MANUAL DE SOCIOLOGIA DA CULTURA
Ternas tk* Sociologia
FRANCO CRESPI
MANUAL DE SOCIOLOGIA DA CULTURA
1997
editorial Estampa
FICHA TÉCNICA:
Título original: Manuale di Sociologia delia Cultura Tradução: Teresa Antunes Cardoso
Capa: José Antunes
Ilustração da capa: Apoteose de Homero, pintura de Ingres, 1827, Museu do Louvre, Paris. Fotocomposição: b&f Gráficos - Miratejo
Impressão e acabamento: Rolo & Filhos - Artes Gráficas, Lda.
1.' edição: Editorial Estampa, Lda., Outubro de 1997 Depósito Legal: 117076/97
ISBN972-33-1313-8
Copyright: © 1996, Gius. Laterza & Figli Spa, Roma-Bari Representada pela Agência Literária Eulama © Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 1997
para a língua portuguesa
ÍNDICE
PREFACIO 11
I - CONCEITOS GERAIS 13
1. As origens históricas do conceito científico de cultura 14
2. A cultura como substituto do determinismo do instinto 21
3. Acção e mediação simbólica: sentido e significado 25
4. A pluralidade das formas culturais 28
5. A relação entre teoria e investigação 31
II - AS TEORIAS DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 33
1. Karl Marx e a crítica das ideologias 35
2. Max Weber e a relação entre conhecimento e estruturas sociais 39
3. Emile Durkheim e a origem social dos conceitos 42
4. Vilfredo Pareto: as derivações 45
5. Georg Simmel: condicionamento social e liberdade do espírito 47
6. Max Scheler: formas do saber e sociedade 51
7. Karl Mannheim: ideologia e utopia 54
8. O fim das ideologias? 59
9. Poder, linguagem, comunicação 61
10. A sociologia da ciência 67
10.1. O debate epistemológico na ciência contemporânea 68
10.2. O «programa forte» na sociologia do conhecimento 73
III - TEORIAS GERAIS DA RELAÇÃO ENTRE CULTURA
E SOCIEDADE 79
1. Culturae sistema social 81
1.1 A sociedade como realidade «sui generis»
e a função da cultura 81
1.2 A «teoria científica da cultura» 86
1.3 Sistema da cultura e sistema social 88
1.4 Cultura e dinâmica social 96
1.5 A cultura como redução de complexidade 98
2. A cultura enquanto estrutura 107
3. Culturae acção social 111
3.1 A interacção simbólica 113
3.2 A construção da realidade social 118
3.3 Os procedimentos interpretativos 124
3.4 A produção da sociedade 127
3.5 Estilos de vida, distinções sociais, estruturas 131
3.6 Estratégias da acção e definição de competências 135
3.7 Os «Cultural Studies» 142
3.8 Sistema cultural e integração sócio-cultural 143
IV - OS DIVERSOS ÂMBITOS DE PRODUÇÃO DA CULTURA .... 147
1. A linguagem 148
2. Concepções do mundo e relação com a transcendência 152
2.1 Omito 152
2.2 As religiões 157
2.3 O rito 169
3. As expressões da arte 170
4. Os processos de socialização e de formação 185
4.1 A socialização primária e o problema da identidade 186
4.2 Processos educativos e de formação 190
5. Os processos e os meios de comunicação 196
5.1 O conceito de comunicação 196
5.2 Os meios de comunicação de massas 199
6. A produção do direito 206
7. A cultura nas organizações produtivas 213
8. A cultura política 216
V - FORMAS E MÉTODOS DA INVESTIGAÇÃO
EMPÍRICA SOBRE FENÓMENOS CULTURAIS 219
1. O encontro entre horizontes culturais diversos 219
2. Análises quantitativa e qualitativa 220
3. As representações sociais 222
4. As «histórias de vida» 224
5. As análises de conteúdo 225
6. A análise da conversação 227
7. Técnicas reactivas e não-reactivas 229
8. Validade e funções da investigação social 231
I I VI - CULTURAE MUDANÇA SOCIAL 233
1. Aspectos teóricos da mudança cultural
e dimensão da criatividade 233
2. Características da mudança cultural
nas sociedades contemporâneas 239
2.1 Auto-reflexividade da cultura e relativismo 239
2.2 Cultura global e multiculturalismo 241
INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS 251
ÍNDICE ANALÍTICO 269
ÍNDICE ONOMÁSTICO 273
I
Advertência: as datas que figuram junto ao nome do autor, no texto e na bibliografia
reportam-se à primeira edição original. Na bibliografia, tanto quanto possível, procurou-se
indicar a tradução italiana das obras estrangeiras, colocando a data de publicação na Itália
após a indicação do editor.
10
PREFACIO
Tem-se vindo a afirmar gradualmente, nos tempos modernos, a percepção de que a cultura é uma
dimensão constitutiva da nossa experiência de vida. A progressiva passagem da ideia de cultura como
formação e enriquecimento do espírito ao conceito antropológico de cultura como conjunto das
representações, valores e normas existentes num determinado contexto histórico e social determina, com
efeito, a partir do século xvm, uma profunda transformação da nossa relação com a realidade natural e
social, cujas consequências têm vindo a amadurecer plenamente na nossa época. Em simultâneo, a
sociologia da cultura surge como um dos efeitos deste processo e como uma das suas causas: o projecto
de uma análise científica do complexo mundo da produção cultural só poderia vir a nascer da nova
consciência relativamente à presença alargada do simbólico na nossa experiência. Todavia, o
aparecimento de tal projecto contribuiu grandemente para o aumento da percepção do impacto exercido
pela cultura em todas as situações da nossa vida. O resultado desta transformação, no preciso momento
em que se vai tornando claro que a cultura constitui o horizonte insuperável no interior do qual
conhecemos e experimentamos a nossa realidade, tem igualmente evidenciado a fragilidade e os limites
de qualquer forma cultural. Daí a exigência de aumentarmos a nossa capacidade de gerir as contradições
emergentes da relação ambivalente que necessariamente mantemos com a cultura.
A presente obra propõe-se apresentar uma introdução à complexa temática da sociologia da cultura,
fornecendo um guia que nos permita orientarmo-nos no interior de uma vasta literatura, caracterizada por
uma grande variedade de posições teóricas e metodológicas.
No primeiro capítulo, após a indicação, em síntese, das grandes linhas do processo histórico que
conduziu à intenção de estudar a cultura sob um ponto de vista científico, são abordadas algumas
categorias conceptuais, que constituem pontos de referência essenciais para se poder entrar no discurso
específico da sociologia da cultura. Nos dois capítulos seguintes, vêm apresentadas as
11
PREFACIO
Tem-se vindo a afirmar gradualmente, nos tempos modernos, a percepção de que a cultura é uma
dimensão constitutiva da nossa experiência de vida. A progressiva passagem da ideia de cultura como
formação e enriquecimento do espírito ao conceito antropológico de cultura como conjunto das
representações, valores e normas existentes num determinado contexto histórico e social determina, com
efeito, a partir do século xvm, uma profunda transformação da nossa relação com a realidade natural e
social, cujas consequências têm vindo a amadurecer plenamente na nossa época. Em simultâneo, a
sociologia da cultura surge como um dos efeitos deste processo e como uma das suas causas: o projecto
de uma análise científica do complexo mundo da produção cultural só poderia vir a nascer da nova
consciência relativamente à presença alargada do simbólico na nossa experiência. Todavia, o
aparecimento de tal projecto contribuiu grandemente para o aumento da percepção do impacto exercido
pela cultura em todas as situações da nossa vida. O resultado desta transformação, no preciso momento
em que se vai tornando claro que a cultura constitui o horizonte insuperável no interior do qual
conhecemos e experimentamos a nossa realidade, tem igualmente evidenciado a fragilidade e os limites
de qualquer forma cultural. Daí a exigência de aumentarmos a nossa capacidade de gerir as contradições
emergentes da relação ambivalente que necessariamente mantemos com a cultura.
A presente obra propõe-se apresentar uma introdução à complexa temática da sociologia da cultura,
fornecendo um guia que nos permita orientarmo-nos no interior de uma vasta literatura, caracterizada por
uma grande variedade de posições teóricas e metodológicas.
No primeiro capítulo, após a indicação, em síntese, das grandes linhas do processo histórico que
conduziu à intenção de estudar a cultura sob um ponto de vista científico, são abordadas algumas
categorias conceptuais, que constituem pontos de referência essenciais para se poder entrar no discurso
específico da sociologia da cultura. Nos dois capítulos seguintes, vêm apresentadas as
11
diversas posições que constituem a abordagem teórica da disciplina: a análise da relação
entre consciência e contexto social surge considerada como propedêutica, não só porque a
análise da relação entre conhecimento e contexto social constituiu o início do discurso
sociológico sobre a cultura, mas também porque permite explicar os pressupostos
epistemológicos deste último.
A partir dos problemas colocados a nível teórico, a nossa reflexão prossegue, no capítulo
quarto, através da análise dos diversos âmbitos de produção da cultura, mostrando como o
aparelho conceptual, inicialmente considerado, encontra uma aplicação concreta numa série
de aspectos particulares.
O capítulo quinto é dedicado à ilustração de algumas características específicas dos
métodos de investigação empírica sobre fenómenos culturais, enquanto o último capítulo
aborda directamente, no quadro da relação entre cultura e mudança social, as contradições
concretas que se revelam na nossa sociedade em consequência do desenvolvimento
contemporâneo de uma cultura relativamente homogénea a nível planetário e da acentuação,
num sentido específico, das diferenças culturais.
Um texto introdutório, como o presente, não poderá obviamente pretender esgotar a
complexidade de uma temática que, sobretudo nos anos recentes, suscitou uma infinidade de
novas reflexões e novos contributos. Todavia, tais circunstâncias poderão levar-nos a pensar
se, eventualmente, não teremos conseguido formular as bases para um ulterior
aprofundamento, que leve ao avanço no conhecimento de uma matéria que não só apresenta
um indubitável interesse no plano cognitivo, como poderá vir também a contribuir para o
estabelecimento, ao nível da nossa experiência existencial, de uma correcta relação com as
formas culturais. De facto, num mundo caracterizado pela crise dos valores absolutos, se
não pretendermos cair mais uma vez em formas regressivas que os retomem como tais, há
que aumentar a capacidade de gerir a insegurança que nasce do reconhecimento da radical
parcialidade das formas culturais, desenvolvendo uma atenção nova relativamente à nossa
comum pertença a uma condição existencial que, no seu sentido, surge como irredutível à
ordem simbólica.
Desejo expressar aqui os meus vivos agradecimentos, pelas suas preciosas observações e
úteis sugestões, aos colegas que, no todo ou em parte, tiveram a paciência de ler o
manuscrito: Simona Andrini, Andrea Bixio, Cecília Cristofori, Paolo Mancini, Raffaele
Rauty, Ambrogio Santambrogio, Roberto Segatori, Gabriella Turnaturi.
12
I - CONCEITOS GERAIS
I
Em 1871, o etnólogo americano Edward Tylor definia a cultura como «aquele conjunto de elementos
que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, usos e quaisquer outras capacidades e costumes
adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade» (Tylor, 1871). É esta uma das primeiras
tentativas para uma definição científica de cultura, ou de elaboração de um conceito capaz de delimitar de
um modo suficientemente rigoroso o âmbito dos fenómenos culturais enquanto objecto de análise das
ciências sociais.
Na realidade, o termo cultura, como constataremos ao longo deste trabalho, presta-se a muitas e
diversas interpretações. Em 1952, Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn, desenvolvendo uma análise
histórico-crítica das definições de cultura propostas pelos especialistas das ciências sociais, puderam
inventariar mais de cento e cinquenta. Kluckhohn tentou sintetizar na lista que se segue os diferentes tipos
de definição da cultura: 1) o modo de viver de um povo na sua globalidade; 2) a hereditariedade social
que um indivíduo adquire no seu grupo de pertença; 3) uma maneira de pensar, sentir, crer; 4) uma
abstracção derivada do comportamento; 5) uma teoria elaborada pelo antropólogo social sobre o modo
como efectivamente se comporta um grupo de pessoas; 6) a globalidade de um saber colectivamente
possuído; 7) uma série de orientações generalizadas relativamente aos problemas recorrentes; 8) um
comportamento aprendido; 9) um mecanismo para a regulação normativa do comportamento; 10) uma
série de técnicas que permitem a adequação, quer ao ambiente circundante, quer aos outros homens; 11)
um aglomerado de história, de um mapa, de uma peneira, de uma matriz (cf. Kroeber, 1952; Kroeber-
Kluckhohn, 1963; Kluckhohn, 1949; Geertz, 1973, pp. 40-41).
Como vemos, os tipos de definição variam na medida em que se coloca a tónica sobre a dimensão
subjectiva da cultura ou sobre a presença do aspecto humano referente aos valores, modelos de
comportamento, critérios normativos interiorizados (modos de pensar, sentir, crer; orientações
estandardizadas; mecanismos de regulação do comportamento, etc), ou ainda sobre o carácter, por
13
assim dizer objectivo, que as formas culturais assumem enquanto memória colectiva ou
tradição codificada e acumulada no tempo (hereditariedade social, depósito do saber, das
técnicas, composto de história, superfície geográfica). Enfim, outras definições tendem a
sublinhar que o conceito de cultura não passa de uma abstracção que permite ao cientista
social orientar a sua investigação.
Os diversos elementos que surgem condensados no termo cultura fazem ressaltar, por um
lado, a dimensão descritiva e cognitiva da cultura; as crenças e as representações sociais da
realidade natural e social, ou as imagens do mundo e da vida, que contribuem para explicar
e definir as identidades individuais, as unidades sociais, os fenómenos naturais; por outro, a
dimensão prescritiva da cultura, enquanto conjunto de valores que indicam os objectivos
ideais a prosseguir, e de normas (modelos de acção, definição dos papéis, regras, princípios
morais, leis jurídicas, etc), que indicam o modo segundo o qual os indivíduos e as
colectividades devem comportar-se.
Ambas as dimensões, âdescriãvo-cognitiva e ^prescritiva, se encontram quase sempre
intimamente ligadas, enquanto o elemento normativo acha uma justificação nas crenças e
nas representações, porquanto estas surgem reforçadas pelos processos de construção da
realidade, influenciados pelas prescrições normativas. Além disso, a cultura apresenta-se
como tradição, isto é, como possibilidade de um acumular das experiências, enquanto
depósito da memória colectiva.
A dificuldade de estabelecer de um modo preciso o conceito de cultura encontra-se
ligada à complexidade apresentada por este mesmo fenómeno e, caso não se pretenda
apresentar uma definição redutora, será necessário tomar em consideração os diversos
elementos que o compõem. Um contributo decisivo neste sentido decorreu das diferentes
abordagens teóricas e metodológicas a partir das quais a sociologia da cultura se tem vindo a
articular (v. capítulos n, ni, v), e também das análises elaboradas nos seus diversos âmbitos
de aplicação (v. cap. iv).
Porém, antes de entrarmos no campo dessas diferentes interpretações, será útil recordar
as origens históricas do conceito científico de cultura (v. subtítulo 1 do presente capítulo) e,
em seguida, esclarecer algumas categorias gerais que se encontram na base da função
simbólica produtora de cultura (v. subtítulos 2, 3, 4 do presente capítulo). Além disso, a fim
de se compreender a função dos modelos teóricos considerados, será também necessário
evidenciar o tipo de relação existente entre a dimensão teórica e a da pesquisa empírica (v.
subtítulo 5 do presente capítulo).
1. As origens históricas do conceito científico de cultura
Inicialmente, o termo cultura foi usado sobretudo para referir o processo de formação da
personalidade humana através da aprendizagem, que os antigos
14
Gregos designavam utilizando o conceito de paideia: em tal contexto, o indivíduo
considerado «culto» é aquele que, assimilando os conhecimentos e valores socialmente
transmitidos, consegue traduzi-los em qualidades pessoais. Este mesmo conceito é
igualmente usado na Roma Antiga: com efeito, a palavra cultura deriva do latim colere, que
indicava inicialmente a acção de cultivar a terra e criar o gado. O termo é sucessivamente
alargado, em sentido metafórico, até à cultura do espírito: se o termo humanitas, usado por
Cícero, é possivelmente o que melhor corresponde ao conceito grego de paideia, tanto
Cícero como Horácio falam igualmente de um modo de cultivar o espírito, conceito esse que
virá a ser retomado por Santo Agostinho. A utilização, em sentido figurado, do termo
cultura veio a alargar-se ulteriormente até incluir, além do cultivar das próprias faculdades
espirituais, também o da língua, da arte, das letras e das ciências. Nos fins do século xvm é
este o significado dominante atribuído à palavra cultura, que encontra uma expressão afim
no vocábulo alemão Bildung, traduzindo exactamente o processo de formação do espírito
(cf. Beneton, 1975, p. 25 e segs.).
Em meados do século xvm, com a afirmação do Iluminismo, o termo cultura sofre um ulterior
alargamento do seu significado, vindo a integrar inclusivamente o património universal dos
conhecimentos e valores formativos ao longo da história da humanidade, e que, como tal, é aberto a
todos, constituindo, enquanto depósito da memória colectiva, uma fonte constante de enriquecimento da
experiência. É neste período que se afirma igualmente o conceito de civilidade ou civilização, exprimindo
o refinamento cultural dos costumes, em oposição à pretensa barbárie das origens ou à dos povos
considerados não civilizados.
A ideia de civilidade é produto da profunda transformação ocorrida no pensamento ocidental
relativamente à dimensão histórica; de facto, com o Iluminismo, e contrariando os conceitos teológicos,
vai-se confirmando a perspectiva evolutiva da história da humanidade como um contínuo progresso
determinado pelos seres humanos. A palavra francesa civilisation, possivelmente utilizada com esse novo
sentido que lhe é atribuído em 1757 pelo marquês de Mirabeau, evoca o desenvolvimento das formas de
cortesia, o refinamento dos comportamentos, o controlo sobre as paixões e a violência, que advêm
precisamente do desenvolvimento da cultura, enquanto resultado de um movimento colectivo que
permitiu à humanidade a saída do estado primitivo (cf. ibid., p. 35). Nesta perspectiva vem-se então
configurando uma concepção, funcional no que se refere ao colonialismo, da missão dos países
civilizados relativamente aos povos selvagens: a oposição entre selvagens e civilizados, que se encontra
«na base de todo o pensamento antropológico do século, é destinada a ser superada justamente através da
"civilização dos selvagens", isto é, através da sua integração progressiva no universo dos povos
civilizados representado pelo Ocidente» (ibid.).
15
A partir da França, o termo civilização estende-se rapidamente à Inglaterra (civilization), enquanto na
Alemanha é sobretudo a palavra Kultur que assume um significado análogo ao da francesa civilisation.
Concluindo a exposição da génese do conceito de cultura em termos científicos, o que interessa
evidenciar aqui é, por um lado, a transformação do significado de cultura, ocorrida no século xvm, de
formação do espírito para conjunto objectivo de representações, modelos de comportamento, regras,
valores, enquanto património comum realizado ao longo da evolução histórica e, por outro lado, a nova
consciência que vem a distinguir-se do carácter histórico--relativo das diversas configurações culturais,
conforme o tipo de sociedade e as diferentes épocas.
Se é certo que a atenção à diversidade das culturas já se encontrava presente em historiadores da
Antiguidade, como Heródoto ou Tácito, é sobretudo nos séculos xvn e xvm que se vai desenvolvendo
uma nova sensibilidade relativamente à especificidade dos contextos histórico-sociais. A descoberta do
Novo Mundo por Cristóvão Colombo assinala o início de uma percepção acrescida das grandes
diferenças que podiam apresentar as características culturais dos ditos selvagens relativamente às dos
ocidentais.
Nos séculos xvn e xvm, um grande número de relatos de viagens, escritos por homens enviados pelas
potências monárquicas europeias, exploradores e missionários, contribuiu para dar a conhecer crenças,
usos e costumes dos diferentes povos da Ásia e da América. Tais documentos contribuíram igualmente
para a implantação, no século xvm, de uma moda literária baseada na comparação entre os costumes
europeus e os dos outros povos. Como exemplos dessa literatura são ainda hoje famosas, entre outras
obras, as Cartas Persas de Montesquieu, de 1721, e as Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, de 1726.
Nas Cartas Persas, Montesquieu imagina dois persas que, após a sua chegada a Paris, escrevem aos
seus compatriotas, descrevendo, com um olhar claramente naíf, o modo de vida dos parisienses. Os
hábitos correntes, os preconceitos, as práticas consideradas pelos franceses como normais deixam de
surgir como um dado adquirido: as instituições, as obrigações sociais, as regras da vida civil são
mostradas sem a reverência que tradicionalmente lhes é atribuída, e acabam por surgir como «absurdas» e
ilógicas (cf. Hazard, 1963, pp. 15 e segs.). Também Swift, nas Viagens de Gulliver, põe em evidência
todas as formas de vida habituais, criticando tudo aquilo que o mundo anglo-saxónico respeitava,
venerava e amava: os homens de Estado mostram-se ignorantes e imbecis, os reis estultos, os intelectuais
e filósofos loucos ou fátuos, e assim sucessivamente.
A par destes exemplos literários vai-se desenvolvendo, ao longo de todo o século xvm, o interesse pelo
globo terrestre considerado no seu conjunto, e isso por parte de filósofos como Voltaire, Diderot,
Rousseau, e cientistas como Buffon, colocam igualmente em evidência a diversidade presente nos
moeurs, ou costu
16
mes, que caracterizam os povos do mundo, enquanto as narrativas de viagem de um autor
como Constantin François de Volney (1757-1820) pretendem, desmistificando as anteriores,
de tipo fantasista ou romanesque, estabelecer, numa linguagem rigorosa e positive, os
modos de vida dos países ainda desconhecidos. O indivíduo começa a ver-se a si próprio
como cidadão do mundo, e é nesta época que surge o neologismo cosmopolita (cf. Moravia,
1982, p. 255).
Assim se vão colocando as bases da difusa percepção, plenamente confirmada no nosso
século, do relativismo cultural, ou seja, o reconhecimento de que cada cultura tem a sua
própria validade e coerência e não poderá ser julgada a partir dos critérios prevalecentes
naquela que nos é mais familiar. Aumenta gradualmente a consciência de que os conceitos
utilizados na representação e interpretação da realidade dependem da diversidade dos
lugares; que as práticas de vida, anteriormente baseadas numa razão universal comum a
todos, são, com efeito, resultado dos costumes historicamente estabelecidos; que hábitos à
primeira vista extravagantes poderão surgir como aceitáveis se se tiver em conta o ambiente
social no qual encontraram a sua origem (cf. Hazard, 1963, p. 15 e segs.).
Pode então ser denunciado o etnocentrismo, isto é, a atitude de quem tende a julgar as
culturas de outra época ou de outros povos a partir dos valores e critérios vigentes na sua
própria cultura de pertença. Assim, verifica-se até a transformação da ideia de natureza
humana como qualquer coisa de comum a todos, se se tiver em consideração o impacto que
a educação e a vida social exercem sobre a base natural, ou seja, a dimensão constitutiva que
as formas de cada cultura específica exercem sobre a formação do indivíduo humano.
A complexa transformação da percepção da dimensão cultural enquanto dimensão
específica prepara, desde o século xvm, uma progressiva tomada de consciência da
importância que as formas simbólicas possuem na vida humana. Nas sociedades tribais,
onde os indivíduos viviam num mundo de forças personificadas (animismo), a percepção da
cultura não surgia como médium específico, enquanto imagens e símbolos eram
imediatamente vividos como se da própria realidade se tratasse. Pelo contrário, nas
sociedades modernas, a capacidade crítica e o aprofundamento das formas do saber
científico confirmam a percepção da relatividade das diferentes ordens culturais. Tal
percepção encontrara já a sua origem no momento da formação das primeiras unidades
sociais nascidas da reunião de indivíduos provenientes de diferentes tradições. Na cidade-
estado (por exemplo, a polis grega), a presença de indivíduos de origem heterogénea, e que
já não se encontravam ligados entre si por vínculos tribais mas antes por interesses
funcionais ligados à defesa e ao comércio, havia criado a exigência de se definir, para todos
os cidadãos, valores e normas propriamente políticos (ou seja, ligados às coisas próprias
dapólis), relativamente autónomos das ordens sagradas das suas comunidades de origem.
Vieram assim a coexistir na polis divindades de origem diversa. Mas a passagem do regime
tribal ao da
17
unidade social assinala igualmente o início daquele processo de secularização que Max
Weber identificou como um progressivo desencanto do mundo, no qual, finalmente,
amadurece o reconhecimento de que a ordem simbólica é uma dimensão específica,
diferente da realidade (cf. Halton, 1992). Neste contexto, muitos dos aspectos habitualmente
considerados como naturais, e que, por conseguinte, não eram postos em causa, revelam-se
efectivamente como produtos culturais, ligados a uma situação histórica específica. A
acentuação da dimensão histórico-temporal, que a partir do século xvm caracteriza a
filosofia moderna, revela ser, com efeito, um factor determinante para a emergência de uma
ciência antropológica da cultura, que se orienta para as diversas formas de expressão
simbólica, a fim de as analisar na sua especificidade.
Nos Principi di una Scienza Nuova, de Giambattista Viço (1744), já encontramos
formulada uma «nova arte crítica», ou seja, uma filosofia que se propõe examinar a filologia
enquanto «doutrina de todas as coisas as quais dependem do humano arbítrio, como são as
histórias das línguas, dos costumes e dos factos e bem assim da paz e da guerra dos povos».
No preciso momento em que o Iluminismo pretende eliminar todos os preconceitos de tipo
teológico-religioso, a fim de reconsiderar cada um dos aspectos da realidade e da vida
humana à luz da pura razão, vai-se afirmando em Viço, pelo contrário, uma nova forma de
atenção à mitologia, à poesia arcaica, às fábulas, enquanto documentos da verdadeira
história das gentes mais remotas. Os diferentes tipos de linguagem e de expressão, os rituais,
a arte, os contos tradicionais, são trazidos à dignidade de documentos históricos que devem
ser analisados como tais. Será sobretudo na primeira metade do século xix que Viço,
exaltado pelos românticos, conhecerá a sua época de maior celebridade, influenciando o
desenvolvimento do Historicismo Alemão, que se mostrou determinante no modo como
evidenciou a especificidade das ditas ciências do espírito (que incluíam a história, a
psicologia, a sociologia), relativamente às ciências da natureza.
No entanto, para compreender tal processo há que recordar o contributo fundamental dado pela filosofia
de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) para o reconhecimento da especificidade da dimensão
cultural. Na sua concepção dialéctica da História, Hegel interpretou, como é sabido, as diversas épocas da
vida da humanidade como etapas sucessivas de um processo de maturação do espírito, sublinhando assim
as diferentes formas culturais que, na época, foram disso expressão. Considerando cada uma dessas
formas um sistema coerente de significados, em correlação com uma experiência histórica particular,
Hegel interpretou as formas culturais como espírito objectivo, isto é, como forma de cristalização de
significados relativamente aos quais o espírito, enquanto processo evolutivo em constante mutação, tem,
de vez em quando, assumido as suas distâncias, negando as formas constituídas a fim de as poder
abranger numa síntese superior. Independentemente da complexa estrutura filo
18
sóficaque caracteriza a Fenomenologia dello spirito (1870) de Hegel que, obviamente, não
poderemos aqui ter em conta, a possibilidade de individualizar as formas culturais como
objectivações históricas concretas e documentos da experiência humana contribuiu muito
para que se começasse a prestar uma atenção especial às comparações entre essas formas.
Desenvolvendo uma crítica quer ao conceito teleológico da História em Hegel, quer ao
dogmatismo científico do positivismo, um dos principais expoentes do historicismo alemão,
o filósofo Wilhelm Dilthey (1833-1911), sublinhava que qualquer acontecimento e qualquer
época histórica possuem a sua própria individualidade e uma coerência interna de
significado, que devem ser interpretadas no sentido que lhes é próprio e irrepetível e, por
conseguinte, não são passíveis de integração em princípios gerais abstractos. Nesta base,
Dilthey, retomando uma distinção já formulada por Johann Droysen (1868) entre Verstehen
(compreender) e Erklaren (explicar), propunha que se distinguisse entre ciências da
natureza e ciências do espírito ou ciências histórico-sociais (cf. Dilthey, 1910). O que
distingue estas últimas das primeiras é precisamente a especial atenção aos significados
vividos na experiência histórica e, portanto, às formas culturais que lhes conferem
expressão. A consciência do facto de toda a acção humana poder ser compreendida somente
em referência aos valores e modelos culturais que a orientam comportará também, como
mais claramente veremos adiante (v.cap.u, par. 2, 10,10.1,10.2), uma profunda
transformação da epistemologia científica, porquanto se deverá reconhecer que o próprio
saber das ciências naturais parte de pressupostos e de problemas que pertencem ao contexto
cultural do cientista. O que levará a uma revisão radical do conceito de neutralidade e
objectividade do saber científico, assumido acriticamente pelo positivismo.
Dentro da perspectiva aberta pelo historicismo alemão, surgirá de novo a já referida distinção entre
cultura e civilização, mas estes dois conceitos deixarão de ser considerados no seio de uma concepção
evolucionista, ou seja, como etapas de um progresso considerado como um dado adquirido, para o serem
como categorias históricas ou tipos ideais para a interpretação de processos históricos específicos. Em tal
contexto, o termo civilização vem a assumir, na generalidade, uma conotação negativa.
Ferdinand Tõnnies (1855-1936), na sua obra Comunità e società, publicada em 1887, realçara a
comunidade como sendo a forma própria das sociedades pré-industriais, baseada navontade orgânica
(Wesenwille), isto é, no predomínio dos vínculos naturais relativos à vida biológica, ao instinto, ao prazer
e ao substracto inconsciente do sentimento e da memória. A base da comunidade é a família, enquanto
unidade constituída sobre a compreensão recíproca e a solidariedade de intenções dos seus membros. À
comunidade contrapõe Tõnnies a sociedade, enquanto forma própria da sociedade urbano-industrial,
baseada na vontade convencional (Kurwille), ou seja, em relações de tipo artificial, esta
19
belecidas no contrato e no direito, na racionalidade instrumental e no princípio da
concorrência. Na sociedade prevalecem o cálculo utilitarista e a especulação, a
solidariedade familiar cede o seu lugar ao individualismo e aos grupos ligados aos interesses
económicos, e à comunidade doméstica estável sucede-se o instável par conjugal. Nesta
perspectiva, a Kultur surge como a expressão vital dos valores substanciais que
caracterizavam a comunidade, enquanto o termo Zivilization se refere ao novo regime que é
próprio da sociedade. A cultura veio assim a transformar-se em civilização, a qual assinala o
declínio da cultura (cf. Tõnnies, 1887).
De modo análogo, para Oswald Spengler (1880-1936) o termo Kultur, entendido como
civilização, ou seja, como momento vital e criativo de uma cultura ligado a dimensões
orgânicas ou instintivas, contrapõe-se ao termo Zivilization, enquanto momento que indica
o declínio de um ciclo cultural, a sua fase terminal e crepuscular, na qual predomina o
pensamento abstracto e a dimensão inorgânica, representada pelo domínio da técnica, a
omnipotência do dinheiro e o regime de massas. Sob este ponto de vista, Spengler
desenvolve a sua interpretação de // tramonto deli'occidente, obra na qual, propondo uma
visão cíclica da história, assinala o fim do conceito unilinear da história como progresso (cf.
Spengler, 1922).
A distinção entre Kultur e Zivilization é também retomada por Alfred Weber (1868-
1958), em termos problemáticos no que se refere à sua validade científica, mas sempre num
contexto em que a concepção evolutiva do século xix já se revela como consumada (cf.
Weber, 1935). Mais tarde, e seguindo nesta mesma linha, Max Horkheimer (1895-1973) e
Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969) desenvolveram a sua crítica radical do
Iluminismo e as suas análises das formas de alienação que caracterizam a actual sociedade
de consumo (cf. Horkheimer-Adorno, 1947; Adorno, 1951).
No seio da complexa experiência histórico-cultural aqui esboçada, o desenvolvimento da
etnologia, da antropologia cultural e da sociologia, na segunda metade do século xix e no
século xx, contribuiu grandemente para o aprofundamento do fenómeno cultura,
determinando de modo decisivo o aumento da nossa consciência no que se refere à
influência preponderante que as representações culturais exercem sobre o nosso modo de
sentir, pensar e agir.
Antes de chegarmos aos núcleos problemáticos colocados pela relação entre as estruturas sociais,
formas do conhecimento e modelos culturais (v. cap. n), e antes de analisarmos as diversas teorias
sociológicas da cultura (v. cap. ih), será oportuno tentar compreender, em termos gerais, como se coloca a
cultura no interior da experiência existencial própria do ser humano. Tal reflexão, com efeito, fornecer-
nos-á uma orientação de fundo e uma chave de leitura para a elaboração das diversas questões levantadas
pela sociologia da cultura.
20
2. A cultura como substituto do determinismo do instinto
Quem quer que se proponha observar a realidade social começa por se encontrar perante uma série
infinita de actos realizados por um grande número de indivíduos, isto é, acontecimentos que ocorrem, no
tempo e no espaço, de modo irreversível: uma vez realizados, tais actos deixam de poder ser considerados
como não tendo ocorrido. Tendemos imediatamente a interpretar esses actos, relacionando-os com
significados que nos são familiares: se, de manhã, um grande número de indivíduos sai para a rua num dia
útil, pensamos que se estão a dirigir para os seus locais de trabalho; se constatamos que certos indivíduos
estão vestidos de uma certa maneira, estabelecemos uma relação entre esse facto e a sua profissão, a
moda, a temperatura, etc. Todavia, nem sempre os comportamentos por nós observados são facilmente
compreensíveis: poder-se-á tratar de actos individuais que só possam ser compreendidos em função dos
motivos particulares que movem os próprios indivíduos e não se revelem imediatamente evidentes, como
é o caso de alguém que seja movido por ideais religiosos que não partilhamos, por tradições culturais por
nós ignoradas, por paixões e emoções que nos são estranhas, e assim sucessivamente. O problema
complica-se ulteriormente se, de um mundo que nos é familiar, passamos a um mundo que nos é
desconhecido: é esta, por exemplo, a situação normal na qual vem a encontrar-se o etnólogo ou o
antropólogo cultural quando se propõem observar a vida social de populações ditas «primitivas», em tudo
diferentes daquela à qual eles pertencem por nascimento.
Aquilo que aqui nos interessa, sobretudo, é trazer à evidência que a acção humana se transforma para
nós num facto inteligível unicamente se a colocamos em relação com um significado, esteja este
relacionado com uma intenção ou com as motivações subjectivas, mais ou menos conscientes, da
actuação de um actor social, ou surja integrado como referência a modelos ou regras culturais próprias do
contexto social no qual se manifesta a acção. Todavia, uma primeira dificuldade advém do facto de nem
sempre ser fácil estabelecer qual o significado a que o agir efectivamente se refere. E bastante difícil
alcançar as motivações interiores das acções de outrem, isso porque, muito frequentemente, o próprio
indivíduo nem sempre está consciente das razões que o conduzem. Assim, hoje em dia opta-se por
considerar os valores culturais definitivos e as regras codificadas que orientam a acção, de preferência a
referir as motivações interiores (v. cap. m, 3).
No caso da acção humana não podemos, portanto, continuar a proceder a generalizações excessivas,
dado haver situações em que a experiência dos indivíduos varia em conformidade com o tempo e o
espaço e outras em função das vivências pessoais que presidiram à existência de cada um.
É diferente o caso dos que se propõem observar o modo de agir dos animais, se se tratar de indivíduos
isolados ou em colectivo (manada, bando, formigueiro,
21
colmeia, etc). Embora também aqui o nosso esforço consista em correlacionar um certo
comportamento com significados que se mostram plausíveis, não procuramos tais
significados nas motivações subjectivas ou nos modelos culturais presentes nos indivíduos
observados, mas tomamos como referência paradigmas de tipo funcional (problemas de
sobrevivência, de defesa, reprodução e outros) e estruturas do código genético (instintos).
Neste caso, os erros de interpretação são devidos ao nosso escasso conhecimento dos reais
mecanismos que determinam o comportamento animal; porém, uma vez correctamente
identificados os mecanismos, poderemos, na generalidade, aplicar esses conhecimentos aos
comportamentos que se lhes assemelham. Se é certo que até no mundo animal existem
alguns comportamentos adquiridos através de experiências casuais e, por isso, não
directamente redutíveis a um determinismo de tipo genético, a referência a umacultura
animal, por vezes utilizada pelos etólogos, deve entender-se não no sentido próprio, mas
antes no metafórico, porque no animal a elaboração da experiência surge de modo diverso
da que caracteriza os seres humanos e mantém-se condicionada sobretudo pelo automatismo
de tipo gené-tico-instintivo.
A relação especial que, no mundo social, vem a estabelecer-se através da acção e do
significado apresenta uma grande complexidade, porquanto no ser humano, mesmo não
tendo desaparecido completamente o automatismo instintivo, este tem vindo notoriamente a
enfraquecer e foi quase completamente substituído pelo impacto dos modelos e orientações
culturais, que incidem profundamente sobre a psique dos indivíduos (necessidades,
sensibilidade, conhecimentos, emoções, etc).
A ruptura da relação imediata com o próprio ser natural que caracteriza o indivíduo humano é
representada pelo aparecimento da consciência. Seja qual for o modo como se pretenda interpretar o
processo através do qual isso se verificou, mantém-se o facto de o indivíduo se manifestar como o ser que
tem conhecimento de que existe. Tal conhecimento cria uma espécie de fractura no natural
comportamento imediato, que impede a simples espontaneidade. Sem o suporte dos modelos culturais
adquiridos a partir do nascimento, o ser humano não sabe como comportar-se (cf. Crespi, 1982; 1994a).
Por isso Arnold Gehlen (1940) pôde falar do homem como de um «animal diminuído» que, para se poder
orientar, deve necessariamente tomar como pontos de referência representações e modelos culturais. Tais
modelos, sendo resultado da sedimentação, na memória colectiva ou na tradição, de um património de
experiência, diminuem (Entlasten) o problema que consiste em saber como comportar-se sem que, de
cada vez, seja necessário recomeçar ex novo. Logo, no regime de vida caracterizado pela consciência de
si, a cultura surge como um substituto social do determinismo do instinto, embora, pelas razões que daqui
a pouco analisaremos, a cultura não consiga reproduzir de modo igualmente forte o automatismo daquele.
22
A cultura desenvolve uma função de mediação simbólica; a linguagem, as representações da
realidade, as narrativas mitológicas, a religião, a expressão artística, as técnicas, o saber
científico, a filosofia, os sistemas do direito, os modelos de comportamento, etc, constituem
outras tantas formas que exercem funções de mediação nas nossas relações com o próprio
Eu, com os outros, com as coisas.
Ter consciência de si quer dizer ter presente o nosso ser no mundo, mas também a nossa
possibilidade de não ser, ou da morte, isto é, colocar a si próprio o problema do sentido da
vida: quem somos, donde vimos, para onde vamos, o que é justo fazer, o que nos espera
depois da morte? Perante a complexidade da realidade que nos circunda e da que a nossa
experiência existencial integra, a cultura, fornecendo nas diferentes situações histórico-
sociais uma série de explicações e representações, ou seja, de significados determinados,
cumpre uma função fundamental de redução da complexidade, ou seja, selecciona, a partir
das infinitas possibilidades da acção e da experiência, alguns modelos de comportamento
específicos que, no entanto, variam no tempo e no espaço.
Uma das razões pelas quais as formas culturais se modificam conforme o tempo e as
várias situações sociais encontra-se ligada ao facto de a cultura, enquanto redução, não
conseguir esgotar a complexidade do real e da experiência. Como melhor veremos mais
adiante (v. cap. vi), a cultura, na sua relativa autonomia, constitui um depósito de
experiência na base do qual a reflexão e a capacidade criativa dos indivíduos elaboram
novas formas expressivas. Sempre que se alteram as condições histórico-ambientais ou
nascem novas exigências individuais ou colectivas, a cultura deve adaptar as suas próprias
interpretações e reformular as suas próprias respostas, fornecendo novos significados mais
adequados às exigências do momento. Isso explica a razão pela qual a cultura já não
consegue reproduzir o automatismo do determinismo biológico, ainda que tenda a
absolutizar as suas formas expressivas e as suas regras, até ao ponto de quase se transformar
numa segunda natureza. Por exemplo, a regra cultural que veta as relações sexuais entre
pessoas da mesma família, ou seja, o tabu do incesto que encontramos presente em quase
todas as sociedades conhecidas (cf. Lévi-Strauss, 1947, pp. 66-67), tende a ser esquecida na
sua qualidade de produto cultural: está tão interiorizada através do processo de socialização
que passa a ser sentida como qualquer coisa de natural, ou seja, é assumida como um dado
adquirido, a ponto de provocar um sentimento espontâneo de repugnância pelo próprio acto
ou de criar um grave sentimento de culpa naquele que o realiza. Isso não impede, todavia,
tal como o provam os numerosos episódios de infracção deste tabu, que até mesmo uma
regra que se apresenta de modo tão absoluto possa vir a ser infringida.
A cultura, enquanto substituto do determinismo do instinto, não só assume as funções de orientação do
indivíduo como também institui as condições de previsibilidade que constituem um requisito essencial
para que se torne possí
23
vel a instauração de uma ordem social, qualquer que esta seja (cf. Weber, 1922, i, p. 20 e
segs.). Com efeito, a sociedade baseia-se numa série de regras partilhadas, que consentem
que se actue tendo como referência o agir de outrem, de modo a que se coordenem as
diversas acções individuais na base do princípio da reciprocidade das expectativas, isto é,
com base naquela situação social que surge definida como dupla contingência, caracterizada
pelo facto de, perante a minha expectativa de que o outro se comporte de determinado
modo, eu também me encontrar sempre em situação de dever corresponder à expectativa
existente no outro em relação a mim (cf. Parsons, 195 lb ; Luhmann, 1984, p. 207).
A presença de regras partilhadas, sejam estas definidas segundo um código ou uma lei
formal (normas jurídicas, regras da condução automóvel, etc), ou na base dos usos e
costumes efectivamente praticados no contexto social (modos de actuação tradicionais,
regras de boa educação, etc), obriga-nos, por um lado, relativamente ao nosso
comportamento e, por outro, facilita as nossas inter--relações. Assim, torna-se evidente que
a função de garantir a previsibilidade social surge tanto mais liberta da cultura quanto mais
naturais se mostram as regras, isto é, quanto mais espontaneamente são levadas à prática,
sem a consciência de que se trata de regras culturais, o que significa que se revelam fixas a
partir de uma selecção que, todavia, é sempre convencional.
Poder-se-ia dizer que a função da cultura é obtida à custa de uma solução paradoxal:
enquanto redução de complexidade, qualquer forma de determinação dos significados e das
regras não pode ser mais do que o produto parcial de uma selecção feita a partir de
exigências de tipo aleatório. É como se os membros da sociedade, tendo como base uma
complexa experiência histórica colectiva, tivessem acordado considerarem certos valores,
certas normas ou certos tipos de comportamento como incontroversos: para se obter este
resultado torna-se necessário esquecer o carácter aleatório e convencional da determinação
de tais significados e considerá-los como absolutos.
Nas sociedades ditas primitivas e, em grande parte, até mesmo nas pré--modernas, a falta
de atenção à especificidade da dimensão cultural favorece tal absolutização: aquilo que era
determinado pela autoridade da tradição dificilmente se apresentava sujeito à discussão. O
aumento do conhecimento sobre a cultura, o qual, como já vimos (v. 1 deste capítulo),
caracterizou as épocas moderna e contemporânea, desenvolveu o nosso espírito crítico,
tornando hoje mais difícil esquecer o carácter convencional das regras, com o consequente
enfraquecimento das nossas diferentes ordens sociais, devido ao aumento do grau de
imprevisibilidade dos comportamentos, e, por conseguinte, da complexidade dos nossos
sistemas sociais.
Torna-se assim nitidamente óbvia a tensão que caracteriza, por si só, a relação entre as
formas de determinação cultural, enquanto redução de complexidade, por um lado, e a
indefinição que deriva da própria complexidade da experiência e do agir humanos, por
outro.
24
A dimensão reflexiva, representada pela consciência de si próprio, comprometendo o
imediatismo e a espontaneidade naturais, comporta o facto de o indivíduo humano, para agir
num sentido social, ou seja, para estar orientado no sentido da coordenação requerida pela
reciprocidade das expectativas, dever estar, por assim dizer, convencido a aceitar certas
regras e certos modelos de comportamento; com efeito, é exactamente isto que acontece
desde o início da vida de cada um de nós, através da prática quotidiana das relações com os
adultos, a linguagem e as formas de educação, configurando todos estes elementos o
cham&âo processo de socialização (v. cap. iv, 4, 4.1, 4.2).
Todavia, o indivíduo humano, não se encontrando programado com base no
determinismo do instinto, como acontece com o animal, pode sempre recusar-se a aceitar os
significados e as regras que lhe são propostos pela sua sociedade de pertença. Ter
consciência de si quer dizer, ao mesmo tempo, ser capaz de identificar-se com determinadas
formas de significado (por exemplo, definições sociais da identidade) e de negar essas
mesmas formas. Por esta razão, a plasticidade do comportamento humano é infinitamente
maior que a dos animais, do mesmo modo que infinitamente maior é o seu grau de
imprevisibilidade.
A fim de melhor compreendermos os problemas originados pela cultura e pela sua função na
sociedade, convém, neste momento, aprofundar particularmente a natureza da relação entre acção
humana e formas de mediação simbó-lico-normativa.
3. Acção e mediação simbólica: sentido e significado
Dissemos anteriormente que toda a acção enquanto tal só se torna para nós inteligível se tivermos em
conta o significado que orienta a própria acção, quer esse significado seja por nós atribuído ao modo de
agir de outrem, quer tal venha indicado por aquele que actua como explicação da intenção desse seu
modo de agir (sem que, aliás, essa explicação deva necessariamente esgotar a complexidade dos
significados da sua acção: por exemplo, é possível que existam motivos inconscientes, além de nos
podermos encontrar perante um fenómeno de auto-engano, etc).
O que importa estabelecer aqui é que a referência ao significado, ou melhor, a intencionalidade da
acção, enquanto expressão de indivíduos dotados de consciência de si, é um elemento constitutivo do
próprio conceito de acção. Neste ponto, todavia, surge uma dificuldade relativa à posição do significado
face à acção. Se, com efeito, não ocorre acção sem significado, dever-se-á concluir que o significado
precede a acção.
Na prática, surge como confirmado o facto de que cada indivíduo nasce no seio de um contexto social
já formado e de uma cultura específica que lhe é transmitida pelos adultos através da linguagem, dos
hábitos alimentares, das
25
expressões de afecto, das regras para a educação, das narrações interpretativas da vida e do
mundo, da definição dos papéis e de tantos outros aspectos. Só num segundo momento o
indivíduo consciente, através de uma elaboração pessoal dos significados que lhe foram
transmitidos, e levando à prática a capacidade de negação, que inicialmente referimos, pode
transformar tais significados até à produção de novos significados.
Em princípio, pelo contrário, temos de reconhecer que a acção precede o significado,
porquanto este último não pode ter outra origem que não seja o próprio agir, isto é, a
experiência existencial dos sujeitos e a sua capacidade para darem origem a formas de
expressão simbólica.
Posto isto, de que modo é possível resolver tal contradição?
Na tradição filosófica ocidental, a partir sobretudo de Descartes e até de Kant, Hegel e Husserl, tal
problema era resolvido através da atribuição à consciência de uma função fundamental. Assim, a
consciência surgia dotada de uma extraordinária clarividência acerca da própria identidade, como
transparência imediata da própria experiência de si e princípio de racionalidade. Era a própria
consciência, enquanto unidade vivente, que produzia os significados, quer fosse compreendida enquanto
consciência individual ou enquanto subjectividade transcendental ligada a uma estrutura espiritual
comum a todas as consciências singulares. Assim se estabelecia uma prioridade do momento cognitivo
relativamente à realidade existencial.
No entanto, nos tempos modernos tal posição é radicalmente colocada à discussão, a partir da crítica
feita ao conceito de imediatismo da consciência por autores como Marx, Nietzsche, Freud, Heidegger. Foi
efectivamente realçado que a relação que o indivíduo consciente estabelece consigo próprio surge, desde
o início, através das formas culturais e que a identidade da consciência é, em grande parte, produto da
linguagem e dos significados, os quais, em cada contexto histórico-social concreto, contribuem para
definir a subjectividade. A própria ideia de indivíduo varia de época para época e de uma para outra
forma de cultura.
A consciência, encontrando-se baseada na memória, surge constituída internamente por formas narrativas
que conferem uma coerência a elementos em si heterogéneos, ou melhor, através de racionalizações que,
indo incidir, por exemplo, sobre as pulsões inconscientes, reduzem, de facto, a complexidade da
experiência da própria consciência. Segundo este ponto de vista, a dimensão reflexiva da consciência
emerge no interior de um mundo histórico-social, culturalmente já definido. Hoje, a prioridade
tradicionalmente atribuída ao momento cognitivo da consciência enquanto racionalidade que se
autofundamenta é assim substituída pelo reconhecimento da prioridade da dimensão ontológica, no
sentido de que o ser individual concreto surge lançado desde o início na fatalidade de um mundo já
existente. A consciência subjectiva apresenta-se, então, não como princípio fundamental, mas como
capacidade de elaboração dos significados e de identifi
26
cação com as determinações constituídas e, também, pelas razões acima indicadas, como capacidade de
distanciação ou de negação daquelas.
Esta fundamental ambivalência da relação que a consciência estabelece com a cultura é interpretada
por Georg Simmel (v. cap. 11,5) como uma relação trágica: «Perante a vida da alma que vibra sem
repouso, desenvolvendo-se no infinito e que, num certo sentido, é criadora, encontra-se o seu produto
consistente, idealmente inamovível, que possui o efeito retroactivo de fixar, ou antes, de tornar rígida
aquela vitalidade: frequentemente, é como se o dinamismo criador da alma morresse no seu produto.»
(Simmel, 1911, p. 193) Se a cultura, enquanto produto objectivado, pode surgir como uma forma de
rigidez relativamente à vitalidade do espírito, este, todavia, para se realizar, deve passar através da
cultura, que constitui uma fonte de inexaurível enriquecimento (cf. ibid., p. 212).
Efectivamente, a cultura configura-se como um património de sedimentação das experiências,
representações e valores transmitidos através da linguagem, dos textos escritos, dos monumentos, etc, que
estão na base da memória individual e colectiva. Tal como sublinhou Maurice Halbwachs (1925), o
sociólogo francês que muito provavelmente forneceu o contributo mais sistemático para o estudo da
memória colectiva, os conteúdos da memória, isto é, «o conjunto de imagens do passado que um grupo
social conserva e reconhece enquanto elementos significativos da sua história» (Jedlowski, 1989, p. 75),
são na realidade o resultado de um constante trabalho de selecção e reconstrução do próprio passado, que
advém das experiências do presente.
Assim, neste contexto, a consciência não surge como a primeira fonte do sentido, mas antes como um
princípio activo capaz de seleccionar e elaborar significados anteriormente apresentados. É, todavia, a
própria presença desse princípio activo, manifestado, antes de mais, como capacidade de distanciação das
objectivações anteriormente fornecidas, ou ainda da sua negação, que revela que o fenómeno da
consciência tem a sua raiz na própria vida, ou melhor, na existência, enquanto abertura original que dá o
sentido.
Distinguindo entre sentido e significado, podemos referir o sentido original como a própria
complexidade da situação existencial que se antecipa a toda a redução determinada de significado. Como
tal, o sentido já não surge esgotado dos significados culturais conscientes, os quais, de vez em quando,
tendem a interpretá-lo: permanece, por assim dizer, no fundo da actividade de produção expressiva, que
se encontra na base das formas culturais concretas. Assim, quando dizemos que a acção precede o
significado, referimo-nos à dimensão da abertura existencial original, no interior da qual emerge o agir
antes de qualquer actividade reflexiva. Por conseguinte, esse agir surge como a primeira fonte da
produção reflexiva dos significados. Pelo contrário, ao afirmarmos que o significado precede a acção
fazemos referência à situação histórico-social concreta, caracterizada pela memória cultural, na qual vêm
a encontrar-se os actores sociais a partir do momento do seu nascimento.
27
Deste modo surge resolvida a aparente contradição entre as duas afirmações, ambas
verdadeiras, mas possuindo como referência aspectos diversos.
Todavia, é oportuno sublinhar, além do carácter aparentemente abstracto do discurso até aqui
apresentado, a utilidade, para a teoria sociológica da cultura, de manter distintos os dois momentos da
acção e da cultura: de facto, tal distinção permite compreender, por um lado, que a acção seja
eminentemente influenciada pela cultura e, por outro, que a acção seja ainda um princípio activo que,
tendo a sua raiz no sentido existencial, possui a capacidade de transformar as formas culturais, negando
as determinações objectivadas dos significados, de modo a proceder à criação de novas (v. cap. vi, 1).
Neste contexto se compreende o facto de os actores sociais serem, ao mesmo tempo, produto da cultura
da sua sociedade de pertença e fonte activa de produção de formas culturais sempre novas.
Assim se explica a razão profunda pela qual a cultura, entendida como o conjunto das formas de
mediação simbólica presentes num determinado contexto social, é, simultaneamente, garantia de
continuidade com o passado, património da memória histórica e realidade expressiva em mudança
permanente.
O termo sentido, usado do modo acima indicado, não se confunde com a expressão senso comum, que
por vezes se reporta àquele conjunto de significados (conhecimentos, regras, hábitos, convenções, etc),
geralmente partilhados e aceites por todos como óbvios, e que constituem, por assim dizer, o substrato
cultural da nossa existência social. O senso comum «consiste no "saber fazer" que não é objecto de
reflexão e acompanha a nossa vida de todos os dias, e naquele "saber reconhecer" imediato com o qual
interpretamos habitualmente as coisas que nos rodeiam e os comportamentos das pessoas» (Jedlowski,
1995, p. 10). Enquanto o conceito de sentido nos remete para uma categoria de tipo filosófico, o conceito
de senso comum indica, a nível empírico, um dos produtos do sistema dos significados.
4. A pluralidade das formas culturais
Em primeiro lugar, deveremos ainda clarificar um outro importante aspecto relativo à cultura e, assim,
interrogarmo-nos se, no seu conjunto, as formas culturais presentes numa determinada sociedade podem
ser consideradas um sistema coerente de significados, ou seja, uma realidade complexa, na qual
interagem elementos heterogéneos e diferentes níveis.
Também neste caso a resposta não é simples. Efectivamente, e sem que a dúvida se coloque, é sempre
possível sublinhar, referindo-nos a uma sociedade histórica concreta, a prevalência de formas de
representação, valores, princípios normativos e modelos de comportamento que apresentam entre si uma
relativa coerência. Neste caso, podemos falar de um sistema cultural dominante,
28
o qual permitirá distinguir, por exemplo, alguns traços característicos da cultura da
sociedade europeia da Idade Média de outros que se reportem ao Renascimento.
Todavia, temos de reconhecer que, ao fazê-lo, estabelecemos uma selecção: recorremos,
com efeito, a uma espécie de simplificação que pode ser útil, no plano interpretativo, para
sublinhar certos aspectos relevantes, mas a coerência por nós posta em evidência significa
frequentemente um modo de realçar as diferenças numa realidade bem mais variada.
Na sociologia da cultura, alguns autores tendem a relevar o elemento unitário, enquanto,
por vezes, outros acentuam a heterogeneidade que caracteriza as formas culturais num
mesmo contexto social. No século passado, por exemplo, prevalecia a tendência para se
considerar a cultura como ideia ou Espírito do Tempo (Zeitgeist), como base para se
caracterizar a especificidade de uma determinada época e de uma determinada sociedade.
De facto, essa tendência privilegiava a cultura avançada das elites presentes nessa
sociedade, subestimando, por exemplo, as formas de cultura popular que podiam ter o seu
fundamento em referências mais tradicionais (cf. Míinch-Smelser, 1992, p. 4).
Na antropologia cultural, entre o fim do século xix e o início do século xx, autores como
Edward B. Tylor (1832-1917) e Robert H. Lowie (1883-1957) tendiam a sublinhar os
elementos comuns de cada cultura, enquanto conjunto coerente e integrado de elementos (cf.
Tylor, 1871), enquanto numa perspectiva evolucionista Lewis H. Morgan (1818-1881) e
Friederich Engels (1820-1895) realçavam um princípio unitário da cultura, ligado a cada um
dos estádios da comunicação social, estabelecendo a relação entre um certo nível
tecnológico e certas formas de expressão religiosa, certos costumes e ordens normativas.
Na sociologia, Emile Durkheim (1858-1917) indicava, pelo contrário, um princípio de
unificação da cultura no sistema educativo próprio de cada sociedade (v. cap. ii, 3; cap. iv,
4, 4.1, 4.2). Pitirim Sorokin (1889-1968) reunia os diversos aspectos da cultura num único
princípio organizativo, desenvolvendo uma tipologia de culturas internamente coerentes (v.
cap. m, 1.4). De modo análogo, Ruth Benedict (1887-1948) distinguia culturas integradas,
permeáveis a uma única ideia dominante (por exemplo, carácter «apolíneo» ou
«dionisíaco») e culturas que, pelo contrário, apresentavam um alto grau de incoerência (cf.
Benedict, 1934). Talcott Parsons identificava em cada cultura um sistema global dominante
de valores (cf. Mtinch-Smelser, 1992, pp. 6-13; v. cap. m, 1.3).
Numa recente análise do problema, o sociólogo americano Neil Smelser propôs que se considerasse o
conceito de cultura preferencialmente como a chave interpretativa utilizada pelo observador e não como a
simples descrição de uma realidade empírica. O salientar do grau de coerência das diferentes culturas
dependeria, em grande parte, do esquema conceptual por cuja utilização se optasse, conforme a
preferência fosse orientada no sentido de evidenciar os elementos comuns ou as diferenças. O que não
significa que a conceptualização
29
I U'
I usada seja necessariamente arbitrária e não tenha em conta aspectos que possam
empiricamente ser colocados em relevo, ainda que devamos estar conscientes do carácter de
intervenção selectiva que qualquer tipo de análise da sociedade comporta (cf. Miinch-
Smelser, 1992, p. 22 e segs.).
Porém, na sociologia da cultura, sobretudo a partir dos anos setenta, foi-se sempre
afirmando, de modo crescente, a tendência para se sublinhar o carácter variado dos
significados culturais presentes numa determinada sociedade e a pluralidade das suas
origens. Enquanto Talcott Parsons concebia a cultura como um sistema relativamente
coerente de valores e normas (v. cap. m, 1.3), posteriormente, sobretudo devido à influência
do sociólogo Pierre Bourdieu (v. cap. iii, 3.5) e do antropólogo Clifford Geertz (1973),
vieram a distinguir-se diversas ordens da experiência cultural, consoante nesta prevaleça a
tradição, o senso comum, o saber científico, as componentes ideológicas, a religião ou as
formas artísticas. Essas diferentes ordens estão geralmente presentes num mesmo contexto
social, e até podem estabelecer confrontos entre si: por vezes, os actores sociais chegam a
esse ponto, conforme as exigências contingentes e os problemas práticos que se vêem
obrigados a resolver. A cultura surge então como um conjunto polivalente, diversificado e
frequentemente heterogéneo de representações, códigos, leis, rituais, modelos de
comportamento, valores que constituem, em cada situação social específica, um conjunto de
recursos, cuja função própria surge diferentemente definida consoante os momentos. A
cultura pode assim ser definida como o conjunto das formas simbólicas publicamente
disponíveis através das quais os indivíduos, seleccionando instrumentos diversos a fim de
construírem a sua linha de acção, traduzem e exprimem significados (cf. Keesing, 1974), um
pouco como acaixa de ferramentas (tool kit) ou um repertório, contendo símbolos,
narrações, rituais e concepções do mundo, que os indivíduos, seleccionando instrumentos
diversos para a construção da sua linha de acção, possam utilizar em configurações
específicas, que variam no tempo (cf. Hannerz, 1969, p. 186 e segs.; Swidler, 1986, p. 273;
v. cap. m, 3.6).
A pluralidade das fontes dos modelos culturais e o próprio carácter incoerente daqueles que surgem
considerados como «sistemas culturais» são igualmente sublinhados pela socióloga americana Diana
Crane, que propõe a distinção entre cultura registada (recorded) e cultura não registada (unrecorded). Na
primeira estão incluídas todas as formas documentadas de cultura (textos escritos, filmados, produtos
construídos pelo homem, meios de comunicação electrónicos, etc.) utilizadas nos diversos âmbitos da
ciência, da tecnologia, da lei, da educação, da arte e do divertimento. A cultura não registada, pelo
contrário, reporta-se a atitudes, crenças, valores partilhados, que possam ou não encontrar expressão nas
formas registadas da cultura (cf. Crane, 1994, p. 2 e segs.).
Neste contexto surgem também articuladas e discutidas as distinções, que ulteriormente viremos a
reencontrar, entre cultura dominante e formas de
30
r
contracultura ou de subcultura (por vezes também referida através da expressão cultura da pobreza), ou
de cultura das minorias; entre cultura de elite e cultura popular ou de massas, entre cultura de classe e
cultura dos movimentos, nas quais encontram geralmente expressão as realidades relacionadas com a
idade (cultura juvenil), com o sexo (cultura feminina), com a origem étnica (cultura étnica), etc.
Existe um outro âmbito específico, traduzido na expressão cultura material, que é utilizado pela
primeira vez pela escola histórica francesa dos Annales (cf. Bloch, 1939; Braudel, 1967) e,
posteriormente, retomado por numerosos antropólogos e sociólogos (cf. Sahlins, 1976; Lefebvre, 1974;
Mukerji, 1994). De facto, tal expressão refere-se aos diversos produtos culturais que assumem uma
existência autónoma objectiva, tais como os utensílios, os produtos artesanais, a maquinaria técnica, a
habitação, os edifícios públicos, as estruturas viárias e urbanísticas, os meios de transporte, os hábitos
alimentares, as estruturas criadas para a defesa militar, os jardins, os sistemas de distribuição de água, o
design dos objectos e tantos outros.
5. A relação entre teoria e investigação
Decorrente dos diversos conceitos até agora avançados, a dimensão teórica possui um importante
papel na definição do âmbito da sociologia da cultura. Todavia, esse papel surge integrado na sua
constante relação com a dimensão da investigação social.
Como veremos adiante, de modo mais aprofundado, (v. cap. n, 2, 10.1), o conhecimento sociológico,
sendo embora particularmente orientado para a observação empírica dos fenómenos sociais, não pode
prescindir da elaboração de teorias, ou melhor, dos paradigmas conceptuais que orientam a pesquisa,
apontando, por vezes, os critérios na base dos quais deverão ser seleccionados os elementos a tomar em
consideração. Com efeito, perante a realidade, tão complexa, o conhecimento não se configura como uma
simples reflexão neutra sobre factos objectivos, mas antes como uma intervenção activa para a
constituição do ponto de vista específico a partir do qual a realidade é estudada (v. cap. ii, 2). Assim
sendo, o objecto de estudo não subsiste de modo independente da perspectiva teórica adoptada, sendo, de
certo modo, formado a partir desta, na medida em que cada ciência não só estuda relações específicas
entre elementos, mas também sistemas de relações, individualizando selectivamente essas relações,
segundo a perspectiva cognitiva por esta adoptada.
Por outro lado, tal como é evidenciado pela sociologia do conhecimento (v. cap. ii), cada saber nasce
em estreita relação com o contexto sócio-cultural concreto, com as tradições implantadas na comunidade
científica na qual se integra o cientista e com as experiências de vida deste. De facto, a elaboração
31
teórica vai buscar os seus primeiros elementos conceptuais não só ao âmbito do senso
comum, mas também ao das reflexões teóricas precedentes que se vieram a suceder no
tempo.
A teoria é o conjunto dos pressupostos e postulados, das definições e proposições
descritivas que, unidas logicamente entre si, constituem o esquema conceptual de referência
geral, a partir do qual vêm sucessivamente deduzidas as hipóteses, isto é, as suposições
específicas sobre as relações existentes entre as variáveis. Com este último termo vêm
indicados cada um dos factores identificados na base da teoria, que são directamente
verificáveis no plano empírico.
Dado que, na sociologia como nas outras ciências empíricas, a teoria possui sobretudo
uma função instrumental finalizada na observação, a própria teoria pode ser considerada
uma hipótese geral de fundo, susceptível de permanentes revisões, a partir das experiências
de observação directa dos fenómenos. Assim, existe aqui uma estreita relação entre teoria e
investigação empírica, na medida em que a primeira orienta a segunda e esta contribui para
a definição da primeira, numa constante relação circular. A validade de uma teoria
específica deve, por conseguinte, ser avaliada a partir da capacidade que esta possui para
colocar em evidência os aspectos considerados relevantes para a compreensão dos processos
que presidem à construção da realidade social.
Antes de considerarmos os âmbitos específicos de aplicação da sociologia da cultura e as
formas da investigação empírica que lhe são próprias (v. caps. iv e v), deveremos entrar no
cerne do seu debate teórico.
No segundo capítulo ocupar-nos-emos das diversas abordagens teóricas que se reportam
à relação entre as formas do conhecimento e as estruturas sociais. Esta problemática
preliminar, porém, será limitada à análise das teorias que se debruçam, na generalidade,
sobre a relação entre cultura e sociedade, e que serão examinadas no capítulo terceiro. A
dimensão cognitiva, sendo embora uma parte do complexo fenómeno da cultura, apresenta
aspectos específicos que permitem, antes de mais, formular interrogações sobre o estatuto
do saber científico, os seus fundamentos, as suas possibilidades e limites, isto é, permitem
evidenciar quais os pressupostos epistemológicos que se encontram na base do saber
sociológico. Desse modo poderemos compreender como se coloca a sociologia
relativamente às outras formas do saber científico.
Obviamente que a distinção entre as teorias referentes à relação entre consciência e
realidade social e as teorias que consideram a relação entre esta e a cultura na sua
globalidade não deve ser entendida de modo rígido: como veremos, muitas vezes não só são
os próprios autores que se ocupam de ambos os aspectos, como também subsistem estreitos
laços entre ambas as perspectivas.
32
II - AS TEORIAS DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO
A vasta produção teórica desenvolvida no sector da sociologia do conhecimento, podendo embora ser
considerada uma disciplina autónoma, é igualmente uma parte constitutiva da sociologia da cultura
entendida em sentido lato e, como já foi dito, representa, sob certos aspectos, a premissa desta.
A sociologia do conhecimento examina a relação entre as estruturas concretas da sociedade e as
formas do saber, colocando em evidência as influências recíprocas entre essas duas dimensões. O
pressuposto existente na base de tal análise é que as diferentes teorias filosóficas, teológicas, políticas e
científicas são interpretações da realidade que, tendo origem no interior dos diversos contextos sociais,
reflectem destes, em grande parte, as condições e os problemas que lhes são específicos. Se todavia, e
frequentemente de modo decisivo, os processos de formação do pensamento são influenciados por
factores não teóricos, por sua vez, os resultados interpretativos, conseguidos através de tais processos,
podem contribuir para determinar a actuação social, definindo metas colectivas a alcançar e propondo
modelos práticos concretos, até se constituírem como uma força activa na transformação das próprias
estruturas da sociedade.
Em sociologia, o termo estrutura remete, efectivamente, para cristalizações de particulares modos de
ser e de agir que, em estreita relação com as características materiais do ambiente específico e os recursos
neste disponíveis, se consolidam por forma a perdurarem no tempo, condicionando a consequente
actuação social. Logo, também as estruturas são, em grande parte, produto da cultura e configuram o
sistema social através de mediações simbólico-normativas, que definem as posições e os papéis no seu
interior e fixam, no seu conjunto, as instituições vigentes. Nos confrontos da acção social, as estruturas
apresentam, com efeito, a mesma ambivalência das formas de mediação simbólica: por um lado, as
estruturas, enquanto produto da experiência e da memória colectivas, constituem um suporte
indispensável que facilita o agir; por outro, enquanto formas objectivadas essencialmente redutoras,
podem constituir um obstáculo
33
ou, de qualquer modo, uma limitação às possibilidades de inovação do próprio agir e, assim,
serem consideradas constritivas. Relativamente ao conceito de estrutura, a palavra processo,
pelo contrário, indica a dimensão dinâmica da realidade social, isto é, a interacção complexa
entre elementos diversos, presentes no agir social, que pode ser percepcionada pelo
observador segundo linhas de desenvolvimento que dão origem a determinados efeitos
concretos ou a determinados âmbitos de significado. O carácter de objectivação próprio das
estruturas não deve fazer esquecer que estas só subsistem graças à constante reprodução de
formas de agir ligadas a determinados modelos e que, assim, possuem um carácter
processual. A relação entre formas de conhecimento e estruturas sociais pode, então, ser
também compreendida como inter-relações entre processos diversos de produção da
realidade social.
O sociólogo alemão Karl Mannheim (v. 7 do presente capítulo) designou a função da
sociologia do conhecimento segundo dois níveis distintos: «como teoria, procura analisar a
relação entre o conhecimento e a existência; como investigação histórico-sociológica,
esforça-se por encontrar as formas que tal relação assumiu no desenvolvimento intelectual
da humanidade.» (Mannheim, 1929, p. 267, itálico meu.)
Como veremos, a sociologia do conhecimento teve, na nossa época, uma grande
influência no desenvolvimento da epistemologia filosófica e científica, modificando até, de
modo decisivo, a concepção dos processos cognitivos.
Aplicando às próprias teorias sociológicas os métodos de interpretação específicos da
sociologia do conhecimento, poderemos observar que esta surge no século passado enquanto
disciplina autónoma, num momento de profundas alterações sociais ligadas ao
desenvolvimento da industrialização. Na origem da sociologia do conhecimento parece
encontrar-se, sobretudo, a intenção de denunciar a «falsidade» das doutrinas políticas,
económicas e filosóficas que haviam encontrado a sua expressão na sociedade pré-
industrial: sob este ponto de vista, podemos dizer que o início da sociologia do
conhecimento vai receber inspiração dos movimentos de pensamento que caracterizaram o
Iluminismo, enquanto projecto global de desmistificação racional dos preconceitos ligados
às doutrinas teológicas e metafísicas tradicionais.
Interpretando a história como progresso constante do espírito humano, os filósofos do
Iluminismo partilhavam a ideia de que o pensamento da sua época era superior ao das
épocas passadas e, assim, contribuíram para que se sublinhasse o nexo entre as diversas
formas de pensamento e as diferentes épocas com as suas particulares características
histórico-sociais.
Sucessivamente, considerando a história como o desenvolvimento dialéctico de um
espírito em constante superação, Hegel (1807) acentuará a relação entre as representações
filosóficas e ético-religiosas e as diversas épocas. Estavam assim colocadas as premissas
para a sociologia do conhecimento e, com efeito, Karl Marx (1818-1883), o autor ao qual é
reconhecido, em primeiro lugar, o
34
mérito de ter dado um impulso decisivo ao tipo de análise que ulteriormente virá a ser
desenvolvido naquela disciplina, poderá facilmente ser reconhecido como um dos herdeiros
directos dessa orientação.
1. Karl Marx e a crítica das ideologias
Colocando como primeiro pressuposto real, do qual se pode partir para uma compreensão da história
humana, a «produção dos meios de subsistência», Marx considera o trabalho como a actividade
fundamental que, na relação com as efectivas condições materiais com o ambiente e os recursos nele
disponíveis, define os modos de reprodução (família) e as formas da organização social (relações de
produção, modos de produção). Neste contexto, a própria consciência que os indivíduos possuem de si e
da sua situação social surge como produto das relações sociais. O desenvolvimento da consciência, que
inicialmente é simples percepção do ambiente sensível imediato, decorre do desenvolvimento das forças
de produção e das novas formas de organização social derivadas da afirmação do princípio da divisão do
trabalho: «A consciência é, portanto, desde o seu início, um produto social, e assim permanece enquanto
existirem os homens.» (cf. Marx, 1846, p. 243.)
Com a distinção entre trabalho manual e trabalho intelectual, presente na nossa tradição cultural desde
a Antiguidade, a consciência tende a considerar-se como autónoma em relação ao mundo e julga poder
dar vida a formas culturais independentes da realidade que a circunda: a filosofia, a moral, a teologia.
Com efeito, para Marx, tal autonomia da consciência é perfeitamente ilusória, na medida em que
aquela reflecte constantemente a realidade da praxis existente em cada contexto histórico-social. Tal
praxis, formada pelas forças de produção (recursos naturais e técnicas disponíveis) e pelas relações de
produção (propriedade dos meios de produção, tipo de relações de trabalho internas à organização
produtiva), constitui a estrutura de suporte ou, como mais tarde dirão os teóricos marxistas, a infra-
estrutura que determina as formas da superstrutura social, representada pelo conjunto das formas de
interpretação mítica, artística, filosófica, religiosa e não só dos sistemas normativos institucionais como
também dos conteúdos da consciência individual e colectiva (cf. Marx, 1867). Assim, para conhecer a
verdadeira natureza dos fenómenos que se apresentam a nível superstrutural torna-se necessário colocá-
los em relação com os factores infra-estruturais que os determinam.
Com base neste pressuposto, o projecto de desenvolvimento de uma teoria científica da sociedade,
isto é, uma teoria que reflicta as condições reais da dinâmica empírica que preside aos processos
histórico-sociais, vem a ser realizado a partir de Marx, através da crítica das teorias clássicas da
economia política de Smith e de Ricardo e da crítica do socialismo utópico de Proudhon e
35
outros. Com efeito, o objectivo da investigação científica consiste, para Marx, em alcançar a «essência
interna» dos fenómenos, para além das aparências enganosas que recolhem as preferências das
interpretações teóricas, as quais, não sendo conhecedoras dos seus condicionamentos sociais e
económicos, se transformam, de facto, em justificações daquilo que existe ou, como hoje diríamos,
constituem racionalizações daquilo que na realidade é complexo e contraditório.
De imediato, é necessário observar que a referência ao conhecimento científico, assumido ainda da
maneira ingénua decorrente da tradição positivista de Augusto Comte (1798-1857), permite a Marx não
submeter a sua própria teoria ao critério geral, por ele adoptado, de considerar a actividade teórica como
reflexo da realidade da praxis económico-social: enquanto exactamente científica, a sua teoria pretende
reconhecer as condições empíricas efectivas que determinam o curso da história e, muito especialmente,
até mesmo as formas do saber não científico. A sua teoria pretende-se, portanto, autenticamente objectiva
e desligada de qualquer influência que não seja a do conhecimento directo da realidade.
Constituindo este pressuposto acrítico a mais grave limitação das posições de Marx, isso nada retira à
importância da intuição deste acerca da relação que subsiste entre a realidade histórico-social e as formas
do conhecimento, nem ao interesse que apresentam as suas primeiras tentativas no sentido de encontrar
tal relação nas teorias por ele analisadas.
Poderemos, com efeito, encontrar um primeiro exemplo de análise da sociologia do conhecimento na
já referida crítica das teorias clássicas da economia política, na qual Marx procura mostrar como tais
teorias representam a justificação de um estado de coisas determinado pelo modo de produção e pelos
interesses objectivos da classe empresarial burguesa. Marx censurara os economistas por ignorarem as
diferenças históricas e verem, em todas as formas de sociedade, a sociedade burguesa (cf. Marx, 1851, i,
p.33). O conceito de homo oeconomicus, que se encontra na base dessas teorias, surge efectivamente
como uma abstracção directamente decalcada do modelo concreto do indivíduo burguês, considerado
como o tipo de homem no sentido absoluto, e as relações específicas dentro da sociedade burguesa
surgem interpretadas como «leis de natureza eterna e independente» (ibid., p. 9). Do mesmo modo
surgem entendidas como necessidades naturais aquelas que, na realidade, são necessidades sociais,
culturalmente induzidas a partir de uma forma de produção que cria o estímulo para o consumo (cf. ibid.,
p. 18).
Análoga crítica é colocada por Marx às teorias do socialismo utópico, o qual, na sua abstracção, se
revela pouco atento às influências que sobre este exerceu o modo de produção capitalista. Marx
censurara vivamente Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), autor do famoso ensaio Sistema delle
contraddizioni economiche o filosofia delia miséria (1846), por não ter compreendido que são as forças
produtivas que determinam as relações sociais e por considerar como
36
categorias eternas e universais conceitos que, na realidade, não passam de um produto
histórico transitório: «Aabstracção, acategoria considerada enquanto tal, isto é, separada
dos homens e das suas actividades materiais é naturalmente imortal, imóvel e imutável, é só
ela uma forma do ser de pura razão.» (Marx, 1846, p. 285) Para Proudhon, a existência
burguesa é uma verdade eterna: «Ele considera os produtos da sociedade burguesa como
existências eternas independentes, dotadas de vida própria, não apenas como apresentando-
se na sua mente... Ninguém compreende que o modo de produção burguês é histórico e
transitório, exactamente como o era o modo de produção feudal.» (ibid., pp. 285-286)
A partir do reconhecimento de que nenhuma categoria teórica pode ser considerada
desligada do contexto histórico-social no qual se encontra integrada, Marx desenvolve a sua
crítica da ideologia.
O termo ideologia havia sido introduzido, em fins do século xvm, pelo filósofo francês
Antoine Destutt de Tracy (1754-1836) para indicar o conjunto das análises referentes às
origens das ideias, a gramática e a lógica. A palavra idéologues designa, nesse mesmo
período, os filósofos que, como Pierre Cabanis (1757-1808), o referido Destutt de Tracy e
Jean Condorcet (1743-1794), criticavam as teorias metafísicas dos philosophes tradicionais,
acusando-as de serem abstractas e fantasiosas, porquanto não se apresentavam baseadas na
observação empírica e no cálculo matemático. No entanto, posteriormente, o mesmo termo
idéologues assume um significado depreciativo: com efeito, Napoleão usá-lo-á para
designar o tipo de intelectual da abstracção ou de má fé.
Prosseguindo na mesma direcção, o próprio Marx utiliza a palavra ideologia para referir
aquelas representações ilusórias da realidade que servem para ocultar as efectivas
contradições daquela e para legitimar os interesses do poder constituído. A religião, a
filosofia, a historiografia, as teorias políticas, morais, económicas são, para Marx, o reflexo
e o revestimento da desigualdade social e das oposições objectivas dos interesses de classe.
Tais teorizações ocultam a relação entre as formas do pensamento e os seus efectivos
condicionamentos histórico-sociais, dando lugar a falsas universalizações, cuja função é
sobretudo a de justificar a ordem constituída e orientar as frustrações próprias dos
indivíduos no sentido de ideais abstractos (a vida no Além, a racionalidade, a justiça, etc),
de modo a afrouxar as tensões conflituais presentes na sociedade e a manter o consenso.
Assim, as ideologias são, sobretudo, um instrumento de poder e de manipulação da
consciência.
Ligado ao conceito de ideologia encontra-se também o conceito de falsa consciência, ou
seja, de uma consciência que não toma em conta o carácter histórico das formas de
mediação simbólica que utiliza e os verdadeiros motivos do seu agir: os sistemas
ideológicos podem ser vistos como o resultado da elaboração, a nível intelectual, da falsa
consciência e, ao mesmo tempo, como os factores que induzem essa falsa consciência,
consolidando-a.
37
Por trás de qualquer forma ideológica dominante é possível, segundo Marx, encontrar os
interesses das classes que se encontram no poder. A verdadeira natureza de tal forma pode
ser identificada apenas através da análise, numa concreta situação histórica, da sua relação
com as estruturas das relações de produção subjacentes, que determinam as representações
da realidade natural e social e as explicações e interpretações que destas são apresentadas
(cf. ibid.).
Ao pensamento de tipo ideológico contrapõe Marx, como já foi dito, o saber
propriamente científico, que se baseia na análise empírica das dimensões objectivas
representadas pelas forças e pelas relações de produção, enquanto factores determinantes
dos efectivos interesses e das efectivas relações de poder entre as classes. E é obrigação do
saber científico desmascarar as ideologias, a fim de promover uma consciência ciente das
razões profundas que se encontram na base dos problemas com que se deverá confrontar
no plano prático.
Um dos problemas a que a crítica da teoria marxista teve de fazer face consistiu em
saber se a relação entre estrutura e consciência, entre base económica subjacente e formas
do saber, não deverá ser entendida como um rígido determinismo, no sentido em que os
condicionamentos estruturais são a causa das formas culturais concretas do conhecimento,
segundo um esquema de tipo unidireccional ou se, pelo contrário, subsistem em Marx os
pressupostos que permitem mostrar até mesmo a influência que as formas do
conhecimento podem exercer sobre as estruturas, segundo um esquema de tipo circular.
Na realidade, encontram-se presentes em Marx duas «almas», na medida em que, por um
lado, na referência ao modelo de inspiração positivista, Marx é levado a acentuar as suas
explicações num sentido rigidamente determinista, mas, por outro, é impelido pela
influência da posição historicista de inspiração hegeliana e romântica, sobretudo quando
anuncia a acção revolucionária que deverá conduzir a uma radical superação do
capitalismo, a revalorizar os elementos subjectivos da consciência de classe, enquanto
força activa de promoção da mudança político-social.
No que se refere à sociologia do conhecimento, foi sobretudo este segundo aspecto que
veio a ser evidenciado pelos intérpretes do pensamento de Marx, na via de uma mais
equilibrada avaliação da circularidade das influências recíprocas, estrutura material e
forma do saber. Já Friederich Engels (1820-1895), o pensador e homem político que, como
é sabido, colaborou intimamente com Marx na construção da sua obra, havia dado
indicações neste sentido, precisando, poucos anos após a morte daquele, que só em última
instância se pode dizer que «a produção e reprodução da vida real» é determinante na
história, mas que, de algum modo, nem ele próprio nem Marx haviam pensado em
considerar o factor económico como o único factor determinante: «as formas políticas da
luta de classes e os seus resultados, as constituições promulgadas pela classe vitoriosa após
ter vencido a batalha, etc, as formas jurídicas, e até o reflexo de todas estas lutas reais no
cérebro dos que nela participam, as teorias políticas,
11 38
jurídicas, filosóficas, as concepções religiosas e a sua ulterior evolução até se constituírem num sistema
de dogmas, exercem efectivamente a sua influência sobre o curso da luta histórica e, em muitos casos,
determinam-lhe de modo preponderante a forma. Existe acção e reacção recíproca entre todos estes
factores...» (Engels, 1890, p. 1242)
2. Max Weber e a relação entre conhecimento e estruturas sociais
Um aprofundamento decisivo para a clarificação da relação entre formas de consciência e estruturas
sociais e económicas, segundo o princípio da reciprocidade da sua respectiva influência, foi levado a cabo
por Max Weber (1864-1920), a partir da sua crítica da concepção positivista da ciência.
O debate que teve lugar na Alemanha, na segunda metade do século xix, acerca da distinção entre
ciências da natureza e ciências do espírito, ou ciências histórico-sociais, colocara efectivamente as
premissas para uma profunda transformação do próprio conceito de ciência. Tal como foi anteriormente
referido (v. cap. i, 1), com o propósito de fundamentar a autonomia cognitiva das ciências histórico-
sociais relativamente às ciências da natureza, o filósofo alemão Wilhelm Dilthey, a partir do pressuposto
da essencial historicidade do ser humano, havia defendido, contra a concepção dialéctica da História de
Hegel, a individualidade específica de cada época histórica. Cada época, mais do que ser interpretada
enquanto momento de um processo histórico global e, assim, ser reorientada para princípios gerais
abstractos, surge compreendida na sua coerência interna de significado e na sua irrepetível unicidade.
Cada época é, portanto, considerada em si própria e apresenta-se como incomparável relativamente a
outras épocas. Nesta perspectiva, as disciplinas que se propõem estudar os fenómenos histórico-sociais
devem usar métodos de análise específicos, que tenham em conta os significados ciclicamente
participantes e as motivações psicológicas que orientam o agir.
O conceito àeErlebnis, de experiência imediatamente vivida pela consciência do sujeito, no interior de
um mundo de significados históricos, constitui, para Dilthey, o primeiro dado, a unidade mínima de
análise das ciências do espírito (cf. Dilthey, 1910, p. 47). A experiência vivida pelos sujeitos na sua vida
quotidiana, relativamente a formas concretas de mediação cultural e condições histórico-sociais
particulares, só pode ser estudada mediante um processo de compreensão, baseado na capacidade do
observador para reviver e reproduzir tal experiência, no contexto da situação social concreta e dos
sujeitos que passaram a acto o acontecimento histórico ou nele participaram. Enquanto as ciências
naturais se encontram orientadas no sentido de colocar em evidência leis gerais e explicar (Erklaren) os
acontecimentos com base em nexos causais, as ciências do espírito estão orientadas para colocar em
evidência a unicidade
39
dos eventos e compreendê-los (Verstehen) em relação com os significados neles vividos (cf.
Dilthey, 1883).
Para os objectivos da sociologia do conhecimento, a distinção de Dilthey adquire uma
importância decisiva, enquanto reconhecimento do relevo assumido pela dimensão cultural
no processo de compreensão do agir humano, comportando igualmente a compreensão da
pertença do observador social a um contexto cultural específico. O conhecimento não se
revela já como o produto de uma descrição neutra de um objecto exterior, mas antes como o
encontro entre dois mundos de significado diverso: o do actor social e o do estudioso.
Daí resulta que o conhecimento parte sempre de um ponto de vista particular, na medida
em que a importância atribuída a determinados aspectos ou problemas que se pretenda
estudar é fruto de uma selecção realizada pelo observador a partir do horizonte dos
significados por ele próprio vividos, isto é, da sua específica referência de valores. Assim, a
objectividade do conhecimento não surge baseada na neutralidade da posição do
observador, mas antes no rigor com o qual, uma vez efectuada a escolha do seu ponto de
vista particular, ele procede à verificação empírica da sua hipótese, formulada à partida.
É esta, efectivamente, a conclusão a que chega Max Weber ao desenvolver algumas das
premissas colocadas por Dilthey, na sua reflexão sobre o método das ciências histórico-
sociais. Essa posição tem consequências imediatas no modo como se revela a relação entre
formas culturais e estrutura social, porquanto se torna impossível estabelecer um rígido
determinismo de tipo causal de uma das duas dimensões sobre a outra. Max Weber
censurara Marx, não por ter evidenciado a influência que a estrutura económica pode
exercer sobre as teorias filosóficas ou religiosas, mas sim por ter assumido o factor
económico como único factor de explicação objectiva, mais do que reconhecê-lo como um
particular ponto de vista, totalmente legítimo desde que tal seja reconhecido como resultado
de uma escolha subjectiva necessariamente parcial. Quando Weber analisa, na sua
obraL''éticaprotestante e lo spirito dei capitalismo (1904), a influência que a religião e a
ética protestante tiveram sobre o desenvolvimento da forma económica do capitalismo, não
pretende evidenciar uma relação de causalidade oposta à da teoria marxista, quase como se
quisesse demonstrar que a religião determina a forma económica; antes procura encontrar
um nexo significativo a partir de um ponto de vista diferente do que foi assumido por Marx.
Uma vez reconhecido o carácter selectivo e relativamente arbitrário do ponto de partida, as
perspectivas de análise de Marx e de Weber surgem ambas como legítimas, e podem
contribuir para a compreensão de processos que, na sua complexidade, não podem ser
esgotados por nenhuma forma de conhecimento.
Fica assim definitivamente reconhecido o carácter de circularidade das influências
recíprocas entre dimensões estruturais e dimensões cognitivas, anteriormente apontado:
neste contexto, o conhecimento científico já não pode ser consi
40
derado uma forma de saber radicalmente distinta das ideologias, dado que também nasce de
interesses e escolhas específicos. O conceito de ideologia, como adiante veremos (v. 8 e 9
deste capítulo), torna-se por isso mesmo bastante mais problemático do que Marx havia
imaginado.
A crítica de Weber ao positivismo comporta uma outra importante consequência, pois
incide sobre a análise da relação entre conhecimento e realidade social, tendo em conta que
tal crítica põe em crise o próprio conceito de racionalidade, sobre o qual se baseava o
projecto do Iluminismo. Uma vez reconhecido o carácter histórico dos conceitos utilizados,
a racionalidade deixa de surgir como uma categoria universal e um valor absoluto, para
aparecer como um modelo específico formado no interior de uma determinada cultura: com
efeito, Weber fala do «especial "racionalismo" da civilização ocidental» (Weber, 1904, p.
13). Como tal, este não constitui um critério autónomo de referência, mas, pelo contrário,
deverá ser compreendido em relação com o contexto sócio-cultural no qual se veio a formar.
Deste modo, já não se pode falar de racionalidade em sentido unívoco, pois existem diversas
formas de racionalidade segundo cada contexto específico.
Com efeito, a partir de Weber e, sobretudo, através da teoria crítica de Adorno e
Horkheimer que, sob tantos aspectos, se reportam ao seu pensamento, o conceito de
racionalidade, até então sempre positivamente considerado na tradição cultural do Ocidente,
adquire também na nossa época uma conotação negativa. A historicização do conceito de
racionalidade leva efectivamente a ter em conta os efeitos da aplicação dos princípios
racionais promovidos pelo Iluminismo em termos de racionalização.
Se, em Marx, a ideia de racionalização conserva um sinal positivo, enquanto efeito necessário da
evolução das forças técnico-produtivas e de uma organização da força trabalho «socialmente útil», com o
historicismo alemão e sobretudo com Weber, existe uma passagem gradual a uma conotação negativa do
processo de racionalização, como destino «fatal» da técnica e da progressiva formalização burocrática das
relações sociais, que ameaça sufocar os valores próprios de uma plena auto-realização da personalidade
humana, tanto na sua dimensão de liberdade como na da afectividade. A racionalização pode assim surgir
como uma «gaiola de aço», da qual se torna cada vez mais difícil sair.
Ao longo desta linha interpretativa, na qual podemos distinguir as diversas contribuições de
Kierkegaard, Nietzsche, Freud, vem a configurar-se a crise do conceito tradicional de razão que
caracteriza a época contemporânea. Com Theodor W. Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-
1973), a crítica do Iluminismo atinge o seu ponto máximo: a racionalidade, concebida como o total
controlo da natureza, desagua na irracionalidade do domínio público (Horkheimer-Adorno, 1947). Uma
crítica que vai ao ponto de colocar as premissas para a investigação sobre novas formas de racionalidade
(v. 9 do presente capítulo).
41
3. Emile Durkheim e a origem social dos conceitos
A análise das relações entre religião e sociedade está também na base do importante
contributo de Emile Durkheim (1858-1917) para a sociologia do conhecimento. No que se
refere a Max Weber, Durkheim coloca-se numa perspectiva diversa: enquanto o primeiro
tem como referência permanente o agir dos indivíduos, o segundo considera a sociedade
como um organismo que possui as suas próprias funções e finalidades, as quais se impõem
aos próprios indivíduos (v. cap. m, 1.1).
Na sua última grande obraLe forme elementari delia vita religiosa (1912), Durkheim
propõe-se estudar as formas primitivas e, por conseguinte, segundo a sua opinião, mais
simples, da religião, a fim de tentar compreender, a partir do pressuposto de que nenhuma
instituição humana pode ter os seus fundamentos no erro ou na falsidade, o seu significado
profundo na experiência humana e social.
Os rituais aparentemente mais bárbaros e bizarros, os mitos que mais estranhos nos
parecem, devem corresponder, segundo observa Durkheim, a uma qualquer necessidade
humana, a uma exigência da vida, no plano individual ou no plano colectivo. Baseado no
princípio de que cada facto social tem a sua explicação num outro facto social e nas
necessidades do sistema como tal (cf. Durkheim, 1895), o sociólogo francês considera os
fenómenos religiosos que o racionalismo de tipo positivista tendia a desvalorizar como
produto da ignorância e como «superstição» - elementos funcionais da ordem social,
revalorizados e compreendidos através do reconhecimento do significado que assumem no
interior de cada contexto sócio-cultural específico.
Os primeiros sistemas de representação do mundo são de origem mítico-religiosa: a
cosmologia, a filosofia, as ciências são derivadas da religião, e esta pode ser considerada
não só como um enriquecimento do espírito humano como também uma força que, por si só,
contribuiu para formar o ser humano. Este deve à religião uma série de conteúdos de
conhecimento e também a forma de elaboração do seu saber (cf. Durkheim, 1912, p. 12).
Analisando, enquanto forma elementar de religião, o fenómeno do totemismo, isto é, o particular
vínculo que se estabelece entre um determinado símbolo ou nome (em geral nomes de plantas ou de
animais) e a identidade de um clã ou grupo de pessoas, Durkheim desenvolve a teoria segundo a qual a
religião assumiu, desde o início, a função de representar a unidade social como tal, de reforçar o
sentimento de pertença colectiva, actualizando este último através das cerimónias religiosas e dos rituais.
O totem do clã também identifica cada um dos seus membros e confirma a pertença ao clã,
independentemente de se verificar ou não a residência num mesmo território. As relações entre os
diversos clã são definidas através de critérios de compatibilidade ou incompatibilidade entre os diversos
totem, e
42
r
estes constituem a base para determinadas interdições de tipo matrimonial, alimentar, etc A
forma totémica revela-se assim como um conjunto de regras funcionais para a coordenação
social entre diferentes grupos.
A conclusão geral da investigação de Durkheim sobre as formas religiosas é que a
religião «é, antes de mais, um sistema de noções com o qual os homens se representam a
sociedade de que são membros e as relações, obscuras mas íntimas, que têm com aquela», o
que, por conseguinte, leva a afirmar que «a religião é uma coisa eminentemente social. As
representações religiosas são representações colectivas que exprimem realidades colectivas;
os ritos são modos de agir que nascem unicamente no interior dos grupos associados e que
são destinados a suscitar, a manter ou a reproduzir certos estados mentais de tais grupos»
(ibid., 233, p.13).
Neste ponto se inserem as considerações que interessam mais directamente à sociologia
do conhecimento. Com efeito, Durkheim afirma que as categorias gerais utilizadas pelo
pensamento humano (noções de espaço, tempo, género, número, causa, substância,
personalidade e tantas outras) possuem, também, uma origem social, bem como os
princípios que se encontram na base da lógica (princípio de identidade ou de não-
contradição) e do conhecimento científico. As categorias que a filosofia tende a considerar
como a priori que não derivam da experiência, mas são logicamente anteriores a esta,
enquanto dados simples, irredutíveis e imanentes à própria constituição do espírito humano
dependem, na realidade, segundo Durkheim, de representações que são essencialmente
colectivas, «traduzem estados da colectividade: dependem da maneira como esta é
constituída e organizada, da sua morfologia, das suas instituições religiosas, morais,
económicas, etc.» (ibid., p. 22). Visto que a sociedade «faz parte da natureza, da qual é a
superior manifestação», o facto de as categorias do pensamento serem construções sociais
não comporta que sejam desprovidas de fundamento por mergulharem as suas raízes na
própria natureza das coisas (cf. ibid., p. 26). Deste modo pensa Durkheim haver conciliado
ambas as teorias, que até então se manifestavam em oposição: a do apriorismo e a do
empirismo.
Ainda que as categorias lógicas, que se encontram na base do pensamento humano,
tenham uma origem empírica na experiência social, mantêm-se fora do alcance da decisão
individual e são praticamente imutáveis, enquanto instrumentos de pensamento elaborados
ao longo dos séculos da história da humanidade, donde assumem o capital fundamental de
experiência (cf. ibid., P- 27).
Os conceitos que se encontram na origem da ciência não retiram a sua autoridade unicamente da sua
correspondência objectiva com a realidade mas, por serem geralmente partilhados, devem também poder
encontrar-se em harmonia com outras crenças, isto é, com a globalidade das representações colectivas. A
fé que hoje possuímos na ciência não difere essencialmente, segundo Durkheim, da fé
43
r
4. Vilfredo Pareto: as derivações
Vilfredo Pareto (1848-1923) não desenvolveu de modo sistemático uma verdadeira e
própria teoria sociológica do conhecimento, mas no conceito de derivação encontramos, sob
certos aspectos, uma nova formulação do problema da ideologia, já abordado por Marx.
A teoria paretiana da acção social, contida na obra Trattato di sociologia generale
(1916), é baseada na distinção entre acções lógicas e acções não lógicas. A partir do
pressuposto de que em cada acção se encontram presentes fins objectivos, isto é, cujos
resultados a acção consegue efectivamente atingir, e fins subjectivos, ou seja, as metas que
os actores sociais intentam atingir, Pareto define como lógicas as acções nas quais existe
uma coincidência entre fins objectivos e fins subjectivos: as metas subjectivamente
desejadas são também o resultado efectivamente alcançado pelo agir (cf. Pareto, 1916, i,p.
