a autora, observou-se um crescimento a
partir dos anos 90, da percepção do impacto ambiental do consumo, trazendo esta
questão para as discussões e discursos organizados dentro do ambientalismo
internacional.
A autora aponta para as principais mudanças no âmbito dos discursos sobre a
problemática ambiental, que emergiram no decorrer dos anos sessenta do século
passado até os dias de hoje. Com o poder político das nações industrializadas,
predominantemente do hemisfério norte, surgiu uma visão hegemônica de que o
crescimento demográfico desenfreado dos países em desenvolvimento provocava um
rápido desgaste dos recursos naturais do planeta. Com o passar de alguns anos, no
entanto, depois de uma série de eventos internacionais que tinham as questões dos
impactos ambientais em sua pauta, encontraram-se outros responsáveis para o desgaste
dos recursos.
Em 1994, por exemplo, na cidade de Oslo/Noruega, a Comissão para
Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas elaborou um conjunto
de propostas de ação “que poderiam contribuir para o estabelecimento de medidas
políticas voltadas para mudanças de comportamentos de indivíduos, empresas e
instituições governamentais e internacionais” (Portilho, 2005, p. 108). Esta proposta
15
compreende melhor quais são os participantes e responsáveis pelo desenvolvimento
sustentável.
A visão que colocava o crescimento demográfico dos países do em
desenvolvimento como principal fator responsável pela degradação ambiental do
planeta ficou menos importante, enquanto o foco das discussões passou para o campo
da produção. Para mostrar esta transição, a autora cita o relatório da Comissão Mundial
de Meio Ambiente (CMMAD) da ONU, Nosso Futuro Comum, publicado em 1987.
Este relatório aponta algumas causas para os problemas ambientais dos países em
desenvolvimento, o que ele chama de “poluição da pobreza”. As principais causas são
os efeitos da pobreza, como defasagem em diversos setores, que geram dificuldades
para o desenvolvimento sustentável, o crescimento populacional e a desigualdade nos
termos do comércio internacional e desenvolvimento tecnológico.
Para ilustrar o que a autora chama de poluição da pobreza, podemos citar o caso
de países em desenvolvimento extremamente dependentes da exportação de produtos
agrícolas que não podem manter uma produção e consumo local de alimentos tornando
este consumo insustentável, pois é preferível que os produtos sejam consumidos
localmente para que seu consumo seja sustentável, em função da grande quantidade de
energia necessária para transportá-los.
Partindo destas premissas, concluiu-se que
a questão não se encontra focada apenas no crescimento populacional, conforme se
pensava anteriormente, mas que é principalmente a miséria a que estes países em
desenvolvimento estão condicionados o que levaria à necessidade de exaustão dos recursos naturais, aumentando a pressão sobre o meio ambiente (Portilho,2005, p. 49).
16
Com a pressão dos países em desenvolvimento, aliadas a algumas ONGs
globais, iniciou-se um discurso que passou a considerar o modelo de produção das
sociedades afluentes (especialmente no hemisfério norte), enfatizando suas
responsabilidades com relação à desigualdade econômica global e o impacto ambiental
do modelo de produção industrial. “Posteriormente, a preocupação com os problemas
ambientais passaram a levar em conta a esfera do consumo e dos estilos de vida
propriamente ditos” (Portilho, 2005, p. 39).
2.2) O consumo verde e suas limitações
Fátima Portilho propõe uma serie de acontecimentos que influenciaram o
surgimento das discussões sobre consumo sustentável, todos eles abordados no quarto
capitulo do livro Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. O surgimento da
idéia de um consumo verde surgiu após o deslocamento da definição da questão
ambiental, da produção para o consumo.
Para fazer uma contextualização histórica do surgimento das propostas de
“esverdeamento” da produção e do consumo por outros atores sociais, a autora para a
conjunção de três fatores inter relacionados:
a) o advento, a partir da década de 70, do “ambientalismo público” – preferências
públicas pela qualidade ambiental e simpatia por grupos ambientalistas e seus objetivos;
b) a ambientalização do setor empresarial, a partir da década de 80, na qual as empresas
começam a abandonar sua imagem “de vilão da ecologia” e adotar a imagem de “amigo
do verde” e c) a emergência a partir da década de 90, da preocupação com o impacto
ambiental de estilos de vida e consumo das sociedades afluentes (Portilho, 2005 ,
p.111)
Ao comentar sobre a mudança de perspectiva nas empresas, a autora mostra que,
antes, a ecologia era entendida como um freio aos investimentos feitos, mas que, com o
passar do tempo estas se apropriaram do discurso ideológico, tomando a iniciativa e
17
intitulando-se como o setor capaz de levar adiante o projeto de uma sociedade
sustentável.
As estratégias de enfrentamento da crise ambiental, propostas pelo setor
produtivo, enfatizaram os tradicionais mecanismos de mercado e as inovações
tecnológicas, com ênfase no binômio tecnologia limpa/consumo verde, adaptando a
temática ambiental a sua lógica interna.
Apesar de grandes avanços no sentido da conscientização dos diversos atores
envolvidos com as preocupações ambientais, Fátima Portilho, em sua investigação
sobre o consumo verde, alerta para o fato de que “o consumo de produtos verdes
atacaria somente uma parte da equação – a tecnologia- e não os processos de produção e
distribuição, além da cultura do consumo propriamente dita” (Portilho, 2005, p. 119).
