Título: Identidade nacional e o espaço da moda
Autora: Nízia Villaça
E-mail: [email protected]
Programa utilizado: Word
Resumo inglês: This essay pretends to discuss some questions connected to the concept of Nation to-
day, by describing the evolution of the vision of Nation as a imaginary community towards
and a second moment when the global communication provoques the emergence of the
thought of difference. In the scenary of the consumer society, the new technologies and the
progressive globalization the relation between body and fashion will be focused in order
understand this evolution of the concept of identity towards the market of difference from the
50th. to 2000.
Palavras-chave: Communication; Nation; Market; Body; Fashion
Resumo espanhol: Nuestra apresentación busca poner in relieve el facto de que el pensamiento sobre la
nación, después de estar vinculado intimamente al discorso del Estado y a un proyecto
homogeneo, comienza ahora a vincularse sempre más al mercado y a la pluralización de la
diferencia. Este paysaje será examinado en el escenario de las nuevas tecnologias de la
comunicación y la progresiva globalización de la economia.
El cuerpo y su relación com la moda se pondrá como operador sembolico bajo la
mirada del mercado, de la epistemologia de la comunicación y de la antropologia del consumo
en las décadas que van de 1950 a 2000.
Palavras-chave: Comunicación; Nación; Mercado; Cuerpo; Moda
IDENTIDADE NACIONAL E O ESPAÇO DA MODA
A existência de uma nação é, com o perdão da metáfora, um plebiscito diário, da mesma forma que a existência de um indivíduo é uma afirmação permanente da vida. Ernest Renan
Com o título “Identidade nacional e o espaço da moda”, busca-se evidenciar, na
trajetória brasileira, o pensamento da nação como um “construto” que, após estar longamente
vinculado a um discurso do Estado e ao projeto nacional, hoje, liga-se progressivamente ao
mercado. É esta passagem que buscaremos enfocar por meio das conexões entre corpo, moda,
cultura e Brasil, tendo como pano de fundo a questão identitária, o desenvolvimento das
novas tecnologias da comunicação e do “marketing”, da produção têxtil, do “design” e a
progressiva globalização da economia.
Em seminário na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro “A reinvenção da democracia:
diversidade cultural e coesão social”, tive a oportunidade de, como moderadora de uma das
mesas, participar da reflexão sobre os desafios lançados aos países emergentes quanto à
dinâmica identidade/diversidade, seja individual, social ou nacional, no cenário das
transformações espaço-temporais, provenientes das novas tecnologias da comunicação e dos
efeitos inerentes à lógica de consumo neoliberal.
Agradou-me particularmente nas discussões, a recorrência do prefixo re (reinventar,
repensar, renegociar), substituindo o já extenuado prefixo pós com sua conotação de morte
(pós-moderno, pós-humano, pós-orgânico) e a apologia da cultura do fim (fim da história, fim
da sexualidade, fim da política). Tal característica discursiva aponta para estratégias que
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questionam os discursos épicos da globalização e da tecnociência, incorporando a discussão
sobre a diversidade cultural e a coesão social, desconsideradas freqüentemente em
democracias sem representatividade, sem república, marcadas pela despolitização e
neutralidade, construídas na distância dos antigos movimentos de direita ou esquerda.
É determinante neste campo o papel de uma Teoria da Comunicação que enfoque não
apenas as técnicas cada vez mais sofisticadas, mas também os ideais e os valores sociais,
contemplando as questões que provêm da lógica do capital e da lógica propriamente política.
Segundo Dominique Wolton, numa sociedade onde a informação e a comunicação são
onipresentes, o desafio não diz respeito à aproximação dos indivíduos e das coletividades,
mas ao contrário a administração de suas diferenças; não a celebração de suas semelhanças,
mas a de suas alteridades. É a história econômica e social que dá sentido a história da técnica
e, portanto, não cabe a afirmação de políticos e líderes da mídia de que as tecnologias da
comunicação estão adiantadas em relação à sociedade, reclamando a adaptação mais
acelerada.