81, n. 150).
Na complexa fenomenologia social, o número de acções lógicas é, segundo Pareto,
bastante restrito, na medida em que só incluem, na prática, as acções baseadas no
conhecimento lógico-experimental de tipo científico: quando, por exemplo, um engenheiro
se propõe construir uma ponte (fim subjectivo), levando à prática os seus conhecimentos
técnicos, obterá efectivamente a construção da ponte (fim objectivo).
As acções não lógicas, pelo contrário, são todas as acções nas quais não existe
coincidência entre fim subjectivo e fim objectivo: os indivíduos perseguem finalidades que
são diversas das que as suas acções efectivamente produzem. Para o âmbito das acções não
lógicas podem ser remetidos todos os comportamentos que não nascem de uma escolha
rigorosa e consciente por parte do sujeito em função de um fim concreto, mas são antes
determinadas mecanicamente ou motivadas por causas das quais o sujeito não se encontra
consciente: a crença na magia não só produzirá o resultado desejado de um controlo das
forças naturais, como também poderá ter efeitos sociais, por exemplo, conferindo autoridade
a quem a pratica, ou desenvolvendo uma função de garantia relativamente a acontecimentos
imprevistos.
Segundo Pareto, as acções não lógicas são as mais frequentes dentro da dinâmica social e,
assim, o conhecimento das componentes irracionais ou não racionais presentes na realidade
social é essencial para a sociologia. A grande variedade de acções não lógicas pode ser
remetida, segundo Pareto, para alguns factores constantes que se encontram na base do agir
humano, aos quais ele chama resíduos. Enquanto uniformidades empíricas que possam ser
individualizadas no agir humano, os resíduos não são redutíveis unicamente a uma base
natural ou aos instintos biológicos, mas deverão ser preferencialmente considerados como
«instintos encobertos pelo raciocínio», e assim se vão mantendo distintos quer dos simples
gostos, apetites, disposições que caracterizam o indi
45
víduo humano, quer dos interesses que, todavia, se encontram sempre relacionados com
aqueles. Assim, os resíduos podem ser considerados como modos de fazer culturalmente
consolidados no tempo, ainda que, em última análise, se encontrem radicados no instinto
(cf. ibid., 520, n. 1875; 521, n. 877).
Os resíduos, com os seus interesses, sentimentos e instintos constituem, na teoria
paretiana, a base real subjacente às manifestações culturais (representações, teorias não
científicas, ideologias, etc), que lhes constituem o simples revestimento, só aparentemente
racional, isto é, segundo o termo utilizado por Pareto, as derivações.
As derivações são a expressão da «necessidade de raciocinar que o homem experimenta»
(ibid., n, n. 1401), necessidade que não se desvanece só com a lógica experimental, mas
igualmente de muitos outros modos pseudo-experi- mentais, com palavras que «tocam os
sentimentos», com discursos «vãos e inconclusivos». Assim, as derivações ocupam uma
zona intermédia entre os resíduos e as formas rigorosas do saber científico.
Pareto distingue quatro classes de derivações: afirmações, que incluem simples
narrações, afirmações de facto, afirmações de acordo com sentimentos, expressas não como
tal, mas «de modo absoluto, axiomático, doutrinário»; argumentos de autoridade, nos quais
se encontram incluídas todas as teorias que se atêm ao prestígio de um pensador ou de um
texto (a Bíblia, por exemplo); acordos com sentimentos e com princípios, quando se recorre
à presunção de que todos sentem da mesma maneira; provas verbais, que incluem toda a
argumentação baseada em conceitos vagos ou equívocos, que frequentemente não
correspondem a qualquer realidade.
Se os resíduos constituem a base relativamente imutável do agir humano, as derivações
mudam conforme as situações histórico-sociais: a relação entre resíduos e derivações não é,
todavia, redutível a um determinismo causal unilateral. Desde o momento em que, como
vimos, os resíduos não são puros instintos naturais, mas antes cristalizações da experiência
humana culturalmente mediata, as derivações podem ter influência sobre os resíduos, quer
impedindo a sua manifestação, quer dando-lhes expressão em formas sempre novas.
As teorias filosóficas, religiosas, políticas e outras, não possuem nada em comum com as
teorias lógico-experimentais, as únicas que Pareto considera baseadas na realidade
objectiva, mas têm, não obstante, uma enorme importância na dinâmica social, na medida
em que, efectivamente, orientam as forças emotivas e as aspirações ilusórias da maioria das
pessoas. A correcta percepção das suas funções é, portanto, indispensável para quem
pretenda desenvolver uma ciência que permita dominar a complexidade social.
Relativamente a Comte e a Marx, que alimentavam a ilusão de que era possível basear a ordem social
no conhecimento científico, a posição de Pareto que, no entanto, partilha com aqueles autores a fé
positivista na ciência, é bastante mais céptica: as derivações estarão sempre presentes na realidade social
46
T
porque as massas serão sempre movidas pela componente não-lógica. Assim, não nos resta
mais do que reconhecer tal dimensão, por forma a permitir a uma elite consciente de cientistas
sociais e de governantes a orientação dos comportamentos colectivos num sentido funcional
para o sistema social enquanto tal. No que se refere à relação entre ideologia e interesses de
classe em Marx, a relação entre resíduos e derivações presta-se bastante menos a ser
desmascarada em função da emancipação colectiva proposta por Marx. Se é certo que as
ideologias políticas podem, ainda segundo Pareto, ser reconduzidas a interesses de classe, estes
não são mais do que uma parte do conjunto das derivações, que não podem ser todas reportadas
à estrutura das relações económicas, mas remetem para uma mais complexa base psico-
antropológica.
Mau grado a substancial persistência do modelo que tende a reconduzir a cultura, enquanto
dimensão superstrutural, a uma estrutura subjacente, todavia vai-se confirmando, com Pareto,
uma interpretação da função de mediação da cultura, no sentido de se considerar esta como uma
dimensão constitutiva da realidade social, de um modo mais decisivo relativamente à posição
marxista que, segundo a precisão acima recordada de Engels, mantinha, embora «em última
análise», o predomínio da estrutura económica.
5. Georg Simmel: condicionamento social e liberdade do espírito
I
Podemos encontrar importantes elementos da sociologia do conhecimento na obra do filósofo e
sociólogo Georg Simmel (1858-1918), cuja influência sobre muitas teorias da sociologia da cultura
contemporânea tem vindo a aumetóax T\0% Ú\úmç>s> anos*. Taiç, elementos, nodem ser encontrados, no
interior da complexa produção simmeliana, que abordou, de maneira não sistemática, um grande número
de temas filosóficos e sociológicos.
A socioiogia ào conhecimento àe S\mme\ \ ai mergumat na tradição kantiana do historicismo alemão,
na filosofia dos valores de Rickert e Windelband e na teoria sociológica de Max Weber, sendo também
influenciada pela filosofia de Nietzsche e Bergson, bem como pela fenomenologia de Husserl.
Em sintonia com Weber e diferentemente de Durkheim, Simmel refuta qualquer tendência para
conceber a sociedade como um todo orgânico, mas considera a realidade social como o resultado das
interacções recíprocas entre os indivíduos (cf. Simmel, 1908, pp. 8-9). Simmel distingue entre forma e
conteúdo da sociedade: o conteúdo é dado por «tudo aquilo que existe nos indivíduos, nos lugares
imediatamente concretos de toda a realidade histórica, encontra-se presente como impulso, interesse,
objectivo, inclinação, situação psíquica e movimento»; enquanto a forma é representada dos diversos
modos através dos quais os indivíduos singulares estabelecem as suas interacções. Se o conteúdo
constitui, por assim dizer, a matéria prima da associação, as formas são
47
dimensões constitutivas que consentem a estruturação de tal matéria nas unidades que
designamos como grupos, instituições, sociedade (ibid.). A sociedade está efectivamente
articulada em formas que prescindem dos aspectos pessoais e os actores sociais estabelecem
as suas relações na base de expectativas recíprocas socialmente codificadas, ainda que o
indivíduo, na sua complexidade e singularidade, constitua um centro de actividade
relativamente autónomo, nunca esgotado nos seus papéis sociais. Simmel, com efeito, presta
muita atenção ao grande número de interacções que, por assim dizer, permanecem no estado
fluido e que, na sua efemeridade, fogem à codificação, mas não são menos importantes para
a existência social dos indivíduos. Neste contexto, a cultura surge, assim, como expressão
da experiência dos indivíduos, ou ainda como mediação objectivada e constitutiva das
formas sociais.
Tal como foi observado por Raymond Boudon num dos seus ensaios, a sociologia do
conhecimento de Simmel está presente sobretudo na sua grande obra Filosofia dei denaro
(1900), na qual se evidencia como o conhecimento humano e as formas de representação da
realidade podem depender de variáveis sociológicas e, em particular, da difusão da
economia monetária (cf. Boudon, 1989).
O dinheiro é para Simmel a melhor demonstração do carácter simbólico do social, isto é,
do facto de o social se basear em crenças colectivamente partilhadas, na confiança recíproca
e na promessa aberta ao futuro. A relevância assumida pela economia monetária na
sociedade moderna teve consequências directas sobre o estilo de vida, não só favorecendo o
reforço do carácter anónimo e abstracto das relações intersubjectivas, o distanciamento nas
relações com a natureza e com as coisas que, de objectos únicos, passam a ser mensuráveis e
utilizáveis, como também a aceleração dos ritmos de vida e a autonomia relativamente ao
espaço. As relações entre os indivíduos, movidos sobretudo por interesses de carácter
utilitário, já não estão, efectivamente, ligadas à realidade local e tornam-se independentes
até mesmo dos vínculos familiares. O dinheiro provocou assim um aumento da
complexidade social, criando problemas de segurança nos indivíduos, que deixam de ter
controlo sobre as consequências das suas acções: contrariamente ao artesão de outros
tempos, o operário de hoje não conhece o destino último do produto do seu labor. Por um
lado, o dinheiro favorece o desenvolvimento do individualismo, o que, por outro, determina
«a contínua objectivação das relações, a eliminação dos matizes e de toda a orientação
pessoal» (cf. Simmel, 1900, p. 672).
Segundo Simmel, os valores têm a sua origem no desejo subjectivo: as coisas só possuem valor
proporcionalmente aos sacrifícios que estamos dispostos a fazer para as obter, mas no momento em que o
valor dos bens é medido em dinheiro, torna-se mais difícil para o indivíduo aperceber-se da relação entre
valor e desejo, dado que o valor vem efectivamente objectivado no preço da troca. Assim, à mudança
ligada ao desenvolvimento da economia monetária
48
p corresponde uma profunda mutação no pensamento humano e nas relações sociais (cf.
Boudon, 1989, pp. 476-477).
Na sua análise da modernidade, Simmel mostra-se sensibilizado sobretudo pelo facto de
ter surgido uma imensa quantidade de cultura, num tempo relativamente breve, que se foi
objectivando em «coisas e conhecimentos, instituições e comodidade», até à criação de
«uma regressão da cultura de indivíduos em termos de inteligência, de delicadeza, de
generosidade». O indivíduo mostra-se sempre menos capaz de «afrontar o desenvolvimento
luxuriante da cultura objectiva... ele é reduzido ao papel de quantité négligeable, a um grão
de poeira face a uma imensa organização de coisas e de forças que lhe roubam pouco a
pouco todos os progressos, o idealismo e os valores transferindo-os, da forma da vida
subjectiva, para os de uma vida puramente objectiva» (Simmel, 1903, pp. 77-78).
A intuição que se encontra na base da sociologia do conhecimento de Simmel é que os a
priori do conhecimento, que Kant considerara como categorias universais e atemporais do
espírito humano, mediante as quais temos acesso à experiência sensível e construímos os
nossos conceitos, são na realidade variáveis no tempo e no espaço e têm uma origem
prática, isto é, nascem das nossas necessidades vitais e da experiência inicial da relação com
a realidade. Se os apriori, para Simmel, não têm uma origem puramente social ou
convencional, são, todavia, confirmados pela sua «utilidade» prática, experimentada em
contacto com as condições de vida. Os princípios apriorísticos, uma vez formados,
permitem seleccionar, na grande complexidade das sensações que nascem da nossa
experiência imediata, os aspectos para nós relevantes, ordenando-os num conjunto de
significados determinados (cf. Simmel, 1892).
O reconhecimento da presença dos a priori no conhecimento configura a posição
simmeliana como uma teoria não realista do conhecimento, no sentido em que esta última
não surge considerada como o reflexo neutro e objectivo da realidade exterior, mas antes
como o resultado sempre parcial de uma actividade construtiva do sujeito que conhece.
Porém, o relativismo próprio da filosofia do conhecimento de Simmel não desagua no
cepticismo, na medida em que o princípio de utilidade que está na base da formação dos a
priori, no seu confronto com a realidade, constrói uma teoria da «selecção natural» dos
conhecimentos: a forma de conhecimento que se confirma é sempre aquela que tem uma
melhor ligação à realidade (cf. Boudon, 1989, p. 480).
A partir destes pressupostos, a relação entre ideias e estruturas sociais configura-se em Simmel nos
termos de uma influência recíproca entre as duas dimensões: o conhecimento nasce no interior de
condicionamentos tanto naturais como sociais, mas é também resultado de uma actividade subjectiva
relativamente autónoma. Os sistemas de ideias influenciam profundamente a vida social e as próprias
relações económicas, tal como aconteceu, por exemplo, com o cristianismo, enquanto, como o mostra a
influência exercida pela economia
49
I monetária, a estrutura material pode influenciar profundamente os sistemas de ideias e os
estilos de vida. Simmel faz questão de sublinhar que as ideias possuem uma dimensão
criativa e não são redutíveis a puro reflexo das condições sociais, podendo estas, todavia,
incidir sobre a possibilidade ou não de afirmação das próprias ideias, a partir da sua maior
ou menor correspondência com as efectivas exigências que, de vez em quando, estão
presentes na situação social (cf. Simmel, 1900).
De facto, em Simmel encontra-se sempre presente a referência à liberdade do espírito
humano, na medida em que o sujeito mantém uma relativa autonomia na sua resposta a
questões para ele vitais. O facto de o sujeito, perante a complexidade do real, dever
necessariamente elaborar reduções a fim de determinar os significados, não implica que tais
significados sejam necessariamente falsos ou ilusórios, mas tão somente que eles não
esgotam a realidade e, por conseguinte, deixam de ser resultados absolutos para serem
sempre parciais.
Assim, no que se refere a Marx, não existe em Simmel uma concepção da ideologia
como produto ilusório de uma falsa consciência: uma ideologia pode ser avaliada
positivamente na medida em que se tem presente que é o resultado de uma escolha, de um
ponto de vista específico, que pode ser objectivamente relevante relativamente a uma
determinada situação social.
Desse modo se explica também a razão pela qual Simmel pode ter em conta a
ambivalência dos efeitos produzidos por um determinado sistema de significados. A
economia monetária, por exemplo, favorecendo o processo de racionalização que caracteriza
a modernidade, já analisado por Weber, tanto produz efeitos alienantes como efeitos
libertadores da promoção da autonomia individual. Por um lado, como já foi referido, o
dinheiro provoca um aumento de abstracção e de complexidade que pode colocar em crise a
identidade do indivíduo; por outro, o dinheiro libertou o indivíduo das relações de sujeição
que existiam, por exemplo, na economia rural da Idade Média e multiplicou as
possibilidades de mobilidade espacial e de escolha.
Como justamente conclui Boudon: «Sem dúvida que o desenvolvimento da economia monetária
influenciou os esquemas de pensamento, mas daí não resulta, de modo algum, que os produtos do
pensamento sejam nos seus conteúdos tributários dos factores económicos ou que a sua validade se
encontre assim relativizada. Está mais próximo da verdade dizermos que o dinheiro abriu ao pensamento
novos horizontes e novas possibilidades de desenvolvimento.» (Boudon, 1989, p. 500)
A posição de Simmel, tal como a de Weber e, em certos aspectos, ainda a de Pareto, está para além do
modelo causal unilinear, orientado para ver a estrutura social como determinante das formas do
conhecimento, e abre a possibilidade de considerar a interdependência entre ambas as dimensões,
segundo uma relação de circularidade bastante mais equilibrada.
50
6. Max Scheler: formas do saber e sociedade
O filósofo alemão Max Scheler (1874-1928), em cuja formação podemos reconhecer a influência de
Wilhelm Dilthey, Georg Simmel e Friederich Nietzsche (1844-1900), entre outros, encontra na
fenomenologia de Edmund Husserl (1859—1938) o momento decisivo de confronto e o âmbito natural de
desenvolvimento do seu pensamento. Nos últimos anos da sua vida, Scheler, reportando-se sobretudo aos
contributos de Marx e Weber, dedica-se aos problemas da sociologia do conhecimento nos ensaios
Problemi di una sociologia dei sapere (1924), Le forme dei sapere e la cultura (1925) e no volume Le
forme dei sapere e la società (1926).
Para Scheler, a sociologia estuda tipos gerais, regras e leis e não acontecimentos singulares do tempo
histórico. Tais tipos e leis surgem independentes da «consciência subjectiva» e não são, de modo algum,
assimiláveis a princípios deontológicos, isto é, a princípios que definem um «dever ser». Contudo, são
duas as formas da sociologia: a primeira é orientada no sentido de definir as formas essenciais do agir
social, ou seja, é uma sociologia pura a priori; a segunda, pelo contrário, é de carácter empírico-indutivo
e desenvolve a sua pesquisa sobre factos casuais. Ambas as formas interagem no sentido do
aprofundamento da compreensão dos processos sociais e dos diversos elementos nestes presentes (cf.
Scheler, 1924).
Com base nos pressupostos em que se baseia a sua filosofia, isto é, a presença no comportamento
humano de duas dimensões igualmente de origem, a da causalidade espiritual, ou das orientações ideais
que agem a nível do espírito em geral, e a da causalidade real, ou dos impulsos de tipo reprodutivo,
nutritivo, de poder, que actuam a nível da prática social, Scheler tende a definir leis relativas quer à
eficácia dos factores reais, quer à dos factores ideais ou culturais, e também às relações entre estes dois
tipos de factores. Neste contexto, ele analisa as relações recíprocas: a) dos factores ideais entre si; b) dos
factores reais entre si; c) dos factores reais (nos três grupos principais acima referidos) e ideais entre si.
Tal como Simmel, Scheler nega linearmente que a realidade possa determinar o conteúdo de validade
do saber e também a existência de uma prevalência dos factores culturais sobre as condições materiais.
As dimensões espiritual e material possuem ambas uma autonomia própria: nenhuma teoria do Estado
pode prescindir do impulso de poder; nenhuma teoria da família, do impulso reprodutivo; nenhuma teoria
económica, do impulso nutritivo. Os impulsos materiais são assim variáveis de origem que não podem
ser ignoradas: a sociologia real pressupõe uma teoria dos impulsos.
A sociologia da cultura pressupõe igualmente uma teoria do espírito do homem (ibid., p. 19). Porém, a
determinação dos conteúdos culturais produzida pelos factores ideais não comporta necessariamente a
eficácia real de tais con
57
teúdos: os factores ideais exercem nestes uma causalidade na medida em que determinam
essências abstractas, mas não determinam directamente a existência real. São os factores
reais, ligados aos impulsos de base, que activam e tornam concretos, através de uma
operação selectiva, os conteúdos espirituais. Quanto mais puro é o espírito, tanto maior, na
afirmação de Scheler, ele é «impotente no sentido da eficácia realizadora dinâmica». As
ideias, de qualquer tipo que sejam, adquirem indirectamente eficácia real unicamente na
medida em que se unem aos interesses e impulsos colectivos. Todavia, a eficácia das ideias
pode ser reforçada pelo agir livre de elites, de chefes ou pioneiros que, graças às leis da
imitação voluntária ou involuntária por parte da maioria, contribuem para a afirmação das
formas culturais (ibid., p. 21). Reconhece-se aqui a influência das teorias das elites de
Roberto Michels, Vilfredo Pareto e da «lei do pequeno número» de Friedrich von Wieser,
que Scheler bem conhecia (cf. Morra, 1987, p. 149).
A fim de se realizar, o espírito necessita, em cada caso, de um suporte orgânico, de uma
realidade biológica que, mediante os seus impulsos e tendências, o insira no curso do
processo real (cf. Filippone, 1964, p. 16). Embora afirmando a autonomia do momento
espiritual, dos conteúdos do saber e da sua validade objectiva, Scheler reconhece, em
analogia com a tese simmeliana da influência que as condições histórico-sociais exercem
sobre o sucesso das ideias, que cada forma de conhecimento possui um carácter sociológico,
a partir do momento em que «a escolha dos objectos do saber segundo a perspectiva dos
interesses sociais dominantes, e também das formas dos actos espirituais, nos quais é
adquirido o saber, são sempre e necessariamente co-condicionadas sociologicamente, a
saber, pelas estruturas da sociedade» (Scheler, 1924, p. 120).
Assim, relativamente a Marx, também Scheler reivindica a circularidade das influências recíprocas
entre formas culturais e estrutura social, refutando qualquer determinismo unidireccional, quer num
sentido quer no outro. Embora aceitando substancialmente a crítica de Marx a propósito das ideologias,
que também ele define como sistemas conceptuais que são expressão dos interesses de classe, Scheler
sublinha o facto de a mesma teoria marxista não fugir à forma ideológica: assim, ele refuta o
determinismo que tende a considerar como ideologias todas as formas de saber não científico.
Com base nos pressupostos dualistas da sua teoria, Scheler considera efectivamente que no intelecto
humano existe uma instância de verdade que permite distinguir o que é ideológico daquilo que o não é,
ainda que sejam poucos aqueles que se encontram em condições de estabelecer tal distinção (cf. ibid., p.
224). Deste modo, Scheler, ainda que concedendo o máximo espaço ao carácter social do conhecimento,
pretende evitar a queda num absoluto relativismo sócío-cultural, ressalvando a referência à ordem de
valores ligada à autonomia da dimensão do espírito. O espírito enquanto pressuposto de origem, que
implica uma estrutura a priori no ser humano, permite, de facto, a manutenção do
52
núcleo da percepção intelectual dos conteúdos essenciais, na sua invariabilidade e validade
objectiva, para além das formas que são inevitavelmente o produto do condicionamento
social (cf. Filippone, 1964, pp. 22 e segs.).
Na perspectiva aberta pelas premissas teóricas de fundo relativamente às relações entre
cultura e estrutura social, que aqui procurei sintetizar, Scheler desenvolve uma análise muito
complexa dos vários aspectos que devem ser considerados pela sociologia do conhecimento.
Aquilo que interessa particularmente a Scheler é encontrar as ligações entre as «imagens do
mundo» (Weltanschauungen), ou as diferentes expressões culturais que interpretam no seu
conjunto a realidade natural e humana, assim como os graus de organização social no
interior dos processos de transformação histórico-social.
Avançando para além da teoria do conhecimento e indo até à psicologia da evolução,
Scheler mostra que o saber recíproco dos membros de um grupo e a possibilidade de
compreensão e comunicação recíprocas são elementos constitutivos do próprio grupo.
Distinguindo entre alma do grupo, da qual nascem as expressões exteriorizadas
«automáticas» ou «semi-automáticas» e espírito do grupo, o qual se constitui através da
realização de actos espontâneos plenamente conscientes, Scheler indica o momento de
passagem da estrutura que ainda vive no âmbito dos impulsos para a estrutura plenamente
espiritual. Na alma do grupo, todavia, existe já um primeiro afloramento da vida espiritual,
que se revela sob as formas do mito, das lendas, da linguagem popular, dos usos e costumes,
enquanto no espírito do grupo se manifestam o Estado, o direito, a linguagem intelectual, a
filosofia, a arte, o conhecimento, a ciência positiva, o saber tecnológico (cf. Scheler, 1924).
A sociologia do saber ocupa-se sobretudo, segundo Scheler, destas últimas formas,
procurando colocar em evidência as analogias de estrutura que circulam entre os conteúdos
do saber sobre a natureza, a alma, a religião, a metafísica, por um lado, e, por outro, as
estruturas organizativas da sociedade, com particular relevo para as formas do poder
político.
Scheler indica, enquanto primeiros exemplos de uma confirmação empírica de tais analogias de
estrutura, as correspondências que subsistem entre: o particularismo das cidades gregas e o politeísmo; a
doutrina estóica, baseada no universalismo e no individualismo, e a estrutura do império romano; o
realismo filosófico e a estrutura hierárquica feudal; o racionalismo cartesiano e o governo absoluto dos
príncipes; o calvinismo e o novo conceito de soberania; o teísmo, a teoria da livre troca e o liberalismo
político; o individualismo social do Iluminismo e o sistema monadológico de Leibniz; a concepção
evolutiva da natureza orgânica como luta pela vida do darwinismo e o utilitarismo do sistema económico
da concorrência; e tantos outros aspectos (cf. ibid., p. 59). As transformações verificadas tanto na história
como nas formas do saber e nas formas de organização social mostram os laços que subsistem entre
ambas as dimensões, e as suas influências recíprocas.
53
A constante referência a modelos da psicologia evolutiva do indivíduo leva Scheler a
conceber os vários processos de transformação sociocultural como uma progressiva
libertação, em última análise, de potencialidades da dimensão mais propriamente espiritual,
ainda que o reconhecimento da fraqueza do espírito no interior dos confrontos entre os
impulsos que dominam a realidade histórico-social que, como vimos, caracteriza a
concepção dualista de Scheler, torne problemático o triunfo do mesmo espírito.
Scheler mostra-se sobretudo preocupado com a restauração de valores que possam opor-
se ao predomínio assumido, na época moderna, pelo saber tecnológico, com a consequente
marginalização da metafísica, motivada pela crise do saber religioso, o qual, tendo perdido a
força de legitimação que lhe era dada pela maioria dos indivíduos, já não constitui uma
alternativa à tecnologia dominante e, enfim, à perda do papel hegemónico do saber europeu.
Neste sentido, a sua análise de tipo sociológico revela ainda aspectos programáticos
orientados para a promoção de um saber cosmopolita, com o objectivo de preservar as mais
altas energias espirituais da humanidade, através da síntese entre as técnicas ocidentais de
domínio do mundo e as técnicas orientais de domínio de si próprio: o encontro entre
Ocidente e Oriente permitirá, no Ocidente, a passagem da época actual, dominada pela
técnica, a uma época «fortemente metafísica e dominada pela técnica da alma», enquanto,
no Oriente, deverá afirmar-se uma época «científico-positiva e técnico-natural». A
sociologia do conhecimento pode favorecer o encontro entre culturas diversas, porquanto
conduz à superação do preconceito etnocêntrico, o qual tende a considerar os valores
próprios de uma civilização como sendo os únicos valores eternos (cf. ibid., pp. 226 e segs.).
7. Karl Mannheim: ideologia e utopia
O sociólogo húngaro Karl Mannheim (1893-1947) foi obrigado a abandonar a Alemanha, onde
ensinava, na sequência da subida de Hitler ao poder, e passou a última parte da sua vida na Inglaterra. Na
sua sociologia do conhecimento encontra-se presente uma forte marca prescritiva.
A partir da experiência do historicismo alemão e, em particular, da teoria da avaloratividade e da
referência ao valor de Max Weber, da teoria marxista do condicionamento social do conhecimento e da
crítica das ideologias (v. 1 e 2 do presente capítulo) e também da fenomenologia de Husserl e de Scheler,
Mannheim debruça-se, a partir do início da sua reflexão, sobre o problema do fundamento objectivo do
saber sociológico.
Reconhecendo que a objectividade das ciências da natureza é diversa da das ciências sociais,
Mannheim busca na sociologia do conhecimento as bases para uma superação do relativismo e para uma
compreensão da dinâmica social que
54
r
não seja de tipo ideológico. O propósito que anima a sua investigação é sobretudo o de dar uma
interpretação da crise da nossa civilização, que possa igualmente indicar uma solução que permita
conciliar a exigência de uma planificação da sociedade com o respeito das liberdades democráticas.
Nas suas obras //problema dl una sociologia delia conoscenza (1925), Ideologia e utopia (1929) e no
ensaio Sociologia delia conoscenza (1931), Mannheim aborda, através da análise da relação entre
conhecimento dos factos e o particular ponto de vista sob o qual estes têm vindo a ser observados, o
problema da validade de um conhecimento que é necessariamente influenciado pelo contexto social.
A tese que se encontra na base da sociologia do conhecimento, a partir do fundamental contributo de
Marx, é a de que «se trata de aspectos do pensamento, os quais não podem ser adequadamente
interpretados, enquanto as suas origens sociais se mantiverem obscuras» (Mannheim, 1929, p. 4).
Mannheim observa que o indivíduo fala e pensa da maneira como fala e pensa o seu grupo de pertença:
ele encontra-se assim, por um lado, numa situação social já constituída e, por outro, tem de lidar com
modelos de comportamento e de pensamento já formados. A sociologia do conhecimento tem, sobretudo,
a tarefa de estudar tais modelos, deixando de separar «o pensamento concretamente existente do contexto
da acção colectiva» (ibid., p. 5).
Tal pressuposto reflecte-se também na actividade de observação do cientista social e nas interpretações
derivadas da sua análise da realidade social, que nascem, também elas, num contexto influenciado por
valores e impulsos colectivos não conscientes. Com efeito, Mannheim observa que, não por acaso, a
consciência do impacto que as estruturas sociais exercem sobre o nosso modo de pensar teve origem na
nossa época, caracterizada pela intensificação da mobilidade social, quer no sentido espacial (mobilidade
horizontal), quer na passagem de um para outro estrato social (mobilidade vertical). Tal mobilidade
contribuiu grandemente para colocar em evidência a pluralidade das formas culturais e a confiança na
validade eterna e universal das próprias formas de pensamento. Como consequência, evidencia-se
igualmente o facto de o indivíduo ser, em grande parte, produto do seu contexto social e de, assim, o
pensamento não poder ser simplesmente reduzido a uma pura consciência individual.
Este novo conhecimento é utilizado na luta política paxamascarar as verdadeiras intenções,
parcialmente não conscientes, do adversário. O conceito marxista de ideologia coloca em evidência que
as convicções e as ideias dos grupos dominantes se encontram estreitamente ligadas aos interesses desses
mesmos grupos: «os factores inconscientes de certos grupos ocultam, aos próprios e aos outros, o estado
real da sociedade e, portanto, exercem sobre eles uma função conservadora.» (ibid., p. 41)
Para Mannheim, o conceito de ideologia é acompanhado pelo de utopia, que põe em evidência a
existência de grupos subordinados que estão de tal
55
forma empenhados na transformação da sociedade real que «não vêem na realidade senão
aqueles elementos que têm tendência a negar» (ibid.). Ambas estas posições ignoram,
segundo Mannheim, alguns aspectos fundamentais da realidade. A partir do momento em
que a sociologia do conhecimento se interessa tão-só em trazer à luz a relação entre o agir e
as formas parcelares de interpretação da realidade, ela coloca-se fora da dinâmica que do
mesmo modo caracteriza a ideologia e a utopia: a sociologia não é movida pelo desejo de
desmascarar o adversário, mas sim pelo propósito de melhorar, através do conhecimento, a
nossa capacidade de controlo dos elementos inconscientes. Contudo, é exactamente aí que
tem origem o problema de um conhecimento que, embora reconhecendo não poder colocar-
se fora dos condicionamentos sociais, pretende criar uma racionalidade objectivamente
válida.
Porque não é possível pensar num fundamento em sentido absoluto, a intenção da
sociologia do conhecimento pode ser vista como um esforço constante no sentido do
«esclarecimento sistemático» da situação de incerteza determinada pela parcialidade do
nosso saber. Nesta perspectiva, Mannheim propõe-se então «fornecer a mais clara
determinação teórica» do problema, elaborando assim um método que permita, «com base
em critérios cada vez mais rigorosos, distinguir e isolar os vários estilos de pensamento e
referenciá-los aos grupos nos quais têm origem» (ibid., p. 51).
Na base dos pressupostos gerais acima referidos, Mannheim aborda mais directamente a
análise do conceito de ideologia, a partir da consideração de que Marx não teve em conta
todas as consequências implícitas nesse mesmo conceito. Efectivamente, Mannheim
distingue dois modos de conceber a ideologia, a partir da constatação de que ambos
interpretam as ideias colocando-as em relação com a situação social concreta daquele que as
expressa. A primeira concepção é aparticular: esta considera a ideologia como uma
asserção individual do adversário, tendo como ponto de referência exclusivo o conteúdo
daquela, interpretando a atitude do sujeito a um nível puramente psicológico, segundo uma
lógica dos interesses, e assim, embora reconhecendo que as motivações do adversário
possam ser parcialmente conscientes, tende a considerar tal asserção como enganosa.
Pelo contrário, a segunda concepção é a total: ela considera a concepção global do
mundo por parte de um grupo histórico-social, colocando-se ao nível gnoseológico, isto é,
ao nível da estrutura lógica do pensamento. Neste caso não só são considerados os
conteúdos do pensamento, mas também as suas formas, o quadro conceptual de um estilo de
pensamento na sua ligação com o contexto social concreto. Diferentemente da primeira, a
concepção total não tende a qualificar em sentido negativo (enganosa, falsa consciência) as
afirmações do grupo, mas procura compreendê-lo sem o julgar (ibid., pp. 57 e segs.).
Introduzindo uma ulterior distinção, Mannheim observa que o conceito de ideologia total pode ser
usado quer num sentido particular, quer num sentido
56
geral. A distinção entre os dois modos de usar a ideologia total permite a Mannheim
distanciar-se de Marx: este permanece substancialmente no interior do uso particular da
concepção total da ideologia, sem superar a ideia que considera o desmascaramento da
ideologia como uma arma na mão de uma única classe, enquanto a sociologia do
conhecimento se coloca a nível do uso geral da concepção total e é movida unicamente por
interesses cognitivos (cf. ibid., pp. 76 e segs.; Santambrogio, 1990, pp. 72-73). Assim, o
termo ideologia em sentido estrito pode associar-se à primeira concepção, enquanto na
perspectiva da forma geral da concepção total, e a fim de evitar qualquer conotação
valorativa, Mannheim sugere que se utilize preferencialmente o termo perspectiva
(Aspekstruktur).
Segundo Mannheim, a sociologia do conhecimento, enquanto orientada para evidenciar,
através de pesquisas empíricas de tipo histórico e sociológico, os laços que subsistem entre
uma forma específica de pensamento e uma situação social concreta, deveria consentir a
superação do relativismo de tipo historicista, segundo o qual «todos os sistemas de
pensamento dependem da concreta posição humana do pensador individual». Com efeito, a
sociologia do conhecimento permite adoptar uma perspectiva relacional, a qual, embora
reconhecendo não existirem referências absolutas, desenvolve uma inteligibilidade da
história, evidenciando que «as mudanças nas relações entre os acontecimentos e as ideias
não são resultado de uma vontade arbitrária, e que tais relações, no momento em que
ocorrem e no seu ulterior desenvolvimento, são dotadas de uma certa regularidade»
(Mannheim, 1929, p. 92). Neste contexto, Mannheim atribui aos intelectuais a tarefa de
desenvolverem, para além da relatividade, as linhas de um projecto político de tipo
científico (cf. ibid., p. 155).
No esforço para encontrar um fundamento de validade no interior da sociologia do conhecimento,
Mannheim é obrigado a reconhecer que, desde a inicial intenção de avaloratividade das análises históricas
da relação entre pensamento e estrutura social, torna-se por fim necessário regressar a uma «posição de
juiz». Sem uma actividade selectiva por parte do cientista social, que realce certos aspectos da realidade
histórica relativamente a outros, tal realidade permanece inexplicável (cf. ibid., p. 94). Assim se afirma a
ideia de que, mesmo através do reconhecimento da parcialidade de todas as convenções, o nosso
conhecimento da realidade poderá tornar-se mais abrangente, a ponto de aceder «às essências que criam a
história e determinam as épocas» (Mannheim, 1925, p. 190).
O entendimento geral da teoria de Mannheim volta assim a reencontrar um fundamento não relativista
de validade, a fim de poder formular um projecto de sociedade que permita a superação das contradições
da época moderna: um projecto que encontrará expressão sobretudo na obra L'uomo e la società in uríetà
di ricostruzione (1935). Tal orientação acabará por prevalecer sobre pesquisas empíricas específicas
acerca das relações entre formas de pensamento e situações sociais concretas das quais Mannheim
avançara alguns exemplos em
57
Ideologia e utopia e nos escritos sobre Pensiero Conservatore, ao examinar as diversas
correntes político-sociais dos séculos xix e XX: o conservadorismo burocrático, o
historicismo conservador, o pensamento burguês liberal-buro-crático, a concepção
socialista-comunista, o fascismo (cf. Mannheim, 1927; 1929, pp. 117 e segs.).
No texto Sociologia delia conoscenza, todavia, Mannheim indicou também, em traços
gerais, um método de pesquisa empírica com a finalidade de analisar as correspondências
entre uma produção mental específica e um grupo social concreto. Em primeiro lugar, ele
faz notar que as diversas produções mentais isoladas deverão ser ligadas entre si, a fim de
reconstruírem o sistema intelectual completo que exprime uma determinada
Weltanschauung. Em segundo lugar, dever-se-á verificar se as formas de pensamento
correspondem efectivamente à nossa reconstrução. Em terceiro lugar ocorrerá proceder-se a
uma «imputação sociológica», isto é, recolher os nexos entre determinadas formas de
pensamento e a composição dos grupos e dos estratos sociais que delas são portadores,
pondo em evidência os processos de transformação que tal realidade conheceu no tempo
(cf. Mannheim, 1931).
Nesta direcção, o discípulo de Mannheim, Norbert Elias (1897-1990), desenvolverá as
suas importantes análises sobre o processo civilizacional, relacionando as formas e as
estruturas da psique humana e as das diversas sociedades históricas com os sistemas de
saber, os estilos cognitivos e as ideologias (cf. Elias, 1939; 1983; Tabboni, 1993).
O contributo de Mannheim para a sociologia do conhecimento evidencia, sobretudo, a dificuldade de
ordem epistemológica que deriva do reconhecimento do facto de toda a forma de conhecimento estar
ligada a um contexto social particular. De que modo o saber sociológico pode aspirar a uma validade
objectiva, se ele mesmo surge envolvido nos processos sociais que se propõe estudar? De que modo é
possível fundamentar um ponto de vista crítico que consinta igualmente formular um projecto social
concreto?
Trata-se de questões que Mannheim não consegue resolver, não obstante a sua tentativa de reconhecer
à sociologia a função de descobrir irregularidades que vão para além dos específicos contextos histórico-
sociais. De certo modo, são interrogações que permanecem em aberto na actual reflexão sociológica,
embora, como veremos, a aceitação do carácter sempre parcial e contextualizado do conhecimento já
surja como um dado adquirido, favorecendo uma perspectiva de carácter hermenêutico. Perspectiva na
qual o problema da validade é colocado nos termos dos critérios estabelecidos, de vez em quando, com
base nas avaliações concretas obtidas através da troca de comunicação entre os cientistas sociais e entre
estes e os actores sociais (v. cap. v, 1 e 8). Assim, neste contexto se confirma a observação de Max
Weber, quando afirmava que «a ciência não consola», isto é, não se encontra em condições de substituir-
se às responsabilidades das escolhas que os actores sociais, repetidamente, devem
58
efectuar no âmbito das contradições próprias da sua situação social concreta (v. 10.1 deste
capítulo).
8. O fim das ideologias?
A reflexão sobre a função das ideologias, iniciada por Marx e desenvolvida sobretudo
por Mannheim, sofreu, nos anos cinquenta e sessenta, uma alteração caracterizada pelo
debate entre os que defendiam o fim das ideologias e os que, pelo contrário, consideravam
necessário o reconhecimento dapermanênciadas formas ideológicas, ainda que mediante
novas modalidades de expressão ligadas às transformações ocorridas na sociedade
contemporânea. Tentarei sintetizar em poucas linhas os elementos essenciais desse debate,
que teve uma clara influência sobre os mais recentes desenvolvimentos da sociologia do
conhecimento.
Entre as obras mais significativas que interpretaram a alteração verificada na nossa
cultura na perspectiva do chamado «fim das ideologias», recorda-se muito particularmente:
Uoppio degli intellettuali (1955) eha società industriale (1962) de Raymond Aron; La fine
delle ideologie: sull' esaurimento delle idee politiche negli anni '50 (1960), de Daniel Bell;
Uuomo politico: le basi sociale delia politica (1959) de SeymourLipset; e também o ensaio
Ideologia e società civile: sulle politiche degli intellettuali (1958), de Edward Shils.
A partir da constatação de que o desenvolvimento do capitalismo industrial na Europa havia
provocado a crise das religiões e o processo de secularização, descrito por Max Weber, favorecendo a
afirmação, no século xix e início do século XX, das grandes ideologias laicas (liberalismo, socialismo,
marxismo, fascismo), os autores supracitados sustentavam que, na segunda metade do século xx, se
verificou uma larga crise na adesão a tais formas ideológicas e às crenças de tipo utópico, para se abrir
espaço na política a uma atitude pragmática mais concreta, relacionada com a fase do chamado
capitalismo maduro e com o desenvolvimento do Estado social (Welfare State) e da sociedade de
consumo. Após a segunda guerra mundial, a derrota do fascismo e do nazismo e a denúncia do
estalinismo terão provocado a perda de prestígio das ideologias totalitárias, mostrando que os problemas
das sociedades industriais desenvolvidas não encontravam nestas resposta. O debate político e os
conflitos sociais já não encontrariam a sua inspiração nas visões revolucionárias, totalitárias, utópicas,
mas ter-se-iam desenvolvido no interior das instituições democráticas, possuindo como referência
critérios específicos de racionalidade instrumental e programas mais restritos relativos a situações
contingentes. As formas ideológicas teriam ainda podido sobreviver nas situações sociais mais
desfavorecidas do Terceiro Mundo, mas resultavam anacrónicas nas sociedades altamente
industrializadas (cf. Thompson, 1990, p. 76 e segs.; Waxman, 1968).
59
A principal objecção que se coloca a esta interpretação é a de que os autores do fim das
ideologias utilizam o termo ideologia exclusivamente como referência às grandes sínteses
«totalizantes» acima referidas, sem terem em conta que a forma ideológica, enquanto
racionalização dos interesses, pode igualmente manifestar-se de formas diversas e mais
circunscritas. Tal como foi observado por John Thompson, não é necessário definir o
conceito de ideologia em termos de um corpo global de teoria política, de sistemas de
crenças ou de sistemas simbólicos totalizantes, sendo que nos encontramos perante formas
ideológicas todas as vezes que uma determinada expressão cultural desempenha a função de
justificação de uma lógica de domínio (cf. Thompson, 1990, p. 84). Assim, também o
pragmatismo político e a própria teoria do fim das ideologias podem ser interpretados, em
certas circunstâncias, como novas formas de tipo ideológico.
Orientam-se nesta mesma direcção as análises da cultura industrial desenvolvidas pelos
fundadores da Escola de Frankfurt: Theodor W. Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer
(1895-1973), quando observam que «a função do conceito de ideologia veio a modificar-se
historicamente e encontra-se sujeita à dinâmica para a qual remete» (Horkheimer-Adorno,
1956, p. 206).
Para Horkheimer e Adorno, a ideologia em sentido próprio está presente sempre que
vigoram relações de poder não transparentes ou se racionalizam situações de interesse ou de
grupo: a ideologia é essencialmente justificação (ibid., p. 212). Hoje, a ideologia manifesta-
se não tanto sob formas teóricas, mas antes na prática de um sistema que está principalmente
orientado para a instrumentalização das massas enquanto potenciais consumidores, fixando
e modelando os estados de consciência dos indivíduos.
Os produtos da indústria cultural (cinema, revistas, jornais, rádio, televisão, literatura de
grande difusão) estão orientados para produzir a adaptação dos indivíduos às exigências da
economia de mercado e a sua integração no sistema social dominante. As próprias pesquisas
de mercado que dedicam particular atenção à interacção recíproca entre produtores e
consumidores, constituem um elemento funcional no processo de instrumentalização das
massas e podem ser consideradas como a expressão de uma nova forma ideológica. Assim,
segundo Horkheimer e Adorno, a crítica das ideologias deve desenvolver-se, nos nossos
dias, como denúncia do conteúdo ideológico dos meios de comunicação de massas e da
violência por estes exercida sobre as consciências individuais. Estaria, de facto, a ser
utilizado nas sociedades industriais desenvolvidas um verdadeiro treino para o
conformismo, que «se estende até às emoções mais íntimas e subtis» (ibid., p. 224).
As formas tentaculares que caracterizam a influência exercida pela cultura industrial
desmentem, assim, a tese do fim das ideologias, que acaba por favorecer a actual tendência
para se considerar como realidade aquilo que, de facto, é o produto de uma lógica de
dominação. Se, como justamente sublinhou o
60
filósofo francês Jean-François Lyotard, a época post-moderna é caracterizada pelo fim dos «grandes
contos» que dominavam as representações colectivas do século passado, permanece ainda hoje o
problema do desmascaramento da presença de justificações de tipo ideológico numa multiplicidade de
formas diversas (cf. Lyotard, 1979).
9. Poder, linguagem, comunicação
Ao longo das linhas indicadas dos autores supracitados da Escola de Frankfurt, a crítica da ideologia
veio a transferir-se da denúncia de determinadas concepções totalizantes para a análise dos diferentes
processos através dos quais a lógica do poder intervém na construção da realidade social. A partir do
momento em que se reconhece estar o próprio saber em ligação com interesses vários e condicionado
pelo contexto social, as fronteiras entre formas de tipo ideológico e as de tipo não ideológico vão-se
progressivamente tornando menos nítidas: daí a tentativa de alguns autores no sentido de encontrarem
novos critérios, aptos a fundamentar a possibilidade de discriminação entre essas diversas formas.
Nesta perspectiva, a reflexão sobre a relação entre formas de conhecimento e estruturas sociais tende a
considerar o momento cognitivo e bem assim o dos condicionamentos sociais como elementos
interdependentes: a dimensão cognitiva, na medida em que desempenha uma função de definição da
realidade, surge, de facto, intimamente ligada à lógica do poder.
Seguem esta linha interpretativa as análises da chamada microfísica do poder, desenvolvida por
Michel Foucault (1926-1984), cuja formação será influenciada por Nietzsche, tal como pelo
estruturalismo de Lévi-Strauss (v. cap. n, p. 2). Definindo o conceito de episteme como o sistema coerente
de ideias e valores no qual se concretiza a representação que uma época dá de si própria, Foucault
considera o conjunto geral das formações discursivas presentes numa determinada sociedade não só como
a matriz das escolhas temáticas e das formas colectivas de representação da realidade, mas também como
a fonte de produção dos objectos e dos sujeitos sociais.
Para Foucault, a ideia de uma continuidade evolutiva da história é absolutamente fictícia, uma vez que
a passagem de uma para outra época ocorre por fracturas epistemológicas, cuja emergência é totalmente
casual. O devir da humanidade é «uma série de interpretações», cujo emergir não é representável segundo
o modelo evolutivo de um constante progresso unilinear. Assim, neste contexto, não é possível a
referência a um conceito de racionalidade em sentido absoluto, pois existem diversas formas de
racionalidade segundo as diferentes épocas (cf. Foucault, 1969a).
Foucault mostra como, na época do racionalismo clássico (século xvn), a razão começou a ser
entendida segundo o modelo instrumental do «operar em
61
conformidade com um fim». Tal conceito de racionalidade consolida-se, no dizer de
Foucault, na base de uma rígida cisão entre racionalidade e loucura, na qual a primeira surge
ligada a critérios de eficiência produtiva, enquanto a segunda é definida como um divagar
sem sentido, caracterizado pela ausência de capacidade produtiva. O aparecimento das
instituições para loucos, na época moderna, é interpretado por Foucault como a expressão de
um acrescido controlo do desvio, orientado para a normalização, isto é, para a integração dos
diferentes no âmbito da racionalidade produtiva (cf. Foucault, 1961).
A crítica da racionalidade instrumental, análoga à que foi acima referida, a dos autores da
Escola de Frankfurt, vem ligar-se, em Foucault, à crítica do poder. De modo coerente com as
premissas contidas na teoria da linguagem e da episteme, enquanto estruturas autónomas
produtoras de realidade, também o poder surge considerado como princípio activo que cria as
formas do saber e determina os modos da produção. Criticando as concepções jurídicas do
poder, que consideram unicamente o problema da soberania e da sua legitimação e se
referem ao poder como sendo um assunto ou um aparelho estatal, Foucault relaciona o poder,
enquanto sistema de controlo interno das formas do saber e da linguagem comum, com os
mecanismos de censura, os sistemas de recompensa, com o conjunto das relações
interpessoais e colectivas. E assim possível colocar em evidência os dispositivos do poder,
aqueles mecanismos que a microfísica do poder tem a capacidade de revelar e que são tanto
mais eficazes quanto mais se encontram intimamente ligados ao próprio tecido da
sociabilidade e quanto mais entram no íntimo da psicologia e da fisiologia do indivíduo. Para
Foucault, o poder em si mesmo não é unicamente uma forma de proibição, nem uma
instituição social, nem «um certo poderio com o qual alguém poderia ser dotado», mas é
«qualquer coisa que circula... que funciona e se exercita através de uma organização
reticular» (Foucault, 1977, p. 184).
No radicalismo da posição de Foucault é possível encontrar o caminho percorrido, nos
nossos dias, pela crítica das ideologias. Se, inicialmente, a forma ideológica se mostrava
como um revestimento ou uma máscara da dominação, agora é a própria dominação a ser
considerada como a fonte da linguagem e das formas culturais. Neste ponto já não se fala de
ideologia, porquanto, de certo modo, tudo se tornou ideológico.
O relativismo que, acima de tudo, Mannheim pretendia esconjurar transforma-se na
normalidade de uma sociologia do conhecimento, na qual, mais do que uma distinção entre
formas de conhecimento e estruturas sociais, parece configurar-se uma espécie de mistura de
condições materiais e culturais, enquanto elementos de formação do processo de produção da
«realidade».
Uma posição análoga, ainda que mais directamente ligada à tradição marxista, encontra-
se no conceito de ideologia de Louis Althusser (1918-1990). O filósofo e sociólogo francês
que, como Foucault, revela a influência do estruturalismo de Lévi-Strauss, interpreta a
relação entre infra-estruturae superstrutura
I 62
T'
em termos de interdependência recíproca, mais do que em termos de um determinismo
causal unidireccional da infra-estrutura para a superstrutura. Para Althusser, o processo
histórico é resultado de uma série complexa de condições, circunstâncias e correntes
diversas que, constituindo um «amontoado de contradições», determinam as transformações
que caracterizam, precisamente, a evolução histórica. Se a contradição «em última análise
determinante» permanece sempre aquela que se estabelece entre forças de produção e
relações de produção, tal contradição não é suficiente, segundo Althusser, para definir uma
situação revolucionária: para que esta o seja efectivamente, ocorre um conjunto de outras
contradições, não só a nível infra-estrutural como também superstrutural. Tal sistema de
contradições surge definido por Althusser com um termo de origem freudiana,
sobredeterminação (Althusser, 1965, p. 71 e segs.). O conceito de sobredeterminação
permite reconhecer que a contradição capital-trabalho «já não é simples, mas sempre
especificada pelas formas e pelas circunstâncias históricas concretas na qual se exerce»
(ibid., p. 87). Tal especificação não deriva só das formas superstruturais do Estado, da
ideologia dominante, da religião, dos movimentos políticos organizados, mas também das
características das relações sociais internas ao sistema social, bem como das externas e,
enfim, do contexto mundial. Torna-se assim possível reconhecer a relativa autonomia das
diversas componentes superstruturais e, em particular, o papel activo desempenhado pela
ideologia na especificação da contradição principal. Em Althusser, como em Foucault, a
ideologia perde parcialmente a especificidade que possuía em Marx, na medida em que se
transforma numa estrutura essencial da construção da realidade social.
Porém, Althusser procura restabelecer a distinção entre ideologia e saber científico, a partir da
preponderância que assume na primeira a funçãoprático-social sobre a teórico-cognitiva: com efeito,
cada sociedade necessita de ideologias que garantam uma base de consenso e a coordenação das
motivações e das diversas formas de agir dos seus membros, colocando os indivíduos em condições de
«responderem às exigências das suas condições de existência.» (ibid., p. 210) A ideologia é assim uma
forma constitutiva da vida histórica da sociedade que se impõe aos actores sociais, sem que estes de tal se
encontrem conscientes. Se, por um lado, Althusser reconhece que as ideologias têm a sua própria história,
ainda que esta seja, em última análise, determinada pela luta de classes, por outro ele atribui à ideologia
uma dimensão não histórica e universal, no sentido de que a sua estrutura e a sua função se encontram
presentes de modo imutável em todas as sociedades (cf. Althusser, 1970, pp. 96-97). Os indivíduos,
segundo Althusser, vivem as suas acções no interior da ideologia, e todas as suas relações sociais, a sua
vivência histórica e as suas relações com o mundo são mediadas pela ideologia. Para além da mediação
de tais relações, também se exprime na ideologia a dimensão do imaginário individual e colectivo.
Assim, a ideologia não possuí unicamente um carácter instrumental, mas
I
63
assume igualmente um carácter activo que reforça ou modifica a relação com todas as
condições reais da existência.
Na sociedade de classes, a ideologia exprime os valores e os interesses da classe
dominante e determina as formas dos aparelhos ideológicos do Estado (instituições
religiosas, escolares, familiares, jurídicas, da informação, da cultura, etc), cuja função
consiste em assegurar a reprodução das condições que se encontram na base do sistema
produtivo. Na sociedade sem classes, pelo contrário, Althusser considera que as ideologias
constituiriam o relê, a forma de ligação necessária para garantir que todas as relações sejam
vividas «com vantagem para todos os homens» (Althusser, 1965, p. 211).
Se em Marx a ideologia, enquanto forma de disfarce funcional para a produção da falsa
consciência, devia ser denunciada e superada através do conhecimento científico, em
Foucault e em Althusser a ideologia, não obstante indicar sempre a ligação entre
conhecimento e interesse, entre conhecimento e poder, transforma-se numa forma de
mediação que não se pode eliminar, uma dimensão normal da vida social, a qual, enquanto
elemento constitutivo da própria realidade social, convive com o saber científico, sem que
este último possa de algum modo substituir-se-lhe.
Uma tentativa orientada para a redefinição, em sentido específico, do conceito de
ideologia como «comunicação distorcida» foi realizada por Jurgen Habermas (1929-), o
último herdeiro da tradição da Escola de Frankfurt.
Na sua obra Conoscenza e interesse (1968), Habermas havia sublinhado a correlação
entre sistema social e formas da consciência, desenvolvendo uma crítica ao positivismo
tradicional, baseado no critério da separação entre conhecimento e interesse. A atitude
orientada para o objecto, reportando ingenuamente enunciados teóricos a dados de facto,
atribuía às proposições teóricas uma consistência objectiva própria e autónoma, ocultando
assim o âmbito no interior do qual se vinha formando o sentido daquelas mesmas
proposições. Todavia, quando os pressupostos a priori, que constituem o quadro de
referência de tais formulações, são explicitados e considerados criticamente, então a
aparente objectividade cai e torna-se visível a presença do interesse particular que orienta
toda a forma concreta de conhecimento (Habermas, p. 49).
Qualquer discurso científico parte, então, de pressupostos teóricos que não reproduzem
factos em si, mas são o produto da organização da nossa experiência «no âmbito funcional
do agir instrumental» (ibid., p. 50). Assim, os «factos» são sempre o resultado da relação
entre a coisa e a nossa interpretação desta, num quadro orientado segundo significados pré-
constituídos.
Não reconhecendo os seus pressupostos teóricos, a crítica positivista das ideologias não se encontra
consciente da carga ideológica contida no próprio conceito de «racionalidade científica».Tal como para
Adorno e Horkheimer, e também para Habermas, existe um nexo específico entre as teorias positivistas,
que se pretendem cientificamente neutras e não ideológicas, e a sociedade
64
tecnológica moderna, na qual a racionalidade coincide com a intenção manipuladora das
coisas e das pessoas com objectivos de produção económica. Neste contexto, sem uma
vigorosa capacidade de auto-reflexão crítica, as mesmas ciências sociais correm o risco de
se transformarem em simples ciências auxiliares ao serviço de estruturas políticas,
económicas e administrativas dominantes (ibid., p. 90).
Ulteriormente, no que se refere a esta posição, Habermas avançou mais um passo na sua
obra Teoria delVagire comunicativo (1981), com o recurso ao conceito de situação da
comunicação ideal. Tal conceito retoma, em parte, os êxitos da teoria do a priori da
comunicação do filósofo Karl Otto Apel (1922), o qual sublinha que o a priori kantiano, que
se encontra na base do conhecimento, além de ser uma estrutura fundamental da razão, é na
realidade intrínseco à própria linguagem. Com efeito, a linguagem surge baseada no
pressuposto da comunidade ilimitada da comunicação: não se pode usar a linguagem se não
através da observância de regras partilhadas por todos os falantes, que reconhecem o igual
direito de todos à comunicação, e também através da pretensão de verdade daquilo que se
afirma com a própria linguagem.
De modo análogo, Habermas considera que qualquer expressão de actos linguísticos se
baseia em exigências de validade, isto é, em razões e referências de legitimação que dão
garantias acerca dos conteúdos que são comunicados. São três, para Habermas, os tipos
fundamentais de exigências de validade: verdade, de modo a satisfazer exigências de tipo
existencial e correspondentes ao mundo objectivo; correcção, orientada para a legitimação
do contexto normativo do discurso em relação ao mundo social; sinceridade, referente às
intencionalidades subjectivas do falante e correspondente ao mundo subjectivo (cf.
Habermas, 1981, i, p. 410 e segs.).
Habermas propõe a distinção entre o agir orientado para a compreensão, que se desenvolve, mediante
a linguagem, na base de acordos racionalmente motivados acerca de exigências específicas de validade, e
o agir orientado para o sucesso, no qual estão incluídas as formas do agir instrumental, ou agir de tipo
técnico, «não social» e as do agir estratégico, de tipo «social» (ibid., p. 382).
A dimensão da compreensão é o pressuposto, intrínseco à linguagem, que serve de base à
racionalidade comunicativa, a qual se concretiza através de convicções intersubjectivas, mediadas
simbolicamente e reunidas por meio da superação das específicas posições individuais. Tal tipo de
racionalidade contrapõe-se à racionalidade instrumental, na qual, encontrando-se embora presente a
dimensão da compreensão, prevalecem as relações entre conhecimento e interesses de tipo egoísta (ibid.,
p. 28).
O conceito de racionalidade comunicativa constitui o critério universal de referência da situação
linguística ideal, na qual o consenso é produzido de modo argumentativo, com a participação de todos, na
base da igualdade das
65
competências e das hipóteses, isto é, de uma repartição simétrica (desprovida de privilégios)
das possibilidades de escolha de actos linguísticos, sem que a comunicação seja ou
impedida, ou distorcida por intervenções contingentes externas ou por constrangimentos
inseridos na própria estrutura da comunicação. Assim, o conceito de racionalidade
comunicativa permite a Habermas restabelecer a distinção entre um modelo ideal de
comunicação e as formas ideológicas que, enquanto comunicações distorcidas pela presença
de interesses orientados para a manipulação do consenso, regressam no âmbito da
racionalização instrumental.
Entre as objecções que podem ser apresentadas relativamente à proposta de Habermas, a
primeira é que o carácter abstracto da situação linguística ideal, que o próprio Habermas
reconhece como capaz de actuar mais completamente na realidade, permite afirmar apenas
inicialmente a possibilidade de julgar o carácter ideológico ou não ideológico das formas
culturais. Na prática, mantém-se o problema de quem está em condições de estabelecer, no
concreto, se estamos ou não perante uma situação de racionalidade comunicativa.
A segunda objecção reporta-se ao facto de o próprio conceito de comunicação ideal se
mostrar em contradição com o carácter sempre redutor, já anteriormente referido (v.
Prefácio), das formas de mediação simbólica, cuja presença é condicionante da
possibilidade de uma comunicação poder ter lugar. Com efeito, tais formas, enquanto
necessariamente determinadas, não podem esgotar a complexidade da experiência vivida
pelos sujeitos e, assim, produzem por si mesmas efeitos de desigualdade, consoante as
formas expressivas e normativas correspondam em maior ou menor grau às concretas
solicitações dos interlocutores. Em terceiro lugar, existe sempre o risco de que a pretensão
do estabelecimento de um critério não ideológico, a partir do qual se julgue aquilo que é
ideológico e aquilo que o não é, possa conduzir a uma imposição de valores e de definições
do verdadeiro e do justo que, por sua vez, não poderia deixar de estar relacionada com
escolhas de valores particulares.
A partir da constatação de que não ocorrem formas de conhecimento totalmente livres da
influência do contexto social e que, por conseguinte, toda a forma de cultura é
inevitavelmente interior à modalidade ideológica entendida num sentido lato, parece que o
único critério de referência válido para manter um significado específico para o termo
ideologia é o de integrar nesta todas as formas interpretativas e afirmativas que tendem a
surgir como absolutas. Em suma, mostra-se como ideológico tudo aquilo que não se
reconhece como tal, ou seja, qualquer pretensão a considerar uma determinada forma de
expressão cultural como totalmente avulsa dos seus condicionamentos sociais. Se, como
melhor veremos em seguida, a cultura possui uma relativa autonomia, que lhe é própria,
qualquer discurso permanece sempre no interior de um particular horizonte sociocultural (v.
cap. vi, p. 2). Podemos, portanto, considerar ideológico o discurso que pretende colocar-se
para além das formas redutoras da mediação
66
simbólica, isto é, que não se reconhece como integrando uma perspectiva cultural particular e
que, assim fazendo, não explicita a sua relação constante com a situação histórico-social
concreta e com os interesses particulares que a orientam. Em suma, é ideológico o discurso que
não é criticamente consciente dos seus limites (cf. Crespi, 1987, p. 87 e segs.).
10. A sociologia da ciência
De início, como já vimos, a sociologia do conhecimento tende a considerar o saber científico
como uma forma de conhecimento totalmente diverso do das ideologias: é efectivamente a
referência aos resultados obtidos pelas ciências naturais que permite distinguir entre as formas de
conhecimento desvirtuadas pelos interesses, que são todas as expressões culturais não científicas
(mito, religião, filosofia, teorias políticas, etc), e as formas científicas que, na medida em que se
baseiam em princípios lógico-experimentais, são consideradas como aptas a conhecer a realidade
tal como ela é.
Tal distinção, cuja origem é atribuída à tradição do racionalismo inaugurada por René
Descartes (1596-1650) e que encontra a sua realização no século xvn, no Iluminismo, encontra-
se claramente presente na intenção do pai do positivismo, Augusto Comte (1798-1857), de
fundar a sociologia como ciência do social, isto é, aplicar aos fenómenos sociais os mesmos
métodos de análise empírica que tanto sucesso haviam obtido no estudo dos fenómenos naturais.
No conceito comtiano de sociologia encontra-se assim implícita a ideia segundo a qual essa nova
forma de saber se coloca a um nível diverso das teorias sociais e das doutrinas políticas
anteriores e que será igualmente possível fundar, a partir dela, uma nova norma para a vida
social.
Relativamente ao projecto do Iluminismo de promover uma reforma total da sociedade
baseada na razão, desmistificando todos os preconceitos contidos nas formas precedentes de
conhecimento (religião, teologia, filosofia, etc), na medida em que são ditadas por componentes
emocionais não racionais ou por interesses de dominação, o positivismo comtiano orienta-se no
sentido de substituir a racionalidade de tipo iluminista pela nova forma de racionalidade baseada
na ciência, isto é, no conhecimento directo dos mecanismos concretos que se encontram na base
da dinâmica social. A racionalidade a que se referia o Iluminismo havia-se revelado, de facto,
durante os anos do Terror na Revolução Francesa, como princípio excessivamente abstracto,
incapaz de controlar as paixões e a violência.
Uma consequência imediata dessa nova atitude é o reconhecimento de que os processos
sociais são, em grande parte, motivados por componentes emotivas e irracionais: aquilo que o
Iluminismo pretendia simplesmente eliminar revela-se, pelo contrário, como uma dimensão
constitutiva do próprio social. Daí
67
deriva, de um modo só aparentemente paradoxal, o facto de o positivismo comtiano tender a
reavaliar a dimensão religiosa denunciada pelo Iluminismo, reconhecendo nesta uma forma
cultural necessária para mediar as dimensões não racionais e irracionais. E nessa perspectiva
que Comte propõe uma religião da Humanidade e uma moral laica, capazes de traduzir os
valores ditados pela racionalidade científica, por forma a que possam apelar também às
componentes emotivas. A ideia de ciência transforma-se assim num novo mito criador.
Como vimos (v. 1 e 2 do presente capítulo), a adesão ao conceito positivista de ciência
também desempenha um papel essencial na crítica das ideologias de Marx, que evita
cuidadosamente aplicar a si próprio a relação entre conhecimento e interesse, por ele
atribuída a todas as formas «não científicas» de conhecimento.
A tendência para considerar o saber científico como um âmbito não sobreponível às
análises da sociologia do conhecimento permaneceu longamente na sociologia, apesar dos
golpes assestados no positivismo pelo historicismo alemão, particularmente por Max Weber.
Durkheim, Pareto e Mannheim tendem a considerar o saber científico como um sector
retirado à sociologia do conhecimento e, ainda nos nossos dias, Robert Merton interpretará o
objecto da sociologia da ciência de modo redutor, reportando-o unicamente aos modos
como a ciência é considerada nos diferentes contextos sociais, ao estatuto social dos
cientistas e os seus valores de referência ética, às políticas de investigação e dos grupos
poderosos na comunidade científica, mas não às implicações sociais do saber científico
enquanto tal (cf. Merton, 1949). Também Werner Stark, no seu manual Sociologia delia
conoscenza (1958), que conheceu nos últimos anos uma notável divulgação na Europa e nos
Estados Unidos, considera os factos naturais como simples dados não dependentes das
nossas interpretações, defendendo, por conseguinte, que «os desenvolvimentos sociais não
determinam o conteúdo dos desenvolvimentos científicos, simplesmente porque não
determinam os factos naturais» (Stark, 1958, p. 221).
Como veremos (v. 10.2 do presente capítulo), só a partir dos anos setenta o problema da relação entre
as formas do saber científico e os seus condicionamentos sociais foi enfrentado de modo decisivo, até
transformar profundamente não só a epistemologia científica, como também a própria concepção da
sociologia da ciência. Por outro lado, esse êxito foi preparado pelos desenvolvimentos da reflexão
epistemológica levada a efeito no interior do mundo científico, na primeira metade no nosso século.
10.1 O debate epistemológico na ciência contemporânea
Como acima recordámos (v. 2 deste capítulo), Max Weber, a partir da distinção que Dilthey
estabelece entre ciências da natureza e ciências do espírito,
68
r
havia mostrado que a referência ao valor é uma dimensão que também não pode ser eliminada nas
ciências naturais, sendo também uma condição essencial para se poder colocar em evidência os
problemas e aspectos da realidade que se pretende estudar. Perante a inexaurível complexidade do real,
ocorre efectuar uma selecção dos elementos que se considera relevantes, o que só pode ser feito através
da escolha de um ponto de vista relativamente arbitrário. Tal escolha encontra-se efectivamente ligada à
formação do cientista e às condições contingentes da sua situação social. Daí resulta que a
avaloratividade, ou carácter objectivo da ciência, possa ser compreendida excluindo do fatalismo da
ciência o juízo de valor, ou seja, a intenção de indicar aquilo que é bem ou aquilo que é mal: no interior
do particular ponto de vista previamente escolhido, o conhecimento científico preocupa-se unicamente
com a descrição e a explicação da realidade observada, verificando a validade das hipóteses sobre ela
formuladas. Se o início da actividade científica se encontra relacionado com a ligação aos valores,
posteriormente esta procede aplicando rigorosamente os métodos do levantamento empírico. A
objectividade surge assim compreendida, neste contexto, não já como absoluta correspondência entre
forma conceptual e realidade exterior, mas antes como possibilidade de verificação de determinadas
relações causais entre os factores anteriormente seleccionados no interior de uma forma interpretativa
particular (cf. Weber, 1904, p. 53 e segs.; 1906, p. 207 e segs.)
O facto de a ciência obter sempre conhecimentos parciais do real e não ser obrigada a apresentar juízos
de valor sobre tal realidade mostra as radicais transformações ocorridas com Weber relativamente ao
conceito positivista de ciência: por um lado, a objectividade sofre uma limitação que coloca em discussão
o carácter neutro do conhecimento científico e, por outro, a ciência já não se pode transformar, como em
Comte ou em Marx, no fundamento absoluto de uma nova normativa ética ou social. A ciência não pode
dar resposta acerca dos valores de orientação do agir prático, que se mantém consignado à
responsabilidade de escolhas políticas ou éticas em situações contingentes, na base de avaliações que só
parcialmente poderão ser dependentes do saber científico.
Para Weber, o método científico é um único: a referência ao valor e à orientação que visa identificar
nexos causais encontra-se presente quando tal método vem aplicado aos fenómenos naturais e também
quando é aplicado aos fenómenos sociais. A diversidade entre ciências naturais e ciências sociais
mantém-se unicamente devido ao relevo que, nas ciências sociais, o sentido intencional do agir adquire:
as ciências naturais, segundo Weber, procedem através de conceitos de géneros, e desenvolvem-se
segundo uma lógica de tipo descritivo-classificador, enquanto as ciências sociais deverão proceder através
da selecção de elementos individuais. Se também o comportamento humano apresenta «correlações e
regularidade, como qualquer outro devir», que possam ser observadas empiricamente com base em
relações de tipo
69
probabilístico, uma explicação causal do agir humano só poderá surgir através da
interpretação dos significados aos quais se atribui uma intenção subjectiva (cf. Weber,
1913).
A fim de se compreender como é possível uma sociologia da ciência, o que interessa
sobretudo é o facto de a reflexão epistemológica sobre a natureza do saber científico,
desenvolvida no século xx no interior das ciências matemáticas e naturais, ter também ela
remetido para discussão o conceito positivista de ciência, alcançando, sob certos aspectos,
resultados análogos aos indicados por Max Weber (cf. Crespi, 1994a, p. 63 e segs.)
Sobre o novo conceito de ciência influíram as grandes descobertas da física moderna,
em particular as experiências relativas ao campo eléctrico de James C. Maxwell (1831-
1879), as leis da termodinâmica, a elaboração da física quântica de Max Planck (1858-
1947), as teorias da relatividade de Albert Einstein (1879-1955), a teoria atómica de Niels
Bohr (1885-1962) e de outros. Estas diferentes teorias mostram, entre outros aspectos, que
as leis válidas para a interpretação dos fenómenos macroscópicos, descritos pela teoria
mecânica, não podem ser igualmente aplicadas às dimensões submicroscópicas que se
manifestam no interior da complexa estrutura do átomo e nos fenómenos ligados à energia
da luz. Vem assim a evidenciar-se a coexistência, dentro do pensamento científico, de
modelos teóricos diversos, segundo os fenómenos estudados e os interesses específicos que
orientam a investigação.
O carácter activo de selecção presente nos procedimentos científicos surge também
confirmado pelo princípio de indeterminação formulado por Werner Heisenberg (1958),
que evidencia o facto de cada observação de um fenómeno provocar uma qualquer
perturbação do próprio fenómeno e de, por conseguinte, não ser possível medir
contemporaneamente todas as diversas dimensões do próprio fenómeno. Assim se mostra
que a actividade científica não visa reflectir passivamente o real, mas é antes um
instrumento activo de construção do objecto de análise, através da selecção dos factores e
das relações entre factores com base em critérios relativamente arbitrários e contingentes.
A ciência trabalha com hipóteses e princípios que não são totalmente induzidos a partir da
experiência, mas que, segundo a expressão de Einstein, revelam sobretudo o carácter de «livres criações
do pensamento», cuja validade só pode ser verificada por meio do confronto dos sistemas de referência
específicos. Este modo de conceber o conhecimento científico leva mesmo a uma profunda alteração do
próprio conceito tradicional de causa, na medida em que a presença de um princípio selectivo, ligado a
um sistema de referência específico, mostra que aquilo que de vez em quando é assumido como causa de
um fenómeno não passa, na realidade, de um conjunto de condições necessárias, mas não suficientes,
para a explicação do próprio fenómeno. As condições podem justificar um certo grau de probabilidade
relativamente à ocorrência de um certo fenómeno, mas não leis rigorosas e imutáveis.
70
A partir destas diversas experiências, a epistemologia da ciência foi obrigada a rever os
pressupostos do conhecimento científico e a reformular o conceito de objectividade do
saber científico. Não é este o lugar próprio para relatar o complexo debate que nos anos
recentes tem vindo a ocorrer sobre a natureza do saber científico; porém, antes de nos
confrontarmos com os problemas específicos hoje colocados pela sociologia da ciência,
poderá ser oportuno fazer uma breve referência a duas diferentes posições que tiveram
particular eco no interior da epistemologia científica contemporânea: a primeira é a de Karl
Popper (1902-1995), a segunda a de Thomas Kuhn (1922).
Para Popper, a objectividade da ciência reside numa tensão entre aquilo que designamos
como saber e aquilo que consideramos como sendo os factos. A observação pura não
existe, só existem ciências que teorizam a partir de uma escolha, isto é, da formulação de
problemas e hipóteses (cf. Popper, 1969, pp. 115-116). A objectividade científica, em
última análise, reside unicamente na tradição crítica, na troca social da comunicação
recíproca das observações científicas efectuadas pelos diferentes cientistas: trata-se de um
objectivo que, por várias vezes, é declarado como incontroverso pela comunidade
científica.
A avaloratividade da ciência não se baseia na imunidade do trabalho científico em
relação a valorizações e aplicações extra-científicas, mas antes na distinção entre valores e
desvalores internos a ciência, ou seja, exclusivamente referidos ao interesse cognitivo, e
valores e desvalores externos à ciência, isto é, referidos a interesses políticos, morais,
estéticos, económicos, etc. E tarefa da crítica científica a manutenção distinta das duas
esferas de valores, lutando contra a confusão entre ambas.
O critério de demarcação entre saber científico e saber não científico é dado, para
Popper, pela possibilidade de falsificação das hipóteses. As hipóteses formuladas pelo
cientista acerca dos fenómenos estudados não podem já dizer-se plenamente verificadas, são
válidas «até prova em contrário» e o seu carácter empírico reside efectivamente na sua
disponibilidade para serem demonstradas como falsas. O autêntico cientista, sendo movido
por um interesse unicamente cognitivo, não se sente tão orientado no sentido de demonstrar
que tem razão (tal como acontece, por exemplo, com o ideólogo, quando este usa a sua
teoria para consolidar o próprio poder), quanto em avançar mais no seu saber: ele interessa-
se preferencialmente pelos elementos que possam contestar as suas hipóteses, mais do que
por aqueles que as confirmam, dado que só os primeiros poderão permitir-lhe,
efectivamente, proceder a novas descobertas.
Considerando as hipóteses como ponto de partida para o conhecimento científico, Popper refuta o
princípio da indução, segundo o qual as asserções universais têm origem em asserções particulares
baseadas na experiência, e propõe, em sua substituição, o método dedutivo, cujo postulado de base afirma
que uma hipótese só pode ser «controlada empiricamente, e isso depois de ter sido apresentada» (Popper,
1934, p. 9). O «falsificacionismo» popperiano não é,
71
pois, baseado ingenuamente no conhecimento directo dos factos singulares, a partir dos
quais se sobe indutivamente até às conclusões teóricas gerais; Popper partilha o princípio, já
avançado por Nietzsche, de que não existem/actos, mas só interpretações de factos.
Assim, a objectividade possui uma base convencional (cf. Popper, 1982-1983). Se, ao
nível da prática, as afirmações de base, que se encontram na origem de toda a investigação
científica, surgem, de vez em quando, usadas necessariamente como se fossem dogmas
indiscutíveis (na medida em que não se pode remontar à sua verificação última sem cair
numa regressão sem limites), a nível teórico essas mesmas afirmações são reconhecidas no
seu carácter convencional, ou seja, como resultado de uma escolha ou de um acordo e
assim, nessa qualidade, sempre susceptíveis de revisão ou substituição.
Neste contexto, Popper pode então afirmar que «a base empírica das ciências objectivas
não contém em si mesma nada de absoluto. A ciência não se encontra assente sobre um
sólido alicerce rochoso. A nova estrutura das teorias eleva-se, por assim dizer, sobre um
pântano. É como um edifício construído sobre estacas. As estacas encontram-se cravadas no
pântano: mas não numa base natural ou "dada"; o facto de desistirmos de espetar mais
profundamente as estacas não significa que tenhamos encontrado um terreno sólido»
(Popper, 1934, pp. 107-108).
Uma concepção da ciência parcialmente diversa mas, em muitos pontos essenciais,
coincidente com a de Popper (sobretudo no que se refere à relação entre factos e
interpretações, o carácter convencional da objectividade e a natureza não definitiva dos
conhecimentos alcançados) é a desenvolvida por Thomas Kuhn na obraLa struttura delle
rivoluzioni scientifiche (1962). Para Kuhn, que sob muitos aspectos retoma a filosofia de
Ludwig Wittgenstein (1889-1951), todo o conhecimento possui uma raiz social, na medida
em que toda a aprendizagem ou deriva de procedimentos ostensivos (chamo «cisne» àquilo
que me surge indicado pelos outros como cisne), ou surge através do uso de regras e
definições que, porque exprimem significados, são, também quando reenviam para outras
regras e definições, elas próprias fundamentadas, em última análise, em relações de
similaridade apreendidas através de um conjunto muito vasto de exemplos geralmente
aceites, ou têm ainda uma origem ostensiva (p.e., a definição da categoria «aves»).
O que mostra que o saber é sempre um fenómeno de comunicação convencional, que se
desenvolve no interior de comunidades determinadas, com base em acordos práticos,
mediante os quais surgem definidos os usos próprios dos termos e enquadrados os diversos
fenómenos, tanto os habituais como os novos e inesperados. Também o saber científico é
assim adquirido, mediante um training, no interior de um sistema de convenções, que têm a
sua origem em processos cognitivos (incluindo juízos e acordos) que se desenvolvem no
tempo (Kuhn, 1962, p. 19 e segs.).
72
O conceito fundamental sobre o qual se baseia a análise de Kuhn é o de paradigma, ou
seja, o conjunto dos modelos teóricos que, sancionando na linguagem dos cientistas a
solução de um problema, obteve, por parte de uma dada comunidade científica, uma
aceitação universal e, por conseguinte, constitui «um trabalho científico exemplar, em
condições de criar uma tradição de pesquisa num sector especializado da actividade
científica» (Bloor, 1976, p. 82).
Distinguindo entre ciência normal e ciência revolucionária, Kuhn encontra uma ligação
muito estreita entre paradigma e ciência normal. Esta última tem efectivamente o
significado de uma pesquisa «solidamente fundamentada em um ou mais resultados
reunidos pela ciência do passado, aos quais uma comunidade científica particular, durante
um certo período de tempo, reconhece a capacidade de constituir o fundamento da sua
praxis ulterior» (Kuhn, 1962, p. 29). Normalmente, os cientistas tendem a aceitar
acriticamente os paradigmas constituídos, e esta aceitação é a pré-condição para o próprio
desenvolvimento de uma determinada forma de conhecimento científico, que procede
resolvendo gradualmente os novos problemas emergentes no interior do próprio paradigma.
Porém, quando as dimensões da experiência que permanecem fora do paradigma se
acumulam, impondo-se à atenção dos cientistas como anomalias que permanecem sem
explicação, então o paradigma pode entrar em crise e torna-se indispensável a formulação de
um novo paradigma, que não se encontra necessariamente em relação de continuidade com
o primeiro, nem se contrapõe necessariamente a ele, ou o exclui (por exemplo, a passagem
da física clássica à teoria termodinâmica, ou à atómica). Existe, nesse caso, uma revolução
científica (ibid., p. 119).
A teoria de Kuhn vem atingir, ulteriormente, a concepção positivista da unidade da ciência e do seu
constante progresso cumulativo: ela mostra efectivamente que tal saber procede de modo descontínuo,
por sucessivas alterações dos paradigmas, sempre parciais e impossíveis de comparar entre si. Um
paradigma não é mais verdadeiro que outro, mas unicamente mais adequado, numa situação concreta,
para a resolução daqueles problemas que, por vezes, emergem ao longo da experiência histórica da
humanidade.
Tanto a teoria de Popper como a de Kuhn, sublinhando o carácter convencional e contingente das
formas do saber científico, oferecem matéria de reflexão ao sociólogo do conhecimento, e é precisamente
no que se refere a estas novas concepções da ciência que a sociologia da ciência pôde esclarecer melhor a
sua posição e desenvolver o seu discurso.
10.2 O «programa forte» na sociologia do conhecimento
A partir das mudanças ocorridas na epistemologia da ciência, alguns estudiosos, conhecidos como
o grupo da Escola de Edimburgo, formularam, nos anos setenta, um «programa forte» (Strong
Programme) de sociologia do co
73
nhecimento aplicado às ciências: o termo «forte» indica, neste caso, o propósito de
implantar em bases sólidas o estatuto da sociologia da ciência e de integrar nela todos os
aspectos da relação entre formas do saber e contexto social, sem respeitar as distinções entre
a ciência e as outras formas do saber que, como foi visto, haviam caracterizado os primeiros
desenvolvimentos da sociologia do conhecimento. Entre os autores mais representativos do
referido grupo figuram Barry Barnes (1974; 1977; 1982) e David Bloor (1976; 1981; 1983).
Durante o mesmo período desenvolveram-se igualmente outros programas de
investigação, diversos entre si, mas que, todavia, procediam com a mesma orientação, no
sentido de um aprofundamento do método de análise do discurso científico: os estudos
etnográficos do trabalho científico (cf. Latour-Woolgar, 1979; Knorr Cetina, 1981); o
programa de análise do discurso (cf. Mulkay, 1979; Gilbert-Mulkay, 1984); o programa
empírico do relativismo (cf. Collins, 1983; 1985; Collins-Pinch, 1978); os estudos
etnometodológicos da prática científica (cf. Garfinkel-Lynch-Livingston, 1981; Lynch-
Livingston-Garfinkel, 1983).
A formulação do programa forte de Bloor tem como referência privilegiada a teoria da linguagem
segundo Wittgenstein. Nas Ricerche filosofiche (1953), Wittgenstein reconhece a presença de uma
pluralidade de linguagens comuns, ou seja, de jogos linguísticos diversos ligados a diversas formas de
vida. O conceito de jogo linguístico coloca em evidência que «falar uma linguagem faz parte de uma
actividade, ou de uma forma de vida» (Wittgenstein, 1953, p. 21, n. 23). A relação entre nome e coisa
nomeada vem entendida como relação entre uma palavra e o contexto da actividade prática na qual aquele
é usado, sem que o significado de uma palavra possa ser dado como fixo de uma vez por todas. Assim, a
análise da linguagem remete para a situação interactiva particular na qual têm origem as diferentes
expressões linguísticas: o significado da linguagem, tal como o do agir, só pode ser cultivado na íntima
conexão que entre eles subsiste. Para compreender o significado das palavras e das proposições, convém
conhecer as regras do jogo no interior do qual tais palavras e proposições são usadas e, por sua vez, tais
regras, que são o produto convencional do encontro intersubjectivo, não são independentes das formas de
vida concretas dos contextos sociais específicos. Nesta perspectiva, adquirem particular importância os
processos sociais de aprendizagem, na base dos quais os sujeitos aprendem, na prática quotidiana, a dar
uso aos jogos linguísticos, interiorizando as regras e, como consequência, adequando os seus
comportamentos às formas socialmente definidas de significado (ibid., pp. 165 e 415). No mundo social
existem os mais variados jogos linguísticos e, segundo Wittgenstein, de modo idêntico ao utilizado pelo
falante, que cria e recria a sua gramática na sua própria forma de vida, os actores sociais criam e recriam
os significados e as imagens da sociedade, através de elaborações da experiência, produções de sentido e
negociações (cf. Dal Lago, 1994,xvm). Também o conhe
74
cimento científico surge desse modo, da mesma maneira que as ou trás práticas cognitivas de senso
comum, como um jogo linguístico particular, em conexão com uma específica forma de vida e, assim,
como uma prática eminentemente social.
Com base nestes pressupostos, a sociologia da ciência pode analisar os modos concretos através dos
quais os cientistas, imersos no mundo quotidiano da investigação, produzem a verdade científica e
constroem as suas descobertas. Enquanto a sociologia da ciência tradicional «continuava prisioneira de
um quadro normativo da própria ciência», a actual sociologia da ciência, dilatando o seu campo de
observação, retrai a ciência para o interior dos processos concretos da sua elaboração, ao arrepio dos
modos segundo os quais a generalidade dos cientistas gostava de a representar (cf. Cassano, 1989, p. 12 e
segs.).
David Bloor, ao apresentar o «programa forte» da sociologia do conhecimento, faz notar, desde o
primeiro momento, que «ao contrário de uma crença verdadeira - ou, talvez, de uma crença verdadeira
comprovada - o conhecimento, para o sociólogo, é toda e qualquer coisa que assim seja considerada. Ele
consiste nas crenças que as pessoas mantêm com fidelidade, vivendo a sua vida baseando-se nelas»
(Bloor, 1976, p. 9). Mas o termo conhecimento, em sentido específico, mostra-se distinto da crença de
tipo individual ou particular, sendo esta «aquilo que é colectivamente sancionado como tal» (ibid.).
As interrogações que a sociologia da ciência se coloca reportam-se aos modos de transmissão dos
conhecimentos, à sua estabilidade, aos processos de criação e manutenção, de organização e subdivisão
dos diferentes domínios cognitivos, etc. Bloor identifica quatro princípios gerais que a sociologia da
ciência deverá ter em conta: a) causalidade, porquanto esta se interessa pelas condições sociais que
produzem crenças ou estados de conhecimento, ainda que possam existir outras condições, para além das
sociais, que contribuam para a produção das crenças; b) imparcialidade, no que se refere à verdade ou
falsidade dos conhecimentos, à sua racionalidade ou irracionalidade, ao seu êxito ou ao seu fracasso; c)
simetria, relativamente ao tipo de explicação: os mesmos tipos de causa devem explicar as crenças
verdadeiras e as falsas; d) reflexividade, dado que os modelos explicativos por ela usados devem ser
aplicados até mesmo à própria sociologia.
Estes quatro princípios gerais, que vão retomar elementos já apresentados por Durkheim (1895),
Mannheim (1929) e Znaniecki (1965), definem o «programa forte» da sociologia do conhecimento (ibid.,
pp. 12-13).
O primeiro princípio fixa com toda a clareza o objecto da sociologia da ciência, embora sem pretender
que as suas próprias análises sejam exaustivas (as condições não são unicamente sociais); o segundo e
terceiro princípios libertam a sociologia do conhecimento de qualquer carácter normativo, porquanto
sublinham a irrelevância, para a sociologia da cultura, da adequação dos resultados cognitivos reunidos
pela ciência e, ao mesmo tempo, recusam-se a
i
75
relegar a sociologia da ciência, tal como alguns pretenderiam, exclusivamente aos casos de
erro, a partir do pressuposto de que só em tais casos entram em jogo elementos não
científicos. Finalmente, o quarto princípio afirma exactamente que os mesmos métodos de
análise devem ser também aplicados à sociologia, porquanto é ela própria uma forma de
conhecimento científico.
Bloor faz notar que o reconhecimento da existência dos condicionamentos sociais do
conhecimento científico não significa por si só que deixe de ser válida a credibilidade dos
resultados cognitivos obtidos pela ciência, mas unicamente que se reconhecem os seus
limites, decorrentes do facto de aqueles serem sempre obtidos no interior de contextos
sociais concretos (ibid., p. 25 e segs.).
A pesquisa de leis e teorias comporta, na sociologia da ciência, procedimentos em tudo
idênticos aos de qualquer outra ciência: identificação de acontecimentos típicos recorrentes,
formulação de princípios teóricos gerais ou hipóteses, verificação empírica, revisão ou
substituição da teoria anteriormente formulada, etc. A objecção formulada por Popper
relativamente à impossibilidade de previsão dos comportamentos humanos e dos
conhecimentos do futuro coloca justamente em evidência a maior dificuldade de previsão a
longo prazo no domínio do agir humano, não anula a possibilidade de se considerar a
sociologia da ciência do mesmo modo que as ciências naturais: em ambos os casos, trata-se
sempre de formas de conhecimento limitadas e susceptíveis de erro, mas, por si, só a
sociologia não é de natureza diferente das outras ciências (ibid., p. 28 e segs.).
A partir de conclusões da investigação empírica sobre o modo como os cientistas
desenvolvem as suas pesquisas, Bloor, tendo em conta a importância assumida por factores
como a instrução e a formação para «explicar a implantação e difusão dos anteriores
sistemas de convicções» e das modalidades através das quais se formam os critérios de
pertinência, em função dos quais as experiências surgem ligadas a umas convicções mais do
que a outras, conclui que «existe uma componente social em todo o conhecimento» (ibid., p.
49). Todavia, ele realça que dizer-se «que os métodos e resultados da ciência são
convenções não significa que sejam "puras" convenções» (ibid., p. 65).
Interessante é também a interpretação que Bloor apresenta para a origem da resistência
que numerosos cientistas opõem ao programa forte. Reportando-se à análise do fenómeno
religioso em Durkheim, Bloor retoma a distinção entre sagrado e profano: «Coisas sagradas
são as protegidas e isoladas das interdições, profanas as que são atingidas por interdições, e
que devem manter-se longe das primeiras.» (Durkheim, 1912) A tendência para se
considerar a sociologia do conhecimento como uma ameaça para a ciência apresenta
analogias com a crença religiosa: «Quando a sociedade em geral é caracterizada por uma
autoridade e um controlo rígidos, é provável que até na esfera do conhecimento prevaleçam
estas mesmas características, em relação, por exemplo, à fluidez, à liberdade de escolha e à
pluralidade das crenças.» (Bloor, 1976, p. 76) Pode-se
76
assim colocar a hipótese de que «quando reflectimos sobre a natureza do conhecimento, estamos a
reflectir directamente sobre os princípios na base dos quais a sociedade se encontra organizada» (ibid.,
p. 74.)
Os cientistas que refutam a aplicação da sociologia do conhecimento à pesquisa científica enquanto tal
são, na realidade, movidos por interesses ideológicos presentes na nossa cultura. O conflito que opôs
Popper a Kuhn, não obstante a base de pressupostos gerais aceites por ambos, apresenta, segundo Bloor,
analogias com a oposição entre ideologia iluminista e ideologia romântica, a qual caracterizou o
desenvolvimento da modernidade e confirma «a existência de uma identidade estrutural entre dois
estereótipos sociais e políticos e duas posições opostas no âmbito da filosofia da ciência» (ibid., p. 93). O
recurso a uma ou a outra posição é igualmente influenciado por diferentes percepções dos perigos que a
sociedade e o conhecimento possam correr: os que têm uma imagem subjacente de uma sociedade
ameaçada pela desordem e pela crise da autoridade serão também aqueles que mais se mostrarão
contrários a uma crítica do conhecimento em termos sociológicos.
Logo, argumenta Bloor, se não adoptamos, relativamente à natureza do conhecimento, uma
abordagem científica, tal como a proposta pelo «programa forte» da sociologia da ciência, a nossa
compreensão dos processos cognitivos «não será mais do que uma projecção dos nossos interesses
ideológicos» (ibid., p. 113). Paradoxalmente, é a própria natureza social do conhecimento que cria
resistências nos confrontos da sociologia do conhecimento. Bloor prossegue assim a sua análise,
mostrando como até no pensamento matemático se encontra presente a influência dos factores sociais.
A série de estudos efectuados com base no «programa forte» de Bloor e dos outros autores acima
referidos contribuiu, talvez de modo decisivo, para a definição do estatuto da sociologia da ciência e, para
usar a expressão de uma notável estudiosa da epistemologia da ciência, Mary Hesse, para socializar a
epistemologia.
As características de uma epistemologia socializada podem ser resumidas, segundo Hesse, nos
seguintes pontos: a) a possibilidade de desenvolver, relativamente aos sistemas de conhecimento ou de
convicções cognitivas aceites, como no caso da nossa ciência, uma análise interna das correlações entre
dados, teoria e sistemas conceptuais, e uma análise externa da génese dos conceitos e métodos, e
igualmente das finalidades e interesses aos quais o sistema cognitivo responde; b) os «sistemas
cognitivos» compreendem todos os sistemas simbólicos ou «modelos de mundo» que surgem expressos
nos ritos e/ou desenvolvidos com objectivos técnicos ou sociais; c) para a explicação das ciências
naturais encontra-se disponível uma vasta gama de modelos: não existe para elas um único modelo
correcto, mas unicamente modelos mais ou menos úteis e esclarecedores em função dos casos
particulares. Entre eles, podemos distinguir modelos microsociológicos (modelo do actor, modelo da
acção
77
racional, funcionalismo, evolucionismo, estruturalismo), e modelos macrosociológicos
(interaccionismo simbólico, funcionalismo, evolucionismo, estruturalismo); d) existe uma
multiplicidade de epistemologias da ciência possíveis (cf. Hesse, 1987, p. 354).
Com base nas experiências teóricas aqui recordadas, a sociologia da ciência veio a
desenvolver-se sobretudo através da análise empírica das modalidades e das práticas com
base nas quais se constrói o pensamento científico. Em vez de colocar a questão geral da
relação entre ciência e sociedade, prefere-se observar os contextos específicos nos quais a
ciência é produzida, ampliando uma linha de investigação iniciada com Robert Merton
(1949). As características das diversas comunidades de cientistas, as formas de organização
dos laboratórios científicos, as interacções formais e informais intervenientes e a influência
das relações com interesses exteriores à ciência, os processos comunicativos e as formas de
contacto entre cientistas encontram-se aqui submetidos a atentas análises (cf. Latour-
Woolgar, 1979; Knorr Cetina, 1981; Knorr-Cetina-Mulkay, 1983; Gilbert-Mulkay, 1984).
78
III - TEORIAS GERAIS DA RELAÇÃO ENTRE CULTURA E
SOCIEDADE
Neste capítulo examinaremos o modo como as diversas teorias sociológicas interpretaram a complexa
inter-relação existente entre as formas culturais, enquanto produto da actividade de expressão simbólica, e
as estruturas sociais. Nenhum dos modelos teóricos aqui referenciados pode pretender esgotar a total
dimensão do fenómeno cultura; todavia, apresentando, cada um deles, limites mais ou menos alargados,
todos contribuíram para colocar em evidência alguns dos aspectos fundamentais da dinâmica que liga as
mediações simbólicas ao agir social concreto. A preferência por um modelo teórico em detrimento de
outro, mais que do critério da sua maior ou menor abertura perante a complexidade dos problemas
considerados, decorrerá também, provavelmente, da avaliação da sua capacidade para colocar em
evidência aspectos específicos dos processos contingentes que são objecto de estudo.
As elaborações teóricas relativas à sociologia do conhecimento, consideradas no capítulo precedente,
partilham uma concepção geral, ainda que porventura não inteiramente explicitada, do papel da cultura na
sua relação com a acção social: os modelos teóricos analisados neste capítulo confrontam-se directamente
com esse problema. Por outro lado, nas teorias aqui consideradas encontram-se também presentes, como
veremos, aspectos próprios da sociologia do conhecimento: alguns autores como Sorokin, Parsons,
Luhmann, por exemplo, poderiam ter sido incluídos no capítulo precedente, mas preferi integrá-los aqui,
devido à importância que nestes autores assume a análise geral da dimensão cultural, relativamente à qual
as formas do saber se evidenciam como um aspecto particular. De qualquer modo, ter-se-á em conta a
íntima correlação existente entre uma certa concepção da cultura e o papel desempenhado pelas formas de
conhecimento.
Falar do papel que a cultura desempenha no interior da vida social implica necessariamente a
utilização do termo cultura numa acepção bastante ampla, enquanto conjunto das mediações simbólico-
normativas próprias de um dado contexto social, e também como o conjunto das representações, dos
valores,
79
das normas e dos modelos de comportamento, dos rituais e das práticas codificadas
presentes num determinado contexto social, nos termos já indicados no primeiro capítulo.