A autora cita também a entidade internacional Consumers International que
reconhece que
os consumidores querem dar passos fáceis que beneficiem o meio ambiente; mas ainda
se desconhece até que ponto a maioria dos consumidores será “verde” quando se der
conta de que reduzir os danos ao meio ambiente requer mudanças significativas nos hábitos de compra, principalmente custos mais altos, ou mudanças no estilo de vida
básico. (Portilho, 2005, p. 118)
Segundo Fátima Portilho, a Consumers International parece concordar com as
críticas ao consumo verde, uma vez que alerta que “a solução de alguns problemas
ambientais pode não exigir produtos „mais verdes‟, mas a redução do consumo ou a
adaptação a uma vida sem determinados produtos”. (Portilho, 2005 , p. 119)
Outro relatório citado por Fátima Portilho e também importante para
compreender a questão da problemática do consumo verde, foi The state of the world,
de 1991, do World Watch Institute:
18
As pessoas acham que, enquanto houver crescimento, haverá esperança de que a vida
dos mais pobres poderá melhorar sem necessidade de sacrifícios por parte dos mais
ricos. A realidade, porém, é que alcançar uma economia global sustentável em relação
ao meio ambiente não é possível sem que os mais bem favorecidos limitem o seu
consumo, a fim de deixar espaço para que os mais carentes aumentem o seu. (Portilho,
2005, p. 119)
O desenvolvimento tecnológico somente e a busca por produtos que consomem
menos e gastam menos são passos que foram dados na direção da sustentabilidade, mas
de acordo com o argumento de Fátima Portilho observado nas citações feitas acima,
estes avanços trazidos pelas melhorias tecnológicas não resolvem a questão da
sustentabilidade ambiental. Esta depende também de outros fatores como a melhor
distribuição do consumo e uma maior igualdade social e econômica.
Fátima Portilho reconhece os limites da estratégia do consumo verde, mostrando
que este acaba motivando apenas ações individuais e que se estes valores não estão
difundidos amplamente na sociedade não seriam capazes de transformar o impacto do
consumo. Além disso,
esta situação de consumo verde também pode ser caracterizada como busca de status, pois confere a estes “consumidores verdes profundamente comprometidos” um score
de vida mais alto, não atingível por todos membros da sociedade (Portilho, 2005, p.
131).
A autora cita também Jouni Paavola (2001 b), outro autor que discorre sobre o
consumo verde e que defende a idéia de que ações coletivas e intervenções políticas
podem contribuir para fazer os ajustes no nível e na estrutura de consumo de forma
menos custosa para os consumidores. A autora acrescenta ainda que
ações públicas emergem quando reconhecemos que nossas escolhas de consumo são interdependentes, pois a consideração do bem-estar humano pode requerer acordos
coletivos sobre a regulação do consumo que poderiam reduzir seu impacto ambiental.
(Portilho, 2005, p. 132)
19
2.3) Consumo Sustentável
Uma boa definição de consumo sustentável foi feita no evento conhecido como
Oslo Roundtable, organizada pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU
na Noruega, em 1995. No evento, consumo sustentável foi definido como
O uso de bens e serviços que atendem às necessidades básicas e trazem uma melhor
qualidade de vida, enquanto minimizam o uso de recursos naturais, materiais tóxicos e
emissões de poluentes através do ciclo de vida, de forma a não por em perigo as
necessidades das futuras gerações. (Baker, citado Portilho, 2005 p. 136)
Diante de algumas definições de consumo sustentável definidas e normatizadas
principalmente por alguns órgãos governamentais e intergovernamentais, a Oxford
Comission on Sustainable Consuption (OCSC), identifica seis características essenciais
que devem fazer parte de qualquer discussão de consumo sustentável:
1) Deve ser parte de um estilo de vida sustentável em uma sociedade sustentável;
2) Deve contribuir para nossa capacidade de aprimoramento, enquanto indivíduo e
sociedade;
3) Requer justiça no acesso ao capital natural, econômico e social para as presentes e
futuras gerações;
4) Não significa necessariamente consumir menos, mas deve-se ressaltar que o
consumo material deve se tornar cada vez menos importante em relação a outros componentes da qualidade de vida.
5) Deve ser consistente com a conservação e melhoria do meio ambiente natural;
6) Deve acarretar um processo de aprendizagem, criatividade e adaptação. (OCSC 2001, citado por Portilho, 2005, p.137)
Diante dos dilemas da Sociedade de Consumo analisados no capitulo 1 e das
propostas alternativas de Consumo Sustentável do capítulo 2, partiremos para o estudo
dos diversos grupos e organizações que colocam em sua agenda a proposta de Consumo
Sustentável. Existe um esforço de diversos atores como os governos de diversos países,
20
empresas, ONG‟s, Organizações de Defesa de Consumidores (ODC‟s) e universidades
no sentido de difundir as idéias e implementar as propostas de consumo sustentável.
No próximo capítulo vamos discorrer sobre as ODC‟s, suas atividades e o seu
papel na formação de consumidores conscientes, analisando suas formas de atuação
para a inclusão de indivíduos no processo de cidadania. Vamos analisar também um
manual de educação para o consumo sustentável produzido pelo IDEC, em parceria com
a Consumers International e os ministérios da educação e do meio ambiente.
21
3. O IDEC e o consumo sustentável
Neste capítulo faremos uma análise de algumas instituições como o Instituto de
defesa dos consumidores (IDEC), o Instituto Akatu para um consumo consciente e o
Greenpeace e do seu trabalho de comunicação e educação para um consumo
sustentável, visando o exercício da cidadania. Além disso, o próximo capítulo se propõe
a mostrar algumas questões importantes retiradas do manual de educação para o
consumo sustentável, publicado pelo IDEC, em parceria com o Ministério da Educação
e do Meio Ambiente.
No âmbito do tema do consumo sustentável, o Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (IDEC), é uma associação de consumidores sem fins lucrativos fundada em
1987. O IDEC é membro da Consumers International, uma instituição internacional que
abrange mais de 250 associações de consumidores que operam em todo o mundo. O
Instituto faz parte também do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do
Consumidor e da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais
A instituição é independente de empresas, governos e partidos políticos, o que
garante autonomia para atuar em favor dos interesses dos consumidores. Seu objetivo é
promover a educação, a conscientização, a defesa dos direitos do consumidor e a ética
nas relações de consumo, com total independência política e econômica.
Suas principais atividades são a orientação aos associados sobre os seus direitos
como consumidores; participação em temas de interesse coletivo para os consumidores
e sociedade visando o fortalecimento da cidadania e uma sociedade mais justa; testes de
produtos e serviços; ações judiciais contra empresas e governos, além de uma revista
mensal e diversas publicações que contribuem para a educação dos consumidores.