Daí a importância dos autores ligados aos Estudos Culturais como Stuart Hall, Martin-
Barbero, García Canclini, bem como outros ligados à Teoria da Comunicação e à
Antropologia do Consumo, pois nos ajudam a compreender os novos tempos na sua
diversidade, nos seus ajustes, nas suas hibridações. Não se pode pensar de forma radical do
ponto de vista de uma Teoria da Comunicação, isto é, da ligação entre técnica, modelo
cultural e projeto social, ligação esta que implica um pensamento que não caia num
determinismo tecnológico da revolução social ou em uma visão linear da comunicação.
A pluralização das vozes na nova cultura tecnológica é um tópico que vem suscitando
diferentes apostas. Contardo Galligaris comenta a desordem produzida pela livre, louca
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circulação de pensamentos, mas afirma ainda preferir tal situação ao julgamento de uma só
instância (CALLIGARIS, 2007: E-8). O mundo da informática e da Internet, expressões
indiscutíveis da modernidade, é também o mundo que convive com fundamentalismos e
conservadorismos. Ao mesmo tempo em que os países se integram em associações
comunitárias internacionais como a União Européia e o Mercosul, eclodem guerras
nacionalistas como a da Bósnia e conflitos raciais como o do Zaire (IANNI, 1996).
Para Hélio Jaguaribe, estamos presenciando ao terceiro ciclo do processo de
globalização. O primeiro ciclo se iniciou com as descobertas de Vasco da Gama e Colombo,
abrindo um período de expansão mercantilista da Europa. O segundo ciclo correspondeu ao
desenvolvimento da revolução industrial, que conduziria ao desigual intercâmbio entre
produtos manufaturados da Europa e produtos primários dos demais países. O terceiro e atual
ciclo corresponde à revolução tecnológica de mercados deste século e está conduzindo ao
assimétrico relacionamento entre países de alta e de baixa competitividade” (JAGUARIBE,
1997: 3).
Já em 1996, Milton Santos comentava o nosso retrocesso em matéria de democracia
quando o essencial dos debates parecia desligado de um texto maior e resumido ao fascínio
pelas cifras e pelas coisas. Aponta o autor a coisificação da política e a democracia de
mercado, sublinhando a dificuldade de atribuir sentido aos objetos que nos rodeiam e às ações
em que estamos envolvidos. Se, politicamente tal acontecia, no âmbito do mercado, a
publicidade se encarregava de valorizar o poder mágico dos mesmos objetos. O cidadão é
substituído pelo consumidor e a imaginação da nação atrofiada pelos valores mercadológicos
sempre menos controlados em seus fluxos pelos Estados (SANTOS, 1996: 3). Na mesma
época, Moacir Werneck de Castro denunciava a cooptação dos intelectuais, sua complacência
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com o pensamento único. Recusava-se a ver a humanidade como um rebanho manso “tangido
pelos pastores neoliberais” (CORDOVIL, 1996: 6).
Os modos de imaginar o global como acentua com muita propriedade Néstor García
Canclini (2001), podem ser variados e a crise do Estado-Nação não é exatamente nem total
nem definitiva. Tanto no nível da nação como assinalou Benedict Anderson (1989) quanto no
da globalização, conforme Canclini, é preciso lembrar a importância da coesão/diversidade de
imaginários. Entender a globalização requer examinar como estão evoluindo as imagens na
sua circulação entre o centro e a periferia, seja no âmbito nacional, seja internacional e,
portanto, as políticas de comunicação internas e externas. Do ponto de vista econômico, a
globalização pode ser vista como um conjunto de estratégias para realizar a hegemonia de
macro empresas industriais, mega corporações de cinema, televisão, música, uma apropriação
dos países periféricos ou, na contramão desta atitude, temos o esforço de sujeitos individuais e
coletivos dos países dependentes para reinserir seus produtos em mercados mais amplos. As
formas de participação no movimento global são variáveis assim como as novas fronteiras da
desigualdade.
