ANDRÉ LUÍS TORRES
FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A CONSOLIDAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS EM UNAÍ-MG
Tese apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, para obtenção do título de “Magister Scientiae”.
VIÇOSA MINAS GERAIS - BRASIL
JUNHO - 2000
ANDRÉ LUÍS TORRES
FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A CONSOLIDAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS EM UNAÍ-MG
Tese apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, para obtenção do título de “Magister Scientiae”.
APROVADA: 07 de dezembro de 1999.
Antônio Luiz de Lima France Maria Gontijo Coelho
Fábio Faria Mendes Geraldo Magela Braga (Conselheiro) (Conselheiro)
José Ambrósio Ferreira Neto (Orientador)
ii
AGRADECIMENTO
À minha família: Dedego, Marlene, Aninha, Tôca, Cristina, Cássio,
Rafael, Sandra, Samuel e Gabriela, por terem acompanhado de perto a minha
caminhada; somente com o apoio e a compreensão de cada um deles é que foi
possível concluir mais esta etapa da minha vida - a todos eles a minha enorme
gratidão.
À minha família viçosense, aos companheiros e companheiras do dia-
a-dia nos estudos, nas reuniões, nos bares e nas repúblicas, por terem estado
sempre prontos a ajudar-me.
À Mariana, por ter compartilhado comigo boa parte das vitórias e
frustrações durante o curso e por ter estado sempre presente com o seu
companheirismo e a sua amizade.
Aos amigos Marisa e Willer, por terem-me ajudado a encontrar a saída
em momentos difíceis.
Aos colegas e amigos de curso, especialmente Andréia Zulato, Bira,
Geana, Nicolina, Romilda, Silvana e Tatiana, pelo companheirismo nesses três
anos de convivência.
Aos funcionários do Departamento de Economia Rural, por terem
estado sempre a postos para resolver “nossos” problemas, a Rosângela,
Graça, Helena, Luiza, Rita, Carminha, Tedinha, Ariadne, D. Maria, Ruço,
Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade.
iii
Aos professores, com os quais tive a oportunidade da convivência
nesse período, e, em especial, aos que me acompanharam durante as
disciplinas: Norberto, Fábio, Rosana, Franklin, Lima, Magela e José Geraldo.
À professora France, pelas valiosas observações no seminário.
Aos conselheiros professores Fábio, Franklin e Magela, pelo muito que
contribuíram com críticas e sugestões.
Ao orientador, professor Ambrósio, pela dedicação com que cumpriu
sua tarefa de orientação, pela compreensão, pelo compromisso e pela
amizade.
Aos técnicos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de
Minas Gerais (EMATER-MG), escritório de Unaí, por sempre estarem de
prontidão para dar sua contribuição a este trabalho, principalmente durante a
pesquisa de campo.
Às lideranças sindicais da região noroeste de Minas e do município de
Unaí, pelas importantes informações.
Em especial aos trabalhadores assentados no município de Unaí,
particularmente aqueles dos projetos visitados, pela paciência com que me
receberam em suas casas; fica registrado o meu grande respeito por eles, que
buscam, através da luta pela terra, construir uma sociedade melhor, com mais
dignidade e justiça.
À minha companheira Andréia Zulato, com carinho.
iv
BIOGRAFIA
ANDRÉ LUIS TORRES, filho de Jacy Torres Sobrinho e Marlene de
Jesus Torres, nasceu em 23 de abril de 1973, em Unaí, MG.
Em 1983, concluiu o curso primário no Colégio Comercial Rio Preto,
em Unaí, MG; em 1987, concluiu o primeiro grau no Colégio Anglo, em
Uberlândia, MG, e, em 1990, o segundo grau no Colégio Objetivo, em
Uberlândia, MG.
Em 1991, ingressou no Curso de Agronomia da Universidade Federal
de Viçosa (UFV), em Viçosa-MG, colando grau em fevereiro de 1997.
Em março de 1997, ingressou no Curso de Mestrado em Extensão
Rural do Departamento de Economia Rural da UFV, submetendo-se à defesa
de tese em 7 de dezembro de 1999.
v
CONTEÚDO
Página LISTA DE SIGLAS ................................................................................ viii EXTRATO ............................................................................................. x ABSTRACT ........................................................................................... xii 1. INTRODUÇÃO .................................................................................. 1
1.1. O problema de pesquisa e sua importância .............................. 1 1.2. Objetivo geral ............................................................................. 12 1.3. Objetivos específicos ................................................................. 12
2. REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................... 14
2.1. A atualidade da reforma agrária no Brasil ................................. 14 2.2. Os assentamentos rurais no Brasil ............................................ 21
3. METODOLOGIA ............................................................................... 29
3.1. Delimitação da unidade de análise ............................................ 29 3.2. Operacionalização da pesquisa e coleta de dados ................... 32
4. O PROCESSO HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO E A LUTA PELA TERRA NA REGIÃO NOROESTE DE MINAS GERAIS .................
35
vi
Página
4.1. O sertão Noroeste de Minas ...................................................... 35 4.2. O fim do isolamento e os programas de desenvolvimento agrí-
cola ............................................................................................
39 4.3. A luta pela terra na região noroeste de Minas Gerais ............... 46
5. OS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA NO MUNICÍPIO DE UNAÍ-MG ....................................................................................