22
3.1) Instituto Akatu – Pelo consumo consciente
O Instituto Akatu surgiu dentro do Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social, como um local que tem como missão a tarefa de conscientizar
e mobilizar o cidadão brasileiro para o seu papel de protagonista, enquanto consumidor,
na construção da sustentabilidade da vida no planeta. Os dirigentes do instituto
perceberam que as empresas só aprofundariam, no longo prazo, suas práticas de
Responsabilidade Social na medida em que os consumidores passassem a valorizar esta
iniciativa em suas decisões de compra.
Para viabilizar a mobilização dos cidadãos para o consumo consciente o instituto
desenvolve ações em duas frentes de ação: a comunicação e a educação. O Akatu
oferece em seu site (www.akatu.org.br) um centro de referência com diversos textos
sobre consumo, além de expor os projetos de conscientização de empresas, instituições
de ensino e terceiro setor. O instituto acaba tendo um papel de centro de referência para
empresas que desejam fazer ações com os consumidores, já que contém em seu centro
de referências diversos exemplos de jogos envolvendo os consumidores para
conscientização sobre o tema do consumo sustentável.
Um dos pontos de destaque do site é o guia de empresas e produtos, onde as
empresas podem se cadastrar para mostrar seus produtos e a que passo anda nas práticas
de consumo sustentável, responsabilidade social e ambiental. É uma iniciativa que
garante a certificação das empresas cadastradas, na qual o consumidor pode, através de
cadastro no site, ter acesso às informações sobre suas atividades. Um dos pré-requisitos
para a obtenção deste selo é a participação dos parceiros da empresa candidata em
programas semelhantes, o que acaba por estimular o contato com parceiros que também
incluem medidas de sustentabilidade em suas práticas.
23
Outro ponto que merece destaque no site é o “Teste do Consumo Consciente”
que também pode ser feito através de cadastro no site. No final do teste, a pesquisa
mostra o grau de informação sobre o consumo consciente dos entrevistados, o que eles
chamam de valores (opiniões), e o grau de comprometimento com relação às praticas do
consumo sustentável, que eles chamam de comportamento (ações).
Os gráficos do Anexo II mostram o resultado da pesquisa. No caso, os gráficos
são relativos a perguntas de diferentes âmbitos: Geral, Ambiental, Social e Pessoal. O
resultado da pesquisa feita mostra a comparação entre o meu grau de conscientização
respondido (coluna laranja) e o dos consumidores conscientes brasileiros (coluna azul).
No final do questionário o Akatu me classificou, a partir das minhas respostas,
como consumidor “Indiferente”. Na maior parte dos casos, assim como em minha
pesquisa, o grau de conscientização no âmbito dos valores foi mais alto do que a do
comportamento, o que indica que as pessoas estão conscientes, em diferentes níveis,
mas isto ainda não reflete em mudanças práticas nos hábitos de consumo e ações do dia-
a-dia. No final da pesquisa o Akatu sugere algumas descreve algumas dicas e mudanças
de comportamento.
3.2) Greenpeace
O Greenpeace surgiu nos anos setenta nos Estados Unidos após uma intervenção
de um grupo de ativistas na tentativa de impedir um teste nuclear americano no Alasca.
O grupo se inspirou em uma profecia feita há mais de 200 anos por “Olhos de Fogo”,
uma velha índia Cree, que disse: “um dia a terra vai adoecer e os pássaros cairão do céu
e os mares vão escurecer... (com relação aos problemas ambientais) aí, todas as raças
24
vão se unir sob o símbolo do arco-íris para terminar com a destruição”. De alguma
forma este é o trabalho do Greenpeace.
Passados estes anos, a instituição se faz presente em mais de 40 países, sempre
lutando por questões que defendem o meio ambiente através de campanhas de
sensibilização, bem como através de desafios aos tomadores de decisões para que
revejam suas posições e mudem seus conceitos.
O site do Greenpeace Brasil (www.greenpeace.org.br) é dividido em seis áreas
principais de atuação, cada uma referente a uma questão emergencial a ser trabalhada:
Amazônia, Clima, Energia, Nuclear, Oceanos e Transgênicos. O site tem uma série de
banners para propagar as idéias da instituição, sempre tentando sensibilizar os usuários
de forma lúdica, inteligente e impactante, com jogos e reflexões sobre o tema.
Além disso, o site também oferece notícias sobre o andamento destas questões,
vídeos com imagens factuais, proporcionando a aproximação do espectador com o tema
discutido, além de trazer fotos, também organizadas de maneira a revelar o cenário de
destruição, como é o caso do desmatamento e das queimadas na Amazônia brasileira.
No caso da seção Amazônia, o tema do consumo é abordado através da
orientação da instituição para os consumidores cobrarem produtos de madeira que
tenham o selo FSC (Conselho de Manejo Florestal), um sistema de certificação florestal
que adota padrões ambientais internacionalmente aceitos e que incorpora os interesses
de grupos sociais, ambientais e econômicos de forma equilibrada. Este selo prova que
os produtos de madeira usados em móveis, materiais de construção e papel são
extraídos de forma sustentável.
Um ponto positivo do Greenpeace é a capacidade de convencer as pessoas a
participarem. Depois de uma breve explicação sobre a emergência de um tema, o
internauta pode, por exemplo, participar com o que eles chamam de Ciberativismo,
25
assinando termos e ações para mostrar que apóia a causa, juntando-se a outras pessoas
com estas assinaturas. O internauta também pode contribuir financeiramente para o
Greenpeace, já que é uma instituição independente e não recebe ajudas de governos e
empresas.
26
4) Manual de educação para o consumo sustentável
O tema de consumo sustentável faz parte da agenda do IDEC e nesse sentido, a
instituição atua em diversas frentes, fazendo campanhas de informação ao público,
divulgando o que pode ser feito para a melhoria do meio ambiente através de folhetos
educativos e spots de radio e mostrando aos consumidores a relação direta entre
consumo e sustentabilidade.
