INVESTIGANDO E FORMANDO: TÉCNICAS DE PESQUISA
POTENCIALIZADORAS DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
DOCENTE
O objeto de estudo deste trabalho são as técnicas de pesquisa utilizadas na perspectiva
da investigação-formação docente. Este painel apresenta resultados de pesquisas
realizadas em nível de doutorado nos Programas de Pós-Graduação em Educação das
Universidades Federais do Piauí e de São Carlos (SP) cujos protagonistas foram os
professores do Ensino Fundamental e do Ensino Superior. O objetivo geral deste painel
é analisar o potencial investigativo-formativo de três diferentes técnicas, narrativas
autobiográficas, sessões reflexivas e observação colaborativa, em pesquisas de cunho
colaborativo-narrativo realizadas com professores dos Ensinos Fundamental e Superior.
O primeiro artigo discute as narrativas autobiográficas de professores iniciantes acerca
de suas aprendizagens docentes no curso de Letras-Inglês da UESPI, analisadas à luz
dos princípios teórico-metodológicos de Chené (1988), Josso (2004, 2010), Dominicé
(2008, 2010a, 2010b), entre outros. O segundo artigo discute diálogos estabelecidos em
sessões reflexivas entre professores de uma faculdade privada em Parnaíba-PI, acerca da
unidade teoria-prática, analisados à luz da Abordagem Sócio-Histórica (ASH) e do
Materialismo Histórico Dialético (MHD), de acordo com Afanasiev (1968), Vasquez
(2007), Magalhães (2009, 2011), entre outros. O terceiro artigo discute os dados da
pesquisa realizada com um professor de Matemática do Ensino Fundamental, acerca da
criatividade no ensino da disciplina, obtidos por meio da observação colaborativa e
analisados à luz da ASH e do MHD, de acordo com Ibiapina (2008), Liberali (2010),
Marx e Engels (2002), entre outros. Os resultados obtidos com as pesquisas, realizadas
na cidade de Parnaíba-PI (2012-2014), revelaram que as três diferentes técnicas de
investigação configuram-se como estratégias formativo-investigativas poderosas, não
apenas por oportunizarem aos colaboradores a (re)significação e reconfiguração das
experiências vivenciadas no decorrer dos estudos, mas também por possibilitar-lhes a
assunção do protagonismo de seus processos formativo profissional, reconhecendo-se
como parte integrante e basilar de uma história que não é apenas sua, mas de toda
sociedade.
Palavras-chave: Formação Docente. Técnicas de Pesquisa. Possibilidades Formativas.
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POSSIBILIDADES FORMATIVAS DAS NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS:
UM ESTUDO COM PROFESSORES INICIANTES DO CURSO DE LETRAS-
INGLÊS DA UESPI
Renata Cristina da Cunha – IFPI, campus Parnaíba
RESUMO
Este artigo é parte de uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no curso de Doutorado em
Educação, concluído em janeiro de 2014. Especificamente, o objeto de estudo deste
painel são as possibilidades formativas das narrativas autobiográficas escritas de
professores em início de carreira, motivada pela seguinte questão-norteadora: De que
forma as narrativas escritas produzidas por professores do curso de Letras-Inglês em
início da carreira configuram-se como possibilidades formativas ao dialogarem em
encontros colaborativo-interativos? Para responder a questão-norteadora, o objetivo
deste estudo é analisar de que forma a produção de narrativas escritas autobiográficas
contribuiu para a aprendizagem profissional crítico-reflexiva dos professores do curso
de Letras-Inglês da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), com até três anos de
experiência no Ensino Superior, ou seja, profissionais iniciantes neste nível de ensino.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa teórico-metodológica de cunho biográfico-
narrativo da qual participaram três professores principiantes na docência universitária.
Para a produção das narrativas autobiográficas escritas, foram utilizados os seguintes
materiais biográficos: os memoriais de formação e as cartas pessoais, socializadas em
encontros interativo-colaborativos durante o ano de 2012. Para a análise dos dados, o
diálogo foi estabelecido com autores como Chené (1988), Josso (2004, 2010), Dominicé
(2008, 2010a, 2010b), entre outros. Os encontros colaborativo-interativos
oportunizaram aos professores, entre outros, o compartilhamento de experiências,
saberes e reflexões, abrindo, além de um novo campo de possibilidades e
problematizações, um novo espaço para a (re)significação de experiências,
(re)elaboração de outras práticas e compreensão da própria prática docente.
Palavras-chave: Narrativas escritas. Diálogos autobiográficos. Possibilidade formativa.
PORQUE INICIAR É PRECISO
Reviver memórias, falando sobre elas, demanda muito zelo e cautela, pois
implica em relembrar e reviver não apenas fatos bons e felizes de nossas vidas, mas
também acontecimentos ruins e tristes. É como reabrir janelas há tempos fechadas, sem
a intenção de realmente abri-las. Se falar sobre nossas lembranças não é tarefa fácil, o
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que dizer sobre registrá-las por escrito? Há quem diga que pode ser ainda pior, pois
escrever é uma habilidade ainda mais elaborada do que falar. Há quem diga que é ainda
melhor, pois permite a elaboração prévia e articulação consciente das narrativas. Seja
qual for, é sempre um desafio produzir memórias, sejam elas de que natureza forem.
Nessa perspectiva, como parte da pesquisa de doutorado (CUNHA, 2014), a
questão-norteadora deste trabalho é: Em que medida a produção de narrativas escritas
autobiográficas contribuiu para a aprendizagem profissional dos professores do curso de
Letras-Inglês da UESPI no início da carreira docente? Para a realização dessa pesquisa
autobiográfica de cunho quantitativo, realizada durante o ano de 2012 com memoriais
de formação, cartas pessoais e conversas interativas, colaboraram três professores de
Língua Inglesa, iniciantes1 na carreira no Ensino Superior na Universidade Estadual do
Piauí (UESPI), campus de Parnaíba (PI), aos quais foram atribuídos os seguintes
pseudônimos: Coelho Branco, Rainha Vermelha e Rainha Branca, em virtude da
proposta da tese sobre Alice no País do Ensino Superior.
Os personagens dessa história são:
O Coelho Branco é natural de Parnaíba – PI, nascido em 1980. Estudou em escolas públicas e
privadas da cidade. Concluído o Ensino Médio, passou a trabalhar no comércio. Em 2004,
decidiu inscrever-se no vestibular para o curso de Letras-Inglês da UESPI. Durante a graduação
foi monitor de quatro disciplinas. Concluída a graduação, fez pós-graduação em Metodologia do
Ensino Superior. Em 2011 ingressou no curso de Letras-Inglês da UESPI como professor
substituto, ministrando disciplinas na área de Literatura, além de orientar alunos em seus
trabalhos de conclusão de curso.
A Rainha Vermelha nasceu em Parnaíba- PI em 1986. Sempre estudou em escolas particulares.
Ao final do 3º ano, foi aprovada no vestibular para Letras-Inglês, iniciando a graduação em
2004. No ano de 2007, um ano antes da conclusão do curso, matriculei-me no curso de
especialização em Língua Inglesa. Em 2011, foi aprovada no processo seletivo como professora
substituta do curso de Letras-Inglês da UESPI, ministrando disciplinas relacionadas à Língua
Inglesa, além de orientar monografias.
A Rainha Branca nasceu em Parnaíba, Piauí, em 1985. Estudou em escolas públicas e privadas.
Em 2004, um ano após a conclusão do Ensino Médio, fui aprovada no curso de Letras Inglês na
UESPI. Ainda no último ano da faculdade, inscreveu-se na especialização em Letras-Inglês. No
ano de 2011, ingressou como professora substituta do curso de Letras-Inglês da UESPI,
ministrando aulas, orientando alunos em monografias e participando de bancas examinadoras de
conclusão de curso e de seleção de professores.
Delineados os perfis dos três colaboradores deste estudo, enfatizo que a minha
opção por esse estudo de cunho qualitativo-autobiográfico, enquanto procedimento
metodológico, enfoca não apenas as narrativas autobiográficas acerca de fatos da vida
1Apoiando-me em Huberman (1992), considero iniciantes os professores com até três anos de experiência
profissional no magistério.
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pessoal e profissional dos professores iniciantes, mas também a possibilidade da
(re)estruturação de suas experiências formadoras, contribuindo assim com seu processo
de aprendizagem docente.
Os excertos desta seção revelaram as experiências formadoras vivenciadas pelos
colaboradores no período de realização da pesquisa e potencializadas não apenas pelo
engajamento no grupo e produção/socialização das narrativas escritas nas ocasiões dos
encontros interativos, mas também pela oportunidade ímpar de produção individual e
coletiva de novos saberes, sobretudo os autobiográficos, por meio do caminhar para si,
possibilitando assim o (re)conhecimento de si enquanto ser ativo, autônomo e
responsável pela própria aprendizagem e desenvolvimento profissional.
ESCRITAS DE SI: os memoriais de formação e as cartas narrativas
Na perspectiva biográfico-narrativa, escrever sobre si também se configura
como um espaço de aprendizagem e desenvolvimento profissional docente. De acordo
com Souza (2006), produzir narrativas escritas demanda do professor a capacidade de
manusear sua língua materna para escolher e ordenar as palavras de modo que essas
possam expressar da forma mais adequada e aproximada seus modos de pensar, sentir e
agir.