55
5.1. A atualidade do processo de implementação dos assentamen-
tos .............................................................................................
55 5.2. Projeto de assentamento Palmeirinha ....................................... 59
5.2.1. Antecedentes históricos ...................................................... 59 5.2.2. A formação social do assentamento ................................... 63 5.2.3. Atividades produtivas e relação com o mercado ................. 69 5.2.4. Relação com o poder público municipal e as demandas
por políticas públicas ..........................................................
80 5.3. Projeto de assentamento Boa União ......................................... 83
5.3.1. Antecedentes históricos ...................................................... 83 5.3.2. A formação social do assentamento ................................... 90 5.3.3. Atividades produtivas e relação com o mercado ................. 93 5.3.4. Relação com o poder público municipal e as demandas
por políticas públicas ..........................................................
101 5.4. Projeto de assentamento Renascer .......................................... 104
5.4.1. Antecedentes históricos ...................................................... 104 5.4.2. A formação social do assentamento ................................... 110 5.4.3. Atividades produtivas e relação com o mercado ................. 113 5.4.4. Relação com o poder público municipal e as demandas
por políticas públicas ..........................................................
119
vii
Página
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: AS CONTRADIÇÕES POLÍTICAS DA
LUTA PELA TERRA E A CONSOLIDAÇÃO DOS ASSENTAMEN-TOS RURAIS NO MUNICÍPIO DE UNAÍ ..........................................
123 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 134 APÊNDICE ............................................................................................ 141
viii
LISTA DE SIGLAS
BDMG - Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais.
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento.
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
CAMPO - Companhia de Promoção Agrícola.
CAPUL - Cooperativa Agropecuária de Unaí.
CEB's - Comunidades Eclesiais de Base.
CNA - Confederação Nacional da Agricultura.
CNS - Conselho Nacional dos Seringueiros.
CODEVASF - Companhia de Desenvolvimento do Vale do São
Francisco.
CONTAG - Confederação dos Trabalhadores da Agricultura.
CORA - Comissão Estadual de Reforma Agrária do Estado de Minas
Gerais.
CPT - Comissão Pastoral da Terra.
CRUB - Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras.
DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas.
DNTR-CUT - Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais -
Central Única dos Trabalhadores.
EMATER - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.
FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação.
ix
FETAEMG - Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de
Minas Gerais.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IEF - Instituto Estadual de Florestas.
IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura.
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
LUMIAR - Programa de Assistência Técnica nos Assentamentos
Rurais.
MEPF - Ministério Extraordinário de Política Fundiária.
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.
MSTR - Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais.
ONG - Organização Não-Governamental.
PADAP - Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba.
PCB - Partido Comunista Brasileiro.
PLANOROESTE - Programa Integrado de Desenvolvimento da Região
Noroeste de Minas.
PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária.
POLOAMAZÔNIA - Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais
da Amazônia.
POLOCENTRO - Programa de Desenvolvimento dos Cerrados.
POLONORDESTE - Programa de Desenvolvimento Integrado do
Nordeste do Brasil.
POLONOROESTE - Programa de Desenvolvimento Integrado do
Noroeste do Brasil.
PROCERA - Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária.
PRODECER - Programa de Desenvolvimento dos Cerrados.
PRONAF - Programa de Incentivo a Agricultura Familiar.
PRONERA - Programa de Educação para a Reforma Agrária.
RURALMINAS - Fundação Rural Mineira - Colonização e
Desenvolvimento Agrário.
SNCR - Sistema Nacional de Crédito Rural.
STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
SUPRA - Superintendência da Política Agrária.
UDR - União Democrática Ruralista.
x
EXTRATO
TORRES, André Luís, M.S., Universidade Federal de Viçosa, junho de 2000. Formação social e mediação: a luta pela terra e a consolidação dos assentamentos rurais em Unaí-MG. Orientador: José Ambrósio Ferreira Neto. Conselheiros: Fábio Faria Mendes e Geraldo Magela Braga.
Esta dissertação objetivou o estudo do processo de implementação de
assentamentos rurais e a constituição de novas identidades e relações sociais,
econômicas e políticas entre os diversos atores - públicos e privados -
envolvidos no processo de desenvolvimento local, considerando-se a hipótese
de que os assentamentos são elementos dinamizadores das relações sociais e
podem-se constituir em referência na busca de novos modelos de
desenvolvimento rural. Partiu-se da idéia de que o processo de implementação
de assentamentos rurais é hoje a expressão da luta pela reforma agrária no
Brasil, devendo, assim, ser entendido como uma política que possibilita o
desencadeamento de um processo de transformação social. Dessa forma, está
relacionado não só com o aspecto econômico, mas também com os aspectos
social, político, simbólico e cultural dos beneficiários e da região envolvida.