Com a desterritorialização acelerada do capitalismo, segundo Renato Ortiz (Apud,
BARROS, 1997: 2), destroem-se e, em seguida, constroem-se novas espacialidades, não mais
enraizadas em lugares reais. Isso não se aplica apenas à economia, mas também à cultura. Por
exemplo: o “western” não é mais americano. Foi um mito criado a partir da história
americana; é um espaço de referência que, depois da mundialização dos “western” espaguete
pelos italianos, nos anos 60, se generalizou. Não tem mais relação necessária com o solo e a
história americanos. Não há fim, mas criação de uma nova territorialidade, não mais ancorada
em espaços físicos concretos. Desse modo, mudam idéias como as de identidade e nação, o
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que não significa que não haja identidades fortes hoje, em várias comunidades. Afirma o autor
que não se pode nem começar a conversa se não partimos da idéia de que existem interesses
econômicos poderosos que determinam a globalização, mas não se avança em nada se
paramos por aí, pois no passado eles sempre existiram.
1- Homogeneidade e interculturalidade
É de suma importância avaliarmos o que há de homogeneização na marcha da
globalização e enfocar paralelamente a interculturalidade. Chamaríamos com Canclini de
épico o movimento que privilegia a crença na progressiva desaparição de todas as fronteiras
notadamente nos setores econômico e comunicacional. Por outro lado, chamaremos de
dramático as narrativas que fazem ver as fissuras, violências e dores da interculturalidade,
notadamente no campo da antropologia, da psicanálise e da estética. Começa-se a pensar a
coexistência necessária e daí a importância do estudo das recomposições produzidas entre o
local e o global, enfocando os movimentos migratórios e também os fluxos do consumo de
empresas multinacionais em países e culturas diversas. A discussão sobre o pensamento único
neoliberal, a gestão do lucro, cresce, assim como a organização da resistência. Tal trajeto nos
fez voltar ao momento de desconstrução do projeto moderno, seguindo Boaventura Souza
Santos, e discutir os termos de uma reconstrução democrática em que a racionalidade
econômica e as relações internacionais, submissas ao Consenso de Washington, não
desrespeitem e aumentem o fosso social que separa o nosso PNB (Produto Nacional Bruto) do
IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
A importância de pensar a cultura atual como resultante de dados simbólicos e
simultaneamente empíricos, nos leva de volta ao projeto moderno. É esclarecedor pensarmos
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tal projeto a partir de seus dois eixos: o da Regulação, compreendendo as políticas
empresariais, o Estado e as políticas públicas na ótica do bem comunitário e o da
Emancipação, ou seja, a autonomia do cidadão para produzir arte, ciência e ética. Tal projeto,
entretanto, teve sua rota constantemente desviada e a economia aparece como um dos fatores
marcantes do crescente desequilíbrio. Reduziu-se o Estado que deveria colher os impostos e
administrar as necessidades básicas do povo em termos de saúde, educação e habitação; a
empresa aumentou seu poder lobista junto a este mesmo Estado, colaborando para que fossem
mudadas paulatinamente as regras do projeto. As intermediações e representações populares
(partidos e sindicatos) enfraquecem e a paulatina reinvenção das leis trabalhistas dá lugar a
um crescente número de desorbitados, ou seja, destituídos de qualquer vínculo com o sistema
de produção. Os movimentos sociais vão encarnar a luta contra a exclusão das minorias dos
anos 80 e, posteriormente, grupos na Internet se organizam pontualmente de forma crítica. No
orkut, em blogs e numa infinita sucessão de espaços virtuais, a multidão singular, segundo
Antônio Negri (2005) mostra a sua cara. Em nossa opinião, por enquanto, parece-nos mais
claro o poder midiático do autor do que exemplos e dados concretos sobre as novas
articulações sócio-político-sociais com força contra-hegemônica no mundo virtual, conforme
comentaremos na linha de Sloterdijk.
O projeto moderno, se não foi um êxito na sua estrutura dinâmica do eixo da
Regulação com o eixo da Emancipação, não pode de modo algum ser substituído por um neo-
iluminismo de cunho tecnológico. O primeiro com seus fracassos deu margem a que
aparecessem os novos movimentos sociais com as reivindicações das minorias; no novo
contexto da globalização, o futuro dependerá do que estamos chamando reinvenção da
democracia numa ordem intercultural que reequilibre as leis do mercado com as necessidades
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sociais. Queremos criatividade não apenas para criar grifes e exportar um Brasil ficcional.
