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Espao Arte Brasileira Contempornea ABC / Funarte
D O S S I E S P A O A B C / F U N A R T E
Antonio Manuel
Frutos do Espao, 1980
Foto: Sebastio Barbosa
Organizao Ivair Reinaldim
Este dossi apresenta um recorte consubstancial das aes e questes referentes ao
Espao ABC Funarte (1980-1984), atravs de uma cronologia de atividades, trechos
de textos institucionais, reportagens de poca e, por fim, uma entrevista realizada
com seu idealizador, o crtico Paulo Sergio Duarte. Como adendo, na seo Reedio,
inclumos a transcrio da palestra do filsofo Jos Arthur Giannotti, ocorrida no
Espao ABC, seguida de debate, objetivando explicitar, atravs de um caso particular,
a dimenso crtica que perpassava o programa como um todo. Nesse processo foi
importante a consulta de documentao junto ao Cedoc da Funarte e, principalmen-
te, do arquivo pessoal de Glria Ferreira, que fez parte do projeto. o momento
tambm para agradecer a contribuio de Paulo Sergio Duarte, bem como o profcuo
dilogo com Ins de Arajo e Glria Ferreira, esta ltima, presente durante todo o
planejamento, elaborao e finalizao deste trabalho.
Espao ABC Funarte, arte e instituio, arte contempornea brasileira, Paulo Sergio Duarte.
Em 13 de maio de 1980 tinham incio as ati-
vidades do programa Espao ABC, Arte Bra-
sileira Contempornea, da Funarte, no Par-
que de Esculturas da Catacumba, Lagoa, Rio
de Janeiro, onde outrora existira a favela de
mesmo nome, cuja populao foi removida
para Vila Kennedy, Cidade de Deus e
Guapor-Quitongo. Com a palestra do ar-
quiteto e urbanista Carlos Nelson dos San-
tos, tanto a memria daquele local quanto o
projeto ABC ganhavam dimenso ampliada
atravs do debate. Entre as exposies ocor-
ridas no local, Antonio Manuel proporia seus
Frutos do Espao, nove esculturas de lingote
de ferro, pintadas de vermelho, amarelo e
preto, estruturas-interstcios fincadas direta-
mente na terra, nos jardins da Catacumba,
dilogo potico entre escultura e paisagem,
presente e passado, espao e tempo.
Antigamente o espao da Catacumba
era, com a favela, cheio, com
criatividade, pessoas, vida. S admiti tra-
balhar nesse espao, levando em conta
o que acontecera (...) Eu quando vou
l ainda vejo a favela. Quando criei esse
trabalho, pensei nos vazios, para que as
pessoas vissem o que restou ali: ape-
nas os fragmentos da favela. So frag-
mentos imaginrios, verdade, mas no
podemos recalcar a carga humana que
existia anteriormente ali. (Antonio Ma-
nuel apud Wilson Coutinho, No espa-
o ABC, os frutos de Antonio Manuel,
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22.10.80)
Este era o tom do Espao ABC. Enfrentar o
problema, fosse ele social, artstico ou filo-
sfico, analis-lo, debat-lo, desmitific-lo,
sobretudo quando os trabalhos propostos
no se restringiam mais s questes formais.
Tomada de posio poltica em pleno pro-
cesso de abertura, o projeto propunha uma
reflexo sobre as transformaes operadas
nas linguagens, reconhecendo a importncia
do experimentalismo nesse processo, ao
mesmo tempo em que se destacava enquan-
to atuao diferenciada da instituio pbli-
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ca federal, que ento passava a posicionar-
se em relao arte contempornea brasi-
leira. O ABC poderia, portanto, ser com-
preendido como caso exemplar de poltica
das artes, como j havia sido explicitado,
em 1975, no editorial do primeiro nmero
da revista Malasartes e, particularmente, no
importante ensaio assinado pelo crtico
Ronaldo Brito Anlise do circuito.
Contudo, havia diferenas. Em meados dos
anos 70, a atuao conjunta de crticos e
artistas em Malasartes reconhecia que a ques-
to da transformao das linguagens no
poderia estar desvinculada da questo social
da arte e que era preciso estabelecer um
vnculo mais forte entre arte entenda-
se aqui arte contempornea e ambien-
te cultural, sobretudo, atravs da presen-
a, visibilidade e nfase de discursos para-
lelos ao do mercado. Data desse momen-
to, no Rio de Janeiro, o projeto da rea
Experimental do Museu de Arte Moder-
na, no s abertura institucional arte
contempornea, mas tambm espao de
reflexo e posicionamento poltico, atra-
vs do jogo de relaes entre artistas, cr-
ticos, instituio e mercado de arte, uma
vez que o que ficou evidente que mais
do que disponibilizar uma rea para in-
vestigaes artsticas experimentais den-
tro do museu, preciso que o estatuto
desse espao ultrapasse a esfera da pre-
cariedade e do descaso administrativo. O
programa Espao ABC, por outro lado, era
fruto de outro momento poltico, com-
preendendo uma nova atitude frente
arte contempornea e uma postura
institucional mais consistente.
Outra diferena que se o Espao ABC se
encontrava no mbito mais amplo da cultu-
ra, sob manuteno da Fundao Nacional
de Arte Funarte em parceria com a Fun-
dao RioArte, da Prefeitura Municipal do
Rio de Janeiro, na poca sob direo de
Rubem Fonseca, e apoio do Ministrio da
Educao e Cultura, como projeto federal
para a arte contempornea, algumas aes
anteriores, no contexto repressivo dos anos
70, ocorreram em circuitos mais restritos,
como o campo da universidade pblica. Em
So Paulo, por exemplo, destacava-se a atua-
o de Walter Zanini no Museu de Arte
Contempornea da Universidade de So
Paulo no s se mostrando acessvel
experimentaco e jovem produo, mas
tambm potencializando o contato entre
artistas brasileiros e internacionais (vide a
experincia de Paulo Bruscky com a arte-
correio e sua relao com os artistas do
Fluxus), e em Joo Pessoa, o Ncleo de Arte
Contempornea NAC da Universidade
Federal da Paraba, projeto conjunto do cr-
tico Paulo Sergio Duarte, do artista Antonio
Dias e de vrios agentes locais, como Raul
Crdula. Tanto em um caso quanto em ou-
tro, o ncleo universitrio constituia-se no
s como a possibilidade de apoio a propos-
tas pouco condicionadas ao mercado de arte,
mas tambm como estmulo reflexo e ao
debate em circuitos mais especficos, haja
vista a impossibilidade de manifestao de
opinio pblica na dcada de 1970, por mais
que esses projetos, sobretudo o NAC, mui-
tas vezes enfrentassem fortes reaes den-
tro da prpria universidade.
Por outro lado, segundo Paulo Sergio Duarte,
a Funarte era uma estratgia do Governo
Registro da abertura da
exposio Quasares, de
Carmela Gross, Espao
ABC MAM-RJ
1983
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Geisel para reestabelecer um dilogo mais
prximo com a sociedade civil, uma vez que
a cultura campo profcuo para
reestabelecer esses laos rompidos duran-
te a ditadura. Nesse contexto o projeto do
Espao ABC era gestado e encontrava
interlocutores para ser viabilizado. O Estado
brasileiro, assim, sem assumir uma atitude
paternalista em relao s artes, responsabi-
lizava-se pela manuteno e garantia da co-
existncia dessas propostas artsticas e de
discursos crticos que no encontravam es-
pao no circuito de arte. Certamente, a situ-
ao poltica transitria daquele momento
foi favorvel a esse posicionamento, mas tam-
bm o foi ao tornar explcitas as limitaes
desse apoio, comprometendo a manuten-
o e existncia do prprio programa. Aps
transferir suas atividades do Parque da
Catacumba para a Galeria Srgio Milliet e
depois para o Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro, as aes do Espao ABC fo-
ram-se diluindo em meio diluio da pr-
pria Funarte.
importante ainda destacar que a Funarte,
naquele momento, voltava-se cada vez mais
para um processo de estmulo integrao
entre as regies brasileiras, e o Espao ABC
era concebido como projeto passvel de ser
adaptado e implementado em outros esta-
dos. A reformulao do Salo Nacional de
Artes Plsticas, a partir de 1978, e as adap-
taes ocorridas nas edies seguintes, por
exemplo, contriburam para que o Salo de
fato ganhasse dimenso nacional, fosse atra-
vs da criao de comits regionais, das via-
gens da comisso julgadora por todo o pas
ou da organizao das salas especiais, abran-
gendo a pluralidade de enfoques da produ-
o imagtica brasileira. Essa poltica assumi-
da vinha ao encontro da crescente impor-
tncia de ncleos culturais, como Porto Ale-
gre, Curitiba, Cuiab, Joo Pessoa, Recife,
Belm, entre outros. Alm de promover a
circulao de exposies, a Funarte desen-
volvia outros projetos que abrangiam a rea-
lizao de palestras, cursos e workshops em
diferentes regies do pas.
A instituio investiu tambm no desenvol-
vimento e publicao de pesquisas que
abrangessem vrios aspectos da produo
cultural brasileira: artes, artesanato, msica,
teatro, folclore, etc. Destaca-se a coleo
Arte Brasileira Contempornea, com os pri-
meiros livros publicados antes da criao do
Espao ABC, um programa no possuindo
ligao direta com o outro, mas ambos apre-
sentando evidentes paralelos conceituais.1
Esse posicionamento editorial mais amplo da
Funarte reverberou no Espao ABC atravs
da nfase dada interdisciplinaridade, no
confronto das artes visuais com outros cam-
pos de produo cultural, principalmente nos
shows de msica instrumental ao ar livre, no
Parque da Catacumba, nas conferncias nas
reas da filosofia, do teatro, da arquitetura,
da literatura, etc., na publicao de pesqui-
sas ou debates gerados no mbito do pro-
grama. Mais do que gestar discusso restrita
s especificidades das artes, o Espao ABC
procurava acentuar a aproximao entre
reas de conhecimento e linguagens. Tam-
bm procurava contribuir com a produo
de teoria sobre a arte brasileira recente,
Capa do catlogo da
exposio Desvio para o
vermelho, de Cildo
Meireles, Espao ABC
MAM-RJ e MAC-USP
1984
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posicionando-se criticamente em relao ao
modo como uma teorizao da arte brasi-
leira poderia, e deveria, ser realizada e pen-
sada. Era interesse da Funarte e do Espao
ABC assegurar a construo de um espao
mais reflexivo para a arte contempornea
na histria da arte, menos comprometido
com valores e leituras tradicionais, ou seja,
com tentativas de domesticao de certos
trabalhos e discursos mais radicais, adequan-
do-os a modelos tericos at certo ponto
convencionais. A edio desses textos tam-
bm cumpria importante papel em relao
produo, ao estmulo, ao acesso e cir-
culao de ideias e de trabalhos, num mo-
mento em que o pas apresentava mercado
editorial pouco voltado para as questes da
arte contempornea.
Alm do apoio produo experimental, os
idealizadores e colaboradores do Espao
ABC tambm objetivavam torn-lo um local
de reflexo e de formao, mediante rela-
o institucional mais forte com os artistas.
