7/29/2019 Honneth e Hegel
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HERBERT BARUCCI RAVAGNANI
A discusso filosfica contempornea acerca dos conflitos sociais se encontrapautada pelas contrariedades da configurao poltica atual que, um tanto quanto noencerrada exclusivamente pelos conflitos de classe, se manifesta sob o signo do noreconhecimento de diferenas culturais, de gnero, de raa, tnicas e de orientao sexual. nesse sentido que se justificam as tentativas de atualizao de um modelo terico quecentralize a noo de reconhecimento, tal como fizera o jovem Hegel, para a compreensodessas novas lutas sociais. Portanto, neste artigo procurou-se examinar a influncia dopensamento do jovem Hegel na elaborao da teoria do reconhecimento de Axel Honneth, oprincipal sistematizador de uma atualizao do modelo hegeliano, tendo por objetivoevidenciar a importncia de se examinar as fontes tericas que propiciaram o instrumentalcategorial do reconhecimento.
: Hegel; Honneth; reconhecimento; luta social; Teoria Crtica.
: The contemporary philosophical debate about the social conflicts is guided by thesetbacks of current policy configuration that, someway not entirely closed by class conflicts,are manifested on the sign of non-recognition of cultural differences, gender, race, ethnic andsexual orientation. In this way, its attempted update the theoretical model that centralizesthe concept of recognition, as did the young Hegel, to understand these new social struggles.Therefore, this article sought examine the influence of young Hegel's thought in AxelHonneths theory of recognition, the principal thinker that seeks update the Hegelian model,aiming to highlight the importance of examining the theoretical sources that provided the
recognition instrumental category.
: Hegel; Honneth; recognition; social struggle; Critical Theory.
A filosofia social e poltica contempornea tem se debruado sobre
questes como as do multiculturalismo, cidadania, direitos humanos, padres
institudos de desrespeito e reconhecimento tanto das diferenas culturais
quanto das de gnero, de orientao sexual e de raa. Para tal atual reflexo o
modelo terico que centraliza as questes de reconhecimento para a
compreenso do movimento dos conflitos sociais se mostra extremamente
profcuo e vantajoso, uma vez que coloca os conflitos como sendo lutas morais,
Bacharel em Filosofia (2007) e mestrando em Filosofia, linha de pesquisa: tica e Filosofia Poltica, pela
UNESP; bolsista FAPESP com o projeto intitulado Conflito, reconhecimento e justia: uma nova forma Teoria Crtica, sob orientao da Dra. Cllia Aparecida Martins do PPGF da UNESP.
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como lutas por reconhecimento. Esse modelo surge no centro de perspectivas
tericas como por exemplo a de Charles Taylor e Axel Honneth para melhor
refletir sobre essas contrariedades da configurao poltica das ltimas
dcadas.
Honneth, sucessor de Habermas no Instituto de Pesquisa Social de
Frankfurt, constri sua filosofia com o intuito de retomar a tradio da Teoria
Crtica, pois seus trabalhos se caracterizam por produzir uma posio terica
contrastante com a de seus antecessores, construindo solues a impasses
observados na filosofia de Habermas, tal como este havia feito com Adorno e
Horkheimer. De acordo com Nobre (2003, p. 10), correto considerar Axel
Honneth inserido na tradio da Teoria Crtica. No entanto, se Honneth
[concorda] com Habermas sobre a necessidade de se construir aTeoria Crtica em bases intersubjetivas e com marcadoscomponentes universalistas, defende tambm, contrariamente aeste, a tese de que a base da interao o conflito, e suagramtica, a luta por reconhecimento. (Nobre, 2003, pg. 17)
A teoria do reconhecimento elaborada por Honneth procura ser terico
explicativa e crtico normativa, na medida em que procura servir de modelo
avaliativo dos conflitos sociais contemporneos atravs de um conceito moral
de luta social, e tambm como modelo explicativo acerca do processo de
evoluo social (Werle, 2004, pg. 53).
Para elaborar a referida teoria, uma das principais fontes a que
Honneth recorre o pensamento de Hegel, principalmente seus conceitos de
reconhecimento, intersubjetividade e conflito. O conceito de reconhecimento
usado na modernidade pelo jovem Hegel para inverter o modelo hobbesiano de
luta social segundo o qual o comportamento social e individual pode ser
reduzido a imperativos de poder, mediante os quais o homem concebido como
um animal que busca a autopreservao e autoproteo tendo assim, como
imperativo a si prprio, o aumento do poder relativo em desfavor do outro.
Para o jovem Hegel a esfera social no definida como o espao de luta pela
integridade fsica dos sujeitos. Ao contrrio, ela na verdade o espao da
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eticidade , onde relaes e prticas intersubjetivas se do alm
do poder estatal ou convico moral individual. Desse modo, a esfera social
proporciona a possibilidade dos sujeitos se auto-reconhecerem nas suas
potencialidades e capacidades mais ou menos semelhantes, ou seja, a
possibilidade de estarem em comunho, reconhecendo o outro na sua
singularidade e originalidade, o que faz com que cada nova etapa de
reconhecimento social capacite o indivduo apreender novas dimenses de sua
prpria identidade, o que, por fim, estimula novas lutas por reconhecimento,
mostrando que o ponto central deste processo este movimento em que conflito
e reconhecimento condicionam-se mutuamente.
