UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
KARINA MELISSA CABRAL
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E A JUSTICIABILIDADE DO
DIREITO À QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO NO
BRASIL: funções e interpretações
PRESIDENTE PRUDENTE
2014
2
KARINA MELISSA CABRAL
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E A JUSTICIABILIDADE DO
DIREITO À QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO NO
BRASIL: funções e interpretações
Tese de doutorado apresentado ao Programa
de Pós-graduação em Educação da Faculdade
de Ciências e Tecnologia – UNESP, Campus
de Presidente Prudente, para a obtenção do
título de Doutor em Educação.
Linha de Pesquisa: Políticas Públicas,
Organização Escolar e Formação de
Professores.
Orientador: Prof. Dr. Cristiano Amaral
Garboggini Di Giorgi
PRESIDENTE PRUDENTE
2014
3
Cabral, Karina Melissa.
C119m O Ministério Público estadual e a justiciabilidade do direito à qualidade
do ensino fundamental público no Brasil : funções e interpretações / Karina
Melissa Cabral. - Presidente Prudente : [s.n.], 2014
272 f. : il.
Orientador: Cristiano Amaral Garboggini Di Giorgi
Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de
Ciências e Tecnologia
Inclui bibliografia
1. Ministério Público. 2. Qualidade. 3. Justiciabilidade. I. Di Giorgi,
Cristiano Amaral Garboggini. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade
de Ciências e Tecnologia. III. Título.
Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da
Informação – Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação - UNESP, Campus de
Presidente Prudente.
4
Dedico este trabalho à minha mãe cuja força e
equilíbrio, apesar de todos os revezes da vida,
me fizeram chegar ao final desta etapa. Hoje
realizo um sonho e devo isso a ela!
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AGRADECIMENTOS
Durante esta jornada longa e muito difícil contei com a ajuda, o apoio e carinho de
diversas pessoas, mas uma delas, em especial, acreditou em mim desde o começo e não me
deixou esmorecer. Obrigada, prof. Dr. Cristiano Amaral Garboggini Di Giorgi, por ter sido
muito mais que um orientador, por ter sido um mestre e um exemplo!
Agradeço também a todas as pessoas que estiveram presentes nesta jornada e que de
alguma forma contribuíram com o resultado deste trabalho e o fizeram de fato possível!
Agradeço à minha família pelo amor, carinho e força durante este percurso. Por
sempre acreditarem em mim e estarem ao meu lado.
Agradeço a cada professor e professora da pós-graduação em Educação da
FCT/UNESP pelas ricas contribuições feitas não só a pesquisa, mas também a mim como
profissional da educação.
Aos colegas do GPFOPE - Grupo de pesquisa formação de professores, políticas
públicas e espaço escolar pelos questionamentos e sugestões tão importantes que
possibilitaram o desenvolvimento desta tese.
Aos meus colegas do doutorado que tornaram minha trajetória mais rica e agradável.
Agradeço aos representantes do Ministério Público que gentilmente participaram da
pesquisa.
Aos diversos profissionais da FCT/UNESP sem os quais a estrutura que envolve esta
pesquisa não teria se realizado, em especial, a equipe da pós-graduação desta instituição.
E a todos aqueles que aqui não foram nominalmente lembrados, mas estão todos os
dias em meu coração. Muito obrigada!
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CABRAL, Karina Melissa. O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E A
JUSTICIABILIDADE DO DIREITO À QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL
PÚBLICO NO BRASIL: funções e interpretações. Tese (Doutorado em Educação) –
Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP – Univ. Estadual Paulista de Presidente
Prudente, Presidente Prudente-SP, 2014. 272 f.
RESUMO
O presente estudo vincula-se à linha de pesquisa de “Políticas Públicas, Organização Escolar
e Formação de Professores” e teve como objeto de investigação o papel do Ministério Público
estadual na justiciabilidade da qualidade do ensino fundamental público, propondo uma
reflexão sobre a possibilidade dos representantes deste órgão exigi-la juridicamente por meio
da Ação Civil Pública. Como proposta para mensuração da qualidade apresenta-se a discussão
das dimensões qualitativas da educação (insumos, processos e resultados) com o intuito de
possibilitar uma maior viabilidade jurídica aos pedidos de exigibilidade da qualidade do
ensino fundamental. Durante a pesquisa verificou-se que na composição do MP existem
também alguns órgãos auxiliares da atividade funcional que são os Centros de Apoio
Operacional – CAO ‘s que têm como função o auxílio, a prestação de serviços, informações e
monitoramente de ações governamentais e políticas públicas que envolvam crianças e
adolescentes remetendo informações técnico-jurídicas para que os representantes do
Ministério Público possam atuar em relação aos direitos destes. A pesquisa foi realizada
através de um mapeamento das ações dos órgãos do Ministério Público Estadual nos Estados
brasileiros, enfocando os Centros de Apoio Operacional de Defesa da Educação (CAODE) ou
os Centros de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ) que por meio do uso do
método comparativo, aliado ao aprofundamento na pesquisa bibliográfica e documental,
analisou as informações obtidas sobre a forma de atuação destes órgãos em ações que
envolviam pedidos que tenham como fundamento as dimensões da qualidade do ensino
fundamental. O trabalho concluiu que existe um movimento positivo do Ministério Público
Estadual em relação ao direito à educação, porém verifica-se que há uma compreensão de
viabilidade jurídica em relação ao acesso e a permanência na escola, mas pouco se fala nas
dimensões da qualidade, isto porque muitas vezes estas questões esbarram no princípio
jurídico da reserva do possível que protege o Poder Executivo do cumprimento de suas
obrigações positivas, sob a alegação de impossibilidade financeira com base na Lei de
Responsabilidade Fiscal. Na configuração geral do país quanto aos CAO’s podemos dizer que
o Brasil ainda precisa de uma maior estruturação, pois estes órgãos auxiliares são de extrema
relevância para que o Ministério Público tenha ações diferenciadas quanto a alguns direitos
específicos, como a educação, porém muitos Estados ainda não possuem os CAO’s, muito
menos especificamente na área educacional. Um exemplo de ação pontual e positiva quanto à
qualidade do ensino fundamental pode ser encontrada no Estado da Paraíba que possui,
inclusive um Manual de Atuação na Educação. O referencial teórico abrange entre outros,
Regina Maria Fonseca Muniz, Evaldo Amaro Vieira, Nina Beatriz Ranieri, Romualdo Portela
de Oliveira, Gilda Cardoso de Araújo e Carlos Roberto Jamil Cury. Também foram analisados
estudos e relatórios da Organização Não Governamental Ação Educativa, mais
especificamente do Projeto Ação na Justiça, e da UNESCO.
Palavras-chave: Justiciabilidade. Ministério Público. Ensino Fundamental. Qualidade.
Dimensões.
7
CABRAL, Karina Melissa. THE PROSECUTOR STATE AND TEACHING QUALITY
OF THE RIGHT TO FUNDAMENTAL JUSTICIABILITY PUBLIC IN BRAZIL:
functions and interpretations. Thesis (Doctor of Education) - Faculty of Science and
Technology - UNESP - Univ. Estadual Paulista of Presidente Prudente, Presidente Prudente-
SP, 2014. 272 f.
ABSTRACT
This study is linked to the line of research "Public Policy, School Organization and Teacher
Education" and had at investigating the role of the state prosecutor in the justiciability of the
quality of public elementary school, proposing a reflection on the possibility of
representatives of this body requires it legally through the Public Civil Action. As a proposal
for quality measurement presents the discussion of the qualitative dimensions of education
(inputs, processes and outcomes) in order to enable greater legal feasibility to requests for
claiming the quality of basic education. During the research it was found that the MP
composition there are also some subsidiary bodies of the functional activity are the
Operational Support Centers - CAO's which function to aid the provision of services,
information and monitoramente of government actions and policies public involving children
and adolescents referring technical and legal information so that prosecutors can act in
relation to these rights. The survey was conducted by mapping the actions of the organs of the
State Prosecutor in the Brazilian states, focusing on the Centers for Operational Support
Defense Education (CAODE) or the Centers for Children and Youth Operational Support
(CAOIJ) that through use of the comparative method, coupled with the deepening of
bibliographical and documentary research, analyzed the information obtained about the
modus operandi of these bodies in actions involving claims that have as basis the dimensions
of quality of basic education. The study concluded that there is a positive movement of the
State Attorney for the right to education, but it appears that there is an understanding of legal
feasibility in relation to access and remain in school, but little is said on the quality
dimensions, ie because often these issues come up against the legal principle of reserve for
possible protecting the executive branch to comply with its positive obligations on the
grounds of financial impossibility based on the Fiscal Responsibility Law. In general
configuration of the country as the CAO's can say that Brazil still needs a more organized, as
these subsidiary bodies are very important to that prosecutors have different actions on some
specific rights, such as education, but many states still lack the CAO's, much less specifically
in education. An example of timely and positive action on the quality of basic education can
be found in the state of Paraíba you own, including a Perform Manual in Education. The
theoretical framework includes among others, Regina Maria Fonseca Muniz, Evaldo Amaro
Vieira, Nina Beatriz Ranieri, Romualdo Portela de Oliveira, Gilda Cardoso de Araújo and
Carlos Roberto Jamil Cury. Were also analyzed studies and reports Non Governmental
Organization Educational Action, specifically Action Project on Justice, and UNESCO.
Keywords: Justiciability. Prosecutors. Elementary school. Quality. Dimensions..
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Mapa das Regiões do país ..................................................................................... 45
Figura 2. Pesquisa sobre justiciabilidade dos direitos humanos .......................................... 67
Figura 3. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ................................................ 68
Figura 4. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ...................... 68
Figura 5. Convenção Americana de Direitos Humanos ....................................................... 69
Figura 6. Organização do Ensino Fundamental de 9 anos .................................................. 99
Figura 7. Organização dos objetivos do Ensino Fundamental ............................................. 101
Figura 8. Panorama do Ensino Fundamental ........................................................................ 103
Figura 9. Legenda do gráfico 9............................................................................................. 157
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Participantes da pesquisa por região do país ........................................................ 45
Tabela 2. Gasto por aluno nos anos iniciais do ensino fundamental .................................... 124
Tabela 3. CAQi dos anos iniciais do ensino fundamental .................................................... 126
Tabela 4. Salário dos professores ......................................................................................... 132
Tabela 5. Plano Inicial de cargos e salários .......................................................................... 133
Tabela 6. Principais assuntos tratados nas decisões (1999-2013) ........................................ 159
Tabela 7. Ouvidorias no Brasil ............................................................................................. 161
Tabela 8. Taxas de escolarização bruta e líquida da educação básica .................................. 194
Tabela 9. Conteúdo Maximo e conteúdo mínimo de uma Lei de Responsabilidade
Educacional ........................................................................................................................... 205
10
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1. As Promotorias de Justiça nos Estados Pesquisados ........................................... 44
Gráfico 2. Os Centros de Apoio Operacionais no Brasil ...................................................... 46
Gráfico 3. Os CAO’s em números inteiros ........................................................................... 46
Gráfico 4. Panorama geral dos CAO’s nas Regiões do Brasil ............................................. 47
Gráfico 5. CAO Infância e Juventude nas Regiões do Brasil ............................................... 48
Gráfico 6. CAO Educação nas Regiões do Brasil ................................................................ 48
Gráfico 7. CAO Direitos Humanos nas Regiões do Brasil ................................................... 49
Gráfico 8. CAO Cidadania e outros nas Regiões do Brasil .................................................. 50
Gráfico 9. Proporção de crianças, adolescentes e jovens no Brasil ...................................... 105
Gráfico 10. Taxas de analfabetismo nas regiões do Brasil .................................................. 105
Gráfico 11. Diferença entre valor por aluno em estados selecionados – 2009 ..................... 121
Gráfico 12. Pesquisa de decisões do STF (1988 a 2011) ..................................................... 156
Gráfico 13. Ingressante com a Medida Judicial.................................................................... 157
Gráfico 14. Municípios e Estados onde se originaram as ações ........................................... 158
Gráfico 15. Número de acórdãos do TJMG sobre direito à educação (1999-2013)
relacionados à educação básica ............................................................................................. 159
Gráfico 16. Regiões geográficas onde são encontradas ouvidorias públicas vinculadas ao
Poder Executivo Federal ........................................................................................................ 161
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADin – Ação Direta de Inconstitucionalidade
Art. – Artigo
Arts. – Artigos
CAQi – Custo Aluno Qualidade Individual
CAO – Centro de Apoio Operacional
CAOIJ - Centros de Apoio Operacional de Infância e Juventude
CAE - Centros de Apoio Operacional de Educação
CEAF – Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional
CAODC – Centro de Apoio Operacional de Defesa da Cidadania
CAODCS – Centro de Apoio Operacional de Defesa da Cidadania e Saúde
CF/88 – Constituição Federal de 1988
CIDH – Comissão Internacional de Direitos Humanos
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
DUDH – Declaração Universal de Direitos do Homem
EC – Emenda Constitucional
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FCT – Faculdade de Ciências e Tecnologia
FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização
do Magistério
FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INEP – Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Anísio Teixeira
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação
MP – Ministério Público
n. ou nº – Número
ONG – Organização não governamental
PAR – Plano de Ações Articuladas
12
PIDESC – Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
PIDCP – Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos
PMOE – Padrões Mínimos de Oportunidades Educacionais
PMQSE – Padrões Mínimos da Qualidade do Serviço Educacional
PNAD – Pesquisas Nacionais de Amostra de Domicílios
PNBEM – Programa Nacional Biblioteca da Escola para o Ensino Médio
PNE – Plano Nacional de Educação
PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SEDH – Educação, Saúde e Desenvolvimento Social e Secretaria dos Direitos Humanos
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNESP – Universidade Estadual Paulista
13
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................................... 6
ABSTRACT .............................................................................................................................. 7
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................... 8
LISTA DE TABELAS .............................................................................................................. 9
LISTA DE GRÁFICOS ......................................................................................................... 10
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15
1 PAPEL E CONCEPÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL SOBRE A
QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO NO BRASIL: PRINCÍPIOS,
ATRIBUIÇÕES E FORMA DE ATUAÇÃO ....................................................................... 26
1.1 Função do Ministério Público .................................................................................... 28
1.2 Composição do Ministério Público Brasileiro ........................................................... 34
1.3 Atuação do Ministério Público quanto à Educação e sua qualidade ......................... 37
1.3.1 Configuração do MP nos Estados e dos CAO’s ................................................. 38
2 DIREITO À EDUCAÇÃO ............................................................................................. 51
2.1 Conceito de educação ................................................................................................ 57
2.1.1 A educação como direito humano ...................................................................... 62
2.1.2 A educação como direito fundamental ............................................................... 71
2.2 O direito à qualidade da educação ............................................................................. 75
3 QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO: INSUMOS,
PROCESSOS E RESULTADOS ........................................................................................... 79
3.1 Concepção de função social da escola ....................................................................... 80
3.2 Qualidade na educação .............................................................................................. 86
3.2.1 Qualidade ensino fundamental público .............................................................. 98
3.3 Possibilidades de mensuração da qualidade: insumos, processos e resultado ......... 109
3.3.1 Insumos ............................................................................................................. 113
3.3.2 Resultados ......................................................................................................... 136
3.3.3 Processo ............................................................................................................ 142
4 EXIGIBILIDADE JURÍDICA DA QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL
PÚBLICO NO BRASIL ....................................................................................................... 153
4.1 Embate do direito à educação x princípio da reserva do possível ........................... 163
4.2 Panorama das políticas públicas educacionais no Brasil ......................................... 170
4.3 Centralização e descentralização ............................................................................. 182
14
4.4 A ação civil pública e a exigibilidade da qualidade do ensino fundamental público ....
................................................................................................................................. 195
4.5 Posicionamento do MP quanto à qualidade da educação ........................................ 206
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 218
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 226
APÊNDICE I - ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE QUESTIONÁRIO
ESTRUTURADO ................................................................................................................. 241
APÊNDICE II – QUESTIONÁRIO ESTRUTURADO .................................................... 250
15
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa é um desdobramento da dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - FCT/UNESP, campus de Presidente Prudente, em 2008, e
que tinha como foco analisar através da pesquisa bibliográfica e documental a possibilidade
jurídica do direito à qualidade do ensino fundamental no Brasil.
A pesquisa de 2008 constatou em nossa legislação possibilidades jurídicas de exercer
o direito à exigibilidade da qualidade da educação, nível fundamental, através de alguns
instrumentos legais, entre eles, a Ação Civil Pública foi identificada como o instrumento que
melhor representa tais direitos, mediante propositura via Ministério Público. Entretanto, a
pesquisa não se aprofundou na análise do papel deste órgão para o exercício do direito à
qualidade educacional, o que acabou provocando o interesse pela compreensão das funções e
interpretações do Ministério Público Estadual no que condiz à justiciabilidade do direito à
qualidade do ensino fundamental público no Brasil, pois são eles os representantes dos
interesses das crianças e adolescentes.
O que nos leva ao presente trabalho.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei n. 8.069/90, determina que
compete ao Ministério Público:
Art. 201. Compete ao Ministério Público:
[...]
V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses
individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os
definidos no Art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal;
[...]
VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às
crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;
IX - impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus, em qualquer
juízo, instância ou tribunal, na defesa dos interesses sociais e individuais
indisponíveis afetos à criança e ao adolescente;
X - representar ao juízo visando à aplicação de penalidade por infrações cometidas
contra as normas de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da promoção da
responsabilidade civil e penal do infrator, quando cabível;
XI - inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas
de que trata esta Lei, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais
necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas;
[...]
§ 5º Para o exercício da atribuição de que trata o inciso VIII deste artigo, poderá o
representante do Ministério Público:
a) reduzir a termo as declarações do reclamante, instaurando o competente
procedimento, sob sua presidência;
16
b) entender-se diretamente com a pessoa ou autoridade reclamada, em dia, local e
horário previamente notificados ou acertados;
c) efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância
pública afetos à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita
adequação. (ECA)
Portanto, o Ministério Público está legitimado a representar e zelar pela proteção dos
interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, podendo para
tanto promover medidas judiciais e extrajudiciais que assegurem o respeito aos direitos e
garantias legais afirmados às crianças e adolescentes, bem como ingressar em juízo
requerendo aplicação de penalidade por infrações cometidas contra as normas de proteção à
infância e à juventude e, podendo ainda, efetuar recomendações visando à melhoria dos
serviços públicos e de relevância pública afetos à criança e ao adolescente.
A importância do Ministério Público como representante dos direitos das crianças e
adolescentes é tão forte em nossa legislação que o texto estatutário determina que em todos os
processos e procedimentos em que se aborde a defesa dos direitos e interesses destes, o
Ministério Público, mesmo quando não for parte, deverá tomar conhecimento do mesmo
podendo nele atuar se necessário:
Art. 202. Nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará
obrigatoriamente o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de que
cuida esta Lei, hipótese em que terá vista dos autos depois das partes, podendo
juntar documentos e requerer diligências, usando os recursos cabíveis. (ECA)
Segundo a Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público, que dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público
dos Estados e dá outras providências, e o art. 127 da Constituição Federal de 1988, define-se o
Ministério Público como sendo:
Art. 1º. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (Lei n. 8.625/93)
Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (CF/88)
Já a Constituição Federal de 1988 determina como funções institucionais do
Ministério Público:
Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
17
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de
intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,
requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei
complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar
mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com
sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas. (CF/88)
Assim, o Ministério Público é uma instituição pública autônoma que possui como
função precípua a defesa dos interesses do conjunto da sociedade brasileira, ou seja, a defesa
do interesse público e, entre eles, encontra-se o interesse das crianças e adolescentes também
na esfera educacional.
O objetivo deste trabalho é compreender as interpretações e perspectivas de atuação e
função do Ministério Público Estadual no que diz respeito à qualidade do ensino fundamental
público brasileiro e a possibilidade de exigi-lo juridicamente.
Para tanto foi realizado um levantamento sobre como o Ministério Público Estadual
está organizado ou se organizando para trabalhar as questões vinculadas ao direito à educação
no Brasil, e a partir disso verificou-se quais os Estados brasileiros que possuem uma atuação
diferenciada em seus órgãos do Ministério Público em relação ao direito à educação. Para
compreensão destes dois objetivos foi necessário investigar se há atuação que abrange o
direito à qualidade do ensino fundamental público no Brasil, e se houver, como esta ocorre,
especialmente analisando as concepções e interpretações vinculadas a ela e a partir destas
analisar as interpretações do Ministério Público Estadual quanto à exigibilidade jurídica do
direito à qualidade do ensino fundamental público com base nestes levantamentos e no
referencial teórico apresentado.
Isto porque, a Constituição Federal de 1988 diferentemente da maioria dos
instrumentos internacionais faz menção expressa à importância da qualidade da educação
tratando-a como um princípio fundamental do ensino a ser ministrado, conforme denota o seu
inciso VII, do artigo 206, ou seja, a Carta Magna garante o Direito à Educação com “padrão
de qualidade” para todos.
18
Deste modo, a educação básica dos 04 aos 17 anos de idade é obrigatória e gratuita
(CF, art. 208, inciso I ), entretanto, atualmente apenas o ensino fundamental é considerado um
direito público subjetivo (CF, art. 208, parágrafo primeiro), uma vez que se tem até 2016 para
a implantação progressiva da universalização da educação infantil (EC 59/2009, art.6º) e
atendimento dos jovens até 17 anos de idade e, a partir desta, sua obrigatoriedade.1
Isto quer dizer que até 2016 somente a qualidade do ensino fundamental pode ser
considerada um direito que requer uma ação positiva do Estado em promovê-lo, e quando esta
ação não ocorre, o Poder Público pode ser acionado judicialmente por sua omissão ou oferta
irregular.
Oferta irregular significa uma oferta que não condiz com a normalidade, com a
regularidade, sendo contrária à lei ou à justiça; a ausência ou deficiência na qualidade deste
ensino caracteriza esta anormalidade como oferta irregular do ensino fundamental.
Para Silveira:
A CF/88 ao estabelecer os deveres do Estado com a educação declarou
expressamente que “o acesso ao ensino fundamental obrigatório e gratuito é direito
público subjetivo”, e que o “não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder
Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”
(BRASIL, CF/88, art. 208, §1º e 2º). Com esta declaração, todos os cidadãos têm o
direito de exigir do Estado o cumprimento de seu dever com relação à prestação
educacional. (SILVEIRA, 2006, p. 36; grifo nosso)
Verifica-se que o direito à educação é um direito fundamental expresso na
Constituição Federal de 1988, considerado também um direito humano e, portanto, não
poderia ser desrespeitado.
No entanto, na prática, quando se trata da exigibilidade jurídica do direito à educação
o que se percebe é que, atualmente, já há uma compreensão da sociedade, assim como
entendimento favorável da doutrina (juristas) e da jurisprudência (Tribunais) brasileira quanto
ao Direito ao acesso e à permanência no ensino. Isto pôde ser verificado, por exemplo, em
pesquisas como a realizada por Dragone Silveira (2006),
Como visto, na análise das ações das duas Promotorias de Justiça, foram poucas as
solicitações para o acesso ao ensino obrigatório, e rapidamente solucionadas pelos
Promotores de Justiça. A que mais ensejou discussões foi a que tratava de garantia
de vagas em escolas públicas próximas das residências dos alunos, direito
formalizado no ECA, art. 53. Em Rio Claro, por meio de Mandados de Segurança, o
direito líquido e certo foi restabelecido pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude. Já
em Ribeirão Preto, pelo número elevado de alunos nas escolas pretendidas pelos pais
1 Art. 6º - O disposto no inciso I do art. 208 da Constituição Federal deverá ser implementado progressivamente,
até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União. (EC 59/2009)
19
ou responsáveis, como a mais próxima de sua residência, o Promotor de Justiça
atuou extrajudicialmente para conseguir a matrícula em outras escolas, também
iniciando, motivado por esse problema, a discussão para a construção e/ou
ampliação de equipamentos escolares. (SILVEIRA, 2006, p. 12)
O que comprova, portanto, que há, mesmo que minimamente, este consenso entre a
sociedade, bem como entre os juristas, de que é possível pleitear judicialmente o direito ao
acesso e à permanência no ensino fundamental. Mas, esta compreensão não é verificada em
relação ao direito à qualidade deste nível de ensino. Isto porque, a qualidade da educação no
Brasil é um conceito polissêmico e dinâmico que possui diversos entendimentos conforme sua
evolução no tempo, sendo histórico e temporal.
Assim, compreendemos que a mensuração da qualidade da educação não fácil de ser
determinada, mas ela é possível, especialmente quando se adotam pesquisas como a tese de
livre-docência de Romualdo Portela Oliveira (2006), da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo – FE/USP, que traz a discussão de qualidade na educação sob três
dimensões (insumos, processos e resultados), e este apartamento da qualidade educacional
pode trazer uma maior viabilidade jurídica aos pedidos de exigibilidade da qualidade do
ensino fundamental.
Esta opção teórica ocorre sem nos desfazer dos demais referenciais e documentos que
versam sobre o tema.
Hoje, a discussão sobre os fins da educação está dividida entre duas posições opostas,
a visão civil democrática e a visão produtivista. Segundo Singer (1996, p. 05), a perspectiva
civil democrática encara a educação formal como “processo de formação cidadã, tendo em
vista o exercício de direitos e obrigações típicos da democracia”, e tem como sujeito o
educando das classes menos privilegiadas, pois tem como fim proporcionar aos filhos da
classe trabalhadora instrumentos intelectuais para que estes possam se engajar “em
movimentos coletivos visando tornar a sociedade mais livre e igualitária”, não havendo
contradição “entre a formação do cidadão e a formação do profissional” e tem como
finalidade a autonomia do educando. (SINGER, 1996, p. 05)
Já a concepção produtivista “concebe a educação, sobretudo escolar como preparação
dos indivíduos para o ingresso, da melhor forma possível, na divisão social do trabalho”; para
esta visão o bem estar de todos é decorrente dos ganhos individuais para usufruto material, ou
seja, “a educação promove o aumento da produtividade, que seria o fator mais importante
para elevar o produto social e dessa maneira eliminar a pobreza”. (SINGER, 1996, p. 06)
20
Desta forma, percebe-se que as duas visões valorizam a educação e buscam, por meio
dela, a melhoria da sociedade, porém ideologicamente elas são muito diferentes.
Não podemos deixar de esclarecer de antemão que sabemos que há este antagonismo
entre a tese produtivista que defende o accountability na educação, sob o viés da concepção
produtivista (accountability esta usada nesta concepção de forma seletiva para controlar e
punir os agentes escolares, especialmente professores), e o conceito de educação na
perspectiva democrática cidadã, mas apesar desta tensão, este trabalho defende e acredita na
educação e em sua qualidade partindo dos pressupostos da educação democrática cidadã.
Porém essa posição teórica não pode nos impedir de buscar mecanismos e instrumentos para
possibilitar que a qualidade do ensino fundamental possa ser exigida, mesmo que
minimamente, e isso nos leva a trabalhar alguns mecanismos de avaliação que têm sido mais
identificados com o neoliberalismo. Parece-nos este um procedimento legítimo. Afinal a
avaliação em si mesmo nada tem de neoliberal e mesmo a accountability, que em sua essência
remete à necessidade de todos os agentes públicos prestarem contas à sociedade que os
sustenta, pode perfeitamente ser entendida em uma perspectiva democrática. Isto cria certa
tensão, mas uma tensão necessária, uma vez que a exigência judicial da qualidade passa
necessariamente por parâmetros objetivos. Cabe, portanto, ressignificar mecanismos e
instrumentos usados dentro da perspectiva produtivista numa outra perspectiva.
E é neste “palco” de antagonismos e definições complexas sob a perspectiva da nossa
legislação que verificamos a importância da compreensão dos órgãos do Ministério Público
Estadual em relação ao tema pesquisado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente não restringe as funções do Ministério
Público, muito pelo contrário, traz ainda no caso da qualidade do ensino obrigatório que é
função do MP:
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por
ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-
oferecimento ou oferta irregular:
I - do ensino obrigatório;
[...]
Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos,
consideram-se legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público;
[...]
Desta forma, o Ministério Público representa e zela pelos interesses das crianças e
adolescentes junto ao Poder Judiciário, inclusive, sendo legitimados de acordo com o ECA
21
(art. 208, inciso I e art. 210, inciso I) para propor ações de responsabilidade por ofensa aos
direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta
irregular do ensino obrigatório: a falta de qualidade no ensino fundamental público.
Verifica-se assim a importância de pesquisar em quais Estados brasileiros o Ministério
Público Estadual possui órgãos que tem vinculação direta e específica para atuação na área da
educação e se estes órgãos possuem interpretações quanto à qualidade do ensino fundamental
público no Brasil e a possibilidade de sua exigibilidade jurídica; bem como, torna-se
importante destacar o papel do MP nesta problemática.
E isto se deu através de um levantamento dos Centros de Apoio Operacional de Defesa
da Educação (CAODE) ou, na inexistência destes, dos Centros de Apoio Operacional da
Infância e Juventude (CAOIJ), pois são estes órgãos os auxiliares da atividade funcional do
Ministério Público e que atuam especificamente no setor pesquisado:
Art. 33. Os Centros de Apoio Operacional são órgãos auxiliares da atividade
funcional do Ministério Público, competindo-lhes, na forma da Lei Orgânica:
I - estimular a integração e o intercâmbio entre órgãos de execução que atuem na
mesma área de atividade e que tenham atribuições comuns;
II - remeter informações técnico-jurídicas, sem caráter vinculativo, aos órgãos
ligados à sua atividade;
III - estabelecer intercâmbio permanente com entidades ou órgãos públicos ou
privados que atuem em áreas afins, para obtenção de elementos técnicos
especializados necessários ao desempenho de suas funções;
IV - remeter, anualmente, ao Procurador-Geral de Justiça relatório das atividades do
Ministério Público relativas às suas áreas de atribuições;
V - exercer outras funções compatíveis com suas finalidades, vedado o exercício de
qualquer atividade de órgão de execução, bem como a expedição de atos normativos
a estes dirigidos. (Lei n. 8.625/93)
O que pretendemos responder ao final desta pesquisa, portanto, é como o Ministério
Público Estadual está organizado para trabalhar as questões vinculadas ao direito à educação
em nosso país? Quais Estados possuem uma atuação diferenciada em seus órgãos do MP em
relação ao direito à educação? Esta atuação abrange o direito à qualidade do ensino
fundamental público no Brasil? Se sim, como? Quais as interpretações do MP Estadual
quanto à exigibilidade jurídica do direito à qualidade do ensino fundamental público?
Assim como no decorrer da pesquisa de mestrado, também neste momento
acreditamos que seja importante esclarecer que a intenção deste trabalho não é apresentar
respostas prontas aos problemas de pesquisa acima descritos, porque sabemos de sua
amplitude, dificuldade e necessidade de adequação aos sujeitos envolvidos e aos aspectos
culturais, sociais, políticos e econômicos do local em que o MP, a escola e os sujeitos estão
inseridos, aspectos estes que devem ser analisados quando tratamos de qualidade da educação,
22
por isso o que pretendemos é contribuir para discussão mais ampla do tema.
No mais, não temos a pretensão de trazer um conceito estanque de “qualidade da
educação” ou “padrão de qualidade”, o que desejamos é promover a discussão sobre o
assunto, apresentar alguns caminhos para a elaboração de indicadores de qualidade passíveis
de serem exigidos judicialmente via ação civil pública pelo Ministério Público, partindo este
debate da análise das dimensões da qualidade educacional: insumos, processos e resultados. E
analisando as discussões propostas sob o viés das ações, funções e papéis do MP Estadual.
É importante pontuar aqui que durante o período de elaboração desta tese muitos
desafios acadêmicos e pessoais foram enfrentados que culminaram em uma mudança na
proposta inicial da pesquisa.
Em termos acadêmicos a proposta inicial era uma pesquisa focada na coleta de dados,
onde utilizaríamos dois instrumentos: um questionário estruturado com base nas questões de
pesquisa e nos objetivos da mesma; organizado em uma plataforma on line, por meio da
ferramenta de elaboração de questionários pela web, Survey Monkey, que foi enviado em
formato eletrônico (via e-mail) aos representantes dos Ministérios Públicos Estaduais das 27
unidades federativas (26 Estados e 01 Distrito Federal), ou seja, os Promotores de Justiça
responsáveis pelos Centros de Apoio Operacional de Defesa da Educação (CAODE) ou, na
inexistência destes, pelos Centros de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ),
garantindo-lhes o sigilo e o anonimato, sendo que foram identificados apenas o Estado a que
pertencem e/ou Distrito Federal, bem como o Centro de apoio Operacional; e entrevistas semi
estruturadas com os representantes do Ministério Público – Promotor de Justiça – que
possuem uma ação positiva quanto à exigibilidade do direito ao ensino fundamental público,
identificados na aplicação do questionário.
Ocorre que na primeira fase desta pesquisa, as respostas ao questionário no Survey
Monkey obtiveram pouca adesão dos membros do Ministério Público selecionados conforme
as indicações acima, o que, consequentemente, inviabilizou a segunda parte da pesquisa, pois
não foi possível identificar os nichos das ações positivas quanto à exigibilidade do direito à
qualidade do ensino fundamental público entre os membros do MP para a entrevista. Sabemos
que a extensão do questionário pode ter sido uma das causas da baixa adesão dos
representantes do MP a pesquisa, por este motivo, tentamos o contato via telefone com o
público pesquisado; entretanto nem neste outro formato de contato e com uma gama de
perguntas menores – definimos apenas as perguntas chaves de cada assunto, fechando em dez
perguntas para o contato telefônico – foi possível obter novas participações, além daquelas já
colhidas via questionário no Survey Monkey.
23
Porém, aqueles que participaram, respondendo ao questionário, representam todas
cinco regiões do país e trouxeram informações muito relevantes sobre seus Estados: Acre,
Santa Catarina, Maranhão, Goiás e Espírito Santo, e estas foram utilizadas para análise dos
problemas propostos mostrando um panorama geral das informações que precisávamos em
termos macros.
Não obstante estas dificuldades, a pesquisa não perdeu seu foco e qualidade, pois para
a realização do questionário já havia sido concretizado um mapeamento dos órgãos do
Ministério Público Estadual nos Estados brasileiros, enfocando nas ações dos Centros de
Apoio Operacional de Defesa da Educação (CAODE) ou dos Centros de Apoio Operacional
da Infância e Juventude (CAOIJ). Logo, foi possível por meio do uso do método comparativo
na análise do mapeamento acima descrito, aliado ao aprofundamento na pesquisa
bibliográfica e documental, bem como pela pesquisa nos Superiores Tribunais brasileiros
(Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal) responder aos questionamentos
que norteiam esta tese.
Assim, sabemos que não só pelas dificuldades descritas, mas principalmente pela
riqueza do tema, ainda há mais a ser pesquisado sobre ele e que este trabalho pode ser
melhorado e aperfeiçoado em todos os seus aspectos, mas acreditamos também, pelo enorme
esforço em realizá-lo e pelo grande interesse que esta pesquisadora tem pelo assunto, que esta
pesquisa pode abrir espaço para a compreensão e o diálogo entre os representantes dos
interesses das crianças e dos adolescentes – Ministério Público Estadual– e os educadores,
contribuindo para uma argumentação e definição mais clara do que seja esta qualidade e, com
isso, trazer novas perspectivas para a viabilidade jurídica dos pedidos desta natureza.
Segundo Gadotti (1992, p. 26) não há como falar em educação sem falar de sua
natureza que é a ação, a práxis. Acreditamos, assim como o autor que falar de educação é
falar de si mesmo, portanto, não há como falar de educação afastando-se de sua história e de
suas crenças. Neste sentido, Paulo Freire talvez tenha sido o expoente que melhor
exemplificou essa concepção de educação como o ato de ser, onde o sujeito está implicado em
suas ações. E aqui nos arriscamos a afirmar que esta tese tentará em todos os momentos
aproximar-se das crenças pessoais da pesquisadora, mas observando os fatos analisados com a
neutralidade necessária a um pesquisador.
Ora, para o educador, a maneira de se educar é precisamente a interrogação sobre as
finalidades, sobre a finalidade de sua empresa, ele filosofa e também educa. A
educação dos educadores começa por um processo pelo qual o homem tem a
possibilidade de ser um homem, quer dizer, decidir sobre a escolha de seus fins.
(GADOTTI, 1992, p. 32)
24
Esta pesquisa, portanto, se subdivide em quatro capítulos. O primeiro deles traz a
análise sobre o papel e as concepções do Ministério Público Estadual quanto à qualidade do
ensino fundamental público no Brasil, considerando seus princípios, atribuições e forma de
atuação.
O segundo capítulo da tese aborda o direito à educação discutindo o conceito de
educação sob a perspectiva democrática cidadã e trabalhando as concepções de educação
como direito humano e direito fundamental.
O terceiro capítulo enfoca a questão da qualidade no ensino fundamental público,
especialmente quanto às três dimensões: insumos, processos e resultados, e para tanto, inicia
posicionando-se em relação à concepção de função social da escola, passando após a trabalhar
o conceito de qualidade na educação, sobretudo do ensino fundamental público. Este capítulo
trabalha também as possibilidades de mensuração da qualidade e as dimensões adotadas.
O quarto e último trata da exigibilidade jurídica da qualidade do ensino fundamental
público no Brasil trazendo o embate existente na doutrina jurídica entre o direito à educação e
o princípio da reserva do possível, bem como analisando o panorama das atuais políticas
públicas educacionais no Brasil, com enfoque no Plano Nacional de Educação – PNE, no
Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE e nas discussões sobre a proposta de uma Lei
de Responsabilidade Educacional.
O que nos leva a análise da exigibilidade da qualidade do ensino fundamental público
via ação civil pública e a importância do Ministério Público Estadual nestas demandas.
O referencial teórico utilizado abrange desde autores das ciências jurídicas, como
Regina Maria Fonseca Muniz, Maria Cristina de Brito Lima, Evaldo Amaro Vieira e Nina
Beatriz Ranieri, até autores da área da educação, como Romualdo Portela de Oliveira, Gilda
Cardoso de Araújo, Agostinho dos Reis Monteiro, Salomão Ximenes e Carlos Roberto Jamil
Cury, entre outros. Também foram analisados estudos e relatórios da Organização Não
Governamental Ação Educativa, mais especificamente do Projeto Ação na Justiça; da
UNESCO; do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, “Síntese de Indicadores
Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira”, da Organização Não
Governamental Todos Pela Educação, “Anuário Brasileiro da Educação Básica”, e também o
Relatório de Pesquisa “Perfil dos Gastos Educacionais nos Municípios Brasileiros” realizado
pela Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), Unicef (Fundo das
Nações Unidas para a Infância) e Fundação Itaú Social.
25
Desta forma, este trabalho pretende trazer algumas reflexões sobre o tema da
qualidade da educação, que tem permeado as falas e os documentos das novas propostas na
área educacional, vinculando a este debate a comunidade educativa e o Ministério Público,
sem nos desfazer da análise do discurso político implícito nas políticas públicas educativas,
bem como nas possíveis interpretações que o tema pode apresentar em decorrência dos
processos histórico-sociais do país e de sua população.
26
1 PAPEL E CONCEPÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL SOBRE A
QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO NO BRASIL:
PRINCÍPIOS, ATRIBUIÇÕES E FORMA DE ATUAÇÃO
“Sob a mais livre das constituições, um povo
ignorante é sempre escravo”
(Condorcet)
A Carta Magna de 1988 coloca o Ministério Público dentre “As Funções Essenciais
da Justiça”, o incluindo entre os arts. 127 a 130; sendo assim o Ministério Público “é uma
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”.2
No mesmo sentido, dispõe a Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público, que dispõe sobre normas gerais para a organização do
Ministério Público dos Estados e dá outras providências.
Júlio Aurélio Vianna Lopes conceitua o Ministério Público como sendo uma
instituição que tem como finalidade a fiscalização e efetividade das leis:
O Ministério Público é a instituição cuja finalidade é a fiscalização da efetividade
das leis. Cabe ao mesmo verificar se a legislação está sendo obedecida e, em caso
contrário, provocar (geralmente através do Poder Judiciário) os órgãos do Estado
dotados da incumbência de obrigar seu cumprimento. É neste sentido que o
Ministério Público promove a aplicação das leis, a fim de que suas normas estejam
presentes nas relações sociais e não apenas nos textos legais. Suas atribuições
consistem em investigar e/ou propor às autoridades competentes as medidas
adequadas para a correção das situações que infringem as disposições legislativas.
(LOPES, 2000. p. 32)
Historicamente, o Ministério Público tem a sua origem relacionada aos agentes do
poder, mais especificamente a monarquia:
Foi criado para sustentar e manter os arbítrios autocráticos das monarcas medievais.
Foi a partir da Revolução Francesa que com o liberalismo elevou o Ministério
Publico a posição de guardião da legalidade, baluarte da democracia e também
defensor dos direitos indisponíveis dos cidadãos. No entanto, no Brasil, o Ministério
Público se distanciou por completo da sua origem de “acusador do rei” para se
constituir no grande defensor dos interesses sociais, na grande maioria das vezes,
contrapondo-se aos interesses dos próprios governantes e do Estado. (MAZZILLI,
2008, p.413)
2 Art. 127, CF/88.
27
Importa destacar que o Ministério Público brasileiro não faz parte de qualquer poder,
pois segundo Ceneviva (1988 apud PIARDI, 2010, p. 27) “o Ministério Público terá estatura
de quase um poder. Terá autonomia funcional e administrativa, terá acesso direto ao Poder
Legislativo para projetos de lei de seu interesse, terá autonomia para elaboração de sua
proposta orçamentária”.
Art. 127.
§ 2º - Ao Ministério Público assegurada autonomia funcional e administrativa,
podendo, observado o disposto no Art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e
extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de
provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei
disporá sobre sua organização e funcionamento.
§ 3º - O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.
§ 4º Se o Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta orçamentária
dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo
considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores
aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites
estipulados na forma do § 3º. § 5º Se a proposta orçamentária de que trata este artigo
for encaminhada em desacordo com os limites estipulados na forma do § 3º, o Poder
Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta
orçamentária anual.
§ 6º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de
despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei
de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura
de créditos suplementares ou especiais. (CF/88)
Hoje, o Ministério Público tornou-se uma das bases da democracia, participando da
estrutura estatal e de sua organização.
O que hoje se valoriza no Ministério Público como contribuição para a democracia
no Brasil – seu novo perfil institucional – foi-lhe atribuído em grande medida antes
do pacto constitucional de 1988 [...] houve mais continuidade do que ruptura em
1988, do ponto de vista tutelar do papel institucional do Ministério Público,
especialmente no que diz respeito à fiscalização do interesse público, cada vez mais
identificado com os interesses gerais da sociedade (ARANTES 2002 apud PORTO,
2006, p. 46).
Piardi (2010, p. 11) tratando do conceito da palavra ministério, afirma que ela “deriva
do latim ministerium, minister, que significa ofício do servo, função servil ou somente ofício,
mister, cuidado, ocupação ou trabalho. O adjetivo que a acompanha pode ser analisado
subjetivamente, denotando a ideia de instituição estatal, ou objetivo, no sentido de interesse
geral ou social”.
Para compreensão da importância desta instituição para a educação é necessário que se
compreenda a real função do Ministério Público Estadual, tendo em vista que é por meio dele
28
que nos é dada (sociedade civil) a possibilidade de participação na elaboração, fiscalização e
implementação das políticas públicas educacionais.
1.1 Função do Ministério Público
O Ministério Público é uma instituição pública autônoma que possui como função
principal a defesa dos interesses do conjunto da sociedade brasileira, ou seja, a defesa da coisa
pública e, entre eles, encontra-se o interesse das crianças e adolescentes também na esfera
educacional.
Art. 1º. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (Lei n. 8.625/93)
Já a Constituição Federal de 1988 determina como funções institucionais do
Ministério Público:
Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de
intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,
requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei
complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar
mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com
sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas. (CF/88, grifos nossos)
Verificamos como já citado em momento anterior, que o Ministério Público possui
como função institucional ingressar com Ação Civil Pública para proteção dos interesses
difusos, como o caso da qualidade do ensino fundamental público. Porém, o art. 25 da Lei
29
Orgânica do Ministério Público também determina algumas outras funções que se coadunam
a esta e a completam:
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei
Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
I - propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou
municipais, em face à Constituição Estadual;
II - promover a representação de inconstitucionalidade para efeito de intervenção do
Estado nos Municípios;
III - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e
homogêneos;
b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público
ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações
indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem;
V - manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei e,
ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções
institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os
processos;
VI - exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem
idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência;
VII - deliberar sobre a participação em organismos estatais de defesa do meio
ambiente, neste compreendido o do trabalho, do consumidor, de política penal e
penitenciária e outros afetos à sua área de atuação;
VIII - ingressar em juízo, de ofício, para responsabilizar os gestores do dinheiro
público condenados por tribunais e conselhos de contas;
IX - interpor recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de
Justiça;
X - (Vetado);
XI - (Vetado).
Parágrafo único. É vedado o exercício das funções do Ministério Público a pessoas a
ele estranhas, sob pena de nulidade do ato praticado. (Lei 8.625/93)
Portanto, ambas as normativas que se referem à atuação e função do MP lhe delegam o
poder e a atribuição institucional de zelar pelos direitos difusos por meio da ação civil
pública.
A mesma legislação ainda prevê que é função do MP assegurar os direitos garantidos
na Constituição Federal quando estes forem desrespeitados pelos poderes públicos estaduais
ou municipais; pelos órgãos da Administração Pública Estadual ou Municipal, direta ou
indireta; pelos concessionários e permissionários de serviço público estadual ou municipal;
por entidades que exerçam outra função delegada do Estado ou do Município ou executem
serviço de relevância pública.3 E para acompanhamento das obrigações positivas do Poder
Público ou seus agentes e concessionários o MP pode requerer:
3 Art. 27, Lei 8.625/93
30
Art. 27 [...]
Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao
Ministério Público, entre outras providências:
I - receber notícias de irregularidades, petições ou reclamações de qualquer natureza,
promover as apurações cabíveis que lhes sejam próprias e dar-lhes as soluções
adequadas;
II - zelar pela celeridade e racionalização dos procedimentos administrativos;
III - dar andamento, no prazo de trinta dias, às notícias de irregularidades, petições
ou reclamações referidas no inciso I;
IV - promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e
recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo,
requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como
resposta por escrito. (Lei 8.625/93)
O que se constata, desta forma, é que o Ministério Público tem o dever de postular e
proteger os interesses difusos e possui meios jurídicos para isso. Como já comprovado a
educação e sua qualidade se inserem de forma clara e indiscutível no rol de interesses
considerados difusos, porém, para deixar esta situação ainda mais explícita foi editado em
1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei n. 8.069/90, que traz o Ministério
Público como representante legal das crianças e adolescentes, lhe competindo:
Art. 201. Compete ao Ministério Público:
[...]
V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses
individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os
definidos no Art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal;
[...]
VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às
crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;
IX - impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus, em qualquer
juízo, instância ou tribunal, na defesa dos interesses sociais e individuais
indisponíveis afetos à criança e ao adolescente;
X - representar ao juízo visando à aplicação de penalidade por infrações cometidas
contra as normas de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da promoção da
responsabilidade civil e penal do infrator, quando cabível;
XI - inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas
de que trata esta Lei, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais
necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas;
[...]
§ 5º Para o exercício da atribuição de que trata o inciso VIII deste artigo, poderá o
representante do Ministério Público:
a) reduzir a termo as declarações do reclamante, instaurando o competente
procedimento, sob sua presidência;
b) entender-se diretamente com a pessoa ou autoridade reclamada, em dia, local e
horário previamente notificados ou acertados;
c) efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância
pública afetos à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita
adequação. (ECA, Lei n. 8.069/90)
31
O Estatuto da Criança e do Adolescente não restringe as funções do Ministério
Público, muito pelo contrário, traz ainda no caso da qualidade do ensino obrigatório que é
função do MP:
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por
ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-
oferecimento ou oferta irregular:
I - do ensino obrigatório;
[...](ECA, Lei n. 8.069/90)
Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos,
consideram-se legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público;
[...] (ECA, Lei n. 8.069/90)
Desta forma, o Ministério Público representa e zela pelos interesses das crianças e
adolescentes junto ao Poder Judiciário, inclusive, sendo legitimados de acordo com o ECA
(art. 208, inciso I e art. 210, inciso I) para propor ações de responsabilidade por ofensa aos
direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta
irregular do ensino obrigatório: a falta de qualidade no ensino fundamental público.
O que se verifica segundo Macedo Junior (1999, p. 107) é que por meio da Ação Civil
Pública “o Ministério Público conferiu a lei uma estrutura de enforcement eficaz e poderosa
na medida em que esta organizado em todo o território nacional e conta com um quadro
profissional bastante qualificado e especializado para os padrões nacionais”. Mas, o
Ministério Público não possui exclusividade na legitimidade de propositura deste remédio
jurídico, outras instituições como o próprio Poder Público, União, Estados e Municípios,
Autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista, além das
associações que estejam constituídas há pelo menos um ano, podem ingressar com esta ação.
Porém, Paccagnella (1999 apud FURTADO, 2009, p. 50) “a história recente demonstra que,
na atual conformação da sociedade, o Ministério Público tem papel importante na iniciativa
das Ações Civis Públicas. De fato, o número de ações civis públicas propostas por
associações civis e extremamente baixo, principalmente em comparação com o número de
ações patrocinadas pelo Ministério Público”.
Mais do que isso, a norma estatutária que regra as atividades vinculadas às crianças e
adolescentes destaca que “nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará
obrigatoriamente o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de que cuida esta
32
Lei, hipótese em que terá vista dos autos depois das partes, podendo juntar documentos e
requerer diligências, usando os recursos cabíveis”4.
Há outra especificidade na atuação do Ministério Público no que condiz aos direitos
das crianças e adolescentes, segundo o ECA, que é o monitoramente do orçamento público
como fator essencial à efetivação de políticas públicas, incluindo o direito à educação de
qualidade, sobretudo do ensino obrigatório. Isto porque, o Estatuto da Criança e do
Adolescente estabelece o princípio da prioridade absoluta:
Art. 4° - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes a
vida, a saúde, a alimentação, a educação, ao esporte, ao lazer a profissionalização, a
cultura, a dignidade, ao respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único: A garantia de prioridade compreende: [...]
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais publicas;
d) destinação privilegiadas de recursos públicos nas áreas relacionadas com a
proteção a infância e a juventude. (ECA, grifos nossos)
O que percebemos é que em seu parágrafo único há expressamente incluso que deve
haver a preferência na formulação e na execução das políticas sociais para este público, ou
seja, destinação privilegiada de recursos públicos, portanto não há justificativas para a não
implementação do Poder Público de políticas que promovam a educação de qualidade, entre
elas: salários e planos de carreira para professores; investimentos em prédios escolares e
material didático de qualidade; formação continuada de professores e demais servidores da
escola; atuação por meio da gestão democrática e participativa com a comunidade escolar;
entre inúmeras outras.
Neste sentido, Castro e Junior (2006, p. 07) destacam que “o gasto social público e um
elemento importante para a geração de bens e serviços sociais que se situam no rol das
responsabilidades do poder público, compondo o núcleo central dos atuais sistemas de
proteção social dos Estados Modernos”.
E Furtado (2009, p. 144) afirma a importância da atuação do Ministério Público como
órgão fiscalizador e garantidor da prevalência deste direito, uma vez que por meio das
políticas públicas educacionais é possível que tenhamos uma educação de qualidade e
consequentemente uma melhor qualidade de vida para estes jovens e adolescentes:
[...] todas as ações relacionadas com o controle democrático do orçamento voltado
para crianças e adolescentes demonstram a necessidade de uma atuação política do
4 Art. 202, ECA, Lei n. 8.069/90
33
Ministério Público no âmbito da relação Estado e Sociedade, bem como a
indispensável aproximação da instituição com os demais atores do Sistema de
Garantia de Direitos, para uma atuação que almeje a garantia de direitos.
E para que exerçam suas atribuições funcionais os membros do Ministério Público
possuem alguns princípios institucionais, como a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional. 5
Para Furtado (2009, p. 52) “além de ampliar as atribuições do Ministério Público para
atuação de garantia dos interesses da sociedade, a Carta Magna também conferiu liberdade e
autonomia administrativa da instituição com relação aos Três Poderes e independência
funcional, que legitima a atuação do Ministério Público nos conflitos entre sociedade e
governo”.
No que se refere à independência funcional Mazzilli (2008, p. 376-377) destaca que
este princípio se coaduna no exercício livre de suas funções e atribuições, para defesa de
[...] condições sociais, jurídicas e econômicas que impõem verdadeiro desequilíbrio
nas relações em comunidade. Pobres, índios, idosos, crianças e adolescentes, pessoas
portadoras de deficiência, incapazes em geral – todos estes, entre outros, sofrem
algum tipo de limitação fática ou jurídica. É evidente que nem por serem pobres,
incapazes ou deficientes, seus interesses deverão sempre prevalecer, pois a condição
do discrímen não é bastante para automaticamente se lhes dar razão. Contudo, o que
ocorre efetivamente é que, mesmo quando tenham razão, muralhas verdadeiramente
intransponíveis muitas vezes se erguem entre eles e seus interesses mais legítimos.
Quanto a este princípio deve-se observar que os Promotores e Procuradores possuem
total autonomia de suas funções:
Cabe insistir no fato de a CF assegurar, a Promotores e Procuradores de Justiça, no
desempenho de suas funções, total independência e autonomia. Por isso ficam
adstritos ao cumprimento das Constituições (Federal e Estaduais), às leis e às
próprias consciências. Nem os atos normativos de órgãos superiores da instituição
podem obrigá-los, quando disserem respeito ao que devam ou não fazer. [...] Nem o
Judiciário pode exigir qualquer atitude do Ministério Público, pois ele é totalmente
independente da Magistratura.
A única subordinação que existe entre os Membros do Ministério Público é de
ordem administrativa e diz respeito às atividades-meio. (PIARDI, 2010, p. 67)
Os demais princípios da unidade e da indivisibilidade que também são repetidos pela
LONMP e expressam segundo Piardi:
Unidade significa que o Ministério Público, na Constituição Federal, é considerado
um só órgão, sob a direção de uma única chefia. O princípio da indivisibilidade quer
5 Art. 1º, §1º, Lei 8.625/93; Art. 127, §1º, da CF/88.
34
dizer que os membros do Ministério Público de cada um dos ramos (Federal,
Trabalho, Militar, Distrito Federal e Territórios e Estados) podem ser substituídos
uns pelos outros, segundo a forma prevista em lei. (PIARDI, 2010, P. 68)
Para Macedo Junior as atribuições do Ministério Público da forma com que são
propostas pela Constituição Federal de 1988 e pela LONMP só poderiam ser efetivamente
cumpridas se a eles fossem garantidos os princípios em questão, uma vez que suas tarefas
obviamente possuem um cunho político e não só jurídico:
O novo perfil constitucional não apenas atribuiu ao Ministério Público tarefas de
cunho eminentemente político, como garantiu-lhe um grau considerável de
autonomia para seu exercício. O Ministério Público passou a ter autonomia
administrativa e iniciativa para encaminhar projetos de lei de seu interesse direto,
conquistou o mandato para o Procurador-Geral de Justiça e atraiu para si o poder de
decidir sobre os processos de movimentação e ascensão na carreira, uma vez que
todas as movimentações passaram a estar a cargo não mais do governador, mas do
próprio Procurador-Geral de Justiça. (MACEDO JUNIOR, 1999, p.110).
Neste sentido, “acredita-se que o Ministério Público, a partir das atribuições que a
Constituição de 1988 lhe conferiu, tem a potencialidade de atuar em conjunto com a
sociedade nessa arena de disputa política pelos direitos sociais, de forma a se constituir como
instrumento de controle social democrático” (FURTADO, 2009, p. 57), sobretudo, em relação
à qualidade da educação e a instituição de padrões mínimos necessários para que se possa
exigi-la juridicamente.
1.2 Composição do Ministério Público Brasileiro
A Contituição Federal (1988) assim disciplina a composição do Ministério Público da
União: Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público
Militar, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e os Ministérios Públicos dos
Estados (art. 128, CF/88).
Art. 128 - O Ministério Público abrange:
I - o Ministério Público da União, que compreende:
a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
II - os Ministérios Públicos dos Estados. (CF/88)
35
Assim, os integrantes do Ministério Público Estadual são os Promotores de Justiça
(que atuam em primeiro grau de jurisdição, ou seja, nas instâncias inferiores da Justiça
Estadual) e os Procuradores de Justiça (que atuam no segundo grau de jurisdição, ou seja,
junto aos Tribunais). Estes podem ser auxiliados por servidores, assistentes e estagiários,
sendo que todos eles com ingresso na Instituição por meio de concurso público.
Segundo a Lei n. 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, os órgãos do
Ministério Público são constituídos da seguinte forma:
Art. 5º São órgãos da Administração Superior do Ministério Público:
I - a Procuradoria-Geral de Justiça;
II - o Colégio de Procuradores de Justiça;
III - o Conselho Superior do Ministério Público;
IV - a Corregedoria-Geral do Ministério Público.
Art. 6º São também órgãos de Administração do Ministério Público:
I - as Procuradorias de Justiça;
II - as Promotorias de Justiça.
Consideram-se órgãos de execução do Ministério Público o Procurador-Geral de
Justiça; o Conselho Superior do Ministério Público; os Procuradores de Justiça; os
Promotores de Justiça.
A partir da Emenda Constitucional nº 45/2009 foi constituído o Conselho Nacional do
Ministério Público, formado pelo Procurador-Geral da República; quatro membros do
Ministério Público da União; três membros do Ministério Público dos Estados; dois juízes,
indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça; dois
advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; dois
cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos
Deputados e outro pelo Senado Federal.
Verifica-se, portanto, que o Ministério Público tem a propensão de agir mais
intensamente nas funções que lhe são típicas:
[...] como promover as ações penal e civil públicas, a ação de improbidade
administrativa, a ação direta de inconstitucionalidade, defender a ordem pública, o
regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, zelar pelo
respeito aos poderes públicos, aos serviços de relevância pública e aos direitos
assegurados na Constituição, entre outras. No âmbito penal, o Ministério Público
atua (ou deveria atuar sempre) como parte, pois age em nome do Estado no
desempenho de seu poder/dever de punir quem comete crime ou contravenção. Não
há dúvida quanto a essa posição processual junto à primeira instância judicial. Já na
segunda instância a questão é discutível, pois o Ministério Público assume a posição
de fiscal da lei (custus legis), assunto do próximo item. O Ministério Público pode
atuar no processo civil tanto na condição de órgão agente (parte) como na de órgão
interveniente (fiscal da lei, custus legis). (PIARDI, 2010, p. 87)
36
Na composição do Ministério Público existem também alguns órgãos auxiliares da
atividade funcional:
Art. 33. Os Centros de Apoio Operacional são órgãos auxiliares da atividade
funcional do Ministério Público, competindo-lhes, na forma da Lei Orgânica:
I - estimular a integração e o intercâmbio entre órgãos de execução que atuem na
mesma área de atividade e que tenham atribuições comuns;
II - remeter informações técnico-jurídicas, sem caráter vinculativo, aos órgãos
ligados à sua atividade;
III - estabelecer intercâmbio permanente com entidades ou órgãos públicos ou
privados que atuem em áreas afins, para obtenção de elementos técnicos
especializados necessários ao desempenho de suas funções;
IV - remeter, anualmente, ao Procurador-Geral de Justiça relatório das atividades do
Ministério Público relativas às suas áreas de atribuições;
V - exercer outras funções compatíveis com suas finalidades, vedado o exercício de
qualquer atividade de órgão de execução, bem como a expedição de atos normativos
a estes dirigidos. (Lei n. 8.625/93)
Estes órgãos auxiliares foram analisados neste trabalho para compreender como o
Ministério Público exerce sua função social de defesa dos interesses sociais, especialmente da
educação. Por isso, analisamos quais Estados das 27 unidades federativas possuíam Centros
de Apoio Operacional de Defesa da Educação (CAODE) ou, na inexistência destes, pelos
Centros de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ) ou, até mesmo, de Direitos
Humanos e como estes estavam vinculados ao exercício do direito à educação, mas, sobretudo
à justiciabilidade do direito à qualidade do ensino fundamental público.
Segundo a Lei n. 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público os órgãos
auxiliares, especificamente os Centros de Estudos tem como função:
Art. 35. O Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional é órgão auxiliar do
Ministério Público destinado a realizar cursos, seminários, congressos, simpósios,
pesquisas, atividades, estudos e publicações visando ao aprimoramento profissional
e cultural dos membros da instituição, de seus auxiliares e funcionários, bem como a
melhor execução de seus serviços e racionalização de seus recursos materiais.
Parágrafo único. A Lei Orgânica estabelecerá a organização, funcionamento e
demais atribuições do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional.
Desta forma, passamos a análise das formas de atuação do Ministério Público em
relação à qualidade da educação e a configuração dos Centros de Apoio Operacional.
37
1.3 Atuação do Ministério Público quanto à Educação e sua qualidade
É importante destacar que a atuação do Ministério Público em relação à qualidade da
educação, especialmente do ensino fundamental público, refere-se à atividade política do
Poder Público – Estado ou Município, bem como União – uma vez, que o foco são as políticas
públicas voltadas para a educação.
Isto porque, segundo Furtado (2009, p. 59) “a atividade política do Estado não pode
ser controlada somente por meios jurídicos, pois a atividade administrativa do Estado só é
limitada em parte pelas leis, uma vez que são criadas pelo próprio Estado. Nesse sentido, um
controle eficaz exige a associação de meios políticos e sociológicos”. E é esta a função do
Ministério Público em relação à educação. Acreditamos que nestes casos, a atuação do MP
possui natureza muito mais política do que jurídica, pois atua em parceria com a sociedade
civil organizada.
No mais, o Ministério Público nestes casos atua contra o Estado ou Poder Executivo,
pois lhe impõe a responsabilidade pela não realização do mínimo necessário para que os
adolescentes e jovens entre 06 (seis) anos e 14 (quatorze) anos de idade, no ensino
fundamental,6 possam exercer sua cidadania por meio de uma educação de qualidade.
Segundo Arantes os próprios membros do MP (1999, p. 92) “têm apontado o próprio
Estado, em especial os poderes políticos, como o principal responsável pelas mazelas da
sociedade”. Portanto, isso não é uma novidade para o MP que em muitos casos tem agido de
forma positiva e buscado jurídica e extrajudicialmente, por meio de seus instrumentos de
controle social, agir em favor de nossa educação, sobretudo, da qualidade de nossa educação.
Segundo Ignes (2010)7:
6 Art. 8º O Ensino Fundamental, com duração de 9 (nove) anos, abrange a população na faixa etária dos 6 (seis)
aos 14 (quatorze) anos de idade e se estende, também, a todos os que, na idade própria, não tiveram condições de
frequentá-lo.
§ 1º É obrigatória a matrícula no Ensino Fundamental de crianças com 6 (seis) anos completos ou a completar
até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula, nos termos da Lei e das normas nacionais vigentes.
§ 2º As crianças que completarem 6 (seis) anos após essa data deverão ser matriculadas na Educação Infantil
(Pré-Escola).