Entre algumas aes nesse sentido, impor-
tante ressaltar o pagamento de pr-labore
aos que expunham no ABC, apoio funda-
mental no processo de produo dos traba-
lhos, e tambm a publicao de catlogos,
meio de documentao da obra e estmulo
para circulao de discursos crticos no atre-
lados aos cadernos culturais dos jornais. A
presena de Paulo Sergio Duarte na direo
do Instituto Nacional de Artes Plsticas Inap
(1981-1983) colaborava para o processo de
insero, aceitao e organicidade da arte
contempornea dentro da prpria Funarte,
ao mesmo tempo que contribua para inser-
o mais efetiva desses trabalhos no circuito.
Sintomtico o encerramento das ativida-
des do Espao ABC em 1984, o mesmo da
exposio Como vai voc, Gerao 80?, reali-
zada na Escola de Artes Visuais do Parque
Lage, Rio de Janeiro. Esse evento marca a
visibilidade cada vez maior de uma nova ge-
rao de artistas e crticos no cenrio da arte
brasileira, paralelamente a transformaes
profundas, no campo da poltica, da cultura,
do circuito e da crtica, que ocorreriam na
continuidade da dcada de 1980. nesse
campo que as aes do Espao ABC ora se
diluem, ora se evidenciam, ora se mesclam a
outras questes. Quais teriam sido as con-
tribuies posteriores do Espao ABC? Co-
nhecer o programa e os limites de sua
abrangncia condio necessria para me-
lhor compreenso da histria recente da arte
brasileira e de seu circuito, contextualizando-
o num dado momento, mas, ao mesmo tem-
po, inserindo-o num recorte mais amplo.
Neste momento, procuraremos focar na his-
tria de suas atividades.
Nota
1 Os diversos movimentos de vanguarda ocorridos a partir
da Exposio Neoconcreta no Rio de Janeiro em 1959
participam de uma preocupao comum acionar de
maneira permanente os mecanismos da experimenta-
o. A produo nascida da utilizao das vrias lingua-
gens experimentais correntes, rotuladas como nova fi-
gurao, happening, arte pop, arte cintica, arte
conceitual, body art, video art, etc., veio se agrupando,
de 1959 at hoje, em vrios momentos vanguardistas,
alguns j bem definidos historicamente, como por exem-
plo a Nova Objetividade ou o Tropicalismo.
propsito desta Coleo documentar a obra de alguns dos
artistas que participaram ativamente desse perodo, sem
se preocupar com a anlise exaustiva dos movimentos
mais representativos nem com a dissecao de cada uma
das linguagens experimentais mencionadas, no se esque-
cendo de que existem proposies que escapam de uma
tica estritamente visual. E como tambm existem traba-
lhos que, por sua natureza, tendem ao desaparecimento
completo, essencial ressaltar a importncia da do-
cumentao em livro desta produo especfica.
Por ltimo, a Funarte espera, atravs da Coleo, abrir a um
pblico maior a possibilidade de tomar contato com a
reflexo e com o debate sobre as tendncias atuais e
futuras das artes visuais brasileiras.
A coleo Arte Contempornea Brasileira abrangeu 10 volu-
mes, a saber: Barrio (1978), Carlos Vergara (1978), Anna
Bella Geiger (1979), Antonio Dias (1979), Wesley Duke
Lee (1980), Lygia Clark (1980), Cildo Meireles (1981),
Waltercio Caldas (1982), Lygia Pape (1983) e Antonio
Manuel (1984).
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Cronologia ABC Funarte
1980
Exposies (Pavilho Brecheret Parque da
Catacumba)
- Snia Andrade: Situaes negativas (20.5-
1.6.80)
- Essila Paraso: A histria da arte (13-
29.6.80)
- Paulo Herkenhoff: Geometria anrquica,
a m vontade construtiva e mais nada (10-
27.7.80)
- Srgio Camargo: O mtodo de Srgio
Camargo (29.8-21.9.80)
- Waltercio Caldas: 0 um
- Antonio Manuel: Frutos do espao
- Tunga: Esculturas e desenhos (7-23.11. 80)
- Jos Resende: Esculturas (16.12.80-
31.1.81)
- Lygia Clark: Pinturas, relevos e esculturas
(Espao Alternativo, Funarte, 15.12.80-
16.1.81)
Pesquisas
- Subsdios Histria da Arte Contempor-
nea: Informalismo e Abstracionismo Geo-
mtrico: duas vertentes da arte brasileira
nos anos 50 (entrevistas e texto de Anna
Bella Geiger, Fernando Barata e Fernando
Cocchiarale, publicada na coleo Temas e
Debates da Funarte)
- Subsdios Histria da Arte Contempor-
nea: O Moderno e o Contemporneo (tex-
tos de Ronaldo Brito e Paulo Venancio Fi-
lho, concluda e editada no Caderno de
Textos n. 1)
Publicaes
- Caderno de Textos n. 1: O Moderno e o
Contemporneo (textos de Ronaldo Brito e
Paulo Venancio Filho; Edies Funarte: 3000
exemplares)
- Snia Andrade: Situaes negativas (ca-
tlogo com texto de Andras Hauser: Situa-
Logomarca do Espao
ABC. Criao: Noni
Geiger
Capa do Caderno de
Textos 1 O
moderno e o
contemporneo, 1980
Convite de abertura
do Espao ABC, 1980
Fonte: Cedoc-Funarte
Trabalhar um limite. Uma fronteira invisvel
a ser delineada. Os territrios pouco ntidos
que separam na arte dois momentos: o
moderno, estvel, marca de uma poca, de
um sculo, este sculo, e aquele que busca,
procura um outro espao. Linguagens em
luta na produo de seu prprio terreno, o
trabalho contemporneo, no consagrado,
no conhecido, ainda no identificado.
neste limite, nesta regio, que o programa
ABC Arte Brasileira Contempornea tra-
balha. ali, onde as artes j no so to pls-
ticas, que est o debate. Um programa de
trabalho que , ele mesmo, uma discusso.
Texto da contracapa dos catlogos produzidos pelo Es-
pao ABC Funarte
O que o Espao ABC?
No Brasil, a sigla ABC imediatamente as-
sociada s iniciais dos municpios industriais
da regio metropolitana de So Paulo. No
meio de arte, porm, essa sigla comea a se
firmar com outra conotao: Espao Arte
Brasileira Contempornea, o ABC do Rio de
Janeiro, um dos projetos do Instituto Nacio-
nal de Artes Plsticas da Funarte.
Com o objetivo de suscitar a reflexo e o
debate sobre a transformao das linguagens
na arte e, simultaneamente, contribuir para
a mostra e circulao do trabalho de arte
contempornea, foi criado, em 1980, pelo
Inap/Funarte, o programa Espao Arte Bra-
118 A R T E & E N S A I O S - N. 2 0 - J U L H O D E 2 0 1 0
es negativas Ensaio; fotos: Snia
Andrade; Edies Funarte: 800 exemplares)
- Essila Paraso: A histria da arte (catlo-
go com texto de Fernando Cocchiarale: Em
arte nada se cria, nada se perde, tudo se
transforma; fotos: sem crdito; Edies
Funarte: 800 exemplares)
- Paulo Herkenhoff: Geometria anrquica,
a m vontade construtiva e mais nada (ca-
tlogo concebido pelo artista em torno do
projeto da exposio; fotos: Ana Vitria
Mussi; Edies Funarte: 800 exemplares)
- Srgio Camargo: O mtodo de Srgio
Camargo (catlogo com texto de Ronaldo
Brito: Uma lgica ao acaso; fotos: Jlio S. B.
Alcntara, S. Angelotti e Michel Desjardins;
Edies Funarte: 800 exemplares)
- Waltercio Caldas: 0 um (catlogo com
texto de Rodrigo Naves, sem ttulo; fotos:
Srgio Arajo; Edies Funarte: 800 exem-
plares)
- Antonio Manuel: Frutos do espao (cat-
logo com textos de Silviano Santiago e An-
tonio Manuel, sem ttulo; fotos: Sebastio
Barbosa; Edies Funarte: 800 exemplares)
- Tunga: Esculturas e desenhos (catlogo
com texto de Ronaldo Brito: Experincia
flutuante; fotos: Pedro Oswaldo Cruz; Edi-
es Funarte: 800 exemplares)
- Jos Resende: Esculturas (catlogo com
texto de Ronaldo Brito: Certeza estranha;
fotos: Miguel Rio Branco; Edies Funarte:
800 exemplares)
Conferncias e debates
Conferncia de abertura: Razes das trans-
formaes do espao urbano, urbanista
Carlos Nelson dos Santos (13.5.80)
Conferncias arte e filosofia: A nova teo-
ria da representao, prof. Jos Arthur
Giannotti (6.6.80); A mutao da obra de
arte atravs dos meios de comunicao de
massa, prof. Grard Lebrun (8.6.80); O pa-
pel da obra na criao artstica, prof.
Emmanuel Carneiro Leo (10.6.80); O pro-
sileira Contempornea Espao ABC em
convnio com a Fundao Rio da Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro.
Este programa se caracterizou, desde seu
incio, pelos seguintes pontos:
1 - Alm de exposies significativas de artis-
tas contemporneos, apresentou um progra-
ma integrado a outras reas da cultura, atra-
vs de espetculos (msica instrumental e
msica experimental), conferncias e debate
sobre arte e filosofia, arquitetura, msica, lite-
ratura, teatro e cinema, sempre voltados para
a questo da linguagem contempornea.
2 - Paralelamente aos eventos, o Espao ABC
promoveu a edio dos Cadernos de Tex-
tos, dos catlogos das exposies, e tam-
bm pesquisas sobre a histria recente da
arte brasileira, como sobre Informalismo e
Abstracionismo Geomtrico e sobre Arte e
Instituio, complementando o projeto edi-
torial j existente no Inap.
3 - O Espao ABC se diferencia pela coe-
rncia e articulao de seu projeto ao susci-
tar o debate da arte contempornea e tam-
bm por seu relacionamento claro e profis-
sional entre a instituio e o artista.
Com o fim do convnio com a Fundao
Rio, o Espao ABC deslocou-se do Parque
da Catacumba na Lagoa Rodrigo de Freitas
para a Funarte, no incio de 1981. A progra-
mao nesse ano foi menos intensa que em
1980. Em 1982 o ABC teve lugar no Museu
de Arte Moderna do Rio de Janeiro
com uma srie de exposies que ti-
veram como objetivo os diversos as-
pectos da pintura atual.