Para o jovem Hegel toda identidade se constri num ambiente dialgico
e esse ambiente preexiste a qualquer prtica social ou poltica, o que marca o
aspecto intersubjetivo, ou de interao, essencial do campo de constituio dos
sujeitos. Esse contexto originrio tido como um pano de fundo tico onde
existe uma certa forma de aceitao recproca intersubjetiva, isto , uma forma
de reconhecimento preexistente a toda formao dos sujeitos. Tal
reconhecimento preexistente pressupe a existncia de direitos que, no
entanto, no esto explicitados nem conscientes neste contexto. Cabe ao
contrato, ento, o restabelecimento consciente e explcito daqueles direitos
anteriores, ou seja, o contrato a realizao, mediante a reflexo, de direitos
que j existiam. O contrato no cria direitos, ele os restabelece. A luta social
no uma luta por poder, mas uma luta por reconhecimento. O contrato
configura-se como uma luta por reconhecimento que no se constitui em
autopreservao fsica somente, mas como um conflito que gera e desenvolve asdistintas dimenses da subjetividade humana, sendo o conflito a lgica do
desenvolvimento moral da sociedade.
Da perspectiva da teoria do reconhecimento, os atores da vida social no
podem ser compreendidos separadamente do contexto moral e cultural em que
esto inseridos. Esse contexto quase sempre se encontra escondido,
subentendido nas prticas sociais e polticas de um povo, muito dificilmente
expostos nos discursos explcitos. nesse sentido que, avaliando a constituio
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da identidade humana, em consonncia com Hegel, entende-se que os sujeitos
se constroem a partir de sua prpria auto-interpretao, a qual s se d dentro
de um contexto dialgico, ou seja, cultural.
Para Honneth, em sua obra Luta por Reconhecimento: a gramtica
moral dos conflitos sociais (2003), Hegel une pretenses universalistas com a
preocupao permanente com o desenvolvimento do indivduo, do singular. a
partir da intuio hegeliana de uma luta motivada moralmente que Honneth
ir encontrar tambm os pressupostos de uma fenomenologia das formas do
reconhecimento, ou, em outras palavras, as diferentes esferas da vida social
em que diferentes formas de reconhecimento (e desrespeito) movem os conflitos
sociais, o que, segundo ele, Hegel sups em sua juventude com os conceitos de
amor, direito e eticidade, distintos campos de interao social
relacionados respectivamente famlia, sociedade civil e ao Estado, os quais
contm especificidades quanto realizao da autonomia e individuao.
Hegel obteve um ganho na teoria da subjetividade, nos diz Honneth, ao
realizar a distino terica entre os diversos estgios da formao da
conscincia individual com maior preciso conceitual e, em decorrncia, com a
possibilidade de empreender aquela diferenciao de vrios conceitos de
pessoas que havia faltado at ento sua abordagem. Mas esse ganho na
teoria da subjetividade tem um preo: o abandono das alternativas da
comunicao, pois, segundo Honneth, ele perdeu de vista a idia de uma
intersubjetividade prvia do ser humano em geral, e com isso seu pensamento
ficou obstrudo e no pde realizar a distino necessria de diversos graus de
autonomia pessoal dentro do quadro da teoria da intersubjetividade.Este artigo tem como pano de fundo a construo honnethiana de uma
teoria social crtica baseada na luta por reconhecimento, mas procurar
especificamente expor o modo como Honneth avalia a tese do jovem Hegel da
luta por reconhecimento, especialmente na obra em que sistematiza mais
precisamente seu modelo, a Realphilosophie de Jena (Jenaer Realphilosophie)
de 1805/1806. Seguindo a orientao de Honneth, procuraremos mostrar o
quo importante a construo hegeliana, ainda que receba vrias crticas do
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mesmo, para a construo de uma teoria do reconhecimento que deseje oferecer
um modelo avaliativo dos movimentos sociais contemporneos.
A orientao para uma filosofia do esprito marca o quadro da
Realphilosophiede Hegel, o que assinala a mudana de paradigma que este
realiza no interior de sua prpria filosofia de juventude, j que nas suas obras
anteriores Sistema da eticidade1 e Maneiras cientficas de tratar o direito
natural2, o conceito de esprito ainda era sub-aproveitado em favor de uma
interpretao mais intersubjetiva dos fenmenos.
De acordo com a nova filosofia, o esprito aquele que tem a capacidade
de autodiferenciao, que capaz de exteriorizar-se e retornar a si, fazendo-se
o outro de si mesmo num processo constante de reflexo e auto-reflexo. A
tarefa da filosofia seria, portanto, de examinar gradualmente as etapas
reflexivas de sua constituio para ento compreender onde ele se diferencia
completamente o final do processo o saber absoluto sobre si. O propsito
fundamental de Hegel, com isso, ento desvendar o modo de realizao do
esprito, o qual se identifica tambm com a formao da conscincia humana.