Como veremos, não é possível considerar a sociologia da cultura como um saber
homogéneo; assim, considerá-la-emos como um conjunto de posições bastante
diversificadas entre si. De um modo geral, todavia, é possível distinguir três tendências
predominantes no que se refere ao modo de encarar o problema da relação cultura-
sociedade: um primeiro conjunto de teorias, cuja influência se fez sobretudo sentir até ao
fim dos anos cinquenta, considera a cultura como um conjunto relativamente autónomo
perante o sistema social e coloca a tónica principalmente sobre as funções que os valores e
as normas culturais exercem na orientação do agir social (v. 1.1; 1.2; 1.3; 1.4 do presente
capítulo); a partir dos anos sessenta, surgiram diversas teorias que realçavam
particularmente o carácter estrutural e a função construtiva dos símbolos expressivos
referentes à realidade social, colocando-se em evidência a íntima correlação entre a
dinâmica das interacções sociais e as formas culturais (v. 2; 3.1; 3.2; 3.3 deste capítulo);
finalmente, nos anos oitenta, veio a afirmar-se a tendência para se considerar a cultura como
um conjunto variado de modos de fazer e proceder e de rituais que se pretende alcançar, nas
diferentes situações, consoante as exigências colocadas pelas diversas estratégias nas
situações sociais concretas (v. 1.5; 3.4; 3.5; 3.6 do presente capítulo).
Na origem das diversas posições assumidas pela teoria nos confrontos com a cultura
podemos distinguir duas afirmações divergentes: por um lado, as teorias que, na esteira de
Marx, das teorias sistémicas e do estruturalismo, conduzem ao domínio das estruturas sobre
o agir individual; por outro lado, as teorias que, seguindo Weber e o interaccionismo
simbólico, consideram a sociedade sobretudo como o resultado do agir dos indivíduos.
Neste último tipo de teorias colocam-se as posições do individualismo metodológico,
desenvolvidas, num primeiro tempo, por alguns estudiosos da economia como Cari Menger
(1840-1921), Ludwig von Mises (1881-1973), Friedrich von Hayek (1899-), e depois
retomadas por Karl Popper (1944), J. W. Watkins (1952), J. Agassi (1960), A. C. Danto
(1962), R. Boudon (1977; 1987), e também os diversos modelos da teoria da rational choice
(Arrow, 1963; Harsanyi, 1969; Elster, 1979; 1983).
Todavia, nos desenvolvimentos mais recentes da teoria da acção tem vindo a afirmar-se, com
Bourdieu, Giddens, Archer, a tendência para considerar tanto as estruturas como o agir do indivíduo
enquanto dimensões interdependentes, não podendo aquelas ou este serem tidos na conta de mais
importantes (v. 3.5.; 3.6; 3.8 deste capítulo).
Do mesmo modo, em sociologia da cultura, se, num primeiro tempo, o debate teórico se apresentava
dividido entre as posições que tendiam a sublinhar particularmente a influência das estruturas sociais
sobre a cultura e as que acentuavam a influência determinante daquela sobre as estruturas, num segundo
80
momento procurou-se, como veremos, superar tal oposição,
considerando a relação cultura-sociedade nos termos de uma interacção
recíproca entre componentes diversas igualmente relevantes.
1. Cultura e sistema social
As teorias que consideram as unidades sociais como sistemas
possuidores de leis próprias, relativamente autónomas no que se refere às
interacções individuais, tendem a sublinhar preferencialmente a função
de integração desenvolvida pela cultura no âmbito da constituição da
ordem social. Tal orientação é sobretudo evidente na teoria sociológica
de Emile Durkheim, e na teoria dita funcionalista desenvolvida por
Talcott Parsons (1902-1979). Uma representação do papel
desempenhado pela cultura em termos menos unívocos caracteriza, pelo
contrário, tal como adiante veremos, a teoria sistémica de Niklas
Luhmann (1927).
1.1. A sociedade como realidade «sui generis» e a função da cultura
Com a intenção de estabelecer um critério científico objectivo de interpretação dos fenómenos sociais,
independente das motivações psicológicas dos indivíduos, Emile Durkheim considera a sociedade como
uma entidade específica possuidora das suas próprias exigências, as quais se impõem aos indivíduos. Para
explicar um facto social é necessária a referência, segundo Durkheim, a outros factos sociais que o
causaram, isto é, às características e às «necessidades gerais do organismo social», e também às funções
que tal facto desempenha em relação com uma determinada função do sistema social enquanto tal. O
termo função usado por Durkheim é de evidente derivação biológica, ou seja, indica uma actividade
necessária para a satisfação de uma necessidade vital do organismo.
A sociedade, enquanto realidade sui generis que prossegue as suas próprias finalidades, é
caracterizada, segundo Durkheim, pela dimensão coerciva, isto é, pelo facto de a sociedade, enquanto tal,
impor aos indivíduos as suas próprias leis e os seus próprios modelos. É nesta base que Durkheim define
o facto social como as «maneiras de agir, pensar e sentir, exteriores ao indivíduo, as quais são dotadas de
um poder de coerção em virtude do qual se impõem a ele» (Durkheim, 1895, p. 5, itálico meu).
A fim de se compreender o papel desempenhado pela cultura na teoria de Durkheim, é importante
notar, em primeiro lugar, que, quando Durkheim fala de sociedade, ele tem sobretudo presente o impacto
que uma determinada cultura exerce sobre os indivíduos: as maneiras de agir, pensar, sentir, não podem
efectivamente ser ditadas senão por modelos culturais constituídos, isto é, pelos modelos de
comportamento, pelas definições dos papéis, pelas orientações de
I
81
valores e pelas normas vigentes no contexto social com base numa tradição cultural
consolidada no tempo.
O carácter objectivo que a sociedade apresenta baseia-se não só nas suas condições
materiais, mas também nos produtos culturais representados pelas formas normativas ou
pelas instituições que determinam a articulação estrutural da organização social, bem como
pelas formas que presidem à configuração do ambiente social (distribuição territorial,
formas de habitação, modos de vestir, etc). Com efeito, estas últimas dimensões surgem em
Durkheim integradas no conceito de maneira de ser colectiva, isto é, verdadeiras
configurações de cristalizações culturais específicas (ibid., p. 11 e segs.). Durkheim afirma,
efectivamente, que o modo como uma sociedade se encontra dividida politicamente, o grau
de fusão entre as diversas partes da sociedade, o tipo de relações domésticas e civis, tendo
embora uma base de natureza física, podem ser compreendidos unicamente a partir da
dimensão normativa do direito público. Do mesmo modo, as tendências da população para
se dispersar pelo território ou se concentrar no contexto urbano são fruto de «uma corrente
de opinião, de um impulso colectivo», que impõem aos indivíduos tal comportamento (ibid.,
p. 13).
A mesma definição que Durkheim avança para consciência colectiva, como «sistema
determinado» formado a partir do conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média
dos membros de uma sociedade (cf. Durkheim, 1893, p. 101), bem como o relevo que
assumem em Durkheim as representações colectivas, enquanto dimensões constitutivas da
vida social (cf. Durkheim, 1897, p. 373), remetem essencialmente para a incidência da
dimensão cultural no processo de construção da realidade social.
Se é efectivamente verdade que, para Durkheim, as formas simbólicas são geradas
socialmente e representam exigências da sociedade, enquanto entidade autónoma, é também
verdade que, quando Durkheim se refere a esta última, pensa, de facto, nas formas culturais
(representação, normas, modelos de comportamento, etc), que a constituem na sua
objectividade relativamente independente. Não é por acaso que o estruturalismo de Lévi-
Strauss se inspirou directamente, como veremos (ver 2 do presente capítulo), no modo como
Durkheim considera as crenças, os mitos, as concepções religiosas, as regras morais,
enquanto realidades em si mesmas.
A importância que efectivamente assume a dimensão cultural relativamente à intenção
de Durkheim de afirmar em bases não psicológicas a análise dos fenómenos sociais, terá
uma influência determinante na tendência de muitas das teorias que se lhe sucederam para
colocarem em segundo plano a dimensão da acção social.
A afirmação de fundo do conceito de sociedade de Durkheim explica também 0o peso da
função de integração que nele é atribuído à cultura. Em polémica com a teoria utilitarista da
natural identidade dos interesses como base das interacções sociais, Durkheim considera os
indivíduos, se entregues a si pró
82
I
prios, como sendo movidos unicamente pela intenção egoísta de satisfazerem os seus ilimitados desejos.
Assim, na ausência de um controlo social, os indivíduos surgem como forças tendencialmente destrutivas
da ordem social: para o implantarem, é necessário que seja a própria sociedade a impor aos seus próprios
membros os valores da solidariedade colectiva e as regras de comportamento adequadas, com vista a
promover a coordenação do agir na base dos interesses comuns. Tais valores e tais regras, que
correspondem às exigências essenciais da convivência pacífica, não têm o seu fundamento na natureza
dos indivíduos, mas na da sociedade. De facto, só a sociedade pode conhecer verdadeiramente as
necessidades que lhe são próprias e só ela pode impor, através da regulamentação moral e jurídica, os
comportamentos que lhe garantem a satisfação daquelas.
A cultura, enquanto conjunto de representações, crenças, valores, normas, possui por isso mesmo a
função de estabelecer a coesão e o consenso sociais, organizando um sistema de controlo, apoiado em
sanções e recompensas, que orientará em todas as situações o agir dos indivíduos, limitando-lhes os
desejos e indicando o objectivo concreto cuja prossecução aqueles devem tentar alcançar. Só assim
poderá ser eliminada a lógica natural da prepotência e superado o antagonismo entre autoridade social e
liberdade individual. Na verdade, esta só poderá efectivamente realizar-se dentro do social, evitando as
componentes autodestrutivas contidas na sua própria e tendencial ausência de limites. Assim, a cultura é
uma dimensão constitutiva da personalidade social dos indivíduos, que se constrói através da
interiorização dos modelos e valores funcionais para a manutenção da ordem social (Durkheim, 1893, p.
231 e segs). Daí o relevo que, para Durkheim, assumem os processos educativos (v. cap. iv, 4).
Nesta perspectiva, os indivíduos «são, de longe, mais um produto da vida comum do que forças de
determinação daquela. Se a cada um deles se retirar tudo o que é devido à acção da sociedade, o resíduo
obtido não só se limita a pouca coisa, como também não apresenta uma grande variedade» (ibid., p. 329).
É interessante notar que se, num primeiro momento, Durkheim parece basear a solidariedade social
nos próprios vínculos funcionais que vêm a estabelecer-se no interior da organização produtiva, ele vai
atribuindo uma importância sucessivamente maior, para a manutenção da coesão social, aos valores
morais e às dimensões de tipo religioso. Na sua primeira grande obra, La divisione dei lavoro sociale
(1893), Durkheim distingue, efectivamente, solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. O
primeiro tipo de solidariedade é aquele eme caracteriza as sociedades pré-industriais, onde ainda não se
tinha afirmado o modelo industrial da divisão do trabalho. A solidariedade mecânica é baseada sobretudo
na consciência colectiva, isto é, no facto de os indivíduos serem homogéneos entre si, na medida em que
partilham valores e regras comuns, consolidados a partir da tradição.
Nas sociedades modernas, caso prevaleça o princípio da divisão do trabalho, a participação em tais
valores comuns deverá tornar-se menos importante,
I
83
enquanto a solidariedade orgânica se baseia precisamente nos vínculos funcionais, que vêm
objectivamente a estabelecer-se entre indivíduos orientados para a realização de um
empreendimento produtivo comum. Com base nesta interpretação, a divisão do trabalho
social surge assim como a fonte de uma estrutura que, não baseando já a solidariedade
sobretudo em formas culturais partilhadas, permite o desenvolvimento do individualismo e
do pluralismo de valores (cf. Durkheim, 1893, p. 80 e segs.)
Como se lê no prefácio da 2.a edição de La divisione dei lavoro sociale, publicada em
1902, Durkheim, tendo observado ao longo dos anos as tensões e os conflitos emergentes na
sociedade industrial, revê parcialmente as suas posições anteriores, insistindo na
importância, também na sociedade moderna, do consenso relativamente aos valores e regras
comuns. O progressivo aumento da divisão do trabalho social, embora fornecendo uma base
real para a constituição de novas formas de solidariedade, só adquire valor na medida em
que se expressa através de novas regras jurídicas e morais, criando, por exemplo, novas
formas institucionais como as corporações profissionais (cf. Durkheim, 1902). Ao contrário
do sociólogo inglês Herbert Spencer (1820-1903), Durkheim defende, efectivamente, a tese
de que a divisão do trabalho social não só faz aumentar como também diminuir o conjunto
das regras jurídicas: se estas mudam de repressivas (baseadas no critério da simples punição
do culpado) para restitutivas (correctas segundo a lógica do restabelecimento do equilíbrio
infringido), a importância da sua função mantém-se inalterada (ibid., p. 232; v. cap. iv, 6).
Assim se confirma a função da cultura enquanto elemento principal da coesão social e,
de facto, as crises presentes na sociedade são interpretadas por Durkheim como um
fenómeno de anomia, ou seja, de carência de valores e de normas culturais adequados à
situação social específica, que se verifica devido a mudanças sociais muito rápidas no tempo
ou a deslocamentos imprevistos de um para outro contexto social, como no caso de
processos de emigração (cf. Durkheim, 1893; 1897).
Uma vez que as situações sociais se encontram em constante mutação torna-se
necessário, para que a ordem social seja mantida, um contínuo ajustamento das formas
culturais às necessidades que, de vez em quando, a sociedade evidencia. Salienta-se
também, no que a este aspecto se refere, a particular função atribuída por Durkheim à
sociologia, enquanto ciência que permite individualizar as «leis naturais do
desenvolvimento social» as quais, uma vez compreendidas, permitirão formular os
princípios morais e jurídicos adequados às efectivas exigências das situações sociais
concretas (Durkheim, 1893, p. 35).
A função integradora da cultura configura esta última essencialmente como princípio de determinação
contra o perigo da emergência da indeterminação decorrente do agir individual (desejos infinitos), ou da
ausência de modelos culturais adequados, em situação de rápida mudança social. Falta em Durkheim uma
ver
84
II
dadeira teoria da génese da cultura, que, como se viu (v. cap. i, 3), não pode ser senão o
produto da acção social. Uma vez que a cultura está sempre relacionada com as exigências
da sociedade enquanto tal, a identificação de facto, anteriormente realçada, entre sociedade e
sistema das mediações simbólico-normativas leva Durkheim a considerar a cultura como um
dado desde sempre adquirido que se impõe aos indivíduos. As consciências individuais só
reflectem uma parte mínima da corrente colectiva e, assim, esta surge sempre considerada
como exterior ao indivíduo, ou seja, como dotada de uma autonomia própria.
O facto de haver concebido a natureza do indivíduo como essencialmente a-social,
enquanto movida por desejos egoístas ilimitados, leva Durkheim a descurar a dimensão que,
no indivíduo, deriva da necessidade de determinação, isto é, da busca de uma confirmação
da própria identidade, que só pode ser obtida através do reconhecimento dos outros. Os
actores sociais não são apenas fonte de indeterminação, mas estão também na origem das
formas de determinação: como anteriormente se mostrou (v. cap. i, 3), os indivíduos são ao
mesmo tempo, potencialmente a-sociais, pela sua capacidade de negação das objectivações,
e potencialmente sociais, devido à sua necessidade de identificação. O facto de não ter tido
em conta este segundo aspecto leva Durkheim a subestimar a componente social presente na
natureza do indivíduo.
Durkheim reconhece que nem toda a consciência colectiva se traduz de formas determinadas, que esta
possuí uma vida colectiva «que está em liberdade», enquanto todo o tipo de correntes colectivas «vão,
vêm, circulam em todas as direcções, entrecruzam-se e misturam-se de mil diversas maneiras e,
precisamente porque se encontram em perpétuo estado de mobilidade, não conseguem dar a si mesmas
uma forma objectiva» (Durkheim, 1897, pp. 355-356), mas já não relaciona este aspecto com as
consciências individuais. Também o conceito de situações de efervescência colectiva, enquanto
momentos excepcionais em que, conjuntamente com as formas mais definidas de ordem quotidiana, se
manifestam forças mais livres, ainda que mais desprovidas de uma certa ordem (Durkheim, 1912, p. 307
e segs.), surge sempre reduzido a correntes colectivas de tipo supra-individual. Assim, também no que se
refere a este aspecto, é sempre a cultura a determinar os actores sociais.
Por conseguinte, torna-se difícil compreender, no contexto da teoria de Durkheim, a origem do desejo
de associação que se encontraria, segundo ele, na base da formação da consciência colectiva e explicaria,
por parte dos actores sociais, a aceitação dos constrangimentos sociais: com efeito, até o desejo de
associação parece em grande parte um produto cultural derivado do processo de socialização (cf.
Durkheim, 1893, p. 21 e segs.).
Na realidade, a escolha inicial, orientada para a exclusão de qualquer elemento psicológico na
explicação dos fenómenos sociais, assinala uma clara limitação da perspectiva de Durkheim e dá razão
ao facto de, nela, a função da cultura ser entendida sobretudo em relação com o problema da integração
do
85
indivíduo no sistema social e com a manutenção da ordem, contra a desordem originária do
próprio indivíduo ou da mudança das condições materiais. A atribuição de um princípio
autónomo de auto-organização na sociedade enquanto tal acaba por transferir para uma
entidade abstracta algumas das características que, de facto, são próprias do agir individual.
A tendencial identificação da sociedade com a cultura impede que se descubra os processos
que se encontram na origem da produção da cultura, a ambivalência da relação entre sentido
e significado ou entre acção e cultura (v. cap. i, 3), bem como a dinâmica que vem a
estabelecer-se entre as formas objectivadas da cultura e a cultura enquanto processo activo
de expressão, com origem na experiência dos indivíduos nas suas relações recíprocas e na
sua relação com as condições materiais.
Os limites da teoria da cultura de Durkheim podem, em grande parte, ser também
encontrados nas confrontações com a teoria sistémica de Talcott Parsons (v. 1.3 do presente
capítulo). Em Parsons, todavia, encontra-se igualmente presente, além da influência de
Durkheim, a influência das teorias funcionalistas desenvolvidas, no campo da antropologia
cultural, por ambos os autores que ora analisamos.
1.2 A «teoria científica da cultura»
No seu livro Teoria scientifica delia cultura (1944), o antropólogo inglês de origem
polaca Bronislaw Malinowski (1884-1942) define a cultura como «o todo integral que
compõe os instrumentos e os bens de consumo, as castas constitutivas dos vários
reagrupamentos sociais, as ideias, artes, crenças e costumes» (Malinowski, 1944, p. 44).
Enquanto «todo coerente», a cultura encontra-se ligada à base biológica do ser humano e
aos problemas que este encontra na sua relação com o ambiente natural. A busca da
satisfação das próprias necessidades naturais passa através da mediação cultural e esta pode
surgir explicada justamente em função de tais exigências. Com efeito, Malinowski define o
conceito de função como a actividade através da qual se obtém a satisfação de uma
necessidade (ibid., p. 46).
A estrutura das necessidades humanas, segundo Malinowski, tem como base última a
exigência da sobrevivência biológica, tanto do indivíduo como da espécie, que encontra
expressão nos imperativos biológicos primários: nutrição, reprodução, higiene, protecção
contra a intempérie, etc. Tais imperativos encontram a sua satisfação através da organização
cultural ou das instituições sociais, as quais, por sua vez, assumem a forma de organismos
com as suas necessidades próprias, que Malinowski define como necessidades derivadas ou
culturais, produzidas pelo ambiente artificialmente construído pelo homem.
Do sistema cultural e social, pelo contrário, nascem os imperativos instrumentais
integradores, ligados às actividades económicas de produção, às acti
^r
vidades sociais de controlo e de formação educativa, às actividades políticas necessárias
para assegurar o funcionamento das instituições, etc.
As formas simbólicas são assim determinadas pelo contexto pragmático, e a sua função
pode ser compreendida quer tendo em conta a estrutura das necessidades naturais, quer a das
necessidades derivadas. Uma vez consolidadas, as regras culturais, segundo Malinowski,
tornam-se tão prementes para o indivíduo quanto os mecanismos de tipo instintivo: «o
afrouxamento da cooperação social ou da precisão simbólica comporta a destruição imediata
ou, a longo prazo, o esgotamento no simples sentido biológico.» (ibid., p. 127.)
Assim, com base em experiências de pesquisa etnológica por si efectuadas entre os
indígenas de algumas ilhas da Melanésia (os Maílu e os Trobriandeses), Malinowski refere
ter podido estabelecer algumas leis universais, cientificamente fundamentadas, sobre o
fenómeno cultura. Esta, com efeito, surge como o resultado do determinismo de factores
objectivos, representados pela estrutura biológica, na sua relação com o ambiente natural, e
pela estrutura social, derivada da primeira.
Relativamente à posição de Malinowski, o antropólogo cultural inglês Alfred Radclíffe-
Brown (1881-1955) atribui uma maior importância ao sistema social como tal. Com efeito, a
sua definição defunção já não surge rigidamente ligada à estrutura da organização social.
Considerando a função como «o contributo de uma actividade parcial para a actividade total
de que é parte», Radcliffe-Brown salienta que todo o elemento particular da realidade social
deverá encontrar a sua explicação no quadro das actividades orientadas para a manutenção
do sistema social, enquanto unidade autónoma (cf. Radcliffe-Brown, 1963, p. 181).
Mais do que o conceito de cultura, Radcliffe-Brown utiliza o conceito de estrutura
social, que compreende tanto as relações sociais como as regras jurídicas, morais e
religiosas próprias de um determinado contexto social.
Assim, também Radcliffe-Brown, que efectuou pesquisas etnológicas entre as
populações primitivas das ilhas Andamane e no Noroeste da Austrália, interpreta
univocamente a cultura como fenómeno dependente de uma base objectiva, representada
neste caso pela estrutura do sistema social.
A crítica que tem sido orientada no sentido de ambas as posições rigidamente funcionalistas dos dois
antropólogos culturais decorre principalmente do facto de eles terem pretendido estabelecer uma relação
de causalidade demasiado estreita entre determinadas condições objectivas e as formas culturais
correspondentes, sem terem em consideração o princípio da equivalência funcional. De facto, com base
neste princípio, evidencia-se que uma mesma necessidade biológica ou um mesmo imperativo do sistema
social poderão encontrar satisfação em formas culturais diversas, enquanto necessidades ou imperativos
sociais diversos poderão encontrar satisfação numamesma forma cultural. A efectiva relação entre formas
culturais e realidade social deverá assim ser considerada,
I 1
87
r
esporadicamente, e nenhuma correspondência rígida poderá ser estabelecida entre ambas as dimensões.
Além disso, a existência de uma forma cultural não comporta necessariamente que ela seja funcional
relativamente a exigências actuais de tipo biológico ou social: há formas culturais do passado que
sobrevivem no presente sem desempenharem a mesma função que originariamente possuíam e, por vezes,
as formas culturais constituídas podem transformar-se num obstáculo ou numa limitação perante
exigências nascidas de novas experiências individuais e colectivas, ou transformações concretas das
novas condições materiais.
1.3 Sistema da cultura e sistema social
Na sua ambiciosa tentativa para desenvolver uma teoria geral da acção social, o sociólogo americano
Talcott Parsons (1902-1979) reformulou, num esquema conceptual mais complexo e articulado, uma
interpretação da função da cultura, que retoma numerosos elementos da teoria de Durkheim e igualmente
do funcionalismo de Malinowski e de Radcliffe-Brown.
Na complexa teoria da cultura de Parsons podemos distinguir três fases: na primeira, Parsons elabora,
na obra La struttura deWazione sociale (1937), um primeiro modelo de teoria da acção, inspirando-se nas
teorias de Durkheim, Max Weber, Vilfredo Pareto e do economista inglês Alfred Marshall. Nesta fase, é
abordado o problema da importância da dimensão cultural no quadro de uma teoria voluntarista da acção
e procede-se a uma primeira definição da cultura.
Na segunda fase, Parsons desenvolve a sua teoria geral da acção social, distinguindo três sistemas: da
personalidade, da cultura, da sociedade. Neste contexto, reportando-se a Freud, Parsons presta particular
atenção ao fenómeno da interiorização dos valores e das regras, elaborando uma teoria da cultura
enquanto sistema coerente de valores, normas e símbolos de comunicação, analiticamente distinto quer do
âmbito social, quer do da personalidade. Nesta fase, o conceito de sistema é decalcado particularmente de
modelos da teoria do fisiologista L. J. Henderson (1935) e do biólogo Alfred Emerson (1956), da teoria
da homeostase de W B. Cannon (1932) e da teoria cibernética de Norbert Wiener (cf. Parsons, 1977, p. 27
e segs.). É neste mesmo período que Parsons elabora a teoria dos quatro imperativos funcionais de cada
sistema de acção, e também a tipologia das variáveis dos modelos de orientação do agir. No interior de tal
construção teórica vem sempre a acentuar-se, cada vez mais, a função de integração atribuída à cultura.
Na terceira e última fase da sua vida, Parsons analisa, numa perspectiva de tipo evolucionista, as
transformações ocorridas nas modernas sociedades desenvolvidas, sublinhando que estas são
caracterizadas pelo fenómeno da crescente diferenciação dos âmbitos de significado. Neste contexto, ele
aprofunda
F
a dinâmica de intercâmbio entre os três sistemas acima referidos, interpretando a cultura
sobretudo como um código, em analogia com o conceito utilizado na biologia genética e
também na perspectiva dos novos desenvolvimentos da linguística e da semântica, com
particular incidência relativamente à teoria dagramática generativa de Noam Chomsky
(1928).
Consideraríamos agora, em particular, as diversas problemáticas relativas à cultura,
abordadas em cada uma das diferentes fases acima indicadas.
Na Strutura deli'azione sociale, Parsons propõe-se desenvolver uma teoria da acção social
que seja equidistante não só do determinismo positivista dos condicionamentos hereditários
e ambientais, como também do subjectivismo de tipo idealista: ele define a sua teoria como
voluntarista, no sentido em que ela reconhece ao actor social uma relativa autonomia,
embora não subestimando a incidência dos condicionalismos materiais, culturais e sociais
que delimitam as possibilidades de escolha na situação concreta na qual a acção ocorre. São
quatro, para Parsons, os elementos que compõem a unidade de acção: 1) o sujeito ou actor
social; 2) o fim da acção, isto é, a situação futura para a qual é orientado o agir; c) a situação
presente, com os seus particulares condicionamentos naturais e sociais; 4) uma determinada
forma de relação entre os elementos precedentes, ou seja, aorientação normativa, enquanto
factor independente selectivo, «o conhecimento necessário para a compreensão do
andamento da acção» (Parsons, 1937, p. 67). Como se vê, quer no carácter determinante que
assume o fim da acção quer na orientação normativa, a dimensão cultural encontra-se bem
presente desde o início na definição parsoniana do agir social. Com efeito, Parsons
desenvolve uma crítica à racionalidade instrumental própria das teorias utilitaristas que se
encontram na base da economia, desde que tais teorias não tenham suficientemente em
conta uma série de elementos culturais e psicológicos presentes na acção e que ele, por seu
lado, pretende incluir no seu esquema conceptual. A racionalidade à qual fazem referência
as teorias utilitaristas é decalcada do modelo da racionalidade científica, enquanto
conhecimento da situação empiricamente verificável: essa revela-se assim excessivamente
redutora, porque não deixa alternativa à escolha de outras orientações culturais, de tipo ético
ou hedonístico, as quais, não sendo correspondentes ao modelo científico, tendem a ser
consideradas pelo utilitarismo como derivadas de dimensões não voluntárias do agir.
Se a orientação positivista do utilitarismo acaba com a subestimação da dimensão criativa ou
voluntarista da acção, negligenciando os valores e as ordens normativas diversos dos da racionalidade
instrumental, o idealismo tende a eliminar a realidade dos obstáculos que se colocam à realização dos
valores, identificando a realidade com as ideias. Criticando Durkheim, Parsons observa que o sociólogo
francês tende a considerar como finalidade da sociologia a de «estudar os sistemas das ideias de valor
em. si mesmos», enquanto Parsons pretende estudar tais sistemas «nas suas relações com a acção» (ibid.,
p. 553).
I
89
Parsons reconhece a Pareto (v. cap. n, 4) o mérito de haver realçado a importância fundamental dos
elementos de valor, ligados a sentimentos ou ainda a «valores-últimos», ou seja, a ideais de tipo ético ou
religioso, e também de haver ultrapassado o «atomismo individualista» próprio do utilitarismo,
mostrando que os actores sociais partilham valores e fins comuns (cf. Parsons, 1937, p. 569). Tanto
Durkheim como Pareto, embora seguindo diferentes percursos, colocaram em evidência que os fins
concretos da acção não podem ser identificados com «as necessidades causais do utilitarismo», mas
surgem associados a cadeias complexas de relações meios-fins «que culminam em sistemas individuais
de fins últimos, relativamente integrados, cada um dos quais, por sua vez, se encontra, numa medida
relativa, integrado num sistema comum» (ibid., pp. 575-576).
Também em Weber encontra Parsons a presença de uma teoria do papel desempenhado por elementos
de valor «na forma de uma combinação de interesses religiosos, a saber, de atitudes, de valores, na sua
relação com um sistema de ideias metafísicas». Na verdade, em Weber «os elementos de valor exercem a
sua influência em complexos processos de interacção com os outros elementos de um sistema de acção»
(ibid., p. 877).
O realce dado por Parsons à convergência entre os três autores por ele considerados revela que, nesta
primeira fase, se encontra já presente no sociólogo americano a tendência para conceber a cultura como
um sistema complexo e relativamente coerente dos significados, normas e valores que orientam a acção
social, e para considerar esta, por seu turno, como um sistema composto por elementos diversos. Com
efeito, Parsons conclui a sua análise definindo a sociologia como «a ciência que se propõe desenvolver
uma teoria analítica dos sistemas da acção social, com base na aceitação de que estes sistemas possam ser
compreendidos em termos da integração dos valores comuns» (ibid., p. 943, itálico meu).
A segunda fase do pensamento de Parsons orienta-se sobretudo no sentido do desenvolvimento de
uma teoria geral da acção, na qual os diversos elementos individualizados na sua primeira obra encontrem
uma adequada articulação. Nessa fase, tende a dar um maior relevo ao conceito de sistema, enquanto
conjunto integrado e relativamente coerente de relações de interdependência entre factores diversos. A
dinâmica do sistema fundamenta-se no princípio da manutenção do próprio equilíbrio, quer na relação
com o ambiente exterior (ambiente natural, outros sistemas), quer na relação com as forças que actuam no
seu interior. O sistema, como tal, apresenta fronteiras delimitáveis e tem as suas próprias exigências,
diversas das que são próprias das partes que o compõem, às quais correspondem as actividades orientadas
para a sua satisfação, ou seja as funções. Neste contexto, Parsons sublinha as divergências entre as
orientações do actor e os objectos, físicos, culturais e sociais para os quais ele se orienta: enquanto os
objectos físicos são sempre meios, os objectos culturais e sociais tanto podem ser meios como fins (cf.
Alexander, 1983, p. 51).
90
I No texto Verso una teoria generale deli'azione (1951), Parsons distingue três diferentes
âmbitos analíticos: o sistema da personalidade, o sistema da cultura, o sistema social. Cada
um destes sistemas articula-se em torno de um particular ponto de vista, ofocus analítico: o
sistema da personalidade, objecto de estudo dapsicologia, considera o actor social como um
sistema que, por sua vez, tem várias necessidades a satisfazer, mas que ao mesmo tempo se
encontra ainda disposto a fornecer determinadas prestações (conceito de needs-dispo-
sitions); o sistema da cultura, objecto de análise da antropologia cultural, apresenta-se, pelo
contrário, como conjunto relativamente coerente e autónomo de símbolos, regulados
normativamente e partilhados intersubjectivamente (crenças, representações, modelos de
comportamento, valores, regras, normas, etc); o sistema social, objecto de análise da
sociologia, surge finalmente como a organização das interacções sociais, que recorre a
elementos dos sistemas da personalidade e da cultura para a resolução dos seus próprios
problemas funcionais.
Nestes três sistemas distingue Parsons três diferentes níveis: as expectativas pessoais
podem ser de tipo cognitivo, orientadas para a gratificação e para a estima; as orientações
culturais podem ser de tipo cognitivo, apreciativo (appreciative) e referentes a valores; a
acção social pode ser instrumental, expressiva e moral. Como se vê, em todos estes níveis a
referência a modalidades culturais assume um relevo constitutivo.
As relações entre os três sistemas são reguladas pela possibilidade de alcançar uma
correspondência entre necessidades pessoais, temas culturais e estruturas sistémicas
institucionais. O sistema da personalidade estabelece com o sistema social uma relação
baseada na busca de satisfação de determinadas necessidades e na disponibilidade para levar
à prática determinados comportamentos requeridos pelo sistema social. Do ponto de vista do
sistema social, o momento em que o sistema da personalidade e o sistema da cultura se
encontram é representado pelo conceito de papel. Com efeito, o sistema social, para
sobreviver e conservar a ordem que lhe é própria, necessita de que os actores sociais ajam
de modo funcional com vista à sua manutenção e, por conseguinte, o seu agir deve ser
orientado com base em modelos que são fornecidos por agentes da cultura. O papel é,
exactamente, um conjunto de modelos de comportamento (por exemplo, o papel de pai, de
funcionário administrativo, de agente da polícia, de médico, de operário, etc.) que surge
articulado por forma a satisfazer funções específicas no interior do sistema social enquanto
tal. 0 sistema cultural define as expectativas de papel (role-expectations), que os actores
levam à prática nas suas relações recíprocas, com base em orientações gerais de valor.
Coloca-se aqui em evidência uma analogia com a afirmação feita por Durkheim para o problema da
sociedade: o problema principal, igualmente presente em Parsons, é o da manutenção da ordem do
sistema social, através de
91
uma acção concertada baseada em objectivos colectivos partilhados, que, uma vez
institucionalizados, constituem os fundamentos da solidariedade social. O sistema da
personalidade, do ponto de vista do sistema social, surge essencialmente como uma fonte de
energia inesgotável (o agir), que deve ser orientada da cultura para a prossecução dos
objectivos próprios do mesmo sistema: assim, a cultura assume, sobretudo, uma função de
integração.
No texto II sistema sociale (1951), que estabelece os fundamentos da teoria estrutural-
funcionalista de Parsons, a cultura vem efectivamente definida como «um sistema modelado
(patterned) e ordenado de símbolos que são objecto das orientações da acção, componentes
interiorizados da personalidade dos actores individuais e modelos institucionalizados dos
sistemas sociais» (Parsons, 1951b, p. 327). Os elementos culturais que compõem a ordem
modelada actuam como mediadores e reguladores, nos processos de interacção social, da
comunicação, constituindo a base da reciprocidade das expectativas: a cultura «fornece os
standards das orientações selectivas e da ordem» (ibid.). O conceito de interiorização dos
valores é retomado por Parsons directamente da teoria do Super Ego de Freud: o mesmo
Parsons observa que, sob este aspecto, existem igualmente pontos de contacto com
Durkheim, em particular no que se refere ao problema do controlo social através da
autoridade moral (cf. Parsons, 1977, p. 37).
O facto de haver concebido a cultura como um sistema que por sua vez se articula em
subsistemas de crenças, formas expressivas e orientações de valor, sublinha o carácter
relativamente autónomo da cultura, que procede segundo uma lógica interna e uma
coerência semântica próprias: com efeito, ela possui um sistema de ordem não directamente
reconduzível às motivações e orientações dos actores sociais e, assim, o conjunto das
normas e símbolos de comunicação pode ser mantido analiticamente distinto, tanto no
âmbito social como no psicológico (cf. Schmid, 1992, p. 92).
Falta então a possibilidade de desenvolver, na teoria parsoniana, uma análise da génese
da cultura, ou seja, dos processos através dos quais vêm a formar-se as determinações dos
significados e das orientações normativas. Embora Parsons afirme inicialmente que a cultura
é, por um lado, o produto da interacção social e, por outro, um dos factores que determinam
esta última (cf. Parsons, 1951b), ele tende sucessivamente a considerar de modo exclusivo o
impacto que a cultura já constituída exerce sobre o agir dos actores individuais para os
controlar e uniformizar perante os imperativos funcionais do sistema.
Com efeito, o papel essencialmente integrador da cultura é também evidenciado pelo modelo
conceptual usado por Parsons para definir tais imperativos. A partir do pressuposto de que um sistema
pode ser analisado tanto do ponto de vista da sua relação com o exterior, como do das exigências que
nascem da sua organização interna, ou do ponto de vista dos meios disponíveis, ou ainda do dos
objectivos almejados, Parsons distingue quatro imperativos oupré-requisi-
92
tos funcionais para cada um dos sistemas de acção: adaptação, que se refere ao conjunto das
relações entre o sistema e o ambiente exterior; realização dos objectivos, relativo à
exigência de selecção dos fins que o sistema pretende atingir; manutenção dos modelos
latentes, no que se refere à função que garante os valores, os significados e as motivações
necessárias para orientar a acção com vista a serem alcançados os objectivos do sistema,
através da institucionalização de normas, modelos de comportamento, papéis, e também
recorrendo aos mecanismos de socialização dos actores interessados em promover a
interiorização de tais normas e modelos. O termo latente é adequado para significar o facto
de, uma vez interiorizados, os valores se revelarem por si mesmos, operando geralmente de
modo não manifesto na interacção social. Por último, o quarto imperativo funcional é o da
integração e reporta-se à função orientada para equilibrar, nas suas relações recíprocas, os
diversos elementos em presença no sistema e nos subsistemas, harmonizando-os de modo a
que não possam perturbara unidade do próprio sistema (cf. Parsons-Bales-Shils, Í953).
Relativamente aos quatro imperativos funcionais assim definidos, a função da cultura
surge especificamente ligada à necessidade de fornecer os modelos latentes de orientação do
agir, mas ela entra também, obviamente, como factor de mediação nos processos de
adaptação (p.e., técnicas produtivas), nos processos de definição dos objectivos (p.e., metas
ideais) e nas funções de integração (p.e., sistemas jurídicos de controlo).
Uma ulterior exemplificação da função de orientação cultural é facultada por Parsons
com a tipologia das alternativas próprias das variáveis dos modelos (pattern variables),
enquanto possibilidade de escolha entre as seguintes referências: orientação para si
próprio/para a colectividade, conforme prevaleçam considerações de interesse pessoal ou
de responsabilidade social; universalidadelparticularismo, se prevalecem critérios de
valorização de carácter geral ou de carácter particular; realização/atribuição, se
prevalecerem valores de utilidade ou considerações de qualidade; afectividade/neutralidade,
conforme prevaleçam dimensões que impliquem componentes emotivas ou dimensões
puramente formais; especificidade/ /difusão, se se tomam em conta prestações específicas
ou o conjunto das qualidades de uma pessoa (cf. Parsons, 1951a, p. 77; 1960).
Na terceira e última fase do desenvolvimento da sua teoria, Parsons examinou sobretudo a dinâmica
das relações de permuta entre os diversos sistemas e subsistemas e os processos de diferenciação no
interior do sistema social. Em particular, Parsons faz uma distinção entre a esfera dos valores, enquanto
pertencente, no sentido próprio, à função de manutenção dos modelos, e o âmbito do sistema cultural,
enquanto conjunto dos modelos de significado presentes em cada sociedade. No que se refere ao sistema
social, a função de manutenção dos modelos refere-se, efectivamente, aos valores que se tornam parte dos
comportamentos empíricos, enquanto os outros modelos são parte do sistema cultural como tal (cf.
Alexander, 1983, p. 79).
1
¦
93
r
Nesta fase, Parsons, influenciado, por um lado, pela biologia genética e, por outro, pelos
recentes desenvolvimentos da linguística e da semântica e, em particular, pela teoria
dagramática generativa de Noam Chomsky (1957), integra o seu conceito de cultura com o
de código. As formas da interacção social e das trocas intersistémicas podem assim ser
consideradas em analogia com os processos que se desenvolvem através de códigos de tipo
linguístico ou genético, de modo a estabelecerem uma linha unitária de interpretação entre
as ciências evolutivas de tipo biológico, as teorias da linguagem e as ciências que estudam a
sociedade. O aspecto comum entre o código genético, por um lado, e os códigos linguísticos
e outros aspectos da cultura humana, por outro, é que «eles podem funcionar como
mecanismos cibernéticos que, devido a certos aspectos fundamentais, controlam os
processos vitais» (Parsons, 1977, p. 113). A posição de centralidade assumida pela
linguagem, enquanto meio simbólico de troca mais diferenciado e especializado, faz do
código linguístico o modelo conceptual de base das análises dos processos dos sistemas
sociais (cf. ibid., p. 202). As possibilidades contidas nesta nova e complexa teorização da
função da cultura foram sobretudo desenvolvidas, como adiante veremos, por Niklas
Luhmann, na sua teoria dos meios de comunicação (v. 1. 5 do presente capítulo).
Entre as críticas referentes ao conceito de cultura de Parsons, as mais pertinentes
reportam-se à insuficiente precisão terminológica e ao facto de este autor ter acentuado
particularmente os valores e as definições das metas a alcançar, atribuindo à cultura,
sobretudo, uma função de integração social. Michael Schmid censurou Parsons por ter
identificado a cultura exclusivamente com os valores e modelos de comportamento,
confundindo os valores com as normas e os significados com os valores. Segundo Schmid, a
cultura integra tudo aquilo que é simbolicamente acessível aos actores sociais, e os valores
não esgotam o conjunto dos significados culturalmente codificados. Se o conceito de valor
remete para «um estado de coisas desejado», o de norma reporta-se aos pedidos do sistema
social ou às expectativas de papel: confundindo ambos os conceitos, Parsons tende a pensar
que um certo estado de coisas é desejado se for definido por expectativas normativas, ou que
a formação de uma norma corresponde a um estado de coisas desejado, enquanto ambos os
conceitos se referem a fenómenos que poderão ser totalmente independentes entre si
(Schmid, 1992, P- 97).
A identificação entre cultura e valores orientadores foi igualmente criticada pela socióloga americana
Ann Swidler, a qual afirma que as metas que os actores dizem, em abstracto, pretender atingir, são de
escassa ajuda para a explicação da sua acção concreta (cf. Swidler, 1986). Referindo-se aos resultados de
algumas pesquisas sobre «cultura da pobreza», ou dos seus modelos culturais prevalecentes nas áreas
sociais economicamente mais desfavorecidas e marginais, Swidler mostra que, enquanto os valores de
vida ambicionados (valores da educação, da segurança económica, do bem-estar, da amizade, etc.) podem
ser
94
comuns aos diferentes estratos sociais, os comportamentos efectivos podem ser profundamente diversos,
em conformidade com os modos segundo os quais a cultura organiza o agir nos vários contextos sociais.
Sob este aspecto, a cultura surge mais como um conjunto de estilos de vida e de hábitos do que como um
conjunto de preferências ou de aspirações (ibid., p. 275; v. também 3.6 deste capítulo).
As limitações que encontramos nestas críticas devem-se, como já anteriormente acentuei, à tendência
de Parsons para pensar a cultura como um todo harmónico funcional relativamente aos imperativos do
sistema social, subvalorizando o momento genético da cultura: enquanto os valores podem encontrar
expressão num âmbito existencial mais amplo e podem também entrar em confronto com a ordem
constituída, as regras são, geralmente, produto de condicionamentos de tipo social. Considerando a
cultura como um sistema coerente, Parsons tende a pensar que a ordem social virá directamente a formar-
se sempre que os valores simbólicos forem formulados de maneira harmónica e forem interiorizados
pelos actores sociais. Observa-se, pelo contrário, que a integração pode ser simplesmente o produto do
controlo do sistema de poder e, portanto, que ela se pode realizar em situações nas quais não existe
homogeneidade dos valores, assim como podem existir relações sociais não conflituais também quando
os actores sociais se reportam a diferentes orientações culturais, até mesmo, por vezes, opostas entre si.
Tal como foi também realçado por outros autores (cf. Luhmann, 1971; B auman, 1973), é um erro
identificar a unidade do código simbólico com a presença de facto de uma ordem social: uma dada cultura
pode compreender elementos contraditórios ou dar lugar a interpretações diferenciadas por parte dos
membros de uma sociedade e, por conseguinte, o problema da relação entre cultura e integração do
sistema social é bastante mais complexo do que Parsons parece ter pensado. Se se tiver em conta a
distinção entre sistema cultural e sistema social, é possível combinar a dicotomia coerência!incoerência
lógica do sistema cultural com a dicotomia integração!não-integração do sistema social, mostrando como
podem ocorrer situações nas quais à incoerência lógica corresponde uma situação de facto de integração
e, vice-versa, à coerência lógica no plano cultural pode corresponder uma situação de não-integração no
plano social, e assim sucessivamente (cf. Schmid, 1992, p. 98 e segs.).
O modo mais correcto de considerar a cultura parece ser o de a encarar como um conjunto de
possibilidades ou de recursos, derivados da experiência individual e colectiva, que, caso a caso, são
actualizadas em diferentes formas pelo agir concreto, e que são verificadas nas situações particulares, sem
que se possa estabelecer princípios gerais sobre a efectiva utilização de tais possibilidades.
Em Parsons, como em Durkheim, a tendência para considerar a acção como uma energia
indiferenciada, que deve ser canalizada num sentido funcional
I
95
para o sistema social, impede a compreensão das tensões presentes na relação acção-
cultura, que anteriormente procurei colocar em evidência (v, cap. i, 3 e 4). O erro de
fundo desta posição consiste em pensar os actores sociais, univocamente, como
constitutivamente movidos de modo exclusivo por pulsões tendencialmente a-sociais, e
não, igualmente, pela exigência original, orientada em sentido social, para encontrar
uma confirmação no reconhecimento dos outros, através da identificação com as
formas determinadas de significado culturalmente elaboradas. A ambivalência entre a
exigência de identificação e a danegação das formas de objectivação (v. cap. i, 3)
permite reconhecer melhor a complexidade da relação entre acção social e cultura,
compreendendo os processos de produção da cultura e não só os da influência da
cultura sobre a acção.
1.4 Cultura e dinâmica social
I A tendência para conceber a cultura como um conjunto integrado também se encontra presente na
complexa teoria dos três tipos fundamentais de super-sistemas culturais, elaborada por Pitirim Sorokin
(1889-1968), um sociólogo de origem russa que ensinou durante muitos anos nos Estados Unidos.
Sorokin distingue entre as ciências/foiças, que estudam o mundo inorgânico, as ciências biológicas,
que estudam o mundo orgânico, e as ciências sociais, que estudam o mundo super-orgânico. A este último
pertencem os fenómenos sócio-culturais, ou seja, aqueles fenómenos que são caracterizados pela
interacção significativa (cf. Sorokin, 1947, p. 3 e segs.).
Alguns anos antes de Parsons, também Sorokin considera a personalidade, a cultura e a sociedade
como as três componentes essenciais da realidade sócio-cultural: a sociedade é o conjunto das relações
entre os sujeitos sociais; a cultura é o conjunto dos significados (valores e normas) e dos veículos
(objectos materiais nos quais os significados vêm objectivados e simbolicamente transmitidos, como, por
exemplo, o dinheiro); a personalidade remete para os indivíduos ou os grupos que criam, utilizam e
comunicam significados através dos veículos.
Os fenómenos culturais podem apresentar-se como integrados, quando os significados, os valores e as
normas se mostram logicamente ou esteticamente coerentes entre si; como contraditórios, quando são
logicamente ou esteticamente incoerentes; não-integrados ou neutros, quando não apresentam nenhuma
relação entre os diversos elementos.
Sorokin mostra-se especialmente interessado em evidenciar a dinâmica das transformações históricas
dos sistemas sócio-culturais, com base na tipologia de três grandes superssistemas culturais presentes na
história humana: oideacional, o sensualista, o idealista. Cada um destes superssistemas é caracterizado
por valores específicos e por particulares formas de conhecimento.
96
O super-sistema ideacional é caracterizado por uma concepção da realidade que se
reporta essencialmente a dimensões de tipo transcendente e eterno, nas quais as exigências
existenciais são sobretudo de ordem espiritual. Por sua vez, nesse super-sistema, no qual
prevalecem as formas do saber ligadas à religião e à fé, podemos distinguir o ascético,
quando o mundo exterior é declarado ilusório, como em certas formas da espiritualidade
oriental (hinduísmo bramânico, budismo, tauismo, etc.) e o activo, quando os valores
espirituais surgem inseridos no mundo, a fim de o transformar (por exemplo, o cristianismo
da época de Constantino).
No super-sistema sensualista, pelo contrário, a realidade sensível assume uma dimensão predominante,
e a relação homem-mundo é concebida em termos instrumentais, ou seja, ditados pelo problema
decorrente de se fazer corresponder os recursos naturais às necessidades do homem. Tal super-sistema, no
qual dominam as formas de saber ligadas à ciência e ao mundo dos sentidos, pode ser activo, quando
prevalecem os valores de transformação e de eficiência (cultura ocidental moderna), oupassivo, quando a
inserção no mundo se encontra orientada para a simples fruição dos recursos naturais sem vontade de os
transformar (culturas «primitivas»), ou cínico, quando ideais elevados são utilizados instrumentalmente a
fim de se obter resultados materiais (culturas de tipo «ideológico»).
No super-sistema idealista estão incluídos vários sistemas mistos, isto é, caracterizados pela mistura
dos dois primeiros tipos, nos quais se verifica um equilíbrio entre elementos de tipo sensível e elementos
de tipo transcendental. Neste caso, são consideradas finalidades de bem-estar material em simultâneo
com finalidades de tipo espiritual (p.e., confucianismo, civilização egípcia) (ibid., p. 55 e segs.).
Esta complexa tipologia permite a Sorokin desenvolver uma teoria dinâmica da cultura na sua relação
com a sociedade, teoria que ele também procurará verificar empiricamente através de vários métodos,
tanto qualitativos como quantitativos. Efectivamente, ele observa que cada super-sistema cultural tende,
uma vez formado, a desenvolver-se e transformar-se até ao próprio esgotamento (ibid., p. 537 e segs.).
Nas diversas épocas históricas, os três super-sistemas surgem de modo recorrente, numa sucessão não
obrigatória que vê a fase ideacional substituída pela fase idealista e depois pela sensualista, para depois
regressar à ideacional, segundo um ciclo que se repetirá sucessivamente. Porque nenhum dos três super-
sistemas pode esgotar a total complexidade da realidade, cada um deles somente evidencia alguns dos
aspectos daquela. Por esta razão cada super-sistema é, de vez em quando, substituído por outro tipo de
super-sistema. Com efeito, segundo Sorokin, as causas da mudança devem-se em parte a causas
exteriores ao sistema cultural (mudanças ambientais, histórico-sociais) e em parte internas a este, no
sentido de que as causas exteriores provocam mudanças quando o super-sistema cultural, devido ao
efeito das suas transformações
97
r
internas, se torna capaz de recebê-las. Existe assim uma relativa autonomia dos sistemas culturais
relativamente à mudança, a qual é produto de complexas inter-relaçoes entre dimensões culturais e
realidade social e natural.
Criticando o conceito do progresso histórico unilinear, Sorokin realça a existência de um limite para
as possibilidades de mudança, do qual deriva a ideia de uma variação de modelos culturais
historicamente recorrentes que caracteriza a sua teoria dinâmica.
Sorokin deu um contributo para a sociologia do conhecimento ao mostrar que as categorias
cognitivas não são só categorias mentais, mas também categorias socio-culturais influenciadas pela vida
colectiva e que mudam com o mudar das condições histórico-sociais (cf. Maquet, 1949); mas a sua
teoria contribuiu sobretudo para a análise dos processos de transformação cultural. O mérito de Sorokin
está indubitavelmente em mostrar a variedade das inter-relações que VCÍH 3 CSfa&C/eCer-Se entre âS
diversas componentes sociais e entre os diferentes sistemas e subsistemas culturais, em particular,
estudando também as relações entre mobilidade social e processos de difusão da cultura. Todavia, o
quadro sistémico e histórico por ele adoptado parece hoje demasiado amplo e genérico, e com uma
excessiva influência de elementos valorativos, por forma a consentir um aprofundamento pontual da
natureza dos processos culturais.
1.5 A cultura como redução de complexidade 1
Retomando muitos elementos da teoria de Talcott Parsons, embora traduzidos no interior de um
esquema conceptual totalmente original, o sociólogo alemão Niklas Luhmann (1927-) considera a
cultura como um dos elementos da função geral de redução de complexidade que é própria de todos os
sistemas.
Na sua crítica a Parsons, Luhmann observa que a teoria estrutural-funcionalista atribuía ao sistema
características e estruturas estáveis, das quais ulteriormente vinham deduzidas, segundo um esquema
causal unilinear, as funções necessárias para a conservação do próprio sistema. I Na referência aos modelos sistémicos desenvolvidos pela teoria geral dos sistemas (Bertalanffy,
1968; Rapoport, 1976), pela cibernética (Wiener, 1948; Ashby, 1952; 1956), pela teoria da informação
(Goldman, 1953; Shannon- -Weaver, 1949), pela teoria dos jogos e das decisões (von Neumann-
Morgenstern, 1947; Simon, 1957; 1969; 1976), pela teoria da pragmática da comunicação humana
(Bateson, 1972; Watzlawick, 1967), e pela teoria autopoiética dos sistemas (von Foester-Zopf, 1962;
von Foester, 1981;Maturana-Varela 1980; 1985), Luhmann recorre ao conceito de tipo matemático de
função, como relação de interdependência entre diversas variáveis. Com base em tal conceito e já não
recorrendo ao esquema unilinear causa-efeito, as relações que vêm a estabelecer-se entre as diversas
componentes de um sistema podem ser consideradas na circularidade das suas relações recíprocas:
cada elemento condiciona os outros
98
^r
l
elementos e, por seu turno, é por eles condicionado, sem que se possa entre eles estabelecer
uma hierarquia.
Neste contexto, o sistema não surge pensado como uma unidade já dada objectivamente,
mas antes como o resultado selectivo das operações colocadas em acto pelo observador, a
partir dos seus interesses cognitivos e dos seus pressupostos teóricos. Na ausência de
fundamentos absolutos do saber, cada esquema interpretativo da realidade surge como um
puro instrumento operativo, capaz de reduzir a complexidade da própria realidade, sendo a
validade de tal instrumento medida pela sua capacidade de fornecer um melhor controlo
prático dos mutáveis fenómenos que são objecto de análise. A crise dos fundamentos
tradicionais de verdade (condições transcendentais do conhecimento, mundo natural da vida,
certeza moral, senso comum, a priori da comunicação linguística, etc.) mostra que a ciência
«pode aprender simplesmente dentro de contextos que ela mesma garante» (Luhmann, 1983,
xxxvi). Toda a forma de saber apresenta assim, necessariamente, uma dimensão deauto-
referencialidade, a partir do momento em que determina os critérios com base nos quais os
próprios levantamentos são considerados correctos. Além disso, e tendo em conta que o
saber procede através de formas relativamente arbitrárias de selecção dos aspectos
relevantes da complexidade do real, toda a teoria pode ser considerada como parte
constitutiva do seu objecto de estudo e, como tal, por sua vez é susceptível de se tornar, ela
própria, objecto de auto-reflexão (cf. Luhmann, 1984, p. 727 e segs.)
Os pressupostos epistemológicos da teoria de Luhmann comportam então uma verdadeira
e particular teoria de sociologia do conhecimento, enquanto a relatividade dos critérios
selectivos que presidem ao saber surge desde o início ligada a esferas de interesse histórica e
socialmente condicionadas. Por outro lado, o reconhecimento do carácter constitutivo, que a
teoria possui relativamente ao objecto submetido a estudo, qualifica a teoria como um
elemento activo que influencia a realidade estudada: a sociologia, por exemplo, surge
considerada por Luhmann como um factor que contribuiu para transformar, na época
contemporânea, a nossa relação com a sociedade, aumentando a complexidade desta (cf.
Luhmann, 1970, p. 101; 1980, p. 56 e segs.).
A partir do momento em que o sistema já não pode ser pensado como uma coisa que se antecipa ao
conhecimento, mas antes como o resultado da função de redução de complexidade que caracteriza toda a
actividade cognitiva, para Luhmann a afirmação de que "existem sistemas" significa tão somente que
«existem objectos de investigação que apresentam características tais que justificam ouso do conceito de
sistema» (Luhmann, 1984, p. 66). Neste contexto, Luhmann inverte o esquema de Parsons, no qual a
função era deduzida a partir da estrutura do sistema, considerando a estrutura como o resultado da função
de redução de complexidade: a teoria, de estrutural-funcionalista, transforma-se assim em teoria
funcional-estruturalista.
I
I I
99
O sistema surge definido a partir da diferença sistema/ambiente: aquilo qw se encontra fora
do sistema pode ser entendido como mundo, isto é, como c conjunto das possibilidades
indetermináveis, de uma complexidade ilimitada e como ambiente, ou seja, como o conjunto
de possibilidades determinável: presente numa situação concreta. O sistema, sendo
composto por elementos < operações, apresenta-se como uma unidade que pode ser distinta
do ambiente porquanto ela é resultado de uma selecção das possibilidades determinávei:
nele contidas. A diferenciação relativamente ao ambiente vem, assim, a existi unicamente
mediante auto-referência do sistema a si próprio, ou seja, na medid; em que o sistema é
capaz de produzir e utilizar uma descrição de si mesm( como unidade (ibid., p. 73). Para dar
um exemplo, o indivíduo pode considerar -se a si mesmo como um sistema, uma vez que
pode representar-se a si mesnu como unidade que se distingue da sociedade em que vive e
que, para ele, cons titui o ambiente. Por sua vez, a sociedade pode considerar-se a si mesma
com< unidade, na medida em que se distingue dos outros sistemas sociais ou do indivíduos
que a compõem, e que, neste caso, constituem o seu ambiente.
Assim, o sistema pode ser entendido como uma realidade mais ou meno complexa, em
relação tanto com o exterior como com os seus elementos inter nos, e que se estrutura
graças à redução da complexidade do ambiente. Enquan to os acontecimentos e os processos
internos ao sistema são relevantes par, este, dando origem a acções correlacionadas com
outras, os acontecimentos i os processos do ambiente «podem passar despercebidos» (ibid.,
p. 312): o siste ma encontra a sua auto-regulação e, assim, a sua autonomia, exactamente
partir da indiferença perante o ambiente. A capacidade do sistema para se tor nar imune
àquilo que se lhe apresente como ambiente configura a evolução di sistema não como
melhor adaptação ao ambiente, mas antes como process< permanente de autopoiese, isto é,
como capacidade do sistema para construii a partir de si mesmo, os elementos de que é
composto. As solicitações proveni entes da complexidade do ambiente adquirem
importância para o sistema uni camente quando este as traduz no interior da sua auto-
referencialidade.
A partir destes pressupostos, a posição que, na teoria de Luhmann, adquir a dimensão cultural surge
individualizada, tendo em conta, antes de tudo, o relev que nela assumem os conceitos de sentido e de
comunicação.
Luhmann sublinha, desde o início, que «todas as vivências e acções hunic nas se desenvolvem em
conformidade com o sentido» (Luhmann, 1980, p. 15 sendo, assim, a referência ao sentido «uma
necessidade a que não é possíví renunciar quer para os sistemas sociais quer para os sistemas psíquicos»
(ibid p. 188). O conceito de sentido para Luhmann, diverso daquele outro por mii proposto (cap. i, 3),
remete para o princípio que, através da selectividade, nr põe uma forma para a experiência vivida e para
o agir. Com efeito, o sentid vem definido como uma apresentação simultânea de real e de possível, na m(
dida em que, por um lado, é uma selecção de possibilidades determináveis <
100
por outro, remete para possibilidades maiores que as que actualmente se podem reproduzir
na experiência vivida da acção (ibid., p. 32).
Nos sistemas psíquicos o sentido, inserindo-se numa sequência baseada em sensações
físicas da vida, pode surgir como consciência, enquanto nos sistemas sociais, baseando-se
numa sequência que comporta a compreensão dos outros, surge em termos de comunicação
(ibid., p. 189).
Criticando o facto de, em Parsons, como anteriormente se viu (v. 1.3 do presente
capítulo), a cultura, na prática, ser apresentada como preexistente relativamente ao sistema
social, deixando-se na sombra a sua génese, Luhmann observa que não é inteiramente
necessário que o consenso sobre os valores seja pré-estabelecido, porquanto se ele não
existisse «seria inventado» (ibid., p. 207). Luhmann não pensa a cultura como sistema, mas
como a forma de mediação que entra constitutivamente em todas as complexas relações,
quer internas quer externas, dos sistemas psíquicos e dos sistemas sociais, nos seus
processos de constante autoprodução e auto-referencialidade. Surge assim correctamente
expresso o carácter dinâmico da formação dos significados simbólicos na interdependência
circular entre acção e mediações culturais, enquanto momentos necessários de determinação
e de redução da complexidade. Neste contexto, o processo de socialização (v. cap. iv, 4; 4.1)
não é unicamente interpretado nos termos predominantemente passivos da interiorização dos
valores, como em Parsons, mas como uma dimensão activa do processo de reprodução auto-
refe- rencial do sistema psíquico «que actua e recebe a socialização relativamente a si
próprio». Assim, a socialização é sempre auto-socialização, na medida em que o sistema
psíquico reage ao processo de socialização «com o desenvolvimento de verdadeiros
mecanismos de diferenciação»: o conceito de socialização não se encontra, assim,
unicamente centrado na produção de comportamentos conformes, mas também na
possibilidade de aparecimento de esquemas de comportamento disformes relativamente aos
imperativos do sistema social (ibid., p. 386 e segs.).
As relações intersubjectivas são entendidas em Luhmann, como em Parsons, nos termos da relação
caracterizada pela dupla contingência, ou seja, pela reciprocidade das expectativas, as quais tanto
poderão ser satisfeitas comofrustradas. As expectativas podem surgir condensadas em exigências, mais
ou menos legitimadas no plano social, que definem desejos, representações, objectivos e interesses
pessoais (ibid., p. 427 e segs.) As expectativas mostram-se assim definidas como «uma forma de
orientação usada pelo sistema para analisar a contingência do seu ambiente relativamente a si mesmo»
(ibid., p. 427): também neste caso é sublinhado o carácter dinâmico da relação entre acção e cultura, na
interdependência circular entre as exigências que emergem na acção e as da determinação cultural da
situação social.
Relativamente a tal dinâmica mostra-se igualmente relevante a distinção introduzida por Luhmann entre
dois tipos diversos de formação sistémica: o sis
101
tema de interacção e o sistema societário, aos quais correspondem, respectiva mente, a
distinção entre percepção e comunicação. Os sistemas de interacçãi incluem todas as
relações concretas entre indivíduos fisicamente presentes. En tais relações adquire relevo a
dimensão corpórea e a da percepção, definid. como «aquisição psíquica de informações» e
como «o tipo primário e mais difusi de informação, que só em poucos casos se aglutina,
transformando-se em co municação» (ibid., p. 635).
A comunicação, pelo contrário, e como já acima foi dito, é própria do níve da sociedade:
enquanto a percepção consente uma grande velocidade e simulta neidade no tratamento das
informações, a comunicação requer tempos mai longos de elaboração da comunicação. A
sociedade pode ser considerada comi o conjunto organizado das comunicações sociais, que
se autoproduz através d contínuas modificações e substituições de estruturas e de formas de
comunica ção. Se obviamente, quer ao nível da percepção quer ao nível da comunicaçãc se
encontram presentes formas da mediação cultural, tais formas diferem quar to às suas
funções e às suas modalidades. Na relação de interdependência entr o nível da interacção e
o nível societário, este último «garante o encerrament da actividade comunicativa sob o
perfil da auto-referência e do sentido, assegt rando assim a qualquer interacção a
possibilidade de dar uma origem, um fim uma capacidade de conexão à própria
comunicação», enquanto o nível d interacção constitui uma espécie de «campo
experimental», de «anarquia d base», caracterizada pela contingência, que pode todavia
contribuir para a fo: mação de novas estruturas no sistema social (ibid., p. 647). Por outras
palavra ao nível da sociedade, as formas culturais são sobretudo estruturadas e const tuem
uma referência essencial para a experiência que se desenvolve ao nívi das relações
quotidianas, enquanto, ao nível destas últimas, ou seja, ao nível c interacção, as formas de
mediação cultural surgem bastante menos codificad; e, como tal, podem dar lugar a
processos de transformação das objectivaçõí culturais do sistema social.
Neste contexto, um contributo para a compreensão dos processos median os quais vêm a formar-se,
no plano da sociedade, as diversas constelações d( significados culturais, é representado pelo conceito
luhmanniano de meios i comunicação.
No sistema social a comunicação não advém somente por intermédio i linguagem, mas também
através de «instituições complementares à linguagem como o são exactamente os meios de comunicação,
isto é, aqueles específio «códigos de símbolos generalizados», com base nos quais se estabelecem
legitimam as expectativas recíprocas (relativamente à realidade, as relaçõ interpessoais, as relações
sociais de tipo contratual, etc), segundo prestaçõ selectivas particulares.
Luhmann indica como meios de comunicação, assim entendidos, a verdade amor, o dinheiro, o
direito, o poder (cf. Luhmann, 1975, p. 5 e segs.). Cada u
102
1
fc destes âmbitos, que poderiam ser considerados em analogia com o conceito de jogo linguístico de
Wittgenstein (v. cap. n, 10.2), apresenta uma série de valores e modelos de comportamento codificados,
que servem para regular âmbitos diversos de experiência nas interacções sociais, reduzindo-lhes a
complexidade. A «verdade» simplifica as nossas relações com a multiplicidade da realidade exterior, o
«amor» constitui um código de regulação de relações interpessoais específicas, o «dinheiro» é o
instrumento que permite tornar facilmente executáveis as relações de troca, etc A cultura surge assim
articulada numa pluralidade de subsistemas, auto-reproducentes e auto-referenciais, de significados e de
regras capazes de responder aos problemas específicos do agir social.
Com base nestes diversos elementos teóricos gerais, Luhmann confrontou-se directamente com o
problema da relação cultura-sociedade no texto Struttura delia società e semântica (1980). A partir da
constatação das aporias que a sociologia do conhecimento teve de enfrentar, na tentativa de salvar alguma
referência à objectividade (v. cap. n, 6; 7), Luhmann propõe-se transformar o próprio critério de verdade,
desenvolvendo uma meta-teoria acerca dos critérios de comensurabilidade e de conversibilidade das
estruturas semânticas na sua relação com as estruturas sociais (cf. Luhmann, 1980, p. 11).
Coerentemente com o relevo que, como já foi dito, assume o conceito de sentido na sua teoria
sistémica, Luhmann define a semântica como o conjunto das formas culturais que, numa sociedade
determinada, são efectivamente utilizáveis para a função de determinação do sentido ou como «reserva de
regras já prontas de elaboração do sentido». Como tal, a semântica é assim «o sentido generalizado, a um
nível mais alto e disponível, de modo relativamente independente da situação» (ibid., p. 17). Além disso,
Luhmann distingue entre uma semântica de uso quotidiano do sentido, que, neste nível, permanece mais
simples e fragmentada, e uma semântica culta, que se reporta a uma comunicação «digna de ser
conservada», a qual assume também, ao mesmo tempo, a função de «controlar os limites da expressão
linguística e os riscos da formulação» (ibid.). Exemplos de semântica culta são, de início, os modelos do
agir ritual e da narrativa mítica e, sucessivamente, os diversos sistemas conceptuais de tipo geral
(religião, filosofia, ciência), para cuja reprodução se tornou indispensável a escrita.
A análise das transformações das formas culturais utilizáveis surge colocada em relação com as
mudanças que intervêm no sistema social, devido ao aumento da sua complexidade e dos processos de
diferenciação que se verificam no seu interior. Um sistema é complexo quando já não consegue ligar
directamente cada um dos seus elementos com qualquer outro elemento e, assim, é obrigado a seleccionar
tipos distintos de relação entre os seus elementos. 0 que comporta um processo de diferenciação, na
medida em que o sistema vem a formar no seu interior subsistemas de significado relativamente
autónomos. No plano do agir vem a estabelecer-se, neste caso, uma certa hetero
103
geneidade entre os diversos âmbitos, enquanto eles se sustentam em diferentes critérios de
selecção.
Luhmann fala de uma diferenciação segmentaria, que se verifica quando um sistema
social cria subsistemas iguais entre si. Por exemplo, devido ao crescimento demográfico,
são criados, nas sociedades arcaicas de economia rural, subsistemas de tipo familiar,
comunidades de domicílio ou aldeia, que apresentam características homogéneas. Neste
caso, o sistema apresenta um grau bastante baixo de complexidade relativamente às suas
possibilidades operativas.
Diversa é a situação criada pela diferenciação estratificada, que se verifica quando se
criam estratos sociais desiguais, como nas sociedades pré-modernas, cada um deles com as
suas formas de comunicação específicas (diferenciação dos papéis e dos grupos
profissionais, concentração de recursos nos estratos elevados, etc). Quando muda a
complexidade do sistema social e o grau de diferenciação dos estratos interiores à sociedade,
a semântica que conduz as vivências havidas e as acções deve adaptar-se às novas condições
se não quiser perder o seu «domínio da realidade» (ibid., p. 19 e segs.). Aumentando a
complexidade e a diferenciação, desenvolvem-se efectivamente estruturas semânticas que
«tornam algumas linhas de selecção mais prováveis do que outras, refinam a sensibilidade
em determinadas direcções e tornam-nas indiferenciadas noutras» (ibid., p. 22).
A diferenciação estratificada, que, como foi dito, caracteriza a sociedade pré-moderna,
não só aumenta a complexidade do sistema, como também a complexidade do ambiente a
ele acessível, isto é, poderá ser tomado em consideração um maior número de possibilidades
presentes no ambiente. Este aumento de complexidade comporta transformações culturais:
por exemplo, por um lado, a religião e a moral são generalizadas, desenvolve-se a função da
escrita, os horizontes da vida temporal tornam-se mais amplos e mais profundos; por outro,
desenvolvem-se regras particulares ligadas a situações tornadas específicas em relação com
funções, papéis, problemas, interesses, em conformidade com diferenças de estrato social.
Além disso, neste tipo de sociedade, a manutenção da unidade comporta um fenómeno de
hierarquização dos subsistemas: cada subsistema pode reportar-se ao sistema global na
medida em que, mediante a hierarquização, «conhece o seu próprio lugar no todo» (ibid., p.
24).
Na sociedade europeia moderna, pelo contrário, verificou-se, pela primein vez na história, um tipo
diverso de diferenciação, que Luhmann define come «diferenciação funcional». Nesse tipo de
diferenciação emerge um problenií particular de articulação no interior de cada subsistema, ligado ao
modo come cada subsistema actua no seu agir específico: por exemplo, a produção econó' mica, as
decisões vinculativas tomadas a nível político, a regulamentação lega dos conflitos, a assistência médica,
a educação, a investigação científica de vem, cada uma delas, enfrentar problemas particulares. Neste
caso, as diversa; funções não podem ser hierarquizadas tal como acontecia com os estratos sociais
104
1 1
porquanto são igualmente necessárias à sociedade: o seu grau de importância
«pode ser regulado só em função da situação» (ibid., pp. 25-26). Na
diferenciação funcional, os subsistemas mantêm, cada um deles, um princípio
auto-regu- lador que lhes é próprio, e «que não pode ser institucionalizado e
imposto ao nível da sociedade no seu conjunto» (ibid., p. 26).
A complexidade que deriva da diferenciação funcional é muito maior que a
das sociedades de diferenciação estratificada, o que comporta ulteriores
mudanças da estrutura semântica. Com efeito, cada subsistema deixa então de
ter a sua base num simbolismo fundamentado na sociedade global e na
«hierarquização e reciprocidade entre subsistemas. Cada subsistema deve
assim desenvolver uma espécie de reflexão específica através da qual baseia a
sua identidade de maneira autónoma, sem suficientes antecipações de
consenso ao nível de toda a sociedade» (ibid., p. 28). Enquanto nas sociedades
segmentarias e nas estratificadas a identidade da pessoa se baseia no seu
status, isto é, na posição que ocupa por nascimento na estrutura social, na
sociedade por diferenciação/w«c/onal cada indivíduo, pertencendo a vários
subsistemas (familiar, educativo, económico, jurídico, político, etc), vem a
constituir-se unicamente como «indivíduo privado»: o princípio da inclusão
de todos em todos os subsistemas funcionais vem assim a substituir o
princípio da solidariedade, que se baseava no facto de se pertencer a um único
grupo (ibid., p. 29).
Neste contexto muda também o conceito de igualdade. A sociedade
estratificada da velha Europa, segundo observa Luhmann, conhecia bem o
princípio da natural igualdade dos homens, mas essa igualdade natural não se
mostrava como um princípio susceptível de crescimento e não era
incompatível com uma separação segundo a ordem das classes sociais. Na
sociedade diferenciada da Europa moderna, pelo contrário, a igualdade surge
como susceptível de crescimento nos confrontos da desigualdade existente e é
baseada no carácter único dos indivíduos singulares (ibid., p. 29).
Mostra-se assim, também neste caso, a ligação entre a forma de
diferenciação e de complexidade do sistema social e a geral transformação do
aparelho cultural, no interior de um processo em que estrutura social e ordem
semântica se influenciam reciprocamente: «a forma de diferenciação produz
correlatos semânticos em parte directamente, em parte indirectamente, isto é,
mediatos da situação da complexidade do sistema social.» (ibid., p. 32.)
A partir destas considerações, Luhmann pode desenvolver a sua teoria da
evolução social. Tomando as distâncias relativamente ao evolucionismo
tradicional, Luhmann define a teoria da evolução como «uma teoria que tenta
explicar como surge o imprevisível». A evolução sócio-cultural advém, como
se viu, da interacção entre estrutura social e ordens simbólicas; todavia,
Luhmann distingue uma evolução das ideias e uma evolução dos
subsistemas. Por um lado, mudando a estrutura social, muda também, na
medida em que dela depende, o património ideal dos subsistemas do sistema
social, mas, por outro, em certas
105
condições estruturais, pode verificar-se uma evolução autónoma das ideias. Para que esta
aconteça, é necessário que particulares noções de sentido da semântica culta surjam
tematizadas como aquilo que muda e como aquilo que na mudança assegura a
continuidade, ou seja, através desta mediação, a evolução venha, por assim dizer, «a
reflectir-se a si mesma» (ibid., pp. 43-44). Neste caso, a semântica muda a partir de
condições internas a ela e, com efeito, «já na forma do património ideal fixado mentalmente
e por escrito nos serve de estímulo para mudá-lo» (ibid., p. 44).
Em analogia com a teoria das revoluções científicas de Kuhn (v. cap. n, 10.1), é indicado
por Luhmann um mecanismo suplementar de mudança nas inconsistências dos sistemas
cognitivos, ou nos problemas que no património cultural transmitido se apresentam como
insolúveis. A semântica culta produz continuamente desvios e novas variantes da tradição
semântica, precisamente a partir das preocupações de estabelecer e sistematizar, a um nível
mais abstracto, o saber prático ou teórico. Através desta mesma busca de estabilização, a
semântica culta adquire uma certa autonomia na relação com a evolução social. De facto, tal
estabilização é geralmente obtida través da formação de uma dogmática, que garante, ao
mesmo tempo, não só a possibilidade de transmitir as ideias, como também as condições
para possíveis variações: a dogmática é assim «a forma de reflexão da evolução das ideias»
(ibid., p. 49).
Com o fenómeno de diferenciação funcional que caracteriza, como dissemos, a
sociedade moderna evoluída, entra todavia em crise também a dogmática: «uma evolução
das ideias através da dogmática não é suficientemente veloz para a sociedade moderna.»
(ibid.) A crise da dogmática põe mais uma vez em causa os fundamentos tradicionais do
saber e provoca uma fragmentação na sua unidade. O aumento de complexidade que tal
fenómeno comporta provoca o desenvolvimento de duas estratégias opostas: por um lado, o
recurso ao princípio formal do a priori do conhecimento, como redução de complexidade
que permite «fundar o saber como saber»; por outro, a teoria da ideologia, que, pelo
contrário, procura alcançar o saber como dependente da situação social do sujeito. E neste
contexto, no qual já não é possível uma recomposição, que «todas as linhas principais da
formação dos conteúdos de sentido socialmente relevantes surgem relacionados com
sistemas funcionais singulares» (ibid., p. 55).
As diversas tentativas, recordadas por Luhmann, de salvar a referência a uma verdade objectiva, como
a de Georg Lukács, que atribuía à classe em ascensão o acesso privilegiado à verdade da direcção do
processo histórico (cf. Lukács, 1923), ou a de Mannheim, que considerava que o grupo dos intelectuais
dispunha de singulares meios para validar uma verdade objectiva (cf. Manheim, 1929; v. cap. ii, 7),
surgem como inadequadas à resolução do problema, na medida em que atribuem a determinados grupos
sociais uma autonomia dos condicionamentos sociais, o que ainda está por demonstrar. Nesta situação, a
sociologia do saber deve orientar-se, segundo Luhmann, para meta-teorias,, as quais, mais do
106
que procurarem novos apriorismos ou sistemas hipotético-dedutivos para a
revisão de todo o saber, se coloquem como teorias orientadas para explicar de
que modo «o saber, que discrimina em relação aos objectos (e neste sentido
pretende ser verdadeiro), surge e é cultivado em contextos sociais, que
discriminam em relação a este saber» (Luhmann, 1980, p. 59).
A complexa teorização de Luhmann acerca da relação entre cultura e
realidade social, que aqui procurei evidenciar nas suas linhas fundamentais
traduz, a um nível de alta abstracção, os problemas que uma teoria sociológica
da cultura, criticamente lúcida, deve hoje enfrentar, mostrando os modos
específicos através dos quais as estruturas sociais e as formas culturais se
condicionam reciprocamente, bem como a relativa autonomia das segundas
enquanto fontes de transformação das estruturas sociais. Os contributos dados
por Luhmann, nas suas interpretações das mudanças ocorridas na sociedade
moderna, constituem uma ajuda de grande relevo para uma nova afirmação da
sociologia da cultura, que, como é óbvio, deverá ser ulteriormente aprofundada
e desenvolvida, para além de ser verificada a sua utilidade no plano empírico.
2. A cultura enquanto estrutura
Sobre o modo de conceber a cultura na teoria sociológica contemporânea influiu profundamente a
teoria estruturalista do antropólogo social francês Claude Lévi-Strauss (1908-), que na sua juventude
fizera duas expedições etnográficas, ao Mato Grosso e à Amazónia, cuja descrição consta da conhecida
obra Tristi Tropici (1955), A teoria de Lévi-Strauss foi influenciada por Emile Durkheim, por Mareei
Mauss, da escola de antropologia cultural fundada por Franz Boas (1858-1942), por RobertLowie (1883-
1957) e por Alfred Kroeber (1876-1960), mas o encontro decisivo, relativamente à analogia que Lévi-
Strauss estabelece entre teoria antropológica e linguística, foi o que ocorreu com a teoria linguística do
suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) e sobretudo com a fonologia histórico-estrutural do linguista
americano de origem russa, Roman Jakobson (1896-1984).
Ferdinand de Saussure considerava a linguagem como um conjunto defonemas (sons) e de signos
(relação entre palavra e objecto), independentes e exteriores ao indivíduo: enquanto instituição colectiva,
a linguagem impõe-se efectivamente aos indivíduos, os quais não podem, por si sós, nem criá-la, nem
modificá-la (cf. Saussure, 1913, p. 24). O ponto de conjugação entre o momento estático da língua, como
produto colectivo independente, e o dinâmico e criativo da fala, que nasce do uso quotidiano da língua,
vem individualizado por Saussure na distinção entre langue e parole (ibid., p. 28 e segs.). A língua é o
conjunto dos hábitos linguísticos que permitem ao indivíduo compreender e fazer-se compreender e,
como tal, é um produto social não modificável discricionariamente; na fala, en-
I
707
quanto união entre uma forma particular e um significado concreto, a língua realiza-se, de
cada vez, renovada, de um modo individual. As transformações históricas da linguagem
logo apontaram para este último nível. Entre língua e fala existe uma relação de
interdependência circular: se a fala se encontra na origem do sistema codificado da língua,
esta última delimita o uso da fala, a qual, porém, por seu turno, transforma a língua, e assim
sucessivamente.
Embora reconhecendo a igual importância da língua e da fala, Saussure dedicou a sua
atenção exclusivamente à língua, a partir do carácter de arbitrariedade do signo linguístico,
e ainda do facto de o conjunto dos significantes (signifiants ou imagens acústicas), que
formam uma língua, não possuir nenhum vínculo objectivo com os significados (signifiés ou
conceitos). Por exemplo, o objecto «boi» não se encontra ligado, por qualquer relação de
necessidade, com a sequência de sons que lhe servem de significante e, com efeito, segundo
as diferentes línguas, são usadas sequências de sons diversos (boeuf em francês; ox, em
inglês, etc).
Considerado o seu carácter convencional, o sistema dos significantes pode ser analisado
como um conjunto autónomo de elementos independentes entre si, no qual cada elemento
(os sons, as palavras) possui valor unicamente pela posição que ocupa na rede de relações
que forma no sistema. Pode assim ser evidenciada a estrutura (um conceito que, todavia,
Saussure não utiliza), ou seja, o conjunto das relações entre os diversos elementos, com base
em combinações ou sintagmas, constituídos a partir de formas regulares (frases feitas), ou a
partir de grupos formados com base em associações mentais. Um sistema linguístico pode
assim ser analisado como se fosse um sistema estático, isto é, na sua dimensão sincrónica,
que é dada pela gramática, a qual compreende igualmente a morfologia (categorias da
palavra: verbos, nomes, pronomes, adjectivos; formas da flexão: conjugações, declinações)
e a sintaxe, ou análise das funções em relação com o emprego das diversas formas estudadas
pela morfologia.
Na realidade, o sistema linguístico não é estático, mas transforma-se continuamente, pelo que ocorre
ainda ter em consideração a sua dimensão diacrónico, analisando as leis e as causas das alterações
fonéticas, as inovações analógicas, as transformações das etimologias populares, os fenómenos de
aglutinação (união de elementos originariamente distintos), etc.
O método inaugurado por Saussure influenciou toda a linguística que se lhe sucedeu, a qual veio a
receber, num sentido estruturalista, um especial impulso da teoria fonológica de Roman Jakobson, que
procurou reduzir os diversos fonemas a alguns traços distintivos comuns a todas as línguas, colocando em
evidência aoposição binária existente entre esses traços. Examinando a escrita artística e os distúrbios da
linguagem, Jakobson desenvolveu também a análise das formas da metáfora (baseada na similaridade) e
da metonímia (baseada na contiguidade). Os conceitos de oposição binária, de metáfora e de metonímia
são igualmente fundamentais na teoria estruturalista de Lévi-Strauss.
108
O interesse de Lévi-Strauss pelas recentes formas avançadas pela teoria linguística nasce da
ideia de poder desenvolver uma análise científica rigorosa das formas culturais, mostrando,
para além da variedade das suas expressões, algumas estruturas de base comuns. Tal como
na ordem natural podem ser encontrados alguns princípios constantes, que poderão também
ser traduzidos em fórmulas matemáticas, assim, para Lévi-Strauss, a ordem cultural mostra-
se dominada por algumas invariáveis ligadas a «uma finalidade inconsciente do espírito»
(Lévi-Strauss, 1947, p. 527).
Neste contexto, cultura e sociedade surgem ambas como uma única expressão de uma
estrutura profunda, que dita regras que presidem à constituição das formas culturais, tanto
como às da ordem social: as transformações diacrónicas surgem assim como epifenómenos,
que podem ser remetidos para alguma categoria simples e constante de natureza sincrónica.
Desse modo, a análise da realidade social não é conduzida nos termos da relação entre
estrutura social e cultura, na medida em que a ordem social surge como o reflexo da ordem
cultural, que, por sua vez, é reconduzível à estrutura que se encontra na base do espírito
humano.
Lévi-Strauss considera ter assim superado a antinomia entre determinismo histórico e
finalismo da consciência, a qual havia caracterizado o pensamento sociológico dos fim de
oitocentos, na medida em que a finalidade do espírito determina de facto as formas sócio-
culturais, embora dentro da constante variedade dos seus conteúdos manifestos. É
precisamente destes últimos, ligados às experiências conscientes das vivências e às normas
sociais concretas, que há que prescindir, para pôr em evidência, através da construção de
modelos dedutivos abstractos, a estrutura subjacente: «Por conseguinte, na etnologia como
na linguística, não é a comparação que sustenta a generalização, mas o contrário. Se, como
cremos, a actividade inconsciente do espírito consiste na imposição de formas a um
conteúdo e se estas formas são fundamentalmente as mesmas para todos os indivíduos,
antigos e modernos, primitivos e civilizados - tal como demonstra, de modo fulgurante, o
estudo da função simbólica, a qual se exprime na linguagem -, acontece que basta alcançar a
estrutura inconsciente subjacente a qualquer instituição ou a qualquer costume para se obter
um princípio de interpretação válido para outras instituições e outros costumes, com a
condição, naturalmente, de levar bastante longe a análise.» (Lévi-Strauss, 1958, pp. 33-34,
itálicos meus.)
A partir destes pressupostos, Lévi-Strauss desenvolveu as suas análises sobre o fenómeno
do totemismo, sobre as regras que presidem à articulação das relações familiares e as suas
narrativas mitológicas.
O fenómeno de identificação entre um grupo de seres humanos e uma planta ou um animal, que
caracteriza o totemismo, é interpretado como um conjunto de regras para a dominação dos grupos e para
a troca matrimonial, baseado na compatibilidade ou incompatibilidade entre diversos totem (Lévi-Strauss,
1962).
109
Do mesmo modo, a estrutura elementar do parentesco surge baseada em regras que
presidem às trocas matrimoniais e aos sistemas das relações parentais. Tais regras garantem
a circulação das mulheres no âmbito social, substituindo, ao sistema biológico das relações
de consanguinidade, o sistema social das alianças (cf. Lévi-Strauss, 1958, p. 75).
Os diversos mecanismos concretos que se encontram na base da troca exogâmica podem
ser considerados como casos particulares de uma única forma orientada para a manutenção
da reciprocidade: os sistemas de parentesco e as regras matrimoniais surgem assim como
uma forma particular de linguagem, ou seja, como «um conjunto de operações destinadas a
assegurar, entre os indivíduos e os grupos, um certo tipo de comunicação» (ibid., p. 76). Em
estreita analogia com os procedimentos da linguística, as diversas formas das regras
matrimoniais, que à primeira vista podem parecer casuais, podem ser levadas a reintegrar
um esquema teórico generalizado, aplicável a todas as diferentes formas de sociedade. Tal
como os fonemas, no sistema da linguagem, adquirem significado somente no interior das
suas relações recíprocas, assim também as regras de parentesco podem ser compreendidas
unicamente no interior de um sistema complexo, no qual, a partir de elementos constantes,
são actualizadas diferentes possibilidades combinatórias.
A regra universal por excelênc ia que se encontra na base da troca exogâmica, isto é, a
troca matrimonial entre grupos sociais diversos, é a do tabu do incesto, que proíbe as
relações sexuais entre consanguíneos. A proibição do incesto, segundo Lévi-Strauss, não se
baseia exclusivamente em regras naturais, nem em regras culturais e nem sequer numa
simples combinação entre elementos naturais e culturais, mas é o «laço que une uma à outra
esfera» (Lévi-Strauss, 1947, p. 67), o momento fundamental no qual se efectua a passagem
da natureza à cultura. Com efeito, o tabu do incesto, obrigando à troca entre núcleos
parentais e grupos sociais diversos e promovendo o desenvolvimento de uma rede de
relações mais amplas do que as que se encontram ligadas às relações biológicas, encontra-se
na própria origem da sociedade humana.
Lévi-Strauss utiliza um método análogo para o estudo das narrativas mitológicas. Tal
como, na análise das estruturas dos sistemas de parentesco, havia demonstrado que o
complexo conjunto dos usos e costumes matrimoniais podia ser reduzido a um número
limitado de princípios relativamente simples, e que uma série de regras, à primeira vista
desconexas e desprovidas de sentido, podiam ser integradas no interior de um esquema
lógico comum, assim também, na análise dos mitos, ele demonstra que uma grande
variedade de narrativas que começam por parecer o produto de uma invenção arbitrária e
sem nexos racionais pode ser remetida para um esquema de princípios comuns.
Lévi-Strauss desenvolve em concreto a análise dos mitos, mostrando a existência de correlações, de
oposições binárias (quente-frio, cru-cozinhado, seco-húmido, etc), de simetria, de exclusão ou inclusão,
de compatibilidade e incom
110
patibilidade, que permitem interpretar a infinita variedade dos conteúdos, reduzindo-os a um
pequeno número de elementos simples e universais (cf. Lévi--Strauss, 1964; 1966; 1971).
As diversas análises orientadas por Lévi-Strauss tiveram indubitavelmente o mérito de
mostrar algumas constantes internas a todas as formas de determinação simbólica. Mantém-
se todavia o problema de saber qual será, efectivamente, o estatuto dessas constantes
estruturais: se, de facto, se poderá pensar que elas fazem parte dos instrumentos conceptuais
usados pelo observador. Neste caso, aquele que interpreta não faria mais do que encontrar,
nos fenómenos estudados, as categorias lógicas e as estruturas de inteligibilidade que ele
próprio imprimiu na realidade. Atribuindo a tais estruturas um estatuto quase ontológico,
Lévi-Strauss acaba por cair numa forma de metafísica, que tende a encontrar no «espírito
humano» características universais de tipo absoluto. Deste modo, fica eliminado todo o
relevo conferido às experiências subjectivas, a partir do momento em que a estrutura
invariável se impõe aos indivíduos singulares e se reproduz autonomamente. Assim,
também a dimensão histórico-tem- poral, sendo reduzida a pura aparência, se torna
irrelevante.
Do ponto de vista da sociologia da cultura, a teoria estruturalista apresenta a limitação de
considerar a cultura unicamente nas suas objectivações, como qualquer coisa dada à partida,
sem que seja possível encontrar os processos genéticos das formas culturais, nos seus
condicionamentos materiais e na sua relação com a experiência vivida e o agir social.
O estruturalismo desenvolvido na etnologia por Lévi-Strauss teve influência em
numerosas teorias sociológicas contemporâneas, algumas das quais, como as de Althusser e
Foucault, já brevemente recordámos a propósito da crítica das ideologias (v. cap. ii, 9).
Como veremos (v. 3.5; 3.6 do presente capítulo), a influência de Lévi-Strauss encontra-se
também presente noutras teorias, contribuindo para reforçar a tendência para se considerar a
realidade social só em termos das regras e dos sistemas de comunicação. Vem, assim, a ser
colocada em lugar subalterno a dimensão da acção social e, por conseguinte, não são
consideradas as tensões que subsistem entre determinado momento dos sistemas de
significado e a dimensão de indeterminação, derivada tanto da capacidade de negação das
consciências individuais, como do carácter sempre redutor das formas de mediação
simbólica.
3. Cultura e acção social
As teorias que acabámos de considerar colocaram a cultura em relação com a sociedade,
enquanto unidade autónoma e como um sistema, ou em relação com uma estrutura geral do
espírito humano. Deveremos agora examinar as diferentes teorias nas quais a dimensão da
cultura é colocada directamente em
111
relação com a acção social. Tais teorias, relativamente às primeiras, consentem, geralmente,
que se alcance melhor a dinâmica através da qual se forma a cultura.
Muitas destas teorias surgem directa ou indirectamente influenciadas pela filosofia
fenomenológica de Edmund Husserl (1859-1938) e pela filosofia hermenêutica de Martin
Heidegger (1889-1976) e de Hans Georg Gadamer (1900).
A partir do seu conceito de intencionalidade da consciência, ou seja, do facto de não
existir acto de consciência que não seja relativo a um objecto específico, Husserl considera
que a experiência humana se baseia na actividade organizadora da consciência, a partir de
uma originária inter subjectividade, isto é, do facto de os sujeitos, enquanto tais, serem,
desde o início, constituídos na relação recíproca entre si. Com base nestes pressupostos, os
diversos níveis da realidade do mundo - nível das coisas materiais subjacentes a leis de
causalidade, da natureza animal subjacente a condicionamentos do instinto, da realidade
psíquica caracterizada pela presença de motivações - podem ser analisados como o resultado
da actividade constitutiva própria da consciência. Do mesmo modo, a sociedade e a cultura
não se colocam como realidades ]ádadas perante a consciência, mas constituem-se na
relação com ela (cf. Husserl, 1913; 1952). São assim colocadas as premissas para o conceito
de construção da realidade social, a qual considera a sociedade exactamente como o
resultado de um processo no qual os indivíduos, na sua relação com as condições materiais e
sociais, desenvolvem uma função activa de produção do mundo em que vivem.
Por outro lado, a analítica existencial de Heidegger sublinha que o ser-no- -mundo se
antecipa à tomada de consciência dos sujeitos: a actividade de constituição da própria
realidade por parte dos indivíduos não é uma pura actividade criativa, mas nasce já no
interior de um mundo de significados, transmitido pela linguagem e pela tradição cultural
(cf. Heidegger, 1927).
O termo hermenêutica, que na Antiguidade indicava as técnicas de interpretação dos
textos escritos, remete, exactamente, para o facto de cada conhecimento se desenvolver
como interpretação a partir de uma pré-compreensão, isto é, de um contexto histórico
concreto já culturalmente mediato. Daí decorre que toda a definição da realidade pode ser
compreendida unicamente através da referência ao mundo de significados a que pertence
aquele que interpreta essa realidade. Nesta base, Gadamer coloca no centro da sua reflexão
hermenêutica o problema do encontro entre horizontes culturais diversos. Se cada processo
cognitivo se inicia sempre a partir dos preconceitos ou pré-juízos presentes no mundo
cultural do intérprete, a compreensão é um processo no qual tais preconceitos são colocados
à prova no confronto com os preconceitos próprios de outros contextos culturais: na relação
dialogante que se estabelece entre aquele que interpreta e o objecto da sua interpretação
intervêm modificações, tanto nos pré-juízos do intérprete como nos significados daquilo que
é interpretado (círculo hermenêutico). A actividade cognitiva configura-se, assim, como
uma relação activa que transforma tanto aquele que interpreta como o objecto da sua
112
compreensão: através de tal processo já não se atingem verdades absolutas, mas antes
interpretações sempre parciais e, deste modo, a compreensão é um processo que não pode
jamais dar-se por concluído. O conhecimento deixa de ser um progressivo «compreender
melhor», mas um compreender diversamente, segundo tradições histórico-culturais e
situações sociais concretas nas quais se desenvolve o processo cognitivo.
A partir do momento em que cada compreensão é uma forma de interpretação ligada a
contextos histórico-culturais concretos e encontro de interpretações diversas, o processo
cognitivo é todo ele interior à linguagem, que surge como a total função de mediação de
toda a forma específica de experiência e como horizonte insuperável (cf. Gadamer, 1960).
Juntamente com as teorias da linguagem (v. cap. iv, 1), os pressupostos da fenomenologia
e da hermenêutica, que aqui procurei o mais possível sintetizar, estritamente em função do
discurso que aqui nos interessa constituem, por assim dizer, um dos principais recursos que,
salvo excepção (v. 3.4 e 3.8 do presente capítulo), tocaram de forma mais evidente a teoria
da cultura que agora passaremos a examinar. Em particular, a influência da fenomenologia
de Husserl, como acima se indicou, contribuiu para colocar em evidência o carácter activo
dos processos de construção da realidade social e a dimensão intersubjectiva que lhe está na
base, enquanto a influência da hermenêutica de Heidegger e de Gadamer contribuiu para
sublinhar que tal realidade resulta de uma troca comunicativa, ligada a tradições culturais
em constante transformação, não só entre as diferentes representações e interpretações dos
actores sociais entre si, como também entre estes e as interpretações dos cientistas sociais.
3.1 A interacção simbólica
A tentativa de mostrar a íntima ligação entre a dimensão cultural e a do agir social
caracteriza as teorias que dão pelo nome de interaccionismo simbólico, uma expressão
criada por Herbert Blumer reportando-se às posições de George Meade outros (cf. Blumer,
1969).
A actividade científica de George Herbert Mead( 1863-1932) desenvolveu-se sobretudo
no Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago. Tal departamento, fundado por
Albion Small (1854-1926), contava, entre os seus investigadores mais representativos,
Robert Park (1864-1944) e William Thomas (1863-1947). Este último, em particular,
defendera que, a fim de interpretar o agir social, não é importante conhecer os dados reais
de uma situação, tanto quanto as percepções subjectivas, as crenças e as convicções com
base nas quais os actores sociais se representam a situação a fim de determinarem, de facto,
a sua atitude e o seu modo de agir (v. cap. v, 5).