§ 3º A carga horária mínima anual do Ensino Fundamental regular será de 800 (oitocentas) horas relógio,
distribuídas em, pelo menos, 200 (duzentos) dias de efetivo trabalho escolar. (Resolução MEC CNE/CEB n.
07/2010) 7 Promotora de Justiça da Comarca de Itabirito/MG, autora do artigo “Defesa do direito à educação de qualidade:
por um ministério público promocional e pró-ativo” apresentado no IX Congresso do Ministério Público do
Estado de Minas Gerais.
38
Passando ao largo dos inúmeros insucessos observado, nos decantados programas
políticos de atendimento à infância brasileira, eis a proposta da tese presente: a
defesa de que o Ministério Público, enquanto órgão promocional, pró-ativo, deve
velar pelo resguardo da qualidade dos processos educativos, não apenas garantido o
acesso aos meios, mas intentando garantir que tais meios sejam qualitativamente
sustentáveis. (IGNEZ, 2010, p. 02)
Há, porém entre eles ainda um grande receio quando se fala em padrões mínimos de
qualidade, primeiro, porque para o Judiciário e o Ministério Público, em especial, é muito
difícil atuar sobre algo que ainda está por acontecer (futuro), pois são acostumados a agir em
demandas pretéritas ou presentes; depois, porque normalmente atuam sobre situações
instauradas objetivamente na legislação e não situações que possuem tantos aspectos
subjetivos quanto à qualidade da educação; e por último, porque há ainda aqueles que
consideram, entre MP e Judiciário, a cláusula da reserva do possível como justificativa
plausível para a não implementação de políticas públicas na área educacional.
Esta última, contudo, não se sustenta, pois há no Estatuto da Criança e do Adolescente
expressa menção de que as políticas públicas voltadas para este público devem ter prioridade
e prevalecer sobre as demais, inclusive em termos de recursos públicos.
Atualmente, muitos Estados possuem Ministérios Públicos com atuação positiva em
relação à educação, a maioria deles se faz por meios dos órgãos auxiliares, os Centros de
Apoio Operacional - CAO.
1.3.1 Configuração do MP nos Estados e dos CAO’s
No levantamento realizado nas 27 unidades federativas do país (26 Estado e 01
Distrito Federal), verificou-se que o Ministério Público Estadual dispõe na maioria das
unidades federativas do país dos órgãos auxiliares denominados “Centros de Apoio
Operacionais – CAO”; desta forma buscamos os Centros de Apoio Operacional de Defesa da
Educação (CAODE) ou, na inexistência destes, pelos Centros de Apoio Operacional da
Infância e Juventude (CAOIJ), Direitos Humanos (CAODH) ou ainda Cidadania (CAOC).
Observa-se que o foco de atuação e estudos é diferenciado entre estes Centros de
Apoio acima descritos, mas de uma forma ou de outra a questão educacional de crianças e
adolescentes faz parte da função dos mesmos, mesmo não sendo CAO’s específicos de
educação, como é o caso dos CAO’s que trabalhom as questões de Direitos Humanos.
39
Para realização desta pesquisa utilizamos como instrumento um questionário
estruturado com base nas questões de pesquisa e nos objetivos da mesma, assim este foi
organizado em uma plataforma on line, por meio da ferramenta de elaboração de
questionários pela web, Survey Monkey, que foi enviado em formato eletrônico (e-mail) aos
representantes dos Ministérios Públicos Estaduais das 27 unidades federativas (26 Estados e
01 Distrito Federal), ou seja, os Promotores de Justiça responsáveis pelos Centros de Apoio
Operacional de Defesa da Educação (CAODE) ou, na inexistência destes, pelos Centros de
Apoio Operacional da Infância e Juventude, ou ainda da Cidadania ou Direitos Humanos,
garantindo-lhes o sigilo e o anonimato, sendo que serão identificados apenas o Estado a que
pertencem e/ou Distrito Federal, bem como o Centro de apoio Operacional.
Essa relação entre as questões de pesquisa e os objetivos da mesma promoveu a
formulação de cinco grandes temas, compostos também por subtemas, que serviram de base
ao questionário estruturado enviado aos representantes do Ministério Público responsáveis
diretos pelos CAO’s dos Estados (Apêndice I).
Este roteiro culminou em um questionário de cinquenta perguntas, entre elas algumas
perguntas de múltipla escolha (Apêndice II).
Antes do envio do e-mail com o questionário estruturado foi efetuado um contato
telefônico com todos os Centros de Apoio Pesquisados para apresentação da pesquisa e da
pesquisadora, bem como foi encaminhado, acompanhando o questionário estruturado, uma
carta de apresentação elaborada pelo Assessor de Políticas Públicas da Procuradoria de Justiça
do Estado de São Paulo, o Promotor de Justiça Dr. Marcelo Pedroso Goulart, os comprovantes
de matrícula da pesquisadora no doutoramento e nos quadros da Ordem dos Advogados do
Brasil – Seccional de São Paulo, bem como foi apresentado nas páginas iniciais da pesquisa,
na plataforma on line, a apresentação da pesquisa e o currículo da pesquisadora.
Com este instrumento conseguimos parcialmente mapear como o Ministério Público
Estadual está organizado para trabalhar as questões vinculadas ao direito à educação em nosso
país e quais Estados possuem uma atuação diferenciada em seus órgãos do MP em relação a
este direito.
Como já salientado no início desta tese que obtivemos pouca adesão dos membros do
Ministério Público Estadual, porém, aqueles que participaram, respondendo ao questionário,
trouxeram informações muito relevantes sobre seus Estados: Acre, Santa Catarina, Maranhão,
Goiás e Espírito Santo.
40
Desta forma, dos CAO’s que responderam o questionário: três são Centros de Apoio
Operacional de Infância e Juventude (Santa Catarina, Maranhão e Acre) e dois são Centro de
Apoio Operacional de Defesa da Educação (Goiás e Espírito Santo).
Segundo o representante do CAOIJ de Santa Catarina a função deste órgão auxiliar
nos quadros do Ministério Público é:
Ato n. 315/2012/PGJ [...]
Art. 2º Os Centros de Apoio Operacional, sem prejuízo de idênticas atribuições e
prerrogativas do Procurador-Geral de Justiça, serão supervisionados pelo
Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos e Institucionais, a quem
incumbe:
I - estabelecer, em conjunto com os Coordenadores, as políticas de atuação dos
Centros de Apoio, assim como as prioridades, estratégias e modelos operacionais,
em consonância com o Plano Geral de Atuação do Ministério Público e com as
responsabilidades e compromissos da Instituição com a sociedade;
II - dirimir eventuais conflitos de atribuições entre os Centros de Apoio, ressalvado
o disposto no inciso IV do art. 5º deste Ato, bem como zelar pela eficiência,
harmonia e economicidade das ações desenvolvidas;
III - despachar e decidir, diretamente com os Coordenadores, as questões atinentes a
cada um dos Centros de Apoio, dando-lhes o encaminhamento adequado ou
submetendo-as, quando for o caso, à consideração do Procurador-Geral de Justiça;
IV - conhecer de eventuais reclamações dos órgãos de execução em face dos Centros
de Apoio, adotando, quando for o caso, as medidas necessárias à solução dos
problemas ou questões suscitados ou encaminhando-as aos setores competentes da
Administração Superior;
V - receber sugestões e quaisquer contribuições ou idéias que se prestem ao
aperfeiçoamento da estrutura e das atividades dos Centros de Apoio, dando-lhes o
encaminhamento necessário;
VI - colaborar com o Procurador-Geral de Justiça na definição das prioridades,
ações, projetos e programas institucionais na área de abrangência dos Centros de
Apoio, bem como auxiliá-lo na tarefa de motivação e envolvimento dos órgãos de
execução (CAOIJ Santa Catarina)
E para o representante do CAOIJ do Maranhão a função pode ser descrita como:
I - apresentar ao Procurador-Geral de Justiça sugestões para elaboração da política
institucional e de programas específicos, inclusive alterações legislativas e edições
de normas jurídicas.
II - responder pela implementação dos planos e programas de sua área,
conformidade com as diretrizes fixadas;
III - assistir ao Procurador-Geral de Justiça no desempenho de suas funções;
IV - acompanhar a política nacional, estadual e municipal referentes à sua área
de,atuação,realizando estudos e oferecendo sugestões as entidades públicas e
privadas com atribuições no setor;
V- manter permanente contato com o Poder Legislativo Federal, Estadual e
Municipal, inclusive acompanhando o trabalho das Comissões Técnicas
encarregadas do exame de projeto de lei, na área de sua atuação;
VI - representar o Ministério Público,quando cabível e por delegação do Procurador-
Geral de Justiça nos órgãos que atuem na respectiva, área;
VII - colaborar junto aos setores públicos ou privados em campanhas educativas à
sua área de atuação;
41
VIII - manter permanente contato e intercâmbio com entidades públicas ou privadas
que direta ou indiretamente,se dediquem ao estudo ou à proteção dos bens, valores
ou interesses, relacionados com a sua área de atuação;
IX - sugerir ao Procurador-Geral de Justiça a realização de convênios;
X - zelar pelo cumprimento das obrigações do Ministério Público decorrentes dos
convênios firmados;
XI.- divulgar atividades trabalhos do Ministério Público na área de sua atuação;
XII - sugerir a edição de atos e instruções tendentes à melhoria dos serviços do
Ministério Público;
XIII - efetuar a articulação entre os órgãos de execução do Ministério Público e
entidades públicas ou privadas com atuação na sua área afins;
XIV - promover a integração e o intercâmbio entre os órgãos de execução do
Ministério Público que atuem na mesma área e/ou que tenham atribuições comuns
ou afins, objetivando melhorar o desempenho de suas funções institucionais;
XV - prestar orientação técnico-jurídica aos órgãos de execução do Ministério
Público no exercício de suas atividades institucionais;
XVI - requisitar certidões, informações e quaisquer documentos diretamente de
órgão públicos e privados inclusive conveniados;
XVII - receber representações ou qualquer outro expediente, encaminhando-os ao
órgão de execução competente;
XVIII - manter arquivos das petições iniciais das ações civis públicas.e das portarias
instauradoras de inquéritos civis, ajuizadas ou baixadas pelos órgãos de execução;
XIX - desenvolver estudos e pesquisa criando ou sugerindo a criação de grupos e
comissões de trabalho;
XX - sugerir à Escola Superior do Ministério Público a realização de cursos,
palestras e outros eventos reativos à sua área de atuação;
XXI - remeter informações técnico-jurídicas aos órgãos ligados à sua área de
atividade;
XXII - apresentar ao Procurador-Geral da Justiça relatório anual das atividades
desenvolvidas na sua área de atuação, em prazo não superior a quinze (15) do ano
subsequente;
XXIII - desenvolver medidas e mecanismos que propiciem fluxo de informações
destinados a instrumentar o Ministério Público na consecução dos planos e diretrizes
institucionais dentro de sua área de atuação;
XXIV - exercer outras funções compatíveis com suas finalidades, vedado o
exercício de qualquer atividade de Órgão de Execução do Ministério Público, bem
como a expedição de atos normativos a estes dirigidos, a teor do disposto no artigo
33, V, da Lei nº 8.625/93. (CAOIJ Maranhão)
Já a normativa do Acre determina que o CAOIJ deste Estado tem como função:
A Coordenadoria de Defesa da Infância e Juventude incumbe atuar como órgão
auxiliar da atividade funcional dos Órgãos de Execução com atuação na Infância e
Juventude do Ministério Público do Estado Acre, respeitando sempre a prerrogativa
da independência funcional e o Princípio do Promotor Natural, cumprindo-lhe o
exercício de atividades indutoras da política institucional em sua área fim, além das
seguintes atribuições:
I – divulgar o Estatuto da Criança e do Adolescente e a mobilização da sociedade
civil para a formação de uma cultura de respeito aos deveres e direitos infanto-
juvenis, bem como identificação, estudo, acompanhamento e combate de fenômenos
referentes à violação destes direitos;
II - oferecer suporte operacional e serviços de inteligência e informações
relacionados à sua área de atividade às Promotorias e Procuradorias de Justiça do
Ministério Público do Estado do Acre;
III - desenvolver projetos que permitam captação de recursos internos e externos a
fim de oferecer suporte aos Órgãos de Execução, de Gestão e Planejamento do
Ministério Público para aplicá-los em temas relacionados à Infância e Juventude;
42
IV - propor e executar políticas institucionais relacionadas às questões da Infância e
Juventude, contribuindo para a formulação da política de atuação ministerial,
atuando como indutora de novas práticas que poderão ser úteis à efetividade das
atividades-fim;
V – sugerir à Administração Superior do Ministério Público a elaboração de
convênios e termos de cooperação técnica com entidades públicas e privadas para
efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, sobretudo no que
se refere à obtenção de laudos periciais, estudos e pareceres nas diversas áreas,
destinadas a instruir procedimentos e processos relacionados à Infância e Juventude;
VI - estabelecer intercâmbio com entidades públicas e privadas que se dediquem ao
estudo ou à proteção de interesses relacionados com a infância e juventude;
VII - acompanhar a política nacional, estadual e municipal quanto aos assuntos
relativos à infância e juventude, realizando estudos e oferecendo sugestões; VIII -
manter contato permanente com o Poder Legislativo Federal, Estadual e Municipal,
a fim de acompanhar os projetos de lei de interesse da criança e do adolescente;
IX - promover campanhas de esclarecimento e sensibilização sobre os fenômenos de
violência doméstica, de exploração e abuso sexual, do bulliyng, do trabalho infantil,
navegação segura na internet e pedofilia, dentre outros fenômenos que afrontem os
direitos básicos da criança e do adolescente, apontando formas de conscientização
familiar e social, prevenção, combates e de denúncias;
X - monitoramento das ações governamentais estadual e municipais pertinentes ao
atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco;
XI - monitoramento dos orçamentos governamentais para aplicação prioritária dos
recursos públicos na área da infância e da juventude;
XII - remeter informações técnico-jurídicas, sem caráter vinculativo, aos Órgãos de
Execução ligados à atividade da Coordenadoria;
XIII – receber e responder às solicitações de apoio técnico-científico dos membros
do Ministério Público com atuação na Infância e Juventude, registrando-as e
encaminhando-as aos técnicos das áreas respectivas das entidades conveniadas;
XIV - informar os Órgãos de Execução com atuação na Infância e Juventude acerca
de inovações, mudanças de orientação jurisprudencial, teses doutrinárias, eventos
jurídicos e quaisquer outros fatos cujo conhecimento possa contribuir para o bom e
regular desempenho das atividades ministeriais;
XV - remeter, anualmente, ao Procurador-Geral de Justiça relatório das atividades
do Ministério Público relativas às suas áreas de atribuições no ano anterior;
XVI – prestar outros serviços de apoio, compatíveis com o objetivo geral da
Coordenadoria, sendo vedado o exercício de qualquer atividade de Órgão de
Execução de primeira instância, bem como a expedição de atos normativos a estes
dirigidos. (CAOIJ do Acre).
Portanto, como percebemos as atribuições dos CAOIJ sempre se referem à de auxílio,
prestação de serviços, prestação de informações e monitoramento de ações governamentais e
políticas públicas que envolvam crianças e adolescentes remetendo informações técnico-
jurídicas para que os representantes do Ministério Público possam atuar em relação aos
direitos destes.
No levantamento efetuado para mapear estes órgãos verificamos que há uma maior
incidência de Centros de Apoio Operacionais voltados para atendimento da Infância e
Juventude de forma genérica, 32% dos CAO’s são de Infância e Juventude, porém os CAO’s
voltados apenas para estudos educacionais já vem alcançando números significativos visto
que 29% atuam nesta seara. Observa-se, contudo, com atenção que 16% se referem à CAO’s
gerais, tanto cíveis como criminais e destes, 6% não possui Centro de Apoio Operacional em
43
nenhuma área de estudo, ou seja, não existem atuações específicas em relação à educação,
nem vinculadas à cidadania, direitos humanos ou infância e juventude.
Já os CAOE’s de Goiás e do Espírito Santo possuem algumas atuações específicas na
área educacional que nos auxiliam a compreender como o Ministério Público pode conceber
sua atuação na exigibilidade jurídica do direito à qualidade do ensino fundamental, uma vez
que possui um órgão auxiliar que visa monitorar e auxiliá-lo em:
XXIV - desempenhar outras atividades afins ou que lhe forem determinadas.
Atribuições:
I - acompanhar a viabilização e a implementação do estabelecido no ordenamento
jurídico correspondente à educação;
II - efetuar o acompanhamento e o controle do andamento das ações de repercussão
nacional ou local referente à política educacional;
III - apoiar as ações que visam acompanhar: a) os programas de pré-escola e ensino
fundamental;
b) a gratuidade de ensino médio;
c) o atendimento especializado para portadores de deficiência;
d) o atendimento especializado para os superdotados;
e) a oferta de ensino noturno;
f) os programas suplementares de material didático-escolar, transporte escolar,
merenda escolar e assistência a saúde, para atendimento ao educando de ensino
fundamental;
g) o direito público subjetivo de acesso obrigatório e gratuito ao ensino;
h) a freqüência escolar;
i) as autorizações para funcionamento de estabelecimentos de ensino particulares;
j) os currículos escolares;
k) a aplicação dos valores mínimos da receita em educação;
l) o ensino supletivo; m) a autonomia das entidades desportivas;
n) a proteção e o incentivo de práticas desportivas;
o) os casos da justiça desportiva;
p) os programas de pesquisa científica e autonomia tecnológica;
IV - apoiar medidas que promovam a criação e a atuação efetiva dos conselhos de
educação;
V - acompanhar a criação e atuação dos órgãos estaduais e municipais de educação;
VI - assessorar os órgãos de execução na adoção de medidas que promovam o
cumprimento das determinações legais, principalmente o estabelecido pelos arts 205
a 214 da Constituição Federal;
VII - acompanhar as ações de avaliação da aplicação efetiva dos recursos destinados
à educação;
VIII - acompanhar as políticas nacional, estadual e municipal de educação;
IX - apoiar os órgãos de execução do MP-ES na instrução de inquéritos civis ou no
desenvolvimento de medidas processuais;
X - sugerir a edição de atos e instruções que visem a melhoria das ações do MP-ES
voltadas para a educação;
XI - sugerir a realização de cursos e eventos para a divulgação da legislação
pertinente à educação;
XII - manter atualizado banco de dados relativos aos conselhos de educação;
XIII - representar o MP-ES junto a entidades públicas e privadas com atuação na
educação, por designação do Procurador-Geral de Justiça;
XIV - elaborar e manter atualizados dados estatísticos de ações e processos
referentes à área de educação;
XV - desenvolver outras atividades afins oficialmente estabelecidas. (CAOE do
Espírito Santo, grifos nossos)
44
Atuar na defesa do direito à educação latu sensu (ensinos: fundamental, médio,
superior, especial etc), abrangendo a matéria cível e a criminal, além de outras
matérias correlatas. (CAO de Goiás)
Assim, os Centros de Apoio Operacional de forma geral no Brasil podem ser
compreendidos como órgãos que auxiliam e promovem ações para maximizar o trabalho dos
representantes do MP nos Estados. Um dado relevante informado pelos pesquisados é que a
disparidade entre o número de Promotorias de Justiça gerais e de Promotorias específicas para
tratar de direitos e deveres relacionados às crianças e adolescentes na maioria dos Estados é
muito grande. Goiás, seguido de Santa Catarina são os Estados que mais possuem
Promotorias de Infância e Juventude, sendo que no Maranhão das 298 Promotorias que o
Estado possui, apenas 14 delas tem como premissa a criança e o adolescente.
Gráfico 1. As Promotorias de Justiça nos Estados Pesquisados
Na configuração geral do país quanto aos Centros de Apoio Operacional podemos
dizer que o Brasil ainda precisa de uma maior estruturação, pois estes órgãos auxiliares são de
extrema relevância para que o Ministério Público tenha ações diferenciadas quanto a alguns
direitos específicos, como a educação, porém muitos Estados ainda não possuem os CAO’s,
muito menos especificamente na área educacional.
45
No gráfico acima percebemos que os sujeitos que participaram da pesquisa
representam as regiões brasileiras abaixo destacadas, ou seja, temos uma representatividade
de todo território brasileiro na pesquisa:
Tabela 1. Participantes da pesquisa por região do país
Região do Brasil Estado do Ministério Público -
Pesquisa
Norte MP Acre
Nordeste MP Maranhão
Centro Oeste MP Goiás
Sudeste MP Espírito Santo
Sul MP Santa Catarina
Por isso, a análise que faremos dos CAO’s de forma geral será focalizada por regiões
conforme demonstra o quadro 1 acima em corelação ao mapa (Figura 1) abaixo..
Figura 1. Mapa das regiões do país
Fonte: Disponível em: http://upl.linkatual.com/2013/07/mapa-do-brasil-regioes.jpg. Acesso em: 10 out. 2014
46
Gráfico 2. Os Centros de Apoio Operacionais no Brasil
Podemos observar mais detalhadamente no gráfico abaixo que em números gerais
existem no Brasil: 10 Centros de Apoio Operacional vinculados especificamente à Infância e
Juventude; 09 Centros de Apoio Operacional vinculados à educação, especificamente; 04
Centros de Apoio Operacional que estudam a cidadania; 03 Centros de Apoio Operacional
com vinculação aos Direitos Humanos e 03 Gerais, sendo que 02 Estados (Alagoas e Mato
Grosso) não possuem nenhum Centro de Apoio Operacional e nem nenhuma ação vinculada
ao direito à educação, cidadania, direitos humanos ou infância e juventude (Gráfico 3).
Gráfico 3. Os CAO’s em números inteiros
47
Na pesquisa realizada junto aos Estados e os CAO’s verificou-se que nem todos os
Estados possuem CAO, muito menos CAO específico para educação, como dito. O gráfico 4
abaixo demonstra esta constatação, demonstrando quais as regiões do país possuem os
Centros de Apoio Operacional e quais áreas.
Nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul encontramos CAO’s tanto de
Direitos Humanos quanto de Infância e Juventude; o mesmo acontece no Distrito Federal
onde existe o Ministério Público Distrital com a Procuradoria da Educação, que não é um
CAO, mas exerce função específica na área educacional; e no estado do Mato Grosso do Sul
encontramos tanto o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos
Constitucionais do Cidadão e dos Direitos Humanos quanto o CAO Infância e Juventude.
Gráfico 4. Panorama geral dos CAO’s nas Regiões do Brasil
Os CAOIJ’s são encontrados em maior número na região Nordeste, com cinco
unidades: Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Tocantins, e na região Sul, com duas unidades:
Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Verificamos unidades também no Nordeste (Maranhão),
Centro-oeste (Mato Grosso do Sul) e no Sudeste (Rio de Janeiro).
48
Gráfico 5. CAO Infância e Juventude nas Regiões do Brasil
Já os CAOE’s não existem na região Norte, podendo ser encontrados de forma bem
distribuída pelas outras regiões do país. No Nordeste as três unidades ficam nos estados da
Bahia, Paraíba e Sergipe; no Centro-oeste em Distrito Federal e Goiás; na região Sudeste nos
Estados Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo; e na região Sul no Paraná.
Gráfico 6. CAO Educação nas Regiões do Brasil
49
As regiões Norte, Nordeste e Sudeste não possuem CAO de Direitos Humanos, sendo
estes encontrados apenas na região Centro-oeste (Mato Grosso do Sul) e Sul (Rio Grande do
Sul e Santa Catarina) do Brasil, com respectivamente uma e duas unidades.
Gráfico 7. CAO Direitos Humanos nas Regiões do Brasil
Já o CAO Cidadania pode ser encontrado apenas na região Nordeste, sendo no Ceará o
Centro de Apoio Operacional da Cidadania (Defesa da Educação), em Pernambuco o Centro
de Apoio Operacional de Defesa da Cidadania – CAODC, no Piauí o Centro de Apoio
Operacional de Defesa da Cidadania e Saúde – CAODCS e no Rio Grande do Norte o Centro
de Apoio Operacional de Defesa da Cidadania. Na região Norte Rondônia possui apenas um
Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional – CEAF (Projeto Escola Cidadania) e
Roraima não possui nem CAO Infância e Juventude e nem Educação, possuindo apenas um
Núcleo - NAP nas áreas Saúde e Criminal.
50
Gráfico 8. CAO Cidadania e outros nas Regiões do Brasil
Assim, como analisado no tópico anterior, a relação do Ministério Público com a
sociedade civil tem um foco maior na questão do desempenho deste órgão como instituição
responsável por regular e movimentar as ações vinculadas à cidadania, e os direitos sociais,
entre eles a educação necessita desta articulação para que não fique apenas na dependência da
ação do Estado. Portanto, o Ministério Público é uma instituição que é indispensável para
relação estabelecida entre justiça e educação, especialmente para atuar como mecanismo de
exigibilidade do direito à educação de qualidade “a partir da sua redefinição na Constituição
Federal de 1988 e pela prerrogativa de intervir em diferentes áreas da sociedade, como a
política, e nas áreas relacionadas aos direitos sociais, como a educação” (OLIVEIRA, 2011, p.
91)
51
2 DIREITO À EDUCAÇÃO
“A educação é um elemento importante na luta
pelos direitos humanos. É o meio para ajudar os
nossos filhos e as pessoas a redescobrirem a sua
identidade e, assim, aumentar o seu autorrespeito.
Educação é o nosso passaporte para o futuro, pois o
amanhã só pertence ao povo que prepara o hoje”
(Malcom X)
O Brasil após a Constituição Federal de 1988 constitui-se um Estado Democrático de
Direito8, que é uma forma de organização política que segue o modelo democrático e que visa
à participação dos indivíduos nos bens sociais, pois tem como fim maior a democracia, que
segundo Benevides (2000, p. 115) é o “regime político da soberania popular e do respeito
integral dos direitos humanos, o que inclui o reconhecimento, proteção e promoção”.
A proteção a estes direitos sociais vem descrita no artigo 6º da CF/88 como: “São
direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010).
Portanto, a educação é um direito social que deve ser protegido pelo Estado Democrático de
Direito.
Neste sentido, segundo Basílio (2009, p.34) nesta concepção deve o “Estado intervir
na sociedade para melhor assegurar a existência social, obrigando intervenções de caráter
econômico e social tendentes a atingir a igualdade, mediante uma conciliação dos limites do
poder estatal com as exigências da sociedade e da democracia”, garantindo-lhe um mínimo
existencial:
O mínimo existencial corresponde as necessidades básicas que integram o principio
da liberdade, e por isso são fundamentos constitucionais e não se confundem com as
questões de justiça básica. Seu fundamento, por conseguinte, esta nas condições para
8 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição.
52
o exercício da liberdade; sem o mínimo necessário a existência cessam as condições
iniciais para a liberdade.
[...]
Nessa linha de raciocínio, a educação fundamental inequivocamente constitui um
mínimo existencial se observarmos os requisitos necessários ao exercício da
democracia e da cidadania, que pressupõem uma atuação consciente do homem.
(BASILIO, 2009, p. 34)
Outra conceituação relevante sobre o mínimo existencial refere-se ao mínimo
necessário para a conservação de uma vida humana:
O mínimo existencial é a parte do consumo corrente de cada ser humano, seja
criança ou adulto, que é necessária para a conservação de uma vida humana digna, o
que compreende a necessidade de vida física, como a alimentação, vestuário,
moradia, assistência de saúde, etc. (mínimo existencial físico) e a necessidade
espiritual-cultural, como educação, sociabilidade, etc. (TREISH, 1999, p. 01 apud
LEIVAS, 2006, p. 135).
A educação deve ser considerada no Estado Democrático de Direito como um direito
social, constante do mínimo existencial, pois tem caráter existencial e é expressão do próprio
direito à vida e faz parte dos requisitos básicos para construção da dignidade da pessoa
humana, pois permite seu pleno desenvolvimento e sua autonomia, sendo imprescindível para
construção da cidadania:
[...] o ensino assume um papel primordial na construção de um espaço publico no
qual o voto esclarecido e a participação autônoma e criteriosa dos cidadãos comuns
na administração garantam a “boa vida” comum, impedindo que os recursos teóricos
dos demagogos e as habilidades executivas dos “competentes” sejam novas fontes
de institucionalização e planejamento do domínio. (PIOZZI, 2007, p. 722)
Assim, verifica-se que a educação de forma geral e mais especificamente a educação
escolar formal é vista como um instrumento essencial para o exercício da cidadania e como
base para a construção de uma sociedade democrática e de cidadãos capazes de agir
politicamente:
A democracia só se consolida na medida em que cada um de seus membros esteja
capacitado para participar das decisões, para opinar sobre os rumos da sociedade,
para interferir, para apresentar seus próprios pontos de vista e contrastá-los com
pontos de vista diversos (SAVIANI, 1986, p. 76)
Desta forma, quando se buscam as bases do Direito Educacional, o ponto de partida
deve estar na Constituição, naqueles princípios abrangentes, capazes de multiplicar-se em
muitos direitos, garantias e deveres, pois a educação faz parte do mínimo existencial que
integram as necessidades básicas.
53
Importa estabelecer que o Direito Educacional é composto por diversas leis esparsas e
“a regulação do sistema educacional precisa ser compreendida como um sistema de
regulações, como mostra Barroso (2004), cabendo ao Estado a função de aglutinador das
coordenações”, conforme pondera Noronha (2014, p. 39).
Assim, “[...] a actual difusão, no domínio educativo, do termo ‘regulação’ está
associada, em geral, ao objectivo de consagrar, simbolicamente, um outro estatuto à
intervenção do Estado na condução das políticas públicas” (BARROSO, 2004, p. 727). E o
autor sobre a regulação do processo educativo afirma:
[...] a regulação do sistema educativo não pode ser vista como um processo único,
automático e previsível, mas como um processo compósito que resulta mais da
regulação das regulações, do que do controlo directo da aplicação de uma regra
sobre a acção dos ‘regulados’. (BARROSO, 2004, p. 39-40).
É necessário considerar o artigo 3º da Constituição Federal de 1988: “Constituem
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”. A presença da educação na Constituição Federal deve ser examinada
necessariamente com base nesses objetivos expostos no artigo 3º, dos quais ela não pode estar
de nenhum modo afastada.
Os princípios básicos, contidos no artigo 3º da Constituição, devem influir na teoria e
na prática educacional derivada do Capítulo III, denominado “Da Educação, da Cultura e do
Desporto”, no Título VIII (Da Ordem Social), arts. 205 a 214, juntamente com outros
preceitos distribuídos ao longo do texto constitucional.
Entre outras determinações a Constituição Federal de 1988 aponta os titulares passivos
do direito à educação, cabendo à família, à sociedade e ao Estado promovê-la e incentivá-la.
Nos artigos 5º, caput, e 205 e seguintes encontram-se as bases formadoras para o
desenvolvimento de uma nação: o direito à vida, cabendo ao Estado protegê-lo em sua
acepção integral, incluindo aí o direito à educação; e o direito à educação expresso no art. 6º e
nos artigos 205 a 214.
Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
54
Art. 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (Alterado
pela EC-000.019-1998)
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições
públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei,
planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e
títulos, aos das redes públicas; (Alterado pela EC-000.053-2006)
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar
pública, nos termos de lei federal. (Acrescentado pela EC-000.053-2006)
Assim, o artigo 205, determina como deve ser ministrada a educação, ou seja, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho, sendo esta educação responsabilidade e dever do Estado.
No mais, conforme o artigo 206, a educação deve ser oferecida tendo como base os
princípios ali fixados, entre eles a garantia do padrão mínimo de qualidade (CF, art. 206,
inciso VII.).
Segundo Cury (2007, p. 12) “a Constituição da República e a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional conferem uma relevância à educação ao elevá-la à categoria de
princípio e de direito articulando-a com a proteção e a dignidade da pessoa humana”. No
mais, o reconhecimento da qualidade da educação como um princípio, tendo como meta o de
ser uma disposição estável e crescente, contínua e progressiva, foi tão largo e consensual que
gerou uma positivação do ordenamento jurídico brasileiro até antes da atual Constituição
Federal de 1988.
Quanto à qualidade do ensino a Constituição Federal ainda explicita que a melhoria da
qualidade do ensino é um dos objetivos maiores do Plano Nacional de Educação.
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com
o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e
definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a
manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e
modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes
esferas federativas que conduzam a: (Alterado pela EC-000.059-2009)
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.
VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como
proporção do produto interno bruto. (Acrescentado pela EC-000.059-2009)
55
O fundamento destes dispositivos constitucionais provém da comunidade
internacional, na qual o Brasil se insere, por intermédio da Declaração Universal de Direitos
Humanos da ONU – Organização das Nações Unidas que antecede e inspira a Constituição
Federal de 1988, somando-se às exigências da sociedade brasileira, também no campo
educacional, além de outros. E faz com que a Constituição Federal de 1988 considere a
educação como um direito social, junto com outros direitos, conforme artigo 6º: “São direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Os direitos individuais e os direitos sociais perfazem num todo, a exigir um
procedimento diferente do Estado, quanto a eles. São esclarecedoras as observações de Bastos
sobre a distinção do procedimento estatal, ante os direitos individuais ou os direitos sociais:
Ao lado dos direitos individuais, que têm por característica fundamental a imposição
de um não fazer ou abster-se do Estado, as modernas Constituições impõem aos
Poderes Públicos a prestação de diversas atividades, visando o bem-estar e o pleno
desenvolvimento da personalidade humana, sobretudo em momentos em que ela se
mostra mais carente de recursos e tem menos possibilidade de conquistá-los pelo seu
trabalho (BASTOS, 1998, p. 259)
Desta forma, a CF/88 impõe ao Poder Público a prestação da educação como um
direito que visa o bem-estar e o pleno desenvolvimento da pessoa humana. Ou seja, os direitos
individuais implicam o não fazer do Estado, enquanto os direitos sociais impõem-lhe um fazer
e uma maior positividade, como assevera Silva:
Os direitos sociais, como compreensão dos direitos fundamentais do homem, são
prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que
possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a
realizar a igualização de situações sociais desiguais (SILVA, 2001, p. 258).
Bobbio (2004, p. 89) destaca e reforça esse aspecto, afirmando que “não existe
atualmente nenhuma carta de direitos, para darmos um exemplo convincente, que não
reconheça o direito à instrução – crescente, de resto, de sociedade para sociedade – primeiro
elementar, depois secundária, e pouco a pouco até mesmo universitária”.
Assim, as políticas sociais - como as políticas públicas educacionais – apoiadas em
direitos sociais tornam obrigatórias e imediatas as medidas estatais para elevar a condição
humana dos titulares desses direitos. Tais medidas vêm em resposta às necessidades sociais e
transformam em realidade os direitos sociais, sobressaindo nas medidas os pobres e os
miseráveis (VIEIRA, 2001).
56
Constitucionalmente, portanto, a educação brasileira deve ser direito de todos e
obrigação do Estado; deve acontecer em escolas; deve seguir determinados princípios; deve
ratificar a autonomia universitária; deve conservar a liberdade de ensino; e, principalmente,
deve converter-se em direito público subjetivo, com a possibilidade de responsabilizar-se a
autoridade competente, inclusive quanto à qualidade desta educação.
Uma questão polêmica sobre o direito à educação refere-se: as normas que estão na
Constituição Federal, sob o Título VII, Da Ordem Social – entre elas o direito à educação –
são ou não de eficácia plena?
Não há o que se discutir quanto a isso, no que se refere aos direitos à educação,
primeiramente porque este se trata de um direito da personalidade, incluso no direito à vida
(art. 5º, inciso I da CF), o que significa que tem eficácia imediata; segundo, porque seguindo o
entendimento de José Afonso da Silva (2001, p. 81) “não há norma constitucional alguma
destituída de eficácia plena”.
Outra questão controversa sobre o tema refere-se à possibilidade deste direito ser
verdadeiramente um Direito subjetivo ou consistir apenas no reflexo do Direito objetivo, por
meio dos quais se concede a certas irradiações da personalidade uma proteção jurídica geral.
Entretanto, é a tese positiva sobre a existência dos direitos subjetivos que vem prevalecendo
em quase todos os ordenamentos jurídicos do mundo e a qual adotamos neste trabalho.
Isto porque, de acordo com a Constituição Federal de 1988, art. 208, parágrafo
primeiro: “O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”. No mesmo
sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional postula que “O acesso ao ensino
fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos,
associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente
constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo” (art. 5º,
LDB).
Assim, Júnior (2000, p. 880) apoiado nos ensinamento de Pontes de Miranda assinala
que “se há direito público subjetivo à educação, o Estado pode e tem que entregar a prestação
educacional. Fora daí, é iludir o povo com artigos de Constituição ou de leis. Resolver o
problema da educação não é fazer leis, ainda que excelentes”.
Basílio9 discute a questão do direito à educação, posto como um direito essencial ao
exercício da cidadania, afirmando que:
9 Dissertação de mestrado defendida na Universidade de São Paulo
57
Como um Direito Social, ou Direito Humano de Segunda Dimensão, o direito a
educação tem sua efetividade comprimida pela inércia dos Poderes Públicos em
promover Políticas Públicas capazes de realizá-lo mediante alegações de
discricionariedade da Administração Publica em sua atuação e de escassez de
recursos. Óbice este por vezes enfrentado pelos Direitos Sociais, mas amenizado
quando reconhecidos como direitos públicos subjetivos, cuja exigibilidade perante o
Poder Público e direcionado aos indivíduos, ao menos no tocante ao núcleo
fundamental de cada direito. (BASILIO, 2009, p. 11)
Assim, todo cidadão brasileiro tem direito de exigir do Estado o cumprimento da
prestação educacional por ser esta um direito público subjetivo. Portanto, hoje, felizmente,
tem-se um texto constitucional que assegura a educação como direito social, garantindo a
todos uma educação com padrão mínimo de qualidade, sob a responsabilidade do Poder
Público.
No entanto, nota-se que alcançar essa participação ou o acesso universal ao ensino
depende fundamentalmente da qualidade da educação disponível, pois é inegável que como os
alunos são ensinados e quanto eles aprendem são fatores que têm impacto crucial na
frequência à escola e na sobrevivência escolar, até mesmo os pais julgam a qualidade da
escola por estes resultados – mesmo que esta pesquisadora não os considere por si só como
única forma de mensuração de qualidade educacional.
A educação, portanto, cria a situação em que é necessário haver escolas de qualidade
para todos, seguindo o disposto no regime jurídico constitucional (art. 206, inciso VII e art.
208, parágrafos primeiro e segundo) e dando maior destaque ao Poder Judiciário neste setor.
2.1 Conceito de educação
Antes de iniciarmos a discussão sobre a questão do Direito Educacional é importante
que o objeto deste direito seja delineado e identificado. O que compreende o ato de educar?
Segundo a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional:
Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa,
nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais.
§ 1º. Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente,
por meio do ensino, em instituições próprias.
58
§ 2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática
social.10
Rousseau afirma que “o homem não pensa naturalmente. Pensar é uma arte que se
aprende como todas as outras, e até mais dificilmente” (ROUSSEAU, 1979, p. 480), assim a
educação é o processo pelo qual o homem adquire a capacidade de pensar por meio do
desenvolvimento de habilidades cognitivas e de sua atuação no mundo como ser histórico. Ou
seja, é o instrumento que possibilita ao homem ser sujeito de sua história atuando e
modificando a realidade social.
Desta forma, a educação propicia o desenvolvimento da capacidade do sujeito
organizar seu pensamento:
O desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos e a educação da
natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento e a educação dos
homens; e o ganho de nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam e a
educação das coisas. (ROUSSEAU, 1979, pp. 10-11)
Segundo Paulo Freire (2002) a educação é uma forma de libertação do indivíduo que,
por ser um ser histórico é responsável pela produção da realidade, especialmente quando esta
lhe é opressora. E esta percepção promovida pela educação é a “reflexão e ação dos homens
sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE, 2002, p. 35).
Desta forma, se a educação promove a integração do sujeito com o contexto histórico
cultural, ela deve ser considerada um produto de nossa história e sociedade. Para Hannah
Arendt (1992, p. 234), “a educação está entre as atividades mais elementares e essenciais da
sociedade humana, que jamais permanece da mesma forma, renovando-se continuamente
através do nascimento de novos seres humanos, que nunca se acham acabados, mas em um
permanente estado de vir a ser”.
Basílio (2009) destaca que a educação foi concebida na história da humanidade sob
diversas concepções:
A educação, como ciência humana, resguarda seu caráter histórico. No curso da
história da humanidade fora reconhecida sob diversas concepções, evoluindo de um
mecanismo essencialmente garantidor da sobrevivência da vida e do individuo a
formas de legitimação e manutenção das diversas formas de organização social.
(BASILIO, 2009, p. 20)
10
LDB, art. 1º.
59
Vivemos neste momento histórico grandes problemas educacionais que nos remetem a
inúmeros questionamentos que são discutidos neste trabalho e em vários trabalhos de
educadores brasileiros, e até mesmo, estrangeiros.
Há uma nova ordem mundial decorrente do processo de globalização imbricada com a
revolução tecnológica que trouxe diferentes perspectivas para educação em geral, para as
políticas educacionais, para a escola e para o trabalho docente (MOREIRA; KRAMER, 2007,
p. 1038). Entre outras coisas as mudanças sociais contribuíram para o aumento da população
nos bancos escolares, o que também tem refletido nas questões anteriormente citadas.
Paro quando discute a questão da qualidade da educação e o que entendemos desta
temática, afirma que:
A educação, entendida como a apropriação do saber historicamente produzido é
prática social que consiste na própria atualização cultural e histórica do homem.
Este, na produção material de sua existência, na construção de sua história, produz
conhecimentos, técnicas, valores, comportamentos, atitudes, tudo enfim que
configura o saber historicamente produzido. (PARO, 1998, p. 300)
Assim, a educação é uma prática social decorrente de nossa cultura e história, onde o
homem tem o papel de mediador entre si e o meio no qual interage. A educação que
postulamos deve buscar uma relação humana dialógica e, neste caso, a educação escolar é
extremamente relevante, pois não deve objetivar apenas a formação para o trabalho, como
pondera a corrente produtivista, mas a formação para vida:
Em primeiro lugar, é preciso ter presente que não basta formar para o trabalho, ou
para a sobrevivência, como parece entender os que veem na escola apenas um
instrumento para preparar para o mercado de trabalho ou para entrar na universidade
(que também tem como horizonte o mercado de trabalho). [...] A primeira condição
para propiciar isso é que a educação se apresente enquanto relação humana
dialógica, que garanta a condição de sujeito tanto do educador quanto do educando.
(PARO, 1998, p. 301)
Neste sentido, a globalização por ser um fenômeno complexo e multifacetado que tem
impacto na educação se apropria de outras instâncias como econômicas, sociais, políticas,
culturais, religiosas e jurídicas trazendo tais consequências para a educação e influenciando
neste sujeito histórico que é produto deste novo meio e de sua interação, muitas vezes
tecnológica, com ele.
Para Basílio (2009, p. 20) no contexto das “sociedades democráticas, a educação deve-
se voltar à capacitação do homem ao exercício de seu papel como agente de sua própria
história e como cidadão, agente da história de sua sociedade”. E quando buscamos a
60
democracia ou uma sociedade democrática, se busca consequentemente a formação de um
cidadão que saiba pleitear seus direitos e cumprir seus deveres.
O autor ainda afirma que:
A educação visa à formação do homem em sua integralidade, capacitando-o para se
tornar sujeito da história por meio da construção de sua cultura (e não objetivando a
mera aprovação em exames e testes), o que envolve conhecimentos, informações,
valores, crenças, ciência, arte, tecnologia, filosofia, direito, costumes...
A imperatividade da educação decorre da necessidade do homem em apropriar-se da
bagagem cultural historicamente acumulada [...] (BASILIO, 2009, p. 23)
Este também é o posicionamento de Paro (2008, p. 25), pois o sujeito se torna um ser
humano mais completo “a medida que desenvolver suas potencialidades, que a sua natureza
vai acrescentando cultura, pela apropriação de conhecimentos, informações, valores, crenças,
habilidades artísticas etc.”. Mais que isso, a educação permite o desenvolvimento das
potencialidades do homem, inclusive na acepção política, uma vez que esta “só se realiza, só
pode produzir sua materialidade, a partir do contato com os demais seres humanos, ou seja, a
produção de sua existência, não se da diretamente, mas mediada pela divisão social do
trabalho” (PARO, 2008, p. 26).
Neste sentido, concordando com a definição acima posta por Bastos, pois ela destaca
que a educação é necessária para a formação ético-moral do ser humano e que esta deve se dar
em condições de dignidade:
[...] formação de um ser humano ético-moral passa pela construção de um
desenvolvimento humano que se dê em condições de dignidade, mas para que isso
aconteça é necessário instrumentalizar ações para que se possa atuar enquanto
projeto pedagógico educacional nesse sentido. Assim, não basta mera sugestão é
preciso uma política de comprometimento ao ponto de se ter uma ação com
responsabilização e ao final formação e conscientização de deveres e direitos a
serem exercidos, sempre respeitando os sujeitos envolvidos no processo. (BASTOS,
2012, p. 117)
Essa concepção política de homem influência o significado da educação, pois
identifica o tipo de sociedade e a partir dela o tipo de cidadão que se pretende formar. Neste
sentido, Paulo Freire (2002, p. 86) afirma que “a partir da situação presente, existencial,
concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo
programático da educação ou da Ação Política”.
Assim, “a educação será tão mais plena quanto mais esteja sendo um ato de
conhecimento, um ato político, um compromisso ético e uma experiência estética” (FREIRE,
2001, p. 55). Não basta à educação que vise à plenitude da cidadania apenas a alfabetização
61
de seu povo, uma vez que “ler e escrever não são suficientes para perfilar a plenitude da
cidadania” (FREIRE, 2001, p. 45), é necessário que façamos da educação um ato político
imbricado de significações.
Para Bianchetti (2008, p. 233) é “necessária relação que existe entre educação e
política e, por esse motivo, pode-se concluir que o conteúdo do conceito ‘qualidade’ está
definido e determinado pela orientação política”, contudo não apenas uma orientação política,
mas sim uma concepção de homem e de sociedade.
Acreditamos assim como preceitua Bobbio que
Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e,
num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos esses
direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos,
absolutos ou relativos, mas sim qual o modo mais seguro para garanti-los, para
impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.
(BOBBIO, 2004, p. 25)
Desta forma, o conceito de educação que defendemos é aquele em que a educação “é
entendida como elemento constitutivo e constituinte das relações sociais mais amplas,
contribuindo, contraditoriamente, desse modo, para a transformação e a manutenção dessas
relações”. E, portanto, considera a escola como o “espaço institucional de produção e de
disseminação, de modo sistemático, do saber historicamente produzido pela humanidade”
(DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 203).
E assim compreende também Regina Alcântara de Assis relatora das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental: “A magnitude da importância da
Educação é assim reconhecida por envolver todas as dimensões do ser humano: o singulus, o
civis, o socius, ou seja, a pessoa em suas relações individuais, civis e sociais” (BRASIL, ANO
E PÁGINA).
O tema educacional é intricado, tanto que Durkhein (1967, p. 27) afirma que “não há
uma educação ideal, perfeita, apropriada a todos os homens, indistintamente, mas que é
variável de acordo com o tempo e o meio”.
E a partir desta concepção de educação – em que o processo pedagógico dialógico é
considerado um ato político, de conhecimento e de compromisso ético, e que possibilita ao
educador e ao educando a construção do conhecimento, tornando o educando um sujeito de
direitos e deveres – pode-se iniciar a análise do direito à educação partindo das opiniões
doutrinárias acerca da natureza jurídica deste direito, especialmente quando considera-se um
Direito Humano e um Direito Fundamental.
62
Isto porque, Sarlet (1998) anota que tanto na doutrina quanto no Direito Positivo
(nacional e internacional) as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais” são
utilizados juntamente com outras similares, como: direitos naturais, direitos do homem,
direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, o que compreende, ainda, os direitos da
personalidade. Contudo, o autor, esclarece que não há como confundir os seus significados.
Direitos Fundamentais são os Direitos do ser humano reconhecidos e positivados
pelo Direito Constitucional positivo de determinado Estado; Direitos Humanos têm
relação com o direito internacional, pois se referem ao ser humano como tal,
independente se sua vinculação a um país ou Constituição, sendo válidos para todos
os homens em todos os tempos e lugares, revelando, assim, um caráter
supranacional; Direitos da Personalidade são válidos na relação paritária entre os
particulares e entre estes e o Estado, destituindo seu poder ius imperii. (SARLET,
1998, p. 29)
Portanto, segundo Sarlet (1998) a diferença entre os direitos humanos e direitos
fundamentais encontra-se no plano em que são concebidos os direitos, o primeiro no plano
internacional e o segundo em âmbito constitucional interno de cada Estado.
Passamos assim a esta análise que nos dará a base normativa para postular a
exigibilidade do direito à qualidade do ensino fundamental público no Brasil.
2.1.1 A educação como direito humano
Historicamente, somente no século XX, depois da Segunda Guerra Mundial, o Direito
à educação foi elevado à categoria normativa de direito (ético) do homem, quando se voltou a
discutir o postulado dos direitos do homem. Mas, antes mesmo desta declaração, o Direito à
educação já havia sido reconhecido, no plano internacional, pela Carta da Organização dos
Estados Americanos, assinada a 30 de abril de 1948 (no seu artigo 30) e pela Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 02 de maio de 1948 (no seu artigo XII).
No entanto, foi no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem - DUDH
que o direito à educação foi proclamado no plano universal pela primeira vez, onde é
considerado como fundamental para que o homem possa desenvolver bem sua personalidade,
para que possa determinar por si só os fins que pretende atingir.
ARTIGO 26.º
63
1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a
correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório.
O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos
superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço
dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos
raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações
Unidas para a manutenção da paz.
3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar
aos filhos.
Nota-se que há uma mudança no caráter dos direitos e garantias individuais, que
passam a poder ser exigidos do Estado, pois se configuram em direitos políticos e sociais e,
desta forma, requerem ações positivas do Estado:
[...] de essencialmente individualista eles passaram a firmar-se como garantias
contra o Estado, sendo vistos como Direitos políticos e sociais, onde o Estado tem a
obrigação de garantir os direitos mínimos de uma prestação positiva aos cidadãos –
esta é a essência da natureza jurídica do Direito à educação. No sentido de que ao
lado de direitos que impunham ao Estado limitações, que lhe determinavam a
abstenção – não fazer – foram reconhecidos Direitos a prestações positivas do
Estado, que se vê obrigado, não raro, a criar serviços públicos para atendê-los
(FERREIRA FILHO, 1989, p.172-173).
No mesmo diapasão da Declaração Universal de Direitos do Homem - DUDH foi
elaborada a Declaração de Genebra, anterior a DUDH, datada de 1924, e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica –, esta posterior a
DUDH, datada de 1969 e aprovada no Brasil em 14/09/1990 e ratificada em 21/11/1990 pelo
Decreto n. 99.710, onde consta a proteção especial à criança e os direitos às respectivas
medidas por parte da família, da sociedade e do Estado.
O art. 28 da Convenção sobre os Direitos da Criança adotada e ratificação pela
resolução n.º 44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 20 de Novembro de 1989,
determina que:
Artigo 28.
1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e tendo,
nomeadamente, em vista assegurar progressivamente o exercício desse direito na
base da igualdade de oportunidades:
Tornam o ensino primário obrigatório e gratuito para todos;
b) Encorajam a organização de diferentes sistemas de ensino secundário, geral e
profissional, tornam estes públicos e acessíveis a todas as crianças e tomam medidas
adequadas, tais como a introdução da gratuitidade do ensino e a oferta de auxílio
financeiro em caso de necessidade;
c) Tornam o ensino superior acessível a todos, em função das capacidades de cada
um, por todos os meios adequados;
d) Tornam a informação e a orientação escolar e profissional públicas e acessíveis a
todas as crianças;
64
e) Tomam medidas para encorajar a frequência escolar regular e a redução das taxas
de abandono escolar.
2. Os Estados Partes tomam as medidas adequadas para velar por que a disciplina
escolar seja assegurada de forma compatível com a dignidade humana da criança e
nos termos da presente Convenção.
E a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa
Rica, assegura que:
Capítulo III - DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS
Artigo 26 - Desenvolvimento progressivo
Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito
interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e
técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que
decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura,
constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo
Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa
ou por outros meios apropriados.
Segundo Caggiano (2009, p. 21) “já desde a edição da declaração francesa de 1789,
avulta a ideia da impositiva necessidade de se assegurar acesso à educação e aos meios
direcionados a emancipação intelectual e política do ser humano, integrante da comunidade
social”.
Insta salientar, que a DUDH e os dois Pactos adotados pela Assembleia Geral das
Nações Unidas em 1966 – o “Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos” (PIDCP)
e o “Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” (PIDESC) –
formam a Carta Internacional dos Direitos do Homem (CIDH), que é a Magna Carta da
Humanidade e, elas abordam da mesma forma a universalização do direito à educação.
Para Bobbio (2004, p. 26) “a Declaração representa a manifestação da única prova
através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e
reconhecido, vez que se baseia no consenso geral acerca da sua validade”.
E o autor continua: “[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são
direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em
defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de
uma vez e nem de uma vez por todas”. (BOBBIO, 2004, p. 25).
Contudo, embora ricas em conteúdo as Declarações de Direitos não são efetivas, por
serem facilmente desobedecidas. E isto pode ser esclarecido, pois segundo Basílio (2009) os
instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos não se incorporam ao texto
constitucional, eles o completam:
65
Os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, apesar de terem
hierarquia constitucional, não se incorporam no texto da constituição propriamente.
Eles complementam o rol de direitos e garantias fundamentais protegidos pela Lei
fundamental, ampliando o núcleo mínimo de direitos e garantias consagrados. Dizer
que os tratados de proteção dos direitos humanos tem hierarquia constitucional, não
significa dizer que estão dentro da constituição, mas sim que pertencem ao “bloco de
constitucionalidade” (BASILIO, 2009, p. 62)
E sobre a efetividade dos tratados internacionais de direitos humanos o Supremo
Tribunal Federal – STF decidiu após o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, em
recurso extraordinário que analisava a questão da prisão civil de depositário fiel:
[...] não obstante julgamentos de que participei como Relator (RTJ 174/463-465 –
RTJ 179/493-496) inclino-me a acolher essa orientação, que atribui natureza
constitucional as convenções internacionais de direitos humanos, reconhecendo,
para efeito de outorga dessa especial qualificação jurídica, tal como observa Celso
LAFER, a existência de três distintas situações concernentes a referidos tratados
internacionais:
(1) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais
nosso Pais aderiu), e regularmente incorporados a ordem interna, em momento
anterior ao da promulgação da Constituição de 1988 (tais convenções internacionais
revestem-se de índole constitucional, porque formalmente recebidas nessa condição,
pelo § 2º do art. 5º da Constituição);
(2) tratados internacionais de direitos humanos que venham a ser celebrados pelo
Brasil (ou aos quais o nosso Pais venha a aderir) em data posterior a da promulgação
da EC nº 45/2004 (essas convenções internacionais, para se impregnarem de
natureza constitucional, deverão observar o “iter” procedimental estabelecido pelo §
3º do art. 5º da Constituição); e
(3) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais
o nosso país aderiu) entre a promulgação da Constituição de 1988 e a superveniência
da EC nº 45/2004 (referidos tratados assumem caráter materialmente constitucional,
porque essa qualificada hierarquia jurídica lhes e transmitida por efeito de sua
inclusão no bloco de constitucionalidade, que e ‘a somatória daquilo que se adiciona
a Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados’. 11
Silva critica esta posição do STF, pois acredita que a incorporação dos tratados e
convenções de direitos humanos deveria ser automática ao nosso ordenamento constitucional
e não seguindo o procedimento do parágrafo terceiro do art. 5º da CF/8812
que determina a
necessidade de aprovação do Congresso Nacional, o que faz tais tratados e acordos ficarem na
dependência da ratificação do Poder Executivo:
Entendia-se que essa incorporação era automática, diferentemente do que ocorre
com outros tipos de tratados e acordos internacionais, dependentes sempre de
referendo congressual e ratificação governamental para sua eficácia interna. Essa
11
Recurso Extraordinário 566.343-1, São Paulo. Voto-vogal Ministro Gilmar Ferreira Mendes, pp. 27 e 28. 12
Art. 5º - [...]
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste
parágrafo)
66
questão precisa ser repensada em face desse § 3º, porque a exigência de um quorum
qualificado para referendo congressual dos tratados e convenções de direitos
humanos, para que tenham natureza constitucional formal, implica reconhecer que
esses ajustes internacionais dependem, para ingressar no ordenamento interno
referendo do Congresso Nacional e ratificação do Poder Executivo, como qualquer
tratado e acordo internacional – o que é uma pena, porque a incorporação
automática, como direito constitucional, seria uma forma de destacar seu valor para
além das circunstâncias de lugar e de tempo. (SILVA, 2005, p. 179)
Importa destacar a clareza do acórdão do STF, do Ministro Gilmar Mendes, onde
somente para os tratados posteriores a dezembro de 2004 e que versem sobre direitos
humanos haverá a incorporação a nosso ordenamento com natureza constitucional. Assim, a
partir de 30 de dezembro de 2004 passamos a ter dois tipos de tratados internacionais: “os
constitucionais e os infraconstitucionais”.
Obviamente que se trata de um avanço os tratados internacionais que versem sobre
direitos humanos, a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 45, serem
considerados como normas constitucionais, mas não podemos deixar de concordar com a
crítica de Silva (2005), uma vez que esta incorporação deveria ser automática.
A maioria dos tratados internacionais que abordam o direito à educação,
especialmente, a qualidade desta educação, são infraconstitucionais. Assim, eles têm força de
lei ordinária e nenhum deles garante o direito a um ensino fundamental de qualidade, o que
dificulta sua força executiva na área educacional.
Cunha et al, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro coordena desde 2003 o grupo
de pesquisa “Direitos Humanos no Tribunal de Justiça” que investiga os limites e as
possibilidades da justiciabilidade dos Direitos Humanos, em especial dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais e em 2005 apresentou uma pesquisa em parceria com
alunos e professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e da
Universidade Cândido Mendes (UCAM) que traz informações do Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro sobre a justiciabilidade dos Direitos Humanos. Para estes autores
Os direitos humanos constituem o principal instrumento de defesa, garantia e
promoção das liberdades públicas e das condições materiais essenciais para uma
vida digna. Os poderes Executivo e Legislativo são sempre solicitados a atuar
conforme esses direitos. Contudo, o Poder Judiciário é o último guardião de tais
direitos, e a esperança de proteção em relação a eles. Por isso, faz-se imperioso lutar
pela efetividade de sua tutela jurisdicional. A busca da efetividade dos direitos
humanos na esfera judiciária torna necessário averiguar a maneira pela qual os juízes
concebem e aplicam as normas de direitos humanos, especialmente as que protegem
os direitos econômico-sociais. (CUNHA et al, 2005, p. 139)
67
Por isso, a importância da pesquisa dos mesmos, uma vez que nesta verifica-se que
dos juízes pesquisados apenas uma minoria considera os direitos humanos sem aplicabilidade
efetiva, sendo que mais da metade os considera regras plenamente aplicáveis:
[...] pode-se notar que, ao serem questionados sobre a natureza dos direitos
humanos, 7,6% dos juízes afirmaram serem “valores sem aplicabilidade efetiva”.
Para outros 34,3%, os direitos humanos constituiriam “princípios aplicados na falta
de regra específica”; e para 54,3% configurariam “regras plenamente aplicáveis”.
[...]
É relativamente semelhante o entendimento de 34,3% dos magistrados, para os quais
tais princípios possuem caráter subsidiário, podendo ser aplicados eventualmente,
diante da ausência de norma específica. Para eles, qualquer ponderação que siga
norma mais específica, inclusive com conteúdo antagônico, levaria à não-aplicação
das normas de direitos humanos. Porém, foi majoritária a posição dos que
demonstram uma concepção forte de direitos humanos, pois mais de 50% dos juízes
concebem os direitos humanos como regras plenamente aplicáveis. (CUNHA et al,
2005, p. 139)
Na pesquisa de Cunha et al (2005, p. 145) os juízes destacam conforme figura abaixo
que as normas jurídicas de direitos humanos são plenamente aplicáveis em casos concretos:
Figura 2. Pesquisa sobre justiciabilidade dos direitos humanos
Fonte: CUNHA et al, 2005, p. 145.
Porém, a mesma pesquisa aponta que estes juízes em sua grande maioria, cerca de
70% deles, não utiliza nem o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, nem o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e nem a Convenção
Americana de Direitos Humanos:
68
Figura 3. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
Fonte: CUNHA et al, 2005, p. 145.
Figura 4. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
Fonte: CUNHA et al, 2005, p. 145.
69
Figura 5. Convenção Americana de Direitos Humanos
Fonte: CUNHA et al, 2005, p. 145.
Assim, concordamos com os autores, pois é preocupante e estranho verificar que quase
80% dos juízes consideram as normas acima aplicáveis, mas na prática não o fazem:
[...] é preocupante quando se confronta essa informação com a realidade brasileira,
marcada por profundas desigualdades sociais. Não há dúvida da importância dos
direitos econômicos, sociais e culturais como forma legítima para se garantir um
mínimo de bem-estar social. É curioso notar como 79% dos juízes afirmaram que
consideram as normas de direitos econômicos, sociais e culturais tão eficazes e
aplicáveis como aquelas que asseguram direitos civis e políticos; mas, na prática,
não recorrem a tais normas para motivar suas decisões. (CUNHA et al, 2005, p. 156)
E as conclusões do trabalho nos deixaram preocupados e ainda mais receosos em
relação à efetiva aplicação dos direitos humanos, uma vez que os autores acreditam que
poucos são os juízes analisados que efetivamente aplicam as normas e que cerca de 40% dos
juízes nunca estudaram Direitos Humanos:
Evidenciou-se, ao longo da pesquisa, um instigante paradoxo: se, por um lado, os
juízes demonstram concepções arrojadas acerca dos direitos humanos e da
aplicabilidade, em tese, de suas normas garantidoras, por outro, poucos são os que
efetivamente aplicam normas que versem sobre tais direitos, mormente em se
tratando da utilização específica dos Sistemas de Proteção Internacional dos Direitos
Humanos da ONU e da OEA. Isso pode ser justificado a partir da constatação de que
40% dos juízes nunca estudaram Direitos Humanos, e apenas 16% deles sabem
como funcionam o Sistema de Proteção dos Direitos Humanos interamericano e o
das Nações Unidas. Mesmo assim, a grande maioria, 73% dos magistrados, afirma
que, se houvesse oportunidade, gostaria de participar de cursos sobre direitos
humanos. (CUNHA et al, 2005, p. 169)
70
Para Cunha et al (2005, p. 170) “A justiciabilidade dos direitos humanos é uma
questão de aprimoramento da tutela jurisdicional”, concordamos com este posicionamento e
acreditamos que seja uma questão de cultura jurídica.
Neste sentido, nota-se que as Constituições escritas, entre elas a brasileira, sempre
estiveram atreladas às Declarações de Direitos do Homem, seja com a finalidade de limitar o
poder político do Estado, seja no sentido de proporcionar uma adequada proteção desses
direitos, reparando ou prevenindo sua violação de direitos. E como forma de dar eficácia
plena as normas contidas nas Declarações, as Constituições dos países passaram a reconhecer
e garantir os direitos expressos nestas Declarações, tanto que o direito à educação se trata de
um direito reconhecido e garantido, pois se encontra posto em nossa Carta Magna de 1988.