Estudos como esses, enfocando as relações em níveis local e regional, têm-se
tornado mais interessantes no cenário atual, no contexto do debate sobre as
possibilidades de descentralização dessa política governamental. O objetivo
geral do presente trabalho consistiu na descrição e análise comparativa do
xi
processo de implementação e consolidação de três projetos de assentamentos
no município de Unaí, MG. Este município se localiza na região noroeste do
Estado de Minas Gerais e apresenta uma realidade polarizada, entre uma
agricultura empresarial, desenvolvida nos moldes do padrão tecnológico da
"Revolução Verde", e um alto índice de conflitos fundiários e de assentamentos
rurais. Atualmente, é o município com o maior número de assentamentos
rurais, implementados pelo INCRA em todo o Estado de Minas: são 16
projetos, abrangendo cerca de 45.569,0864 hectares e beneficiando 1.023
famílias, o que representa cerca de 12% do total de projetos e de famílias
assentadas em Minas Gerais.
xii
ABSTRACT
TORRES, André Luís, M.S., Universidade Federal de Viçosa, June 2000. Social formation and mediation: the struggle for the land and the consolidation of the rural settlements in Unaí-MG. Adviser: José Ambrósio Ferreira Neto. Committee Members: Fábio Faria Mendes e Geraldo Magela Braga.
The objective of this dissertation is to study the process of implantation
of rural settlements and the establishment of new identities and relations of
social, economical and political nature among the several public and private
parts involved in the process of local development. It has been considered the
hypothesis that the settlements are impelling elements of social relations and
can constitute a reference to the search for new models of rural development. It
started from the idea that the process of implantation of rural settlements is,
presently, the expression of the struggle for agrarian reform in Brazil, thus,
should be understood as a policy which unleashes a process of social
transformation. In this way, it is not only related to the economical aspect, but
also to social, political, symbolical and cultural aspects of the beneficiaries and
the involved region. Studies like these, focusing the relations at local and
regional levels has become more interesting in the present scenario, in the
context of the debate on the possibilities of decentralization of this
governmental policy. The general objective of the present work is the
xiii
description and comparative analysis of the implantation and consolidation
process of three settlement projects in the municipality of Unaí, in the Northwest
region of the State of Minas Gerais. This district presents a polarized reality,
between a entrepeneurial agriculture, which has followed the “Green
Revolution” technological model, and a high index of land and rural settlement
conflicts. Currently, Unaí is the municipality with the largest number of
settlements established by INCRA in the State: there are 16 projects,
comprising around 45569.0864 hectares and benefiting 1023 families, which
represents approximately 12% of the total number of projects in Minas Gerais.
1
1. INTRODUÇÃO
1.1. O problema de pesquisa e sua importância
Atualmente, a implementação de assentamentos rurais no Brasil,
expressão dos resultados da luta pela reforma agrária, possui significado
diferente daquele atribuído à luta pela terra em outros contextos da história do
país, particularmente no final dos anos 50 e início da década de 60. Com o
agravamento das conseqüências da modernização agrícola a partir do final da
década de 70 e o contexto sociopolítico caracterizado pelo processo de
redemocratização do país, a reforma agrária assumiu, novamente, posição de
destaque no cenário político brasileiro, num contexto mais amplo do que nas
décadas de 50 e 60, quando era fundamentada numa perspectiva estritamente
econômica. Hoje, a luta pela terra se insere no contexto da luta por direitos,
justiça social, distribuição de renda e dignidade para os trabalhadores rurais.
A ação governamental de implementar assentamentos rurais em áreas
desapropriadas vem sendo posta em prática como resposta à ampliação da
pressão dos movimentos sociais de luta pela terra, principalmente a partir da
década de 80, com a elaboração do Primeiro Plano Nacional de Reforma
Agrária - I PNRA1. Apesar dos tímidos resultados obtidos com a execução
1 Em alguns estados da Federação, como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná e São Paulo, a política
de implementação de assentamentos rurais tem início em 1982, a partir da vitória de governadores
oposicionistas ao regime militar em 1982, utilizando-se os mecanismos legais de desapropriação de
terra por utilidade pública.
2
desse Plano e o refluxo sofrido pela política de implementação de
assentamentos rurais durante o governo de Fernando Collor, pode-se afirmar
que existe hoje um número expressivo de famílias beneficiadas por essa
política no meio rural brasileiro. Isso não significa que o governo tenha uma
política sistemática para realização da reforma agrária; a sua ação se dá
conforme a pressão exercida pelos movimentos dos trabalhadores sem-terra,
como o MST e o Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais - MSTR.
A Figura 1 apresenta a evolução desse processo de criação de
assentamentos rurais no Estado de Minas Gerais, ao longo das décadas de 80
e 90, e se refere apenas aos assentamentos criados pelo INCRA2. Em todo o
Estado de Minas foram implementados, entre 1986 e 1998, 132 projetos de
assentamentos rurais, beneficiando cerca de 8.186 famílias, numa área de
394.477,14 hectares. Desse total de projetos implementados, cerca de 75% (99
projetos) foram criados após 1996, o que evidencia tanto acúmulo maior de
força por parte dos movimentos sociais que lutam pela reforma agrária quanto
maior agilidade por parte do Estado em responder a essas reivindicações
nesse período.