Nesse mesmo período, também um outro sociólogo americano, amigo de Mead, Charles
Horton Cooley (1864-1929), da Universidade de Michigan,
113
sublinhara, para a compreensão do comportamento social, a importância das imagens que os
indivíduos possuem de si próprios e dos outros. Analisando a dinâmica interna dos grupos
primários, isto é, os grupos nos quais as relações são de tipo directo e personalizado
(família, grupos de amigos, relações de vizinhança, etc), Cooley observara que as
experiências vividas em tais grupos possuíam uma importância determinante para o modo
como os indivíduos se percepcionavam a si mesmos e aos outros, assim como também ao
conjunto das relações sociais (cf. Cooley, 1909).
Além da dos autores supracitados, nota-se igualmente em Mead, no período da sua
formação, a influência da teoria psicológica comportamentalista de JohnB. Watson (1878-
1958), das teorias do pragmatismo do psicólogo William James (1842-1910) e dos filósofos
John Dewey (1859-1952) e, embon indirectamente, de Charles S. Peirce (1839-1914), bem
como da filosofi; vitalista de Henri Bergson (1859-1941). Além disso, Mead estudara na Ale
manha, no Laboratório de Psicologia de Max W. Wundt (1832-1920), funda dor da
«psicologia dos povos», e nesse período estudara também com Wilheln Dilthey (v. cap. i,
2).
A dimensão da comunicação simbólica assume na teoria de Mead uma im portância
fundamental, na medida em que aquela é a base dos processos d' formação das próprias
personalidades subjectivas (Self), das formas mentai (Mind) e da organização social
(Society). Como para Durkheim, também par Mead a sociedade enquanto totalidade
antecipa-se ao indivíduo, mas ela é se bretudo um fenómeno de comunicação, tornado
possível através da mediaçã da linguagem, dos significados e dos símbolos.
De um ponto de vista psicológico, Mead, criticando o comportamentalism< que só
considerava os comportamentos exteriores dos indivíduos, em termos d estímulo-resposta,
considera como interdependentes as atitudes exteriores e; interiores: as relações indivíduo-
mundo, interior-exterior devem ser pensad; tendo como referência uma estrutura unitária
comum. Não existem atitudes ii teriores que, num segundo momento, se exprimam em
actos exteriores, como agir e a linguagem, mas as atitudes interiores constituem-se, também
elas, r processo relacional que se exprime através de significados e actos comunicai vos
exteriores (cf. Mead, 1934, p. 63).
A expressão mais elementar de comunicação é, para Mead, a relação que exprime no gesto. No gesto
revela-se de facto, da maneira mais simples, ur interacção baseada na adaptação recíproca entre dois ou
mais indivíduos, i interior de um contexto comum de sentido. O gesto é, ao mesmo tempo, ur atitude
exterior observável e uma atitude interior, a qual, no entanto, na medi em que se desencadeia como
reacção a um estímulo, não possui carácter inte cional.
No animal, um gesto como o de ranger os dentes, por exemplo, desencadi num outro animal uma
reacção automática, que pode ser de ataque ou de fuj
114
1
No indivíduo humano podem ocorrer comportamentos análogos, todavia na relação
individual insere-se também, na generalidade dos casos, uma dimensão reflexiva: então, o
gesto exprime também um significado, transforma-se em símbolo de uma intencionalidade
determinada, transforma-se em linguagem (ibid., p. 72).
A comunicação de significados entre indivíduos conscientes, diversamente da relação
automática de acção e reacção que caracteriza o mundo animal, assegura à adaptação
recíproca «condições de longe mais favoráveis do que as apresentadas pelo gesto não
significativo, na medida em que evoca no indivíduo que o executa a mesma adaptação
relativamente a si (ou relativamente ao seu significado), que evoca paralelamente nos outros
indivíduos comparticipantes, com o autor do gesto, num determinado acto social» (ibid., p.
73). Quando um indivíduo, numa determinada situação, indica com um gesto seu a um outro
indivíduo aquilo que espera deste, torna-se consciente do significado que o seu gesto possui
para o outro e, assim, está em condições de aplicar também ao seu próprio gesto tal
significado: «Os gestos tornam-se símbolos significativos quando suscitam implicitamente,
no indivíduo que os realiza, as mesmas respostas que suscitam explicitamente, ou se supõe
que suscitam, nos indivíduos aos quais são dirigidos.» (ibid.)
Deste modo, Mead consegue mostrar a génese da cultura, ou melhor, a origem da ordem
simbólica que caracteriza a interacção humana. A relação consciente com o seu próprio eu e
o pensamento emergem quando o indivíduo consegue estabelecer consigo próprio um
diálogo interiorizado, análogo ao que ele estabelece exteriormente com os outros: constitui-
se assim um domínio comum de significados para todos os indivíduos que participam numa
dada sociedade ou num mesmo grupo social. Sem relação social, sem linguagem, não
existiria qualquer consciência, isto é constituição do Si. Mediante o processo de
transformação em símbolo, que é própria da linguagem, emergem significados que são
conscientes, na medida em que são válidos não só para o outro, mas também para mim.
A ordem simbólica é assim constitutiva do actor social e encontra-se na base da
interacção entre os sujeitos: tal ordem, na medida em que se objectiviza, por abstracção das
situações contingentes particulares, em significado universal, transforma-se numa referência
geral, que Mead define como outro generalizado. Os indivíduos singulares, em referência
com o outro generalizado, constroem as suas identidades, assumem os papéis sociais que
orientam o seu agir, mas, porquanto são capazes de reflexão e de pensamento, podem
também elaborar autonomamente outros significados e dar vida a novas formas de
comunicação simbólica.
Considerando as relações que, na constituição do sujeito, vêm a estabelecer-se entre a identidade
socialmente objectivada do Mim e o princípio activo Ao Eu, Mead consegue mostrar de modo adequado
que o indivíduo é, ao mesmo tempo, umproduto social e uma força activa de produção das estruturas
sociais.
115
O maior contributo de Mead para a sociologia da cultura consiste em ter sabido mostrar a
íntima correlação entre o agir intersubjectivo e as formas culturais, surgindo, de facto, estas
duas dimensões como sendo parte de um único processo, no qual a ordem simbólica
determina tanto a personalidade dos actores sociais como o seu agir, sendo, por seu turno,
continuamente gerada pela actividade reflexiva dos indivíduos. Ainda que Mead não tenha
desenvolvido uma verdadeira e própria análise sociológica das formas culturais concretas,
ele esclareceu efectivamente alguns pressupostos fundamentais para a compreensão dos
processos de produção da cultura e das relações entre acção e formas culturais, que tiveram
uma notável influência sobre algumas teorias que se lhe seguiram.
Entre estas coloca-se mais directamente a teoria de Erving Goffman (1922-1982), na
qual, todavia, se encontra ainda presente a influência de autores diversos, tais como
Durkheim, Simmel, James, Schutz, Bateson. A teoria goffmaniana considera a
subjectividade, em grande parte, como um produto da interacção social, na qual assumem
sempre maior relevo as regras e estruturas simbólicas. Com efeito, o sujeito, em Goffman,
surge concebido como pura máscara de uma encenação social: o indivíduo não é mais do
que um actor que recita uma personagem e cujo papel, nas diversas situações, é definido por
modelos de comportamento social.
Assim, a natureza «psicobiológica» do indivíduo é considerada como um conjunto de
sentimentos e fantasias, temores e esperanças, o qual representa, por assim dizer, a matéria-
prima informe que se torna disponível para qualquer papel que surja imposto pelas
exigências sociais: o indivíduo é um simples «anzol» ao qual vem temporariamente
agarrado o produto de uma acção colectiva (cf. Goffman, 1959, p. 285; para uma diferente
interpretação do significado de «anzol», cf. Trifiletti, 1991, p. 75).
Como se viu, também para Mead o Si constituía-se através das interacções sociais e da
comunicação simbólica, embora conservasse um carácter activo na dialéctica entre Eu e
Mim e na dimensão reflexiva. Em Goffman, pelo contrário, o Si já não é uma causa
relativamente autónoma, mas o puro produto de um palco, o que de facto «não tem origem
na pessoa do sujeito, mas sim no complexo do teatro da sua acção, tendo origem nos
atributos dos eventos locais susceptíveis de interpretação por parte das testemunhas»
(Goffman, 1959, p. 285). As capacidades próprias do sujeito, tanto cognitivas como
emotivas, são transmitidas socialmente: ensina-se-lhe, com efeito, «a ser perceptivo, a ter
sentimentos ligados ao próprio si, um si, por sua vez, expresso através do rosto, a ter
orgulho, honra e dignidade, a ter atenção aos outros, tacto e um certo domínio sobre si
próprio» (Goffman, 1967, p. 49). O próprio corpo, enquanto base física do Self, é uma
realidade assumida no interior do sistema dos significados sociais, um signo socialmente
constituído (cf. Trifiletti, 1991, p. 291 esegs.).
116
A relativa continuidade do Si não se apoia numa estrutura interna, mas antes sobre o contexto
institucionalizado, enquanto sistema interactivo no qual o sujeito representa um papel perante um
público (os outros actores interagentes na situação) que, com a sua actividade interpretativa, é um
elemento essencial da própria representação social.
A estrutura da interacção social consiste, neste caso, inteiramente no conjunto das regras que são
necessárias para manter uma única definição da situação, enquanto condição indispensável para a
coordenação do agir dos indivíduos que se encontram nessa mesma situação (cf. Goffman, 1959, p. 287;
1963, p. 159). Não se pode ignorar, sob este aspecto, a influência que sobre Goffman exerceu a
concepção da função da cultura de Talcott Parsons, que aqui parece levada às suas últimas
consequências, num contexto em que o «sistema» surge reduzido às particulares interacções de uma
situação específica.
A recusa, por parte de Goffman, de qualquer referência à dimensão psicológica ou existencial do
sujeito atribui à dimensão da comunicação uma função proeminente, enquanto sistema autónomo que,
de vez em quando, utiliza os indivíduos em relação com as exigências da cena social. As definições da
situação, que garantem a previsibilidade do agir recíproco, os rituais, as regras (da boa educação, da
conversação, do comportamento profissional, etc), são os elementos de base da realidade social, que os
membros da sociedade, na medida em que são constituídos pela ordem simbólica, contribuem para
manter, afim de evitarem incertezas, desordens ou comportamentos violentos.
O fenómeno do desvio das regras, na ausência de qualquer dimensão activa de tipo subjectivo, é
também ele considerado por Goffman como um comportamento induzido pela situação concreta: o
comportamento dos doentes mentais é interpretado a partir sobretudo das características e das exigências
da instituição de saúde mental (cf. Goffman, 1961a). Nesta afirmação não vem de nenhum modo
explicada a origem das formas culturais, a não ser nos termos da exigência de manutenção da cena
social.
A partir da justa exigência da evidenciação de que a identidade individual é o resultado final de um
processo simbolicamente mediato, não é suficientemente claro, em Goffman, qual a base do principio
activo que ele utiliza implicitamente nas suas análises, quando evidencia a tendência do sujeito para se
identificar com os diversos papéis, para experimentar embaraço ou sentimento de vergonha nos casos em
que não consegue adequar-se às regras do contexto social, para manter uma distância do papel, isto é,
para levar à prática aquelas estratégias que permitem aos actores passarem de um para outro papel,
identificarem-se com uma estrutura «à custa de uma outra» (Goffman, 1961b). Se, coerentemente com os
pressupostos da teoria de Goffman, os actores não são mais do que o produto dos papéis culturalmente
definidos, e a sua personalidade é, quando muito, apenas o resultado final da experiência de entrada e
saída dos diferentes papéis, não se vê qual seja a raiz da fundamental insegurança sentida
117
pelos actores sociais, nem como eles podem elaborar a sua experiência através de
estratégias que exigiriam, desde o início, pelo menos uma certa dimensão de autonomia
relativamente aos modelos sociais codificados.
Na realidade, na teoria de Goffman não são desenvolvidas as possibilidades contidas na distinção de
Mead entre Eu e Mim, que colocava as premissas que permitiam afirmar de modo mais adequado a
análise da dinâmica da relação entre acção e cultura: como consequência, a cultura, vista exclusivamente,
tal como em Parsons, na sua função de manutenção da previsibilidade e da ordem social, transforma-se no
próprio tecido de que é feita a sociedade, enquanto a acção, reduzida a energia indiferenciada, acaba por
desempenhar um papel secundário. I
As análises de Goffman relativamente a formas específicas de comportamento em situações
particulares (lugares públicos, instituições, relações profissionais, ocasiões mundanas, etc.) contribuíram
grandemente, também no plano metodológico, para colocar em evidência a presença de regras culturais
em todo o tipo de relação intersubjectiva, tanto a nível manifesto como de modo latente; porém,
relativamente ao problema da relação entre cultura e sociedade, a sua teoria mostra-se excessivamente
redutora e unidimensional.
3.2 A construção da realidade social
Um horizonte mais rico no que se refere à relação entre acção social e cultura vem caracterizar, pelo
contrário, as análises das estruturas significativas do mundo social levadas a efeito pelo filósofo e
sociólogo austríaco, Alfred Schutz (1899-1959), cuja influência, como se disse, se encontra presente
também em Goffman. Formado no ambiente cultural do historicismo alemão, Schutz, que emigra em
1939 para os Estados Unidos, foi profundamente influenciado, para além de Max Weber, pela filosofia
vitalista de Henri Bergson e pela fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938).
O que sobretudo interessa a Schutz são os processos através dos quais vêm a constituir-se as vivências
significativas e a relação entre acção e sentido. Nesta perspectiva, ele desenvolve inicialmente uma
crítica da teoria da acção de Max Weber, ao qual censura haver concebido o agir significativo sobretudo
em relação com o modelo do agir racional com objectivo definido, equiparando o significado atribuído a
um certo modo de agir com o motivo desse mesmo agir. Weber não problematiza suficientemente a
relação acção-significado, mas pressupõe a existência significativa «como um dado de facto puro e
simples» (Schutz, 1932, pp. 27-28). Pelo contrário, Schutz defende que nos devemos interrogar como
nascem os significados, distinguindo, na atribuição do significado, entre agir enquanto decurso e
enquanto acção realizada, entre o sentido presente no produzir e o presente no produto ou, por outras
palavras, entre o sentido da acção para aquele que a realiza e o sentido da mesma acção para aquele que
a observa, ou seja, entre autocompreensão e heterocompreensão.
118
Tl
O significado que a acção possui para o actor pode não ser o mesmo significado que essa mesma
acção tem para aquele a quem ela se dirige, ou seja, o interlocutor; do mesmo modo, um observador
exterior e desinteressado pode imputar à mesma acção um outro significado diverso (ibid., p. 13).
Além disso, Schutz, seguindo Bergson, sublinha a importância da dimensão cultural do agir: o
significado de uma acção pode efectivamente variar, conforme eu tenha como referência os seres
humanos dos quais possuo uma experiência directa no meu ambiente social actual (Umwelt, por
exemplo, família, colegas de trabalho, amigos, etc); os meus contemporâneos em geral (Mitwelt);
aqueles que me precederam no tempo (Vorwelt), ou os que me sucederão (Folgwelt). Também para o
próprio indivíduo que a realiza, uma acção pode ter um significado diverso: antes de a realizar, isto é,
como projecto; enquanto a coloca em acto, ou seja, como vivência; depois de a acção ser realizada,
isto é, como memória (ibid., p. 91). Com efeito, todos sabemos que os motivos que nos levam a agir
podem parecer-nos perfeitamente válidos na fase do projecto ou da vivência, mas, uma vez
completada a acção, tais motivos podem parecer-nos bastante menos válidos: dizemos então que nos
arrependemos de haver realizado tal acção. Noutras circunstâncias, pelo contrário, o verdadeiro
significado de uma acção nossa pode-nos surgir, com toda a sua validade positiva, só depois de a
termos realizado.
Em todo o caso, Schutz, relativamente ao conceito de intencionalidade de Husserl, concebe o agir
como o resultado de uma íntima ligação entre acção e significado. O significado tem a sua origem,
enquanto sentido subjectivo, na «intencionalidade operante de uma consciência subjectiva». A este
nível, o sentido autenticamente subjectivo do agir individual mantém-se, na generalidade, inacessível
à compreensão do outro. Pelo contrário, a nível social, o significado de uma acção é interpretado
imputando-se, de modo genérico, à consciência alheia o sentido objectivo, que se constitui em formas
culturalmente codificadas ou tipificações (ibid., p. 53). Por esta razão ocorre manter distintas as
interpretações feitas reflexivamente pelo mesmo sujeito agente sobre as suas acções, pelas
interpretações que de tais acções podem ser dadas por um observador externo.
Assim coloca Schutz as premissas para uma compreensão dos processos que se encontram na
origem da cultura, enquanto fenómeno de objectivação e generalização, através da comunicação
social, de significados que nascem inicialmente na intencionalidade própria da consciência. Uma vez
objectivados, os significados socialmente partilhados incidem, por sua vez, sobre a consciência,
orientando o agir e as relações intersubjectivas. A compreensão das sequências internas da
consciência é, de facto, sempre necessariamente subordinada à análise das sequências externas
(comportamentos, expressões, gestos, linguagem, etc), que são mediadoras de tal consciência (ibid., p.
160).
Entre as manifestações exteriores do agir, assumem uma importância fundamental os signos e os
sistemas de signos, quer enquanto esquemas expressivos
119
de quem age (por exemplo, eu sorrio), quer enquanto esquemas interpretativos para aquele
para quem a acção se orienta (interlocutor) ou para o observador exterior (ambos podem
interpretar o meu sorriso como sinal de benevolência, de ironia agressiva, etc, mas as suas
interpretações podem não coincidir). A possibilidade de se estabelecer uma relação entre
um signo e aquilo que ele indica baseia-se sempre em experiências anteriores, isto é, em
esquemas interpretativos já codificados e em objectos culturais que são testemunhos do agir
humano (utensílios, monumentos, etc). A linguagem, as regras do jogo do xadrez, a
estenografia, etc, são sistemas de signos expressivos, no interior dos quais um signo
particular se torna significativo e compreensível, ou seja, símbolo, que remete para uma
ideia que vai para além da minha experiência imediata. Nesta base, Schutz desenvolve a sua
análise das estruturas significativas do mundo social e dos processos que presidem à sua
construção.
Fundamento do mundo social é a relação intersubjectiva que une os membros singulares
de uma dada sociedade. Podemos pensar que, originariamente, tal relação compreende uma
multiplicidade de significados diversos, ligados a experiências subjectivas, ou a diversas
«áreas definidas de significado», que não estão ordenadas entre si (Schutz, 1973, p. 181 e
segs.). Na prática, todavia, nas situações históricas concretas, os indivíduos encontram,
desde o seu nascimento, um mundo social já anteriormente formado, enquanto ambiente
comum que torna possíveis as relações sociais. Schutz retoma assim o conceito demundo da
vida (Lebensweli), que Husserl definira como «reino das evidências originais», isto é, como
aquele mundo de sentido comum e de experiência directa, que se antecipa a todo o
conhecimento reflexo e a qualquer teoria científica (cf. Husserl, 1954, pp. 156-157).
O ambiente comum é constituído, como já se referiu, tanto pelas relações interpessoais
que se estabelecem no âmbito familiar, dos amigos, etc, como em referência, de um modo
geral, ao mundo dos contemporâneos, enquanto esfera das mais amplas relações com a
sociedade de pertença. No mundo social a relação com o outro é sempre mediada por
modelos de significado já codificados, isto é, por tipificações do agir (modelos de
comportamento, valores, regras, etc), que, como conjunto de vivências típicas, surgem
assimiladas através da comunicação social, ou seja, da linguagem, dos exemplos práticos,
do ensino, da leitura, etc.
O conjunto dos significados culturais, homogéneos e repetíveis, assume a sua autonomia
não só relativamente aos significados subjectivos, a partir dos quais eles se constituíram
inicialmente, como também relativamente à dimensão temporal interna na qual se
encontram imersos (cf. Schutz, 1973, p. 261 e segs.). A nível social, os nexos de sentido
subjectivo surgem assim substituídos por nexos de sentido objectivo, num sistema de
significados complexo, caracterizado por um alto grau de «anonimato»: tal sistema é
também a base dos critérios de atribuição de relevância relativamente aos diferentes
aspectos do agir
120
1
1 social. Com efeito, este último só se torna possível com base nas interpretações e expectativas pré-
constituídas, que são o fundamento da previsibilidade dos comportamentos recíprocos. O código cultural
facilita as trocas sociais e fornece as tipificações que consentem não só a interpretação do mundo dos
contemporâneos como também do mundo dos predecessores: é sobretudo na referência ao passado que os
tipos ideais anteriormente experimentados se transformam em esquemas interpretativos do mundo social
actual.
As tipificações não só permitem coordenar, na prática quotidiana, as diferentes acções individuais,
como constituem também a base da observação científica dos comportamentos sociais. Tal observação
vem, efectivamente, orientada para o estabelecimento de ligações entre significados subjectivos e
significados objectivos: os primeiros surgem interpretados a partir dos segundos, através de uma redução
de complexidade do efectivo agir intencional dos indivíduos. Podemos assim chegar a hipóteses gerais e a
previsões acerca do agir e das suas motivações, hipóteses e previsões, que serão tanto mais válidas quanto
mais os sistemas objectivados das tipificações vigentes se revelarem coerentes e solidamente
interiorizados pelos actores sociais.
A teoria de Schutz, reconhecendo a importância da experiência subjectiva, permite, bastante melhor
que as teorias sistémicas anteriormente referidas, avançar uma explicação sobre a génese da cultura, esta
considerada como sendo resultado de uma abstracção e da generalização de significados inicialmente
presentes nas vivências individuais concretas. Deste modo, tanto a acção como a dimensão codificada dos
modelos e das regras surgem como igualmente relevantes, numa relação de circularidade em que o agir e
a cultura se influenciam reciprocamente: se a cultura orienta o agir, este apresenta-se, correctamente,
também como fonte de produção da cultura. O carácter de redução de complexidade que apresentam as
objectivações culturais, ou «tipificações», permite reconhecer, a par da dimensão de determinação
necessária à previsibilidade social e à interpretação científica dos comportamentos, a dimensão
indeterminada própria de um agir subjectivo que, na sua complexidade, permanece sempre para além das
nossas capacidades cognitivas. É assim dado justo relevo à tensão que sempre subsiste entre o momento
«típico» da cultura e a realidade contingente do agir, tensão que se encontra na base dos constantes
processos de transformação das formas culturais (v. cap. vi).
Schutz, todavia, não consegue dar uma resposta adequada ao problema da relação entre liberdade do
sujeito e condicionamentos estruturais (cf. Crespi, 1994a, p. 222): com efeito, alguns autores puderam
censurá-lo por haver dado excessivo relevo à dimensão do significado, ignorando o nível da praxis, ou
seja, a relação entre acção e condições materiais e, além disso, por ter descurado a importância central do
problema do poder e do conflito de interesses na vida social (cf. Giddens, 1976).
Em todo o caso, Schutz deu um indubitável contributo para a clarificação dos termos da relação entre
acção e cultura, no interior de um sistema conceptual
121
T
bastante mais aberto e aderente à dinâmica concreta do que aquele outro, excessivamente
rígido e abstracto, da teoria sistémica de tipo funcionalista.
O problema da relação dinâmica entre dimensão subjectiva e formas estruturais e
institucionais da realidade social é igualmente central na tentativa feita por Peter Berger e
Thomas Luckmann para darem uma formulação mais sistemática aos diversos elementos
presentes na teoria de Schutz (cf. Berger-Luckmann, 1966). Se também estes autores
consideram que a base estrutural é dada pelas formas culturais codificadas e pelas
instituições normativas que daí derivam, eles colocam sobretudo a tónica no processo de
socialização, distinguindo entre uma socialização de primeiro grau, na qual se integram os
papéis sociais, e uma socialização de segundo grau, na qual vêm interiorizados significados
e valores (v. cap. iv, 4; 4.1). E principalmente a partir deste segundo nível, no qual se
desenvolve a reflexividade, que se tornam possíveis, segundo Berger e Luckmann, os
processos de modificação e transformação das formas estruturais, ligados à contínua
produção das diferentes formas culturais.
Nesta perspectiva, a análise da dinâmica da relação entre acção e cultura vem assim desenvolvida nos
termos da tensão entre a tendência para absolutizar as ordens convencionais, e até mesmo para as tornar
«naturais» ou entendê--las como um dado adquirido, e a tendência contrária para relativizar e submeter à
crítica as ordens constituídas. Reconhecendo que a cultura entra constitutivamente, em conjunto com as
constantes biológicas, na formação do ser humano, a ponto de este último poder ser considerado como
um produto sócio-cultural, Berger e Luckmann acentuam, todavia, o facto de os actores sociais serem
também continuamente produtores de cultura e de formas sociais (ibid., p. 92).
As instituições sociais, enquanto «actividades humanas objectivadas» ou sedimentações da
experiência colectiva, possuem sempre uma dimensão histórica e, ainda que tendam a durar muito, não
são irreversíveis, mas sempre susceptíveis de perder, com o tempo, a sua anterior importância, através
dos processos sociais dos quais são parte: daí as possibilidades de haver desvios do agir, que dão lugar a
transformações das formas institucionais.
Berger e Luckmann põem em evidência, por outro lado, a tendência das diversas instituições sociais
para a «associação» entre si, isto é, para integrarem os significados num todo coerente, embora articulado
segundo diferenciações funcionais. O principal sistema de símbolos usado é o da linguagem, que possui
a função de tornar «objectivas e acessíveis a todos as experiências comuns no seio da comunidade
linguística, tornando-se assim a base e, ao mesmo tempo, o instrumento da cultura colectiva» (ibid., p.
101).
A tipificação das formas de acção, representada pelos papéis, incide sobre a experiência individual e
a relação consigo mesmo: o actor social, mantendo embora uma margem de diferenciação do papel, no
momento do agir percepciona-se a si mesmo essencialmente através da identificação com a acção
122
í
socialmente objectivada. Só quando o actor reflecte sucessivamente sobre a sua própria
conduta pode distanciar-se relativamente ao papel (ibid., p. 107).
Na referência às formas de institucionalização, Berger e Luckmann consideram
igualmente o problema das formas de legitimação, isto é, daquelas objectivações de
«segundo grau» do significado, que servem para integrar os significados já atribuídos às
diversas instituições constituídas. A função de legitimação consiste em «tornar
objectivamente acessíveis e subjectivamente plausíveis as objectivações de "primeiro grau"
que se tornaram institucionalizadas» (ibid., p. 132). A legitimação não é necessária na
primeira fase de formação das instituições sociais, ligadas à experiência directa da
interacção social, mas sim quando as objectivações de uma ordem institucional, já tomada
histórica, devem ser transmitidas a uma nova geração. A legitimação justifica a ordem
institucional, por um lado, explicando a sua validade cognitiva e, por outro, confirmando os
seus valores normativos.
Os níveis de legitimação podem ser diversos. De início, pode tratar-se simplesmente da
transmissão de uma linguagem particular: por exemplo, um vocabulário usado para designar
o parentesco legitima a estrutura de parentesco a partir do momento em que, neste caso, a
legitimação é incorporada no próprio vocabulário (a designação de um outro como «primo»
legitima a conduta na nossa relação com ele, aprendida em simultâneo com a designação).
Um segundo nível apresenta, embora de forma rudimentar, esquemas explicativos
relativamente a um conjunto de significados: provérbios e máximas morais de uso comum
entram nesta categoria. O terceiro nível, pelo contrário, reporta-se a teorias explícitas, que
legitimam um sector institucional enquanto corpo de conhecimentos diferenciados: integram
este nível explicações orientadas para a justificação de determinados usos (exemplo, ritos de
iniciação). Um quarto nível é representado pelos universos simbólicos, ou seja, pelas
totalidades de significado que integram os diferentes sectores da ordem institucional numa
estrutura de referência global. Trata-se, neste último caso, de teorias de tipo geral, que
tornam inteligíveis e «menos assustadoras» esferas de significado que, de outro modo,
permaneceriam isoladas e incompreensíveis na realidade da vida quotidiana. Exemplos de
tais teorizações podem ser as teorias da natureza humana ou da vida, que dão explicações
acerca do destino humano, da dor, da morte; as teorias da história ou da política; as teorias
cosmológicas, etc. (ibid., p. 132 e segs).
Ter presente a dimensão da legitimação é bastante importante para uma teoria
sociológica da cultura, porque coloca em evidência a dimensão de auto-referencialidade dos
sistemas culturais, que, como já vimos, foi também realçada por Luhmann (v. 1.5 do
presente capítulo). A cultura não só objectiva expressões e significados que nascem da
experiência vivida como também, a um segundo nível, reflecte sobre as suas próprias
objectivações, fornecendo-lhes formas de justificação que contribuem ulteriormente para o
enriquecimento da
i I
123
experiência, ainda que, por vezes, como ocorre nos universos simbólicos de tipo dogmático,
se sobreponham a tal experiência, arriscando~se a sufocá-la.
A sociologia de Goffman e a de inspiração fenomenológica de Schutz e de Berger e
Luckmann inauguraram, por assim dizer, uma nova fase da análise das formas culturais.
Evidenciando embora, no caso de Schutz e de Berger e Luckmann, a relação dinâmica que
subsiste entre acção e formas culturais, estas teorias favoreceram efectivamente a tendência,
reforçada nas teorizações mais recentes, para colocar em segundo plano a dimensão das
motivações objectivas e para atribuir à cultura uma posição dominante na construção da
realidade social e na determinação do agir.
3.3 Os procedimentos interpretativos
O sociólogo norte-americano Harold Garfinkel (1917-) é, com Aaron Cicourel, o
principal expoente da disciplina por ele próprio baptizada como etnometodologia, um
neologismo que, inspirando-se nos outros termos já a uso (etnobotânica, etnofisiologia,
etnofísica), pretende indicar que o objecto da nova forma de análise é o património de
conhecimentos de senso comum (etno) usados (método) usados pelos indivíduos para
definir e determinar praticamente a sua realidade social (cf. Garfinkel, 1974, p. 16 e segs.).
Numa referência directa ao conceito husserliano de mundo-da-vida ou mundo ambiente
de Alfred Schutz, Garfinkel considera que o sociólogo tem, nos confrontos da realidade
social, uma atitude semelhante à que é levada à prática por qualquer outro membro da
sociedade, na medida em que o cientista social alcança largamente o património de sentido
comum para definir e interpretar tal realidade. Os fenómenos que os cientistas sociais
examinam são efectivamente definidos com base em noções e representações obtidas no
mundo da vida quotidiana, muitas vezes sem analisarem os pressupostos que se encontram
na base de tais definições. Por exemplo, se o sociólogo estuda comportamentos definidos
como criminosos, tenderá a usar o conceito de senso comum de crime, sem se colocar o
problema dos critérios com base nos quais, no seu específico contexto social, um
determinado comportamento é definido como tal.
Distinguindo entre objecto de investigação e recurso, outros dois etnometodólogos, Don H.
Zimmerman e Melvin Pollner, defenderam que não se deve confundir aquilo que deve constituir o
verdadeiro objecto de investigação científica com os instrumentos conceptuais, ou os recursos, facultados
pelo senso comum, para interpretar um determinado fenómeno num dado contexto social (cf.
Zimmerman-Pollner, 1970, p. 91 e segs.). Como já Schutz havia indicado, o sociólogo, não se
encontrando directamente implicado na situação observada, deve assumir uma atitude crítica acerca do
modo como o que vive directamente na situação concreta se representa aquela, ou a explica. Se não
pretende continuar a partilhar os mesmos preconceitos sobre o mundo social contido nas
124
1
i interpretações do mundo dos profanos, o cientista social deve colocar como base da sua
investigação sobretudo os processos a partir dos quais tais interpretações definem um
fenómeno, constituindo-o como umfacto entendido como dado adquirido (ibid.). Com
efeito, existem nos diversos contextos sociais práticas correntes de rotulagem (labeling) dos
fenómenos (p.e., «crime», «suicídio», etc.) e são efectivamente tais práticas que revelam os
processos através dos quais se constrói uma determinada realidade social (cf. Cicourel,
1968, p. 11 e segs.).
A tese fundamental de Garfinkel é que «as actividades, através das quais os membros da
sociedade produzem e gerem situações de relações quotidianas organizadas, são idênticas
aos procedimentos usados pelos seus membros para as tornar "explicáveis" (account-
ables)» (Garfinkel, 1967, p. 19 e segs.; itálico meu).
As práticas de explicação (accounts) constituem uma «realização contingente e
contínua», ou seja, vêm assumir, no mundo de senso comum da vida de todos os dias, o
status de acontecimentos, na medida em que descrevem e organizam uma realidade que
acaba por ser considerada como um dado de facto dos indivíduos, os quais dão como
adquirida a sua competência para levarem a cabo tais «realizações», acabando com a
dependência por elas (ibid.).
As práticas de explicação das diferentes situações desenvolvem-se num contexto intersubjectivo
complexo, no qual os membros da sociedade concorrem para a confirmação de uma determinada
interpretação como explicação «racional» e «objectiva» de um facto. De facto, as explicações
apresentam características que as tomam reconhecíveis, que lhes evidenciam o carácter metódico e
impessoal, que se encontram estreitamente ligadas aos contextos sociais em que são utilizadas: as suas
características racionais «consistem naquilo que os seus membros "fazem com elas" e "compreendem"
delas nas ocasiões concretas e socialmente organizadas para o seu uso» (ibid., p. 57).
A análise dos procedimentos interpretativos, colocados em acto na produção da realidade social e nas
práticas interactivas de confirmação de tais procedimentos, deve ter em conta não só a reflexividade, isto
é, nesta particular acepção, a circunstância, já anteriormente recordada, pela qual as actividades são
idênticas aos processos que pretendem explicá-las, como também a indicalidade (indexicality), ou seja, o
facto de cada significado não poder ser entendido senão em referência ao contexto particular no qual é
produzido (ibid., P- 58).
Com base nestes pressupostos, Garfinkel desenvolveu, num primeiro tempo, uma série de
investigações empíricas, orientadas no sentido de evidenciar as regras a partir das quais se desenvolvem
as relações de comunicação social e se determinam as expectativas recíprocas. A interiorização de regras
geralmente partilhadas é indicada como condição básica para a confiança recíproca e a previsibilidade,
necessárias à estabilização dos esquemas interpretativos e das
125
situações particulares. Quando um acontecimento, desafiando qualquer analogia, não
consegue ser rotulado segundo os esquemas predeterminados, existe «uma ruptura da
congruência daquilo que é importante, e que pode levar a pôr em causa a ordem normativa
constituída» (Garfinkel, 1964, p. 145).
Ulteriormente, Garfinkel parece preferir, nas suas investigações empíricas, o termo
práticas a regras. Os critérios e os pressupostos que presidem às definições e explicações
das situações são, segundo Garfinkel, continuamente submetidos a negociações e
renegociações entre os diferentes membros da sociedade, e deve-se assim verificá-los mais
uma vez, fazendo-os emergir através de técnicas de investigação específicas. Por esta razão,
a etnometodologia analisa geralmente situações de tipo micro-sociológico (relações
interpessoais em pequenos grupos ou nas organizações, análises de documentos oficiais que
revelam os critérios de rotulagem, situações de emergência, casos limite, etc).
Coerentemente com o princípio da indicalidade, o observador social deve, de vez em
quando, fazer por usar uma linguagem que seja coerente com a dos sujeitos observados,
evitando sobrepor à realidade específica analisada categorias abstractas, elaboradas
independentemente do contexto social que se pretende estudar. Um dos métodos para
colocar em evidência os mecanismos que presidem à construção do sentido, mostrando
simultaneamente a fragilidade das ordens convencionais constituídas, é o de fazer resultar
como «estranhas» as práticas habituais (fórmulas de cortesia, regras de boa educação, etc),
fazendo «saltar as regras» não problemáticas. Em vez de analisar simplesmente as
transgressões espontâneas, trata-se de provocar activamente tais transgressões, a fim de se
observar experimentalmente o que acontece quando os indivíduos se encontram perante
comportamentos imprevistos. As reacções de embaraço ou de agressividade, que resultam
da colocação à discussão de regras que, na maior parte das vezes, passam despercebidas,
constituem a demonstração da sua importância, com vista ao controlo do imprevisível e à
manutenção do sentimento de segurança nas relações (ibid., p. 6 e segs.; v. cap. v, 7).
A etnometodologia teve indubitavelmente o mérito de desenvolver uma verificação
empírica destes processos, que já Schutz indicara como essenciais para a construção da
realidade social. A dimensão cultural, enquanto linguagem e conjunto de regras e
procedimentos codificados, surge assim como constitutiva das relações sociais e das
próprias personalidades individuais. Já não se fala de cultura em termos de um sistema
global integrado e coerente, mas antes de modelos e de critérios normativos que, de vez em
quando, são encontrados em contextos sociais específicos. A análise dos processos sociais já
não faz referência, numa primeira abordagem, a entidades estáveis (dados materiais,
estruturas sociais, características do sujeito), mas considera toda a realidade como o produto
da actividade de definição, interpretação e explicação posta a circular nos processos de
comunicação baseados na interacção social (cf. Cicourel, 1974).
126
1 \
Com base nesta afirmação tendencialmente unidimensional, não é possível analisar as contradições e
as ambivalências da relação entre acção e cultura; ao passo que o agir, sendo pelo contrário uma
dimensão relativamente autónoma radicada no sentido da experiência vivida, surge, desde o início,
socialmente constituído enquanto resultado de um procedimento interpretativo.
A análise etnometodológica, todavia, coloca justamente em evidência que, embora incidindo
profundamente sobre as consciências individuais e apesar de ter sólidos fundamentos na exigência
colectiva de se evitar a imprevisibilidade, a ordem social é susceptível de contínuas transformações,
apresentando uma substancial fragilidade: de facto, basta introduzir uma desobediência aos critérios
vigentes num dado contexto social para se assistir a fenómenos de desagregação da própria ordem.
As mesmas categorias usadas pelo cientista social surgem, por outro lado, como resultado de
processos interpretativos de situações contingentes: tais categorias não podem ser definidas de uma vez
por todas, já que têm de adaptar-se continuamente aos efectivos critérios usados pelos actores sociais para
se darem conta da sua realidade. Daqui emerge uma fundamental dificuldade epistemológica, na medida
em que a consciência do carácter convencional dos pressupostos usados pelo observador, eles mesmos na
base do princípio da indicalidade, parece impedir qualquer possibilidade de desenvolver generalizações
cognitivas relativamente aos fenómenos sociais no seu conjunto, e assim tornar vão o próprio conceito de
ciência social. Na prática, também as análises etnometodológicas recorrem a pressupostos conceptuais
gerais de ordem psicológica (p.e., a «necessidade de segurança») ou sociológica (p.e., o princípio da
indicalidade), que, por sua vez, não podem ser submetidos a comprovação, sem se encetar uma análise até
ao infinito. Tal como demonstraram, com diversos argumentos, Kurt Gõdel e Popper, é esta uma condição
comum a todas as ciências, que não invalida os resultados parciais do saber científico, mas mostra a
inconsistência da pretensão inicial da etnometodologia ao colocar-se como um método científico
totalmente diverso dos métodos «vulgares» (folk) até então usados pela sociologia tradicional (cf. Crespi,
1994a, p. 232 e segs.)
3.4 A produção da sociedade
Uma teoria que dá maior relevo ao momento da acção, segundo linhas mais tradicionais ligadas a Max
Weber e a Marx, é a do sociólogo francês Alain Touraine (1925-), que, à partida, toma posição quer
contra o estrutural-funcio- nalismo de Parsons, quer contra as teorias de tipo individualista: «O sentido de
uma acção não se reduz nem à adaptação do actor a um sistema de normas sociais mais ou menos
institucionalizado, nem às operações do espírito que qualquer actividade manifesta.» (Touraine, 1965, p.
9.)
127
Efectivamente, Touraine procura mostrar a complexa articulação da dinâmica das
relações sociais, na sua relação com as diversas formas estruturais e os diferentes modos de
expressão cultural. Neste contexto, a cultura não surge como um sistema independente da
acção, mas antes em estreita relação com ela: para Touraine, os valores, os modelos, as
regras culturais mantêm-se somente na medida em que surgem efectivamente realizados na
acção, a qual não só se orienta a partir deles, mas também contribui para os produzir. A
sociedade baseia-se principalmente na acção social: «a ordem social não tem qualquer
garantia meta-social, religiosa, política, económica, e é inteiramente o produto de relações
sociais.» (Touraine, 1973, p. 14)
O pressuposto geral da análise de Touraine é o de que o sentido do agir social não deve
ser explicado através da consciência do actor ou da situação em que este se encontra, mas
através das relações sociais nas quais o actor é implicado. Donde a exigência de
individualizar as diversas formas das relações sociais, distinguindo-as entre si.
Num primeiro nível, Touraine distingue três âmbitos gerais: ahistoricidade, que se refere
à determinação, por parte da própria sociedade, dos instrumentos orientados para a produção
da sociedade (trata-se das orientações culturais gerais, que indicam o sentido do processo
histórico no seu conjunto); o sistema de acção histórica, que compreende o conjunto das
orientações sociais e culturais particulares, através das quais a historicidade exercita o seu
impacto sobre o funcionamento da sociedade; as relações de classe, que se reportam ao
âmbito no qual se desenvolve a luta pelo controlo da historicidade e do sistema de acção
histórica.
A um segundo nível, Touraine distingue: o sistema das decisões políticas (a que também
chama, indiferenciadamente, sistema institucional ou sistema político); o sistema da
organização social; os movimentos sociais.
Tanto as instituições como as organizações constituem campos da vida social que «não são
independentes das orientações da acção histórica, mas, pelo contrário, traduzem-nas concretamente»: as
orientações do sistema da acção histórica e das relações de classe são, de facto, elementos essenciais,
tanto do sistema institucional como do da organização social. Os movimentos sociais, em contrapartida,
surgem definidos como «comportamentos colectivos situados ao nível do campo de historicidade»,
ligados tanto ao sistema de acção histórica como às relações de classe: tais comportamentos «põem em
acção o conflito pelo controlo da historicidade» (ibid., pp. 20-21).
A dimensão cultural coloca-se de forma diversa, em conformidade com os níveis de análise
considerados. Coerentemente com a ideia de que a cultura está intimamente ligada à acção e à dinâmica
das relações sociais, Touraine recusa-se a considerar separadamente as instituições jurídicas, políticas,
religiosas, escolares, militares, mas propõe-se ligar entre si essas diferentes dimensões, no interior dos
âmbitos da vida social, com as diversas ordens de relações que as caracterizam.
128
Em particular, ao nível da historicidade, entram em consideração os modelos sociais e
culturais de tipo geral, a partir dos quais se organiza uma sociedade. A historicidade é, antes
de tudo, criação de um modelo de conhecimento e, por conseguinte, o resultado de uma
distanciação relativamente à dinâmica concreta das relações sociais. Porém, quanto a isto,
Touraine precisa que se deve ter presentes dois aspectos aparentemente opostos entre si: por
um lado, uma sociedade é um conjunto definido e delimitado por certas orientações sociais e
culturais, que não são propriedade de uma categoria de actores, mas sim elementos
constitutivos do campo geral das relações sociais; por outro, uma sociedade, enquanto
conjunto de relações sociais, é produzida pelos actores através de formas de conflito e de
cooperação (ibid., p. 70). A historicidade não deve então ser entendida unicamente como um
conjunto de valores culturais, mas também como o processo dinâmico no qual algumas
orientações culturais são completamente realizadas e se transformam em funcionamento
social no interior das relações de classe.
Ao nível do sistema de acção histórica, «a capacidade de domínio da historicidade sobre
a prática social» (ibid., p. 95), ocorre através da formulação de um modelo cultural,
enquanto imagem da criatividade da acção histórica que controla, em última análise, as
categorias da prática social. Com efeito, graças ao sistema de acção histórica, a prática
social «é determinada, não pelas suas leis internas ou pelas exigências da vida social, mas
pelos recursos mobilizados ao serviço de um modelo cultural» (ibid., p. 97). Tal sistema
mostra-se definido através de três pares de oposições: movimento-ordem, que mostra como a
mudança da sociedade é inseparável da sua ordem; orientação-recursos, onde os recursos
representam as condições materiais e biológicas do agir e as orientações um conjunto de
variáveis do modelo cultural que incide sobre o tipo de organização social. Por exemplo, um
modelo cultural de tipo religioso está geralmente associado a uma forma de estruturação da
comunidade e dos sistemas de troca, caracterizando sociedades que possuem uma débil
capacidade de acção sobre si próprias; ao passo que um modelo cultural de tipo técnico-
industrial caracteriza sociedades nas quais as estruturas elementares da organização social
tendem a decompor-se e a capacidade da sociedade para agir sobre si mesma parece ter
deixado de encontrar limites. Finalmente, a terceira oposição, cultura-sociedade, evidencia
o facto de a realidade social ser, ao mesmo tempo, cultura e formas de realização social: os
elementos sociais e os culturais encontramse misturados entre si. Um modelo cultural
«indica o reconhecimento de uma forma de criatividade que arrasta a sociedade e utiliza os
recursos acumulados» (ibid.,p. 101).
Ao nível das relações de classe, evidenciam-se os mecanismos de controlo do modelo
cultural por parte da classe dominante, a qual, por um lado, surge como a expressão social
do modelo cultural e, por outro, serve-se desse modelo para constituir o seu poder. A classe
subalterna, pelo contrário, é a que, embora
129
ir
sendo incluída, não gere a efectivação do modelo cultural: «apela ao modelo cultural
contra a apropriação privada» deste por parte da classe dominante (ibid., p. 169). O
facto de o modelo cultural ser comum às classes dominantes e às subordinadas, ainda
que a sua relação com este seja diversa, impede que se considere o modelo cultural
constituído como a ideologia da classe dominante.
A relação com as orientações culturais é ainda diversa, se se considerar o sistema
institucional, que tende a transformar a acção histórica e os conflitos de classe concretos
num corpo de decisões e de leis, que fixam as normas e as expectativas legítimas, ou as
organizações (industriais, administrativas, científicas, etc), que definem regras de
comportamento ou papéis e dispõem dos seus próprios meios de integração social e de
sanções para o desvio que lhes são próprias (ibid., p. 23).
Ao nível do sistema institucional, Touraine distingue entre a ideologia da classe
dirigente, mais ligada aos interesses específicos desta classe; o discurso institucional ou
político, que abrange significados mais complexos e pode ser sensível à influência de
forças sociais diversas, com uma autonomia própria; a retórica dos juristas, que também
apresenta autonomia relativamente à ideologia da classe dirigente e tende a criar uma
unidade coerente, segundo um conjunto de racionalizações que formalizam, ritualizam,
integram elementos díspares numa linguagem sempre distante da que decorre da prática
social (ibid., p. 263 e segs.).
Também o nível das organizações apresenta uma retórica específica, que não se
encontra directamente ligada nem a relações de classe, nem à acção do Estado, mas
possui funções não só de justificação, ou seja, de legitimação da razão de ser e da
autonomia da organização, como também de polémica, isto é, de defesa dos interesses de
uma organização nas suas relações com outras organizações. A retórica das
organizações tende a afirmar, de modo independente dos conflitos de classe e das lutas
políticas, o primado de um papel profissional em função do interesse geral. Vamos
encontrar exemplos de retórica das organizações nas empresas produtivas, nas
administrações e igualmente na escola e na universidade (ibid., p. 387; 1972; v. cap. iv,
7).
A complexa análise de Touraine contribui indubitavelmente para evidenciar que a
cultura, não obstante possuir uma dimensão autónoma, não pode ser concebida como um
sistema unitário, mas antes como um conjunto de modelos diferenciados, possuidores de
articulações e funções diversas, segundo os contextos sociais considerados. Tais modelos
podem ser também contrapostos entre si: se, ao nível da historicidade, a cultura tende a
apresentar-se como síntese e sistema de referência geral, nos diferentes níveis da prática
social esta apresenta-se sobretudo como a articulação dos âmbitos de significado,
possuidores, cada um deles, da sua autonomia própria. Em todos os casos, os valores, as
normas, os modelos culturais já não são aqui concebidos como um dado que se antecipa
à acção, mas como qualquer coisa intimamente ligada à dinâmica das
130
T
relações sociais: estes surgem, ao mesmo tempo, como uma forma de expressão do agir e como
orientações que determinam os comportamentos, mas a sua realidade é sempre subordinada ao facto
de a acção os assumir efectivamente no processo de produção e reprodução das formas sociais.
3.5 Estilos de vida, distinções sociais, estruturas
I
Uma posição teórica que pretende igualmente colocar-se a igual distância do estruturalismo e do
subjectivismo foi a desenvolvida pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-), o qual afirma que se
deve evitar quer a ilusão objectivista - que consiste em considerar as estmturas sociais como uma
realidade autónoma que se impõe aos actores sociais, sem ter em conta os processos que, a partir da
experiência e das acções dos sujeitos, geram as estruturas - quer a ilusão subjectivista - que atribui aos
indivíduos uma autonomia absoluta, sem ter em consideração condicionamentos materiais e culturais que
delimitam e orientam o seu agir. A relação sujeito-estrutura deve, portanto, ser entendida como uma
relação de interdependência recíproca, reconhecendo que o agir não é nem uma pura reacção mecânica,
inteiramente dependente das normas, dos papéis, dos modelos culturais pré-estabelecidos, nem o puro
resultados das intenções conscientes e deliberadas dos actores sociais (Bourdieu, 1972, p. 178).
O ponto de encontro entre o agir e a cultura é indicado por Bourdieu no conceito de habitus, ou seja,
naquelas disposições duradouras que se vieram a formar na experiência prática da vida social e que se
apresentam, ao mesmo tempo, como determinações estruturadas, enquanto resultado do agir histórico e
das inter-relações dos sujeitos, e como dimensões estruturantes, enquanto geradoras e organizadoras das
práticas e das representações individuais e colectivas, delimitando, nos contextos sociais concretos, o
campo das efectivas possibilidades de pensamento e de acção. O habitus é, em substância, um conceito
que não se encontra longe do da interiorização dos valores e dos modelos culturais de Parsons ou do das
tipificações, usado por Schutz ou por Berger e Luckmann.
O conceito de campo, que também vimos utilizado por Touraine, adquire na teoria de Bourdieu uma
função analítica mais específica, dado que permite ter em conta o conjunto dos elementos estruturais,
culturais e subjectivos que, no interior de um determinado contexto social, interagem entre si, dando vida
aos procedimentos através dos quais se vem constmindo uma particular forma de realidade social (cf.
Bourdieu-Passeron, 1970, p. 180).
Recusando as interpretações do «pensamento linear» que tendem a individualizar num só factor
determinante (p.e., relações de produção) a causa das práticas sociais, Bourdieu propõe que se deva
«reconstruir a trama das relações interligadas» numa série de variáveis diversas, fazendo referência à
«causalidade estmtural de uma rede de factores que é totalmente irredutível à simples
131
acumulação dos diversos factores. Encontramo-nos, de facto, perante uma multiplicidade de
determinantes, materiais, culturais e sociais, em relação entre si; são exactamente as particulares formas
assumidas por estas relações múltiplas que configuram um espaço social concreto.
Bourdieu concebe o espaço social como um âmbito de relações constituído, principalmente, a partir de
três dimensões fundamentais: o capital, como conjunto de recursos e de poderes efectivamente utilizáveis
(capital económico, capital cultural, capital social); a particular estrutura assumida pelo capital; a
evolução no tempo das duas dimensões precedentes (cf. Bourdieu, 1979, p. 119 e segs.). O espaço social
é uma representação abstracta, um ponto de observação, por parte dos actores sociais como também dos
cientistas sociais, que abrange o conjunto dos que compõem o mundo social. Na prática, o que mais
importa são os pontos de vista particulares que os actores sociais possuem deste espaço, a partir da
posição que nele ocupam e da atitude de conservação ou de transformação que assumem nos seus
confrontos. É a este nível que adquirem sobretudo importância as divisões de classe e os habitus
específicos como princípios geradores de práticas objectivamente classificáveis e como sistemas de
classificação destas mesmas práticas. Estes dois aspectos próprios dos habitus fundamentam a imagem do
mundo social (ibid., p. 173 e segs.).
A partir destes pressupostos conceptuais, Bourdieu analisou sobretudo os processos de produção e
reprodução dos significados sócio-culturais. Se na sua obra La riproduzione (1970), Bourdieu analisa, em
particular, os sistemas e os processos educativos através dos quais são transmitidos os modelos culturais,
no seu livro La distinzione. Critica sociale dei gusto (1979) põe em evidência a influência dos costumes
culturais sobre a definição das classes e das relações de classe. Do ponto de vista de uma sociologia geral
da cultura é sobretudo este último trabalho o que contém os contributos mais significativos, embora
possamos remeter a análise da investigação sobre a reprodução para a secção que se ocupará de modo
específico da sociologia da educação (v. cap. iv, 4.2).
Na Distinzione, com base numa investigação empírica sobre uma amostra estratificada por sexo,
idade, habilitações académicas, profissão, Bourdieu analisa o fenómeno pelo qual a distinção dos gostos
estéticos (preferência por um ou outro tipo de música, pelo teatro, literatura, artes figurativas, etc.) surge,
ao mesmo tempo, como o resultado e como um elemento constitutivo da distinção de classe (v. cap. v, 7).
Posto que o gosto define «a capacidade de julgar sobre valores estéticos», Bourdieu mostra como tal
capacidade e as preferências a ela ligadas, variam segundo grupos e podem também dar lugar a
contraposições antagónicas entre os próprios grupos. Uma relação muito estreita liga as práticas culturais
de proveniência escolar e as origens sociais. Três universos de gosto correspondem, grosso modo, a três
diferentes níveis académicos e a três classes sociais: o goste legítimo, ou seja, o apreço por aquelas obras
de arte que são consideradas come
132
T
I
«superiores» (p.e., «Arte da Fuga» de Bach, pinturas de Bruegel ou de Goya, etc.) aumenta com o nível
de instrução escolar e reúne as mais altas frequências nas classes dominantes; o gosto médio, referente à
preferência pelas obras menores das artes maiores (p.e, «Rapsódia emBlue» ou «Rapsódia Húngara»,
pintura de Utrillo, etc), é mais frequente nas classes médias; o gosto popular, referido à «música ligeira»
ou à música culta depreciada pela divulgação (p.e., «Traviata», de Verdi) e outras formas de arte de
consumo, é mais frequente entre as classes populares (Bourdieu, 1979, p. 13 e segs.).
Com base na complexa análise dos resultados da sua pesquisa, Bourdieu chega a conclusões de
particular interesse do ponto de vista da relação entre cultura e sociedade. Do momento em que as
condições sociais diversas produzem diferentes habitus, estes últimos surgem como configurações
sistemáticas de propriedades particulares, que tornam manifestas e, ao mesmo tempo, contribuem para
constituir as diferenças objectivamente inscritas nas condições sociais. Tais configurações culturais
traduzem-se em esquemas de percepção e valorização das distinções sociais, que encontram expressão
nos diferentes estilos de vida, isto é, naqueles conjuntos coerentes de modelos, valores, regras práticas,
gostos, que qualificam o modo de vida de um grupo ou de uma classe, distinguindo-os das outras classes
(p.e., estilos de vida das classes abastadas, dos intelectuais, das camadas médias, das classes populares,
etc).
Os estilos de vida são assim os produtos sistemáticos dos habitus, que surgem como sistemas de sinais
fornecidos por uma qualificação social (p.e., «requintados», «vulgares», etc. - ibid., p. 111). Mostra-se
assim que a dialéctica entre condições sociais e habitus funda um sistema de diferenças percebidas e de
características distintivas, que qualificam a distribuição do capital simbólico (ibid.).
Quando, todavia, Bourdieu se interroga explicitamente sobre qual será a génese dos esquemas de
distinção interiorizados pelos actores sociais, na sua relação com as distinções sociais efectivas, parece
acentuar o impacto destas últimas sobre os primeiros. Bourdieu afirma efectivamente que «as estruturas
cognitivas activadas pelos sujeitos para conhecerem de forma prática o mundo social constituem
estruturas sociais incorporadas» (ibid., p. 458). Os esquemas históricos de percepção e de valorização
colocados em funcionamento pelos sujeitos são, em última análise, o resultado da divisão objectiva das
classes (classes etárias, de sexo, sociais): eles entram em função antes de chegarem à consciência ou à
ordem do discurso (ibid.). Tais esquemas, sendo partilhados pelo conjunto dos sujeitos de uma sociedade,
tomam possível a produção de um mundo de senso comum. Os esquemas perceptivos e valorativos
fundamentais recebem uma primeira objectivação na «trama de oposições» que resulta das dicotomias
geralmente utilizadas para classificar e qualificar as pessoas e os objectos: alto-balxo (p.e., sublime,
elevado, puro, fora do vulgar, simples, modesto); espiritual-material; fino-grosseiro; livre-coagido; leve-
pesado, etc.
133
Tais oposições encontram a sua origem, segundo Bourdieu, na mais fundamental oposição
da ordem social, ou seja, aquela que existe entre a elite dos dominantes e a massa dos
dominados (ibid., p. 459). Assim se evidencia que a ordem social «se inscreve a pouco e
pouco nos cérebros» (ibid., p. 462).
A identidade dos sujeitos individuais e colectivos constrói-se também ela com base em
esquemas interiorizados, como é particularmente revelado no que se refere ao fenómeno do
estigma ou seja, o facto de determinados indivíduos serem caracterizados, em oposição a
outros, de modo negativo e marginalizante: alcoólico, homossexual, negro, etc. Neste caso,
os sujeitos sociais objectos de estigma são obrigados a lutar para conseguirem um sistema
de classificação que lhes seja mais favorável (ibid., p. 468).
Bourdieu conclui a sua análise, observando que não existe qualquer propriedade dos sujeitos sociais,
quer física quer social, que, através dos esquemas de percepção e avaliação socialmente constituídos,
«não funcione também como propriedade simbólica» e que «a imagem que os indivíduos ou os grupos
oferecem inevitavelmente, através das suas práticas e das suas propriedades, faz parte integrante da sua
realidade social». A este propósito Bourdieu fala da «relativa autonomia da lógica das representações
simbólicas relativamente às determinantes materiais da condição social» (ibid., pp. 477-479). |
Se, por um lado, Bourdieu atribui à ordem simbólica uma posição central na construção da realidade
social, por outro, acaba todavia por subordinar tal ordem às estruturas objectivas que resultam da divisão
das classes. Deste modo, ele parece não ter confiado no seu projecto inicial de atribuir igual relevo às
dimensões subjectivas e objectivas. Se é efectivamente certo que as representações e os critérios de
classificação, levados à prática pelos actores sociais, surgem como determinantes na constituição do
mundo social e são dotados de uma limitada autonomia, de facto, tais representações e esquemas são
reconduzidos, em última análise, à sua raiz social objectiva. Se analisada em profundidade, a teoria de
Bourdieu surge assim, finalmente, como uma mais sofisticada versão do determinismo estruturalista de
tipo marxista: com efeito, a acção possui, nesta teoria, uma posição de subordinação, na medida em que
se limita a actualizar esquemas culturais objectivados que possuem a sua raiz última nas estruturas de
classe.
Uma posição mais equilibrada, no que se refere à autonomia da acção relativamente à cultura,
encontra-se presente na teoria da estruturação do sociólo go inglês Anthony Giddens (1935-), o qual
procurou igualmente ter em contai elemento activo proveniente da experiência dos actores sociais e a
dimensão di rotinização e de estruturação que influenciam os comportamentos individuai e colectivos.
Nesta perspectiva, Giddens desenvolve uma teoria do carácter dm da estrutura, considerando esta última
como uma dimensão que, ao mesmo tem po, determina a acção e, por sua vez, é por ela determinada.
Giddens distingu principalmente três conceitos: a estrutura, que representa o conjunto «das n
134
gras e dos recursos, ou conjuntos (sets) de relações de transformação, organizadas como
propriedade do sistema social»; o sistema, como conjunto «das relações reproduzidas entre actores
e colectividade, organizadas em práticas sociais normais»; a estruturação, como o conjunto das
«condições que governam a continuidade ou a transformação das estruturas e, assim, a reprodução
dos sistemas sociais» (Giddens, 1984, p. 25).
Enquanto a estrutura é uma dimensão na qual o sujeito está apoiado, o sistema social, no qual a
estrutura se encontra integrada, é constituído também pelas acções concretas dos actores sociais,
que reproduzem, no tempo e no espaço, as práticas culturalmente codificadas. A estruturação, pelo
contrário, indica as modalidades através das quais as actividades conscientes dos autores sociais
produzem o sistema, utilizando, nas situações concretas, as regras e os recursos culturais e
materiais para criar e recriar a realidade social. Com efeito, as condições estruturais não actuam
independentemente dos motivos e das razões dos actores sociais dotados de auto-reflexividade
(ibid., p. 181).
O conjunto dos produtos e das regras culturais (educação, conhecimentos, técnicas, etc.) é
considerado por Giddens como recursos, que os autores sociais atingem quer automaticamente
(rotinas), quer com a finalidade de responderem de maneira criativa a acontecimentos imprevistos.
As práticas sociais reflectem, por um lado, a capacidade dos actores para reproduzirem de modo
não intencional os modelos sociais codificados e, por outro, a capacidade de reagirem,
transformando-as, às condições próprias do seu contexto sócio-cultural: as estruturas, enquanto
conjunto de regras e recursos, são, ao mesmo tempo, um meio da acção e um resultado, que
condiciona o próprio agir.
Deste modo, parece que Giddens conseguiu evitar subordinar a acção à cultura ou esta à
primeira: o seu modelo teórico pode assim constituir a base para uma análise da relação entre acção
e cultura numa perspectiva de circularidade.
3.6 Estratégias da acção e definição de competências
I
As teorias de Bourdieu e de Giddens exerceram uma notável influência nos sucessivos
desenvolvimentos da sociologia da cultura que, na Europa como nos Estados Unidos, se veio a afirmar
como disciplina específica, sobretudo a partir dos anos setenta. As novas teorias colocaram geralmente a
tónica sobre o papel constitutivo da cultura na organização das estratégias da acção e na definição das
diversas competências, com base nas quais tomam forma os diferentes âmbitos de significado.
Relativamente à tendência de Bourdieu para atribuir um papel predominante às estruturas sociais
objectivas, tais teorias analisam a relação entre acção e cultura, particularmente nos termos de Giddens,
especificando diversos aspectos do processo de interacção entre ambas as dimensões.
Um importante contributo, neste sentido, é o que vem contido no ensaio Cultura in azione: simboli e
strategie (1986) da socióloga americana Ann
735
Swidler, que, como já foi aqui referido (v. 1.3 do presente capítulo), parte da crítica ao
conceito de valor como orientador da acção. Segundo Swidler, com efeito, o conceito de
valor, tal como é utilizado por Weber e Parsons, mostra-se inadequado para explicar o agir.
Weber considera os interesses materiais e ideais como motores da acção, mas, usando a
metáfora do agulheiro nos caminhos de ferro, ele afirma que as imagens do mundo e as
ideias determinam a direcção ao longo da qual vem canalizada a força propulsora dos
interesses. Se para Weber tais ideias são produtos históricos, em Parsons os valores
assumem um carácter abstracto e geral, interior ao sistema social. Todavia, ambos os autores
consideram os valores sobretudo como funções de orientação da acção.
Segundo Swidler, os modelos culturais adquiridos pelos indivíduos nos seus contextos
sociais prevalecem sobre as suas aspirações e referências aos valores, e são determinantes
relativamente aos comportamentos que aqueles decidem adoptar. Aqueles que viveram em
ambientes particularmente pobres, ligados a tradições culturais ancestrais, terão dificuldade
em abandonar modelos de vida que lhes são familiares, para se adequarem aos que, no
mundo capitalista, garantem o sucesso: «Os indivíduos podem compartilhar aspirações
comuns, permanecendo todavia profundamente diferentes relativamente ao modo como a
sua cultura organiza o conjunto dos modelos de comportamento.» (Swidler, 1986, p. 275)
Daí deriva, por conseguinte, que a acção não surge determinada pelos valores, mas antes
que tanto as acções como os valores dependem das modalidades com as quais os indivíduos
trazem vantagem a partir de específicas competências culturais.
A cultura, para Swidler, não é um sistema unificado que impulsiona a acção de modo
coerente mas, pelo contrário, cada cultura contém símbolos, rituais, narrações e diversos
modelos de acção, por vezes contrastantes entre si. Na referência à investigação sobre a
«cultura do gueto» de Ulf Hannerz (1969), Swidler propõe que se considere a cultura como
uma caixa de ferramentas (tool kit), ou então como um repertório, ou um conjunto de
recursos, de entre os quais cada actor selecciona diferentes elementos, a fim de construir as
linhas da sua acção. Os recursos da cultura são sempre mais amplos que aqueles que, de
facto, um actor pode usar: tal como observava Garfinkel (1967), os actores não são passivos
«drogados da cultura» (cultural dopes), mas antes utilizadores, de modo activo, das
possibilidades oferecidas pela própria cultura.
Se os valores tivessem um papel predominante na orientação da acção, os actores sociais, com a
mudança das circunstâncias, perseguiriam sempre as mesmas finalidades, adaptando, de vez em quando,
as suas estratégias; mas se a cultura é sobretudo aquilo que fornece as modalidades para a construção das
linhas próprias de acção, então os estilos ou as estratégias da acção tenderão £ persistir para além das
finalidades desejadas (ibid., p. 277).
Os conceitos de valor e o de interesse servem igualmente pouco, segunde Swidler, para explicar a
acção, na medida em que ambos colocam a tónica na;
136
unidades de acção consideradas como actos isolados. Pelo contrário, a acção deve ser considerada como
uma sucessão de sequências, isto é, como em Bourdieu, em termos de estratégias de acção. Como
estratégia, Swidler entende, não um plano consciente orientado para a obtenção de um fim, mas antes o
modo geral de organização do agir que consente a obtenção de determinados objectivos. A cultura pode
ser considerada exactamente como a caixa onde se vai buscar as ferramentas que servem para construir
tais estratégias.
A partir destes pressupostos, a relação entre cultura e estrutura social é analisada por Swidler com base
na distinção entre situações de estabilidade e situações de instabilidade ou de mudança. Nos períodos em
que prevalecem os processos de transformação social toma-se mais evidente a influência determinante e
relativamente autónoma da cultura sobre as estruturas sociais. São estes os períodos nos quais se vêm a
formar as ideologias, enquanto sistemas de significado explícitos, altamente articulados, que
frequentemente se contrapõem às formas culturais tradicionais, tornando possíveis novas estratégias,
novas concepções do si e das formas sociais, novos estilos de vida e novas capacidades profissionais. São
sobretudo os movimentos sociais os portadores desta função inovadora.
Nas situações caracterizadas pela estabilidade, cultura e estrutura social surgem, ao mesmo tempo,
fundidas e separadas entre si. Por um lado, efectivamente, a cultura não se distingue das estruturas, na
medida em que não se encontra em conflito com elas; por outro, o agir não depende de um suporte
cultural imediato, como no caso do agir impulsionado pela ideologia, mas determina-se seleccionando os
recursos culturais disponíveis. Em tais situações, o grau de coerência da cultura é menor que nas formas
ideológicas e existe frequentemente uma descontinuidade entre aquilo que é afirmado e as efectivas
atitudes do agir. A cultura, neste caso, assume a forma da tradição, ou seja, de um conjunto articulado de
crenças e de práticas diversificadas (rotinas, rituais, cerimónias), que são dadas como adquiridas, ainda
que nem sempre acolhidas positivamente. Para além dela, assume as formas de senso comum, que se
baseia em aceitações não conscientes, sentidas como naturais. Assim, a cultura influencia a acção de
modo diverso nos momentos de estabilidade e nos que são caracterizados pela instabilidade.
Segundo Swidler, a sociologia da cultura deve, então, procurar identificar os aspectos do património
cultural que possuem efeitos duradouros sobre o agir, os modos como a cultura é efectivamente usada
pelos actores sociais e quais as mudanças históricas específicas que enfraquecem o impacto de
determinadas formas culturais, favorecendo o aparecimento de outras formas (ibid., p. 284). Assim, a
proposta de Swidler parece conferir igual importância tanto à acção como à cultura, permitindo
compreender as condições nas quais o agir se constitui como momento activo de selecção e, em última
análise, de transformação e inovação das formas culturais.
137
São análogas as linhas a partir das quais se desenvolvem as posições teóricas de Luc
Boltanski e Laurent Thévenot, dois sociólogos franceses, de algum modo discípulos de
Bourdieu, os quais, retomando parcialmente não só alguns dos pressupostos da teoria deste,
como também da etnometodologia e da filosofia analítica da linguagem, dedicaram a sua
atenção sobretudo à análise das regras de definição das competências e ao estudo dos
procedimentos mediante os quais é construído o sentido de uma acção e se toma possível a
identificação da mesma. Nesta perspectiva, evidencia-se a função das formas culturais, sem
que, no entanto, se sinta a necessidade, tal como em Bourdieu, de reportar tais formas a uma
estrutura objectiva das relações de classe.
A interrogação que dá origem aos trabalhos de Laurent Thévenot refere-se à
possibilidade de estabelecer uma relação entre o estudo das diferentes culturas e situações
históricas e o problema da identificação de propriedades permanentes da acção humana. A
intenção é criar «uma espécie de epistemologia experimental que consiste em levar até às
últimas consequências a análise das categorias e da linguagem da acção» (Pharo-Quéré,
1990, p. 9).
Após ter evidenciado a extrema heterogeneidade dos conceitos utilizados na teoria da
acção e a presença de uma divisão entre o pólo do agir individual, baseado em conceitos
como intenção, desejo, crença, vontade, racionalidade, e o pólo da acção colectiva, com
base em conceitos como norma, leis, acordo, legitimidade, Thévenot propõe superar as
oposições existentes entre compreensão dos motivos e explicação das causas do agir,
colocando no centro das atenções «a capacidade dos actores para passarem de um a outro
contexto de acção» (Thévenot, 1990, p. 40).
Com base nesta escolha, o fenómeno que adquire o maior relevo é o da coordenação do
agir no interior de mundos comuns, nos quais se encontram presentes específicas
modalidades de envolvimento e, como já Bourdieu salientara, standards comuns de
avaliação, tanto das pessoas como dos objectos. Mediante a análise desses mundos comuns
é possível individualizar os processos de selecção orientados para definir «aquilo que mais
importa» aos actores naquela situação social específica, interpretando assim a acção através
das exigências de coordenação que desenham os contornos da própria acção e tomam
possível a sua identificação.
Thévenot interroga-se sobre o modo como a identificação da acção vem subjacente a um juízo acerca do
seu êxito ou do seu fracasso, isto é, de que modo é avaliada a conveniência de uma acção? Os critérios
com base nos quais uma acção é considerada, no interior de um mundo particular (p.e., o dos acordos
comerciais), como conveniente consentem que se coloque em evidência os procedimentos através dos
quais é expresso um juízo público sobre a acção e as convenções que se encontram subentendidas a tal
juízo. Neste caso, a racionalidade não se refere sobretudo ao interesse individual, como no utilitarismo,
mas alcança relevo a busca de coerência e de normalidade, baseadas nos hábi
138
I tos, sobre a consciência, sobre a justificação. Substancialmente, aquilo que se toma sobretudo relevante
na interpretação do agir do indivíduo é a dimensão ligada à identidade e à necessidade de segurança.
O quadro analítico assim proposto permite ter em conta as acções individuais tanto como as colectivas,
segundo um continuum, que examina o crescimento das exigências de coordenação e de identificação da
acção por graus sucessivos: desde o nível das conveniências pessoais, no qual um acto é julgado
conveniente na base de um senso comum de fronteiras pouco controláveis, até ao juízo público, baseado
em convenções colectivas mais rigidamente codificadas. Assim, nessa perspectiva, assumem importância
central os valores, modelos de comportamento e critérios de juízo presentes num dado contexto cultural.
No textoDella giustificazione (1991), Boltanski e Thévenot analisam, efectivamente, os processos
através dos quais é construído o sentido ordinário da justiça, nas situações em que ocorrem disputas sobre
esta, ou seja, em situações nas quais, os indivíduos se apropriam de princípios de justificação diversos,
para argumentarem sobre os seus pontos de vista e chegarem eventualmente a um acordo. No texto Dell'
amore e delia giustizia come competenze (1990), pelo contrário, Boltanski analisara situações nas quais,
segundo o critério da justiça, é substituído o princípio do amor, do agapé, da gratuitidade e da renúncia ao
cálculo, mas também situações nas quais têm lugar denúncias de injustiça e pedidos de reparação.
Ambas estas obras se baseiam no pressuposto de que existe uma pluralidade de mundos de significado
diverso, cada um deles com os seus próprios critérios de conveniência da acção, as suas definições das
pessoas e dos objectos. De um modo particular, tais mundos de significado comum criam, cada um deles,
os modelos de competência, isto é, aqueles dispositivos através dos quais os actores sociais legitimam a
sua acção, garantindo-lhe a eficácia (cf. Boltanski, 1990, p. 67 e segs.).
A análise do agir individual e colectivo surge assim feita através da individualização dos processos de
construção do senso da acção e da sua conveniência não só no contexto concreto, como também dos
problemas que nascem da necessidade de adaptações sucessivas, nos casos em que se efectue uma
transição de um para outro âmbito de significados convencionais. Com efeito, tais âmbitos, construídos
com base em diversos critérios de definição do gosto e da conveniência, podem também estar em
contraste entre si.
Com base nestes pressupostos, é igualmente viável desenvolver uma tipologia dos critérios de
definição dos mundos comuns possíveis: ideais de justiça, definição de modelos políticos ideais, modelos
de honorabilidade, de eficiência, de profissionalismo, etc. (ibid., p. 78 e segs.). As categorias gerais dos
diferentes mundos culturais comuns permitem construir uma grelha de análise, baseada em princípios de
coordenação, sobre critérios de atribuição dos status e de defi
139
nição da dignidade das pessoas, sobre a construção, mediata simbolicamente, dos objectos
materiais e espirituais, sobre fórmulas de investimento, grau de evidência das
representações, etc.
As dinâmicas de acordo ou de conflito que possam emergir em tais mundos, ou na
passagem de um para outro âmbito de significado, são consideradas segundo sequências de
curto, médio ou longo prazo, tendo em conta que, de vez em quando, se conferem
diferentes dimensões à temporalidade. Assim, podem igualmente ser encontradas situações
limite, nas quais determinados princípios ou regras são postos à prova, obrigando à
utilização de recursos mais fundamentais, ou a disposições mais duradouras.
A afirmação feita por Boltanski e Thévenot, colocando a tónica sobre esquemas
interpretativos e orientações do agir, possui muitos pontos em comum com a
etnometodologia e com a teoria de Bourdieu. Relativamente a esta, a abordagem
metodológica destes autores tem, todavia, o mérito de, por um lado, se referir a categorias
gerais do agir, que consintam em avançar para além da aplicação rígida do princípio
etnometodológico da indexicality, e, por outro, de desvincular a análise dos significados,
que constroem os diversos mundos comuns da relação demasiado estreita, avançada por
Bourdieu, com as objectivas divisões de classe. A sociologia de Boltanski e Thévenot
configura-se assim como uma espécie de hermenêutica dos significados e dos modelos
simbólicos constitutivos das diferentes realidades sociais: estes dois autores sublinham,
sobretudo, a presença de uma pluralidade de universos simbólicos e o carácter dinâmico da
passagem de um a outro universo simbólico. Se, neste caso, a dimensão cultural parece
assumir uma função predominante relativamente à acção, esta mantém-se presente na
importância que assumem as práticas dos actores sociais, orientadas para a busca de um
acordo ou de um consenso, e no relevo atribuído à necessidade de uma justificação das
próprias competências, como motivação de fundo do agir dos indivíduos e da colectividade.
Entre os modelos teóricos que melhor reflectem as tendências da actual sociologia da
cultura contemporânea, segundo as linhas acima evidenciadas, vamos também recordar os
contributos de Robert Wuthnow e Richard Peterson.
Robert Wuthnow, embora partilhando em grande parte a teoria estruturalista de Bourdieu, distancia-se
dele: analisando numa perspectiva histórica e comparativa os grandes sistemas ideológicos da Reforma,
do Iluminismo e do socialismo europeu, Wuthnow procura, efectivamente, tornar claro até que ponto os
processos de inovação cultural adquirem, quanto ao contexto social, uma relativa economia. Segundo
Wuthnow, as ideias nascem das situações sociais, mas tendem a desvincular-se delas. Os processos
históricos de transformação social evidenciam que os produtos culturais, para serem eficazes, devem estar
suficientemente ligados às estruturas sociais e com elas articulados, evitando o risco de serem
considerados pelos actores sociais como irrelevantes, artificiais ou excessivamente abstractos; mas, ao
mesmo tempo, se se encontram intimamente
140
unidos ao contexto social, podem ser refutados como excessivamente limitados, localizados
e ligados ao tempo (cf. Wuthnow, 1989, p. 3).
A sociologia da cultura, segundo Wuthnow, deve abandonar o «problema do
significado», que está intimamente ligado à perspectiva de tipo individualista, e estudar a
cultura, não em termos de visões do mundo, subjectivas ou idealizadas, distintas do
comportamento, mas como «uma fornia do próprio comportamento e como o resultado
tangível deste» (ibid., p. 15). Wuthnow precisa que não subestima a importância dos
significados, mas, desde o momento que estes são traduzidos nos sistemas culturais, defende
que devemos analisar preferencialmente tais sistemas, em lugar de nos referirmos à
consciência individual (cf. Crane, 1994, p. 59). Uma vez que o agir, para Wuthnow, se
desenvolve segundo cadeias de sequências, as inovações culturais não emergem de
improviso, mas são o resultado de processos de longa duração.
Colocando a tónica sobre os processos de produção da cultura, Richard Peterson analisa
os modos como as formas sociais que presidem à produção de elementos culturais (criação
de formas culturais, a sua distribuição, processos de ensino, de avaliação e de conservação)
influenciam os conteúdos culturais. 0 pressuposto daperspectiva genética assumida por
Peterson consiste na convicção que a cultura é o código através do qual as estruturas sociais
se reproduzem dia após dia e de geração em geração. Retomando a analogia já avançada por
Parsons (v. 1.3 do presente capítulo), Peterson defende que a cultura desempenha na
sociologia o mesmo papel que o código genético desempenha na biologia (cf. Peterson,
1976, p. 16).
Nos processos de produção da cultura, além da família, da escola e dosmass media,
assume também uma função central o mercado dos bens culturais; os sistemas de
recompensa para aqueles que criam produtos culturais na arte, na religião, na ciência; as
funções de controlo (gatekeeping) desenvolvidas por aqueles que possuem o poder de
valorizar ou não as obras propostas ricTcampo cultural (p.e., críticos de arte, directores de
museus, editores, etc); as formas de organização que promovem a criatividade cultural ou
artística; e tantos" outros (cf. Peterson, 1979, p. 137 e segs.).
Por caminhos análogos aos aqui referidos seguem autores como Steve Derné (1994) e
David Brain. Este último, em particular, na linha de Michel Callon (1987), propõe a análise
das redes relacionais (actors networks), ou seja, os campos de operações que contribuem
para as definições culturais da validade moral e da eficácia técnica. Uma vez estabilizados,
os produtos culturais ou técnicos confirmam os âmbitos operativos no interior dos quais são
produzidos, isto é, as práticas e as relações sociais ligadas tanto à produção como ao uso dos
próprios produtos culturais (cf. Brain, 1994, p. 193).
Os diversos exemplos das posições teóricas acima recordadas mostram como a
sociologia da cultura abandona actualmente as grandes teorizações abstractas para se voltar
mais directamente para a análise empírica dos modos através dos
141
quais a cultura se vai continuamente produzindo e reproduzindo no seio das interacções sociais.
3.7 Os «Cultural Studies»
No âmbito do grande desenvolvimento da sociologia da cultura nos últimos anos, tiveram uma notável
repercussão, sobretudo na Inglaterra e nos Estados Unidos, uma série de reflexões teóricas e de pesquisas
que se apresentam sob a designação de cultural studies. Esta formulação deriva, inicialmente, do Centre
for Contemporary Cultural Studies, fundado em 1963 na Universidade de Birmingham, e conta, entre as
suas referências especiais, com os nomes de autores como Richard Hoggart (1959), Bernard Williams
(1985) e Edward Thompson (1968). Os cultural studies, que se afirmaram sobretudo a partir da crítica
literária, vieram progressivamente a impor-se como disciplina independente e surgem animados por uma
forte componente polémica contra a tradição académica da sociologia da cultura.
A partir dos anos oitenta, e indo buscar a sua inspiração sobretudo à tradição marxista de Gramsci e
Althusser, à Escola de Frankfurt, ao pós-estrutura- lismo, assim como ao desconstrucionismo inspirado
na filosofia de Jacques Derrida e à crítica literária desconstrucionista de Paul De Man (v. cap. iv, 3), os
cultural studies foram-se configurando, particularmente nos Estados Unidos, como a expressão dos
movimentos progressistas da Nova Esquerda, dos radicais, do feminismo, dos homossexuais e de outros
movimentos análogos. Com efeito, os cultural studies privilegiam como seu objecto de análise as
relações ligadas ao género, a sexualidade, as relações inter-étnicas, as formas de neocolonialismo, os
mass media e a cultura popular e material.
A crítica desconstrucionista de Derrida e De Man sublinhou que cada texto é a expressão de uma
forma de retórica, que define o próprio género, autoconstruindo-se, sem ter uma justificação para a
diversidade dos conteúdos: partindo-se do princípio que não existem critérios absolutos fora da
linguagem e que a realidade não pode ser atingida senão através da mediação de formas simbólicas
ligadas a uma tradição, todo o tipo de conhecimento surge como uma forma de narrativa que, embora
distinguindo-se por estilos diversos, é inevitavelmente uma interpretação situada e parcial. Nesta base, os
estudiosos que se reclamam dos cultural studies recusam situar-se como «peritos» que analisam de modo
neutral a realidade: eles opõem-se a qualquer imposição de sistematicidade disciplinar e de ordem
institucional, reivindicando, pelo contrário, um empenhamento moral na busca da felicidade, da
solidariedade e da justiça social, sobretudo a favor dos marginalizados, contra qualquer forma de
autoritarismo, seja ele científico ou político (cf. Tumer, 1990; Inglis, 1993; Harvey, 1989).
Actualmente, a variedade das componentes presentes nos cultural studies não permite considerá-los
exactamente como uma verdadeira escola de pensa
142
ir
mento, mas antes como um conjunto de teorias socioiugicas da cultura ou de métodos que
possuem características bem definidas: de qualquer modo, a presença desta corrente é tida
em consideração pelas possibilidades de estímulo e de inovação crítica que parece conter.
Não se pode todavia ignorar que, no estado actual, a acentuada componente ideológica, por
vezes utópica, que caracteriza as diversas posições dos autores que se apresentam como
representantes da nova disciplina, prejudica o objectivo da clareza teórica e a validade dos
resultados empíricos (cf. During, 1993).
O contributo mais interessante de alguns destes autores, que geralmente se reportam a um
conceito de cultura análogo ao que é proposto por autores como Bourdieu e Ann Swidler, é
talvez o facto de terem colocado a tónica sobre a cultura popular e haverem retomado a
análise dos produtos da cultura material (cf.Mukerji, 1994; Mukerji-Schudson, 1986).
3.8 Sistema cultural e integração sócio-cultural
Para concluir a nossa resenha de algumas das actuais posições teóricas mais
significativas acerca da relação entre cultura e acção social, passaremos à ambiciosa
tentativa da socióloga inglesa Margaret Archer, que pretende igualmente retomar uma teoria
sociológica da cultura equidistante das tendências unidimensionais que atribuem um
predomínio ora à dimensão da acção, ora à da cultura. Mesmo para além dos efectivos
resultados conseguidos, tal tentativa pode ser útil para se reformular, num quadro unitário,
os diversos aspectos teóricos até agora considerados.
Archer inicia a sua reflexão, afirmando correctamente que se deve manter separadas a
dimensão da acção e a da cultura, enquanto dimensões dotadas, cada uma delas, de
autonomia própria e de uma própria diferença temporal: por essa razão, ela propõe a
distinção entre sistema cultural e integração sócio--cultural (cf. Archer, 1988).
Por sistema cultural, Archer entende o conjunto de verdade e falsidade, partilhado entre
os actores sociais de uma sociedade, num dado momento histórico: trata-se, assim, de
propostas e formulações culturais, que se vieram a objectivar no tempo, embora Archer
justamente reconheça que aquelas não esgotam, de modo algum, o conjunto de significados
disponíveis.
O nível da integração só cio-cultural é, pelo contrário, aquele que é próprio da acção, ou
seja, das interacções sociais concretas entre indivíduos e grupos, mediadas por estruturas
materiais e institucionais.
Em analogia com a distinção, proposta por David Lockwood (1964), entre integração
social, própria do nível das relações harmónicas ou conflituais entre grupos diversos, e
integração do sistema, própria das relações coerentes ou contraditórias entre os elementos
da estrutura social, Archer nota que a relação por ela proposta constitui um «artifício
metodológico», que permite evitar o
143
erro que deriva da confusão entre cultura e estrutura, mas também do mito da cultura como
universo simbólico coerente, ao qual corresponderia a unidade do sistema social (ibid., p. 2
e segs.). Somente se se mantiver distinto o sistema cultural, enquanto conjunto das formas
simbólicas objectivas, se poderá compreender que à coerência lógica dos significados
(representações, valores, normas, modelos, etc.) contidos em tais formas não corresponde
necessariamente a coerência das dinâmicas concretas que se desenvolvem a nível sócio-
cultural, ou seja, no da acção.
Obviamente, na realidade, os dois níveis encontram-se intimamente ligados, mas, do
ponto de vista analítico, é preferível mantê-los distintos, sobretudo porque isso permite a
individualização das sequências temporais diversas entre os processos de morfogénese, isto
é, os processos que traduzem transformações inovadoras, e os processos de morfoestase, ou
seja, aqueles processos que tendem para a conservação da ordem constituída (ibid., xxn).
A convicção de que cultura e acção (agency) operam em tempos diversos permite a
Archer formular a sua versão da circularidade da relação entre acção e estrutura: o sistema
cultural antecipa logicamente a acção sócio-cultural, enquanto esta última antecipa as
condições que darão lugar à transformação do próprio sistema cultural. Se efectivamente
todos nós nascemos já no interior de um dado sistema cultural, que nos condiciona,
orientando o nosso agir, é igualmente verdade, segundo Archer, que os seres humanos
possuem uma essencial capacidade reflexiva, que lhes permite reagirem contra tais
condicionamentos e desenvolverem criativamente novas possibilidades presentes no
contexto social ao qual pertencem (ibid., xxiv).
Com base nestes pressupostos, Archer começa por desenvolver uma crítica a três
posições teóricas por ela consideradas como prevalecentes na sociologia que se ocupa da
relação entre acção e cultura, sustentando que essas três posições, ainda que de maneira
diversa, incorrem todas no erro de confundir univocamente as duas diferentes dimensões.
A primeira posição é a que opera uma mistura «de cima para baixo» (downwards conflation): esta é
predominante na teoria de Pitirim Sorokin, no funcionalismo de Parsons e no estruturalismo de Lévi-
Strauss. Nestes autores, o nível do sistema cultural surge confundido com o da integração sócio-cultural,
e o primeiro é considerado como determinante do segundo.
A segunda posição, pelo contrário, é a que opera uma mistura «de baixo para cima» (upwards
conflation): esta é própria das teorias que, inspirando-se em Marx, consideram ser o nível daintegração
sócio-cultural, isto é, das estruturas e das relações sociais, a determinar o sistema cultural.
Finalmente, a terceira posição, caracterizada pela «mistura centrista» (central conflation), é aquela que
é própria dos autores contemporâneos que procuram juntar, ecleQticamente, as duas anteriores posições,
a fim de superarem a tradicional dicotomia entre subjectivismo e objectivísmo, ou entre voluntarismo
144
I I
e determinismo, salvando alguma coisa de ambas. Em particular, Archer desenvolve uma crítica aos
confrontos da teoria da estruturação de Giddens, o qual, como se viu (v. 3.5 do presente capítulo), tentou
avançar para além da dicotomia entre sujeito e estrutura, e mostrar a interdependência entre acção e
cultura.
A estreita ligação estabelecida por Giddens entre regras e práticas sociais impede, segundo Archer, de
ter em conta a autonomia das duas dimensões da cultura e do agir, e das suas diferenças temporais. Não
obstante aceitar o facto de os actores sociais «darem forma à cultura, sendo embora eles próprios
culturalmente formados» (Archer, 1988, p. 80), a socióloga inglesa faz notar que a noção da recíproca
constituição da acção e da cultura não elimina a possibilidade de as manter analiticamente distintas. O
erro da posição «centrista» consiste assim em atribuir às regras culturais o carácter de organização
coerente, próprio de uma gramática, e em considerar que a acção se encontra integrada com demasiada
estreiteza em tais regras, estabelecendo desta feita uma excessiva analogia entre acção e modelo
linguístico.
A partir destes pressupostos teóricos e críticos, Archer desenvolve a sua «reconceptualização» da
dinâmica entre acção e cultura, com base em quatro postulados:
a) entre as componentes do sistema cultural existem relações de coerência lógica;
b) o sistema cultural exerce influências de tipo causal sobre o nível de integração sócio-cultural;
c) ao nível da integração sócio-cultural desenvolvem-se relações causais entre grupos e entre
indivíduos;
d) ao nível da integração sócio-cultural emergem elaborações do sistema cultural que modificam as
relações lógicas presentes neste último, introduzindo-lhes novas (ibid., p. 106).
Assim, o estudo da dinâmica das formas culturais e sociais compreende não só a análise das possíveis
contradições e complementaridades presentes tanto no sistema cultural enquanto tal, quanto no contexto
sócio-cultural, mas também a análise das relações recíprocas entre os dois diferentes níveis. Nesta base,
Archer constrói uma tipologia do conjunto dessas complexas relações, fundada na presença, a cada um
dos níveis, de componentes orientadas para a conservação (morfoestase) ou para a mudança
(morfogénese), e em função de uma correspondência ou de uma divergência entre sistema cultural (que
aqui será referido através da expressão «estrutural») e integração sócio-cultural (que aqui virá abreviada
na expressão «cultural»). Por conseguinte, são quatro as situações possíveis:
1) morfoestase cultural e morfoestase estrutural
2) morfoestase cultural e morfogénese estrutural
3) morfogénese cultural e morfoestase estrutural
4) morfogénese cultural e morfogénese estrutural
145
O primeiro e último tipo referem-se obviamente a situações ou de grande estabilidade e
harmonia entre os dois níveis (1), ou de grande transformação a ambos os níveis (4),
enquanto os tipos 2 e 3 se reportam a situações sociais nas quais, ao nível da integração
sócio-cultural, ocorrem transformações, que se antecipam às do nível do sistema cultural (a
acção, por assim dizer, precede na sua transformação a cultura), ou ao nível do sistema
cultural intervêm transformações que se antecipam às do nível da integração social (a
cultura precede na sua transformação a acção). No caso 2) será então a experiência
directamente ligada à acção a influenciar a cultura, ao passo que no caso 3) será a
elaboração reflexiva da cultura a orientar a acção. Obviamente, tratando-se aqui de tipos
ideais, na realidade concreta não ocorrerão situações tão claramente distintas, mas tratar-se-
á, de vez em quando, de uma relativa prevalência de uma dimensão sobre a outra.
A proposta teórica de Archer, aqui muito sinteticamente apresentada, possui
indubitavelmente o mérito de sublinhar a exigência de se manterem distintas, no plano
analítico, a acção e a cultura, e de «mostrar como podem ocorrer diferenças temporais entre
ambas as dimensões. Porém, a tipologia de Archer não toma em consideração os casos em
que, também nos momentos de coincidência de morfoestase ou de morfogénese entre os
dois níveis, podem surgir efectivas condições de incompatibilidade entre ambas. No entanto,
a maior limitação da proposta de Archer é talvez a de não mostrar suficientemente os
processos que se encontram na origem da recíproca constituição da acção e da cultura. A
este propósito, dever-se-ia ter mais em conta a relação ambivalente entre a indeterminação
da acção e a ordem determinada pelas formas das mediações simbólico-normativas, a partir
da capacidade de negação das objectivações e da exigência de identificação que começámos
por considerar (v. cap. i, 2 e 3).
Podemos concluir aqui a nossa análise do modo como, de forma mais ou menos
explícita, alguns dos mais significativos modelos teóricos da sociologia contemporânea se
confrontaram com o problema da cultura na sua relação com a realidade social. Termos
aprofundado os termos teóricos gerais do problema do papel da cultura permite-nos dispor
de diferentes chaves interpretativas e críticas, que nos orientarão na consideração dos
âmbitos específicos de aplicação da sociologia da cultura, aos quais é dedicado o próximo
capítulo.
146
II
IV - OS DIVERSOS ÂMBITOS DE PRODUÇÃO DA CULTURA
I
Os elementos conceptuais sobre os quais nos debruçámos na primeira parte deste volume permitir-nos-
ão interpretar o complexo mundo da investigação sociológica nos diversos âmbitos de produção da
cultura. Os núcleos problemáticos essenciais, identificados no nosso exame das principais teorias
sociológicas da cultura, encontrarão, no confronto com as formas culturais específicas, uma expressão
concreta, que permite ulteriores aprofundamentos.
Se, em quase todos os âmbitos considerados, se encontram presentes estruturas institucionais
(instituições religiosas, educativas, artísticas, jurídicas, etc), ou seja, sistemas de relações codificadas, que
resultam na produção de formas culturais específicas e na regulação de determinadas funções, os
fenómenos aqui analisados possuem um carácter eminentemente processual; deve-se pois ter sempre
presente que a distinção dos diferentes âmbitos culturais é de tipo analítico: na realidade, as fronteiras
entre tais âmbitos nem sempre são facilmente delimitáveis, na medida em que, conforme as épocas
históricas e os contextos sociais concretos, subsistem contínuas trocas, influências e sobreposições entre
as diversas esferas de produção cultural. Em função das situações sociais particulares, podem ocorrer,
entre esses âmbitos, graus variados de coerência ou de contradição: também neste caso, aquilo que
designamos com a abrangente palavra cultura não deve ser considerado como um sistema coerente de
significados, mas antes como um conjunto complexo de recursos, onde, de vez em quando, os actores
sociais vão buscar não só elementos úteis para a definição da realidade natural, social e das suas próprias
identidades, mas também as modalidades estratégicas e as orientações para o seu agir.
Cada um dos âmbitos culturais que passaremos a observar constitui objecto de formas específicas de
sociologia aplicada: com efeito, hoje em dia distingue-se entre sociologia da religião, sociologia da arte,
sociologia da educação, sociologia das comunicações, sociologia do direito, etc Todavia, as temáticas de
cada uma destas disciplinas, que desfrutam de autonomia, podem bem ser consideradas como parte da
sociologia da cultura. Será então a partir desse perfil
147
que tomaremos em consideração os diversos aspectos que em seguida analisamos, sem que
com isso tenhamos a pretensão de lhes esgotar a complexidade.
1. A linguagem
A linguagem é a forma de mediação simbólica universal através da qual, principalmente,
se constituem todos os diferentes âmbitos de significado. Enquanto tal, a linguagem
constitui também a primeira fonte de socialização: efectivamente é, antes de tudo, através
dela que cada indivíduo assimila os modelos de comportamento, as regras, as representações
da realidade natural e social, as definições de si próprio e do outro, os valores, as
interpretações da história que caracterizam o seu contexto social de pertença. Se nem todas
as formas de comunicação são de tipo linguístico, dado que também a mímica, o gesto, a
dança, as diversas formas de relação corpórea, a música, as imagens visuais, são meios de
transmissão de significados, não há dúvida de que a linguagem constitui, em cada sociedade
humana, o meio de comunicação por excelência, pela sua capacidade de se transformar até
ao infinito, exprimindo uma grande variedade de sensações, emoções, conceitos e, além
disso, pelo facto de permitir uma reflexão sobre estas diferentes dimensões.
A linguagem, que na origem se manifesta exclusivamente pela forma falada, vem a
objectivar-se, ao longo da história da humanidade, também nos documentos escritos, os
quais, permitindo um melhor registo da memória colectiva e a estabilização das tradições,
influenciam, por sua vez, a linguagem falada.