Nas palavras escritas, os professores podem, portanto, vislumbrar o reflexo das
experiências vivenciadas ao longo de sua trajetória formativa, pois para registrar por
escritos essas experiências formadoras eles precisam, além de encontrar as palavras
certas, refletir sobre sua trajetória de vida, repleta de alegrias, certezas e possibilidades,
mas também de tristezas, incertezas e limitações. Com essa intenção, os colaboradores
foram convidados a escrever, além de cartas narrativas, seus memoriais de formação.
Sobre as aprendizagens adquiridas e os sentimentos vivenciados ao produzir
esses instrumentos, o Coelho Branco escreveu e falou:
Chego ao final da escrita destas memórias com uma sensação muito grande de
felicidade. Depois de relembrar tantos fatos que estão guardados na memória, foi
possível perceber minha evolução e felizmente, de forma positiva. O processo de
escrita destas memórias serviu para reviver muitas experiências do passado e
refletir na forma como foram conduzidas e me fizeram pensar na minha atuação,
levantando hipóteses que me fizeram indagar se que poderia ter feito diferente ou
deixado de fazer. [...] Confesso que algumas histórias ficaram de fora, procurei
selecionar as mais marcantes para colocá-las aqui para vocês. Espero que estas
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lembranças possam ajudar ou até mesmo inspirar a quem possa interessar,
principalmente jovens professores em início de carreira, que como eu, almejam
uma educação melhor e mais igualitária para nosso país. (Memorial do Coelho
Branco) [...]. Depois de ler o memorial, Elaine relatou que esta atividade a ajudou
muito a pensar no que já foi, no que é e no que ela quer ser. O memorial ajuda a
eternizar o passado e segundo ela foi maravilhoso escrever. Eu compartilho deste
sentimento com ela e posso afirmar que é muito bom mesmo. Passei alguns meses
para escrever o meu. Fiz devagarzinho, selecionando o que poderia ser interessante
de ser falado e agora chegou o momento de compartilhar com vocês. Vamos lá
então. Espero que tenham gostado de ler sobre minha história e estou pronto para
ouvir suas impressões. (Quinta carta do Coelho Branco) Logo no inicio Renata
chamou atenção para uma parte do que foi lido: “[...] e até mesmo enxergar em
minhas vivências coisas que não havia visto no momento em que vivenciei a
situação” (SOARES, 1991). Esta colocação reflete bem todo o processo da escrita
de nossos memoriais, que nos permite voltar ao passado e até mesmo entender o
porquê de algumas consequências de decisões tomadas e esta reflexão nos ajuda
hoje, quando estamos mais maduros, mas ainda nos deparamos com decisões a
serem tomadas e consequências a serem enfrentadas. (Oitava carta do Coelho
Branco) Agora em relação à carta, o pensamento principal que eu tive foi um
entusiasmo em colocar todas essas experiências no papel porque iam ficar perdidas
no ar, pois a memória da gente não é tão poderosa. (Fala do Coelho Branco no
primeiro encontro).
O fragmento acima confirma que narrar transcende informar, implica, acima de
tudo, em compreender quem somos e como nos tornamos o que somos no presente. A
produção dessas narrativas escritas possibilitou ao colaborador empreender uma viagem
no tempo cujo ponto de partida foram as seguintes questões: Que professor eu fui/era?
Que professor eu sou? Que professor eu serei? As escritas de si, portanto, auxiliaram o
colaborador a ampliar sua capacidade de pensar, avaliar e analisar o que não apenas o
que fez e faz, mas também fazer projeções para o futuro, remetendo-o, na perspectiva de
Souza (2004, p. 75) a uma dimensão de "auto escuta de si mesmo, como se estivesse
contando para si próprio suas experiências e aprendizagens que construiu ao longo da
vida, através do conhecimento de si".
A reflexividade biográfica emergiu como um dispositivo indispensável para o
processo, sem o qual o Coelho Branco não teria sido bem sucedido em sua viagem.
Zeichner (1993) enfatiza que refletir sobre a própria prática não é um processo
espontâneo do professor. Deve ser, além de uma ação intencional, potencializada
também por um (ou mais de um) dispositivo(s) externo(s), como no caso da pesquisa: a
produção de narrativas autobiográficas.
As narrativas indicaram também que o Coelho Branco tinha consciência das
implicações da exposição de suas histórias e memórias escritas, e que, em virtude disso,
optou deliberadamente por expô-las de forma cautelosa e planejada, revelando um
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sentimento de prudência. Lima (2006, p. 128) esclarece que "[...] a prudência está
orientada pelo medo de errar, pela vontade e responsabilidade por acertar”. Os
depoimentos do colaborador revelaram, portanto, a tênue relação entre prudência e
memória, pois ser prudente no campo autobiográfico implica na seleção e até mesmo
censura de das histórias a serem compartilhadas. Revisitar o passado, portanto, ofereceu
subsídios, por meio de experiências prévias, para encaminhar comportamentos e
condutas do colaborador no futuro.
A exemplo da Rainha Branca, o Coelho Branco demonstrou grande interesse e
alegria em socializar seus escritos não apenas com o grupo, mas com outros professores,
interessados em conhecer suas histórias e memórias e também dispostos a aprender com
elas. Com essa intenção, o colaborador demonstrou não apenas valorizar, mas também
querer dar maior visibilidade à sua produção intelectual, atitude bastante louvável e
admirável que deve ser seguida por todos os profissionais da educação vez que,
“infelizmente, ao longo da história, o magistério foi tão desqualificado que, [...] a
grande maioria dos educadores considera que suas experiências não têm importância
suficiente para serem documentadas e se tornarem públicas” (PRADO; FERREIRA;
FERNANDES, 2011, p. 146).
No excerto retirado da oitava carta, o Coelho Branco utilizou a seguinte citação
de Soares (1991, p. 72) “[...] e até mesmo enxergar em minhas vivências, coisas que não
havia visto no momento em que vivenciei a situação”, trazendo para dentro de sua
narrativa uma voz de autoridade2. É possível inferir que o colaborador tenha recorrido a
essa voz externa tanto para legitimar e validar as reflexões que apresentou na sequência
quanto para isentar-se qualquer responsabilidade sobre o que escreveu.
No trecho final da narrativa, o Coelho Branco reportou-se especificamente à
escrita das cartas narrativas, gênero autobiográfico utilizado com a intenção de, durante
a escrita, provocar nos colaboradores momentos de retrospecção e reflexão sobre as
recordações-referências que marcaram sua trajetória formativa, não apenas no que tange
à escrita do memorial e das cartas, mas de todo processo vivenciado no grupo de
pesquisa (CHENÉ, 1988; JOSSO, 2004, 2010; DOMINICÉ, 2008). É possível inferir,
portanto, que escrever as cartas, registrando suas recordações e reflexões por escrito,
2 Termo cunhado por Prado, Ferreira e Fernandes (2011), a partir da categoria “enunciado investido de
autoridade” de Bakhtin (1997).
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possibilitou-lhe não apenas revisitar suas histórias e memórias, mas também
compreender por que foram internalizadas a sua forma de pensar, sentir e agir.
Sobre as possibilidades das narrativas escritas, a Rainha Vermelha escreveu:
E como é possível aprender com as experiências dos outros, é através deste
memorial, dividindo momentos com meus colegas que viso me tornar alguém
melhor e até mesmo enxergar em minhas vivências coisas que não havia visto no
momento em que vivenciei a situação. [...] Escrever estas memórias me fizeram
refletir muito sobre meus saberes docentes e do quanto eu ainda tenho que
melhorar. Sei que este memorial ainda não está encerrado, pois todas as vezes que
eu o olho incluo algo novo, mas ao final dele tenho a completa certeza de que estou
na profissão certa e de que nem uma outra me faria um ser humano tão feliz quanto
eu sou. (Memorial da Rainha Vermelha). Voltando ao memorial da Rainha Branca
me identifiquei com ele por diversas vezes, temos muita coisa parecida. A leitura
dele me fez lembrar coisas minhas para colocar no memorial sem fim, como eu
chamo o meu! [...] Essa minha carta é bem mais curta porque tudo que tinha na
cabeça escrevi no memorial! Eu preciso dizer que exercício maravilhoso foi
escrever este memorial, me fez refletir e pensar, além de que revendo o que
aconteceu pude enxergar pontos que antes não tinha visto. (Quarta carta da Rainha
Vermelha)
A exemplo do Coelho Branco, a narrativa da Rainha Vermelha destacou a
possibilidade de compartilhar experiências e de aprender com os demais como interface
importante das escritas de si para si, corroborando as palavras de Souza (2004, p. 412),
pois “o ato de lembrar/narrar possibilita ao ator reconstruir experiências, refletir sobre
dispositivos formativos e criar espaço para um a compreensão da sua própria prática”.
As narrativas da colaboradora revelaram, portanto, não apenas os conhecimentos
construídos ao longo de sua vida e do exercício da docência, mas também suas próprias
reflexões e percepções sobre o percurso, fundamentais para sua (auto)formação pessoal
e profissional.