Segundo Bobbio:
A existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a
existência de um sistema normativo, onde por "existência" deve entender-se tanto o
mero fator exterior de um direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de
um conjunto de normas como guia da própria ação. A figura do direito tem como
correlato a figura da obrigação (BOBBIO, 2004, p. 79-80).
E Cury (2002) complementa que, certamente, em muitos casos, a realização dessas
expectativas e do próprio sentido expresso da lei entra em choque com as adversas condições
sociais de funcionamento da sociedade em face dos estatutos de igualdade política por ela
reconhecidos. Assim, verifica-se que os direitos têm sido enunciados nas Cartas de Direitos,
porém sua concretização nem sempre é tão resoluta, neste sentido Bobbio (2004, p. 16)
esclarece que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o
de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.”
É inegável também a dificuldade de, diante da desigualdade social, instaurar um
regime em que a igualdade política aconteça no sentido de diminuir as discriminações. Além
disso, muitos governos proclamam sua incapacidade administrativa de expansão da oferta
perante a obrigação jurídica expressa.
A legislação dos direitos humanos ressalta o acesso à educação e à equidade dos
resultados de aprendizagem, o que reflete a crença de que todas as crianças são capazes de
desenvolver capacidades cognitivas básicas, caso elas tenham acesso a um bom ambiente de
aprendizagem e de que se algumas crianças assim não o fazem isso se deve, pelo menos em
parte, a deficiências do sistema educacional, entre elas a falta de qualidade desta educação.
Desta forma, Caggiano afirma que além de um direito humano, o direito à educação é
também um direito fundamental, pois vem amparado por um quadro jurídico constitucional:
71
No contexto atual não nos parece subsistir dúvidas quanto à inclusão do direito à
educação no elenco dos direitos humanos fundamentais, amparado portanto por um
quadro jurídico-constitucional que vem a lhe assegurar, também, um sistema de
garantias. É direito fundamental porque, de uma banda, consubstancia-se em
prerrogativa própria à qualidade humana, em razão da exigência de dignidade, e, de
outra, porque é reconhecido e consagrado por instrumentos internacionais e pelas
Constituições que o garantem. O direito à educação, destarte, inserido no nicho dos
direitos fundamentais, apresenta-se revestido das qualidades que a estes são
próprias. (CAGGIANO, 2009, p. 22)
Fica claro, portanto, que a educação como direito social reconhecido por nossa
Constituição Federal trata-se também de um direito humano apresentado no bojo dos tratados
e acordos internacionais, e um direito fundamental, uma vez que vem enquadrada em nossas
normas jurídico-constitucionais de forma a assegurar a dignidade da pessoa humana. Assim,
passamos a analisá-la sob este viés.
2.1.2 A educação como direito fundamental
O direito à educação vem prescrito nas Constituições de quase todos os países como
um Direito Fundamental, desta forma constituindo de um status positivus.
Segundo Lima (2003, p. 06) se diz status porque prescritivo de cidadania. Jellinek
(apud LIMA, 2003, p. 06) diz status porque definidor de uma situação jurídica, que permite
ao indivíduo, ser jurídico, encarar as prestações do Estado, as liberdades frente ao Estado, as
pretensões contra o Estado e a prestação por conta do Estado como um direito público a lhe
favorecer.
Já Häberle (1997, p. 280), quando aborda essa concepção de status positivus, trabalha-
o como uma determinante do processo de concretização dos Direitos Fundamentais como
direitos subjetivos garantidores da liberdade e, também, como elementos fundamentais da
ordem objetiva da coletividade. Para o autor esse status carrega uma força jurídico-
constitucional em favor do cidadão, dando aos Direitos Fundamentais um conteúdo
concretamente determinado, formador, portanto, de um status jurídico material, que é
compreendido como direitos e deveres concretos que podem ser determinados materialmente.
E nesta esteia a legislação também concebe o direito à educação como um direito
fundamental e um direito da personalidade, assim sendo: a) um direito natural, pois exprime
uma ordem que está na essência da natureza humana; b) um direito subjetivo público, pois
72
consta na Constituição Federal, art. 5º (inserido no direito à vida), e no art. 6º, recebendo a
denominação também de direito fundamental, entre outros artigos e legislações, que serão
citadas oportunamente; c) direito subjetivo privado, porque ele se encontra entre os direitos da
personalidade, considerados e aceitos nacional e internacionalmente como tais, e atualmente
como direito geral da personalidade.
Ou seja, segundo Caggiano o direito à educação possui duas facetas, a social e a
individual:
E mais até, no mundo atual, o direito à educação comparece nas suas duas facetas
(de primeira e segunda dimensão ou geração), enquadrado como uma realidade
social e individual. Com efeito, insuflado e robustecido pelos caracteres de índole
coletiva, extraídos das duas últimas gerações de direitos, vislumbra-se o direito à
educação com conteúdo multifacetado, envolvendo não apenas o direito à instrução
como um processo de desenvolvimento individual, mas, também o direito a uma
política educacional, ou seja, a um conjunto de intervenções juridicamente
organizadas e executadas em termos de um processo de formação da sociedade,
visando oferecer aos integrantes da comunidade social instrumentos a alcançar os
seus fins. (CAGGIANO, 2009, p. 23)
Para Canotilho (1998, p. 1159) esta recepção civilizada dos direitos, liberdades e
garantias assenta-se em dois pressupostos questionáveis: que os direitos subjetivos públicos
só se concebem nas relações Estado-cidadão; e que os direitos, liberdade e garantias, como
direitos subjetivos públicos, derivam imperativamente da lei. Para o autor, são questionáveis,
pois hoje estes direitos, liberdades e garantias são considerados direitos subjetivos
independentemente do caráter público ou privado e, também, porque não se deduzem das
normas legais, por isso nada impede que valham como direitos subjetivos públicos.
Lima (2003, p. 20) coloca que se pode dizer que é a própria existência do Estado que o
leva a realizar os direitos fundamentais, já que se impôs a ele o dever de assegurar o
cumprimento do contrato social.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, coaduna com a
concepção de educação como direito fundamental, ao afirmar que
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (LDB)
Canotilho (1998, p. 359) salienta que Direitos Fundamentais “são os direitos do
homem, jurídico institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente”.
E o autor ainda completa:
73
Muitos dos direitos fundamentais são direitos da personalidade, mas nem todos os
direitos fundamentais são direitos da personalidade, entretanto, dada a
interdependência entre o estatuto positivo e o estatuto negativo do cidadão, e em
face da concepção de um direito geral da personalidade como direito à pessoa ser e à
pessoa devir, cada vez mais os direitos fundamentais tendem a ser direitos da
personalidade (CANOTILHO, 1998, p. 359).
No mesmo sentido, Machado Júnior (2003, p.85) afirma que a educação é um direito
da personalidade, decorrente da simples existência do ser humano, que tem início com seu
nascimento e apenas termina com sua morte. Esse direito não se refere tão somente a uma
liberdade de aprendizagem, mas se caracteriza como Direito Social, pois todos podem exigir
do Estado a criação de serviços públicos para atendê-los, tendo características de direito
absoluto, intransmissível, irrenunciável e inextinguível.
Imre Szabo (apud MONTEIRO, 2003, on line) observou que o direito à educação é
“um direito fundamental entre os direitos fundamentais” porque, “interpretando o direito à
educação como um direito do homem cujas funções fundamentais compreendem a educação
para a proteção e a promoção dos direitos do homem, chega-se a uma correlação em que os
direitos do homem, por assim dizer, se voltam para si próprios, através do direito à educação”.
Para Caggiano (2009, p. 24) “a ideia da impositiva presença e efetivação do direito à
instrução nas sociedades politicamente organizadas vem vinculada, cada vez mais, à própria
evolução da sociedade, preordenada a viabilizar um clima de respeito à dignidade humana”.
No mesmo diapasão, Przetacznik escreveu:
Entre os direitos individuais do homem, o direito à educação é o mais importante,
com a única exceção do direito à vida, fonte de todos os direitos do homem. O
direito à educação é uma condição prévia ao verdadeiro gozo de quase todos os
direitos do homem por uma pessoa individual. Este direito é uma pedra angular de
todos os direitos do homem, pois se uma pessoa não é corretamente educada, ele ou
ela é incapaz de gozar verdadeiramente os outros direitos do homem. Em
conseqüência, a realização do direito à educação é a tarefa mais elevada que se
impõe, tanto a cada indivíduo como ao Estado em que esse indivíduo vive
(PRZETACZNIK apud MONTEIRO, 2003, on line).
Desta forma, o que se pretende demonstrar quanto à natureza jurídica do direito à
educação é que este, sob qualquer aspecto que seja analisado, constitui-se em uma forma de
proteção à vida humana, pois a educação é indispensável á sua plenitude. Por isso mesmo ela
implica uma obrigação positiva do Estado, já que sem esta ela não se concretiza, sendo
impossível, portanto, falar em direito à educação sem aludir à responsabilidade do Poder
Público.
74
Neste sentido, acredita-se que o direito à educação deva ser exigido não apenas como
direito social, amplamente garantido, mas também como um direito à vida e, portanto, sob a
proteção de uma norma de eficácia plena.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, foi
instituído sob a égide do artigo 227 da Constituição Federal, adotando a chamada “Doutrina
da Proteção Integral”, portanto assegura que as crianças e adolescentes gozam de todos os
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que
trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social,
em condições de liberdade e de dignidade (art. 3º, ECA).
O Estatuto em seu artigo 4º estabelece os direitos fundamentais das crianças e
adolescentes e traz quem tem o dever de assegurá-los:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a
proteção à infância e à juventude.
E a ação ou omissão que atente contra qualquer um dos direitos fundamentais das
crianças e adolescentes, acima elencados, entre eles o direito à educação, será punido na
forma da lei.13
Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente considera a educação como direito
fundamental, que quando não assegurado às crianças e adolescentes, por ação ou omissão do
Poder Público ou da família, pode ser exigido judicialmente, pois fere a dignidade humana
destas crianças que estão em processo de desenvolvimento.
No que se refere especificamente à educação, o artigo 54 do ECA, determina os
deveres do Estado quanto a educação da criança e do adolescente:
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não
tiveram acesso na idade própria;
13
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos
seus direitos fundamentais. (ECA)
75
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente
trabalhador;
VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta
irregular importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental,
fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela freqüência à escola.
No mais, que mais um documento legal reproduz as mesmas normas básicas da
educação contidas na CF/88, considerando o ensino fundamental direito público subjetivo, ou
seja, que pode ser pleiteado judicialmente quando não for ofertado ou quando ofertado
irregularmente.
Assim, estes direitos nos “moldes da tradição constitucionalista da República de
Weimar”14
se traduz na compreensão das normas constitucionais brasileiras sobre o tema
educacional como “passíveis de controle e garantia judiciais imediatos, não havendo espaço
para argumentos de que sua efetivação depende da conveniência política” (ARNESEN, 2009,
p. 154).
A educação é Direito Fundamental garantido pela Constituição Federal e, também,
Direito da personalidade, pois é visto como um direito da pessoa “ser”. Com efeito, os direitos
fundamentais são inalienáveis, imprescritíveis e permanentes, inerentes ao próprio ser
humano e, portanto, anteriores à própria formação do Estado.
2.2 O direito à qualidade da educação
A Constituição Federal de 1988, como já vimos, determina que o ensino deve ser
ministrado com base nos padrões de qualidade, reconhecendo este como um de seus
princípios (art. 206), porém não há definição clara e objetiva do que é “qualidade” na
educação formal.
14
República de Weimar é o nome pelo qual é conhecida a república estabelecida na Alemanha após a Primeira
Guerra Mundial, vigente de 1919 a 1933, tendo como sistema de governo uma democracia representativa semi-
presidencial.
76
No seu artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases também estipula os princípios sob os
quais será ministrado o ensino, compreendendo também a garantia de padrão de qualidade:
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a
arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos
sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extraescolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
Já o artigo 4º da LDB determina que o dever do Estado com a educação escolar
pública será efetivado mediante a garantia de padrões mínimos de qualidade de ensino,
definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao
desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.15
O que percebemos é que não há uma definição do que compõe o padrão de qualidade
da educação brasileira, especialmente do ensino fundamental, porém é importante destacar
que hoje a Lei 13.005/2014, novo PNE, está previamente definindo a questão da qualidade
baseada nos insumos (CAQUi), o que é uma grande iniciativa.
Há a garantia do direito à educação em todos os documentos legais que versam sobre
o tema, mas somente “assegurar o direito à educação não se encerra em garantir a todos
igualdade de condições de acesso e permanência e à gratuidade do ensino público, é preciso
que o ensino tenha “padrão de qualidade””. Padrão este que também já consta em nossas
normas legais, mas a “incorporação do princípio constitucional de qualidade de ensino, a
partir da CF/88 não foi suficiente para que se estabelecesse uma forma de proteção junto ao
Poder Judiciário, sendo necessário à construção de indicadores de qualidade, passíveis de
serem exigidos judicialmente” (SILVEIRA, 2009, p. 127).
Assim, apesar da dificuldade para determinar o termo “qualidade da educação” é
importante iniciar a discussão sobre o direito a esta qualidade, especialmente constatando-o
ser um direito humano e um direito fundamental.
Historicamente, como visto, nota-se que este direito foi proclamado expressamente a
partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem – DUDH, em 1948, tendo sido
15
LDB, art. 4º, inciso IX.
77
reafirmado em muitas ocasiões; entretanto vários são os instrumentos internacionais que
silenciam quanto à dimensão qualitativa do aprendizado, sendo o mais recente deles, a
Declaração das Nações Unidas para o Milênio, adotada em 2000, que afirma que até 2015
todas as crianças deverão concluir todo o ensino primário, mas não faz referência específica à
qualidade desse ensino.
Como já dito, o direito brasileiro é signatário de grande parte dos tratados e acordos
internacionais, tanto que a educação é considerada como um princípio jurídico e é
amplamente reconhecida como um direito fundamental, tendo sido consagrada pela
Constituição Federal de 1988. No entanto, a Carta Magna brasileira, diferentemente da
maioria dos instrumentos internacionais, faz menção expressa à importância da qualidade da
educação tratando esta como um direito público subjetivo, conforme denota o inciso VII, do
artigo 206 da Constituição Federal, ou seja, a Carta Magna garante o direito à educação com
“padrão de qualidade” para todos.
Até a presente data ainda não foi regulamentado o “padrão de qualidade” da educação,
não havendo bases normativas para defini-los, assim dificultando sua exigibilidade jurídica.
No entanto, acreditamos que é possível exigi-lo a partir da premissa posta no artigo
208, parágrafo segundo que define que a oferta irregular do ensino obrigatório pelo Poder
Público importa em responsabilidade da autoridade competente.
Oferta segundo Ferreira (2001, p. 339) significa “ato de oferecer; oferecimento” e
irregular significa “não regular; anormal; inconstante; contrário à lei ou à justiça”. Portanto,
tem-se que a oferta irregular do ensino fundamental pode ser caracterizada como a ausência
ou deficiência na qualidade do ensino.
De tal modo, que o parágrafo segundo do artigo 208 da Carta Magna responsabiliza
civilmente o Estado por sua omissão ou sua negligência, assegurando aquele que foi
prejudicado, por força do parágrafo primeiro do mesmo artigo, o direito público subjetivo de
exigir dos Poderes Públicos a prestação a que estavam obrigados a cumprir.
No caso da qualidade da educação, mais especificamente do ensino fundamental, a
Constituição Federal, além do art. 206, inciso VII, consagra também no artigo 211, parágrafo
primeiro que caberá à União organizar o sistema federal de ensino e o dos Territórios,
financiar as instituições de ensino públicas federais e exercer, em matéria educacional, função
redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e
padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios.
Quanto à questão da luta pela qualidade da educação e a responsabilidade do Estado
78
em promovê-la, Freire salienta que nunca se deve deixar de lutar e exigir do Estado a
prestação de uma educação com qualidade:
O ser humano jamais para de educar- se. Numa certa prática educativa não
necessariamente a de escolarização, de certo bastante recente na história, como a
entendemos.
Daí que se possa observar facilmente quão violenta é a política da Cidade, como
Estado, que interdita ou limita ou minimiza o direito das gentes, restringindo-lhes a
cidadania ao negar educação para todos. Daí também, o equívoco em que tombam
grupos populares, sobretudo no Terceiro Mundo quando, no uso de seu direito mas,
indo além dele, criando suas escolas, possibilitam às vezes que o Estado deixe de
cumprir seu dever de oferecer educação de qualidade e em quantidade ao povo. Quer dizer, em face da omissão criminosa do Estado, as comunidades populares
criam suas escolas, instalam-nas com um mínimo de material necessário, contratam
suas professoras quase sempre pouco cientificamente formadas e conseguem que o
Estado lhes repasse algumas verbas. A situação se torna cômoda para o Estado.
Criando ou não suas escolas comunitárias, os Movimentos Populares teriam de
continuar, de melhorar, de enfatizar sua luta política para pressionar o Estado no
sentido de cumprir o seu dever. Jamais deixá-la em sossego, jamais eximi-lo de sua
tarefa pedagógica, jamais permitir que suas classes dominantes durmam em paz. Sua
bandeira de luta, a dos Movimentos Populares, deve ser alçada noite e dia, dia e
noite, em favor da escola, que sendo pública, deve ser democrática, à altura da
demanda social que dela se fará e em busca sempre da melhoria de sua qualidade.
Este é também um direito e um dever dos cidadãos do Primeiro Mundo: o de se
baterem por uma escola mais democrática, menos elitista, menos discriminatória.
Por uma escola em que as crianças do Terceiro Mundo do Primeiro não sejam
tratadas como gente de um mundo estranho e demasiado exótico. (FREIRE, 2001, p.
03, grifo nosso)
Desta forma, o debate sobre a questão do direito à qualidade da educação não é novo,
o tema, aliado, sobretudo a busca pelo acesso e o fluxo da educação escolar formal, mesmo
sendo abordado muitas vezes de forma marginal, sempre esteve presente na literatura
educacional. Entretanto, na última década passou a ser mais discutido, tornando-se, até
mesmo, um “jargão” popular utilizado pela sociedade em geral e carregado de significados
negativos, onde não há uma contextualização histórica do desenvolvimento da educação
brasileira e, portanto, uma desconsideração (ou esquecimento) das mudanças ocorridas neste
campo, por isso, passamos à análise da qualidade do ensino fundamental.
79
3 QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL PÚBLICO: INSUMOS,
PROCESSOS E RESULTADOS
“Sou professor contra a ordem capitalista vigente
que inventou essa aberração: a miséria na fartura.”
(FREIRE, 1997, p. 115)
É inegável que o Brasil passou por um processo de melhoria no acesso e na
permanência dos alunos na escola, especialmente na educação básica – o que não significa
que este problema esteja completamente resolvido – e, foi esse processo que suscitou uma
maior relevância para a questão da qualidade, nos termos hoje propostos. Isto porque,
historicamente pode-se considerar que o ingresso na escola para parte da sociedade, que
durante muito tempo foi excluída da mesma, também significou melhoria na educação
promovida.
Neste sentido, Beisegel destaca que para quem não possuía acesso à educação, tê-la
mesmo que com má qualidade é uma melhoria:
Para quem não tinha acesso à educação escolar, mesmo este ensino de má qualidade
representa uma indiscutível melhoria, isso não significa, obviamente, que as
evidentes deficiências da escola pública sejam aceitáveis. É preciso melhorar as
condições de funcionamento da escola. Mas as avaliações da qualidade da escola
pública não podem ignorar as transformações qualitativas introduzidas no ensino
como consequência do processo de sua extensão às classes populares (BEISEGEL,
1999, p. 38).
Don Adams (1993) afirma que essa discussão sobre qualidade na esfera internacional
marcou os anos 1980 e 1990, sob o viés das políticas que passaram a exigir maior
escolaridade como definição de qualidade visando substituir a atenção anteriormente dada à
expansão educacional e ao acesso à escola.
Assim, o que ocorreu com a conceituação de qualidade, segundo Cury (2010, p. 19) é
o que “a literatura que tem por base o pensamento marxista, especialmente em textos de
ampla divulgação, costuma-se apontar como uma lei da dialética a passagem da quantidade
para a qualidade”.
P. Oliveira (2006) afirma que apesar de se encontrar na literatura uma interpretação
bastante crítica desse processo de expansão do ensino, que enfatiza o que não se alcançou, e
80
diminui a importância do que se conseguiu, deve-se atentar para o que foi alcançado. Opta-se,
assim como o autor, a chamar a atenção para o que se conseguiu.
Paro (1998) discutindo a questão da gestão ante as exigências de qualidade e
produtividade da escola pública, destaca que é preciso que se entenda o que é educação de
qualidade e é este o viés do debate proposto para este capítulo, compreender a função de
escola envolvida nesta problemática partindo da discussão das visões civil democrática e
produtivista. E após esta definição, problematizar a questão da qualidade da educação
discutida por professores, pais, educadores, políticos, sociólogos, imprensa e sociedade em
geral a partir da análise histórica que compreende determinadas questões educacionais e
identifica a procedência de alguns problemas.
Desta forma, a qualidade educacional que hoje se discute, permeia a educação escolar
formal, a aprendizagem mais efetiva, que envolve, inclusive, relações sociais amplas, “pois se
trata igualmente de um problema social e não apenas pedagógico” (CABRAL, 2008, p. 108).
Isto porque, ter mais clareza dos termos que envolvem “qualidade da educação”
facilitaria a busca por parâmetros mínimos nacionais de qualidade, bem como pela possível
exigência jurídica deste direito.
3.1 Concepção de função social da escola
A análise da concepção de função da escola parte inicialmente de uma apreciação da
concepção de homem e também de sociedade, isto porque quando se pensa na ação educativa
deve-se primeiramente refletir sobre o homem e seu meio de vida.
Nesta pesquisa utilizamo-nos das concepções de Paulo Freire, pois encontramos nelas
uma posição coerente para explicar o ponto de partida de nosso entendimento do conceito de
educação e de qualidade educacional, uma vez que como nos propomos a fazer uma análise
histórica das questões educacionais que envolvem este termo e concebemos nela a
possibilidade de identificar a origem de alguns problemas, acreditamos que o fato de Freire
sempre ter refletido sobre o homem, sua relação com o outro e com o seu meio de vida,
partindo do processo de humanização das relações sociais, se adeque a função final do nosso
objeto de pesquisa.
Assim, Freire não traz de forma sistemática em suas obras sua visão de mundo que
reflete obviamente em sua visão de homem e sociedade; na verdade, segundo Calado (2001,
81
p. 17) “o polo “mundo” nele aparece revestido de uma pluralidade de sentidos, ora traduzindo
aspectos da materialidade da natureza, ora implicando uma rede de relações sociais”, mas
podemos considerar que implicitamente em seu discurso há o entendimento de “mundo” em
“seu sentido de realidade social, espaço histórico e, portanto, contraditório, mutável. É o
mundo da opressão de classe e de múltiplas contradições” (CALADO, 2001, p. 18), desta
forma para Freire a concepção de mundo é permeada pelas dimensões ontológica, econômica,
política e pedagógica, consideradas em suas estruturas concretas, onde o homem deve
aprender a conviver com pluralidade.
Neste sentido, Freire acredita em uma concepção de homem que se volte a esta
concepção de mundo por meio da natureza relacional do ser humano, sendo o homem o
verdadeiro criador da história e da cultura, passíveis de conviver com a pluralidade, portanto,
o homem é um ser da práxis que provém desta concepção de mundo para transformá-la.
E é a forma com que o sujeito percebe e interpreta a sua realidade que determina sua
relação com o mundo e com a pluralidade de significações decorrentes dele.
Esta concepção de homem exposta por Freire traz ainda o traço de inconclusão ou de
inacabamento do ser humano, pois para ele "mulheres e homens se tornaram educáveis na
medida em que se reconheceram inacabados. Não foi a educação que fez homens e mulheres
educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade"(FREIRE,
2004, p. 58).
De acordo com Calado a concepção de homem em Paulo Freire permeia o ser humano
historicamente situado no mundo e com o mundo, um ser de relações, inacabado,
impulsionado por sua curiosidade para ser mais:
Em Paulo Freire, o ser humano historicamente situado (no mundo e com o mundo),
ao se apresentar como ser de relações, mostra-se perfectível, inacabado, em
permanente devir. Impulsionado pela sua curiosidade, como caminheiro em busca de
novas paisagens, vocacionado a ser mais. Graças ao seu potencial criativo, crítico-
propositivo, exercitado pelo trabalho transformador de si, do mundo e da história,
em direção aos utópicos rumos da Liberdade, também cuida de tornar o seu
cotidiano um mostruário do seu projeto, empenhando-se em que suas práticas sejam
capazes de sinalizar o tipo de sociedade e de mundo que se acham comprometidos
em construir. Eis aqui explícita sua inquietação de caráter ético, na medida em que
trata de estabelecer critérios de conduta e de ação capazes de articular
adequadamente seu pensar, seu sentir e seu agir. (CALADO, 2001, p. 24)
O ser humano nasceu para aprender, para ser crítico e livre, segundo Paulo Freire em
suas primeiras palavras no livro “Política e Educação”:
82
Consciência e mundo não podem ser entendidos separadamente,
dicotomizadamente, mas em suas relações contraditórias. Nem a consciência é a
fazedora arbitrária do mundo, da objetividade, nem dele puro reflexo.
A importância do papel interferente da subjetividade na História coloca, de modo
especial, a importância do papel da educação.
Se os seres humanos fossem puramente determinados e não seres “programados para
aprender” não haveria por que, na prática educativa, apelarmos para a capacidade
crítica do educando. Não havia por que falar em educação para a decisão, para a
libertação. Mas, por outro lado, não havia também por que pensar nos educadores e
nas educadoras como sujeitos. Não seriam sujeitos, nem educadores, nem
educandos, como não posso considerar Jim e Andra, meu casal de cães pastores
alemães, sujeitos da prática em que adestram seus filhotes, nem a seus filhotes
objetos daquela prática. Lhes falta a decisão, a faculdade de, em face de modelos,
romper com um, optar por outro. (FREIRE, 2001, p. 02)
Portanto, o que percebemos é que a concepção de homem e de mundo de Freire se
coaduna com a definição de educação que trazemos no segundo capítulo deste trabalho e
baseia-se no que ele acredita por sociedade e o qual defendemos como algo também
inacabado e em construção:
Ao falar de projeto global da sociedade, não faço como se estivesse tomando-o
como uma ideia abstrata, um desenho arbitrário, algo acabado na imaginação de uma
liderança. Refiro-me, sim, a um certo número de metas, solidárias entre elas e
coerentes com um certo objetivo no campo da organização econômica e social”
(FREIRE, 1978, pp. 121-122).
Assim, a obra de Paulo Freire contribui através de sua concepção educacional para a
problematização da qualidade da educação nos dias de hoje, quando faz pensar na educação e
na função da escola envolvida neste processo:
Todo o trabalho de Paulo Freire se fundara no absoluto respeito à pessoa humana e
por isso mesmo nunca admitira a diminuição do homem, uma diminuição implícita
em sua massificação. Pela mesma razão não admita a incultação. O fundamental era
educar para a opção livre, jamais doutrinar.
[...]
Acreditava que era possível mudar a sociedade mediante a conversão interior dos
homens, para que depois pudessem optar livremente pela atuação política eu lhes
parece melhor. (BEISEGEL, 2008, p. 321-322)
A função social de escola que defendemos é a de permitir aos educandos a liberdade
de pensamento e que este possa ser crítico.
Atualmente, há uma discussão entre políticos, professores, gestores públicos,
educandos, entre outros, sobre a concepção de escola, ou seja, sobre os fins da educação que
promovemos e, esta finalidade da escola, que nada mais é do que sua função social, tem
grande relevância para a visão de qualidade proposta nesta pesquisa, visto que sem ela torna-
se impossível sopesar as nuances que permeiam o tema e a discussão central do trabalho.
83
Este debate sobre a função da escola invoca duas visões muito diferentes: a
produtivista e a civil democrática. Singer traz a divergência conceitual que permeia as duas
concepções:
De um lado, a posição produtivista propõe reformas que são consistentes com a
concepção liberal da sociedade. Do outro, a posição civil democrática clama pela
preservação da escola pública em nome do direito universal à educação e enfatiza a
necessidade de restaurar a base material indispensável para que a escola possa
cumprir sua missão. (SINGER, 1996, p. 08)
A primeira enfatiza que a função da escola é preparar os sujeitos para ingressar no
mercado de trabalho da melhor forma possível, considerando-o um capital humano, uma força
produtiva que se utiliza do processo educativo para o seu desenvolvimento:
[...] concebe a educação sobretudo escolar como preparação dos indivíduos para o
ingresso, da melhor forma possível, na divisão social do trabalho. Não custa repetir
que também a visão produtivista não despreza outros propósitos do processo
educacional, mas enfatiza o que é chamado pelos economistas de acumulação de
capital humano. Cada indivíduo é encarado como tendo capacidade produtiva
potencial, cujo desenvolvimento exige esforço tanto do próprio como de seus
instrutores e familiares. Esse esforço se traduz num custo, que pode ser formulado
em termos pecuniários e representa o valor do capital humano de que dispõe cada
indivíduo. (SINGER, 1996, p. 06)
Desta forma, a posição produtivista acredita que “o bem-estar de todos é o resultante
da soma dos ganhos individuais” (SINGER, 1996, p. 06), em outras palavras a função da
escola é a de promover o aumento da produtividade, pois assim se aumenta o produto social e
se elimina a pobreza.
Neste sentido, Singer esclarece que
O que fundamenta esse tipo de proposta é a ideia de que a competição em mercado é
o melhor meio para promover a eficiência, ou seja, a combinação de qualidade com
baixo custo, com pleno respeito à liberdade de opção de cada indivíduo. (SINGER,
1996, p. 07)
A segunda visão, civil democrática, conforme Singer pensa a educação escolar como
um processo de formação cidadão, voltada para o exercício dos seus direitos e obrigações:
[...] encara a educação em geral e a escolar em particular como processo de
formação cidadã, tendo em vista o exercício de direitos e obrigações típicos da
democracia. Essa visão da educação centra-se no educando e em particular no
educando das classes desprivilegiadas ou não-proprietárias. (SINGER, 1996, p. 06)
84
Esta corrente acredita que a educação deve ter como função precípua a autonomia do
educando:
O laço que une os procederes educativos é o respeito e a preocupação pela
autonomia do educando, portanto, pela autoformação de sua consciência e pela sua
gradativa capacitação para se libertar da tutela do educador e poder prosseguir,
sozinho ou em companhia de seus pares, sua autoeducação. (SINGER, 1996, p. 08)
As duas correntes apesar de antagônicas propõem que por meio da educação é possível
melhorar a sociedade, porém as concepções de homem e de sociedade expressas pelas duas
visões são muito diversas e caminham em direções educacionais opostas. Assim, há um
antagonismo quando as analisamos em seus modelos puros, ou seja, a combinação das
concepções civil democrática e produtivista quando analisadas por si só, sem nenhuma outra
vinculação não conversam com o conteúdo do artigo 205 da Constituição Federal, porém
quando articuladas com as dimensões da concepção humana podemos aproximá-las para que
se tornem derivadas.
Isto porque, o liame entre as duas teorias encontra-se no trabalho, na formação, pois a
classe trabalhadora precisa ter qualificação para o trabalho e não somente preparação para o
trabalho.
Para este trabalho defendemos que a função social da escola deve partir da visão civil
democrática, com base em nossa concepção de mundo, de homem e de sociedade,
especialmente na busca pela autonomia do educando e pela escola que se adapte ao mesmo e
não vice-versa.
Assim, o papel de escola que adotamos neste trabalho é o da escola que propicia “a
inclusão social e a consciência cidadã, que assegure as condições de enfrentamento aos
desafios do mundo contemporâneo” (DI GIORGI; LEITE; RODRIGUES, 2005, p. 35).
Desta forma, esta opção teórica se dá devido à importância que colocamos no debate
educacional e na finalidade da escola que deve ser voltada ao diálogo, a conscientização do
ser humano, a busca pela liberdade, a manutenção de sua esperança, tal como considerava
Paulo Freire.
Isto porque, para Paulo Freire a educação deveria partir da realidade de seus
educandos, contextualizava-se com eles, o educador aprendia enquanto educava, havia uma
troca entre educador e educando. E esta premissa era estendida a toda sua compreensão de
educação.
85
Se percebemos a alfabetização numa tal perspectiva, compreendemos como jamais
pode ser ela sequer pensada isoladamente ou reduzida a um conjunto de técnicas e
de métodos. Isto não significa que métodos e técnicas não sejam importantes.
Significa que aqueles e estas estão a serviço de objetivos contidos no projeto cultural
que, por sua vez, se encontra envolvido e envolvendo os objetivos políticos e
econômicos do modelo de sociedade a ser concretizado. Dai a ênfase que sempre
demos nos seminários de capacitação, não aos métodos e às técnicas – mesmo sem
desprezá-los – mas à clareza política dos educadores. (FREIRE, 1978, P. 89)
Assim, “a prática educativa, reconhecendo-se como prática política, se recusa a deixar
se aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos escolarizantes. Lidando com o
processo de conhecer, a prática educativa é tão interessada em possibilitar o ensino de
conteúdos às pessoas quanto em sua conscientização.” (FREIRE, 2001, p. 09)
Para Gadotti (apud FREIRE, 2001, p. 01), no prefácio da obra “Educação e Mudança”,
que marca a volta do educador ao Brasil após quinze anos de exílio, “ao lado da
conscientização, a mudança é um “tema gerador” da prática teórica de Paulo Freire”, e
continua ponderando o que Freire busca com este tema gerador: “A mudança de uma
sociedade de oprimidos para uma sociedade de iguais e o papel da educação – da
conscientização – nesse processo de mudança é a preocupação básica da pedagogia de Paulo
Freire”. (GADOTTI apud FREIRE, 2001, p. 01)
Nesta obra Gadotti (apud FREIRE, 2001, p. 01) questiona: “Pode a educação operar a
mudança? Que mudança?” E responde tendo por base as concepções educacionais de Paulo
Freire:
Paulo Freire combate a concepção ingênua da pedagogia que se crê motor ou
alavanca da transformação social e política. Combate igualmente a concepção
oposta, o pessimismo sociológico que consiste em dizer que a educação reproduz
mecanicamente a sociedade. Nesse terreno em que ele analisa as possibilidades e as
limitações da educação, nasce um pensamento pedagógico que leva o educador e
todo profissional a se engajar social e politicamente, a perceber as possibilidades da
ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas opressivas da
sociedade classista. Acrescente-se, porém que embora ele não separe o ato
pedagógico do ato político, nem tampouco ele os confunde. Evitando querelas
políticas ele tenta aprofundar e compreender o pedagógico da ação política e o
político da ação pedagógica, reconhecendo que a educação é essencialmente um ato
de conhecimento e de conscientização e que, por si só, não leva uma sociedade a se
libertar da opressão.
Freire (1996) argumenta que as práticas pedagógicas devem primar pela observação da
cultura dos alunos para, a partir dela, inferir significados ao aprendizado, e, consequentemente
a avaliação dos mesmos, sendo, portanto contrário à educação bancária onde o aluno é tido
como um depósito de conceitos que em nada o modificam.
86
Precisamos contribuir para criar a escola que é aventura, que marcha, que não tem
medo do risco, por isso que recusa o imobilismo. A escola em que se pensa, em que
se cria, em que se fala, em que se adivinha, a escola que apaixonadamente diz sim a
vida. (FREIRE, 1996, p. 57)
Por fim, assim como Paulo Freire (2007, p. 78) acreditamos que "a leitura do mundo
precede sempre a leitura da palavra, e é esta leitura do mundo que nos conscientiza e nos
torna seres políticos".
Este debate educacional entre a corrente produtivista e a civil democrática tem
reflexos na concepção de qualidade que ambas as correntes defendem e no que vem sendo
implantado nas escolas públicas brasileiras, como analisaremos a seguir.
3.2 Qualidade na educação
A educação em geral tem trazido nos últimos anos, com a evolução da tecnologia, com
a globalização e com a perspectiva de novas formas sociais e familiares, grandes desafios aos
educadores e à sociedade em geral, porém, hoje, diante destes paradigmas, o maior deles
corresponde à qualidade do ensino, especialmente do ensino público básico.
O debate sobre a questão da qualidade não é novo, o tema, aliado ao acesso e ao fluxo
da educação escolar formal, mesmo sendo abordado muitas vezes de forma marginal, sempre
esteve presente na literatura educacional.
O conceito de qualidade é extremamente subjetivo e abrange diversas possibilidades,
sendo muito difícil de ser determinado:
É muito difícil, mesmo entre os especialistas chegar-se a uma noção do que seja
qualidade de ensino [...] provavelmente, essa questão terá múltiplas respostas,
seguindo valores, experiências e posição social dos sujeitos. Uma das formas para se
apreender essas nossos de qualidade é buscar indicadores utilizados socialmente
para aferi-la. Nessa perspectiva, a tensão entre qualidade e quantidade (acesso) tem
sido o condicionador último da qualidade possível, ou, de outra forma, a quantidade
(de escola) determina a qualidade (de educação) que se queira. (OLIVEIRA;
ARAÚJO, 2005, p. 12)
Furtado destaca a divergência acadêmica sobre a definição de qualidade e a
necessidade de se discutir a temática, afirmando que
Se todos os setores da sociedade concordam com a ideia de que a educação deve ter
qualidade, uma noção mais precisa do que seria essa qualidade do ensino parece
87
perdida em uma cacofonia dentro da qual as vozes do debate destoam e tecem suas
próprias concepções de qualidade no setor. (FURTADO, 2009, p. 159)
Assim, estar-se-ia longe de uma unanimidade quanto à definição da qualidade da
educação, entretanto este tema desperta o interesse de várias áreas do saber, tanto que o tema,
segundo Furtado, apesar da grande divergência conceitual gera também uma imensa aceitação
de sua ideia geral:
A noção de qualidade do ensino é um daqueles conceitos que gera para si
concordância imediata de todos assim que é enunciado, mas que causa grande
divergência assim que a mera aceitação da ideia geral é substituída por uma análise
mais minuciosa sobre o conteúdo abarcado pela noção.
Ora qualidade parece não ir além de um certo consenso difuso, dentro do qual há o
enaltecimento do ensino oferecido pelas escolas privadas, notadamente na esfera de
educação básica e a concomitante “estigmatização” do ensino público como o
âmbito da falta de qualidade; ora qualidade parece excessivamente vinculada à ideia
de avaliação, como se avaliação por si só fosse sinônimo de qualidade; ora o ensino
de qualidade parece ser aquele que dá conta de formar o aluno dentro de certa
concepção de educação ou mais instrumental (passar no vestibular, por exemplo) ou
mais humanística, entre outras inúmeras possibilidades de se entender qualidade do
ensino. (FURTADO, 2009, p. 169)
Dourado e Oliveira (2009, p. 202) esclarecem esta dificuldade semântica da definição
de qualidade educacional, afirmando:
Compreende-se então a qualidade com base em uma perspectiva polissêmica, em
que a concepção de mundo, de sociedade e de educação evidencia e define os
elementos para qualificar, avaliar e precisar a natureza, as propriedades e os
atributos desejáveis de um processo educativo de qualidade social. De outro lado, o
texto ressalta que as finalidades educativas e, portanto, o alcance do que se almeja
como qualidade da educação se vinculam aos diferentes espaços, atores e processos
formativos, em seus diferentes níveis, ciclos e modalidades educativas, bem como à
trajetória histórico-cultural e ao projeto de nação que, ao estabelecer diretrizes e
bases para o seu sistema educacional, indica o horizonte jurídico normativo em que
a educação se efetiva ou não como direito social.
Para compreendermos o que se considera como educação de qualidade nos termos
atuais é necessário que possamos contextualizar a discussão proposta, tendo em vista que para
muitos a escola de hoje perdeu sua qualidade ou que a escola vive uma crise. A sociedade
como um todo, assim como a escola passa por uma crise e está tentando encontrar seus novos
significados, porém é necessário entender esta afirmação a partir da perspectiva popular e
democrática, da conscientização da exclusão escolar da grande massa popular da escola e da
busca pelo acesso e expansão do ensino decorrentes das últimas décadas, lembrando que esta
inclusão ainda não é universal.
88
Ou seja, a justificativa de perda de qualidade é errônea, pois na realidade a escola
passou a atender nas últimas décadas um público não fazia parte da realidade escolar, dos
bancos escolares:
[...] não se pode falar de perda da qualidade quando a escolarização se estendeu aos
setores mais amplos da população. A escola mudou radicalmente porque mudou a
população que a frequenta, tornou-se local de encontro de todos os setores da
sociedade e campo de repercussão de todas as tensões que conturbam a vida coletiva
moderna. (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 315)
Neste sentido, Romualdo Portela de Oliveira coloca que o conceito de qualidade foi
construído juntamente com os diferentes momentos educacionais que o país viveu, pois em
um primeiro momento qualidade era ter acesso à escola; após qualidade era a progressão dos
alunos dentro de um determinado sistema de ensino, sem evasão (progressão continuada); e
em seguida, mais recentemente, qualidade é o quão bem os alunos e escolas se saem nas
avaliações externas, padronizadas:
De um ponto de vista histórico, na educação brasileira, três significados distintos
de qualidade foram construídos e circularam simbólica e concretamente na
sociedade, ainda que presentes nos diferentes momentos, um se sobressai e pauta o
debate e a política educacional. Um primeiro, condicionado pela oferta limitada
de oportunidades de escolarização; um segundo, relacionado à ideia de fluxo,
definido como número de alunos que progridem ou não dentro de determinado
sistema de ensino; e, finalmente, a ideia de qualidade associada à aferição de
desempenho mediante testes em larga escala. (OLIVEIRA, 2006, p. 83, grifo
nosso)
Isto porque, historicamente percebemos que desde “as primeiras iniciativas de
educação em nosso país, implementadas pelos colonizadores portugueses” e que “ocorreram
durante o período colonial e tiveram seu início com os primeiros padres jesuítas”, houve a
limitação à alfabetização (ler e escrever) e com o passar do tempo, a educação passou a ser
voltada apenas para atender as elites do Brasil Colônia (DI GIORGI; LEITE, 2010, pp. 305-
307).
Mais tarde no Brasil Império “o país começa a reconhecer a importância da educação
escolar”, passando a educação elementar a ficar sob a responsabilidade das províncias, que
possuíam menos recursos financeiros, e a educação superior, voltada para as elites, era de
competência do Governo Central (DI GIORGI; LEITE, 2010, pp. 305-307). Segundo estes
autores “a educação do povo não era sentida como necessidade significativa para a estrutura
social e econômica da época e, por isso, foi implantada de forma muito desigual no conjunto
do país” (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 307).
89
Quando o Brasil se tornou uma República poucas mudanças na área educacional
puderam ser sentidas:
A Constituição de 1891 preservou a orientação contida no Ato Adicional de 1834,
atribuindo aos Estados o desenvolvimento da instrução popular, seguindo o
princípio do federalismo, na nova organização republicana. Ao Governo Federal
cabia promover, no país, o desenvolvimento das letras, artes e ciências e criar
instituições de ensino superior e secundário nos Estados. (DI GIORGI; LEITE,
2010, p. 309)
As discussões sobre educação somente voltaram a ser pauta central com a I Guerra
Mundial e suas devastadoras consequências. Assim, Di Giogi e Leite (2010, p. 310) destacam
que “passa-se a atribuir à precária situação do ensino a responsabilidade por todos os
problemas, iniciando-se uma campanha contra o analfabetismo da população e intensificando-
se o movimento em favor da educação popular”.
Assim, neste período há a expansão do ensino popular decorrente da ideia da classe
dominante de que “ensino seria uma forma de controlar a população a favor dos interesses do
capital” (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 310). Na Era Vargas houve a expansão do ensino por
meio da “difusão do ensino técnico-profissional como meio de preparação de mão de obra
qualificada para a indústria e o comércio” (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 311). Portanto, resta
claro que a expansão da educação ocorreu com o intuito de fortalecer as ideias do Estado
Novo e produzir mão de obra para indústria e campo, necessárias para o desenvolvimento do
país.
O que se percebe, portanto, é que este período houve a expansão da escolaridade:
Passa-se a vivenciar uma política do ensino fundamental decorrente da pressão pela
expansão da escolaridade em curso, desde os anos 1930. Essa política, nesse
momento, também se encontra em sintonia com as demandas de uma sociedade em
processo de grandes mudanças em seu perfil socioeconômico. O fortalecimento das
camadas médias e do proletariado nos centros urbanos, o início do processo de
industrialização e o crescimento de um setor de serviços apontam para um modelo
que espera da educação um novo papel. (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 313)
Após a ditadura militar, com a eleição de Tancredo Neves e o retorno do Estado
Democrático, com a aprovação da Constituição Federal de 1988 houve a valorização da
soberania popular e da cidadania. E a ampliação do ensino volta a crescer:
Os indicadores sobre a expansão da oferta de ensino revelam finalmente grandes
avanços no país. De 1991 a 1998, a taxa de escolarização líquida da população de 7
a 14 anos saltou de 86% para 95,3%. Assim, do ponto de vista do desenvolvimento
econômico e do capital, foi preciso ampliar oportunidades educacionais, mesmo que
90
não significassem verdadeiramente um ensino de qualidade; porém, o fato concreto
é que, pela primeira vez na história do Brasil, praticamente a totalidade da população
passa a ser atendida na escola. (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 315)
O que percebemos é que durante muitos anos buscou-se o acesso à escola formal, pois
a população em geral estava afastada da mesma. E este acesso à educação nesta época era
uma forma de qualidade educacional, visto que ela era inexistente até aquele momento para
aquela população.
Assim, houve uma melhora na expansão da escola na maioria dos níveis de ensino,
ampliando as oportunidades educacionais.
Após, o desafio constituiu-se na manutenção destes educandos nas instituições
escolares formais, pois estas não estavam preparadas para receber a presença maciça de
jovens e crianças provindas das classes populares, já que haviam sido pensadas e organizadas
apenas para atender as elites, o que culminou em inúmeras políticas públicas voltadas para
evitar a evasão escolar.
Segundo Patto (1990, p. 23) “com a ampliação do acesso é que vai se observar com
crescente preocupação os processos de “produção do fracasso escolar” e a extensão da
chamada “pedagogia da repetência””. Neste período surgem as políticas que proíbem a
reprovação em determinadas etapas da aprendizagem: as políticas de ciclos de aprendizagem.
Estas políticas de ciclos de aprendizagem têm como premissa a regularização do fluxo
escolar. De acordo com Oliveira (2006, p. 45) uma das críticas que tem sido levantada contra
este processo é que “tal “regularização” do fluxo estaria ocorrendo em detrimento da
qualidade de ensino”, ou seja, o que está se observando aqui é que um dos “tradicionais
mecanismos de exclusão da escola, reprovação seguida de evasão, está sendo minimizado”.
Assim, a qualidade neste momento era a manutenção dos alunos no sistema de ensino
de forma progressiva. A questão da evasão escolar ainda hoje é um problema educacional,
porém de menores proporções do que no período analisado e, para contextualizar esta questão,
destacamos um projeto atual que visa à diminuição da evasão escolar gaúcha16
, do CAO da
Infância e da Juventude do Ministério Público do Rio Grande do Sul que tem como objetivo
“agir em promoção da educação infantil e do ensino fundamental e, para tanto, participar das
ações do Movimento O Direito É Aprender, combater a evasão escolar, fomentando e
divulgando a FICAI - Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente e reforçar a consciência e
a responsabilidade dos pais”(CAO-IJ/RS)
16
Projeto Garantia do Direito à Educação Escolar.
91
Este projeto tem como subsídio dez pontos de conteúdo programático capazes de
pautar as mais diversas iniciativas e que são os seguintes:
1) Educação é um Direito;
2) Educação começa em casa;
3) Direito à Educação não é só vaga na escola;
4) Só haverá educação de qualidade para todos quando todos forem pela qualidade
da educação;
5) Os programas e as estruturas de atendimento previstas no Estatuto da Criança e
do Adolescente devem funcionar como satélites da Escola;
6) O Educador, como agente prioritário do processo educativo, deve ser valorizado,
com a recuperação de sua autoestima e pela remuneração condigna;
7) Melhorar a educação é sinônimo de melhorar a atuação da escola;
8) A escola só é boa quando a criança aprende;
9) Toda criança é capaz de aprender;
10) Mudar a educação é tarefa de todos. (CAO-IJ/RS)
O intuito do projeto é realmente buscar minimizar a evasão, especialmente no ensino
fundamental, no Estado do Rio Grande do Sul através de uma parceria com a Secretaria
Estadual de Educação e demais agentes envolvidos no processo: pais, profissionais da
educação, Conselheiros Tutelares e administradores públicos. O que demonstra ainda a
preocupação com a questão da evasão escolar, mesmo que ela tenha sido minimizada em
termos nacionais e não se configure mais como definição de qualidade educacional, ou seja,
atualmente não basta mais que os alunos apenas estejam na escola (não se evadam), mas que
eles estejam aprendendo os conteúdos necessários para o seu desenvolvimento pessoal,
cidadão e profissional.
Como já debatido em nossa dissertação de mestrado17
em momento anterior:
É óbvio que se pode dar uma educação melhor, que temos que buscar mais
qualidade no ensino público, o que corroboramos com os autores citados é que não
se pode comparar o ensino do passado com o do presente e, muito menos, conferir a
culpa pela atual situação da educação à sua expansão. (CABRAL, 2008, p. 108)
No mais, concordamos com Oliveira e Araújo (2005) quando afirmam que na falta de
uma noção precisa de qualidade, sua percepção na educação brasileira se deu mais pelos
indicadores de sua ausência.
Não há que se falar em crise da educação escolar ou perda de sua qualidade, mas sim
em transformação. Defendemos assim como Di Giorgi e Leite (2010) e Beisegel (2006) que é
preciso aceitar a escola como ela é, aceitando, inclusive a qualidade da população que a ela
17 Dissertação de mestrado defendida na Universidade Estadual Paulista – UNESP, campus de Presidente
Prudente, em 2008.
92
teve acesso. Assim, a escola atual “ganhou qualidade, uma vez que se abriu tendencialmente
à totalidade da população” (BEISEGEL, 2006, p. 121).
O relatório “Educação de Qualidade para Todos: um assunto de direitos humanos”,
editado pela UNESCO, mais especificamente pelo Escritório Regional de Educação para a
América Latina e o Caribe (2008), resultado das discussões sobre políticas educativas no
marco da II Reunião Intergovernamental do Projeto Regional de Educação para a América
Latina e o Caribe (EPT/PRE), realizado nos dias 29 e 30 de março de 2007, em Buenos Aires,
afirma que
As qualidades que se exigem do ensino estão condicionadas por fatores ideológicos
e políticos, pelos sentidos que se atribuem à educação num momento dado e em uma
sociedade concreta, pelas diferentes concepções sobre o desenvolvimento humano e
a aprendizagem, ou pelos valores predominantes em uma determinada cultura. Esses
fatores são dinâmicos e mutantes, razão por que a definição de uma educação de
qualidade também varia em diferentes períodos, de uma sociedade para outra e de
alguns grupos ou indivíduos para outros. (UNESCO, 2008, p. 29)
E é isso que acreditamos acontecer com a qualidade educacional no Brasil, afastando a
posição de que estamos em crise ou perdemos a qualidade.
Corrêa (2003) observa que o termo “‘qualidade’ não se traduz em um conceito único,
universal e absoluto, de tal modo que diferentes setores da sociedade e diferentes políticas
educacionais podem tomá-lo de modo absolutamente diverso”.
Deste ponto de vista, “a qualidade da educação é específica a cada conjuntura,
implicando e dependendo da capacidade de integração das dimensões político-ideológica e
técnico-pedagógica”, conforme destaca Aguerrondo (1993, p. 570).
O autor ainda propõe que o conceito de qualidade está cheio de possibilidades: “a) é
complexo e totalizante; b) é social e historicamente determinado; c) se constitui em imagem-
objeto de transformação educacional; e, d) se constitui no padrão de controle de eficiência do
serviço” (AGUERRONDO, 1993, p. 571).
Assim, simplificadamente, a qualidade da educação poderia ser determinada
analisando o quanto e o quão bem as crianças aprendem e, em que medida a educação dada a
elas se traduz numa gama de benefícios pessoais, sociais e de desenvolvimento, segundo o
Relatório Global de Acompanhamento do estudo “Educação para Todos” (2005).
Já a Consulta sobre Qualidade da Educação na Escola realizada pela Campanha
Nacional pelo Direito a Educação em 2002 define qualidade da educação como sendo:
93
A qualidade da educação não pode ser avaliada sem que se considere a cultura da
escola, seu ambiente de interações. O ambiente físico e humano no qual acontecem
os processos pedagógicos é formador de atitudes e comportamentos, assim como
determina a maneira pela qual todos os envolvidos – estudantes, profissionais,
familiares – constroem seu conhecimento. (CAMPANHA NACIONAL PELO
DIREITO A EDUCAÇÃO, 2002, p. 6)
Desta consulta, participaram alunos, professores, diretores e funcionários, pessoas de
fora da escola – pais ou responsáveis, crianças e adolescentes sem estudar, jovens, adultos e
idosos dos Estados participantes: Pernambuco, o Centro de Cultura Luiz Freire, de Olinda, e
Porto Alegre, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, as concepções de educação que aparecem são as seguintes:
UMA ESCOLA QUE TENHA Espaço físico adequado, banheiros, computadores,
bibliotecas, merenda, local para teatro, esporte e lazer, que seja limpa, organizada e
segura e que tenha recursos humanos de qualidade, como bons diretores, professores
e funcionários;
UMA ESCOLA QUE ENSINE Que contemple aspectos comportamentais e
condições básicas para que a aprendizagem ocorra. Ou seja, uma escola sem
bagunça, onde os alunos prestem atenção, os professores expliquem bem, tenham
paciência, onde os professores ensinem e os alunos aprendam;
UMA ESCOLA COM BOAS RELAÇÕES Onde haja um bom relacionamento entre
professores, alunos e pais, onde haja diálogo, carinho, acompanhamento, interesse e
compreensão;
UMA ESCOLA QUE RESPONDA AOS ANSEIOS DA SOCIEDADE Que ajude a
resolver os problemas do cotidiano. Os conteúdos, as relações e as metodologias
devem estar a serviço da formação do aluno para o futuro;
UMA ESCOLA QUE FORME E que se preocupe com a qualidade da aprendizagem
e o impacto que isso terá na vida do aluno.
Uma escola que estimule o usufruto de direitos, a cidadania, a aquisição de
consciência e criticidade, de construção de conhecimento para a vida; que se
preocupe com a formação humana, a justiça social, a cultura da paz. (CAMPANHA
NACIONAL PELO DIREITO A EDUCAÇÃO, 2002, p. 6)
Todavia, se consideramos a educação como ferramenta essencial para constituição do
sujeito histórico, produto de sua mediação com a sociedade, temos na instituição escolar o
ambiente que propicia esta educação visando à formação para vida, obviamente temos que
concordar com Paro (1998, p. 301), que argumenta que “não existem padrões definidos de
qualidade” e neste sentido ele concorda com outros autores citados, afirmando que isso se
deve a complexidade que envolve a avaliação da qualidade da educação e faz um comparativo
com bens e serviços de consumo:
Diferentemente de outros bens e serviços cujo consumo se dá de forma mais ou
menos definida no tempo e no espaço, podendo-se aferir imediatamente sua
qualidade, os efeitos da educação sobre o indivíduo se estendem, às vezes, por toda
sua vida, acarretando a extensão de sua avaliação por todo esse período. É por isso
que, na escola, a garantia de um bom produto só se pode dar garantindo-se o bom
processo. Isto relativiza enormemente as aferições de produtividade da escola
94
baseadas apenas nos índices de aprovação e reprovação ou nas tais avaliações
externas que se apoiam exclusivamente no desempenho dos alunos em testes e
provas realizados pontualmente. (PARO, 1998, p. 301)
E neste sentido percebemos como as discussões acerca das correntes produtivistas e
civil democrática se imbricam com a problemática da qualidade educacional, uma vez que,
segundo Di Giogi e Leite (2010, p. 317) “no tema da qualidade educacional, a posição que se
identifica com a visão produtivista entende qualidade como o desempenho em testes
padronizados e busca criar mecanismos de recompensa para as escolas que alcançam bons
resultados e de punição para as que não os obtêm”. Já a concepção civil democrática de
qualidade educacional, segundo os mesmos autores, ainda possuem iniciativas não muito
incipientes, sem confirmar projetos consolidados (DI GIORGI; LEITE, 2010).
Na verdade a corrente civil democrática, apesar de poucas ações objetivas, busca a
construção de uma comunidade escolar que envolva professores, administradores, pais
educandos e sociedade, assim como destaca Paul Singer:
A democratização do processo educativo deveria ir além, tratando de construir em
cada escola uma verdadeira comunidade de todos os envolvidos, em que a natural
superioridade dos professores e administradores fosse compensada por respeito pela
vontade e pelos sentimentos dos outros membros, sobretudo dos mais jovens e mais
fracos. (SINGER, 1996, p. 15)
Porém, o mesmo autor afirma que não se deve ignorar por completo a teoria
produtivista e suas críticas, pois elas possuem fundamentação na realidade, sendo necessária
uma autocrítica radical:
[...] reforma democrática deveria se preocupar com as críticas neoliberais aos
serviços sociais do Estado, pois, mesmo discordando das propostas produtivistas, é
preciso reconhecer que as críticas têm base na realidade. A reforma democrática
teria de ter engenhosidade suficiente para combinar um processo educativo não
mercantilizado com o combate ao paternalismo, à ineficiência e ao corporativismo.
Acredito que ensino público gratuito de acesso universal pode ser salvo da crise em
que se encontra, desde que seus defensores o submetam a uma autocrítica radical, a
partir da qual sua reforma possa ser proposta.
[...]
O grande debate sobre a crise educacional pode dar frutos, se os que defendem a
tradição democrática e igualitária conseguirem passar à ofensiva, com propostas tão
audazes e imaginosas quanto seus oponentes. E sobretudo se conseguirem
implementar essas propostas, abandonando uma postura meramente defensiva de
conquistas pretéritas. (SINGER, 1996, p. 15)
Seguindo o mesmo entendimento do autor citado, Di Giorgi e Leite afirmam que:
95
Infelizmente, é preciso reconhecer que “os que defendem a tradição democrática e
igualitária” não têm conseguido passar à ofensiva. Na questão crucial da qualidade
da educação, os “produtivistas” têm folgada hegemonia hoje. Este artigo procura
resgatar elementos que apontam no sentido da reversão dessa hegemonia e, quem
sabe, contribuir para que esta reversão ocorra. (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 320)
O que se percebe é que quando se concebe a educação de qualidade o significado
primordialmente situado nos possíveis ganhos econômicos que esta educação pode trazer para
os sujeitos e a sociedade perde-se, segundo, Carvalho, o sentido público da educação:
[...] à medida que se concebem o valor e a qualidade da educação com base em seu
alegado impacto econômico na vida privada do indivíduo, perde-se seu significado
ético-político, ou seja, seu sentido público. Assim, objetivos educacionais
identificados com a difusão e o cultivo de virtudes públicas – como a solidariedade,
a igualdade, a tolerância – passam a ocupar um lugar secundário em relação ao
desenvolvimento de competências e capacidades individuais ou àquilo que, com
precisão, se convencionou chamar de capital humano. (CARVALHO, 2008, p. 413).
Isto porque, este autor, assim como esta pesquisadora, defendem o caráter público da
educação, pois a qualidade da educação de caráter público não é voltada para uma “elite
socioeconômica, mas para a democratização do acesso aos bens culturais, comuns que se
encarnam nas disciplinas, saberes e valores da instituição escolar” (CARVALHO, 2007, p.
309).
Neste sentido, mantemo-nos aliados a este posicionamento, pois acreditamos que
apesar da incompatibilidade das duas correntes de pensamento é possível trabalhar alguns
conceitos da teoria produtivista com foco no objetivo maior de construção de uma escola que
vise à qualidade sob a perspectiva civil democrática. Uma tarefa não restringe a outra. E quem
sabe não estamos passando à ofensiva, como pede Singer (1996) e buscando propostas
audazes e imaginosas, o que não pretendemos é nos manter discutindo apenas as conquistas
passadas, entretanto, nunca as desconsideraremos.
Freitas (2005, p. 912) apresenta outra proposta em relação a esta tensão existente entre
estas duas correntes no que condiz aos sistemas públicos de ensino, que segundo ele vivem os
dilemas das várias concepções de produção de mudança, pois “por um lado, as políticas
neoliberais usam e abusam da regulação; por outro, as políticas participativas resvalam no
democratismo, nem sempre fortalecem as estratégias locais de realização da mudança e, com
isso, não exercitam os trabalhadores da educação para a contra-regulação”.
E a proposta deste autor é a “Qualidade negociada” que é “um conceito que nos chega
por intermédio de um estudo de Bondioli (2004). O autor reforça a tradição de se conceber e
valorizar a avaliação educacional no Brasil, e esta tem ancoragem em autores como Ludke
96
(1984), Saul (1988), Dias Sobrinho (2002a), entre outros. (FREITAS, 2005). Assim, a ideia é
colocar a qualidade em aspectos negociáveis, de forma participativa, auto-reflexiva,
contextual/plural, processual e transformador:
Ao destacarmos seu caráter negociável, isso não significa deixar de lado os outros
aspectos da natureza da qualidade. Significa apenas a escolha de um aspecto em que
esta definição contrasta mais abertamente com a noção corrente de qualidade
adotada pelas políticas públicas neoliberais, cuja concepção é quase sempre eivada
de uma pseudoparticipação que objetiva legitimar a imposição verticalizada de
“padrões de qualidade” externos ao grupo avaliado. (FREITAS, 2005, p. 911)
E esta concepção se encaixa tão bem em nossa proposta de trabalho que segundo
Bondioli ela parte da ideia de “indicadores”, que segundo a autora são:
Os indicadores não são, portanto, padrões, isto é, normas impostas do alto, às quais
devemos nos adequar. Não representam, nem mesmo, um “valor médio” de
exeqüibilidade de aspectos da qualidade. São, ao contrário, significados
compartilhados (...). São, portanto, como indica o próprio termo, sinalizações, linhas
que indicam um percurso possível de realização de objetivos compartilhados. (...)
aquilo que os diferentes atores sociais (...) se empenham em buscar, contribuindo,
para isso, cada um de acordo com o próprio nível de responsabilidade. (Bondioli,
2004, p. 18-19)
Freitas destaca duas situações que devem ser lembradas quando adotamos esta
concepção de educação:
Por um lado seu caráter de “significação compartilhada” e, portanto, de produção
coletiva, e, por outro, a contribuição de cada um “de acordo com seu próprio nível
de responsabilidade”. Para os neoliberais, esta concepção é inviável no serviço
público não só pelo fato de dar margem a corporativismos, mas também porque seria
de implementação extremamente lenta e incerta. (FREITAS, 2005, p. 922)
Já Gadotti (2014) fala em qualidade social conceituando-a como aquela em que se
“acentua o aspecto social, cultural e ambiental da educação, em que se valoriza não só o
conhecimento simbólico, mas também o sensível e o técnico”, no mais o autor ainda deixa
claro que esta sua concepção de qualidade educacional permeia a qualidade em que haja a
participação da sociedade na escola, pois “não há qualidade na educação sem a participação
da sociedade na escola. A garantia de espaços de deliberação coletiva está intrinsecamente
ligada à melhoria da qualidade da educação e das políticas educacionais. Só aprende quem
participa ativamente no que está aprendendo”.