Esse processo de implementação de projetos de assentamentos rurais
não deve, contudo, ser analisado numa ótica em que seu objetivo seja somente
a conquista da posse da terra. Após o assentamento em si, desdobram-se
outras frentes de luta e negociação com o Estado por crédito, assistência
técnica, infra-estrutura, programas de saúde, educação etc. Dessa forma, os
assentamentos rurais são entendidos como ponto de chegada e também como
ponto de partida para novas questões que são postas para as famílias
beneficiadas com o acesso à terra. Para BERGAMASCO e FERRANTE (1994),
a criação do projeto de assentamento significa o início do desencadeamento de
um novo processo conflitivo, "cujos resultados estão em aberto e dependerão
do jogo de interesses e das relações de poder das classes envolvidas". Isso
ocorre num contexto em que a ação dos movimentos sociais, exercendo
pressão sobre o Estado, em suas diferentes instâncias, busca a elaboração de
2 A RURALMINAS também realizou assentamentos rurais a partir de projetos de colonização e de
irrigação, os quais, por se distinguirem da perspectiva de reforma agrária associada aos movimentos
sociais, não foram analisados.
3
Fonte: Adaptado dos dados do INCRA-MG/SR 06.
Figura 1 - Evolução na implementação de assentamentos rurais em Minas Ge-
rais.
políticas públicas que atendam às necessidades dos assentados, possibilitando
a viabilidade econômica e social dos assentamentos.
A interpretação do termo assentamento é divergente, sobretudo
quando são analisados os papéis do Estado e dos movimentos sociais nesse
processo de implementação dos projetos, como é demonstrado por ESTERCI
et al. (1992). Esses autores afirmam que, em algumas abordagens teóricas, o
termo assentamento se refere às etapas da ação do Estado na ordenação dos
recursos fundiários, prevalecendo a análise técnica e não política, em que os
assentados são vistos somente como beneficiários, sem qualquer participação
ativa no processo, e vinculando a origem do termo aos procedimentos técnicos
da burocracia estatal. No entanto, outra orientação de análise indica que o
ponto de partida para a compreensão desse processo seja o movimento dos
trabalhadores de luta pela terra, que, através de sua ação política, vai
modificando aquilo que antes era visto como meramente técnico em questões
políticas, desde critérios de seleção dos beneficiários até a forma de
exploração da terra - assumindo-se, assim, como atores do processo. Dessa
forma, os trabalhadores reinterpretaram a noção oficial do processo de
constituição dos assentamentos. Não se trata de uma ação final e definitiva,
mas de uma ação que se desdobra em novos conflitos, que ultrapassam a
0
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Ano de criação
Pro
jeto
s
4
questão fundiária, mas que representam a possibilidade de permanência na
área conquistada, envolvendo demandas por crédito, assistência técnica etc.
"A criação de um projeto de assentamento é, por um lado, o produto formal de um ato administrativo, este expresso no decreto de desapropriação de uma determinada área rural sob propriedade privada para fins de reforma agrária. Por outro lado, e na maioria das vezes na história recente da reforma agrária no país, a criação de um assentamento é produto, também e sobretudo, de lutas sociais bastante prolongadas pela redistribuição da posse da terra. Portanto, o assentamento expressa no momento da sua criação um ponto de inflexão histórico entre dois processos políticos e sociais e, portanto, uma transição histórica mais complexa do que o mero ato administrativo da sua criação formal. Nesse momento encerra-se um determinado processo político-social onde o monopólio da terra e o conflito social localizado pela posse da terra são superados e imediatamente inicia-se um outro: a constituição de uma nova organização econômica, política, social e ambiental naquela área, com a posse da terra por uma heterogeneidade social de famílias de trabalhadores rurais sem terra” (CARVALHO, 1999).
Historicamente, no Brasil, todo esse processo de implementação de
assentamentos rurais vem sendo caracterizado pela centralização, em nível de
governos federal e estadual, tanto do poder decisório quanto da execução das
políticas e dos programas destinados a tal questão. O poder desapropriatório,
por interesse social, é um ato privativo da Presidência da República, bem como
os mecanismos legais utilizados para a desapropriação por utilidade pública
estão sob a responsabilidade dos governos estaduais. A própria trajetória do
INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), criado em 1970
e que, ao longo de sua história, sempre esteve vinculado ao poder executivo
federal, tem demonstrado o nível de centralidade com que vem sendo tratadas
a reforma agrária e a implementação de assentamentos rurais no Brasil. Além
da centralização da questão fundiária, outras questões vinculadas à viabilidade
dos assentamentos, como política de crédito e assistência técnica, também
estão centralizadas nos poderes executivos estadual e federal. Nesse contexto,
o poder público municipal desempenha papel periférico, de elaboração e
execução de políticas de apoio, respondendo a demandas pontuais como
conservação de estradas, escolas e assistência à saúde, geralmente em
convênios com os governos estaduais e federal.
5
Devido a esse alto grau de centralização, os assentamentos estão se
constituindo em verdadeiros territórios do governo federal no interior dos
municípios, uma vez que a maioria das demandas dos assentados é
encaminhada diretamente ao INCRA. Com o crescente número de
assentamentos criados desde o final da década de 80, a estrutura desse órgão
vem-se mostrando insuficiente para atender todas as demandas3. Para
BARROS e FERREIRA (1997), um aspecto importante com relação à atual
possibilidade de realização da reforma agrária no país é a necessidade de se
romper com entraves burocráticos, apontando para a necessidade de
construção de um novo arranjo institucional, como alternativa à forte
centralização, que existe historicamente no Brasil quando se trata dessa
questão.