A consciência de sua incompletude também emergiu dos escritos da
colaboradora, coadunando-se com a visão freireana de que “onde há vida, há
inacabamento. Mas só entre homens e mulheres o inacabamento se tornou consciente”
(FREIRE, 1996, p.55). É perceptível que a Rainha Vermelha reconhecia-se como
inconclusa, em constante processo de formação, “fazendo-se e refazendo-se no processo
de fazer a história, como sujeito” (ibidem, p. 91), a partir das experiências vivenciadas
nos mais diversos contextos formativos, como, por exemplo, em casa, na escola, no
trabalho, entre outros.
É possível inferir que sentimento de inconclusão tenha sido ocasionado, ou
quem sabe até mesmo acentuado, por sua visível insatisfação consigo mesma,
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demonstrada por sua necessidade de sempre buscar a perfeição, alinhando-se a Freire
(1996, p. 135), vez que “[...] é possível saber melhor o que já sabe, e reconhecer o que
ainda é necessário aprender”. As narrativas indicaram, portanto, que Rainha Vermelha,
ao mesmo tempo em que tem consciência que é possuidora de diferentes saberes e
conhecimentos, reconhece suas limitações, pois sabe que ainda há muito a ser
aprendido.
Os depoimentos da colaboradora confirmaram que escrever as memórias em
contexto investigativo configura-se como uma possibilidade formativa, posto que
oportunizou aos professores “[...] evidenciar emoções, experiências ou pequenos fatos
marcantes, dos quais antes não nos tínhamos apercebido” (FREITAS; GALVÃO, 2007,
p. 220). Não apenas o processo de rememoração das recordações-referência para a
escrita do memorial e das cartas, mas também o compartilhamento desses escritos em
grupo possibilitou-lhe reconstruir, de forma crítico-reflexiva e com os olhos do
presente, sua trajetória formativa pessoal e profissional, transformando-os em poderosos
dispositivos de formação docente.
A exemplo do Coelho Branco, a socialização dos memoriais e das cartas como
espaços e momentos para a socialização não apenas de conquistas e alegrias, mas
também de pensamentos, dúvidas e sentimentos também emergiu dos fragmentos da
Rainha Vermelha. É perceptível uma aproximação dessas reflexões da colaboradora
com os escritos acerca do compartilhamento de configurar-se com dispositivo
privilegiado para a construção de si mesmo a partir das relações com os outros, pois nas
palavras de Nóvoa (1992, p. 9) “formar é sempre formar-se”. A autoformação
materializa-se, portanto, na interação com os outros, conforme salientou a colaboradora.
Acerca da temática, a Rainha Branca relatou:
Finalmente, fiquei feliz em dividir com vocês, um pouco da minha história. Pensei
e pensei inúmeras vezes para tentar não deixar passar as melhores e mais
significativas lembranças de minha vida. Espero que este memorial sirva para
todos como modelo a ser seguido, ou uma fonte de inspiração, afinal, para quem
não tem experiência, ler e observar são fatores imprescindíveis para começar uma
carreira. (Memorial da Rainha Branca). Depois da minha leitura, vi que precisava
corrigir algumas coisas e acrescentar muitas outras, que acabaram passando
despercebidas e que me lembrei de posteriormente. Tenho certeza que quando eu
ler os memoriais do Coelho Branco e da Rainha Vermelha irei ainda lembrar
muitas outras coisas. Isto é o que mais me deixou feliz, pois acredito que ao longo
da minha vida não iria me recordar de tantas coisas boas e de outras nem tanto
(Quinta carta da Rainha Branca). [...] Hoje escrevo de forma bem diferente das
anteriores, porque tive um problema com meu computador e não tive tempo de
para mandar formatá-lo, porém, relembrei das inúmeras cartas que escrevia a mão,
antes da explosão e acesso aos computadores e confesso que bateu saudades de
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alguns amigos que eu me comunicava com cartas com essa, bons tempos aqueles!
(Sexta carta da Rainha Branca). [...] Acho que a gente tem essa questão da troca de
experiências e também essa questão do melhorar, eu acho que aqui nós vamos
melhorando e com a ansiedade a gente vai querendo acrescentar coisas, até porque
quando você vive alguma coisa você sempre quer acrescentar, por exemplo, se eu
ler o memorial de novo eu vou querer acrescentar coisas novas, através daquilo que
a gente já escreveu a gente vai lembrando pequenas coisas e vai tentando melhorar.
(Fala da Rainha Branca no oitavo encontro).
Antes de se dedicar ao processo de escrita, é preciso que o professor-autor seja
estimulado a enveredar-se pelos meandros de suas recordações e lembranças para
depois, deliberadamente narrar suas histórias e memórias. Para a Rainha Branca, a mola
propulsora para a escrita de seu memorial foi a alegria e o contentamento em poder
socializá-lo com os membros do grupo e o desejo latente de compartilhá-lo com outros
professores iniciantes na carreira universitária, corroborando as ideias defendidas por
Goodson (1992) sobre a relevância da voz do professor ser ouvida, especialmente
quando falam do seu trabalho, de que modo que o narrador assuma o protagonismo de
suas memórias e histórias.
As reflexões iniciais acerca das escritas de si da colaboradora alinham-se as
ideias de Souza (2008) quando ressalta que escrever sobre si não é nem uma atividade
mecânica nem técnica; é, além de uma forma de conhecimento de si, um meio de
transformação de si, potencializado pela valorização da subjetividade e das experiências
formadoras. É possível inferir, portanto, que as escritas de si para si mesma
oportunizaram à Rainha Branca escutar a si própria para refletir sobre as suas
recordações-referências antes/durante/depois de registrá-las em seu memorial.
Na sequência de sua narrativa, a colaboradora evidenciou outra interface basilar
das escritas de si: a assunção de papéis duplos e simultâneos, narradora e leitora. Antes
de compartilhar seus escritos com o grupo, ela foi a primeira leitora de suas memórias,
“[...] assum[indo] o papel de analista do já escrito [permitindo-se], por assim dizer, o
controle de qualidade, do ponto de vista do conteúdo da forma. Aquele que escreve tem
de ser, quase ao mesmo tempo, autor, leitor e revisor” (PRADO; SOLIGO, 2007, p. 34).
Tornar-se autora e escritora de suas histórias e memórias demandou uma releitura
cuidadosa do mundo, exigindo da Rainha Branca um compromisso com seu próprio
texto, refinado não apenas durante sua escrita, mas, sobretudo durante sua leitura
seletiva.
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Na sequência da narrativa, a colaboradora ateve-se a um momento específico do
processo formativo-investigativo em que, por razões técnicas, precisou escrever uma de
suas cartas de forma tradicional, ou seja, manuscrita. O depoimento revelou seu
saudosismo do tempo em que a comunicação não era tão fortemente mediada pela
tecnologia eletrônica como hoje em dia, corroborando os estudos de Galvão e Gotlib
(2000) acerca do desuso ou quase extinção desse gênero textual.
Muito embora as cartas sejam sempre redigidas para um destinatário, contribuem
para a formação do remetente porque, a exemplo dos memoriais, escrever demanda do
autor não apenas o registro escrito, mas também ler e pensar sobre o que foi escrito. A
escrita de si demanda, assim, a reflexão do próprio autor, o pensar sobre si mesmo,
revelando-se como uma estratégia autoformativa, conforme destacado pela
colaboradora.
Alinhando-se à perspectiva de Souto Maior (2001), Cunha (2002), Silva (2002),
entre outros, o depoimento da Rainha Branca confirmou que escrever cartas possibilitou
uma maior aproximação com sua própria história e com as histórias dos demais
membros do grupo, pois fomentou o intercâmbio de informação e aproximou autora e
leitores ao compartilharem suas histórias e memórias, abrindo espaço para a
imaginação, empatia, cumplicidade, alteridade e solidariedade.
PORQUE CONCLUIR É (IM)PRECISO
Escritas de si, escritos autobiográficos, escrita autorreferencial, narrativas
autobiográficas escritas; enfim são múltiplas as expressões que congregam o gênero de
escrita em que o professor-autor escreve sobre si mesmo a fim de potencializar seu
desenvolvimento pessoal e profissional, vez que, por meio da escrita. Nessa perspectiva,
escrever sobre si para si mesmo fomenta o autoconhecimento, potencializando assim o
caminhar para si.
Ao olharem para si e também para o outro quando escreveram suas histórias e
memórias estimulou os colaboradores a refletirem não apenas sobre sua trajetória
formativa, mas também a (re)conhecerem os momentos-charneira que os encaminharam
para novas direções, especialmente na universidade como acadêmicos e depois como
professores iniciantes, evidenciando assim o potencial formativo das narrativas
autobiográficas escritas.
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A socialização dos memoriais de formação e das cartas narrativas nas conversas
interativas promoveu identificação entre os colaboradores, pois muitas das memórias
narradas por cada um deles se aproximavam de situações vivenciadas pelos demais
configurando-se assim como potentes “gatilhos de memória” que, entre outros,
(re)encaminharam tanto os escritos que já haviam sido produzidos até aquela ocasião
quanto os que seriam produzidos a posteriore.
As narrativas escritas compartilhadas no grupo oportunizaram, portanto, o
encontro dos colaboradores para compartilharem experiências, saberes e reflexões,
abrindo, além de um novo campo de possibilidades e problematizações, um novo
espaço para a ressignificação de experiências, reelaboração de outras práticas e
compreensão da própria prática docente. Isso porque, foram estimulados a desenvolver
uma atitude critico-reflexiva, assumindo-se como professores críticos diante da
retrospectiva de sua trajetória de vida e participação no grupo de pesquisa.