Para tanto, Hegel expe trs etapas essenciais de formao do esprito que
correspondem a 1) esprito subjetivo: relao do indivduo consigo prprio; 2)
esprito efetivo: relaes dos sujeitos entre si que j se encontram
institucionalizadas, e 3) esprito absoluto: relaes reflexivas dos sujeitos
socializados com a totalidade do mundo. O que nos interessa aqui subjaz a essemovimento de formao como fora motriz da comunidade tica na primeira
etapa do processoum modelo de luta social por reconhecimento.
De acordo com as formulaes de Honneth, na etapa de formao do
esprito subjetivo, a anlise filosfica hegeliana procura esclarecer quais os
tipos de experincias que o sujeito precisa vivenciar para perceber-se a si
1 Ou Sistema da vida tica (1991).2
Ou Sobre as maneiras cientficas de tratar o direito natural: seu lugar na filosofia prtica e sua relaocom as cincias positivas do direito (2007).
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mesmo como uma pessoa legitimamente dotada de direitos, o que o
possibilitaria participar da vida pblica institucional, ou seja, no esprito
efetivo. Um dos aspectos dessa fase de formao seria o cognitivo, que
envolveria etapas como a intuio, a capacidade de representao lingstica e
a imaginao, capazes de revelar conscincia individual do sujeito a
possibilidade de produzir categorialmente as coisas do mundo, sendo por isso
caracterizado por Hegel de inteligncia. O carter de inteligncia do esprito
subjetivo abriria caminho para que o sujeito tambm pudesse se saber como
capaz de criar produes prticas. Tal seria a feio do segundo aspecto dessa
fase de formao, o de auto-objetivao: aps conceber-se como um sujeito
capaz de gerar a ordem da realidade, a conscincia individual se v como
geradora tambm de produes prticas ou de contedo por meio de uma auto-
objetivao que se d por auto-experincias. Isso construdo atravs de um
processo de realizao da vontade individual, da qual a vontade marca, para
Hegel, de todas as relaes prticas do sujeito com o mundo. O esprito
subjetivo se reconhece, portanto, como vontade a partir de quando supera as
experincias puramente tericas e passa s experincias prticas prprias no
mundo. Essas auto-experincias prticas no mundo so experenciadas como
aes de trabalho, as quais so mediadas (ou auxiliadas) pelo instrumento e
finalizadas com o produto (ou obra), pelo qual a inteligncia atinge a
conscincia do seu agir por ser o resultado de sua atividade singular.
No entanto, segundo Honneth, quando Hegel introduz a noo de
vontade ele j encontra dificuldades para trat-la nos moldes da
intersubjetividade que fora marca de seus escritos anteriores, problema quevai se estender a toda a sua filosofia futura, j que construda em bases da
filosofia da conscincia (2003, pg. 76). Para explicitar essa dimenso da
autocompreenso da conscincia individual, ele tem que incluir nesta etapa de
formao do esprito subjetivo a relao familiar e em especial a sexual,
caracterizada como uma forma fundamental de interao homem-mulher que
iria alm do carter instrumental da vontade no processo anterior de auto-
objetivao. Pela relao amorosa os sujeitos reconhecem-se numa
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reciprocidade de um saber-se-no-outro na medida em que constroem um
conhecimento partilhado intersubjetivamente pelos dois acerca de si mesmos
no outro. Para designar essa relao mtua Hegel usa, na Realphilosophie,
pela primeira vez o termo reconhecimento, que coloca o amor como
sentimento que proporciona a primeira confirmao da individualidade do
sujeito, assim como tambm expresso no Sistema da eticidade. esta tese que
permite abrir caminho para identificar que o desenvolvimento da identidade
pessoal, em Hegel, est intimamente ligado s formas de reconhecimento por
outros sujeitos e que, mais importante ainda, no h como experenciar-se
integralmente como sujeito sem reconhecer o parceiro de interao como
pessoa; ou seja, pode-se identificar em Hegel que na relao de reconhecimento
h constitutivamente uma presso para a reciprocidade, segundo Honneth
(2003, pg. 78), e que o amor elemento fundamental para que o sujeito se
reconhea e se sinta aprovado na sua natureza instintiva particular, o que
posteriormente lhe permitir que, de modo geral, tenha autoconfiana para
agir e participar da formao poltica da vontade no seio da sociedade
institucionalizada, embora o amor para isso constitua ainda somente uma fase
primria.
por ser a relao amorosa e familiar ainda uma fase insuficiente para
o processo de formao do esprito que Hegel tem de ampliar esse processo,
trazendo uma vez mais o instrumental categorial de uma luta por
reconhecimento, agora franca e diretamente crtico do conceito hobbesiano de
luta e estado de natureza. Para sustentar seu conceito de luta ele faz uso
prprio dos pressupostos da teoria da comunicao e da intersubjetividade eentra, com isso, em confronto com o modelo de luta de todos contra todos.