Em 1983, apesar
das limitaes or-
amentrias dita-
das pela conjuntu-
ra que atravessa-
Envelope-dossi com
material grfico das
exposies realizadas pelo
Projeto Espao ABC, no
MAM-RJ, em 1982
119D O S S I E S P A O A B C / F U N A R T E
blema do teatro contemporneo, prof. Gerd
Bornheim (7.7.80)
Debates Arquitetura: um Problema: 1a
mesa: Histria social da arquitetura, Edgar
Graef; Formas arquitetnicas, Glauco
Campello; Apropriao do espao pela co-
munidade, Orlando Mollica; Arquitetura e
comunicao, Paulo Mendes da Rocha
(1.7.80); 2a
mesa: Evoluo da arquitetura
rural e urbana, Alfredo Brito; Relaes da
tecnologia e atividade artstica, Jlio
Katinsky; Planejamento participativo, Joo
Batista Serran (2.7.80)
Debate sobre msica popular: Msica como
espao, Jorge Mautner; Tropicalismo e ar-
tes plsticas, Celso Favaretto; Mercado e
tradio na msica, Antonio Carlos de Brito
[Cacaso]; O discurso mgico da msica po-
pular, Matina Suzuki Jr. (29.7.80)
Debate sobre msica erudita: Conscincia
da historicidade da msica, nio Squeff;
Porque todos pecaram e destitudos esto
da glria de Deus, Miguel Wisnik e Willy
Corra (30.7.80)
Debate sobre literatura: Duas constantes
da linguagem nos anos 70: desbunde e
parajornalismo, Silviano Santiago; A exce-
o e a regra, Geraldo Carneiro; O proble-
ma da fico, Lus Costa Lima (21.8.80)
Cinema
- O Outro Cinema (mostra e debates de fil-
mes brasileiros de nenhuma ou precria
circulao comercial): Palestra: Discusso
de linguagem o cinema ausente, Jean
Claude Bernadert; filmes: Matou a famlia
e foi ao cinema, longa-metragem de Jlio
Bressane; Serafim Ponte Grande, Tesouro
da juventude, O ano de 1978, Vocs, Congo,
curtas-metragens de Arthur Omar; O ban-
dido da luz vermelha, longa-metragem de
Rogrio Sganzerlla; Nostalgia do branco,
Fragmento de um discurso amoroso, curta
e longa-metragem de Ricardo Miranda; Bl-
bl-bl, Bang-bang, curta e longa-
metragem de Andrea Tonacci
mos, o Espao ABC vai procurar executar
parte de seu programa editorial, retomar os
trabalhos de conferncias e debates atravs
dos ciclos sobre Arte e Arquitetura e Arte
Contempornea e mostrar a produo de
arte das diversas regies do pas sintoniza-
das com o esprito do projeto, a saber, as
linguagens da arte contempornea.
Documento Dossi, datilografado, sobre as atividades do
Espao ABC Funarte organizado pelo prprio programa
Com a exposio de escultoras e relevos
de Fernando Estarque Cass, ser inaugura-
do o Pavilho Victor Brecheret, no Parque
da Catacumba, na Lagoa. O projeto do pa-
vilho, de autoria de Carlos Porto, foi pre-
miado em 1979 pelo Instituto de Arquite-
tos do Brasil, seo carioca. No pavilho fun-
cionam uma dependncia de rgo ligado
conservao do meio ambiente e a galeria
de arte. Sua programao, afeta inicialmente
Diretoria de Parques e Jardins, pretendia
ser bastante aberta, mediante inscrio dos
interessados e seleo por uma comisso de
especialistas. Cada expositor aprovado teria
direito a catlogo e doaria uma de suas peas
para o acervo do pavilho. A nfase seria dada
escultura. Posteriormente, um convnio
entre a Fundao Rio e Funarte modificou
esta orientao: a linha de exposio ser fran-
camente experimental e os artistas convida-
dos, alm de catlogos, tero uma ajuda de
custo para financiar a exposio.
Frederico Morais, No Parque da Catacumba, nova galeria
de arte, O Globo, Artes Plsticas, Rio de Janeiro, 16.3.80
O raciocnio bsico que levou a imaginar e
a implementar a ideia do Espao Arte Brasi-
leira Contempornea (que tem em Paulo
Sergio Duarte seu coordenador) est nas
seguintes palavras do texto que agora o di-
vulga: Arte trabalho, evoluo. Antes de
tudo, impulso, impulso transformador, pon-
ta de lana para o futuro. No obstante, hoje
Cartaz do seminrio
Sobre Literatura
Debates
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Teatro (curso e leitura de pea)
Contato com o Teatro do Oprimido mto-
do de Augusto Boal, introduo prtica com
Maria Esmeralda e Beth Pacheco (3-5.7.80);
Plano de converso de todo e qualquer es-
pectador em ator; leitura da pea Escorre-
ga no sabo mbar uma histria de amor
como outra qualquer, de Aline Molinari,
direo de Maria Lcia de Mendona Lima
(7 e 8.8.80)
Shows de msica ao ar livre
Arte dos sons imagem: princpio do tm-
pano profano, Alusio Arcela Jr. e Rodolfo
Caesar (25.5.80); Grupo Um, Lelo Nazrio,
Zeca Assumpo, Carlinhos Gonalves, Z
Eduardo Nazrio e Mauro Senise (22.6.80);
K-Ximbinho e quarteto de clarinetas, Jos
Botelho, Netinho, Celso e Paulo Moura
(6.7.80); Filho predileto de Xang, Jorge
Mautner e sua banda: Robertinho do Reci-
fe, Nelson Jacobina, Ronald Pinheiro e
Waldecir (27.7.80); Prlogo msica e dan-
a, Virgnia Monteiro, Paulo Russo e Paulo
Lajo (24.8.80); Hermeto Pascoal (6.9.80);
Hlio Delmiro e Paulo Russo (9.11.80); P
ante p, Caito Marcondes, Tavinho Fialho,
Beto Caldas, Jarbas, Teco, Man, Xico
Guedes e Homero (23.11.80); Mistrios da
Amaznia, Carioca e o Grupo Devas:
Ronaldo Leite de Freitas, Paulo Rodrigues,
Jos Eduardo Nazrio e Francisco Guedes
(7.12.80); Lanamento do disco Frevo de
ndio, de Celso Mendes, Celso Mendes, To-
ms Improta, Mini Paulo, Celso Guima,
Mrcio Batista e Z Lus (21.12.80)
1981
Exposies (Galeria Srgio Milliet
Funarte)
- Marcelo Nitsche: Fragiles
- Paulo Roberto Leal: A casa
- Milton Machado: Conspirao arquitetura
- Arthur Barrio: Registros de trabalho (6-7.81)
- Quase Cinema: apresentao de trabalhos
dos artistas Antonio Dias (Bistoria), Iole de
Freitas (Cacos de vida/Fatias de vidro),
existe uma sensvel dificuldade para a dis-
cusso dos fenmenos culturais ligados ao
universo da arte contempornea no Brasil,
pois todo o trabalho de arte contempor-
nea encontra-se camuflado pelas operaes
do mercado de arte, senhor hegemnico do
espao nos circuitos, debates e discusses.
um monoplio. Consequncia imediata
dessa dificuldade de discusso a estagna-
o nas linguagens conhecidas, conduzindo
formao de arqutipos sempre voltados
para as tendncias desse mercado. Isto ,
novo o estabelecido, o consolidado vis-
vel. Assim, as transformaes no se operam,
ou seja, so adiadas o mais possvel, visando a
estabilidade nos processos comerciais.
Roberto Pontual, O parque da arte, Jornal do Brasil,
Artes Plsticas, Rio de Janeiro, 12.5.80
Os responsveis pela formulao terica e
execuo do projeto, Paulo Sergio Duarte e
Ana Maria Miranda, garantem que toda pro-
gramao tem a preocupao de mostrar e
debater aquela arte que no best-seller, que
no pode emergir em razo de interesses de
mercado e que o Projeto Espao ABC est
direcionado no sentido de abrir a discusso
que permanece encerrada nos gabinetes de
trabalho dos pensadores, crticos e criadores,
trazendo-a para junto do pblico universit-
rio. Tudo bem, afora alguns clichs (a conde-
nao ao mercado de arte: nem tudo que
exposto nas galerias do circuito comercial
ruim, nem tudo que est fora bom) e um
mito (o pblico universitrio), o projeto s
merece aplausos desta coluna. Trata-se de
mais um espao alternativo na cidade, de um
esforo para compensar a lacuna da rea ex-
perimental do Museu de Arte Moderna do
Rio. Resta, porm, aguardar os resultados pr-
ticos e torcer para que no haja
defasagem muito grande entre teo-
ria e prtica.
Frederico Morais, Na Catacumba, o ABC
da arte brasileira, O Globo, Artes Plsticas,
Rio de Janeiro, 14.5.80
Capa do catlogo da
exposio Pinturas, de
Carlos Zilio, Espao
ABC MAM-RJ, 1982
121D O S S I E S P A O A B C / F U N A R T E
Arthur Omar (Tristo e Isolda) e Miguel Rio
Branco (Sem ttulo)
- Theresa Simes: Cargas e Luzes
- Everardo Miranda: Esculturas (12.81-1.82)
Pesquisas
- Subsdios histria da arte contempor-
nea: Quase Cinema - Cinema de Artistas no
Brasil, 1970/80 (Coordenao e texto de
Ligia Canongia, filmografia e depoimentos
dos artistas, concluda e editada no Cader-
no de Textos n. 2)
Publicaes
- Caderno de Textos n. 2: Quase Cinema
Cinema de Artistas no Brasil, 1970/80 (Co-
ordenao e texto: Ligia Canongia; Edies
Funarte: 3.000 exemplares)
- Marcelo Nitsche: Fragiles (Cartaz e convi-
te concebidos pelo artista, usando a mes-
ma linguagem e material da exposio)
- Paulo Roberto Leal: A casa (flder com
texto de Frederico Morais; catlogo, con-
vite e cartaz com iconografia referente
mostra, planta da pea apresentada; c-
pias heliogrficas)
- Milton Machado: Conspirao arquitetura
(cartaz/catlogo concebido pelo artista;
fotos: Z Roberto Lobato; Edies Funarte:
800 exemplares)
- Arthur Barrio: Registros de trabalho (ca-
tlogo com texto do artista; fotos: Barrio,
J. C. Marquete e Dominique; Edies
Funarte: 800 exemplares)
- Quase Cinema (lanamento do Caderno
de Textos n. 2 Quase Cinema; pesquisa:
Ligia Canongia; Edies Funarte: 3.000
exemplares; cartaz da mostra; Edies
Funarte: 800 exemplares)
- Theresa Simes: Cargas e luzes (flder
com texto da artista; Edies Funarte:
1.000 exemplares)
- Everardo Miranda: Esculturas (catlogo,
cartaz e convite concebidos pelo artista em
torno do projeto da mostra, com texto de
Um convnio entre a Funarte e a Fundao
Rio possibilitou o lanamento de um proje-
to cultural Espao Arte Brasileira Contem-
pornea visando desenvolver um traba-
lho de reflexo sobre as transformaes e
diferenas de linguagem de arte em nossa
poca. O projeto incluir mostras de arte,
de carter experimental, intercaladas com
palestras e debates sobre a questo da lin-
guagem. O movimento torna-se oportuno,
na medida em que estimula as pesquisas fora
do mercado, criando espaos para propos-
tas que no se vinculam diretamente a pro-
dutos acabados, mas que refletem com-
portamentos reflexivos sobre a permanen-
te atualidade da criao. Sobretudo, como
bem diz o material de divulgao recebi-
do, pretende mostrar e debater aquela
arte que no bestseller.
Walmir Ayala, Espao ABC e a arte experimental, O Dia,
Rio de Janeiro, 25.5.80
Situado no Parque da Catacumba, na La-
goa Rodrigo de Freitas, o Espao de Arte
Brasileira Contempornea (ABC) criado
recentemente est se firmando como uma
alternativa para o pblico interessado em
artes na Zona Sul. No se trata porm de
uma galeria e de um palco convencional.
Trata-se, como diz o nome, de um espao
que, segundo seu coordenador, Paulo Ser-
gio Duarte, pretende veicular a produo das
artes plsticas que no absorvida pelo
mercado e discutir os problemas da arte e
cultura contemporneas, sobretudo as trans-
formaes da linguagem nas diversas reas.