Se em Emile Durkheim, George Mead, Alfred Schutz, a dimensão linguística, como
vimos (v. cap. ih, 1.1; 3.1; 3.2), possui já uma grande importância enquanto elemento
constitutivo da realidade social, e se a teoria da linguagem de Saussure teve uma notável
influência sobre o estruturalismo de Lévi-Strauss (v. cap. m, 2), a análise da relação entre
linguagem e dimensão social veio sobretudo a desenvolver-se, na segunda metade do século
XX, a partir das experiências da filosofia analítica da linguagem e da hermenêutica de
Heidegger e de Gadamer (v. cap. m, 3).
A sociolinguística e a sociologia da linguagem vieram mostrar não só o papel
fundamental da linguagem na dinâmica social, mas também a influência que os factores
sociais possuem sobre a formação da linguagem. Se, com efeito, com base na distinção entre
língua efala de Saussure, alguns autores insistiram na possibilidade de a língua poder ser
considerada como um conjunto invariável e universal de regras gramaticais presentes no
espírito humano como tal e, assim, como uma realidade a analisar independentemente da
referência a factores sociológicos (cf. Chomsky, 1965), muitos outros autores sublinharam a
interdependência entre a estrutura social, a linguagem e os condicionamentos sociais dos
fenómenos linguísticos (cf. Giglioli, 1973, p. 10 e segs.)
148
Sob este ponto de vista assume um significado paradigmático a experiência do filósofo austríaco
Ludwig Wittgenstein (v. cap. ir, 10.2), o qual partiu inicialmente do pressuposto de que linguagem e
mundo tinham a mesma forma lógica e que as proposições linguísticas elementares eram o produto
estruturado da ligação entre símbolos simples, ou nomes, e determinados objectos concretos (cf.
Wittgenstein, 1918). Com base nesta perspectiva de tipo atomístico, na qual a um nome correspondia
uma coisa ou uma relação entre coisas, Wittgenstein tentara fixar regras universais da linguagem lógica,
independentes de qualquer influência de tipo social. Todavia, posteriormente, ele viu-se obrigado a
reconhecer a presença de uma pluralidade de linguagens comuns, interpretando o nexo através de
linguagem e mundo, já não segundo o modelo unívoco da linguagem lógica universal, mas antes como
nexo entre uma pluralidade de jogos de linguagem diversos, ligados a diferentes formas de vida (cf.
Wittgenstein, 1953). Com base nesta constatação, evidencia-se que existem inúmeros tipos de
proposições e de tipos diferentes de emprego dos signos, das palavras e das proposições, e que esta
multiplicidade não é uma qualquer coisa fixa, dada de uma vez por todas, mas, pelo contrário, encontra-
se em constante mudança (ibid., p. 21, n. 23). Se, tal como afirma Wittgenstein, «falar uma linguagem
faz parte de uma actividade», e se «o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem», então a
relação entre nome e coisa nomeada vem substituída pela relação entre palavra e contexto da actividade
prática na qual ela é usada, sem que o significado da palavra possa ser considerado como um dado
definitivamente adquirido. Para compreender o significado das palavras, dos signos, das proposições,
há que conhecer as regras do jogo no interior do qual eles são usados, e tais regras, por sua vez, não são
independentes do particular contexto sócio-cultural.
Vem assim a evidenciar-se, por um lado, que a linguagem é condicionada, na sua formação, por
componentes concretas da vida social, na medida em que as suas regras são o produto convencional do
encontro intersubjectivo e, por outro, que este, enquanto código que estabiliza particulares significados
colectivamente partilhados, influencia as relações dos indivíduos com a realidade natural e social. Com
efeito, os actores sociais aprendem a fazer uso dos jogos linguísticos constituídos, interiorizando-lhes
as regras e adequando o seu comportamento às formas socialmente fixas dos significados.
Cada tipo de grupo ou de comunidade social apresenta características próprias de linguagem, em
função das regras particulares que o regem e dos usos que dela são feitos na prática da vida de todos os
dias. A análise da linguagem torna-se, por conseguinte, um instrumento essencial para a compreensão
da realidade social e dos processos que a caracterizam.
149
O pressuposto da unidade entre acção e linguagem, evidenciado por Wittgenstein, encontra
comparação na teoria dos actos linguísticos de John Austin (1911-1960) e de J. R. Searle (1932-), que
mostra como enunciar uma
frase é também realizar uma acção (cf. Austin, 1962a; 1962b; Searle, 1969). Cada acto
linguístico comporta tanto a actividade física de emissão de sons e pronúncia de palavras
com um certo tom de voz, como também o conhecimento da gramática própria da língua
que se está a falar. Austin distingue três tipos de actos que são levados à existência quando
se diz alguma coisa: o acto locutório, que indica a capacidade da linguagem para descrever
estados de coisas (por ex., «está a chover»); o acto perlocutório, que indica o facto de, ao
enunciarmos uma frase, produzirmos determinado efeito sobre os sentimentos, pensamentos
e comportamentos de quem escuta (por ex., «amo-te»); o acto ilocutório, que se verifica
quando se afirma ou se promete qualquer coisa, com base em regras convencionais,
produzindo um determinado efeito também social (por ex., uma ordem dada por um
superior, ou o «sim» pronunciado no decorrer da cerimónia do casamento) (cf. Austin,
1962a).
O facto de ter colocado em evidência a complexidade presente no dizer faz realçar a
importância que também possuem, no acto de comunicação, não só os comportamentos não
verbais (gestos, mímica, etc.) e os usos sociais, mas também o contexto no qual enunciamos
as frases. Falar não comporta só um conhecimento linguístico, implica também a
assimilação de uma série de regras extralinguísticas geralmente partilhadas por membros de
um determinado grupo; são exemplo disso o uso das formas indirectas sugeridas pelas
normas de cortesia (cf. Searle, 1975). Mostra-se assim que a linguagem se encontra
estreitamente ligada às formas culturais da interacção social (cf. Levinson, 1983).
Como se recordará, a análise da linguagem é um dos elementos que se encontram na base da teoria do
agir comunicativo de Jurgen Habermas (v. cap. n, 8), enquanto o carácter constitutivo da linguagem para
a construção da realidade social também foi sublinhado por Charles Wright Mills (1916-1962), que
mostrou como a linguagem se baseia em formas sociais de comportamento e de organização que
determinam, por sua vez, os significados de uma dada língua. Observando que «o pensamento segue o
modelo da conversação», Mills indicou como, conforme as situações, se constroem vocabulários típicos
dos motivos do agir (cf. Mills, 1971). Prosseguindo nesta linha, a linguagem adquire uma particular
importância, tanto na teoria de Goffman, como nas pesquisas de tipo etnometodológico (cf. Cicourel,
1974; v. cap. m, 3.1; 3.3). Além disso, a análise da linguagem foi desenvolvida, na psicologia, pela teoria
pragmática da comunicação (v. 5 e 5.1 do presente capítulo).
É sobretudo a partir destas diversas formulações teóricas que se desenvolveu a análise do discurso e
das formas da conversação espontânea (v. cap. v, 6): em tal análise, os elementos linguísticos são
considerados conjuntamente com os processos interactivos, com as regras sociais que definem as
modalidades da troca e as funções que a conversação de tipo informal pode ter nas diferentes situações
sociais (de tempo livre, de trabalho, etc), enquanto fonte de troca de
150
informações e consolidação da integração dos diversos grupos ou das diversas organizações
(cf. Ricci Bitti-Zani, 1983; Sbisà, 1978).
Foi também colocada em evidência a função constitutiva que a linguagem desempenha
na formação da identidade individual e na expressão das emoções, tomando estas forma,
efectivamente, no interior das relações sociais e dos sistemas de linguagem específicos: nas
diversas épocas e nas diferentes culturas foram codificadas as modalidades das experiências
emocionais vividas e dos mecanismos de controlo, de legitimação ou de exclusão de
determinadas emoções, através dos quais os diversos grupos, classes e organizações tendem
a apresentar uma certa uniformidade de expressão das vivências emocionais (cf. Turnaturi,
1995; McCarthy, 1995).
Outras pesquisas, desenvolvidas no âmbito da sociolinguística, revelaram, em particular:
as relações interdecorrentes entre as transformações da estrutura e do uso da linguagem e a
mudança social (cf. Labov, 1970); a relação entre linguagem e estratificação social, entre
linguagem e diferenciação entre grupos (cf. Bernstein, 1971); a incidência da linguagem
nos processos educativos, nas relações entre grupos linguísticos diversos, nas relações
políticas e nos conflitos sociais (cf. Hymes, 1964; Hertzler, 1965; Giglioli, 1968,1973;
Politi, 1974).
A partir das pesquisas efectuadas surgiu a distinção entre sociedades relativamente
homogéneas, nas quais as diferenças de linguagem, correspondentes a diferenciações sociais
de classe ou de origem étnica, se encontram ligadas sobretudo a diferenças de entoação ou
de sintaxe, e sociedades disomogéneas, nas quais se encontra presente um grande número de
dialectos locais, ou minorias de diferentes origens linguísticas: neste último caso, vem
geralmente a estabelecer-se uma distinção entre a linguagem «oficial», habitualmente usada
a nível das instituições públicas, e a linguagem usada na prática quotidiana, entre linguagem
escrita e linguagem falada. As diferenciações na linguagem encontram-se também ligadas
aos diversos níveis de experiência: a linguagem religiosa ou poética será diferente da que é
utilizada no âmbito filosófico, técnico-científi-co, jurídico, e também estes últimos diferem
entre si. Em qualquer caso, existem, entre as diferentes formas de linguagem presentes numa
mesma sociedade, frequentes trocas e influências recíprocas, embora por vezes as diferenças
de linguagem possam constituir verdadeiras barreiras sociais.
Além disso, um dos aspectos particulares do estudo da linguagem é constituído pela análise dos
sistemas de classificação usados nos diferentes contextos sociais, ou seja, dos sistemas conceptuais e das
categorias que servem para representar, descrever e ordenar a realidade natural e social. O pressuposto
que se encontra na base do estudo sistemático das classificações, ao qual se dedicou sobretudo a
antropologia cultural, é a origem social das categorias, segundo a teoria desenvolvida, num primeiro
tempo, por Durkheim e Mauss (1903). Com base nesta teoria, as classificações surgem não só como o
produto da actividade mental individual, mas enquanto radicadas nas relações sociais, que fornecem o
151
modelo a partir do qual as representações da realidade são organizadas. Segundo tal
hipótese, os vínculos estabelecidos entre as coisas não seriam mais do que o reflexo das
relações que vêm a estabelecer-se entre os indivíduos. As classificações presentes nas
sociedades primitivas contêm, segundo Durkheim, o princípio estrutural e lógico sobre o
qual se baseiam as classificações sucessivas: estruturas hierárquicas de classes em género e
espécie, sentimentos de semelhança e participação, associações entre elementos diversos
(cf. Moruzzi, 1992, p. 13 e segs.).
Para Lévi-Strauss, pelo contrário, as diferentes classificações deverão ser reconduzidas à
estrutura universal do inconsciente colectivo que se reconstrói com base em oposições
binárias. Lévi-Strauss reconhece, todavia, que, a par da estrutura mental, existe também
uma influência ambiental, que determina as escolhas entre tipos de oposição «mais
directamente ligados às formas de produção e às relações objectivas entre os homens e o
mundo» (Lévi-Strauss, 1961, p. 227).
As actuais teorias da classificação tendem a sublinhar sempre o papel da interacção entre
indivíduo e ambiente natural e social, que são factores chave na formação das categorias
conceptuais (Moruzzi, 1992, p. 21).
2. Concepções do mundo e relação com a transcendência
Entre as formas culturais que mais desenvolvem uma influência generalizada sobre as
representações, os valores e as regras socialmente partilhados, há que ter em consideração,
antes de mais, as concepções globais do mundo e da vida humana, contidas nas grandes
narrativas de tipo mítico e religioso. De resto, alguns elementos de tais concepções foram
também obtidos a partir da ideologia laica, de tipo totalizante, do progresso e da evolução da
história dos séculos xvm e xix (v. cap. i, 1).
2.1 Omito
O mito é a forma cultural na qual encontram expressão as primeiras grandes representações da
realidade natural e humana. Nas narrativas fabulosas que referem factos ou aventuras da vida de
personagens divinos ou semidivinos e nas explicações das origens do cosmo, do significado da vida e dos
fundamentos morais, o mito surge como a mais antiga modalidade de organização simbólica do mundo e
das vicissitudes humanas.
Enquanto forma de representação e produção de significados, que possui a sua raiz na experiência
colectiva, o mito não é só o reflexo de uma realidade em si já dada, é elemento constitutivo da própria
realidade. Com efeito, o mito, para Emst Cassirer (1874-1945), não deve ser pensado como «forma
natural»
152
do espírito humano, em termos metafísicos ou psicológicos como em Hegel ou Schelling, ou
seja, como função que remete para a unidade do espírito humano ou para estruturas
psicológicas naturais já dadas, mas antes como processo de uma actividade formadora e
constitutiva, própria de uma consciência que opera a partir da distinção originária entre
sagrado e profano.
A consciência mítica surge determinada pelas suas impressões imediatas e, por
conseguinte, não pode operar uma distinção entre o símbolo e a coisa simbolizada: o nome
não remete para uma pessoa, mas é a própria pessoa, a imagem não representa a coisa, mas é
a própria coisa (cf. Cassirer, 1923, n, p. 57). Além disso, o mito não surge de modo fortuito,
mas tudo se verifica através de uma intenção inconsciente: «Lá onde nós, do ponto de vista
científico, falamos de "caso", o pensamento mítico exige imperiosamente uma causa e
coloca essa causa em cada singular acontecimento.» (ibid., p. 70)
O modo de pensar mítico é caracterizado pela forma mágica na qual não se encontra
distinção entre a parte e o todo: quem, por exemplo, se apodera de uma parte, por mais
pequena que seja, do corpo de um homem, do seu nome ou da sua imagem, adquire um
poder mágico sobre ele. Segundo tal «magia simpatética» subsiste um verdadeiro nexo
causal entre tudo o que, com base em analogias puramente exteriores, é considerado como
«afim» (ibid., p. 76).
Relativamente às interpretações de tipo racionalista que, na tradição cartesiana, tendiam a considerar o
mito como expressão grosseira de superstições primitivas privadas de sentido, já Giambattista Viço
(1668-1744) reivindicara a validade da sapiência poética contida, por exemplo, nos poemas homéricos,
como forma autónoma de pensamento e original concepção do mundo (v. cap. i, 1). Foi nesta direcção
que, na época moderna e contemporânea, se revalorizou o mito enquanto formação antitética do
pensamento racional.
Analisando o tema da origem do mito, Hans Blumenberg tornou evidente que uma das funções do
mito é «converter a indeterminação dos numes na determinação nominal e transformar o inquietante em
familiar e acessível» (Blumenberg, 1979, p. 50). A narrativa mítica permite passar de uma situação
caracterizada pelo absolutismo da realidade, na qual o indivíduo humano não controlava as condições da
própria existência, a uma situação na qual se vão afirmando histórias, as quais, não sendo verificáveis,
não podem ser desmentidas pela própria realidade: assim, «ao absolutismo da realidade opõe-se o
absolutismo das imagens e dos desejos» (ibid., p. 30).
Com base nestas premissas, criticando a oposição tradicional entre efabulação mítica e desenvolvimento
do discurso racional, Blumenberg considera que quer o mito, quer o logos são dois meios diversos, mas
não antitéticos, de resposta à exigência de organização simbólica da realidade. Sob este aspecto, é então
possível reconhecer uma substancial continuidade entre mito e logos, como funções de conservação e de
manutenção da estabilidade do mundo. Nesta mesma linha, o filósofo Luigi Pareyson considera o mito
como a forma expressiva na qual pensa
153
mento, poesia e religião se encontram «indivisivelmente unidos e reciprocamente
interpenetrados»: no mito o pensamento possui um carácter, ao mesmo tempo poético e
religioso, enquanto poesia e religião possuem ambas dignidade e função de pensamento (cf.
Pareyson, 1985).
A distinção entre mito e logos permite, todavia, evidenciar analiticamente duas diferentes
modalidades fundamentais na constituição do significado. Na narração mítica a necessidade
de estabelecer uma determinação contra o «fundo de indeterminação» é obtida através de
uma grande riqueza de imagens simbólicas, que consentem um alto grau de pluralidade e
variabilidade interpretativa dos significados, enquanto no discurso racional, desenvolvido na
filosofia, a orientação para a definição de fundamentos e de essências imutáveis restringe tal
variabilidade e leva a fórmula representativa da realidade a um alto grau de absolutização de
tipo unívoco. Assim, na passagem da religiosidade mítica à religião institucional e
dogmática, aquilo que distingue o dogma é a pretensão de «conter e institucionalizar
qualquer coisa como se se tratasse de factos eternos»: a maneira de pensar dogmática,
embora não negue completamente a articulação do tempo, «deve afirmar a irrelevância do
tempo para as suas definições» (Blumenberg, 1979, pp. 171 e 135). Se no mito podem
conviver elementos em oposição e se neste existe uma estreita ligação entre mito e tragédia,
a coerência própria do logos elimina o trágico e tende a reforçar uma identidade que exclui o
seu contrário. Acentua-se, neste último caso, a dimensão normativa e a verdade transforma-
se no fundamento do domínio por parte de quem a possui. Enquanto no mito, como tal, não
se manifesta qualquer tendência para o repúdio do não pertinente ou para a jurisdição sobre
os espíritos, o dogma é assinalado por «qualquer coisa que dele decorre: os heréticos» (ibid.,
p. 298).
O mito surge assim como a forma expressiva que permite manter a comunicação entre diversos níveis
de experiência, baseando-se na lógica da ambiguidade, em vez de, como no discurso racional, na lógica
da não-contradição (cf. Detienne, 1981, p. 25).
Enquanto, já desde Platão, o pensamento filosófico, na sua busca de uma unidade subjacente ao
multiforme, provoca paradoxalmente efeitos de cisão entre razão e emoção, entre sensível e real, entre
filosofia e discurso poético, no pensamento mítico a multiplicidade dos níveis de realidade, a
ambivalência dos significados, a unidade das oposições, os laços entre mundos heterogéneos produzem
efeito de unidade.
No confronto entre pensamento mítico e pensamento filosófico coloca-se em evidência que existem
sistemas de significado mais abertos ao reconhecimento do seu carácter redutivo relativamente à
complexidade e que se articulam, também no seu interior, segundo uma «complicação» que reflecte a
«complicação» do mundo (cf. Blumenberg, 1979, p. 306), enquanto outros sistemas de significado
tendem a ignorar a complexidade para se constituírem numa ordem absoluta e exaustiva do real.
154
II
Tal como observou Gianni Carchia, se se colocar o mito fora da tradição da filosofia antropocêntrica
da subjectividade, não como momento arcaico mas como uma dimensão perene da história da
humanidade, o mito é «reconhecimento conjunto da raiz natural do homem e do carácter sobre-humano
do espírito». Nesse processo se manifesta efectivamente a «consciência de que, para o homem, a verdade
é sempre um acontecer, qualquer coisa que ocorre através de narrações, metáforas, símbolos, mas
também é a consciência de que narrações, metáforas, símbolos não são a verdade» (Carchia, 1991, p. 6).
Nesta base, o mito pode surgir como a forma simbólica que, por si só, põe em evidência a
incomensurabilidade do sentido relativamente ao significado (v. cap. i, 3): com efeito, o mito mostra que
«não se pode possuir a verdade senão sendo-se por ela possuído» (Pareyson, 1985, p. 48).
Se o Iluminismo considerava a saída do mito como um progresso obtido através da eliminação de
preconceitos arcaicos, na nossa época veio a afirmar-se a tendência para perceber o processo de
escolarização, ligado à afirmação da racionalidade, como uma perda, um empobrecimento relativamente
à riqueza da expressão mitológica: assim se estabeleceu uma espécie de nostalgia do mito em autores
como Hõlderlin, Nietzsche, Rilke, Heidegger. Thomas Mann, ao propor em Giuseppe e i suoifratelli uma
fulgurante reconstrução da narração bíblica, aludia explicitamente à nostalgia das «imagens plenas de
sentido» próprias do mito.
A interpretação não-racionalísta do mito permite-nos, hoje em dia, compreendê-lo melhor,
distinguindo-o das formas impróprias do uso da palavra mito. Com efeito, na época moderna, houve de
vez em quando a tentação de propor novamente o «mito» do progresso, da raça, da nação, da revolução e,
por fim, da ciência e da técnica; porém, neste caso, tratou-se de formas ideológicas absolutízantes,
instrumentos sobretudo dentro da lógica do domínio, e que, até mesmo pela sua unidimensionalidade
tendencialmente dogmática, surgem contrapostas à dimensão do mito entendido em sentido próprio.
Do ponto de vista da sociologia da cultura, o mito surge como a primeira grande forma de mediação
simbólica produzida pela experiência colectiva e como fonte da fundação da identidade social e das
formas de legitimação das principais instituições sociais. A Ilíada e a Odisseia, por exemplo, constituem
narrativas que remetem, num primeiro tempo por via oral, para a memória de acontecimentos históricos
idealmente transfigurados, que explicam a origem da sociedade e fixam valores morais e modelos de
comportamento. As representações das relações conflituais entre os deuses são frequentemente a tradução
de acontecimentos cósmicos ou a representação de conflitos de valores.
As narrativas míticas dos heróis primordiais (por ex., Prometeu) parecem indicar, em geral, o
momento de passagem do domínio do poder divino, que caracterizava a sociedade arcaica, a uma mais
equilibrada relação entre poder de Deus e poder do homem. Na narrativa bíblica, por exemplo, a figura
de
755
Moisés parece assinalar, de maneira específica, o momento da saída do regime intemporal da comunidade
arcaica, baseada na sacralidade dos vínculos de consanguinidade e da pertença local, para a forma
histórica de uma sociedade aberta à mudança e baseada no consenso relativamente a valores e regras
partilhados. Na comunidade arcaica a lei encontra-se inscrita nas próprias coisas, é considerada como um
dado adquirido na sacralização reificada dos tabus codificados, ao passo que na sociedade histórica a lei
transforma-se em texto, princípio de racionalidade que requer a concordância voluntária dos membros da
sociedade. 1
Ao rei- deus-sacerdote-mago da comunidade arcaica, ao Faraó, contrapõe-se a figura de Moisés, o
herói, o dirigente carismático, mediador supremo entre o mundo numinoso do divino e a humanidade
sofredora e escrava. O herói protagonista é também, num certo sentido, o antagonista de Deus, na
medida em que já não é só representante da vontade divina, mas também representante e advogado do
povo. Mediador supremo entre a indeterminação de uma divindade que incute temor ao povo e a
indeterminação das flutuações dos sentimentos desse mesmo povo, Moisés funda a determinação da Lei,
o lugar onde se toma possível a nova forma de sociedade, a qual já não é garantida sobretudo pelos
ídolos sagrados e pelo vínculo estável com o local de origem, mas pela observância de princípios e de
regras que devem ser sempre adaptados às sempre novas situações de um caminhar errante que não tem
fim.
A narrativa mitológica assume assim uma função social, não só fornecendo uma explicação para as
origens da própria sociedade, dos seus processos de transformação, como proporcionando igualmente os
fundamentos para a legitimação das leis e da autoridade. Na sua grande riqueza de imagens e de
representações de uma realidade múltipla, o mito constitui assim uma forma de comunicação social, que
obtém a sua força da mobilização emocional e dos processos psicológicos de identificação.
Nesta nossa época, mais do que a sociologia, é sobretudo a antropologia cultural que põe em
evidência a função social do mito, analisando a infinita variedade das narrativas mitológicas nas
sociedades mais diversas e mostrando a íntima ligação entre factores ambientais, estmturas sociais e
formas simbólicas. Entre os autores que mais contribuíram para o estudo dos mitos podemos recordar o
antropólogo inglês James G. Frazer (1854-1941), o qual, na sua monumental obra// ramo d'oro (1911-
1915), recolheu uma imensa quantidade de referências sobre usos e crenças dos mais diversos povos,
procurando ordenar esse material segundo critérios de comparação e analogia.
Na tentativa de mostrar que na base das diversas formas dos mitos subsistem estruturas latentes que
podem ser enquadradas em categorias lógicas universais, Lévi-Strauss (v. cap. n, 2) tomou em
consideração um grande número de sistemas simbólicos de tipo mitológico, em particular entre as
populações primitivas da América do Norte e do Sul. Desta forma, ele mostrou como, nos
156
sistemas totémicos, já tomados em consideração por Durkheim (v. cap. n, 3; 2.2 do presente capítulo), a
diferença dos símbolos animais, que representam os clãs, são não só a tradução das diferenças entre os
clãs, mas também um conjunto de regras para as relações entre as diversas unidades tribais. Do mesmo
modo, os tabus alimentares, sexuais e verbais reflectem diferenças sociais, estabelecendo regras
diversas entre os grupos, que estão na base da identidade destes e da troca matrimonial.
Aplicando o método da análise estrutural, Lévi-Strauss procurou também mostrar que na base das
diversas narrativas mitológicas, enquanto «pensamento objectivado», se encontram presentes estruturas
inconscientes, fundamentalmente baseadas em oposições de tipo binário (o cm e o cozinhado, o seco e
o húmido, o rugoso e o liso, etc), análogas às que são próprias da linguagem. E convicção de Lévi-
Strauss que os mitos não nos falam da ordem do mundo nem do destino do homem, mas dão-nos
informações fundamentais sobre as sociedades das quais somos originários e do seu funcionamento e
evidenciam também determinados modos de funcionamento do espírito humano, os quais são
constantes no tempo e universalmente divulgados no espaço (cf. Lévi-Strauss, 1971, p. 571).
I 2.2 As religiões
Não são fáceis de definir os limites entre mito e religião: com efeito, o mito constitui, quase sempre, a
matriz original das grandes concepções religiosas e, por outro lado, nas formas de religião continuam
geralmente a persistir elementos míticos. Todavia, estes vão-se tornando mais nítidos na época histórica
sucessiva à época arcaica e pré-histórica do mito. Tanto nas religiões em que Deus se revela à
humanidade predominantemente a partir do exterior, como é o caso da religião hebraico-cristã e da
maometana, como nas religiões em que Deus se revela principalmente a partir da interioridade, como no
hinduísmo (cf. Berger, 1979), vai-se afirmando uma espiritualidade que surge particularmente destacada
das dimensões mágicas próprias do pensamento mitológico e em menor oposição às formas da
racionalidade filosófica.
A especificidade da religião vem a defínir-se como a passagem da sociedade de tipo tribal a uma
sociedade de estrutura mais complexa e de composição mais heterogénea. Esta apresenta-se assim como
uma forma de mediação mais adaptada a sociedades em que se desenvolvem dimensões de
universalismo, favoráveis à troca entre povos diversos. Todavia, também no caso da religião, como no do
mito, as grandes concepções religiosas universalistas explicam antes de tudo a função de «encontrar um
sentido para o mundo acessível à compreensão humana» (Weber, 1921 a, n, p. 625), ou seja, de dar uma
explicação da vida humana que abranja o conjunto das diferentes dimensões nela presentes.
Embora nem sempre obedecendo ao princípio da não-contradição e tomando posições que não são
racionalmente deduzíveis, a religião procura dar uma
157
representação coerente da complexidade humana, conferindo significado até aos aspectos
em confronto e aparentemente inconciliáveis. Para realizar tal projecto, a religião apresenta,
relativamente às outras formas de tipo totalizante, como o poderiam ser um sistema
metafísico ou uma ideologia política, a característica de deixar um largo espaço à
indeterminação e à inefabilidade do sentido. Se é verdade, como afirma Luhmann, que a
religião é a tentativa de «determinar o indeterminável» (Luhmann, 1977, p. 36), é também
verdade que esta definição não tem em conta que tal tentativa é caracterizada, na sua
especificidade, além da vontade de manter os direitos do indeterminável, por se colocar em
situação de constante envio para dimensões que não podem ser inteiramente conhecidas e
controladas pelo homem. A religião é efectivamente, de per si, uma forma de mediação que
tem em conta o carácter ilimitado do desejo humano e explica o mundo finito colocando-o
em relação com o horizonte infinito de um para além do mundo, que desse modo se toma
parte integrante do primeiro.
Unindo a determinação da atribuição de um nome ao envio para o indizível, a religião surge como a
mais ambiciosa tentativa de gerir, tanto a nível cognitivo como prático, a relação entre sentido e
significado (v. cap. i, 3), entre incomensurabilidade do agir e momento normativo, entre sociabilidade e
aquilo que na experiência vivida transcende o social.
Com efeito, a religião pretende interpretar tanto as dimensões infinitas do sentido, como as finitas do
significado, tanto a dimensão da liberdade como a da necessidade; nesta direcção, tende, por um lado, a
propor verdades absolutas e, por outro, a sublinhar os limites de cada definição, reunindo, uma vez por
outra, formas radicais de negação e objectivações de tipo simbólico. Diferentemente da filosofia,
orientada sobretudo no sentido cognitivo, a religião está atenta aos aspectos práticos da experiência
vivida, definindo regras gerais de comportamento mas, ao mesmo tempo, tende a transcender o momento
puramente normativo da moral, remetendo para responsabilidades que não podem ser baseadas
simplesmente no princípio de reciprocidade.
O antropólogo cultural Clifford Geertz, partindo do pressuposto de que os símbolos sagrados servem
«para sintetizar não só o ethos de um povo - o estilo, o carácter e a qualidade da sua vida, as suas opções
e o seu sentimento moral e estético - mas também a sua visão do mundo», sublinha que «os símbolos
religiosos exprimem uma coerência de base entre um particular estilo de vida e uma metafísica específica
(muito frequentemente implícita) e assim se apoiam mutuamente através da autoridade, que um deles
empresta ao outro». Geertz define a religião, enquanto sistema cultural, do seguinte modo: a religião é
«(1) um sistema de símbolos que actua (2) estabelecendo profundos, difusos e duradouros estados de
alma e motivações nos homens por meio da (3) formulação de conceitos de uma ordem geral da
existência e do (4) revestimento de tais conceitos com uma aura de concretização tal que (5) os estados
de alma e as motivações
158
1
parecem absolutamente realistas» (Geertz, 1973, pp. 140-141). Nesta definição evidencia-se,
sobretudo, a função de determinação cognitiva e normativa desenvolvida pela religião.
Com efeito, torna-se pertinente observar que, relativamente aos caracteres gerais da
forma religiosa considerada em abstracto, enquanto mediação por excelência da relação
entre determinado e indeterminado, as formas históricas concretas de religião apresentam
quase sempre acentuações, ou na direcção da definição dogmática da verdade, em função da
consolidação da dimensão institucional da religião (estrutura hierárquica da organização
eclesiástica), ou na direcção da dimensão mística, em contraposição com a componente
institucional.
O carácter complexo dos fenómenos religiosos e a sua incidência na dinâmica social têm
sido objecto de estudo por parte da sociologia desde as suas origens. Na tradição do
racionalismo iluminista do século xvm e na do evolucionismo do século xix, a religião tende
a ser considerada como fenómeno próprio de um estádio ainda não evoluído da história da
humanidade, como momento que devia ser superado através da afirmação de uma
racionalidade que refutava as «superstições» derivadas da fé e que denunciava, com Voltaire
e posteriormente com Marx, a religião como instrumento ideológico do poder dominante.
As análises da religião desenvolvidas nas diversas teorias sociológicas de Comte, Marx,
Spencer e Durkheim mantêm-se substancialmente no interior desta perspectiva de tipo
racionalista-evolutivo. Todavia, deve-se reconhecer que, relativamente às posições dos
filósofos do Iluminismo, a sociologia valoriza a importância da função social da religião e,
por conseguinte, em vez de simplesmente a liquidar como um resíduo e um obstáculo ao
progresso, ela tende a considerar a dimensão religiosa como uma constante do espírito
humano e a procurar formas culturais alternativas que correspondam às necessidades
emocionais e morais que se manifestam na religiosidade.
A idade do positivismo, embora também caracterizada por um certo tipo de triunfalismo da razão, é
bastante sensível aos limites do modelo de racionalidade em que se inspiraram os enciclopedistas
franceses. Com efeito, é neste período que a tónica se desloca da razão filosófica para a ciência empírica
que, todavia, representara uma das referências constantes do século xvm. Antes da Revolução Francesa, a
fé nas possibilidades da razão, tendo em vista uma reforma radical dos costumes e da sociedade e uma
pedagogia capaz de transformar os indivíduos através do controlo das paixões, mostra-se ilimitada. Com
efeito, a razão é concebida como um princípio absoluto presente no espírito humano, a qual se encontrava
em relação, por um lado, com a racionalidade da ordem natural, tomada evidente pelas leis universais de
Newton e, por outro, com a racionalidade das leis económicas, baseadas no livre jogo dos interesses e nas
trocas do mercado.
A razão, neste contexto, surgia como a condição que teria permitido dissolver o peso opressivo da
tradição e cancelar qualquer preconceito ou superstição
759
ligados ao mito e à religião. Além disso, julgava-se que a razão, estabelecendo um total
controlo sobre as paixões, permitiria que se pusesse fim à violência que até então
caracterizara as relações humanas. Tomando como modelo as possibilidades abertas pelo
desenvolvimento das ciências físicas e biológicas, julgava-se possível exercer sobre os
processos sociais e sobre pulsões individuais um controlo análogo ao que se vinha
começando a exercer sobre as forças da natureza.
Após a experiência dos anos do Terror, durante a Revolução Francesa, a fé na razão
passa por uma crise profunda: no período do poder jacobino, não só a racionalidade
filosófica e pedagógica se mostra impotente para controlar o desencadear dos impulsos
emocionais, mas é o próprio domínio da razão que se revelará violento. O facto de terem
sido os próprios jacobinos a sentirem a exigência de se instaurar um culto da Razão pode
surgir como o primeiro sintoma da difusa percepção dos limites da racionalidade filosófica,
enquanto único fundamento da solidariedade social: para tomar esta última efectiva parece,
de facto, necessário recorrer a novos ritos e a novas formas simbólicas, capazes de
impressionar emocionalmente a consciência colectiva.
É na linha desta progressiva perda de fé na razão que o positivismo comtiano revaloriza
a dimensão afectiva e moral, afirmando a necessidade de instaurar formas simbólicas laicas,
que apresentem analogias com as formas da religião. Embora inspirando-se numa imagem
da ciência como saber, a qual permitirá estabelecer, na sua objectividade, um consenso
unânime das vontades individuais e determinar, em cada situação, a verdadeira noção de
bem público, Auguste Comte já não nutre ilusões sobre a possibilidade de conduzir as
consciências utilizando unicamente argumentos racionais: os valores do sentimento, da
moral e da religião, ainda que de uma religião laicizada, surgem-lhe como indispensáveis
para fundar a ordem social. É precisamente a análise científica dos fenómenos sociais a
tomar evidente a insuficiência da razão e as dimensões não racionais da natureza humana:
assim se explicam as propostas do Novo Cristianismo (1925) de Claude Henri de Saint-
Simon (1760-1825) e da «religião da humanidade» de Comte, e as paradoxais tentativas
destes autores para fundarem novas seitas, igrejas e formas de culto de tipo «laico».
Posteriormente, Durkheim, como se viu (v. cap. n, 1.1), analisando nas Forme
elementari delia vita religiosa (1912) o fenómeno do totemismo, por ele considerado como
a forma mais simples de religiosidade, interpreta a religião como instituição humana
produzida socialmente, cuja função consiste em confirmar o sentido de identidade e de
pertença social, promovendo o consenso colectivo. Como o símbolo do animal representa a
unidade do clã, também a ideia de Deus não é mais do que a imagem simbólica da
sociedade. As representações religiosas são «representações colectivas que exprimem
realidades colectivas», os ritos religiosos são modos de agir «que nascem no seio dos grupos
reunidos e são destinados a suscitar, manter e reproduzir certos estados mentais de tais
760
II
grupos» (Durkheim, 1912, p. 13). É a sociedade enquanto tal que, através da forma religiosa, promove
o desenvolvimento das forças morais e dos sentimentos de fidelidade, dando vida às diversas
instituições sociais. Mediante a religião, o indivíduo assimila, efectivamente, as interdições, os valores
morais, o sentido de pertença e de dependência tutelar, os quais, transformando o seu egoísmo
original, o impelem a passar ao acto comportamentos socialmente úteis. As cerimónias e as festas
religiosas constituem momentos nos quais a colectividade se representa emotivamente a si mesma,
reforçando a sua solidariedade interna e a própria identidade: «os ritos são, antes de tudo, os meios
através dos quais o grupo social se reafirma periodicamente a si mesmo.» (Durkheim, 1912, p. 553.)
As teorias funcíonalistas de Malinowski e Radcliffe-Brown, já recordadas (v. cap. iii, 1.2),
procedem, embora de forma diversa, segundo a linha interpretativa inaugurada por Durkheim, e
colocam em evidência sobretudo a função de integração da religião, tanto no que se refere ao
equilíbrio psíquico do indivíduo (Malinowski) como no que se reporta ao sentido de coesão do grupo
social (Radcliffe-Brown). A religião, com as suas explicações e com os seus ritos, constitui
efectivamente, para estes autores, sobretudo uma fonte de segurança perante as contradições, as
angústias e os sofrimentos da existência individual e colectiva.
Na perspectiva evolutiva, que considera a religião como uma remanescência de épocas recuadas
relativamente à sociedade baseada no conhecimento científico, coloca-se, inversamente, a concepção
da religião de Marx. Para este, a religião é uma dimensão estreitamente ligada às estruturas sociais: na
esteira de Ludwig Feuerbach (1841), Marx considera a religião como uma das causas principais de
alienação do homem e como produto da lógica do domínio e da exploração (cf. Marx, 1843; 1845).
Na ideia de Deus a humanidade projectou qualidades que, com efeito, lhe pertencem por direito
próprio e a sua emancipação deve ser perseguida através da reapropriação de tais qualidades: a
autoridade de Deus, tornada modelo do poder político, é instrumento para a manutenção Ida
dependência (religião como «ópio do povo») e constitui uma capa ideológica funcional para legitimar
a dominação. Enquanto tal, a crença religiosa está, para Marx, directamente ligada ao baixo nível de
desenvolvimento das forças produtivas que caracteriza a sociedade pré-industrial: as transformações
do modo ; produção, na sequência da afirmação do capitalismo, revelando a natureza superstrutural
das instituições religiosas, provocarão um gradual desaparecimento da fé religiosa, a qual tenderá a
permanecer unicamente nas camadas mais atrasadas e marginais da sociedade.
Contrariamente, uma inteipretação diversa da religião é a avançada, no interior da tradição do
historicismo alemão, por Max Weber e Emst Troeltsch. Para Weber, a religião, enquanto sistema
cultural dotado de uma autonomia própria que contém em si mesma uma visão metafísica do mundo
e uma concepção
161
ética, explica uma directa influência normativa sobra a vida social, sobre o modo de
considerar o poder e sobre a própria actividade económica.
f Em harmonia com a base epistemológica que se encontra subjacente à sua teoria da
acção social e da cultura (v. cap. 11, 2), Weber critica a concepção marxista, que estabelece
uma relação unidireccional de causa-efeito entre estrutura económico-social e ideologia
religiosa. Na complexidade das relações de interdependência recíproca entre dimensões
materiais, sociais e culturais, não é possível estabelecer qualquer factor determinante em
absoluto. Analisar, como faz Weber no ensaio sobre L ética protestante e lo spirito dei
capitalismo (1904), a influência exercida pela espiritualidade cristã sobre o
desenvolvimento da economia capitalista não significa considerar a religião como factor
causal determinante de tal desenvolvimento, mas significa tão somente assumir um «ponto
de vista» particular, para pôr em evidência um aspecto da complexa dinâmica que interliga
diferentes factores.
Na sua análise comparativa das diversas religiões universais (cristianismo, budismo,
confucionismo, tauismo, hinduísmo), Weber mostra que o cristianismo, diferentemente de
todas as outras religiões, incluindo a judaica, continha valores aptos a promover o
individualismo e uma atitude activa nos confrontos do mundo, que favoreceram a formação
daquele ascetismo mundano, baseado no trabalho como vocação, no controlo das paixões,
na parcimónia, no auto-sacrifício e na responsabilidade em relação aos outros, que
caracterizou a formação inicial da classe burguesa empresarial. No protestantismo, em
particular, o sucesso na actividade económica, testemunhado pelo aumento da riqueza,
assume o valor de uma confirmação da eleição divina, sinal de predestinação para a
salvação no além (cf. Weber, 1904, p. 152; 1922). O processo de secularização, preparado
pelas diferentes versões da ética protestante (luteranismo, calvinismo, pietismo, etc), veio a
perder gradualmente, segundo Weber, o seu vínculo à concepção ascético-religiosa: a
afirmação da racionalidade instrumental, autonomizando-se, surge, na sociedade do
capitalismo desenvolvido, como um destino inquietante, uma fatalidade que ameaça fechar
os seres humanos numa «gaiola de aço» (cf. Weber, 1904, p. 224 e segs.).
Com uma posição análoga à de Weber, Emst Troeltsch (1865-1923), na sua investigação histórica e
sociológica desenvolvida sobretudo no texto Le dottrine sociali delle chiese e dei gruppi cristiani (1912),
analisa a relação entre pensamento cristão e políticas da idade moderna, através de uma comparação
entre o catolicismo das origens e o da Idade Média e o desenvolvimento das várias seitas protestantes.
Para Troeltsch, a religião, na relação de interdependência entre elementos subjectivos, estruturas das
comunidades religiosas e dos grupos sociais, condições económicas, surge dotada de uma relativa
autonomia, possuindo estruturas internas próprias e uma dialéctica específica, que a tomam factor
potencial de transformações sociais. *
762
1
I
Se, num primeiro tempo, os valores e os modelos cristãos influenciaram profundamente a concepção
da sociedade e do Estado, num segundo momento as instituições políticas e sociais vieram a adquirir uma
independência sempre crescente relativamente àqueles valores. Também para Troeltsch, tal como para
Weber, o processo de secularização que caracteriza a sociedade moderna coloca inquietantes
interrogações quanto ao destino da humanidade, perante problemas criados pelo desenvolvimento
burocrático do Estado, pelas tendências globalizantes da economia de mercado e pelo domínio da
técnica. Segundo Troeltsch, o catolicismo medieval havia unido, na organização eclesiástica da vida, não
só o conjunto das relações entre os indivíduos e os grupos, mas também as formas económicas
relativamente simples da era pré-capitalista, enquanto o ideal ascético do protestantismo fornecera os
valores éticos que tinham estado na base do desenvolvimento da democracia liberal, equilibrando o
utilitarismo com o sentido da responsabilidade para com o próximo. Hoje, todavia, segundo observa
Troeltsch, deve-se reconhecer que ambos estes modelos se encontram esgotados: para que a situação
actual possa vir a ser regida pelo espírito cristão-social «terão de ocorrer novos pensamentos, que ainda
não se encontram pensados, que correspondam à mesma situação, tal como as antigas formas
corresponderam à situação antiga» (Troeltsch, 1912, n, pp. 707-708).
Assim, para Troeltsch, a religião representa uma força cultural relativamente autónoma, na qual é
possível obter recursos para se orientar a realidade social, em oposição às tendências globalizantes da
racionalidade instrumental.
A partir destas afirmações iniciais, a sociologia da religião foi-se desenvolvendo sobretudo com base
em duas orientações: afuncionalista, que sublinha sobretudo a função de integração da religião no
sistema social, e a fenomenológica, que considera a religião como um dos elementos constantes que
concorrem para a construção da realidade social.
A partir da formulação de tipo funcionallsta, avançada por Durkheim, Malinowski e Radcliffe-
Brown, e reportando-se também à sociologia da religião de Max Weber, Talcott Parsons considera a
religião como uma parte relevante do sistema da cultura, ou seja, do conjunto dos valores e dos modelos
que, uma vez interiorizados, orientam a acção individual e colectiva. No sistema social a religião garante
os significados e os valores fundamentais, respondendo à necessidade essencial de referência à dimensão
transcendental: como tal, esta constitui uma função insubstituível, mesmo que as suas formas mudem
com o tempo (cf. Parsons, 1961, n).
Segundo Parsons, o estudo das religiões nos povos primitivos mostra que as crenças, as atitudes, as
práticas de tipo mágico-sagrado se revestem de uma | função especial de adaptação dos membros do
grupo às situações em que se encontram. Do ponto de vista do sistema da personalidade, os modelos
religiosos penetram profundamente nos mais fundos níveis inconscientes, desempenhando uma função
relevante ao reforçarem o sentido de solidariedade com o
m*
163
grupo e as sanções que a asseguram. Neste tipo de realidade social, a religião constitui o
núcleo central da tradição e da cultura partilhadas e torna-se elemento fundamental para as
diferenciações entre grupos.
Parsons reconhece, todavia, que tal estado de coisas resulta profundamente transformado
se se considera a presença da religião nas sociedades avançadas. Não obstante o carácter
universalista das religiões como o cristianismo ou o islamismo, e a acentuação, neste, da
dimensão intelectual e de um nível mais alto de auto-reflexão, tais religiões constituem
ainda um factor de diversificação entre os grupos ou as sociedades nacionais e um foco de
tensão entre elas (cf. Parsons, 1945, pp. 99-100). Apesar desta afirmação, a maior limitação
do modelo funcionalista encontra-se na subestimação do carácter conflitual que os
fenómenos religiosos podem assumir: tal como o mostram não só as guerras de religião
desencadeadas pela Reforma protestante, mas também episódios recentes da história
contemporânea (Irlanda, conflito israelo-árabe, Jugoslávia, etc); como força de coesão, a
crença religiosa pode manifestar-se enquanto base de oposições entre grupos de pertença
diversa, constituindo assim uma fonte de destruição da integração social.
Parsons distingue entre a orientação religiosa que, como no catolicismo medieval,
sublinha o afastamento do mundo e a que, pelo contrário, leva, como na tradição
protestante, a um empenhamento mundano, ou seja, ao domínio do mundo em nome de
valores religiosos. Além disso, ele analisa tanto os processos de diferenciação no interior
dos mesmos sistemas religiosos, como a diferenciação que, no sistema geral de acção, vem a
estabelecer-se entre elementos religiosos e não religiosos. Nas sociedades contemporâneas
complexas o conjunto dos significados religiosos tem-se vindo a «especializar»
relativamente aos outros âmbitos de significado. No que se refere ao passado, «o grau de
religiosidade da sociedade cristã foi progressivamente declinando pelo simples facto de a
sociedade se ter tomado funcionalmente num sistema de acção mais altamente diferenciado
do que o era a Igreja primitiva» (Parsons, 1963, p. 305). A diferenciação entre esfera
religiosa e secular, que caracteriza as sociedades contemporâneas, tende a tomar «privado»
o empenhamento religioso: a religião, como, de resto, a família, perdeu hoje muitas das
funções que possuía nas organizações sociais precedentes.
Porém, tal não significa, segundo Parsons, que nas nossas sociedades o nível moral tenha
baixado, mas que novos sistemas de significado se tornaram necessários, a fim de fazerem
face a novos problemas com os quais as sociedades têm de se confrontar, tendo também em
conta que, na nossa época, «está prestes a surgir qualquer coisa que se assemelha a uma
sociedade mundial» (ibid., p. 331). As transformações do carácter das orientações religiosas
nãc comportam necessariamente uma perda de força dos próprios valores religiosos, mas a
exigência de que estes venham a integrar-se num mais amplo sistem; cultural (cf. Parsons,
1960, p. 320).
164
Uma definição da religião em termos funcionais é também proposta, seguindo as pisadas de
Parsons, por J. Milton Yinger, para quem a religião é «um sistema de crenças e de práticas
com o qual um grupo de pessoas luta com os supremos problemas da vida humana» (Yinger,
1957, p. 20). Sempre no interior do modelo funcionalista, Robert Bellah orientou numerosas
análises sobre a relação entre religião e sociedade contemporânea. Depois de haver também
sublinhado as diferenças ocorridas nas sociedades complexas acerca do papel dos valores
religiosos e das transformações da consciência religiosa, Bellah distingue, numa perspectiva
evolutiva, várias etapas da experiência religiosa da humanidade e põe em evidência como,
na sociedade americana contemporânea, se veio a formar uma civil religion, ou seja, um
conjunto de valores institucionalizados e laicizados que derivam da tradição religiosa,
desempenhando funções de integração entre grupos de diversa origem cultural e étnica (cf.
Bellah, 19/0; Bellah-Glock, 1976). A crise da modernidade é interpretada por Bellah como
«crise de significado», à qual parecem responder hoje os novos movimentos religiosos, que
poderão revitalizar a civil religion (cf. Bellah, 1985).
A abordagem neo-funcionalista de Niklas Luhmann, pelo contrário, considera a religião
como uma das formas de redução de complexidade que operam no interior dos sistemas
sociais: sendo estranho ao conceito de interiorização dos valores, na medida em que os
actores sociais, por sua vez, são um produto da função de redução da complexidade,
Luhmann considera a religião como um subsistema que, na relação com outros subsistemas,
fornece prestações específicas ao sistema social (v. cap. m, 1.5). Com base na constatação
da progressiva diferenciação dos âmbitos de significado, que hoje caracteriza as sociedades
complexas, também a religião surge como um âmbito relativamente autónomo e auto-
referencial (cf. Luhmann, 1977). Perante sentimentos de medo e insegurança devidos à
possibilidade de as expectativas sociais virem a ser frustradas, a religião satisfaz «uma
função de esclarecimento e de absorção de tais desilusões» (ibid., p. 111). A religião é
assim, sobretudo, um recurso de sentido que dá respostas relativamente aos significados
últimos. Nas sociedades altamente complexas, a função da religião pode ser satisfeita
unicamente através de um meio de comunicação simbólica especializado.
Analisando, numa perspectiva histórico-evolutiva, as transformações ocorridas nas funções da religião,
no pensamento teológico e nas organizações religiosas, Luhmann interpreta o processo de secularização,
que caracteriza a sociedade moderna, como consequência do alto grau de diferenciação dos diversos
âmbitos de significado alcançado por tal sociedade. A secularização leva a uma «privatização» da decisão
religiosa, que comporta transformações sócio-estru- turais no âmbito da própria religião. Na sociedade
contemporânea, a privatização da religião coloca-a no âmbito do tempo livre, tornando-a parcialmente
destacada das outras dimensões políticas, sociais e económicas (ibid., pp. 222 e 228).
765
Coloca-se assim em evidência que «o sistema religioso é um sistema parcial do sistema
social e, enquanto tal, interessado na mudança estrutural da sociedade; por outras palavras,
encontra-se exposto às mudanças evolutivas da sociedade, que transformam o sistema mais
amplo ao qual pertence» (ibid., p. 234).
Entre os autores que integram a corrente funcionalista e que se dedicaram ao problema
da sociologia da religião nomeamos ainda: Kinsley Davis (1948), Thomas 0'Dea (1966),
Samuel N. Eisenstadt (1968), Bryan R. Wilson (1969).
Na tradição do historicismo alemão e, em particular, no que se refere a Max Weber,
Troeltsch, Georg Simmel, Alfred Schutz, as teorias de tipo fenomenológico, pelo contrário,
vão buscar as suas orientações sobretudo às teorias gerais de história das religiões e à
fenomenologia do sagrado desenvolvida por autores como Rudolf Otto (1917), Gerard Van
derLeeuw (1933), Joachim Wach (1944), MirceaEliade (1957), Geo Widengren (1969).
Nesta perspectiva, a religião é considerada como uma dimensão constante da experiência
humana, que surge sob diversas formas ao longo da história. Georg Simmel havia assinalado
na religiosidade um modo primário absolutamente fundamental do ser do homem,
possuindo uma especificidade irredutível, que pode manifestar-se na crença numa fé, mas
também revelar-se noutras atitudes, não directamente identificáveis com as formas
codificadas de uma religião (cf. Simmel, 1912, p. 18; Mongardini, 1994). A fé religiosa
possui em cada caso, para Simmel, uma função de integração social, na medida em que a
sua capacidade de canalizar dimensões cognitivas e emotivas para uma representação
unitária da vida humana, fornece a base da coesão social. Isto não comporta, segundo
Simmel, que a função social esgote, como para Durkheim, o significado da experiência
religiosa. Na tensão constante entre indivíduo e sociedade, a religiosidade responde a
exigências existenciais, sustentando cada um na sua referência a valores que transcendem a
sociabilidade. Sendo a religião, como forma institucionalizada, profundamente
condicionada pelas estruturas sociais, que ela por sua vez influencia, a religiosidade,
enquanto experiência pessoal, é uma dimensão de significado que mantém uma sua
autonomia perante a realidade social. Nesta linha, a crise da religião na sociedade moderna é
interpretada, ainda segundo Simmel, nos termos de uma progressiva privatização da
experiência religiosa, que dá lugar a formas de misticismo que já não necessitam das
objectivações da religião institucional (Simmel, 1918).
Entre os sociólogos contemporâneos que desenvolveram uma análise de sentido fenomenológico da
religião, recordamos em particular os já citados Peter L. Berger e Thomas Luckmann (v. cap. ih, 3.2). A
religião, para Berger, possui uma função primária no processo de construção da realidade social, na
medida em que permite impor uma ordem à experiência e proteger o indivíduo dos perigos da anomia e
da indeterminação do mundo. A religião responde à «fome humana de significado» e desempenha
funções sociais tanto positivas como negativas: as primeiras compreendem funções de legitimação da
ordem social
766
r
I constituída e das suas instituições; funções de integração de experiências-limite (violência, morte), que
são levadas a reentrar na plausibilidade da vida quotidiana; funções de desalienação, na medida em que
a dimensão religiosa e, em particular, a mística, permite olhar as instituições sociais como realidades
imperfeitas, abrindo à crítica e à possibilidade de as transformar.
As funções negativas reportam-se, pelo contrário, à tendência para se projectar sobre a sociedade
humana uma necessidade de absoluto, que comporta o sacrifício do indivíduo a favor da totalidade
social. A religião pode assim transformar-se numa forma de mistificação, que oculta o carácter redutor
das formas de mediação social (cf. Berger, 1967).
| A situação da religião nas sociedades actuais, após o desenvolvimento do processo de secularização, é
caracterizada, segundo Berger, não só pela acentuação das dimensões de tipo privado ou subjectivo,
como também pelo facto de cada indivíduo se encontrar perante uma pluralidade de crenças e valores
de entre os quais deve fazer uma escolha. De facto, a secularização não comporta necessariamente o
desaparecimento das instituições religiosas mas, pelo contrário, a presença de uma pluralidade de
igrejas e de movimentos religiosos diversos: a troca de diferentes experiências poderá resultar também
num aumento dos recursos colocados à disposição da sociedade actual (ibid.).
Segundo uma linha interpretativa análoga à de Berger, Thomas Luckmann evidencia a diversidade
que se veio a estabelecer na sociedade contemporânea entre instituições político-sociais e cultura
religiosa, apontando também a presença de uma pluralidade de valores e de crenças, que já não
conseguem dar, como as religiões tradicionais, uma concepção unitária da vida humana. Se nem todas
as culturas contemplam uma dimensão religiosa distinta, em todas as culturas existem, todavia, normas
que aplicam significados «últimos» à experiência comum e que, desse modo, regulam os
comportamentos sociais na vida quotidiana. A privatização da experiência religiosa dá lugar, segundo
Luckmann, ao fenómeno da religião invisível, isto é, ao facto de os indivíduos tenderem a construir
formas subjectivas de religiosidade, escolhendo entre possibilidades diversas, quase como numa
espécie de supermercado do religioso. Embora a dimensão religiosa se encontre sempre presente no
mundo social, o facto de a religiosidade se tornar invisível favorece a afirmação, no espaço social, de
uma progressiva desumanização, ligada ao predomínio da racionalidade de tipo instrumental e ao
acentuar do isolamento dos indivíduos (cf. Luckmann, 1966).
Sobre o mesmo tema do progressivo desaparecimento da religião na sociedade contemporânea, o
sociólogo Sabino S. Acquaviva, na sua obra Ueclissi dei sacro nella società industriale (1961), numa
perspectiva parcialmente diversa da dos autores que acabámos de considerar, interpretou a crise da
religião a partir da distinção entre secularização, como situação objectivamente caracterizada pela
progressiva perda do carácter sagrado das coisas, das pessoas, das instituições, e dessacralização,
referida ao esgotamento da experiência sugestiva do sagrado.
767
A partir do pressuposto de que «a experiência do sagrado é o núcleo da experiência religiosa», Acquaviva
afirma que estabelecer o quantum da crise do sagrado «significa tentar ver quanto, até hoje, a sociedade se
paganizou, e podê-lo-emos fazer procurando saber em que medida a sociedade humana veio perdendo o
sentido do sagrado» e, assim fazendo, «encontraremos paralelamente e com suficiente precisão a perda de
potencial da religiosidade, em intensidade e em extensão» (Acquaviva, 1961, p. 55). I
A equivalência, referida por Acquaviva, entre experiência do sagrado e experiência religiosa suscita,
todavia, alguma perplexidade, porquanto a sacralidade surge ligada ao regime mítico das sociedades
arcaicas, caracterizado, como se disse (v. 2.1 do presente capítulo), pela relação mágica com as forças da
divindade. Sob este ponto de vista, a religião surge, desde o início, como a afirmação da absoluta
transcendência do divino, o que leva, por si só, a um processo de dessacralização do mundo. A
secularização pode assim ser interpretada como um processo que possui a sua origem na religião que, tal
como foi mostrado por Max Weber, permitiu uma maior autonomia da dimensão mundana. Neste
sentido, a progressiva diminuição, na nossa época, da importância da religião institucional pode ser
também interpretada como a abertura de novas possibilidades para uma experiência religiosa não
institucionalizada (cf. Crespi, 1965; 1994b).
Com efeito, assiste-se na sociedade contemporânea a um reavivar tanto da religião institucional,
enquanto reacção integralista às crises dos valores que tradicionalmente suportavam a identidade
individual e colectiva, como de formas não codificadas de religiosidade, tal como foi também realçado
por Berger e Luckmann. O processo da crise das formas religiosas já não se revela hoje irreversível,
como nos anos sessenta, mas a sociologia considera novamente, com atenção, as novas formas de
ressurgimento da religiosidade (cf. Nesti, 1978; Cipriani, 1978; Guizzardi, 1986; Garelli, 1981;
Milanesi, 1986; Ardigò-Garelli, 1989;Martelli, 1990).
A sociologia da religião também dedicou muitas investigações empíricas ao estudo da prática
religiosa, bem como ao das atitudes e dos valores sociais ligados à religião. Já em 1913 o sociólogo
francês Gabriel Le Brás (1891 -1969) desenvolvera, em âmbito paroquial e diocesano, uma série de
estudos baseados em dados históricos e estatísticos, no sentido de orientar a pastoral da igreja católica.
Le Brás, que refere também estudos históricos, procura estabelecer o grau de religiosidade presente nas
várias regiões da França, através da importância estatística da frequência das cerimónias religiosas e da
observância dos preceitos da Igreja (cf. Le Brás, 1942-1945). O exemplo de Le Brás é seguido por
numerosos sociólogos dos países europeus e dos Estados Unidos (cf. Martelli, 1990, p. 200 e segs.).
Todavia, a experiência de Le Brás é objecto das críticas de vários sociólogos, tanto pela ausência de um
quadro teórico geral, como pela redução da avaliação da dimensão religiosa a uma pura verificação das
práticas
168
1
dos ofícios (cf. Luckmann, 1966; Burgalassi, 1967; 1970; Wilson, 1969; Guizzardi, 1981).
Outras orientações mais atentas à complexidade e ao carácter qualitativo dos fenómenos
religiosos, na sua relação com a realidade social vieram, então, a afirmar-se posteriormente
na investigação empírica.
2.3 O rito
Estreitamente ligadas ao mito e à religião estão as diversas formas de ritualismo, ou seja,
as situações nas quais as crenças míticas ou religiosas são representadas quer através de
cerimónias ou cultos sagrados, quer através da recitação de uma narrativa mítica, a consulta
a um oráculo, a celebração fúnebre, a imolação de uma vítima sacrificada, a participação
numa refeição ritual, etc, que, por assim dizer, actualizam a crença, numa espécie de
representação na qual os comportamentos se encontram rigidamente definidos e são
periodicamente repetidos. Os rituais servem não só para reforçar os estados de alma e as
motivações que os símbolos sagrados induzem nos indivíduos, como também as concepções
gerais do mundo e da vida, expressas nas narrativas míticas ou religiosas (cf. Geertz, 1973,
p. 167). Todavia, os rituais podem autonomizar-se das crenças que lhes deram origem e
continuar igualmente a persistir em situações em que tais crenças já desapareceram.
A partir da sua concepção da religião como representação da sociedade, Durkheim (v. cap. m, 1.1)
interpretara o ritual como o momento no qual o grupo social actualiza o próprio sentimento de pertença e
confirma os vínculos de solidariedade, ajudando os membros do grupo a tomarem consciência da sua
unidade moral, na ligação do presente ao passado e do individual ao colectivo. As práticas rituais
constituem uma espécie de objectivação das crenças e das tradições e, enquanto tais, adquirem uma
autonomia própria que, por sua vez, serve para reforçar as crenças e as interdições religiosas, sublinhando
a distinção entre sagrado e profano. As cerimónias rituais servem também para se ultrapassarem situações
dolorosas (p.e., os rituais do luto), para estabelecer papéis sociais (por ex., ritos de passagem, de
purificação, etc), para se decidir como actuar em conjunturas difíceis (ex„ secas, fomes, estabelecimento
de condições de paz, etc), que possam ameaçar a integração do grupo social (cf. Durkheim, 1912).
Estabelecendo um confronto com os comportamentos rituais presentes no mundo animal, Lévi-Strauss
(v. cap. m, 2) interpreta o rito como uma tentativa de estabelecimento, através das repetições de gestos e
de expressões não verbais de significado simbólico, uma espécie de automatismo e de continuidade
imediata das vivências, que se contrapõe às distinções cognitivas e classificativas do mito. O facto de, em
última análise, tal tentativa estar destinada a falhar explica o carácter obstinado e quase maníaco das
cerimónias rituais, na sua repetição obsessiva. A ansiedade que o rito tende a apaziguar não é, segundo
769
Lévi-Strauss, de tipo existencial, mas antes de tipo epistemológico: é uma ansiedade «devida ao temor de
que os cortes efectuados no real pelo pensamento discreto, em função da conceptualização do próprio
real, deixem de permitir que se alcance a continuidade das vivências» (Lévi-Strauss, 1971, p. 608).
Analisando os ritos como «execuções culturais», que não só apresentam modelos da crença religiosa,
como também a realizam e materializam, constituindo modelos «para crer nesta», Geertz evidencia
igualmente a função de aceitação da autoridade desempenhada pelo rito, que não é tanto «a formulação
de uma geral concepção religiosa, quanto é experiência que com modalidades autoritárias a justifica e
assim obriga à sua aceitação» (Geertz, 1973, p. 174). A religião, observa Geertz, é sociologicamente
interessante não porque descreve a ordem social, o que, quando ocorre, é sempre uma descrição indirecta
a incompleta, mas porque, «do mesmo modo que o ambiente, o poder político, a riqueza, a coacção
jurídica, o afecto pessoal e o sentimento da beleza, lhe dá uma forma» (ibid., p. 175, itálico meu).
Tal como o mostram as análises de Schutz, Goffman, Berger e Luckmann e, em geral, a
etnometodologia ( v. cap. m, 3.1 e 3.2), a análise dos rituais de origem mítica e religiosa permite também
compreender melhor os rituais «laicos», que têm lugar na vida de todos os dias, enquanto formas típicas
de estruturação da realidade social.
3. As expressões da arte
A produção artística constitui um âmbito da cultura extremamente amplo e variado, no qual
encontram expressão, ao mesmo tempo, emoções, dimensões do desejo e do imaginário individual e
colectivo, representações da realidade natural e social, concepções do mundo e da vida.
Se no mito podíamos encontrar as primeiras formas de criação artística e, se tanto o mito como a
religião constituíram, durante longo tempo, as fontes privilegiadas da inspiração estética, a arte veio
sucessivamente a autonomizar-se cada vez mais como um conjunto complexo de formas de mediação
simbólica, que vai buscar a sua inspiração aos mais diversos tipos de experiência.
Dentro da produção artística podemos incluir: as artes figurativas, que se exprimem através de
imagens, como é o caso da pintura, da escultura, da arquitectura, da dança, do cinema, da fotografia, do
videoclip; a literatura, que se exprime através da palavra, falada e escrita, e que compreende as diferentes
formas de poesia (épica, lírica, dramática), a narrativa (o romance, as autobiografias, etc), o teatro, onde
também se encontram presentes aspectos figurativos; a música, que encontra expressão através dos sons,
nas diversas formas da música clássica (oratórias, ópera lírica, música de câmara), da música dita ligeira
(canções, música rock, etc), do canto popular.
770
O termo arte mostra-se, todavia, extremamente problemático, na medida em que não
existem critérios absolutos que permitam estabelecer uma distinção entre o que é
autenticamente arte e aquilo que o não é. Um primeiro contributo da sociologia da arte é,
exactamente, constituído pelo facto de haver sublinhado que os critérios com base nos quais
uma determinada forma expressiva é definida como artística se alteram com o tempo,
segundo diferentes contextos sócio-culturais, particularmente os relacionados com as
estruturas sociais (estratificação de classes e de camadas, formação das elites, distribuição
do poder, situações de centralidade e marginalidade, modos de produção, formas de
consumo, nível da técnica, etc.) e com características do sistema cultural dominante, nas
suas formas e nos seus conteúdos (valores estéticos, morais, sociais, estilos de vida,
homogeneidade e heterogeneidade, etc).
Todavia, a sociologia da arte não considera como dado adquirido o objecto das suas
análises mas, por vezes, analisa os processos com base nos quais, nas diferentes sociedades,
surge definido o âmbito artístico específico, relativamente às outras formas de produção
cultural: por exemplo, na época moderna foi criada uma distinção, antes desconhecida, entre
arte e artesanato, entre formas altas e baixas de expressão artística, ao passo que na época
contemporânea e pós--moderna tal distinção parece ter-se tomado novamente problemática.
Uma tentativa de definição da forma artística como tal pode ser desenvolvida a partir da
consideração da relação entre complexidade indeterminada do agir e determinação dos
significados, ou seja, da distinção entre sentido e significado (v. cap. i, 3). As formas de
expressão artística incluem-se, de facto, na categoria das formas de mediação simbólica, na
medida em que traduzem (e reduzem) na linguagem, nas imagens, nos sons, a complexidade
da experiência vivida. A particularidade da arte relativamente às outras formas de mediação
simbólica de uso corrente na vida social (linguagem comum, senso comum, regras, etc),
como também relativamente às formas de mediação que se referem a âmbitos de significado
específicos de tipo sobretudo cognitivo ou normativo (filosofia, ciência, direito, moral, etc),
deriva sobretudo do relevo que nesta assumem não só as dimensões do imaginário e da
expressão metafórica, como também da acentuada atenção e consciência relativamente ao
meio formal utilizado. Na vida de todos os dias, a linguagem é geralmente usada sem que
sobre ela se reflicta, enquanto nas formas especializadas do saber a linguagem surge
considerada sobretudo do ponto de vista da sua funcionalidade e da sua coerência interna.
Na arte, pelo contrário, os meios expressivos não só se mostram aperfeiçoados tecnicamente
a fim de se obter a sua máxima ductilidade relativamente aos conteúdos que se pretende
comunicar, como constituem também, eles próprios, a directa manifestação do significado.
A importância autónoma que na arte assume o meio expressivo explica a razão por que
isso pode surgir como um fim em si mesmo: as diversas e recor
777
rentes formas de maneirismo ou de barroquismo constituem, por assim dizer, uma espécie
de autocelebração que a mediação simbólica faz de si própria.
A atenção ao meio expressivo comporta, por outro lado, uma acentuada consciência dos
limites que lhe são intransponíveis: se podemos entender a arte como «paixão pelo sentido»,
o qual, como já foi dito (v. cap. i, 3), se encontra sempre para além do significado, ou
também como tentativa de exprimir a totalidade do sentido da vida, que se mantém
inacessível às formas do conhecimento e das representações, então a arte define-se como
aquela forma de mediação simbólica que mais directamente evidencia o carácter redutor dos
significados e que se constitui, por si só, como constante reenvio para a indizibilidade do
sentido: a arte, além de tentar esgotar este último no significado, mostra o sentido. Uma
forma expressiva é tanto mais autenticamente artística quanto mais, renunciando à pretensão
de dizer o sentido, faz resplandecer aquilo que não pode ser expresso por palavras.
Era a esta dimensão da arte a que Wittgenstein se referia quando afirmava: «quando não
nos coibimos de exprimir o inexprimível, então nada está perdido. Então o inexprimível está
- inefavelmente - contido naquilo que se exprimiu.» (Engelmann, 1967, p. 56)
Segue esta mesma direcção a afirmação de Emst Cassirer, no seu comentário à filosofia
de Schelling, quando escreve: «Na obra acabada do génio existe um sentido tomado
objectivo, um sentido que não se pode compreender nem esgotar mediante qualquer reflexão
e, portanto, nem sequer mediante a reflexão do próprio indivíduo que a criou.» (Cassirer,
1955, ui, p. 311)
A tensão que a teoria da acção social atinge na relação entre o agir e o momento
simbólico cognitivo ou normativo é, assim, iminentemente evidenciada pelas diversas
formas de expressão artística. Em particular, a dimensão do infinito, presente no desejo
humano, que encontra na religião uma forma de explicação e de orientação, aparece na arte
mostrada, por assim dizer, no estado puro, na sua irredutibilidade a formas cognitivas ou
ético-normativas. O desejo emerge, efectivamente, do vazio intransponível aberto pela
conciência: a ruptura do imediatismo natural, que ela comporta, não consegue refazer a sua
unidade no regime instaurado pela mediação simbólica (v. cap. i, 3). Devido ao carácter
sempre redutivo desta, a consciência subjectiva continua sempre insatisfeita e caracterizada
por uma falta que se revela insuperável.
O desejo, enquanto procura constante de ver colmatada essa falta, dá lugar às diferentes formas de
sublimação, isto é, à ilusão que consiste em considerar como absolutos objectos que, na realidade, são
sempre parciais. A arte, tendo embora a sua raiz no próprio desejo, que se nutre de imaginário, e não
obstante poder ser considerada, em termos psicanalíticos, como o resultado dos processos individuais de
sublimação, é, pelo contrário, em si mesma, o exacto oposto da sublimação: o objecto parcial que a arte
representa não é, de facto, absolutizado como tal, mas remete para outro que não ele próprio, deixando,
772
I
I por assim dizer, intacta a incomensurabilidade do desejo. Por esta razão, o objecto que a arte representa
pode também ser trivial (como, por exemplo, os famosos sapatos pintados por van Gogh), o que, muito
simplesmente, não mais é do que o reenvio simbólico para a complexidade não delimitável do sentido. 0
sublime, que muitos filósofos da estética ligaram à experiência artística, não é dado, de modo algum, por
um sentimento triunfante de posse do absoluto, mas nasce do terror perante a impossibilidade de o
alcançar. Por isso Edmund Burke podia falar daquele erro deleitoso perante o infinito, do qual também
Kant se havia apercebido.
Se podemos tentar compreender a arte a partir das categorias gerais da teoria da acção social na sua
relação com a dimensão simbólica, devemos reconhecer, todavia, que tal interpretação não é mais do que
uma entre as inúmeras possibilidades expressas na sociologia da arte.
A socióloga americana Vera Zolberg, partindo da dificuldade de definir a arte como tal, põe em
evidência duas concepções contrapostas a esta: por um lado, existe a concepção endógena, que se coloca
na tradição humanística e, partindo do princípio do consenso sobre aquilo que constitui a «grande arte»,
considera a obra de arte «como uma única e significativa expressão da alma do seu criador» (Zolberg,
1990, p. 23). Neste caso, é sublinhado o carácter excepcional da personalidade do artista singular, sendo
as obras consideradas como o produto espontâneo do génio individual. Tal concepção negligencia,
portanto, as componentes sociais da formação do artista e das condições nas quais a obra de arte é
produzida. São, pelo contrário, exactamente estas as dimensões consideradas relevantes na concepção
dita exógena, que é própria dos sociólogos da arte, os quais estudam, por um lado, as relações existentes
entre o artista ou a obra de arte; por outro, as instituições políticas e sociais, bem como a ideologia, que
caracterizam o ambiente no qual a obra de arte nasce. Recusando a imagem romântica do artista como
génio solitário, os sociólogos salientam, de variadas maneiras, o facto de os processos de criação artística
serem o resultado de um conjunto complexo de condições económicas e sociais, bem como da
colaboração de uma pluralidade de actores, em relação com determinadas instituições (academias
artísticas, escolas de arte, galerias de arte, teatros, crítica, etc). Nesta perspectiva, também emerge a
importância dos critérios culturais, a partir dos quais uma obra de arte é avaliada, isto é, o apreço por
parte do público e da crítica e os diversos usos que de tal obra podem ser feitos, em função das diferentes
épocas e dos vários contextos sociais (ibid., p. 26 e segs.).
Levadas às últimas consequências, ambas as concepções indicadas por Zolberg podem ser igualmente
redutoras: a concepção endógena subestima efectivamente os condicionamentos sociais, enquanto
aexógena não tem em contra as dimensões de unidade e singularidade da criatividade artística como tal.
Karl Mannheim confrontara-se com o mesmo problema, propondo a distinção entre diferentes
dimensões do sentido na obra de arte: o sentido objectivo,
173
constituído pela obra de arte como objecto em si, prescindindo da intenção de quem a
produziu; o sentido expressivo, que considera o espírito criativo do artista e as intenções que
o orientaram; o sentido documental, que considera a obra de arte enquanto documento do
mais amplo habitus cultural que a produziu (cf. Santambrogio, 1990, pp. 17-18).
Parece que a melhor maneira de abordar o problema, do ponto de vista sociológico, será
ter em conta, ao mesmo tempo, a influência que os condicionamentos sociais exercem sobre
a expressão artística e a relativa autonomia da arte, ou seja, a sua capacidade revolucionária
e de antecipação relativamente às formas codificadas da cultura constituída.
A relação arte-sociedade não deve ser entendida em termos antitéticos, mas nos de uma
constante ambivalência: por um lado, a arte pode surgir como a celebração e a exaltação dos
valores sociais partilhados e, para tal, basta pensar na função da arte no que se refere à
experiência religiosa da Idade Média ou no carácter representativo da arte relativamente à
realidade política e social do Renascimento. Todavia, mantendo o potencial contido na sua
relação privilegiada com a transcendência do sentido, que acima se referia, a arte surge, em
muitas situações históricas, como a mais alta expressão do imaginário colectivo,
desempenhando funções de integração e de confirmação da identidade social. Por outro
lado, a arte mostra-se, em muitos casos, como aquilo que coloca em discussão os modelos
estéticos da tradição, enquanto elemento profundamente inovador, que denuncia a ordem
constituída e abre caminho a novas interpretações da realidade e da experiência individual e
colectiva. Assim, quando se considera a relação arte-sociedade, deve-se ter em conta que a
arte pode possuir, simultaneamente, uma função de envio para uma outra dimensão do
social, enquanto fonte de constante criatividade, inovação expressiva e contestação das
ordens constituídas, e uma função de celebração e de confirmação de valores e
representações socialmente partilhados. Nas mais elevadas formas de arte estas duas funções
não surgem em contradição, na medida em que também a representação dos ideais estéticos
e sociais colectivamente partilhados assume na arte uma dimensão simbólica, que vai muito
para além da simples «propaganda» a favor da ordem estabelecida. Como o demonstra o
insucesso das diversas tentativas efectuadas pelos regimes totalitários para programarem a
arte num sentido funcional para os seus interesses, quando se tenta instrumentalizar a arte
dá-se lugar a produtos de nível ínfimo.
Na nossa época, na qual se tende a excluir qualquer tipo de referência à transcendência, limitando o
horizonte social ao âmbito da eficiência e ao bem-estar material, parece ter-se verificado uma acentuação
do carácter de denúncia social da arte: esta mostra-se sempre menos representativa do conjunto da
sociedade e corresponde particularmente a experiências de tipo elitista. Dir-se-ia assim aumentada a
diferença entre certas formas de arte e a realidade social: a expressão artística dita de vanguarda torna-se
frequentemente
174
motivo de escândalo nos confrontos com os valores dominantes e fonte de inovação no
modo de olhar a realidade. Assim se vem a debilitar a tradicional função integradora da arte.
Se na tradição renascentista a arte surge como expressão suprema, que se coloca a um
nível superior ao da própria religião, na modernidade, após a Reforma protestante, a religião
é posta acima da arte. Posteriormente, com Hegel, a filosofia prevalece sobre a arte e sobre a
religião, posto que na fenomenologia hegeliana só pela filosofia o espírito se realiza
completamente (cf. Perniola, 1990, p. 154). A época romântica, pelo contrário, retomando
alguns elementos da tradição do individualismo protestante, particularmente ligado ao
pietismo, e assumindo uma atitude crítica nos confrontos com o idealismo totalizante de
Hegel, tenderá a considerar a arte como expressão do génio individual, isolado da sociedade,
como libertação do desejo e do imaginário, tendo-se a si própria como fim, dando vida a um
processo no qual todas as formas estéticas tradicionais se vieram progressivamente a
desestruturar.
A perda de identidade social da função artística, derivada de tal experiência, encaminha-
se, na nossa época, para a afirmação do fim da arte e favorece duas tendências, só
parcialmente contraditórias, quanto ao modo de considerar a própria arte. Por um lado, a
função da arte é considerada sobretudo como crítica da realidade e denúncia dessacralizante
e desmistificadora de todos os aspectos reificados da nossa sociedade. Se o futurismo
pretendera ser, no início do século xx, expressão da exaltação da técnica, posteriormente
parece prevalecer napop art a denúncia da alienação e da produção em série originada pela
própria técnica: os objectos funcionais de uso corrente são apresentados por um artista como
Mareei Duchamp, por exemplo, sob um ângulo visual que os mostra como objectos
absurdos. O fim da unidade do sujeito, em autores como Proust e Joyce, e a ausência de
significado que se mostra, por exemplo, no teatro de Beckett transformam-se em temas
privilegiados da expressão artística: em Beckett a dimensão individualista mantém-se
unicamente como protesto, que possui as suas raízes no sentimento de profunda impotência
perante um mundo desumanizado.
Por outro lado, a arte contemporânea tende a ser concebida como expressão de um hedonismo que se
desinteressa da gravidade dos problemas da vida: como puro jogo de simulacros que já não dissimulam
nada, despojada de força crítica e de projecto, a arte vem a deparar com o desenvolvimento da sociedade
de consumo, transformando-se ela própria num produto sujeito à lógica do mercado. O próprio conceito
de vanguarda perde o seu significado de ruptura com a tradição e de inovação criadora, para se tornar
sinónimo de moda efémera, unicamente atenta a instilar necessidades sempre novas no consumo de
massas. A denúncia do absurdo transforma-se na gratuitidade da «descoberta», acabando a arte por se
reduzir, também, à condição de mercadoria consumível.
775
Parece estarmos então a assistir a um «enfraquecimento progressivo» da tensão entre arte e
sociedade: «Na medida em que a arte não conseguiu fazer emergir uma positividade nova,
isto é, delinear, por entre o jogo de uma negatividade incessante, o projecto de um "possível
realizável", a negatividade encontrou-se, por assim dizer, sem emprego e o "possível
realizável" transformou-se numa espécie de "tudo é possível", no sentido de uma
coexistência tranquila dos contrários e de um fim das oposições.» (De Paz, 1992,p. 103)
As transformações históricas da relação entre arte e sociedade mostram que, longe de ser
uma realidade avulsa do contexto social, a arte é o resultado de uma série complexa de
relações, nas quais jogam igualmente elementos criativos e condicionamentos estruturais,
bem como factores individuais e colectivos. A arte surge assim, ao mesmo tempo, como
reflexo e sintoma da experiência social e como um dos elementos constitutivos do processo
de construção da própria realidade social.
As diferentes teorias sociológicas da arte desenvolvidas no século xx reconheceram-se,
por vezes, nestas duas componentes, mas acentuaram, com maior frequência, e de modo
tendencialmente unívoco, a influência do social sobre a produção artística e sobre o seu uso.
No interior da sua concepção da sociologia da cultura como tematização do
desenvolvimento e da transformação da essência humana na história, o filósofo e sociólogo
Alfred Weber (1868-1958), irmão de Max Weber (v. cap. i, 1), considera a época actual
como sendo caracterizada por um nítido distanciamento relativamente ao passado e como
sendo determinada pela tendência para o domínio global da terra, bem como pelo declínio
das religiões tradicionais. Os fenómenos de burocratização e de mecanização levam a uma
progressiva desumanização e desintegração da humanidade (cf. Weber, 1935, p. 449). Neste
contexto, a criação artística, e em particular a arte figurativa, pode, segundo Alfred Weber,
revelar-nos alguma coisa sobre o nível contemporâneo de consciência relativamente a nós
próprios e à existência em geral. Os documentos da arte figurativa e da arquitectura
constituem, com efeito, para Alfred Weber, um testemunho do modo como se sucedem as
diferentes concepções que o homem possui de si mesmo e da sua situação existencial. A arte
contemporânea não é só expressão sintomática do profundo mal-estar vivido pelo homem de
hoje, revela também indícios de uma época nova, possui um carácter de antecipação de
possíveis novas vias para a experiência.
Se o cubismo e a arte abstracta reflectem a dissolução de toda a individualidade realizada e de todo o
objecto, denunciando os efeitos da época da técnica sobre a integridade e a completa estruturação das
personalidades, o impressionismo e o expressionismo, enquanto manifestações, respectivamente, de um
novo modo de olhar a realidade e do isolamento em que se encontra o homem contemporâneo, colocam
a tónica, ainda que de modo não definitivo, num «cen
776
tro» primordial do homem, donde poderão ter origem inovações que ainda não podemos prever (cf.
Weber, 1953, p. 255; Allodi, 1991).
Se em Alfred Weber se mostra presente a dupla dimensão da arte como reflexo e como elemento
criativo, Georg Lukács (1885-1971) assume uma posição que, no interior da tradição marxista, tende a
sublinhar, de modo unívoco, a influência da realidade social sobre a arte. Como melhor veremos dentro
em pouco, a propósito da sociologia da literatura, Lukács, que ainda sente a influência de Simmel, Max
Weber e Mannheim, considera a obra de arte como o produto da totalidade social, ou seja, do conjunto
de relações que resultam dos processos histórico-sociais e dos condicionamentos concretos do contexto
social em que nasce. Na medida em que cada representação estética da realidade social contém um
juízo de valor ou pode resultar, além das próprias intenções do artista, como sintoma das informações
ideológicas presentes na sociedade, a arte pode desempenhar uma função de desmistificação das formas
reificadas presentes na ordem social constituída (cf. Lukács, 1911; 1916). Em particular, grande parte
da literatura do início do século é interpretada por Lukács como expressão ideológica que reflecte os
interesses do imperialismo capitalista (Lukács, 1954).
Numa perspectiva certamente influenciada pela tradição dialéctica do marxismo, ainda que
enriquecida pelas referências do historicismo alemão e da experiência psicanalítica de Freud, os autores
da Escola de Frankfurt, Max Horkheimer e Theodor Adorno (v. cap. n, 8) desenvolvem a sua
sociologia da arte tendo em conta, por um lado, a função crítica que a arte deve possuir nos confrontos
da sociedade e, por outro, a possibilidade de a arte ser usada em função da manutenção da ordem social
constituída.
Valorizando positivamente a obra Storia sociale delVarte (1951), de Amold Hauser, que mostrara a
íntima ligação e interdependência entre as dimensões sociais e as formas e os conteúdos da obra de
arte, Horkheimer e Adorno, retomando o conceito de totalidade social de Lukács, observam que a
produção artística deve ser explicada tendo como referência o conjunto das condições materiais, das
estruturas sociais e políticas, dos valores culturais que caracterizam um determinado contexto histórico
e um determinado sistema social (cf. Horkheimer-Adorno, 1956, p. 117 e segs.). Com base neste
pressuposto, é mostrado como a arte contemporânea reflecte as condições de estranheza nas quais o
indivíduo veio a encontrar-se, devido ao crescente domínio da racionalidade instrumental e ao
desenvolvimento de uma sociedade de massas saída da lógica do mercado. Nas suas melhores formas,
a obra de arte, pela sua relativa autonomia, pode tomar-se, tal como acontece com a arte de vanguarda,
juízo sobre a totalidade, definir-se como escândalo e ruptura relativamente às formas tradicionais (cf.
Horkheimer-Adorno, 1947, p. 141). Todavia, à parte algumas experiências artísticas particularmente
sérias e profundas, que denunciam as formas dominantes do comércio humano, a maior parte da
produção
777
artística actual, também pelo modo como aparece proposta a um público escassamente
esclarecido, resulta determinada pela lógica da organização da indústria cultural, funcional
para a manutenção do conformismo e da dependência do poder. Vem assim eliminado o
carácter dialéctico que a arte deve possuir nos confrontos com a ordem estabelecida:
perdendo a sua própria autonomia, a arte é utilizada para reforçar a falsa consciência e para
distrair a atenção dos mecanismos repressivos actuantes na sociedade capitalista (cf.
Horkheimer-Adorno, 1956, p. 126 e segs.).
Este tipo de análise, desenvolvida por Adorno, como veremos dentro em pouco,
sobretudo a propósito da música, tem, em particular, o mérito de haver colocado a tónica
sobre o relevo que possuem, para a função social da produção artística, os modelos
codificados da sua utilização, as condições da sua recepção e os interesses do mercado.
Ainda no âmbito da Escola de Frankfurt, ocorre recordar o contributo para a sociologia
da arte de Walter Benjamin (1892-1940). Também para Benjamin a arte se encontra ligada
às condições económicas e sociais do contexto em que surgiu e pode desempenhar uma
função crítica e inovadora nos confrontos sociais, do mesmo modo que pode ser por eles
instrumentalizada. Benjamin analisa particularmente as consequências que, sobre o modo de
considerar a arte, possuiu, na nossa época, o desenvolvimento da técnica de reprodução das
obras de arte. Na origem, a arte aparece ligada a um contexto mágico e ritual e a uma
tradição, que mantêm a obra de arte numa aura absolutamente específica, e que deriva,
sucessivamente, da relação entre a obra de arte e os seus mecenas ou proprietários, que
gozam de um notável prestígio social, ou da função pública que ela desempenha
relativamente a instituições como a Igreja ou o Estado. A possibilidade, na época actual, de
se reproduzir mecanicamente um quadro, gravar uma música, multiplicar as cópias de um
filme, tende a retirar à obra de arte o seu carácter único e excepcional, para a reduzir a
objecto de consumo, a mercadoria perecível como qualquer outro objecto. A perda daawra
transforme a relação com a obra de arte, colocando-a à disposição das massas; todavia
Benjamin não exclui que, em princípio, a arte possa continuar a desempenhai também
nessas diferentes condições, a sua função de oposição à ordem sócia constituída, abrindo
novas possibilidades de experiência (cf. Benjamin, 1936;
O problema, levantado por Benjamin, da reprodução mecânica das obras d arte, coloca
igualmente a questão do valor artístico da fotografia: durante muit tempo, pensou-se que
esta não tivesse qualidade para figurar entre as verdade ras e reais obras de arte, na medida
em que o fotógrafo era considerado mais ui técnico do que um artista. Tendo em conta,
porém, que a personalidade do foh grafo incide profundamente sobre os meios técnicos,
sobre o enquadrament sobre a focagem, a qualidade das imagens, etc, tende-se hoje a
considerar d terminados produtos fotográficos como obras de arte de pleno direito (cf. Ivir
1960; Moulin, 1978; De Paz, 1986; Zolberg, 1990, p. 93).
778
ir
I
Discurso análogo pode ser feito a propósito dos produtos do design industrial, que
tendem, também, a ser hoje considerados, nos casos de expoente mais elevado, ao mesmo
nível dos produtos artísticos. Um outro âmbito que se mantém problemático, relativamente à
possibilidade da sua inserção no campo da arte, é o da moda, ou seja, o dos produtos da
haute couture.
A análise sociológica desenvolvida por Pierre Bourdieu sobre o fenómeno da arte na
sociedade contemporânea retoma alguns argumentos da tradição marxista e da crítica dos
autores da Escola de Frankfurt. Bourdieu, de acordo com a sua recusa tanto do
subjectivismo como do estruturalismo (v. cap. ni, 3.5), considera a obra de arte como o
resultado de um processo no qual os elementos ligados à personalidade individual estão em
relação com a rede de relações sociais e com um conjunto de condicionamentos
económicos. A obra de arte não pode ser considerada nem simplesmente como o produto de
um artista singular, nem como o puro resultado de componentes sociais: aplicando, também
neste caso, o seu conceito de campo, enquanto conjunto de factores analiticamente
distinguíveis, Bourdieu reconhece uma autonomia na esfera da arte, entendida como um
conjunto de procedimentos no qual, além do papel do artista, adquirem relevo o público que
usufrui da obra de arte e os diversos modelos culturais que definem o valor desta.
A importância que assumem, em Bourdieu, as condições de recepção de uma obra de arte e, em
particular, as alterações do gosto, sublinha que a expressão artística já não é um produto definitivo, mas
muda constantemente no seu significado, conforme as diferentes épocas e os diferentes contextos sociais
(cf. Bourdieu, 1979). O modo como é lido um livro ou o valor atribuído a um quadro encontram-se
ligados às relações hierárquicas entre os diversos estatutos sociais e dependem da lógica de diferenciação
do prestígio que preside a tais relações, segundo a educação recebida, o grau de riqueza, o estilo de vida,
as modas, as instituições que se ocupam da difusão da cultura artística (academias, museus, salas de
concerto, casas editoras, etc), as leis do mercado. Com efeito, segundo Bourdieu, as preferências ditadas
pelo gosto artístico assumem o significado simbólico de manutenção das desigualdades de classe ou de
camada social e são analisadas no interior dos processos de reprodução social: vêm assim a determinar-se
habitus específicos, ou critérios de gosto, no modo de considerar a obra de arte e no uso que dela se faz,
que correspondem a posições sociais, possuindo cada uma delas um grau de prestígio diverso. Para além
da lógica da diferenciação de status, têm também relevo, todavia, na análise de Bourdieu, as expectativas
do público relativamente àquilo que a obra de arte pode dar em termos de estímulos intelectuais, valores
morais, sensações emotivas, divertimento, etc. (ibid., p. 506 e segs.).
Também Howard Becker considera a arte como um processo colectivo no qual, para além da
personalidade do artista, possui um papel determinante o «pessoal de suporte», ou seja, os críticos de
arte, o mecenato e os coleccionado
779
res, as instituições (escolas de arte, academias, galerias de arte, museus), o público, os
comerciantes de arte. O conjunto das interacções entre estes diferentes actores sociais
contribui para definir o âmbito daquilo que pode ser avaliado como arte, diferenciando-o de
outras formas de produção, como, por exemplo, o artesanato, e possuindo uma influência
decisiva sobre as mudanças do gosto artístico.
Becker distingue diversos mundos artísticos, que podem ser considerados como sistemas
subculturais, possuidores, cada um destes, de uma fisionomia própria. Nesta base, articula
uma tipologia dos grupos de artistas: os rebeldes, os profissionais integrados, os naif, os
artistas folk ou populares. Tal tipologia mostra como a arte pode, ao mesmo tempo, possuir
um carácter integrado no social, os profissionais, ou constituir um momento de crítica e de
oposição à ordem estabelecida que introduz dimensões de inovação, os rebeldes (cf. Becker,
1982).
No quadro das linhas teóricas gerais acima recordadas, menciona-se também os estudos
de Herbert Gans sobre a relação entre estratos sociais, definidos com base no nível de
educação recebido, nos estilos de vida, nas preferências, possibilidades e diversas
modalidades de fruição da arte (cf. Gans, 1974), bem como os estudos sobre as relações
entre arte, política e utopia (De Paz, 1980).
Particularmente no campo das artes figurativas, encontram-se interessantes indicações
sobre os diversos processos de produção das obras de arte e sobre os modos como estas são
fruídas nas numerosas análises sobre os processos de decisão e a influência das instituições
(museus, política cultural dos governos, etc.) e do mercado da arte na valorização da obra de
arte (cf. Rosenberg-Fliege, 1965; White-White, 1965; Moulin, 1967; Hirsch, 1972;
Peterson-Berger, 1975; Haacke, 1975; Crane, 1976; 1987). Igualmente relevantes são os
resultados obtidos pela investigação de Madeleine Akrich sobre processos com base nos
quais foi valorizado o retábulo da cidade de Beaune, designado como «O Juízo Final» (cf.
Akrich, 1986a; 1986b), no estudo do desenvolvimento e das formas da chamada tourist art,
de Benetta Jules-Rosette (1983), na análise de Wagner-Pacifici e de Schwartz (1987), sobre
a dinâmica desenvolvida em tomo da decisão de edificar em Washington um monumento
em memória da guerra do Vietname, e sobre os diversos modos como este foi considerado
pelo público (cf. Zolberg, 1990, p. 106 e segs.).
No campo da sociologia da música, recordaremos, antes de tudo, o texto de Georg Simmel, Studi
psicologici ed etnologici sulla musica (1887), que estabelece uma relação entre contexto social e
produção musical, considerando a música como uma forma de comunicação ligada às estruturas das
relações sociais (cf. De Paz, 1980, p. 15).
No seu ensaio I fondamenti razionali e sociologici delia musica (1921), Max Weber considera, pelo
contrário, a relação entre formas musicais e socie
180
d\ade no interior do processo de crescente racionalização, por ele descrito na sua teoria geral
do agir social (v. cap. 11, 2). Com efeito, Weber salienta que o domínio do material sonoro,
que se encontra na origem do desenvolvimento da grande música na era moderna, terá sido
possível graças à afirmação dos critérios de racionalidade na cultura e na prática social e
económica: mostra-se assim que continua a existir uma profunda interdependência entre
realidade social e produção musical.
Ao problema da música dedicou particular atenção Theodor Adorno, em numerosos
ensaios que incidem sobre a forma da produção musical, as modalidades de execução e
reprodução, as diversas formas de organização da vida musical e dos mecanismos de
controlo ao qual ela está sujeita, os problemas da receptividade à música por parte do
público na sociedade de massas (cf. Horkheimer-Adorno, 1956, p. 126). Seguindo o
exemplo de Max Weber, Adorno julga poder encontrar, em algumas formas musicais, o
reflexo das ideologias e das formas de repressão totalizantes que caracterizam a sociedade
de massas de tipo capitalista. Em particular, Adorno analisa diferentes tipos de audição
musical, segundo níveis sociais e estilos de vida dos ouvintes, distinguindo entre ouvintes
«especialistas», «bons ouvintes», «consumidores de cultura», «emotivos», «repetidores»,
«ouvintes por passatempo» (cf. Adorno, 1962, p. 7 e segs.). Ele examina igualmente os
diversos géneros musicais (música \igeira, jazz, música popular, música de câmara, música
sinfónica, ópera lírica) e a respectiva receptividade segundo as classes sociais, a influência
da crítica musical e os intérpretes.
A função dialéctica e crítica que a arte deve desempenhar encontra-se presente, segundo Adorno,
somente nas formas musicais de tipo «sério», ou seja, na música de vanguarda de compositores como
Schõnberg, Berg, Webern, Stockhausen, os quais, pela sua alta qualidade, não podem ser reduzidos a
objectos de consumo (ibid., p. 224).
Uma interessante tentativa para analisar empiricamente a relação entre as qualidades e os estilos das
formas artísticas, por um lado, e o carácter e as estruturas da vida social, por outro, foi efectuada, no
âmbito de uma análise de tipo etnomusical, por Alan Lomax, que pretende demonstrar a correspondência
entre a estrutura e o estilo do canto e o grau hierárquico da estrutura social. Nas sociedades primitivas,
nas quais existem relações sociais não hierárquicas, o canto coral não prevê distinções entre os diversos
cantores, enquanto na sociedade de estrutura hierárquica se desenvolvem estilos de execução que
prevêem executantes solistas e o papel do chefe de coro ou da orquestra (cf. Lomax, 1970). O
paralelismo que Lomax procura estabelecer entre estilos musicais e estruturas de relação social mostra-
se, todavia, excessivamente esquemático e simplista (cf. Zolberg, 1990, p. 69).