Belas metáforas de desenvolvimento não têm sentido quando confrontadas com os índices de
desenvolvimento humano.
Alguns cruzamentos do global e do local deverão ocupar nossa atenção, uma vez que
tais cruzamentos não podem ser classificados simplesmente como hibridações ou pretextos
para jogadas mercadológicas. É necessário questionar suas estruturas constituintes, se elas de
fato existem ou são apenas apropriações hegemônicas pontuais da cultura periférica.
Peter Sloterdijk comenta a passagem da massa revolucionária e sua força de
ajuntamento e reconhecimento a uma pseudo-emancipação e semi-subjetividade em que a
reunião física é substituída pela participação em programas dos meios de comunicação de
massa. Agora, as sociedades pós-modernas não se orientam primariamente por suas
experiências corporais, “mas se observam apenas por meio de símbolos das comunicações de
massa, de discursos, modas, programas e celebridades: a multidão solitária, massa sem
potencial” (SLOTERDIJK, 2002: 17). Sob a força do consumo e a influência das mídias, as
massas tornam-se coloridas e moleculares. Participam agora de um narcisismo midiático em
que as palavras de ordem da nova identificação incluem o culto à personalidade e dão
prosseguimento ao programa de desenvolver a massa como sujeito, misturando os ditadores
populares com os ídolos e celebridades. Apenas a relação em vez de vertical, como no
fascismo, é horizontal. Tanto o reconhecimento como a ameaça de exclusão e desprezo, são
construídos hoje, midiaticamente.
Se a década de 90 se caracterizou pela aplicação das receitas neoliberais na América
Latina e Caribe, sob a égide do Banco Mundial, do FMI e do poder hegemônico, na década de
2000, iniciam-se mudanças econômicas, sociais e culturais com eleição de presidentes com
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tendências a fortalecer o bloco latino-americano e tomar atitudes independentes em relação ao
cenário hegemônico. Tal fato é bastante claro com a importância que vem sendo
crescentemente atribuída às ações de cada um dos países que compõem o continente sejam
eles pertencentes ao Mercosul ou não. Parece-nos que não se trata de um novo paradigma,
nem de uma hierarquia lógica, mas de uma escuta sensível para diferenças e soluções onde o
desejo de eficácia não nivele grosseiramente as questões.
2- Brasil: da identidade à marca
A preocupação em definir o Brasil como nação e o brasileiro como povo, como bem
sublinha Lívia Barbosa (2000: 43-59), foi um tema central de nosso pensamento intelectual.
Os movimentos de busca de identidade nacional sempre se caracterizaram pelo desejo de
unificação, de banimento do outro, seja através de um exotismo paradisíaco, encenado por
exemplo no romantismo, seja por um exotismo mestiço que, no limite, perdia a abertura das
diferenças para encarnar um mito.
Tradicionalmente, ao se falar de identidade nacional, o que se tinha em mente era uma
comunidade imaginada, unificadora do povo a ser administrada por um Estado em busca do
progresso. Dentro de uma perspectiva evolucionista Silvio Romero, bem como Euclides da
Cunha ou Nina Rodrigues, no século XIX, viram no elemento mestiço uma maneira de
considerar a impossibilidade de transplantar integralmente o desenvolvimento europeu. Era
necessário esperar o processo de branqueamento social.
Definir o nacional foi uma luta ideológica que atravessou diversos momentos
históricos, notadamente, os anos 20 com o Movimento Modernista, com a antropofagia e
também a década de 30 com a obra representativa de Gilberto Freyre que inverte o sentido de
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mestiçagem atribuindo-lhe positividade. Mantém, entretanto, o modelo que encobre conflitos
raciais, trocando raça por cultura. Para seguir o trajeto aludido no título “Identidade nacional e
o espaço da moda”, faremos breve retrospecto da expansão do mercado da moda nas décadas
aludidas, da importância crescente do mundo “fashion” em tempos globais, assinalando as
transformações das relações nos e dos espaços, geográficos e simbólicos, por meio da
comunicação mediada pela moda e suas estratégias de subjetivação cuja tônica apela para o
corpo.