O debate sobre descentralização é uma questão emergente quando se
analisam estratégias de políticas públicas não só no Brasil, mas como
tendência global4. JACOBI (1990) afirma que, na lógica da descentralização,
está colocada uma questão de sobrevivência econômica: "é um mecanismo
adequado para o uso e redistribuição mais eficiente do escasso orçamento
público"; é o desafio de estabelecer novas regras de convivência entre as
esferas do governo, ampliando a democratização do Estado. Entretanto, esse
mesmo autor alerta para o conjunto de ambigüidades que existe quando se
trata desse tema, com a ressalva de que, sendo uma proposta político-
administrativa e dependendo do espectro ideológico em que esteja localizada,
poderá haver objetivos diferentes e até mesmo opostos.
Nesse sentido, especificamente no que se refere à reforma agrária, a
descentralização tem sido apresentada como instrumento para aumentar a
efetividade política do processo, pela divisão de responsabilidades entre as três
esferas de governo (federal, estadual e municipal)5. Tal situação vem sendo
muito debatida, na perspectiva de construção de um processo descentralizado
de implementação de assentamentos e desenvolvimento rural, sendo
3 Ver INCRA (1999) e INCRA-SR 28 (1998).
4 Sobre descentralização de políticas públicas, ver CASTRO (1991).
5 Sobre descentralização da reforma agrária, ver IICA/INCRA (1998).
6
fortalecido pela tendência à descentralização de várias políticas públicas em
curso no Brasil6.
Existem, porém, vários argumentos contrários a essa política de
descentralização da reforma agrária, como a forte pressão dos latifundiários
sobre o poder municipal e o esvaziamento dos movimentos organizados em
nível nacional, significando a possibilidade de o governo federal não mais se
responsabilizar pela questão. Em recente estudo, INSTITUTO
INTERAMERICANO DE COOPERAÇÃO PARA A AGRICULTURA/INSTITUTO
NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - IICA/INCRA (1998),
em que foram analisados alguns exemplos da relação entre municípios e
assentamentos rurais, identificaram-se questões relevantes sobre a perspectiva
da descentralização da reforma agrária pelos atores envolvidos em tal
processo. À medida que esses atores são os prefeitos, secretários e outras
pessoas ligadas à administração pública municipal, o discurso predominante
são o temor da desobrigação das outras esferas do governo e a restrição de
parcerias, tendo como base a experiência de descentralização de outras ações
ou políticas públicas, como na área de saúde e educação. Além disso, é
recorrente o problema das dificuldades financeiras em que os municípios se
encontram para assumirem mais essa responsabilidade. Para os
representantes dos assentados, os argumentos são de ordem política e se
referem à falta de prioridade e à resistência que prefeitos de determinadas
regiões têm com relação à reforma agrária. A esse fator somam-se outros,
como a pouca capacidade estrutural, técnica e administrativa dos municípios
para executar a diversidade de ações prioritárias demandadas nos
assentamentos.
Assim, a relação entre assentamentos rurais e os municípios é uma
questão bastante atual, sendo objeto de estudos de órgãos governamentais
como INCRA, universidades e, também, organizações que trabalham direta ou
indiretamente com a reforma agrária. Tais estudos têm enfocado,
principalmente, duas questões centrais: a primeira refere-se à possibilidade de
descentralização e democratização desse processo, ampliando a participação
6 O governo federal, através do Ministério Extraordinário de Política Fundiária, apresentou, no primeiro
semestre de 1999, uma proposta de desenvolvimento rural e de reformulação da reforma agrária, em
que se sintetiza a discussão de descentralização para esse setor, apontando uma estratégia de ação
para implementá-lo.
7
do poder público municipal e da sociedade como um todo, estabelecendo
mecanismos de planejamento e decisão no próprio município. A segunda
questão aborda a articulação desses projetos com os desenvolvimentos local e
regional, sobretudo a sua integração ao mercado.7
A compreensão do significado dos projetos de assentamentos rurais,
na dinâmica dos desenvolvimentos regional e municipal, deve ser
acompanhada pela necessária consideração dos fatores que caracterizam toda
a heterogeneidade desse processo. Nesse sentido, a história de luta dos
trabalhadores, as diferentes trajetórias das famílias assentadas e suas diversas
experiências anteriores, sejam rurais, sejam urbanas, devem ser analisadas
como variáveis fundamentais, assim como as diferenças físicas do próprio local
do assentamento, como qualidade do solo, disponibilidade dos recursos
hídricos, infra-estrutura, localização e facilidade de acesso, também são
importantes para compreensão de como os assentados organizam a produção,
quais sejam suas demandas, suas expectativas, enfim, como os trabalhadores
se articulam na formação desse novo espaço social denominado
assentamento.
O problema de pesquisa conduzido neste trabalho refere-se, dessa
forma, às inter-relações entre o processo de implementação de projetos de
assentamentos rurais e a construção de novas identidades e de relações
sociais, econômicas e políticas entre os diversos atores, públicos e privados,
envolvidos no processo de desenvolvimento local, considerando-se a atuação
dos movimentos sociais e do Estado como elementos importantes na
implementação e viabilização desses projetos. Parte-se da hipótese de que os
assentamentos são elementos dinamizadores das relações sociais locais e que
podem-se constituir em referência na busca de novos modelos de
desenvolvimento rural. Além disso, a análise da viabilidade dos assentamentos
rurais exige, necessariamente, que se tenha clareza dos objetivos formulados
pelas diferentes concepções de reforma agrária. Para este trabalho, partiu-se
da idéia de que reforma agrária é uma política que possibilita o
desencadeamento de um processo de transformação social, estando, assim,
7 Ver MEDEIROS e LEITE (1998) e GÖRGEM e STÉDILLE (1991).
8
relacionada não só com o aspecto econômico, mas também com o social,
político, simbólico e cultural dos beneficiários e da região envolvida.