97
Assim, a concepção de qualidade da educação que defendemos é a que considera
específica cada conjuntura. Nesse sentido, concordamos com o proposto pelo Parecer nº.
08/2010 do CNE/CEB, quando destaca que
[...] os desafios para a construção de uma educação de qualidade para todos os
brasileiros passam, sobretudo, pela valorização da carreira do magistério
(valorização salarial, plano de carreira, formação inicial e continuada, e condições
de trabalho), financiamento e gestão da educação, e estabelecimento de padrões
mínimo de qualidade para nossas escolas públicas de Educação Básica (BRASIL,
Parecer nº. 08/2010).
A qualidade da educação se vincula aos diferentes espaços, atores e processos
formativos, em seus diferentes níveis, ciclos e modalidades educativas, bem como à trajetória
histórico-cultural e ao projeto de nação. E tudo isso deve ser pautado em algumas dimensões
da educação que devem ser construídas pela comunidade escolar coletivamente: ambiente
educativo; prática pedagógica; avaliação; gestão escolar democrática; formação e condições
de trabalho dos profissionais da escola; espaço físico escolar e acesso, permanência e sucesso
na escola.(AÇÃO EDUCATIVA, 2004)
Isto porque, a qualidade na educação não depende apenas dos professores, mas de
todos envolvidos no processo educativo, e isso inclui também os políticos que viabilizam as
políticas públicas educacionais – especialmente, quanto ao investimento na educação – pois,
segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s “a participação conjunta dos
profissionais (orientadores, supervisores, professores polivalentes e especialistas) para tomada
de decisões sobre aspectos da prática didática, bem como sua execução. Essas decisões serão
necessariamente diferenciadas de escola para escola, pois dependem do ambiente local e da
formação dos professores”. (PCN, Vol. I, 1997, p. 68)
A educação de qualidade e que buscamos depende, assim como a proposta de Moreira
e Kramer (2007) de mudanças profundas na sociedade, nos sistemas educacionais e nas
escolas. Estes autores propõem como mudanças nestes dois últimos itens:
[...] condições adequadas ao trabalho pedagógico; conhecimentos e habilidades
relevantes; estratégias e tecnologias que favoreçam o ensinar e o aprender;
procedimentos de avaliação que subsidiem o planejamento e o aperfeiçoamento das
atividades pedagógicas; formas democráticas de gestão da escola; colaboração de
diferentes indivíduos e grupos; diálogo com experiências não-formais de educação;
docentes bem formados (que reconheçam o potencial do aluno e que concebam a
educação como um direito e um bem social). (MOREIRA; KRAMER, 2007, p.
1046)
E essa educação de qualidade é possível de ser alcançada e pleiteada com base na
98
concepção civil democrática para isso vamos analisá-la mais pormenorizadamente no seu
aspecto restrito, já que esta tese visa analisar a qualidade do ensino fundamental público.
3.2.1 Qualidade ensino fundamental público
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9.394/96, a educação
escolar é composta pela educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental
e ensino médio; e educação superior18
.
Desta forma, a finalidade da educação básica é “desenvolver o educando, assegurar-
lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para
progredir no trabalho e em estudos posteriores” (art. 22, LDB).
A Constituição Federal de 1998 em seu artigo 208, inciso primeiro, determina que a
educação básica é obrigatória e gratuita, sendo considerada dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)
anos de idade. Como já esclarecido, tem-se até 2016 para a implantação progressiva da
universalização da educação infantil (EC 59/2009, art.6º) e atendimento dos jovens até 17
anos de idade.19
Por isso, hoje, considera-se como público do ensino fundamental as crianças entre 06
(seis) anos e 14 (quatorze) anos de idade.20
A Lei nº 11.274/2006 dispõe sobre a duração de 09 (nove) anos para o Ensino
Fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 06 (seis) anos de idade21
, determina a
ampliação do Ensino Fundamental para nove anos por meio de uma proposta pedagógica
própria, para ser desenvolvida em cada escola.22
18
Art. 21, I e II. 19
Art. 6º - O disposto no inciso I do art. 208 da Constituição Federal deverá ser implementado progressivamente,
até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União. (EC 59/2009) 20 Art. 8º O Ensino Fundamental, com duração de 9 (nove) anos, abrange a população na faixa etária dos 6 (seis)
aos 14 (quatorze) anos de idade e se estende, também, a todos os que, na idade própria, não tiveram condições de
frequentá-lo.
§ 1º É obrigatória a matrícula no Ensino Fundamental de crianças com 6 (seis) anos completos ou a completar
até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula, nos termos da Lei e das normas nacionais vigentes.
§ 2º As crianças que completarem 6 (seis) anos após essa data deverão ser matriculadas na Educação Infantil
(Pré-Escola).
§ 3º A carga horária mínima anual do Ensino Fundamental regular será de 800 (oitocentas) horas relógio,
distribuídas em, pelo menos, 200 (duzentos) dias de efetivo trabalho escolar. (Resolução MEC CNE/CEB n.
07/2010) 21
LDB, art. 32 22
Parecer CNE/CEB n. 22/2009; Parecer CNE/CEB n° 4/2008
99
Neste sentido, o Plano Nacional de Educação, decênio 2014-2024, tem como uma de
suas metas “fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com
melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem” visando aumentar as médias nacionais para o
Ideb. A proposta é “estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa, diretrizes
pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos (as) alunos (as) para cada ano do ensino
fundamental e médio, respeitada a diversidade regional, estadual e local” (PNE, Meta 7).
As orientações gerais do Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino
Fundamental do Ministério da Educação para o Ensino Fundamental de Nove Anos (2004)
informa que “como ponto de partida, para garantir uma nomenclatura comum às múltiplas
possibilidades de organização desse nível de ensino (séries, ciclos, outros – conforme art. 23
da LDB nº 9.394/96), sugere-se que o Ensino Fundamental seja assim mencionado” (MEC,
2004, p. 18)
Figura 6. Organização do Ensino Fundamental de 9 anos.
Fonte: MEC, 2004, p. 18
Como vemos o ensino fundamental é a segunda etapa da educação básica e está
dividido em dois ciclos: anos iniciais (1º ao 5º ano) e anos finais (6º ao 9º ano). Quando se
discute qualidade do ensino fundamental deve-se ter em mente a divisão destes ciclos e suas
especificidades.
Neste sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam que os objetivos do
ensino fundamental são que ao final deste ciclo de nove anos os alunos sejam capazes de:
• compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício
de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de
solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo
para si o mesmo respeito;
• posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações
sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões
coletivas;
• conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e
culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional
e pessoal e o sentimento de pertinência ao País;
100
• conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem
como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra
qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças,
de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais;
• perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente,
identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para
a melhoria do meio ambiente;
• desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em
suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e
de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no
exercício da cidadania;
• conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitos saudáveis
como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade
em relação à sua saúde e à saúde coletiva;
• utilizar as diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal
— como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e
usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a
diferentes intenções e situações de comunicação;
• saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir
e construir conhecimentos;
• questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los,
utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de
análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação. (BRASIL,
1997, P. 69)
E para que o educando possa alcançar todas estas competências, como aluno crítico e
reflexivo, há uma estrutura organizacional para cada ciclo do ensino fundamental que
estabelece “necessidades e possibilidades de trabalho da área no ciclo e indica os Objetivos de
Ciclo por Área, estabelecendo as conquistas intermediárias que os alunos deverão atingir para
que progressivamente cumpram com as intenções educativas gerais” e também que
“expressam capacidades que os alunos devem adquirir ao final da escolaridade obrigatória”.
(PCN, Vol I, 1997, p. 70)
A Figura 7 abaixo apresenta a forma de organização dos objetivos do ensino
fundamental; nesta estrutura temos as áreas de matemática, língua portuguesa, ciências
naturais, história, geografia, arte educação física e língua estrangeira.
101
Figura 7. Organização dos objetivos do Ensino Fundamental
Fonte: BRASIL, 1997, p. 71
Assim, a proposta pedagógica do ensino fundamental de nove anos deve incluir:
a) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino (Lei nº 9.394/96;
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental; Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental);
b) as áreas do conhecimento (Lei nº 9.394/96, art. 26; Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental);
c) matriz curricular definida pelos sistemas de ensino (Lei nº 9.394/96, art. 26);
d) oferta equitativa de aprendizagens e consequente distribuição equitativa da carga
horária entre os componentes curriculares. (Lei nº 9.394/96; Parecer CNE/CEB nº
18/2005);
e) as diversas expressões da criança (Ensino Fundamental de 9 (nove) anos:
orientações pedagógicas para a inclusão das crianças de 6 (seis) anos de idade);
f) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos (Lei nº 9.394/96; Parecer CNE/CEB
nº 4/2008; Ensino Fundamental de 9 (nove) anos: orientações pedagógicas para a
inclusão das crianças de 6 (seis) anos de idade);
g) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos;
h) os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos
procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização. (BRASIL, 2009)
O Brasil é um país continental com diferenças sociais, culturais, políticas e
econômicas muito marcantes e todos estes aspectos influenciam fortemente na educação
promovida pelas escolas, por isso, partimos da concepção que a qualidade da educação do
ensino fundamental para que possua realmente valor e possa ter significação para seus agentes
e para a comunidade escolar em seu entorno deve ser construída de dentro para fora, ou seja,
102
partindo destes atores envolvidos de forma democrática e participativa. E esta também é a
compreensão da legislação, pois o artigo 26 da LDB determina que os currículos da educação
infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser
complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e dos educandos.
Neste sentido, é importante colocarmos que fizemos uma análise regional em
decorrência destas divergências sociais, culturais, econômicas e sociais entre as regiões
brasileiras que se refletem na educação. As informações foram colhidas dos dados do IBGE,
“Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira”, e
dos dados da pesquisa da ONG Todos Pela Educação, “Anuário Brasileiro da Educação
Básica”, e também o Relatório de Pesquisa “Perfil dos Gastos Educacionais nos Municípios
Brasileiros” realizado pela Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação),
Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e Fundação Itaú Social, todos de 2012.
Segundo o Anuário Brasileiro de Educação Básica da ONG Todos pela Educação
(2012) o ensino fundamental é a etapa de escolarização que enfrenta os maiores desafios,
visto que 15,2% das crianças brasileiras não são alfabetizadas na idade certa, ou seja, até os
oito anos de idade.
Em relação às regiões brasileiras e o ensino fundamental verificamos que até o Saeb
de 2009 a região Sudeste é que obtinha o melhor percentual, pois as regiões Norte e Nordeste
apresentam um nível baixo de conhecimentos em Matemática e Português tanto no primeiro
quanto no segundo ciclo do ensino fundamental.
103
Figura 8. Panorama do Ensino Fundamental
Fonte: Anuário Brasileiro de Educação Básica, 2012, p. 14.
Neste aspecto, apresentamos uma análise comparativa das informações colhidas nestes
instrumentais e a pesquisa realizada junto aos CAO’s - Centros de Apoio de cada Estado. Isto
porque, com estas informações é possível identificar os conceitos que permeiam não só o
entendimento dos membros do MP de cada região, mas também da sociedade civil em que
este está inserido.
Quando comparamos estes resultados com o levantamento realizado nos Estados sobre
a atuação do MP, especialmente a existência de CAO’s, constatamos que apesar da região
Sudeste ter um melhor nível de adequação aos níveis de escolaridade em matemática e
português no ensino fundamental, no Estado do Espírito Santo encontramos apenas nove
Promotorias de atendimento específico à infância e Juventude de um total de noventa, ou seja,
apenas 10%; e quanto aos CAO’s a região Sudeste, uma das que mais concentra CAO de
104
Defesa da Educação no Brasil, tendo nos Estados do Espírito Santo (participante da pesquisa),
de Minas Gerais e de São Paulo. Já no Nordeste onde a escolarização de forma adequada em
português e matemática é baixa, notamos que há três unidades de CAOE’s que ficam nos
estados da Bahia, Paraíba e Sergipe. Portanto, nestas duas regiões a presença do Ministério
Público com ações efetivas na área educacional não representam melhora na adequação e
escolarização das crianças e adolescentes do ensino fundamental. Já no Norte não há nenhum
CAOE e também há baixo índice de adequação nos níveis de português e matemática dos
alunos.
É importante nesta análise que compreendamos a composição da população brasileira,
considerando a proporção de crianças, adolescentes e jovens no Brasil, pois conforme dados
do IBGE (2012, p.34) em 2011, o grupo com até 24 anos de idade era de 78,5 milhões de
pessoas, o que correspondia a 40,2% da população brasileira total, característica que está
mudando:
Este segmento está perdendo participação na população total, visto que, em 2001,
ele compunha praticamente a metade da população (48,2%). Para o Brasil, nota-se
que a participação da população com menos de 15 anos de idade em relação ao total
foi de 23,3%, mas este indicador é diferenciado para as Grandes Regiões: os maiores
percentuais foram encontrados nas Regiões Norte (29,7%) e Nordeste (25,9%).
Como a população de crianças, adolescentes e jovens está desigualmente distribuída
no território, os programas, políticas e serviços sociais que tenham como foco este
público precisam levar tal característica em consideração. (IBGE, 2012, p.34)
Importa esclarecer ainda que em relação a esta população que hoje está nas escolas,
que “considerando-se a distribuição de rendimento familiar per capita, percebe-se que as
pessoas de 0 a 14 anos de idade estão inseridas predominantemente em famílias com menor
poder aquisitivo, sendo que 60,8% delas estão concentradas nos dois primeiros quintos da
distribuição. Para o grupo de 15 a 24 anos de idade, a concentração nos dois primeiros quintos
da distribuição foi menor, 43,5%” (IBGE, 2012, p. 34-35), e isso deve ser levado em
consideração, pois contexto familiar no qual estão inseridos é muito importante para o
desenvolvimento destes jovens e tem influência direta nos resultados da análise realizada pela
ONG Todos pela Educação em relação ao ensino fundamental e a adequação aos conteúdos,
uma vez que consideramos a educação sob a perspectiva civil democrática.
105
Gráfico 9. Proporção de crianças, adolescentes e jovens no Brasil
Fonte: IBGE, 2012, p. 34
No mais, embora a taxa de analfabetismo do país tenha caído “de 10% para 9,7% das
pessoas com 15 anos ou mais de idade, entre 2008 e 2009 (a quinta queda consecutiva na
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad), esse percentual ainda representa 14,1
milhões de pessoas”. Hoje a taxa de analfabetismo no país é de 14,1 milhões de pessoas.
(Anuário Brasileiro da Educação Básica, 2012, p. 21), conforme demonstra o gráfico abaixo
apresentando as regiões do Brasil:
Gráfico 10. Taxas de analfabetismo nas regiões do Brasil
Fonte: Anuário Brasileiro da Educação Básica, 2012, p. 21
Assim, o ensino fundamental de qualidade é aquele que compreende, tendo por base as
especificidades da população que o abrange – econômica, cultural, social, política –, a difusão
106
de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao
bem comum e à ordem democrática; que consideram as condições de escolaridade dos alunos
em cada estabelecimento; as orientações para o trabalho; a promoção do desporto educacional
e apoio às práticas desportivas não formais.23
Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN’s trazem em seu conteúdo, a proposta é
que nossas escolas possam por meio da educação por elas promovida “garantir que,
respeitadas as diversidades culturais, regionais, étnicas, religiosas e políticas que atravessam
uma sociedade múltipla, estratificada e complexa, a educação possa atuar, decisivamente, no
processo de construção da cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de
direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios democráticos. Essa igualdade implica
necessariamente o acesso à totalidade dos bens públicos, entre os quais o conjunto dos
conhecimentos socialmente relevantes”.
Para tanto, a LDB define alguns aspectos dos conteúdos do ensino fundamental a
serem promovidos:
Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito
na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a
formação básica do cidadão, mediante: (Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006)
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno
domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia,
das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição
de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e
de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (LDB)
Desta forma, ao final do ensino fundamental, no nono ano, o aluno deve ter pleno
domínio da leitura, da escrita e do cálculo, assim como a compreensão do ambiente natural e
social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a
sociedade. Há toda uma orientação para cada ciclo do ensino fundamental nos PCN’s, em
cada área da estrutura dos conhecimentos que são objetivo desta etapa da escolaridade.
A Resolução nº 7, de 14 de dezembro de 2010 fixa as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o ensino fundamental de 9 (nove) anos e para tanto define alguns princípios
que as escolas devem adotar para nortear as políticas educativas e as ações pedagógicas, são
eles:
23
LDB, art. 27.
107
Art. 6º Os sistemas de ensino e as escolas adotarão, como norteadores das políticas
educativas e das ações pedagógicas, os seguintes princípios:
I – Éticos: de justiça, solidariedade, liberdade e autonomia; de respeito à dignidade
da pessoa humana e de compromisso com a promoção do bem de todos,
contribuindo para combater e eliminar quaisquer manifestações de preconceito de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
II – Políticos: de reconhecimento dos direitos e deveres de cidadania, de respeito ao
bem comum e à preservação do regime democrático e dos recursos ambientais; da
busca da equidade no acesso à educação, à saúde, ao trabalho, aos bens culturais e
outros benefícios; da exigência de diversidade de tratamento para assegurar a
igualdade de direitos entre os alunos que apresentam diferentes necessidades; da
redução da pobreza e das desigualdades sociais e regionais.
III – Estéticos: do cultivo da sensibilidade juntamente com o da racionalidade; do
enriquecimento das formas de expressão e do exercício da criatividade; da
valorização das diferentes manifestações culturais, especialmente a da cultura
brasileira; da construção de identidades plurais e solidárias. (BRASIL, 2010)
Os princípios que devem nortear as ações pedagógicas e as políticas educativas têm
três eixos – ética, política e estética – que compõe os aspectos a serem observados,
respeitados e buscados pela escola na sua atuação prática, mas também por Estados,
Municípios e União na elaboração de políticas públicas voltadas para o ensino fundamental.
Os componentes curriculares obrigatórios do Ensino Fundamental serão assim
organizados em relação às áreas de conhecimento:
I – Linguagens:
a) Língua Portuguesa;
b) Língua Materna, para populações indígenas;
c) Língua Estrangeira moderna;
d) Arte; e
e) Educação Física;
II – Matemática;
III – Ciências da Natureza;
IV – Ciências Humanas:
a) História;
b) Geografia;
V – Ensino Religioso.24
Note-se que o ensino religioso é de matrícula facultativa do aluno. No mais, os
componentes curriculares e as áreas de conhecimento devem articular em seus conteúdos a
temas abrangentes e contemporâneos que afetam a vida humana em escala global, regional e
local, bem como na esfera individual, tais como: saúde, sexualidade e gênero, vida familiar e
social, assim como os direitos das crianças e adolescentes, de acordo com o Estatuto da
24
Art. 15, Resolução MEC CNE/CEB n. 07/2010.
108
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), preservação do meio ambiente, nos termos da
política nacional de educação ambiental (Lei nº 9.795/99), educação para o consumo,
educação fiscal, trabalho, ciência e tecnologia, e diversidade cultural. Estes devem permear o
desenvolvimento dos conteúdos da base nacional comum e da parte diversificada do
currículo.25
O que se percebe é que as Diretrizes Curriculares Nacionais para ao ensino
fundamental buscam dar subsídio para que as escolas e as políticas públicas possam focar no
desenvolvimento integral do aluno como ser humano. Visam, inclusive, a elaboração de
projeto político-pedagógico que contenha processos participativos relacionados à gestão
democrática, construída pela comunidade escolar no exercício de sua autonomia, sendo
assegurada a ampla participação dos profissionais da escola, da família, dos alunos e da
comunidade local.
O que acreditamos ser essencial para que a qualidade efetiva seja alcançada, pois
partirá da realidade de cada escola e de cada comunidade escolar.
Art. 25. Os professores levarão em conta a diversidade sociocultural da população
escolar, as desigualdades de acesso ao consumo de bens culturais e a multiplicidade
de interesses e necessidades apresentadas pelos alunos no desenvolvimento de
metodologias e estratégias variadas que melhor respondam às diferenças de
aprendizagem entre os estudantes e às suas demandas.26
A Organização Não Governamental Ação Educativa(2004), aplicou uma pesquisa com
intuito de encontrar alguns indicadores de qualidade na educação, por meio dela elaborou um
instrumento com sete dimensões da qualidade escolar e com base em elementos da qualidade
da escola: as dimensões: ambiente educativo, prática pedagógica e avaliação, ensino e
aprendizagem da leitura e da escrita, gestão escolar democrática, formação e condições de
trabalho dos profissionais da escola, acesso e permanência dos alunos na escola, e, por fim,
espaço físico escolar. O instrumento é flexível e pode ser usado de acordo com a criatividade
e a experiência de cada escola. Acreditamos que seja possível pensarmos na qualidade do
ensino fundamental trabalhando-a a partir de instrumentos e propostas como esta.
A qualidade do ensino fundamental só será possível de ser efetivada plenamente
quando conseguirmos alcançar suas três dimensões: insumos, processos e resultados.
25
Art. 16, Resolução MEC CNE/CEB n. 07/2010. 26 Resolução MEC CNE/CEB n. 07/2010.
109
3.3 Possibilidades de mensuração da qualidade: insumos, processos e resultado
O termo qualidade segundo Cury (2010, p. 18) “advém do latim qualitas, mas cuja
procedência mais funda é a de poiótês do grego e que significa um título definidor de uma
categorização ou classificação”. O autor ainda continua esclarecendo que este termo “supõe
uma certa quantidade capaz de ser mensurada, na qual reside um modo de ela ser de tal forma
distinta que ela se veja enriquecida ao ponto de sua realidade apresentar um salto agregando
valor àquilo que a sustém”. (CURY, 2010, p. 19)
Seguindo o mesmo entendimento de Cury no que tange ao termo “qualidade”, Davok
(2002, p. 206) esclarece que “qualidade implica em uma ideia de comparação: poder-se-ia
dizer que um objeto tem qualidade se suas características permitem afirmar que ele é melhor
que aqueles objetos que não as possuem ou que não as possuem em igual grau”. Ou seja,
“quando se diz que um objeto educacional tem qualidade, está-se explicitando um juízo sobre
seu valor e mérito” (DAVOK, 2007, p. 506).
No mesmo sentido, Fernando Reimers e Eleonora Villegas-Reimers no relatório
apresentado ao Diálogo Regional em Educação, organizado pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento destaca que
[...] a definição da qualidade do ensino não pode ser desvinculada da definição dos
propósitos da educação. Porque o ensino tem ou não tem qualidade em função de
alguns propósitos, de critérios normativos que refletem visões de valor, assim como
relações de fato entre o que se aprende na escola e o contexto social no qual devem
viver os que saem dela. (REIMERS; REIMERS, 2006, p. 92)
Existem diversas maneiras de abordar a qualidade e estas têm origem nas diferentes
tradições do pensamento educacional, especialmente no que tange a definição de qualidade no
processo de ensino-aprendizagem, já que há diversas e divergentes concepções pedagógicas, o
que torna a busca por concepções mínimas de qualidade passíveis de exigibilidade jurídica
uma tarefa muito excessivamente complexa. .
Assim, foi necessário realizar algumas opções teóricas para se iniciar uma discussão
sobre os indicadores mínimos de qualidade no ensino fundamental, de forma a simplificar a
definição de qualidade, mas sem que essa simplificação fosse tão grande a ponto de esvaziar o
processo educativo. Portanto, como já indicado anteriormente, opta-se por adotar, os aspectos
suscitados Portela Oliveira (2006) que traz a discussão de qualidade sob três dimensões
(insumos, processos e resultados), mas sem nos desfazer dos demais teóricos e documentos
110
que possam auxiliar nesta empreitada e muito menos, sem nos desvincular da função social da
escola pública que acreditamos.
Isto porque, quando se consegue separar as dimensões da qualidade educacional é
possível juridicamente pleitear apenas uma destas dimensões, sem desconsiderar as demais,
mas tornando possível alguma ação no sentido de melhora da qualidade do ensino
fundamental pelas vias judiciais. E também, porque acreditamos que a qualidade realmente
possa ser fragmentada nestas dimensões sem perder seu conteúdo real quando da totalidade.
Seguindo o postulado por Oliveira (2006), nota-se que existem três perspectivas ou
dimensões que devem ser consideradas quando se trata de qualidade: a qualidades quanto aos
insumos ou custos (input), quanto ao processo e quanto aos resultados ou produto (output).
Esta discussão é trazida por Don Adams (2002) quando destaca que a qualidade da
educação pode referir-se aos insumos (números de professores, quantidade de professores
formados, número de livros didáticos), processos (quantidade de tempo de instrução direta,
extensão da aprendizagem ativa), saídas (resultados dos testes, as taxas de graduação), e
resultados (desempenho no emprego subsequente).
O mesmo autor traz ainda que a educação pode implicar simplesmente em alcançar as
metas e objetivos traçados a partir do desempenho escolar e, para tanto, ele cita ao menos seis
visões: 1) qualidade como reputação, 2) qualidade como recursos (inputs), 3) qualidade como
processo, 4) qualidade como conteúdo, 5) qualidade como rendimento acadêmico (outputs) /
resultados educacionais (outcomes), 6) qualidade como “valor adicionado”.
Cruz na 3ª Audiência do Ciclo de Audiências Públicas realizada pela Comissão de
Educação, Cultura e Esporte afirmou quanto ao ensino fundamental que:
[...] a situação do segundo ciclo do ensino fundamental representa uma situação
problemática e pouco debatida, que mostra que essa etapa tem estado ausente do
foco prioritário das políticas públicas educacionais. O reflexo disso é visto, em
grande medida, no mau desempenho dos alunos que ingressam no ensino médio.
(CRUZ, 2012, p. 04)
Gusmão em 2010 realizou uma pesquisa pela Universidade São Paulo, que em 2013
foi publicada pela Revista Brasileira de Estudos em Pedagogia, em que aborda a questão dos
“Significados da noção de qualidade da educação na arena educacional brasileira”; para tanto
a pesquisadora realizou entrevistas com alguns atores sociais situados no Estado, na sociedade
civil e em organismos multilaterais, abordando temas relativos às razões de a qualidade da
educação estar em pauta, à concepção de qualidade e às disputas subjacentes à noção. Nesta
111
pesquisa verificou-se também que em relação à concepção de qualidade há uma oposição de
posicionamento entre os atores:
Nos depoimentos acerca das concepções de qualidade da educação, a oposição se
deu entre os atores que concebem a “aprendizagem” (entendida primordialmente por
meio dos resultados das provas em larga escala) como o principal significado de
qualidade da educação e os que defendem uma visão abrangente, com o foco
estendido aos processos, às condições gerais de ensino e o aprendizado em uma
perspectiva mais ampla que o aferido pelas provas.
A demarcação de dois grupos segundo as ênfases apresentadas é convergente,
respectivamente, com o que é denominado, de um lado, rendimento e, de outro,
insumos e processos – duas das principais maneiras de se referir à qualidade da
educação, segundo Adams (1993). (GUSMÃO, 2013, p. 109)
Neste sentido, concordamos com Gusmão quando afirma que qualidade no contexto
educacional muitas vezes nos remete a critérios de eficiência e que quando se modifica a
finalidade da educação mudam-se os critérios de análise da qualidade:
O uso da palavra qualidade no contexto educacional remete diretamente aos fins da
educação. No sentido absoluto, uma educação de qualidade seria, portanto, uma
educação que cumpre com os seus objetivos. Aqui, a qualidade (boa) significa
eficiência, meios adequados para atingir fins. Mas é possível considerar má (de
baixa qualidade) a educação cujos fins são tidos como inadequados. No uso como
indicação positiva ou negativa, melhorar a qualidade da educação, de forma óbvia,
seria tornar a educação “melhor”, aproximando-a de suas finalidades primordiais. É
evidente que, variando-se as finalidades da educação, modificam-se também as
referências de qualidade. Mantendo-se constantes tais finalidades, podem modificar-
se igualmente as referências de qualidade. Essas passam a se circunscrever aos
meios empregados.
Falar em qualidade da educação implica atribuir juízos de valor a aspectos ou
resultados do processo educativo, como também a objetivos educacionais. Os juízos
são sempre enunciados por sujeitos e, na medida em que expressam um julgamento,
remetem a termos comparativos. (GUSMÃO, 2013, p. 301)
Assim, se partimos do pressuposto que a finalidade de nossa educação é a civil
democrática, ou seja, o “tipo fundamental de competências que deveria orientar a definição de
qualidade da educação na América Latina é o daquelas que permitem exercer de forma efetiva
a cidadania numa sociedade democrática” (REIMERS; REIMERS, 2006, p. 93). Mais que
isso:
Estas competências para a participação democrática requerem habilidades e
disposições que permitam pensar por conta própria e de forma crítica, comunicar-se
adequadamente, ter acesso e utilizar o conhecimento disponível sobre diversos
temas, aprender continuamente, trabalhar com os outros, compreender a importância
e os mecanismos dessa participação, e entender e valorizar as diferenças que
distinguem as sociedades fechadas e totalitárias das sociedades abertas e
democráticas. Conhecer as instituições políticas e os espaços e formas de
participação; poder informar-se sobre e compreender os principais temas de
112
discussão da agenda pública e entender o contexto histórico que lhes dá significação;
desenvolver altos graus de tolerância pela diversidade e capacidade de raciocinar
sobre temas complexos, nos quais é essencial colocar-se no lugar do outro e
reconhecer que há interesses e pontos de vista legitimamente diferentes, que devem
se reconciliar numa agenda de ação coletiva. (REIMERS; REIMERS, 2006, p. 92)
Mas, acreditamos que seja possível trabalhar alguns conceitos da visão produtivista,
neste aspecto tratamos da questão da preparação para o trabalho e da exigibilidade jurídica,
sem nos desvencilhar da perspectiva educacional que consideramos coerente e efetivamente
qualitativa: civil democrática.
Como já dissemos, sabemos que essa proposta se constrói sob duas visões antagônicas
e que possuem perspectivas educacionais muito diversas, mas as quais acreditamos que
possam ser pensadas para viabilizar os pedidos judiciais relativos à qualidade do ensino
fundamental a partir de sua articulação com as dimensões que sustentamos neste trabalho
como essenciais à concepção humana.
Neste sentido, a pesquisa de Gusmão salienta que todos os pesquisados deixaram claro
que defendem a posição de que a educação de qualidade seja orientada para a garantia do
direito das crianças e adolescentes à aprendizagem é coerente. E ela completa:
O segundo grupo de depoimentos, composto por representantes da ANPEd, da
Campanha Nacional pelo Direito à Educação, do CNE, da CNTE, da Comissão de
Educação e Cultura da Câmara dos Deputados e do MEC, reconhece a importância
da aprendizagem, assim como das avaliações centralizadas, mas em suas
formulações prioriza uma noção de qualidade da educação mais ampla, isto é, com
recorrência a um conjunto de aspectos. Eles se referem à importância de considerar
os processos, as condições necessárias para uma educação de qualidade e outros
elementos de aprendizagem para além dos conteúdos disciplinares, como a cidadania
e a ética. Diferentemente de uma definição substantiva, tal como dada nos
depoimentos do grupo anterior, como “qualidade é isto ou aquilo”, os depoimentos
enfatizam as condições diversas que são necessárias à promoção da qualidade. A
qualidade implica e requer condições, tais como infraestrutura, tempos e espaços
para desenvolvimento do processo educativo. Destaca-se também a referência do
grupo aos valores, à diversidade, à contextualização do ensino e aprendizagem, à
participação e à democracia. (GUSMÃO, 2013, p. 108)
Assim, sempre haverá diversos indicadores de qualidade da educação, pois estes são
formulados de acordo com as representações e as intencionalidades dos sujeitos que são
históricos; portanto, estes indicadores, assim com a qualidade educacional são polissêmicos e
dinâmicos, devendo ser constantemente discutidos e reformulados, visto que as diversas
expectativas e representações sociais integram um contexto histórico mais amplo e em
constante movimento. (OLIVEIRA, 2006)
113
O Projeto Regional da UNESCO “Indicadores Educativos: metas a serem alcançadas”
propõe que a educação é composta por algumas dimensões: filosófica, pedagógica, cultural,
social e financeira.
Do ponto de vista filosófico, a educação tem qualidade quando os objetivos
propostos nos currículos estão baseados e projetados para promover os valores que
os mais variados setores da sociedade consideram desejáveis. No plano pedagógico,
a educação é de qualidade quando os objetivos propostos nos currículos, planos e
programas educacionais são cumpridos de forma eficaz. Na perspectiva cultural, a
educação tem qualidade quando os seus conteúdos derivam das aspirações
relacionadas às distintas populações a quem se dirige. Sob o prisma social, a
UNESCO sinaliza que a educação é de qualidade quando beneficia igualmente todos
os setores da sociedade, contribuindo para a inclusão. Por fim, sob a ótica financeira,
a qualidade da educação se refere à eficiência no uso dos recursos destinados à
educação (UNESCO, 2003, p. 44).
Neste sentido, concordamos com Haddad (1992, p. 78) “Há que se considerar,
inicialmente, que o esforço na conquista de melhores condições materiais já é em si base para
o desenvolvimento de um melhor trabalho pedagógico”.
3.3.1 Insumos
Como dito, partimos da análise dos indicadores de qualidade propostos por Oliveira
(2006) e, assim como ele, entendemos que esta elaboração passa não só por matrizes técnicas,
mas também políticas, uma vez que para definir insumos e parâmetros para um ensino de
qualidade é necessário se falar em custos do processo de escolarização.
E esta é a primeira dimensão da qualidade educacional segundo Oliveira (2006):
insumos.
A LDB define como padrões mínimos de qualidade de ensino: “[...] a variedade e
quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo
ensino-aprendizagem” (art. 4º, inc.IX).
Segundo a Campanha Nacional pelo Direito a Educação, os insumos devem ser
divididos em quatro grandes tipos:
1. insumos relacionados à estrutura e ao funcionamento – Tratam de tudo o que se
refere à construção e à manutenção dos prédios e da existência de instalações
adequadas, de laboratório, biblioteca e parquinho, de materiais básicos de
conservação e de equipamentos de apoio aos processos educativos.
114
2. insumos relacionados aos trabalhadores e às trabalhadoras em educação –
Abrangem as condições de trabalho, os salários, o plano de carreira, a jornada de
trabalho e as condições para a formação inicial e continuada dos trabalhadores e das
trabalhadoras em educação.
3. insumos relacionados à gestão democrática – são requisitos essenciais para que a
educação seja viabilizada com qualidade. Entre os fatores mais importantes,
destacam-se:
• o estímulo à participação da comunidade escolar, que inclui o trabalho em equipe,
a construção conjunta do projeto político-pedagógico e a democratização da gestão
da escola e dos sistemas de ensino.
• a discussão com a comunidade sobre os indicadores de qualidade aproximaria
ainda mais a escola da realidade de seus alunos, dos pais e daqueles que vivem no
entorno.
• o fomento às práticas participativas de avaliação, incluindo a avaliação conjunta da
escola pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras em educação, pelos estudantes,
pelas famílias e pela comunidade.
4. Insumos relacionados ao acesso e à permanência – aqueles que devem ser
assegurados pelo poder público para garantir as condições de permanência de
crianças e estudantes na creche ou na escola. Entre eles, o material didático, o
transporte escolar, a merenda ou o vestuário, no caso das redes públicas que exigem
o uniforme ou a farda. (CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A
EDUCAÇÃO, 2011, p. 25-27)
É importante destacar antes de iniciarmos a discussão sobre os insumos, que a garantia
dos mesmos representa uma condição necessária para a qualidade do ensino, embora
saibamos que nem sempre ela seja suficiente.
Os insumos ou custos baseiam-se em valor monetário investido na educação; das três
dimensões esta é a que está mais avançada, sendo a mais aceitável e menos polêmica das três,
até porque, em termos de pesquisa encontram-se inúmeros materiais que abordam o tema, o
que facilita sua definição. Contudo, ainda resta firmar quais os insumos necessários para uma
educação de qualidade e transformar isso em valores monetários correntes.
O maior problema desta dimensão é a implementação política, pois o investimento em
educação depende muito da conveniência política.
Contudo, após a edição do FUNDEB pode-se dizer que minimamente já há previsão
na legislação ordinária brasileira e, quando houver algumas falhas na implementação, pode
ser exigida judicialmente. Notadamente, analisando também as demais ações do PDE e o
novo PNE percebe-se que eles têm também o intuito de melhorar a qualidade da educação
com relação a estes insumos.
Importa ressaltar quanto à relação entre o PDE e o PNE (2014-2024) que o primeiro
não se configura uma política educacional, mas trata-se de uma relação de ações que foram
reunidas e que levaram ao abandono do PNE anterior (2001-2010).
115
Pinto destaca que com o FUNDEF houve uma divisão de responsabilidades que pouco
contribuiu para aumentar a qualidade do ensino e os municípios não pensaram quando da
implantação na qualidade do ensino, mas sim na possibilidade de aumento de suas receitas:
Esta mudança desencadeada pelo FUNDEF no padrão de divisão de
responsabilidades, contudo, no nosso entendimento, pouco contribuiu para aumentar
a eficiência de gestão do sistema e menos ainda a qualidade do ensino. Em geral,
não houve consulta à comunidade escolar e os critérios de decisão foram
essencialmente monetários: de um lado, os estados querendo reduzir seus alunos, de
outro os municípios querendo ampliar suas receitas. A preocupação com a qualidade
do ensino esteve, em geral, ausente em boa parte dos convênios de municipalização.
(PINTO, 2007, p. 881).
Esta problemática gerou um desequilíbrio, pois o “aumento da participação municipal
nas matrículas da educação” se confrontou com a (in) capacidade financeira dos municípios.
Ou seja, “embora os municípios já possuam matrículas na educação básica superiores
àquelas apresentadas pelos estados, sua receita líquida de impostos é bem inferior àquela
obtida pelos estados (cerca de três quartos), o que demonstra uma situação de grande
fragilidade” (PINTO, 2007, p. 881). E sobre este problema o autor destaca que há ainda
consequências mais graves:
Quando analisamos esta distribuição nas diferentes regiões do país, os problemas se
acirram. Assim é que, em estados como MA, CE, AL e PA (exatamente aqueles
onde o investimento por aluno é mínimo), constata-se que os governos estaduais,
embora tenham 1,5 vez mais recursos de impostos que os governos municipais, são
responsáveis por menos da metade dos alunos. O sistema de financiamento só não
entrou em colapso porque o FUNDEF, e agora o FUNDEB, transferem recursos de
uma esfera de governo para a outra, mas considerando que os fundos são
transitórios, montou-se uma bomba de efeito retardado com data certa para explodir:
31 de dezembro de 2020, quando finda o FUNDEB. (PINTO, 2007, p. 881).
Neste sentido, segundo a Secretaria de Educação Básica (2004, p. 05) a maior
novidade do FUNDEF foi a mudança da estrutura “de financiamento do Ensino Fundamental
Público no País, pela subvinculação de uma parcela dos recursos da educação a esse nível de
ensino, com distribuição de recursos realizada automaticamente, de acordo com o número de
alunos matriculados em cada rede de ensino fundamental, promovendo a partilha de
responsabilidades entre o governo estadual e os Governos Municipais. As receitas e despesas
correspondentes, por sua vez, deverão estar previstas no orçamento e a execução,
contabilizada de forma específica”.
O Fundo é composto, basicamente, por recursos dos próprios Estados e Municípios,
originários de fontes já existentes, sendo constituído de 15% do:
116
• Fundo de Participação dos Estados – FPE.
• Fundo de Participação dos Municípios – FPM.
• Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS (incluindo os
recursos relativos à desoneração de exportações, de que trata a Lei Complementar
nº 87/96).
• Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações – IPIexp.
Além desses recursos, entra na composição do FUNDEF, a título de
complementação, uma parcela de recursos federais, com o objetivo de assegurar um
valor mínimo por aluno/ano aos Governos Estadual e Municipais no âmbito do
Estado onde este valor per capita não for alcançado. (BRASIL, 2004, p. 05-06)
Já o FUNDEB teve início em 1º de janeiro de 2007 e sua base de cálculo:
O total de alunos matriculados na rede pública será considerado na distribuição dos
recursos e o percentual de contribuição dos Estados, Distrito Federal e Municípios
para a formação do Fundo terá atingido o patamar de 20%, calculado sobre as
seguintes fontes de impostos e de transferências constitucionais:
- Fundo de Participação dos Estados (FPE);
- Fundo de Participação dos Municípios (FPM);
- Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre prestação de Serviços (ICMS);
- Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPIexp);
- Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e doações de quaisquer bens ou direitos
(ITCMD);
- Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA);
- Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (cota-parte dos Municípios) (ITRm);
- recursos relativos à desoneração de exportações de que trata a LC nº 87/96;
- arrecadação de imposto que a União eventualmente instituir no exercício de sua
com-
- petência (cotas-partes dos Estados, Distrito Federal e Municípios);
- receita da dívida ativa tributária, juros e multas relativas aos impostos acima
relacionados.
Além desses recursos, originários dos entes estaduais e municipais, recursos federais
também integram a composição do Fundeb, a título de complementação financeira,
com o objetivo de assegurar o valor mínimo nacional por aluno/ano a cada Estado
ou Distrito Federal, em que este limite mínimo não for alcançado com os recursos
dos próprios governos. (BRASIL, Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação)
No mais, quanto aos recursos complementares da União que compõe o fundo tem-se
- o mínimo de 90% do valor anual, mediante distribuição com base no número de
alunos, na perspectiva da garantia do valor mínimo nacional por aluno/ano; e
- até 10% do valor anual por meio de programas direcionados para a melhoria da
qualidade da educação básica, de acordo com decisão e critérios definidos pela
Comissão Intergovernamental de Financiamento para Educação Básica de
Qualidade.
Caso a Comissão delibere não distribuir os 10% desta maneira, a totalidade dos
recursos da complementação da União serão distribuídos de acordo com o critério
referido do item anterior. (BRASIL, Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação)
117
Portanto, no financiamento da educação básica, segundo o FUNDEB,27
os recursos
devem ser empregados exclusivamente em ações de manutenção e de desenvolvimento da
educação básica pública, particularmente na valorização do magistério. E os critérios de
aplicação destes recursos são:
A) 60% do Fundo deve ser destinada à remuneração dos profissionais do magistério
em efetivo exercício na educação básica pública, com vínculo contratual em caráter
permanente ou temporário com o Estado, Distrito Federal ou Município, regido tanto
por regime jurídico específico do ente governamental contratante quanto
pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
B) Os recursos restantes (de até 40% do total) devem ser direcionados para despesas
diversas consideradas como de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE),
realizadas na educação básica, na forma prevista no artigo 70 da Lei nº 9.394/96
(LDB), observado o seguinte critério por ente governamental:
- Estados: despesas com MDE no âmbito dos ensinos fundamental e médio;
- Distrito Federal: despesas com MDE no âmbito da educação infantil e dos
ensinos fundamental e médio;
- Municípios: despesas com MDE no âmbito da educação infantil e do ensino
fundamental. (Brasil, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação)
Já a Constituição Federal de 1988 determina em relação ao financiamento da educação
e a responsabilidade da União, Estados, Municípios e Distrito Federal que:
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em
regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as
instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função
redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades
educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e
financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação
infantil. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental
e médio. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a
universalização do ensino obrigatório. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 59, de 2009)
§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita
27 O Fundeb foi criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e
pelo Decreto nº 6.253/2007(1), em substituição ao Fundef, que vigorou de 1998 a 2006. Trata-se de fundo
especial, de natureza contábil e de âmbito estadual (um Fundo por Estado e Distrito Federal, num total de vinte e
sete Fundos), formado por parcela financeira de recursos federais e por recursos provenientes dos impostos e das
transferências dos Estados, Distrito Federal e Municípios vinculados à educação por força do disposto no art.
212 da Constituição Federal. Independentemente da fonte de origem, todo o recurso gerado é redistribuído para
aplicação exclusiva na educação básica.
118
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino.
§ 1º - A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não
é considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a
transferir.
§ 2º - Para efeito do cumprimento do disposto no "caput" deste artigo, serão
considerados os sistemas de ensino federal, estadual e municipal e os recursos
aplicados na forma do art. 213.
§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das
necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de
padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
§ 4º - Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no
art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e
outros recursos orçamentários.
§ 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a
contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
§ 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do
salário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos
matriculados na básica nas respectivas redes públicas de ensino. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
Entretanto, falta ainda a efetiva regulamentação do Sistema Nacional de Educação
para que haja a cooperação entre os entes federados, assunto que detalharemos mais no tópico
destinado a trabalhar a questão da centralização e descentralização.
Para Gatti, Sá Barreto e André o FUNDEB possui os mesmos mecanismos do
FUNDEF, mas com uma gama de impostos maiores e contempla diferentes níveis e
modalidades da educação básica:
O Funbeb opera basicamente com os mesmos mecanismos redistributivos do
Fundef, mas a cesta de impostos que o compõem foi ampliada, assim como o
montante alocado a cada uma delas, uma vez que o fundo passa a contemplar os
diferentes níveis e modalidades da educação básica. Cabe igualmente à União
complementar os recursos do fundo de cada estado, na medida em que o valor médio
ponderado por aluno não alcançar o mínimo definido pelo governo federal, assim
como permanece a subvinculação de 60% dos seus recursos para a remuneração e o
aperfeiçoamento do pessoal docente e dos demais profissionais da educação em
efetivo exercício no setor público. (GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 33)
Outros pontos a serem destacados em relação à dimensão “insumos” da qualidade da
educação pública, versam sobre o investimento na mesma, tanto em relação ao financiamento
da educação referente ao percentual do PIB – Produto Interno Bruto destinado a ela, que foi
amplamente discutido no novo Plano Nacional de Educação (decênio 2014-2024) que
determina de 10% do PIB até o final do decênio; como em questões que envolvem a política
salarial do magistério, o plano de carreira destes profissionais, os materiais didáticos
destinados à escola pública – que sabe-se dos problemas vivenciados em relação a nova
119
“onda” de apostilamento dos conteúdos curriculares, sem critério ou qualidade – além de
recursos como bibliotecas, laboratórios de informática e etc. Tudo isso está incluso na
dimensão de insumos.
No que se refere ao financiamento da educação o PNE – Plano Nacional de Educação,
Lei n. 13.005/2014, traz como uma de suas diretrizes “estabelecimento de meta de aplicação
de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que
assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade” (art.
2º, VIII), tanto que a Meta 20 determina: “ampliar o investimento público em educação
pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno
Bruto - PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a
10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio”.
E traça como estratégia para que isto ocorra:
20.1) garantir fontes de financiamento permanentes e sustentáveis para todos os
níveis, etapas e modalidades da educação básica, observando-se as políticas de
colaboração entre os entes federados, em especial as decorrentes do art. 60 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias e do § 1o do art. 75 da Lei no 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que tratam da capacidade de atendimento e do esforço
fiscal de cada ente federado, com vistas a atender suas demandas educacionais à luz
do padrão de qualidade nacional;
20.2) aperfeiçoar e ampliar os mecanismos de acompanhamento da arrecadação da
contribuição social do salário-educação;
20.3) destinar à manutenção e desenvolvimento do ensino, em acréscimo aos
recursos vinculados nos termos do art. 212 da Constituição Federal, na forma da lei
específica, a parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela
exploração de petróleo e gás natural e outros recursos, com a finalidade de
cumprimento da meta prevista no inciso VI do caput do art. 214 da Constituição
Federal;
20.4) fortalecer os mecanismos e os instrumentos que assegurem, nos termos do
parágrafo único do art. 48 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, a
transparência e o controle social na utilização dos recursos públicos aplicados em
educação, especialmente a realização de audiências públicas, a criação de portais
eletrônicos de transparência e a capacitação dos membros de conselhos de
acompanhamento e controle social do Fundeb, com a colaboração entre o Ministério
da Educação, as Secretarias de Educação dos Estados e dos Municípios e os
Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios;
20.5) desenvolver, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira - INEP, estudos e acompanhamento regular dos
investimentos e custos por aluno da educação básica e superior pública, em todas as
suas etapas e modalidades; (PNE)
Apesar de toda estas proposições trazidas pelo Plano Nacional da Educação a grande
discussão quanto aos insumos e a proposta de investimento de 10% do PIB na educação ao
final do decênio é: como este investimento será de fato aplicado? Esta resposta não possuímos
120
e, acreditamos, que seja o grande norte de discussões a partir de agora no que se refere a
insumos.
Tanto que Cury discutindo a questão das políticas públicas de financiamento afirma
que estas se definem como um direito da cidadania, pois são uma intervenção de caráter
igualitário e universal:
Em que pesem as alternativas já reiteradamente apontadas de aumento do porcentual
do PIB para a educação, em que pesem as lacunas verificadas (que podem deixar de
existir), o financiamento da educação escolar representa uma clara intervenção do
poder público em uma área que se define como um direito da cidadania. Essa
intervenção, de caráter igualitário e universal, é, primeiramente, sobre o indivíduo,
face ao ensino fundamental. Como ensino obrigatório, as pessoas na idade própria
não têm escolha: ou vão para a escola ou vão para a escola. (CURY, 2007, p. 849)
Oliveira (2006) acredita que os insumos são indicadores relacionados à remuneração
docente, proporção de alunos por professor, custo-aluno etc. Portanto, não condizem apenas
com o financiamento da educação.
Em 2008 o Conselho Nacional de Educação firmou parceria com a Campanha
Nacional pelo Direito a Educação para elaborar diretrizes para uma educação de qualidade,
considerando o CAQi – Custo Aluno Qualidade como uma estratégia de política pública, em
termos de insumos necessários para se alcançar os padrões de qualidade exigidos por lei.
Quanto ao custo aluno-qualidade (CAQ) Pinto (2006) preleciona que:
Com relação ao ensino fundamental, a mesma EC 14/96 que criou o Fundef, na nova
redação dada ao art. 60 do ADCT, determina que a “União, os Estados e Municípios
ajustarão progressivamente, em um prazo de cinco anos, suas contribuições ao
Fundo, de forma a garantir um valor por aluno correspondente a um padrão mínimo
de qualidade de ensino, definido nacionalmente” (art. 60, § 4º do ADCT). Como se
constata, o próprio legislador que fixou um valor mínimo inicial de R$ 300/aluno
para o FUNDEF entendia que o mesmo não garantiria um padrão mínimo qualidade
de ensino.
Tendo em vista que o prazo definido pela Constituição Federal venceu em 31 de
dezembro de 2001 e nenhuma medida efetiva foi tomada pelo governo federal, a
Campanha Nacional pelo Direito a Educação estabeleceu, em 2002, o custo-aluno
qualidade como uma de suas prioridades. (PINTO, 2006).
O valor do CAQi foi calculado a partir dos insumos essenciais ao desenvolvimento
dos processos de ensino e aprendizagem que levem gradualmente a uma educação de
qualidade, conforme o Parecer CNE/CEB n. 8/2010 que aguarda homologação.
Importa demonstrar também o quanto o investimento, a dimensão insumo da qualidade
da educação, influência de fato nas percepções identificadas em cada região e Estado
121
brasileiro, sobretudo, nas diferenças entre alguns Estados que representam, no gráfico abaixo,
as regiões brasileiras.
O que se percebe, portanto, é que no ensino fundamental nos anos iniciais o estado
com maior investimento por aluno (R$ 3.996,75) é São Paulo, na região Sudeste, e o com
menor investimento é o Ceará (R$2.206,91), na região Nordeste. O mesmo acontece nos anos
finais do ensino fundamental.
Assim, se considerarmos que a região Norte é a que apresenta menos CAO’s para
atendimento às questões da educação, não havendo nenhum CAOE; e que a região Sudeste é a
que possui a maior parte destes Centros de Apoio Operacional da Defesa da Educação. E que
os representantes do Ministério Público têm como suas atribuições, segundo o ECA, exigir a
prevalência orçamentária para políticas públicas destinadas às crianças e adolescentes,
percebe-se que há um consenso. Porém, que a diferenciação regional é bastante significativa.
E esta diferenciação demonstra que no que concerne à dimensão processos da
qualidade do ensino fundamental, faz-se necessário que estas sejam observadas, pois indicam
algumas peculiaridades sociais, culturais e econômicas relevantes para que sejam construídos
critérios de dentro para fora da escola de forma participava e democrática.
Gráfico 11. Diferença entre valor por aluno em estados selecionados – 2009
Fonte: Relatório de pesquisa Perfil dos Gastos Educacionais nos Municípios Brasileiros – Ano base: 2009, 2012,
p. 24
122
Quanto ao tema, Pinto destaca ainda que
A linha que norteou o trabalho dos grupos foi que, nas condições atuais de oferta da
educação no país, onde não se garante nem um patamar mínimo de recursos para as
escolas, como se mostrou na primeira parte deste trabalho, qualidade é um conceito
claramente objetivo, e que passa pela existência de escolas com infraestrutura e
equipamentos adequados, professores bem formados e remunerados, razão
alunos/turma e alunos/professor que viabilizem o ensino e a aprendizagem (PINTO,
2006).
Assim, foram considerados pela Campanha os seguintes insumos fundamentais para se
assegurar um patamar mínimo de qualidade de ensino:
Tamanho: considera-se que as escolas não devem nem ser muito grandes (o que dificulta as
práticas de socialização e aumenta a indisciplina), mas, ao mesmo tempo, devem ter um
número de alunos que permita à maioria dos professores lecionar em apenas uma escola;
Instalações: assegurando-se salas ambientes (bibliotecas, laboratórios etc), espaços de
alimentação, lazer e de prática desportiva, com dotação orçamentária para uma manutenção
adequada;
Recursos didáticos em qualidade e quantidade, aqui incluídas as tecnologias de comunicação
e informação, garantidos os recursos para a manutenção dos equipamentos;
Razão alunos/turma que garanta uma relação mais próxima entre os professores e seus
alunos;
Remuneração do pessoal: assegurar um piso salarial nacionalmente unificado, associado ao
grau de formação dos trabalhadores da educação e um plano de ascensão na carreira que
estimule a permanência na profissão;
Formação: dotação anual de recursos financeiros para a formação continuada de todos os
profissionais da escola;
Jornada de trabalho: definição de jornada semanal de 40 horas, com 20% da mesma, no caso
dos professores destinados a atividades de planejamento, avaliação e reuniões com os pais,
cumpridas nas escolas. No caso das creches (0 a 3 anos), optou-se pela jornada padrão de 30
horas semanais para os professores, também com 20% para atividades complementares;
Jornada do aluno: fixação de uma jornada mínima de 10 horas/dia, no caso das creches (cuja
média nacional já é superior a 8 horas/dia) e de 5 horas/dia, nas demais etapas (cuja média
nacional é um pouco acima de 4 horas/dia);
Projetos especiais da escola: garantia de um repasse mínimo de recursos para que as escolas
possam desenvolver atividades próprias previstas em seu projeto pedagógico;
Gestão democrática: entende-se que a gestão democrática envolve uma série de aspectos que
não possuem, necessariamente, um impacto monetário no custo aluno, mas é evidente que
quando se propicia a jornada exclusiva do professor em uma escola, o tempo remunerado
para atividades extraclasse, a proximidade da escola das residências dos alunos, um menor
número de alunos/turma e de alunos/escola, todas estas medidas, facilitam muito (embora não
assegurem) a construção de relações mais democrática em sala de aula e na escola. (PINTO,
2006)
Portanto, para o Custo Aluno-Qualidade Inicial, Pinto (2006) salienta que eles
trabalharam “com a ideia de agregar os diferentes insumos que asseguram o bom
funcionamento de uma unidade escolar (Lei 9.394/96, artigo 4o, inciso IX)”.
Tanto que o PNE – Plano Nacional de Educação (2014-2024), aprovado neste ano,
destaca entre suas metas a ampliação do investimento na educação pública por meio da
implantação do CAQi, justificando-a na importância para alcançar o padrão mínimo de
123
qualidade. O prazo de acordo com o PNE para que o CAQi seja implementado é de dois anos
a partir da vigência desta lei, ou seja, até 25 de junho de 2016.
O PNE, como já apresentado em momento anterior, foi elaborado tendo como
proposta a melhoria da qualidade da educação pública e um dos aspectos apresentados pela
nova lei é o investimento na educação de forma direcionada por meio do CAQi, que será
“referenciado no conjunto de padrões mínimos estabelecidos na legislação educacional e cujo
financiamento será calculado com base nos respectivos insumos indispensáveis ao processo
de ensino-aprendizagem e será progressivamente reajustado até a implementação plena do
Custo Aluno Qualidade – CAQ” (PNE, 20.6); entretanto, nota-se que se o CAQi baseia-se no
conjunto de padrões mínimos, estes precisam ser estabelecidos pela legislação educacional
para que a meta possa de fato ter sua eficácia.
Outro aspecto importante que vincula a implementação do CAQi segundo o PNE é a
utilização do mesmo “como parâmetro para o financiamento da educação de todas etapas e
modalidades da educação básica, a partir do cálculo e do acompanhamento regular dos
indicadores de gastos educacionais com investimentos em qualificação e remuneração do
pessoal docente e dos demais profissionais da educação pública, em aquisição, manutenção,
construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino e em aquisição
de material didático-escolar, alimentação e transporte escolar” (PNE, 20.7)
É importante destacar ainda que o CAQi será “definido no prazo de 3 (três) anos e será
continuamente ajustado, com base em metodologia formulada pelo Ministério da Educação -
MEC, e acompanhado pelo Fórum Nacional de Educação - FNE, pelo Conselho Nacional de
Educação - CNE e pelas Comissões de Educação da Câmara dos Deputados e de Educação,
Cultura e Esportes do Senado Federal” (PNE, 20.8), ou seja, há uma incoerência de datas,
pois se ele necessita ser implementado em dois anos, como pode ser definido em até três
anos? Esta é uma das muitas discussões que os educadores ainda terão que enfrentar.
Na tabela abaixo verificamos o gasto de cada país por aluno nos anos iniciais do
ensino fundamental, no ano de 2006, conforme publicação da UNESCO. “Os valores estão
em US$ PPP (paridade de poder aquisitivo, em dólares). Trata-se de uma medida
internacional que permite comparações entre os países e que considera as diferenças de custo
de vida entre eles e não apenas o câmbio comercial” (CAMPANHA NACIONAL PELO
DIREITO A EDUCAÇÃO, 2011, p. 15).
124
Tabela 2. Gasto por aluno nos anos iniciais do ensino fundamental
FONTE: UNESCO, 2006 apud CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A EDUCAÇÃO, 2011.
A tabela acima nos mostra o parco investimento brasileiro de 1.005 dólares por
paridade de poder aquisitivo para os anos iniciais do ensino fundamental. Nosso investimento
é menor que o da Colômbia, do México, da Argentina, da Costa Rica e do Chile.
Comparando-nos aos EUA que é o primeiro da listagem, nosso investimento corresponde a
apenas 12,26% do que é investido pelos americanos por aluno, ou seja, investimos oito vezes
menos em nossos alunos e cerca de um quinto do que investem França, Portugal ou Espanha.
Há um estudo realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação de 2005 que
calculou o CAQi para as todas as etapas da educação básica e atualizou o valor para 2009.
Este estudo destaca que “na hora de calcular o Custo Aluno-Qualidade Inicial, são quatro os
fatores que mais geram impactos no valor do CAQi e que estão diretamente ligados à
melhoria da qualidade da educação” (CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A
EDUCAÇÃO, 2011, p. 28), são eles:
125
O tamanho da creche ou da escola.
É fato que escolas e creches muito grandes geralmente são mais baratas para o poder
público, porque nelas cabem muitos estudantes e muitas crianças. Mas, muitas
vezes, apresentam problemas de gestão, indisciplina e não garantem um tratamento
às especificidades dos alunos. Para desenvolver o cálculo do CAQi, a Campanha
optou por um tamanho médio que se aproximasse da maioria das unidades existentes
no País, evitando escolas e creches muito grandes. Além disso, podem ser
elaborados CAQis para diferentes padrões de tamanho, considerando as
especificidades regionais e locais.
A jornada dos alunos e das crianças.
A Campanha defende que o Brasil garanta educação em período integral para todas
as crianças, adolescentes, jovens e adultos na educação básica, ou seja, de manhã e à
tarde. Mas, para calcular esse primeiro passo que é o CAQi, a Campanha optou pelo
período integral (de 10 horas) somente para creches, destinadas a crianças de 0 a 3
anos de idade, pois, para essa faixa etária, o atendimento já ocorre majoritariamente
em tempo integral no País. Para as outras etapas e modalidades, a Campanha propôs
um CAQi que permita a expansão da jornada escolar para 5 horas. Pode-se dizer
que, em muitas escolas, em especial para as turmas do noturno, nem o mínimo legal
de 4 horas por dia é assegurado.
Número de alunos(as) ou crianças por turma.
Para superar o quadro atual da educação no Brasil, marcado pelo número excessivo
de crianças e alunos por turma, a Campanha fixou um número-limite de crianças e
alunos para as diferentes etapas da educação básica. Esses números têm como
referência inicial a relação prevista no projeto original da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (o chamado “substitutivo de Jorge Hage”) e no documento
Subsídios para credenciamento e funcionamento de instituições de educação infantil,
produzido pelo Ministério da Educação em 1998. São eles:
• educação infantil: creche (até 13 crianças) e pré-escola (até 20 alunos);
• ensino fundamental: séries iniciais (até 24 alunos) e anos finais (até 30 alunos);
• ensino médio: até 30 alunos. • ensino fundamental do campo: anos iniciais (até 14
alunos) e anos finais (até 25 alunos).
Os salários dos profissionais da educação constituem o insumo de maior impacto
sobre o CAQi, representando quase 80% do valor do CAQi.
A Campanha assumiu como ponto de partida o Acordo Nacional de Valorização do
Magistério da Educação Básica, assinado em 1994, no governo Itamar Franco, que
fixava R$ 300 por mês por uma jornada de trabalho de 40 horas semanais, tendo
como referência 1/7/1994. Dessas 40 horas, consideramos 26 horas em atividades
com os alunos e 14 para atividades extraclasse, nos termos da Lei do Piso Salarial
Nacional.
Notadamente são muitas as variáveis que interferem e devem ser levadas em
consideração para o cálculo do CAQI. Assim, para exemplificar o estudo da Campanha
Nacional pelo Direito a Educação revela que para implantar uma escola “para os anos iniciais
do ensino fundamental (1º a 5º ano), com 480 alunos, 20 salas com no máximo 24 alunos
(para que as turmas não fiquem lotadas), e 20 professores, considerando 50%deles com nível
superior, trabalhando 40 horas semanais”, serão necessários o custo do prédio com área total
construída de 1.470 m² seria de R$ 1,5 milhão e o custo dos equipamentos e do material
permanente para essa escola seria estimado em R$ 369.120,00. Assim, o custo por aluno
obtido para essa escola seria de R$ 2.082,00 (CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A
EDUCAÇÃO, 2011), conforme tabela abaixo:
126
Tabela 3. CAQi dos anos iniciais do ensino fundamental
Fonte: CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A EDUCAÇÃO, 2011, p. 41
Para viabilizar o CAQi é necessário um aumento do investimento educacional dos
atuais 4% do PIB para 5%, entretanto, pensando no aumento das matrículas para cumprimento
da EC 59/2009 (educação infantil e ensino médio) será necessário alcançarmos a proposta de
PIB do novo PNE.