O sector mais desenvolvido da sociologia da arte é representado pela sociologia da literatura,
expressão que compreende a poesia, os poemas épicos,
787
„„~ o^MI ^i. ragtiano, 1972; 1993; 1994).
As origens remotas da sociologia da literatura podem ser encontradas início do passado século. O
texto de Germaine Necker, baronesa de Staêl-Holst (1766-1811), Delia letteratura nel suo rapporto con
le istituzioni sociali (180 é, com efeito, habitualmente citado como uma das primeiras tentativas, air que
pouco rigorosas, para encontrar a relação entre literatura e sociedade. I outro lado, 'determinadas formas
da história da literatura ou da crítica literár presentes em autores como Hyppolite Taine (1828-1893) e
Charles A. de Sainl -Beuve (1804-1869) mostram como se vai afirmando, no século XIX, a tende cia para
se considerar a literatura em estreita ligação com o corresponden contexto histórico-social. Porém, é só no
século xx que se encontra uma análií propriamente sociológica da literatura.
No seio da tradição marxista e da do historicismo alemão, Georg Lukác impõe a sua crítica da
literatura e, em particular, do romance de oitocentos e d, primeira metade do nosso século, a partir da
consideração de que qualquer pro blema de estilo é «antes de tudo um problema sociológico» (Lukács,
1963, p. 75). Com efeito, Lukács observa que as diferenças entre uma e outra época são mais profundas
que as que se encontram entre um e outro autor de uma mesma época: teremos então de pensar que o
contexto social é determinante para o estilo. Lukács, todavia, considera simplista pretender-se estabelecer
uma i relação causal directa entre relações económico-sociais e formas da criação artística. E preferível
valorizar o modo como cada período histórico, no seu conjunto, torna possíveis exclusivamente
determinadas concepções da vida, favorecendo, por conseguinte, certas formas de expressão artística e
excluindo outras. O significado social da arte é valorizado, segundo Lukács, em termos <j
interdependência, quer procurando estabelecer a influência dos condicionamentos sociais sobre a génese
das formas e dos conteúdos da literatura, quer encontrando as modalidades específicas através das quais a
literatura influencia efectivamente a realidade social.
Assim, Lukács propõe um esquema dos factores a considerar para uma análise sociológica da criação
literária: as relações económico-culturais,
182
I a concepção da vida, a forma ou o a priori criativo do artista, a vida
entendida como «vida formada», o grau de eficácia da obra literária
relativamente ao público a que se destina, as reacções deste.
Qualquer um destes factores surge em relação dialéctica com todos
os outros (ibid., p. 77).
Lukács prefere as formas literárias que estão em condições de
representar a realidade social na sua complexidade, isto é, na sua
tipicidade, entendendo por isso não uma «média» genérica, mas
antes a convergência, numa mesma representação, de «todos os
traços relevantes dessa unidade dinâmica em que a verdadeira
literatura respeita a vida, todas as contradições mais importantes,
sociais, morais e psicológicas, de uma época» (ibid., p. 78). Neste
sentido, Lukács interpreta a estética do realismo marxista não como
orientada, de modo abstracto, para um simples reflexo da realidade,
mas antes como o que valoriza positivamente todas aquelas formas
de expressão, ainda que fantásticas, que têm a possibilidade de
facultar a essência de uma época, no sentido da tipicidade acima
referida. O traço dominante dos grandes realistas é «a tentativa
apaixonada e sem reservas de abarcar a realidade tal como ela é
objectivamente na sua essência» (ibid., p. 79).
As simpatias de Lukács vão, portanto, para autores como
Shakespeare, Defoe, Balzac, Hoffmann, Heinrich e Thomas Mann,
Gorki, embora desconfie de autores como Kafka, Brecht, Proust,
Joyce, Musil, porquanto, na sua opinião, eles expressaram o seu
protesto nos confrontos com a sociedade contemporânea
unicamente através de uma fuga para o «patológico», totalmente
abstracta e vaga, sem desenvolverem uma crítica concreta daquela
(cf. Lukács, 1956, p. 31).
Na mesma linha da análise de Lukács, mas através do modelo estruturalista de Lévi-Strauss, Lucien
Goldmann (1913-1970) procurou definir um estatuto para a sociologia da literatura, segundo um modelo
genético-estrutura- lista, com base nos seguintes pressupostos gerais: a) a sociologia da literatura, como
qualquer outro discurso das ciências sociais, tem lugar no interior da sociedade, mas não é por isso
condicionada do mesmo modo como esta transforma de diferentes modos a própria realidade social. O
sujeito que pensa é, ao mesmo tempo, parte do objecto que ele mesmo examina; b) os acontecimentos
humanos são constituídos pelas respostas dos sujeitos individuais e colectivos, numa tentativa para
modificarem a situação dada num sentido favorável às suas aspirações.
Mais especificamente, o modelo genético-estruturalista de Goldmann baseia a sociologia da cultura no
conceito de que a relação essencial entre vida social e literatura se refere às estruturas mentais, ou seja,
às categorias que organizam, ao mesmo tempo, a consciência empírica de um determinado grupo social e
o universo imaginário do escritor. Tais estruturas mentais não são, por conseguinte, fenómenos
individuais, mas sociais. Daí resulta que a análise de tais categorias permite evidenciar, também nas
formas aparentemente mais he
183
terogeneas de criação literária, determinadas manifestações de
homogeneidade estrutural. A estrutura em categorias constitui a
unidade da obra considerada: esta, enquanto base da consciência
colectiva, transfigurada no universo imaginário criado pelo artista,
não é nem consciente, nem inconsciente em sentido freudiano, mas
antes o resultado de processos não conscientes.
De um ponto de vista metodológico, a análise estrutural
comporta adecomposição do objecto examinado. Com efeito, o
investigador deve individualizar a estrutura que explica a quase
totalidade do texto, considerado como uma unidade, sem qualquer
acrescentamento estranho, procurando mostrar de que modo tal
estrutura constitui, no seu carácter funcional, «um comportamento
significativo para um sujeito singular ou colectivo, numa dada
situação» (cf. Goldmann, 1970, p. 58).
Nesta perspectiva, a compreensão da obra literária não tem tanto
em conta o autor e as influências psicológicas e sociais por ele
sofridas como as estruturas significativas que se encontram
objectivamente imanentes ao texto examinado. A influência que o
texto pode ter sobre o ambiente social e a sua capacidade inovadora
relativamente à ordem social constituída é também reconduzida à
função própria da estrutura imanente ao próprio texto. Percorrendo
estas orientações de pesquisa, Goldmann é levado a interpretar o
romance contemporâneo (Joyce, Kafka, Musil, Sarraute, Robbe-
Grillet, Camus) como representação da progressiva eliminação do
indivíduo, ou seja, do processo de reificação existente na sociedade
caracterizada pelo domínio da produção de mercado e pelo
consequente reforço da autonomia dos objectos (cf. Goldmann,
1964, p. 186 e segs.).
A influência do modelo estruturalista teve um notável impacto
sobre o actual modo de considerar o texto literário, que encontra
uma exemplificação na fórmula, ligada a Roland Barthes, da «morte
do autor» ou da «dessacralização da imagem do autor», e no
crescente relevo atribuído aos processos de releitura e de recriação
do texto por parte dos leitores, segundo a sua perspectiva específica,
nos diversos contextos histórico-sociais em que a leitura é efectuada
(cf. Wolff, 1981, p. 169 e segs.). Segundo esta visão propriamente
hermenêutica, um texto não é dado de forma definitiva, é antes o
resultado de um processo de interpretação e de produção de
significados, no qual o fruidor da obra desempenha um papel
constitutivo (cf. Sartre, 1948; Bachtin, 1965; Foucault, 1969b;
Bourdieu, 1986; Eco, 1962; 1979). Nesta mesma direcção, Howard
Becker, analisando o processo por ele definido como editing,
evidencia como o texto é resultado de uma acção colectiva, na qual
participam, além do autor, os editores, os distribuidores, os livreiros,
etc. (cf. Becker, 1982). Numa perspectiva parcialmente diversa,
podemos também recordar aqui o contributo de Robert Escarpit
relativamente aos complexos mecanismos da indústria editorial, à
difusão da leitura e aos interesses, motivações e comportamentos
dos leitores (cf. Escarpit, 1970).
184
Nestes últimos anos, a sociologia da literatura foi profundamente
influenciada pelo desconstrucionismo, uma orientação que se
pretende antitética ao estruturalismo, ainda que, sob certos aspectos,
possa parecer que lhe é tributária. A crítica literária
desconstrucionista desenvolveu-se sobretudo nos Estados Unidos
(cf. Arac-Godzich-Martin, 1983), a partir da filosofia de Jacques
Derrida (1930-) e da crítica literária de Paul De Man (1919-1983).
Na sua crítica ao logocentrismo, ou seja, ao primado do cognitivo e
da racionalidade, que caracteriza a tradição da metafísica ocidental,
Derrida considera a escrita, não como o produto de conteúdos
elaborados autonomamente pela consciência, mas antes como aquilo
que se encontra na origem da própria consciência. A partir do
momento em que, tal como foi igualmente evidenciado pela
hermenêutica de Gadamer (v. cap. m, 3), já não é possível sair do
horizonte cultural para, tal como a metafísica pretendia poder fazê-
lo, encontrar os princípios lógicos absolutos que presidem ao
discurso filosófico; a filosofia, segundo Derrida, já não pode
alcançar directamente a sua origem, mas é sempre uma derivação,
uma repetição, que se mantém, no interior da linguagem, em
continuidade-des- continuidade com a tradição cultural.
Reconhecendo o seu limite, o discurso filosófico tem sobretudo a
função de desmascarar, através de uma estratégia geral da
desconstrução, as formas de absolutização que são próprias do
pensamento que assume a racionalidade lógica como fundamento
absoluto, bem como a pretensão do estruturalismo de alcançar uma
estrutura transcendental do espírito humano (cf. Derrida, 1967a;
1967b; 1967c; 1988). Nesta linha, todo o texto escrito surge como
rasto de um sentido em si inatingível e como expressão de formas
diversas de retórica, que podem ser analisadas através da
decomposição dos seus elementos constitutivos.
A crítica literária de De Man, retomando a análise de Derrida, desenvolve-se exactamente nesta
direcção (cf. De Man, 1984). Uma das consequências do desconstrucionismo é o fim da rígida distinção
entre géneros literários diversos: a filosofia, a sociologia, o romance, a crítica literária não são mais do
que técnicas diferentes, orientadas para a descrição de uma realidade que, enquanto tal, foge
constantemente. Cada um dos géneros de discurso não é senão o produto de uma autoconstrução retórica,
sendo exactamente os processos de argumentação e os estilos de escrita, subjacentes a tal processo de
autoconstrução, que deverão ser o objecto de análise da sociologia (cf. Dal Lago, 1994b, p. 184). Tal
afirmação, como se referiu, teve uma notável influência sobretudo no desenvolvimento dos cultural
studies (v. cap. m, 3.7).
4. Os processos de socialização e de formação
O âmbito que agora passamos a considerar é o relativo aos processos através dos quais a cultura é
transmitida aos actores sociais, bem como as modali
755
dades pelas quais os valores e modelos normativos são assimilados
e interiorizados pelos actores sociais.
No que se refere a este segundo aspecto, podemos distinguir
dois níveis diversos: o da socialização primária que, a partir da
primeira infância, se desenvolve sobretudo nas inter-relações
pessoais, através das relações familiares e de grupo (relações de
vizinhança, entre indivíduos da mesma idade, amigos, etc.) e o da
socialização secundária, que ocorre sobretudo a nível dos sistemas
e subsistemas sociais, não só através das instituições educativas e
formativas, mas também através dos diferentes agentes de produção
cultural (escolas, universidades, cursos de especialização, igrejas,
associações, organizações profissionais, meios de comunicação de
massa, partidos políticos, etc). Se a socialização primária é
relevante sobretudo nos primeiros anos de vida, ambas as formas de
socialização se mantêm actuantes ao longo da vida de um indivíduo,
através de contínuos processos de re-socialização.
4.1 A socialização primária e o problema da identidade
Cada indivíduo nasce no interior de uma sociedade já
constituída, a qual, sendo formada através de uma longa série de
experiências, interacções e processos de comunicação, é dotada de
uma tradição, isto é, de um património cultural, que surgiu ao longo
do tempo, depositando-se na memória colectiva e sendo transmitido
através da linguagem, das narrativas e das explicações da realidade
natural e social, das imagens ou representações da vida e do destino
da humanidade, dos modelos e normas de comportamento, etc. As
formas simbólicas cognitivas e normativas, as estruturas das
relações sociais, as condições materiais do ambiente, também estas
mediadas simbolicamente, constituem um conjunto de elementos
que concorrem para a constituição do sujeito singular, definindo as
relações que o indivíduo estabelece consigo próprio, com os outros
e com as coisas.
Tal como foi demonstrado pelo psicólogo suíço Jean Piaget
(1896-1980), o indivíduo, por ocasião do seu nascimento, é dotado
de um património genético que o predispõe para a aprendizagem e o
crescimento psíquico e cognitivo, mas o modo como tal património
se verá orientado e usado será determinado pelas formas próprias da
cultura e da sociedade nas quais ele cresce e faz as suas primeiras
experiências (cf. Piaget, 1975).
Segundo Piaget, o conhecimento não surge através do simples registo de observações, mas por
intermédio da estruturação derivada da actividade do sujeito. As estruturas cognitivas não surgem a
priori, nem são inatas, mas desenvolvem-se por sucessivos graus, num processo de construção, que
actua, através da organização de acções e de operações cognitivas, na relação concreta com os objectos.
O processo de assimilação cognitiva mostra que os factos são, desde o início, interpretados através da
utilização de esquemas lógicos, de acti
186
I I
vidades de colocação em relação ou em correspondência com
percepções diversas, leis de associação, de separação, de
quantificação e mensuração, segundo uma conceptualização operada
pelo próprio sujeito, que exclui a existência de factos puros (cf.
Piaget, 1967, p. 54). Neste processo, de natureza bastante complexa,
entram as formas de mediação cultural ligadas ao ambiente social,
que são transmitidas não só através da linguagem, mas igualmente
através do tipo de relação que vem a estabelecer-se com a criança
desde o nascimento, por meio das formas culturais que regulam o
parto, o aleitamento, o tipo de manipulação a que é submetida, os
hábitos de vestuário, alimentares, os papéis parentais e dos outros
membros do grupo, etc. E notório que todas estas formas podem
gradualmente variar de uma para outra sociedade, e até no interior
de uma mesma sociedade, entre uma e outra classe, uma e outra
camada social, incidindo profundamente sobre a experiência
sensorial do indivíduo, sobre a sua emotividade e o seu modo de
percepcionar-se a si próprio, ao outro, ao mundo exterior, por forma
a constituir características irreversíveis no sujeito (cf. Erikson, 1963,
p. 107; Gerth-Mills, 1953; Parsons, 1968; Turnaturi, 1995).
O conjunto das relações sociais e das formas de mediação
cultural, presentes num dado contexto social, mostra-se assim
determinante no processo de produção da subjectividade e, todavia,
o indivíduo não pode ser considerado como um puro produto social:
com efeito, se tal acontecesse, não seria explicável a dificuldade de
realizar sistemas sociais perfeitamente integrados, nem a razão pela
qual o actor social pode rebelar-se contra os valores e as normas
constituídas.
Não parece suficiente explicar tal dificuldade com base na
possibilidade de o sistema cultural se apresentar, mais do que como
uma unidade coerente, como um conjunto de elementos
contrastantes entre si, ou com base no facto de, num mesmo
contexto sócio-cultural, o indivíduo poder ser submetido a
influências de origem diversa. Nem parece ser suficiente, a este
propósito, considerar que cada indivíduo possui sempre informações
parciais e frequentemente inadequadas, de tal modo que, na
realidade, ele dispõe sempre de uma só parte dos recursos do
património cultural, encontrando-se muitas vezes perante a
necessidade de se decidir entre exigências ambivalentes ou opostas.
Para compreender o carácter complexo da relação entre sujeito e
sistema sócio-cultural há que ter presentes não só a dimensão de
reflexibilidade da consciência e a capacidade desta para negar as
objectivações, mas também a distinção entre sentido e significado e
o carácter sempre redutor deste, tal como de início referimos (cf.
cap. i, 3).
Se o indivíduo, desde o nascimento e provavelmente até mesmo
desde o período de gestação, é submetido a um intenso processo de
socialização, ele é também geneticamente capaz de elaborar, de
modo mais ou menos consciente, as duas experiências e de
estabelecer, através da memória, uma continuidade entre
experiências de tipo diverso. O sujeito não é, então, uma pura cera
maleável,
187
sobre a qual se imprimem as diferentes influências físicas e
psíquicas das acções parentais, da linguagem, dos símbolos, das
regras sociais e dos modelos de comportamento, dos
condicionamentos materiais, mas é também um campo activo de
selecção e de estruturação de si, relativamente autónomo.
O indivíduo não pode, de modo algum, dispensar as formas de
determinação cultural que lhe são oferecidas pelos sistemas de
significado cultural socialmente codificado: tais determinações
constituem, efectivamente, uma base essencial para a sua
sobrevivência e para a tranquilidade relativamente à identidade e
auto-estima próprias, que se baseiam no conhecimento dos outros e
na efectiva possibilidade de comunicar com eles com base em
modelos e valores partilhados. E, todavia, o sujeito pode, a partir
das suas experiência concretas, estabelecer defesas nos confrontos
com o ambiente que o rodeia, e elaborar um mundo de significados
próprio, o qual, ao menos em parte, pode não coincidir com o
sistema cultural dominante. Entre o mundo exterior dos significados
socialmente codificados e o mundo interior do sujeito, que se
estrutura quer utilizando directamente os recursos culturais
disponíveis, quer mediando-os através de selecções pessoais, vem a
estabelecer-se umadistância que permite ao sujeito entrar em
relação com os seus semelhantes, mas igualmente defender a sua
diversidade.
Com efeito, a identidade individual apresenta uma natureza
ambivalente, na medida em que, por um lado, exige ser, ao menos
em certa medida, igual aos outros, a fim de poder estabelecer uma
correcta relação de previsibilidade, baseada em expectativas
recíprocas compatíveis e, por outro lado, necessita de se distinguir
dos outros, para não se perder no anonimato através de uma
excessiva identificação com os papéis codificados. Mostra-se assim
que a capacidade de elaboração interna de significados pessoais é
tão importante para o sujeito quanto a sua capacidade de interiorizar
modelos e valores culturais colectivamente partilhados.
Nesta base, é possível distinguir dois níveis: o da identidade
pessoal, que é resultado da elaboração interna, consciente e
inconsciente, da experiência vivida, pelo menos parcialmente
correspondente à imagem que o sujeito tem de si (cf. Turner, 1968);
e o da identidade social, correspondente à imagem que o sujeito dá
de si nos processos de comunicação e de interacção com os outros
(cf.Goffman, 1959).
A reflexão sociológica sobre o problema da socialização
primária veio sublinhar, num primeiro momento, na esteira da
análise de Marx (v. cap. n, 1), as condições de alienação nas quais o
indivíduo vem a encontrar-se devido ao predomínio, na sociedade
industrial, da lógica da produção, das trocas comerciais e da
mecanização do trabalho. A ruptura da unidade social de tipo
comunitário, provocada pelo desenvolvimento da divisão do
trabalho, compromete as bases da socialização primária, baseada na
relação directa da criança com o ambiente dos adultos.
188
m
^ i
f
A par do tema marxista da alienação, que é desenvolvido em
numerosas interpretações sociológicas da modernização,
encontramos o da racionalização de Max Weber (v. cap. ir, 2), o
qual será retomado sobretudo pelos autores da Escola de Frankfurt,
nos termos de uma crítica radical dos processos que reduzem o
homem à exclusiva dimensão da eficácia produtiva e do consumo
(cf. Marcuse, 1964). Nesta perspectiva, é evidenciado o processo de
nivelação da experiência existencial provocado pela sociedade
massificada, caracterizada pelo consumismo e pela influência
dominante dos mass media, que reduz o espaço do privado e
provoca a perda da centralidade da família (cf. Adorno, 1951;
Fromm, 1955; Horkheimer-Adorno, 1956). A redução da autonomia
subjectiva é assim vista como fenómeno da prevalência do modelo
da heterodirecção, relativamente ao da autodirecção, que havia
caracterizado as sociedades pré--industriais (cf. Riesman, 1956).
Pelo contrário, a teoria sistémica, como já se fez notar (v. cap. in,
1.3 e 1.5), colocou a tónica sobre a crescente diferenciação dos
âmbitos do sistema social em diversos subsistemas (familiar,
laboral, político, religioso, etc), com a consequente destruição dos
significados de referência e a possibilidade de situações de anomia,
ou seja, de falta de orientações culturais adequadas à nova situação.
As estruturas tradicionais de pertença e de socialização (família,
grupos de vizinhança, etc.) viram a sua função enfraquecida, porque
os indivíduos e os grupos sociais se encontraram confrontados com
uma «crescente pluralização do envolvimento em diferentes papéis»
(Parsons, 1968, p. 11), e devido ao facto de a sua identidade ter
deixado de aparecer ligada ao «conteúdo de uma tradição»
(Habermas, 1976, p. 87). Além disso, diversos autores sublinharam
a dimensão psicológica e cultural do problema derivado do carácter
débil e fragmentado dos actuais modelos de Super Ego, em
consequência da crise do modelo «individualista» em sentido forte,
próprio da cultura burguesa tradicional, com efeitos regressivos de
dependência de tipo «narcisista» (cf. Mitscherlich, 1963; Strzyz,
1978; Lasch, 1979).
A crescente instabilidade e precaridade dos modelos de referência cultural tornou problemática a
formação das identidades sociais, que mais do que serem dadas pelo nascimento, com base em relações
objectivas ligadas à família, à comunidade de pertença e às unidades territoriais locais, são sempre mais
frequentemente o resultado de escolhas, não só através de contínuos processos de socialização e de re-
socialização, como também de renegociação das relações (Berger, 1974, p. 207; Bell, 1976; Gallino,
1982, p. 69; ScioIIa, 1983).
Neste contexto, assumiram particular relevo, nos últimos vinte anos, os estudos relativos à identidade
do género e do geracional. A partir da experiência dos movimentos feministas americanos e europeus,
que representam o último grande movimento social dos anos sessenta e o traço de união com os novos
movimentos dos anos oitenta (cf. Melucci, 1982; Crespi-Mucchi Faina, 1988), tem lugar uma ampla
reflexão sobre a mulher, que sublinha o modo como aqui
189
lo que era tradicionalmente atribuído à natureza feminina mais não
era, na realidade, que o resultado de processos histórico-culturais. A
reflexão filosófica promovida pelos Women Studies toma como
objecto de análise a diferença sexual, a fim de proceder a uma total
revisão da tradição ocidental, acusada de deixar impensado o
feminino e de impedir o nascimento de um verdadeiro e específico
sujeito feminino (cf. Irigaray, 1974; 1980; 1985; Cavarero, 1987a;
1987b; Muraro, 1991). No âmbito sociológico, dá-se uma particular
atenção às condições de socialização da mulher e às formas de
identidade e de relação que se desenvolvem através da extensão dos
modelos femininos de referência: tais pesquisas promovem uma
nova consciência dos problemas ligados ao género (Saraceno, 1980;
1987; Bimbi-Capecchi, 1986; Balbo, 1987; Collins, 1992).
Em simultâneo, dá-se igualmente uma nova atenção aos
problemas das relações geracionais, ou seja, às relações entre
pessoas de idades diversas. São especialmente desenvolvidos
numerosos estudos sobre os adolescentes e os jovens: a fase juvenil,
enquanto fase de vida intermédia entre a infância e a idade adulta, é
considerada como lugar de produção de uma cultura relativamente
autónoma (Hebdige, 1983; Eisenstadt, 1956; Ardigò, 1966;
Inglehart, 1977; Ricolfi-Sciolla, 1980; Cavalli-De Lillo, 1984; 1988;
1990; Rauty, 1989; Cristofori, 1990).
Se, por um lado, a crise das formas tradicionais de socialização e
o debate que lhe está ligado parecem ter aumentado a possibilidade
de afirmação da própria singularidade, abrindo espaços de liberdade
anteriormente ignorados, provocaram, por outro lado, em muitos
casos, um enfraquecimento da identidade, que actualmente parece
favorecer a tendência para a busca da própria identidade em
pertenças ligadas a vínculos mais imediatos, de tipo étnico,
religioso, de sexo, de geração, ou até mesmo de tipo local, embora
pertencendo a mais amplas unidades sociais, criando o actual
fenómeno do particularismo ou do separatismo entre grupos
culturais diversos (cf. Crespi, 1994c; v. cap. vi).
Os processos de socialização primária e o problema da formação da identidade individual são assim
aspectos particularmente relevantes da relação entre dimensões subjectivas e estruturas sociais. Tais
aspectos evidenciam o carácter constitutivo da cultura na construção da realidade social, mostrando, ao
mesmo tempo, tanto a função de integração no sistema social desempenhada pela cultura, como a
possibilidade de esta vir a ser um suporte para a acção individual, com vista à crítica da ordem constituída
e à transformação das próprias estruturas sociais.
4.2 Processos educativos e deformação
Os processos educativos e de formação cultural e profissional estão geralmente, nas nossas
sociedades avançadas, a cargo de instituições específicas,
190
I organizadas de modo formal, como a escola, as universidades, os
diversos cursos de formação profissional, as escolas de
especialização, etc.
A sociologia da educação, que estuda exactamente as relações
entre as diversas instituições educativas e a realidade social, só
recentemente se afirmou como disciplina específica (cf. Ardigò,
1966; Ribolzi, 1993; Besozzi, 1993). Todavia, já desde o seu início,
a sociologia sublinhara a importância da função educativa e as
estreitas ligações entre aquela e as estruturas sociais.
Com efeito, já Auguste Comte evidenciara a ligação entre classes sociais e conteúdos cognitivos da
educação. Relacionando as categorias que lhe haviam servido para caracterizar os três estados da
evolução histórica da humanidade, Comte observava que a teologia correspondia aos interesses das
classes elevadas, a metafísica aos das classes médias, enquanto a filosofia positiva parecia corresponder
aos das classes inferiores. A importância atribuída por Comte aos valores morais para a coesão da ordem
social leva-o a valorizar a função educativa como uma componente essencial para os alicerces da
sociedade (cf. Comte, 1844, ii, p. 235 e segs.).
Para Karl Marx (v. cap. n, 1), a escola da sociedade burguesa não era mais do que a expressão da
ideologia das classes dominantes e não possuía outra função para além da constante reprodução da ordem
estabelecida, através da formação de indivíduos adaptados às diferentes exigências do sistema de
produção. Para Marx, não se trata de eliminar a influência da escola sobre a sociedade, mas de
transformar tal influência de modo a que esta deixe de ser a expressão do domínio (cf. Marx-Engels,
1848). Por outro lado, se, para Marx, os homens são o produto do ambiente e da educação, ele recorda
também que são sempre os homens que transformam o ambiente e que, por conseguinte, há que enfrentar
os problemas de quem «educa os educadores»: problema que pode ser resolvido, segundo Marx,
unicamente através do desenvolvimento de uma prática revolucionária (cf. Marx, 1845).
Nesta perspectiva, António Gramsci (1891-1937) desenvolverá sucessivamente a sua teoria do
intelectual orgânico, atribuindo aos intelectuais o papel de promoverem, em estreita união com o partido,
entendido como vanguarda revolucionária organizada, a tomada de consciência do proletariado na sua
luta pela conquista de uma hegemonia cultural (cf. Gramsci, 1949).
Max Weber (v. cap. ii, 2), numa perspectiva diversa, sublinha igualmente as relações entre sistemas
educativos e formas de poder, a partir da sua tipologia das formas de legitimação do próprio poder. O
poder carismático, considerando que o heroísmo e as qualidades mágicas que são o fundamento do
carisma do chefe não podem ser ensinados, tende a despertar tais qualidades através de um processo de
conversão e de renascimento da personalidade global, com base num ascetismo fundado em exercícios
específicos, tanto físicos como psíquicos. No caso do poder legitimado de modo tradicional, a educação
é, pelo contrário, orientada para a promoção de personalidades cultas, no sentido
191
humanístico do termo, enquanto no caso do poder de tipo legal as
instituições educativas promovem o ensino racional, orientado para
o «saber do especialista e do burocrata» (Weber, 1922, n, p. 466 e
segs.)
Max Weber coloca também em evidência a relação entre
sistemas educativos e camadas sociais. Se, para Weber, o conceito
de classe remete para uma posição de tipo puramente económico,
que não constitui por si só uma comunidade de intenções, a camada
é habitualmente uma comunidade, ainda que «frequentemente de
género amorfo», que se baseia em valores partilhados de «honra» e
de «comportamentos» convencionais (regras de educação, hábitos
de consumo, estilos de vida, etc), que fazem da camada social uma
realidade relativamente independente de condicionamentos
puramente económicos. Os ideais educativos são assim
estreitamente dependentes dos valores próprios dessa camada, os
quais também influenciam as orientações profissionais.
Coerentemente com os pressupostos da sua teoria geral da
sociedade, Emile Durkheim (v. cap. m, 1.1) dedicou particular
atenção ao problema educativo. Com efeito, ele considera os
sistemas educativos, enquanto expressão das exigências funcionais
da sociedade no seu conjunto, como essenciais para os fins da
reprodução das condições de existência do próprio sistema social
(cf. Durkheim, 1922; 1925; 1938).
Para Durkheim, os valores e as normas morais não possuem um fundamento absoluto, mas são tidos
em conta para a função que desenvolvem nos confrontos da sociedade: aqueles mudam segundo as
características da própria sociedade. O conhecimento histórico da evolução da pedagogia, nas diferentes
épocas, constitui assim um elemento fundamental para compreender a relação entre ideias morais,
critérios educativos e realidade social. Tal como o mostra a sua análise das ideias educativas na época
renascentista, Durkheim considera as transformações dos métodos educativos em estreita ligação com a
mudança das condições económicas e das estruturas de classe (cf. Durkheim, 1938).
O processo de socialização e a educação servem para predeterminar o comportamento dos actores
sociais, promovendo a interiorização de um conjunto de regras definidas, que colocam limites ao agir
individual, fornecendo as motivações para a sua observância igualmente através de um sistema de
sanções (cf. Durkheim, 1922, p. 485 e segs.).
Na perspectiva evolutiva adoptada por Durkheim, os ensinamentos não devem todavia limitar-se a ter
presente a exigência de reprodução da sociedade, tal como esta existia até ao momento, mas devem
indicar também um ideal a atingir, ou seja, a necessidade de caminhar em direcção a novas conquistas.
Os princípios morais tradicionais não devem ser consignados «como um livro fechado», mas, pelo
contrário, deverão suscitar no discente o desejo de acrescentar a tal livro uma qualquer «linha pessoal»
(Durkheim, 1938, p. 16).
Em todo o caso, os processos educativos, para Durkheim, permanecem um dos momentos fundamentais
através dos quais a sociedade determina o indiví
1
192
duo, orientando os seus impulsos, tendencialmente egoístas, para a
solidariedade e para o consenso. ! Numa perspectiva diversa, Karl
Mannheim (v. cap. ii, 7) considera a educação sobretudo como um
meio para orientar os indivíduos para as ideias e regras que
garantem a vida democrática. Referindo-se a tal modelo, Mannheim
afirma, todavia, que a educação tem como finalidade não só a
adaptação social do sujeito, mas também a sua autonomia, segundo
o ideal da liberdade individual. Também para Mannheim, a estreita
ligação entre formas educativas e estruturas sociais explica a
mudança no tempo de tais formas. Nas sociedades industriais
desenvolvidas, de regime social-democrático, a educação configura-
se como um processo de formação permanente, que deverá ter
sempre em conta os processos de diferenciação que caracterizam as
sociedades complexas e a exigência de fazer conviver uma
pluralidade de diferentes grupos e culturas (cf. Mannheim-Stewart,
1967).
Na teoria de Talcott Parsons (v. cap. m, 1.3) mantém-se a ideia, manifestada por Durkheim, da função
prioritariamente integradora dos processos educativos, no sentido da adaptação do indivíduo aos
objectivos do sistema social enquanto tal. Com efeito, o processo de socialização é por ele considerado
nos termos de aprendizagem e de interiorização, por parte do actor social, daqueles valores e modelos
que são capazes de assegurar a sua adesão aospapéis sociais, garantindo assim a previsibilidade das
expectativas recíprocas. Nesta perspectiva, os processos educativos são colocados por Parsons em
relação com os sistemas da personalidade, da cultura e da sociedade. Os problemas do primeiro sistema
são analisados num contexto psicológico, que evidencia, na sua referência a Freud, a dimensão do
inconsciente e o papel do Super Ego no processo de socialização. A este nível, o problema coloca-se em
termos da realização do Eu na relação com o ambiente (cf. Parsons, 1964, p. 15 e segs.). O sistema
cultural, para garantir a função educativa, deve, pelo contrário, poder fornecer valores, modelos e
motivações adequados à situação concreta por forma a ser dotado de uma coerência interna própria. Por
seu lado, o sistema social, com os seus imperativos funcionais, constitui a principal referência para uma
avaliação sociológica do grau de adequação dos métodos educativos às exigências próprias desse mesmo
sistema (cf. Parsons, 1951b).
Em relação com os processos de diferenciação intervenientes nos sistemas sociais contemporâneos,
Parsons sublinha os problemas que tais processos criaram à socialização, em especial devido à destruição
da família tradicional, em termos de privação afectiva, de ausência de modelos normativos adequados,
de dificuldades nas diferentes transições entre um e outro ciclo de vida, de desvio (cf. Parsons, 1977;
Alexander, 1983).
Sempre dentro da perspectiva sistémica, também Niklas Luhmann se confrontou com o problema dos
processos educativos à luz da progressiva diferenciação dos âmbitos de significado, que caracteriza as
sociedades complexas.
193
jri
Neste contexto, o sistema educativo surge como um subsistema relativamente autónomo, que deve
enfrentar os problemas da sua relação com os outros subsistemas (cf. Luhmann-Schorr, 1988).
Na linha da interpretação marxista da relação entre sistemas educativos e poder de classe, coloca-se
numa perspectiva diversa Louis Althusser, o qual, dentro da sua teoria da ideologia (v. cap. ii, 9),
considera o sistema escolar como parte do aparelho ideológico de Estado. Com efeito, Althusser
distingue este último do aparelho repressivo de Estado, que inclui o governo, a administração, o exército,
a polícia, os tribunais, as prisões. O aparelho ideológico integra, pelo contrário, as diferentes igrejas, as
escolas, a família, o sistema político, as instituições jurídicas, os sindicatos, a informação, as formas
artísticas, o desporto, etc. (cf. Althusser, 1970, p. 25 e segs.). O aparelho ideológico tem como objectivo,
segundo Althusser, a reprodução das condições determinadas pela lógica da produção económica. Não
obstante a sua diversidade, as diversas componentes do aparelho ideológico de Estado funcionam com
base na ideologia dominante, ou seja, das regras, representações e valores promovidos pela classe
dominante que controla o Estado. A escola, através da aprendizagem da linguagem, da matemática, das
ciências, da literatura, da história, inculca, desde a mais tenra idade, os savoirfaire, os modos de fazer,
isto é, modelos de comportamento que reflectem a ideologia dominante. O sistema de massas da ideologia
dominante, que se esconde por detrás da pretensa universalidade e neutralidade do ensino escolar, obtém
assim a possibilidade de formar indivíduos funcionais para a reprodução das relações de produção (ibid.,
p. 34).
Na mesma perspectiva de um radical determinismo da estrutura económica e política sobre os
sistemas educativos, dois economistas americanos, Samuel Bowles e Herbert Gintis analisaram o sistema
escolar dos Estados Unidos, considerando a escola subordinada às exigências da reprodução para o bom
funcionamento das instituições, tanto económicas como políticas. A educação é orientada principalmente
para formar indivíduos que possuam as qualidades correspondentes às exigências do mundo do trabalho e
persegue tais finalidades através da ideologia meritocrática, a qual, no seu carácter simbólico, é funcional
para a manutenção da desigualdade social (cf. Bowles-Gintis, 1976, p. 103).
Através de uma análise metodologicamente mais complexa das ora consideradas, também Pierre
Bourdieu, retomando elementos da sua teoria geral da acção e da cultura (v. cap. m, 3.5), sublinha a
função de reprodução própria do sistema educativo, que opera através de uma selecção que mantém as
diferenciações de classe e, assim, tende a acentuá-las (cf. Bourdieu-Passeron, 1970). A escola, através da
imposição de um arbitrário cultural que se esconde por detrás da aparência de objectividade e
neutralidade da prática pedagógica, realiza uma verdadeira e clara violência simbólica, a qual possui no
monopólio escolar um fundamento de legitimação, tal como o monopólio estatal legitima a violência
física (ibid., p. 11).
194
Mediante a análise empírica das funções de transmissão da
cultura «legítima», das formas de comunicação e de selecção,
Bourdieu e Passeron pretendem mostrar as relações que se
interpenetram entre os sistemas de ensino e a estrutura das relações
de classe. Inculcando os habitus, ou seja, o conjunto de modelos de
comportamento que determinam a disponibilidade dos actores para
se adequarem ao sistema social constituído, a escola, sobretudo
através da aprendizagem da linguagem erudita, estabelece uma forte
selecção entre os estudantes pertencentes às classes média-alta e os
das classes populares. Com efeito, a linguagem não é só um
instrumento de comunicação, transmite também um sistema de
categorias mais ou menos complexo: aqueles que, no contexto
familiar de pertença, tiveram menores possibilidades de controlar
um grau elevado de complexidade encontram-se imediatamente em
desvantagem (ibid., p. 92).
A par da orientação da teoria da reprodução de Bourdieu
colocam-se também as posições de outros sociólogos, que
aprofundaram a incidência da relação entre ideologia e poder na
educação e entre formas da socialização e classes sociais (cf.
Karabel-Halsey, 1977), bem como a relação entre competência
linguística e sucesso escolar (cf. Bernstein, 1977).
Ao tendencial determinismo estruturalista de Bourdieu
contrapõem-se os sociólogos que, embora dentro da tradição
marxista, se colocam no mais amplo e variado horizonte da teoria
weberiana da acção e da experiência de tipo fenomenológico de
Simmel, Mead, Schutz, Berger e Luckmann (v. cap. n, 5; cap. in, 3;
3.1; 3.2).
Numa referência directa a Max Weber e a Goffman, o sociólogo
americano Randall Collins, criticando a teoria funcionalista,
privilegia um modelo de análise conflitual que se baseia no carácter
circular da relação entre acção individual e estruturas. Com efeito,
Collins considera o processo educativo como o resultado de um
conflito complexo entre diferentes grupos ou camadas sociais, no
qual o controlo da instrução assume um significado particular
devido ao aumento do poder nas organizações sociais (cf. Collins,
1971). Segundo Collins, que tem especialmente presente o sistema
escolar americano, não são tão importantes os conhecimentos
técnicos que a escola ministra quanto o facto de esta legitimar certas
culturas específicas de camadas sociais, através da promoção de
particulares formas de linguagem (vocabulário, entoação, etc),
modos de vestir, gostos estéticos, valores e modelos de
comportamento (ibid., p. 128). Nesta perspectiva, podem ser
analisadas, nos diversos contextos histórico-sociais, as variações das
relações entre determinados tipos de instrução e determinadas
exigências ou requisitos de competência, bem como as
transformações do poder das diferentes camadas no interior do
sistema social (cf. Collins, 1977).
Uma análise teórica de tipo multidimensional, que recusa o
estabelecimento de um nexo causal unilinear entre estruturas sociais
e formas educativas, foi também desenvolvida pela socióloga
inglesa Margaret Archer (v. cap. ih, 3.8)
195
na sua obra Le origini sociali dei sistemi educativi (1979). Tendo
em conta os diferentes níveis do agir, as estruturas e a
multiplicidade dos factores em jogo no processo educativo, Archer
faz notar que não se deve privilegiar nem o aspecto do
condicionamento estrutural, nem o que se mostra independente do
agir, mas que se deve antes ter em conta a interdependência
recíproca entre estas diferentes dimensões. Em particular, Archer
releva o facto de historicamente sempre ter existido uma pluralidade
de grupos profissionais e políticos que procuraram controlar os
sistemas educativos e como, em conformidade com os contextos
sociais, ocorrem, nos sistemas educativos formas ora
particularmente centralizadas, ora mais descentradas. Com base no
modelomorfogenético, que ulteriormente desenvolveu, Archer
analisa a interacção entre nível macro (o das estruturas do sistema
social) e micro (o do agir a nível individual e de grupo), mostrando
que o agir não é condicionado somente pelas estruturas, mas
constitui também um constante elemento de transformação do
sistema educativo (cf. Archer, 1982; 1987).
O problema da relação entre mobilidade social, estrutura das
classes e processos de diferenciação das oportunidades educativas,
já estudado por Pitirim Sorokin (1927; v. cap. m, 1.4), foi
considerado de diferentes maneiras por diversos autores, no que se
refere às características da mudança social nas sociedades
contemporâneas avançadas. Entre estes salientamos os trabalhos de
David McClelland (1962), de James Coleman (1966) e Raymond
Boudon (1973), as análises de Marzio Barbagli (1974) sobre a
relação entre desocupação intelectual e sistema escolar na Itália, a
investigação sobre docentes e mudança social de Vincenzo Cesáreo
(1976) e Alessandra Cavalli (1992), a pesquisa sobre valorização
social das profissões e a distribuição das desigualdades sociais de
António De Lillo e António Schizzerotto (1985), e a de Diego
Gambetta (1987) sobre problemas relacionados com as escolhas
individuais dos percursos formativos.
5. Os processos e os meios de comunicação
Nesta secção observaremos em particular um âmbito de
produção e de difusão da cultura que assumiu um grande relevo na
sociedade contemporânea, ou seja, o que geralmente é referido
através da expressão «meios de comunicação de massas» ou mass
media. Porém, antes de abordarmos directamente tal fenómeno, será
útil debruçarmo-nos sobre o conceito geral de comunicação.
5.1 O conceito de comunicação
Pelo termo comunicação entende-se o processo mediante o qual
determinadas informações ou significados são transferidos de um ou
mais indivíduos, os
196
1
I
emissores, para outros indivíduos, os receptores. Trata-se, portanto,
de um processo de interacção simbólica, no qual a possibilidade de
transferir mensagens ocorre na base de signos, segundo regras
cultural e socialmente partilhadas, isto é, segundo códigos
convencionalmente estabelecidos com base no uso ou em critérios
previamente seleccionados (cf. Wieman-Giles, 1988; Ghiglione,
1986; Galimberti, 1992; Bettetini, 1994; v. cap. v, 6).
Os signos podem ser de natureza verbal, utilizando linguagens
de uso comum (conversação) ou com carácter de especialidade
(trocas linguísticas no interior de um discurso científico ou técnico),
ou ainda de naturezanão-verbal, através do gesto, da mímica, das
imagens (por exemplo, a sinalética rodoviária, o vestuário, a arte
figurativa, as imagens publicitárias, etc), os sons inarticulados (ex.,
o grito, o resmungo, etc), musicais ou de outro género.
Entre os diversos modelos teóricos utilizados na análise do
processo da comunicação podemos recordar sobretudo três deles. O
modelo estímulo-resposta, que se inspira no behaviorismo e também
nos modelos mecânicos de informação (por ex., o termostato). Neste
modelo distinguimos cinco elementos linearmente dispostos: a fonte
de informação, um codificador da mensagem, um canal de
transmissão, um descodificador, um destinatário ou receptor da
mensagem (cf. Shannon-Weaver, 1949).
O modelo de tipo dialógico, no qual vem sublinhada a troca
entre dois actores que interagem entre si, segundo uma circularidade
na qual a comunicação é considerada como o resultado da acção
entre ambos (Galimberti, 1992).
O modelo da pragmática da comunicação humana, que
considera igualmente o processo comunicativo segundo um
esquema não linear, baseado num constante processo de acção e
reacção entre os indivíduos que comunicam. Tal modelo, que realça
sobretudo as complexas dinâmicas psicológicas presentes no
processo comunicativo, assenta em alguns pressupostos
fundamentais: a) não se pode não comunicar: todo o tipo de
comportamento é uma comunicação, até mesmo o simples facto de
não se falar ou de não se prestar atenção ao outro é, na realidade, a
comunicação da mensagem «não quero comunicar contigo»; b) toda
a comunicação compreende um conteúdo e um aspecto relacional,
constituindo este último uma metacomunicação que qualifica a
mensagem, isto é, indica a modalidade com a qual a mensagem se
considera transmitida: posso dirigir um insulto a alguém por
brincadeira, de modo afectuoso, ou para o agredir, e isso dependerá
unicamente da entoação e da expressão gestual e mímica com a qual
acompanho a minha expressão verbal; c) toda a relação entre duas
ou mais pessoas surge como uma série de sequências de um
continuum, podendo o seu significado ser interpretado unicamente
através de uma pontuação, ou seja, uma selecção relativamente
arbitrária, com base na qual uma expressão comunicativa é
considerada como causa de um determinado comportamento. De
facto, qualquer comportamento é simultaneamente causa e efeito do
comportamento de outrem, como o evidencia, por exemplo, a
relação circular entre
797
duas pessoas que constantemente disputam entre si; d) as trocas
comunicativas podem ser simétricas, se a relação com o outro
ocorre num plano de paridade, ou complementares, quando um dos
participantes assume na relação uma posição dominante, one-up,
colocando o outro numa posição one-down (cf. Bateson, 1972;
Watzlawick, 1967).
O modelo da pragmática da comunicação é, indubitavelmente, o
que melhor permite analisar os processos comunicativos na sua
complexidade interactiva e, assim, compreender também a
influência relevante que, sobre tais processos, possuem o contexto
cultural e as estruturas sociais. Em particular, o facto de haver
sublinhado a dimensão de metacomunicação, presente em qualquer
troca comunicativa, mostra como toda a transmissão de mensagens
é qualificada, para além das expressões verbais, segundo uma
convenção semântica (módulo numérico), de um código não verbal
(módulo analógico), baseado em elementos culturais que incidiram
profundamente sobre modalidades das relações interpessoais (cf.
Zani-Selleri-David, 1994, p. 18 e segs.).
Se se considerar a comunicação relativamente aos mass media,
há que ter presente a já referida distinção proposta por Luhmann
acerca dos dois tipos de formação sistémica: o sistema de
interacção e o sistema societário, ao qual corresponde a distinção
entre percepção e comunicação (v. cap. m, 1.5).
Ao nível da interacção, os sujeitos estão fisicamente presentes e
percepcionam-se reciprocamente de modo directo; nesta caso, a
dinâmica comunicativa possui um carácter imediato no tempo,
enquanto que, ao rúveXsocietário, a comunicação ocorre entre
pessoas que podem estar distantes entre si no espaço e no tempo.
Neste caso, a troca comunicativa, sendo mais complexa e mediada
por códigos mais abstractos, requer tempos de elaboração mais
longos e menos facilmente controláveis.
O conceito de comunicação, nâ acepção de Luhmann, remete efectivamente para a troca entre um
grande número de pessoas, diferenciadamente distribuídas no espaço social e não necessariamente em
contacto entre si, ou seja, remete para o conceito de massa.
O conceito de massa tem um carácter abstracto, na medida em que indica um conjunto não organizado
de indivíduos, do qual nos apercebemos com base em atitudes, representações, comportamentos de tipo
médio, não necessariamente correspondentes a pessoas concretas, e que facultam indicações sobre
tendências estatisticamente relevantes, presentes na maioria dos membros de uma sociedade. Na
observação de Simmel, a massa «não se baseia na personalidade dos seus membros, mas só naqueles
aspectos que uns e outros têm em comum e que equivalem às formas mais primitivas e ínfimas da
evolução orgânica» (Simmel, 1917, p. 68).
O conceito de massa surge, sobretudo a partir do século xix, devido às profundas transformações
ocorridas no tecido social das sociedades industrializadas: o declínio das comunidades tradicionais
baseadas em vínculos locais, o fenómeno
198
I da concentração de um número sempre mais elevado de pessoas nos
aglomerados urbanos, a divisão social do trabalho, o alto grau de
mobilidade social e a intensificação das deslocações no espaço
produziram efeitos de isolamento dos indivíduos e de fragmentação
social, que configuram a massa como um conjunto amorfo e não
estruturado, caracterizado por um alto grau de passividade, devido
às dificuldades sentidas pelos indivíduos para controlarem um
sistema social cada vez mais complexo e diferenciado. A massa
revelou-se, simultaneamente, como uma realidade facilmente
manipulável por parte dos centros de poder político e económico e
como a matriz de movimentos sociais de reivindicação e protesto
contra a ordem estabelecida, caracterizados por uma alta
emotividade e, por conseguinte, dificilmente previsíveis e
controláveis.
Diferente do conceito de massa é o de público (audience), que remete para um número mais ou menos
amplo de pessoas, enquanto destinatárias de uma mensagem que lhes é apresentada. A possibilidade de
delimitar um público varia conforme as situações: um público de um comício político ou de um teatro é
mais facilmente delimitável que um público televisivo. O público pode ser mais ou menos homogéneo ou
heterogéneo, segundo a mensagem se destina a categorias sociais específicas, distintas pela idade, sexo,
profissão, etc, ou ao conjunto de membros de uma ou mais sociedades.
Uma massa ou um público podem parecer mais ou menos activos ou passivos, conforme a maior ou
menor presença de grupos organizados, que se apresentam ou como representantes da massa, ou do
público (por ex., associações de consumidores, de telespectadores, etc): quando um conjunto de pessoas,
ainda que muito numeroso, consegue, de algum modo, organizar o seu agir com o objectivo de alcançar
objectivos específicos, isso tende a transformar-se em movimento, ou em grupo de interesses.
Sob este aspecto, apresenta-se problemática a determinação do fenómeno da opinião pública, isto é, a
possibilidade de recolha de opiniões e orientações, geralmente partilhadas por um grande número de
pessoas: neste caso, a massa pode surgir como uma força activa, de forma a desenvolver uma pressão
política, económica ou cultural, utilizando também os meios de comunicação (Habermas, 1962). Como é
sabido, nos nossos dias são sobretudo as sondagens de opinião que tentam estabelecer, de modo
estatístico, as correntes de ideias e as atitudes presentes nas massas.
5.2 Os meios de comunicação de massas
Com base nos conceitos acima definidos, podemos entrar agora no exame dos processos de
produção cultural levados à prática, nas sociedades contemporâneas, pela crescente difusão dos meios
de comunicação de massas: imprensa (diários, semanários, comunicados, banda desenhada, etc),
rádio e televisão, cinema (para os aspectos que não se encontram integrados na criação artística),
199
discos, videocassetes, redes computorizadas de grande
difusão (ex,: Internet, CD-Rom, etc).
O grande número de fontes de transmissão de conteúdos,
quer de tipo informativo, quer de tipo narrativo ou musical, e
o agrado com que é recebida a sua difusão colocam as formas
de produção cultural dos media entre os mais importantes
agentes de socialização, a ponto de, em muitos casos,
parecerem possuir hoje um impacto preponderante
relativamente aos agentes tradicionais de socialização, como a
família, a igreja e a escola. Na realidade, como veremos, os
agentes tradicionais mantêm a sua importância, mas também é
certo que sobretudo a televisão se transformou numa das
principais fontes de construção da realidade social, através da
difusão de modelos de comportamento, estilos de vida,
hábitos de consumo, representações da realidade natural e
social, opiniões políticas, etc.
Em particular, dever-se-á ter presente que a difusão, a
nível mundial, de alguns produtos dos meios de comunicação
de massas leva ao desenvolvimento da influência destes até
mesmo nos países que não alcançaram as condições
económico-sociais das sociedades que os produziram, criando
muito frequentemente descompensações e contrastes
relativamente às tradições das culturas locais, suscitando
expectativas que naqueles contextos não podem ainda ser
satisfeitas e dando origem a efeitos de antecipação, cujas
consequências são dificilmente previsíveis.
As diversas organizações que, nas sociedades actuais,
presidem aos meios de comunicação de massas (empresas de
televisão públicas e privadas, editoras, redacções de jornais,
etc.) reflectem, em grande parte, os interesses económicos e
políticos de grupos públicos e privados, que actuam através da
difusão das informações, das actividades de interpretação e
comentário dos diversos acontecimentos históricos e dos
diferentes processos sociais, e através da produção de
orientações e valores de tipo cognitivo, moral, estético,
religioso, etc.
Os mass media, todavia, não só transmitem, de modo
implícito ou explícito, os conteúdos produzidos pelos vários
grupos sociais, como podem também, por sua vez,
transformar-se em fontes relativamente independentes de
produção de significados, vindo assim a constituir-se como
centros autónomos de decisão e poder, ou seja, como quarto
poder, acrescido aos poderes político, judicial e económico.
A sociologia dos processos comunicativos veio a
desenvolver-se sobretudo a partir dos anos quarenta, ainda
que o problema da propaganda de massas já tivesse sido
levantado por Harold Lasswell (1927), o qual, para orientar a
investigação sobre comunicação, proporá as seguintes
interrogações: Quem? O quê? Como? A quem? Com que
efeito? (cf. Lasswell, 1948). As diferentes pesquisas
efectuadas no período imediatamente posterior ao termo da
Segunda Guerra Mundial, sobretudo nos Estados Unidos,
consideraram os meios de comunicação de massas como
instrumentos para a difusão de informações e a promoção
200
de processos de comunicação social, com a função de facilitar
uma crescente participação na vida política e social, uma mais
homogénea culturalização dos diversos estratos sociais e um
mais alto grau de integração e de consenso (cf. Wirth,
1948;Lazarsfeld-Merton, 1948;Lasswell-Leites, 1949;
Janowitz, 1952; Katz-Cartwright- Eldersveld-Lee, 1954).
Por outro lado, e num sentido oposto, numerosos autores
sublinharam a função de manipulação das consciências e de
integração ideológica dos mass media, enquanto instrumentos
de controlo exercido por elites de poder e por grupos de
interesse político e económico. Nesta segunda perspectiva,
Horkheimer e Adorno denunciaram, nos anos cinquenta e
sessenta, o conteúdo ideológico dos meios de comunicação de
massas e o carácter «violento» do seu impacto sobre as
consciências. Como já foi dito (v. cap. ii, 8; 3 do presente
capítulo), segundo estes autores, a indústria cultural, isto é, a
produção organizada da cultura com base em interesses
predominantemente económicos e de controlo político,
apresenta-se como uma força anónima, que se esconde por
detrás de uma pretensa neutralidade baseada em avaliações
empíricas da realidade (cf. Horkheimer-Adorno, 1947). A
função principal de tal indústria consiste em domesticar as
massas para o conformismo, colocando sob censura qualquer
voz discordante. A fim de obterem essa dependência por parte
das massas, os meios de comunicação não hesitam em usar as
emoções e os desejos primários dos indivíduos, que se
mostram tanto mais alienados quanto mais os bens culturais
propostos tendem a confirmar a ordem estabelecida: «Para
resumir numa única frase a tendência imanente à ideologia da
cultura de massas, necessitaremos de representá-la, numa
paródia do "Transforma-te naquilo que és", como reforço e
justificação supervalidante da situação já existente, mantendo-
se bloqueada toda a perspectiva de transcendência e de
crítica.» (Horkheimer-Adorno, 1956, p. 225) Crítica análoga
foi igualmente formulada por Herbert Marcuse, que acusa os
mass media de criarem «falsas necessidades» funcionais para
a lógica da produção consumista (cf. Marcuse, 1964).
No mesmo período, Edgar Morin dá um contributo para o aprofundamento da natureza da
indústria cultural; ele analisa a cultura de massas como um subsistema do mais amplo sistema
cultural da sociedade. A indústria cultural, segundo Morin, corrói os valores tradicionais da
ética burguesa, orientados para o trabalho e para uma relativa austeridade dos costumes,
promovendo o hedonismo dos modelos da fruição imediata, do divertimento e do conforto, do
individualismo privado, dos consumos. Morin faz notar que a cultura de massas deve ser
analisada em relação com a totalidade, ou seja, considerando a sua relação com os diversos
ambientes culturais e os diferentes contextos histórico-sociais. Na indústria cultural encontram-
se presentes tendências homogeneizantes, ligadas à estrutura burocrática das organizações que
se ocupam dos media, como, por exemplo, os jornais. Tais tendências entram em contradição
tanto com as exigências de individualização, que se encontram presentes
207
nos consumos culturais, como com a diversidade dos conteúdos: a
palavra sincretismo, que indica a tentativa de conciliar elementos
heterogéneos, é aquela que, segundo Morin, melhor caracteriza as
linhas de orientação próprias da comunicação de massas (cf. Morin,
1962, p. 29; Livolsi-Rositi, 1988).
Outros autores (Wilson, 1961; Larsen, 1968), pelo contrário, desenvolveram a sua crítica indicando
nos meios de comunicação de massas um factor de deterioração das relações primárias e de diminuição
do respeito pelas normas e valores tradicionais. Em vez de promoverem uma autêntica participação, tais
meios acabariam por isolar os indivíduos, exaltando os valores materiais e apresentando continuamente
imagens de violência. Outros autores sublinharam, sobretudo, os efeitos de manipulação da opinião
pública por parte da propaganda e a tendência para se estabelecer um monopólio político, orientado para
a aniquilação dos pontos de vista dos opositores (Mills, 1956; Kornhauser, 1960; Key, 1961;McQuail,
1994).
Uma atitude mais atenta quanto à complexidade dos processos de influência e quanto ao carácter
ambivalente dos seus resultados encontra-se na famosa investigação de Elihu Katz e Paul F. Lazarsfeld
sobre a Influenza personale nelle comunicazioni di massa (1955). Ao longo de uma série de estudos sobre
as dinâmicas existentes entre os pequenos grupos e sobre os modos como estas influências são
efectivamente exercidas, os referidos autores orientaram a sua atenção, partindo dos conteúdos das
mensagens e das respectivas técnicas de difusão, para uma observação das condições sociais, dos
sistemas de relação e de referência de valores no interior dos quais tem lugar a recepção das diferentes
mensagens. Tais análises permitiram evidenciar, em primeiro lugar, que os conteúdos das mensagens
transmitidas são sempre reinterpretados dentro do contexto social dos receptores, de modo que não pode
ser certa uma influência homogénea dos conteúdos, porquanto só alguns dos seus elementos são
seleccionados e filtrados, com base nas orientações culturais já definidas pelos processos primários de
socialização. Normalmente, tendem a ser apreendidas sobretudo aquelas mensagens que, de algum modo,
confirmam ideias já recebidas.
As relações interpessoais constituem pontos de ancoragem para as opiniões, as atitudes, os habitus, os
valores, que são frequentemente transmitidos através de redes de comunicação interpessoal. Nesta base,
Lazarsfeld e Katz desenvolveram as suas hipóteses dos dois níveis do fluxo de comunicação (two steps
flow of communication): por um lado, as redes interpessoais encontram-se ligadas às redes dos mass
media, no sentido de que algumas pessoas, relativamente mais expostas às influências de tais meios,
comunicam a outras pessoas, menos expostas, aquilo que vêem, ouvem ou lêem. Os grupos primários,
neste caso, servem de canais de comunicação dos mass media. Por outro lado, as influências interpessoais
podem coincidir com as mensagens dos meios de comunicação de massas, desenvolvendo umafunção de
reforço destes últimos (cf. Katz-Lazarsfeld, 1955, p. 44 e segs.).
202
Além disso, a presença, nos grupos de influência, de leaders de opinião que gozam de uma posição de
prestígio no grupo (por ex., o pai ou a mãe no grupo familiar, um chefe espontâneo nos grupos de
amigos, etc), surge de modo determinante nos processos de selecção e valorização das mensagens:
«embora possa parecer paradoxal, quanto mais de perto se observa o funcionamento dos meios de
comunicação de massa, tanto mais nos apercebemos que os seus efeitos dependem de uma complexa rede
de influências muito minuciosas e disseminadas, pessoais e sociais.» (cf. Lazarsfeld, 1963, p. 876)
A experiência de Katz e Lazarsfeld evidenciou a extrema dificuldade em isolar uma fonte de
influência - como, por exemplo, a televisão - dos outros tipos de influência cultural e social ligados à
posição do indivíduo na sua sociedade de pertença, às suas relações com determinados grupos de
referência, às suas tradições culturais, etc. Neste contexto, a avaliação do alcance real dos efeitos
culturais produzidos pelos meios de comunicação social revela-se bastante mais problemática do que
inicialmente se supunha.
Uma perspectiva teórica e metodológica, particularmente atenta à complexidade dos processos criados
pela crescente influência dos mass media, é a que foi dinamizada nos anos sessenta, na Inglaterra, pelo já
citado (v. cap. in, 3.7) Centre for Contemporary Cultural Studies de Birmingham, o qual, a partir de um
conceito de cultura - entendida esta não só como conjunto de significados e valores, mas também como
conjunto das práticas efectivamente realizadas, através das quais os valores e significados vêm expressos
- propõe que se analisem os tipos de comunicação de massas nos termos da dialéctica que se instaura
entre: o sistema social, a continuidade e as transformações do sistema cultural, as estruturas de poder (cf.
Hall, 1980; Wolf, 1994, p. 108). É assim posto em evidência que os modelos culturais produzidos pelos
meios de comunicação não são unicamente um reflexo superstrutural do contexto social, mas também um
elemento constitutivo de elaboração cultural e de construção da realidade social. Os media não exprimem
só a lógica do controlo social por parte do poder, constituem também um «lugar de negociação entre
práticas comunicativas extremamente diferenciadas» (Wolf, 1994, p. 109). Assim, as teorias que, no
passado, prediziam efeitos de massificação generalizada tiveram de ser sujeitas a uma crítica radical (cf.
Peterson, 1979, p. 148;Peterson-DiMaggio, 1975).
A partir dos anos setenta, a investigação sobre os meios de comunicação deu uma atenção particular aos
aspectos semióticos e às estruturas expressivas das mensagens, relevando a importância que assumem
factores semânticos e técnicos de natureza diversa, tais como as imagens, o fundo musical, o tipo de
comentários, as condições de recepção, as estratégias de envolvimento do espectador, etc (cf. Eco, 1975;
Casetti, 1980); Wolf, 1994, p. 110 e segs.). Assim se viu confirmada, ainda que indirectamente, a
afirmação de M. McLuhan: «O meio é a mensagem.» Com esta forma, que obteve tão grande sucesso,
McLuhan pretendia dizer que «as consequências individuais e sociais de qual
203
1T
quer médium, ou seja, de qualquer extensão de nós próprios,
derivam das novas proporções introduzidas, nas nossas questões
pessoais, por cada uma dessas extensões, ou cada nova
tecnologia» (McLuhan, 1964, p. 15).
Neste contexto, caracterizado por um crescente número de
televisões e rádios privadas, que vieram a acrescentar-se às
controladas pelas entidades públicas, foram-se aperfeiçoando as
técnicas de investigação e incrementando os estudos qualitativos
e as pesquisas etnográficas sobre o uso social da televisão. Tais
estudos, retomando as temáticas indicadas por Katz e
Lazarsfeld, aprofundaram a análise dos processos de influência,
recorrendo também aos modelos do interaccionismo simbólico e
da etnometodologia, a fim de permitirem compreender os
modelos através dos quais «os actores sociais utilizam os
instrumentos da comunicação para construírem a sua realidade
social» (Lull, 1980, p. 197). Assim se veio a mostrar o
carácterpolissémico das mensagens e a grande variedade dos
processos para a sua descodificação, da qual deriva uma
multiplicidade de interpretações e usos diversos (Hall, 1980;
Fiske, 1986; 1987; Morley, 1986; Jensen, 1987; Lull, 1988;
Mancini, 1991; McQuail, 1994; Bechelloni, 1995).
No interior desta complexa problemática abordou-se
igualmente a interrogação sobre se os meios de comunicação de
massas favoreciam a participação social e política ou, pelo
contrário, induziam uma atitude particularmente absentista e
passiva. Também neste caso se teve de reconhecer que não é
possível isolar a influência dos media enquanto tais, mas que
esta se encontra estreitamente ligada às condições de recepção e
aos modos como os próprios media são utilizados. O meio
televisivo apresenta uma característica ambiguidade
relativamente ao problema da participação, na medida em que
constitui, simultaneamente, uma possibilidade efectiva de
difusão de informação, de cultura social e política, de educação
cívica, mas também um instrumento de manipulação e de evasão
da realidade. Ver televisão leva o indivíduo a fechar-se em casa,
diminuindo o seu desejo de encontros sociais e de participação
associativa e, além disso, pode também colocar-se como
substituição de uma efectiva actividade de ordem social e
política; nesse caso, a própria apresentação dos problemas mais
candentes da colectividade e o debate sobre eles correm o risco
de se transformarem numa participação ilusória, em vez de
constituírem um estímulo para um real empenhamento na vida
colectiva. Só num contexto social no qual já se encontrem
presentes condições favoráveis à participação, nos diferentes
níveis do empenhamento individual (orientações predominantes
na família, na escola, nos diversos grupos de pertença), dos
valores e dos modelos de comportamento do sistema cultural
dominante e das condições políticas institucionais, o instrumento
televisivo se pode transformar num verdadeiro meio de
participação.
Todavia, há que ter em conta que o meio televisivo pode constituir
uma fonte de inovação relativamente às condições sociais: neste
aspecto, tornam-se relevantes tanto a orientação de fundo que
inspira as entidades públicas e priva
204
das de produção televisiva, como uma série de aspectos técnicos. O
debate televisivo pode, por exemplo, apresentar-se como um modelo
fechado e resolutório, que esgota a questão objecto de discussão, ou
colocar-se como um estímulo para o seu aprofundamento em
diferentes sedes. O desenvolvimento dos meios técnicos permite
crescentemente, hoje em dia, a solicitação defeed back, isto é, de
reacções por parte do público que segue as emissões, ou pelo
telefone, ou pela participação directa aquando da transmissão, por
sondagens feitas na mesma ocasião, etc. (cf. Crespi, 1971;
Cazeneuve, 1971; Crespi-Mucchi Faina, 1990).
No interior desta problemática foi-se prestando uma atenção
crescente às novas tecnologias de informação e produção de
programas audiovisuais: ligações via satélite, por cabo, gravações
em vídeo, computorização, etc. Tais inovações técnicas,
aumentando a possibilidade de escolha através de diversas fontes,
estão indubitavelmente a transformar as relações com os mass
media, dando lugar a novas formas de organização das entidades
que presidem às comunicações (cf. Abruzzese, 1989; Bettetini-
Colombo, 1993; Richeri, 1993).
Foi dedicado um grande número de análises aos efeitos dos
diversos media sobre o modo de fazer política, pondo em evidência,
entre outros aspectos, o crescente fenómeno da espectacularização
da política, ou seja, o facto de o voto político sofrer uma cada vez
maior influência das imagens que de si dão os vários leaders
políticos, das formas simbólicas utilizadas pela política e das
reacções emocionais produzidas pelo meio televisivo ou pelos
manifestos (cf. McGinnis, 1968; Blumler-McQuail, 1968; White,
1969; 1973; Patterson- -McClure, 1976; Marletti, 1984; Mancini,
1985).
É também um importante sector de pesquisa o que se encontra
orientado para o estudo da influência da televisão sobre as crianças e
os adolescentes (cf. Singer-Singer, 1980; unesco, 1982; D'Amato,
1989) e para o da influência que é exercida pelos diversos produtos
dafiction, ou seja, a narrativa romanceada das séries televisivas, o
cinema, as histórias em banda desenhada, etc. (cf. Buckman, 1984;
Nown, 1985; Buonanno, 1991; Allen, 1992).
Do ponto de vista geral da sociologia da cultura, que é aquilo que
nos interessa, a presença dos mass media põe em evidência a
pluralidade das fontes de produção cultural nas sociedades
contemporâneas e o risco de que a multiplicação de estímulos
culturais diversos criem efeitos de excesso cultural, ou seja, o facto
de o grande número de propostas de valores e modelos, que se
sucedem ininterruptamente, poder criar o fenómeno que já Simmel
definira como hipertrofia da cultura objectiva, isto é, aquela
«intensificação dos estímulos nervosos» que, paralisando a
faculdade de controlo individual, provoca uma desorientação
generalizada e uma incapacidade, por parte dos actores sociais, para
seleccionarem criticamente os diversos significados e para
estabelecerem entre si uma hierarquia. Em última análise, provoca
uma crescente indeterminação da cultura enquanto tal (cf. Rositi,
1981, p. 234 e segs.).
205
Assim se confirma a já referida (v. cap. i, 4) dificuldade de se
considerar a cultura como um sistema coerente de significados e
valores: pelo contrário, a cultura surge como um conjunto de
recursos, com os quais os actores sociais podem alcançar, através da
escolha, e de vez em quando, as referências culturais e os modelos
de competência mais adequados às situações específicas. O que
pressupõe, todavia, uma acrescida capacidade de elaboração
pessoal, que deveria basear-se em identidades individuais
fortemente consolidadas. No entanto, são exactamente estas que são
levadas à crise pela contínua discussão acerca dos modelos
tradicionais. A actual tendência para reagir a esta situação de
indeterminação cultural, através da acentuação de pertenças de tipo
particular e local, põe em crise a imagem da «aldeia global» que
deveria ter sido o resultado do desenvolvimento dos media (cf.
McLuhan-Powers, 1986) e cria os complexos problemas que as
sociedades actuais têm de enfrentar no que se refere às relações
entre o multiculturalismo que as caracteriza e a exigência de
superação das tendências para o separatismo, através da redefinição
de regras e referências culturais universalmente partilhadas (v. cap.
vi).
6. A produção do direito
Uma importante componente da cultura de uma sociedade é o
conjunto das normas que regulam o agir social, assegurando a
previsibilidade das expectativas recíprocas. Como já tivemos várias
vezes ocasião de observar, existe uma íntima ligação entre a
presença de regras colectivamente partilhadas e o carácter social do
agir: trata-se de um aspecto que evidencia, talvez mais do que a
religião, a arte e as ideologias, a estreita articulação entre momento
cultural e acção social. Se, com efeito, as representações e os
valores constituem insubstituíveis pontos de referência para os
actores sociais, tal acontece também porque esses pontos de
referência (imagens do mundo, explicações da vida, objectivos a
alcançar, etc) se traduzem, de modo implícito ou explícito, latente
ou manifesto, em determinadas regras práticas.
O agir social é sempre relativo a algum tipo de norma:
inicialmente, as organizações normativas baseavam-se sobretudo
nas narrativas míticas e sagradas, sob o comando de uma autoridade
legitimada (chefe da tribo, rei, sacerdote, etc), com base em usos e
costumes ancestrais, transmitidos tradicionalmente e, como tal,
considerados intocáveis. Pelo contrário, a ideia de direito remete
para um conjunto específico de normas, conscientemente definidas
segundo uma ordenação sistemática, enquanto leis propostas pela
observância geral e reforçadas por mecanismos de tipo coercivo, ou
seja, por sanções previstas contra os que não as observam. O direito,
por si só, constitui-se como sistema de normas autónomo
relativamente ao poder, o qual, por princípio, surge ele próprio
como sendo obrigado à observância das leis gerais.
206
I
I
O direito é assim caracterizado pela formalização de determinadas regras, que, enquanto tal, se
distinguem do conjunto de regras informais presentes nos contextos sociais, através dos quais se
desenvolve o controlo social que, em sentido específico, se refere geralmente aos mecanismos
espontâneos por cujo meio uma colectividade procura prevenir o desvio.
Os sistemas do direito assumiram, na história da humanidade, as mais diversas formas: embora
tivessem começado por surgir directamente de fontes religiosas, veio ulteriormente a acentuar-se a sua
relativa autonomia, enquanto sistemas «laicos» ou secularizados, baseados na racionalidade e na ideia de
legalidade. Na tradição ocidental, este processo de autonomização do direito, que já vinha do direito
romano, reforçou a sua importância devido à progressiva distinção que a partir da Idade Média se
verificou entre o poder da Igreja e o do Estado, encontrando a sua completa expressão, após a Reforma
protestante, a partir da exigência de se fundamentar o direito em bases independentes das diversas fés
religiosas, transformadas em motivo de confrontação insanável entre as várias componentes sociais.
Porém, é sobretudo com o desenvolvimento das sociedades complexas, caracterizadas pelo aumento da
diferenciação dos âmbitos de significado (v. cap. ih, 1.3 e 1.5), que o direito se constitui comopositivo,
isto é, como baseando-se, por assim dizer, somente sobre si próprio, a partir de uma ideia de legalidade
que encontra em si mesma a sua própria justificação.
Do ponto de vista da sociologia da cultura, os sistemas de direito modernos constituem uma parte
especializada do mais amplo património cultural, com características e funções próprias. Taís sistemas,
que se desenvolvem em estreita ligação com as estruturas sociais e em particular com as do poder,
confígu-ram-se como um conjunto de formas específicas de mediação simbólica que, como tais, são o
reflexo e, ao mesmo tempo, um dos factores constitutivos do processo de construção da realidade social.
Falar de sistemas de direito não significa, todavia, ter como um dado adquirido a coerência do
conjunto das normas presentes num determinado contexto social: na maioria das vezes, aquilo que vem
definido como direito, com base em regras e procedimentos que dizem exactamente respeito à definição
daquilo que integra o sistema oficialmente reconhecido das leis, apresenta aspectos de heterogeneidade
ligados às diferenças temporais na produção das normas e ao facto de tais normas poderem ter sido
criadas para regularem relações particulares. Além disso, deve-se ter presente que, como todas as outras
formas de mediação simbólica, o direito constitui uma forma de redução de complexidade, obtida através
de processos de progressiva abstracção de princípios gerais, que devem ser válidos para todos e em todas
as situações do mesmo tipo. Isso comporta, por um lado, que nem todas as exigências que emergem da
experiência colectiva encontram expressão no direito colectivo e, por outro, que se torna necessária uma
constante actividade de interpretação das normas com vista à sua aplicação nos casos concretos. Por esta
razão, o âmbito do direito compreende quer
207
o momento de produção das normas (constituições do Estado,
emanações das leis, etc), geralmente entregue, nos nossos dias, a
instituições específicas, como as assembleias constituintes e os
parlamentos, quer o momento da administração das leis, ou seja, da
sua interpretação e aplicação, bem como do controlo da sua
observância, o que hoje está igualmente confiado a instituições
específicas, como os tribunais cíveis e criminais, as entidades
administrativas, os órgãos de polícia, as instituições prisionais, etc.
Todos estes diversos aspectos são objecto da sociologia do
direito, que aqui tomamos em consideração unicamente no que se
refere ao perfil específico da relação entre um determinado âmbito
de produção cultural e a realidade social. Sob este ponto de vista,
adquirem particular relevo o já referido carácter de reflexo da
realidade social e de seu princípio constitutivo, que o direito
representa: enquanto redução de complexidade, o direito pode
surgir-nos, efectivamente, quer como a tradução cultural de
determinados aspectos de uma dada realidade social, ou seja, como
a expressão codificada, e retardada no tempo, de uma dinâmica de
relações sociais precedentes, ou como uma actividade de elaboração
de significados, que pode antecipar e inovar relativamente à ordem
cultural estabelecida, transformando-se num factor activo de
transformação da realidade social. Quanto a este último aspecto, o
direito, como daqui a pouco veremos, desempenha, ao mesmo
tempo, uma função de integração e de definição dos conflitos, mas
também se apresenta como uma fonte de conflitualidade (cf.Tomeo,
1981).
A análise da relação entre formas do direito e estruturas sociais
possui uma antiga tradição na nossa cultura e foi frequentemente
tida em consideração, sobretudo pela filosofia do direito: foi
exactamente a partir desta disciplina que se desenvolveram os
primeiros estudos de sociologia do direito (cf. Viardi Greco, 1907;
Andrini, 1979).
Na fase imediatamente anterior às primeiras formulações da
ideia de uma ciência da sociedade, recorda-se em particular a
famosa obra de Charles Louis de Montesquieu (1689-1755), Lo
spirito delle leggi (1748), na qual o filósofo francês inaugura uma
análise de tipo sociológico, considerando a evolução e as
transformações das leis jurídicas em relação com uma série de
factores, tais como o clima, a natureza do território, o tipo de
habitantes, as actividades económicas, as forças militares, o carácter
nacional, os costumes.
Determinante nos confrontos criados pelo novo interesse relativamente às componentes sociais do
direito foi também a escola do historicismo jurídico, em particular graças às obras de história do direito
de Friedrich Karl von Savigny (1834) e de Otto von Gierke (1868), que colocaram a tónica sobre as
mudanças ocorridas no direito, ao longo das diferentes épocas históricas, em concomitância com as
transformações das estruturas sociais e dos valores culturais. Entre os mais relevantes contributos para o
estudo do desenvolvimento histórico do direito é também realçada a obra do inglês Henry Sumner
Maine,La legge antica
208
idas 3rno traída
¦as, de
<5°E * srre' ***«. «* »s
Pnmeiros d
•msmm
mmmmsm
""c---¦=:;:£:-¦
2<99
I
para se proceder à acção, pode desenvolver-se aquela particular
acção típica que é constituída pelo processo em sentido jurídico
(ibid., p. 25).
Mostra-se assim em Weber a íntima relação que subsiste entre
agir social e dimensão normativa. Esta última é de início igualmente
realçada na base da coerção, a partir do facto que leva a que aquele
que dita as normas surja habilitado, por uma qualquer razão, a dar
ordens susceptíveis de encontrarem obediência, ou seja, surja
legitimado para levar as normas à prática.
Os fundamentos de tal legitimação variam no tempo:
inicialmente, a norma aparece baseada sobretudo no comando de
uma autoridade de tipo carismático, ligada a formas religiosas ou
sagradas, ou de tipo tradicional, baseada na continuidade do poder
com as estruturas do passado. Ulteriormente, o direito vem marcado
pelo processo de racionalização que caracteriza o desenvolvimento
da sociedade comercial e industrial do Ocidente: a sua legitimação
fundamenta-se então em bases racionais, isto é, assume uma forma
de legalidade. Deste modo, Weber aplica também ao direito a sua
tipologia das diversas formas de poder, mostrando os laços
específicos que unem ambas as dimensões no interior dos diversos
sistemas económico-sociais (cf. Weber, 1904; 1922, ii, p. 258 e
segs.).
A progressiva afirmação do princípio da legalidade, segundo
observa Weber, leva a configurar o direito como sistema baseado na
racionalidade formal, ou seja, numa coerência lógica e doutrinal de
tipo geral, que favorece a constituição do direito positivo, como
sistema relativamente autónomo, na medida em que o formalismo
jurídico permite também desenvolver uma técnica específica para a
formação e a aplicação das leis. A racionalidade formal ou legal,
que se encontra na base da difusão das estruturas de tipo
burocrático, favorece igualmente a afirmação de uma camada
profissional de especialistas do direito (advogados, juízes,
legisladores, etc).
É óbvio que Weber, coerentemente com as suas premissas
metodológicas (v. cap. ii, 2), não pretende pronunciar um juízo de
valor sobre o processo que vai descrevendo e está bem consciente de
que a racionalidade pode estar em contraste com a racionalidade
substancial, isto é, com considerações fundadas no reconhecimento
de valores externos às funções do ordenamento jurídico ou da
organização burocrática.
Estas duas diferentes posições, a de Durkheim e a de Weber,
inspiraram duas orientações distintas na análise da relação entre
direito e sociedade. A perspectiva de Durkheim influiu directamente
na chamada escola da Jurisprudência sociológica, representada na
Alemanha por Eugen Ehrlich (1913), em França por Léon Duguit
(1912) e Maurice Hauriou (1912), na Itália por Santi Romano
(1918) e, nos Estados Unidos, porRoscoe Pound (1922). A
influência de Durkheim fez-se sentir, além de em numerosas teorias
de sociologia do direito, também em algumas investigações de tipo
etnológico. Entre estas últimas destaca-se particularmente a obra
Crimine e costume nella società
210
selvaggia (1926), de Bronislaw Malinowski, o qual, a partir das suas
pesquisas sobre as populações das ilhas Trobriand, na Melanésia,
refere a reciprocidade como o princípio de base do direito. Segundo
o esquema funcionalista por ele adoptado (v. cap. m, 1.2),
Malinowski, que todavia não distingue entre regras consuetudinárias
e direito propriamente dito, salienta que as normas jurídicas têm
sobretudo a função de assegurar a organização dos serviços sociais,
estabelecendo, ainda que de uma maneira coerciva, um mecanismo
de recíproca dependência entre os membros de uma comunidade, de
modo a evitar os conflitos violentos e garantir a normalidade das
relações sociais.
O modelo funcionalista da sociologia do direito foi desenvolvido
sobretudo por autores como F. James Davis (1962) e Talcott
Parsons (1962), que consideram o direito como um mecanismo de
controlo social funcional para a manutenção da ordem. No âmbito
do seu paradigma dos imperativos funcionais do sistema (v. cap. ih,
1.3), Parsons define a ordenação jurídica como um subsistema, no
interior da função de integração do sistema social, que tem a
obrigação de reduzir os elementos de conflito e de favorecer as
relações sociais (cf. Parsons, 1951b, p. 57 e segs.). No quadro das
formas de institucionalização e controlo das expectativas recíprocas,
que são garantidas por mecanismos como o dinheiro e o poder, o
direito desempenha o seu papel, operando ao nível mais alto do
sistema, ou seja, em sentido universalista, através da legitimação
das normas, da produção de leis, da regulação da sua aplicação
(sistema administrativo e judiciário), das sanções. Assim, a
dimensão jurídica encontra-se estreitamente unida à função do
poder, ainda que essas duas dimensões possam ser analiticamente
distintas, dado que a função específica do direito consiste na
interpretação das normas. O sistema normativo corre, de facto, o
duplo risco de ser demasiado rígido ou demasiado flexível: a
actividade da jurisprudência possuí exactamente a função de regular,
de modo adequado, a aplicação das normas às situações
contingentes (cf. Parsons, 1961, i, p. 43 e segs; Carbonnier, 1978;
1979).
Nas sociedades complexas e altamente diferenciadas da nossa época, o sistema legal atingiu um alto
grau de autonomia relativamente às pressões do sistema político, não só graças à actividade judiciária,
mas também devido ao desenvolvimento das profissões ligadas ao direito, cujos membros se encontram
institucionalmente protegidos das intervenções do poder executivo (cf. Parsons, 1961, i, p. 47). Neste
sentido, embora considerando o subsistema normativo como estando subordinado ao imperativo
funcional da integração do sistema social, Parsons reconhece ao direito uma relativa independência
enquanto fonte de significados.
Retomando diversos elementos de Parsons, no interior da sua teoria dos sistemas auto-referenciais,
Niklas Luhmann considera o direito como um dos âmbitos autónomos de significado que, reduzindo a
complexidade, constitui, a par dos da verdade, do amor, do poder, do dinheiro, um dos meios de
comunicação funcionais para o sistema social (v. cap. m, 1.5).
277
r
Nas sociedades complexas com alto grau de diferenciação, o
direito veio também ele a constituir-se como um sistema auto-
referencial, na medida em que a obrigatoriedade da norma já não se
baseia, como acontecia na sociedade tradicional, numa legitimação
externa a esta, mas antes numa base de normas positivas, isto é,
emanadas do próprio ordenamento legal. Pelas mesmas razões,
segundo Luhmann, nas sociedades actuais a relação entre direito e
coerção enfraquece (cf. Luhmann, 1972). A técnica jurídica tem
poder próprio pelo facto de ser uma decisão vinculativa, produtora
de uma nova ordem: enquanto tal, ela possui também um aspecto
conflitual, no sentido de que cria gratificações para algumas
expectativas, ao mesmo tempo que não corresponde a outras, como
em qualquer outro caso de redução de complexidade (cf. Resta,
1986).
Para a sociologia da cultura, é sobretudo interessante em
Luhmann o facto de haver evidenciado o processo através do qual a
cultura vem a referir-se prioritariamente às regras por si mesma
produzidas e não a uma ordem que lhe é exterior.
Uma perspectiva funcionalista, embora tendo origem numa
revisão das posições de Parsons e Luhmann, é também a adoptada
por Vincenzo Ferrari, o qual distingue três funções principais do
direito: a função de orientação social, a do tratamento dos conflitos
declarados, a da legitimação do poder. Nessas funções se coloca em
evidência a influência autónoma do direito, que não é só o reflexo
das exigências colocadas pelas estruturas sociais, mas é também um
elemento activo de orientação cultural dos processos sociais. De
facto, o direito, enquanto função da orientação social, não é
simplesmente um conjunto de regras, revela-se igualmente como
«orientação geral da conduta» mediante modelos, mais ou menos
tipificados, coordenados institucionalmente.
Uma transferência do problema, da relação entre direito e função de integração para a análise da
relação entre direito e conflito social, foi proposta por Vincenzo Tomeo, o qual afirma que o direito não
deve ser pensado sobretudo como instrumento para a resolução dos conflitos, mas antes como
«instrumento que mede o conflito, lhe define as dimensões e, em certos aspectos, produz situações
conflituais» (Tomeo, 1981, p. 10). Contra a concepção da sociedade como conjunto de relações
integradas, Tomeo sublinha a relação entre posse do poder e uso do direito, mostrando a relação entre
direito e conflito social na sua realidade mais imediata e quotidiana.
Na linha da teoria do agir social de Max Weber e ao longo dos desenvolvimentos do interaccionismo
simbólico, entram pelo contrário em consideração as posições que entendem o direito como uma
dimensão activa de construção da realidade social (v. cap. m, 3.2). Entre as experiências mais
interessantes realizadas segundo esta orientação haverá que recordar a análise de Goffman sobre os
processos através dos quais as normas jurídicas podem contribuir para a produção do fenómeno do
desvio. Tal como observou Becker, «o desvio não é uma qualidade do acto cometido por uma pessoa,
mas antes uma consequência
272
da aplicação, por parte de outros, de normas e sanções nos
confrontos com um "culpado"» (Becker, 1963, p. 22). Através
darotulagem (labeling) de uma pessoa como «desviante» ou do
estigma aplicado a um indivíduo como «criminoso», colocam-se as
premissas para que uma pessoa seja considerada, de maneira
estável, como alguém que não volta a entrar na norma.
Deste modo, altera-se a relação causa-efeito entre desvio e
controlo social, na medida em que este já não é visto, como na
teoria funcionalista, como consequência do imperativo de
restabelecer a ordem social, mas antes como aquilo que, por si só,
dá origem ao desvio (cf. Lemert, 1981, p. 1). Ainda que, a este
propósito, se faça igualmente referência a dinâmicas espontâneas de
interacção, o ordenamento jurídico surge, em tal processo, como
uma componente constitutiva e um termo de referência que, mais
do que limitar-se a reflectir uma dada situação, contribui
activamente para a criar.
São significativas, sob este ponto de vista, as pesquisas
efectuadas, na perspectiva etnometodológica, por Aaron Cicourel
(1968) sobre as práticas policiais para com delinquentes menores, e
as de Harold Garfinkel (1967) sobre os processos através dos quais
os jurados do tribunal chegam a decisões acerca da culpabilidade
dos réus; estes trabalhos influenciaram numerosas investigações
contemporâneas, como, por exemplo, na Itália, a pesquisa acerca
dos critérios mediante os quais as forças policiais encaram o
comportamento de menores acusados de uso de droga (cf.
Santambrogio, 1994).
Entre os muitos estudos que contribuíram para o
aprofundamento dos problemas da sociologia do direito refira-se
em particular, além de alguns contributos específicos recentes
(Resta, 1982; 1992;Bixio, 1988; Arnaud, 1993; Commaille, 1994),
as análises sobre a passagem do ordenamento social ao jurídico de
Theodor Geiger (1947), a tipologia jurídica dos grupos específicos
de Georges Gurvitch (1953; 1960), a proposta de desenvolvimento
de um método empírico de tipo comparativo de Henry Lévy-Bruhl
(1961), as obras gerais de sociologia do direito de Renato Treves
(1964; 1987) e de Edwin Schur (1968).
7. A cultura nas organizações produtivas
Entre os diversos âmbitos de produção cultural, objecto de estudo da sociologia da cultura, devemos
recordar brevemente as simbologias, os valores e os modelos específicos de acção produzidos e
reproduzidos pelas organizações da actividade laboral.
No campo das organizações económicas (grandes, pequenas e médias em, presas, entidades
financeiras, sociedades de distribuição de bens, etc), foram-se desenvolvendo representações, modelos
ideais e ideologias de tipo específico que incidiram profundamente sobre a organização das empresas
produtivas e a sua imagem, sobre os critérios de valorização do trabalho, sobre os modos
213
de conceber a técnica, sobre as regras das relações internas nas
empresas, etc. Tais formas simbólicas constituíram, por um lado, as
bases para as representações sociais das funções produtivas, para a
legitimação do poder económico e da estrutura burocrática e, por
outro, contribuíram para definir os diferentes papéis e estatutos
profissionais, aos vários níveis das organizações produtivas,
fornecendo modelos formais e informais para o agir prático no
interior das próprias organizações.
Entre aquilo que Touraine referia como sendo a retórica das
organizações (v. cap. ih, 3.4) e o contexto cultural da mais ampla
sociedade os limites nem sempre são fáceis de distinguir: a cultura
ligada às formas de produção exerceu uma grande influência sobre o
conjunto dos recursos culturais presentes numa dada sociedade,
enquanto determinados modelos e tradições presentes no mais
amplo âmbito social inspiraram e condicionaram os modelos
relacionais específicos próprios das organizações.
Além disso, há que precisar o facto de hoje em dia não ser
possível falar de uma cultura das organizações produtivas como se
se tratasse de um único sistema coerente de modelos e valores: a
pluralidade das influências culturais, presentes nas sociedades
contemporâneas altamente diferenciadas, leva a reflectir igualmente
sobre a diversidade das formas simbólicas internas a tais
organizações.
Como é sabido, são diversos os elementos que concorrem para a
formação de uma cultura ligada às organizações produtivas e às
relações industriais: a ideia positivista do progresso ligado ao
desenvolvimento da ciência e da técnica, a incidência das teorias
utilitaristas do liberalismo económico, o primado da função
produtiva, exaltado pelo socialismo e por Marx, a afirmação da
racionalidade instrumental e dos valores da eficiência produtiva,
evidenciados por Max Weber, a centralidade assumida pelo papel do
empresário, descrita por Joseph Schumpeter (1912), são algumas
das mais importantes componentes originárias que há que manter
como pano de fundo da análise dos processos de formação da
cultura nas organizações produtivas.
Em sentido mais específico, exerceram uma notável influência sobre as primeiras formas da cultura
organizativa os elementos ideológicos contidos nas formulações da teoria da organização científica do
trabalho de Frederick Taylor (1911) e, após este, de autores como Henri Fayol (1916), Oliver Sheldon
(1923), Luther Gulick e Lyndall Urwick (1937), James Mooney e Allen Reiley (1938). Tal teoria
inspirava-se em rígidos critérios de racionalidade instrumental, considerando o trabalhador como unidade
isolada, movida unicamente por interesses de proveito pessoal. Com base nestes pressupostos, o trabalho
era analisado exclusivamente em termos de uma programação rigorosa, segundo uma lógica baseada na
eficácia produtiva, em mecanismos de controlo e em incentivos de tipo salarial.
Ulteriormente, as experiência de pesquisa de Elton Mayo, em colaboração com F. J. Roethlisberger e
W. J. Dickson (1939), dando vida à teoria das relações
214
is, etc sentaaicoe ¦entes tivas, spró
ições
nem Tceu uma mais spe
rde
:ma ites lal
ão
is:
:Clo
la
)S
>r
s
I
.' humanas, contribuíram para modificar profundamente o modo de considerar a actividade laboral nas
organizações, sublinhando a presença, a par das regras formais, de códigos de comportamento informal,
ligados à pertença ao grupo, à presença da liderança informal, relativamente aos incentivos de tipo
puramente económico, a componentes psicológicas e a ideais de solidariedade social.
A partir destas experiências iniciais, a sociologia veio a evidenciar as dimensões simbólicas presentes
nas organizações: a importância das aspirações, das expectativas e dos modelos culturais na formação de
processos organizativos latentes (cf. Jaques, 1951), a influência das formas culturais provenientes do
exterior da empresa (cf. Selznick, 1949; Gouldner, 1954), o impacto das referências de valor de tipo
sugestivo e dos processos formais e informais de comunicação (cf. Crozier, 1963; Crozier-Friedberg,
1977).
A sensibilidade à dimensão cultural teve uma influência directa também sobre a teoria económica: o
próprio conceito de interesse pôde, efectivamente, ser interpretado como produto dos processos culturais
de definição dos valores e das identidades individuais da época moderna, mais do que o conceito
utilitarista, que tendia a relacionar os interesses com a estrutura das necessidades de tipo biológico (cf.
Hirschman, 1977).
Nos anos oitenta, na Europa como nos Estados Unidos, os estudos sobre a cultura organizativa
assumiram um progressivo relevo para a análise das organizações (cf. Etzioni, 1961;Ouchi-Wilkins,
1985;Strati, 1985; 1992; Alvesson-Berg, 1992; Dobbin, 1994). Através da crítica dos modelos da
racionalidade instrumental, tais estudos inspiraram-se particularmente na teoria, de derivação
fenomenológica, da construção da realidade social (v. cap. ih, 3.2), evidenciando, entre outros aspectos,
os modos através dos quais eram construídas e institucionalizadas as leis económicas no tempo (cf.
White, 1981; Zelízer, 1988; 1994); os processos através dos quais as organizações formais prevalecem
sobre as informais (cf. Perrow, 1987; 1991); o papel dos grupos de interesse na construção das práticas e
das estratégias no interior das organizações (cf. Fligstein, 1990).
Nos últimos anos conheceram também um notável desenvolvimento os estudos sobre representações
mentais, sobre estilos cognitivos e os processos de decisão no interior das organizações, numa perspectiva
ligada à psicologia de tipo cognitivista. A teoria do comportamento organizativo de Richard Cyert e
James March (1963) abriu caminho à análise das regras que presidem às práticas utilizadas pelas
organizações, assim como dos modos através dos quais são efectuadas as escolhas organizativas,
formadas as expectativas no seio das organizações e desenvolvidos os processos de decisão (cf. Simon,
1985; Gherardi, 1985; Gherardi-Strati, 1994, p. 10 e segs.). Numerosas investigações procuraram
individualizar os mapas cognitivos, as crenças, as ideologias, os processos de racionalização e de
justificação, os processos de formação do consenso, que caracterizam a vida organizativa (cf. Manciulli-
Potestà-Ruggeri, 1986; Lanzara, 1987; Schneider-Angelmar, 1993).
275
TH
8. A cultura política
A expressão cultura política refere-se ao conjunto de
representações e com vicções, de orientações de valores, regras e
estilos de comportamento que se desenvolveram no âmbito das
relações políticas e governativas, influenciando directamente estas
últimas.
Também neste caso há que ter em conta que não se pode falar de
cultura política como de um conjunto homogéneo de significados;
além disso, encontram-se presentes, numa mesma sociedade,
diferentes subsistemas de cultura política, em função das classes,
dos grupos etários, da origem étnica, etc. Acontece também serem
reconhecíveis as influências recíprocas existentes entre as formas
culturais que mais especificamente influenciam a acção política e o
conjunto dos recursos culturais próprios de um dado contexto social.
O interesse pelas componentes sociais do mundo político tem
vindo a crescer sobretudo no século XX, a partir da constatação de
que as condições de um real respeito pelas regras da convivência
democrática e a possibilidade de uma efectiva participação política,
por parte dos membros de uma sociedade, não dependem tanto das
escolhas e dos controlos levados à prática pelas instituições que
presidem à política (constituição do Estado, formas de governo,
partidos, etc), quanto dos processos de socialização que favorecem a
observância difusa de regras da vida civil. Com efeito, como mais à
frente será referido, diversos autores utilizaram a expressão cultura
cívica para indicarem esta importante dimensão da vida política.
A partir do reconhecimento do relevo que, para a perspectiva
democrática, a ordem simbólica possui na dinâmica das relações
políticas, a sociologia tem vindo a prestar uma crescente atenção às
tradições culturais e às efectivas orientações presentes no contexto
social, por forma a explicar, para além das estruturas formais das
instituições políticas, a presença de atitudes de tipo autoritário ou
liberal, de sentimentos de conflitualidade ou de cooperação, de
comportamentos de tipo intolerante, violento ou oportunista, de
condições favoráveis à participação ou ao absentismo político, etc.