Dentre estes materiais, merece destaque a publicação Consumo Sustentável:
Manual de educação, organizada pelo IDEC em 2002 em parceria técnica com a
Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio
Ambiente, com o Ministério da Educação e com a Consumers International.
O manual surgiu com a iniciativa de divulgar valores sobre a relação entre
consumo e meio ambiente para educadores de escolas em mais de 4000 municípios de
todo país. Um dos objetivos desta publicação é propagar através da educação
aproximando “a informação do consumidor, desde a sua mais tenra idade, estimulando-
o a se manifestar como força capaz de liderar mudanças, que se fazem urgentes e
necessárias, nos padrões de desenvolvimento do país.” (IDEC, 2005, p. 6)
O IDEC dá um grande avanço na divulgação das questões sobre o consumo
sustentável ao levar para as escolas as discussões sobre a importância do consumo e do
seu uso correto visando à participação cidadã que leve em conta o meio ambiente e as
futuras gerações. A publicação aborda, de forma didática e interdisciplinar, uma série de
temas com os quais nos deparamos no dia-a-dia como consumidores, como o consumo
de água, da produção de alimentos, a questão dos transportes nas grandes cidades, a
27
importância da biodiversidade para a qualidade de vida das pessoas, a publicidade e o
consumo, a questão do uso de energia e do lixo.
Com informações técnicas e científicas necessárias para o entendimento de cada
questão, os autores propõem ações práticas a serem feitas pelos indivíduos, além de
propor ao final de cada capítulo uma série de exercícios e discussões que podem ser
levadas às salas de aula pelo professor.
Na introdução do manual, formulada pelo ministro da Educação Tarso Genro e
pela ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, se reconhece que
o consumismo adquiriu uma perigosa e equivocada condição de valor social, cuja
dimensão assume contornos preocupantes em uma sociedade que ainda não
aprendeu a relacionar suas atitudes individuais ou coletivas de consumo à produção,
à degradação ambiental e à conseqüente perda da qualidade de vida das pessoas.
(IDEC, 2005, p. 6)
Um dos objetivos desta publicação é estimular o debate sobre temas como o
direito à cidadania, melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, o resgate da ética entre
consumo e produção e a responsabilidade que deve ser atribuída a cada individuo como
ator participante neste processo de conservação ambiental e de bem-estar da
humanidade.
O manual começa discorrendo sobre a sociedade de consumo, através de painéis
explicativos contendo termos técnicos, informações relevantes para justificar a
importância do tema, como a estatística do Banco mundial sobre a desigualdade no
consumo dos recursos naturais e energéticos do planeta, ou discorrendo sobre o
consumismo explicando a expansão da cultura do “ter” em detrimento da cultura do
“ser”, entre outros temas abordasos.
Os autores mostram também a insustentabilidade ambiental e social dos atuais
padrões de consumo, reconhecendo as limitações físicas da terra. Um quadro
28
interessante mostra a história do norte-americano Sidney Quarrier, que se propôs a
tabular toda a carga de materiais e energia que ele e sua família utilizaram desde o dia
da terra, em 1970, até a Rio92, para medir o consumo típico de uma família média
americana. Depois desta pesquisa empírica e de constatar a grande quantidade de lixo e
produtos consumidos, Sidney concluiu que a forma de consumo de sua família durante
aqueles vinte anos é uma das principais causas dos problemas ambientais do mundo.
Do ponto de vista histórico, o texto mostra as propostas de mudanças dos
padrões de consumo surgidas a partir da Rio92, mostrando que as lutas por melhorias na
esfera da produção estão relacionadas e tem continuidade na esfera do consumo e são
interdependentes.
Depois disso os autores apresentam a idéia de consumo verde, que são produtos
e serviços escolhidos pelos consumidores, que incluem a variável ambiental, ou seja,
produtos e serviços que não agridam o meio ambiente tanto na produção, quanto na
distribuição, no consumo e no descarte final. Os autores identificam um problema com
esta forma de consumo chamando-a de esverdeamento do consumidor, uma vez que traz
apenas uma mudança de produtos e marcas menos poluentes, o que já é positivo por um
lado, mas não se propõe a uma redução do consumo propriamente dita.
Segundo os autores, a proposta de consumo sustentável é mais ampla do que a
de consumo verde, pois além de considerar a mudanças nos âmbitos produtivos e do
consumo, enfatiza ações coletivas e mudanças políticas, econômicas e institucionais
para fazer com que os níveis de consumo se tornem mais sustentáveis.
Neste sentido,
a preocupação se desloca da tecnologia dos produtos e serviços e do comportamento
individual para os desiguais níveis de consumo. Afinal, meio ambiente não está
relacionado apenas a uma questão de como usamos os recursos (os padrões), mas
também uma preocupação com o quanto usamos (os níveis), tornando-se uma
questão de acesso, distribuição e justiça social e ambiental. (IDEC, 2005, p. 19)
29
Ampliando o conceito de consumo sustentável, os autores do Manual apontam
que a maior importância não está exatamente no impacto ambiental do consumo, mas
antes o impacto social e ambiental da distribuição desigual do acesso aos recursos
naturais, uma vez que tanto o super consumo quanto o subconsumo causam degradação
social e ambiental.
O quadro apresentado no Anexo I, retirado do Manual de educação, mostra
como podemos obter uma qualidade de vida melhor para as pessoas se modificarmos os
padrões, reduzindo a quantidade do que usamos e fazendo uma melhor distribuição
destes recursos.
O quadro mostra na parte superior uma grande quantidade de automóveis e
meios de transporte que carregam poucos indivíduos e utilizados em grande quantidade
como um exemplo de super consumo. Neste caso, o uso de muitos automóveis, gera
uma série de conseqüências como o aumento do trafego nas ruas, do nível de tensão dos
motoristas e dos níveis de doenças respiratórias e de poluição, ou seja, é
ambientalmente insustentável.