Os colaboradores também (re)conheceram a importância de registrar por escrito
suas narrativas autobiográficas eternizando assim suas histórias e memórias tornando-as
leituras privilegiadas não apenas para si mesmos e os demais membros do grupo, mas
também para outros professores iniciantes, porque “a escrita é uma arma poderosa,
senão por outra razão, porque seu destino é a leitura. A escrita documenta. Comunica.
Organiza. Eterniza. Subverte. Faz pensar. A nós mesmos e aos leitores” (SOLIGO;
PRADO, 2007, p. 35).
Em suas narrativas, os colaboradores escreveram também sobre as mudanças
pelas quais passaram ao longo de suas trajetórias ilustrando-as, especialmente com
exemplos sobre o início da docência universitária, reportando-se ao que fizeram e a
como pensavam nesse período e como essas ações e pensamentos foram revisitados e
refletidos no contexto formativo-investigativo da pesquisa.
Ao escreverem sobre si, para si e para o outro, cada colaborador narrou em seus
textos autobiográficos não apenas acontecimentos pessoais, mas também aqueles
relacionados à escolha da docência, à vida acadêmica, e, sobretudo, ao exercício da
docência universitária e à participação do grupo, conforme foram solicitados. Para tanto,
cada professor precisou revisitar, avaliar e (re)organizar suas histórias e memórias,
revelando, assim, seus olhares sobre si mesmos, seus desejos, expectativas e dúvidas,
construídas, desconstruídas e reconstruídas até então.
Em síntese, o corpus analisado corroborou o referencial teórico adotado acerca
das potencialidades formativas das narrativas autobiográficas orais e escritas,
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fomentando novas formas de pensar, sentir e agir dos colaboradores da pesquisa. Os
diálogos autobiográficos tornaram-se formativos quando os professores assumiram o
papel de colaboradores de sua própria formação conscientizando–se não apenas da
necessidade de auto avaliarem-se, mas, sobretudo da necessidade de desenvolverem-se
enquanto pessoa e profissional.
As narrativas autobiográficas configuraram-se, portanto, como estratégias
formativo-investigativas poderosas, não apenas por oportunizarem aos colaboradores da
pesquisa a (re)significação e reconfiguração dos espaços, dos tempos e das experiências
vivenciadas, mas também por possibilitar-lhes reconhecerem-se como parte integrante e
basilar de uma história que não é apenas sua, mas de toda sociedade.
REFERÊNCIAS
CHENÉ, A. A narrativa de formação e a formação de formadores. In: NÓVOA, A.;
FINGER (Org.). O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa: Ministério da
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7688ISSN 2177-336X
O VOO COLABORATIVO DOS DOCENTES DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: AS
SESSÕES REFLEXIVAS COMO PROCEDIMENTOS FORMATIVOS
Maria Ozita de Araújo Albuquerque
RESUMO
Este artigo tem como objetivo compreender a sessão reflexiva como propiciadora da
reflexão crítica sobre a prática pedagógica que os professores da Educação Superior
realizam no exercício da docência universitária. O estudo é um recorte da Tese de
Doutorado desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade
Federal do Piauí, defendida em 2015. Participaram da pesquisa seis professores, sendo
cinco do curso de Pedagogia e um do curso de Bacharelado em Direito, que atuam na
Educação Superior de uma instituição privada em Parnaíba-PI, realizada durante o ano
de 2013. O referencial teórico metodológico está embasado na Abordagem Sócio-
Histórica e no Materialismo Histórico Dialético. Para o desenvolvimento da
investigação optamos pela pesquisa colaborativa, que trabalha pesquisa e formação.
Está fundamentado em Afanasiev (1968), Candau e Lelis (1995), Bakhtin (2002), Marx
e Engels (2002), Vasquez (2007), Magalhães (2009, 2011) entre outros. Os
procedimentos para produção dos dados foram: observação da aula das partícipes,
observação colaborativa e sessão reflexiva com o apoio da videogravação. Neste artigo
apresentamos um episódio da reflexão interpessoal da prática pedagógica da professora
Renata. O conceito de interação verbal bakhtiniano serviu de base para a análise do
movimento dialógico dos enunciados e enunciações que ocorre na interação verbal das
partícipes. O processo investigativo possibilitou a compreensão de que a reflexão crítica
é dispositivo que possibilita importantes transformações na prática pedagógica dos
professores da Educação Superior. No caso deste estudo, a reflexão crítica realizada nas
sessões reflexivas possibilitou aos partícipes compreenderem com elevado nível de
consciência a prática pedagógica que realizam no exercício da docência.
Palavras-chave: Educação Superior. Sessão reflexiva. Reflexão crítica. Colaboração.
INTRODUÇÃO
Este artigo resulta da pesquisa colaborativa desenvolvida no Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Federal do Piauí em nível de doutorado,
intitulada “UM VOO EMANCIPATÓRIO DE FORMAÇÃO: o processo colaborativo
crítico-reflexivo e a prática pedagógica dos docentes da Educação Superior”, sob a
orientação da professora Drª Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina.
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7689ISSN 2177-336X
A opção pela pesquisa colaborativa justifica-se por compreendermos que esta
modalidade de investigação, que trabalha com pesquisa e formação, possibilita o
desenvolvimento pessoal e profissional do grupo de professores partícipes da
investigação, assim como possibilita a “[...] compreensão, interpretação e transformação
de processos educativos”. (IBIAPINA; MAGALHÃES, 2009, p. 73).
No contexto desta Pesquisa Colaborativa, os partícipes tiveram oportunidade de
expor suas experiências, analisando, refletindo e colaborando uns com os outros, visto
que esse processo criou oportunidade para refletirmos criticamente com o outro sobre a
prática pedagógica, a fim de torná-la mais crítica e criativa. Ressaltamos que este tipo
de pesquisa valoriza o caráter da participação, mediação e reflexão crítica, no processo
de produção do conhecimento.
A pesquisa colaborativa está voltada para a produção do conhecimento
científico, o que exige rigor metodológico e organizacional; é compreendida por
Ferreira e Ibiapina (2011) como prática que engaja professores na coprodução de
conhecimentos e cria condições para refletirem criticamente sobre a prática pedagógica
a partir de seu próprio agir, possibilitando transformações e o desenvolvimento pessoal
e profissional.
Dessa forma, a referida pesquisa criou condições para que o processo crítico-
reflexivo dos partícipes envolvidos na investigação ocorresse, pois ensejou a expansão
da compreensão da unidade teoria-prática, por meio de práticas colaborativas, reflexivas
e críticas desenvolvidas no processo de investigação.
Nesse sentido, para promover transformações na ação pedagógica, é necessário
que a prática seja apoiada na reflexão crítica (OLIVEIRA; MAGALHÃES, 2011).
Assim, criamos condições para que os partícipes deste estudo questionassem suas ações,
por meio da utilização dos seguintes instrumentos: observação, observação colaborativa,
sessões reflexivas, tendo como apoio a videogravação, a fim de que tivéssemos
oportunidade de realizar a reflexão crítica da prática pedagógica de forma colaborativa,
possibilitando-nos produzir conhecimento e desenvolvermo-nos profissionalmente. No
presente trabalho estamos apresentando a análise de um episódio da sessão reflexiva da
aula de Renata, uma das partícipes da pesquisa.
Não compreendemos a colaboração desencadeada pela reflexão crítica como
atividade estática, tampouco como ação que acontece de forma harmoniosa. Como
processo dialético, a colaboração envolve o “[...] co-pensar e agir de forma a ouvir e
compreender o outro, mas também [...] questionar com base em argumentos concretos”
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
7690ISSN 2177-336X
(MAGALHÃES, 2011, p. 18). No caso dos partícipes do presente estudo, os confrontos
contribuíram para que os professores da Educação Superior partilhassem conhecimentos
e experiências, expandindo a compreensão da prática pedagógica que realizam.
No desenvolvimento da Pesquisa Colaborativa, todos os partícipes têm
envolvimento nas atividades, são considerados produtores de conhecimento, pois a
colaboração envolve a participação dinâmica de todos, o que contribui para a produção
do conhecimento e para o desenvolvimento da pesquisa. Ou seja, pesquisadores e
colaboradores negociam crenças e valores e produzem teorias sobre a prática de forma
interativa.
Colaborar é, portanto, processo intencional que requer confiança entre os
participantes do grupo, de forma que todos se sintam à vontade para externar
contribuições e receber críticas sobre elas. Nessa perspectiva, a possibilidade de refletir
junto exige que a colaboração seja fundamentada no princípio que elegemos para
orientar esta pesquisa, definido como a relação entre pesquisa e formação, conforme
propõe Desgagné (1997). Na investigação colaborativa, pesquisa e formação ocorrem de
forma simultânea.
A compreensão simultânea da atividade de pesquisa e de formação dos
professores é um ponto relevante na Pesquisa Colaborativa. Para Ninin (2011, p. 102),
os participantes não são “[...] recipientes para depósitos dos saberes de seus
pesquisadores, mas parceiros responsáveis na apresentação de argumentos, interpretação
e reconstrução dos saberes em discussão”. Nesse sentido, a formação, via pesquisa,
surge como orientação nuclear de formação profissional, em que os professores não são
vistos como executores e reprodutores de teorias e práticas elaboradas por outros, mas
como elaboradores da unidade teoria-prática.