Como a relao de reconhecimento familiar no capacita ainda o sujeito a
reconhecer-se como uma pessoa de direito, Hegel o coloca dentro de um
contexto social que coincidiria metodologicamente com o estado de natureza de
Hobbes. Ele descreve a situao da seguinte forma, de acordo com Honneth:
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Ao lado da totalidade de uma famlia colocada, de certomodo analiticamente, uma srie de identidades familiaressemelhantes, de sorte que resulta da um primeiro estadode convvio social; na medida em que cada uma das
famlias co-existentes deve se apoderar de uma poro deterra para seu bem econmico, ela excluinecessariamente a outra de seu uso comum da prpriaterra (2003, pg. 82-83).
Isso seria o que Hegel chama de estado de natureza como descrito pela
tradio, o qual, devido a existncia da pluralidade de identidades familiares,
geraria de certo modo uma concorrncia social entre elas, sendo papel do
direito natural prescrever os direitos e deveres de cada indivduo para com o
seu prximo tendo em vista esta relao de concorrncia. Mas ele acompanha
Hobbes somente at aqui, pois, como nos seus textos anteriores sobre o direito
natural, ele no aceita remeter a construo do contrato social a uma
propriedade de fora como a prudncia, no caso de Hobbes, ou os postula dos
da moral, no caso de Kant e Fichte. Hegel quer demonstrar que o surgimento
das relaes jurdicas deriva de um processo de relacionamento prtico que se
encontra no interior mesmo do contexto social de concorrncia entre os
indivduos e que o direito trabalharia essas relaes:
O direito a relao da pessoa em seu procedimento paracom o outro, o elemento universal de seu ser livre ou adeterminao, limitao de sua liberdade vazia. Essarelao ou limitao, eu no tenho por minha parte demaquin-la ou introduzi-la de fora, o prprio objeto esseproduzir do direito em geral, isto , da relao quereconhece (HEGEL apudHONNETH, 2003, pg. 85).
Para que esse papel do direito se fundamente, preciso uma nova
concepo do estado de natureza dos homens, ou pelo menos uma nova viso
sobre as relaes que estes mantm entre si num contexto como este. Isso
Hegel procura realizar lanando mo novamente de sua teoria da
intersubjetividade. Para ele, considerando que h relaes sociais
intersubjetivas anteriores ao processo de socializao, torna-se claro que existe
um consenso normativo regulador mnimo que subjaz a essas relaes, mesmo
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elas sendo de concorrncia, pois o reconhecimento recproco componente
obrigatrio prvio de qualquer luta ou conflito; no h como haver conflito se
as partes no se reconhecerem minimamente como partes, ou seja, os sujeitos
s entram em luta por reconhecerem-se sujeitos. Destas relaes pr-
contratuais Hegel extrai o contedo moral ou normativo que posteriormente
dever ser levado em considerao para a construo consciente do contrato ou
das leis reguladoras das relaes sociais, as quais seriam expresso genuna do
tornar-se consciente dessas relaes de reconhecimento. O papel e carter
inovador do direito da Realphilosophiecomeam, ento, a se delinear nestas
formulaes.
Uma tal descrio singular do estado de natureza dos homens tem
desenvolvimentos tambm singulares. Hegel interpreta os atos destrutivos de
forma totalmente diferente da de Hobbes, segundo Honneth. Quando um
indivduo se v lesado ou atingido de certa forma por outro indivduo3, e comete
em represlia um ato destrutivo contra o mesmo, no est reagindo por medo
da ameaa atual e futura que representa este sujeito, mas sim porque suas
expectativas de reconhecimento por parte do outro no foram atendidas. Aqui
se percebe o fundamental da argumentao hegeliana, de acordo com Honneth,
que o fato de que nas relaes de interao entre os sujeitos est
subentendida a expectativa de reconhecimento pelos outros sujeitos. O sujeito
lesado reage por se ver ignorado em sua condio pelo outro sujeito, por no se
ver de qualquer forma conhecido pelo outro, e no porque quer aumentar seu
poder relativo ou satisfazer suas necessidades sensveis. Por outro lado,
reconstruindo tambm o ponto de vista daquele que lesa o outro, Hegel mostraque este, em todo o momento de sua ao, achara que ela s mantinha relao
com o seu contexto particular, mas a partir da reao do lesado ou ofendido, ele
percebe, retrospectivamente, que sua ao na verdade atingira indiretamente
todo o contexto particular do outro tambm, e alm disso a prpria pessoa do
outro, j que no lhe reconhecera no seu contexto, excluindo-o ou ignorando-o
3
Ou ainda (trocando metodologicamente o sujeito pela famlia), quando da tomada de posse da terra de umafamlia por outra, naquele contexto que Hegel caracteriza como possuidor de vrias identidades familiares.
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com sua ao: Ele (o sujeito da tomada de posse, A.H.) toma conscincia de
que ele fez algo totalmente diferente do que visava: seu meu era o puro
relacionar de seu ser consigo mesmo, seu ser-para-si desimpedido (HEGEL
apudHONNETH, 2003, pg. 89). Descentrando seu modo de ver ele pode ento
incluir o outro na sua autopercepo de sujeito, o que amplia seu conhecimento
de si e o coloca como dependente socialmente do outro, mesmo estando em
situao de conflito com ele. Honneth acredita ento que fica claro, desse modo,
como a percepo da identidade pessoal est vinculada intrinsecamente com o
reconhecimento recproco, e o papel extremamente necessrio do conflito ou
luta para o desenvolvimento gradual das relaes de reconhecimento.