O corpo funcionará como uma espécie de operador simbólico no quadro de uma
antropologia do consumo. Seguindo pistas sobre o assunto, dadas por Mary Douglas e Baron
Isherwood (2004), a leitura do consumo, de alguma forma, reconstrói dados sobre a cultura de
uma época e de um país. O consumo de bens materiais e simbólicos é ativo e constante no
nosso cotidiano como estruturador de valores que constróem identidade, regulam relações
sociais e definem mapas culturais. A elaboração de um pensamento capaz de ler os
significados culturais do consumo, possui, assim, grande importância antropológica e
comunicacional já que os bens são investidos de valores para expressar idéias, princípios,
provocar transformações e criar permanências.
Algumas categorias foram por nós estabelecidas entre os anos 50 e 2000 relacionando
o corpo e o universo da moda: moda/proposta (anos 50), moda/prótese (anos 60 e 70),
moda/fetiche (anos 80), moda/álibi (anos 90) e moda/instalação (anos 2000). Tais etiquetas
marcam tendências preponderantes relativamente a questão em pauta. O que nos sugere o
corpo da moda dos anos 50 aos anos 2000? Metáfora ou metonímia do Brasil?
O cenário sócio-histórico sempre articulou comportamentos em que a estética corporal
era recriada e transformada no jogo social e algumas vezes no jugo social. A primeira de
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nossas categorias, a moda proposta, refere-se aos anos 50, momento em que a sociedade de
consumo começa entre nós a delinear seu perfil e em que o corpo brasileiro está atrelado a
todo um imaginário “fashion” que era importado.
O cinema e a televisão disseminavam as imagens do American Way of Life. A
produção era massiva e o consumo também. O período Kubitscheck se caracteriza pela
internacionalização da economia brasileira no momento que, paradoxalmente, procurava-se
um ideário nacionalista. Desenvolve-se a indústria automobilística e têxtil. Cinqüenta anos em
cinco era a meta e a inauguração de Brasília, um marco. A revista Jóia, junto com a
Manequim e sua substituta Desfile, foram pioneiras no sentido de acompanhar o crescimento
da indústria nacional e apresentar a moda dentro do estilo fabricado no Brasil baseado em
modelos europeus. Pela primeira vez as pessoas comuns podem ter acesso às criações da
moda sintonizadas com as tendências do momento. Em 55, as revistas Elle e Vogue, dedicam
várias páginas às coleções “prêt-à-porter”. O modelo feminino é branco, jovem e esguio. A
saia lápis impede os movimentos. Nas fotos, a postura é rígida e freqüentemente, não há
relação entre a roupa e o cenário. Nara Leão com seu cabelinho de franja, sua pequena voz,
vestido até o joelho, era a grande sensação das camadas média e alta das classes média. Pura
Bossa Nova. Havia regras de decoro de acordo com a hora, cuidados com os acessórios para
a classe média de um modo geral.
Enquanto isso, sobretudo, na segunda metade da década, em pontos dos Estados
Unidos, discutiam-se os “beatnicks” (BUENO; GÓES: 1984) e o existencialismo vestuário
semelhante ao dos “punks” (BIVAR: 1982) dos anos 70, escutava-se música afro-americana,
entregavam-se ao “rock and roll”, quando o programa não era lançar-se “on the road”. Jovens
rebeldes como Marlon Brando, James Dean ou Bill Haley, não se submetiam a indumentária
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da época e Elvis Presley dava a nota. Tal clima de alguma forma nos chega através do filme
Sementes de Violência, 1955. Anunciava-se a revolução comportamental dos anos 60.
Já nos anos 60 e 70, que vamos denominar de moda prótese, a moda constitui-se
como uma extensão do corpo para expressar linhas de liberdade, contestação e novos
imaginários como o espacial, revelando crescente integração com o mundo devido ao
desenvolvimento da comunicação em geral. O início da década é marcado pela arte
revolucionária do CPC que leva aos extremos o pensamento sobre conscientização política,
iniciado pelo ISEB (ORTIZ, 1994: 63-65)1. A discussão sobre o que seja o povo brasileiro
toma conta do Movimento Teatral, Movimentos Estudantis e Políticos.