A Pesquisa Colaborativa associada à reflexão crítica possibilitou aos professores
compreenderem suas ações, socializarem informações e reelaborarem conhecimentos
relacionados com a prática, de forma contextualizada. Nesta pesquisa, teoria e prática
foram trabalhadas como unidade, pois entendemos que não existe prática sem teoria e
que a teoria se expressa por meio das práticas, sendo influenciada pela prática. Nesse
processo, a reflexão crítica tem como função fundamental possibilitar a compreensão da
referida unidade.
Assim, é necessário que a prática do professor seja apoiada pela reflexão crítica
do fazer pedagógico, que, segundo Oliveira e Magalhães (2011, p. 68) constitui-se
como processo que inclui o “saber-fazer, o porquê fazer e o como fazer”. É fundamental
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que a reflexão ocorra mediante ações sistematizadas que auxiliem o professor a
modificar a compreensão das ideias construídas socialmente sobre o pensar e fazer
docente.
A pesquisa que desenvolvemos possibilitou aos partícipes refletirem
criticamente sobre a unidade teoria-prática e efetivarem novas interpretações sobre as
teorias que orientam o fazer docente, para expandir conhecimentos teórico-práticos.
Neste contexto, a escolha da pesquisa colaborativa requer opções metodológicas
que valorizem técnicas e procedimentos que possibilitem o aprendizado da participação
colaborativa e uso da linguagem como instrumento dialógico3 de produção de
conhecimento. O estudo está ancorado na abordagem Sócio Histórica, pois ela nos
possibilita compreender que o processo de desenvolvimento histórico, social, cultural e
psicológico do homem ocorre por meio da linguagem.
Para apresentar a análise do episódio da sessão reflexiva coletiva da professora
Renata e discuti-la a luz dos pressupostos teóricos que orientam nosso trabalho
iniciaremos discorreremos sobre um dos procedimentos utilizados na pesquisa, a sessão
reflexiva, explicitando-a. Em seguida apresentamos o processo de análise dos dados
produzidos no desenvolvimento da sessão reflexiva coletiva da aula da partícipe Renata
realizada no dia 12 de abril de 2014 e no final a síntese conclusiva das análises
realizadas.
A seguir, discorremos sobre a sessão reflexiva, um dos procedimentos
metodológicos utilizado no desenvolvimento da pesquisa.
SESSÃO REFLEXIVA: propiciadora de novos voos
A sessão reflexiva é procedimento que tem o objetivo de oportunizar aos
professores analisar e discutir a prática, por meio da reflexão crítica, utilizando como
princípio básico a interação dialógica.
Nesse contexto, as sessões reflexivas contribuem para a formação contínua do
grupo de professores, uma vez que possibilitam a reflexão das práticas e das questões
políticas e sociais que ocorrem fora do espaço universitário e que interferem no
exercício da profissão docente. Vale ressaltar que o processo reflexivo possibilitou aos
3 Na concepção bakhtiniana, o termo dialógico está relacionado a dinâmica que se estabelece entre
diversas vozes sociais e complexa cadeia de responsividade.
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professores repensarem e modificarem seus objetivos, tendo como ponto de partida as
discussões sobre a unidade teoria-prática (IBIAPINA, 2008).
Tendo como base o exposto, utilizamos, neste estudo, a sessão reflexiva, por
considerarmos que a apropriação da reflexão crítica cria condições para explicitarmos a
unidade teoria-prática, no desenvolvimento da prática pedagógica. Nas sessões
reflexivas, os partícipes tiveram oportunidade de refletir sobre a prática pedagógica, a
fim de compreender o quê, como e por quê realizam determinadas ações, bem como
entender as teorias que embasam sua prática.
As sessões reflexivas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra. No
momento da transcrição, tivemos o cuidado de não deixar que nenhum detalhe da fala
dos partícipes fosse suprimido. Em seguida, devolvemos aos partícipes, para que
fizessem as correções que julgassem necessárias, a fim de que pudéssemos fazer a
redação final. O referido procedimento teve como objetivo propiciar aos professores a
reflexão crítica sobre a prática pedagógica que realizam no exercício da docência, tendo
como eixos norteadores a reflexão intrapessoal e a interpessoal.
A reflexão interpessoal foi realizada com a pesquisadora e cada partícipe em
momentos distintos, possibilitando que os professores refletissem sobre a prática ao
assistirem à filmagem e ao lerem a transcrição da sessão reflexiva. A reflexão
interpessoal sobre a ação pedagógica aconteceu, também, de forma coletiva por meio
das sessões reflexivas. Na oportunidade, cada partícipe colaborou com suas observações
e sugestões para a explicitação da unidade teoria-prática, assim como para a
reconstrução da prática pedagógica. Nessas sessões, foram compartilhados pontos de
vista, interesses comuns e divergentes.
Assim, as sessões reflexivas propiciaram reflexão crítica e colaborativa, em que
os professores envolvidos nas discussões compartilharam significados e negociaram
sentidos da prática pedagógica que realizam. Foram realizadas duas sessões reflexivas
com o objetivo de propiciar aos partícipes, em contexto de colaboração, a condição de
refletirem criticamente de forma sistemática e intencional sobre a prática pedagógica.
Isto porque, quando lançamos a proposta para a realização da sessão reflexiva coletiva,
somente duas professoras volitivamente se colocaram à disposição, para que a filmagem
de sua aula fosse exibida para o grupo.
Neste artigo apresentamos um episódio da reflexão interpessoal da prática
pedagógica da professora Renata.
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7693ISSN 2177-336X
Segunda sessão reflexiva: o voo coletivo da aula da partícipe Renata
A sessão reflexiva da aula de Renata foi realizada no dia 12 de abril de 2014,
com início às 15 horas e término às 18 horas e 30 minutos na residência do Afranio com
a presença de todos os seis partícipes. Iniciamos assistindo ao vídeo com o tema “Dicas
de Julie”4 e, após a exibição, abrimos a mensagem apresentada para discussão,
relacionando-a à reflexão da prática pedagógica.
No momento seguinte, assistimos à filmagem da aula da Renata, em seguida, a
partícipe realizou a autorreflexão da prática pedagógica e depois abrimos para discussão
com o grupo. O espaço de reflexividade contribuiu para que a professora refletisse de
forma sistemática e intencional sobre seu agir docente. A professora Renata mostrou-se
aberta às críticas e sugestões dos partícipes, ouvindo-os sempre atentamente.
A seguir, apresentamos o processo de análise dos dados produzidos no
desenvolvimento da sessão reflexiva coletiva da aula da partícipe Renata realizada no
dia 12 de abril de 2014.
DOCENTES DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: alçando voos mais altos
Neste tópico, refletimos e analisamos a importância da reflexão crítica ser
realizada com o outro. A partir dos princípios da pesquisa colaborativa, entendemos que
os contextos críticos colaborativos não se constituem sem uma relação de confiança
mútua e de respeito ao outro.
Episódio 35
Fátima: – Eu percebi na aula da Renata, às vezes, ela propôs muito a reflexão, só
que ficava muito solitário para o aluno, ele não teve esse espaço para colocar,
mas também não por ela ter fechado as portas, que percebi ali, que esse é um
assunto que sempre a gente acha que não domina, então, muitas vezes, você fica
retraído.
Ozita – Fica retraído.
Fátima – Com medo de se expor né.
Afrânio – Aguardando né o conteúdo.
[...]
Fátima – Se ela tivesse puxado um pouco.
[...]
4 Vídeo retirado do site: https://www.youtube.com/watch?v=4nh1RaIVLcg em 01.04.2013.
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7694ISSN 2177-336X
Fátima – Se ela tivesse puxado um pouco mais, mesmo na pouca experiência
deles, ela poderia ter feito essa troca com eles, né, ai então ela disse assim,
porque que não escrevem naquela hora.
Ozita – Não publicam, né.
Fátima – Propor uma reflexão, nós estamos é exercitando isso, como é que nós
estamos fazendo isso, eles poderia ter ressaltado alguma coisa naquele momento,
mas ali ela direcionou muito né, automaticamente ela já tinha.
Ozita: Encaminhou outra coisa.
Na interação dialógica desenvolvida no episódio 35, os partícipes revelam seus
entendimentos sobre a reflexão crítica ser realizada isoladamente. Quando a professora
Fátima, referindo-se à aula de Renata, diz “[...] às vezes ela propôs muito a reflexão,
só que ficava muito solitário para o aluno, ele não teve esse espaço para colocar”,
traz a marca de que a reflexão critica necessita ser coletiva, mas, para que aconteça, é
necessário que sejam criadas condições para o aluno se posicione perante o que está
sendo discutido. Muitas vezes, o aluno não participa da aula com medo de se expor, o
que requer uma prática pedagógica questionadora, a fim de que se sinta motivado a
trocar ideia, experiência com o outro.