Hegel conclui, segundo Honneth, que, tendo em vista que h uma
aceitao prvia entre os parceiros de interao antes mesmo que haja um
conflito entre eles, no pode-se deduzir que estes sujeitos hajam por puro
egosmo, pois reconhecem o outro positivamente quando orientam suas aes,
baseando-as nesse reconhecimento.
A aceitao entre os sujeitos contrapostos ele a concebe como sendo uma
interao de desigualdade, pois a reao do sujeito lesado a de fazer com
que o opositor tenha conscincia dele, mostrando o saber intersubjetivo que
possui de si mesmo, e revelando ao outro que ele no possui exatamente este
saber de si mesmo, j que sua ao no teve consentimento intersubjetivo.
Essa reao busca mostrar, acima de tudo, que no motivada simplesmente
pela ofensa ou tomada da posse em si, mas pelo fato de o sujeito que causou a
ofensa no ter percebido, ou ter ignorado, a condio do outro, ou ainda ter
interpretado de maneira equivocada suas intenes e seu contexto prprio. Novocabulrio hegeliano, segundo Honneth, a reao busca afirmar-se como
absoluto, mostrando-se como vontade no mais como ser-a, mas como ser-
para-si sabido (2003, pg. 91). Com tais consideraes, fica claro que Honneth
entende que Hegel coloca no contexto conflituoso do estado de natureza um
processo pelo qual o sujeito procura sustentar a incondicionalidade moral de
sua vontade, objetivando tornar sua pessoa merecedora de reconhecimento, ou
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seja, a existncia de uma luta por reconhecimento no interior do espao
conflituoso do estado de natureza.
Finalmente, como concluso da formao do esprito subjetivo, Hegel usa
o que ele chama de luta de vida e mortepara explicitar o fechamento daquela
experincia de formao individual pela qual os sujeitos podem conceber-se
como pessoas legitimamente dotadas de direitos. No entanto, Honneth acha
que a referncia morte no de modo algum evidentemente necessria para
atingir tal estgio de compreenso das identidades pessoais, visto bastar o
sujeito experienciar a vulnerabilidade moral do parceiro para poder reconhec-
lo.
De qualquer forma, finda portanto o trabalho que ele havia se colocado
como necessrio ao processo de formao do esprito subjetivo: a vontade
individual se reconhecendo como pessoa dotada de direitos, pronta para
participar da vida social entre sujeitos reconhecidos institucionalmente, isto ,
na esfera do esprito efetivo. Deste processo podemos depreender que Honneth
salienta o papel da luta por reconhecimento como no apenas elemento
constitutivo da formao do esprito, mas tambm, e essencialmente, agente
configurador deste processo, sendo responsvel pela normatividade que o
movimenta e que gera o desenvolvimento do direito, na medida em que a
esfera social se constri somente pelas relaes jurdicas. Por isso, segundo ele,
Hegel tem agora que congruir a construo da esfera social com o processo de
realizao do direito, mostrando como essa realizao tem como alicerce um
contexto intersubjetivo de relaes, como esclarece Honneth:
(...) diferentemente do amor, o direito representa paraHegel uma forma de reconhecimento recproco que noadmite estruturalmente uma limitao ao domnioparticular das relaes sociais prximas. Por isso, s com oestabelecimento da pessoa de direito dada numasociedade tambm a medida mnima de concordnciacomunicativa, de vontade geral, que permite umareproduo comum de suas instituies centrais (2003,pg. 95-96).
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A relao do direito seria como que uma base e fundamento
intersubjetivo para as relaes sociais, posto que tenciona cada sujeito a
respeitar as pretenses legtimas de todos os outros sujeitos. No entanto,
apenas o princpio da relao do direito no garante por si mesmo em que
aspecto e em que medida os sujeitos tm e podem reconhecer uns aos outros
como pessoas de direito. A relao jurdica, para ser introduzida no cerne da
construo da realidade social, tem ainda que abarcar contedos materiais
para, de uma relao abstrata de reconhecimento, se ampliar gradativamente
at se concretizar na sociedade civil, considerada por Hegel como uma
estrutura institucional proveniente deste processo de acmulo de diferentes
formas de relacionamento jurdico. A troca, por exemplo, uma ao tpica de
pessoas que se reconhecem como pessoas de direito, para Hegel, na qual h um
enorme potencial de intensificao das relaes, visto o valor de troca ser para
ele expresso da concordncia mtua dos sujeitos regras intersubjetivas.
Hegel concebe as instituies de propriedade e de troca como produtos do
desenvolvimento da interao das relaes comunicativas elementares com a
realidade das formas de reconhecimento jurdico, as quais se modificaro a
partir da instituio do contrato, pois este torna consciente, na forma de um
saber reflexivo, essa reciprocidade contida na relao de troca.