Variáveis como a trajetória de luta dos trabalhadores sem-terra, suas
experiências de vida, a estratégia adotada na luta pela terra e os diferentes
agentes de mediação envolvidos em todo o processo, bem como as
características físicas de cada assentamento, constituíram-se em elementos
analíticos fundamentais para a compreensão dos resultados da política
governamental de implementação de assentamentos rurais. Nesse sentido,
autores como MELUCCI (1996), OFFE (1984), FERREIRA NETO (1999) e
NOVAES (1994), dentre outros, forneceram a base teórica para análise sobre a
importância do papel dos mediadores sociais para constituição da ação coletiva
de luta pela terra, bem como para a construção de identidade social desses
trabalhadores assentados e a sua interação com a sociedade local.
A pesquisa de campo foi realizada no município de Unaí, situado no
noroeste do Estado de Minas Gerais, região que se caracteriza por uma
história de ocupação que originou uma estrutura fundiária muito concentrada,
refletindo relações sociais elitistas e patrimoniais, com forte política
clientelística marcada pela relação entre latifundiários, agregados, meeiros e
vaqueiros (CASTRO, 1997); relações típicas de uma região caracterizada
historicamente pela atividade de pecuária extensiva em latifúndios que
continham, em seu interior, minifúndios destinados às roças de produtos de
subsistência.
A partir da década de 70, a região começou a desenvolver uma
agricultura moderna, mudando as características de ocupação territorial com a
intensificação do processo de modernização da agricultura e a implementação
de programas de ocupação capitalista do cerrado. Isso ocorreu a partir de
vários planos de desenvolvimento regional patrocinados pelo Estado, como
PLANOROESTE, PRODECER, PADAP e outros8, que apontavam para a
criação de infra-estrutura para consolidação de relações capitalistas no campo,
atraindo grande contingente de empresários rurais originários, em sua maioria,
da região sul do país. Através da política nacional de crédito rural e usando
forte aparato tecnológico disponibilizado pela "Revolução Verde", esses
8 Este processo de ocupação capitalista do cerrado e as mudanças na região incentivadas por eles são
abordadas com maior profundidade no capítulo 4.
9
empresários rurais ocuparam lugar de destaque na economia regional, fazendo
com que alguns municípios do noroeste de Minas, entre eles Unaí, se
tornassem importantes produtores de grãos de Minas Gerais9 e do país.
No final da década de 70, no contexto do processo de
redemocratização do país, com a ação mais contundente dos movimentos
sociais na luta pela reforma agrária e, posteriormente, em meados da década
de 80, com o processo de discussão do I PNRA (Plano Nacional de Reforma
Agrária), o município de Unaí passou a ser um dos principais focos de luta pela
terra em Minas Gerais, tendo, portanto, uma situação em que os elementos
que possibilitaram a modernização da agricultura promoveram, também, o
crescimento dos conflitos agrários. Atualmente, Unaí é o município com maior
número de assentamentos rurais, implementados pelo INCRA em todo o
Estado de Minas. Segundo os dados do INCRA - SR-06 (1998), em todo o
Estado de Minas Gerais foram implementados 132 projetos de assentamentos
entre 1986 e 1998, beneficiando 8.186 famílias. O município de Unaí abrigou
cerca de 12% desses projetos de assentamentos e das famílias assentadas de
todo o Estado. Conforme os dados da Tabela 1, são 16 projetos, abrangendo
45.569,0864 ha10, beneficiando 1.023 famílias e totalizando cerca de 5.115
pessoas11, o que representa 6,9% do total da população e 22,7% da população
rural do município.
O processo de implementação de assentamentos de reforma agrária
vem, assim, proporcionando um aumento significativo no número de
trabalhadores assentados no município de Unaí. As diversas trajetórias e
experiências desses trabalhadores, que protagonizam a luta pela terra, têm
impedido qualquer tentativa de homogeneização na análise desses projetos.
Contudo, os assentamentos devem ser considerados como setor específico,
devido as suas particularidades, sobretudo no que diz respeito à relação com o
Estado e com a sociedade de forma geral. Essas relações, conflituosas e,
muitas vezes, preconceituosas, trazem para debate a disputa de poder entre
9 Unaí é hoje o responsável pelo maior PIB rural do Estado de Minas Gerais, cerca de R$ 6,6 bilhões,
1,7% do total (Gazeta Mercantil, 10/08/1998).
10 Esta área, ocupada pelos projetos de assentamentos, corresponde a cerca de 5% da área total do
município.
11 Considerando uma média de cinco membros por família.
10
setores sociais, bem como os dilemas que envolvem a construção da ação
coletiva apontados por MELUCCI (1996), sendo fundamentais para se
compreender o significado da inserção desse novo setor em nível municipal.