A faixa de consumo intermediária descreve o consumo sustentável. Ainda
existem as necessidades de deslocamento, mas neste caso as pessoas passam a substituir
os transportes individuais como carros e motos, por meios de transportes coletivos como
os ônibus, o transporte ferroviário e metroviário. Esta iniciativa de mudança nos hábitos
e uso sustentável dos transportes acarreta no aumento da qualidade de vida, com a
conseqüente redução dos impactos negativos para as pessoas e para o meio-ambiente.
30
A terceira faixa, na parte de baixo da figura, mostra as conseqüências do
subconsumo, no qual as necessidades básicas da população, como o abastecimento de
água e recolhimento de lixo, por exemplo, não são atendidas. Neste caso, a falta de
transportes traz dificuldades, como o difícil acesso até as escolas, hospitais ou centros e
mercados. Desta forma o subconsumo, no caso dos transportes, economiza com relação
aos gastos ambientais, mais deixa a desejar em diversas questões sociais.
Fazendo uma ponte com a questão do subconsumo, os autores do Manual
enfatizam a idéia de que apenas a redução do consumo e obtenção da sustentabilidade
nos países do hemisfério norte não garante a melhor distribuição dos recursos.
Conforme vimos anteriormente, o subconsumo, predominante em países do hemisfério
sul, também causa problemas sociais e ambientais. A chamada poluição da pobreza.
Neste sentido, sob uma visão ampla, “as políticas de consumo sustentável devem
contribuir para eliminar as desigualdades de poder na determinação dos mecanismos de
comércio internacional” (IDEC, 2005, p. 20).
4.1) Água, um recurso valioso
Muitas vezes não damos a devida importância aos bens e recursos que
consumimos. Neste sentido, o capítulo sobre a água do manual de educação discorre
sobre algumas questões para a manutenção deste recurso, além de mostrar sua
importância para a nossa sociedade, como o seu uso na agricultura, na indústria, na
navegação, na pesca e no lazer, além do uso doméstico. Ao sabermos da importância
deste recurso, passamos a valorizá-lo como um bem econômico que traz benefícios
sociais coletivos e passamos a atentar para sua conservação.
31
Apenas para termos uma idéia de como andam algumas questões relacionadas à
água no Brasil, os autores do manual apontam com dados que mostram que
“cerca de 60 milhões de brasileiros (9,6 milhões de domicílios) não são atendidos pelas
redes de coleta de esgoto e, destes, aproximadamente 15 milhões (3,4 milhões de
domicílios) não têm acesso a água encanada. Ainda mais alarmante é a informação de
que, quando coletado, apenas 25% do esgoto é tratado, sendo o restante despejado “in
natura”, ou seja, sem nenhum tipo de tratamento, nos rios ou no mar.” (IDEC, 2005, p. 32)
Este alto índice de esgoto não tratado traz uma série de problemas de saúde e
doenças transmitidas pela água. Segundo dados da OMS, mais de 5 milhões de pessoas
morrem por ano no mundo (número equivalente a toda a população de um país como a
Finlândia) devido às doenças transmitidas pela água.
Uma das soluções para o uso sustentável deste recurso é a diminuição do seu
uso, devido a menor quantidade de produtos químicos que serão necessários para o
tratamento da água e o tratamento de esgotos da casas e indústrias.
4.2) A importância da agricultura sustentável
De maneira geral os assuntos abordados no manual estão inter-relacionados e o
estudo das questões ambientais também levam em conta fatores econômicos e sociais.
Ao discorrer sobre o meio ambiente não podemos esquecer dos outros interesses sociais
que fazem parte do nosso cotidiano.
Outro capítulo do Manual de Educação discorre sobre os alimentos. Mais uma
vez, o objetivo é nos aproximar das questões relacionadas à produção e consumo de
alimentos e os impactos ambientais dela provenientes. O texto aponta para o perigo de
contaminação do solo e dos lençóis de água decorrentes do uso em excesso de insumos
químicos na agricultura, principalmente agrotóxicos e fertilizantes. Os autores alertam
32
também para o fato de que muitas vezes os legumes e verduras consumidos sofrem
alguma contaminação microbiológica ou química, colocando em risco a saúde dos
consumidores.
Como proposta alternativa, o manual propõe um modelo de agricultura
sustentável, que envolve um conjunto de fatores como a manutenção da biodiversidade,
em contraste com a produção de monocultura, o equilíbrio do fluxo de nutrientes, a
conservação da superfície do solo, a utilização eficiente de água e da luz, além de
incluir fatores sociais, como a geração de trabalho e renda, a promoção da educação, do
aperfeiçoamento técnico e da qualidade de vida. Por uma questão de alta demanda,
ainda não atendida, os preços dos produtos que não empregam insumos químicos (os
orgânicos) ainda é mais elevado.
4.3) O valor da biodiversidade e sua preservação
Além das funções ambientais da existência de grande variedade de florestas e
animais, como manter a estabilidade dos fluxos de água e da temperatura da terra, e o
equilíbrio ecológico das espécies, a biodiversidade tem grande importância do ponto de
vista socioeconômico, pois muitos recursos que utilizamos em nosso dia-a-dia, como
medicamentos, essências e aromáticos para cosméticos, alimentos, óleos e fibras, entre
outros, são provenientes de nossas florestas. Também é destas áreas que retiramos a
madeira produzida no Brasil, que gera dois milhões de empregos e movimenta 4% do
valor do PIB do país.
Apesar do reconhecido valor ambiental e socioeconômico, as florestas e
vegetações nativas vêm diminuindo drasticamente, devido ao uso destas terras para a
33
produção agrícola, da extração predatória de madeira e das queimadas. De acordo com
as informações do manual metade das florestas tropicais desapareceu nos últimos 80
anos.