Simultaneamente, pelo contrato aumenta-se o contedo material do
reconhecimento institucionalizado, isto , com o contrato o reconhecimento
jurdico alcana uma nova fase no processo de sua concretizao social e
permite a Hegel j pensar a existncia das formas de injustias, entendidas
como violaes do direito que marcam o no acoplamento da vontade singular comum: Eu posso romper unilateralmente o contrato, pois minha vontade
singular vale como tal, no s na medida em que ela comum, mas a vontade
comum s ela mesma na medida em que minha singular (...) Pondo-se
efetivamente a distino, eu rompo o contrato (HEGEL apud HONNETH,
2003, pg. 99). O emprego da coero encontra legitimidade ento a partir
desta considerao, pois a normatividade daquelas regras fundamentais de
reconhecimento recproco quebrada ou no respeitada pelo sujeito que se
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lana contra o contrato, visto que a violao do direito significa a no adoo
das obrigaes que esto implicadas quando se consente o contrato, ou seja, o
sujeito ataca as prprias regras de reconhecimento que permitiram
anteriormente construir sua prpria identidade como pessoa de direito.
Por outro lado, do uso da coero jurdica emerge um processo
conflituoso que pressupe tambm para a etapa de relao jurdica uma luta
por reconhecimento, uma vez que o constrangimento jurdico causa um
sentimento de desrespeito no sujeito atingido, que reage coero da sociedade
por meio de atos destrutivos, ou crimes.
Para Hegel o crime sempre motivado por desrespeito social, porquanto
pelo crime o sujeito busca o reconhecimento da particularidade de sua vontade
atravs do respeito singularidade de suas expectativas. Ainda, para Hegel o
ato criminoso sempre um ataque pessoa enquanto pessoa e ao seu saber
sobre si, sendo que a necessidade, a carncia econmica, etc., so sempre
secundrios quando se trata de motivao de luta ou conflitos, pois pertencem,
em sua concepo, carncia animal, portanto no primordiais4. s por no
se ver reconhecido em sua vontade prpria que o sujeito age provocativamente,
buscando o reconhecimento no crculo dos relacionamentos sociais.
Assim, o processo de construo e concreo dos contedos do
reconhecimento jurdico podem ser tidos como pertencentes j esfera da
vontade geral, na qual o crime possui uma funo de provocao moral, pois
pressupe expectativas morais que o sujeito pretende fazer-se valerem
sociedade. No entanto, quanto ao contedo especfico de cada crime,
problemtico defini-lo a priori, segundo Honneth: Da a resposta questoacerca do papel que a luta por reconhecimento assume no nvel da realidade
social depender da soluo das dificuldades de entendimento provocadas pela
tese de Hegel sobre a fonte interna do crime (2003, pg, 102). Segundo
Honneth, essas dificuldades se expressam por haver duas formas possveis, de
4 Pode-se conceber que aqui se encontra o ponto inicial da perspectiva de Honneth que mais tarde vai entrarem conflito com a de Nancy Fraser sobre as questes de reconhecimento e redistribuio, Este (Honneth)
advoga que todos os conflitos sociais tm como natureza primria a luta por reconhecimento (...) Fraser
acredita que Honneth tenha subsumido as lutas por distribuio de renda ao reconhecimento (MATTOS,2006, pg. 147) resume Mattos.
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acordo com as explicaes de Hegel, de interpretar o desrespeito social que o
indivduo sofre com a coero jurdica. De um lado pode-se conceber que esse
desrespeito fruto do no reconhecimento social da vontade singular do sujeito
porque as aplicaes das normas jurdicas institucionalizadas com o contrato
perdem de vista o contexto especfico e individual do sujeito, atuando de forma
demasiado abstrata para se mostrar justa a ele. Desse modo, a coero jurdica
se mostraria excessivamente formalista, tendo que, para avanar no
aprendizado moral, a sociedade ampliar sua sensibilidade quanto s
especificidades do contexto particular do sujeito provocador. Por um outro lado,
pode-se conceber que o desrespeito parte do no reconhecimento da vontade
singular do sujeito pois as normas jurdicas institucionalizadas com o contrato
tm em seu contedo abstraes to grandes que perdem de vista as diferenas
materiais entre os indivduos. Desse modo, a coero jurdica seria
extremamente formalista no quanto s aplicaes das normas, mas quanto ao
prprio contedo das mesmas, tendo, ento, os sujeitos de direito que
ampliarem a igualdade material dos indivduos, para a ento possibilitar a
ampliao das normas jurdicas.
Porm, Honneth enxerga que Hegel, a partir desse ponto, comete uma
falha ao no prosseguir com a argumentao na linha de uma constituio
ainda maior de uma estrutura do reconhecimento jurdico, j que ele no
atribui provocao moral do crime nenhuma novidade quanto ao contedo do
reconhecimento, apenas que ela implica na passagem do direito natural ao
positivo, isto , da relao de direito informal para a organizada pelo Estado.
Isso significa que para Hegel o crime apenas serve como uma oportunidade dereestruturao institucional do direito. A lei funciona ento somente como
prescrio negativa das liberdades, agindo sempre como sano do Estado e
nunca representa diferenciaes ou especificaes de novos contedos morais.