Em 64, o Golpe e a Ditadura. É como se houvesse dois países: o “Pop” e o da
Contracultura (PEREIRA: 1983). O novo ídolo da classe média das sociedades de massas é
Roberto Carlos. O programa Jovem Guarda é acompanhado de poderoso “marketing”. A
marca Calhambeque dissemina-se em toda uma gama de produtos. O disco é vendido no
exterior e, na América Latina, conseguia tanta fama quanto o Tico-Tico no Fubá ou Aquarela
do Brasil. É a época dos tubinhos que substituem as saias rodadas do “new look”. Era o duas
peças e a calça “saint tropez” na corrida pela liberdade de movimentos. A indústria nacional
desencadeia uma ofensiva das fibras sintéticas: banlon, tergal, nylon, acrílico, rayon e
poliester. Em 65, as saias tornam-se mais curtas, os temas gráficos substituem as estampas, os
Beatles influenciam a moda jovem. Mary Quant lança a minissaia. Londres é a grande
influência. A moda unissex insinua-se. A novela Beto Rockfeller revoluciona a área na TV
Tupi.
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A discussão sobre países desenvolvidos e periféricos desenvolve-se através de ensaios
políticos que se sucederão até 68, quando o AI-5 marcará um endurecimento do Regime. Em
Paris, o Movimento 68; as manifestações estudantis, no Brasil: desbunde e luta armada.
Apesar da ditadura, há um estímulo controlado da cultura e a criação de instituições estatais
que a organizam, como por exemplo o Conselho Federal de Cultura, a EMBRATUR ou o
Instituto Nacional do Cinema. A década é marcada tanto por um movimento de superfície,
quanto por uma real revolução em termos de comportamento. A censura marca a distância
entre os dois. A classe média prossegue com a tipologia das butiques, enquanto muitos são
presos e exilados.
A escolha de estilo amplia-se. O corpo através das roupas, se solidariza com os
movimentos mundiais, mas lança sua especificidade brasileira como bem demonstra o
fenômeno Tropicalismo que lança duas marcas brasileiras que até hoje contam um pouco de
nossa história: Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Os anos 70 dão continuidade aos anos 60. A revista Nova, lançada em outubro de
1973, pela editora Abril, veio para informar a mulher dos anos 70 que, aos poucos, ia
libertando-se do lar e conquistando seu espaço na sociedade. Era indicada às solteiras ou
casadas, mas com um perfil profissional e com uma certa liberdade sexual. Figura
emblemática desta década foi a mineira Zuzu Angel com loja em Ipanema, levando a moda
brasileira para o então desacreditado mercado americano. Explorou materiais nacionais,
valorizou seu nome ao colocar a etiqueta do lado de fora e, em famosa coleção, fez alusões
gráficas a morte de seu filho Stuart, morto pelo regime militar em 70. Criava não só para a
elite, mas para a mulher comum. Apesar de ainda haver muita cópia, os costureiros brasileiros
já davam seus passos em busca de uma moda nacional, mostrando seus trabalhos nas páginas
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das revistas femininas. Dener foi o primeiro ainda nos anos 50 e sua vida, descrita por Carlos
Dória (1998), nos dá um retrato da dinâmica nacional/estrangeiro entre os anos 50 e 78,
quando falece. Qual a fábrica estrangeira que tem etiqueta brasileira? - perguntava o
costureiro notando a decadência do setor no Brasil. Queixava-se da moda estrangeira trazida
pelos “compristas brasileiros” (eufemismo para muambeiros). O governo passou, depois, a
taxar com importação, as compras feitas acima de 200 dólares.
Passando pela moda “hippie”, pelas discotecas (novela Dancing Days e seu figurino
psicodélico), pelo “No Future” dos “punks” (Sex Pistols), pelo clímax do “jeans”, os anos 70
entre nós se fecham com a anistia e a tanga do Gabeira nas Dunas de Ipanema, significando a
maior liberação política refletida nos corpos.
No plano mundial temos Tatcher e Bush, e a crescente importância do neoliberalismo.