A partícipe Fátima cria contexto colaborativo ao expressar o ponto de vista e
desencadear conflitos mediados pela pesquisadora que contribuíram para o grupo, em
especial para Renata expandir a compreensão de que a reflexão crítica deve ser
realizada com o outro, ao enunciar “se ela tivesse puxado um pouco mais, mesmo na
pouca experiência deles, ela deveria ter feito essa troca com eles”. Fátima, ao se
posicionar dizendo que Renata deveria ter dialogado mais com os alunos, provocado
uma reflexão, contribuiu para que a partícipe Renata e o grupo repensassem a prática
que desenvolvem. A propósito dessa visão, Freire (2011, p. 89) afirma “[...] daí que não
deva ser um pensar no isolamento, na torre de marfim, mas na e pela comunicação, em
torno, [...], de uma realidade”.
A interação dos sujeitos se dá por meio da comunicação que se concretiza com a
linguagem. A filmagem possibilitou a análise e discussão entre os partícipes, ao
observarem que, na aula filmada de Renata, o aluno tinha o papel de ouvinte, que
apenas compreendia passivamente o conteúdo exposto pelo professor, não assumindo
posição responsiva (BAKHTIN, 2011, p. 289). Neste tipo de prática, inexiste, na
enunciação, alternância dos falantes, ou seja, as réplicas são mínimas, prevalecendo a
voz do professor. De acordo com o referido autor, “[...] todo enunciado é um elo na
cadeia da comunicação discursiva”, porque todos os enunciado são plenos das palavras
dos outros.
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7695ISSN 2177-336X
Na colaboração foi possível elaborar a compreensão de que a prática pedagógica
analisada foi construída com base na racionalidade técnica (PEREZ GÓMES, 1998), em
que o professor é visto como um técnico, que aplica rigorosamente a teoria sem
valorizar a prática. A prática desenvolvida nesta perspectiva é acrítica e a reflexão fica
restrita ao nível técnico.
CONCLUSÃO: rumo a novos voos
Neste artigo, procuramos demonstrar que a sessão reflexiva é procedimento
que propicia aos professores da Educação Superior a reflexão crítica sobre a prática
pedagógica que realizam no exercício da docência, funcionando como suporte para o
desenvolvimento profissional docente.
Por meio das sessões reflexivas apoiadas pela videogravação, criamos espaços
para promover a reflexão crítica colaborativa com os pares, compartilhamos ideias,
expandimos conhecimentos, analisamos práticas individuais e coletivas, possibilitando-
nos a transformação da prática.
No processo de reflexão crítica, foi possível confrontar, na perspectiva sócio-
histórica, a prática pedagógica desenvolvida pelos professores na sala de aula. Nossas
reflexões foram crítica e colaborativa, pois tivemos oportunidade de confrontar e
reconstruir os conhecimentos teóricos e práticos, no processo crítico-reflexivo
desencadeado.
Compreendemos que a reflexão crítica é dispositivo que possibilita importantes
transformações na prática pedagógica dos professores da Educação Superior. Mas, é
importante destacar que não é qualquer reflexão que leva à transformação, pois existem
diferentes níveis de reflexão que permeiam a prática pedagógica dos professores.
Ressaltamos que, ao refletir criticamente, o homem revela a relação entre pensamento e
ação nas situações concretas em que se encontram, o que lhes permite compreender a
relação teoria e prática nos contextos em que se encontram. No caso deste estudo, a
reflexão crítica realizada nas sessões reflexivas possibilitou aos professores da
Educação Superior compreender a unidade teoria-prática ao desenvolver a prática
pedagógica em uma instituição superior de Parnaíba-PI.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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OBSERVAÇÃO COLABORATIVA: COPRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
NA COMPREENSÃO DA UNIDADE TEORIA-PRÁTICA NA RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS MATEMÁTICOS
Elieide do Nascimento Silva
RESUMO
Este artigo tem como objetivo responder ao seguinte questionamento: Que relações são
estabelecidas entre os fundamentos das práticas de resolução de problemas com as ações
utilizadas pelo professor? A fim de responder esta pergunta, foi estabelecido o seguinte
objetivo geral: Investigar as relações estabelecidas entre os fundamentos das práticas de
resolução de problemas com as ações utilizadas por professor de Matemática do Ensino
Fundamental, protagonista da pesquisa em tela que apresenta discussões que trazem à
tona a unidade teoria-prática na resolução de problemas nesta área de conhecimento. O
estudo é um recorte da Tese de Doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Piauí, defendida em 2015. A pesquisa,
realizada ao longo do ano de 2014, adota os princípios do Método Materialismo
Histórico Dialético, da Teoria Sócio-Histórica e da Pesquisa Colaborativa à luz dos
princípios teórico-metodológicos de Afanasiev (1968), Freire (2013), Ibiapina (2008),
Liberali (2010), Marx e Engels (2002), Vázquez (2007), Vigotski (2001, 2007), entre
outros. As narrativas do docente, produzidas em contexto colaborativo durante o ano de
2014, foram analisados de acordo com os fundamentos da Interação Discursiva a partir
dos estudos de Pontecorvo (2005). O estudo evidenciou o potencial da observação
colaborativa como procedimento metodológico utilizado na compreensão da unidade
teoria-prática das práticas de resolução de problemas utilizadas pelo professor do
Ensino Fundamental, nomeado de Phardal, de uma escola pública municipal da cidade
de Parnaíba-PI. Como encaminhamento conclusivo, os resultados obtidos ratificam a
potencialidade da observação colaborativa para a compreensão das teorias que embasam
as práticas utilizadas na resolução de problemas matemáticos, possibilitando o professor
a refletir sobre as práticas fossilizadas, por meio da problematização.
Palavras-chave: Observação colaborativa. Unidade teoria-prática. Resolução de
problemas matemáticos.
INTRODUÇÃO
Este texto traz discussões acerca das escolhas teórico-metodológicas na Pesquisa
colaborativa desenvolvida com um professor de matemática do sexto ano do ensino
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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fundamental em Parnaíba-PI, no ano de 20155, cuja tese fundante é de que
problematização possibilita o desenvolvimento de práticas criativas na resolução de
problemas matemáticos. Na investigação, as etapas do planejamento da metodologia, do
registro e das reflexões acerca das informações obtidas foram desenvolvidas levando em
consideração a pré-observação, a observação e a pós-observação, fases que constituem o
movimento da Observação Colaborativa (COELHO, 2012).
No trabalho de doutoramento desenvolvido a observação colaborativa foi
instrumento metodológico que nos possibilitou o esclarecimento da complexidade dos
fatores que envolvem a teoria e a prática na resolução de problemas pelo professor de
Matemática no ensino fundamental, bem como o movimento crítico reflexivo que
tornou os partícipes conscientes de suas escolhas na compreensão, organização,
desenvolvimento e reelaboração da unidade teoria-prática.
Na investigação, a observação colaborativa é desencadeadora do processo
reflexivo que culmina na participação e colaboração dos partícipes, possibilitando a
transformação da teoria e práticas dos professores, assim como dos contextos em que
atuam, aspectos evidenciados, também, nos estudos de Paiva (2002), Ibiapina (2008),
Coelho (2012), entre outros.
Dessa forma, inicialmente discorremos a respeito da Pesquisa Colaborativa
tendo como base os princípios do Materialismo Histórico Dialético e a Abordagem
Sócio-Histórica. Em seguida trataremos da Observação Colaborativa como
procedimento metodológico propiciador da reflexividade crítica necessária para a
reelaboração do pensar e do agir do professor de matemática.
Apresentaremos, logo após, análises que evidenciam o potencial da Observação
Colaborativa como estratégia propiciadora da compreensão das fundamentações teóricas
que embasam as práticas desenvolvidas na resolução de problemas matemáticos,
levando-nos a refletir acerca da unidade teoria-prática.
PESQUISA COLABORATIVA: movimento que possibilita a unidade entre
pesquisar e formar
5 Pesquisa de doutorado defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Piauí intitulada “Movimento de colaboração com um professor de matemática: prática
educativa problematizadora e sua relação com as práticas criativas” sob orientação da Profª. Drª. Ivana
Maria Lopes de Melo Ibiapina.
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Considerando o objeto de estudo da Tese – práticas criativas na resolução de
problemas matemáticos, o Método Materialismo Histórico Dialético e a Abordagem
Sócio-Histórica – utilizamos a Pesquisa Colaborativa para desenvolver a investigação,
haja vista que, nela, tanto a pesquisadora quanto o professor tomam parte do processo
de produção e de desenvolvimento da investigação, tornando-se corresponsáveis.
No Materialismo Histórico Dialético, a materialidade do objeto, seu princípio
orientador, encontra-se na realidade concreta, fruto do permanente movimento de
desenvolvimento e de renovação do novo, a partir de uma realidade existente (MARX;
ENGELS, 2002). Nesse entendimento, as práticas educativas realizadas na resolução de
problemas matemáticos no ensino fundamental foram investigadas tendo como base as
relações sociais estabelecidas dentro e fora da sala de aula.
Tendo como fundamento a Abordagem Sócio-Histórica, compreendemos a
prática educativa, assim como toda e qualquer atividade humana, como atividade que se
forma e se transforma a partir das relações sociais. Portanto, estão estreitamente
relacionadas ao contexto social e às condições materiais apresentadas nesse contexto,
por conseguinte, carregam compreensões fossilizadas formadas nessas relações
(VIGOTSKI, 2007).
Nessa direção, a Pesquisa Colaborativa foi utilizada como instrumental teórico-
metodológico, pois nos possibilitou criar condições à reflexão crítica da prática de
resolução de problemas matemáticos, relacionando-a à realidade mais ampla, que é o
ensino de Matemática no ensino fundamental. Na visão de Ibiapina e Ferreira (2007, p.