(...) se as novidades que o crime deve ter provocadopraticamente na relao jurdica tivessem de se restringirs a essa nica e institucional dimenso, ento averdadeira exigncia de seu ato no receberia ajustamente uma considerao social; pois sua meta oculta
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mas determinante tem de ser em todo o caso (...) asuperao de um formalismo jurdico cujo efeito lesivo nopode ser precisamente anulado pela mera criao de umainstncia de sano estatal. O crime tem sua origem no
sentimento de um desrespeito, cujas causas normativas,portanto, no pode ser realmente eliminadas pelasinovaes jurdicas que ele mesmo deve poder forar(2003, pg. 104).
A continuao do texto hegeliano no cumpriria seus prprios objetivos,
segundo Honneth, pois abandonaria a meio caminho a proposta de atribuir o
desenvolvimento da relao jurdica presso normativa de uma luta por
reconhecimento, deixando esse empreendimento apenas como uma sugesto.
No entanto, Honneth tambm considera que Hegel pode ter seguido este
caminho porque para ele somente haveria reconhecimento da vontade singular
na esfera das relaes ticas do Estado, pois tal vontade encontraria aprovao
social pela experincia do desdobramento do reconhecimento recproco possvel
somente em um contexto institucional. A especificidade de um quadro de
filosofia da conscincia que esse contexto no significa o ponto culminante
das potencialidades inerentes vida social, como significa num contexto
marcadamente intersubjetivo, mas a etapa de formao do esprito em que ele
se volta a si, o esprito efetivo. Esta etapa marcaria o ponto no qual a relao
de reconhecimento jurdico alcanaria a realizao total de si mesma, onde o
esprito atingiria a exteriorizao mxima na objetividade da realidade social,
libertando-se de qualquer resqucio subjetivo da etapa anterior, retornando da
esfera social para si, portanto. Dessa exteriorizao mxima se formariam os
rgos institucionais do Estado advindos do Poder Legislativo recm surgido.
O movimento normal do esprito, como j dito, seria o de exteriorizao
mxima e retorno a si, porm, para efetuar esse retorno, o esprito teria que
uma vez mais realizar uma experincia de auto-reflexo junto realidade
institucionalmente constituda do direito para dar seguimento constituio
da eticidade e formao completa do Estado (2003, pg. 107).
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De modo resumido, Honneth considera que Hegel, ao se utilizar de
conceitos como esprito subjetivo e esprito efetivo no texto da Realphilosophie,
procurou evidenciar etapas pelas quais desdobrava-se novas formas de relaes
de reconhecimento recproco; na primeira, por meio do desenrolar da relao
amorosa, e na segunda por meio de uma constituio conflituosa da relao
jurdica. O que Honneth entende como implicao desta tentativa que Hegel
no consegue suprir as expectativas postas por ele mesmo, pois j no pode
mais pensar numa eticidade social do Estado como uma relao constituda e
concretizada intersubjetivamente:
Se Hegel tentasse dar conta das expectativas assimsugeridas, ele teria de conceber a esfera tica do Estadocomo uma relao intersubjetiva na qual os membros dasociedade podem saber-se reconciliados uns com os outrosjustamente sob a medida de um reconhecimento recprocode sua unicidade o respeito de cada pessoa pelaparticularidade biogrfica do outro formaria de certo modo
o fermento habitual dos costumes coletivos de umasociedade (2003, pg. 107-108).
Os hbitos culturais dos membros de uma sociedade garantiriam a
integrao social da coletividade na medida em que expressariam a unidade e
unicidade da mesma, de acordo com uma teoria do reconhecimento, sendo esta
unidade produto daquela eticidade prpria em que o reconhecimento poderia
ser distinguido como o meio pelo qual se do as diferentes formas de interao
social: Esse passo, porm, a guinada conseqente para um conceito de
eticidade prprio de uma teoria do reconhecimento, Hegel no efetuou (2003,
pg. 113). Segundo Honneth, Hegel finaliza seu texto praticamente anulando
essa possibilidade, pois, sendo o Estado a concreo institucional daquela
ltima experincia de auto-reflexo do esprito, as relaes interativas entre os
sujeitos na sociedade ficam subjugadas s relaes destes para com a instncia
superior do Estado. Nele, a vontade geral se torna instncia de poder nico,
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55 Luta por reconhecimento: a filosofia social do jovem Hegel segundo Honneth
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referente aos sujeitos de direito, e representante de sua qualidade espiritual.
Em decorrncia, a eticidade assim delineada constitui-se na relao dos
sujeitos com o Estado apenas, e no nas relaes entre si, revelando o carter
autoritrio dos hbitos culturais que potencialmente devem se desenvolver a
partir do estabelecimento desta relao como a relao tica por excelncia.
Ainda, no sendo a fundao do Estado explicada da mesma forma como o
surgimento da relao jurdica, isto , por meio dos conflitos intersubjetivos,
Honneth afirma que a nica forma de Hegel conceb-la t-la como resultado
do poder tirnico de grandes homens, personalidades fortes e dirigentes que
expressariam a vontade absoluta:
Desse modo, todos os Estados foram fundados pelo podersublime de grandes homens, no pela fora fsica, poismuitos so fisicamente mais fortes do que um. (...) Eis asuperioridade do grande homem: saber expressar avontade absoluta. Todos se renem em torno de suabandeira, ele seu deus (HEGEL apudHONNETH, 2003,pg. 110).