Os autores mostram as principais linhas de ação sido elaboradas e propostas pelo
governo e pelo Ministério do Meio Ambiente, mas é notório que ainda existe muito a
ser feito:
1. Fomento a pesquisas e levantamentos do estado de conservação da biodiversidade
(áreas prioritárias para conservação e uso sustentável, listas de espécies da fauna e flora
ameaçadas de extinção, lista de espécies invasoras, espécies potenciais para uso
sustentável, áreas protegidas);
2. Fomento a cadeias produtivas de recursos oriundos da biodiversidade (bioindústrias,
bionegócios sustentáveis, turismo sustentável);
3. Promoção da proteção ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade, com
repartição dos benefícios oriundos desse conhecimento, e proteção às populações
tradicionais e locais;
4. Fomento a práticas de produção sustentável a partir da biodiversidade
(agroextrativismo, sistemas agroflorestais, variedades crioulas, manejo sustentável da
floresta, serviços ambientais), visando o desenvolvimento rural sustentável; 5. Expansão e consolidação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, com
participação da sociedade para sua Gestão integrada. Promoção do manejo sustentável e
uso múltiplo de florestas nativas públicas e privadas e expansão sustentável da base
florestal plantada;
6. Conservação e recuperação dos biomas brasileiros;
7. Promoção do acesso, uso sustentável, biossegurança e repartição dos benefícios
decorrentes da utilização dos recursos genéticos e do conhecimento tradicional
associado;
8. Desenvolvimento de políticas fiscais e de crédito (instrumentos econômicos)
indutoras de atividades ambientalmente sustentáveis. (IDEC, 2005, p. 73)
4.4) A renovação energética
Na introdução ao capítulo destinado à energia, os autores do manual mostram
que o impacto ambiental das atividades humanas se tornou expressivo depois da
revolução industrial, no final do século XVIII e especialmente no século passado. Os
processos atualmente disponíveis para a exploração e utilização da energia são
34
responsáveis pela maior parte dos problemas como poluição, chuva ácida, destruição da
camada de ozônio, aquecimento da terra e destruição da fauna e da flora.
Considerando estes fatores e acrescentando que a demanda energética tende a
dobrar até 2110 devido ao crescimento populacional em escala mundial, lança-se o
desafio deste início de século para os pesquisadores, ambientalistas, governos,
organizações não governamentais e comunidades de todo o mundo, que terão que achar
soluções em direção ao uso sustentável destes recursos energéticos.
Em um discurso sobre a renovação energética na década de 60, o presidente
John F. Kennedy lança o desafio para a renovação energética em escala mundial. Ele
indaga, em seu discurso contagiante, se olharemos nos olhos de nossas crianças e
diremos que tivemos a tecnologia, mas faltou visão ou que tivemos a oportunidade de
escolher um futuro sustentável, mas faltou coragem.
De acordo com a pesquisa elaborada pelo Centro Aeroespacial da Alemanha, por
encomenda do Greenpeace e da Comissão Européia de Energia Renovável (EREC, na
sigla em inglês), investimentos agressivos em renováveis poderiam resultar em uma
indústria com faturamento de US$ 360 bilhões anuais. (Greenpeace 2008)
Como podemos ver, nos dias de hoje a questão do consumo está diretamente
ligada com a questão ambiental e é com um esforço de diferentes atores que esta
situação poderá ser resolvida.
4.5) O lixo e a reciclagem
Se observarmos o ciclo do consumo, vemos que a quantidade de lixo cresce na
medida em que o consumismo aumenta. Um vídeo interessante, encontrado no site
storyofstuff.com (a história das coisas, em inglês), mostra as cinco etapas envolvidas no
35
processo do consumo, desde a extração dos seus insumos, passando pela produção,
distribuição, consumo, até a sua disposição final, ou descarte como lixo. O vídeo mostra
com argumentos simples os impactos gerados em cada etapa do processo de consumo e
a lógica que rege todos os atores interessados no processo.
Ainda temos problemas com o lixo. A parte que é incinerada contribui para a
contaminação do ar, do solo e da água, causando mudanças climáticas e
comprometendo a saúde das pessoas. Observamos um sistema no qual os países
desenvolvidos são responsáveis por 75 % do lixo produzido. A reciclagem, mesmo
sendo importante, não se mostra eficiente o suficiente para acabar com a situação, pois a
lógica da produção ainda adota, na maior parte dos casos, o uso de produtos químicos
que não retornam naturalmente para cadeia ambiental.
Para reduzir a geração de lixo, o manual sugere três ações imprescindíveis:
reduzir, reutilizar e reciclar.
Reduzir significa consumir menos produtos e preferir aqueles que ofereçam menor
potencial de geração de resíduos e tenham maior durabilidade. Reutilizar é, por
exemplo, usar novamente as embalagens. Exemplo: os potes plásticos de sorvetes servem para guardar alimentos ou outros materiais. Reciclar envolve a transformação
dos materiais, por exemplo, fabricar um produto a partir de um material usado.
Podemos produzir papel reciclando papéis usados. Papelão, latas, vidros e plásticos
também podem ser reciclados. Para facilitar o trabalho de encaminhar material pós-
consumo para reciclagem, é importante fazer a separação no lugar de origem – a casa, o
escritório, a fábrica, o hospital, a escola etc. A separação também é necessária para o
descarte adequado de resíduos perigosos. (IDEC 2005, p. 119)
4.6) Consumo sustentável e Cidadania
Ao começar as discussões sobre consumo sustentável, o manual começa
abordando no primeiro capítulo a questão da cidadania e sua importância para a
formação de consumidores conscientes. Segundo os autores,
36
o conceito e o significado de cidadania não são únicos e universais e estão sempre se
ampliando e se modificando para incluir novos direitos, em especial, o “direito a ter
direitos”. Desta forma pode incorporar novas aspirações, desejos e interesses, na
medida em que esses consigam ser reconhecidos coletivamente. (...) Isso faz com
que a noção de cidadania se torne mais ampla, incorporando novos elementos como
o direito à autonomia sobre o próprio corpo, o direito à qualidade ambiental, o
direito do consumidor, o direito à igualdade, etc. A partir daí, surgem novas
questões relacionadas ao exercício da cidadania, como por exemplo, as atividades do
consumo. (IDEC, 2005, p. 21)
Um quadro interessante retrata os direitos básicos do consumidor, que estão
sintetizados no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor:
• Proteção da vida, saúde e segurança;
• Educação para o consumo;
• Informação adequada e clara sobre produtos e serviços;
• Proteção contra a publicidade enganosa e abusiva e métodos comerciais ilegais;
• Proteção contra práticas e cláusulas abusivas nos contratos;
• Prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais;
• Adequação e prestação eficaz dos serviços públicos em geral;
• Acesso à justiça e aos órgãos administrativos e facilitação da defesa em favor
do consumidor. (IDEC, 2005, p. 21)
A partir da discussão sobre o exercício da cidadania nas atividades do consumo,
os autores mostram uma série de atividades que se desenvolvem nesta direção como,
por exemplo, a organização das cooperativas de consumo, que permitem aos
consumidores escapar, mesmo que parcialmente, das relações de exploração presentes
nesta esfera.