Elias Fajardo Fonseca, Espao ABC As artes florescem
margem da Lagoa. E do mercado, O Globo, Rio de
Janeiro, 12.7.80
Ainda restam lembranas dos 12 mil
favelados que viviam no morro da
Catacumba hoje um parque com o mes-
Cartaz da exposio
de Lygia Clark e
lanamento dos livros
Lygia Clark, da
coleo Arte Brasileira
Contempornea, e
Caderno de Textos 1,
do Espao ABC, 1980
122 A R T E & E N S A I O S - N. 2 0 - J U L H O D E 2 0 1 0
Ronaldo Brito: Situao de arte; fotos: Marko
F4; Edies Funarte: 800 exemplares)
1982
Exposies (MAM-RJ)
- Adriano de Aquino: Pinturas (3-22.8.82)
- Angel Miguez: Esculturas (3-22.8.82)
- Jorge Guinle: Pinturas (26.8-12.9.82)
- Carlos Zilio: Pinturas (26.8-12.9.82)
- Manfredo de Souzaneto: Pinturas/
Forquilhas (16.9-3.10.82)
- Otvio Roth: Criando papis o processo
artesanal como linguagem (MASP: 28.7-
8.8.82; MAM-RJ: 16.9-3.10.82)
- Eduardo Sued: Pinturas (7-24.10.82)
- Evany Fanzeres: Pinturas (19.10-7.11.82)
- Vauluizo Bezerra: Pinturas (19.10-7.11.82)
- Maria Carmen Perlingeiro: Bicho de sete
cabeas (26.10-14.11.82)
- Katie Van Scherpenberg: Pinturas (26.10-
14.11.82)
Pesquisas
- Subsdios histria da arte contempor-
nea: Levantamento da produo de arte
contempornea no Norte (coordenao de
Osmar Pinheiros)
- Arte e instituio: Dossi MAM (levanta-
mento da relao entre arte e instituio
no caso particular do Museu de Arte Mo-
derna do Rio de Janeiro; pesquisadores:
Geraldo Carneiro, Deborah Danowski,
Alfredo Herkenhoff e Elisa Byington)
Publicaes
- Envelope com material das exposies do
Espao ABC em 82:
- Adriano de Aquino: Pinturas (cartaz con-
cebido pelo artista em torno do projeto da
exposio)
- Angel Miguez: Esculturas (cartaz e encarte
com texto do autor)
Capa do Caderno de
Textos 2 Quase Cinema
1981
mo nome no valorizadssimo terreno da
Avenida Epitcio Pessoa. Escadas, restos de
concreto, frondosas mangueiras, jaqueiras e
goiabeiras que formavam o pomar coletivo
podem ser admirados entre as esculturas do
museu ao ar livre. Logo na subida do morro
ngreme, encontra-se o Pavilho Victor
Brecheret onde acontecem semanalmente
intensas e variadas atividades artsticas orga-
nizadas pelo Espao ABC Arte Brasileira
Contempornea.
Rose Esquenazi, Na Catacumba, espao livre aberto s
artes: espetculos, exposies e debates transformaram
a rea da antiga favela em centro de difuso cultural,
Revista Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28.9.80
O mercado de arte se restringe a dois tipos
de valores explica Paulo Sergio. O institu-
do, com artistas j canonizados pelo siste-
ma e o outro, com caractersticas decorati-
vas. Ou seja, existe um mercado mas este
s se interessa por um tipo de produo.
Nosso interesse fazer um trabalho
interdisciplinar de discusso da linguagem das
artes em geral. Visamos produes que, por
sua prpria conceituao, no se insiram no
mercado. Carecemos de reflexo terica.
Existe uma inchao de produo e uma
anemia de reflexo. Aqui no Brasil no exis-
te ainda uma poltica cultural que d apoio
s artes ou que d organicidade a elas.
Pau lo Serg io Duar te apud Rose Esquenaz i , Na
Catacumba, espao livre aberto s artes: espetculos,
exposies e debates transformaram a rea da antiga
favela em centro de difuso cultural, Revista Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 28.9.80
Artista imprevisvel, Antonio Manuel sem-
pre surpreende com suas novas proposies.
Mas se externamente, de um ponto de vista
puramente visual, no se pode falar de um
estilo na obra de Antonio Manuel, a evolu-
o de seu trabalho tem se pautado por uma
grande coerncia interna. Dos flans s arma-
Cartaz do show
Mistrios da
Amaznia
123
- Jorge Guinle: Pinturas (cartaz com texto
A pintura contra a parede, resultado de
entrevista-debate com a participao de
Ronaldo Brito, Tunga, Carlos Vergara e Jor-
ge Guinle)
- Carlos Zilio: Pinturas (catlogo com tex-
to de Jos Antnio B. F. Dias e Laymert
Garcia dos Santos)
- Manfredo de Souzaneto: Pinturas/
Forquilhas (catlogo com texto do artista)
- Otvio Roth: Criando papis o processo
artesanal como linguagem (cartaz conce-
bido pelo artista)
- Eduardo Sued: Pinturas (catlogo com
texto de Ronaldo Brito: O nada pleno)
- Evany Fanzeres: Pinturas (catlogo com
dilogo entre o crtico Frederico Morais e a
artista, Rio de Janeiro, setembro de 1982)
- Vauluizo Bezerra: Pinturas (catlogo com
texto de A.L.M. Andrade)
- Maria Carmen Perlingeiro: Bicho de sete
cabeas (catlogo com desenhos da artis-
ta)
- Katie Van Scherpenberg: Pinturas (cat-
logo com textos de Paulo Herkenhoff: A
queda de caro e O enredamento
pseudomstico da matria na procisso de
Corpus Christi)
Cursos
O processo de fabricao artesanal de pa-
pel, ministrado pelo artista Otvio Roth e
pela pesquisadora Lilian Bell, MAM-RJ (14
e 15.8.82) e, somente pelo artista, Arma-
o oficinas de Arte (11 e 12.12.82); Pin-
tura: instrumentos e materiais fabrica-
o, ministrado pelo artista Manfredo de
Souzaneto (20.9-1.10.82)
1983
Exposies
- Carmela Gross: Quasares (MAM-RJ: 18.8-
7.9.83; CCSP: 13.9-12.10.83)
- Carlos Pasquetti: Desenhos (MAM-RJ: 1-
25.9.83; CCSP: 18.10-18.11.83; Margs: 7-
21.12.83)
es, por exemplo, o caminho bastante
lgico. Contudo, poder-se-ia dizer que este
trabalho recente de Antonio Manuel, deno-
minado Frutos do espao mais aberto e
generoso que os anteriores, pois no o
artista, digamos assim, que se expressa, mas
o espectador. Com suas armaes, ele tra-
balha a virtualidade da imagem, continuamen-
te renovvel, sempre que houver um espec-
tador disposto a participar do jogo imagina-
tivo por ele proposto. A arte se insere, na
paisagem, como uma frgil membrana, de
maneira to orgnica e sutil como uma leve
brisa ou aragem. Por pouco, nem percebe-
mos sua existncia.
Frederico Morais, Frutos do espao: a virtualidade da
imagem, O Globo, Rio de Janeiro, 7.11.80
Agora, no Espao ABC, Tunga atravs do
feltro e da borracha, pregando nas escultu-
ras negras e brancas, luzes e um exaustor,
recria um ambiente que mais uma vez no
uma representao de imagem do desejo,
mas uma formalizao plstica, desprovida
de uma significao imediata, que poderia
iludir o espectador. Como diz, no catlogo
Ronaldo Brito, a questo no decifr-la e
sim experiment-la. Ou seja, compreender
na objetividade fsica de obra, a experincia
visvel das manifestaes inconscientes como
se o trabalho fosse uma plstica do desejo e
no a descoberta de sua ntima significao.
Wilson Coutinho, Potica do desejo, Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, 22.11.80
Ou seja, o espectador comum dirige-se ao
Pavilho Victor Brecheret, na Lagoa, buscan-
do o fetiche da arte, a aura do artista, o
didatismo do crtico. Mas o Espao ABC no
se prope a nada disso, no se prope a
expor mais a arte moderna (velha j de um
sculo), nem mesmo as formas j cataloga-
das de arte ps-moderna, de antiarte j devi-
D O S S I E S P A O A B C / F U N A R T E
124 A R T E & E N S A I O S - N. 2 0 - J U L H O D E 2 0 1 0
- Luciano Pinheiro: Arqueologia do futuro
(MAM-RJ: 1.9.83; MAC-USP)
Publicaes
- Caderno de Textos n. 3: Semana de Arte
Moderna: 60 anos Ensaios sobre o Moder-
nismo (textos de Srgio Tolipan, Ronaldo
Brito, Sophia S. Telles, Silviano Santiago,
Jos Miguel Wisnik e Paulo Herkenhoff;
parte das comemoraes dos 60 anos da
Semana de Arte Moderna, realizada pelo
Inap/Funarte)
- Caderno de Textos n. 4: Arte e filosofia
(documentao das palestras dos filsofos
Emmanuel Carneiro Leo, Gerd Bornheim,
Grard Lbrun e Jos Arthur Giannotti,
realizadas em junho/julho de 1980, no Es-
pao ABC)
- Carmela Gross: Quasares (flder com ima-
gens de trabalhos)
- Espao NO: documentao das atividades
desenvolvidas no Rio Grande do Sul. Lan-
amento seguido de performances de Ro-
grio Nazari e de Carlos Wladimirsky, e
palestra de Vera Chaves Barcellos
Mostra de Filmes/Debate
- Quasi Cinema / Hlio Oiticica filmes de,
com e sobre: fotografias da exposio de
Hlio Oiticica na Galeria White Chapel, em
Londres, e exibio de seus filmes, na
Cinemateca do MAM-RJ: Agripina Roma
Manhattan (Nova York, 1972), Tmbulos,
Orculo e Helena Inventa ngela Maria
(Nova York, 1975); Super Hlio na Ponta de
Pepa, de Maurcio Cirne; Kleemania, de
Snia Miranda (corredor da Cinemateca, 28-
31.10.83). Mostra de filmes: Arte Hoje, de
Antonio Manuel, e Estrangulador da loucu-
ra, de Jlio Bressane (28.10.83); HO, de
Ivan Cardoso, e Gigante da Amrica, de
Jlio Bressane (29.10.83); Arte pblica, de
Sirito, Apocalipoptese, de Raimundo Ama-
do, Loucura e cultura, de Antonio Manuel,
e Dr. Dionsio, de Ivan Cardoso (30.10.83).
Debate sobre Hlio Oiticica, no auditrio
da Cinemateca do MAM, com Lygia Pape,
Luciano Figueiredo, Carlos Zilio, Neville
damente assimilada pelo sistema. O que pro-
pe trabalhar o limite entre o que arte e
o que no , ou seja, trabalhar uma situao
de fronteira, onde qualquer deslocamento
arriscado, qualquer definio temerria.
Frederico Morais, Tunga no Espao ABC, O Globo, Ar-
tes Plsticas, Rio de Janeiro, 24.11.80
Uma exposio de Lygia Clark, com lana-
mento de um livro sobre a obra da artista
plstica e do primeiro volume dos Cader-
nos do Espao ABC, dia 15 de dezembro, s
18h30m, marcar a transferncia do Espao
Arte Brasileira Contempornea, do Parque
da Catacumba (av. Epitcio Pessoa, 3000,
Lagoa) para a sede da Funarte, na rua Ara-
jo Porto Alegre, 80, Centro. O antigo espa-
o, entretanto, ainda receber uma ltima
exposio antes de ser desativado: a do es-
cultor Jos Resende, que ser inaugurada no
dia 16 e permanecer at 31 de janeiro (...)