Os insumos são entendidos também no aspecto de investimento na promoção da
valorização dos profissionais da educação, o que requer a valorização de sua remuneração,
instituição de planos de carreira, promoção de formação inicial e continuada, e propiciar
adequadas condições de trabalho. Isto porque, conforme o Parecer CNE/CEB n. 8/2010
“todos os estudos internacionais mostram que a qualidade da aprendizagem esta diretamente
127
relacionada com a qualidade da formação do professor; sem bons professores não teremos
bons alunos”.
O PNE novamente traz o reconhecimento da importância da valorização do
profissional da educação por meio de sua remuneração, afirmando que é necessário “valorizar
os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar
seu rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o
final do sexto ano de vigência deste PNE” (BRASIL, PNE, Meta 17), para tanto propõe como
estratégias:
Estratégias:
17.1) constituir, por iniciativa do Ministério da Educação, até o final do primeiro
ano de vigência deste PNE, fórum permanente, com representação da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos trabalhadores da educação, para
acompanhamento da atualização progressiva do valor do piso salarial nacional para
os profissionais do magistério público da educação básica;
17.2) constituir como tarefa do fórum permanente o acompanhamento da evolução
salarial por meio de indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios -
PNAD, periodicamente divulgados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE;
17.3) implementar, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, planos de Carreira para os (as) profissionais do magistério das redes
públicas de educação básica, observados os critérios estabelecidos na Lei n 11.738,
de 16 de julho de 2008, com implantação gradual do cumprimento da jornada de
trabalho em um único estabelecimento escolar;
17.4) ampliar a assistência financeira específica da União aos entes federados para
implementação de políticas de valorização dos (as) profissionais do magistério, em
particular o piso salarial nacional profissional. (BRASIL, PNE, Meta 17)
Neste sentido, a Lei no 11.738/2008 estabelece o piso salarial para o profissional do
magistério vinculando ainda o percentual de 33% da carga horária de trabalho do professor
para atividades extraclasse. Porém, apesar de aprovada no legislativo federal e sancionada
pelo Presidente da República, esta Lei foi questionada por governadores de alguns Estados no
Supremo Tribunal Federal, sendo que em 27 de fevereiro de 2013, o STF no julgamento dos
embargos negou na íntegra o pedido dos governadores para adiar a aplicação da mesma e,
consequentemente, do piso salarial dos professores destes Estados por mais um ano e meio.
O STF, em sua decisão, deixou claro que a data de vigência do piso salarial é 27 de
abril de 2011, data do julgamento de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIn
4.167, e que este deve ser pago por todos os estados e municípios como vencimento inicial
das carreiras de magistério (sem qualquer tipo de gratificação ou abono). A consequência
desta decisão, conforme esclarece a CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação é que “os estados e municípios estão isentos de qualquer passivo retroativo no
128
tocante ao pagamento do piso como vencimento de carreira (não cabem ações judiciais para
requerer os impactos dos valores nominais do piso nos planos de carreira, entre julho de 2008
e abril de 2011)” (CNTE, Nota Pública, 10/03/2013).
É importante esclarecer que esta decisão do STF de 2008 foi uma liminar e teve
caráter erga omnes, ou seja, tornou-se obrigatória para cumprimento por toda a administração
pública, sendo que sua vigência se estendeu até o julgamento do mérito da ADIn 4.167.
CONSTITUCIONAL. FINANCEIRO. PACTO FEDERATIVO E REPARTIÇÃO
DE COMPETÊNCIA. PISO NACIONAL PARA OS PROFESSORES DA
EDUCAÇÃO BÁSICA. CONCEITO DE PISO: VENCIMENTO OU
REMUNERAÇÃO GLOBAL. RISCOS FINANCEIRO E
ORÇAMENTÁRIO. JORNADA DE TRABALHO: FIXAÇÃO DO TEMPO
MÍNIMO PARA DEDICAÇÃO A ATIVIDADES EXTRACLASSE EM 1/3 DA
JORNADA. ARTS. 2º, §§ 1º E 4º, 3º, CAPUT, II E III E 8º, TODOS DA LEI
11.738/2008. CONSTITUCIONALIDADE. PERDA PARCIAL DE OBJETO.
1. Perda parcial do objeto desta ação direta de inconstitucionalidade, na medida em
que o cronograma de aplicação escalonada do piso de vencimento dos professores da
educação básica se exauriu (arts. 3º e 8º da Lei 11.738/2008).
2. É constitucional a norma geral federal que fixou o piso salarial dos professores do
ensino médio com base no vencimento, e não na remuneração global. Competência
da União para dispor sobre normas gerais relativas ao piso de vencimento dos
professores da educação básica, de modo a utilizá-lo como mecanismo de fomento
ao sistema educacional e de valorização profissional, e não apenas como
instrumento de proteção mínima ao trabalhador.
3. É constitucional a norma geral federal que reserva o percentual mínimo de 1/3 da
carga horária dos docentes da educação básica para dedicação às atividades
extraclasse. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Perda de
objeto declarada em relação aos arts. 3º e 8º da Lei 11.738/2008. (STF. ADI 4167.
Relator Ministro Joaquim Barbosa. Divulgação: DJe de 23.08.2011, pág 27.)
Nota-se na decisão acima que o STF julgou improcedente a ADin proposta pelos
governos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Paraná e Ceará, neste
caso considera-se que a lei que fixa o piso nacional dos professores é constitucional e os
Estados devem ao determinar o piso salarial dos profissionais da educação ter por base o seu
vencimento e não a remuneração global (bônus e gratificações), bem como reservar o
percentual mínimo de 1/3 da carga horária dos docentes da educação básica para dedicação às
atividades extraclasse.
Os representantes dos Estados, partes nesta ação, tinham prazo de cinco dias para
interpor embargos de declaração à decisão do STF, citando possíveis obscuridades,
contrassensos ou supressões na decisão, a CNTE esclarece que “essa ação (muitas vezes
protelatória, e única possibilidade de recurso ao julgamento) não suspende a eficácia da
decisão. Ou seja: a Lei 11.738 deve ser aplicada imediatamente”, neste caso os governos do
Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul apresentaram manifestação, porém Santa
129
Catarina e Ceará não interpuseram os embargos de declaração, encontrando-se os autos
conclusos ao relator desde 20 de maio de 2014.
Neste sentido, na região Nordeste onde há um maior número de CAO’s voltados para
cidadania e três CAO’s específicos de educação, o Estado do Ceará encontra-se em vias de
um movimento do Sindicato APEOC, gestores de escolas e representantes de entidades em
busca de uma posição do Ministério Público Estadual quanto à carência de professores e a
necessidade de urgente contratação de educadores na rede estadual de ensino.
Segundo o Sindicato APEOC um “documento bem fundamentado sobre o Direito à
Educação será protocolado [...]”.
O Sindicato APEOC, assim, dá continuidade ao processo de cobrança que a
entidade vem fazendo, há semanas, junto ao Ministério Público, buscando uma
urgente solução para o caso da não contração de professores na rede estadual neste
período eleitoral. A falta de professores em várias disciplinas tem causando sérios
prejuízos para os estudantes das escolas da capital e interior do Estado” (MOREIRA,
Diário do Nordeste, 04/09/2014).
O Estado do Ceará faz parte dos Estados que ingressaram com a ADIn para suspensão
do piso da categoria dos profissionais da educação e este Estado possui o menor investimento
por aluno do Brasil (R$2.206,91). Em 2012 neste Estado, no município de Fortaleza, foi
instituído o Pacto de Responsabilidade Social e Pedagógica pelos estudantes da rede pública
de Fortaleza elaborado pela Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza que tinha como
objetivo regularizar o calendário escolar da rede municipal de ensino até 2014 e para isso
subtraiu até 22 dias do ano letivo de 2012, o que contraria a LDB e o direito à educação dos
estudantes, pois traz grandes prejuízos a aprendizagem, contrariando qualquer proposta de
qualidade educacional. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação se posicionou
publicamente contrária a este pacto:
Ademais, considerando que a pior solução se refere ao 6º e 9º ano, fica também
manifesto um erro comum no Brasil: a priorização quase exclusiva à alfabetização,
em detrimento de uma compreensão abrangente e justa de qualidade da Educação
Básica, que começa na Educação Infantil e é concluída no Ensino Médio.
Por fim, se as questões pedagógica e jurídica são falhas no referido Pacto, o aspecto
da Responsabilidade Social é temerário. No sexto parágrafo, ao buscar justificativa
para a redução do ano letivo de 2012, o texto afirma que o “absenteísmo torna-se
particularmente evidente no mês de janeiro, quando, em regra, todos os outros
alunos brasileiros estão de férias e quando a alta estação turística em Fortaleza faz
que muitos alunos se vejam obrigados a sacrificar a frequência às aulas [de
reposição] pela oportunidade de contribuir na complementação do orçamento
familiar, ajudando seus pais no comércio ambulante e noutras formas de prestação
de serviços aos turistas que para aqui afluem em grande quantidade”. (CARA, 2013)
130
Estes fatos corroboram a falta de zelo da Administração Pública municipal e estadual
com a qualidade da educação dos estudantes cearenses.
A pesquisa de Gusmão com vários atores sociais, do Estado e de ONG’s verificou que
há um dissenso entre o entendimento sobre a valorização do professor vinculado a questão
salarial:
Para o coordenador da Campanha, se todos reconhecem a centralidade do professor
na promoção da qualidade, as políticas relacionadas ao magistério são focos de
divergência que se refletiriam na “corrente economicista” e na fundamentada na
“perspectiva dos direitos”; o tema salarial seria um ponto de oposição dessas
correntes. Para ele, “há quem acredite que o professor é central, mas que não precisa
ganhar um salário justo. Buscam outras formas de resolver a centralidade do
educador no processo educacional”. (GUSMÃO, 2013, p. 118)
Há, porém outra discussão que se refere à bonificação dos professores, decorrentes da
implementação do IDEB, com a qual não concordamos da forma com que é proposta:
O tema do salário foi ainda polemizado com as propostas de bonificação por mérito.
Entre os que defendem os bônus (de forma declarada, apenas a especialista do
Banco Mundial se disse a favor), argumenta-se que funciona como um incentivo à
dedicação e ao comprometimento dos professores com um ensino capaz de ser
traduzido em um bom desempenho de estudantes. Os que se opõem (representantes
da ANPEd, do CNE, da CNTE e do MEC) opinam que um sistema baseado em
prêmios (e punições) não funciona, pois gera disputa e competição onde deve reinar
solidariedade e cooperação. Outro argumento é o de que as propostas de bonificação
por mérito partem de um entendimento que responsabiliza o professor pelo fracasso
do desempenho dos alunos. Segundo Daniel Cara, paradoxalmente, o ponto de maior
consenso seria justamente o de maior dissenso quando o assunto é qualidade da
educação. (GUSMÃO, 2013, p. 118)
Desta forma, é fato que a qualidade da educação brasileira só será alcançada quando
houver uma “grande melhoria do padrão de remuneração e qualificação do magistério, além
da permanente capacitação das redes estaduais e municipais”, conforme salienta Gatti, Sá
Barreto e André (2011, p. 35), que continuam esclarecendo que:
Essa transformação impõe a construção de um sistema nacional de educação e um
papel mais robusto e incisivo do governo federal na redistribuição dos recursos
fiscais e na consolidação de um Fundo Nacional de Educação capaz de suprir as
demandas da educação básica que o conjunto de fundos estaduais representados pelo
Fundeb não consegue contemplar devidamente. (GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ,
2011, p. 35)
Porém, não é só o salário do professor que se insere na questão de insumos, mas
também as condições de trabalho que no Brasil representam um desafio adicional, tanto pelas
demandas de violência, como das drogas, mas também pelas condições internas de trabalho na
131
escola. E neste ínterim, discute-se o problema da implementação de jornada de 40 (quarenta)
horas semanais para o professor, em tempo integral em uma mesma escola, com demais
condições adequadas de trabalho e infraestrutura apropriadas, como biblioteca, laboratórios, e
ambientes para atividades artístico-culturais e sócio-desportivas”. (Parecer CNE/CEB n.
8/2010).
Neste sentido, os PCN’s já indicavam que:
A busca da qualidade impõe a necessidade de investimentos em diferentes frentes,
como a formação inicial e continuada de professores, uma política de salários dignos
e plano de carreira, a qualidade do livro didático, recursos televisivos e de
multimídia, a disponibilidade de materiais didáticos. Mas esta qualificação almejada
implica colocar, também, no centro do debate, as atividades escolares de ensino e
aprendizagem e a questão curricular como de inegável importância para a política
educacional da nação brasileira. (PCN, Volume 1, Introdução, pp.13/14).
Quanto ao plano de carreira o PNE em sua meta 18 assegura que haverá “no prazo de
2 (dois) anos, a existência de planos de Carreira para os (as) profissionais da educação básica
e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de Carreira dos (as)
profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional
profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição
Federal”, o que deixa claro a busca por um reconhecimento do profissional da educação e que
este se faz por meio de um plano de carreira e de remuneração compatível com sua dedicação
e tempo de estudo.
Este contexto faz com que tenhamos cada vez menos professores interessados em
lecionar no ensino público brasileiro e isto também se caracteriza como uma omissão da
Administração Pública, pois ela inviabiliza o direito à educação:
STF – AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO n° 594.018-7 – Acórdão
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. CARÊNCIA DE PROFESSORES. UNIDADES DE ENSINO
PÚBLICO. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO. EDUCAÇÃO. DIREITO
FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL. DEVER DO ESTADO. ARTS. 205, 208, IV E
211, PARÁGRAFO 2º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A educação é um
direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar
meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado
pelo artigo 205 da Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa
afronta à Constituição. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que “[a]
educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se
expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da
Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo
governamental[...]. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e
Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se
possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases
excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela
132
própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais
inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos
políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a
comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura
constitucional”. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.
Alves e Pinto (2011) destacam que a baixa remuneração dos profissionais da educação
é uma das principais causas de sua insatisfação com a profissão e, consequentemente, do
abandono da mesma, especialmente quando comparado aos salários recebidos por outros
ramos profissionais. A pesquisa demonstra também que:
1) quanto mais jovem o alunado com que trabalha, menor a remuneração média
do(a) professor(a) – o que pode vir a impactar a ampliação e o desenvolvimento da
educação infantil;
2) a rede estadual, no geral, apresenta os maiores valores salariais relativos, mas há
diferenças consideráveis nos salários médios dos professores nos contextos
estaduais;
3) em 12 estados, os professores sem formação superior recebem rendimentos
mensais inferiores ao piso nacional;
4) em dez estados, professores com formação em nível superior apresentam salários
médios que não chegam a R$ 1.500,00;
5) a rede privada de ensino, na média do país, paga menos o(a) professor(a) do que a
rede pública;
6) a remuneração na rede privada mostra-se maior apenas no ensino médio;
7) os professores apresentam rendimento médio significativamente aquém daquele
obtido por profissionais com nível de formação equivalente;
8) os professores compõem o grupo de ocupações com menores rendimentos entre
as ocupações de nível superior no grupo de profissões assemelhadas. (ALVES;
PINTO, 2011, p. 133)
Conforme a tabela abaixo, podemos comparar os valores percebidos pelos professores
em cada etapa da educação que lecionam e a precarização salarial:
Tabela 4. Salário dos professores
Fonte: ALVES; PINTO, 2011, p. 133
133
A tabela acima demonstra que o profissional da educação que percebe maiores salários
é o profissional do ensino médio. No mais, há ainda em relação à valorização dos professores
outra situação que é muito comum e que gera vários problemas na qualidade educacional: a
contratação temporária de docentes.
Segundo a Campanha Nacional pela Defesa da Educação (2011) em um estudo
atualizado até 2009 o plano de carreira e salário dos professores deveria ser para um professor
com nível superior, urbano, com carga horária semanal de 30h, inicial de R$1.519,00 e final
de R$3.038,00 e por 40 horas semanais, inicial de R$2.025,00 e final de R$4.050,00.
Tabela 5. Plano Inicial de cargos e salários
Fonte: CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A EDUCAÇÃO, 2011, p. 34
Segundo Gatti, Sá Barreto e André esta condição afeta várias situações educacionais
desde a profissionalização docente, a formação continuada e progressiva de quadros, a
formação de equipes nas escolas e, em decorrência, a qualidade do ensino, pois precariza o
ensino:
A condição de contrato temporário de docentes, não conduzindo à estabilidade e à
progressão profissional, gera nas redes alguns problemas que mereceriam melhor
consideração, pois afetam a própria profissionalização docente, a formação
continuada e progressiva de quadros, a formação de equipes nas escolas e, em
134
decorrência, a qualidade do ensino. A precariedade dos contratos de trabalho traz
consigo rodízio excessivo de professores, instabilidade das equipes escolares e, até
mesmo, desistências da profissão. São questões importantes a serem consideradas
pelas políticas relativas aos docentes, dado que interferem diretamente no trabalho
cotidiano das escolas, na aprendizagem dos alunos e no seu desenvolvimento,
causando também desperdício financeiro no que se refere aos investimentos
formativos em serviço. (GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 85)
A profissionalização docente se fará quando alcançarmos não só um patamar salarial
adequado, mas um plano de carreira e boas condições de trabalho, pois o que se percebe é
uma culpabilização dos profissionais da educação pelo mau rendimento escolar dos alunos
quando na verdade sabemos que os problemas da escola não se encerram com professores
bem pagos e bem preparados, isto porque não lhes é dada condições reais de trabalho.
Vivenciamos professores agredidos em escolas, professores que sofrem assédio moral por
parte de outros profissionais da educação, entre outras inúmeras situações absurdas.
Neste sentido, Campos traz com precisão a situação atual:
É preciso reconhecer que muitas políticas adotadas na área de educação têm
procurado criar melhores condições de ensino nas redes públicas. Porém, algumas
iniciativas carregam consigo a responsabilização do professor pelos resultados
negativos da aprendizagem dos alunos, sem considerar a realidade difícil vivida por
muitas escolas e o fato de que o professor de hoje é resultado de muitas décadas de
descaso com a educação, durante as quais o seu salário foi rebaixado, sua carga de
trabalho, aumentada, a formação aligeirada, e sua posição na sociedade, deteriorada.
Com efeito, a profissão docente, que já havia perdido o antigo prestígio, passou a ser
considerada como algo provisório, uma ocupação não desejada, que se aceita, na
falta de outra. Esta é a situação real do protagonista que as reformas procuram eleger
como o principal fator determinante da qualidade do ensino. (CAMPOS, 2008, p.
122)
Os professores são apenas uma das muitas peças neste “tabuleiro de xadrez” chamado
educação pública, onde para se alcançar sua qualidade todos os “peões” devem jogar juntos e
com os mesmo objetivos e fundamentos.
E isto tudo é importante destacar porque o objeto de trabalho da ação docente é o
sujeito, conforme esclarece Paro:
Este se diferencia de maneira radical do trabalho na produção tipicamente
capitalista, porque seu objeto de trabalho (o aluno) precisa ser também sujeito, ou
seja, ele é coprodutor num processo de trabalho que tem por fim a formação de sua
personalidade em termos humano-históricos. Como sujeito, somente com o
envolvimento de sua vontade o processo ensino-aprendizado pode dar-se; do que
decorre que o trabalhador (o professor) também precisa ser um sujeito, um portador
de vontade (orientada para o ensino). (PARO, 2012, p. 588)
135
E por isso, devem-se oferecer condições plausíveis de trabalho na instituição escolar e
estas devem começar pela preocupação com relação à formação docente, inicial e continuada.
Neste sentido, há uma compreensão ampla do direito à educação no que se refere aos
insumos como: vagas em creche e escolas, transporte para alunos, exoneração e promoção de
profissionais da educação e educação especial. Porém, é muito mais complexo encontrarmos
decisões em nossos Tribunais que versem sobre as avaliações externas em larga escala
(resultado) e a relação ensino aprendizagem no âmbito educacional, exigindo-a como uma das
dimensões da qualidade educacional:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
DISPONIBILIZAÇÃO DE VAGA PARA CRIANÇAS EM CRECHE
MUNICIPAL. ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA ORÇAMENTÁRIA. FATO
IMPEDITIVO DO DIREITO DO AUTOR. ÔNUS DA PROVA. ART. 333, II, DO
CPC. PRECEDENTES DO STJ. 1. Nos termos do art. 333 do Código de Processo
Civil, cabe ao autor demonstrar a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito
(inciso I) e ao réu invocar circunstância capaz de alterar ou eliminar as
consequências jurídicas do fato aduzido pelo demandante (inciso II). 2. Apresentada
defesa indireta, na qual se sustenta fato impeditivo do direito da parte autora, a regra
se inverte, pois, ao aduzir fato impeditivo, o réu implicitamente admite como
verídica a afirmação básica da petição inicial, que, posteriormente, veio a sofrer as
consequências do evento superveniente. Por conseguinte, as alegações trazidas pelo
autor tornam-se incontroversas, dispensando, por isso, a respectiva prova. 3. O
direito de ingresso e permanência de crianças com até seis anos em creches e pré-
escolas encontra respaldo no art. 208 da Constituição Federal. Por seu turno, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação, em seu art. 11, V, bem como o ECA, em seu art.
54, IV, atribui ao Ente Público o dever de assegurar o atendimento de crianças de
zero a seis anos de idade em creches e pré-escolas. 4. Em se tratando de causa
impeditiva do direito do autor, concernente à oferta de vagas para crianças com até
três anos e onze meses em creches mantidas pela municipalidade, incumbe ao
recorrente provar a suposta insuficiência orçamentária para tal finalidade, nos termos
do art. 333, II, do CPC. Precedentes do STJ. 5. Recurso Especial não provido. (REsp
474.361/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/06/2009, DJe 21/08/2009)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ECA. DIREITO À
EDUCAÇÂO. TRANSPORTE ESCOLAR. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
BLOQUEIO DE VERBAS. POSSIBILIDADE. A vedação à concessão de liminar
contra a Fazenda Pública, nos casos em que se esgote no todo ou em parte o objeto
da ação, contida no § 3º do art. 1º da Lei 8.437/92, cede ante situações especiais,
face ao princípio constitucional que garante a efetividade e a tempestividade da
tutela jurisdicional. Descabida a pretensão de chamamento do ente municipal ao
processo, tendo em vista a ausência de termo de cooperação que obrigue o
Município a realizar o transporte escolar dos alunos matriculados na rede estadual de
ensino. Incumbe ao Poder Público assegurar o acesso à educação à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, proporcionando meios que materializem o
direito constitucionalmente assegurado. Consoante disposição expressa na
Constituição Estadual, em seu art. 216, § 3º, o Estado fornecerá transporte escolar
como forma de garantir o acesso dos alunos à escola. Não celebrado convênio com o
Município em questão, incumbe ao agravante o fornecimento do transporte escolar
aos alunos matriculados na rede estadual de ensino fundamental, no período noturno,
e que residem a mais de 3km da escola. Para efetividade da ordem judicial, é
possível o bloqueio de verbas públicas, medida que se mostra menos gravosa à
sociedade e que visa a tornar efetiva a ordem judicial, garantindo aos alunos o
136
transporte escolar de que necessitam. AGRAVO DE INSTRUMENTO
DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70027525237, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em
11/03/2009)
ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ENSINO PUBLICO. LEI
MUNICIPAL QUE INTRODUZ O SISTEMA DE ELEICAO DE DIRETOR E
VICE-DIRETOR DE ESCOLA PUBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE DO
PAR-UNICO, ART-129, DA LEI ORGANICA, E DA LEI Nº 1900/99, NA SUA
INTEGRALIDADE, DO MUNICIPIO DE VACARIA, QUE ESTABELECERAM
A INDICACAO, ATRAVES DE VOTACAO PELA COMUNIDADE ESCOLAR,
DE DIRETOR E VICE-DIRETOR DE ESCOLA MUNICIPAL. SISTEMA QUE
SUBTRAI DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO A PRERROGATIVA DE
NOMEAR E EXONERAR, LIVREMENTE, SERVIDOR DE CARGO EM
COMISSAO E DISPOR SOBRE A ORGANIZACAO E FUNCIONAMENTO DA
ADMINISTRACAO MUNICIPAL. VIOLACAO AS REGRAS DOS ARTIGOS 20,
32 E 82, VII, OBSERVADO O DISPOSTO NO ART-8º, TODOS DA
CONSTITUICAO ESTADUAL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
REPRESENTACAO ACOLHIDA. ACAO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
(AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 70004453510,
TRIBUNAL PLENO, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LUIZ ARI
AZAMBUJA RAMOS, JULGADO EM 30/09/2002) (NLPM)
ECA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDUCAÇÃO ESPECIAL. O atendimento
educacional especial às crianças e adolescentes portadores de deficiência é direito
constitucional e legalmente assegurado, impondo-se a sua satisfação ao ente público
competente. Apelo desprovido e sentença confirmada em reexame necessário.
(APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO Nº 70004911582, SÉTIMA CÂMARA
CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: MARIA BERENICE
DIAS, JULGADO EM 07/05/2003)
Para Pinto (2006) “ficou claro o quanto as desigualdades sociais e econômicas
impactam na qualidade do ensino oferecido pela escola pública, assim como os limites desta
última para alterar um problema que é estrutural à sociedade brasileira”.
3.3.2 Resultados
Quanto aos resultados ou produto pode-se defini-los em como e quanto essas crianças
e adolescentes vão bem ou mal na escola, e isto vem sendo aferido por testes padronizados, ou
ainda, como afirma Oliveira (2006) “associados ao desenvolvimento de competências e
habilidades para determinado nível ou etapa de escolarização”.
As avaliações em larga escala ou testes padronizados no Brasil antes do IDEB já eram
aplicados por muitos Estados, porém, nenhuma possuía o viés da Lei americana “No Child
137
Left Behind”28
conforme afirma Fernandes:
Antes do No Child Left Behind [lei aprovada em 2002, no governo Bush, que visa à
melhoria da qualidade da educação por meio de um sistema de prestação de contas
baseado em resultados], a maioria dos Estados já tinha sistema de avaliação. Nos
que primeiro criaram um sistema, a evolução do desempenho dos alunos foi mais
acentuada. Esses sistemas fazem com que as escolas e os dirigentes dos sistemas
(secretários, prefeitos e governadores) se sintam responsáveis pelo desempenho. É a
idéia da responsabilização, de accountability. (FERNANDES, 2007 apud
FREITAS, 2007, p. 966)
Importa destacar que a questão específica da responsabilização das escolas e dos
dirigentes dos sistemas pelo desenvolvimento dos alunos será analisada posteriormente
quando tratarmos da Lei de Responsabilidade Educacional que já vem sendo estudada no
Brasil.
Assim, Sousa (2014, p. 409) destaca que o intuito original das avaliações em larga
escala seria o de “auxiliar os governantes nas decisões e no direcionamento de recursos
técnicos e financeiros, assim como a comunidade escolar no estabelecimento de metas e
implantação de ações pedagógicas e administrativas, visando à melhoria da qualidade do
ensino”, porém deixa claro também que em 25 anos de SAEB não se pode afirmar que estas
avaliações apontam para aspectos positivos na melhoria da qualidade educacional.
Almeida, Dalben e Freitas (2013, p. 1155) esclarecem que “no Brasil, esta lógica vem
ocorrendo desde a década de 1990, quando as avaliações externas passaram a ser inseridas no
cotidiano escolar através do aparato normativo-jurídico, vinculando seus resultados ao
financiamento da educação e, ainda, revestida de plausíveis argumentos pedagógicos
(PCNs)”.
Assim, hoje no Brasil o ensino fundamental conta com o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (SAEB), agora substituído pelo ANRESC (Avaliação Nacional
do Rendimento Escolar)29
e o ANEB (Avaliação da Educação Básica), que mantém
características mais próximas do SAEB30
, além do Prova Brasil. E desde 24 de abril de 2007 o
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
O SAEB avalia estudantes de escolas urbanas e rurais, tanto da rede pública quanto da
rede privada. O universo de participação é amostral, portanto, com resultados disponíveis em
28
“Nenhuma criança deixada para trás” - Lei do governo americano na era Bush que tinha como meta a melhoria
da qualidade da educação utilizando um sistema de prestação de contas baseado em resultados. 29
O ANRESC coletou, em sua primeira aplicação, no ano de 2005, informações sobre o desempenho de cada
uma das 43 mil escolas urbanas de 4ª e 8ª séries da rede pública, em 5.418 municípios brasileiros (praticamente
todos do país). 30
O ANEB é amostral, procurando fornecer informações relativas ao sistema, sem especificação de resultados
por escola.
138
esfera nacional, regional e por unidade da Federação, para as séries e disciplinas avaliadas,
sem detalhamento para municípios ou unidades de ensino. As médias rurais só são
comparáveis em âmbito nacional. Este tipo de teste utiliza diferentes instrumentos de coleta
de dados, sendo um deles os testes que têm por finalidade medir a habilidade de Leitura em
Língua Portuguesa e de resolução de problemas em Matemática dos alunos.
(MEC/INEP/SAEB).
A Prova Brasil tem o objetivo de produzir informações sobre o ensino oferecido por
município e escola, individualmente, com o objetivo de auxiliar os governantes nas decisões e
no direcionamento de recursos técnicos e financeiros. Além das provas, os alunos respondem
a um questionário que coleta informações sobre seu contexto social, econômico e cultural
(NONATO, 2006).
Já, o IDEB é o resultado da combinação de dois outros indicadores: a) pontuação
média dos estudantes em exames padronizados ao final de determinada etapa da educação
básica (4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio) (Prova Brasil ou
SAEB) e b) taxa média de aprovação dos estudantes da correspondente etapa de ensino.
Ribeiro (2007, p. 08) coloca que “a novidade do IDEB é seu caráter sintético,
possibilitando a definição de metas que levam em conta tanto a capacidade dos sistemas de
incluir e promover os alunos quanto a de efetivamente ensiná-los”.
Cury (2007, p. 14) assevera que o IDEB “deve ser visto como um avanço já que
articula duas variáveis importantes: fluxo e desempenho”.
O IDEB pode ser interpretado da seguinte maneira:
Para uma escola A cuja média padronizada da Prova Brasil, 4ª série, é 5,0 e o tempo
médio de conclusão de cada série é de 2 anos, a rede/ escola terá o Ideb igual a 5,0
multiplicado por ½ , ou seja, Ideb = 2,5. Já uma escola B com média padronizada da
Prova Brasil, 4ª série, igual a 5,0 e tempo médio para conclusão igual a 1 ano, terá
Ideb = 5,0.(MEC/INEP/IDEB)
Assim, o IDEB é resultado do produto entre o desempenho e do rendimento escolar ou
o inverso do tempo médio de conclusão de uma série. Almeida, Dalben e Freitas trazem uma
discussão sobre o conceito de eficácia escolar e a formulação do IDEB, tendo em vista que ele
não considera não o nível socioeconômico (NSE) em sua composição:
O fator “desempenho” está associado ao aproveitamento cognitivo dos alunos, em
especial em Língua Portuguesa e Matemática, e o fator “rendimento” ao fluxo
escolar, determinado a partir da taxa de aprovação medida através da razão entre o
tempo necessário para conclusão da etapa de escolarização e o tempo de duração
efetivamente despendido para concluí-la. A pretensão do Ideb de sumarizar a
139
qualidade de ensino oferecida a partir desses dois fatores não parece viável, já que
incapaz de refletir a realidade das instituições, não apenas pelo que o índice deixa de
considerar, em especial o NSE da população atendida, mas também pela forma
como mede esses aspectos. (ALMEIDA; DALBEN; FREITAS, 2013, p. 1156)
No estudo realizado por Gusmão o lugar dos testes padronizados nos discursos dos
atores entrevistados diverge, mas a importância dos mesmos não deixa de ser destacada:
O lugar que as avaliações em larga escala têm no debate sobre a qualidade da
educação e nas políticas educacionais é uma questão central no que está em jogo na
arena. Apesar da importância da avaliação centralizada poder ser considerada um
consenso, os atores divergem na atribuição de seus papéis. Uma parte dos
depoimentos tendeu a ressaltar os aspectos positivos do uso das provas e índices
como indicadores de qualidade da educação e como eixos estruturantes de políticas e
práticas calcadas na busca da qualidade. Outra parte enfatizou com veemência as
limitações e distorções no uso dos resultados das provas e dos índices tanto como
indicadores de qualidade quanto para balizar ações de promoção da qualidade. Entre
os pontos que opõem os atores no que concerne ao assunto tratado neste tópico,
podemos identificar quatro: 1) reconhecimento dos resultados dos testes e índices
correlatos como indicadores de qualidade da educação; 2) capacidade das provas de
garantirem o direito à aprendizagem; 3) capacidade das provas e índices nelas
baseados de se constituírem como instrumentos de gestão de políticas públicas; 4)
capacidade das provas de interferirem no currículo. (GUSMÃO, 20013, p. 110-111)
No mais, há ainda divergência entre estes atores sobre a atribuição de papéis:
Se todos convergem em aceitar a importância das provas em larga escala, divergem
na atribuição de seus papéis. Nesse sentido, uma das principais discordâncias entre
os atores é acerca do reconhecimento dos resultados dos testes e índices correlatos
como indicadores de qualidade da educação. Três visões principais foram
identificadas: a primeira, destacando a valorização do caráter objetivo das testagens
e do Ideb, concebe-os como instrumentos inequívocos de avaliação da aprendizagem
e da qualidade da educação; a segunda reconhece sua legitimidade como indicadores
de qualidade, porém também reconhece seus limites; para a terceira, os testes e
índices desconsideram aspectos e fatores fundamentais do processo educativo,
especialmente os ligados aos processos e às condições de vida dos alunos e de
trabalho dos professores, questionando, assim, os limites da avaliação
proporcionada. (GUSMÃO, 20013, p. 110-111)
Desta forma, a forma de medição destes resultados deveria ser mais sistêmica para
poder medir melhor o sistema escolar como um todo, posto que o IDEB seja uma medida de
resultado e não de qualidade, pois soma proficiência com aprovação, não captando a
equidade, mas, ainda é uma contribuição mais efetiva de resultados.
Outros aspectos devem ser pensados quando tratamos de avaliações em larga escala,
dentre eles destaco a importância da interpretação correta dos resultados obtidos, pois quando
se enfatiza o produto em detrimento do processo, se restringe a definição de qualidade
educacional; é importante que não se estreite a concepção de currículo, deixando-o aberto
140
para a inserção e a inclusão social das novas gerações, além de abrir-se mais para outras
matérias tão necessárias ao desenvolvimento dos alunos quanto às disciplinas de matemática e
português, por exemplo, sociologia e ciências, entre outras disciplinas; a periodicidade das
provas e o formato com que são concebidas só fortalecessem a avaliação tradicional e
meritocrática que há tempos permeia a escola, pois por elas são desconsideradas as vivências
das práticas escolares; a última consideração e talvez a mais importante de todas seja a
valorização somente do desempenho dos alunos nestas avaliações de larga escala; esta
situação nos traz dois problemas que vivenciamos na prática nas escolas de todo o país: testes
forjados, onde apenas os bons alunos comparecem nos dias das provas e o incentivo a
competição entre as escolas por bônus pecuniários (meio de premiação), o que revela a crença
de que a competição gera melhores resultados, e contradiz completamente a proposta de
escola que defendemos.
Almeida, Dalben e Freitas em análise sobre o IDEB concordam com as ponderações
acima descritas e destacam que as diferenças sociais dos alunos devem ser levadas em
consideração quando se realiza uma avaliação de desempenho escolar, inclusive a questão
cultural deve ser considerada:
Observando a influência das diferenças sociais dos alunos no desempenho escolar e
consequentemente no trabalho desenvolvido pela escola e sua efi cácia, encontra- se
nas análises de Bourdieu (1998) outro fator importante: a questão cultural. Ele
evidencia que, embora o aspecto econômico seja importante para a análise da
questão, há também a dimensão cultural que, como um bem capaz de favorecer o
desenvolvimento dos estudantes na escola, transforma-se em um tipo de capital que
pode ser mobilizado para influenciar o sucesso escolar: aspecto que chamou de
“capital cultural”. Por este viés, entende-se que as diferenças socioeconômicas e
culturais devem compor uma análise explicativa da diferença de desempenho dos
alunos, já que não considerá-las significaria, muitas vezes, atribuir o título de boa
escola a instituições que, como única e verdadeira diferenciação em relação a outras,
possui alunos de maior capital socioeconômico e cultural. Dessa análise pode-se
concluir que a elaboração dos índices deveria considerar o contexto em que a escola
realiza seu trabalho, já que o NSE dos alunos é a variável que mais se correlaciona
com suas notas, tendo a maior parte de sua variabilidade explicada pelos fatores
externos à escola. (ALMEIDA, DALBEN, FREITAS, 2013, p. 1157)
E Souza nos traz um alerta em relação a estas avaliações e a forma com que as
políticas têm sido concebidas a partir delas: “políticas educacionais formuladas e
implementadas sob os auspícios da classificação e seleção incorporam, consequentemente, a
exclusão, como inerente aos seus resultados, o que é incompatível com o direito de todos à
educação” (SOUSA, 2009), uma vez que a nossa CF/88 determina que a educação é direito de
todos, como contemplar esta situação?
141
Não se pode negar a importância dos testes padronizados em um país de extensões
continentais como o Brasil, porém a análise dos seus resultados não pode ser feita
desconsiderando justamente esta característica que traz embutida diferenças sociais,
econômicas e culturais do nosso povo. Por isso, concordamos com Sousa quando destaca que
uma avaliação em larga escala, se pensada a partir dos pressupostos de discussão do CONAE,
seria formulada para:
Possibilitar o julgamento da realidade educacional – em sua diversidade – e apoie
políticas e programas, desde os níveis centrais até a escola;
Produzir informações capazes de balizar iniciativas das diversas instâncias
governamentais;
Seja abrangente, abarcando indicadores relativos a acesso, insumos, processos e
resultados;
Considerar os determinantes intra e extra institucionais que condicionam a qualidade
da educação;
Induzir ao estabelecimento de relações compartilhadas, remetendo a que se dê
centralidade ao controle social da qualidade da educação. (SOUZA, 2014, p. 415)
Já Freitas propõe que as avaliações sejam construídas por meio de um processo de
mediação de desenvolvimento dos alunos associada às avaliações institucionais, levando em
conta uma gama mais ampla de informações da realidade escolar:
[...] construir uma alternativa que recoloque os processos de medição de
desenvolvimento dos alunos em seu devido lugar – desgastados que foram pelas
políticas neoliberais ávidas por premiar e punir professores – e associe-os com um
processo de avaliação (institucional) destinado a levar em conta o desempenho do
aluno como parte de um conjunto mais amplo de informações da realidade das
escolas, favorecendo a reflexão e a organização dos trabalhos de cada uma delas.
(FREITAS, 2005, p. 930).
Outra proposta interessante que Souza traz é o trabalho realizado pelo Grupo de
Trabalho de Avaliação da Educação Infantil que integra o documento intitulado Educação
Infantil: subsídios para construção de uma sistemática de avaliação:
O referido documento propõe a construção de uma sistemática de avaliação da
educação, o que supõe assumir a avaliação não como atividade pontual, mas sim
como processo, que requer o delineamento de atividades inter-relacionadas que
garantam um fluxo de produção de informações, análise, julgamento e decisões que
apoiem continuamente a execução das políticas e programas.
Para tanto, realça-se a necessária colaboração entre os entes federados nesse
processo de se constituir a avaliação da educação, que remete à construção de
acordos quanto à noção de qualidade a ser assumida como marco de referência,
combinando-se indicadores comuns e outros específicos de cada estado e município,
incorporando indicadores de insumos, processos e produtos. (SOUZA, 2014, p. 416)
142
Isto porque, concordamos com Sá Barretto devemos pensar, quando falamos em
avaliação em larga escala, para além do Estado e do mercado, levando em conta os anseios
mais gerais da sociedade sobre a educação e não apenas as razões de ordem estritamente
econômicas. Se considerarmos como base das nossas reflexões a função social da escola,
perceberemos que se deve dar importância ao processo e às condições gerais em que ensino é
oferecido. Isto deve direcionar a avaliação:
A busca da possibilidade de avaliar a qualidade do ensino faz recair a ênfase nas
variáveis do processo, muito mais do que no produto da educação, sendo que a sua
natureza deve ser eminentemente dialógica e dialética, voltada para a transformação,
tanto no plano pessoal como no social. A avaliação deve ter um caráter contínuo,
que supõe trocas constantes entre avaliador e avaliado, o que pode implicar,
dependendo do nível de ensino, maior interação com as próprias famílias dos
educandos, especialmente no caso das crianças menores. As mudanças em relação
ao indivíduo apontam na direção da autonomia e, em relação ao social, na direção de
uma ordenação democrática e, portanto, mais justa da sociedade. O eixo da
avaliação deixa de girar exclusivamente em torno do aluno e da preocupação técnica
de medir o seu rendimento. Passa a centrar as atenções em torno das condições em
que é oferecido o ensino, formação do professor e suas condições de trabalho,
currículo, cultura e organização da escola e, ainda, postura de seus dirigentes e
demais agentes educacionais. (SÁ BARRETO, 2001, p. 49)
Desta forma, acreditamos que deve haver o compromisso de se explorar os diversos
desdobramentos decorrentes das avaliações em larga escala para que se possa pensar em
iniciativas e políticas públicas voltadas de fato a atender a noção de qualidade da educação
que buscamos e defendemos neste trabalho.
3.3.3 Processo
Tem-se que as duas dimensões de qualidade anteriores são mais simples e já podem
ser aferidas e, até mesmo, pleiteadas judicialmente, porém a terceira, os processos, trata de
uma dimensão mais complicada, primeiramente porque depende da superação dos modelos
tradicionais de input (insumos) e output (resultados) oriundo da economia; segundo, porque a
escola é considerada por muitos como “caixa preta”.
Para Oliveira (2006) estes indicadores “relativos ao desempenho na realidade
educativa são aqueles que dizem respeito ao clima e à cultura organizacional da escola”.
Assim, quanto aos processos se faz necessário iniciar a discussão para se determinar quais os
elementos que são mais importantes em si para todos e que podem se tornar um padrão
143
mínimo de qualidade. Alguns aspectos importantes e que podem ser analisados nesta
dimensão são os campos da didática, da relação professor-aluno, da organização pedagógica
da escola, da gestão democrática, da progressão continuada, currículo, avaliação, entre outros
que também compõe esta dimensão.
Segundo a Campanha Nacional pelo Direito a Educação os processos de aprendizagem
devem ser divididos em quatro grandes tipos:
• Dimensão do conhecimento – Entendendo a educação como um processo para
garantir ao ser humano a apropriação do conhecimento historicamente construído
pela humanidade, essa dimensão implica discutir a relevância dos conteúdos
curriculares, sua relação com os processos produtivos e as relações entre teoria e
prática na compreensão do conhecimento científico;
• Dimensão estética – A palavra “estética” vem do grego aisthesis, designando
“faculdade de sentir”, “compreensão dos sentidos”, “percepção totalizante”. De
forma bastante genérica, podemos dizer que a estética trata da relação do ser
humano com a beleza e dos sentimentos gerados por ela. Em nosso texto,
assumimos a dimensão estética do CAQi como aquela relacionada às condições do
ambiente educativo que possibilitam prazer, criatividade e pertencimento, estando
ligada à formação das educadoras e dos educadores para potencializar a capacidade
criativa e apreciativa dos estudantes;
• Dimensão ambiental – Envolve as condições necessárias para que estudantes,
educadores e comunidade escolar possam sentir a escola como um espaço que
promova relações de respeito por si e pelos outros e de pertencimento à natureza.
Sabemos, hoje, que a dimensão ambiental do processo educativo deve extrapolar as
tradicionais comemorações do Dia da árvore e de outras datas relacionadas a essa
questão, perpassando o currículo e o conjunto do projeto político pedagógico da
escola e do próprio ambiente educativo;
• Dimensão dos relacionamentos humanos – trata da promoção de vínculos, de
interação e de reconhecimento e respeito à diversidade humana e da construção de
uma educação antirracista, antissexista e contra qualquer tipo de discriminação. Essa
dimensão também se relaciona ao fortalecimento da gestão democrática, vinculado
ao desenvolvimento das instâncias e dos processos participativos do conjunto da
comunidade escolar (estudantes, educadores, pais, mães, parentes e demais
integrantes da comunidade). (CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO A
EDUCAÇÃO, 2011, p. 22-23)
Desta forma, para se firmar indicadores de qualidade da realidade educativa vinculada
à dimensão processo requer-se o conhecimento da realidade em que a escola está inserida e a
necessidade de se definir competências essenciais para a cidadania democrática:
Apesar da convicção de que educar todas as pessoas com altos níveis de qualidade é
uma condição necessária para a cidadania democrática, o conhecimento da
necessidade específica de aprofundar na definição das competências essenciais para
a cidadania democrática, na identificação das metodologias mais apropriadas para
desenvolvê-las e nos sistemas de apoio e avaliação para levá-las a escala, essas
metodologias constituem um debate mais recente. (REIMERS; REIMERS, 2006, p.
93)
144
Portanto, quanto aos processos acreditamos que a discussão deva permear algumas
questões de suma importância e que compõe esta dimensão: a valorização do professor e a
construção da qualidade educacional partindo da realidade de cada comunidade escolar, ou
seja, de dentro para fora. E não se pode deixar de considerar nesta dimensão a importância da
questão da gestão educacional, partindo da gestão democrática.
Isto porque, desta forma verificamos os processos e as realidades de cada comunidade
escolar para que possamos a partir delas delimitar o que é qualidade na dimensão processual
para aquela escola.
Afinal, em um país das dimensões do nosso e com a diversidade cultural, social,
política e econômica que temos, onde há escolas que não possuem sequer cadeiras e lousas;
ou onde há os professores que só conseguem chegar de barcos e não têm nenhuma formação
superior; deve-se pensar em todas as dimensões e se construir a dimensão processual a partir
daquela realidade, buscando melhorias na qualidade educacional.
No mais, a discussão deve perpassar as orientações curriculares brasileiras visando
atender as desigualdades socioeconômicas e culturais dos alunos com atenção às diferenças,
isto por que:
O direito à educação como direito humano é, ademais, qualificado como direito à
educação de qualidade para todos. A qualidade social da educação é advogada para
as políticas educativas como um conceito associado às exigências de participação,
democratização e inclusão, bem como à superação das desigualdades e das
injustiças. (GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 37)
No que concerne à discussão de currículo as autoras destacam que “há professores que
não estão satisfeitos, por causa das restrições à sua autonomia no trato com o currículo, mas
existem os que se sentem mais seguros pelo fato de todos os colegas trabalharem com
referências comuns, de haver mais clareza sobre o que têm de fazer em sala de aula”, e para
tanto é necessário que um modelo de regulação do currículo tente conciliar estes dois pontos,
em resumo que “currículo ético-profissional predomine sobre a do currículo econômico-
burocrático” (GATTI; SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 46).
Em nossos tribunais encontramos poucos temas que podem ter correlação com a
dimensão processual da qualidade educacional, entre eles podemos citar uma sentença da 2ª
Vara Judicial da Comarca de Várzea Paulista em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério
Público que aborda o Sistema Educacional de Progressão continuada no ensino fundamental e
que concede a antecipação de tutela para determinar ao Estado de São Paulo e ao Município
de Várzea Paulista que adotem, nas escolas situadas em Várzea Paulista, um sistema de
145
avaliação que exija dos alunos do ensino fundamental a comprovação, em média anual, de
absorção de pelo menos cinquenta por cento do conteúdo ministrado, por matéria, facultando-
se aos requeridos o direito de reter o aluno que não aferir este percentual na mesma série, bem
como a fim de determinar que as requeridas não aprovem para a série subsequente o aluno do
ensino fundamental que não aferir o percentual anual de absorção. Ou seja, vai de encontro à
aprovação automática utilizada pelo Estado de São Paulo e pelo município em questão, pois
considera em sua análise que:
O art. 205, da Constituição Federal, preconiza que a educação é um direito de todos
e um dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa e de sua
qualificação para o trabalho.
Em sendo assim, o pleito formulado pelo representante do Ministério Público, no
âmbito dessa comarca, encontra total amparo na norma constitucional, pois não se
verifica o real cumprimento do que dispõe a Carta Magna.
É certo que há, nessa comarca, inúmeras escolas públicas frequentadas por crianças
e adolescentes.
Ocorre, no entanto, que é cada vez maior o número de crianças e adolescentes que,
em virtude do sistema atualmente adotado para a promoção de série, não conseguem
ler e escrever com fluência.
E essa constatação é feita diariamente, durante o contato com essas crianças e
adolescentes, os quais têm tido problemas extremamente sérios no que se refere, em
especial, à alfabetização.
Nas inúmeras abordagens feitas por este Juízo e pelo Ministério Público, é possível
constatar que é cada vez maior o número de jovens que têm uma grande dificuldade
para escrever o próprio nome ou, ainda, para ler textos de forma fluente, mesmo
frequentando assiduamente a escola.
Essas crianças e esses adolescentes não conseguem, por muitas vezes, entender o
significado de um texto simples.
É também incontável o número de jovens que têm necessitado o acompanhamento
deste Juízo para resolver questões referentes à evasão escolar, o que é causado,
muitas das vezes, pela vergonha que sentem diante de poucos colegas que
conseguem ler e escrever com um pouco mais de facilidade.
E, neste diapasão, importante ponderar que não se trata de alunos das sérias
primárias, mas sim – e na grande parte das vezes – daqueles que estão cursando as
séries mais avançadas do ensino fundamental.
A maior parte dos adolescentes que cursam as escolas da rede pública não têm
condições de enfrentar o mercado de trabalho em nível de igualdade com aqueles
que cursam escolas particulares.
E isso não é certo, já que cabe ao Poder Público providenciar que todos,
independentemente de condição econômica, tenham acesso à educação com
aprimoramento das habilidades individuais, tudo com o objetivo de formar um
cidadão com a perspectiva de um futuro melhor.
Diante do exposto e com fundamento em todos os argumentos trazidos pelo
representante do Ministério Público, fácil constatar que a atual política de ensino não
tem sido satisfatória e não tem cumprido aquilo que foi idealizado pelo Constituinte,
quando se pretendeu assegurar o direito à educação. (Flávia Cristina Campos
Luders, Juíza de Direito, 16/01/2009)
Há também uma ação civil pública que tramitou pela Vara da infância e Juventude do
município paulista de Presidente Prudente promovida pelo Ministério Público do Estado de
146
São Paulo contra a Fazenda Pública do Município visando à concessão de tutela antecipada
para que seja determinado que as salas dos 1º e 2º anos e 3ª e 4ª séries da EMEIF, sejam
separadas e voltem à composição original cessando a atividade de classes multisseriadas. A
decisão foi no seguinte sentido:
[...] a prestação da educação perante a escola em questão, até o final do ano de 2009
ocorria sem a existência de classes multisseriadas e a modificação implantada pela
requerida constituiu exceção à regra anteriormente em vigor, passível de
comprometer o padrão de qualidade no ensino das crianças, razão pela qual deve
permanecer inalterada a prestação do ensino na escola EMEIF Professora, até a
solução final da presente lide.
A argumentação de aumento de custos, além de inoportuna no presente momento
processual não se mostra plausível, considerando que no ano de 2009 as despesas de
manutenção da escola em questão já existiam e não havia nenhuma classe
multisseriada. (JOSÉ WAGNER PARRÃO MOLINA, Juiz de Direito, 19/03/2010)
Mais uma vez percebemos a Administração Pública focando na diminuição dos gastos
e baseando-se no princípio da reserva do possível para não cumprir com sua obrigação
educacional.
Assim, o que percebemos é que é inviável pensarmos em uma proposta de fora para
dentro ou de cima para baixo, uma vez que esta dimensão é extremamente particular a cada
contexto escolar. Por isso, acreditamos que a proposta de participação popular nesta
dimensão, chamando a sociedade para discutir as questões que envolvem o processo
educativo, a comunidade escolar, seja de grande valia para que esta dimensão se solidifique.
Para compreensão desta nossa proposta, partimos da conceituação de participação
social, que segundo Valla (2000, p. 254) “compreende as múltiplas ações que diferentes
forças sociais desenvolvem para influenciar a formulação, execução, fiscalização e avaliação
das políticas públicas e/ou serviços básicos na área social (saúde, educação, habitação,
transporte, saneamento básico etc.)”. E a conceituação de participação popular decorre do
conceito de participação social, ou seja, trata-se “de uma participação política das entidades
representativas da sociedade civil em órgãos, agências ou serviços do Estado responsáveis
pelas políticas públicas na área social” (VALLA, 2000, p. 255).
Uma pesquisadora da Paraíba, Gisania Carla de Lima, fez um trabalho onde aborda a
dimensão educativa do processo de participação popular na gestão pública local e neste
trabalho podemos perceber a importância desta proposta para a educação. Segundo Lima
(2009, p.16) “com o processo participativo, a sociedade civil coloca-se na condição de
copartícipe na gestão das políticas públicas”.
147
E Lima (2009, p. 30) define o processo participativo como sendo aquele em que
“consiste em estabelecer espaços onde os cidadãos participem das decisões públicas através
de mecanismos e instrumentos democráticos. Deve haver a tomada de decisão com um corpo
de cidadãos que legitime representando um interesse coletivo (vontade comum) e que tenha
importância reconhecida pelo governo”. Portanto, a tomada de decisão não fica somente nas
mãos da administração pública, mas também dos cidadãos que representam um interesse
coletivo.
Já Bobbio (2009, p. 100) quando analisa a importância da participação dos cidadãos
nos processos que fiscalizam as políticas públicas destaca: “Que as decisões e mais em geral
os atos dos governantes devam ser conhecidos pelo povo soberano sempre foi considerado um
dos eixos do regime democrático, definido como o governo direto do povo ou controlado pelo
povo”.
Lima esclarece que
O processo participativo, objeto de nosso estudo, inicia-se com mobilização e
articulação dos sujeitos para o levantamento dos problemas da realidade em que
estão inseridos. Posteriormente, são formuladas opiniões e propostas através de um
processo de aprendizagem, garantindo a existência de espaços públicos para o
diálogo e para o consenso. Serão exatamente esse tipo de iniciativas que fazem com
que o aspecto propositivo da participação seja considerado no desenvolvimento do
planejamento das políticas públicas nos contextos precarizados. Portanto, a
democracia, principalmente na sua forma participativa, pode ser medida quando
analisamos o relacionamento dos cidadãos com os representantes que possuem o
poder de decisão sobre as políticas públicas. (LIMA, 2009, p. 31)
Assim, por meio da participação popular na esfera educacional é possível que os
representantes da comunidade escolar tenham poder de decisão em relação às políticas
públicas que são implementadas na escola onde eles ou seus filhos estudam.
Segundo Haddad quando a comunidade assume para si a organização e gestão dos
processos educacionais, o exercício desta prática educativa permite o desenvolvimento da
qualidade educacional:
Há que se reconhecer, no entanto, que ao assumirem para si a organização e gestão
de experiências pedagógicas, os movimentos comunitários acabam por exercitarem
práticas educativas que facilitam o desenvolvimento de critérios de análise dos
serviços públicos escolares, ao mesmo tempo em que criam condições para
proporem alternativas visando um projeto de educação voltado aos seus interesses.
Além do mais, tais práticas organizativas podem apontar para um incentivo à
participação nos espaços de gestão dos órgãos públicos. Contribuem, por fim, no
sentido do fortalecimento e da organização destes grupos comunitários no campo da
sociedade civil, permitindo, desta maneira, a ampliação de espaços democráticos em
uma sociedade marcada pelo autoritarismo como a nossa. (HADDAD, 1992, p. 80)
148
Ou seja, desta forma, a comunidade escolar possibilita o desenvolvimento da oferta
dos serviços educacionais ampliando e qualificando estes serviços que passarão a atender suas
necessidades peculiares.
Neste sentido, a proposta de participação popular visa à transformação da realidade
educacional local, pois os sujeitos são convidados a aprender a participar participando da
elaboração do processo educacional de ensino aprendizagem e isso só é possível por meio da
mobilização da comunidade escolar ao entorno de cada escola e da organização de
espaços/momentos públicos para problematização dos conflitos e, consequente, negociação
dos interesses educacionais coletivos entre sociedade e agentes públicos.
Para Gadotti a participação popular, a gestão democrática da educação é um princípio
inerente da democracia:
A gestão democrática não é só um princípio pedagógico. É também um preceito
constitucional. O parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Federal de
1988 estabelece como cláusula pétrea que “todo o poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, consagrando uma nova
ordem jurídica e política no país com base em dois pilares: a democracia
representativa e a democracia participativa (direta), entendendo a participação
social e popular como princípio inerente à democracia. (GADOTTI, 2014)
Para Freire a educação popular é uma prática problematizadora: “[...] na prática
problematizadora, dialógica por excelência, este conteúdo, que jamais é ‘depositado’, se
organiza e se constitui na visão do mundo dos educandos, em que se encontram seus temas
geradores” (FREIRE, 1987, p.102).
E é partindo deste pressuposto que acreditamos que a participação popular na
educação pode revelar a profundidade com que um projeto político pedagógico pode ser
pensado de fato para a vida dos homens e mulheres que se envolvem nesta prática, pois ela
visa a promoção da democracia através da educação e da participação nos processos de
aprendizagem porque é por meio deles que se formam os sujeitos, os cidadãos brasileiros.
Isto porque, acreditamos que “formar para a participação não é só formar para a
cidadania, é formar o cidadão para participar, com responsabilidade, do destino de seu país; a
participação é um pressuposto da própria aprendizagem” (GADOTTI, 2014).
A gestão democrática não se reduz apenas à escola, ela incorpora todos os sistemas e
redes de ensino e a ela vem implícita a concepção de educação, que deve ser coerente com a
educação emancipadora, pois não há nexo falar em gestão democrática em uma concepção de
educação tecnocrática. E assim como Gadotti (2014) acreditamos que “Essa forma de atuação
da sociedade civil organizada é fundamental para o controle, a fiscalização, o
149
acompanhamento e a implementação das políticas públicas, bem como para o exercício do
diálogo e de uma relação mais rotineira e orgânica entre os governos e a sociedade civil”.
Neste caso, acreditamos que a dimensão de processos possa ser verificada e alcançada
por meio de propostas realizadas no âmbito de cada escola, tal como é feito pelos Indicadores
de Qualidade da ONG Ação Educativa.
Assim, um modelo de prática educacional que demonstra esta participação dos alunos
e da comunidade escolar como um todo nas fases do processo educacional, visando à
melhoria da qualidade do ensino, e que muito se assemelha à proposta de Paulo Freire,
encontra-se no projeto realizado sob a responsabilidade técnica da ONG Ação Educativa, com
o incentivo do PNDU e apoio financeiro do Unicef, denominado “Indicadores da Qualidade
na Educação”, que traz um instrumental que visa a construção de “um conjunto de indicadores
educacionais qualitativos de fácil compreensão e que propicie o envolvimento dos diversos
setores da comunidade escolar, em torno de um processo de avaliação participativo, visando a
instigar sua ação pela melhoria da qualidade da escola” (RIBEIRO; RIBEIRO; GUSMÃO,
2005, p. 235).
Contando com um estudo preliminar e uma primeira sistematização de opções
metodológicas, esse grupo de trabalho reuniu-se para definir as linhas gerais do
projeto. A partir dessa reunião, precisou-se seu objetivo: a construção e
disseminação de um conjunto de indicadores educacionais qualitativos de fácil
compreensão e que propicie o envolvimento dos diversos setores da comunidade
escolar em torno de um processo de avaliação participativo, visando a instigar sua
ação pela melhoria da qualidade da escola. Chegou-se também ao consenso de que o
publico alvo do projeto era a comunidade escolar, ainda que outros atores políticos
pudessem fazer uso dos seus resultados (GUSMAO; RIBEIRO;RIBEIRO, 2005,
p.235).
Para que este projeto se realizasse, foram identificados sete elementos fundamentais,
denominados dimensões; levados em conta no decorrer do processo de avaliação destas
dimensões, foram criados os indicadores, caracterizados como sinalizadores da qualidade de
importantes aspectos da escola (AÇÃO EDUCATIVA, 2004, p.5).
As sete dimensões propostas foram: ambiente educativo; pratica pedagógica;
avaliação; gestão escolar democrática; formação e condições de trabalho dos profissionais da
escola; espaço físico escolar e, por fim, acesso, permanência e sucesso na escola. Ou seja,
aspectos que abarcam nossas três dimensões: insumos, processos e resultado.
Cada uma destas dimensões é constituída por um conjunto de indicadores que são
avaliados e respondidos coletivamente. A partir das respostas obtidas, a comunidade escolar
150
pode avaliar a qualidade da escola em relação a cada indicador e estabelecer propostas que
sejam capazes de promover melhorias nos quesitos avaliados. (AÇÃO EDUCATIVA, 2004)
A metodologia para a realização da proposta da Ação Educativa (2004) indica que as
discussões devem ser coletivas, portanto, devem-se formar grupos com diferentes segmentos
ou representantes de segmentos da unidade escolar. Se houver número suficiente de pessoas,
divide-se um grupo para cada dimensão, caso contrário, um grupo poderá ficar responsável
por avaliar duas ou três dimensões.
É importante destacar que cada grupo deve ser composto por representantes de
diversos segmentos da comunidade escolar e devem eleger um coordenador e um relator, que
será responsável por expor as ideias discutidas na plenária. A etapa seguinte refere-se ao
plano de ação.
O ponto relevante na elaboração deste projeto foi conseguir a participação da
comunidade escolar de cada escola participante na busca pelo entendimento da questão da
qualidade educacional para aquele público específico.
E acreditamos que este projeto vem de encontro ànossa proposta de participação
popular, pois afirma que a luta pela melhoria da qualidade das escolas é responsabilidade de
todos os atores envolvidos na comunidade escolar: pais, alunos, professores, funcionários,
diretores, conselhos tutelares, Organizações Não Governamentais, órgãos públicos.
A proposta de Paulo Freire sempre foi no sentido de se construir juntamente com os
alunos as práticas pedagógicas, observando suas culturas e peculiaridades, o que este projeto
consegue vislumbrar, pois “a proposta em pauta é de uma avaliação da escola, feita pela
escola e para a escola.” (RIBEIRO; RIBEIRO; GUSMÃO, 2005, p. 235)
Por fim, Paulo Freire (2007, p. 78) lembra que "a leitura do mundo precede sempre a
leitura da palavra, e é esta leitura do mundo que nos conscientiza e nos torna seres políticos".