31):
[...] o potencial da investigação colaborativa está justamente em dar conta
não somente da compreensão da realidade macrossocial, mas, sobretudo, em
dar poder aos professores para que eles possam compreender, analisar e
produzir conhecimentos que mudem essa realidade, desvelando as ideologias
existentes nas relações mantidas no contexto escolar.
Diante do pensamento explicitado, na Tese, o professor foi considerado produtor
de conhecimentos sobre a teoria e a prática, capaz de transformar as suas práticas
educativas, o que se deu a partir da compreensão da teoria por meio da prática que
desenvolve e vice-versa. Ao utilizarmos esse tipo de pesquisa, deixamos de investigar
sobre o professor de Matemática, passando a fazer com ele a pesquisa.
Buscamos, portanto, em interação com o professor, a partir da análise das suas
práticas de resolução de problemas matemáticos e de seus enunciados, compreender
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qual teoria apoia o seu agir. Dessa forma, por meio da observação colaborativa,
procedimento proposto pela Pesquisa Colaborativa, foram criadas as condições para que
refletíssemos sobre as questões que envolvem a organização e o desenvolvimento das
práticas de resolução de problemas matemáticos6, bem como sobre a teoria que orienta
essas práticas.
A respeito dessa estratégia colaborativa, discorremos a seguir.
OBSERVAÇÃO COLABORATIVA: o movimento da observação e caracterização
da prática no contexto da pesquisa
Os estudos de Paiva (2002), Guedes (2006), Ibiapina (2008), Coelho (2012) e
Bandeira (2014) apresentam a observação colaborativa como procedimento
metodológico desencadeador de um processo reflexivo que culmina na participação e na
colaboração que possibilitam a transformação da teoria, das práticas, dos professores e
dos contextos.
Na visão de Ibiapina (2008, p. 90), a observação colaborativa “[...] é um
procedimento que faz articulação entre ensino e pesquisa, teoria e prática, bem como
possibilita o pensar com os professores em formação sobre a prática pedagógica no
próprio contexto de aula [...]”. Esse procedimento metodológico, além de valorizar a
participação e a colaboração, possibilita aos partícipes a formação e o desenvolvimento
de prática mais consciente, pois se constitui em momento de reflexão crítica sobre o
nosso fazer.
Este tipo de procedimento propicia contextos para a formação dos partícipes por
meio de reflexões sobre suas práticas, explicitando-se, assim, a unidade teoria-prática. O
processo reflexivo que nele acontece leva o professor a refletir a sua prática por meio da
tomada de consciência das suas ações (BANDEIRA, 2014).
Para que esse processo reflexivo ocorresse, na pré-observação, primeira fase da
observação colaborativa, reunimo-nos e discutimos o roteiro de observação, negociamos
a natureza, os objetivos e as finalidades da observação colaborativa a ser desenvolvida e
que a filmagem seria o suporte para análise. Na observação colaborativa, essa fase
corresponde ao momento de planejamento. Para o intento, tomamos como base ações
6Na visão de Onuchic e Allevato (2011, p. 82), a resolução de problemas desenvolve “[...] a capacidade
de pensar matematicamente, utilizar diferentes e convenientes estratégias em diferentes problemas,
permitindo aumentar a compreensão dos conteúdos e conceitos matemáticos”.
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reflexivas7 em Smyth (1992), fundamentado em Freire (2005), e propostas por Liberali
(2010). São elas: descrever, informar, confrontar e reconstruir.
Na ação do descrever, o professor relata de maneira contextualizada as
experiências vividas em sala de aula por meio da observação da aula filmada. Essa ação
foi o ponto de partida para as ações seguintes, servindo de base para os questionamentos
desencadeadores pelas discussões e pelo processo reflexivo da análise da prática do
professor.
No informar, os questionamentos desenvolvidos têm como objetivo visualizar o
entendimento que fundamenta teoricamente as ações apresentadas na aula filmada, ou
seja, somos levados a entender que em toda prática desenvolvida existe sempre uma
teoria que a fundamenta.
Ao confrontar, questionamos as ações desenvolvidas por meio de sustentação,
refutação e negociação de posições, tendo como fundamento a prática. Nesse momento,
questionamos como nos tornamos assim, como o tipo de prática que desenvolvemos foi-
se construindo sócio-historicamente, como as relações nos diversos contextos
influenciaram nossas práticas. Nessa ação, há um prenúncio para a possibilidade de
reelaboração, pois o indivíduo começa a compreender quem realmente é e a questionar
se realmente quer ser assim (LIBERALI, 2010).
Desse modo, a partir das três ações anteriores, desencadeia-se a ação
denominada por Liberali (2010) de reconstruir. Denominada na tese que desenvolvemos
de reelaborar, ação que ocorre efetivamente quando o desenvolvimento da consciência
crítica em relação à prática desenvolvida possibilita a transformação. Nessa ação, a
transformação que acontece é informada pela ação realizada, o novo olhar sobre a
prática realizada, a partir da problematização dos questionamentos desencadeados nas
ações da reflexão crítica, proporcionando a reorganização das práticas de resolução de
problemas matemáticos, pois possibilitam, aos partícipes, reflexão crítica de forma
sistemática e intencional sobre as práticas realizadas.
A segunda fase da observação colaborativa, o registro da observação, aconteceu
na escola, ocasião na qual fizemos, também, a filmagem da aula do professor de
matemática. A observação ocorreu no dia 3 de fevereiro de 2014, na sala do sexto ano
7 Nesta pesquisa, embora cada uma dessas ações reflexivas esteja didaticamente apresentada
separadamente, é importante informar acerca da não hierarquização dessas ações, apesar de cada uma
delas ter organização discursiva própria relacionada aos objetivos aos quais se propõe, ainda assim,
apresentam-se interconectadas formando um todo.
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do ensino fundamental, turno manhã, de uma escola municipal da cidade de Parnaíba,
Piauí. Durante a filmagem da aula, permanecemos em silêncio, atenta e fazendo
anotações. Nessa fase da observação colaborativa, o registro das informações foi feito
conforme roteiro previamente elaborado na fase da pré-observação.
A pós-observação, última fase da observação colaborativa, teve como objetivo
levar o professor a analisar a prática realizada na aula filmada, como forma de reflexão
e de reelaboração das práticas de resolução de problemas matemáticos. Possibilitou,
ainda, por meio das interações que nela aconteceram, a discussão da teoria que
fundamenta essas práticas.
Nessa fase da observação colaborativa, ao retornarmos a aula filmada,
desenvolvemos o movimento de reflexividade que não poderíamos fazer sozinhos,
tendo em vista que é o olhar do outro que nos possibilita entender melhor as
contradições entre aquilo que dizemos e o que fazemos (LIBERALI, 2010).
Esse movimento nos possibilitou entender o que, empírica e teoricamente,
fundamentava a prática usada na resolução de problemas matemáticos, apresentando o
que precisava e poderia ser feito para realizar as mudanças necessárias nas práticas
utilizadas naquela aula.
Destarte, a observação realizada não foi avaliativa, mas participativa,
colaborativa e geradora de oportunidades para a negociação de sentidos sobre a prática
de resolução de problemas e sobre a teoria que orienta este agir. Ao observarmos a aula
do professor, a finalidade foi questioná-la por meio do movimento de reflexividade que
tornasse possível a compreensão acerca da unidade teoria-prática nas práticas de
resolução de problemas matemáticos, foco das análises apresentadas a seguir.
A UNIDADE TEORIA-PRÁTICA NAS PRÁTICAS DE RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS MATEMÁTICOS
Para responder a questão: Que relações são estabelecidas entre os fundamentos
das práticas de resolução de problemas com as ações utilizadas pelo professor?
Apresentamos as discussões que trazem à tona a unidade teoria-prática. Neste tópico
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apresentamos os excertos8 13 e 14 extraídos da terceira e sexta sessão de pós-
observação em que discutimos sobre a importância da unidade teoria-prática.
O Excerto 13 foi selecionado da terceira sessão de pós-observação, realizada no
dia 31 de agosto de 2014.
Excerto 13 – Fundamentos freireanos da prática do professor Phardal9
Leda10
: Na prática que você desenvolve, qual a importância da teoria e da
prática?
Phardal: A teoria e a prática, elas têm que andar juntas sim, são elos, se ligam
(fortemente, a gente sabe que não dá para trabalhar só com prática ou só com
teoria. [...] a gente está querendo, às vezes, até de forma empírica mesmo, unir
essas coisas. A gente sabe que uma é importante no entendimento da outra.
Leda: A sua prática toma como base uma teoria?
Phardal: Alguns estudiosos, como Paulo Freire, nos dão suporte [...]. O que a
gente vem fazendo está alicerçado nos conhecimentos, nos estudos de Paulo
Freire.
Leda: Em que sentido você coloca Paulo Freire? Como você relaciona isso?
Phardal: Paulo Freire, ele, segundo seus estudos, o aluno quando instigado às
situações, pode levar aquele conhecimento para fora da sala de aula, [...] a
situação real dele, efetivamente, o ensinamento foi produtivo, foi um
ensinamento que teve valia, que teve valor, que teve significado.