Press-release, disponvel na pasta do Projeto ABC, no
Cedoc da Funarte
A institucionalizao da arte experimental,
atravs da criao do Espao ABC, pode ser
considerada um ponto a favor para a atual
administrao da Funarte. Nascida nos anos
60, como um mdulo experimental som-
bra do MAM, com a participap de
Frederico Morais, Cildo Meireles, Luiz
Alphonsus e Guilherme Vaz, conseguiu, du-
rante a dcada de 70, ocupar o MAM e, ago-
ra, se integra, talvez definitivamente, aos bra-
os mais ricos do Estado. Mas, foi a criao
do Espao, que permitiu, num ano, a mostra
de trabalhos de artistas como Paulo
Herkenhoff, Tunga, Jos Resende, Antonio
Manuel, alm de abrigar as es-
culturas de Srgio Camargo.
O problema do espao ABC
era o local e o Pavilho
Cartaz do show de Sivuca,
Programa RioArte
Instrumental Parque
Carlos Lacerda/
Catacumba, a partir de
trabalho de Ins de
Arajo
125
dAlmeida, Jlio Bressane, Ivan Cardoso e
Wally Salomo (31.10.83)
Conferncias e debates
Arte e arquitetura: em parceria com a re-
vista Mdulo, realizado no Centro Cultural
Cndido Mendes, com os temas Perspecti-
va Histrica da Arte e da Arquitetura
(20.5.83); Insero Social do Artista e do
Arquiteto em seus Produtos (23.5.83); Lin-
guagem da Arte e da Arquitetura e seu Con-
vvio (24.5.83); Formao do Artista e do
Arquiteto (26.5.83); Arte Contempornea
e Arquitetura Contempornea (27.5.83).
Entre os debatedores estavam Ronaldo
Brito, Ferreira Gullar, Lina Bo Bardi, Jorge
Czajkowski, Jos Resende, Ermbia
Maricato, Cildo Meireles, Carlos Nelson dos
Santos, Carlos Vergara, Sophia Teles, Joa-
quim Guedes, Edgar Graef, Srgio Camargo,
Fernando Burmeister, Joo Filgueiras Lima,
Paulo Sergio Duarte, Fbio Penteado, Italo
Campofiorito, Tunga, Jorge Glusberg e
Gofredo lomni.
1984
Exposies
- Nelson Augusto: (MAM-RJ: 14.6-5.7.84;
MAC-USP: 5.11-8.12.84)
- Joo Gril: (MAM-RJ: 14.6-15.7.84; MAC-
USP: 5.11-8.12.84)
- Vera Chaves Barcellos: (MAM-RJ: 19.7-
19.8.84; MAC-USP: 5.11-8.12.84)
- Mrio Cravo Neto: (MAM-RJ: 19.7-19.8.84;
MAC-USP: 5.11-8.12.84)
- Cildo Meireles: Desvio para o vermelho
(MAM-RJ: 27.9-28.10.84; MAC-USP: 5.11-
8.12.84)
- Emil Forman: Retrospectiva (MAM-RJ:
27.9-28.10.84; MAC-USP: 5.11-8.12.84)
- Nelson Leirner: O grande desfile (MAM-
RJ: 25.10-25.11.84; MAC-USP: 5.11-8.12.84)
- Carlos Fajardo: (MAM-RJ: 5.11-8.12. 84;
MAC-USP: 27.9-28.10.84)
Capa do Caderno de
Textos 3 Sete ensaios
sobre o Modernismo,
1983
Capa do Caderno de
Textos 4 Arte e
filosofia, 1983
Brecheret que abrigava as obras expostas.
Um espao improvisado e um local de difcil
acesso. Bem que sua administrao procu-
rou movimentar o local, carregando para l
shows de msica ou conferncias. Critica-
se, com razo, a falta de didatismo como as
obras eram servidas para o minguado e po-
bre espectador, que por l viesse bater s
suas portas. Com um pouco de engenho,
isto poder ser sanado para o prximo ano,
quando o Espao ABC sofrer um desloca-
mento espacial, indo habitar a sede da
Funarte, na antiga galeria Jurandir Noronha.
Como no se deve considerar como uma
grande vantagem o fato de as artes plsticas
no serem vistas, o novo local poder pro-
piciar, alm dos embates de linguagem, a
possibilidade de existncia dos olhares do
pblico.
Wilson Coutinho, Um ano sem grandes mostras salvo
por pequenas exposies, Jornal do Brasil, Caderno B,
Rio de Janeiro, 3.1.81
Outro trabalho de Jos Resende um agre-
gado de pedras amarradas por cordo de
couro que lembra um divertido comentrio
em relao escultura monumental ou, em
outro trabalho, um tubo de borracha envol-
vido num plstico de vinil pregado na pare-
de, uma sugesto sexualidade. Mas sero
esses trabalhos esculturas realmente? Elas,
como muitos trabalhos da vanguarda atual,
funcionam como meticulosas comdias da
arte. Esses trabalhos exibem, sobre o enre-
do bem construdo e j bem conhecido da
histria da arte moderna, pequenas impro-
visaes, que alteram o sentido do passado,
o tornam presente e so as obras de hoje,
mantidas pelo olhar irnico que j percebeu
que essa histria a de uma constante re-
cuperao institucional.
Wilson Coutinho, Jos Resende e as esculturas irnicas,
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5.2.81
D O S S I E S P A O A B C / F U N A R T E
126 A R T E & E N S A I O S - N. 2 0 - J U L H O D E 2 0 1 0
Publicaes
- Nelson Augusto: (flder com citaes de
frases de vrios artistas)
- Joo Gril: (flder com imagens de tra-
balhos)
- Vera Chaves Barcellos: (flder com texto
de Ana Hause Brody: Arte como experin-
cia interdisciplinar)
- Mrio Cravo Neto: (flder com textos de
Attilio Colombo e Walter Zanini)
- Cildo Meireles: Desvio para o vermelho
(flder com texto de Ronaldo Brito: Desvio
para o vermelho)
- Emil Forman: Retrospectiva (catlogo com
depoimentos de Antonio Manuel, Luiz
Ferreira, Paulo Garcez, Tunga, Paulo
Herkenhoff, Ronaldo Brito, Waltercio Cal-
das, Frederico Morais e Cildo Meireles;
curadoria de Antonio Manuel, Luiz Ferreira
e Dora Forman Vilaa)
- Nelson Leirner: O grande desfile (flder)
- Carlos Fajardo: (flder com imagens de
trabalhos)
- Ciclo Nacional de Performances: (envelo-
pe com pranchas sobre cada participante)
Eventos
- Ciclo Nacional de Performances: Espao
Funarte So Paulo (3-5.8.84), com Artur
Matuck, Carlos Wladimirsky, Edgar Ribei-
ro, Eduardo Barreto, Guto Lacaz, Ivald
Granato, Jos Eduardo Garcia de Moraes,
Os Corsini, Paulo Bruscky, Paulo Yutaka,
Rogrio Nazari e Tomoshigue Kusuno
- Quasi Cinema / Hlio Oiticica: CCSP Arte
Hoje, de Antonio Manuel, e Estrangulador
da loucura, de Jlio Bressane (2.1.84); HO,
de Ivan Cardoso, e Gigante da Amrica, de
Jlio Bressane (3.1.84); Apocalipoptese,
de Raimundo Amado, e Loucura e cultura,
de Antonio Manuel (4.1.84); Arte pblica,
de Sirito, e Dr. Dionsio, de Ivan Cardoso
(5.1.84)
Na atual exposio vemos, numa foto,
Barrio demonstrar que atirou de um lugar
um dardo sobre o mapa. Ou mostra uma
ao realizada, em 1974, que o deslizar de
um corte de tesoura numa tela. Em outro
trabalho amarra numa rvore em qualquer
lugar de Portugal um rabo de bacalhau. Fin-
ca num bloco de gordura uma faca. Em ou-
tro trabalho percorre quatro tonis em cin-
co segundos. Armando essas situaes, Barrio
procura dissolues de comportamentos
estticos e mesmo do indivduo. Nesse senti-
do, o seu trabalho convidativo para avaliar o
prprio comportamento da arte e principal-
mente o do seu segmento experimental. E
tambm promover uma reflexo sobre esse
tipo de manifestao, que podendo estar em
todos os lugares um s necessariamente a
abriga: as galerias ou museus. Ns vemos os
seus registros. Isto , ns no vemos, de fato,
toda a ecloso da obra. Essa situao para-
doxal e cmica de ver o que no podemos
ver totalmente, esse visvel e invisvel, apare-
cido sobre a forma do documento e pela
austera memria da obra, acaba no sendo
uma dissoluo esttica. Talvez, ao contr-
rio, seja a afirmao de sua mais antiga
impregnncia mtica, quando ela era um ri-
tual sagrado numa caverna escura. eviden-
te que o artista no dana para capturar
bisontes, mas o mundo industrial oferece ou-
tras caas, uma psicologia dissolvida nas mas-
sas (Barrio jogou trouxas sangrentas nas ci-
dades), esses objetos da indstria ou elemen-
tos da natureza captveis na sua energia. In-
visveis, os trabalhos so documentos de uma
situao sem memria. Contemporanea-
mente, tais obras mostram como o artista
convidado, sem desejar, a utilizar-se
miticamente do poderio da arte, para
desfaz-la. em cima desse mecanis-
mo que a obra de arte experimen-
tal procura o seu equilbrio. Ten-
so [de] que o trabalho de Barrio
necessariamente participa.
Ciclo Nacional de
Performances
Espao Funarte So
Paulo, 1984
127
Wilson Coutinho, Os registros de Barrio, Jornal do Bra-
sil, Rio de Janeiro, 18.781
O Espao ABC foi criado em 1980 pela
Funarte e dispe de um projeto de exposi-
es, debates e pesquisas sobre as transfor-
maes da linguagem na arte e na cultura,
Atualmente, ele um projeto comum de
trabalho, na rea de exposies e confern-
cias, do Instituto Nacional de Artes Plsticas
daquele rgo e do qual participa tambm
o MAM.
Carlos Zilio e Jorge Guinle Filho, no MAM, ltima Hora,
Artes Plsticas, Rio de Janeiro, 25.8.82
Discusso do problema tambm a suges-
to do artista plstico Jos Resende, escul-
tor de vanguarda, que de qualquer forma
acha correta a atuao da Funarte no setor.
As exposies feitas no Rio pelo Projeto
ABC, na sua opinio, permitem uma com-
preenso mais acertada, mais precisa do que
se produz contemporaneamente em arte no
Pas. Lamenta que esta seja uma iniciativa
isolada e parte dela ao colocar suas pro-
postas em relao s atividades da Funarte:
preciso criar condies para que projetos
como este saiam da esfera restrita do Rio
de Janeiro.