Outra forma de atividade que envolve o consumidor é o boicote, ou seja, a
recusa planejada e organizada de comprar certos bens e serviços de certas lojas,
empresas ou até países. Ao boicotar um serviço ou produto, os consumidores ou
trabalhadores demonstram sua insatisfação contra aumentos de preços abusivos,
propaganda enganosa, produtos de qualidade duvidosa e até mesmo a insatisfação com
as políticas salariais ou ambientais de uma empresa.
37
As empresas em geral são sensíveis a estas práticas em função da possibilidade
de altos prejuízos financeiros. No entanto, segundo os autores do manual, o boicote tem
algumas limitações e para ser bem sucedido depende de uma série de fatores conforme
pode ser visto no fragmento abaixo:
O sucesso de um boicote de consumidores depende de uma série de fatores, tais
como o nível de organização, o tamanho do mercado boicotado, a natureza e o
número de mercadorias boicotadas, a interferência de governos, etc. (IDEC, 2005, p.
21).
Neste capítulo sobre consumo e cidadania, o manual apresenta também alguns
quadros interessantes como o que fala sobre eco-rotulagem ou rotulagem ambiental.
Este processo consiste na atribuição de um rótulo ou um selo a um produto ou uma
empresa. Esta rotulação, normalmente incentivada pelos governos e secretarias do meio
ambiente, pretende estimular as empresas que atuam na direção da sustentabilidade
ambiental e social em suas atividades, o que também garante aos consumidores mais
informações para fazer suas escolhas de compra com maior compromisso com a
sustentabilidade.
Além disso, a eco-rotulação garante um efeito positivo para toda a cadeia
produtiva, uma vez que as empresas verdadeiramente interessadas em garantir a
sustentabilidade em suas ações passam a cobrar de outros agentes deste processo
produtivo, como fornecedores de matéria-prima e comerciantes para que façam o
mesmo. Nesta direção, uma parte da questão ambiental e social pode ser resolvida, no
sentido de reduzir a quantidade dos recursos naturais usados e os impactos ambientais
da produção, do uso dos produtos e do seu descarte.
Através da participação ativa das pessoas e diversas experiências na esfera do
consumo, identifica-se nesta atividade uma nova possibilidade da reconstrução da
cidadania. Se um consumidor descobre que um produto ou serviço contratado não é
38
seguro e prejudica o meio ambiente, ele tem a chance de se manifestar sobre uma
questão pública. Neste sentido, de acordo com os autores do manual, não devemos
desmerecer a vida privada como espaço de luta pela emancipação coletiva, pois estes
interesses privados podem ser reconhecidos como de interesse coletivo se manifestando
agora por um grupo com interesses em comum.
Os autores ressaltam ainda a idéia de que o debate sobre consumo e meio
ambiente pode ser uma forma de politização do cotidiano, recuperando as pontes entre
as esferas publica e privada. O crescimento da demanda por produtos ambientalmente e
socialmente sustentáveis podem, neste sentido, ajudar na participação do cidadão na
esfera pública, uma vez que estes trazem consigo o aumento da demanda por qualidade
de vida, racionalização no uso dos bens de consumo entre outras reivindicações de
direitos coletivos.
4.7) A gestão da mente sustentável
Em extensiva pesquisa sobre a questão da sustentabilidade, Evandro Vieira
Ouriques, pesquisador das questões sobre responsabilidade social, apresenta a idéia de
gestão da mente sustentável, na qual defende que não existe uma ruptura entre o espaço
individual e o coletivo. Ouriques aplicou os princípios de gestão da mente na busca pela
sustentabilidade, reformulando o conceito tradicional que compreende a segurança
ambiental, justiça social e equidade social.
Para o autor, as idéias sustentáveis encontram-se fora do sistema atual de ações e
atitudes. Segundo ele, o pensamento e/ ou o sentimento que direciona a vontade é o
primeiro aparelho da ação ética no mundo. Se o pensamento é insustentável, a vontade
39
ética revela-se apenas como nominal/ ideal, não se concretiza. Esta idéia defende,
portanto, que antes de agir propriamente, ou colocar a mão na massa, é necessário ter a
mente clara, sustentável, para poder libertar-se e não repetir os mesmos padrões.
Esta proposta de gestão da mente do professor Evandro Ouriques trabalha a
questão atitude e da ação em favor do desenvolvimento sustentável empresarial,
político, social e pessoal, trazendo avanço quanto a uma das grandes faltas em relação
ao tema da sustentabilidade que é a diferença entre o que se reconhece eticamente como
certo e o que é realmente feito.
40
Conclusão
Na presente pesquisa, é importante destacar a impossibilidade de discorrer sobre
o tema do meio ambiente e do consumo sem abordar a questão sob a ótica da
multidisciplinaridade. Soluções para o consumo sustentável envolvem decisões no
âmbito social, político e econômico além da ética e da atitude das pessoas em relação ao
mundo. Além disso, muitas vezes as soluções tem caráter técnico e prático, o que torna
este conhecimento fundamental ao se tratar da questão do consumo sustentável.
É importante destacar que a presente pesquisa não pretende esgotar toda a
questão do consumo sustentável, mas apontar as atuais problemáticas que temos em
relação ao tema, mostrando a importância dos atores envolvidos neste processo e
propondo algumas perspectivas e reflexões para o tema do consumo.