Com a moda/fetiche ainda mais que o corpo importa a grife. É a época do desenvolvimento
das multinacionais, dos “shopping centers” e a importância das marcas assume o relevo de
fetiches que parecem anular o próprio corpo. A construção das marcas e o desenvolvimento
da comunicação caminham paralelamente e as estratégias para criar e manter a importância da
marca não parará mais. É nesta época que cresce o movimento profissional das mulheres cujo
poder é registrado nos tailleurs com ombreiras. No campo do lazer, elas constróem seus
corpos, e as grifes ligadas ao esporte ganham importância. Como outras tendências da época
cabe assinalar a explosão das tribos: “punks”, góticos, “skinheads”, “new wavers”, “rappers”.
As grifes japonesas entram em cena com a desestruturação da silhueta, apoiada em pesquisa
têxtil. Surgem as “top models”.
Nos anos 90, a moda que chamamos de moda/álibi, vai utilizar no mercado da moda
os recursos provenientes da política multicultural e do politicamente correto. A etiqueta álibi
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vem aludir ao deslocamento das questões ligadas à ética e à política para o fórum global das
passarelas e veículos do mundo “fashion”. O Brasil se beneficia desta abertura à diferença. O
corpo vestido torna-se “outdoor” ético, político, tribal. Iniciam-se os megadesfiles, iniciando-
se com o Phytoervas Fashion, de Paulo Borges. Surgem desfiles autorais de Fause Haten e
Marcelo Sommer. Debate-se a identidade nacional com estilistas, fotógrafos, produtores etc.
O Brasil tem sucesso no “prêt-à-porter” de Paris com Ocimar Versolato. O corpo da brasileira
é objeto de desejo. O Brasil começa a tornar-se objeto de exportação e, progressivamente,
instala-se o ir e vir do nacional e do estrangeiro no campo da moda, por ocasião dos desfiles.
Cabe lembrar o surgimento da figura do “stylist” que, como acentua Erika Palomino (2003),
não é o estilista, mas um super produtor de moda que define o “look” e faz ponte com todos
os envolvidos. Ele deve conhecer história da arte, história da moda, acompanhar o mundo da
música e do cinema. Acrescentaria cultura e política. Os anos 90 ampliam definitivamente o
horizonte do planeta “fashion”, generalizando apropriações no espaço e no tempo. A moda
discute ciência, estética e ética.
Os anos 2000, no contexto da globalização da sociedade de consumo, cresce a
preocupação com a Marca Brasil, explorado como um grande celeiro de criatividade e
talentos nos mais diversos campos. Uma tendência predominante, entre as estratégias
adotadas, é o recurso ao imaginário da arte na sua versão instalação: moda/instalação.
Enfatiza-se a imagem do país no cenário global, oferecendo criatividade e desenvolvimento
tecnológico. O empréstimo, tomado ao campo artístico, aponta para o processo de construção
da identidade como esforço histórico e não essência ou substância. Na trilha dos tropicalistas,
a apropriação e a hibridação dão o tom. Dando continuidade ao aspecto espetacular já
presente nos anos 90, acentua-se a importância de inventar e manter a marca com estratégias
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que suscitam interatividade, imersão ambiental, intertextualidade e outros recursos
constitutivos da produção e percepção contemporâneas no campo das artes. Na São Paulo
Fashion Week de 2005, o prédio da Bienal se transforma numa grande instalação em que as
10 mil pessoas, que freqüentam o evento diariamente, entram como participantes. Giselle
Nasser, talento da nova geração, garante, por ocasião de sua seleção para o SPFW 2004, que
não vai perder sua identidade. “Vou ficar mais comercial, não no sentido de estilo, mas no
sentido de produção, de viabilizar a roupa”, comenta. (PALOMINO, 2004: E-6).