Cida Taiar, Mudana total, pedem os artistas, Folha de
S. Paulo, So Paulo, 25.11.82
Desde que foi criado, o projeto de Msica
Instrumental (apresentado todos os domin-
gos no Parque Carlos Lacerda) teve vrios
perodos. Em 1980, quando comeou, como
parte do projeto ABC (Arte Brasileira Con-
tempornea), de Paulo Sergio Duarte, a ideia
era levar ao pblico as produes musicais
com uma esttica contempornea, que no
tinham lugar para se apresentar. Estilos mu-
sicais de vanguarda, como a msica
eletroacstica, poderiam ser mostrados ao
pblico. O ano de 80 foi bastante irregular,
segundo a diretora do projeto, Lilian
Zaremba, pois faltava dinheiro para realizar
os shows, com tudo a que os msicos tm
direito: palco, instrumentos e iluminao
adequados. Em 81, o Msica Instrumental se
desvinculou do ABC, passando a ter verba e
estatuto prprios.
Catarina Figueiredo, Projeto Msica Instrumental: des-
conhecidos ou famosos, todos tm vez no Parque Carlos
Lacerda, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22.12.82
Carmela Gross, com a mostra Quasares,
a artista convidada para inaugurar (...) no
Centro Cultural So Paulo, as atividades do
Espao Arte Brasileira Contempornea, um
projeto de exposies, debates e pesquisas
sobre as transformaes de linguagem na
arte e na cultura. O Espao tambm preten-
de incentivar a exibio da arte contempo-
rnea. Inaugurado em 1980 na Funarte do
Rio, ele amplia agora seu raio de atuao
para outros estados.
Tcnicas variadas nas mostras, Folha de S. Paulo, So
Paulo, 13.9.83
Carlos Pasquetti expe (...) no Museu de
Arte do Rio Grande do Sul, sua produo
mais recente em desenhos a pastel. A mos-
tra, que j esteve este ano no Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro e no Centro
Cultural So Paulo, inaugura no Margs o Es-
pao Arte Brasileira Contempornea (Espa-
o ABC), um convnio com o Instituto Na-
cional de Artes Plsticas (Inap) da Funarte.
O objetivo do novo espao divulgar as
atuais pesquisas de linguagem visual, promo-
vendo o debate e a reflexo sobre os novos
rumos da arte.
Anglica de Moraes, Pasquetti inaugura espao de arte
contempornea no Margs, Zero Hora, 2o
Caderno, Por-
to Alegre, 5.12.83
D O S S I E S P A O A B C / F U N A R T E
128 A R T E & E N S A I O S - N. 2 0 - J U L H O D E 2 0 1 0
No esquecer que em 1980
ningum poderia imaginar que existiria
no Brasil um lugar como Inhotim
Entrevista de Paulo Sergio Duarte a Ivair Reinaldim, no Rio de Janeiro, em 7 de maio
de 2010.
Ivair Reinaldim Em 1980, numa entrevista, voc afirmava que Aqui no Brasil no existe
ainda uma poltica cultural que d apoio s artes ou que d organicidade a elas. Em sua
opinio, o que mudou de l para c?
Paulo Sergio Duarte De 1980 para c o mundo mudou muito. O mundo estava se prepa-
rando para uma transformao muito profunda: os hippies em grande declnio e os yuppies
em plena ascendncia. Logo depois vm Margaret Thatcher e Ronald Reagan na direo de
uma nova poltica internacional, sobretudo com transformaes importantes do ponto de
vista do thatcherismo, de ruptura muito radical com as conquistas do trabalhismo na Gr-
Bretanha do segundo ps-guerra. Mais tarde, em 1989, houve a queda do muro de Berlim,
logo depois o fim da Unio Sovitica. Nesse perodo de 30 anos, realmente houve grandes
mudanas no mundo. E o Brasil no podia ficar fora disso. O Brasil tambm mudou muito.
Em 1980 vivamos a poltica de abertura do regime militar, e, do ponto de vista da poltica
das artes, acredito que a maior mudana no Brasil ocorreu a partir do incio dos anos 90,
com a promulgao da lei de incentivo cultura, conhecida como Lei Rouanet, uma vez
que, em termos prticos, a Lei Sarney no tinha sido viabilizada. Com a Lei Rouanet, depar-
tamentos de marketing das grandes corporaes, pblicas ou privadas, passam a ocupar um
lugar preponderante na aprovao ou no de projetos de renncia fiscal, formulando gran-
de parte da poltica cultural do pas em termos de programaes de eventos, sempre den-
tro de suas prioridades.
Houve, ento, uma retrao da presena do Estado na formulao de polticas pblicas, em
decorrncia do volume de recursos aportados pela lei de incentivo cultura, atravs da
renncia fiscal, sobretudo no perodo de oito anos do Governo Fernando Henrique Cardo-
so. A partir de 2003, com a mudana de governo do PSDB para o PT, assistimos a uma volta
da presena do Estado, mas fazendo o elogio da disperso. Acredito que isso se justificava
no incio, para que essas pessoas que estavam pela primeira vez ocupando cargos federais
tomassem conhecimento no s de um territrio desconhecido, em termos de aes go-
vernamentais, como tambm de certas presenas de comunidades mais frgeis, que no
teriam possibilidade de acesso a organismos do governo, muito menos a departamentos de
marketing. Essa ao teve certa pertinncia no incio do governo. Pena que ela se manteve
ao longo dos oito anos e no se aproveitou o levantamento feito no incio para criar focos
precisos, para dar organicidade a uma poltica cultural para as mais diversas reas.
Contudo, houve um avano importante, a meu ver, na rea de preservao de patrimnio
cultural, particularmente por causa do decreto de agosto de 2000, de Fernando Henrique
129
Cardoso, assinado pelo ministro Francisco Weffort. Surpreendentemente, o Governo
Fernando Henrique em nenhum momento at o final de seu mandato se utilizou desse
decreto, s usado no governo seguinte. A legislao do patrimnio imaterial do governo do
PSDB foi bem operacionalizada por esse novo governo. No posso falar da rea de dana,
teatro, msica, porque no as acompanhei de perto. Acompanhei mais essa do patrimnio
cultural, tanto material quanto imaterial, e a poltica de artes visuais. J esta ltima pratica-
mente no existe. Est em constante discusso com cmaras setoriais, assembleias, grupos
de discusso, conselhos e comisses. Mas chegou-se ao final do governo sem que se tivesse
formulado uma poltica especfica para as artes visuais.
O caso das artes visuais merece ateno particular, porque temos no Brasil uma formao do
olhar contemporneo muito forte e ditada pela indstria cultural, pelos grandes meios de
comunicao de massa. Temos uma excelente televiso, particularmente a Rede Globo. Em
termos de veculo de televiso aberta, temos elevada qualidade no s de forma, mas tambm
de contedo. Sei que no feita para ns, acadmicos, para ns, universitrios, mas, se pensar-
mos no conjunto da populao brasileira, a Rede Globo um veculo de comunicao aberta
de altssima qualidade. Com esses padres estabelecidos ficou muito mais difcil tirar mais-valia
do olho do pobre do que com os padres estabelecidos por outros canais mais populistas,
que apelam mais. Em compensao, o que se tem que isso estabelece um padro esttico
de norte a sul do pas, que respeita as diferenas, no apenas tnicas ou culturais, mas sobre-
tudo diferenas da inteligncia do olhar no mundo contemporneo.
Por sua vez, as artes visuais seriam um campo em que certo grau de experimentao, de
experimentalidade, ainda sobrevive, o que contribui para uma formao mais completa do
cidado. Da a importncia de uma poltica nacional de museus, de bolsas de arte para
artistas e pesquisadores no campo das artes visuais, da alocao de fundos para a aquisio
de obras de arte e criao de acervos regionais e nacionais. Esse conjunto de medidas no
foi tomado ao longo desses anos. Os dois ou trs primeiros anos de um governo que durou
oito eram suficientes o bastante para esse diagnstico, para detectar e criar certas priorida-
des, no caso exclusivo das artes visuais.
Evidentemente, existem certas distores nas diversas leis de incentivo cultura. Se um
grupo resolve construir um museu, ele tem direito a 75% de renncia fiscal, e 25% tem que
ser aporte do grupo. Quem faz um filme tem direito a 125% de renncia fiscal; ou seja, pela
lei do audiovisual, o que se aplica no filme d direito a recuperar aquilo e mais 25% em
iseno de impostos para o governo federal. Isso j uma diferena. Se o sujeito vai cons-
truir um museu de arte, est com 50% de desestmulo em relao a quem vai financiar um
filme, porque a perda real dele da ordem de 50% do capital aportado, por conta dessa
diferena entre as leis de incentivo cultura e do audiovisual. Essas distores poderiam ser
corrigidas. Houve tempo suficiente para isso. No precisamos de uma ditadura de 16, 24
anos para resolver certos problemas que podem ser diagnosticados em dois ou trs anos e
ser resolvidos, sobretudo, quando h possibilidade de reeleio.
Por fim, nessa poca, h 30 anos, falava-se em organicidade da poltica das artes no Brasil em
termos sonhadores e mais ou menos utpicos. Hoje bastaria ter o mnimo de organicidade
e j estaria satisfeito. Mesmo assim, volto a insistir: as artes visuais tm que ser objeto de
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130 A R T E & E N S A I O S - N. 2 0 - J U L H O D E 2 0 1 0
uma ateno especfica para essa questo de um olhar constitudo por um padro esttico
hegemnico, que reconheo de alta qualidade, mas que no corresponde importncia das
enormes diferenas com que a inteligncia do olhar precisa estar sendo alimentada no
cotidiano de uma sociedade contempornea.
Vejo tambm que h uma desateno muito bvia. Tenho insistido no caso paradigmtico
do Museu de Arte de Braslia, que se encontra fechado, sem poder receber visitantes, num
prdio que est interditado. Esse prdio, que fica na margem do Lago Norte, era o antigo
Clube das Foras Armadas, depois transformado em Casaro do Samba e finalmente, em
1985, em museu de arte. Se o estatuto da arte na capital do pas esse, no podemos
esperar muito. No culpa desse governo. Lembro que passaram 13 presidentes da Rep-
blica por Braslia, desde Juscelino Kubitschek at hoje, sem contar Ranieri Mazzilli, logo de-
pois do golpe militar, e a troica dos ministros militares, no intervalo entre a doena de Costa
e Silva e a posse de Garrastazu Mdici. Tirando esses dois governos provisrios, foram 13
presidentes, e ningum deu ateno a isso. Quer dizer, h um problema que realmente
merece a ateno dos artistas, dos historiadores da arte, dos crticos, dos colecionadores,
do pblico que se interessa por arte. Para examinar apenas esse caso, que se reproduz com
ligeiras diferenas e salvo honrosas excees mais ou menos pelo Brasil inteiro. Chamo a
ateno para ele apenas pelo fato de estar na capital.
IR Como sua experincia junto ao planejamento e implementao do Ncleo de Arte
Contempornea (NAC) da Paraba foi importante para a elaborao do Espao ABC aqui
no Rio de Janeiro mais tarde?
PSD Num primeiro momento, em ambos os trabalhos, tive a parceria e o incentivo muito
forte de um grande amigo, o artista plstico Antonio Dias. Ele foi meu parceiro no projeto
do NAC e me incentivou muito a apresentar o ABC para o ento ministro da Educao e
Cultura, Eduardo Portella, e ao diretor executivo da Funarte, Roberto Parreira.