Há que se salientar que é clara a falta de qualidade educacional em todas as dimensões
quando se constata que os jovens que terminam o ensino fundamental não possuem nenhuma
das competências descritas nos Parâmetros Curriculares Nacionais, ou seja, jovens que não
tem compreensão sobre cidadania, pois não exercem seus direitos e deveres políticos, civis e
sociais; não adotam no dia a dia atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças;
não respeitam o outro ou/e não sabem exigir de forma civilizada para si o mesmo respeito;
não sabem se posicionar de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações
sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;
não conhecem e desconsideram as características fundamentais do Brasil nas dimensões
sociais, materiais e culturais. Isso não permite que criemos uma noção de identidade nacional;
151
não conseguem conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro,
muito menos se posicionar contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de
classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais;
muitas vezes não se percebem como parte integrante, dependente e agente transformador do
ambiente; poucas vezes desenvolvem o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de
confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação
pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no
exercício da cidadania; não conhecem e/ou cuidam do próprio corpo, valorizando e adotando
hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com
responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva; não utilizam as diferentes
linguagens — verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal — como meio para produzir,
expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos
públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação; não sabem
utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir
conhecimentos; não sabem questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de
resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade
de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação. (PCN, Vol I,
1997)
Paro (1998, p. 301) faz um questionamento que nos remete à concepção produtivista,
mas que nos fez refletir sobre o tema: “Qual o produto da escola?”. Acreditamos, assim como
o autor, que o processo pedagógico é um trabalho humano que possui como objeto o próprio
aluno e não a aula em si, porque o produto do nosso trabalho como educadores é o aluno
educado “com a “porção” de educação que se objetivou alcançar no processo” (PARO, 1998,
p. 301).
A produtividade da escola mede-se, portanto, pela realização de seu produto, ou
seja, pela proporção de seus alunos que ela consegue levar a se apropriar do saber
produzido historicamente. Isto supõe dizer que a boa escola envolve ensino e
aprendizagem ou, melhor ainda, supõe considerar que só há ensino quando há
aprendizagem. (PARO, 1998, p. 301)
Portanto, percebe-se que os indicadores que aferem a qualidade da educação básica
não podem se restringir somente aos testes padronizados. Claro que eles são úteis,
especialmente no novo formato proposto pelo PDE, o IDEB, porém a qualidade do ensino
fundamental precisa ser verificada também através de outros indicadores.
152
Furtado (2009, p. 167) em uma análise jurídica sobre a efetividade dos padrões de
qualidade, destaca que
A discussão sobre qualidade em educação assumiu grande visibilidade no debate
público e faz parte do rol de preocupações, não só dos especialistas da área da
pedagogia, mas também de outras áreas de conhecimento como a economia e a
administração.
O direito pouco a pouco também vai tomando parte nessa importante questão
educacional, talvez ainda sem o volume de produção acadêmica que o tema merece.
De toda sorte, a questão da qualidade do ensino possui elementos que a todos parece
interessar e é notável o apelo que o assunto desperta na população.
Os meios de comunicação de massa, em geral, e especificamente os jornais e
revistas dedicam espaço, editoriais e cadernos especiais sobre o tema. A publicação
de resultados de avaliações de ensino, por exemplo, é sempre notícia que aparece em
primeira página dada a sua repercussão pública.
Assim, a Lei 13.005/2014 que traz o novo Plano Nacional de Educação (PNE) deixa
clara a importância da articulação entre as redes de ensino municipal e estadual no primeiro e
segundo ciclos para melhoria do processo educacional. É preciso uma pactuação e
colaboração entre Estados e Municípios para pensar nos projetos políticos pedagógicos dos
ciclos do ensino fundamental conjuntamente.
E refletindo sobre a efetividade dos padrões de qualidade uma questão que se mostrou
muito relevante neste levantamento realizado sobre os CAO’s é que há entendimento do MP
sobre insumos, mas ainda há pouca compreensão sobre processo e também sobre resultados,
pois eles não conferem autenticidade legal às avaliações em larga escala, por vezes pelos
mesmos motivos que os educadores, por vezes por acreditarem que estas não são legítimas
para esta utilização jurídica.
Por fim, o que percebemos pela análise dos gráficos e das informações apresentadas
pelos estudos e relatórios analisados em comparação com as informações obtidas junto aos
mapeamentos dos Centros de Apoio Operacional dos Ministérios Públicos nos Estados
brasileiros é que o Nordeste apesar de constituir-se em uma das regiões que mais tem CAOE
ainda assim possui a maior taxa de analfabetismo, seguido pela região Norte do país.
Acreditamos que na realidade as ações dos Ministérios Públicos ainda são muito
pontuais e que existem, para a dimensão territorial de nosso país e pelas dificuldades
econômicas e sociais do mesmo, poucos Centros de Apoio de forma geral, quiça de defesa da
educação, que vise assessorar o MP para implementar ações com foco na educação
fundamental e em sua qualidade. Isto poderá ser melhor discutido e analisado no próximo
capítulo.
153
4 EXIGIBILIDADE JURÍDICA DA QUALIDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL
PÚBLICO NO BRASIL
“A tendência democrática de escola não pode
consistir apenas em que um operário manual se
torne qualificado,mas em que cada cidadão possa se
tornar governante”
(Gramsci)
O termo “justiciabilidade” possui diversas expressões com o mesmo conteúdo
semântico, tal como exigibilidade, judiciabilidade e outros. Segundo Santos Saes (2008)31
, a
escolha específica pelo termo “justiciabilidade” refere-se ao contexto jurisdicional que ele
abrange, pois para ela “a justiciabilidade, embora contenha a ideia de exigibilidade, insere-se
especificamente no contexto jurisdicional e dirige-se, portanto, contra o Estado” (SAES,
2008, p. 88). E é neste sentido que a proposta de exigibilidade jurídica se faz, por isso a
adoção do vocábulo “justiciabilidade” neste trabalho.
Assim, Saes define justiciabilidade:
A justiciabilidade é o afiançamento estatal dos direitos como contrapartida do
monopólio da justiça pelo Estado. Foi a moeda de troca quando o homem, na
formulação do contrato social, abriu mão da possibilidade de fazer a justiça privada
para a proteção de seus direitos, outorgando ao Estado a legitimidade para fazê-lo
em seu nome mediante a concessão da actio. Em sentido analítico, equivale à
qualidade daquilo que é justiciável. Sob o aspecto semântico corresponde ao atributo
assecuratório estatal de tutela jurídica dos direitos perante o Estado-jurisdição ou,
em outras palavras, exequibilidade jurisdicional do direito. Dizer que o direito é
justiciável significa dizer que ele é tutelável ou exeqüível pelo Estado-juridição e,
por isso, confere ao seu titular o poder de submetê-lo ao indeclinável crivo
jurisdicional. Quando se diz que o direito é justiciável não significa dizer que será
tutelado, ou seja, que o pedido deduzido será acolhido visto que o provimento
jurisdicional que o aprecia está sempre vinculado ao conjunto probatório formado no
curso da relação jurídica processual. (SAES, 2008, p. 89)
Desta forma, justiciabilidade é, portanto, a tutela do direito subjetivo diante do Estado
que possibilita a exigência da prestação de um direito decorrente de uma obrigação positiva.
Queiroz (2006, p. 148) quanto à definição de justiciabilidade, destaca que é “a possibilidade
de reclamar perante um juiz ou tribunal o cumprimento das obrigações que derivam do
direito”.
31
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP
154
Ramires (2006, p. 70) em sua pesquisa da PUC/SP analisa a questão da
justiciabilidade sob o enfoque dos direitos humanos e reafirma a conceituação desta, pois “de
fato, a própria coletividade internacional apreendeu o direito à justiciabilidade dos direitos
humanos como um “estándar mínimo común”, consistente na obrigação estatal de garantir a
proteção judicial dos direitos consagrados na própria normativa internacional mediante
recursos céleres e efetivos”.
No entanto, o conceito de justiciabilidade deve ser trabalhado conjuntamente com o de
acionabilidade; neste sentido, Saes (2008, p. 92) defende que “sendo a justiciabilidade o poder
de exigir a prometida proteção estatal dos direitos dos indivíduos na esfera jurisdicional, a
possibilidade de exercitar esse poder pode nominar-se de acionabilidade, visto que o seu
exercício submete-se a condições”.
Assim, Ramirez (2003, p. 131) correlaciona os termos conceituando justiciabilidade a
“la posibilidad efectiva de protección jurisdiccional, promovida al través de una acción
procesal y alcanzada por medio de uma sentencia”.
Em resumo, a justiciabilidade seria a complementação da democracia do Governo
(Poder executivo e Legislativo) por um papel mais efetivo da Justiça (Poder Judiciário). E isto
“em um Estado onde há a concepção de onipresença do Poder Público, de poder supremo
deste, pois tudo devia ser suprido por ele, esse espírito esta sendo complementado, numa
concepção mais dinâmica e democrática da independência e harmonia entre os Poderes, pela
Justiça” (CABRAL, 2008, p. 99).
E é com base nesta concepção de exigibilidade jurídica que propomos que o direito à
qualidade do ensino fundamental seja efetivado por meio dos denominados ações-remédios
constitucionais, cuja operacionalização não necessita de procedimentos especiais, mas da
participação efetiva do Ministério Público Estadual como representante e parte das ações civis
públicas que buscam este direito.
Isto porque, segundo Vieira (2001) “os indivíduos têm o direito de requerer ao Estado
a prestação educacional, porque o descumprimento deste dever traz como consequência a
responsabilização da autoridade competente, segundo o artigo 208, parágrafos 1º e 2º, da
Constituição Federal de 1988”. E neste contexto legal, o ensino fundamental por ser um
princípio jurídico consagrado pela Constituição Federal de 1988, como direito público
subjetivo, deveria como tal “assegurar um nível de vida adequado para todas as pessoas,
convertendo os compromissos políticos em obrigações legais para o Estado que,
consequentemente, deveria desenvolver políticas públicas para que este direito se efetivasse”
(AÇÃO EDUCATIVA, 2004).
155
No mais, segundo Muñoz, os mecanismos de justiciabilidade do direito à educação
devem ser complementados por ações concretas que maximizam a dimensão normativa:
Os mecanismos de justiciabilidade do direito humano à educação, além sua
dimensão normativa (previsão constitucional e infraconstitucional), devem ser
complementados por necessárias ações concretas como: ampla divulgação dos
conteúdos do direito e dos procedimentos para fazê-lo valer; desenvolvimento de
processos comunitários para a capacitação de pessoas e grupos organizados que
tenham como missão a promoção concreta do direito humano à educação;
desenvolvimento de processos de capacitação para os operadores do direito
(advogados, juízes, fiscais, funcionários do sistema de justiça); avaliação e a
ampliação das políticas públicas, de maneira que o direito à educação se integre aos
processos sociais empreendidos pelo poder público. (MUNOZ, 2006, p. 44)
Apesar disso, sabemos que nem sempre isto ocorre, na verdade a qualidade
educacional quando pensada a partir dos insumos, processos e resultados discutidos no
capítulo anterior, é desrespeitada, podendo, destarte, ser exigida por meio de ação civil
pública proposta pelo MP, cabendo à responsabilização da autoridade competente.
A educação se consubstancia como sendo um direito fundamental e um direito
humano, Perelman destaca a importância de um sistema jurídico que vise à garantia destes
direitos humanos:
Com efeito, se é o respeito pela dignidade humana à condição para uma concepção
jurídica dos direitos humanos, se se trata de garantir esse respeito de modo que se
ultrapasse o campo do que é efetivamente protegido, cumpre admitir, como
corolário, a existência de um sistema de direito com um poder de coação. Nesse
sistema, o respeito pelos direitos humanos imporá, a um só tempo, a cada ser
humano – tanto no que concerne a si próprio quanto no que concerne aos outros
homens – e ao poder incumbido de proteger tais direitos a obrigação de respeitar a
dignidade da pessoa. Com efeito, corre-se o risco, se não se impuser esse respeito ao
próprio poder, de este, a pretexto de proteger os direitos humanos, tornar-se tirânico
e arbitrário. Para evitar esse arbítrio, é, portanto, indispensável limitar os poderes de
toda autoridade incumbida de proteger o respeito pela dignidade das pessoas, o que
supõe um Estado de direito e a independência do poder judiciário. Uma doutrina dos
direitos humanos que ultrapasse o estádio moral ou religioso é, pois, correlativa de
um Estado de direito. Assim, também o Estado incumbido de proteger esses direitos
e fazer que se respeitem as ações correlativas, não só por sua vez obrigado a abster-
se de ofender esses direitos, mas também a obrigação positiva da manutenção da
ordem. Ele tem também a obrigação de criar as condições favoráveis ao respeito à
pessoa por parte de todos os que dependem de sua soberania. (PERELMAN, 1999,
p. 400)
E Weis (1999, p. 35) ressalta que “mesmo as normas de direitos sociais, que
contenham certa especificidade que permita a identificação da obrigação estatal, são passíveis
de exigência judicial, no sentido de se compelir o Poder Público à sua realização, já que
constitucionalmente comprometido”.
156
Cretella Júnior (1991, p. 875) afirma que é possível levar ao Judiciário a “questão do
cumprimento de norma constitucional, de cunho fundamental, tendente à realização das
liberdades individuais”, como é o caso da qualidade do ensino fundamental.
No mesmo sentido, Cury (2007, p. 850) afirma que “por ser direito público subjetivo,
o poder público, face ao ensino obrigatório, não pode deixar de atender a todo o universo
escolarizável. O titular deste direito é qualquer pessoa, de qualquer idade, que não tenha tido
acesso à escolaridade obrigatória na idade apropriada ou não. O sujeito deste dever é o
Estado. Assim, o direito público subjetivo explicita claramente a vinculação substantiva e
jurídica entre seu titular e o sujeito do dever”. Portanto, o sujeito da ação que pleiteia o direito
educacional à qualidade do ensino fundamental é qualquer pessoa que tenha idade e esteja na
faixa etária do ensino fundamental e o dever é do Estado, do Município em
corresponsabilidade com a União.
Em 2011 Viecelli (2012, p. 212) realizou uma pesquisa dos acórdãos e decisões
monocráticas do STF sobre educação selecionando “julgados que analisam questões que
tocam direta ou indiretamente as políticas públicas e os efeitos/implicações da declaração de
in/constitucionalidade sobre a matéria educacional” [...], ao todo foram “[...] foram
encontrados 33 acórdãos, 332 decisões monocráticas, 34 decisões da presidência, 1 questão
de ordem e 37 informativos”, tal como indica o gráfico abaixo:
Gráfico 12. Pesquisa de decisões do STF (1988 a 2011)
Fonte: VIECELLI (2012, p. 214)
157
Figura 9. Legenda do gráfico 9
Fonte: VIECELLI (2012, p. 214)
O que se verifica no estudo acima descrito é que a grande maioria das decisões do STF
em relação à educação versa sobre vagas em creches e pré-escolas (36%). E importa
esclarecer que em relação a este direito o Ministério Público foi responsável, como
representante judicial da ação, por 76,8% das ações, conforme gráfico, abaixo:
Gráfico 13. Ingressante com a Medida Judicial
Fonte: VIECELLI (2012, p. 214)
158
Gráfico 14. Municípios e Estados onde se originaram as ações
Fonte: VIECELLI (2012, p. 214)
No que se refere aos municípios e estados de onde se originaram os litígios por vagas
em creche e pré-escolas, 56 ações no STF, temos o Estado de São Paulo como detentor de
mais da metade das ações, ou seja, 53,5% destas. Isto significa uma maior atuação na
justiciabilidade do direito à educação neste Estado, bem como uma atuação representativa do
Ministério Público Estadual, mas também uma omissão importante da Administração Pública
Municipal – creches e pré-escolas são de responsabilidade municipal – em relação ao direito
educacional.
Outro estudo interessante de Cury e Amaral destaca que a qualidade da educação há
algum tempo vem sendo colocada sob análise:
A qualidade da educação passa a ser colocada sob análise pelos sujeitos
protagonistas e seus responsáveis e, em caso de insatisfação de qualquer espécie,
busca-se recursos a fim de se ter aceitação da situação instalada. Aciona-se
instâncias internas através de Ouvidorias, Processos Administrativos, Colegiados,
Secretaria de Educação, Conselhos de Educação, Ministério Público, Vara da
Infância e da Juventude e por fim os órgãos colegiados do Judiciário. Não se sabe se
aqueles que acionam o Judiciário buscaram inicialmente a instância administrativa
ou se remeteram imediatamente sua petição ao órgão judicante. Contudo, o que se
sabe é que tem havido um ativismo judicial no tocante aos direitos sociais, e dentre
eles a educação [...] (CURY; AMARAL; 2014, p. 03)
As principais instâncias que têm sido acionadas para que este direito seja garantido
são: Ouvidorias, Secretaria da Educação, Conselhos de Educação, Ministério Público, entre
outros. Vários estudos também apontam a possibilidade do Ministério Público estar exercendo
a função principal, bem como a maior procura pela Defensoria Pública em questões educacionais.
159
Porém, segundo Cury e Amaral (2014, p. 05) “observou-se que há uma crescente demanda de
judicialização da educação, mas os membros julgadores não consideram como ativismo judicial e
a argumentação está centrada na norma jurídica” e isso se comprova pela pesquisa realizada pelos
autores nos acórdãos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que tratam do direito à
educação básica:
Gráfico 15. Número de acórdãos do TJMG sobre direito à educação (1999-2013) relacionados à educação básica
Fonte: CURY; AMARAL (2014, p. 03)
Fica claro, portanto, pelo gráfico acima que a busca pela resolução de conflitos
relacionados à educação básica tem sido crescente. Esmiuçando mais esta pesquisa
verificamos que os autores nos trazem quais são a pauta de reivindicações via ação no TJMG
mais comuns:
Tabela 6. Principais assuntos tratados nas decisões (1999-2013)
160
Fonte: CURY; AMARAL (2014, p. 03)
Os autores destacam que destes assuntos 70,7% das decisões versaram sobre a “recusa
de matrícula devido ao limite de idade fixado pelas instituições escolares para parametrizar os
alunos por ano escolar” (CURY; AMARAL; 2014, p. 03).32
Uma pesquisa realizada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por
Nascimento (2012, p. 56) na busca por instrumentos que atualizem o desempenho do Estado
quanto à exigência dos direitos sociais verificou um órgão que pode auxiliar na exigibilidade
do direito educacional, que é a ouvidoria. A “Ouvidoria é um órgão disponível e, ainda que
com suas limitações”, é uma grande “[...] aliada na conquista de maior participação do
cidadão” na busca por seus direitos.
Isto porque, segundo Nascimento (2012, p. 98) “as Ouvidorias têm características
diferentes da época do Brasil Colônia, pois hoje atuam na defesa da qualidade do atendimento
dos órgãos públicos e dos serviços que prestam à população, garantindo os direitos e
32
A Lei Estadual – Lei nº 20.817 –, sancionada em 30 de julho de 2013 dispõe sobre a idade de ingresso no
ensino fundamental e determina que “Art. 1º Para o ingresso no primeiro ano do ensino fundamental no Estado, a
criança deverá ter seis anos de idade completos até o dia 30 de junho do ano em que ocorrer a matrícula. Art. 2º
A criança que completar seis anos de idade após a data definida no art. 1º será matriculada na pré-escola”.
Todavia, na maioria das decisões relativas ao limite etário questionavam uma Resolução anterior do Conselho
Nacional de Educação que determinava que a matrícula no primeiro ano do ensino fundamental estava
condicionada a que o aluno estivesse com seis anos completos até o dia 31 de março do ano da matrícula. Assim,
em linhas gerais, observou-se que muitas matrículas foram realizadas via Mandado de Segurança, por força de
liminar e, na data do julgamento já não havia sentido uma decisão de segunda instância, visto que o fato já havia
se consolidado com o tempo e já não era possível se ter efeito via julgamento. (CURY; AMARAL; 2014, p. 03)
161
cidadania”. Mais que isso, conforme a autora o ouvidor faz o controle e a efetivação de um
direito:
A figura do ouvidor se articula com o princípio da transparência, mas não é a mesma
coisa. O ouvidor é uma figura que á frente de um instrumento de articulação auxilia
o Estado no controle e efetivação de um direito proclamado e constituído. Este
mesmo ouvidor é uma garantia para os cidadãos da fiscalização junto ao povo destes
direitos. (NASCIMENTO, 2012, p. 102)
Hoje no Brasil, segundo a pesquisadora, temos 1.043 ouvidorias públicas para atender
aos cidadãos:
Tabela 7. Ouvidorias no Brasil
Fonte: NASCIMENTO, 2012, p. 105.
Destas ouvidorias, segundo a Controladoria Geral da União, 58 são vinculadas ao
Poder Executivo Federal e estão dividas por regiões:
Gráfico 16. Regiões geográficas onde são encontradas ouvidorias públicas vinculadas ao Poder Executivo
Federal
Fonte: NASCIMENTO, 2012, p. 105.
162
O que podemos observar pelo gráfico é que na região Sudeste (32%) é onde
encontramos a maior concentração de ouvidorias, seguida pela região Nordeste (26%). Estas
regiões também não possuem CAO de Direitos Humanos, porém possuem no Nordeste três
unidades (Bahia, Paraíba e Sergipe) e no Sudeste no Espírito Santo, Minas Gerais e São
Paulo, que também são órgãos de apoio e fiscalização do Ministério Público Estadual.
É importante destacar o papel das ouvidorias quando falamos em justiciabilidade
porque elas têm um papel relevante nos avanços alcançados pela sociedade civil, sobretudo no
que se refere à participação popular, aspecto que consideramos extremamente relevante na
busca pela qualidade educacional.
Assim, conforme Nascimento (2012, p. 105) “cujos anseios de participação vem se
colocando progressivamente em um novo relacionamento entre o cidadão-usuário dos
serviços públicos do Estado” e a autora continua esclarecendo:
Em seus estudos vemos que a participação cidadã na gestão do Estado se afirma, no
Brasil, em pontos básicos como as consultas populares (através de referendos,
plebiscitos, projetos de lei e iniciativa popular), pouco utilizadas apesar de
garantidas na Constituição e que em todo o seu potencial mobilizam e debatem
grandes problemas nacionais. Outros três pontos são o Orçamento Participativo, os
Conselhos Gestores e de Fiscalização de Políticas Públicas e as Ouvidorias.
Na esfera pública, Orçamento Participativo é um processo de elaboração de um
orçamento público que pressupõe a atuação direta e efetiva do cidadão na decisão
sobre os investimentos públicos, independente dos vínculos associativos deste
cidadão. Esta é uma tentativa de implementar um maior controle sobre os
representantes para uma governabilidade mais eficiente e eficaz. (NASCIMENTO,
2012, p. 105)
Desta forma, destaca-se a importância da ouvidoria como órgão de fiscalização no que
se refere à educação é que existem Ouvidorias Educacionais para os direitos já constituídos e
não cumpridos ou respeitados, para os quais os cidadão podem recorrer.
No trabalho de Nascimento (2012, p. 215) em que a pesquisa se realiza no Estado de
Minas Gerais, ela afirma que “apesar da comprovação da relevância desta Ouvidoria
Educacional, deixa a desejar o pouco trabalho para divulgação da existência deste órgão, seja
junto à sociedade ou aos próprios órgãos parceiros de trabalho, as e as próprias escolas”.
Por fim, para compreensão das questões jurídicas que envolvem o pleito na justiça do
direito à qualidade do ensino fundamental público com base nas dimensões da qualidade,
passamos a analisar o embate entre a exigibilidade do direito à educação e as justificativas
legais dadas pelos Poderes Executivos para sua não concretização, com base, sobretudo, no
princípio jurídico da reserva do possível.
163
4.1 Embate do direito à educação x princípio da reserva do possível
Muito se fala na questão da viabilidade econômica da educação como direito social e
se os Estados estariam material e financeiramente estruturados para atender tais prestações. É
neste embate entre o direito à educação, sobretudo a qualidade do ensino fundamental posto
na CF/88 e em outros ordenamentos jurídicos, versus, o princípio jurídico da reserva do
possível que se baseia na preservação financeira e orçamentária dos Poderes Executivos, que
abordaremos as questões da viabilidade econômica do direito social à educação. Uma vez que
este princípio jurídico tem sido recorrentemente utilizado pelos governantes para justificar a
ausência de implementação de políticas públicas educacionais e, consequentemente, da
garantia do direito a qualidade educacional.
De fato os direitos sociais são onerosos e quase sempre os Estados se utilizam de
argumentos como a falta de estrutura financeira para absterem-se de torná-los efetivos.
Contudo, o posicionamento de Contreras (1994, p. 110) esclarece a questão: “se a educação é
considerada pela Constituição como direito fundamental, então seu caráter também é
absoluto, intangível, cujo respeito impõe-se aos governantes como um imperativo categórico,
independentemente de abundância ou não de recursos”.
Mas, a discussão não se encerra de forma tão simples.
Segundo Mânica (2007, p. 02) “o orçamento público foi tido meramente como o
documento contábil que continha a previsão das receitas e a autorização das despesas a serem
realizadas pelo Estado, desvinculado de planos governamentais e dos interesses coletivos”. O
que este autor tenta destacar é que durante muito tempo o orçamento público e os demais
elementos financeiros tinham o objetivo de conservar o equilíbrio financeiro e impedir o
aumento dos gastos.
Porém, o Estado Social trouxe uma nova formatação para ordem econômica e,
sobretudo, social, fazendo com que o orçamento público perdesse este aspecto de neutralidade
e operacionalização, para se tornar um instrumento da Administração Pública. Nesta nova
proposta de Estado cria-se também a ideia de implementação de políticas públicas que
concretizem projetos, metas e programas propostos pelo Poder Público. E a partir disso a
intervenção do Estado na ordem econômica e social.
Mânica (2007, p. 03) destaca que “a relação entre orçamento público e políticas
públicas, hodiernamente, é intrínseca”, isto porque, “no Estado Social e Democrático de
164
Direito, o orçamento instrumentaliza as políticas públicas e define o grau de concretização
dos valores fundamentais constantes do texto constitucional. Dele depende a concretização
dos direitos fundamentais”.
Assim, tanto o desenvolvimento econômico, como o desenvolvimento social e político
devem pautar-se nas normas orçamentárias, organizadas em pela Lei do Plano Plurianual
(PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). E em face
do “princípio da legalidade da despesa pública, ao administrador público é imposta a
obrigação de observar as autorizações e limites constantes nas leis orçamentárias, sob pena de
crime de responsabilidade previsto pelo art. 85, VI da CF/88, é vedado ao administrador
realizar qualquer despesa sem previsão orçamentária, nos termos do art. 167, II da CF/88”
(MÂNICA, 2007, p. 03).
Desta forma, há limites constitucionais tanto no âmbito da receita do mesmo modo
que no âmbito da despesa, pois segundo Scaff (2005, p. 220) “não há total e completa
liberdade (de conformação) do Legislador para incluir neste sistema de planejamento o que
bem entender. O legislador e muito menos o administrador não possuem discricionariedade
ampla para dispor dos recursos como bem entenderem”.
E esta discussão neste momento da pesquisa se faz relevante, primeiramente porque a
justiciabilidade dos direitos sociais, ou seja, a exigência por meio de uma ação judicial onde o
poder judiciário obrigue o poder executivo a concretizar um direito social constitucionalmente
previsto tem efeitos diretos nas políticas públicas, uma vez que a efetivação dos direitos
sociais depende, em regra, da realização de políticas públicas por parte do Estado. E esta
exigência que citamos é presente quando da omissão do Poder Público. E estas políticas
públicas, inclusive as educacionais demandam, na sua grande maioria, recursos públicos para
sua efetividade.
Cury (2007, p. 834) afirma que “Com efeito, políticas públicas sem recursos se tornam
declaratórias e potencialmente inócuas”.
O segundo motivo para relevância desta discussão está no fato de que a maioria das
ações judiciais em que se tem como tema o direito educacional há como justificativa do Poder
Público, pela sua omissão, o princípio da reserva do possível.
Na pesquisa realizada por Wang (2008) onde ele analisa os temas da escassez de
recursos, custos dos direitos e cláusula de reserva do possível na jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal – STF, quanto ao direito à educação especificamente, ele chama atenção
para o fato de que as decisões sobre o tema são recentes, datando a mais antiga de 2003 e que
a maioria das ações referem-se à questão de disponibilizar atendimentos a crianças na creche,
165
exigindo esta obrigação do município. Esta problemática do acesso já foi salientada em outros
momentos deste trabalho:
A começar pelo fato de que nas decisões em que se pede diretamente um dar e fazer
do Estado em matéria de educação, trata-se sempre de obrigação dos municípios de
disponibilizar atendimento a crianças em creches e pré escolas. Digno de nota
também é que essas ações são todas propostas pelo Ministério Público, na sua
função de tutelar direitos das crianças e adolescentes. Outro fato também muito
interessante é que as decisões são recentes, a mais antiga data de 2003 (AI-AgR
410646). (WANG, 2008, p. 552)
Mas, para compreender a temática temos que entender o que abrange o princípio ou
cláusula da reserva do possível, segundo Sarlet que discute a questão da concretização das
prestações materiais devidas pelo Poder Público via recursos financeiros, temos:
[...] problemática da efetiva disponibilidade do seu objeto, isto é, se o destinatário da
norma se encontra em condições de dispor da prestação reclamada (isto é, de prestar
o que a norma lhe impõe seja prestado) encontrando-se, portanto, na dependência da
real existência dos meios para cumprir com sua obrigação. (SARLET, 2001, p. 264)
No mesmo sentido, Canotilho (2003, p. 481) esclarece que “os direitos sociais [...]
pressupõem grandes disponibilidades financeiras por parte do Estado. Por isso, rapidamente
se aderiu à construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt des Moglichen) para
traduzir a ideia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos
cofres públicos”.
Desta forma, é necessário que este tema seja debatido e exposto para que os
educadores também possam compreender as reais divergências jurídicas que envolvem a
temática da justiciabilidade da qualidade do ensino fundamental no Brasil.
As políticas públicas para efetivação de direitos sociais demandam, na grande
maioria das vezes, gastos de recursos públicos. E esse é o ponto central no debate a
respeito da exigibilidade judicial dos direitos sociais, pois uma decisão judicial para
a tutela de um determinado direito social no caso concreto pode obrigar o Estado a
realizar gastos públicos e, uma vez que os recursos públicos disponíveis são menores
do que o necessário para oferecer a todos os cidadãos todos os direitos que a
Constituição prevê, muitas vezes a Administração não tem ou não pode dispor dos
recursos necessários para atender a decisão judicial sem prejudicar a tutela de um
outro direito que o Poder Público entendeu ser mais importante. (WANG, 2008, p.
540)
O autor, portanto, destaca que o Poder Público tem a discrionariedade de escolher
quais direitos irá atender dentre os considerados mais importantes para população. O que se
verifica é que alguns “teóricos entendem que há um limite fático à exigibilidade judicial dos
166
direitos sociais – que é a sua dependência da capacidade econômica do Estado ou, em outras
palavras, de cobertura financeira e orçamentária –, que não pode ser ignorada pelas decisões
judiciais (ALEXY, 2001; AMARAL, 2001). Esse limite fático é expresso em alguns trabalhos
e decisões jurisprudenciais pelo termo “reserva do possível”” (WANG, 2008, p. 540).
Oliveira (2006, p. 243) quanto a esta discricionariedade dos administradores públicos
afirma que “a decisão de gastar é, fundamentalmente, uma decisão política. O administrador
elabora um plano de ação, descreve-o no orçamento, aponta os meios disponíveis para seu
atendimento e efetua o gasto. A decisão política já vem inserta no documento solene de
previsão de despesas”.
Rocha analisa a questão sob o enfoque da viabilidade do princípio da reserva do
possível, afirmando que
[...] a administração de recursos escassos vai exigir, no âmbito da organização
estatal, a eleição ou a priorização de necessidades concretas a serem satisfeitas em
conformidade com a estrutura política do Estado, incumbido, nas sociedades
modernas, da atribuição [social] de necessidades socioeconômicas e da distribuição
dos objetos para sua satisfação. (ROCHA, 2008, p. 47)
Mas, é Bucci (2006, p. 272-273) que discutindo a questão da sobre a justiciabilidade
das políticas públicas coloca de forma clara as duas questões que envolvem o tema: “(i)
possibilidade de busca de provimento jurisdicional, por cidadãos ou pelo Ministério Público,
com o objetivo de obter a execução concreta de políticas públicas; e (ii) mecanismo através do
qual pode o Judiciário provocar a execução de tais políticas”. Nestas duas opções, o que se
verifica é que muitos juristas têm entendido majoritariamente pela não intervenção do Poder
Judiciário por se tratar de conteúdo de discricionariedade do administrador público. Porém,
esta tese é controversa nos Tribunais.
As decisões abaixo exemplificam a questão:
[...] 1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário,
autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do
administrador. 2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a
execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução
do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3. Tutela
específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a
propostas políticas certas e determinadas. [...] (STJ, REsp 493811 / SP, Segunda
Turma, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 15.03.04
A primeira decisão traz o posicionamento positivo em que o Tribunal reconheceu a
legitimidade do Ministério Público em exigir do Poder Executivo o cumprimento de uma
167
política pública específica. E a segunda decisão, abaixo, é contrária e não concorda com a
intervenção do Poder Judiciário na discricionariedade do administrador:
[...] Dessa forma, com fulcro no princípio da discricionariedade, a Municipalidade
tem liberdade para, com a finalidade de assegurar o interesse público, escolher onde
devem ser aplicadas as verbas orçamentárias e em quais obras deve investir. Não
cabe, assim, ao Poder Judiciário interferir nas prioridades orçamentárias do
Município e determinar a construção de obra especificada. [...] (STJ, REsp 208893 /
PR ; Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 22.03.2004
Todavia, apesar de ser ainda um tema controverso, é fato que apesar do orçamento
público ser uma decisão política, ela está sujeita ao controle judicial, especialmente em
relação à legalidade orçamentária e a legitimidade do administrador para imputação dos
recursos.
O que se percebe é que quando se trata de direitos fundamentais há a aceitação da
intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas, ou seja, não se trata
de definir as políticas públicas que abrangem um direito fundamental, mas de respeitar a
Constituição Federal. Neste sentido, Oliveira afirma que:
Evidente que não se inclui na órbita da competência do Poder Judiciário a
estipulação nem a fixação de políticas públicas. No entanto, não se pode omitir
quando o governo deixa de cumprir a determinação constitucional na forma fixada.
A omissão do governo atenta contra os direitos fundamentais e, em tal caso, cabe a
interferência do Judiciário, não para ditar política pública, mas para preservar e
garantir os direitos constitucionais lesados. (OLIVEIRA, 2006, p. 405)
No mais, em relação à educação a Constituição Federal de 1988 estabelece percentuais
mínimos das receitas públicas a serem aplicados no desenvolvimento do ensino, vinculados a
União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Estes estão certamente sujeitos a controle
judicial.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ reafirmando este posicionamento traz:
Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional,
erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai
consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs
e frias enquanto letras mortas no papel.
Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares,
Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os
direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e
morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à
saúde, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para
utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria
que assola o país. O direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em
168
regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever,
indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado. (...)
6. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência
do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do
administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse
campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a
garantia pétrea. (...)
8. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia
suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou
definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular,
constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista
a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa
constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito
educacional.
9. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão
promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder
Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.
10. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito
e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo
realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera
orçamentária. (STJ, REsp 577836 / SC, Primeira Turma, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ
28.02.2005)
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – ACESSO À CRECHE AOS
MENORES DE ZERO A SEIS ANOS – DIREITO SUBJETIVO – RESERVA DO
POSSÍVEL – TEORIZAÇÃO E CABIMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE
ARGUIÇÃO COMO TESE ABSTRATA DE DEFESA – ESCASSEZ DE
RECURSOS COMO O RESULTADO DE UMA DECISÃO POLÍTICA –
PRIORIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – CONTEÚDO DO MÍNIMO
EXISTENCIAL – ESSENCIALIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO –
PRECEDENTES DO STF E STJ. (STJ – REsp n° 1.185.474 – Acórdão)
Wang (2008, p. 541) destaca que ao analisar os julgados do STF sobre o direito à
educação, vinculados ao tema dos gastos públicos e da reserva do possível, verifica que
Afirmam, ainda, que o não cumprimento desse preceito constitucional “configura-se
inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o
integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o
próprio texto da Constituição Federal”. Em seguida, essas decisões apresentam
alguns trechos da ADPF 45, lembrando que a concretização dos direitos sociais é
feita de forma gradual e indissociável da disponibilidade de recursos. Abordam
também a cláusula da “reserva do possível”, admitindo que o pedido de imediata
efetivação de um direito social só deve ser concedido quando razoável e quando
houver disponibilidade econômico-financeira do Poder Público. Ainda na esteira
dessa ADPF, lembram que a cláusula da reserva do possível não pode ser invocada,
pelo Estado, com a finalidade de “exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de
suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental
negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos
constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade” e que,
mesmo não sendo papel do Poder Judiciário a formulação de políticas públicas, cabe
a esse poder, “em bases excepcionais”, obrigar que políticas sejam implementadas
pelos órgãos estatais cuja omissão mostra-se apta a comprometer a eficácia e a
integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional. Afirmam,
logo em seguida, citando Otávio Henrique Martins Port, que a cláusula de “reserva
do possível”, exceto quando há “justo motivo aferível”, não pode ser invocada pelo
Estado para, “dolosamente”, exonerar-se do cumprimento de sua obrigação
constitucional e, dessa maneira, violar um direito fundamental. Entendem, ainda,
169
que o processo de concretização do direito à educação infantil não se subordina a
“avaliações meramente discricionárias da Administração Pública” e nem de “puro
pragmatismo governamental”. (WANG, 2008, p. 553)
Estudo realizado por Silva (2008)33
conclui que alguns direitos, como o Direito à
educação, não podem ficar restritos a cláusula da reserva do possível, pois nosso Estado não
fornece o padrão mínimo de prestações sociais para o povo sobreviver:
Há um núcleo de direitos positivos ligados ao mínimo existencial sempre exigível,
quedando os demais direitos positivos sob a reserva do possível. Tais direitos são tão
importantes que sua outorga ou não-outorga não deve ficar ao alvedrio dos
governantes. Os representantes eleitos através do princípio da maioria democrática
não devem ser os únicos a ditarem quais devem ser as políticas públicas a serem
implantadas, pois a maioria pode não ter sempre razão. Num Estado em que o povo
carece de um padrão mínimo de prestações sociais para sobreviver, onde pululam
cada vez mais cidadãos socialmente excluídos e onde quase meio milhão de crianças
são expostas ao trabalho e seus pais não tem nenhum, os direitos sociais não podem
ficar reféns de condicionamentos do tipo reserva do possível. (SILVA, 2008, p. 25)
Há entre muitas situações, uma que nos tem preocupado mais, que é o uso da Lei de
Responsabilidade Fiscal pelos municípios para repensar a contratação de professores e
realizá-las via terceirização, sem o compromisso com a qualidade dos docentes na educação
pública municipal. Isso é decorrente da ampliação do atendimento da Educação Infantil (EC
59/09), pois os municípios não contam com repasse de verbas suficientes para esta
contratação e quando o fazem acabam por incidir na LRF, na qual os Administradores
Públicos se apoiam para caracterizar o princípio da reserva do possível e que responsabiliza
os gestores públicos que extrapolam o uso dos recursos financeiros.
Assim, percebe-se que a LRF tem sido um obstáculo para ampliação do atendimento
na Educação Infantil, assim como o princípio da reserva do possível tem sido utilizado
quando o recurso não é destinado à educação pelo Poder Público, com a justificativa de que
não havia recursos suficientes para realizar tal compromisso político, que é um direito
educacional de todos. Ou seja, alguns Administradores Públicos têm se valido das legislações
para sucatear a educação, especialmente a infantil.
O que se percebe é que em termos de direito à educação a maioria dos entendimentos
jurídicos considera que o administrador público tem uma margem mínima de
discricionariedade e que quando age por omissão na obrigação de fazer deve ser
responsabilizado, pois para a maioria dos autores e juristas isso é um caso de ineficiência
administrativa ou incapacidade de gerir os recursos públicos que gera prejuízos para a
33 “A atuação do Ministério Público Federal na efetividade dos direitos sociais no estado do Piauí”, pela
Universidade Federal Do Piauí (UFPI)
170
população, perdas de tal monta que ocasionam a responsabilização do administrador e a
legalidade do controle judicial, não sendo possível invocar a cláusula da reserva do possível.
4.2 Panorama das políticas públicas educacionais no Brasil
Quando se trata de política pública educacional deve-se considerar, inicialmente, as
dificuldades que este tema suscita, isto porque para abordá-lo é necessário que se tenha
explicitado algumas concepções, sem as quais não há como compreender qual o viés da
análise proposta.
Assim, como Dourado (2010) esclarece, é necessário, portanto, compreender os
“nexos interinstitucionais de implementação de políticas educacionais”, pois :
[...] as imbricações entre a realidade social dinâmica e os atores sociais são
permeadas por categorias analíticas (teórico-conceituais) e procedimentos políticos
(fins visados), cuja materialização se efetiva na intersecção entre regulamentação,
regulação e ação política, marcados por disputas que traduzem os embates históricos
entre as classes sociais e, ao mesmo tempo, os limites estruturais que demarcam as
relações sociais capitalistas. (DOURADO, 2010)
Krawczyk (2008) explica que “há conceitos que se destacam na política e no debate
educacional em cada momento histórico”, como descrito no excerto abaixo:
Na década de 1990, regulação, descentralização, desconcentração, federalismo e
governança foram conceitos muito habituais na análise das políticas educacionais
adotadas no Brasil, na América Latina e até mesmo em âmbito internacional.
Todos esses conceitos expressam diferentes formas de relações entre o Estado e a
sociedade. Especificamente, a regulação, cujo propósito é manter a governabilidade
necessária para o desenvolvimento do sistema, refere-se a um ordenamento
normativo, historicamente legitimado, que medeia as relações entre Estado e
sociedade, que busca a solução de conflitos e a compensação dos mecanismos de
desigualdade e de exclusão próprios do modo de produção capitalista.
(KRAWCZYK, 2008)
Assim, segundo Azevedo (1997, p. 05) “em um plano mais concreto, o conceito de
políticas públicas implica em considerar os recursos de poder que operam na sua definição e
que têm nas instituições do Estado, sobretudo na máquina governamental, o seu principal
referente”. Temos ainda que estas políticas públicas segundo Milek configuram-se como o
resultado das discussões de algumas entidades por meio de suas relações de poder:
171
A Política Pública é constituída por grupos econômicos e políticos, classes sociais e
demais organizações da sociedade civil, ela caracteriza-se pelo resultado das
discussões dessas entidades e com suas relações de poder. Dessas discussões surgem
os (re)direcionamentos dos caminhos que deverão ser tomados e, a intervenção
administrativa ou investimentos do Estado na sociedade. (MILEK, 2011, p. 61)
Em resumo, para Maria Paula Dallari Bucci (2006, p. 241) as “políticas públicas são
programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do estado e as
atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados”. E esta autora ainda afirma que política pública não se confunde com plano ou
programa, pois “a política [pública] é mais ampla que o plano e define-se como o processo de
escolha dos meios para a realização dos objetivos do governo, com a participação dos agentes
públicos e privados”.
Assim, concordamos com Dourado quando este coloca que não há como analisarmos
ou falarmos de políticas públicas sem contextualizar os contornos políticos que aspermeiam:
A avaliação de políticas educacionais pode se efetivar por vários ângulos,
concepções e perspectivas, que requerem uma análise contextualizada dos
complexos contornos políticos que a engendram, uma vez que ela se apresenta por
meio da tensão salutar entre a dimensão técnica e política, cujos horizontes teórico-
ideológicos e políticos a traduzem como uma política de governo e/ou de Estado.
(DOURADO, 2010)
Desta forma, para compreender as políticas educacionais, torna-se essencial
determinar a concepção de Estado, visto que elas são instituídas com base nestes contornos
políticos decorrentes da concepção de Estado vigente, segundo Dourado (2010) em acepção
ampla Estado é
[...] aquela que envolve sociedade civil e política, seus embates e os percursos
históricos em que estas se constroem, tendo por marco as condições objetivas em
que se efetivam a relação educação e sociedade, os processos sistemáticos ou não de
gestão, bem como o papel das instituições educativas e dos diferentes atores que
constroem o seu cotidiano.
Portanto, tal concepção revela que o processo educativo é mediado pelo contexto
sociopolítico e cultural mais amplo, pelas condições em que se organiza a sociedade
e pelos processos de regulamentação e regulação em que se realizam a
institucionalização do direito social à educação, as dinâmicas organizacionais e,
consequentemente, as políticas de acesso, permanência e gestão, que não se
dissociam dos marcos estruturais da sociedade brasileira, fortemente marcados por
uma tradição histórica, cujo ethos patrimonial não foi totalmente superado, onde a
desigualdade social se faz presente num modelo societário desigual e combinado.
Assim, na concepção de Estado, ora posta, a educação compreende-se como um ato
político, permeado por disputas, “um direito social fundamental e que sua efetivação se dá em
um contexto caracterizado como um campo de disputas de concepções e projetos e, portanto,
172
demarcada por posições políticas não apenas diferentes, mas substantivamente contraditórias”
(DOURADO, 2010).
Há, por conseguinte, uma educação formal e uma educação não-formal. A primeira é
aquela normatizada segundo as determinações do Estado e tem como objetivos formar o
homem – e aqui, questiona-se, qual o tipo desta formação? –, garantir o direito à educação
para todos e um processo de escolarização que prime por condutas, atitudes e valores. Já, a
segunda é normatizada pela própria população.
Portanto, esta análise é efetuada tendo como pano de fundo uma política pública
educacional, que conforme Di Giorgi (2007, p. 124) já apontou “há uma inegável hegemonia
neoliberal no campo educacional, a ponto de ser difícil hoje discutir política educacional, e
educação de uma forma geral, sem se falar de “formação de capital humano”, “relação custo-
benefício” e etc”.
Assim, há um controle da subjetividade humana, uma lógica que quanto maior o nível
de conhecimento, maior os rendimentos da pessoa, que é o que se denomina valorização do
capital humano.
Segundo Moreira e Kramer (2007, p. 1046) o que se tem visto na educação é o
pensamento empresarial contaminando os movimentos de reforma, “objetivando estruturar as
escolas conforme o modelo das corporações contemporâneas. A escola é concebida como um
negócio, a inteligência é reduzida a instrumento para o alcance de um dado fim e o currículo é
restrito aos conhecimentos e às habilidades empregáveis no setor corporativo”. Porém, é fato
que a visão empresarial está muito aquém da visão educacional e das pesquisas que a
permeiam e a embasam.
No mesmo sentido, Dourado e Oliveira (2009, p. 204) colocam que
[...] é fundamental apreender quais são as políticas indutoras advindas dos referidos
organismos multilaterais e que concepções balizam tais políticas. Para tanto, é
fundamental problematizar a ênfase dada à teoria do capital humano, sobretudo pelo
Banco Mundial, identificando o papel reservado à educação, bem como as diferentes
feições assumidas por ela no que concerne à escola de qualidade.
Furtado (2009, p. 169-170) seguindo a mesma linha de raciocínio dos demais autores
citados esclarece que há a tentativa de se aplicar nas escolas o sentido de “qualidade” que a
iniciativa privada se utiliza, visando à competitividade, ou o que eles denominam por
“excelência”, porém, sobretudo na escola pública esta aplicabilidade dos termos
Administrativos não são pertinentes devido ao fato de que a escola pública não tem viés
meramente instrumental e utilitário, mas é voltada para os interesses públicos:
173
É importante lembrar que “qualidade” guarda um sentido de excelência aplicável aos
processos das corporações privadas que, diante da acirrada competitividade do
mercado, buscam a melhoria de produtividade, maximização de resultados,
diminuição de prejuízos.
Esse sentido corporativo de “qualidade”, onde está implícita a noção de eficiência,
acabou migrando para outros setores da sociedade, inclusive para a área de
educação.
Tanto a escola privada como também a escola pública absorveram um vocabulário
típico das relações de mercado, do mundo do consumo e do ambiente corporativo
com palavras tais como “satisfação”, “eficiência”, “resultados”, “qualidade” etc.
A pergunta que seria pertinente fazer é em que medida seria apropriada essa
passagem de noções advindas das relações das organizações empresariais privadas
para as instituições de ensino, considerando que no campo educacional parece não
ser facilmente aceitável conceber, por exemplo, resultados com variações mínimas
de características no sentido de uma produção industrial em série, já que se lida com
a formação de seres humanos, que são individualmente únicos.
Por isso, causa um certo mal-estar a muitos pesquisadores da área da pedagogia, a
unanimidade no discurso social que atribui qualidade ao ensino que almeja
resultados utilitários, como a aprovação em vestibulares concorridos.
O sucesso na aprovação em vestibulares por si só significa qualidade de ensino?
Para a educação da rede pública de ensino esse também é o critério de qualidade?
[...] sentido de qualidade para a escola pública, algo que não seja meramente
instrumental e utilitário, mas vinculado aos interesses públicos que a educação
deveria servir. (FURTADO, 2009, p. 169-170)
Suscitado também esta problemática da incorporação dos termos administrativos pela
educação Fonseca (2009, p. 173) esclarece, quando aborda a questão da qualidade da
educação que:
A qualidade, por sua vez, foi sendo legitimada pelo horizonte restrito da
competitividade, cuja medida é a boa colocação no ranking das avaliações externas.
Se esse enfoque utilitarista serve à excelência empresarial, não é suficiente para
orientar a qualidade da ação educativa. Nesse campo, a qualidade tem como
horizonte as diferentes dimensões da vida social.
O que demonstra que as concepções que permeiam as políticas públicas educacionais
brasileiras não visam uma educação escolar formal que envolva a criticidade, a liberdade e a
autonomia do aluno, mas tão somente a produção mercadológica, a mera cópia.
Mais, que isso, segundo Dourado (2010, p. 35):
Na tradição histórica brasileira, as análises indicam que as políticas educacionais
têm sido marcadas hegemonicamente pela lógica da descontinuidade/continuidade,
por carência de planejamento de longo prazo e por políticas de governo, em
detrimento da construção coletiva, pela sociedade brasileira, de políticas de Estado.
A essência das políticas educacionais tem mudado, pois não visam mais a formação do
homem, mas a instrumentalização do homem, sendo voltadas para a racionalidade, para a
174
meritocracia. Obsta esclarecer que, apesar de discutirmos a possibilidade da justiciabilidade
da qualidade da educação, mais especificamente do ensino fundamental público, questão
inicialmente formulada pelas correntes neoliberais, não somos adeptos e nem concordamos
com os posicionamentos que tentam transferir para a educação métodos e termos capitalistas.
Paro (1998) também é veemente em definir a estas concepções neoliberalistas e em
reduzir a escola e sua gestão a saídas meramente tecnicistas:
[...] é preciso refutar, de modo veemente, a tendência atualmente presente no âmbito
do estado e de setores do ensino que consiste em reduzir a gestão escolar a soluções
estritamente tecnicistas importadas da administração empresarial capitalista.
Segundo essa concepção, basta a introdução de técnicas sofisticadas de gerência
próprias da empresa comercial, aliada a treinamentos intensivos dos diretores e
demais servidores das escolas para se resolverem todos os problemas da educação
escolar.
[...]
Como os fins da empresa capitalista, por seu caráter de dominação, são, não apenas
diversos, mas antagônicos aos fins de uma educação emancipadora, não é possível
que os meios utilizados no primeiro caso possam ser transpostos acriticamente para
a escola, sem comprometer irremediavelmente os fins humanos que aí se buscam.
(PARO, 1998, p. 302)
Em termos de política pública educacional, voltada para a qualidade da educação
brasileira, estas permeiam várias áreas:
As demandas educacionais são as que dizem respeito às questões de ensino, os
avanços pretendidos no âmbito pedagógico e que caracterizam o que se entende por
um ensino de qualidade. As principais demandas educacionais são a promoção da
efetiva aprendizagem por parte dos alunos, o acesso e a permanência de todos na
escola, a redução da distorção série-idade, a eliminação da reprovação, a igualdade
de acesso ao conhecimento a todos, a equidade de oportunidades de ensino e a
classificação de todos no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)
sob o valor 6.0, no mínimo. (MATHEUS; LOPES, 2014, p. 387)
E concordamos com as autoras quando salientam que para “introduzir para as escolas
um padrão de qualidade que transcenda os governos e a dinâmica de alternância de poder e
que considere as especificidades da Educação Básica (BRASIL, 2009d) é considerado um
desafio e, nesse sentido, duas vias de atuação são apontadas: o investimento financeiro e o
currículo (Brasil, 2010)”, mas não só isso, outros aspectos também tem que ser levados em
consideração, como uma política de planos e carreira para docentes, entre outros. Neste caso,
estamos no rumo certo, pois tanto o PDE, quanto o FUNDEB e o PNE são políticas que
caminham neste sentido.
175
Assim, destaca-se o lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE,
em abril de 2007, no início do segundo mandado do presidente Lula, composto por 52 ações
variadas. Neste contexto, segundo Saviani (2007, p. 16):
[...] o PDE foi saudado como um plano que, finalmente, estaria disposto a enfrentar
esse problema, focando prioritariamente os níveis de qualidade do ensino ministrado
em todas as escolas de educação básica do país. Mas o "Plano" se mostra bem mais
ambicioso, agregando 30 ações que incidem sobre os mais variados aspectos da
educação em seus diversos níveis e modalidades.
É importante esclarecer que o PDE não é um plano, mas sim um programa de políticas
sociais, de política de governo e não de Estado. Neste sentido, Saviani (2007, p. 16-17)
explica:
Confrontando-se a estrutura do Plano Nacional de Educação (PNE) com a do Plano
de Desenvolvimento da Educação (PDE), constata-se que o segundo não constitui
um plano, em sentido próprio. Ele se define, antes, como um conjunto de ações que,
teoricamente, se constituiriam em estratégias para a realização dos objetivos e metas
previstos no PNE. Com efeito, o PDE dá como pressupostos o diagnóstico e o
enunciado das diretrizes, concentrando-se na proposta de mecanismos que visam à
realização progressiva de metas educacionais. Tive, porém, que introduzir o
advérbio "teoricamente" porque, de fato, o PDE não se define como uma estratégia
para o cumprimento das metas do PNE. Ele não parte do diagnóstico, das diretrizes e
dos objetivos e metas constitutivos do PNE, mas se compõe de ações que não se
articulam organicamente com este.
[...]
Em sentido negativo, constata-se que, na verdade, o PDE não se configura como um
Plano de Educação propriamente dito. É, antes, um programa de ação. (grifo nosso)
Precisamos compreender também o que são políticas de governo e políticas de Estado,
neste caso Oliveira esclarece a questão, trazendo que:
Considera-se que políticas de governo são aquelas que o Executivo decide num
processo elementar de formulação e implementação de determinadas medidas e
programas, visando responder as demandas da agenda política interna, ainda que
envolvam escolhas complexas. Já as políticas de Estado são aquelas que envolvem
mais de uma agência do Estado, passando em geral pelo Parlamento ou por
instâncias diversas de discussão, resultando em mudanças de outras normas ou
disposições preexistentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade.
(OLIVEIRA, 2011, p. 329)
Mas, o PDE possui pontos positivos, e, o principal deles é a discussão do problema
qualitativo da educação, o que não foi feito, segundo Saviani (2007), no “PNE e também não
se encontrava nos planos anteriores”. Entre os principais instrumentos do PDE para “atacar o
problema qualitativo da educação básica brasileira”, destacam-se a instituição do "Índice de
176
Desenvolvimento da Educação Básica" (IDEB), o "Provinha Brasil" e o "Piso do Magistério"
(SAVIANI, 2007).
O Plano de Desenvolvimento da Educacao (PDE) pode ser considerado a primeira
grande iniciativa do ministro Fernando Haddad, buscando uma reorientação de rumo
para a educação no governo Lula. Constituindo-se na reunião de dezenas de
programas que abarcam da educação básica – compreendendo suas etapas e
modalidades – a educação superior, tal iniciativa procurou dar direção a política
educacional no país, tendo como grande timoneiro o governo federal. (OLIVEIRA,
2011, p. 328)
Segundo Vieira o PDE é uma conjugação de ações novas e antigas que busca a
articulação de políticas entre Municípios, Estados e União:
Sob um grande guarda-chuva denominado Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE), o governo Lula apresentou à sociedade brasileira um conjunto de ações,
novas e antigas. O Plano tem o inerente mérito de pôr o tema em relevância na cena
nacional. Busca, também a articulação de políticas entre municípios, estados e
União, sabidamente um desafio decorrente das frágeis bases sistêmicas do processo
de descentralização. Procura, ainda, fixar metas para escolas e redes de ensino, o que
é importante para o bom uso dos sempre escassos recursos destinados ao setor.
(VIEIRA, 2007)
É importante destacar que o PDE foi elaborado quando ainda estava em vigência o
Plano Nacional de Educação (2001-2010), Lei n. 10.172/2001; no entanto, concordamos com
Saviani (2007), o PDE “foi formulado paralelamente e sem levar em conta o disposto no
PNE”, ou seja, o PNE (2001-2010) foi completamente ignorado, apesar de ser uma legislação
que traz em seu bojo metas de amplo alcance, que poderiam ter servido de base e diretriz para
planejamento e gestão da educação nacional, porém não foi o que ocorreu, pois o PNE (2001-
2010), segundo Dourado (2010, p. 66)
[...] não foi acionado como tal pelos diferentes segmentos da sociedade civil e
política brasileira [...] as possíveis melhorias na qualidade da educação nacional
efetivaram-se como resultantes de ações e políticas governamentais stricto sensu,
sem ter o Plano como o epicentro do processo político.
Outra análise importante sobre o PDE como política pública vinculada à educação é
que ele apresenta claramente significantes ações para educação de uma forma geral, mas
como já descrito por Saviani (2007) por ser um grande aparato de programas e ações não há
uma articulação técnico-pedagógica suficiente entre eles para que surta o efeito necessário e
buscado pelo PDE:
177
O PDE apresenta indicações de grandes e importantes ações direcionadas a educação
nacional. No entanto, não esta balizado por fundamentação técnico-pedagógica
suficiente e carece de articulação efetiva entre os diferentes programas e ações em
desenvolvimento pelo próprio MEC e as políticas propostas. Tal constatação revela
a necessidade de planejamento sistemático, que, após avaliar o conjunto de ações,
programas e planos em desenvolvimento, contribua para estabelecimento de
políticas que garantem organicidade entre as políticas, entre os diferentes órgãos do
MEC, sistemas de ensino e escola e, ainda, a necessária mediação entre o Estado,
demandas sociais e o setor produtivo, em um cenário historicamente demarcado pela
fragmentação e/ou superposição de ações e programas, o que resulta na
centralização das políticas de organização e gestão da educação básica no país
(DOURADO, 2007, p. 928).
Falta ao PDE, portanto, um melhor planejamento sistemático. Segundo Saviani em
análise sobre o panorama das políticas públicas hoje e a relação entre o PNE e o SNE:
O panorama que hoje se descortina, mesmo com o antídoto representado pelo Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério (Fundef) seguido do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), é aquele
em que municípios pobres tendem a ter um ensino pobre, municípios remediados,
um ensino remediado, e municípios ricos, um ensino mais satisfatório. Configura-se,
dessa forma, um processo de aprofundamento das desigualdades que apenas
recentemente está se procurando reverter com as ações que integram o Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE). (SAVIANI, 2010, p. 384)
Em 25 de junho de 2014 por meio da Lei 13.005 foi aprovado o Plano Nacional de
Educação – PNE, esta política educacional foi discutida no Congresso Nacional por quatro
anos e tem vigência para o decênio de 2014 a 2024.
Segundo Saviani, ao longo da história política brasileira, Plano Nacional de
Educação, formulou conceitos, ora com viés de racionalidade científica, ora para controle
político-ideológico, ora para viabilizar a distribuição dos recursos educacionais, ora voltado
para tecnocracia e no último PNE, do governo FHC (2001-2010), tinha como força
propulsora o fato de ser um instrumento da racionalidade financeira de educação:
Em suma: na década de 1930 o conceito de plano assumiu o sentido de introdução
da racionalidade científica na educação; no Estado Novo, metamorfoseou-se em
instrumento destinado a revestir de racionalidade o controle político-ideológico
exercido pela política educacional; com a LDB de 1961, converteu-se em
instrumento de viabilização da racionalidade distributiva dos recursos educacionais;
no regime militar, caracterizou-se como instrumento de introdução da racionalidade
tecnocrática na educação; na “Nova República”, sua marca foi o democratismo
com o que a ideia de introduzir, pelo plano, uma espécie de racionalidade
democrática se revestiu de ambiguidade; finalmente, na era FHC, o plano se
transmutou em instrumento de introdução da racionalidade financeira na educação.
(SAVIANI, 2010, p. 391)
Já o PNE atual, de 2014-2024, possui como diretrizes que o sustentam:
178
Art. 2º São diretrizes do PNE:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da
cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação;
IV - melhoria da qualidade da educação;
V - formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e
éticos em que se fundamenta a sociedade;
VI - promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;
VII - promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País;
VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como
proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que assegure atendimento às
necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade;
IX - valorização dos (as) profissionais da educação;
X - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à
sustentabilidade socioambiental. (PNE)
Percebe-se que a qualidade da educação é pano de fundo para cada uma das diretrizes
acima mencionadas e que, apesar do conceito de qualidade educacional não obter um
consenso entre os pesquisadores, isso não exime o dimensionamento da educação nas três
perspectivas que abordamos neste trabalho: insumos, processos e resultados. O PNE vem
corroborar esta proposta, pois indica a necessidade de insumos, ou seja, investimentos na
educação via aumento de recursos públicos destinados à mesma; a necessidade de valorização
profissional, gestão democrática da educação pública, bem como respeito aos direitos
humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental, formação para o trabalho e para a
cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade, ou seja,
o processo educacional; a necessidade de resultados via indicadores, erradicação do
analfabetismo, etc.
O PNE possui vinte metas, como descrito abaixo:
Meta 1: universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de
4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em
creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de
até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE.
Meta 2: universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos para toda a população
de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos e garantir que pelo menos 95% (noventa e cinco por
cento) dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de
vigência deste PNE.
Meta 3: universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15
(quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE,
a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento).
Meta 4: universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional
especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de
sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas
ou serviços especializados, públicos ou conveniados.
179
Meta 5: alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3o (terceiro) ano do
ensino fundamental.
Meta 6: oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por
cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por
cento) dos (as) alunos (as) da educação básica.
Meta 7: fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades,
com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes
médias nacionais para o Ideb:
Meta 8: elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e
nove) anos, de modo a alcançar, no mínimo, 12 (doze) anos de estudo no último ano
de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor
escolaridade no País e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e igualar a
escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Meta 9: elevar a taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou mais
para 93,5% (noventa e três inteiros e cinco décimos por cento) até 2015 e, até o final
da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50%
(cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo funcional.
Meta 10: oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas de
educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada
à educação profissional.
Meta 11: triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio,
assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da
expansão no segmento público.
Meta 12: elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta
por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18
(dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão
para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento
público.
Meta 13: elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e
doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação
superior para 75% (setenta e cinco por cento), sendo, do total, no mínimo, 35%
(trinta e cinco por cento) doutores.
Meta 14: elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto
sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60.000 (sessenta mil) mestres e 25.000
(vinte e cinco mil) doutores.
Meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política
nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e
III do caput do art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que
todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação
específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de
conhecimento em que atuam.