Quanto a estes aspectos, a análise sociológica ficou grandemente
enriquecida com a possibilidade de efectuar análises comparativas
tanto entre sociedades de diferentes épocas como entre sociedades
contemporâneas entre si.
Entre as várias componentes intelectuais que alimentaram a
investigação no campo da cultura política, podemos recordar
particularmente, além das grandes teorias sociológicas de Weber,
Durkheim, Pareto, Mannheim, Parsons, a crítica desenvolvida pela
Escola de Frankfurt, com Adorno, Horkheimer, Marcuse, Habermas.
Com efeito, a pesquisa desenvolvida por Adorno e outros sobre La
personalità autoritária (1950) pode ser considerada como uma das
primeiras tentativas para evidenciar, ainda que através de uma
investigação empírica, as componentes culturais e psicológicas que
se encontram na base dos fenómenos autoritários em política.
216
Tal como recorda o sociólogo americano Gabriel Almond (1983;
1992), que dedicou a maior parte da sua actividade de estudioso à
análise da cultura política, o debate sobre a real incidência das
componentes culturais na acção política trouxe à luz posições
diversas entre aqueles que, no seio da tradição de tipo marxista,
tendem a colocar a tónica sobre as estruturas, subestimando a
dimensão cultural (cf. Wiatr, 1980); aqueles que, reclamando-se da
teoria da rational choice e dos modelos do individualismo
metodológico (v. cap. ih), atribuem um relevo primordial aos
interesses materiais relativamente aos valores, às normas e às
formas cognitivas (cf. Rogowski, 1974; Popkin, 1979); aqueles que
sublinham a interdependência de dimensões institucionais e
culturais na influência sobre a acção política (cf. Barry, 1970;
Pateman, 1980); aqueles, finalmente, que defendem a estreita
ligação entre atitudes políticas e comportamento (Fagen, 1969;
Tucker, 1973; White, 1979; 1984).
Sobretudo a partir dos anos sessenta, um grande número de
investigações empíricas foi dedicado à análise das diferentes
componentes sociais que influenciavam a acção política não só nas
sociedades industriais avançadas, nas sociedades comunistas, como
também nos países em vias de desenvolvimento. Entre essas
pesquisas, salientamos particularmente: a grande análise
comparativa, desenvolvida ao longo de duas décadas por Gabriel
Almond e Sydney Verba (1963; 1980), sobre atitudes políticas e
sobre factores de transformação da cultura política nos Estados
Unidos, na Grã-Bretanha, na República Federal Alemã e na Itália;
os trabalhos de Seymour Lipset e Walter Schneider (1983) sobre a
crise das instituições políticas nos Estados Unidos; sobre cultura
cívica na Grã--Bretanha, de Dennis Kavanagh (1980) e, na
Alemanha, de Kendall Baker e outros (1981); as investigações de
Ronald Inglehart (1977; 1989), de Samuel Barnes e Max Kaase
(1979), de Robert Bellah (1985; 1991), sobre transformações dos
valores e modelos da política em relação com as mudanças das
condições sociais nas sociedades avançadas, na Europa e nos
Estados Unidos; sobre atitudes políticas nos países de regime
comunista (cf. Brown-Gray, 1977; Brown, 1984; Almond, 1983);
sobre cultura e política nos países asiáticos, de Lucian Pye (1985);
sobre convicções políticas e democracia na Grã-Bretanha e na Itália,
de R. D. Putnam (1973).
Um contributo específico para a análise geral dos usos simbólicos da política foi dado por Murray
Edelman (1976), que retoma elementos da filosofia das formas simbólicas de Ernst Cassirer e da teoria do
interaccionismo simbólico. Analisando os modos como o sistema político se serve das opiniões de senso
comum e dos efeitos concretos da acção política para as traduzir em imagens e em significados
simbólicos, Edelman observa que «as formas políticas acabam por exprimir em símbolos aquilo em que
as grandes massas têm necessidade de acreditar relativamente ao Estado para se sentirem seguras»
(Edelman, 1976, p. 65). Determinados comportamentos políticos como, por exemplo, os que são levados
à prática por ocasião das eleições não desempenham simplesmente as
277
1 suas funções manifestas de formulação das escolhas políticas, mas
constituem momentos rituais de participação, que reforçam o
sentimento de pertença e predispõem para a aceitação das decisões
do poder. Com base nestes pressupostos, Edelman analisa as
dimensões simbólicas presentes na linguagem política, no sistema
administrativo, na imagem dos líderes políticos, nas formas de
percepção por parte das massas e nos modos de recepção das
mensagens políticas. Na mesma direcção, o antropólogo David
Kertzer analisou, em particular, os aspectos rituais que contribuem
para a construção da realidade política (cf. Kertzer, 1988).
Na Itália, a atenção dos estudiosos que se interessam pela cultura
política tem sido sobretudo orientada para as relações entre
clientelismo e sistema político (cf. Graziano, 1984), para as relações
entre partidos, para as formas de participação política e para o
comportamento eleitoral, tendo em conta as diferenças dos
contextos locais (cf. Sivini, 1969; Parisi-Pasquino, 1977; Segatori,
1980; 1992; Corbetta et ai, 1987).
Notáveis contributos para o desenvolvimento de uma teoria das relações entre cultura e acção política
foram igualmente produzidos pelos estudos históricos de Lynn Hunt sobre Politica, cultura e classe nella
Rivoluzione Francese (1984), de Theda Skocpol sobre as linguagens culturais e as ideologias políticas
nas revoluções (1985), de Liah Greenfeld sobre o nacionalismo (1992), de Roger Brubaker sobre
Cittadinanza e Nazione in Francia e Germânia (1992).
Coerentemente com as linhas de investigação hoje adoptadas pela sociologia da cultura (v. cap. m,
3.2; 3.3; 3.6), a análise das relações entre cultura e política parece orientar-se actualmente para a
individualização dos canais através dos quais as instituições culturais, a linguagem e as práticas
simbólicas fornecem linguagens partilhadas para a definição de valores e a articulação de ideias no
âmbito dapolítica: em particular, evidencia-se neste processo o papel dos meios de comunicação, dos
intelectuais, dos operadores políticos e cios líderes de opinião (cf. Berezin, 1994).
218
1
V - FORMAS E MÉTODOS DA INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA SOBRE
FENÓMENOS CULTURAIS
Se a teoria, pelas razões anteriormente ilustradas (v. cap. i, 5), é um momento constitutivo do estudo
científico da cultura, este último só se pode desenvolver a partir da observação empírica dos fenómenos
envolvidos nos diversos âmbitos da produção simbólica acima considerados. Embora não sendo, no seu
conjunto, diversos dos geralmente utilizados pela investigação sociológica, os métodos de levantamento
utilizados pela sociologia da cultura apresentam algumas características específicas, relacionadas com a
natureza do objecto estudado, que tem iminentemente a ver com os significados que orientam o agir
social, sejam eles representações da realidade, valores, normas ou regras processuais, modelos ou estilos
de vida. Remetendo, por isso, para numerosos manuais que se ocupam dos métodos da investigação social
(cf. em particular Boudon-Lazarsfeld, 1965; Schwartz-Jacobs, 1979; Marradi, 1980; Bailey, 1982),
limitar-me-ei a uma breve exemplificação de alguns aspectos metodológicos que mais directamente se
debruçam sobre a análise dos fenómenos culturais.
1. O encontro entre horizontes culturais diversos
Em primeiro lugar, a observação dos processos e das instituições culturais deve estar particularmente
consciente da relação que vem a estabelecer-se entre o horizonte cultural ao qual pertence, pela sua
formação e pelo ambiente em que actua, por um lado, o investigador e, por outro, as particulares formas
culturais que orientam o agir dos indivíduos que aquele pretende estudar (v. cap. m, 3). Tal como o
evidenciou a sociologia da ciência (v. cap. ii, 10; 10.1; 10.2), a observação já não é o reflexo neutro de
uma realidade, sendo antes uma forma activa de construção da própria realidade, na medida em que, nos
confrontos com a complexidade que esta apresenta, o observador deve necessariamente proceder através
de uma selecção dos aspectos que, por qualquer razão, ele considera significativos. A identificação dos
problemas, das relações particula
279
res entre elementos, dos conteúdos, nascem tanto da sensibilidade
do investigador, com base nas experiências de vida e nas influências
sociais por ele percorridas, como das perspectivas culturais
específicas que são próprias da sua época: de facto, conforme forem
os contextos sócio-culturais e as tradições da comunidade científica
à qual pertence e consoante for a sua pessoal experiência biográfica,
assim determinados aspectos poderão revelar-se a um observador
mais relevantes que outros.
Como vimos (cap. m, 3.3), a etnometodologia sublinhou
fortemente o problema dos critérios a partir dos quais se desenvolve
uma linha interpretativa particular, mostrando como não só a
linguagem do senso comum e os modelos codificados em uso na
vida quotidiana, mas também as concretas negociações interactivas
entre sujeitos diversos, influenciam a designação com base na qual
vem identificado um particular objecto de análise (por ex.,
«suicídio», comportamento «criminoso», etc). Donde a exigência de
sujeitar previamente a crítica os instrumentos conceptuais com base
nos quais é circunscrito e analisado um determinado fenómeno.
Devido ao facto de a sociologia da cultura estar sobretudo
interessada em evidenciar os significados e os recursos culturais
utilizados na vida social, o tipo de interpretação que lhe é próprio
configura-se, como já foi dito, como o encontro entre horizontes
sociais diversos: o do observador e o dos actores sociais que são
objecto do seu estudo. Tornam-se aqui particularmente relevantes as
interpretações que da sua realidade social e do seu agir são dadas
pelos próprios actores sociais, as quais podem ou não coincidir com
as interpretações formuladas pelo observador: é a partir da troca
recíproca entre estes diversos pontos de vista que, como veremos (v.
8 do presente capítulo), devem ser avaliadas a validade e as funções
da investigação social.
E evidente que, se se tiverem presentes tais componentes, se
torna problemática a distinção entre dimensões objectivas e
subjectivas dos fenómenos estudados: por um lado, é radicalmente
posta à discussão a pretensão positivista da neutralidade da
observação e, por outro, a validade objectiva da verificação surge
como o resultado, não só da aplicação rigorosa dos métodos de
levantamento, mas também como produto de uma interacção entre
elementos diversos (o actor social, o investigador, a comunidade
científica, o contexto social, etc.)
2. Análises quantitativa e qualitativa
A distinção entre análise quantitativa e análise qualitativa é geralmente utilizada para contrapor a
abordagem de tipo positivista, a qual pretende basear-se em dados objectivos susceptíveis de mensuração,
com a de tipo hermenêutico, que sublinha o problema da compreensão qualitativa dos significados (v.
cap. iii, 3). Julgo, pelo contrário, que tal distinção não deve ser entendida como uma
220
rígida dicotomia, mas antes como um meio útil para se evidenciar
dimensões diversas, mas complementares, do estudo sociológico.
O termo quantitativo remete, em primeiro lugar, para o facto de
os fenómenos sociais o serem porquanto se referem a
comportamentos levados a acto com uma frequência estatística
relativamente alta. A palavra «relativamente» surge aqui sublinhada,
na medida em que a frequência considerada pode variar
grandemente de um ponto de vista numérico: se se consideram, por
exemplo, os comportamentos presentes num grupo, os casos
considerados poderão ser também, em sentido absoluto, em número
exíguo, ao passo que investigações levadas a efeito em sectores
globais da sociedade poderão tentar avaliar o comportamento de um
grande número de indivíduos. Todavia, a dimensão quantitativa é
sempre relevante, na medida em que, para que se possa falar de um
fenómeno social é necessário que o comportamento estudado não
seja unicamente relativo a uma escolha puramente individual, mas a
um modelo (uma tipificação, um habitus) que veio a impor-se aos
indivíduos. Ainda que o conceito de escolha puramente individual
seja completamente abstracto, a partir do momento em que cada
indivíduo também é sempre produto dos condicionamentos sociais,
um episódio de comportamento isolado não é suficiente para
configurar um fenómeno social. Para dar um exemplo, se um único
indivíduo se veste de verde, poderemos atribuir tal escolha ao seu
gosto pessoal; se, pelo contrário, um número relativamente
numeroso de pessoas começa a vestir-se de verde, poderemos pensar
na influência exercida, num dado momento, pela moda e pela
publicidade. Em consequência, procuraremos individualizar as
estruturas e os mecanismos através dos quais tal influência é
exercida e as razões que levam os actores sociais a assumirem um
comportamento idêntico.
Na análise dos fenómenos culturais, o método quantitativo de
levantamento pode também ser aplicado aos conteúdos das trocas
comunicativas (v. 5 do presente capítulo): não só poderemos
procurar valorizar estatisticamente a quantidade de um tipo de
comportamento específico no interior de uma amostragem,
relativamente a determinadas características nela presentes (idade,
sexo, grau de instrução, profissão, etc), mas poderemos também pôr
em evidência, por exemplo, quantas vezes uma determinada palavra
é utilizada numa conversa, num discurso político, num texto, numa
transmissão televisiva, ou quantas vezes surge a referência a um
determinado critério de avaliação nos documentos burocráticos
usados numa escola, num tribunal, nos relatórios da polícia, etc.
De qualquer modo, observa-se que aquilo que é definido como
quantitativo não se encontra completamente imune aos elementos
qualitativos: com efeito, como se viu, deve-se ter em conta os
processos através dos quais um dado se mostra isolado enquanto
objecto de análise, sendo tais processos já o resultado de uma
selecção, que é fruto de juízos de tipo qualitativo sobre a
importância de uma palavra, de uma referência, etc
227
A conotação qualitativa da pesquisa encontra-se ligada
sobretudo à exigência de compreender os significados efectivamente
vividos e os conteúdos comunicados: neste caso, embora a partir da
constatação da relativa frequência de um comportamento, trata-se de
o interpretar e avaliar com base na intencionalidade dos actores
sociais e nas influências a que estão submetidos, individualizando os
particulares processos que, relativamente a valores, modelos ou
regras, contribuem, na situação específica, para a construção de uma
determinada realidade social.
Com base nestas considerações, deve-se reconhecer que nem se
faz uma análise puramente quantitativa, porquanto não só é
necessário serem escolhidos previamente os critérios de selecção e
definição dos fenómenos que surgirão depois traduzidos em dados
numéricos, mas, além disso, tais dados, uma vez obtidos, serão
elaborados e interpretados com base em critérios de tipo qualitativo,
a partir das hipóteses anteriormente formuladas; nem se faz uma
análise puramente qualitativa, visto que as interpretações de tipo
«abrangente» não prescindem, na realidade, da percepção da
frequência estatística dos aspectos postos em observação. Os dois
tipos de análise mostram-se assim complementares.
Igualmente complementares surgem, com base nestas premissas,
a dimensão de explicação, tradicionalmente atribuída à capacidade
de identificação das relações de causa-efeito, e a de compreensão,
que é geralmente atribuída à capacidade de reviver empaticamente
as vivências subjectivas (v. cap. ii, 2). Como noutras ocasiões
pudemos realçar, ao longo da nossa análise das diferentes teorias
sociológicas, não é possível estabelecer uma relação causal unilinear
entre determinados factores e determinados comportamentos,
quando as diversas componentes estruturais e subjectivas se
apresentam numa relação de circularidade e interdependência
recíprocas. Neste contexto, não são dadas explicações independentes
da capacidade de elaboração dos significados vividos, na medida em
que a compreensão de tais significados não pode prescindir da
consideração dos condicionamentos materiais e estruturais no
interior dos quais estes encontram expressão.
Com base nestas considerações gerais, podemos agora tentar encontrar as características de alguns
métodos através dos quais se veio a desenvolver a investigação no campo específico da sociologia da
cultura.
3. As representações sociais
Como já vimos (v. cap. m, 3.2; 3.3; 3.4; 3.5; 3.6), um importante elemento constitutivo dos processos de
construção da realidade social consiste nas imagens simbólicas, nas convicções e nas definições que os
indivíduos partilham relativamente às suas posições sociais, ao seu grupo ou à sua sociedade de per
222
ígen-s co-iade ício-dua-i relada
ima Ihi•gima
po na
e» ce
I I tença. Conhecer tais representações sociais é, assim, essencial para explicarcompreender as dinâmicas em
acto num dado contexto social.
Foi a psicologia social que, sobretudo, desenvolveu as técnicas orientadas para evidenciar tais
representações, nos termos das formas cognitivas, dos estereótipos, do senso comum, das opiniões, dos
critérios de referência, nos quais participam os actores sociais.
A função desenvolvida pelas representações sociais foi indicada por Serge Moscovici, distinguindo
duas modalidade: em primeiro lugar, as representações convencionalizam os objectos, as pessoas e os
acontecimentos, fornecendo-lhes uma definição precisa e referindo-os a uma categoria; em segundo lugar,
as representações possuem uma função prescritiva, na medida em que elas se impõem com grande força
aos indivíduos, ainda antes que estes comecem a reflectir, estabelecendo tradições que fixam aquilo que
eles devem pensar (cf. Farr-Moscovici, 1984, p. 27 e segs.).
O conjunto das pesquisas relativas às representações sociais desenvolveu-se sobretudo através de
experiências feitas em laboratório, nas quais pequenos grupos diferenciados de pessoas eram colocadas
perante questões ou situações artificialmente construídas, a fim de se evidenciar os processos através dos
quais os indivíduos definem a sua posição nos confrontos com os outros ou com as circunstâncias com
que se deparam.
Willem Doise distinguiu quatro níveis principais de análise que caracterizam tais pesquisas: a) o
estudo dos processos psicológicos ou interindividuais que se supõe explicarem o modo como o indivíduo
organiza a sua experiência no ambiente social. Tal estudo é desenvolvido sobretudo através da análise dos
processos mediante os quais são elaboradas informações complexas e mecanismos que permitem ao
indivíduo manter um equilíbrio cognitivo; b) o estudo dos processos interindividuais e intra-situacionais,
através de experiências que, usando matrizes de jogo, tendem a evidenciar os modos como os indivíduos
atribuem a outros certas características; c) a análise da influência das diferenças de posição ou de estatuto
social sobre variações nas interacções situacionais, com particular referência para o problema da
identidade e das relações de poder; d) a análise das concepções gerais das relações sociais que os
indivíduos exprimem nas situações experimentais, com a finalidade de se evidenciar o modo como as
«convicções ideológicas universalizadas» influenciam representações e comportamentos diferenciados e
de tipo discriminatório (cf. Doise, 1984).
Se o carácter experimental das investigações efectuadas a estes diversos níveis leva a resultados cuja
generalização, sob certos aspectos, se mostra problemática, dever-se-á reconhecer, em compensação, que
os levantamentos assim efectuados permitem individualizar em profundidade alguns mecanismos
psicológicos, fornecendo indicações para ulteriores verificações em mais amplos contextos sociais.
223
I
4. As «histórias de vida»
I
Um sector da pesquisa que nos últimos anos conheceu um
notável desenvolvimento é representado pela análise qualitativa das
histórias de vida, ou seja, narrações apresentadas pelos actores
sociais relativamente ao seu percurso biográfico, com referência às
circunstâncias histórico-sociais que o caracterizaram (cf.Revelli,
1966; 1977; Bertaux, 1981;Ferrarotti, 1981;Cipriani, 1987; Corradi,
1988; Passerini, 1988).
As pesquisas sociológicas sobre histórias de vida são, na
generalidade, conduzidas por uma amostragem de pessoas
previamente definida, através de entrevistas livres ou pedindo-lhes
para apresentarem um relato escrito, o mais pormenorizado
possível, acerca das suas próprias experiências de vida, ou ainda
através de uma combinação entre ambos os instrumentos. Os textos
registados nas entrevistas ou relatos escritos são sucessivamente
submetidos a uma análise de conteúdo (v. 5 do presente capítulo),
segundo umagrelha interpretativa pré-definida pelo investigador, a
qual, individualizando as unidades de análise consideradas
significativas, permite evidenciar tanto os aspectos comuns como as
dimensões ligadas à singularidade da experiência individual. As
histórias de vida podem igualmente ser reconstruídas com base nos
relatos fornecidos por amigos ou conhecidos e por documentos
relativos à vida de um indivíduo, como no caso em que se procura
compreender as razões que podem ter conduzido uma ou mais
pessoas ao suicídio (cf. Cavan, 1928).
Howard Shwartz e Jerry Jacobs indicam duas modalidades
fundamentais geralmente usadas na interpretação das histórias de
vida: a orientação nomo tética, segundo a qual se procura obter
generalizações teóricas que possam ser aplicadas a um número
consistente de indivíduos, trazendo das experiências particulares os
elementos comuns que se revelam estatisticamente frequentes; a
orientação ideográfica, que se interessa pela vida dos indivíduos
singulares, colocando em segundo plano a consideração da
frequência de elementos comuns e sublinhando, pelo contrário, as
particularidades próprias da esfera individual. Neste caso, salienta-
se que o comportamento do indivíduo pode não só ser considerado
como representativo de um grupo, mas também como o produto de
uma unidade independente, da qual, todavia, se obtêm
generalizações úteis para a compreensão das dinâmicas de relação
social (cf. Schwartz-Jacobs, 1979, p. 102).
Obviamente que no âmbito das histórias de vida, podendo o elemento quantitativo deter uma função
própria, prevalece sobretudo a análise de tipo qualitativo, na medida em que está orientada para a
compreensão, por parte do observador, de vivências subjectivas, devendo este, ao mesmo tempo,
conservar a distância, o que lhe permite manter a referência aos critérios que orientam a sua
investigação, e colocar-se no lugar do outro. Tal experiência é análoga à que é geralmente feita pelo
antropólogo cultural quando tenta compreender as formas de vida de sociedades profundamente
diferentes daquela a que pertence.
224
A veracidade dos relatos dos actores sociais não pode ser
considerada como um dado adquirido e, em cada caso, tratar-se-á
sempre de narrativas fortemente influenciadas pelo ponto de vista
do próprio indivíduo, mas também as reticências, distorções e
omissões presentes podem ser indicativas das regras ou dos valores
sociais das quais o indivíduo participa.
Se o método de levantamento através das histórias se mostra
particularmente dependente das percepções subjectivas, tanto do
narrador como do observador, tal constitui indubitavelmente uma
fonte directa de informações, que podem ser de grande importância
para o estudo empírico da relação entre indivíduo e sociedade e
relativamente aos mecanismos através dos quais operam os modelos
culturais. Tais indicações poderão, de resto, ser comparadas com
ulteriores verificações através do método de levantamento.
5. As análises de conteúdo
O estudo das formas culturais não pode prescindir da utilização
dos diversos documentos escritos (textos literários, artigos, textos
legais, relatórios policiais, manifestos, etc.) ou dos registos
audiovisuais (entrevistas, filmes, programas de televisão, etc.) que
constituem uma preciosa fonte de dados sobre as representações, os
valores e os modelos culturais.
Provavelmente, o trabalho mais notável baseado sobre uma
pesquisa de tipo documental é o publicado, nos anos 1918-1920, por
William T. Thomas e Florian Znaniecki sobre II contadino polacco
in Europa e in America. Se, sob certos aspectos, tal trabalho pode
ainda ser considerado como uma recolha de histórias de vida, do
ponto de vista metodológico o seu interesse encontra-se sobretudo
no facto de constituir um dos primeiros exemplos de análise de
conteúdo (cf.Corradi, 1988).
Os dados deste trabalho eram constituídos por um grande
número de cartas trocadas entre os emigrantes polacos nos Estados
Unidos e os seus parentes que permaneciam na Polónia. Analisando
o conteúdo e o estilo dessa correspondência, os autores do trabalho
puderam subdividir as cartas segundo uma tipologia que
evidenciava as diversas formas codificadas utilizadas, distinguindo
cinco subtipos no interior das características gerais de «cartas de
saudações»: cartas rituais, escritas por ocasião de bodas ou funerais,
ou seja, de cerimónias que requeriam a presença de toda a família;
cartas de informação sobre a vida do ausente; cartas sentimentais,
com o objectivo de reforçar a coesão da família; cartas literárias, a
maioria das quais escritas em verso; cartas de negócios. Assim, o
material recolhido permitia pôr em evidência determinados
esquemas codificados de comunicação.
Além disso, da rica documentação considerada emergiam as particulares orientações culturais e os
valores de referência de uma categoria de pessoas no
225
seu conjunto, mostrando a grande importância que para elas tinham
os significados ligados à dimensão familiar. A investigação permitia
igualmente observar a conflitualidade vivida pelos imigrados,
divididos entre os valores tradicionais do seu mundo de origem e os
novos valores da sociedade americana.
A partir desta experiência de pesquisa, Thomas e Znaniecki
desenvolveram uma série de considerações teóricas acerca da
relação entre indivíduo e sociedade, sublinhando, em particular, a
importância que assume adefinição da situação, enquanto premissa
necessária a qualquer tipo de escolha voluntária. A partir do
momento em que o indivíduo se encontra sempre perante uma série
de possibilidades, uma acção determinada pode ser decidida
simplesmente com base numa avaliação e selecção que permitem
escolher uma possibilidade com a exclusão das outras, assumindo
uma atitude predominante (cf. Thomas-Znaniecki, 1918-20, i,p. 68).
A partir do levantamento dos processos de determinação da
situação, Thomas formulará em seguida o notável princípio segundo
o qual «se os homens definem as situações como reais, estas são
reais nas suas consequências» (Blumer, 1939, p. 85).
Posto que o método seguido na investigação sobre o camponês
polaco é sobretudo qualitativo e tipológico, procurou-se
ulteriormente levar a análise de conteúdo para esquemas de tipo
mais rigidamente qualitativo, sublinhando o seu carácter técnico
orientado para a identificação, de modo sistemático e objectivo, de
determinadas características presentes num texto escrito, num filme
ou num programa de televisão (cf. Berelson, 1954; Stone- Dunphy-
Smith-Ogilvy, 1966, p. 5).
Com base nos objectivos da investigação, é predeterminada a
grelha interpretativa, que individualiza as categorias com base nas
quais o texto deve ser analisado (imagens, definições de papel,
critérios de avaliação estética ou moral, etc). Temos assim definidas
não só as unidades de análise (simples palavras, frases, temas,
personagens, géneros ou estilos do texto, etc), mas também o
carácter do contexto no qual tais unidades são utilizadas.
Finalmente, é previsto um esquema de codificação que permita
traduzir os dados obtidos em frequência numérica e, eventualmente,
articular uma tipologia. Além disso, os conteúdos analisados
deverão ser relacionados no interior das mais amplas estruturas de
significado da sociedade em que foram formulados, tendo em conta
não só os diversos sistemas de significado, como também os
processos de recepção que, como já foi dito (v. cap. iv, 5.2), são
parte activa na produção dos próprios significados (cf. McQuail,
1994, p. 235 e segs.).
Assim, também neste caso se encontra uma ligação entre as dimensões de tipo estatístico-quantitativo,
baseadas na descrição «objectiva» do texto e as dimensões de tipo qualitativo, relacionadas não só com a
escolha das categorias e das unidades de análise, mas também com as interpretações necessariamente
«subjectivas» dos dados assim obtidos.
226
A análise de conteúdo é, além do mais, particularmente útil não
só para se estabelecer uma comparação entre concepções culturais
diversas ao longo do tempo, como também para encontrar as
variações que determinadas temáticas podem sofrer, conforme o
meio técnico de comunicação utilizado: constitui, por conseguinte,
um método bastante eficaz também para as investigações efectuadas
no campo da sociologia do conhecimento.
6. A análise da conversação
A análise de conteúdo é somente uma das possibilidades de
observação dos processos comunicativos, relativamente aos quais
também encontram aplicação outros métodos de pesquisa mais
directos, orientados para alcançar, no interior das interacções
gestuais e verbais da vida de todos os dias, o estilo das relações, as
regras conscientes e inconscientes, as definições de papel que
presidem à dinâmica das relações sociais.
Sobretudo em consequência do relevo assumido pela análise da
linguagem (v. cap. m, 3; cap. iv, 1) e da influência da teoria de
Goffman e das etnometodologias, onde se destacam particularmente
Harold Garfinkel, Harvey Sacks, Emmanuel Schlegoff (v. cap. n,
3.1; 3.3), e também da teoria pragmática da comunicação (v. cap. m,
5.1), vieram recentemente a desenvolver-se, na sociologia e na
psicologia social, diversos métodos de análise das conversações (cf.
Grice, 1957; Sacks-Schlegoff, 1974; Sbisà, 1978; Bange, 1983;
Levinson, 1983; Jacques, 1986; Trognon, 1986; Kerbrat Orecchioni,
1990; Galimberti, 1992).
A conversação pode ser definida da maneira mais simples como
«uma actividade social cujos participantes produzem alternadamente
ruídos» (Schwartz- -Jacobs, 1979, p. 375). Tal como o demonstrou
Goffman, a conversação, todavia, desenvolve-se segundo regras
socialmente organizadas, não só em termos de quem fala, a quem e
em que língua, mas também como um encontro saído de um
verdadeiro ritual, que estabelece quando é oportuno tomar a palavra
ou é melhor fazer silêncio, de que modo se manifesta atenção para
com quem fala, como evitar a ocorrência de interrupções que
possam ser embaraçosas, como garantir que não venham a faltar
argumentos inofensivos que mantenham a própria conversação, etc.
(cf. Goffman, 1967; 1971; 1981). Goffman mostrou igualmente
como, na troca comunicativa, tanto o papel do receptor como o do
emissor são decomponíveis de diversas maneiras: o destinatário da
conversação é aquele a quem o falante se dirige especificamente e
que, além disso, tem o direito de réplica; mas também os ouvintes
desempenham um papel, o que faz com que possam ocorrer
diferentes formas de recepção e de participação na conversação (cf.
Mizzau, 1994).
Através da troca linguística que ocorre em todos os contextos de
vida, nas condições e modos mais diversos, são continuamente
transmitidos significados
227
que, em parte, constituem o resultado de codificações socialmente
determinadas, mas que podem também dar lugar a inovações, tanto
das palavras como dos conteúdos transmitidos. Assim, por um lado,
a conversação surge como um poderoso meio de socialização e de
transmissão dos modelos culturais e das regras e, por outro, é
também o lugar no qual encontra expressão a dimensão activa da
produção de novos significados e de novas regras.
Além disso, a conversação espontânea ou «natural» possui
frequentemente uma função de tranquilização e consolidação do
consenso sobre a definição das situações, além do que pode
desenvolver, como acontece, por exemplo, nas diversas
organizações produtivas e administrativas, uma função integradora
de informação e regulação, sempre que as estruturas institucionais
apresentam carências relativamente aos processos de comunicação.
Embora a conversação natural possa ser, na maior parte das
vezes, considerada como um jogo baseado em regras que não
especificam lugares ou circunstâncias particulares em que possa ser
jogado, é possível individualizar alguns níveis de análise: o sistema
da tomada de vez, ou seja, as regras que determinam quem tomará a
palavra e quando; as formas da organização recursiva, que
determinam como ouvir e como produzir os enunciados actuais; as
estruturas da organização global, que prevêem a subdivisão do
discurso em secções (início, termo, sucessão dos argumentos, etc);
as estruturas internas do enunciado, considerado como uma
unidade, por sua vez articulada em partes; a estrutura
interconversacional, que regula a ligação entre conversações
completas (cf. Schwartz-Jacobs, 1979, p. 377).
Para analisar as trocas conversacionais pode-se recorrer a
gravações, tendo o cuidado de se ter em conta o contexto no qual se
verifica a troca. Também neste caso, tendo precisado o objectivo da
pesquisa, poder-se-á proceder através da definição de uma grelha de
levantamento, individualizando categorias, tipos de interacção,
ritmos e desenvolvimento do processo comunicativo, etc, segundo o
método de análise de conteúdo. Poder-se-á, assim, alcançar os
mecanismos mediante os quais se estabelecem as relações de
simetria ou de complementaridade (v. cap. iv, 5.1), as atribuições de
papel, as definições das identidades, a produção do consenso ou das
relações conflituais, etc.
Uma abordagem integrada entre dimensões teóricas e questões metodológicas foi proposta, por
exemplo, por Alain Trognon e seus colaboradores do Groupe de Recherche sur la Communication da
Universidade de Nancy, que elaboraram um modelo com o objectivo de estabelecerem uma tipologia das
conversações e dos géneros conversacionais. Tal modelo atribui à conversação a função de tornar dizível
o sentido das enunciações e estuda as componentes principais da conversação e as suas relações,
constituindo a base para a observação e a experimentação da conversação, tanto no que se refere aos
«princípios e propriedades dos mecanismos cognitivos pressupostos pela concatenação conversa-cional»,
como relativamente aos «outputs do funcionamento conversacional,
228
expressos em termos de normas, conhecimentos, esquemas de
raciocínio ou estruturas de grupo ou organizativas» (Galimberti,
1992, p. 74).
Os diversos métodos utilizados para a análise conversacional
podem também ser aplicados a formas de troca comunicativa no
interior de contextos mais definidos que os da conversação natural,
como, por exemplo, nos casos das trocas comunicativas que
ocorrem no decurso da sessão de psicanálise, entre o analista e o
paciente, dos que são próprios dos grupos de terapia familiar, nas
relações entre professores e alunos, ou em âmbito jurídico-legal (cf.
Viaro, 1992; Selleri, 1994a; 1994b).
7. Técnicas reactivas e não-reactivas
Um grande número de pesquisas no campo da sociologia da
cultura é dedicado à análise dos processos através dos quais são
produzidas as formas culturais: formas de socialização e de
formação, processos de construção da realidade social, relação entre
estilos de vida, gostos culturais e classes sociais, influência dos
meios de comunicação de massas, modalidades da recepção das
mensagens, papel das instituições e dos operadores culturais, relação
entre direito e estruturas sociais, modelos culturais da vida política e
das organizações, etc.
Os diversos métodos usados em tais pesquisas podem ser
distinguidos, no seu conjunto, entre técnicas de levantamento não-
reactivas e reactivas, entre métodos de observação não-participante
e participante (cf. Schwartz-Jacobs, 1979, p. 110 e segs.).
As formas não-reactivas de análise integram todos os
levantamentos que procuram limitar ao máximo a sua influência
sobre os fenómenos estudados. Neste caso, o observador não
participa nas interacções dos indivíduos objectos do seu estudo, mas
limita-se a registar o seu comportamento (comunicações gestuais ou
verbais, formas da conversação, dinâmicas de grupo, preferências
nos consumos, escolhas eleitorais, etc.) ou as suas respostas aos
pedidos da entrevista, colocando em relação os resultados obtidos
com os dados objectivos relativamente às características da amostra
sob observação (idade, sexo, profissão, preferências nos consumos,
etc), ou analisando o conteúdo de determinados documentos, as
características do ambiente, etc. Embora não se possa excluir, em
absoluto, que a simples presença do observador pode modificar os
processos interactivos e as atitudes dos actores, a estratégia da
pesquisa não-reactiva é orientada, como se disse, no sentido de
reduzir ao mínimo os efeitos da presença do investigador.
As técnicas reactivas, pelo contrário, prevêem a observação
participante, ou seja, a intervenção activa do observador na
dinâmica das relações objecto de estudo, através da produção de
estímulos, da criação de situações, da participação na vida de grupo,
etc.
229
Um exemplo de pesquisa baseada em técnicas prioritariamente
não-reactivas é a famosa investigação efectuada por Bourdieu em
1963, com vista à medição das atitudes e preferências culturais
relativamente à classe social e ao estilo de vida (cf. cap. m, 3.5).
Além de uma série de dados relativos à idade, sexo, situação
familiar, lugar de residência, habilitações académicas, profissão,
rendimento, pessoas que formavam a amostra, e a uma ficha de
levantamento, compilada pelo entrevistador relativamente ao tipo de
habitação, de decoração, de vestuário, de penteado, de modos de
falar, a investigação utilizou um questionário predominantemente
direccionado para as preferências dos entrevistados quanto aos
produtos culturais (mobiliário, vestuário, hábitos alimentares, livros,
filmes, obras de arte, música etc). A aplicação do questionário,
estruturado com base em perguntas de resposta fechada, ou seja,
com possibilidade de escolha entre várias respostas sugeridas no
próprio questionário, era feita por forma a reduzir ao mínimo a
presença do entrevistador, que mantinha uma atitude anónima,
abstendo-se de exprimir juízos ou preferências (cf. Bourdieu, 1979,
p. 505 e segs.)
Pelo contrário, encontramos exemplos de técnica reactiva em
numerosas investigações efectuadas pelas etnometodologias (v. cap.
m, 3.3), destinadas a pôr em evidência as regras latentes que
presidem às relações de senso comum na vida quotidiana. Com esse
objectivo, os investigadores tinham-se preparado para levar à prática
comportamentos inesperados, ou até mesmo para porem em questão
os esquemas codificados das relações, como, por exemplo: não
observar a distância física que geralmente é respeitada entre as
pessoas, reagir às formas habituais de saudação como se estas lhes
fossem incompreensíveis, adoptar atitudes estranhas no interior dos
seus ambientes familiares, etc. (cf. Garfinkel, 1967; Turner, 1974).
O mal-estar e a desorientação provocados por tais intervenções
tinham exactamente a função de fazer ressaltar como as relações
mais habituais se encontram baseadas em modelos culturais dados
como adquiridos, que desempenham uma função de definição das
situações e de tranquilidade relativamente à identidade ou aos papéis
das pessoas. Assim se evidenciam os métodos constantemente
aplicados pelos actores sociais com o objectivo de tornar as
actividades quotidianas «evidentemente-racionais-e-referenciáveis-
a- -todos-os-efeitos-práticos, ou seja, imputáveis enquanto
organizações de actividades quotidianas ordinárias» (Garfinkel,
1967, vn).
Assim fica demonstrado como a realidade objectiva dos factos sociais é, com efeito, o resultado das
actividades concertadas dos actores sociais com base em modelos culturais partilhados.
Também neste caso, os métodos de investigação reactivos e não-reactivos, participantes e não-
participantes surgem como complementares entre si, no sentido de que a escolha de um ou outro tipo de
método é sugerida exclusivamente pelas características do fenómeno objecto de estudo e dos objectivos
da investigação. Com efeito, ambos os métodos apresentam vantagens e limitações: em
I
230
geral, as técnicas não-reactivas permitem particularmente as
avaliações de tipo quantitativo relativamente a amostragens mais
extensas, mas apresentam um menor grau de profundidade na
análise das diversas atitudes, enquanto as técnicas reactivas
permitem maiores possibilidades de aprofundamento e surgem
particularmente orientadas para avaliações de tipo qualitativo
relativamente a realidades mais circunscritas, nas quais emergem
com maior evidência as particularidades das diferentes atitudes
subjectivas.
8. Validade e funções da investigação social
A validade dos resultados da investigação social não pode ser
avaliada da mesma maneira que as ciências de tipo físico-naturais;
em primeiro lugar, devido ao facto de as unidades de análise no
campo das ciências físicas serem «largamente irrelevantes» (um
átomo de azoto comporta-se sempre do mesmo modo em todos os
tempos e em todos os países), ao passo que as unidades de análise
tomadas em consideração pelas ciências sociais (indivíduos,
famílias, grupos, organizações, etc.) variam grandemente de uma
para outra, segundo o tempo e o espaço, e são escassamente
representativas do universo (cf. Marradi, 1980, p. 99). Ainda que a
prática da amostragem constitua uma efectiva possibilidade de
desenvolvimento da investigação sociológica, há que ter presente
que, mesmo no melhor dos casos, a representatividade da amostra é
limitada ao contexto considerado e não pode ser aleatoriamente
alargada a outros contextos sociais. Em segundo lugar, a dificuldade
relativa à capacidade de generalização dos resultados obtidos deriva
do facto de, nas ciências sociais, o grau de acordo da comunidade
científica na definição, tanto no plano lexical como no operatório,
ser geralmente muito reduzido, o que torna problemáticas as
classificações e as comparações entre situações sócio-culturais
diversas (ibid., pp. 100-101). Finalmente, a maior diferença entre a
investigação sobre fenómenos naturais e sobre fenómenos sociais é
dada pela circunstância de, como acima recordámos (v. 1 do
presente capítulo), as unidades objecto de análise na investigação
social, sendo indivíduos dotados de capacidade auto-reflexiva,
darem elas próprias uma interpretação da sua situação.
Tendo em conta o seu carácter complexo e as suas limitações, a
função da investigação social configura-se não tanto como puro
registo de regularidades empíricas quanto como uma intervenção na
realidade estudada, orientada para promover nos actores sociais um
aumento da sua consciência crítica e da sua capacidade de gestão
das contradições presentes nas situações sociais. Sobretudo no
campo da sociologia da cultura, a investigação assume assim um
carácter iminentemente hermenêutico, pela sua condição de
encontro e troca comunicativa entre pontos de vista e experiências
diversas dos cientistas sociais entre si, e entre estes e os
protagonistas dos processos sociais estu
2J7
dados (v. cap. m, 3). Com efeito, o sociólogo não se limita a registar
os problemas já apreendidos pelos membros da sociedade e a
procurar por si soluções práticas, ele também descobre e levanta
novos problemas, aumentando, em certos aspectos, a complexidade
da situação social: todavia, promove igualmente a capacidade de
lhes fazer frente, graças a uma mais profunda consciência da própria
realidade social.
Assim, a validade da investigação não pode ser unicamente
relacionada com critérios formais de rigor científico, segundo
paradigmas intersubjectivamente codificados, mas deve também ter
como referência a utilidade prática dos seus resultados. Tal utilidade
é valorizada com base no consenso relativamente aos valores que
pretendemos promover e às finalidades que nos propomos atingir na
situação social concreta (cf. Crespi, 1994a, pp. 297-298). Assim, os
particulares critérios que fundamentam a validade da investigação
social confirmam que a sociologia da cultura, como já tivemos
ocasião de salientar, constitui uma componente activa de
transformação da própria cultura.
252
VI - CULTURA E MUDANÇA SOCIAL
A reflexão até aqui efectuada sobre diversos aspectos da relação entre cultura e sociedade pôs em
evidência que tanto a ordem simbólica como as estruturas sociais se encontram em constante
transformação, e que os processos de mudança, que caracterizam um ou outro nível, são interdependentes
entre si. Tal como indicou Archer (v. cap. m, 3.8), umas vezes são as transformações das expressões
culturais que precedem as do contexto social e, outras vezes, são estas a provocar uma readaptação das
primeiras, enquanto, noutros casos, ambos os níveis atravessam fases de mudança, que podem actuar
segundo direcções convergentes ou divergentes, dando lugar a dinâmicas sociais muito diversas entre si.
Num momento histórico caracterizado, tal como o que estamos atravessando, por profundas mudanças
sociais e culturais, impõe-se um aprofundamento das categorias conceptuais que permitam interpretar os
processos em curso e compreender o alcance dos problemas que a sociologia deve hoje enfrentar,
assumindo ela mesma a exigência de, por seu turno, renovar os próprios paradigmas teóricos e os próprios
métodos de observação empírica, a fim de os tornar mais adequados às interrogações concretas que vão
surgindo.
Na economia do presente trabalho, não é certamente possível debruçarmo-nos, de modo exaustivo,
sobre problemas tão complexos, e, assim de limitar-me-ei a indicar tão-só alguns aspectos teóricos gerais
e algumas linhas interpretativas das mudanças culturais em curso.
1. Aspectos teóricos da mudança cultural e dimensão da criatividade
Na origem da mudança cultural estão as características de fundo, desde o início aqui recordadas (v.
cap. i, 3), da mediação simbólica enquanto, simultaneamente, suporte necessário da sociabilidade e forma
de redução da complexidade. Como se viu, a distinção entre sentido e significado sublinha, por um
233
lado, a incomensurabilidade do sentido e, por outro, o carácter
determinado dos significados que, de vez em quando, permite
ordenar as representações da realidade e fundamentar a condição
essencial da previsibilidade social.
A cultura cumpre a sua função primordial na medida em que se
articula em formas de resolução que, como tais, são o resultado de
uma absolutização de significados na realidade sempre parciais.
Como a acção e a experiência vivida dos actores sociais possuem a
sua raiz no sentido e participam assim do seu carácter não
objectivável, estas deixam de coincidir imediatamente com os
significados, os quais, constituindo embora objectivações
necessárias, permanecem sempre, enquanto tais, relativamente
inadequados nos confrontos da complexidade do agir. E tal
inadequação original que explica a exigência de contínuas
readaptações das formas de mediação simbólica.
As mudanças concretas no sistema dos significados culturais
estão ligadas, por um lado, ao facto de poderem mudar as condições
materiais externas do agir, quer devido a fenómenos naturais (por
ex., mudanças climáticas, do território, etc), quer devido aos efeitos
do próprio agir sob determinadas condições (novas tecnologias,
aparecimento de novos recursos, etc); por outro lado, o facto de a
acumulação cultural da experiência colectiva, ou seja, a memória
colectiva e a reflexão sobre esta, na medida em que permitem
aprender a partir da experiência, através do reconhecimento dos
erros e da sua correcção, são, por si mesmas, um factor de
transformação.
Assim, as mudanças das formas naturais nascem não só da
exigência de adaptação das mediações simbólicas a novas condições
exteriores, mas podem também ser o resultado de uma criatividade
que, emergindo no interior da cultura, produz, por si só, efeitos de
mudança.
Deste modo se evidencia a interdependência entre agir social e
cultura, isto é, o facto de nenhuma destas duas dimensões poder ser
considerada como determinante da outra, mas antes, na
circularidade das suas relações recíprocas, cada uma poder ser
considerada, ao mesmo tempo como causa e efeito da outra.
Por outro lado, a análise dos processos de transformação das
formas culturais deve ter em conta o carácter, já várias vezes
sublinhado, da pluralidade de tais formas, ou seja, da possibilidade
de formas culturais diversas, embora opostas entre si, se
encontrarem simultaneamente presentes num mesmo contexto
social. Embora determinadas formas culturais possam ser a
expressão da experiência social de novas camadas sociais
emergentes, tal como de novos movimentos de pensamento
filosófico ou científico ligados a processos cognitivos específicos
que inovam relativamente ao passado, outras formas culturais,
ligadas às tradições, podem, pelo contrário, continuar a existir,
enquanto expressão de componentes mais estáveis da sociedade. O
conflito entre estas diferentes formas pode terminar de diversas
maneiras: ou as formas «progressistas» prevalecem sobre as
tradicionais, ou estas sobre as primeiras, ainda que processos de
recíproca adaptação ocorram em ambas.
234
ido dos da rea
jlaem
:ão de /ivída o seu ssigíane-:om-nuas
das,
» do
:rriões
i, o
•ria
tir
ío,
le m 1
)
I
Por exemplo, a queda do regime soviético, no fim dos anos oitenta, colocou em grande evidência, nas
diferentes sociedades sujeitas ao jugo de tal regime, a persistência de tradições culturais de tipo religioso,
étnico, nacionalista, que durante longo tempo haviam permanecido em estado latente. Muitas décadas de
insistente propaganda ideológica, de feroz controlo da liberdade de opinião e de expressão, e também de
activação dos processos de socialização, por parte de um aparelho estatal centralizado, em confronto ao
longo de várias gerações, não puderam eliminar a influência das antigas tradições culturais ligadas aos
contextos familiares e aos diversos grupos sociais, que parecem ter mantido intacta a sua força, dando
lugar, como hoje vemos, a conflitos por vezes altamente destrutivos.
A complexidade das inter-relações presentes nos processos de mudança social e cultura] não permite a
adopção de esquemas unívocos para a interpretação de tais processos: em princípio, não existem factores
causais determinantes, nem andamentos ou êxitos em processos facilmente previsíveis mas, por vezes, há
que analisar, nas situações históricas concretas, as efectivas componentes em jogo e as suas relações
específicas.
Um esquema para a compreensão dos processos de transformação no conhecimento científico é
aquele, já recordado, proposto por Thomas Kuhn, baseado na alternância entre ciência normal e ciência
revolucionária. Os paradigmas consolidados da ciência normal, aceites por uma particular comunidade de
cientistas, são postos em discussão quando o acumular de uma série de anomalias, que não encontram
explicação no paradigma constituído, provoca a formulação de novos paradigmas, que não se encontram
necessariamente em linha de continuidade com os presentes, nem necessariamente em oposição a eles.
Tal esquema, que corresponde, pelo menos em parte, ao que acima vem referido como causa geral das
transformações culturais, poderia, por analogia, ser também aplicado a mudanças culturais noutros
sectores; todavia, foi observado que tal não esclarece suficientemente as circunstâncias com base nas
quais as anomalias não só são tidas em conta, como também suprimidas (cf. Heirich, 1976, p. 29).
Colocando o problema das situações nas quais se verificam efectivas fracturas entre a ordem simbólica
estabelecida e uma nova ordem, Max Heirich propõe, efectivamente, que se considerem duas
eventualidades. Na primeira, um novo esquema de referência pode emergir quando um grande número de
pessoas começa, de modo suficientemente contínuo, a fazer experiências que contrariam os modelos
culturais geralmente usados, obrigando a procurar outros para que se possa compreender os novos
eventos. Na segunda, pode tornar-se necessário um reexame das perspectivas de organização simbólica,
quando efeitos não desejados se mostram iminentes e inevitáveis ou se se continua a interpretar a
realidade segundo os velhos modelos (ibid., p. 30).
Heirich sublinha igualmente a função que, na mudança cultural, podem desempenhar instituições que
controlam o mercado dos produtos culturais, como
235
as academias artísticas, as organizações religiosas ou a indústria
cultural. Por vezes a produção cultural normal pode «usar novas
formas de promoção do mercado, que transformam o carácter
daquilo que é produzido. As fracturas de continuidade das ordens
simbólicas estabelecidas podem provocar verdadeiras revoluções
culturais, que interessam à maioria dos membros de uma sociedade,
ou então simplesmente dar lugar a comportamentos desviantes,
relativamente à ordem cultural estabelecida, por parte de grupos
específicos, sem que a maioria seja envolvida (ibid., p. 38).
As hipóteses de Heirich podem ser úteis para interpretar
determinadas situações de mudança, mas não consideram os casos
em que esta pode ser provocada pelo aparecimento, no interior de
um determinado sistema de significados, de dimensões
propriamente criativas. O conceito de criatividade mostra-se
problemático na teoria da acção. Antes de tudo, há que precisar que
tal conceito deve ser sempre entendido de um modo relativo: se a
acção observável é simbolicamente mediata, não é possível alcançar
a acção na sua relação directa com o sentido e, por conseguinte,
quando se analisam os contextos concretos da prática social, a
prioridade do significado relativamente ao agir deve ser tida em
conta. Em tais contextos, já não nos encontramos perante uma pura
criatividade, mas antes perante diversos graus de distanciação
relativamente à tradição e aos significados codificados. Recorde-se
que a possibilidade de tal distanciação encontra a sua origem última
na capacidade, que é própria da consciência, de negar as
objectivações culturais (v. cap. i, 3).
Tal como observou Odo Marquard, «a vida do homem é sempre
demasiado curta para se afastar a seu bel-prazer, com alguma
transformação, daquilo que ele já é» e, por conseguinte, «nenhum
homem pode impor regras radicalmente novas a tudo aquilo que na
vida lhe diz respeito» (Marquard, 1987, pp. 29 e 71). Do mesmo
modo, Henri Tajfel justamente afirma que «não é possível criar
qualquer coisa de novo se não existir qualquer coisa de velho a
utilizar como critério em relação ao qual instituir uma diferença»
(Tajfel, 1985, p. 505).
Todavia, quando o grau de distanciação se mostra notavelmente
elevado, a dimensão inovadora do agir parece prevalecer sobre a
ordem simbólica estabelecida, a ponto de justificar o uso do termo
criatividade. Como observou Albert Hirschman, pode acontecer que
viragens ideológicas, de grandes dimensões e aparentemente
imprevistas, se verifiquem formalmente através de «ligeiras
modificações de modelos de pensamento familiar, mas a nova
variante tem uma afinidade com convicções e proposições
diversíssimas e incorpora-se nestas, dando origem a umaGestalt
(uma totalidade) completamente nova, de maneira que no fim a
íntima ligação entre velho e novo resulta quase irreconhecível»
(Hirschman, 1991, p. 196).
O problema da criatividade do agir não é novo em sociologia: basta pensar no conceito de
efervescência, utilizado por Durkheim para descrever determinados fenómenos de inovação do
comportamento religioso colectivo (v. cap. m,
236
1.1); no carácter de ruptura de continuidade próprio do poder
carismático relativamente ao tradicional, em Weber; nas reflexões
de Simmel sobre a função inovadora da arte; no conceito de
probabilidade do improvável de Luhmann (v. cap. ii, 2 e 5; cap. m,
1.5). Além disso, a investigação sociológica tem vindo a prestar
uma atenção cada vez maior aos processos, que se verificam nas
sociedades contemporâneas, de crescente desinstitucionalização dos
percursos de vida, ou seja, às descontinuidades, que transformam a
vida dos indivíduos «reorientando percursos e sistemas de
preferências, modificando os enquadramentos cognitivos dos
sujeitos e desenhando de novo o seu reticulado social» (Saraceno,
1993, p. 481).
Todavia, o conceito de criatividade não é fácil de definir, e a este
dedicaram a sua atenção, além da sociologia, a psicanálise, a
psicologia do conhecimento e a psicologia social. Os estudos
recentes sobre criatividade parecem desenvolver-se seguindo
principalmente duas linhas directivas: por um lado, são analisadas as
modalidades cognitivas de funcionamento da mente e tende-se a
atingir a criatividade em termos de eficácia e de eficiência, ou seja,
como capacidade de resolver problemas; por outro, sublinham-se as
condições sociais e relacionais que favorecem a criatividade (cf.
Inghilleri, 1995, p. 102 e segs.). São principalmente três os níveis de
investigação que, sob este aspecto, podem ser tomados em
consideração: «o dos sujeitos, definidos socialmente como criativos;
o das relações ou dos contextos, dentro dos quais acontecem as
experiências criativas; o dos discursos dos diferentes actores
envolvidos.» (Melucci, 1994, p. 29)
A organização social do sistema simbólico, no interior do qual
operam as instituições que presidem à produção cultural, pode
apresentar condições mais ou menos facilitadoras do
desenvolvimento da criatividade, segundo os recursos disponíveis,
tanto materiais como intelectuais, e segundo as formas culturais, que
podem ser mais ou menos abertas à inovação. Pode-se obviamente
colocar a hipótese de os sistemas culturais dogmáticos, nos quais as
definições culturais possuem um alto grau de absolutização, em
função da manutenção da ordem estabelecida, serem, por si
mesmos, menos favoráveis aos processos criativos do que aqueles
onde existe um alto grau de consciência acerca do carácter relativo
das formas de conhecimento e uma orientação positiva no sentido da
inovação. Tal não impede que, por vezes, sejam exactamente os
sistemas mais dogmáticos os que provocam reacções susceptíveis de
desencadear processos residualmente inovadores.
Um importante contributo para a reflexão sobre a dimensão criativa
do agir foi recentemente apresentado, através da proposta teórica do
sociólogo alemão Hans Joas. Após haver observado que na teoria
sociológica da acção têm até agora dominado particularmente dois
modelos, o teleológico, inspirado no princípio da racionalidade
instrumental, e o normativo, inspirado no princípio da racionalidade
orientada por valores ou normas, Joas constata que ambos os
modelos, sendo embora úteis na investigação empírica, não
reconhecem sufi
1
237
T
cientemente os aspectos criativos da praxis individual e colectiva,
na medida em que tematizam o agir unicamente como actividade
reprodutiva.
Como Tajfel e Marquard, também Joas sublinha que, a propósito
da acção social, não de pode falar de uma pura criatividade ex
nihilo; além disso, ele distancia-se das concepções elitistas que
exaltam a criatividade do génio, fazendo realçar a sua intenção de
atender às dimensões inovadoras presentes sobretudo a nível do agir
colectivo.
O modelo criativo, proposto por Joas, pretende tornar explícitas
as manifestações latentes presentes em ambos os modelos
supracitados, na medida em que aquele afirma que somente uma
conceptualização do agir, que tenha em conta, de um modo
consequente, o seu carácter criativo, pode também «ordenar
logicamente os outros modelos da acção e determinar de modo
consistente e adequado a multiplicidade dos conceitos que se
encontram ligados - como os termos de intencionalidade, norma,
identidade, papel, definição das situações, instituições, rotinas e
outros aspectos» (Joas, 1992, p. 16). Através de uma análise de
numerosas teorias filosóficas e sociológicas e uma crítica da
filosofia da vida (Lebensphilosophie) de tipo nietzschiano, Joas
revaloriza as concepções da criatividade do agir propostas por
pragmáticos americanos, como John Dewey, Charles S. Peirce,
William James, George Mead.
Com base em tais análises, e tendo como referências a
contingência e a descontinuidade histórica presentes nas teorias da
acção de Habermas, Touraine, Giddens e outros, Joas desenvolve,
contra qualquer determinismo de tipo estruturalista e funcionalista,
uma teoria dademocratização do problema da diferenciação,
encontrando nas sociedades complexas contemporâneas a crescente
vontade por parte dos actores sociais «de reconhecer nas ordens
sociais a obra da própria vontade» (ibid, p. 347), ou seja, de poder
controlar os processos de diferenciação funcional, actuantes nos
sistemas sociais (v. cap. m, 1.3 e 1.5), elegendo as formas de
diferenciação consideradas mais adequadas às suas exigências. Em
particular, Joas salienta que na cultura contemporânea, sobretudo
por mérito dos novos movimentos sociais, vão-se afirmando cada
vez mais valores ligados à expressividade, à criatividade e à
autenticidade.
A proposta teórica de Joas e a tónica posta por diversos autores
anteriormente considerados acerca da importância da selectividade,
posta em prática pelos actores sociais relativamente ao conjunto dos
recursos culturais disponíveis (v. cap. m, 3.6), mostram que se
encontra bem presente, na teoria sociológica actual, a tendência para
considerar a criatividade, no sentido acima referido, como uma
componente relevante (e já não residual, como no passado) da
relação entre acção e cultura. Nesta perspectiva, a teoria sociológica
da cultura deverá, em particular, aprofundar os processos através
dos quais as formas cognitivas de tipo filosófico e as formas
expressivas de tipo artístico se vêm a constituir, em alguns casos,
como verdadeiras fontes de inovação criadora (cf. Crespi, 1993, p.
146 e segs.).
238
I
2. Características da mudança cultural nas sociedades
contemporâneas
A tentativa de interpretar a complexidade dos processos de mudança cultural, em curso nas sociedades
contemporâneas, deve ter em conta sobretudo dois aspectos fundamentais: por um lado, as profundas
transformações ocorridas, também por efeito da sociologia da cultura, na nossa relação com as ordens
simbólicas; por outro, o problema que se coloca da coexistência de duas tendências aparentemente
contraditórias actualmente presentes nas nossas sociedades, a que se orienta para a formação de uma
cultura «global» e a que vai no sentido da acentuação dos particularismos culturais.
2.7 Auto-reflexividade da cultura e relativismo
O traço distintivo que caracteriza a cultura contemporânea relativamente à das épocas anteriores é sem
dúvida o facto de, talvez pela primeira vez na história da humanidade, a ordem simbólica ter sido vista
como uma dimensão dotada de uma autonomia própria relativamente à realidade e, ao mesmo tempo,
como uma componente constitutiva da própria realidade. Tal como inicialmente recordámos (v. cap. i, 1),
as diversas componentes histórico-culturais que contribuíram para a formulação do projecto orientado
para analisar de modo científico a cultura levaram à tomada de consciência do carácter cultural de
qualquer forma de experiência humana, a ponto de tornarem problemático o conceito de natureza: aquilo
que, durante longo tempo, era referido através do termo natureza revelou-se, na realidade, como o
produto de representações culturais, enquanto a crescente noção da diversidade das formas culturais fez
ressaltar o carácter histórico e convencional dos diversos sistemas de significado, mostrando assim o
carácter parcial de qualquer cultura.
A sociologia da cultura, enquanto ciência que analisa a relação entre formas de mediação simbólica e
sociedade, desempenhou um papel importante na transformação do modo de considerar a cultura e
transformou-se, ao mesmo tempo, no efeito da complexa experiência cognitiva que desencadeou tal
processo e numa das causas determinantes para o desenvolvimento deste.
A mudança de atitude relativamente à ordem simbólica, que alguns autores contemporâneos referiram
utilizando a expressão viragem linguística, influenciou profundamente o pensamento filosófico e social:
tanto a filosofia analítica da linguagem, desenvolvida por autores como Frege, Russell, Wittgenstein,
Pears, Quine, Davidson, como a filosofia hermenêutica de Heidegger e Gadamer (v. cap. m, 3), partindo
cada uma delas da sua perspectiva particular, evidenciaram o modo como a linguagem constituía o
horizonte no interior do qual se vem a formar todo o tipo de consciência. A linguagem surgiu assim, aos
filósofos do século XX, como aquilo que compreende o completo domínio da investigação
239
humana e, em última análise, como um âmbito do qual não é
possível sair. A falência da tentativa de Wittgenstein para fixar
regras lógicas absolutas, enquanto condições de possibilidade de
qualquer descrição válida (v. cap. iv, 1), demonstrou efectivamente,
de maneira exemplar, que qualquer tentativa neste sentido coloca o
problema da auto-referencialidade das categorias lógicas utilizadas.
Os princípios de explicação dos fundamentos lógicos, por sua vez,
não podem ser fundamentados, mas surgem como um tipo de
justificação que se mantém sempre no interior das formas da própria
linguagem (cf. Rorty, 1991, p. 100 e segs.)
A partir desta constatação, desenvolveu-se a crítica à metafísica
tradicional e a qualquer pretensão de definir fundamentos de
verdade de carácter absoluto. Numa linha de substancial
continuidade com a afirmação já feita por Nietzsche «não
existem/acros, mas só interpretações», toda a interpretação da
realidade surge assim como um jogo de linguagem ligado a
contextos práticos contingentes, ou seja, a particulares/ormos de
vida (v. cap. n, 10.2). O reconhecimento da impossibilidade de
alcançar entidades que não estejam já em relação com outras
entidades, isto é, que não sejam já simbolicamente mediadas no
interior de um conjunto de significados, mostrou, como Heidegger
foi o primeiro a referir, que a dimensão do ser-no-mundo se antecipa
a qualquer forma de conhecimento e que, assim, esta se encontra
sempre ligada aos contextos da prática social. Levando às últimas
consequências tal pressuposto, Heidegger renunciou sucessivamente
à pretensão de definir categorias gerais da existência e considerou a
filosofia sobretudo como uma reflexão sobre a linguagem, ou seja,
como tentativa de aprofundamento do significado original das
palavras usadas na vida de todos os dias, subtraindo-as à
banalização que sofrem nos discursos de senso comum. Nesta
perspectiva, a tentativa de conseguir ir além da linguagem é
continuada, em Heidegger, através das formas metafóricas da
linguagem poética. Parece assim encontrar o seu termo a tradição
orientada para a definição, mediante conceitos filosóficos rigorosos,
de princípios metafísicos universais.
A crítica ao logocentrismo, diversamente desenvolvida, nos nossos dias, por filósofos como Jacques
Derrida ou Richard Rorty, e a crítica literária de tipo desconstrucionista, desenvolvida por Paul De Man
(1983), confirmam a renúncia a alcançar, até mesmo através da linguagem poética, o inefável que se
encontra para além do dizer (v. cap. iv, 3).
No que se refere àquilo que aqui nos interessa, são dois os elementos que tal complexa experiência
contribuiu para trazer à luz. Por um lado, a ordem simbólica surge como um âmbito insuperável, que
abraça as globais possibilidades da compreensão humana; por outro, exactamente pela sua capacidade
para ir além dos seus próprios limites, revela-se como uma pluralidade de formas de interpretação e de
representação diversas, que mudam constantemente no tempo e em conformidade com os contextos
sociais.
240
í
Deste modo, a nossa relação com a cultura resulta profundamente transformada relativamente às
épocas passadas, colocando novos problemas acerca das funções sociais da própria cultura. Com
efeito, o paradoxo perante o qual nos encontramos é o de uma cultura que, reflectindo sobre si
mesma, põe em discussão a sua própria validade: tal como observou Richard Rorty, é difícil imaginar
uma cultura caracterizada por uma forma de auto-ironia, ou seja, uma cultura que, por exemplo,
«eduque a juventude de modo a fazê-la duvidar continuamente da educação que está a receber»
(Rorty, 1989, p. 107).
Com vimos no início (v. cap. i, 2; 3; 4), a cultura é uma função essencial de determinação dos
significados, que assegura, através de uma redução da complexidade, as bases para a constituição da
ordem social, isto é, para o desenvolvimento de relações fundadas na previsibilidade das expectativas
recíprocas, com base em identidades e regras partilhadas. Tal determinação, como já várias vezes
aqui ficou dito, só pode ser obtida na medida em que os significados, necessariamente sempre
parciais, surgem efectivamente absolutizados. Ora, o aumento da percepção do carácter relativo de
qualquer forma cultural, que caracteriza a experiência da modernidade tardia e da pós-modernidade,
parece incidir exactamente sobre as possibilidades de se manter, na prática, tal absolutização: este
aspecto, ligado à mudança das condições materiais e das estruturas sociais, contribuiu para
determinar os numerosos problemas, emergentes na nossa época, derivados da crise das identidades
individuais e colectivas, do conflito entre valores diversos, da discussão sobre as bases da
solidariedade social, etc. E como se a consciência dos limites da cultura e a impossibilidade de
individualizar fundamentos absolutos que transcendam o horizonte cultural comportasse uma espécie
de anomia crónica, ou seja, um estado de difusa desorientação acerca das referências essenciais da
existência individual e da convivência social. A reacção, por vezes violenta, ao mal-estar provocado
por tal situação explica, como daqui a pouco veremos, a busca de novas formas de absolutização: o
ressurgimento, nas nossas sociedades, de novas formas de integralismo religioso e nacionalista, ou a
actual tendência difusa para encontrar novas formas de identificação, no sentido próprio, em
pertenças mais imediatas de tipo local, étnico ou de algum modo particularista.
Tal situação leva-nos, assim, a reflectir sobre problemas colocados pelas novas formas assumidas
pela cultura na sociedade contemporânea.
2.2 Cultura global e multiculturallsmo
I
Na sua interpretação das transformações que ocorrem no mundo contemporâneo, diversos sociólogos
sublinharam o fenómeno da crescente interdependência que veio a estabelecer-se entre as diferentes
partes do globo, devido ao desenvolvimento da técnica, da economia de mercado, das empresas
multinacionais, da difusão dos modelos consumistas, dos sistemas de informa
I
241
I
I ção e comunicação, da velocidade dos transportes, bem como do peso assumido, nas relações entre os
estados e até mesmo no interior de cada sociedade, pelas organizações internacionais, ao nível da política
monetária, dos problemas da saúde, do trabalho, da protecção do ambiente, da luta contra a criminalidade,
etc. A vida económica e política de cada sociedade nacional mostra-se sempre mais dependente das
dinâmicas que se desenvolvem a nível planetário, do que das escolhas autónomas, a ponto de as
instituições políticas tradicionais, ligadas a contextos nacionais, parecerem ter perdido grande parte do
seu prestígio.
Tal processo é interpretado nos termos de uma crescente tendência para a globalização, ou seja, para
que se constitua no mundo como que uma unidade global (cf. Robertson, 1992), mas também para que se
difunda uma cultura global (cf. Featherstone, 1991).
Diversos elementos parecem confirmar tal percepção: não há dúvida de que a influência do
desenvolvimento tecnológico e das novas formas de organização produtiva já se faz notar até mesmo nos
países onde as condições materiais e político-sociais ainda não permitiram a afirmação de um sistema
económico-produtivo a par do das sociedades altamente industrializadas. A crescente penetração nos
mercados nacionais das empresas multinacionais e a influência sempre mais alargada dos meios de
comunicação de massas favoreceram a antecipação de uma série de efeitos que, transformando as
expectativas e os estilos de vida de populações sempre mais vastas, vieram a abalar tradições culturais
seculares.
As expectativas criadas pelo progresso científico e tecnológico, bem como a esperança difusa numa
melhoria das condições de vida, inspirada no modelo da distribuição generalizada do bem-estar, próprio
das sociedades de tipo consumista, constituem valores de referência cuja influência se faz hoje sentir a
nível mundial, incidindo sobre as representações colectivas. Com efeito, há que notar que esta orientação
geral pode conviver com qualquer tipo de cultura, mesmo nos contextos nos quais são mais fortes as
reivindicações de uma autonomia nacional de tipo integralista como, por exemplo, em alguns países
islâmicos. O bem-estar material, que caracteriza as sociedades desenvolvidas de economia capitalista,
parece ser uma etapa perseguida por uma sempre maior proporção da população mundial, mesmo à custa
de profundas transformações da sua cultura tradicional.
Existem assim argumentos válidos a favor da tese que defende que se vai formando, hoje em dia, a
nível planetário, uma cultura global produtora de efeitos de homogeneização que atravessam as
estruturas das unidades sociais. Neste sentido se pode falar de uma cultura transnacional ou de terceira
cultura desterritorializada, ou da difusão de um espírito cosmopolita, tendo em conta a aceleração das
trocas entre sociedades diversas e o facto de, actualmente, um número crescente de pessoas entrar em
contacto com mais de uma cultura (cf. Bottazzi, 1994; Friedman, 1994).
242
1
como consideram a técmt "' COmunid^esnaS a° mercado, se man ^
as represento el T0**^ a actividadeZ'T meSm° no ™do ln fvíduo e a colg*£ °Cledade, o típo de r açtCe ""^ * fonnas d*
entre si as situações I t isentam grandes d? q Se Instaura entre o
escandinavos,et ** ^ ^C^' * ^^ Atél»esmo os autores oue ¦ "^ d°S ***«*
I
-racterístrcaprõptfe0" 199?' »* ^ZapóZ ^ C^ e c.omuns, reconhece ao mesia gI°baI' a *** dfusã0 de
ffldÍCado- ^o ^gnifícam desenvo v me?to7 ^ que «lobaliS eT^ d° m^o normativamente coellm í,Uma Unidade fiinciS tUra globaI «não sobre o mundo sobíeí dlfUSão de "<" mod« rTf& estrut^da, nem ^4,
p. 433). S°bre a SUa "-cidade e contem^S vi ^ ° ^
, ° carácter problemático d ^ (Bottaz^
^uais (heterossexuais Íomo^'"° SCX° ^rT^\ CSpeCÍfícas' d^
«I®osas,etc. ^homossexuais,bissexuais,transex" }\naSpreferências
O renovado interesse oel, d f }' "^ C0nvicções
foI'^o, que actuamTnS ^ °S n°vos <*n££ f?'?0 Parte da sua levados a procurar fi£S"^«onal; assim send0
os lT" eC°n6miC0 e as suas origens locais Tu L, ldentldade ma's tmeSsT ^ S°CÍais' são te™ mais afinidades
Como ó 'd°U 3°S *"**» e ca tgona r^6 ^ mente as pessoas maw evidenciaram algumin °m os Quais
sen majs
tranquilizantes num ™ ^ 3S que recorrem a St Pr°pnas dos níveis n'das (cf. Gole, 1995 T "T** dentado
^ZT^" tradi^nals
em franjas marginalizantes,
I I do direito a verem reconhecida a própria diferença, a partir de uma
base de paridade.
Por esta razão, e segundo Robertson e Giddens (1990), as
tendências de tipo particularista não seriam contraditórias
relativamente ao conceito de cultura global, porquanto a expansão
do modelo ocidental de sociedade, que se encontra na base da
difusão de estilos de vida e de representações homogéneas com base
planetária, teria também universalizado o princípio da igualdade e a
ideia do direito de cada um à sua própria diferenciação (cf. Bottazzí,
1994, p. 436).
É neste contexto que, nos últimos anos, se tem vindo a
desenvolver, sobretudo nos Estados Unidos, o debate sobre
multiculturalismo, ou seja, sobre o princípio de que em qualquer
sociedade coexistem grupos culturais diversos, relativamente aos
quais nenhuma forma cultural tem legitimidade para se constituir
como cultura dominante, donde a necessidade do estabelecimento de
regras para a convivência entre tais grupos, numa base de absoluta
paridade e recíproco reconhecimento.
São evidentes as razões pelas quais tal problema surgiu com uma
tão grande força numa sociedade como a dos Estados Unidos, a
qual, por um lado, tem os seus alicerces numa constituição
inspirada, desde as suas origens, nos princípios da democracia
liberal, nascidos da tradição do Iluminismo, e, por outro, é
caracterizada por um alto grau de heterogeneidade, sendo composta
por grupos sociais com proveniências étnico-culturais diversas. A
correcta intenção de pôr em prática os princípios da igualdade e da
paridade de oportunidades, sem discriminações relativas a sexo,
raça, origem étnica, religião, etc, não obstante facilitar a convivência
entre todos, parece, todavia, estar actualmente a criar o efeito
aparentemente paradoxal de uma crescente intolerância recíproca
entre os diferentes grupos, um reforço do autoritarismo no seio das
minorias e, por conseguinte, um sensível aumento da conflitualidade
e uma crise difusa dos princípios gerais da solidariedade social. Por
esta razão, o debate sobre o multiculturalismo assumiu actualmente
nos Estados Unidos uma centralidade nunca antes conhecida, pondo
em acção dinâmicas, a nível sócio-cultural como a nível político,
cujas consequências são dificilmente previsíveis.
O problema do multiculturalismo interessa também numerosas
sociedades europeias e asiáticas que, hoje em dia, têm de enfrentar
os complexos aspectos do difícil convívio entre componentes
étnicas ou religiosa diversas, na sequência de transformações
radicais da estrutura política, como é o caso da Rússia ou da
Jugoslávia, ou ligados ao fenómeno do crescimento dos processos
migratórios que se verifica em muitos países europeus.
Do ponto de vista da sociologia da cultura, a questão do
multiculturalismo pode ser vista, antes de mais, como resultado da
acrescida consciência da importância da cultura, isto é, do aumento
do grau de auto-reflexividade desta e dos consequentes efeitos de
relativização e de crises dos fundamentos absolutos, que
anteriormente referimos como uma das características da época
contemporânea.
244
A impossibilidade de basear, como no passado, a própria identidade
em fundamentos absolutos (Deus, a natureza, a razão, as finalidades
da história, etc), numa situação em que a única referência universal
que se mantém aparenta ser o princípio da igualdade, parece levar
os actores sociais a buscarem novas identificações nas formas
culturais particulares, reivindicando para estas um reconhecimento
incondicional.
O filósofo e politólogo de origem canadiana Charles Taylor
sublinhou justamente que, na base do problema do
multiculturalismo existe um pedido de reconhecimento
estreitamente ligado à dimensão da identidade. Esta, com efeito,
surge em grande parte constituída pelo reconhecimento ou pela sua
ausência, ou desconhecimento, «através do qual um indivíduo ou
um grupo pode sofrer um dano real, uma real distorção, se as
pessoas ou a sociedade que o rodeiam lhe devolvem, como num
espelho, uma imagem de si que o limita, diminui ou humilha»
(Taylor, 1994, p. 42). Segundo Taylor, são duas as mudanças que
contribuíram, na época moderna, para acentuar a temática da
identidade-reconhecimento: a primeira deve-se, por um lado, ao
desabar das hierarquias sociais que outrora constituíam a base da
honra, concebida como o resultado do respeito relativamente a um
código de comportamento estreitamente ligado à posição social e,
por outro, ao progressivo emergir da ideia de dignidade, que remete
para a natureza comum de todos os cidadãos; a segunda deve-se à
afirmação, por volta dos fins do século xvm, de um conceito de
identidade sempre mais individualista. É neste último que se insere
a temática da autenticidade que, através de Rousseau e Herder,
sublinha o dever que cada um tem de dar realização ao modo de ser
que lhe é mais próprio, à sua irrepetível singularidade (ibid., p. 47;
Ferrara, 1989).
Tais mudanças trouxeram consequências tanto no âmbito
privado do indivíduo como no do domínio público. No que se refere
a este, desenvolveram-se duas concepções diversas: por um lado, a
partir da ideia de dignidade, nasceu uma política do universalismo,
que sublinha o direito ao reconhecimento de todos os membros da
sociedade considerados como iguais; por outro, a ideia de
autenticidade deu origem a umapolítica da diferença, que afirma o
direito a ver reconhecida a particularidade própria. A primeira
destas concepções está na base da teoria liberal da igualdade de
direitos, que vai, sobretudo, no sentido dos objectivos comuns que
são o fundamento da solidariedade social, ignorando as diferenças; a
segunda, pelo contrário, é a base do multiculturalismo e tende a
duvidar da definição de objectivos comuns e a reivindicar a
autonomia das escolhas particulares. Enquanto a primeira concepção
abre perspectivas para uma única cultura homogénea, como
expressão de valores universalmente partilhados, e onde as
diferenças culturais seriam finalmente superadas, a segunda afirma o
direito ao pleno reconhecimento de uma pluralidade de culturas
particulares (cf. Taylor, 1994, p. 88 e segs.).
Não há dúvida de que ambas as concepções referidas detêm argumentos válidos a seu favor e, em
princípio, estes não são de modo algum inconciliáveis.
245
1 No plano prático, todavia, a possibilidade de conciliar a exigência
de uma solidariedade generalizada com o respeito pelas
particularidades encontra dificuldades numerosas.
Por exemplo, a proposta de definição de valores e regras
universalmente partilhadas, segundo o modelo da Carta dos Direitos
do Homem, que se baseia nos princípios da tradição liberal, é hoje
denunciada por alguns grupos, por constituir alegadamente o risco
de uma imposição errada da cultura específica do homem branco
ocidental sobre culturas (orientais, africanas, etc.) originárias de
tradições diferentes. Surgiram igualmente dificuldades acerca da
definição dos programas de estudo adoptados nas escolas ou nas
universidades, os quais deveriam, segundo o princípio do
multiculturalismo, ter em conta as diferentes componentes culturais
e as diferentes interpretações que cada tradição pode dar da história
ou da evolução das instituições políticas, entre outros aspectos.
A ideia de multiculturalismo fez entrar em crise o conceito de
tolerância, que exige atitudes que levem as culturas dominantes à
aceitação das culturas minoritárias. O igual reconhecimento das
culturas particulares parece pedir sobretudo uma dimensão de
diálogo entre diferentes experiências e posições. Por outro lado, o
direito à diferença, também leva a uma discussão radical sobre a
ideia de uma cultura comum, que seja o resultado da fusão de
elementos culturais diversos, segundo o modelo do meltingpot
(cadinho), defendido nos Estados Unidos nos anos cinquenta, ou do
de métissage (mescla análoga à outra, biológica, dos mestiços),
proposto em anos mais recentes.
Os excessos a que pode dar lugar a aplicação do princípio do multiculturalismo são evidentes naquilo
que está acontecer hoje em dia, sobretudo nas universidades americanas, devido à vontade de algumas
minorias de fazerem respeitar as regras de um discurso que seja politicamente correcto (politically
correct), ou seja, que elimine da linguagem qualquer expressão de tipo racista, sexista, religioso ou outro
que possa prejudicar a igualdade cultural e social. Daí resulta uma espécie de diabolização obsessiva das
formas usadas na linguagem de uso corrente: é evidente, com efeito, que uma vez que se adopta tal
atitude qualquer palavra pode ser entendida como sendo em prejuízo de alguém. Usar o termo negro em
sentido negativo («o período mais negro da história») é considerado ofensivo para as pessoas de cor;
adoptar o masculino nos exemplos ou nas definições gerais («o homem é um animal racional») é
considerado como uma ofensa às mulheres; atribuir beleza a um homem alto é visto como ofensivo para
aqueles cuja estatura é inferior à média; o romance Moby Dick é condenado pelos ecologistas e
protectores dos animais porque exprime uma atitude pouco correcta para com a baleia, etc. (cf. Hughes,
1993).
Mais do que favorecer um clima de diálogo, o movimento que se assume como promotor da
linguagem/?o/zft'ca//y correct leva à acentuação de formas de intolerância que chega à violência por
parte das minorias, as quais acabam não só por entrar em oposição relativamente a formas que
consideram próprias da
246
1
cultura dominante, mas também por lutar entre si. Além disso, ajusta defesa das próprias diferenças
culturais, quando é levada ao excesso, favorece o desenvolvimento de formas de autoritarismo por
parte dos grupos minoritários sobre os seus próprios membros: com efeito, estes não são
reconhecidos na sua singularidade, mas só enquanto elementos da própria minoria (negro, branco,
porto-riquenho, etc), ou como representantes de uma categoria (homem, mulher, homossexual, etc);
por conseguinte, qualquer comportamento do indivíduo que não seja conforme com aquele que é
considerado próprio da minoria é denunciado como uma verdadeira traição.
Assim, paradoxalmente, o fenómeno do relativismo cultural parece conduzir, na prática, a uma
absolutização cada vez mais acentuada das definições culturais particulares e a formas efectivamente
dogmáticas que não aceitam ser postas à discussão.
As razões dos excessos e distorções provocadas pela exigência, em si justa, da criação de
efectivas condições de igualdade para todos os membros da sociedade e os problemas que, na
prática, nascem da aplicação do princípio do igual reconhecimento das culturas devem ser
procurados na errónea avaliação da função da cultura e no aprofundamento falhado da experiência
contemporânea, a qual, como já foi referido, vê aumentar a consciência dos limites da cultura, ao
mesmo tempo que é reconhecida como um horizonte insuperável.
Com efeito, parece ser necessário procurar uma solução a partir do carácter, aqui frequentemente
sublinhado, de redução da complexidade que é próprio de qualquer forma cultural (v. cap. i, 2 e 3;
cap. m, 1.5). Se tal carácter vier a ser colocado no centro das atenções, qualquer cultura, mais do que
portadora de valores irredutíveis, revela-se sobretudo como um conjunto de significados parciais e
limitados. Seria um erro pensar-se que o somatório de tais significados pode levar a uma superação
desses limites: de facto, segundo a distinção entre sentido e significado proposta (cap. i, 3.), toda a
forma de cultura, mesmo aquela que, por hipótese, viesse a resultar da síntese de todas as outras
culturas, seria igualmente redutora relativamente ao sentido. O conceito de cultura universal é, em si
mesmo, contraditório: se é certo que qualquer cultura, a fim de favorecer a comunicação, tende a
generalizar significados cuja origem, num primeiro momento, se encontra ligada a experiências
particulares, é igualmente certo que, exactamente pelo facto de ser determinada, a cultura só pode
desenvolver dimensões parciais.
Nos Estados Unidos, a actual tendência para garantir que em todas as universidades sejam
ministrados ensinamentos ligados às diferentes culturas (americana, afro-americana, asiática, etc.)
surge ainda ligada ao conceito, com origem no Iluminismo e, em última análise, utópico, de
enciclopédia, enquanto soma integrada de todos os conhecimentos. Seria possível, pelo contrário,
imaginar uma multiplicidade de centros culturais diversos, cada um dos quais seria a expressão de
uma cultura particular, ou de uma selecção de aspectos conside
I 247
rados significativos, deixando os indivíduos livres para escolherem
entre várias propostas culturais. A consciência do carácter relativo e
limitado da própria proposta cultural, por parte dos diferentes
centros de estudo e investigação, garantiria a abertura ao diálogo
com os outros centros e as outras formas culturais.
Acontece também que se reconhece existirem, inevitavelmente,
culturas que são incompatíveis entre si: as culturas de tipo
dogmático e integralista não poderão encontrar uma via de
conciliação com as culturas conscientes do seu carácter relativo.
Nestes casos, o conflito não pode ser evitado e, assim, o
multiculturalismo não pode ser a expressão de uma espécie de
irenismo universal.
O facto de se sublinhar o carácter redutor de qualquer cultura
deveria facilitar a aceitação pragmática de regras processuais
comuns para a convivência social: dado não existir uma cultura que,
de modo absoluto, seja melhor que as outras, a aceitação do
inevitável desvio de uma cultura específica dos princípios de tipo
universalista, como hoje acontece, por exemplo, na cultura ocidental
de tradição liberal, deveria ocorrer com base em avaliações
contingentes de conveniência e de utilidade prática, mais do que
surgir como consagração definitiva de uma cultura dominante.
Do ponto de vista do problema da identidade, o reconhecimento
do carácter redutivo da cultura deveria levar cada indivíduo, apesar
de consciente de que se trata de uma exigência insuperável, a
possuir uma identidade determinada e socialmente reconhecida, a
redimensionar o problema da definição das identidades, porquanto
qualquer definição neste sentido é redutora da realidade complexa,
ou seja, da diferença entre cada indivíduo singular. Nesta,
perspectiva, propus, em sede diversa, que se considere como base
da solidariedade, isto é, da presença de regras e valores geralmente
partilhados, a referência à situação existencial, enquanto situação
caracterizada por algumas categorias comuns (angústia, alegria,
insegurança, desejo, busca de sentido, consciência da morte, etc),
mas sobretudo pelo comum não saber acerca do sentido último da
própria existência (cf. Crespi, 1994c). A referênciapeZa negativa a
um fundamento que não pode ser definido é coerente com o
reconhecimento do limite radical das formas culturais e permitiria
que se estabelecesse um diálogo orientado para a definição de regras
convencionais, que permitissem a qualquer cultura exprimir-se sem
se fechar para os outros e sem impor aos indivíduos, enquanto
unidades irredutíveis nas suas diferenças, definições de tipo cultural.
Neste contexto, a busca de identificações certas seria equilibrada
pela consciência dos limites de qualquer forma de identidade,
favorecendo um maior desinteresse pelas tentativas de definição:
mais do que cair numa espécie de fetichismo da palavra, como
acontece com os movimentos que se inspiram no princípio do
«politicamente correcto», poder-se-ia, pelo contrário, conseguir uma
difusa atitude irónica relativamente aos preconceitos implícitos que
qualquer forma de determinação linguística, enquanto tal, pode
conter (cf. ibid., p. 120).
248
Tal como observou Júrgen Habermas, não se deve cair no equívoco
de querer proteger, a todo o custo, determinadas culturas, como se
fossem espécies biológicas em risco: uma vez que uma cultura se
tornou auto-reflexiva, esta não poderá não deixar liberdade às novas
gerações para a submeterem à crítica e escolherem entre diferentes
tradições, ou para se orientarem directamente no sentido de novas
formulações (cf. Habermas, 1994, p. 130 e segs.).
Por isso Kwame A. Appiah, professor de estudos afro-
americanos e filosofia da Universidade de Harvard, nascido no
Gana, reivindicou justamente o direito de ser negro e homossexual
sem necessitar de se referir a um particular grupo de pertença, que
defina o modo de ser negro e homossexual. Se os grupos defensores
dos direitos dos marginais possuem certamente uma função
estratégica na luta contra as formas dominantes de discriminação,
correm o risco de, esquecendo o seu carácter instrumental, se
transformarem, por sua vez, em estruturas de imposição autoritária
sobre os mesmos indivíduos que pretendem defender. Um autêntico
reconhecimento da autonomia individual deveria poder ser obtido, a
nível político, sem que o indivíduo fosse constrangido a organizar a
sua própria vida a partir da cor da sua pele ou da sua sexualidade
(cf. Appiah, 1994, p. 163).
A não-discriminação de formas culturais diversas, que
justamente se procura, deve assim ser acompanhada pelo
reconhecimento do carácter limitado e redutor de tais formas,
tornando possível a referência a uma dimensão de complexidade,
neste caso a existência ou a autonomia individual que, como tal, não
se pode esgotar devido a uma qualquer determinação de significado:
só nesta base parece ser possível, hoje em dia, acordar-se regras
gerais de solidariedade, evitando as tendências absolutizantes que
derivam do excesso de identificação com uma cultura particular.
Nesta mesma direcção parece orientar-se, efectivamente, a
proposta de Tzvetan Todorov, que fala de etnocentrismo crítico, ou
seja, da distanciação necessária da própria cultura visando a
aproximação aos outros. Após haver observado que o universalismo
não pode ser pressuposto ou deduzido, Todorov propõe um
universalismo de percurso, que permite adquirir reciprocamente a
consciência do outro, de modo a podermos mudar aquilo que
pensamos de nós mesmos, enquanto o outro muda junto a nós. Com
efeito, o único valor absoluto é aqui representado pela própria
coexistência, enquanto os valores universais de tipo moral
continuam por construir, através do entendimento, no interior de um
diálogo de tipo propriamente hermenêutico (cf. Todorov, 1989). A
partir de um raciocínio semelhante, Gustavo Zagrebelski afirma a
necessidade de se chegar à afirmação de princípios constitucionais
tendentes «a realizar as condições de possibilidade da vida em
comum, e não a tarefa de realizar directamente um determinado
projecto de vida em comum» (Zagrebelski, 1993, itálicos meus).
Estas posições indicam que o aprofundamento da natureza da nossa relação com a ordem simbólica é
essencial para nos orientarmos para as regras comuns
249
1
de convivência, baseadas no diálogo, a partir de um certo afastamento
relativamente àquelas formas de identificação cultural que, todavia, nos
tranquilizam relativamente à nossa efectiva consistência. Na medida em que
soubermos afrontar a insegurança própria da existência, saberemos também os
nomes com os quais procuramos reciprocamente identificar-nos e até mesmo usá-
los como armas defensivas e ofensivas. A consciência do limite dos significados
relativamente ao sentido permitir-nos-á situarmo-nos do lado do sentido (do «bom
senso»), reconhecendo, ao mesmo tempo, a nossa proximidade e o nosso
distanciamento relativamente ao outro.
I
I
250
INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
Abruzzese, A„ 1989, «Complessità, semplificazione, diversificazione: opportunismi
tra immagine
e parola», in Crespi, F. (dir. de), 1989, pp. 305-327. Acquaviva, S. S., 1961, Veclissi dei sacro nella società industriale, Comunità, Milano. Adorno, T. W.,
1951, Minima Moralia, Einaudi, Torino, 1954.
Adorno, T. W., 1962, Introduzione alia sociologia delia musica, Einaudi, Torino, 1971. Adorno, T. W. et ai., 1950, La personalità autoritária, I-II, Comunità, Milano,
1973. Agassi, J., 1960, «Methodological Individualism», in British Journal of
Sociology, XI, pp. 244-270. Akrich, M., 1986a, «Le Jugement Dernier. Une Sociologie de la Beauté», in
L'Année Sociologique. Akrich, M., 1986b, «Le polyptique de Beaune. La
construction locale d'un universel»,in Moulin, R. (dir. de), Sociologie de 1'art, La Documentation Française, Paris. Alexander,
J., 1983, The Modem Reconstruction ofClassical Thought: Talcott Parsons,
Califórnia University Press, Berkeley. Allen, R. C, 1992, «La serialità e il mondo socíale delia
'soap opera'», comunicação ao congresso / mondi sociali dei media, Firenze, 1992.
Allodi, L., 1991, Alfred Weber. Una introduzione, Armando, Roma. Almond, G. A., 1983, «Communism and politicai culture theory», in Comparative Politics, XIII,
l,pp. 127-138. Almond, G. A., 1992, «Cultura política», in Enciclopédia delle
Scienze Sociali, UTET, Torino. Almond, G. A., Verba, S., 1963. The Civic Culture, Princeton University Press, Princeton. Almond, G. A., Verba, S. (eds.), 1980, The
Civic Culture Revisited, Little Brown and Co., Boston. Althusser, L., 1965, Per
Marx, Editori Reuniti, Roma, 1967. Althusser, L., 1970, «Ideologia ed apparati sociologici di Stato», in Critica marxista, VIII, n.°5,
pp. 23-65. Alvesson, M., Berg, P. O., 1992, Vorganizzazione e i suoi simboli, R.
Cortina, Milano, 1993. AMPOLA, M., 1983, Mondi vitali religiosi e secolare in transizione: la morfologia sociale livornese,
Giardini, Pisa. Andrini, S., 1979, «Linsegnamento delia sociologia nella seconda
meta deli'800», in L educazione giuridica, II, Perugia, 1979. Andrini, S., 1990, La pratica delia razionalità, F.
Angeli, Milano. Apolito, P., 1990, Dice che hanno visto la Madonna, II Mulino,
Bologna. Appiah, K. A., 1994, «Identity, Authenticity, Survival», in Taylor, C. (ed.), 1994, pp. 149-163. Arac, J., Godzich, W., Martin, W. (eds.), The Yale Critics:
Deconstruction in America, University
of Minnesota Press, Minneapolis. Archer, M., 1979, Social Origins of Educational Systems, SAGE, London. Archer, M., 1982, «The Sociology of
Educational Systems», in Bottomore, T., Nowak, S.,
Sokolowska, M. (eds.), Sociology. The State ofthe Art, SAGE, London. Archer, M., 1987, «The Problem of Scope in the Sociology of Education», in Revue
Internationale
de Sociologie, I. Archer, M., 1988, Culture and Agency, Cambridge University Press, Cambridge.
251
Ardigò, A. (dir. de), 1966, Questioni di sociologia, I - II, La Scuola, Brescia.
Ardigò, A., Garelli, F., 1989, Valori, scienza e trascendenza, Fondaz. G. Agnelli,
Torino. Arnaud, A. J. (dir. de), 1993, Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologie
du droit,
L. G. D. J., Paris. Aron, R., 1955, Uoppio degli intellettualli, II Mulino, Bologna, 1958. Arrow, K., 1963, Social Choice and Individual Values, Wiley, New York.
Ashby, W. R., 1952, Progetto per un cervello, Bompiani, Milano, 1970. Ashby, W.
R., 1956, Introduzione alia cibernética, Einaudi, Torino, 1971. Austin, I. L., 1962a, Quando dire èfare, Marietti, Torino, 1974. Austin, I. L., 1962b, Sense and Sensibilia,
Oxford University Press, London. Bachtin, M., 1965, L'opera di François Rabelais e
la cultura popolare, Einaudi, Torino, 1979. Bailey, K. D., 1982, Metodi delia ricerca sociale, II Mulino, Bologna, 1985. Baker, K., Dalton, R., Hildebrandt, K., 1981,
Germany transformed: politicai culture and the
new politics, Harvard University Press, Cambridge. Balbo, L., 1987, Time to care. Politiche dei tempo e diritti quotidiani, F. Angeli, Milano. Bange, R, 1983, «Points
de vue sur 1'analyse conversationnelle», in DRALAV, n.° 29, pp. 1-28. B arbagli, M.,
1974, Disocupazione intellettuale e sistema scolastico in Itália, II Mulino, Bologna. Barbagli, M. (dir. de), 1978, Istruzione, legittimazione e conflitto, II Mulino,
Bologna. Barnes, B., 1974, Conoscenza scientifica e teoria sociológica, Liguori,
Napoli, 1978. Barnes, B., 1977, Interests and the Growth ofKnowledge, Routledge and Kegan Paul, London. Barnes, B., 1982, T. S. Kuhn and Social Science, Columbia
University Press, New York. BARNES, S., Kaase, M„ 1979, Politicai Action: mass
participation in Five Western democracy, SAGE, Beverly Hills. Barry, B., 1970, Sociologists,
Economists and Democracy, London. Bateson, G., 1972, Verso
una ecologia delia mente, Adelphi, Milano, 1976. Bauman, Z., 1973, Culture as Praxis, Routledge and Kegan Paul, London.
Bechelloni, G., 1995, Televisione come cultura, Liguori, Napoli.
Becker, H. S., 1963, Outsiders. Saggi delia sociologia delia devianza, Abele, Torino, 1991. Becker, H. S., 1982, Art Worlds, University of Califórnia Press, Berkeley. Bell,
D., 1960, The End ofldeology, Free Press, Glencoe.
Bell, D., 1976, Le contradizioni culturali dei capitalismo, Biblioteca delia liberta, Torino, 1978. Bellah, R. N., 1970, Al di là dellefedi. Le religioni in un mondo post-
tradizionale, Morcelliana,
Brescia. Bellah, R. N., 1985, Habits ofthe Heart, Califórnia University Press, Berkeley. Bellah, R. N., 1991, The Good Society, Knopf, New York. Bellah, R.
N.,Glock, C. Y. (eds.), 1976, TheNewReligious Consciousness, Califórnia University
Press, Berkeley. Benadusi, L., 1984, Scuola, riproduzione, mutamento. Sociologie delTeducazione a confronto,
La Nuova Itália, Firenze. Benedict, R., 1934, Patterns of Culture, Houghton Mifflin, Boston. Beneton, P., 1975, Histoire des mots: culture et civilisation, Presses de la Fondation Nationale
des Sciences Politiques, Paris. Benjamin, W., 1936, L'opera d'arte nell'época delia sua riproducibilità técnica, Einaudi, Torino,
1966. Berelson, B., 1954, «Content Analysis», in Lindzey G. (ed.), Handbook of Social Psychology, Addison-Wesley, Cambridge. Berezin, M., 1994, «Fissure Terrain: methodological approaches and research styles in culture
and politics», in Crane, D. (ed.), 1994, pp. 91-116. Berger, P. L., 1967, La sacra volta. Elementiper una teoria sociológica delia
religione, SugarCo, Milano, 1984.