O NAC foi muito importante pelos erros que cometi. Era uma conjuntura pessoal particular-
mente difcil para mim porque tinha passado quase nove anos oito anos e 11 meses fora
do Brasil e acelerei minha volta porque meus pais estavam muito doentes. Eles moravam no
Rio de Janeiro e quando cheguei, fui conhecer o estado em que havia nascido. Havia sado
com dois meses de idade de Joo Pessoa, na Paraba, e retornado duas vezes em perodo de
frias, uma com 12 e outra com 16 anos. Ento, esse perodo do NAC, que vai de 78 at 79,
me ensinou muito, como deveria fazer certas coisas e como no deveria fazer outras. No do
ponto de vista da programao do NAC, que teve uma razovel qualidade. Acho s que
poderia ter sido mais balanceada com artistas locais.
Uma coisa que guardo na memria foi no ter podido dar
ateno a uma exposio do Cildo Meireles no NAC.
Confiei a produo inteiramente pequena estrutura que
tnhamos l, e a coisa no vingou. Estava muito preocupa-
do com um problema pessoal e acabei no dando a aten-
o merecida. Mas houve erros e acertos. O NAC foi im-
portante como marco do que depois viria ocorrer 10, 15
anos mais tarde, com mais fora em Recife do que at
Registro do show de
Hermeto Paschoal
Espao ABC Parque da
Catacumba, 6.9.1980
131
mesmo em Joo Pessoa, que era uma abertura inevitvel para novas linguagens na arte
contempornea. Na poca havia uma resistncia muito forte a essas novas linguagens, devi-
do ao forte apego a questes tradicionais de medium a pintura, a gravura, etc. O NAC
cumpriu um papel importante como ncleo pioneiro nesse debate.
Em termos pessoais, o NAC foi muito importante tambm para a formulao do ABC. Neste
ltimo, contava com uma conjuntura particularmente favorvel. Roberto Parreira, diretor exe-
cutivo da Funarte, era um autntico liberal. No esses liberais na economia que quando vo
para a poltica so uns autoritrios. Ele foi muito receptivo ao trabalho, e, quando vi a situao
toda da Funarte no antigo prdio, achei que o programa no deveria comear l dentro
porque iria gerar muita resistncia. Sugeri que fosse feito fora, em parceria com a Prefeitura do
Rio de Janeiro, e Roberto aceitou. A contei com outra ajuda importante. Quem me apoiou
muito nessa poca de minha chegada na Funarte foi a escritora Ana Maria Miranda, que dirigia
a Diviso de Multimeios, mais tarde Departamento de Editorao da Funarte. Ela me deu
apoio integral para conhecer a instituio e seus mecanismos de funcionamento.
Ns tnhamos uma chance de atuao nica. Tambm havia a sorte e as coincidncias. Na
Prefeitura estava Israel Klabin e na presidncia da ento Fundao Rio, que mais tarde veio
a se chamar Instituto Municipal de Cultura RioArte, o escritor Rubem Fonseca, que foi
muito receptivo proposta do ABC. A receptividade foi to grande, que ele me ofereceu
dois lugares. Voc escolhe: o prefeito aceita que voc faa no Palcio da Cidade, ali na Rua
So Clemente, ou no Parque da Catacumba. O que voc prefere? Respondi no Parque da
Catacumba, devido ao tipo de pessoa que iria frequentar o ambiente.
E depois tinha a possibilidade da msica instrumental, graas presena de Lilian Zaremba
na Fundao Rio, algum que poderia formular uma programao musical de elevada quali-
dade. Esse aprendizado foi importante para mim: conjugar um programa que no fosse s
de exposies de arte, mas fazer o pblico da msica visitar uma exposio. Uma quantida-
de elevada daquelas pessoas que iam nos finais de semana, depois da praia, assistir aos
concertos de msica instrumental, popular e erudita, produziria essa interao.
E havia tambm as sries de palestras, de conferncias com temas especficos, com conferen-
cistas da mais elevada estatura, para os mais diversos temas. Em 1980 tudo ocorreu no Parque
da Catacumba. S em 1981 que colocamos o programa dentro do MAM-RJ e, em 1982, na
Funarte (mais tarde o ABC voltaria ao MAM) e assim mesmo ainda havia reaes. Era uma
estratgia de chegada fsica dentro da instituio com suas consequncias simblicas.
IR Para voc, quais as diferenas existentes em relao s
propostas da rea Experimental do MAM-RJ e do Espao
ABC da Funarte?
PSD Em 1977, havia passado rapidamente pelo Rio e vi uma
exposio importantssima sobre o construtivismo brasileiro
no MAM, feita por Aracy Amaral. Mas logo voltei para Paris.
Estava preparando minha volta definitiva quando recebi a
notcia do incndio do MAM. Assim, no cheguei a conhe-
cer a experincia da Sala Experimental. Quem cobriu o v-
D O S S I E S P A O A B C / F U N A R T E
Cartaz do seminrio
Sobre Msica
Debates
132 A R T E & E N S A I O S - N. 2 0 - J U L H O D E 2 0 1 0
cuo criado pelo incndio, no perodo pelo menos de 1978 at 1980, foi o Centro Cultural
Cndido Mendes, com curadoria de Maria de Lourdes Coimbra Mendes de Almeida. O
Centro Cultural e os andares alugados pela universidade funcionavam no prdio do cinema
Pax, que no existe mais, onde hoje o Frum de Ipanema, um shopping com salas de
escritrio em cima. Ali foram realizadas exposies importantes, como O Sermo da Mon-
tanha Fiat Lux, de Cildo Meireles, Plpebras, de Tunga, O po nosso de cada dia, de Anna
Bella Geiger. Quando formulei o ABC no era tanto para preencher a lacuna da Sala Expe-
rimental do MAM. Era mais a formulao de uma poltica de arte contempornea para uma
instituio de mbito nacional, que era a Funarte; embora isso comeasse muito timidamen-
te, em termos de Rio de Janeiro. Mas era a possibilidade de levar essa discusso para o
mbito de uma instituio do alcance e do peso que a Funarte tinha na poca, que muito
diferente da situao de hoje.
IR Poderamos pensar o Espao ABC como um estratgia que daria incio a um proces-
so de tomada de posio da instituio pblica, em nvel nacional, frente arte contem-
pornea brasileira?
PSD Das questes que at hoje so debatidas sobre a diferena entre o moderno e o
contemporneo, de como tratar essa coisa chamada ps-moderno ou contemporneo ou
o nome que quiserem dar, e que no pode mais se colocar [no mundo] como um Picasso,
um Braque ou um Mondrian. Sem dvida, ele o incio de uma estratgia de discusso de
alargamento, de amplificao dessa discusso, numa instituio federal de mbito nacional.
IR Em sua opinio, at que ponto o contexto poltico transitrio (ditadura, anistia, abertura)
foi importante nesse processo?
PSD Mais do que para o ABC, foi importante para a Funarte. Sem dvida alguma isso j
consenso , ela uma estratgia do Governo Geisel para reestabelecer um dilogo mais
prximo com a sociedade civil. Se h uma fissura muito forte entre Estado e sociedade, a
cultura campo profcuo para reestabelecer esses laos. A Funarte criada claramente com
essa funo.
E haja vista que no houve impedimento maior para que pessoas que tinham ficha poltica
no DSI, Departamento de Segurana Interna, trabalhassem l dentro. No podiam ocupar
certos cargos, evidentemente, porque o ministro no podia nomear pessoas que tivessem
seu nome negado pelo DSI. E isso at o final do governo. Ento, meu nome no podia ser
levado para o ministro da Educao, general Rubem Ludwig, para ele me nomear para o
Instituto Nacional de Artes Plsticas, Inap. Mas eu podia ser nomeado diretor substituto
embora no tivesse nenhum diretor efetivo , porque no era um ato do ministro. E o
ministro acordando com tudo. Como isso era um ato do Aloisio Magalhes, presidente da
Funarte, acumulando essa funo na situao de secretrio de Cultura do Ministrio da
Educao e Cultura, e de Mario Brockman Machado, como diretor executivo, esses atos
no passavam pelo DSI. E eu podia ser nomeado presidente da Comisso Nacional de
Artes Plsticas, porque era um ato de secretrio, e no de ministro.
Havia, evidentemente, uma poltica de abertura, mais para a Funarte do que para o ABC.
Isso dentro de algumas ingenuidades de uma pessoa com a minha origem, com a informa-
133
o poltica que tive e tenho. Quando voc v todos os catlogos do ABC, a ficha tcnica
dos membros da equipe dada por ordem alfabtica. No existem funes ali dentro.
Foram-me concedidas duas ou trs vagas para que pudesse trazer pessoas de fora da Funarte
para trabalhar no projeto. A primeira pessoa que trouxe para trabalhar comigo foi Glria
Ferreira, porque a conhecia, sabia quem era, era minha amiga. Conhecia o trabalho dela, e,
embora nos anos 70 estivesse muito voltada para a fotografia, ela se apaixonou rapidamen-
te pelo campo das artes visuais. E voc olha l a equipe e no tem isso de Paulo Sergio
Duarte, o curador, o coordenador. Voc olha os catlogos, e est em ordem alfabtica. Essa
forma de organizar era para dar prioridade questo da estratgia poltica. Outra coisa era
no dar margem a supor, de maneira nenhuma, que estivesse usando aquilo como ponte
para meu prprio trabalho. Nunca precisei dessas coisas. Tanto que no h texto meu em
nenhum catlogo, embora tivesse texto sobre aqueles artistas em catlogos de exposio
em outros locais. Por exemplo, na exposio do Tunga na Cndido Mendes, o texto meu,
mas na exposio dele no ABC o texto do Ronaldo Brito. Hoje diferente, mas naquela
poca levava isso muito em considerao.
IR Durante a dcada de 1970 ocorre um forte debate em relao ao campo da arte con-
tempornea e o circuito de arte no Brasil, em relao ao qual podemos citar Malasartes
como uma das estratgias mais importantes do perodo, atuao conjunta entre crticos e
artistas. Que mudanas ocorrem nesse quadro, a partir do incio dos anos 80, pensando-se
as experincias do jornal A Parte do Fogo e do prprio Espao ABC?
PSD Malasartes durou trs nmeros; A Parte do Fogo s um. Era um jornal manifesto e
acabou. Teve vida curta, uma chama rpida. Logo depois vimos que no podamos nos
manter unidos. As aes j estavam se passando numa situao diferente. Mas at hoje
fazem referncia a ele. O editorial feito a vrias mos tem uma marca muito forte de
oposio e insatisfao com relao ao modo como as coisas andavam no meio de arte
brasileiro. Tem uma posio muito marcada em relao a isso e tem tambm nas pginas
aquela interao forte entre artista e crtico. A Parte do Fogo e o Espao ABC eram coisas
paralelas, que estavam sendo pensadas juntas. Entrei na Funarte para formular o ABC em
agosto de 1979, e A Parte do Fogo estava sendo planejado, sendo lanados praticamente
ao mesmo tempo.