A tendncia autoritria atinge sua completude, conforme defendeHonneth, quando Hegel atribui vontade absoluta do esprito o carter de
nica vontade capaz de manter o poder poltico, pois somente ela consegue
forar a obedincia, conter em si o saber de todos, dar o n firme do todo. A
vontade absoluta pode ser encontrada somente numa pessoa singular e esta a
justificao do filsofo para a forma monarquista de governo.
Hegel ainda define o cidado (citoyens), em contraposio ao burgus
(bourgeois), como aquele que tem sua autoconscincia constituda na relaoreflexiva com o universal superior do Estado, e no aquele que se constri na
relao interativa com outros que compartilham mutuamente o carter de
cidado; para Honneth, resulta dessa concepo que se relacionar eticamente
no contexto social se formar para a obedincia ante ao poder da comunidade,
e que, diferentemente do que se podia esperar, j no h absolutamente espao
algum, nestas formulaes hegelianas, para o movimento do reconhecimento
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que d aos sujeitos respeito mtuo pela integridade e especificidade de cada
um:
Hegel pde expor em sua Realphilosophiea construo domundo social (...) como um processo de aprendizagem ticoque conduz, passando por diversas etapas de uma luta, arelaes cada vez mais exigentes de reconhecimentorecproco. Se ele tivesse seguido o mesmo processo demodo coerente at a constituio da comunidade tica,ento lhe teria ficado patente tambm a forma de umainterao social na qual cada pessoa pode contar, para suaparticularidade individual, com um sentimento dereconhecimento solidrio (2003, pg. 113).
Para Honneth, portanto, falta Realphilosophie um conceito
intersubjetivo de eticidade, no que se refere ao reconhecimento solidrio da
singularidade individual, para que possa cumprir as suas prprias exigncias.
Mas Honneth acredita que Hegel j no pode obter mais este conceito com o
paradigma de uma filosofia da conscincia. Segundo ele, Hegel jamais
retornar a abordar originalmente o programa de uma luta por
reconhecimento, e j na Fenomenologia do Espritovolta a atribuir a esta luta
o papel nico de formar a autoconscincia, e ainda empobrece o modelo na
dialticado senhor e do escravoimpregnando-o praticamente com o conceito de
trabalho.
Honneth, desse modo, reconhece a profundidade e fecundidade do
projeto hegeliano de construo da teoria da intersubjetividade e tambm seus
conceitos de reconhecimento e eticidade, porm no concorda com os rumos que
sua filosofia tomou quando assumiu um modelo de filosofia da conscincia. Acrtica de Honneth, destarte, procura evidenciar estes aspectos, mostrando que
ele se coloca como simptico ao projeto, mas crtico quanto realizao.
Em linhas gerais, a partir dessa crtica que Honneth constri sua
teoria do reconhecimento, buscando atualizar a tese hegeliana luz de
premissas que correspondessem a um contexto de relaes ps-tradicionais. As
aberturas encontradas por ele no modelo hegeliano permitiram que ele
satisfizesse as necessidades de uma teoria social crtica baseada no
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reconhecimento que pretendesse abarcar as questes atuais da filosofia
poltica, ainda que muitas e variadas crticas se dirijam sua teoria. Somente
o fato de haver um acirrado debate sobre a noo de reconhecimento entre os
mais diversos pesquisadores e autores da filosofia poltica e cincias sociais
como Axel Honneth, Charles Taylor, Rainer Forst e Nancy Fraser, alm da
necessidade de se pensar as questes de no reconhecimento tnico, racial, de
gnero e de desigualdades scio-econmicas, j explicitam o carter necessrio
de se analisar as fontes tericas que propiciaram o instrumental categorial
acerca do conceito de reconhecimento, e o modo como ele utilizado por um de
seus principais sistematizadores na contemporaneidade, Axel Honneth.
HEGEL, G. W. F. O sistema da vida tica. Trad: Artur Moro, Rio de Janeiro:Edies 70, 1991.
______. Sobre as maneiras cientficas de tratar o direito natural: seu lugar nafilosofia prtica e sua relao com as cincias positivas do direito. Trad.Agemir Bavaresco. So Paulo: Loyola, 2007.
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramtica moral dos conflitossociais(Trad. Luiz Repa). So Paulo: Ed. 34, 2003.
MATTOS, Patrcia. A Sociologia poltica do reconhecimento: As contribuiesde Charles Taylor, Axel Honneth e Nancy Fraser. So Paulo: Annablumme,2006.
NOBRE, Marcos. Luta por reconhecimento: Axel Honneth e a Teoria Crtica.In: HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramtica moral dos
conflitos sociais. So Paulo: Ed. 34, 2003, p. 07-19.WERLE, Denlson Lus. Lutas por reconhecimento e justificao danormatividade. (Rawls, Taylor e Habermas) Tese de Doutorado, Depto.Filosofia, FFLCH/ USP, 2004.
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