A moda, cujas relações com o campo artístico sempre foram presentes, sofistica seus
processos de apropriação estética. Os produtores e estilistas preocupam-se com a elaboração
de climas que sugerem a complexidade da subjetivação contemporânea e buscam a interação
maior com o público. A possibilidade oferecida a todos parece ser a da escolha do diálogo, da
interferência, da reorganização ambiental. Daí a variada dispersão da moda pela cidade como
um teatro de rua. Além da questão de propiciar uma provocação para a percepção do
contemporâneo, a moda, no seu viés instalação (COSTA, 2004), cria eventos que, por sua
espetacularidade, reforçam a marca como mais importante do que qualquer outra
característica do produto. A gestão da marca é o grande desafio no capitalismo de imagens
que não pára de criar pseudo-sujeitos e pseudo-acontecimentos. A marca fabrica verdadeiros
romances e narrativas provenientes de diversos campos.
No lançamento outono-inverno 2006 no MAM, a palavra clima dominou, apontando o
tema Horticultural e a necessidade de conexão com o ecossistema. Segundo Eloysa Simão,
organizadora do evento, “essa mistura remete à herança carioca onde favela e asfalto se
encontram”. Segundo a holandesa Li Edelkoort, uma das maiores “trendsetters”, muita
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inspiração para o verão 2007, será compilada no tema “Museu de história natural”2. Na
mesma viagem climática, Maria Fernanda Lucena espalhou tinta pela passarela para nos
passar a percepção de aula de pintura do Parque Lage. É interessante notar que dentro desta
proposta da moda como instalação, tanto se criam ambientes, quanto se reestruturam outros
com intervenções e propostas “fashion”, ou seja, trabalhos preparados para ambientes
previamente escolhidos.
Na cultura de mercado é a diversidade que cria a unidade. Segundo Martín-Barbero, é
o mercado capitalista que pressiona o sentido da formação de identidades locais. “A
identidade local é assim levada a se transformar em uma representação da diferença que
possa fazê-la comercializável, ou seja, submetida ao turbilhão das colagens e hibridações que
impõe o mercado” (MARTÍN-BARBERO, 1997: 28). Da diferença cultural ao diferencial da
marca. Segundo Isleide Arruda Fontenelle (2002), a importância atribuída à marca provém de
um processo de compensação pela implosão constante de todas as formas resultantes de uma
cultura descartável. A marca parece com a ilusão da forma que dá ao sujeito o sentido de
permanência já que as imagens se deslocam o tempo todo em torno do nome que é fixo.
Na esteira deste sucesso o governo lançou a Marca Brasil para promover os produtos e
serviços brasileiros no exterior, um esforço da FIESP, do Ministério do Desenvolvimento e do
Turismo, Ministério do Turismo e do presidente da EMBRATUR, após pesquisa feita com
empresas e estrangeiros que visitaram o Brasil. O presidente da FIESP disse que a marca vai
agregar valor aos produtos brasileiros. Segundo o ministro do turismo a marca é fundamental
porque dá forma, cor e visibilidade a um conjunto de sentimentos que nós sempre tivemos no
país. Cabe lembrar a importância que assume o “design” como bem mostra a criação do
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prêmio “Brasil Faz Design”, com o apoio de várias instituições públicas e empresas
particulares. A identidade agora é vendida na diversidade3.
Cabe assinalar como reflexão final, que a questão das marcas tanto aparece como
estratégia do mercado contemporâneo, num cenário em que o Estado minimiza sua ação como
tem sido usada por grupos de excluídos e periféricos que negociam suas identidades como
podemos observar na mídia. Um exemplo dessa dinâmica é o caso Daspu/Daslu, em que a
grife de luxo de São Paulo, quis processar a criação da grife Daspu pela ONG Davida e, ao
final, terminou por promover a grife das prostitutas.
Concluindo, o momento atual, era financeirizada da produção de imagens e de signos
(HOLMES, 2005: 38-40) parece ser o da mobilização total da população para o trabalho. O
“Workfare” sucedendo o “Wellfare State”.
Notas bibliográficas:
Segundo Renato Ortiz, a função dos intelectuais seria diagnosticar os problemas da nação e apresentar um programa a ser desenvolvido. Caberia a burguesia progressista esta tarefa.
2 Dumas Amenidades, 11 de janeiro de 2006 – especial Fashion Rio, Documento eletrônico, http://www.idaproject.com
3 PORTES, Ivone. Folha Online. “Governo cria marca para promover produtos e serviços do Brasil no exterior”, Documento Eletrônico,http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult9lu93571.shtml
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