Dessa forma, o reconhecimento político dos trabalhadores rurais sem-terra no
processo de implementação dos assentamentos, que possui forte carga política
e ideológica, e o acesso a um sistema de crédito próprio, os diferencia dos
pequenos produtores tradicionais.
Tabela 1 - Relação dos projetos de assentamento no município de Unaí até 1998
No
Projeto Famílias Área (ha) Decreto Emissão Criação
01 Bálsamo 63 3.281,00 93.532/86 25/03/87 26/05/87 02 Barreirinho 45 3.941,99 26/07/88 25/09/97 02/09/98 03 Boa União 99 4.667,00 22/10/96 10/12/96 26/12/96 04 Brejinho 104 3.119,00 25/11 e 25/07/98 28/10 e 10/12/98 11/12/98 05 Campo Verde 41 2.330,31 04/09/97 22/10/97 19/12/97 06 Canabrava 16 509,70 04/11/98 15/12/98 17/12/98 07 Jibóia 55 1.648,61 04/11/98 17/12/98 08 Nova Califórnia 46 2.080,00 05/09/97 22/10/97 25/11/97 09 Palmeirinha 183 6.146,00 08/03/84 31/10/84 01/10/86 10 Paraíso 77 3.915,00 27/08/97 22/10/97 25/11/97 11 Renascer 45 1.515,00 18/07/96 25/10/96 02/12/96 12 S. Cl. Furadinho 30 1.293,00 20/12/93 01/12/94 08/02/95 13 Santa Marta 60 2.345,47 29/10/98 17/12/98 14 São Miguel 29 1.193,00 RES.153 09/12/98 23/12/98 15 São Pedro Cipó 80 5.280,00 95.828/88 10/10/89 24/09/92 16 Vazante 50 2.304,00 20/10/97 29/07/98 08/09/98 Total 1.023 45.569,08
Fonte: INCRA SR-28 - Relatório de atividades de 1998.
Na Tabela 2, apresentam-se as linhas de crédito do programa especial
para a reforma agrária - PROCERA, bem como o valor máximo que cada
família pode acessar12. Através dessa política de crédito especial, somente no
ano de 1998 os assentados movimentaram cerca de R$ 1.727.398,34,
conforme os dados da Tabela 3, recursos consideráveis e que, geralmente,
circulam na economia municipal. O acesso a esses recursos é um fator
12
Em que pesem as recentes mudanças, os assentamentos em discussão foram criados antes de tais
mudanças, ainda sendo alvo de uma política de crédito específica - o PROCERA.
11
importante na definição de novos padrões de relação entre os "sem-terra" e a
população local, particularmente com o setor do comércio. Se no momento do
conflito inicial e da luta pela implementação do assentamento, esses
trabalhadores são, de certa forma, discriminados pelo conjunto da sociedade, a
partir do momento da criação do projeto, e passam a ter direito à política de
crédito, tornam-se um setor cobiçado pelo comércio, principalmente do ramo de
insumos agrícolas e de construção civil.
Tabela 2 - Linhas de crédito por família assentada
Linha de crédito Recurso (R$)
Habitação* 2.500,00
Alimentação* 400,00 Fomento* 1.025,00 PROCERA Investimento 7.500,00 (teto máximo) PROCERA Custeio 2.000,00/ano
Fonte: Internet - site INCRA. www.incra.gov.br.
(*) Créditos de implantação.
Tabela 3 - Recursos liberados para os assentamentos no município de Unaí durante o ano de 1998
P.A. Famílias Custeio Investimento
Total
Palmeirinha 147 260.460,00 260.460,00 Bálsamo 50 91.628,32 91.628,32 Renascer 40 70.616,42 71.345,00 141.961,42 S. Clara Furadinho 40 60.377,50 100.480,50 160.858,00 Paraíso 48 43.800,00 43.800,00 Nova Califórnia 42 40.835,00 27.998,00 68.833,00 São Pedro Cipó 73 113.784,20 113.784,20 Boa União 100 177.650,00 487.500,00 665.150,00 Vazante 50 98.581,00 98.581,00
12
Campo Verde 32 35.375,20 35.375,20 Total 652 1.040.074,8
4 687.323.50 1.727.398,3
4
Fonte: Comissão Estadual do PROCERA/LUMIAR do Distrito Federal e Entor-no. INCRA (1998).
13
Enfim, o presente trabalho se refere a uma tentativa de compreensão
do significado dos assentamentos rurais no contexto social, político e
econômico dos municípios, tendo como unidade de análise um município cuja
realidade se mostra polarizada, entre uma agricultura empresarial e um alto
índice de conflitos fundiários e de assentamentos rurais. Nesse sentido, este
trabalho apontou a necessidade de relativizar o resultado estritamente
econômico-produtivista da implementação dos projetos de assentamentos
rurais, uma vez que sua eficiência estritamente econômica poderia ser
"mascarada" se seu desempenho fosse comparado com o dos empresários
rurais. É necessária, portanto, a explicitação dos impactos sociais e políticos
que os assentamentos têm nos municípios13.
1.2. Objetivo geral
O objetivo geral deste trabalho consistiu em descrever e analisar, comparativamente, o
processo de implementação e consolidação de três projetos de assentamentos no município de Unaí,
interpretando o significado da presença dos mediadores sociais, envolvidos na luta pela terra, no
processo de organização social e na definição das trajetórias políticas percorridas pelos assentados.