Meta 16: formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos
professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a
todos (as) os (as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área
de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos
sistemas de ensino.
Meta 17: valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de
educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais
profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência
deste PNE.
180
Meta 18: assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de Carreira
para os (as) profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas
de ensino e, para o plano de Carreira dos (as) profissionais da educação básica
pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei
federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal.
Meta 19: assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão
democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à
consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo
recursos e apoio técnico da União para tanto.
Meta 20: ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no
mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto - PIB do País no
5o (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por
cento) do PIB ao final do decênio. (PNE)
Há claramente no novo PNE a “proposta de criação de um Sistema Nacional de
Educação, previsto em lei, a partir dos pressupostos que sustentam a organização sistêmica”
(OLIVEIRA, 2011, p. 324). No mais, este novo PNE, Lei 13.005/2014, teve desde sua
elaboração uma preocupação em efetuar o diagnóstico e traçar as metas para a educação
brasileira nos próximos dez anos, e o que se nota é que houve uma preocupação especial com
o financiamento da educação, condição indispensável para o desenvolvimento da mesma.
Art.2º
[...]
§ 3º A meta progressiva do investimento público em educação será avaliada no
quarto ano de vigência do PNE e poderá ser ampliada por meio de lei para atender às
necessidades financeiras do cumprimento das demais metas.
§ 4º O investimento público em educação a que se referem o inciso VI do art. 214 da
Constituição Federal e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os recursos aplicados
na forma do art. 212 da Constituição Federal e do art. 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, bem como os recursos aplicados nos programas de
expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e
isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, os subsídios
concedidos em programas de financiamento estudantil e o financiamento de creches,
pré-escolas e de educação especial na forma do art. 213 da Constituição Federal.
§ 5º Será destinada à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, em acréscimo
aos recursos vinculados nos termos do art. 212 da Constituição Federal, além de
outros recursos previstos em lei, a parcela da participação no resultado ou da
compensação financeira pela exploração de petróleo e de gás natural, na forma de lei
específica, com a finalidade de assegurar o cumprimento da meta prevista no inciso
VI do art. 214 da Constituição Federal. 34
É importante destacar que o PNE anterior (2001-2010), lei n. 10.172/2001, previa
várias ferramentas que não foram implementadas. É necessário e premente que, para o
sucesso do novo PNE, essas questões sejam devidamente revistas e de fato realizadas.
Assim, no que concerne à política pública educacional verificamos que “questões de
gestão, centralização, descentralização, financiamento, autonomia, ênfases curriculares,
34
PNE, lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014.
181
avaliação etc. adquirem sentidos diferentes em situações sociais e políticas diversas”,
conforme destacam Gatti, Sá Barreto e André (2001, p. 14).
E concordamos com estas autoras que colocam que as políticas públicas educacionais
no Brasil são verificadas em diferentes instâncias de governo em decorrência de tratar-se de
um país com regime federativo e, por isso mesmo, nem sempre elas “traduzem uma posição
de governo articulada com clareza de direção, com metas integradas e compreensivas, com
balizas sobre onde se pretende chegar ou que processos e dinâmicas educacionais se
pretendem desencadear” (GATTI, SÁ BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 14).
Campos analisa que as reformas educacionais, apesar de possuírem alguns pontos em
comum incidem, de fato, sobre realidades sociais, econômicas e culturais muito diversas,
portanto, a mesma medida pode ter representatividade completamente diferente quando
aplicadas em contextos tão díspares:
Parece assim que as reformas educacionais, embora com alguns pontos de partida
comuns – os compromissos da conferência de Jomtien, a preocupação com as
mudanças no sistema produtivo e na economia –, ao incidirem sobre realidades
bastante diversas, sobre grupos sociais com diferentes condições de vida e diferentes
possibilidades de exercício de poder, sobre sociedades profundamente divididas nos
planos econômico, social, político e cultural, nem sempre produziram resultados que
levassem a maior democratização do acesso ao conhecimento e a melhor resposta da
escola às necessidades dos diversos segmentos da população. (CAMPOS, 2013, p.
25-26)
A autora destaca também, ainda quanto às políticas educacionais atuais que estas
ajudaram, de uma forma ou de outra, a incluir a educação na agenda política e a dar-lhe
visibilidade social, não estando mais apenas restritas ao campo de atuação dos educadores:
É importante, todavia, reconhecer que as reformas, com todas suas limitações e
contradições, tiveram o mérito de ajudar a incluir a educação na agenda política e
dar visibilidade social a questões que antes estavam restritas ao campo específico de
atuação dos educadores. Estes, talvez sem obter os consensos que buscavam,
provocaram a expressão de concepções alternativas, de resistências, de dissensos. A
massa de dados gerada pelos sistemas de avaliação centralizados possibilitou a
realização de estudos que puseram a nu as desigualdades no acesso ao conhecimento
por parte de alunos com diferentes origens sociais, evidenciando processos de
discriminação e de reforço de desigualdades que persistem na escola, agora
aparentemente aberta a todos. (CAMPOS, 2013, p. 27-28)
Oliveira (2011) analisando a política educacional do período FHC destaca que a
educação passou por diversas reformas acompanhando a tendência mundial de flexibilização
da gestão, autonomia das escolas e responsabilização dos docentes
182
Esse movimento de reformas levado a termo no Brasil pelo governo de ___
acompanhou a tendência em nível mundial que apontava na direção de maior
flexibilidade na gestão, maior autonomia as escolas e maior responsabilização dos
docentes. A descentralização administrativa, financeira e pedagógica foi a grande
marca dessas reformas, resultando em significativo repasse de responsabilidades
para o nível local, por meio da transferência de ações. Assim, as reformas realizadas
no Brasil durante o governo de que teve no decorrer de seus dois mandatos um só
ministro da Educacao, Paulo Renato de Souza, determinaram novas formas de
financiamento, gestão e avaliação da educação básica, conformando uma nova
regulação assentada na descentralização e em maiores flexibilidade e autonomia
local. Essas mudanças foram determinantes de novas relações entre as diferentes
esferas administrativas na matéria educacional, especialmente entre União e
municípios. Muitos elementos trazidos por essas reformas foram duramente
criticados pelos movimentos sociais que estiveram na base eleitoral do presidente
Lula. (OLIVEIRA, 2011, p. 327)
Assim, percebe-se que a política educacional do governo FHC fragmentou a sua
gestão, pois havia vários programas sociais e educativos que “buscavam atender a públicos
focalizados, revelando grande dispersão de políticas temporárias que se afirmavam mais como
políticas de governo que de Estado, cujas bases institucionais de controle social não estavam
definidas” (OLIVEIRA, 2011, p. 329), ou seja, a educação brasileira estava sem nenhuma
sistematização e sem este sistema educacional vigente não há como estabelecer bases de
cooperação entre os entes federados.
Já no Governo Lula e, posteriormente, no de Dilma Roussef verifica-se uma promoção
de uma política nacional de condução e orientação da educação básica:
[...] envolvendo os estados e os municípios e setores da sociedade civil, e buscando
recuperar certo protagonismo perdido na definição das políticas educativas em
âmbito nacional pelas reformas ocorridas nas décadas passadas. Por outro, reduz as
possibilidades de autonomia e autodeterminação dos governos subnacionais.
(OLIVEIRA, 2011, p. 329)
Havia até o PNE uma ausência de interlocução entre as ações e leis do PDE o que
transparecia as dificuldades que o modelo e a estrutura educacional de nosso país enfrentam,
isto porque a organização federativa do Brasil impacta na área educacional, tanto que outro
aspecto importante do novo PNE é a preocupação com o Sistema Nacional de Educação –
SNE, com os planos de educação de cada ente federado e o regime de colaboração entre eles,
como veremos no próximo capítulo.
4.3 Centralização e descentralização
183
Como sabemos o Brasil é um país de dimensões continentais e, esta característica,
juntamente com a forma com que ocorreu o desenvolvimento do mesmo, expressa uma
desigualdade inter e intrarregional, que conforme Oliveira e Sousa (2010, p. 13) é “decorrente
da assimetria entre as condições econômicas dos entes federados e a distribuição de
competências previstas constitucionalmente, que indica o que cabe a cada um realizar no
tocante ao provimento da educação para a população, resultando em diferentes condições de
oferta”.
E colocamos esta discussão em pauta, pois a estrutura federativa impacta diretamente
nas políticas públicas, sobretudo educacionais, tendo em vista que esta composição contraria
o direito à educação que “pressupõe igualdade de condições para todos, contrapõe-se à
diferenciação típica do sistema federativo”, conforme esclarece Oliveira e Sousa (2010, p.
13).
Anderson (1987), assim conceitua federalismo:
[...] é o sistema político (e os princípios fundamentais desse sistema) que: a) defende
ou estabelece um governo central para todo o país e determinados governos
regionais autônomos (estados, províncias, Länder, cantões) para as demais unidades
territoriais; b) distribui os poderes e as funções de governo entre os governos central
e regionais; c) atribui às unidades regionais um conjunto de direitos e deveres; d)
autoriza os governos de ambos os níveis a legislar, tributar e agir diretamente sobre
o povo, e e) fornece vários mecanismos e procedimentos para a resolução dos
conflitos e disputas entre os governos central e regionais, bem como entre duas ou
mais unidades regionais (FGV, 1987, p. 471).
Assim, o Brasil é uma República Federativa constituída de forma indissolúvel por
União, Estados, Municípios e o Distrito Federal formando o Estado Democrático de Direito.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (CF/88)
O Brasil, portanto, é um Estado Federado dividido em diversas unidades
independentes denominadas de entes federativos. Há muita contenda sobre o caráter
federativo dos Municípios, visto que na maioria dos países os Municípios são apenas
classificados como subdivisões administrativas dos Estados. Contudo, nossa Constituição é
184
explícita em classificá-los como entes federativos dotados de autonomia (AÇÃO
EDUCATIVA, 2007).
O nosso federalismo deve ser considerado como cooperativo, isto porque segundo
Araújo nossa CF/88 está ancorada no cooperativismo, no equilíbrio das tensões, na equidade e
assimetria entre os entes federados:
Os fundamentos da Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988 estão
ancorados no federalismo cooperativo, cuja intenção é equilibrar os conflitos
federativos e garantir a mesma qualidade de vida para todos os cidadãos,
independente da região, estado ou cidade em que habitam. Desse modo, sua
premissa é o equilíbrio das tensões entre simetria e assimetria, unidade e diversidade
e união e autonomia. (ARAÚJO, 2010, p. 738)
Desta forma, os entes federativos em nosso país possuem competências próprias,
previstas na CF/88, ou seja, são áreas de atuação exclusivas que, por vezes, podem ser
compartilhadas dependendo da matéria tratada.
Quanto à autonomia dos entes federativos e da consequente repartição de competência,
Silva explica que isso é o ponto principal de um Estado Federal:
A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências para o
exercício e desenvolvimento de sua atividade normativa. Esta distribuição
constitucional de poderes é o ponto nuclear da noção de Estado federal. São notórias
as dificuldades quanto, a saber, que matérias devem ser entregues à competência da
União, quais as que competirão aos Estados e quais as que se indicarão aos
Municípios. (SILVA, 2002, p. 475)
Oliveira e Sousa destacam que há um desarranjo neste modelo federativo de
descentralização, pois quando se analisa a divisão dos recursos orçamentários se verifica que
não há o acompanhamento da estrutura tributária, portanto, o município sofre, tendo em vista
que recebe menos recursos:
[...] quando se analisa a materialização desse arranjo, observa-se que a desigualdade
se mantém significativa, posto que a divisão dos recursos orçamentários, decorrente
da estrutura tributária, não se altera. Tal situação é agravada com a Constituição de
1988, ao incorporar o município como ente federativo, evidenciando-se
descompasso entre os recursos disponibilizados a cada um e suas responsabilidades
na oferta educacional, mesmo considerando-se os mecanismos de transferências
intergovernamentais. (OLIVEIRA; SOUSA, 2010, p. 17)
Tanto é que a educação infantil, um dos níveis de ensino de responsabilidade dos
municípios, tem sofrido as consequências desta divisão orçamentária, pois os municípios não
têm recursos suficientes para ampliar e melhorar a educação infantil; entretanto como
185
perceberemos na análise da justiciabilidade do direito à educação, este é o direito que possui o
maior índice de exigibilidade jurídica no país. Assim, surge uma questão: como os município
cumprirão a determinação legal de arcar com a responsabilidade da educação infantil se não
tem repasse suficiente de verbas?
Os estudos sobre o financiamento da educação no país revelam os enormes
obstáculos que se colocam para a ampliação e melhoria da qualidade da educação
infantil. Como mostram Guimarães e Pinto (2001), a maioria dos municípios,
principais responsáveis pelo atendimento a essa faixa etária, não conta com recursos
suficientes para consolidar redes de educação infantil de qualidade. Segundo esses
autores, seria necessário o aporte de novos recursos federais para que as metas de
expansão definidas no PNE possam sair do papel. Infelizmente, como mostrou o
estudo de Barreto (2003) sobre o período de governo anterior (1998-2002), foi
exatamente o inverso que ocorreu na definição de prioridades do poder executivo
federal. (CAMPOS; FÜLLGRAF ; WIGGERS, 2006, p. 101)
Para Abrucio (2010, p. 46) “o principal mote do novo federalismo inaugurado pela
Constituição de 1988 foi a descentralização. Processo que significava não só passar mais
recursos e poder aos governos subnacionais, mas, principalmente, tinha como palavra de
ordem a municipalização”.
Veloso no Ciclo de Audiências Públicas que discutiu a Educação e Federalismo, em
12 de setembro de 2012, afirmou que:
[...] o modelo brasileiro de gestão e financiamento da educação tem desenho
adequado à dimensão e às características federativas do País. Em linhas gerais, esse
modelo é marcado pela descentralização da educação básica; pelo financiamento por
meio de vinculação orçamentária de receitas dos entes federados, com
complementação da União; e por um sistema de avaliação a cargo do Governo
Federal. (VELOSO, 2012, p. 01)
Em nosso país cada um dos 5.564 municípios, 27 estados e Distrito Federal têm
autonomia em relação ao outro e competências próprias, ou seja, somente ele pode tratar de
determinados assuntos. Contudo, para algumas matérias, permite a Constituição que as
unidades da federação atuem em conjunto ou de forma substitutiva. Essa atuação pode se dar
de forma complementar, chamada pela Constituição de competência concorrente35
. Nessa
forma de competência, o ente federal de maior grau na escala de hierarquia, a saber: a União
em relação aos Estados, Distrito Federal e Municípios, e os Estados sobre os Municípios;
trata do assunto de forma geral, deixando a especificidade da matéria, se houver, nas mãos
dos entes federativos específicos (AÇÃO EDUCATIVA, 2007).
35
CF, art. 24.
186
Na realidade devido à falta de regulamentação do regime de colaboração no Brasil
temos vários conflitos entre os entes federativos tanto em linha vertical, como em linha
horizontal, ou seja, na vertical percebemos que o governo federal incentiva programas de
descentralização, pois nestes pode ficar apenas como fiscalizador dos processos; outro aspecto
muito nefasto da verticalização é a guerra entre os municípios e estados por recursos do
governo federal, sempre por meio de demandas fragmentadas. Já em linha horizontal o
problema encontra-se na guerra fiscal.
Na educação fica claro que a dificuldade é horizontal, onde há um conflito pela
responsabilização dos entes federados na garantia de acesso, permanência e qualidade nas
etapas e modalidades da educação básica.
Oliveira e Sousa (2010, p. 18) esclarecem que se busca atribuir à União papel
supletivo a estados e municípios, e quanto a estrutura tributária e os recursos destinados aos
entes federados:
Se não se muda a estrutura tributária, é cabível pensar-se numa ação do nível central
no sentido de compensar a desigualdade e aumentar a equidade no acesso aos
serviços públicos, em particular à educação. Entretanto, as propostas esbarram na já
citada dificuldade da aprovação da reforma tributária. Elas têm de se viabilizar nos
limites da estrutura política vigente, ou seja, têm de se haver com a resistência dos
beneficiados pelo modelo. (OLIVEIRA; SOUSA, 2010, p. 18)
Esta divisão, sobretudo no que concerne a municipalização devido às diferenças
culturais, sociais e políticas do nosso país, foram bastante desiguais, tanto que Abrucio
destaca muitos resultados negativos decorrentes deste processo:
[...] a dependência financeira ou a escassez de recursos para dar conta das demandas
dos cidadãos; baixa capacidade administrativa, o que implica dificuldade para
formular e implementar os programas governamentais, mesmo quando há dinheiro
federal ou estadual envolvido; e os males que atrapalham a democratização dos
municípios, como o clientelismo, a “prefeiturização” (isto é, o excesso de poder nas
mãos do prefeito), o pouco interesse em participar politicamente e/ou de controlar os
governantes. (ABRUCIO, 2010, p. 46-47)
Neste cenário, temos as políticas públicas educacionais. a questão da cooperação entre
os entes federados e a articulação destas políticas – que normalmente não ocorrem entre as
esferas de poder gerando sérios problemas educacionais, especialmente no ensino
fundamental – de forma intrínseca ou por determinação constitucional:
Um cenário não cooperativo entre os municípios é ainda mais complicado tendo em
conta que em diversas políticas públicas, seja por suas características intrínsecas
(como no caso da gestão das bacias hidrográficas, que sempre estão em mais de um
187
território), seja por determinação constitucional, existe a necessidade de
compartilhamento de ações entre os níveis de governo. Vale citar aqui o exemplo da
educação, no qual é impossível implementar bem as políticas, em particular para o
ensino fundamental, sem que haja uma colaboração entre estados e municípios, uma
vez que a rede pública existe em ambas as esferas – é possível, inclusive, encontrar
uma escola municipal e outra estadual bem próximas entre si numa mesma cidade.
(ABRUCIO, 2010, p. 49)
Oliveira e Sousa (2010, p. 14) lembram que “a forma de cooperação, além da
normativa comum, materializar-se-ia pela via financeira ou, quando muito, da assistência
técnica, enquanto que na saúde, a “colaboração” pode se dar por meio de organismos
independentes”.
Toda esta problemática que envolve o federalismo e a centralização ou
descentralização das políticas públicas gerou um jogo de poder não cooperativo ou em alguns
casos criou formas de coordenação entre os níveis de governo.
Quanto à educação o nosso sistema de ensino está assim organizado:
Art. 211 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em
regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º - A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará
as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional,
função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades
educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e
financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;
§ 2º - Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação
infantil.
§ 3º - Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e médio.
§ 4º - Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios
definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino
obrigatório.
§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular. (CF/88)
Conforme já esclarecido em nossa dissertação de mestrado “quando, no caso acima, o
ente federado de maior grau exime-se de tratar determinado assunto que deveria, pode o ente
inferior tratá-lo mesmo se for matéria classificada como de caráter geral, posta a inoperância
do primeiro” (CABRAL, 2008, p. 105). Essa forma de competência, é deominada em nossa
Constituição como suplementar, estando sempre ligada à competência concorrente, pois é
uma espécie de substituta desta ou subsidiária, que conforme Araújo é:
A subsidiariedade é uma ideia e um princípio que consiste na defesa de políticas
diretamente conduzidas pela autoridade e/ou instituição mais próxima do cidadão.
Dessa forma, a prioridade das iniciativas, do ponto de vista das políticas, seria a da
sociedade sobre o Estado e, na esfera estatal, a preponderância da instância local
sobre o estado e deste sobre o governo federal. (ARAÚJO, 2010, p. 756)
188
E elucidando qualquer discussão quanto à questão da subsidiariedade em face do
direito à educação, Araújo afirma que esta se aplica plenamente ao mesmo, pois:
[...] na área de educação, a Constituição Federal de 1988 em seus artigos 211, 212 e
213 informam princípios de subsidiariedade, além das Emendas Constitucionais n.
14/96 e n. 53/06, que regulamentam respectivamente o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF) e o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (FUNDEB). (ARAÚJO, 2010, p. 756)
Nossa Constituição também menciona aquelas que são competências exclusivas da
União36
, ou seja, quando apenas esta entidade é capaz de agir ou legislar sobre determinada
matéria; as competências privativas da União37
, quando somente esta pode dispor sobre
determinadas matérias, sendo possível a participação dos Estados somente através de Lei
específica que os autorize e, por fim, as competências comuns38
, que são aquelas que qualquer
ente federativo pode trabalhar em pé de igualdade. Tais competências podem também ser
classificadas como materiais, quando dizem respeito à implementação de políticas públicas
pelo Poder Executivo; ou legislativas, quando se referem à capacidade de estabelecer normas
sobre determinados assuntos. Estes acertos ocorreram a partir da LDB39
e do Fundef - Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério40
.
Abrucio afirma que evoluímos muito em termos de legislação e de políticas públicas
educacionais, mas ainda promove algumas críticas ao federalismo e a forma de cooperação
entre os entes em relação à distribuição dos recursos, tendo em vista que não se tem
indicadores de eficiência e efetividade das políticas educacionais:
A distribuição de recursos, no entanto, responde à questão da cobertura (eficácia) e
não tem indicadores referentes à eficiência e à efetividade da política. A
universalização do acesso não é acompanhada de instrumentos que permitam aos
fundos melhorar a qualidade do gasto da educação no Brasil. Basta acompanhar os
dados do Ideb para ver que há outros fatores, além da equalização orçamentária, que
devem afetar o processo educacional e seu impacto sobre os alunos.
Nesse quesito, a coordenação federativa ainda é fraca no Brasil, não obstante seja
importante realçar o programa de ajuda do governo federal, criado recentemente
pelo ministro Haddad, para auxiliar os mil municípios com pior Ideb. Embora tenha
havido uma melhoria em termos de negociação intergovernamental na passagem do
Fundef ao Fundeb, não ocorreu uma institucionalização de fóruns federativos
capazes de atuar em prol do regime colaborativo. (ABRUCIO, 2010, p. 64)
36
CF, art. 21. 37
CF, art. 22. 38
CF, art. 23. 39
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 40
Instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei n.º 9.424, de 24
de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997.
189
A determinação dessas competências faz-se extremamente necessária para podermos
responsabilizar as diferentes pessoas públicas quando estas falham com a devida prestação de
serviços. E a falta de instituições no processo de deliberações das políticas educacionais, em
contrapartida, promovem uma menor accountability.
A falta de conhecimento sobre quem é quem no âmbito da execução de nossos
direitos, das políticas públicas e, mais especificamente, do direito à educação, muitas vezes
inviabiliza o próprio exercício do direito.
Para Rezende (2010, p. 71) “o equilíbrio entre responsabilidades e recursos em uma
federação requer soluções tão mais complexas quanto maiores forem as disparidades regionais
e sociais”.
Portanto, conforme a CF/88 e a organização do sistema de ensino brasileiro, acima
descrito, compete aos Municípios e ao Estado promover o ensino fundamental de qualidade, o
Município é responsável pelas séries iniciais do ensino fundamental (primeira a quinta série) e
o estado pelas demais séries (sexta a nona série), sendo que a União deve exercer a função
redistributiva e supletiva, de forma a garantir padrão mínimo de qualidade do ensino mediante
assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou seja, a
União em caso de oferta irregular por falta de qualidade no ensino fundamental, responde
judicialmente de forma concorrente, solidária, com o Estado ou Município – dependendo da
série em que se promova a deficiência na qualidade educacional – sendo ambos responsáveis
pela promoção de uma educação de qualidade no ensino fundamental e a União possuindo
responsabilidade concorrente.
Por fim, acreditamos que seja necessário definir um modelo de governança para a
educação brasileira por meio da institucionalização efetiva de um Sistema Nacional de
Educação; sabe-se que esta discussão esteve em pauta na tramitação do Plano Nacional de
Educação – PNE e que tanto a Constituição Federal de 1988 quanto o PNE (2014-2024)
destacam sua importância, porém ele não foi até o momento efetivamente colocado em
prática. Assim, o SNE desde a EC 59/2009 já existe porém o que não há é a passagem de sua
existência para consistência.
A definição de Sistema Nacional de Educação nos é dada por Ferraz:
Ao conjunto assim organizado dá-se o nome de sistema de ensino. Se
desmembrarmos o conceito identificando-lhe e agrupando-lhe os elementos ou
componentes essenciais, aí vamos encontrar as quatro causas tratadas na filosofia
aristotélico-tomista: a) a causa material, a matéria de que é feito o sistema (pessoas,
coisas recursos); b) a causa formal, as normas (leis, decretos-leis, decretos e outros
atos da autoridade competente) que dão forma orgânica a tal matéria; c) o órgão do
190
Poder Público ao qual incumba atuar como causa eficiente, dando organização ao
sistema; d) a causa final, os fins ou valores (éticos, políticos, religiosos, econômicos,
pedagógicos, etc.) em vista dos quais o sistema se organiza. (FERRAZ, 1984, p. 9-
10)
Antes da EC 59/2009, segundo Cury (2008, p. 1189) o que tinhamos era a
“organização da educação nacional de acordo com o Título IV da atual LDB e não um sistema
nacional”. “Nacional é a educação, na forma federativa em que comparecem competências
privativas, concorrentes e comuns dos entes federativos”, não o sistema; para o autor, “um
sistema de educação supõe, como definição, uma rede de órgãos, instituições escolares e
estabelecimentos – fato; um ordenamento jurídico com leis de educação – norma; uma
finalidade comum – valor; uma base comum – direito” (CURY, 2008, p. 1204).
Esta discussão está em pauta desde o antigo PNE, porém conforme esclarece Oliveira
(2011, p. 330) devido à “ausência de uma legislação nacional que estabelecesse o Sistema
Nacional de Educacao no Brasil, sua estrutura, funcionamento e orientação, caberia ao PNE o
lugar de referência legal da educação em todos os níveis e modalidades. Contudo, a força de
lei que deveria ter o PNE (2001-2010) não se fez cumprir”.
Como já discutimos em momento anterior, não consideramos o PDE como uma
política de Estado e neste sentido, Araújo discutindo o tema destaca que este conglomerado
de ações são nevrálgicas e não estabelecem de fato a regulamentação de um regime de
colaboração:
Todavia, esses “minipactos” não incidem sobre a questão histórica, estrutural e
nevrálgica da organização da educação nacional que é a constituição de um Sistema
Nacional de Educação (SNE), cujas bases são duas medidas vigorosas do ponto de
vista político e institucional: uma reforma tributária, que elimine as brutais
desigualdades regionais, e a regulamentação do regime de colaboração, ou seja, duas
medidas que alteram o modelo do federalismo brasileiro, do ponto de vista fiscal e
do ponto de vista jurídico-político. (ARAÚJO, 2010, p. 754)
E é muito importante que seja lembrado que a falta de regulamentação, como destaca a
autora, deste regime de colaboração no país não ocorreu não por falta de tentativas, pois estas
existiram. De acordo com Cassiani, citado por Cardoso:
Foram elaborados cinco projetos de lei que abordam o regime de colaboração na
educação, todos de iniciativa do Legislativo. Entretanto, não houve debate sobre a
matéria, uma vez que foram arquivados sem relatoria ou porque não estavam
relacionados à matéria, ou por fim de legislatura, ou por trâmite indevido (CASSINI,
2010 apud ARAÚJO, 2010, p. 735).
191
O Sistema Nacional de Educação – SNE está previsto no artigo 2014 da Constituição
Federal de 1988, com a seguinte redação:
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com
o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e
definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a
manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e
modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes
esferas federativas que conduzam a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
59, de 2009)
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.
VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como
proporção do produto interno bruto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 59, de
2009) (CF/88)
O que se percebe é que a CF/88 a partir da EC n. 59/2009 passou a compreender como
essencial a existência de um Sistema Nacional de Educação para articular o regime de
colaboração entre os entes federados, com intuito de assegurar a manutenção e o
desenvolvimento do ensino em todos os seus níveis, visando, entre outras coisas, a qualidade
da educação.
Para tanto o PNE aprovado em 25 de junho de 2014 determina em seu artigo 13 a
necessidade de que em dois anos seja instituído o SNE por meio de lei específica e que este
seja responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para
efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação.
E o PNE na meta 20, estratégia 20.9 determina prazo de dois anos para que haja a
regulamentação do parágrafo único do art. 23 e o art. 211 da Constituição Federal, para que
sejam estabelecidas as normas de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, em matéria educacional, e a articulação do sistema nacional de educação em
regime de colaboração, com equilíbrio na repartição das responsabilidades e dos recursos e
efetivo cumprimento das funções redistributiva e supletiva da União no combate às
desigualdades educacionais regionais, com especial atenção às regiões Norte e Nordeste.
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
[...]
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a
União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio
do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 53, de 2006) (CF/88)
192
Esta Emenda Constitucional, como afirmou Carlos Roberto Jamil Cury no lançamento
da CONAE 2014, no MEC, “constituiu” o Sistema Nacional de Educação”, mas não o
“institui”, isto é, ele está na Constituição mas não na prática da educação brasileira.
Argumenta Dourado (2010, p. 681) com base no Documento Final da CONAE, que é
necessário que haja a “efetivação do Sistema Nacional de Educação e a instituição do Fórum
Nacional de Educação como instância máxima de deliberação do SNE” bem como a
“regulamentação do regime de colaboração e cooperação entre os entes federados”, “de modo
a constituir condições políticas e de gestão que contribuam para a efetivação da melhoria nos
diferentes níveis e modalidades que caracterizam a educação nacional”. (DOURADO, 2010,
p. 681)
Concordo com Gadotti (2012) quando afirma que a implementação do SNE só faz
sentido se pautado na lógica colaborativa, ou seja, “cimentada pela gestão democrática e tiver
por finalidade a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária”, como determina o
Inciso I do artigo terceiro da Constituição Federal de 1988”, isto porque a CF/88 instituiu um
modelo de federalismo cooperativo onde haja a “participação social e o controle público sobre
a gestão das políticas públicas, prevendo uma multiplicidade de conselhos obrigatórios para
estados e municípios receberem repasses de recursos” (GADOTTI, 2012).
Em síntese, Saviani destaca que a melhor forma de se atender adequadamente as
necessidades educacionais em um país sob o regime do pacto federativo é por meio do
Sistema Nacional de Educação, pois através dele é possível se articular os interesses e
necessidades de cada ente federado:
[...] a forma própria de se responder adequadamente às necessidades educacionais de
um país organizado sob o regime federativo é exatamente por meio da organização
de um Sistema Nacional de Educação. Isso porque, sendo a Federação a unidade de
vários estados que, preservando suas respectivas identidades, intencionalmente se
articulam tendo em vista assegurar interesses e necessidades comuns, ela postula o
sistema nacional. Este, no campo da educação, representa a união intencional dos
vários serviços educacionais que se desenvolvem no âmbito territorial dos diversos
entes federativos que compõem o Estado federado nacional. Na construção do
Sistema Nacional de Educação e na efetivação do Plano Nacional de Educação,
deve-se levar em conta o regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito
Federal e os municípios, conforme disposto na Constituição Federal, efetuando uma
repartição das responsabilidades entre os entes federativos, todos voltados para o
mesmo objetivo de assegurar o direito de cada brasileiro, provendo uma educação
com o mesmo padrão de qualidade a toda a população. Na repartição das
responsabilidades os entes federativos concorrerão na medida de suas peculiaridades
e de suas competências específicas consolidadas pela tradição e confirmadas pelo
arcabouço jurídico. Assim, as normas básicas que regularão o funcionamento do
sistema serão de responsabilidade da União, consubstanciadas na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional e no Plano Nacional de Educação, traduzidas e
193
especificadas pelas medidas estabelecidas no âmbito do Conselho Nacional de
Educação. Os estados e o Distrito Federal poderão expedir legislação complementar,
adequando as normas gerais a eventuais particularidades locais. Não incluo aqui os
municípios porque a Constituição Federal não lhes confere a competência para
legislar em matéria de educação. Veja-se o artigo 30 da Constituição que trata das
competências dos municípios. (SAVIANI, 2010, p. 387)
Não se pode esquecer na organização do SNE que seja efetuada, portanto, a repartição
das responsabilidades entre os entes federativos de acordo com suas competências específicas.
Em suma, o Sistema Nacional de Educação integra e articula todos os níveis e
modalidades de educação com todos os recursos e serviços que lhes correspondem,
organizados e geridos, em regime de colaboração, por todos os entes federativos sob
coordenação da União. Fica claro, pois, que a repartição das atribuições não implica
exclusão da participação dos entes aos quais não cabe a responsabilidade direta pelo
cumprimento daquela função. Eles participarão por meio dos respectivos colegiados,
acompanhando e apresentando subsídios que venham a tornar mais qualificadas as
decisões tomadas. E assumirão responsabilidades diretas nos aspectos que lhes
correspondem por meio das secretarias e conselhos estaduais de educação e das
secretarias e conselhos municipais de educação sempre que tal procedimento venha
a concorrer para a flexibilização e maior eficácia da operação do Sistema Nacional
de Educação, sem prejuízo, evidentemente, do comum padrão de qualidade que
caracteriza o sistema. (SAVIANI, 2010, p. 388)
Na distribuição de responsabilidades entre os entes federados podemos dizer que
dificilmente as questões que envolvem a formação de professores, carreira e condições de
exercício da mesma poderiam ser delegados aos municípios, pois estas questões constituem
matéria de responsabilidade compartilhada entre União e estados. Os municípios devem
responder pela “construção e conservação dos prédios escolares e de seus equipamentos,
assim como sobre a inspeção de suas condições de funcionamento, além, é claro, dos serviços
de apoio, como merenda escolar, transporte escolar etc” (SAVIANI, 2010, p. 388).
Já o financiamento do SNE deverá ser compartilhado entre Estados, Municípios e
União, conforme o regime dos fundos de desenvolvimento educacional.
Neste sentido, Dourado destaca que
É possível deduzir desses princípios constitucionais que proporcionar os meios de
acesso à educação é dever de todos os entes federados e que sua efetivação deve ser
resultante da cooperação e colaboração, o que não prescinde de normas nacionais,
bem como de normas subnacionais articuladas, ou seja, o exercício da autonomia
deve se efetivar no horizonte tensionado pelas condicionalidades e
complementaridade, o que, no caso brasileiro, implica repensar o sistema tributário
nacional e as condições objetivas dos entes federados nesse processo, por meio de
uma reforma tributária que deslinde novos horizontes ao processo de
descentralização das políticas. (DOURADO, 2013, p. 767)
194
Assim, as competências privativas que não descaracterizam os entes federados, mas
sim que demonstram que o sistema deve se efetivar por meio de relações de cooperação entre
eles.
Isto é essencial à política pública educacional brasileira na busca pela qualidade da
educação, pois há uma grande diferença entre as diversas regiões do país no que se refere às
taxas de escolarização bruta e líquida da educação básica, isto porque, não se observam no
tratamento das questões macroestruturais as diferenças regionais, que são culturais, sociais,
políticas e, sobretudo, econômicas:
Tabela 8. Taxas de escolarização bruta e líquida da educação básica
Fonte: IBGE/PNAD; elaborado por Inep/DTDIE
Especificamente quanto ao ensino fundamental, foco central deste trabalho,
observamos que a taxa de escolarização é mais equilibrada entre as regiões, sendo a com
menor taxa a região Norte seguida pela região Nordeste do país; porém percebemos que na
pré-escola os menores indicadores estão no Sul e no Centro-Oeste e no ensino médio no
Nordeste.
Mais que isso, temos ainda de acordo com os dados PNAD de 2010 que a taxa de
analfabetismo absoluto da população com 15 anos ou mais é de 9,7% e o analfabetismo
funcional é de 20,3%. Constata-se também o aumento na taxa de escolarização das crianças
de 4 e 5 anos, de 70,1% em 2007 para 72,8% em 2008. Mesmo com este aumento, ainda há
muito para ser feito, são muitos os desafios a serem alcançados e para que isto ocorra a
cooperação entre os entes federados e a articulação entre eles se faz necessária, e para isso o
SNE é imperativo.
195
E a preocupação com este panorama e com a necessidade da cooperação entre os entes
federados é tamanha que, segundo Dourado (2013, p.773) em 2012 o MEC constituiu um
Grupo de Trabalho que tem como objetivo “elaborar estudos sobre a implementação do
regime de colaboração mediante os arranjos de desenvolvimento da educação, e em
decorrência dos estudos e debates vai rediscutindo a orientação dos ADE sinalizando para
perspectivas mais amplas, como os consórcios públicos, além de questões e proposições
direcionadas à instituição de lei complementar de regulamentação do regime de
colaboração”.41
Neste contexto de responsabilização dos entes federados pela qualidade do ensino
fundamental promovido surge a discussão sobre a necessidade de aprovação de uma Lei de
Responsabilidade Educacional que defina claramente as responsabilidades de cada ente
federado e as penalidades no caso de seu descumprimento.
O final deste capítulo aborda esta legislação e a discussão em pauta sobre a viabilidade
de a ação civil pública garantir o direito à qualidade do ensino fundamental público em nosso
país.
4.4 A ação civil pública e a exigibilidade da qualidade do ensino fundamental público
A ação civil pública é regulamentada pela Lei n. 7.347 de 24 de julho de 1985 e
consubstancia-se em um instrumento processual com fundamentação constitucional que tem
como finalidade à defesa de interesses difusos e coletivos:
Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as
ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados
I - ao meio-ambiente;
II - ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
V - por infração da ordem econômica;
VI - à ordem urbanística.
VII - à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos.
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que
envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários
podem ser individualmente determinados.
41
Sobre ADE - Arranjos de Desenvolvimento Educacionais (Parecer CNE/CEB n. 9/2011 e Resolução
CNE/CEB n. 1/2012) e regime de colaboração (Parecer CNE/CP n. 11/2012)
196
Segundo Silva (2008, p. 63) a ação civil pública “tem por fim responsabilizar o agente
público que, não cumprindo o seu dever, desrespeitou direito alheio, coletivamente
considerado, impondo-lhe uma obrigação de fazer. É, assim, instrumento processual que pode
ser usada para implementar direitos sociais assegurados pela Constituição Federal”.
Ela é utilizada para responsabilização do agente que desrespeitou um direito social
coletivo ou difuso. Os estudos econômicos introduziram na educação o termo accountability
que “ (que não tem tradução direta nem para o espanhol nem para o português) é o conceito
que expressa esta tendência e o mesmo faz referência primeiramente aos resultados em termos
de aprendizagem e a utilização que os atores têm feito dos recursos para alcançar esse
objetivo” (BIANCHETTI, 2008, p. 250 apud CORVALÁN; MCMEEKIN, 2006, p. 12).
Mais que isso, o accountability é um conceito polissêmico, para Corvalan e Mcmeekin
este possui dois sentidos:
[...] ‘rendição de contas’ e ‘responsabilização’ –, podemos ter uma aproximação à
temática em questão, entendendo que a accountability alude a ambos os sentidos: em
parte é uma prestação de contas aos interessados ou envolvidos pelos resultados do
processo educativo, o que por sua vez, se espera, tenha como consequência um
incremento dos níveis de responsabilização de cada ator sobre tal processo. (...) A
prestação de contas na accountability educacional refere-se, então, primeiramente
aos resultados em termos de aprendizagem e à utilização dos recursos pelos atores
do processo para conseguir esse objetivo (CORVALÁN E MCMEEKIN, 2006, p.
11-12).
Segundo Pinho e Sacramento (2009) o termo accountability apresenta em seu âmago a
compreensão da responsabilização pessoal pelos atos praticados e explicitamente a exigente
prontidão para a prestação de contas, seja no âmbito público ou no privado.
Este conceito neoliberal também trouxe consigo “um novo raciocínio à avaliação dos
resultados dos processos educativos e servem de argumento aos programas políticos que
adotam a ‘eficiência’ como princípio que rege as políticas públicas” (BIANCHETTI, 2008, p.
250), como já discutido durante este capítulo.
No mais, como também já salientamos, há enormes divergências entre a corrente
produtivista e a civil democrática, porém isso não interfere no fato de que existe a necessidade
de todos os agentes públicos prestarem contas à sociedade que os sustenta e isso pode ser
compreendido em uma perspectiva democrática, basta partimos de fato da função social da
escola que defendemos que é totalmente contrária a concepção produtivista.
O accountability foi explorado pela visão produtivista, mas pode ser pensado e
proposto sob o viés da corrente civil democrática, lembrando que não podemos aprisionar o
tema nos quadros do neoliberalismo. E pensamos assim, pois segundo Carneiro (2000) o tema
197
accountability surge como uma demanda de governança democrática, pois legitima uma
gestão que tenha por base ações governamentais de eficácia social:
O grau de governança democrática de um estado depende, diretamente, do quantum
de accountability existente na sociedade, depende da natureza e abrangência do
controle público sobre a ação governamental, porque o princípio da soberania
popular, alma da democracia, pressupõe nao apenas o governo do povo e para o
povo, mas também pelo povo. [...] E mais: não basta a existência de mecanismos de
accountability vertical, tal como eleições, ou mecanismos horizontais de controle
mútuo da ação governamental. É necessário, sobretudo, para a prática da boa
governança, a vigência de mecanismos de accountability societal, que ampliem o
escopo do controle público sobre a ação governamental e dêem concretude aos
princípios básicos da regra democrática e da legitimidade política. (CARNEIRO,
2000, p.11).
E Carneiro (2000) compreende a ideia de accountability como uma questão da
democracia, onde a gestão pública é a responsável pelos próprios atos. Isto porque, ele
acredita, e nós também, que a democracia por ser sustentada pelos princípios democráticos
necessita que os mesmos sejam efetivados para que a base da soberania popular se concretize,
e que não haja nada contraditório na responsabilização e no controle dos governantes pelos
governados, que descaracterize esta ação como a finalidade de um governo democrático.
Não há possibilidade de haver sucesso na democracia se os seus cidadãos não forem
capazes de atuar civil e socialmente, exigindo do governo sua prestação governamental, pois
não há nada de desconexo com a democracia e a participação popular quanto aos mecanismos
institucionais que proporcionem o controle das ações do governo.
Destaca-se que não há neste estudo qualquer pretensão de responsabilização pessoal
dos professores e nem mesmo compreensão de que a justiciabilidade, ou exigibilidade jurídica
do direito à qualidade do ensino fundamental, possa ser promovida pessoalmente ou
particularmente; tendo em vista a natureza do pedido, postulamos pela Ação Civil Pública
promovida pelo representante das crianças e adolescentes na esfera legal, o Ministério
Público, visto que somente ele pode pleitear um benefício para toda uma sociedade e
transformar esta decisão com efeitos erga ormnes.
E a opção por este nível de ensino, o ensino fundamental, se dá justamente pelo fato de
que apesar de toda a educação básica ser considerada pela CF/88 como direito público
subjetivo, apenas o ensino fundamental possui hoje essa característica, uma vez que tanto a
educação infantil quanto o ensino médio tem até 2016 para a implantação progressiva e
universalização.
198
Neste sentido, Silveira (2010, p.13) destaca que “a opção pelo ensino em nível
fundamental deve-se ao fato de que somente essa etapa da educação básica é definida na
Constituição Federal como direito público subjetivo”.
Isto porque, “quando se diz que todo cidadão tem direito, o que se está dizendo não é
mais que há um dever de humanidade para com ele, mas um dever jurídico que se pode exigir de
qualquer outro cidadão ou residente, assim como do próprio Estado”, de acordo com Lopes (2006,
p.159).
Mais que isso, segundo Silva (2008, p. 26) “a alegação de reserva do possível não
pode prevalecer quando se tratar da efetivação de direitos sociais necessários para garantir o
mínimo existencial, que se constitui das obrigações eleitas como prioritárias a serem atendidas
pelo Poder Público segundo a Constituição Federal”, o direito à educação, portanto, deve ser
respeitado e atendido com qualidade.
Silva (2003, p. 3) afirma que a Ação Civil Pública é “um poderoso instrumento legal
colocado à disposição do Ministério Público para defender direitos assegurados pela
Constituição Federal e pelas leis infraconstitucionais”. Ou como conceitua Milaré (1995, p.
235) é “[...] o direito expresso em lei de fazer atuar, na esfera civil, em defesa do interesse
público, a função jurisdicional”.
Importa destacar o que são direitos difusos e coletivos, sendo os primeiros mais
amplos, derivados de escolhas políticas; já os segundos são mais restritos e inerentes à
especificidade da condição humana:
No âmbito do objeto da ação civil pública, clássica a distinção entre os direitos (ou
interesses) difusos e os coletivos. Os dois primeiros, transindividuais de natureza
indivisível, isto é, tuteláveis ou suscetíveis de lesão apenas em conjunto, além de
indisponíveis, inapropriáveis individualmente e intransmissíveis inter vivos ou
mortis causa. Os primeiros, mais amplos e por vezes de toda a humanidade,
informais, inerentes à pura condição humana e de titularidade de pessoas
indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato, além de intrinsecamente
conflituosos, por derivados de escolhas políticas, daí, não raro, de duração
contingencial. A modificação da titularidade ativa se dá pela só mutação das
circunstâncias de fato, tal como quanto aos moradores de uma determinada região.
Os segundos, menos amplos e inerentes a alguma especificidade de condição
humana, relativamente informais e de titularidade de pessoas determinadas, ligadas
entre si ou com a parte contrária por relação jurídica base que as constitua em grupo,
categoria ou classe, a impor a pertinência temática da disputa. A modificação da
titularidade ativa se dá pela adesão ou exclusão da relação jurídica base. Ecologia,
qualidade de vida, direitos dos consumidores, direitos humanos, etnia, erário,
minorias, economia popular, ordem econômica, abastecimento, patrimônio nacional
amplamente considerado, deficientes físicos, investidores no mercado de valores
mobiliários, criança e adolescência, biossegurança, potencial hídrico, planos de
saúde, idosos, ordem urbanística, segurança pública, disponibilização de
medicamentos, são exemplos dos interesses difusos. Os interesses dos advogados
(ao dizer, por exemplo, do quinto dos Tribunais), dos professores, dos tabeliães, dos
médicos, dos engenheiros no geral das aspirações da classe, são exemplos de
199
interesses coletivos. Não o interesse individual de algum ou de alguns de tais
profissionais, mas o da respectiva classe, impessoalmente considerada, eis a
exemplificação dos interesses coletivos. (VIEIRA, 2012, p. 01)
A educação é um direito difuso visto que como já dissemos é um direito inerente à
condição humana, vinculado à dignidade da pessoa humana, possuindo como titulares pessoas
indeterminadas (os educandos), mas que são ligadas por circunstâncias de fato decorrentes de
políticas públicas (a qualidade da educação que lhes é oferecida pelo Estado em suas
dimensões). E ainda, esta lei se aplica no que for cabível, aos dispositivos do Título III do
Código de Defesa do Consumidor.42
No mais, segundo Silveira (2010, p. 101) “a tutela do direito prestacional à educação
[categoria de direito que pode ser enquadrada na definição de direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos, adotada pelo artigo 81, do Código de Defesa do Consumidor] tem
disciplina própria, representada pela Lei de Ação Civil Pública (LACP), CDC, e,
subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil”.
A ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Desta forma, é cabível contra o Poder
Público nos casos de descumprimento de suas obrigações positivas, direito público subjetivo,
no caso obrigações relativas ao direito educacional.
Desta forma, é fato que cabe “ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, na atividade
de controle das omissões do poder público, determinar a redistribuição dos recursos públicos
existentes, retirando-os de outras áreas [...] para destiná-los ao atendimento das necessidades
vitais do homem, a fim de oferecer-lhe condições mínimas de existência” (SILVA, 2008, p.
25-26). E quando não o faz deve responsabilizar-se pela sua omissão.
Este instrumento jurídico encontra-se vinculado ao Ministério Público, conforme o
artigo 129, inciso III, porém isto não afasta a possibilidade de entidades públicas ou
associações legitimadas também promoverem a Ação Civil Pública.
Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
[...]
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
(CF/88)
42
Art. 11, Lei n. 7.347/85
200
Como dito a propositura não se restringe só ao Ministério Público; também a União,
estados e municípios, autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia
mista, associações civis e a defensoria pública também estão legitimados a fazer uso dela.
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre as suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais,
étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico.
§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará
obrigatoriamente como fiscal da lei.
§ 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos
deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.
§ 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação
legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade
ativa.
§ 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja
manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou
pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
§ 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da
União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que
cuida esta lei.
§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso
de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá
eficácia de título executivo extrajudicial.43
O que se percebe pela leitura da Lei é que apesar de não se restringir ao Ministério
Público a propositura da Ação Civil Pública, exigi-se que este órgão atue como fiscal da lei
nestas ações.
É apto para propor a Ação Civil Pública em sede de direito educacional, sobretudo
direito à qualidade do ensino fundamental público o Ministério Público Estadual, tanto que a
Lei Orgânica do Ministério Público nos estados determina como suas funções:
Art. 25. [...]:
I - propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou
municipais, em face à Constituição Estadual;
II - promover a representação de inconstitucionalidade para efeito de intervenção do
Estado nos Municípios;
III - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
43
Lei n. 7.347/85
201
paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e
homogêneos;
b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público
ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações
indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem;
V - manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei e,
ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções
institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os
processos;
VI - exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem
idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência;
VII - deliberar sobre a participação em organismos estatais de defesa do meio
ambiente, neste compreendido o do trabalho, do consumidor, de política penal e
penitenciária e outros afetos à sua área de atuação;
VIII - ingressar em juízo, de ofício, para responsabilizar os gestores do dinheiro
público condenados por tribunais e conselhos de contas;
IX - interpor recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de
Justiça; (Lei n. 8.625/93)
Neste caso, o Ministério Público pode ser provocado por qualquer pessoa que pode
indicar-lhe elementos de convicção para iniciar a ação. Já, os juízes e tribunais, no exercício
de suas funções que tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação
civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.44
Assim, o Ministério Público Estadual tem legitimidade para propositura de ação civil
pública contra o Estado ou Município, e de forma concorrente a União, em face do não
cumprimento do oferecimento do ensino fundamental público com padrão de qualidade
quando uma das três dimensões que a constituem não se fizerem presentes:
Se a Constituição Federal [...] elege determinado interesse como especialmente
protegido, como a educação fundamental, não pode o estado ou o município alegar
insuficiência orçamentária para não ter escola no seu território, podendo nesse caso
o Ministério Público ajuizar ação civil pública para que tal serviço seja oferecido,
para dar cumprimento à exigência constitucional. Silva (SILVA, 2008, p. 27)
Na pesquisa realizada junto aos representantes do Ministério Público Estadual
brasileiro, neste trabalho, verificou-se que eles indicam a Ação Civil Pública com base no
ECA e na Constituição Federal de 1988 como meio jurídico para exercício dos direitos de
crianças e adolescentes. Transcrevemos abaixo uma das respostas obtidas quando inquirimos
os sujeitos sobre quais mecanismos judiciais o Ministério Público dispõe para atuar na
construção da cidadania e na democracia,
Além dos instrumentos conferidos pela Constituição Federal e pelos demais
documentos normativos, a exemplo da possibilidade de se firmar Termo de
44
Art. 5º e 6º, Lei n. 7.347/85.
202
Ajustamento de Conduta, de expedir Recomendações e, outrossim, ingressar como a
Ação Civil Pública, o Ministério Público de Santa Catarina procura articular
esforços com outros órgãos do Sistema de Garantias, atuando por meio de
programas e campanhas institucionais. (CAO Santa Catarina)
Assim, percebe-se o consenso entre a teoria jurídica até o momento analisada e as
concepções dos representantes do MP.
Em paralelo à concepção neoliberalista há a discussão no Congresso Federal da Lei de
Responsabilidade Educacional45
por meio do Projeto de Lei n. 8039/2010 que altera a Lei n.
7.347, de 24 de julho de 1985, para disciplinar a ação civil pública de responsabilidade
educacional:
Art. 3ºA. Caberá ação civil pública de responsabilidade educacional para
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, sempre que ação ou omissão da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios comprometa ou ameace
comprometer a plena efetivação do direito à educação básica pública.
§ 1º A ação civil pública de responsabilidade educacional tem como objeto o
cumprimento das obrigações constitucionais e legais relativas à educação básica
pública, bem como a execução de convênios, ajustes, termos de cooperação e
instrumentos congêneres celebrados entre a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, observado o disposto no art. 211 da Constituição.
§ 2º O objeto da ação civil pública de responsabilidade educacional destina-se ao
cumprimento das obrigações mencionadas no § 1o, não abrangendo o alcance de
metas de qualidade aferidas por institutos oficiais de avaliação educacionais.
Segundo os autores do Projeto de Lei, Fernando Haddad, Luiz Paulo Teles, Luis
Inácio Lucena Adams, o objetivo da alteração legal é “introduzir uma modalidade de ação
civil pública fundada na responsabilidade educacional, tendo por objeto o cumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer visando à melhoria da qualidade da educação básica pública”
(E.M.I. n° 034/MEC/MJ/AGU).
Os autores argumentam como justificativa para a introdução desta nova lei que
Faltam, todavia, no nosso ordenamento jurídico, mecanismos efetivos e eficientes
para garantia de que tais compromissos serão levados a cabo, ou ainda instrumentos
de responsabilização por eventual falta de empenho dos gestores na sua
45 Está em andamento na Comissão Especial na Câmara dos Deputados para parecer o projeto de lei relativo à
“qualidade da educação básica e a responsabilidade dos gestores públicos na sua promoção”, matéria que vem
sendo tratada como objeto de uma Lei de Responsabilidade Educacional. Tramitavam na Comissão dezenove
projetos sobre o assunto, sendo apensados ao PL n° 7.420, de 2006. A retomada da discussão no Congresso foi
motivada pelo envio de Mensagem do Presidente da República, recebida como PL n° 8.039, de 2010. Este
projeto incluía na Lei da Ação Civil Pública a modalidade ação civil pública de responsabilidade educacional,
delimitando que seu objeto seriam as obrigações de fazer e de não fazer previstas na legislação e nos convênios,
ajustes e termos assinados entre os entes federados. Seu ponto mais significativo, no entanto, consistia em
delimitar que não cabe ação de responsabilidade para exigir o cumprimento de metas de qualidade aferidas por
institutos oficiais de avaliação. Em 12 de dezembro de 2013, foi apresentado substitutivo global pelo relator,
Dep. Raul Henry (PMDB –PE).
203
concretização. Com efeito, contentar-se com sanções administrativas, limitadas à
interrupção de repasses ou eventual instauração de tomadas de contas e restituição
das verbas já repassadas, significa penalizar ainda mais aquele município ou estado
já prejudicado pela omissão ou má gestão. É preciso que a má atuação do Poder
Público na área de educação seja objeto de medidas capazes de reverter esse quadro
e colocar as coisas no rumo certo. Necessário, pois, a criação de mecanismos que
possam exigir o efetivo cumprimento das obrigações constitucionais, legais ou a
execução de medidas administrativas voluntariamente assumidas na área da
educação. (E.M.I. n° 034/MEC/MJ/AGU)
A Série Debates de 2008 da UNESCO trouxe algumas discussões acerca dos
fundamentos para uma Lei de Responsabilidade Educacional e destaca que apesar do Brasil
contar com uma alta carga tributária “as despesas educacionais pelas três esferas de governo
ou se mantiveram ou diminuíram como percentual sobre o PIB”, porém sabemos que os
motivos não são a baixa arrecadação fiscal. Na realidade, o que ocorre é que
[...] apesar de a União ter a maior carga tributária líquida das três esferas, é a que
menos contribui para a educação. Por sua vez, os estados sustentam a maior parte
das despesas e os municípios são os primos pobres. Contrastam, de um lado, a
centralização tributária e, de outro, a decrescente participação federal no esforço em
favor da educação. É bem verdade que grande parte das ações do MEC é
descentralizada, isto é, concretizam-se por meio de apoio e transferências aos
governos subnacionais, inclusive pelo FUNDEB. Ainda desse modo, se percebem as
sombras do modelo iniciado no Império, com o Ato Adicional de 1834 à
Constituição. (GOMES, 2008, p. 05)
Na realidade, a educação encontra-se na agenda mundial deste século e para que ela se
realize são necessárias às três dimensões da qualidade (insumos, processo e resultados).
Assim, por responsabilidade devemos “entender a obrigação que pesa sobre um sujeito em
satisfazer uma prestação (social) que lhe e positivamente atribuída. Cumprir encargos,
desempenhar atribuições confiadas a um administrador publico e uma obrigação que não
sendo fielmente cumprida responde, e (e responsabilizado) por eventuais omissões e
irregularidades” (CURY, 2011, p. 03).
A proposta de uma Lei de Responsabilidade Educacional deve conter e depender de
um ciclo que começa e termina com os direitos estatuídos pela Constituição:
• Definição do direito à educação.
• Definição dos titulares desse direito.
• Princípios de ação.
• Ações cooperativas.
• Âmbitos decisórios.
• Instrumentos.
• Mecanismos de controle social.
• Penalidades.
• Restauração do direito lesado. (GOMES, 2008, p. 15)
204
Importa ressaltar aqui que o termo “controle social” possui inúmeros instrumentos que
podem limitar o Poder do Estado, tal como descreve Bruning (1989), todavia defendemos no
caso específico da educação que este deva ser efetuado mediante a Ação Civil Pública mesmo
que ainda sem a edição da Lei de Responsabilidade Educacional:
Entende-se por meios de controle uma grande serie de instrumentos, órgãos e ações
destinados a limitar o exercício do Poder do Estado, tais como a clássica tripartição
dos Poderes, as garantias constitucionais dos direitos individuais e sociais, os
partidos políticos, o Ombudsman, o Ministério Publico, a imprensa, as associações,
as Igrejas, mecanismos de cogestão, movimentos de pressão, medidas judiciais,
Impeachment, greve, e outros que podem ser criados. (BRUNING, 1989, p. 57).
E o intuito na realidade do Projeto de Lei que visa à responsabilidade educacional é
afastar a ideia de irresponsabilidade educacional, pois segundo Ximenes (2012, p. 361) “é
bem verdade que ha um sentimento de pouca responsabilização pela violação do direito a
educação no país, que se confunde com a percepção das dificuldades em se exigir
judicialmente o direito a educação, mas em ambos os casos não e correto dizer que isso se dá
pela completa ausência de previsão legal”.
Na verdade, a grande relevância desta legislação, segundo Cury (2011, p.11) está no
sentido de tomar como exemplo a LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal reunindo “num só
todo, os responsáveis e as responsabilidades dos entes federativos e dar consequência ao que
determina o conjunto do ordenamento jurídico do pais”.
Ximenes (2012) em seu artigo que discute a Lei de Responsabilidade Educacional
apresenta uma tabela em que constam os conteúdos mínimos e máximos da LRE:
205
Tabela 1. Conteúdo Maximo e conteúdo mínimo de uma Lei de Responsabilidade Educacional
Fonte: XIMENES, 2012, p. 364
Assim, concordamos com Ximenes, que em sua tese de doutorado “Padrão de
qualidade do ensino: desafios institucionais e bases para a construção de uma teoria jurídica”,
trabalha a questão da Lei de Responsabilidade Educacional assinalando que para que ela se
cumpra, deve exigir o cumprimento “das metas definidas no Plano Nacional de Educação,
proporcional ao tempo de mandato do chefe do Poder Executivo e no âmbito de atribuição
prioritária de cada ente federado. Esse ponto teria como propósito, portanto, dar força
vinculante às metas quantitativas e qualitativas que venham a ser estipuladas no PNE”.
(XIMENES, 2014, 349).
Obviamente que seria interessante que antes desta lei entrar em vigor a questão das
responsabilidades de cooperação no nosso pacto federativo estivessem regulamentadas e o
Sistema Nacional de Educação vigente. Isto porque, Ximenes (2014, p. 350) destaca, como já
o fizemos em outro momento que a ausência deste sistema impossibilita a determinação de
responsabilidades:
Não foi estabelecido, no entanto, prazo para que os planos locais fossem
apresentados ao legislativo ou aprovados. Sem planos municipais ou estaduais em
boa parte do País ou sendo desconexos os planos aprovados nos diferentes níveis,
dificultou-se a articulação de um regime de responsabilidade jurídica com base em
seus conteúdos normativos. (XIMENES, 2014, p. 350)
O que se verifica é que por meio da Lei de Responsabilidade Educacional ou por meio
da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a Ação Civil Pública, quando tratamos
da tutela do direito à educação, sobretudo à qualidade do ensino fundamental, o que se almeja
206
conseguir na via judicial, por meio do ingresso com a ação civil pública, proposta via
Ministério Público, é uma decisão judicial contra o Poder Público, normalmente Estados ou
Municípios (de forma concorrente a União) que os demova a cumprir a obrigação de prestar
serviços educacionais com qualidade, visto que a oferta deste nível de ensino com
atendimento às dimensões da qualidade (por meio de políticas públicas que as atendam) é um
direito público subjetivo, nos termos do art. 208, § 1º, da Constituição Federal.
Por fim, concordamos com Ximenes (2012, p. 355) quando este afirma que “há uma
agenda de juridificação da educação, apoiada por amplos setores que intervém na política
educacional, com diferentes visões, e que os temas responsabilidade e qualidade estão na
fronteira desse processo. Independentemente do sucesso de cada uma das proposições, a pauta
esta colocada e nada indica que este debate perderá força no próximo período”. Portanto,
temos que enfrentar o tema em questão e buscar as melhores propostas para solucionar os
problemas dele decorrentes.
Nossa proposta é que a juridificação da educação seja promovida por meio do debate
entre os representantes do Ministério Público, órgão que representa e zela pelos direitos das
crianças e adolescentes, e pelos educadores que possuem a fundamentação teórica e a prática
necessária para compor o diálogo e buscar soluções plausíveis para o momento que vivemos.
Dentre estas soluções apresenta-se a utilização da Ação Civil Pública promovida pelo
Ministério Público para alcançar as dimensões da qualidade do ensino fundamental público
em nosso país, assim, devido a esta verificação, passaremos à uma análise mais minuciosa das
informações que conseguimos obter com a aplicação do questionário estruturado.
4.5 Posicionamento do MP quanto à qualidade da educação
A atuação funcional do Promotor de Justiça Estadual na área da educação ocorre de
acordo com cada uma das dimensões da qualidade: insumos, processos e resultados.
Nos insumos podemos exemplificar a atuação do MP na acessibilidade arquitetônica
das escolas públicas e privadas, neste caso a fiscalização das unidades de ensino quanto à
acessibilidade é de responsabilidade da Gerência Executiva de Acompanhamento da Gestão
Escolar (GEAGE), órgão da estrutura da Secretaria Estadual de Educação ou de órgãos
compatíveis em cada Estado. Em caso de verificação de barreira à acessibilidade o MP
207
deverá, mediante recomendação, conceder prazo para as devidas adequações, sob pena de
ingresso da Ação Civil Pública cabível.
Em relação ao financiamento via FUNDEB da educação pública, o Ministério Público
deve verificar se o Conselho do FUNDEB de cada município está instalado e funcionando na
prática, requisitando:
[...] cópia da lei que o instituiu, dos atos de nomeação de seus membros, das atas de
reuniões, dos pareceres de aprovação das prestações de contas apresentadas pelo
Poder Executivo referentes a determinado período, da relação das obras nas escolas
que foram fiscalizadas pelo Conselho, da relação dos transportes escolares
fiscalizados, dentre outros documentos, alertando-se que as atividades do Conselho
serão monitoradas pelo Ministério Público.