Leda: Quando você toma Paulo Freire ou essas fundamentações, você
considera esses elementos importantes na sua prática?
Phardal: O professor tem que ser mesmo aquele indivíduo que discute com o aluno,
[...] Ele está numa posição em que ele pode receber informação e trocar com o
aluno, [...] e dali os conteúdos sendo abordados eles permitam que os alunos
tenham oportunidades de transformarem aquilo ali, transformarem aqueles
conteúdos.
Leda: [...] existe para você alguma diferença quando nós falamos de uma teoria
e quando nós nos inserimos dentro desse processo? Qual a importância disso?
Phardal: Sim, existe sim, porque têm teorias e têm profissionais também que
trabalham com teorias repetitivas, onde ele deposita muitas informações
naqueles alunos [...]. A minha proposta e a minha própria filosofia de trabalho são
um pouco diferentes [...] eu vou esperar daquele aluno que ele consiga tudo
aquilo que eu fiz, mas de maneira mais criativa, onde ele seguiu os caminhos
não propriamente aqueles que eu ensinei.
8 Entendidos como núcleos de enunciações que apresentam conteúdo temático, estilo próprio e
composição organizacional na interação discursiva (BAKHTIN, 2011). 9 Pseudônimo adotado para identificar o professor de matemática. Nome de um inventor nas histórias em
quadrinhos que o identifica e o relaciona com os vídeos que desenvolve na internet (You Tube) e o blog
criado por ele: A arte de aprender brincando. 10
Pseudônimo que escolhemos pelo motivo de ser o apelido adotado pelo nosso pai.
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Phardal, ao ser indagado por Leda acerca da importância da teoria e da prática na
atividade que desenvolve, demonstra que sua compreensão sobre elas é de união e de
ligação, ao responder que: “A teoria e a prática, elas têm que andar juntas sim, são
elos, se ligam fortemente”. Segundo Prado Jr. (2002), ligação seria a simples soma de
partes, diferenciando-se, portanto, de relação, na qual teoria-prática se formam e se
determinam mutuamente.
Dessa forma, entendemos que é a relação entre elas que define a unidade, pois
“A teoria por si só não está em condições de transformar a realidade, coisa que a
distingue da prática.” (AFANASIEV, 1968, p. 182). Essa compreensão não foi
explicitada pelo professor, o que interpretamos como necessidade de expansão, que será
definida ao longo das discussões sobre a unidade teoria-prática.
Considerando que Vázquez (2007), ao denominar a atividade humana teórico-
prática de práxis, explicita que na citada unidade há um lado ideal, teórico, e um lado
material, propriamente prático, com a particularidade que só artificialmente, por um
processo de abstração, é possível separar; isolar um do outro e que somente ao
compreender a prática, pelo viés da unidade teoria-prática, é possível revelar os
conhecimentos teóricos e práticos que a caracteriza, Phardal explicita: “A gente sabe
que uma é importante no entendimento da outra.”.
Ao ser indagado por Leda acerca de qual teoria ampara a sua prática, Phardal
respondeu que o trabalho que desenvolve “[...] está alicerçado nos conhecimentos, nos
estudos de Paulo Freire”. Relaciona a prática que desenvolve aos estudos de Paulo
Freire: “[...] segundo seus estudos, o aluno quando instigado a situações, pode levar
aquele conhecimento para fora da sala de aula [...] a situação real dele,
efetivamente, o ensinamento foi produtivo [...] teve significado.”. A afirmação do
professor demonstra o entendimento dos princípios que fundamentam a concepção de
educação destacada por Freire (1996, p. 69), na qual o educador deve desenvolver “[...]
a capacidade de aprender”, não apenas para adaptar-se ao real, mas, sobretudo, para
transformá-lo e nele intervir, recriando-o.
Nessa concepção de educação, de acordo com Freire (2005, p. 79), “o educador
já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o
educando que, ao ser educado, também educa”. Phardal significa a proposta de
educação que desenvolve com base em Freire, ao dizer: “Ele está numa posição em
que ele pode receber informação e trocar com o aluno [...]”. ao fazer referência à
relação professor-aluno no processo de ensino-aprendizagem.
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Phardal evidencia que as concepções freireanas fundamentam a sua prática,
quando conclui: “[...] eu vou esperar daquele aluno que ele consiga tudo aquilo que
eu fiz, mas de maneira mais criativa, onde ele seguiu os caminhos não
propriamente aqueles que eu ensinei.”. Uma prática que possibilite o educando
refletir, descobrir-se e conquistar-se como sujeito destinado a ser mais (FREIRE, 2005).
As discussões indicam que houve desenvolvimento na interação. Segundo
Pontecorvo (2005), essa dimensão é identificada quando o interlocutor se contrapõe e
argumenta por meio de exemplos, relacionando e ampliando o tema discutido na
interação. No excerto em foco, houve desenvolvimento, por exemplo, quando os
partícipes relacionam as práticas discutidas com a concepção freireana e quando Phardal
justifica porque sua prática não está fundamentada em “[...] teorias repetitivas”,
evidenciando o desenvolvimento da discussão.
Em continuidade, apresentamos as discussões ocorridas no excerto 14. O excerto
foi extraído da sexta sessão de pós-observação, realizada no dia 4 de outubro de 2014.
Excerto 14 – Relação teoria-prática
Leda: [...] então [...] por trás dessa prática há sempre uma teoria presente.
Phardal: É [..] a gente sabe que, por trás, tem uma teoria bem fundamentada
em vários estudiosos como Vigotski, Piaget, que dão embasamento teórico,
para que nosso material seja fundamentado em pessoas que estudaram e
afirmam, [...] que [...] a estratégia bem aplicada vai surtir efeito.
Leda: [...] a sua prática, ou a de qualquer professor no que se refere à questão da
resolução de problemas, o que você acha que ela pode auxiliar para o ensino e
a aprendizagem?
Phardal: A resolução de problemas, se nós conseguirmos, na hora que o aluno tiver
tentando fazer essas resoluções tirar muito desse abstrato, botar mais no
concreto, no cotidiano, a gente acha que os resultados serão mais satisfatórios.
Leda inicia a discussão ao afirmar: “[...] por trás dessa prática há sempre uma
teoria presente”, ressaltando a importância da teoria para a compreensão da unidade
teoria-prática discutida no Excerto 13. Phardal continua a discussão, ratificando o
posicionamento, ao confirmar: “[...] a gente sabe que, por trás, tem uma teoria bem
fundamentada em vários estudiosos como Vigotski, Piaget, que dão embasamento
teórico para que nosso material seja fundamentado [...]”, destacando a importância
do conhecimento da teoria, para que as estratégias utilizadas com o material sejam bem
aplicadas e venham surtir efeito no processo de ensino e de aprendizagem.
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Na visão de Vázquez (2007, p. 233):
A atividade teórica proporciona um conhecimento indispensável para
transformar a realidade, ou traça fins que antecipam idealmente sua
transformação, mas tanto em um como no outro caso a realidade efetiva
permanece intacta.
Phardal expressa o entendimento de que a teoria proporciona conhecimento
acerca da prática que utiliza na resolução de problemas matemáticos, quando
indagamos: “[...] no que se refere à questão da resolução de problemas, o que você
acha que ela pode auxiliar para o ensino e a aprendizagem?”; ele responde que a
teoria possibilita “[...] tirar muito desse abstrato, botar mais no concreto, no
cotidiano”.
A partir do exposto, observamos que o professor revela o entendimento de que
a resolução de problemas deve sair do abstrato ao concreto no ensino-aprendizagem. Ou
seja, possibilitar ao aluno “[...] resolver situações-problema, sabendo validar estratégias
e resultados, desenvolvendo formas de raciocínio e processos [...] utilizando conceitos e
procedimentos matemáticos [...]”, permitindo que resolva os problemas e compreendam
o conteúdo matemático (BRASIL, 1998, p. 48).
As enunciações indicam que a discussão manteve o fio condutor; evidenciando,
por exemplo, que o professor aponta a importância do conhecimento da teoria para o
desenvolvimento satisfatório da resolução de problemas matemáticos, destacando que
esse conhecimento possibilita trabalhar a atividade de maneira concreta. Segundo
Pontecorvo (2005), quando há coerência entre os interlocutores, mantendo-se o fio
condutor da discussão, indica que houve desenvolvimento na interação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises dos excertos evidenciam a importância da observação colaborativa
para a compreensão das necessidades de formação do professor, referentes à unidade
teoria-prática na atividade que desenvolve, quando trabalhadas por meio da reflexão
crítica desencadeada nas discussões que ocorreram nas sessões de pós-observação. Esse
movimento possibilitou entender as práticas cristalizadas e, a partir da concepção
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freireana de prática problematizadora, refletir sobre as mudanças necessárias para sua
reelaboração.
Observamos que o professor Phardal apresenta progressivo desenvolvimento no
pensamento sobre a importância da teoria e do processo de reflexividade crítica, para
que a prática educativa se torne consciente e tenha a função de desenvolver a
curiosidade epistemológica do aluno, por meio da problematização.
O artigo revelou o potencial da observação colaborativa como um procedimento
investigativo e formativo, ao contribuir para que o professor, juntamente com a
pesquisadora, desvelasse práticas fossilizadas e como elas interferem nas ações
utilizadas em sala de aula, determinando as práticas de resolução de problemas
matemáticos.
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