252
Berger, P. L., 1974, Le piramidi dei sacrifício, Einaudi, Torino, 1981.
Berger, P. L., Vimperativo eretico, Leumann, Torino, 1987.
Berger, P. L., Luckmann, T, 1966, La realtà come costruzione sociale, II Mulino, Bologna, 1969.
Bernstein, B., 1971, Theoretical Studies towards a Sociology ofLanguage, Routledge
& Kegan Paul, London. Bernstein, B., 1977, Class, Code and Control, Routledge & Kegan
Paul, London. Bertalanffy, L., 1968, Teoriagenerale deisistemi, Istituto Librario
Internazionale, Milano, 1971. Bertaux, D. (ed.), 1981, Biography and Society. The Life History Approach in the Social Sciences,
SAGE, London. Besozzi, E., 1993, Elementi di sociologia deli'educazione, La
Nuova Itália Scientifica, Roma. Bettetini, G., 1994 (dir. de), Teoria delia comunicazione, F. Angeli, Milano. Bettetini, G., Colombo, R, 1993, Le nuove
tecnologie delia comunicazione, Bompiani, Milano. Bimbi, R, Capecchi, V, 1986,
Struttura e strategie delia vita quotidiana, R Angeli, Milano. BlXlO, A., 1988, Proprietà e appropriazione. Individuo e sovranità nella dinâmica dei rapporti
sociali, Giuffrè, Milano. Bloch, M., 1939, La società feudale, Eunaudí, Torino,
1975. Bloor, D., 1976, La dimensione sociale delia conoscenza, R. Cortina, Milano, 1994. BlOOR, D., 1981, «The Strengths of de Strong Programme», in Philosophy
ofthe Social Sciences,
XI, n.°2, pp. 199-213. BLOOR, D., 1983, Wittgenstein: A Social Theory of Knowledge, MacMillan, London. Blumenberg, H., 1979, Elaborazione dei mito, II
Mulino, Bologna, 1991. Blumer, H., 1939, «An Appraisal of Thomas andZnaniecki's
'The Polish Peasant in Europe and America'», in Social Science Research Council Bulletin, 44. Blumer, H., 1969,
Symbolic Interactionism, Prentice Hall, Englewood Cliffs. Blumler, J. G., McQuail,
D., 1968, Television in Politics. Its Uses and Influentes, Faber & Faber, London. Boltanski, L., 1990, L'amour et la justice comme compétences,
Métailié, Paris. Boltanski, L., Thévenot, L., 1991, De la justification, Gallímard,
Paris. Bottazzi, G., 1994, «Prospettive delia globalizzazione: sistema, mondo e cultura globale», in
Rassegna Italiana di Sociologia, XXXV, 3, pp. 425-440. Boudon, R., 1973,
Istruzione e mobilità sociali, Zanichelli, Milano, 1979. Boudon, R., 1977, Effetíi perversi delTazione sociali, Feltrinelli, Milano, 1981. Boudon, R., 1987, «Razionalità
e teoria deli 'azione», in Rassegna Italiana di Sociologia, XXXVIII,
2, pp. 175-203. BOUDON, R., 1989, «La teoria delia conoscenza nella 'Filosofia dei denaro' di Simmel», in Rassegna
Italiana di Sociologia, XXX, n.° 4, pp. 473-501. Boudon, R., Lazarsfeld, P. R,
1965, Uanalisi empírica nelle scienze sociali, 2 vols., II Mulino, Bologna, 1969. Bourdieu, P., 1972, Esquisse d'une théorie de la pratique, Droz,
Paris-Genève. Bourdieu, P., 1979, La distinzione. Critica sociale dei gusto, II Mulino, Bologna, 1983. Bourdieu, R, 1986, «Habitus, Code et Codification», inActes
de la Recherche en Sciences Sociales,
64, pp. 40-44. Bourdieu, R, Passeron, J. C, 1970, La riproduzíone, Guaraldí, Rimini, 1974. Bowles, S.. Gintis, H., 1976, L'istruzione nel capitalismo maturo,
Zanichelli, Bologna, 1980. Brain, D., 1994, «Cultural Production as 'Society in the
Making' architecture as an exemplar of the social construction of cultural artífacts», in Crane D. (ed.), 1994, pp. 191-220.
Braudel, R, 1967, Civiltà materiale e capitalismo, Einaudi, Torino, 1977. Brown, A,
(ed.) 1984, Politicai Culture and Comunist Studies, MacMillan, Basingstoke. Brown, A., Gray, J. (eds.), 1977, «Politicai Culture and Politicai Change in Communist
States,
Holmes & Meier, New York.
253
r
Brubaker, R., 1992, Citizenship and Nationhood in France and Germany, Harvard University
Press, Cambridge. Bryson, L., 1948, The Communication ofldeas, Harper, New
York. Buckman, P, 1984, AU for Love. A Study in Soap Opera, Secker & Warburg, London. Buonanno, M., 1991, // reale è immaginario, Nuova ERI, Roma. Burgalassi,
S., 1967, Italiani in Chiesa. Analisi sociológica dei comportamento religioso,
Morcelliana, Brescia. Burgalassi, S., 1970, Le cristianità nascoste. Dove va la cristianità italiana?, EDB, Bologna. Callon, M., 1987, «Society in the Making: the
study of technology as a tool for sociological analysis», in Bijker.W. B., Pinch T. (eds.) The Social Construction ofTechnological Systems,
MIT Press, Cambridge. Cannon, W. B., 1932, La sagezza dei corpo, Bompiani, Milano, 1956. Carbonnier, J., 1978, Sociologie
juridique, P.U.F., Paris. Carbonnier, J., 1979, Flexible droit. Textes pour une sociologie du droit sans rigueur, L.G.D.J., Paris. Carchia, G., 1991, «Mito. Esperienza dei presente e critica delia demitizzazione», in Aut Aut,
243-244, pp. 3-94. Casetti, F. (dir. de), 1980, Tra me e te. Strategie di coinvolgimento dello spettatore nei programmi
delia neotelevisione, ERI, Torino. Cassano, R, 1989, «II gioco delia scienza», in Rassegna Italiana di Sociologia, XXX, n.° 1, pp. 3-30. Cassirer, E., 1923, Filosofia delle forme simboliche, I, II, III, La Nuova Itália, Firenze, 1961. Cassirer, E„ 1955, Storia
delia filosofia moderna, III, Einaudi, Torino, 1961. Cavalli, A. (dir. de), 1992, Insegnare oggi. Prima indagine IARD condizioni di
vita e di lavoro
nella scuola italiana, II Mulino, Bologna. Cavalli, A., De Lillo, 1984, Giovani oggi. Indagine IARD sulla condizione giovanile
in Itália, II
Mulino, Bologna. Cavalli, A., DeLillo, A., 1988, Giovanni anni '80. Secondo rapporto IARD sulla condizione giovanile in Itália, II Mulino, Bologna. Cavalli, A., DeLillo, A., 1990,Giovani anni '90. Terzo rapporto IARD sulla condizione
giovanile
in Itália, II Mulino, Bologna. Cavan, R., 1928, Suicide, Chicago University Press, Chicago. Cavarero, A., 1987a, «Per una teoria delia differenza sessuale», in Diotima. II pensiero delia
differenza sessuale, La Tartaruga, Milano. Cavarero, A., 1987b, «L'elaborazione filosófica delia differenza sessuale», in
Marcuzzo M., Rossi Dória, A. (dir. de), La ricerca delle donne. Studi feministi in Itália, Rosenberg & Sellier,
Torino. Cazeneuve, J., 1971, «Influenza dei mass media sull'opinione pubblica: prospettive a lungo termine», in lnformazione
Radio-TV, 6/7, pp. 29-48. Cesáreo, V, 1976, Sociologie e Educazione, La Nuova Itália, Firenze. Chomsky, N., 1957, Le strutture delia sintassi, Laterza, Bari, 1970. Chomsky, N„ 1965, «Alcune costanti delia teoria linguistica», in AA.VV, Problemi attuale delia
linguistica. Regole e rapprezentazioni, Bompiani, Milano, 1980. Cicourel, A., 1968, «Police Practices and Official Records», in
Turner, R. (ed.), 1974, pp. 85-95. Cipriani, R., 1978, Dalla teoria alia verifica. Indagine sui valori in mutamento, La Goliardica, Roma. Cipriani, R. (dir. de), 1987, La metodologia delle storie di vita. Dali'autobiografia alia life history,
Euroma, Roma. Coleman, J., 1966, Equality ofEducational Opportunity, Dept. of Health, Education and Welfare,
Washington. Collins, H. M., 1983, «An Empirical Relativist Programme in the Sociology of Scientific Knowledge», in Knorr Cetina, Mulkay (eds.), 1983.
254
Collins, H. M., 1985, Changing Order: Replication and Induction in Scientific
Practice, SAGE,
London. Collins, H. M., Pinch, T., 1978, «The Control of the Paranormal: Nothing Unscientific is
Happening», in Wallis, R. (ed.), On the Margins of'Science:The Social Construction ofRejected
Knowledge, Sociológica! Review Monograph, n.° 27, University of Keele, pp. 237-270. Collins, R., 1971, «Istruzione e stratificazione: teoria funzionalista e teoria dei conflito», in
Barbagli, M„ 1978. Collins, R., 1977, «Sistemi educativi e tipi di stratificazione», in Barbagli, M., 1978. Collins, R., 1992,
«Women and the Production of Status Culture», in Lamont, M., Fournier, M. (eds.), Cultivating Differences, Symbolic Boundaries and in the Making oflnequality, Chicago University Press, Chicago, 1992.
Commaille, J., 1994, L'esprit sociologique des lois, P.U.R, Paris. Comte, A., 1844, «Discorso sullo spirito positivo», in Comte, A.,
Corso di filosofia positiva, UTET, Torino, 1967. Cooley, C. H., 1909, Uorganizzazione sociale, Comunità, Milano, 1963. Corbetta, P. et ai, 1987, «La
partecipazione sociale in Itália», in Polis, I, 1, pp. 3-99. Corradi, C, 1988, Método biográfico come método ermeneutico. Una
rilettura dei contadino polaco, F. Angeli, Milano. Crane, D., 1976, «Reward Systems in Art, Science and Religion», in Peterson, R. A., 1976. Crane, D.,
1987, The Transformation of Avant-Garde, Chicago University Press, Chicago. Crane, D., (ed.), 1994, The Sociology of Culture,
Blackwell, Oxford. Crespi, R, 1965, «Crisi dei sacro, irreligione, ateísmo», in Rivista di Sociologia, 6, pp. 33-84. Crespi, R, 1971, «TV e partecipazione
sociale», in Informazione Radio-TV, 611, pp. 13-16. Crespi, R, 1982, Mediazione simbólica e società, R Angeli, Milano. Crespi, F.
(dir. de), 1987, Ideologia e produzione di senso nella società contemporânea, F. Angeli, Milano. Crespi, F. (dir. de), 1989, Sociologia e cultura: nuovi paradigmi teorici e metodi dl ricerca nello
studio dei processi culturali, R Angeli, Milano. Crespi, R (dir. de), 1992, Azione sociale e pluralità culturale, R Angeli, Milano.
Crespi, R, 1993, Evento e struttura: per una teoria dei mutamento sociale, II Mulino, Bologna. Crespi, R, 1994a, Le vie delia sociologia, II Mulino, Bologna. Crespi, R, 1994b, «La religione come forma di mediazione simbólica: verso una religiositá senza
religione?», in Mongardini, C, Ruini, M. (dir. de), Religio, Bulzoni, Roma. Crespi, R, 1994c, Imparare ad esistere, Donzellí,
Roma. Crespi, R, MUCCHI Faina, A., 1988, Le stategie delle minoranze attive. Una ricerca empírica sul movimento delle donne, Liguori, Napoli. Crespi, R, Mucchi Faina, A., 1990, Influenza sensa potere, RAI-VQPT, Roma.
Cristofori, C, 1990, Stato di moratória. Le rappresentazioni sociali dei giovani dali'autonomia
alia segregazione sociale, F. Angeli, Roma. CROzrER, M„ 1963, II fenómeno burocrático, Etas Librí, Milano, 1989. Crozier, M., Friedberg, E., 1977, Attore sociale e sistema, Etas Libri, Milano, 1978. Cyert, R. M., March, J. G., 1963, Teoria dei
comportamento nell'impresa, F. Angeli, Milano, 1970. Czarnowski, J., 1919, Le culte des héros et ses conditions sociales: Saint
Patrick, Héros National d'Irlande, Alcan, Paris. Dal Lago, A., 1994a, «Introduzione alPedizione italiana», in Bloor, 1994, pp. XI-XXIV. Dal Lago, A.,
1994b, «La sociologia come genere di scrittura», in Rassegna Italiana di Sociologia, XXXV, 2, pp. 161-187. D'amato, M., 1989,
Per amore, per gioco, perforza, RAI-VQTP, Roma. Danto, A. C, 1962, «Methodological Individualism and Methodological Socialism», in 0'Neil,
}., Modes of Individualism and Collectivism, Heinemann, London, 1973.
255
Davis, F. J. et ai., 1962, Society and the Law: New Meanings for an Old Profession,
The Free
Press, New York. Davis, K., 1948, Human Society, MacMillan, New York. De Lillo, A., Schizzerotto, A., 1985, La valutazione sociale delle occupazione, II
Mulino,
Bologna. De Man, P., 1983, Blindness and Insight, University of Minnesota Press, Minneapolis. De Man, P., 1984, The Rethoric ofRomanticism, Columbia
University Press, New York. De Paz, A., 1980, Sociologia e critica delle arti,
CLUEB, Bologna. De Paz, A., 1986, L"immagine fotográfica, CLUEB, Bologna. De Paz, A., 1992, «Uarte nelPepoca post-moderna», in Crespi, F. (dir. de), 1992. Derné,
S., 1994, «Cultural Conceptions of Human Motivation and their Significance for
Cultural Theory», in Crane, D. (ed.), 1994, pp. 267-287. Derrida, J., 1967a, La scrittura e
la differenza, Einaudi, Torino, 1990. Derrida, J., 1967b, La você e il fenómeno, Jaca Book, Milano, 1984. Derrida, J., 1967c, Delia Grammatología, Jaca Book, Milano,
1989. Detienne, M., 1981, Uinvention de la mithologie, Hachette, Paris. Dilthey, W.,
1883, Introduzione alie scienze dello spirito, Paravia, Torino, 1969. Dilthey, W., 1910, «Studi per la fondazione delle scienze dello spirito», in Dilthey, W., Critica
delia ragione storica, Einaudi, Torino, 1954. Dobbin, F. R., 1994, «Cultural
Models of Organization: the Social construction of rational organizing principies», in Crane, D. (ed.), 1994, pp. 117-142.
Doise, W., 1984, «Rappresentazioni sociale, esperimenti
intergruppi e livelli di analisi», in Farr-Moscovici (dir. de), 1984. Droysen, J., 1868, Sommario di
istorica, Sansoni, Firenze, 1967.
Duguit, L., 1912, Les transformations générales du droit prive depuis le Code Napoléon, Paris. During, S. (ed.), 1993, The Cultural Studies Reader, Routledge,
London. Durkheim, E., 1893, Delia divisione dei lavoro sociale, Comunità, Milano,
1971. Durkheim, E., 1895, Le regole dei método sociológico, Comunità, Milano, 1963. Durkheim, E„ 1897, II suicídio, UTET, Torino, 1969.
Durkheim, E., 1902, «Introduzione», in Delia divisione dei lavoro sociale, cit. 2." ed.
Durkheim, E., 1912, Le forme elementari delia vita religiosa, Comunità, Milano, 1971. Durkheim, E., 1922, La sociologia e V educazione, Newton Compton Italiana,
Roma, 1971. Durkheim, E., 1925, Sociologie et philosophie, Alcan, Paris. Durkheim,
E., 1938, L'évolution pédagogique en France, Alcan, Paris. Durkheim, E., Mauss, M., 1903, Classifications primitives, Alcan, Paris. Eco, U., 1962, Opera aperta,
Bompiani, Milano. Eco, U., 1975, Trattato di semiótica generale, Bompiani, Milano.
Eco, U., 1979, Lector in fabula, Bompiani, Milano. Eco, U., Fabbri, P, 1978, «Progetto di ricerca sulPutilizzazione deirinformazione ambientale», in
Problemi deli'informazione, 4, pp. 555-597. Edelman, M., 1976, Gli usi simbolici
delia politica, Guida, Napoli, 1987. Ehrlich, E., 1913, Grundlegung der Soziologie des Rechts, Miinchen. Eisenstadt, S. N., 1956, Da generazione a generazione, Etas
Kompass, Milano, 1971. Eisenstadt, S. N., 1968, The Protestam Ethic
andModernization, Basic Books, New York, 1973. Eliade, M., 1957, // sacro e il profano, Boringhieri, Torino, 1967.
Elias, N., 1939, Potere e civiltà. II processo di civilizzaz.ione, II, II Mulino, Bologna,
1987. Elias, N., 1983, Coinvolgimento e distacco. Saggi di sociologia delia conoscenza, II Mulino,
Bologna, 1988 Elster, J., 1979, Ulisse e le sirene, II Mulino, Bologna, 1983. Elster, J., 1983, Uva acerba. Versione non
ortodosse delia razionalità, Feltrinelli, Milano, 1989.
256
1
Emerson, A. E., 1956, «Homeostasis and the Comparyson of Systems», in Grinker, R. Sr., Towards
a Unified Theory of Human Behaviour: An Introduction to General Systems Theory, Basic
Books, New York. Emerson, R. M., 1972, «Exchange Theory, Part I and II», in Berger, J., Zelditch, M., Anderson, B. (eds.), Sociological Theories in Progress, Houghton Mifflin, New York. Engelmann, P., 1967, Lettere di L.
Wittgenstein, La Nuova Itália, Firenze, 1970. Engels, R, 1890, «Lettere a Joseph Bloch», in Marx, K., Engels, R, Opere
scelte, Editori Riuniti. Roma, 1969. Erikson, E. H., 1963, Infância e società, Armando, Roma, 1966. Escarpit, R., 1970, Le littéraire et le
social, Plammarion, Paris. Etzioni, A., 1961, Complex organizations, The Free Press, New York. Fagen, R., 1969, The
Transformation of Politicai Culture in Cuba, Stanford University Press, Stanford. Farr, R. M., Moscovici, S. (dir. de), 1984, Rappresentazioni sociali, II Mulino, Bologna, 1989. Fayol, H.,
1916, Direzione industriale e generale, R Angeli, Milano, 1973. Featherstone, M. (ed.), 1991, Global Culture, Nationalism,
Globalization andModernity, SAGE, London. Ferrara, A., 1989, Modernità e autenticità, Armando, Roma. Ferrari, V, 1987, Funzione dei diritto, Laterza,
Roma-Bari. Ferrarotti, L., 1981, Storia e storie di vita, Laterza, Roma-Bari. Feuerbach, L., 1841, Uessenza dei
cristianismo, Ed. Cooperativa Libro Popolare, Milano, 1949-1952. Filippone, V, 1964, Società e cultura nel pensiero di Max Scheler, I-II, Giuffrè, Milano. FiSke, J., 1986, «Television:
Polisemy and Popularity», in Criticai Studies in Mass Communication,
vol. 3, n.° 4. Fiske, J., 1987, Television Culture, Methuen, London. Fligstein, N., 1990, The Transformation of Corporate Control, Harvard University Press,
Cambridge. Foester, von, H., 1981, Observing Systems, Intersystem, Seaside. Foester, von, H., Zopf, G. W, 1962 (eds.),
Principies of Self-Organiz.ing Systems, Pergamon Press, New York. Foucault, M., 1961, Storia delia folia neWetà clássica, Rizzoli, Milano, 1963. Foucault, M., 1969a,
Archeologia dei sapere, Rizzoli, Milano, 1971. Foucault, M., 1969b, «Che cos'è un autore», in Scritti letterare, Feltrinelli,
Milano, 1971. Foucault, M., 1977, Microfisica delpotere, Einaudi, Torino. Frazer, J., 1911-1915, II ramo d'oro, Boringhieri, Torino, 1973. FRIEDMAN, J., 1994, Cultural Identity and Global Process, SAGE, London. Fromm, E., 1955,
Psicoanalisi delia società contemporânea, Communità, Milano, 1960. Gadamer, H. G., 1960, Verità e método, Bompiani,
Milano, 1983. Galimberti, C. (dir. de), 1992, La conversazione, Guerini, Milano. Gallino, L., 1982, «Deiringovernabilità», in Statera, G. (dir. de), Consenso e conflitto nella
società contemporânea, R Angeli, Milano. Gambetta, D., 1987, Per amore o per forza? Le decisioni scholastiche
individuali, II Mulino, Bologna, 1990. Gans, H. J., l974,Popular Culture andHigh Culture in a Changing Class Structure, Basic Books,
New York. Garelli, R, 1981, «Giovani, chiesa e associazionismo», in Milanesi, G. (dir. de), 1981. Garelli, R, 1986, La
religione dello scenario. La persistenza delia religione tra i lavoratori, II Mulino, Bologna. Garfinkel, H., 1964, Studies in Social Interaction, The Free Press, Glencoe.
1 257
Garfinkel, H., 1967 (ed.), Studies in Ethnomethodology, Prentice-Hall, Englewood
Cliffs. Garfinkel, H., 1974, «The Origins of the Term Ethnomethodology», in Turner,
R. (ed.), 1974, pp. 15-18. Garfinkel, H., Lynch, M., Livingston, E., 1981, «The Work of a
Scientific Science Construed
with Materials of the Optically Discovered Pulsar», in Philosophy ofthe Social Sciences, XI, pp. 131-158. Gaspard, R, Khosrokhovar, R, 1955, Lefoulard et la Republique, La Découverte, Paris. Geertz, C, 1973,
lnterpretazione di culture, II Mulino, Bologna, 1987. Gehlen, A., 1940, Uuomo, la sua natura, il suo posto nel mondo, Feltrinelli,
Milano, 1983. Geiger, T, 1947, Vorstudien zu einer Soziologie des Rechts, Duncker & Humblot, Copenhagen. Gerth, H., Mills, C. W., 1953, Carattere e struttura sociale, UTET, Torino, 1969. Gherardi, S., 1985, Sociologia delle decisioni organizzative, II
Mulino, Bologna. Gherardi, S., Strati, A., 1994, Processi cognitive delTagire organizzativo: strumenti di analisi,
Quaderno 21, Dip. to di Sociologia e Ricerca Sociale, Università di Trento, Trento. Ghiglione, R.(dir. de), 1986, Uhomme communiquant, Colin, Paris. Giddens, A., 1976, Nuove regole dei método sociológico, II Mulino, Bologna, 1979. Giddens, A.,
1984, La costituzione delia società, Comunità, Milano, 1990. Giddens, A., 1990, Conseguenze delia modernità, II Mulino, Bologna,
1994. Gierke, von, O., 1868, Das deutsche Genossenschaftsrecht, Buchendlung, Berlin, 1887. Giglioli, P. P. (dir. de), 1968, «Introduzione» ao número especial dedicado à Sociolinguística, in
Rassegna Italiana di Sociologia, IX, 2, pp. 191-197. Giglioli, P. P. (dir. de), 1973, Linguaggio e società, II Mulino, Bologna.
Giglioli, P. P, Dal Lago, A. (dir. de), 1983, Etnometodologia, II Mulino, Bologna. Gilbert, G. N„ Mulkay, M. J., \9%A,Opening Pandoras Box: A Sociological Analysis ofScientific
Discourse, Cambridge University Press, Cambridge. Goffman, E., 1959, La vita quotidiana come rappresentazione, II Mulino,
Bologna, 1969. Goffman, E., 1961a, Asylums, Einaudi, Torino, 1968. Goffman, E., 1961b, Espressione e identità, Mondadori, Milano, 1979. Goffman, E., 1963, // comportamento in publico, Einaudi, Torino, 1971. Goffman, E.,1967, Modelli di interazione, II
Mulino, Bologna, 1971. Goffman, E., 1971, Relations in Public, Basic Books, New York. Goffman, E., 1981, Forme delparlare, II
Mulino, Bologna, 1987. Goldman, S., 1953, Information Theory, Constable, London. Goldmann, L., 1964, Per una sociologia dei romanzo, Bompiani, Milano, 1967. Goldmann, L., 1970, Marxisme et sciences humaines, Gallimard, Paris. Gole, N., 1995,
«Lémergence du sujet islamique», in Dubet, F., Wieviorka, M. (dir. de), Penser
le sujet: autour d'Alain Touraine, Fayard, Paris, 1995. Gouldner, A., 1954,Modelli di burocrazia aziendale e lo sciopero a gatto selvaggio, Etas Kompas,
Milano, 1970. Gramsci, A., 1949, Gli intellettuali e Torganizzazione delia cultura, Editori Reuniti, Roma,
1971. Granet, M., 1934, La pensée chinoise, La Renaissance du Livre, Paris. Graziano, L.,1984, Clientelismo e sistema politico. II caso deli'Itália, F. Angeli, Milano. Greenfeld, L., 1992, Nationalism: five roads to modernity, Harvard University Press,
Cambridge. Grice., P. H., 1957, «Meaning», in The Philosophical Review, n.° 66, pp. 377-388. Guizzardi, G., 1976, «Mutamenti nei
significati delia religione», in Acquaviva, S. S., Mutamento sociale e contradizzioni culturali, La Scuola, Brescia, pp. 139-187. Guizzardi, G., 1981, «Alia ricerca di una sociologia
scientifica delle religioni», in Guizzardi, G.,
Pace, E. (dir. de), Sapere e potere religioso, De Donato, Bari, pp. 9-50. Guizzardi, G., 1986, La narrazione dei carisma, ERI, Torino.
258
Gulick, L., Urwick, L. (eds.), 1937, Papers on the Science of Administration,
Columbia University
Press, New York. Gurvitch, G., 1953, Sociologia dei diritto, Comunità, Milano, 1957.
Gurvitch, G., 1960, «Sociologie du droit», in Gurvitch, G. (dir. de), Traité de
Sociologie, P.U.F., Paris. Haacke, H., 1975, Framing andBeing Framed, New York University Press, New York. Habermas, J., 1962, Storia e critica deli'opinione
pubblica, Laterza, Roma-Bari, 1974. Habermas, J., 1968, Conoscenza e interesse,
Laterza, Bari, 1970. Habermas, J., 1976, Per la ricostruzione dei materialismo storico, Etas Libri, Milano,
1979. Habermas, J., 1981, Teoria delTagire comunicativo, vols. I-II, II Mulino,
Bologna, 1986. Habermas, J., 1994, «Struggles for the Recognition in the Democratic Constitutional State», in
Taylor C. (ed.), 1994, pp. 107-148. Habermas, J., Luhmann, N., 1971, Teoria
delia società o tecnologia sociale?, Etas Libri, Milano, 1973. Hall, S. (ed.), 1980, Culture, Media, Language: Working Papers in
Cultural Studies, Hutchinson,
London. Halton, E., 1992, «The Cultic Roots of Culture», in Múnch, R. Smelser, N. J. (eds.), 1992. Hannerz, U., Í969, Soulside: Inquiries into Ghetto Culture and
Community, Columbia University
Press, New York. Harsanyi, J., 1969, «Rational Choice Models of Politicai Behaviour vs. Functionalist and
Conformist Theories», in World Politics, XXI, 4. Harvey, D., 1989, La crisi delia
modernità, II Saggiatore, Milano, 1993. Hauriou, M., 1912, La souveraineté nationale. Paris. Hauser, A., 1951, Storia sociale deli'arte, Einaudi, Torino, 1956.
Hazard, P, 1963, La pensée européenne au xvm siècle, Fayard, Paris. Hegel, G. W. R,
1807, Fenomenologia dello spirito, La Nuova Itália, Pirenze, 1960. Hebdige, D., 1979, Sottocultura. IIfascino di uno stilo innaturale, Costa & Nolan, Génova, 1983.
Heidegger, M., 1927, Essere e tempo, Bocca, Milano, 1953.
Heinrich., M. 1976, «Cultural Breakthroughs», in Peterson, R. A. (ed.), 1976, pp. 23-40. Heisenberg, W., 1958, Física e filosofia, II Saggiatore, Milano, 1963. Henderson,
L. J., 1935, Pareto's General Sociology. A Phisiologisfs Interpretation, Harvard
University Press, Cambridge. Herlich, E., 1913,1 fondamenti delia sociologia dei diritto, Giuffrè, Milano, 1976. Hertzler, J. O., 1965, A Sociology ofLanguage, Holt,
New York. Hesse, M., 1987, «Socializzare 1'epistemologia», in Rassegna Italiana di
Sociologia, XXVIII, n.°3, pp. 331-356. Hirsch, P. M., 1972, «Processing Fads and Fashions: An
Organization Set Analysis of Cultural
Industry System», in American Journal of Sociology, 11, pp. 639-659. Hirschman, A., 1977, Le Passioni e gli interessi,
Feltrinelli, Milano, 1979. Hirschman, A., 1991, «Riforme pericolose», in II Mulino, XL, 334. Hoggart, R., The Uses
ofLiteracy, Transaction, New Brunswick.
Horkheimer, M., Adorno, T. W., 1947, Dialettica deWIlluminismo, Einaudi, Torino, 1966. Horkheimer, M., Adorno, T. W., 1956, Lezioni di Sociologia, Einaudi, Torino,
1966. Hubert, H., Mauss, M., 1929, Mélanges d'histoire des religions, Alcan, Paris.
HUGHES, R., 1993, La cultura deipiagnisteo. La saga dei politicamente corretto, Adelphi, Milano, 1994. Hunt, L., 1984, Politics, Culture and Class in the Frendi
Revolution, University of Califórnia
Press, Berkeley. Husserl, E., 1913,Idee per una fenomenologia pura e per une filosofia fenomenologica, I, Einaudi,
Torino, 1965. Husserl, E., 1952, Idee per una fenomenologia pura e per una
filosofia fenomenologica, II—III, Eunaudi, Torino, 1965.
259
Husserl, E., 1954,La crisi delle scienze europee e la fenomenologia trascendentale, II
Saggiatore,
Milano, 1961. Hymes, D., 1964, «Directions in (Ethno)-Linguistics Theory», in American Anthropologist, LX VI,
3, II, pp. 6-56. Inghilleri, P, 1995, Esperienza soggettiva, personalità, evoluzione
culturale, UTET Libreria, Torino. Inglehart, R., 1977, La rivoluzione silenziosa, Rizzoli, Milano, 1983.
Inglehart, R., 1989, Culture Shift, Princeton University Press, Princeton. Inglis, R,
1993, Cultural Studies, Blackwell, Oxford. Irigaray, L., 1974, Speculum. Ualtra donna, Feltrinelli, Milano, 1975. Irigaray, L., 1980, Amante marina, Feltrinelli,
Milano, 1981. Irigaray, L., 1985, Ética delia differenza sessuale, Feltrinelli, Milano,
1985. IviNS, W. M., 1960, How Prints Look: Photographs with a Comentary, Beacon, Boston. Jacques, R, 1986, «La mise en communaute de 1'énonciation», in
Langage, a." 81, pp. 47-71. *, Janowitz, M., 1952, The Community Press in an
Urban Setting, The Free Press, Glencoe. Jaques, E., 1951, Autorità e partecipazione nelTazienda, R Angeli, Milano, 1975. Jedlowski, P, 1989, Memoria, esperienza e
modernità, F. Angeli, Milano. Jedlowski, P, 1995, // sapere deli'esperienza, II
Saggiatore, Milano. Jensen, K., 1987, «Qualitative Audience Research: Toward an Integrative Approach to Reception»,
in Criticai Studies in Mass Communication, n." 4. Joas, H., 1992, Die Kreativitdt
des Handelns, Suhrkamp, Frankfurt a.M. Jules-Rosette, B., 1983, «La rappresentazione dal sé e dalFaltro: la produzione di significato
nella tourist art africana», in Crespi, F. (dir. de), 1987. Karabel, J., Halsey, A. H.
(eds.), 1977, Power and Ideology in Education, Oxford University Press, New York. Katz, E., Cartwright, D., Eldersveld, S., Lee, A. M., 1954,
Public Opinion and Propaganda,
Holt, Rinehart & Winston, New York. Katz, E., Lazarsfeld, P. R, 1955, Uinjluenza personale nelle comunicazione di massa, ERI,
Roma, 1968. Kavanagh, D., 1980, «Politicai Culture in Britain: the decline of
civic culture», in Almond G. A., Verba, S. (eds.), 1980, pp. 124-176. Keesing, R. M., 1974, «Theories of Culture»,
in Annual Review of Anthropology, 3, pp. 73-97. Kerbrat Orecchioni, C, 1990, Les
interactions verbales, Colin, Paris. Kertzer, D. I., 1988, Riti e simboli deipotere, Laterza, Roma-Bari, 1989. Key, V. O., 1961, Public Opinion and American
Democracy, Knopf, New York. Kluckhohn, C, 1949, Lo specchio delTuomo,
Garzanti, Milano, 1979. Knorr Cetina, K. D., 1981, The Manufacture of Knowledge. An Essay on the Constructivist and
Contextual Nature of Science, Pergamon Press, Oxford. Knorr Cetina, K. D.,
Mulkay, M. J. (eds.), 1983, Science Observed: perspectives on the Social Study of Science, SAGE, London. Kornhauser, W., 1960, The Politics ofMass
Society, Routledge and Kegan Paul, London. Kroeber, A. L., 1952, La natura delia cultura, II Mulino, Bologna, 1974. Kroeber, A. L., Kluckhohn, C, 1963, Culture: A
Criticai Review ofConcepts and Dejinitions,
Random House, New York. Kuhn, TH., 1962, La struttura delle rivoluzioni scientifiche, Einaudi, Torino, 1978. Labov, W., 1970, «Lo studio dei linguaggio nel
suo contesto sociale», in Giglioli, R P, 1973. Lanzara, G. R, 1987, «La progettazione
delPazione. Mappe cognitive e dilemmi dei comportamento in una situazione organizzativa complessa», in Crespi, F. (dir. de), 1987. Larsen, O. N., 1968, Violence
and the Mass Media, Harper & Row, New York. Lasch, C, 1979, La cultura dei
narcisismo, Bompiani, Milano, 1981.
260
Lasswell, H. D., 1927, Propaganda Technique in the World War, Knopf, New York.
Lasswell, H. D., Leites, N„ 1949, Language and Politics: Studies in Quantitative
Semantics, Stewart, New York. Latour, B., Woolgar, S., 1979, Laboratory Life. The Social
Construction of Scientific Facts,
SAGE, London. Lazarsfeld, P. R, 1963, «Mass media e influenze personali», in Lazarsfeld P. F, 1967, pp. 874-887.
Lazarsfeld, P. R, 1967, Metodologia e ricerca sociológica, II Mulino, Bologna.
Lazarsfeld, P. R, Merton, R. K., 1948, «Mezzi di Comunicazione di massa, gusti popolari e
azione sociale organizzata», in Lazersfeld, P. R, 1967. Le Brás, G., 1942-1945,
Introduction à THistoire de la pratique religieuse en France, I-II, Colin, Paris. Lefebvre, H., 1974, La production de Tespace,
Anthropos, Paris.
Lemert, E. M., 1972, Devianza, problemi sociali e forme di controllo, Giuffrè, Milano, 1981. LÉvi-Strauss, C, 1947, Le strutture elementari delia parentela,
Feltrinelli, Milano, 1969. Lévi-Strauss, C, 1955, Tristi Tropici, II Saggiatore, Milano,
1960. Lévi-Strauss, C, 1958, Antropologia strutturale, II Saggiatore, Milano, 1975. Lévi-Strauss, C, 1961, Razza e storia, Einaudi, Torino, 1967. Lévi-Strauss, C, 1962,
// totemísmo oggi, Feltrinelli, Milano, 1964. Lévi-Strauss, C, 1964, // crudo e il cotto,
II Saggiatore, Milano, 1966. Lévi-Strauss, C, 1966, Dal mlele alie ceneri, II Saggiatore, Milano, 1966. Lévi-Strauss, C, \91\,L'uomo nudo, II Saggiatore, Milano,
1974. Levinson, S. C, 1983, Pragmática, II Mulino, Bologna, 1985. Lévi-Bruhl, H.,
1961, Sociologie du droit, P.U.F., Paris. LÉvi-Bruhl, L., 1910, Les fonctions mentales dans les sociétés inférieures,
P.U.R, Paris. Lévi-Brhul, L., 1922, La mentalité primitive, P.U.R, Paris. Lévi-
Bruhl, L., 1927, L'âme primitive, P.U.R, Paris. Lipset, S. M., 1959, Politicai Man: The Social Bases of Politics,
Heinemann, London. Lipset, S. M., Schneider, W., 1983, The Confidence
Gap, The Free Press, New York. Livolsi, M., 1969, Comunicazioni e cultura di massa, Hoepli, Milano.
Livolsi, M., ROSITI, R (dir. de), 1988,La ricerca sull'industria culturale, La Nuova
Itália, Firenze. Lockwood, D., 1964, «Social Integration and System Integration», in Zolschan G. H., Hirsch,
W. (eds.), Explorations in Social Change, Houghton Mifflin, Boston. Lomax, A,
1970, «Song Structure and Social Structure», in Albrecht M. C. et ai. (eds.), The Sociology ofArt and Literature: a Reader, Praeger, New York. Lowie, R. H.,
1920, Primitive Society, Liveright, New York. Luckmann, T., 1966, La religione
invisibile, II Mulino, Bologna, 1969. Luhmann, N„ 1970, Iluminismo sociológico, II Saggiatore, Milano, 1983. LUHMANN, N., 1971, Senso come conceito fondamentale
delia sociologia, in Habermas, J., Luhmann, N., 1973. Luhmann, N., 1972, Sociologia dei diritto, Laterza,
Roma-Bari, 1979. Luhmann, 1975, Potere e complessità sociale, II
Saggiatore, Milano, 1979. Luhmann, N., 1977, Funzjone delia religione, Morcelliana, Brescia, 1991. Luhmann, N., 1980, Struttura delia società e
semântica, Laterza, Roma-Bari, 1983. Luhmann, N„ 1983, Iluminismo
sociológico, II Saggiatore, Milano, 1983. Luhmann, N., 1984, Sistemi sociali, II Mulino, Bologna, 1990. Luhmann, N., Schorr, K. E., 1988, //
sistema educativo, Armando, Roma. Lukács, G., 1911, V anima e le forme,
SugarCo, Milano, 1972. Lukács, G., 1916, Teoria dei romanzo, SugarCo, Milano, 1962. Lukács, G., 1923, Storia e coscienza di classe, SugarCo,
Milano, 1967.
261
in Lukács, G., 1954, La distruzione delia ragione, Einaudi, Torino, 1959.
Lukács, G., 1956, // significato attuale dei realismo critico, Einaudi, Torino, 1957.
Lukács, G., 1963, Scritti di sociologia delia letteratura, SugarCo, Milano, 1964. Lull, J., 1980, «The Social Uses of Television», in Human Communication Research,
vol. 6, n.° 3.
Lynch, M., Livingston, E., Garfinkel, H„ 1983, «Temporal Order in Laboratory Work», in Knorr
Cetina-Mulkay, 1983. Lyotard, J. F., 1979, La condizione postmoderna,
Feltrinelli, Milano, 1981. Malinowski, B., 1926, Crime and Custom in Savage Society, Littlefield, Paterson, 1959. Malinowski, B., 1944, Teoria scientifica delia
cultura e altri saggi, Feltrinelli, Milano, 1962. Mancini, P, 1985, Videopolitica, ERI, Roma. Mancini, P, 1991, Guardando il telegiornale, ERI, Roma.
Manciulli, M., Potestà, L., Ruggeri, R, 1986, // dilemma organizzativo, F. Angeli,
Milano. Mannheim, K., 1925, Sociologia delia conoscenza, Dédalo, Bari, 1974. Mannheim, K., 1927, Conservatorismo. Nascita e sviluppo dei pensiero
conservatore, Laterza,
Roma-Bari, 1989. Mannheim, K., 1929, Ideologia e utopia, II Mulino, Bologna, 1965. Mannheim, K., 1931, «Wissenssoziologie», in Vierkandt, A. (ed.),
Handwortenbuch der
Soziologie, Enke, Stuttgart. Mannheim, K., 1935, Uuomo e la società in un'età di ricostruzione, Comunità, Milano, 1959. Mannheim, K., Stewart, W. A., 1962,
Introduzione alia sociologia deli'educazione, La Scuola,
Brescia, 1967. Maquet, J. J., 1949, Sociologie de la connaissance, Nauwelaerts-IRES, Louvain. Marcuse, H., 1964, Uuomo a una dimensione, Einaudi, Torino, 1967.
Marletti, C, 1984, Media e politica, R Angeli, Milano. Marquard, O, 1987, Apologia
dei caso, II Mulino, Bologna, 1991. Marradi, A., 1980, Concetti e metodi per la ricerca sociale, Giuntina, Firenze. Martelli, S., 1990, La religione nella società post-
moderna, EDB, Bologna. Marx, K., 1843, «Per la critica delia filosofia dei diritto di
Hegel», in Opere Complete, vol. III, Editori Riuniti, Roma, 1976. Marx, K., 1845, «Tesi su Feuerbach», in Opere
Complete, cit., vol. X, 1977. Marx, K., 1846, Uideologia tedesca, Editori Riuniti,
Roma, 1958. Marx, K., 1851 ,Lineamenti fondamentali delia critica deli' economia politica, I-II, Einaudi, Torino,
1976. Marx, K., 1867, // Capitale, I, Editori Riuniti, Roma, 1974. Marx, K.,
Engels, R, 1848, «Manifesto dei partito comunista», in Opere Complete, cit., vol. VI, 1973. Maturana, H., Varela, R, 1980, Autopoiesi e cognizione, Marsilio, Padova,
1985. Maturana, H., Varela, R, 1985, Ualbero delia conoscenza, Garzanti, Milano.
McCarthy, E. D., 1995, «Le emozioni sono soggetti sociali», in Turnaturi, G. (dir. de), 1995. McClelland, D., 1962, Talent and Society, Van Nostrand, New York.
McGinnis, J., 1968, La campagna per il presidente, Mondadori, Milano, 1970.
McLuhan, M., 1964, Gli strumenti dei comunicare, II Saggiatore, Milano, 1967. McLuhan, M., Powers, B. R., 1986, // villaggio globale, SugarCo, Milano, 1989.
McQuail, D., 1994, Mass Communication Theory, SAGE, London, 1973. Mead, G.
H., 1934, Mente, sé e società, Giunti-Barbera, Firenze, 1972. Melucci, A., 1982, L'invenzione delpesente, II Mulino, Bologna. Melucci, A., 1994, Creatività, miti,
discorsi, processi, Feltrinelli, Milano. Merton, R., 1949, Teoria e struttura sociale:
Sociologia delia conoscenza, III, II Mulino, Bologna, 1971. Milanesi, G. (dir. de), 1981, Oggi credono cosi. Indagine multidisciplinare sulla domando religiosa dei
giovani italiani, 2 vols., Leumann ElleDiCi, Torino.
262
Mills, C. W, 1956, Le elites dei potere, Feltrinelli, Milano, 1966.
Mills, C. W., 1971, Saggi di sociologia delia conoscenza, Bompiani, Milano.
Mitscherlich, A., 1963, Verso una società senza padre, Feltrinelli, Milano, 1970. Mizzau, M., 1994, «II terzo cómodo», in Rassegna Italiana di Sociologia, XXXV, 2,
pp. 189-203.
Mongardini, C, 1994, «La religiosità e le forme dei sociale inG. Simmel», in Simmel, G., 1912,
pp. 9-53. Montesquieu, C. L., 1721, Lettere persiane, Frassinelli, Milano,
1995. Montesquieu, C. L., 1748, Lo spirito delle leggi, I-II, UTET, Torino, 1952. Mooney, J. D., Reiley, A. C, 1938, Principi di organizzazione, R Angeli,
Milano, 1958. Moravia, S., 1982, Filosofia e scienze umane nelTetà dei lumi,
Sansoni, Firenze. Morgan, L. H., 1877, La società antica, Feltrinelli, Milano, 1970.
Morin, E., 1962, U industria culturale. Saggio sulla cultura di massa, II Mulino,
Bologna, 1963. Morley, D., 1986, Family Television, Comedia, London. Morra, G. R, 1987, M. Scheler. Una introduzione, Armando, Roma. Morra, G. R., 1990,
Introduzione alia sociologia dei sapere, La Scuola, Brescia. Moruzzi, L., 1992,
Rappresentazioni dei mondo, R Angeli, Milano. Moulin, R., 1967, Le marche de la peinture en France, Ed. de Minuit, Paris. Moulin, R., 1978, «La genèse de la rareté
artistique», in Revue o"Ethnologie Française, 8,
pp. 241-258. Mukerji, C, 1994, «Toward a Sociology of Material Culture: Science Studies, Cultural Studies
and the Meanings of Things», in Crane, D. (ed.), 1994, pp. 143-162. Mukerji, C,
Schudson, M., 1986, «Popular Culture», in Annual Review of Sociology, 12, pp. 47-66. Mulkay, M. J., 1979, La scienza e la sociologia delia conoscenza,
Comunità, Milano, 1981. Múnch, R., Smelser, N. J. (eds.), 1992, Theory of Culture,
University of Califórnia Press, Berkeley. Muraro, L., 1991, Uordine simbólico delia madre, Editori Riuniti, Roma. Nesti, A., 1969, / comunisti, Taltra Itália, EDB,
Bologna. Nesti, A., 1978, «La religione nelle classi subalterne nellTtalia
meridionale», in Saija F. (dir. de), Questione meridionale, religione e classi subalterne, Guida, Napoli. Neumann,
von, J., Morgenstern, O., 1947, Theory of Games and Economic Behavior, Princeton
University Press, Princeton. Nown, G., 1985, Coronation Street: 25 Years, Ward Lock, London. 0'Dea, T., 1966, Sociologia delia religione, II Mulino, Bologna, 1968.
Otto, R., 1917, II sacro, Feltrinelli, Milano, 1984. Ouchi, W., Wilkins, A., 1985,
«Organizational Culture», in Annual Review of Sociology, 11, pp. 457-483. Pagliano, G., 1972, Sociologia delia letteratura, II Mulino, Bologna.
Pagliano, G., 1993, Profilo di sociologia delia letteratura, Nuova Itália Scientifica,
Roma. Pagliano, G. (dir. de), 1994, Perche leggere, Bonanno, Acireale. Pareto, V, 1916, Trattato di sociologia generale, Comunità, Milano, 1964. Pareyson, L., 1982,
Verità e interpretazione, Mursia, Milano. Pareyson, L., 1985, «Filosofia ed esperienza religiosa», in Annuario Filosófico, n.° 1, Mursia,
Milano. Parisi, A., Pasquino, G. (dir. de), 1977, Continuità e mutamento
elettorale in Itália, II Mulino, Bologna. Parsons, T., 1937, La struttura deli'azione sociale, II Mulino, Bologna.
Parsons, T, 1945, «Differenze di razza e di religione come fattore di tensioni tra i
gruppi», in Sciortino, G. (dir. de), 1994. Parsons, T, 1951a, Toward a General Theory of
Action, Harvard University Press, Cambridge,
Mass.
263
Parsons, T, 1951b, // sistema sociale, Comunità, Milano, 1965.
Parsons, T., 1960, Structures and Process in Modem Societies, The Free Press,
Glencoe. Parsons, T., 1961, Theories of Society, I-II, The Free Press, Glencoe.
Parsons, T., 1962, Law and Sociology: Exploratory Essays, The Free Press, New
York. Parsons, T, 1963, «II Cristianesimo e la moderna società industriale», in Zadra, D.,
1969.
Parsons, T, 1964, Social Structure and Personality, The Free Press, Glencoe. Parsons, T, 1968, «II ruolo delPidentità nella teoria generale delPazione sociale», in
Sciolla, L.,
1983, pp. 63-88. Parsons, T, 1977, Social Systems and the Evolution ofAction, The Free Press, New York. Parsons, T, Bales, R. R, Shils, E., 1953, Working Papers
in the Theory ofAction, The Free
Press, Glencoe. Passerini, L., 1988, Storia e soggettività, La Nuova Itália, Firenze. Pateman, C, 1980, «The Civic Culture: a philosophical critique», in Almond G. A.,
Verba, S.
(eds.), 1980, pp. 57-102. Patterson, T. E., McClure, R. D., 1976, The Unseeing Eye: the Myth of Television Power in
National Politics, Putnam's Sons, New York. Perniola, M., 1990, Enigmi - II
momento egizio nella società e nelTarte, Costa & Nolan, Génova. Perrow, C, 1987, Complex Organizations: a criticai essay, Random House, New York. Perrow, C,
1991, «A Society of Organizations», in Theory and Society, 20, pp. 725-762.
Peterson, R. A. (ed.), 1976, The Production of Culture, SAGE, Beverly Hills. Peterson, R. A., 1979, «Revitalising the Culture Concept», in American Review of
Sociology, 5,
pp. 137-166. Peterson, R. A., Berger, D. G., 1975, «Cycles in Symbol Production: The case of Popular Music»,
in American Sociological Review, 40, pp. 158-173. Peterson, R. A., Di Maggio, P,
1975, «From Region to Class, the changing locus of country music: a test of massification hypothesis», in Social Forces, 53, pp. 497-506.
Pharo, R, QuÉRÉ, L. (dir. de), 1990, Les formes de Taction. Sémantique
etsociologie,Ed. EHESS, Paris. Piaget, J., 1967, Biologie et connaissance, Gallimard, Paris. Piaget, J.,
1975, «La psychogenèse des connaissances et sa signification épistémologique», in
Piattelli Palmarini, M. (dir. de), Theories du langage, theories de Tapprentissage, Ed. du Seuil, Paris, 1979. Politi, G. M., 1974, La sociolinguística in Itália, CNR-Pacini, Pisa. Popkin, S., 1979, The
Rational Peasant, University of Califórnia Press, Berkeley. Popper, K„ 1934, Lógica delia scoperta scientifíca,
Einaudi, Torino, 1970. Popper, K., 1944, Miséria dello storicismo, Feltrinelli, Milano, 1975. Popper, K., 1969, Congetture e confutazioni, II Mulino, Bologna, 1972.
Popper, K., 1982-83, Poscritto alia lógica delia scoperta scientifíca, I-II-III, II Saggiatore, Milano, 1984. Pound, R., 1922, Introduzione alia filosofia dei diritto, Sansoni, Firenze, 1963. Proudhon, P. J., 1846, «Sistema delle contraddizioni economiche o
filosofiche delia miséria», in
Biblioteca deli'economista, serie III, vol. IX, UTET, Torino, 1882. Putnam, R. D., 1973, The Beliefs of Politicians. Ideology, Conflict, and Democracy in Britain
and Italy, Yale University Press, New Haven. Pye, L. W., 1985, Asian Power and Politics: the cultural dimension ofauthority,
Harvard University Press, Cambridge. Pye, L. W., Verba, S. (eds.), 1965, Politicai Culture and Politicai Development, Princeton
University Press, Cambridge. Radcliffe-Brown, A. R., 1963, Structure andFunction in Primitive Society, Cohen-West, London.
Rapoport, A., 1976, «General System Theory: a Bridge between Two Cultures», in Behavioral Sciences Journal, XXI, n.° 4.
264
Rauty, R., 1989, Studi e ricerche sulla questione giovanile 197011987', Editori
Riuniti, Roma.
Resta, E., 1982, Diritto e sistema politico, Loescher, Torino. Resta, E., 1986, «Diritto come reduttore di complessità», in Forni, E. M. (dir. de),
Teoria dei
sistemi e razionalità sociale, Cappelli, Bologna. Resta, E., 1992, La certezza e la speranza, Saggio su diritto e violenza, Laterza, Roma-Bari. Revelli, N., 1966, La
strada delDavai, Einaudi, Torino.
Revelli, N., 1977, // mondo dei vinti. Testimonianze di vita contadina, Einaudi, Torino. Ribolzi, L., 1993, Sociologia e processi formativi, La Scuola, Brescia.
RlCCl BlTTl, P. E., Zani, B., 1983, La comunicazione come processo sociale, II
Mulino, Bologna. Richeri, G., 1993, La Tv che conta, Baskerville, Bologna. Ricolfi, L., Sciolla, L., 1980, Senza padri né maestri. Inchiesta sugli orientamenti politici e
culturali degli studenti, De Donato, Bari. Riesman,
D., 1956, La folia solitária, II Mulino, Bologna, 1957. Robertson, R., 1992, Globalization, Social Theory and Global Culture, SAGE,
London. Roethlisberger, F. J., Dickson, W. J., 1939, Management and the Worker,
Harvard University Press, Cambridge. Rogowski, R., 1974, Rational Legitimacy, Princeton University
Press, Princeton. Romano, S., 1918, L'ordinamento giuridico, Sansoni, Firenze, 1951.
Rorty, R., 1989, La filosofia dopo la filosofia, Laterza, Roma-Bari, 1989. Rorty, R„ 1991, Essays on Heidegger and Others, Cambridge University Press, Cambridge.
Rosenberg, B., Fliege, N., 1965, The Vanguard Artist: Portrait and Self-Portrait,
Quadrangle Books, New York. Rositi, R, 1981, «Eccedenza culturale e controllo sociale», in
AA.VV, La società metropolitana
e i problemi deli'área milanese, F. Angeli, Milano, pp. 234-248. Sacks, H., Schlegoff, E., 1974, «Two Preferences in the Organization of Reference to Person in
Conversation and their Interaction», in Avison, N. H., Wilson, R. J. (eds.), Ethnometodology:
Labelling Theory and Deviam Behaviour, Routledge and Kegan, London. Sahlins, M., 1976, Culture and Practical Reason, University of Chicago Press, Chicago. Saint-Simon, C. H., 1925, Nuovo Cristianesimo, Editori Riuniti, Roma, 1968. Santambrogio,
A., 1990, / minorenni e la droga, Edíz. Scientifíche Italiane, Napoli. Saraceno, C, 1980, Uguali e diverse. Le trasformazione
deli'identità femmlntle, De Donato, Bari. Saraceno, C. (dir. de), 1986, Età e corso delia vita, II Mulino, Bologna.
Saraceno, C, 1987,Pluralità e mutamento. RiflessionisulTidentità femminile, F. Angeli, Milano. Saraceno, C, 1993, «Discontinuità
biografiche tra norma e imprevisto», in Rassegna Italiana di Sociologia, XXXIV, n.° 4, pp. 481-486. Sartre, J. P, 1948, Che cos'è la letteratura?, II Saggiatore, Milano, 1960. Saussure, de,
R, 1913, Corso di linguistica generale, Laterza, Bari. Savigny, von. R K., 1834, Storia dei diritto romano nel Medioevo, Torino,
1857. Sbisà, M., 1978, Gli Atti Linguistici, Feltrinelli, Milano. Scheler, M., 1924, Sociologia dei sapere, Armando, Roma, 1976. Scheler, M., 1925, «Die Formen des Wissen und die Bildung». in Scheler, M., Philosophischer
Weltanschauung, Cohen, Bonn, 1929. Scheler, M., 1926, Die Wissensformen und die Gesellschaft, Neue Geist, Leipzig. Schmid, M., 1992, «The Concept of Culture and its Place within a Theory of Social Action: a
Critique of Talcott Parsons Theory of Culture», in Múnch R., Smelser, N. (eds.), 1992. Schneider, S. C, Angelmar, R., 1993,
«Cognition in organizational analysis», in Organization Studies, 14-3, pp. 347-374. Schumpeter, J. A., 1912, Teoria dello sviluppo económico, Sansoni, Firenze, 1977. Schur,
E. M., 1968, Sociologia dei diritto, II Mulino, Bolonha, 1970.
265
Schutz, A., 1932, La fenomenologia dei mondo sociale, II Mulino, Bologna, 1974.
Schutz, A., 1973, Saggi sociologia, UTET, Torino, 1979.
Schwartz, H., Jacobs, J., 1979, Sociologia qualitativa, II Mulino, Bologna, 1987. Sciolla, L., 1983, Identità, Rosenberg & Sellier, Torino.
Sciortino, G. (dir. de), 1994, Comunità societária e pluralismo, F. Angeli, Milano.
Scokpol, T., 1985, «Cultural idioms and politicai ideologies in the revolutionary reconstruction of
state power», in The Journal of Modem History, 57, pp. 86-96. Searle, J. R., 1969,
Atti linguistici, Boringhieri, Torino, 1976. Searle, J. R., 1975, «Indirect Speech Acts», in Cole, P, Morgan, J. L. (eds.), Syntax and Semantics,
Academic Press, New York. Segatori, R., 1980, «Comportamento elettorale e
lavoro politico a Foligno (1970-1980)», in Quaderni delVIstituto di Studi Sociale, 3, Perugia, pp. 3-77. Segatori, R. (dir. de),
1992, lstituzioni e potere politico locale, F. Angeli, Milano. Selleri, P, 1994a, «La
comunicazione in classe», in Zani et ai., 1994. Selleri, P., 1994b, «La comunicazione in âmbito giuridico-legale», in ZANI et ali., 1994. Selznick, R, 1949, TVA and the
Grass Roots, University of Califórnia Press, Berkeley. Shannon, C. E., Weaver, W.,
1949, Teoria matemática delle comunicazioni, Etas Libri, Milano, 1971. Sheldon, O., 1923, La filosofia delia direzione, F. Angeli, Milano, 1971.
Shils, E., 1958, «Ideology and Civility: of the Politics of the Intellectual», in The
Sewanee Review, 66. Simmel, G., 1887, «Psychologischen und Ethnologischen Forschungen 'uber Musik'», in Zeitschrift
fiir Volkerpsychologie, 13. Simmel, G., 1892,1 problemi delia filosofia delia
storia, Marietti, Casale Monferrato, 1982. Simmel, G., 1900, Filosofia dei denaro, UTET, Torino, 1984. Simmel, G., 1903, «Metropoli e personalità», in Martinotti, G.
(dir. de), Città e analisi sociológica,
Marsilio, Padova, 1968. Simmel, G., 1908, Sociologia, Comunità, Milano, 1989. Simmel, G., 1911, «Concetto e tragedia delia cultura», in Simmel, G., La moda e altri
saggi di
cultura filosófica, Longanesi, Milano, 1985. Simmel, G., 1912, La religione, Bulzoni, Roma, 1994. Simmel, G., 1917, Forme e giochi di società, Feltrinelli,
Milano, 1983, Simmel, G., 1918, // conflitto delia cultura moderna ed altri saggi,
Bulzoni, Roma, 1976. Simmel, G., 1919, La moda e altri saggi di cultura filosófica, Longanesi, Milano, 1985. Simon, H., 1957, Models ofMan, Social and Rational,
Wiley, New York. Simon, H., 1969, Le scienze delTartificiale, ISEDI, Milano, 1973.
Simon, H„ 1976, «From substantive to procedural rationality», in Latsis, S. (ed.), Methods and
Appraisal in Economics, Cambrige University Press, Cambridge. Simon, H„
1985, Causalità, razionalità, organiz.zaz.ione, II Mulino, Bologna. SlNGER, J. L., Singer, D. G., 1980, Television, Imagination andAgression: a Study ofPre-Schoolers,
Erlbaum, Hillsdale. Sivini, G., (dir. de), 1969, Partiti e partecipazione politica in Itália, Giuffrè, Milano. Sorokin, P., 1927, La mobilltà sociale, UTET, Torino, 1965.
Sorokin, P, 1947, Society, Culture and Personality, Harper & World, New York.
Sorokin, R, 1957, La dinâmica sociale e culturale, UTET. Torino, 1975. Spengler, O., 1922, // tramonto delTOccidente, Longanesi, Milano, 1957. Stark, W., 1958,
Sociologia delia conoscenza, Comunità, Milano, 1963. Stone, P. J., Dunphy, D. C,
Smith, M. S., Ogilvy, D. M., 1966, The General Inquirer: A Computer Approach to Contem Analysis in the Behavioral Sciences, M.I.T., Cambridge.
Strati, A., 1992, «Aesthetic understanding of organizational life», in Academy of
Management Review, 17/3, pp. 568-581.
266
Strati, A. (dir. de), 1985, The Symbolics ofSkill, Quaderno 5/6, Dipartimento di
Politica Sociale,
Trento. Strzyz, K., 1978, Narcisimo e socializzazione, Feltrinelli, Milano, 1981. Sumner Maine, H., 1863, Ancient Law, J. Murray, London. Swidler, A., 1986,
«Culture in Action: Symbols and Strategies», in American Sociológica! Review,
51, pp. 273-286. Tabboni, S., 1993, Norbert Elias. Un ritratto intellettuale, II Mulino, Bologna. Tajfel, H., 1985, Gruppi umani e categorie sociali, II Mulino,
Bologna. Taylor, C. (ed.), 1994, Multiculturalism, Princeton University Press,
Princeton. Taylor, F. W., 1911, L' organizzazione scientifíca dei lavoro, Comunità, Milano, 1952. Thévenot, L., 1990, «L'action qui convient», in Pharo, R, Quéré, L.
(dir. de), 1990. Thomas, W. T., Znaniecki, R, 1918-1920, // contadino polacco in
Europa e in America, I-II, Comunità, Milano, 1968. Thompson, E., 1968, The Making
ofEnglish Working Class, Penguin, London. Thompson, J., 1990,
Ideology and Modem Culture, Polity Press, Cambridge. Todorov, T., 1989, Noi e gli altri, Einaudi, Torino, 1991.
Tomeo, V, 1981,//diritto come struttura dei conflitto. Un' analisi sociológica, R
Angeli, Milano. Tõnnies, R, 1887, Comunità e società, Comunità, Milano, 1963. Tõnnies, R, 1973, La produzione delia società, II Mulino, Bologna. Touraine, A.,
1965, Sociologie de l'action, Ed. du Seuil, Paris. Touraine, A., 1972, Université et
société aux Etats-Unis, Ed. du Seuil, Paris. Touraine, A., 1973, La produzione delia società, II Mulino, Bologna, 1975. Treves, R., 1965, La sociologia dei diritto,
Comunità, Milano. Treves, R., 1987, Sociologia dei diritto: Origine, ricerche,
problemi, Einaudi, Torino. Trifiletti, R., 1991, L'identità controversa, CEDAM, Padova. Troeltsch, E., 1912, Le dottrine sociali delle chiese e dei gruppi cristiani,
Nuova Itália, Pirenze,
1944. Trognon, A., 1986, «Modeles linguistiques de la communication», in Ghiglione, R., 1986. Tucker, R. C, 1973, «Culture, politicai culture and comunist
society», in Politicai Science
Quarterly, 2, pp. 173-190. Turnaturi, G., (dir. de), 1995, Sociologia delle emozioni, Anabasi, Milano. Turner, B. S., 1990, Theories ofModernity and Post-
modemity, SAGE, London. Turner, R., 1968, «La concezione di sé nelPinterazione
sociale», in Sciolla, L., 1983. Turner, R. (ed.), 1974, Ethnometodology, Penguin, Aylesbury. Tylor, E. B., 1871, Primitive Culture, Estes and Lauriat, Boston, 1920.
Unesco, 1982, Impact of Educational Television in Young Children, I.U.P.S.
VANderLEEUW, G., 1933, Fenomenologia delia religione, Boringhieri, Torino, 1970. Viardi-Greco, C, 1907, Sociologia giuridica, Bocca, Torino. Viaro, M., 1992,
«Conversazione, terapia famigliare e intervista circolare», in Galimberti, C.
( dir.de), 1992. Viço, G. B., 1744, Principi di scienza nuova, in Tutte le opere, vol. I, Mondadori, Milano, 1957. Wach, J., 1944, Sociologia delle religione, EDB,
Bologna, 1986. Waoner-Pacificí, R., Schwartz, B., 1987, The Vietnam Veterans Memorial Ambivalence, American
Sociological Assocíation Meeting, Chicago. Watkins, J. W., 1952,
«Methodological Individualism», in British Journal for the Phllosophy of Science, 1. Watzlawick, R, 1967, Pragmática delia comunicazione umana, Astrolábio, Roma, 1971. Waxman, C. I. (ed.), 1968,
The End of Ideology Debate, Funk Wagnalls, New York. Weber, A., 1935, Storia delia cultura come sociologia delia cultura, Ed.
Novecento, Palermo, 1983.
267
Weber, A., 1953, Der dritte oder der vierte Mensch. Vom Sinn des geschitlichen
Daseins, Piper,
Múnschen. Weber, M., 1904, U ética protestante e lo spirito dei capitalismo, Sansoni, Firenze, 1945. Weber, M., 1906, «Studi critici intorno alia lógica delle
scienze delia cultura», in Weber, M.,
// método delle scienze storico-sociali, Einaudi, Torino, 1958. Weber, M., 1913, «Alcune categorie delia sociologia comprendente», in Weber, M., // método
delle scienze storico-sociale, op. cit. Weber, M., 1921a, Sociologia delle religioni,
I-II, UTET, Torino, 1976. Weber, M., 1921b, «II fondamenti razionali e sociologici delia musica», in Economia e società,
II, op. cit., pp. 771-849. Weber, M., 1922, Economia e società, I-II, Comunità,
Milano, 1961. White, H., 1981, «Where do markets come from?», in American Journal of Sociology, 87,
pp. 517-547. White, H., White, C. 1965, Canvases and Careers, Wiley, New
York. White, S., 1979, Politicai Culture and Soviet Politics, St. Martin's Press, New York. White, S., 1984, «Politicai Culture in Comunist States», in Comparative
Politics, XIV, 2, pp.
351-364. White, H. T, 1969, The Making ofthe Presidem 1968, Atheneum, New York. White, H. T., 1973, The Making ofthe Presidem 1972, Atheneum, New York.
Wiatr, J., 1980, «The civic culture from a Marxist sociological perspective», in
Almond, G. A., Verba, S. (eds.), 1980, pp. 103-123. Widengren, G., 1969, Fenomenologia delia
religione, EDB, Bologna, 1984. Wiemann, J. M., Giles, H., 1988, «La comunicazione
interpersonale», in Hewstone, M., Stroebe, W., Codol, J. P, Stephenson, G. (dir. de), Introduzione alia psicologia sociale, II Mulino,
Bologna, 1991. Wiener, N., 1948, Cybernetics, Wiley, New York. Williams, R., 1981, Sociologia delia cultura, II Mulino,
Bologna, 1983. Wilson, B., 1961, «Mass Media and the Public Attitude to Crime», in Criminal Law Review, Junho de 1961, pp. 376-384, 1985 Wilson, B. R., 1969, La religione nel mondo contemporâneo, II Mulino, Bologna. Wirth, L.,
1948, «Consenso e comunicazione di massa», in Livolsi, M., 1969, pp. 135-149. Wittgenstein, L., 1918, Tractatus logico-
philosophicus, Einaudi, Torino, 1964. Wittgenstein, L., 1953, Ricerche filosofiche, Einaudi, Torino, 1967. Wolf, M., 1994, Teorie delle comunicazione di massa, Bompiani, Milano. Wolff., J., 1981, Sociologia delle arti, II Mulino, Bologna, 1983. Wuthnow, R.,
1989, Communities ofDiscourse, Harvard University Press, Cambridge. Yinger, J. M., 1957, Sociologia delia religione, Boringhieri,
Torino, 1961. Zadra, D., 1969, Sociologia delia religione, Hoepli, Milano. Zagrebelsky, G., 1993, // diritto mite, Einaudi, Torino. Zani, B., Selleri, R, David, D., 1994, La comunicazione, La Nuova Itália, Firenze. Zelizer, V, 1988, «Beyond the polemics on the
market; establishing a theoretical and empirical
agenda», in Sociological Fórum, 4, pp. 614-634. Zelizer, V, 1994, The Social Meaning of Money, Basic Books, New York. Zimmermann, D. H., Pollner, M., 1970, «II mondo quotidiano come fenómeno», in Giglioli, P.
R, Dal Lago, A., 1983. Znaniecki, R, 1965, The Social Role ofthe Man of Knowledge, Octagon Books, New York. Zolberg, V,
1990, Sociologia deli'arte, II Mulino, Bologna, 1994.
268
ÍNDICE ANALÍTICO
Absolutização, 24, 234, 241.
Acção, v. Agir
Actos linguísticos, 149. Agir
- comunicativo, 65. -estratégico, 65.
- instrumental, 91. - lógico, 45.
- não lógico, 45. Alienação, 50, 188. Ambiente, 100, 120. Animismo, 17. Anomia, 189,241. Aprendizagem, 22, 193. A
priori, 43, 49, 51,99. Auto-consciência, v. Consciência. Auto-engano, 37. Auto-referencialidade, 99-101.
Camada, 192, 195.
Campo, 128, 131.
Carisma, 191,210.
Causa, 70, 131.
Ciência, 36, 67, 72-73, 75. Civilização, 15-16,20.
Civilidade, v. Civilização.
Classe, 64, 129-130, 192, 194, 216. Código, 94.
Competências, 139.
Complexidade, v. Redução. Compreensão, 19, 40, 138, 222.
Comunicação, 65, 100-102, 114-115, 126, 1Ç
-199. Comunidade, 19, 65.
Conflito, 195,211. Conhecimento, 33, 64, 74. Consciência, 22, 25, 101, 112;
- colectiva, 82, 209; - falsa, 37, 56, 64. Construção
- da realidade social, 112, 118-124. Contingência
- dupla contingência, 24, 101. Convenção, 24, 223. Conversação, 150, 227-229. Costume, 16. Crença, 14, 113. Cultura
-definição, 13-14, 29-31, 136, 147, 247. Cultural Studies, 142-143, 185,203.
Derivação, 45-46. Desconstrucionismo, 185,240. Desvio, 117,212. Determinação, 23, 84, 86, 100. Diacrónico, 108-109.
Diferenciação, 103-105, 189. Dinheiro, 48, 102-103. Direito, 206-213. Distanciação, 27, 117, 236. Dupla contingência, v. Contingência.
Educação, 190-196. Efervescência
- colectiva, 85, 236. Emoções, 22, 151. Endógeno, 173. Episteme, 61-62.
269
¦ Epistemologia, 68, 71, 170. Equivalência
- funcional, 87. Espectacularização, 205. Espírito -objectivo, 18. Estética, 170. Estilo, 131.
Estratégia, 117, 135-137. Estratificação, 104, 151. Estrutura, 33, 87, 107, 120, 134, 137. Estruturação, 134. Estrutural-
funcionalismo, 92, 99. Estruturalismo, 107-111. Ética, 162. Etnocentrismo, 17, 54, 249. Etnometodologia, 124-127. Evolução, 15-16. Excesso
- cultural, 205. Explicação, 39, 138, 172, 222. Exogânr-o, v. Troca exogâmica. Exógeno, 173.
Facto, 64, 72, 125. Falsificação, 71. Família, 19, 189. Fiction, 205. Filologia, 18. Fonema, 107. Força
- de produção, 35, 115. Forma
- formas sociais, 47, 52; - formas de vida, 74, 109, 149. Fotografia, 178.
Função, 81.
Funcional-estruturalismo, 99. Funcionalismo, 163,211.
Genética, 183. Gesto, 114. Gramática
- generativa, 89, 94. Grelha, 224, 226, 228. Grupo, 114, 199.
Habitus, 131-133, 174, 195,221. Hermenêutica, 112, 220. Historicismo, 18. Ideologia, 37-39, 55, 59-61, 63, 66-67, 130,
194. Identidade, 85, 188. Identificação, 25, 27, 85, 96, 241. Iluminismo, 41, 159. Imperativos
- biológicos primários, 86; - derivados, 86;
- funcionais, 88. Inconsciente, 109. Indeterminado, 84, 100, 158. Indicalidade, 125, 140. Individualismo
- metodológico, 80. Indução, 71. Indústria, 213-215; -cultural, 60, 201. Informação, 196.
Integração, 82, 88, 90, 93, 95, 143. Intelectual, 191. Investigação, 219, 231-232.
Jogo
- linguístico, 74, 103, 149, 240. Juízo - de valor, v. Valor.
Leader, 203. Legitimação, 123, 210, 212.
Língua, 107.
Linguagem, 148-152, 239-240. Linguística, 107-108, 148-152.
Literatura, 170, 181-185.
Lógica, 43. Logos, 153-154.
Maneiras - de ser, 82;
- de fazer, 81. Marxismo, 35-39. Massa, 198-199.
Mass media, v. Meios de comunicação. Material - cultura material, 31. Mediação
- simbólica, 23, 25. Meios
- de produção, 35. - de comunicação, 102, 141, 199-206. Memória, 27, 119. $,.
270
Metáfora, 108, 136. Método, 219-232. Metonímia, 108. Minorias, 246. Mito, 110, 152-157. Mobilidade
- social, 55, 196.
Modelo, 81,91, 92-93, 103, 129, 139, 220. Modo - de produção, 35. Morfoestases, 144-145. Morfogénese, 144-145, 196. Motivação, 21. Movimento
- social, 128. Mudança, 137,233-238. Mundo
-da vida, 120, 124. Música. 180-181.
Natureza, 18, 22, 24, 190, 239. Negação, 96, 248. Neo-funcionalismo, 165. Norma, 206.
Objectividade, 36, 38, 40, 71, 82. Observação, 119,219-232. Opinião
-pública, 199. Organização, 128, 130, 213-215. Orientação, 89. Outro
- generalizado, 115.
Preconceito, 112. Previsibilidade, 23, 125. Procedimentos, 124-127, 131, 138. Progresso, 159. Público, 199.
Questionário, 229-231. Quotidiano, 103.
Racionalidade, 41, 65-66, 80, 89, 210. Racionalização, 36, 41, 189, 210. Razão, 67, 159. Recompensa, 83. Recurso, 30, 124, 135,
147. Redução
- de complexidade, 23-24, 66, 207, 247. Referência - de valor, v. Valor. Reflexividade, 75, 125.
Regras, 24-25, 51, 74, 117, 125, 149, 207.
Reificação, 184. Relações
- de produção, 35. Relativismo, 17,57, 247. Relevância, 120. Religião, 157-169. Representação
- social ou colectiva, 82, 222-223. Resíduo, 45. Revolução, 73, 233-239. Rito, 169-170. Rotina, 135. Rotulagem, 213.
Paideia, 15.
Papel, 91, 117, 122, 193.
Paradigma, 73. Parole, 107.
Participação
- política, 204, 216. Particularismo, 190, 243. Percepção, 102, 113. Personalidade, 91, 96. Pontuação, 197. Poder, 51,62, 195, 212. Pragmática
- da comunicação, 197-li Pragmatismo, 114. Prática, 127,203,209-210. Praxis, v. Prática.
Sagrado, 153.
Sanção, 83, 192.
Secularização, 18, 165, 167-168.
Semântica, 103.
Semiologia, 203.
Senso
-comum, 28, 137, 139. Sentido, 25-28, 69, 119, 158, 171, 187,250. Significado, 22,25-28, 108, 120, 141, 154, 158, 171, 187, 196,203. Significante, 108. Sinais, 13.3. Sincrónico, 109. Sintagma, 108. Sintaxe, 108. Sistema, 88, 91-
92, 144, 147.
271
I Situação, 89, 117.
Sobredeterminação, 63. Socialização, 25, 101, 186-187, 189, 192.
Solidariedade, 83, 105, 209, 248.
Sublimação, 172. Sujeito, 27-28, 88, 115, 121, 131, 135, 138.
Superstrutura, 35.
Tabu, 23, 110. Taylorismo, 214. Teoria, 31-32, 34, 123,219.
Tipificação, 120-121,221. Tipo, 51.
Totemismo, 42-43. Tradição, 137. Troca
- exogâmica, 111.
Utopia, 55.
Validade, 231-232. Valor, 21,48, 94, 136,203;
- juízo de valor, 69.
- referência de valor, 40. Vanguarda, 175. Verdade, 102-103, 106, 154. Vida, 25. Violência, 194. Vivência, 39, 119.
272
índice onomástico
Abruzzese, A., 205.
Acquaviva, S. S., 167-168.
Adorno, Th. W., 20, 41, 60, 64, 177-178, 181, 189,201,216. Agassi, J., 80. Agostinho, Santo, 15. Akrich, M., 180. Alexander, J., 90, 93, 193. Allen, R. C, 205. Allodi, L.,
177. Almond, G. A., 217. Althusser, L., 62-64, 111, 142, 194. Alvesson, M., 215. Andrini, S., 12,208-209. Angelmar, R., 215.
Apel, K. O., 65. Appiah, K. A., 249. Arac, J., 185. Archer, M., 80, 143-146, 195-196, 233. Ardigò, A., 168, 190-191. Arnaud, A. J., 213. Aron, R., 59. Arrow, K., 80. Ashby, W.
R., 98. Austin, I. L., 150. Austin, J., 149.
Bach, J. S., 133. Bachtin, M., 184. Bailey, K. D., 219. Baker, K., 217. Balbo, L., 190. Bales, R. R, 93.
Balzac,H.de, 182-183. Bange, P, 227.
Barbagli, M., 196. Barnes, B., 74.
Barnes, S., 217.
Barry, B., 217. Barthes, R., 184.
Bateson, G., 98, 116, 198.
Bauman, Z., 95. Bechelloni, G., 204.
Becker, H. S., 184-185, 189, 217.
Beckett, S., 180. Bell, D., 59, 194.
Bellah, R. N., 165, 217.
Benedict, R., 29. Beneton, R, 15.
Benjamin, W, 178.
Berelson, B., 226. Berezin, M., 218.
Berg, R, 181,215.
Berger,P.L., 122, 124, 157,166-167, 170, li 189, 195. Bergson, H., 47, 114, 118-119. Bernstein, B., 151, 195. Bertalanffy, L., 98. Bertaux, D., 224. Besozzi,
E.,191. Bettettini, G., 197, 205. Bimbi, R, 190. Bixio, A., 12, 213. Bloch, M., 31. Bloor, D., 73-77. Blumenberg, H., 153-
154. Blumer, H., 113,226. Blumler, J. G., 205. Boas, R, 107. Bohr, N., 70.
273
Boltanski, L., 138-140.
Bonaparte, N., 37.
Bottazzi, G., 242-244. Boudon, R., 48-50, 80, 196, 219.
Bourdieu, R, 30, 80, 131-135, 137-140, 143,
179, 184, 194-195,230. Bowles, S., 194. Brain, D., 141. Braudel, R, 31. Brecht, B., 183. Brown, A., 217. Brubaker, R., 218. Bruegel, R,
133. Buckman, R, 205. Buffon, G. L., 16. Buonanno, M., 205.
Burgalassi, S., 169. Burke, E., 173.
Cabanis, R, 37.
Callon, M., 141. Camus, A., 184.
Cannon, W. B., 88.
Capecchi, V, 190. Carbonnier, J., 211.
Carchia, G., 155.
Cartwright, D., 201. Casetti, R, 203.
Cassano, F., 75.
Cassirer, E., 152-153, 172,217. Cavalli, A., 190, 196.
Cavan, R„ 224.
Cavarero, A., 190. Cazeneuve, J., 205.
Cesáreo, V, 196.
Chomsky, N., 89, 94, 148. Cícero, 15.
Cicourel, A., 124-126, 150, 213.
Cipriani, R., 168,224. Coleman, J., 196.
Collins, H. M., 74.
Collins, R„ 190, 195. Colombo, C, 16.
Colombo, R, 205.
Commaille, J., 213. Comte, A., 36, 46, 67-69, 159-160, 191.
Condorcet, J., 37.
Cooley, C. H., 113-114. Corbetta, P, 218.
Corradi, C, 224-225. Crane, D., 30, 141, 180.
Crespi, R, 22, 67, 70, 121, 127, 168, 189-190,
205, 232, 238, 248. Cristofori, C, 12, 190. Crozier, M., 215. Cyert, R. M., 215. Czarnowski, J., 44.
Dal Lago, A., 74, 185. D'Amato, M., 205.
Danto, A. C, 80.
David, D., 198. Davidson, T., 239.
Davis, R J„ 226.
Davis, K., 166. Defoe, D., 183.
DeLillo, A., 190, 196.
De Man, P, 142, 185,240. DePaz, A., 176, 178, 180.
Derné, S., 141.
Derrida, J., 142, 185,240. Descartes, R., 26, 67.
Destutt de Tracy, A., 37.
Detienne, M., 154. Dewey, J., 114,238.
Dickson., W. J., 214.
Diderot, D., 16. Dilthey, W., 19, 39-40, 51, 68, 114.
Di Maggio, P, 203.
Dobbin, R R., 215. Doise, W, 223.
Droysen, J., 19.
Duchamp, M., 175. Duguit, L., 210.
Dunphy, D. C, 226.
During, S„ 143. Durkheim, E., 29, 42-44, 47, 68, 75-76, 81-86, 88-92, 95, 107, 114, 116, 148, 151-152, 157, 159-161,163, 166, 169, 192-193,209- -
210,216,236.
Eco, U., 184,203. Edelman, M., 217-218. Ehrlich, E., 210. Einstein, A., 70. Eisenstadt, S. N., 166, 190. Eldersveld,
S., 201. Eliade, M., 166. Elias, N., 58. Elster, J„ 80.
274
Emerson, A. E., 88. Engelmann, P, 172. Engels, R, 29, 38-39, 47, 191. Erikson, E. H., 187. Escarpit, R., 184. Etzioni,
A., 215.
Fagen, R., 217.
Farr, R. M., 223.
Fayol, H.,214. Featherstone, M., 242.
Ferrara, A., 245.
Ferrari, V, 212. Ferrarotti, R, 224.
Feuerbach, L., 161.
Filippone, V, 52-53. Fiske, J., 204.
Fliege, N., 180.
Fligstein, N., 215. Foester, H. von, 98.
Foucault, M., 61-64, Ul, 184.
Frazer.J. G., 156. Frege, G., 239.
Freud, S., 26, 41, 88, 92, 177, 193.
Friedberg, E., 215. Friedman, J., 242.
Fromm, E., 189.
Gadamer, H. G., 112-113, 148, 185, 239.
Galimberti, C, 197, 227, 229.
Gallino.L., 189. Gambetta, D., 196.
Gans, H. J., 180.
Garelli, R, 168. Garfinkel, H., 74, 124-126, 136,213,227, 230.
Gaspard, R, 243.
Geertz, C, 13, 30, 158-159, 169-170. Gehlen, A., 22.
Geiger, Th., 213.
Gerth, H., 187. Gherardi, S., 215.
Ghiglione, R„ 197.
Giddens, A., 80, 121, 134-135, 145, 238, 244. Gierke, O. von, 208.
Giglioli, P. P, 148, 151. Gilbert, G. N., 74, 78.
Giles, H., 197.
Gintis, H., 194. Glock, C. Y, 165.
Gõdel, K., 127.
Godzich, W., 185.
Goffman, E., 116-118,124,150,170,188,195,
212, 227. Goldman, S., 98. Goldmann, L., 183-184. Gole, N., 243. Gorki, M., 183. Gouldner, A., 215. Goya
y Lucientes, R, 133. Gramsci, A., 142, 191. Granet, M., 44. Gray.J., 217. Graziano, L., 218. Greenfeld, L., 218. Guizzardi, G., 168-169. Gulick, L., 214. Gurvitch, G., 213.
Haacke, H., 180.
Habermas, J„ 64-66, 150, 189, 199, 216, 238,
249. Halbwachs, M., 27. Hall, S., 203-204. Halsey, A. H., 195. Halton, E„ 18. Hannerz, U., 30, 136. Harsanyi, J., 80. Harvey, D., 142. Hauriou, M., 210. Hauser, A., 177. Hayek, R von, 80. Hazard, R, 16-17. Hebdige, D., 190. Hegel. G. W. R, 18-19, 26, 34, 39,
153, 175,
209. Heidegger, M„ 26, 112-113, 148, 155,239-240. Heirich, M., 235-236. Heisenberg, W., 70. Henderson, L. J., 88. Herder, J. G., 245. Heródoto, 16. Hertzler, J. O., 151. Hesse, M„ 77-78. Hirsch, P. M., 180. Hirschman, A., 215, 236. Hitler, A., 54. Hoffmann,
E. T. A., 183. Hoggart, R„ 142. Hõlderlin, R, 155. Horácio, 15.
275
Horkheimer, M., 20, 41, 60, 64, 177-178, 181,
189,201,216. Hubert, H., 44. Hughes, R., 246. Hunt, L„ 218.
Husserl, L., 26, 47, 51, 54, 112-113, 118-120. Hymes, D., 151.
Inghilleri, R, 237. Inglehart, R., 190, 217. Inglis, R, 142. Irigaray, L., 190. Ivins, W. M., 178.
Jacobs, J., 219, 224, 227-229. Jacques, E., 215. Jacques, R, 215, 227. Jakobson, R., 107-108. James, W, 114,
116,238. Janowitz, M., 201. Jaques, E., 215. Jedlowski, R, 27-28. Jensen, K., 204. Joas, H., 237-238. Joyce, J.. 175,
183-184. Jules-Rosette, B., 180.
Kaase, M., 217. Kafka.R, 183-184. Kant, I., 26, 49, 173. Karabel, J., 195. Katz, E., 201-204. Kavanagh, D., 217. Keesing,
R. M., 30. Kerbrat Orecchioni, C, 227. Kertzer, D. I., 218. Key, V. O., 202. Khosrokhovar, R, 243. Kierkegaard, S., 41. Kluckhohn, C, 13. Knorr Cetina, K. D., 74, 78. Kornhauser, W, 202. Kroeber, A. L., 13, 107. Kuhn, Th., 71-73, 77, 106,
235.
Labov, W., 151. Lanzara, G. R, 231. Larsen, O. N., 202. Lasch, C, 189. Lasswell, H. D., 200-201.
Latour, B., 74, 78.
Lazarsfeld, R R, 201-204, 219. LeBras, G., 168.
Lee, A. M., 201.
Lefebvre, H., 31. Leibniz, G. W., 53.
Leites, M., 201.
Lemert, E. M.. 213. Levinson, S. C, 150,227.
Lévi-Strauss, C, 23, 61-62, 82, 107-111, 144,
148, 152, 156-157, 169-170, 183. Lévy-Bruhl, H., 213. Lévy-Bruhl, L., 44. Lipset, S. M., 59, 217. Livingston, E., 74. Livolsi, M„ 202. Lockwood, D., 143. Lomax, A., 181. Lowie, R. H., 21, 108. Luckmann, X, 122-124, 131, 166-170, 195. Luhmann, N., 24,
79, 81, 94-95, 98-107, 123,
158, 165, 193-194, 198, 211-212, 237. Lukács, G., 106, 177, 182-183. Lull, J., 204. Lynch, M., 74. Lyotard, J. R, 56.
Malinowski, B., 86-88, 161, 163, 211.
Mancini, R, 12, 204-205. Manciulli, M., 215.
Mann, X, 155, 182-183.
Mannheim, K., 34,54-59,62, 68,75, 106, 173, 177, 193,216. Maquet, J. J., 98. March, J. G„ 215. Marcuse, H., 189, 201,216. Marletti, C, 205. Marquard, O., 236, 238.
Marradi, A., 219, 231. Marshall, A., 88. Martelli, S., 168. Martin, W., 185. Marx, K„ 26, 34-38, 40-41, 45-47, 50-52, 55-57,
59, 63-64, 68-69, 80, 127, 144, 159, 161, 188, 191,209, 214. Maturana, H., 98. Mauss, M., 44, 107, 151. Maxwell, J. C, 70. Mayo, E„ 214. McCarthy,
E. D., 151.
276
McClelland, D., 196.
McClure, R. D., 205.
McGinnis, J., 205. McLuhan, M., 203-204, 206.
McQuail, D., 202, 204-205, 226.
Mead, G. H., 113-116, 118, 148, 195,238. Melucci, A., 189,237.
Menger, C, 80.
Merton, R., 68, 78, 201. Michels, R., 52.
Milanesi, G., 168.
Mills, C. W., 150, 202. Mirabeau, V, 15.
Mises, L. von, 80.
Mitscherlich, A., 189. Mizzau, M., 227.
Mongardini, C, 166.
Montesquieu, C. L., 16, 208. Mooney, J. D., 214.
Moravia, S., 17.
Morgan, L. H., 29. Morgenstern, O., 98.
Morin, E., 201-202.
Morley, D., 204. Morra, G. R, 52.
Moruzzi, L., 152.
Moscovici, S., 223. Moulin, R., 178, 180.
Mucchi Faina, A., 189, 205.
Mukerji, C, 31, 143. Mulkay, M. J., 74, 78.
Munch, R., 29-30.
Muraro, L., 190. Musil, R., 183-184.
Nesti, A., 168. Neumann, J. von, 98.
Newton, I., 159.
Nietzsche, R, 26, 41, 47, 51, 61, 72, 155, 240. Nown, G., 205.
0'Dea, T, 166. Ogilvy, D. M., 226. Otto, R., 166. Ouchi, W, 215.
8,88,90,216.
Pagliano, G., 182. Pareto, V., 45-47, 50, 52, Pareyson, L., 153-155. Parisi. A., 218. Park, R., 113.
Parsons, X, 24, 29-30, 79, 81, 86, 88-96, 98-99, 101, 117-118, 127, 131, 136, 141, 144, 163-165, 187, 189, 193,211-212.
Pasquino, G., 218. Passerini, L., 224.
Passeron, J. C, 131, 194-195.
Pateman, C, 217. Patterson, X E., 205.
Pears, D., 239.
Peirce, C. S., 114,238. Perniola, M., 175.
Perrow, C, 215.
Peterson, R. A., 140-141, 180, 203. Pharo, P, 138.
Piaget, J., 186-187.
Pinch, X, 74. Plank, M., 70.
Platão, 154.
Politi, G. M., 151. Pollner, M., 124.
Popkin, S., 217.
Popper, K., 71-73, 76-77, 80, 127. Potestà, L., 215.
Pound, R., 210. Powers, B. R., 206.
Proudhon, P. J., 35-37.
Proust, M., 175, 182-183. Putnam, R. D., 217.
Pye, L. W., 217.
Quéré, L., 138.
Quine, W. Van Orman, 239.
161, 163. Radcliffe-Brown, A. R., 87! Rapoport, A., 78. Rauty, R., 12, 190. Reiley, A., 214. Resta, E., 212-213. Revelli, N.,
224. Ricardo, D., 35. Ricci Bitti, P. E., 151. Richeri, G., 205. Rickert, H., 47. Ricolfi, L., 190. Riesman, D., 189.
Rilke, R. M., 155. Robbe-Grillet, A., 184. Robertson, R., 242-244. Roethlisberger, F. J., 214.
277
Rogowski, R., 217. Romano, S., 210. Rorty, R., 240-241.
Rosenberg, B., 180. Rositi, R, 205. Rousseau, J.-J., 16, 125.
Ruggeri, E, 215. Russell, B., 239.
Sacks, H., 227. Sahlins, M., 31.
Sainte-Beuve, C. A. de, 182.
Saint-Simon, C. H. de, 160. Santambrogio, A., 12, 57, 174, 213.
Saraceno, C, 190, 237.
Sarraute, N„ 184. Sartre, J. R, 184.
Saussure, F. de, 107-108, 148.
Savigny, F. K. von, 208. Sbisà, M., 151,227.
Scheler, M., 51-54.
Schelling, R W. }., 153, 172. Schizzerotto, A., 196.
Schlegoff, E., 227.
Schmid, M., 92, 94-95. Schneider, S. C, 215.
Schneider, W., 217.
Schônberg, A., 181.
Schorr, K. E., 194.
Schudson, M., 143.
Schumpeter, J. A., 214. Schur, E. M., 213.
Schutz, A., 116, 118-122, 124, 126, 131, 148,
166, 170, 195. Schwartz, H., 180, 219, 224, 227-229. Sciolla, L., 189-190. Searle, J. R., 149-150. Segatori, R., 12,218. Selleri, R, 198, 229. Selznick, R, 215.
Shakespeare, W., 194. Shannon, C. E., 98, 197. Sheldon, O., 214. Shils, E., 59, 93.
Simmel, G., 27,47-51, 116, 166,177,180, 195, 198, 205, 237. Simon, H., 78, 215. Singer, D. G., 205.
Singer, J. L., 205. Sivini, G., 218.
Skocpol.X, 218. Small, A., 113.
Smelser, N., 29-30.
Smith, A., 28. Smith, M. S., 226.
Sorokin, R, 29, 79, 96-98, 144, 196.
Spencer, H., 84, 159. Spengler, O., 20.
Staêl-Holstein, A.-L.-G. Necker, baronesa de,
182. Stark, W, 68. Stewart, W. A., 193. Stockhausen, 181. Stone, P. J., 226. Strati, A., 215. Strzyz, K., 189. Sumner Maine, H., 208-209. Swidler, A., 30, 94, 136-137, 143. Swift,J., 16.
Xabboni, S., 58. Tácito, 16. Taine, H., 182. Tajfel, H., 236, 238. Taylor, C, 245. Taylor, F. W., 214. Thévenot, L., 138-140. Thomas, W. X, 113, 225-226. Xhompson, E., 142. Thompson, J., 59-60. Todorov, X, 249. Tomeo, V, 208, 212.
Tõnnies, R, 19-20. Touraine, A., 127-131, 214, 238. Treves, R., 213. Trifiletti, R., 116. Troeltsch, E., 161-163, 166.
Trognon, A., 227-228. Tucker, R. C, 217. Turnaturi, G., 12, 151, 187. Turner, B. S., 142. Turner, R., 188, 230. Tylor.E. B., 13,29.
Urwick, L., 214. Utrillo, M., 133.
Van der Leeuw, G., 166. VanGogh, V, 173. Verba, S., 217.
278
Verdi, G., 133. Viardi-Greco, C, 208 Viaro, M., 229. Viço, G., 18, 153. Volney,C. R, 17. Voltaire, 16, 159.
Wach, J., 166.
Wagner-Pacifici, R., 180.
Watkins, J. W., 80. Watson, J. B., 114.
Watzlawick, R, 98, 198.
Waxman, C. I., 59. Weaver, W., 98, 117.
Weber, A., 20, 176-177.
Weber, M., 18, 24, 39-42, 47, 50-51, 54, 58-59, 68-70, 80, 88,90, 118, 127, 136, 157, 161-163, 166, 168, 176-177, 180-181, 189, 191-192, 195, 209-210, 212, 214, 216, 237.
Webern, A„ 181.
White, H., 215. White, S., 217.
Wiatr, J., 217.
Widengren, G., 166. Wieman, J. M., 197.
Wiener, N., 88. Wieser, F. von, 52.
Wilkins, A., 215. Williams, B., 142.
Wilson, B., 202.
Wilson, B. R., 166, 169. Windelband, W., 47.
Wirth, L.,201.
Wittgenstein, L„ 72, 74, 103, 149, 172, 239-240. Wolf, M., 203. Wolff,J., 184. Woolgar, S., 74, 78. Wundt, M. W, 114. Wuthnow, R., 140-141.
Yinger.J. M., 165.
Zagrebelsky, G., 249. Zani, B., 151, 198. Zelizer, V, 215. Zimmermann, D. H., 124. Znaniecki, R, 75, 225-226. Zola,
E., 182.
Zolberg, V, 173, 178, 180-181. Zopf, G. W., 98.
279
Temas de Sociologia
Publicados:
1 - A ECONOMIA DE LUANDA E HINTERLAND NO SÉCULO XVIII
- UM ESTUDO DE SOCIOLOGIA / José Carlos Venâncio
2 - DESIGUALDADES SOCIOECONÓMICAS E SEU IMPACTE
NA SAÚDE / Maria do Rosário Giraldes
3 - DIVÓRCIO E SEPARAÇÃO EM PORTUGAL - ANÁLISE SOCIAL
E DEMOGRÁFICA (SÉCULO XX) / Pedro Delgado
4- SOCIOLOGIA DA FAMÍLIA / Chiara Saraceno
5 - A COMUNICAÇÃO COMO PROCESSO SOCIAL / Pio Ricci Bitti e Bruna Zani
6-EQUIDADE E DESPESA EM SAÚDE / Maria do Rosário Giraldes
7 - ECONOMIA E SOCIEDADE EM ANGOLA - NA ÉPOCA
DA RAINHA JINGA (SÉCULO XVII) / Adriano Parreira
8 - MANUAL DE SOCIOLOGIA DA CULTURA / Franco Crespi
Top Related