Um dos pontos que podem ser abordados em futuras pesquisas sobre o tema são
casos de sucesso de implementação de práticas de consumo sustentável como material
de estímulo aos empreendedores e pesquisadores. Para isso, é necessário escutar as
pessoas que estão fazendo estes trabalhos e acompanhar de perto suas práticas. Uma boa
sugestão é a investigação participativa, que não foi abordada nesta pesquisa, na qual o
pesquisador atua como participante do objeto pesquisado. Isto possibilitaria uma maior
aproximação com questões mais práticas relacionadas ao tema proposto.
“Não dá para salvar a Amazônia de Ipanema”, como disse o líder seringueiro
Chico Mendes ao empresário João Augusto Fortes, que insistiu em trazer o couro
vegetal, usado em bolsas de seringueiros para um eco mercado da zona sul do Rio.
Depois de refletir sobre o assunto e com base nos autores citados anteriormente,
observei que nossa sociedade reflete aquilo que projetamos como ideal de mundo.
Existe um comprometimento com a ostentação de padrões de consumo muito elevados,
41
impulsionados pelos produtores de significados, como designers, publicitários e
profissionais de marketing, confirmando uma supervalorização do valor econômico, que
atinge todas as esferas da nossa vida cotidiana. Existe um excesso de necessidades e
desejos criados.
Este excesso de produção e de consumo está trazendo danos ao meio ambiente
em que vivemos. Alguns dados mostrados ao longo da pesquisa mostram que os atuais
padrões de produção e consumo são insustentáveis ambientalmente e socialmente.
Considerando o ritmo de produção de lixo e uso de recursos naturais atuais e com o
crescimento populacional mundial marcado para os próximos anos, caminhamos para
um cenário no qual os problemas que temos atualmente tenderão a aumentar, como um
elevado número de mortes, aquecimento da terra, poluição, morte de espécies e da
biodiversidade e isso apenas para citar algumas conseqüências deste elevado consumo.
Poucos produtos hoje em dia são projetados, desde a sua concepção, para ser
sustentáveis, ou seja, retiram da natureza apenas aquilo que pode ser renovado e não
geram impacto ambiental após o seu uso. É importante para o homem a produção de
energia para as mais diversas finalidades, no entanto é necessário saber que consumo
tem conseqüências para a sociedade, para os indivíduos e para o ambiente em que
vivemos.
Como vimos o processo de educação e de multiplicação das idéias sobre o
consumo sustentável são fundamentais para que estas atitudes se tornem realidade. É
fundamental o esforço de diferentes atores e o constante diálogo, entre os governos,
tanto de países desenvolvidos, como os países em desenvolvimento, pesquisadores,
empresas e organizações civis e não governamentais, para a formação desta cultura
sustentável.
42
Neste sentido, pesquisas voltadas para a formação de educadores e produtores de
significados que tenham uma compreensão do seu papel social também são de extrema
importância para a valorização e disseminação de valores da pretendida sociedade
sustentável. Alguns autores já começaram o trabalho, como Evandro Ouriques, que
além da defesa de uma gestão da mente sustentável, investiga a relação entre
comunicação, estados mentais e a ação no mundo, com o foco na potencialização do
comunicador para atuar na sociedade civil, no mercado, no terceiro setor e no estado.
Como vimos anteriormente, existem soluções que podem ser colocadas em
prática para diversas questões. O próprio processo educação do consumidor através dos
movimentos de defesa do consumidor é uma iniciativa importante neste processo rumo
à sustentabilidade.
Podemos ver que as práticas de responsabilidade social e ambiental são cada vez
mais valorizadas entre as empresas, entre os meios de comunicação voltados para a
formação da cidadania e diversas outras instituições como as que abordamos nos
capítulos anteriores, e os indivíduos em si, que atuam como formadores de uma
consciência sustentável e que começam a buscar soluções de consumo consciente.
Este processo se intensifica mais ainda em tempos de crise, como com a presente
crise econômica decorrente do excesso de comprometimento financeiro de bancos norte
americanos. Esse tempo de desestabilização mundial serve para repensarmos os atuais
padrões de consumo e com isso saem fortalecidas as idéias sobre uma sociedade mais
justa e sustentável.
A situação sobre o desenvolvimento sustentável, de modo geral, vem se
colocando cada vez mais na pauta de discussões de governos, e os diversos atores que
analisamos no decorrer dessa investigação. Existe, no entanto, o sentimento de urgência
mostrando que ainda temos muito trabalho a ser feito nesta direção e um longo caminho
43
a percorrer. Acredito que esta discussão está apenas no começo e outras idéias surgirão
para complementar e esclarecer a discussão.
44
ANEXOS
Anexo I
45
Anexo II
46
Anexo III
47
Anexo III (Inspirado no texto “O Consumo serve para pensar” - Canclini)
48
Referências Bibliográficas:
CONSUMERS INTERNATIONAL/ MMA/ MEC/IDEC. Consumo Sustentável:
Manual de educação. Brasília: 2005. 160 p.
GALEANO, Eduardo. O Império do Consumo In: Reflexões sobre o consumo
sustentável. Vol. 3, Le Monde Diplomatique Brasil.
GARCIA-CANCLINI, Néstor. "O Consumo Serve Para Pensar" in Consumidores e
Cidadãos - conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro, Ed UFRJ, 1997, 3ª.
ed, p. 51-70.
(HERCULANO, Selene. Prefácio. In: PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental,
consumo e cidadania. São Paulo : Cortez, 2005, p.9-14)
PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo:
Cortez, 2005
Páginas da Web pesquisadas:
IDEC: www.idec.org.br
Akatu: www.akatu.com.br
Greenpeace: www.greenpeace.org/brasil
The story of the stuff with Annie Leonard: www.storyofstuff.com
Jornal O liberal:
www.portalorm.com.br/oliberal/interna/default.asp?codigo=113113&modulo=247
www.consciencia.net/2005/1221-gestao-da-mente-evo.html
Top Related