Por outro lado, deve o Promotor de Justiça exigir o pleno funcionamento do
Conselho do FUNDEB, com a fixação de prazo para fiscalização das obras de
reforma e construção de escolas, por exemplo. Os conselheiros deverão ser
advertidos de que poderão responder por ato de improbidade administrativa por
omissão no cumprimento de suas atribuições. (PARAÍBA, 2011, p. 118)
Outro quesito dos insumos trata-se da alimentação dos alunos, deve-se realizar a
fiscalização da merenda escolar, assim o Promotor de Justiça precisa verificar se o Conselho
de Alimentação Escolar (CAE) – responsável pela fiscalização da merenda nas escolas
públicas municipais, sob pena de não receber os recursos do PNAE (Programa Nacional de
Alimentação Escolar – de cada município está instalado e funcionando na prática. Em caso
de omissão os membros do CAE poderão responder por ato de improbidade administrativa
por omissão no cumprimento de suas atribuições.
[...] havendo falta ou insuficiência de merenda escolar em determinada rede de
ensino, ou determinada escola pública, por atraso no repasse das verbas federais,
pela falta de prestação de contas ou pela insuficiência dos recursos repassados, por
exemplo, deverá o Promotor de Justiça ingressar com Ação Civil Pública contra o
ente público responsável pela rede de ensino para que este forneça a alimentação
escolar de seus alunos.
E mais: caso os repasses das verbas do PNAE tenham aportado regularmente, o
Promotor de Justiça deverá apurar o possível desvio de verbas e buscar a
responsabilização do(s) seu(s) autor(es). Nesta hipótese, deverá, inicialmente,
observar qual a forma de execução do PNAE adotada em determinada rede de
ensino: centralizada ou descentralizada. (PARAÍBA, 2011, p. 118)
No que se referem aos processos, os Conselhos Municipais de Educação são
responsáveis por fiscalizar as unidades de ensino da rede municipal quanto ao cumprimento
da legislação escolar e ao correto desenvolvimento do processo pedagógico. Ao MP cabe
fiscalizar se o Conselho está criado por lei municipal, instalado e funcionando na prática.
208
Neste caso também os membros do Conselho poderão responder por ato de improbidade
administrativa por omissão no cumprimento de suas atribuições.
Outra forma de garantir a gestão democrática e participação popular na escola é por
meio dos Conselhos Escolares, que são órgãos de participação democrática nas atividades
administrativas e pedagógicas da escola (art. 14 da LDB). O MP pode designar audiência com
a participação dos seus membros para alertá-los sobre suas funções e da importância do
efetivo desempenho de suas atribuições; adverti-los da responsabilidade pelo controle social
das verbas educacionais escolarizadas, ou seja, administradas diretamente no âmbito escolar,
quando o Conselho Escolar for a unidade executora de recursos oriundos do FNDE.
Assim, percebemos que já existem alguns mecanismos para que possamos exigir a
qualidade do ensino fundamental em suas dimensões, sejam elas quais forem. A pesquisa que
realizamos demonstra por meio de outros dados como é possível a exigibilidade jurídica do
direito à qualidade da educação e qual o posicionamento dos membros do MP.
A amostra realizada com os representantes do Ministério Público dos Estados Santa
Catarina, Maranhão e Acre (Centros de Apoio Operacional de Infância e Juventude) e Goiás e
Espírito Santos (Centro de Apoio Operacional de Defesa da Educação) nos trouxe como
concepção de educação uma posição parecida com a dos educadores em relação a sua função
social, porém sempre vinculada à possibilidade de exigibilidade jurídica e responsabilização
dos agentes públicos (concepção produtivista):
A educação, latu senso, é um processo de atuação de uma comunidade sobre o
desenvolvimento do indivíduo objetivando que ele possa atuar em uma sociedade
pronta para a busca da aceitação dos objetivos da coletividade. (CAO de Santa
Catarina)
Direito público subjetivo, sindicável, de plena justiciabilidade, que não se esgota no
direito à educação escolar. (CAO do Maranhão)
Quando questionados sobre os principais motivos pelos quais a população procura os
membros do Ministério Público no que se refere à educação, os mesmos direitos foram
indicados por todos os participantes: garantia de acesso à educação (problemas com a falta de
vagas); problemas disciplinares no interior da escola; evasão escolar; infraestrutura deficiente
da escola.
Nota-se que outras demandas não foram citadas, como a garantia de permanência em
determinada escola, garantia de participação na gestão escolar (participação em eleição de
diretores; conselhos escolares, grêmio escolar, associações de pais e mestres e etc.), garantia
de melhores índices em testes padronizados aplicados pelo Governo (IDEB ou demais índices
209
de resultado) e outros. Estas opções também se faziam presentes para a escolha dos sujeitos,
mas não foram indicadas.
Acreditamos que estas garantias não tenham aparecido na pesquisa, pois como o
Ministério Público normalmente atua mediante uma acionamento da sociedade ou de alguma
instituição, ou ainda mediante instauração de um procedimento interno, como estes direitos
não fazem parte do rol de direitos à educação que a grande parte da população compreende
como um direito, eles jamais serão pleiteados pela comunidade como tal. Neste caso, faz-se
necessário que o MP haja sem a necessidade de notificação ou provocação da sociedade.
A concepção de direito à educação da maioria dos sujeitos pesquisados indica a
concepção proposta neste trabalho, especialmente sobre o ensino fundamental tratar-se de um
direito público subjetivo que requer uma ação positiva do Estado, inclusive em relação à
qualidade educacional:
A Educação é direito público subjetivo, devendo ser garantida pelo Estado. De
acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394/96), a
Educação Básica compreende a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino
Médio. As suas modalidades são: educação especial, educação de jovens e adultos,
educação profissional, educação indígena, educação do campo. A mencionada
norma assinala, ainda, como diretrizes: a inclusão, a valorização da diversidade, a
flexibilidade, a qualidade e a autonomia, assim como, a competência para o trabalho
e a cidadania. Cabe destacar, também, O acesso à educação se realiza através da
concretização de diversos direitos constantes na legislação, podendo destacar, dentre
outros: A universalidade do acesso e da permanência: art. 206, I da CF e art. 3º, I da
LDB, que resulta, além do acesso à vaga, também o acesso ao ingresso, à
permanência na escola e ao sucesso dos estudos. Gratuidade e obrigatoriedade do
ensino fundamental: art. 208, §1º da CF e art. 54, I. Atendimento especializado às
pessoas com deficiência: arts. 58 a 60 da LDB e art. 203, IV e V da CF. Creche e
pré-escola às crianças de zero a seis anos: art. 11, V da LDB. Ensino noturno regular
e adequado às condições do adolescente trabalhador: art.54, VI do ECA e art. 4º, VI
e VII da LDB. A universalidade do acesso deve atender também aos adolescentes
que necessitam trabalhar, seja para a própria subsistência ou a de sua família,
Programas suplementares: ofertando as condições necessárias para a educação,
como material didático, transporte, alimentação e saúde, devem estar presentes no
dia-a-dia do educando. Direito de ser respeitado pelos educadores: art. 227, caput da
CF e art. 17 do ECA. O respeito mútuo é a base fundamental sobre a qual vai se
desenvolver todo o processo educativo. (CAO de Santa Catarina)
Abrange além do direito de acesso à educação, uma educação de qualidade,
transporte e merenda escolar, respeito à integridade física e moral do estudante,
infraestrutura mínima, dentre outros. (CAO Goiás)
Konzen46
, em um texto sobre os papéis do Conselho Tutelar, da Escola e da Família
com a educação escolar da criança e do adolescente, destaca a importância do Direito à
Educação, em especial ao ensino fundamental pela categoria de direito público subjetivo:
46 . Procurador de justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul.
210
Direito à Educação, notadamente o direito ao ensino fundamental, enquanto direito
público subjetivo e, portanto, direito indisponível, está cercado de um conjunto de
atores e de providências, todas destinadas a impedir qualquer possibilidade de
frustração.
[...]
O conjunto de dispositivos legais incidentes sobre o Direito à Educação, em especial
o elenco de novos atores diretamente responsáveis em promover ou determinar
providências, certamente vai contribuir para mudar a face do ensino no País. Há
outros fatores fundamentais a serem considerados, fatores atinentes à organização e
funcionamento interno da Escola e dos sistemas de ensino, inclusive as condições de
trabalho e de salário do magistério, questões que não se resolvem por meras
alterações da ordem jurídica material. No entanto, não há como deixar de visualizar
perspectivas positivas para a realidade educacional brasileira, porque a
normatividade atualmente incidente constitui-se em arma preciosa em mãos da
sociedade e certamente terá a capacidade de gerar efeitos, como, aliás, em grande
parte revelam, nos últimos anos, o significativo decréscimo dos indicativos de
exclusão escolar. Agir em face da realidade do presente, sem desconsiderar as
dificuldades, mas também sem teme-laa, significa a chave para o desenvolvimento
integral de milhares de crianças e adolescentes brasileiros (KOZEN, s/d)
Todavia, quando questionados sobre a problemática que envolve o conceito de
qualidade educacional, sua subjetividade e polissemia, e quais as reflexões que o Centro de
Apoio Operacional pesquisado estaria desenvolvendo sobre este conceito, percebemos que
mesmo sendo o CAO o órgão de estudo do Ministério Público Estadual, não há uma reflexão
sobre o tema.
Para os pesquisados a qualidade da educação deve ser avaliada, mas os parâmetros
devem ser colocados em legislação, ou seja, se não estiverem prescritos em lei muito
dificilmente obteremos posicionamentos positivos do Ministério Público em ação que não
sejam provocadas pela sociedade em relação à qualidade educacional, sobretudo para discutir
dimensões.
Percebemos que alguns pesquisados, como o do Maranhão se abstiveram a informar
que não realizam este tipo de reflexão, sem qualquer justificativa.
Não (CAO do Maranhão)
O entendimento deste Centro de Apoio Operacional é no sentido de que a qualidade
de ensino deve ser analisada tendo como base índices e parâmetros estabelecidos
pelo Poder Público e órgãos envolvidos, e não pelo Ministério Público, mensurados
de forma científica. (CAO de Santa Catarina)
Não, porque o Ministério se atém ao campo conceitual de direitos, mas a sua efetiva
proteção (CAO Goiás)
Seguindo o que já foi colocado anteriormente, quando questionados sobre os padrões
qualidade e a importância de se estabelecer parâmetros mínimos para aferir a qualidade da
211
educação, todos foram unânimes em considerar a necessidade dos mesmos para que possam
direcionar melhor as políticas públicas a serem implementadas:
Sim. Seguindo a política adotada pelo MEC, no sentido da gestão democrática dos
parâmetros de ensino no País, com a adoção de uma discussão qualificada dos
agentes atuantes nesta área, e assim identificar os pontos a serem melhorados ou
mantidos, tem-se que a utilização de parâmetros mínimos melhor direciona as
políticas a serem implementada, possibilitando a constante reforma educacional,
necessária para garantir a efetiva concretização do direito à educação (CAO de Santa
Catarina)
Sim. Para se garantir sua exigibilidade em Juízo. (CAO do Maranhão)
Sim. Para que se possa mensurar se efetivamente o ensino oferecido é de qualidade e
respeita as determinações constitucionais, para em caso negativo, haver atuação
ministerial. (CAO Goiás)
E quando os pesquisados responderam sobre a educação e o papel do MP em relação
ao controle social do Estado na exigibilidade do cumprimento dos direitos sociais percebemos
que eles consideram difícil sustentar a obrigatoriedade destes direitos junto aos entes públicos,
especificamente o Poder Executivo, porém, acreditam que seja importante e necessário e que
a educação é, dentre todos os demais direitos, a questão prioritária neste momento, inclusive
indicam algumas campanhas, ações extrajudiciais, que propiciaram a refundação do Conselho
Estadual de Educação para acompanhar estas demandas:
Apesar da dificuldade que o Ministério Público encontra na questão da
judicialização para obrigar os entes públicos a implantarem determinadas políticas
públicas, o Ministério Público deve atuar com afinco nessa área, sempre trazendo
dados objetos e estatísticos que demonstrem a necessidade premente da implantação
de determinados direitos sociais. Quanto à educação, me parece que se trata de
questão prioritária, devendo os membros da instituição tratarem com especial
atenção o tema, tão caro para as futuras gerações. (CAO de Santa Catarina)
No Maranhão, estamos em fase de instituição do CAOp da Educação. Já tivemos
uma campanha institucional que refundou o Conselho Estadual de Educação e
propiciou a regularização da educação escolar em diversos Municípios. (CAO do
Maranhão)
Outra questão que obteve resposta interessante quanto ao posicionamento do MP em
relação à qualidade da educação é a que lhes questiona sobre as estratégias que eles utilizam
para fazer o Poder Executivo cumprir suas responsabilidades com relação à educação,
especialmente a qualidade do ensino fundamental público. Neste caso, boa parte deles indicou
o Termo de Ajustamento de Conduta, Campanhas com instituições vinculadas ao MEC,
portanto ações extrajudiciais.
212
Neste Estado, em um primeiro momento, Ministério Público instaura Procedimento
Preparatório, chamando o Poder Público para um diálogo, e objetivando a assinatura
de um Termo de Ajustamento de Conduta, evitando, desse modo, o excesso de
demandas judicial. Todavia, em alguns casos é necessário o ajuizamento de ações
para solucionar o problema enfrentado. (CAO DE Santa Catarina)
- Campanha: Escola: Direito da Criança, Dever de Todos - Pesquisa sobre
Instituições Credenciadas pelo MEC, que propiciou o combate a instituições ilegais -
Análise situacional das escolas municipais e estaduais em São Luís-MA, que
propiciou o ajuizamento de ACP sobre o tema - Campanha contra a violência na
escola. (CAO do Maranhão)
Mediação, audiências públicas recomendações, ações civis públicas, dentre outras
(CAO de Goiás).
Nenhum deles indicou a propositura de ação contra o Poder Executivo para exercício
da qualidade educacional, na realidade pela resposta geral do questionário conclui-se que nem
todas as dimensões da qualidade (insumos, processos e resultados) são assim compreendidas
pelo Ministério Público e que seria relevante que este diálogo com os representantes do MP
fosse realizado para que eles também pudessem compreender que é possível judicialmente
exigir tanto os insumos (que já são exigidos judicialmente, mas muitas vezes não
reconhecidos como dimensão da qualidade educacional), como os processos e os resultados.
Segundo Nunes (2010, p. 01)47
, “o Ministério Público pode e deve ser o órgão
articulador para garantir ao cidadão, em especial a crianças e adolescentes, o direito à
educação de qualidade, pois é instituição autônoma, independente e defensora da ordem
jurídica, dos interesses sociais, difusos e coletivos, conforme dispõe a Constituição Federal”.
Outro posicionamento quanto ao tema é a discussão da legitimidade do MP Estadual
para exigir, via ação civil pública, o direito educacional, que segundo Newton de Lavra Pinto
Moraes e José Luis Pires Tedesco, Assessores Jurídicos do CAO da Infância e Juventude do
Ministério Público do Rio Grande do Sul, é garantida pelos arts. 127 da CF e 201, V, do ECA,
porém que vem sendo instrumento de discussão no TJRS:
A legitimação conferida ao Ministério Público, nos termos do art. 127 da CF e art.
201 V da Lei nº 8.069/90 (ECA), deve ser compreendida como de interesses
individuais diretos e pessoais, por serem direitos indisponíveis, decorrente de
garantia individual.
Entretanto, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, no Agravo de
Instrumento nº 70006937163, Rel. Des. Cláudio Luís Martinewski, Julgado em
22/10/2003, está por retirar a legitimidade do Ministério Público em postular
ativamente em favor de criança ou adolescente, quando se tratar de direitos
individuais indisponíveis, dando "nova interpretação" ao artigo 201 V do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
47. Assessor da Área de Educação, CAO Cível do Ministério Público de São Paulo.
213
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA
PARA TRANSFERÊNCIA DE ADOLESCENTE DE HOSPITAL DO INTERIOR
PARA HOSPITAL DA CAPITAL E REALIZAÇÃO DE EXAMES CLÍNICOS.
INTERESSE INDIVIDUAL NÃO CONTEMPLADO DENTRE OS INTERESSES
QUE LEGITIMAM O MINISTÉRIO PÚBLICO À PROPOSITURA DE AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. 1. A ação civil pública tutela interesses metaindividuais, de início
compreensivos dos difusos e dos coletivos em sentido estrito, aos quais na seqüência
se agregaram os individuais homogêneos(Lei nº 8.078/90, art. 81, III, c/c os arts. 83
e 117). 2. A legitimação conferida ao Ministério Público, nos termos do art. 201, V,
da Lei nº 8.069/90(ECA), para propor a ação civil pública visando à proteção de
interesses individuais, é compreensiva dos interesses homogêneos e não dos
interesses individuais diretos e pessoais, ainda que se trate de indisponível,
decorrente de garantia individual. 3. Não possui o Ministério Público legitimidade
para, em tal hipótese, agir como substituto processual. 4. A proteção ao referido
interesse encontra amparo no sistema legal-normativo e jurídico-administrativo por
intermédio da Defensoria Pública, nos casos de insuficiência de recursos (CF, art. 5º,
LXXIV), ou pela atuação da advocacia privada, nos casos em que não haja tal
insuficiência. Por maioria, acolheram a preliminar de ilegitimidade do Ministério
Público. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70006937163, PRIMEIRA
CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: CLÁUDIO
LUÍS MARTINEWSKI, JULGADO EM 22/10/2003)" (MORAES; TEDESCO, s/d,
grifo nosso)
Porém, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul não concorda com este
posicionamento, sobretudo quanto ao direito à educação, uma vez que considera que a “ação
civil pública, que sempre teve como objetivo a tutela de interesses metaindividuais, de início
compreensivos dos difusos e dos coletivos em sentido estrito, aos quais, na sequencia, se
agregaram os individuais homogêneos, explicitamente nega vigência a dispositivos expressos
previstos no ordenamento jurídico pátrio e que hão de ser observados com prioridade,
implicando, com o asseguramento do necessário prestígio ao princípio da especialidade, a
aplicação direta e sem a necessidade de construções interpretativas” (MORAES; TEDESCO,
s/d). E mais, quando se fala em direitos fundamentais da criança e do adolescente estes tem,
segundo o art. 227 da CF/88, absoluta prioridade:
Nesse sentido, o legislador disciplinou como uma, dentre muitas, das atribuições dos
agentes ministeriais a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a
proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à
adolescência.
Desta forma, não se pode excluir a iniciativa ou a intervenção ministerial em
qualquer feito judicial em que se discutam interesses sociais ou interesses
individuais indisponíveis, principalmente os ligados à proteção da criança e do
adolescente; o mesmo se diga quando se trate de interesses individuais homogêneos,
coletivos ou difusos ligados à infância e à juventude.
Assim, o Ministério Público, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, tem
legitimidade para propor ação civil pública quando o assunto versar sobre direito
individual indisponível, admitindo-se, pois, o manejo de ação civil pública em favor
de criança e/ou adolescente que necessite de tutela a quaisquer direitos garantidos na
Constituição Federal ou no Estatuto da Criança e do Adolescente. (MORAES;
TEDESCO, s/d)
214
Este entendimento final se firma pela emissão da Ementa n. 48 do Conselho dos
Procuradores de Justiça e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude:
EMENTA Nº 48 - DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. LEGITIMIDADE
ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O Ministério Público tem legitimidade para
pleitear direito indisponível, ainda que individual, via ação civil pública, uma vez
presente lesão ou ameaça de lesão a bem constitucionalmente protegido ou na defesa
de interesse público. Inteligência dos artigos 6º e 227 , da CF/88 e 201, V, do ECA.
(sessão de 12 de dezembro de 2003).
Mais especificamente quanto ao direito educacional e sua qualidade, a parquet Ignez
do Ministério Público de Minas Gerais apresenta algumas ações possíveis, pensando em um
programa de ação, no sentido de garantir o direito a uma educação de qualidade:
1. A defesa da integralização da educação ou a jornada ampliada, com contra turno,
garantia de acesso amplo à educação deve se coligar a políticas de permanência na
unidade escolar, sobretudo com foco em setores socioeconômicos de exclusão;
2. Desenvolvimento de currículos e quadros pedagógicos com o jaez de maior
legitimidade e coesão com os arranjos produtivos locais, respeito à regionalidade e
culturas locais (cardápio, hortas), ajuste de realidades comunitárias rurais, em épocas
de plantio e colheita, principalmente, criar programas educacionais para as
diversidades em existência na área de georeferenciamento, como: cursos
profissionalizantes para catadores de papel, camelôs, trabalhadores de economia
informal, gestantes, pedreiros, dentre outros;
3. Utilização em maior escala do instituto da progressão automática, como política
preventiva dos casos de repetência, eliminando o errôneo discurso popular da
aprovação automática, e o alto custo material e psicológico do processo de
reprovação, com programas de reforço escolar no contra turno escolar e diminuição
da distorção idade\série;
4. Criar nas secretarias estaduais de educação a obrigatoriedade de fomentar a
profissionalização dos jovens, voltadas para os arranjos produtivos locais,
notadamente o programa de aprendizagem, ou criar políticas públicas de fomento ao
ingresso de jovens oriundos das escolas públicas no mercado laboral, criando cotas
de inclusão laborativa, notadamente, para os alunos de baixa renda, com público
alvo os alunos da educação básica, pública;
5. O estabelecimento de norma federal, como marco regulatório para o ingresso nos
programas da rede “s”, e nas escolas técnicas, criando um número de cotas sociais
para democratizar o acesso de jovens de baixa renda;
6. Combate ao cartesianismo nas políticas publicas educacionais, equipes
multidisciplinares de intervenção nos focos de exclusão do público alvo do sistema
educacional, notadamente centrados, nas políticas de combate as causas
socioeconômicas de evasão e insucesso escolar, que se concentram nas razões
excludenciais
7. Reconhecimento das questões de invisibilidade das camadas mais pobres da
população – estratégias de coordenação de políticas intersetorial e abertura da escola
à integração comunitária – menor índice de violência – fator de emponderamento
comunitário, principalmente, com foco em atividades de protagonização,
profissionalização e de educação cidadã, para as famílias com viés matricial;
8. Educação de qualidade para todos na primeira infância, priorização das crianças
em situação de maior vulnerabilidade, sob o viés inclusivo, daquelas oriundas de
famílias monoparentais, visando o combate a pobreza, violência e a desnutrição;
9. Estabelecimento e normatização de um padrão mínimo de insumos e estrutura de
uma sala de aula, questão do número de alunos por sala, para além, da otimização e
215
democratização dos recursos de informática ,programas suplementares de transporte,
merenda e livros escolares e didáticos;
10. Combate irrestrito ao trabalho infantil, notadamente, no que pertine ao rol das
piores formas de trabalho infantil, listadas nas convenções da OIT, a exemplo de
crianças em lixões, minas, exploração sexual, trabalho escravo (piores formas de
exploração de mão de obra), vendedores em sinais de trânsito, pedintes;
11. Responsabilização jurisdicional dos pais ou responsáveis legais pelo abandono
(gênero) de seus filhos, com a inclusão de efeitos secundários da pena, a
obrigatoriedade de frequência a cursos de direitos humanos, cidadania, e prestação
de serviços comunitários gratuitos, visando a criação de uma identidade de
responsabilidade social, parental, comunitária, enfim, protagonização com elevação
de estima;
12. Quebra do paradigma de afastamento das demandas educacionais das esferas do
judiciário,quando se trata de demandas de direitos humanos violados em desfavor de
crianças e adolescentes, onde os limites do Administrador, acerca do que é
conveniente e oportuno para as políticas públicas, não pode acatar o discurso
hediondo da reserva do possível, sendo ético e legal que as esferas de resolutividade
ministerial sem imponham a qualquer opção política violatória dos direitos
HUMANOS;
13. Estabelecimento de novos arranjos sociais para a escola, espaço privilegiado de
saber e de proteção contra toda à forma de violência contra a criança e o
adolescente;
14. Melhoria dos índices econômicos e sociais, é o melhor antídoto para a violência
que é fenômeno que perpasse os meios policiais e judiciais, a “mora legislatoris” no
que tange a edição de atos normativos preventivos em sede educacional;
15. Protagonismo juvenil – desenvolvimento de estruturas curriculares abertas e não
convencionais de oferta de educação para os jovens, evitando-se a multiplicidade de
disciplinas e excessivo fracionamento de conhecimento, aparente conflito entre
cultura escolar e juvenil;
16. A meritocracia como fator indutor da formação inicial e continuada dos
docentes, mediante um adicional de resultados com enfoque no
aprendizado/rendimento escolar, não centrado no viés da aprovação escolar pura e
simples, centrado em atividades esportivas, culturais, de cuidados básicos, dentre
outras ;
17. A criação de promotorias de justiça e juizados especializados na educação, para
além das delegacias de proteção a infância, juventude e educação; (IGNES, 2010, p.
11)
Neste estudo da Promotora de Justiça mineira verificamos sua preocupação com as
dimensões da qualidade quando ela propõe, por exemplo, a necessidade de “desenvolvimento
de currículos e quadros pedagógicos com o jaez de maior legitimidade e coesão com os
arranjos produtivos locais, respeito à regionalidade e culturas locais (cardápio, hortas), ajuste
de realidades comunitárias rurais, em épocas de plantio e colheita, principalmente, criar
programas educacionais para as diversidades em existência na área de georeferenciamento,
como: cursos profissionalizantes para catadores de papel, camelôs, trabalhadores de economia
informal, gestantes, pedreiros, dentre outros” tal como propomos para articulação da
dimensão “processos”.
E a autora conclui seu trabalho afirmando a importância do papel do MP Estadual na
garantia da educação de qualidade via ação proativa e buscando uma educação que tenha
qualidade em todas as suas dimensões, tal qual propomos neste trabalho, de forma holística:
216
O Ministério Público, cumprindo sua missão institucional, deve velar não somente
pela garantia de acesso ao sistema educacional, mas deve agir pró-ativamente, no
sentido de promover junto aos órgãos executivos, do Poder Legislativo e Judiciário
ações aptas a garantir não somente um mínimo de qualidade, mas direcionando suas
ações rumo à afirmação de uma sempre mais aprofundada e ampla qualidade da
educação pensada, holisticamente, em todas as suas dimensões. (IGNEZ, 2010, p.
11)
No mais, o Ministério Público do Estado da Paraíba, através da Procuradoria-Geral de
Justiça, mais especificamente do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de
Defesa da Educação – CAO Educação elaborou um Manual de Atuação da Educação no ano
de 2011, onde traz várias informações sobre legislações que abordam temas relativos à
educação, como: o papel dos conselhos na educação (gestão democrática e participação
popular); financiamento da educação; a organização e os níveis da educação, entre outros
temas importantes em que as legislações encontram-se esparsas.
O CAO Educação da Paraíba criou um Projeto Estratégico denominado “Ministério
Público Pela Educação” da Paraíba que traça a forma, passo a passo de se fiscalizar as escolas
públicas, para que o direito à educação em todas as suas dimensões seja garantido. Desta
forma, os passos sugeridos pelo projeto paraibano, são:
Primeiro passo: designação de audiência para assinatura de Termo de Cooperação
com o Conselho Tutelar com o objetivo de traçar parceria para fiscalização in loco
das escolas públicas municipais e estaduais locais.
Segundo passo: fiscalização das escolas pelos conselheiros tutelares
Terceiro passo: fiscalização das escolas pelo Promotor de Justiça
Deverá ter por base o roteiro entregue aos Conselhos, fiscalizando:
1) a estrutura física do prédio escolar;
2) a quantidade e a qualidade da merenda;
3) se há professores e se os mesmos são qualificados;
4) se há acessibilidade;
5) como se dá o transporte dos alunos que residem na zona rural.
Poderá ainda perquirir os projetos do Ministério da Educação desenvolvidos pela
escola (Escola Aberta, Mais Educação, por exemplo), visando observar se há o
efetivo funcionamento.
Quarto passo: instauração de procedimento administrativo para cada escola em que
for detectada irregularidade
Quinto passo: audiência com a participação da Secretaria de Educação, da direção da
escola e da presidência do Conselho Escolar para a solução extrajudicial das
irregularidades encontradas
Sexto passo: interposição de ações judiciais
Não logrando êxito a tentativa de solução extrajudicial das irregularidades
encontradas em cada escola da rede pública, o último passo é a interposição e o
acompanhamento de ações judiciais, como as ações civis públicas de obrigação de
fazer, as ações cautelares, dentre outras. (PARAÍBA, 2011, p. 127-128)
217
O projeto do CAO Educação da Paraíba é brilhante e traz todo o procedimento
detalhado de ação no caso de cada um dos problemas que podem ser verificados durante a
fiscalização. É um caso de ação positiva do Ministério Público Estadual na preservação e
exigibilidade jurídica do direito à qualidade da educação. O que comprova que este é
totalmente possível e já vem sendo feito por Promotores realmente comprometidos com sua
obrigação de parquet legal.
Assim, verifica-se um posicionamento positivo quanto à legitimidade do MP Estadual
na interposição da Ação Civil Pública em casos de omissão ou ação indevida da
Administração Pública (Executivo) em relação ao direito à qualidade do ensino fundamental
público no Brasil.
218
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação é um direito social, pois faz parte dos requisitos básicos para construção
da dignidade da pessoa humana, permitindo o pleno desenvolvimento e a autonomia, sendo
imprescindível para construção da cidadania. Por meio da escola formal, o ser humano se
torna apto ao exercício da cidadania que é base para a construção de uma sociedade
democrática e de cidadãos capazes de agir politicamente.
Assim, a concepção de educação que postulamos deve buscar uma relação humana
dialógica e, neste caso, a educação escolar, não objetiva apenas a formação para o trabalho,
mas principalmente a formação para vida.
Atualmente, há uma discussão entre políticos, professores, gestores públicos,
educandos, entre outros, sobre a concepção de escola, ou seja, sobre os fins da educação que
promovemos e, esta finalidade da escola, que nada mais é do que sua função social tem
grande relevância para a visão de qualidade proposta nesta pesquisa, visto que sem ela torna-
se impossível sopesar as nuances que permeiam o tema e a discussão central do trabalho.
Este debate sobre a função da escola invoca duas visões muito diferentes: a
produtivista e a civil democrática. A primeira coloca que a função da escola é preparar os
sujeitos para ingressar no mercado de trabalho da melhor forma possível, considerando-o um
capital humano, uma força produtiva que se utiliza do processo educativo para o seu
desenvolvimento; a segunda visão, civil democrática, pensa a educação escolar como um
processo de formação cidadã, voltada para o exercício dos seus direitos e obrigações.
Para este trabalho defendemos que a função social da escola deve partir da visão civil
democrática, com base em nossa concepção de mundo, de homem e de sociedade,
especialmente na busca pela autonomia do educando e pela escola que se adapte ao mesmo e
não vice-versa.
É importante, mais uma vez destacar que sabemos do antagonismo entre a tese
produtivista e perspectiva civil democrática , mas apesar desta tensão este trabalho defende e
acredita na educação e em sua qualidade partindo dos pressupostos da educação democrática
cidadã; porém essa posição teórica não pode nos impedir de buscar mecanismos e
instrumentos para possibilitar que a qualidade do ensino fundamental possa ser exigida,
mesmo que minimamente, e isso nos leva a trabalhar alguns mecanismos de avaliação que
têm sido mais identificados com o neoliberalismo. E isso nos pareceu um procedimento
219
legítimo, como demonstrado no decorrer do trabalho, isto porque buscamos ressignificar
mecanismos e instrumentos usados dentro da perspectiva produtivista numa outra perspectiva.
Desta forma, juridicamente a educação é reconhecida como direito social por nossa
Constituição Federal, tratando-se também de um direito humano apresentado no bojo dos
tratados e acordos internacionais, e um direito fundamental, uma vez que vem enquadrada em
nossas normas jurídico-constitucionais de forma a assegurar a dignidade da pessoa humana.
Portanto, todo cidadão brasileiro tem direito de exigir do Estado o cumprimento da
prestação educacional, ensino obrigatório, por ser este um direito público subjetivo. Portanto,
hoje, felizmente, tem-se um texto constitucional que assegura a educação como direito social,
garantindo a todos uma educação com padrão mínimo de qualidade, sob a responsabilidade do
Poder Público.
Na realidade a Constituição Federal de 1988 garante o direito à educação com “padrão
de qualidade” para todos, mas, é a educação básica dos 04 anos aos 17 anos de idade que foi
aclamada como obrigatória e gratuita (CF, art. 208, inciso I, EC 59/2009), entretanto,
atualmente apenas o ensino fundamental é considerado um direito público subjetivo, uma vez
que se tem até 2016 para a implantação progressiva da universalização da educação infantil e
atendimento dos jovens até 17 anos de idade e, a partir desta, sua obrigatoriedade.
Por isso mesmo o trabalho focou a análise no ensino fundamental, em ambos os seus
ciclos, e nas possibilidades de sua justiciabilidade, pois somente ele implica em uma
obrigação positiva do Estado, que consequentemente quando esta não ocorre caberá a
responsabilização do Poder Público, mais especificamente ao Poder Executivo (Municípios ou
Estado e, supletivamente, da União).
Assim, o ensino fundamental é a segunda etapa da educação básica e está dividido em
dois ciclos: anos iniciais (1º ao 5º ano) e anos finais (6º ao 9º ano). Quando se discute
qualidade do ensino fundamental deve-se ter em mente a divisão destes ciclos e suas
especificidades. Neste sentido, importa destacarmos o que compreendemos por ensino
fundamental público de qualidade.
E nossa compreensão perpassa as características do nosso país, que é um país de
dimensões continentais, com diferenças sociais, culturais, políticas e econômicas muito
marcantes e todos estes aspectos influenciam fortemente na educação promovida pelas
escolas, por isso, partimos da concepção que a qualidade da educação do ensino fundamental
para que possua realmente valor e possa ter significação para seus agentes e para a
comunidade escolar em seu entorno deve ser construída de dentro para fora, ou seja, partindo
destes atores envolvidos de forma democrática e participativa, esta também é a compreensão
220
da legislação, pois o artigo 26 da LDB determina que os currículos da educação infantil, do
ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada,
em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos
educandos.
O ensino fundamental que consideramos de qualidade é aquele que compreende, tendo
por base as especificidades da população que o abrange – econômica, cultural, social, política
–, a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos,
de respeito ao bem comum e à ordem democrática; que consideram as condições de
escolaridade dos alunos em cada estabelecimento; as orientações para o trabalho; a promoção
do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não formais.48
A proposta para que este nível de ensino possa ter a qualidade educacional mensurada
é a divisão da mesma em dimensões: insumos, processos e resultados. Isto porque, quando se
consegue separar as dimensões da qualidade educacional é possível juridicamente pleitear
apenas uma destas dimensões, sem desconsiderar as demais, mas tornando possível alguma
ação no sentido de melhora da qualidade do ensino fundamental pelas vias judiciais. E
também, porque acreditamos que a qualidade realmente possa ser fragmentada nestas
dimensões sem perder seu conteúdo real quando da totalidade.
Os insumos ou custos baseiam-se em valor monetário investido na educação; das três
dimensões esta é a que está mais avançada, sendo a mais aceitável e menos polêmica das três,
até porque, em termos de pesquisa encontram-se inúmeros materiais que abordam o tema, o
que facilita sua definição. Contudo, ainda resta firmar quais os insumos necessários para uma
educação de qualidade e transformar isso em valores monetários correntes.
O maior problema desta dimensão é a implementação política, pois o investimento em
educação depende muito da conveniência política.
Quanto aos resultados ou produto pode-se defini-los em como e quanto essas crianças
e adolescentes vão bem ou mal na escola, e isto vem sendo aferido por testes padronizados.
Acreditamos que a forma de medição destes resultados deveria ser mais sistêmica para poder
medir melhor o sistema escolar como um todo, posto que o IDEB seja uma medida de
resultado e não de qualidade, pois soma proficiência com aprovação, não captando a
equidade, mas, ainda é uma contribuição mais efetiva de resultados.
48
LDB, art. 27.
221
Já para se firmar indicadores de qualidade da realidade educativa vinculada à
dimensão processo requer-se o conhecimento da realidade em que a escola está inserida e a
necessidade de se definir competências essenciais para a cidadania democrática.
Portanto, quanto aos processos acreditamos que a discussão deva permear algumas
questões de suma importância e que compõe esta dimensão: a valorização do professor e a
construção da qualidade educacional partindo da realidade de cada comunidade escolar, ou
seja, de dentro para fora. E não se pode deixar de considerar nesta dimensão a importância a
questão da gestão educacional, partindo da gestão democrática.
Neste caso, acreditamos que a dimensão de processos possa ser verificada e alcançada
por meio de propostas realizadas no âmbito de cada escola, tal como é feito pelos Indicadores
de Qualidade da ONG Ação Educativa. Isto porque, desta forma verificamos os processos e as
realidades de cada comunidade escolar para que possamos a partir dela delimitar o que é
qualidade na dimensão processual para aquela escola.
E para que o exercício desta justiciabilidade ocorra de fato acreditamos que o melhor
representante seja o Ministério Público, pois é uma instituição permanente e autônoma que
tem como função a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis.
O Ministério Público, portanto, tem a função de defesa da coisa pública e, entre elas,
encontra-se o interesse das crianças e adolescentes também na esfera educacional, segundo
determina o Estatuto da Criança e do Adolescente. E para o exercício deste direito é dado ao
Ministério Público a Ação Civil Pública que é um remédio jurídico para defesa de interesses
difusos e coletivos. Ela é utilizada para responsabilização do agente que desrespeitou um
direito social coletivo ou difuso.
A ação civil pública é regulamentada pela Lei n. 7.347 de 24 de julho de 1985 e
consubstancia-se em um instrumento processual com fundamentação constitucional que tem
como finalidade à defesa de interesses difusos e coletivos. Ela é utilizada para
responsabilização do agente que desrespeitou um direito social coletivo ou difuso. A ação
civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação
de fazer ou não fazer. Desta forma, é cabível contra o Poder Público nos casos de
descumprimento de suas obrigações positivas, direito público subjetivo, no caso obrigações
relativas ao direito educacional.
Desta forma, o Ministério Público representa e zela pelos interesses das crianças e
adolescentes junto ao Poder Judiciário, inclusive, sendo legitimados de acordo com o ECA
(art. 208, inciso I e art. 210, inciso I) para propor ações de responsabilidade por ofensa aos
222
direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta
irregular do ensino obrigatório: a falta de qualidade no ensino fundamental público.
Há outra especificidade na atuação do Ministério Público no que condiz aos direitos
das crianças e adolescentes, segundo o ECA, que é o monitoramento do orçamento público
como fator essencial à efetivação de políticas públicas, incluindo o direito à educação de
qualidade, sobretudo do ensino obrigatório. Isto porque, o Estatuto da Criança e do
Adolescente estabelece o princípio da prioridade absoluta.
O Ministério Público Estadual tem legitimidade para propositura de ação civil pública
contra o Estado ou Município, e de forma concorrente a União, em face do não cumprimento
do oferecimento do ensino fundamental público com padrão de qualidade quando uma das
três dimensões que a constituem não se fizerem presentes.
Assim, o Ministério Público é fundamental e precisa ter clareza do que requerer para
que possa agir em defesa da educação.
Durante a pesquisa verificou-se que na composição do Ministério Público existem
também alguns órgãos auxiliares da atividade funcional que são os Centros de Apoio
Operacional – CAO que tem como função de auxílio, prestação de serviços, prestação de
informações e monitoramento de ações governamentais e políticas públicas que envolvam
crianças e adolescentes remetendo informações técnico-jurídicas para que os representantes
do Ministério Público possam atuar em relação aos direitos destes.
Estes órgãos auxiliares foram analisados neste trabalho para compreender como o
Ministério Público exerce sua função social de defesa dos interesses sociais, especialmente da
educação. Por isso, analisamos quais Estados das 27 unidades federativas possuíam Centros
de Apoio Operacional de Defesa da Educação (CAODE) ou, na inexistência destes, pelos
Centros de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ) ou, até mesmo, de Direitos
Humanos e como estes estavam vinculados ao exercício do direito à educação, mas, sobretudo
à justiciabilidade do direito à qualidade do ensino fundamental público.
Como não tivemos muita adesão dos membros do Ministério Público Estadual ao
mapeamento total que gostaríamos de realizar na totalidade do país, mudamos o foco do
trabalho e resolvemos utilizar as informações colhidas daqueles que responderam o
questionário de forma comparativa com relatórios de instituições governamentais e não
governamentais, pois aqueles que participaram, respondendo ao questionário, trouxeram
informações relevantes sobre seus Estados: Acre, Santa Catarina, Maranhão, Goiás e Espírito
Santo. E estes estados representativamente conseguiram dar um panorama do restante do país,
já que cada um encontra-se em uma região.
223
Desta forma, os CAO’s que responderam o questionário foram: três são Centros de
Apoio Operacional de Infância e Juventude (Santa Catarina, Maranhão e Acre) e dois são
Centro de Apoio Operacional de Defesa da Educação (Goiás e Espírito Santo).
Assim, os Centros de Apoio Operacional de forma geral no Brasil podem ser
compreendidos como órgãos que auxiliam e promovem ações para maximizar o trabalho dos
representantes do MP nos Estados. Um dado relevante informado pelos pesquisados é a
disparidade entre o número de Promotorias de Justiça gerais e de Promotorias específicas para
tratar de direitos e deveres relacionados às crianças e adolescentes na maioria dos Estados é
muito grande.
Na configuração geral do país quanto aos Centros de Apoio Operacional podemos
dizer que o Brasil ainda precisa de uma maior estruturação, pois estes órgãos auxiliares são de
extrema relevância para que o Ministério Público tenha ações diferenciadas quanto a alguns
direitos específicos, como a educação, porém muitos Estados ainda não possuem os CAO’s,
muito menos especificamente na área educacional.
A atuação funcional do Promotor de Justiça Estadual na área da educação ocorre de
acordo com cada uma das dimensões da qualidade: insumos, processos e resultados. A
pesquisa mostrou como concepção de educação do MP uma posição parecida com a dos
educadores em relação a sua função social, porém sempre vinculada à possibilidade de
exigibilidade jurídica e responsabilização dos agentes públicos (concepção produtivista).
Já os principais motivos pelos quais a população procura os membros do MP no que se
refere à educação, foram indicados por todos os participantes: garantia de acesso à educação
(problemas com a falta de vagas); problemas disciplinares no interior da escola; evasão
escolar; infraestrutura deficiente da escola. Nota-se que outras demandas não foram citadas.
A concepção de direito à educação da maioria dos sujeitos pesquisados indica a
concepção proposta neste trabalho, especialmente sobre o ensino fundamental tratar-se de um
direito público subjetivo que requer uma ação positiva do Estado, inclusive em relação à
qualidade educacional.
Para os pesquisados a qualidade da educação deve ser avaliada, mas os parâmetros
devem ser colocados em legislação, ou seja, se não estiverem prescritos em lei muito
dificilmente obteremos posicionamentos positivos do Ministério Público em ação que não
sejam provocadas pela sociedade em relação à qualidade educacional, sobretudo para discutir
dimensões.
Quando comparamos os resultados do Anuário Brasileiro de Educação Básica da ONG
Todos pela Educação (2012) sobre o ensino fundamental com o levantamento realizado nos
224
Estados sobre a atuação do MP, especialmente a existência de CAO’s, constatamos que apesar
da região Sudeste ter um melhor nível de adequação aos níveis de escolaridade em
matemática e português no ensino fundamental, no Estado do Espírito Santo encontramos
apenas nove Promotorias de atendimento específico à infância e Juventude de um total de
noventa, ou seja, apenas 10%; e quanto aos CAO’s, a região Sudeste, uma das que mais
concentra CAO de Defesa da Educação no Brasil, tendo nos Estados do Espírito Santo
(participante da pesquisa), de Minas Gerais e de São Paulo. Já no Nordeste onde a
escolarização de forma adequada em português e matemática é baixa, notamos que há três
unidades de CAOE’s que ficam nos estados da Bahia, Paraíba e Sergipe. Portanto, nestas duas
regiões a presença do Ministério Público com ações efetivas na área educacional não
representam melhora na adequação e escolarização das crianças e adolescentes do ensino
fundamental. Já no Norte não há nenhum CAOE e também há baixo índice de adequação nos
níveis de português e matemática dos alunos.
Uma ação pontual e positiva quanto à qualidade do ensino fundamental pode ser
encontrada no Estado da Paraíba que possui, inclusive um Manual de Atuação na Educação
em que descreve pormenorizadamente ações judiciais e extrajudiciais que podem e devem ser
promovidas pelo Ministério Público Estadual na busca pela qualidade do ensino fundamental
em suas três dimensões.
Importa demonstrar também o quanto o investimento, a dimensão insumo da qualidade
da educação, influência de fato nas percepções acima identificadas, sobretudo, nas diferenças
entre alguns Estados que representam as regiões brasileiras. O que se percebe, portanto, é que
no ensino fundamental nos anos iniciais, o Estado com maior investimento por aluno (R$
3.996,75) é São Paulo, na região Sudeste, e o com menor investimento é o Ceará
(R$2.206,91), na região Nordeste. O mesmo acontece nos anos finais do ensino fundamental,
onde se percebe uma articulação com os municípios.
Assim, se considerarmos que a região Norte é a que apresenta menos CAO’s para
atendimento às questões da educação, não havendo nenhum CAOE; e que a região Sudeste é a
que possui a maior parte destes Centros de Apoio Operacional da Defesa da Educação; e que
os representantes do Ministério Público têm como suas atribuições, segundo o ECA, exigir a
prevalência orçamentária para políticas públicas destinadas às crianças e adolescentes,
percebe-se que há um consenso. Porém, que a diferenciação regional é bastante significativa.
E esta diferenciação demonstra que no que concerne à dimensão processos da
qualidade do ensino fundamental, faz-se necessário que estas sejam observadas, pois indicam
225
algumas peculiaridades sociais, culturais e econômicas relevantes para que sejam construídos
critérios de dentro para fora da escola de forma participava e democrática.
No mais, pela resposta geral do questionário conclui-se que nem todas as dimensões
da qualidade (insumos, processos e resultados) são assim compreendidas pelo Ministério
Público e que seria relevante que este diálogo com os representantes do MP fosse realizado
para que eles também pudessem compreender que é possível judicialmente exigir tanto os
insumos (que já são exigidos judicialmente, mas muitas vezes não reconhecidos como
dimensão da qualidade educacional), como os processos e os resultados.
Porém, todos os pesquisados, assim como os referenciais teóricos e demais
instrumentos são unânimes em compreender que é possível se pleitear a qualidade do ensino
fundamental público no Brasil e que o Ministério Público pode e deve fazê-lo, porém ainda
encontramos muita dificuldade no diálogo das concepções educativas com o universo
jurídico, uma comprovação disso é a pouca adesão dos membros do MP a esta pesquisa.
Nenhum dos representantes do MP que participaram da pesquisa indicou a propositura
de ação contra o Poder Executivo para exercício da qualidade educacional, na realidade pela
resposta geral do questionário conclui-se que nem todas as dimensões da qualidade (insumos,
processos e resultados) são assim compreendidas pelo Ministério Público e que seria relevante
que este diálogo com os representantes do MP fosse realizado para que eles também
pudessem compreender que é possível judicialmente exigir tanto os insumos (que já são
exigidos judicialmente, mas muitas vezes não reconhecidos como dimensão da qualidade
educacional), como os processos e os resultados.
Mas é importante destacar que este estudo colaborou para que pudesse desenvolver o
meu aprendizado sobre direitos, democracia, participação popular e qualidade da educação.
Este trabalho sem sombra de dúvidas fortaleceu-me como cidadã.
226
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Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir,
anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da
União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de
que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de
forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência
dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao §
4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de
inciso VI.
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mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social
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APÊNDICE I - ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE QUESTIONÁRIO ESTRUTURADO
PROMOTORES DE JUSTIÇA DOS ESTADOS – CAO’S
TEMAS SUBTEMAS QUESTÕES OBJETIVOS GERAIS
1.Atuação do
Ministério Público
a) Perfil do entrevistado ou
de quem estiver respondendo ao
questionário (Nome; tempo de
carreira no MP; função/cargo;
tempo de exercício deste
cargo/função)
b) Perfil das Promotorias do
Estado (quantidade de
Promotorias; quantidade de
promotores de justiça;
quantidade de
promotores/promotorias de Varas
da Infância e Juventude)
c) Participação do MP na
construção da cidadania e da
democracia por meio de formas
de controle, inclusive social por
meio de instrumentos normativos
e mecanismos judiciais.
d) Participação do MP na
proteção das crianças e
adolescentes.
e) Participação do MP na
a.1. Nome
a.2. A qual Centro de Apoio Operacional do
Ministério Público pertence? Qual a função
e as atribuições deste Centro de Apoio
Operacional?
a. Identificar quem está
respondendo ao questionário, sua
função dentro do Ministério Público
na atualidade e o tempo de exercício
dentro do MP e na função.
b. Elaborar um panorama do MP
daquele Estado, especialmente das
Promotorias da Infância e
Juventude, verificando, inclusive se
há algum grupo de atuação especial
no MP daquele Estado visando a
educação. Se houver, verificar quais
suas atribuições.
c. Compreender como o
representante do MP daquele Estado
compreende seu papel e de seus
Promotores na construção da
democracia e da cidadania,
verificando quais mecanismos
judiciais ele indica como
possibilidades de uso por parte do
MP para construção destas.
d. Compreender quais as
concepções sobre o papel do MP na
defesa e proteção dos interesses das
b.1. Quantas Promotorias de Justiça o Estado
possui?
b.2. Quantas Promotorias de Infância e
Juventude o Estado possui?
c.1. Quais os mecanismos judiciais que o
MP possui para atuar na construção da
cidadania e na democracia?
d.1. Existe alguma atividade desenvolvida
pelo MP deste Estado em conjunto com
órgãos governamentais e/ou outras
organizações da sociedade civil em defesa
dos direitos das crianças e dos adolescentes,
no que se refere à educação?
e.1. Qual a concepção do MP deste Estado
242
proteção dos Direitos Humanos e
dos Direitos fundamentais;
sobre os Direitos Humanos e os Direitos
Fundamentais?
e.2. Qual o papel do MP na proteção dos
Direitos Humanos?
e.3. Qual o papel do MP na proteção dos
Direitos Fundamentais?
e.4. Qual seu posicionamento em relação à
atuação do MP no controle social do
Estado, exigindo o cumprimento dos direitos
sociais, tal como a educação?
crianças e adolescentes de forma
geral.
e. Compreender a concepção do MP
sobre Direitos Humanos e Direitos
Fundamentais, verificando qual o
papel do Promotor na proteção
destes direitos.
2. Direito à educação
a) Conceito de educação;
b) O que abrange o Direito à
educação;
c) O que abrange o Direito ao
ensino fundamental público
d) Educação como Direito
Humano
e) Educação como Direito
Fundamental
a.1. Como representante do Ministério
Público do Centro de Apoio Operacional
e/ou órgãos de assessoria pesquisado, qual
sua concepção de educação?
a.2. A educação possui uma função social?
Se sim, como ela se configura? Se não, qual
seria sua maior função da educação no
Brasil?
a.3. O Doutor entende que a concepção de
educação escolar formal decorre da
concepção geral de educação?
a.4. Quais os motivos que a população
procura o membro do Ministério Público, no
que se refere à educação? (ESTÁ COM
ALTERNATIVAS)
a. Compreender o que o
representante do MP daquele Estado
compreende como educação e como
ele entende educação escolar
formal.
243
b.1. O que abrange o Direito à Educação no
Brasil?
b.2. Qual tem sido a atuação do MP para a
garantia do direito à educação?
b. Entender as concepções do MP
que permeiam o direito a educação
no Brasil.
c.1. No caso específico do ensino
fundamental público como se configura este
direito?
c. Entender as concepções do MP
daquele Estado que permeiam o
direito a educação básica e pública
no Brasil.
d.1. O direito a Educação é um direito
humano? Se sim, por quê? (ESTÁ COM
ALTERNATIVAS)
d.2. Quais as implicações jurídicas em se
considerar a educação como um Direito
Humano?
d. Verificar se na compreensão do
representante do MP daquele Estado
a educação pode ser considerada um
Direito Humano, se o for, porque
ele assim a considera e no que isso
implica juridicamente.
e.1. O direito a educação pode ser
considerado um direito fundamental? Se
sim, por quê?
e.2. Quais as implicações jurídicas em se
considerar a educação como um Direito
Fundamental?
e. Verificar se na compreensão do
representante do MP daquele Estado
a educação pode ser considerada um
Direito Fundamental, se o for,
porque ele assim a considera e no
que isso implica juridicamente.
3.Qualidade da
educação
a) Conceito de qualidade;
b) Qualidade na educação;
c) Qualidade do ensino
a.1. Sabe-se que o conceito de qualidade
educacional é subjetivo e polissêmico.
Dentro desta situação o Centro de Apoio
Operacional e/ou órgão auxiliar de
assessoria pesquisado desenvolveu alguma
reflexão específica sobre este conceito
a. Compreender como o MP
daquele Estado entende o termo
qualidade, mesmo diante de sua
polissemia.
244
fundamental público;
d) Qualidade sob o viés das
dimensões: insumos,
processos e resultados;
qualidade educacional?
b.1. Segundo o art. 206, inciso VII da CF/88
"o ensino será ministrado com base nos
seguintes princípios: [...] VII - garantia de
padrão de qualidade". Com base neste
regramento constitucional, é importante
estabelecer parâmetros mínimos para aferir a
qualidade da educação? (ALTERNATIVAS)
b. Compreender como o MP
daquele Estado entende qualidade
da/na educação e verificar a
importância dos padrões mínimos
de qualidade.
c.1. Como estes parâmetros se
materializariam no caso do ensino
fundamental público?
c.2. A falta de qualidade da educação na
escola pública de ensino fundamental
brasileira compromete a cidadania do aluno?
(ALTERNATIVAS)
c. verificar qual a concepção de
qualidade na educação básica
pública e o que comporia esta
educação de qualidade.
d.1. Segundo especialistas pode-se pensar a
qualidade na educação sob três dimensões
inter-relacionadas: insumos (investimento
efetuado na educação); processos (processo
de ensino-aprendizagem, gestão democrática
na escola) e resultados (índices aferidos em
testes padronizados). Como representante do
Centro de Apoio Operacional como entende
que se pode mensurar a qualidade da
educação em cada uma dessas três
dimensões?
d.2. Como a qualidade do ensino
d. analisar se ele concorda com a
divisão da qualidade em três
dimensões e como ele sugere que a
qualidade seja dimensionada.
245
fundamental poderia ser mensurada para que
houvesse possibilidade de existirem padrões
mínimos e, sua consequente, garantia (ou
possibilidade de se requerer esta garantia)?
4. Direito à qualidade
do ensino fundamental
a) Direito à qualidade do
ensino fundamental
público
b) Direito à qualidade em
insumos
c) Direito à qualidade em
processos
d) Direito à qualidade em
resultados
d.1. Quais os principais princípios do direito
à educação de que lançaram mão os
Promotores de Justiça deste Estado (ou
Distrito Federal) em suas Recomendações
Públicas no que concerne à qualidade do
ensino fundamental?
d.2. Qual a importância das
Recomendações? Como se elabora uma
Recomendação Pública?
a. Identificar e analisar se as
Recomendações Públicas tratam de
procedimentos administrativos ou
de procedimentos operacionais de
algum aspecto específico sobre a
qualidade do ensino fundamental
como direito.
b.1. No que se refere ao ensino fundamental
público, quais são os direitos vinculados à
qualidade em termos de insumos
(investimentos)?
b. Identificar o que o MP
compreende como vinculação entre
insumos e a qualidade do ensino
fundamental.
c.1. Qual sua compreensão da vinculação
entre a qualidade do ensino fundamental
público e os processos que a envolvem
(processo de ensino aprendizagem, gestão
democrática, entre outros)?
c.2. No seu entender existem direitos
vinculados à qualidade em termos de
processos que permeiam o ensino
fundamental público? Se sim, quais?
d. Identificar o que o MP
compreende como vinculação entre
processos e a qualidade do ensino
fundamental.
246
c.1. Qual sua compreensão da vinculação
entre a qualidade do ensino fundamental
público e os resultados apresentados em
testes padronizados, como por exemplo, o
IDEB?
c.2. Quais os direitos vinculados à qualidade
em termos de resultados que permeiam o
ensino fundamental público?
e. Identificar o que o MP
compreende como vinculação entre
resultados e a qualidade do ensino
fundamental.
5. Exigibilidade
jurídica do Direito à
qualidade do ensino
fundamental público
a) Meios jurídicos
b) Atuação judicial do MP:
insumos, processo e
resultados
i. Atuação pela garantia de
acesso à educação:
discussão sobre problemas
com a falta de vagas;
ii. Atuação pela garantia de
permanência com
qualidade na escola:
discussão sobre problemas
disciplinares, evasão
escolar; ausência de
recuperação;
iii. Atuação pela garantia de
participação na gestão
escolar: discussão sobre
eleição de diretores;
conselhos escolares,
grêmio escolar, associações
de pais e mestres.
a.1. É possível exigir juridicamente o direito
à qualidade do ensino fundamental público
no Brasil? Se sim, qual o meio jurídico para
tanto? E qual a fundamentação jurídica mais
adequada?
b.1. Quais as estratégias utilizadas pelo MP
neste Estado (ou no Distrito Federal) para
fazer o Executivo cumprir suas
responsabilidades com relação à educação,
especialmente a qualidade do ensino
fundamental público?
b.2. Qual a atuação judicial do MP neste
Estado (ou Distrito Federal) pela garantia de
acesso ao ensino fundamental público
(discussão sobre problemas com a falta de
vagas, por exemplo)? Isso pode ser
considerado um problema de qualidade? Se
sim, em qual dimensão (insumos, processos
e resultados) se encaixaria?
b.3. Qual a atuação judicial do MP neste
a.Compreender se o representante
do MP acha possível ingressar com
ação para requerer a qualidade do
ensino fundamental público e como
isso seria efetuado judicialmente.
b. Verificar quais as estratégias
utilizadas pelo MP para fazer o
Executivo cumprir suas
responsabilidades com relação ao
ensino fundamental público,
verificando as atuações judiciais na
garantia de direitos como:
- acesso ao ensino fundamental
- permanência com qualidade no
ensino fundamental
- participação na gestão escolar
- melhores índices IDEB nas
escolas de ensino fundamental
públicas
Verificando se eles consideram isso
um problema de qualidade
247
iv. Atuação pela garantia do
espaço público na escola
pública: discussão a
respeito das parcerias e de
concessões que têm sido
feitas ao longo dos anos,
bem como a entrada dos
grupos privados na
educação pública.
v. Atuação pela garantia de
melhores índices IDEB nas
escolas públicas;
c) Atuação extrajudicial do
MP: insumos, processo e
resultados
i. Atuação pela garantia de
acesso à educação:
discussão sobre
problemas com a falta de
vagas;
ii. Atuação pela garantia de
permanência com
qualidade na escola:
discussão sobre
problemas disciplinares,
evasão escolar; ausência
de recuperação;
iii. Atuação pela garantia de
participação na gestão
escolar: discussão sobre
eleição de diretores;
Estado (ou Distrito Federal) pela garantia de
permanência com qualidade no ensino
fundamental público (discussão sobre
problemas disciplinares, evasão escolar;
ausência de recuperação, etc.)? Isso pode ser
considerado um problema de qualidade? Se
sim, em qual dimensão (insumos, processos
e resultados) se encaixaria?
b.4. Qual a atuação judicial do MP neste
Estado (ou Distrito Federal) pela garantia de
participação na gestão escolar do ensino
fundamental público (discussão sobre
eleição de diretores; conselhos escolares,
grêmio escolar, associações de pais e
mestres, etc.)? Isso pode ser considerado um
problema de qualidade? Se sim, em qual
dimensão (insumos, processos e resultados)
se encaixaria?
b.5. Qual a compreensão do MP neste
Estado (ou Distrito Federal) sobre a garantia
do espaço público na escola pública,
permeando esta questão a discussão a
respeito das parcerias e de concessões que
têm sido feitas ao longo dos anos, bem como
a entrada dos grupos privados na educação
pública?
b.6. Como tem sido atuação judicial do MP
neste Estado (ou Distrito Federal) pela
garantia de melhores índices de resultados
educacional e em que dimensão
estariam encaixadas.
Verificar como eles compreendem a
questão a discussão a respeito das
parcerias e de concessões que têm
sido feitas ao longo dos anos, bem
como a entrada dos grupos privados
na educação pública.
Verificar quais as atuações
extrajudiciais na garantia de direitos
como:
- acesso ao ensino fundamental
- permanência com qualidade no
ensino fundamental
- participação na gestão escolar
- melhores índices IDEB nas
escolas de ensino fundamental
públicas
248
conselhos escolares,
grêmio escolar,
associações de pais e
mestres.
iv. Atuação pela garantia do
espaço público na escola
pública: discussão a
respeito das parcerias e de
concessões que têm sido
feitas ao longo dos anos,
bem como a entrada dos
grupos privados na
educação pública.
v. Atuação pela garantia de
melhores índices IDEB
nas escolas públicas;
d) Embate do direito à
educação x princípio da
reserva do possível
e) Promotorias onde se
desenvolve trabalhos
judiciais de atuação pela
garantia da qualidade do
ensino fundamental
público;
f) Promotorias onde se
desenvolve trabalhos
extrajudiciais de atuação
pela garantia da qualidade
em testes padronizados (por exemplo, IDEB)
nas escolas de ensino fundamental públicas?
Isso pode ser considerado um problema de
qualidade?
c.1. Quais as atuações extrajudiciais do MP
deste Estado no que concerne a:
a) garantia de acesso ao ensino
fundamental público
b) garantia de permanência com
qualidade no ensino fundamental
público
c) garantia de participação na gestão
escolar
d) garantia de melhores índices IDEB
no ensino fundamental
(ALTERNATIVAS)
Compreender como o MP vê e
busca soluções para o embate entre
o Direito à educação e o princípio
da reserva do possível.
Mapear os nichos com atuação
judicial positiva quanto à qualidade
do ensino fundamental e entender
porque da indicação destes nichos
(para melhor análise posterior)
249
do ensino fundamental
público
d.1. A exigibilidade da garantia do direito ao
ensino fundamental público de qualidade por
vezes esbarra no princípio da reserva do
possível, como solucionar esta equação?
e.1. Quais as Promotorias de Justiça deste
Estado (ou do Distrito Federal) que possuem
atuações positivas concretas, judiciais, na
garantia da qualidade do ensino fundamental
público?
e.2. Em quais aspectos elas atuam
judicialmente e positivamente em favor da
qualidade do ensino fundamental público?
e.1. Quais as Promotorias de Justiça deste
Estado que possuem atuações positivas
concretas, extrajudiciais, na garantia da
qualidade do ensino fundamental público?
e.2. Em quais aspectos elas atuam
extrajudicialmente e positivamente em favor
da qualidade do ensino fundamental
público?
Mapear os nichos com atuação
extrajudicial positiva quanto à
qualidade do ensino fundamental e
entender porque da indicação destes
nichos.
APÊNDICE II – QUESTIONÁRIO ESTRUTURADO
Survey Monkey
251
252
253
254
255
256
257
258
259
260
261
262
263
264
265
266
267
268
269
270
271
272
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