Mais especificamente, entretanto, a questo do Espao ABC foi criar um territrio institucional
para o debate da arte contempornea, sobretudo para minar a forte resistncia que as
instituies pblicas e oficiais do Estado brasileiro nesse caso, quando estou falando em
pblicas, estou falando no sentido de governamental , para que as instituies governa-
mentais se tornassem mais receptivas a essas questes. Acredito que o ABC contribuiu para
isso. Se bem que logo depois do ABC, ocupei durante um perodo a direo do Inap. Quem
me sucedeu foi Paulo Herkenhoff, e ele j era uma pessoa inteiramente afinada com essas
questes e com esses problemas, em perfeita sintonia com a ento diretora executiva da
Funarte, Edmia Falco. Isso criou um clima muito favorvel da em diante para o ABC se
disseminar como uma poltica pertinente para tratar das questes nas mais diversas regies
do pas, no apenas no caso do Rio de Janeiro ou So Paulo.
IR Como eram selecionados os artistas que iriam expor no Espao ABC?
D O S S I E S P A O A B C / F U N A R T E
134 A R T E & E N S A I O S - N. 2 0 - J U L H O D E 2 0 1 0
PSD Eram selecionados por convite, porque a curadoria era assinada. O projeto era assina-
do por minha equipe. Enquanto estive na direo do Inap, por pouco tempo, o Espao ABC
era um projeto assinado pela Funarte e pelo Inap, em que ns convidvamos os artistas. Nas
outras galerias a Rodrigo Mello Franco de Andrade, a Srgio Milliet e a Macunama foram
constitudas comisses formadas por um membro da Associao Brasileira de Crticos de
Arte (Abca), um membro da Associao Brasileira de Artistas Plsticos Profissionais (Abapp)
e um membro da Funarte, e essa comisso fazia a programao a partir da seleo das
propostas que recebamos. Essa seleo no era alterada. Durante o episdio do governo
autoritrio, na poca da abertura, nunca tive uma experincia de imposio de alguma
exposio feita por cima. Pelo contrrio; essas solicitaes eram examinadas e, quando era
preciso, se dizia que no poderiam ser feitas porque no estavam altura da programao
da Funarte, e no havia nenhum problema com a recusa. Quando o ABC veio para dentro
da Funarte, em 1982, e ocupou a Srgio Milliet, apenas as outras duas galerias foram progra-
madas dessa forma, atravs de inscries em mbito nacional, com artistas da Amaznia, do
Nordeste, etc. Essa comisso selecionava as exposies e cada uma delas tinha uma
documentao, um flder de tamanho razovel. Depois da minha gesto isso melhorou
muito. Trabalhei na Funarte do segundo semestre de 1979 at maro ou abril de 1983. Fiz
muita coisa nesse perodo muito curto.
No final de 1981 entrei para a direo do Inap, como diretor substituto. Joo Vicente
Salgueiro havia falecido, Ana Maria Miranda estava como diretora provisria, mas no estava
querendo ficar naquilo, e ento fui convidado para ocupar a direo, ficando at maro de
1983, quando fui trabalhar na RioArte. No perodo da direo do Inap continuei acompa-
nhando o trabalho do Espao ABC. Mas ento a Glria Ferreira j estava coordenando. O
Inap eram 12 pessoas, numa mesma sala, s separadas por divisrias. Tinha o Germano
Blum, que coordenava o projeto Arco-ris, um projeto de mbito nacional que levava artis-
tas e professores para fazer workshops em outras regies do pas; tinha o Salo Nacional,
que ocupava muita gente, dava um trabalho danado; quem cuidava, na minha poca, era a
Andra Paes, que est na coordenadoria de Artes Visuais da Funarte at hoje;
a Glria no ABC. Consegui contratar a Iole de Freitas e a Carmem Zilio, e
depois o Paulo Herkenhoff enriqueceu ainda mais esse corpo tcnico, pois
chamou para trabalhar com ele o Fernando Cocchiarale e a Ligia Canongia. A
comea-se a ter um ncleo tecnicamente mais forte.
IR Como se dava essa relao entre experimentalismo e conceitualismo na-
quele momento? Havia alguma diferena entre estas tendncias, a concepo
artstica e a percepo crtica (terica)?
PSD Havia essa percepo, sem dvida. Havia, sobretudo, uma pequena pe-
netrao de obras de arte desse teor no mercado e nas instituies; havia
pouca formulao de trabalho voltado para esse mbito nas instituies. Hou-
ve a experincia anterior do Walter Zanini no MAC-USP, nos anos 70 em
So Paulo, que foi importante, e tambm a da Sala Experimental no MAM-RJ.
Digamos que havia a formulao de uma crtica de combate; no vamos cha-
mar de vanguarda, mas mais combativa em relao ao estranhamento que
esses trabalhos causavam no meio de arte ainda muito ranoso, para no falar
135
provinciano. O que existia, sobretudo, que esses trabalhos encontravam muito pouco espa-
o no mercado. muito diferente a situao que se tem hoje da de 30 anos atrs, do ponto
de vista do mercado de arte e da aceitao dos colecionadores por parte desses trabalhos.
Claro que sempre havia alguma exceo de um colecionador ou outro que j desde aquela
poca incorporava essas obras a suas colees. Mas era um nmero muito pequeno.
Do ponto de vista crtico conceitual comeou a se formar uma crtica que deu continuidade
base muito positiva deixada por Mrio Pedrosa nos anos 50, at ele ser obrigado a se
exilar depois do golpe de 1964; depois do AI-5, sobretudo. Em 1967 ele ainda foi candidato
a deputado estadual pelo Rio de Janeiro e no foi eleito. Ronaldo Brito desempenhou um
papel muito importante em sua crtica no jornal Opinio. uma mudana de qualidade
muito substantiva do discurso crtico. Nesses anos eu no estava aqui, 1973-1974 em dian-
te. Em torno do Ronaldo se articula um novo pensamento sobre a arte. Esse trabalho
constitudo hoje por um conjunto de crticos como Rodrigo Naves, Alberto Tassinari, Snia
Salzstein, Glria Ferreira, Paulo Venancio Filho forma um corpus sobre o pensamento da
arte no Brasil de uma estatura muito elevada. Acho que geraes anteriores no encontra-
ram a quantidade simultnea de crticos numa mesma gerao, com essa qualidade e com
esse patamar. Sempre havia vozes de boa qualidade, mas o que existia era a tradio brasi-
leira do escritor escrevendo sobre o pintor amigo. Havia muito a tradio do escritor,
romancista ou poeta, fazendo crtica de arte.
A arte conceitual e o experimental andavam muito juntos. O que chamaria mais a ateno
no caso brasileiro que, ao contrrio de um certo ascetismo, a arte brasileira no renunciou
a uma contundncia plstica junto s exigncias reflexivas. O conceitualismo mais um
trabalho para solicitar uma reflexo para o que voc est vendo do que um conceito que
arma e fecha a obra inteira, como no caso de certa tradio anglo-saxnica, em que h a
renncia presena plstica da obra, a favor da pura reflexo. Por exemplo, o movimento
Art and Language, na Inglaterra, ou Joseph Kosuth e outros, nos Estados Unidos, onde h a
renncia materializao do trabalho, a favor de um discurso crtico e reflexivo sobre as
condies de existncia da obra de arte dadas pelos paradigmas da filosofia analtica, da
filosofia do neopositivismo ou do positivismo lgico, como quiser chamar. Esses paradigmas
eram muito fortes na tradio anglo-saxnica e foram muito bem formulados. Mas acredito
que os artistas brasileiros souberam conceber uma obra de arte muito complexa, que alia a
exigncia reflexiva com a materializao, com a presena plstica da obra.
IR Em 1980, confrontar o mercado era uma
atitude gasta e sem sentido, uma espcie
de clich das vanguardas nas artes, ou uma
necessidade real naquele momento?
PSD O mercado era muito resistente. No
s isso. Era muito mais precrio do que
hoje, no mundo inteiro. Voc no pode ima-
ginar o que era uma feira de arte em Paris
nos anos 70. Isso ocorria no mundo inteiro,
mas no Brasil a defasagem era ainda maior.
Capa do catlogo da
exposio Esculturas,
de Jos Resende
Espao ABC Parque
da Catacumba, 1980
Registro da abertura
da exposio
Esculturas, de Jos
Resende. Da esquerda
para a direita: Paulo
Sergio Duarte, Simeo
Leal e Jos Resende
Espao ABC Parque
da Catacumba, 1980
136 A R T E & E N S A I O S - N. 2 0 - J U L H O D E 2 0 1 0
Evidentemente no tnhamos Ileana Sonnabend ou Leo Castelli aqui. Havia o come-
o de um trabalho em So Paulo, particularmente, com Luisa Strina e depois Raquel
Arnaud. A Raquel Arnaud primeiro estava trabalhando na Galeria Arte Global, que
era da Rede Globo. Depois ela tem uma sociedade com Monica Filgueiras, separa-
se no incio dos anos 80 e cria o Gabinete de Arte Raquel Babenco na poca ela
era casada com o diretor Hector Babenco. Ali comea a haver dois trabalhos, a
apresentao de uma arte que vai formar uma nova viso de colecionadores, por
causa da atitude dessas galerias.
Mas o mercado era ainda muito resistente a esse tipo de arte, embora tivesse
havido exemplos mais antigos de trabalhos audaciosos e episdicos. A Petite Galerie
e a curta durao do Thomas Cohn, nos primeiros anos dele aqui no Rio de Janeiro.
A Petite Galerie desde o final dos anos 60 e durante os anos 70 fez trabalhos
importantes e continuou, enquanto a galeria esteve aberta. Franco Terranova mos-
trava artistas interessantes, fazia exposies ousadas, mas no se pode chamar isso
de mercado. O mercado vendia muita pintura em loja de mveis.
IR Para os padres institucionais brasileiros, a impresso de catlogo/flder/cartaz, e
de modo emblemtico, a poltica do pr-labore adotada pelo Espao ABC marca-
ram uma postura mais profissional em relao ao trabalho do artista. Como isso foi
visto naquele momento?
PSD Como lhe disse, Roberto Parreira um liberal de verdade. No incio, em 1979,
ele indagou: Mas, Paulo Sergio, artista plstico vende as obras, no precisa de cach.
A eu disse: Mas essas obras que vou mostrar eu lhe garanto que no sero vendi-
das, e eles no tero dinheiro para execut-las. Essas obras s podem ser executa-
das se houver um pr-labore. A conversa foi simples assim. Meu dilogo era direto
com Roberto, e ele entendeu isso imediatamente. Eu disse: Se o sujeito for pendu-
rar quadro na parede, realmente vai vender as obras. Mas esses trabalhos que sero
mostrados por esses artistas ainda no tm mercado. Claro que mais tarde passa-
ram a valer, e valem muito hoje, mas naquela poca no existia a possibilidade de o
artista executar o trabalho, e o pr-labore era uma forma no somente de ajud-lo
na execuo, como remuner-lo pelo servio que estava prestando instituio.
Acredito que at mesmo hoje, no caso de exposies de pinturas, esculturas, expo-
sies mais convencionais, o artista plstico deve receber um pr-labore, porque a
exposio ocupa muito espao de seu tempo, em que ele no se dedica a sua obra,
mas a ajudar e apoiar o produtor. Ento, acho que toda produo de exposio
deve ter alocado um pr-labore para o artista. Infelizmente no Brasil andamos mui-
to para trs nessas questes, mas existem lugares onde isso vingou e permanece.
Tambm introduzimos aquele catlogo, que comeou muito simples. A ltima ex-
posio do Paulo Herkenhoff como artista talvez tenho sido no ABC. Ele trabalhava
com jornal e a partir do trabalho dele concebemos todos os primeiros catlogos em
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