1.3. Objetivos específicos
O presente trabalho teve os seguintes objetivos específicos:
Analisar e descrever a trajetória de luta pela terra no município, basicamente
através da história dos assentamentos selecionados no conjunto da unidade
de análise.
Analisar a trajetória das famílias assentadas no processo de luta pela terra,
percebendo como esses atores constituem esse novo espaço social, que é o
assentamento.
Analisar como esses trabalhadores, a partir da criação do projeto de
assentamento, se inserem no mercado local, identificando seus potenciais e
limites.
13
Esta é uma das questões salientadas por ZAMBERLAM e FLORÃO (1991) em estudo sobre os
assentamentos na região de Cruz Alta, RS.
14
Analisar as relações entre os assentados, suas entidades representativas e
o poder público local, percebendo o potencial desse processo de
implementação de assentamentos rurais na ruptura ou manutenção das
relações sociais e políticas tradicionalmente constituídas no município de
Unaí.
15
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. A atualidade da reforma agrária no Brasil
A relação entre a questão agrária, a estrutura social e o perfil político e
econômico é um aspecto importante e determinante no desenvolvimento das
relações sociais no Brasil. Essa questão, dependendo das condições
conjunturais e dos atores sociais envolvidos, assume diferentes significados,
sendo, contudo, um tema recorrente ao longo da história.
É a partir do final da década de 50 e início dos anos 60 que a
concentração fundiária e a reforma agrária passam a ser amplamente
debatidos, com disputa de propostas reformistas por diferentes forças sociais.
Naquele contexto, o debate sobre a reforma agrária representava “a tradução
política das lutas por terra que se desenvolviam em diversos pontos do país“
(MEDEIROS, 1994). Para a maioria dos trabalhadores rurais, a luta pela terra
representava uma resistência às mudanças nas regras de contratos
costumeiros, que regulavam a relação entre eles e os proprietários. A
redefinição dos contratos de parceria e arrendamento incidia diretamente na
possibilidade de permanência dos trabalhadores dentro da propriedade como
meeiros, moradores, colonos etc., e o seu rompimento ou modificação
significava a própria expulsão da terra. Em diferentes aspectos ocorriam
conflitos localizados em diversas regiões do país, em regiões de agricultura de
16
exportação, como na zona da mata pernambucana, com os "moradores" que
trabalhavam nos engenhos de cana-de-açúcar (GARCIA JÚNIOR, 1983) e com
os "colonos" que trabalhavam em São Paulo no cultivo de café (LOUREIRO,
1987). Outros conflitos se davam nas regiões de fronteira, principalmente no
Centro-Oeste e nas áreas de cerrado recém-ocupadas, como é o caso de
Trombas, Goiás, e da Revolta dos Camponeses de 1957 no Sudoeste do
Paraná (MARTINS, 1994). Até 1964, e de forma diferenciada nas diversas
regiões do país, os principais mediadores da luta pela terra eram o Partido
Comunista, as Ligas Camponesas lideradas por Francisco Julião e a Igreja
Católica14, que transformavam esta luta na principal bandeira do movimento
camponês.
A reforma agrária era geralmente apresentada, por aqueles
mediadores, como um dos principais elementos para a construção de um
projeto de desenvolvimento nacional, vinculado à formação de grande
contingente de pequenos proprietários, ao estímulo à industrialização e à
modernização da agricultura, ao fim do latifúndio atrasado e à obtenção de
condições para que o meio rural se constituísse em mercado para as indústrias
emergentes. Dessa forma, a reforma agrária era analisada como importante
política para o desenvolvimento econômico nacional, além de ser uma questão
fundamental para a transformação nas relações socioeconômicas e políticas no
campo brasileiro.
No início da década de 60, com João Goulart assumindo a Presidência
da República, a reforma agrária passa a ser uma das principais bandeiras das
chamadas reformas de base, sendo também apontada como uma das
questões decisivas para que houvesse a movimentação dos militares, que
culminou com o golpe de 1964. A Sociedade Rural Brasileira, entidade
tradicional de defesa dos interesses dos grandes proprietários rurais, creditou
importante apoio ao golpe militar quando organizou a Marcha da Família com
Deus e pela Liberdade, inicialmente realizada em São Paulo, mas que
rapidamente se espalhou pelo país. Ato de cunho conservador, denunciava a
14
José de Souza Martins mostra as diferentes atuações desses atores, chegando a se confrontarem
ideologicamente sobre o papel do camponês no contexto das transformações socioeconômicas e
políticas na época. Para esse autor, "o confronto entre católicos e as esquerdas, para mobilizar e
organizar os camponeses, politizou as lutas rurais e as demandas da população do campo"
(MARTINS, 1994:117).
17
investida comunista, a desordem e a realização da reforma agrária, exigindo
medidas para o retorno da ordem institucional, tornando-se, dessa forma,
importante referência para o afastamento de João Goulart e a ação golpista
dos militares.
Para IANNI (1979), a adoção de disposições legais de cunho reformista
para a sociedade rural, por parte do governo Goulart, o aumento dos conflitos
no campo e a intensificação do processo de sindicalização do trabalhador rural
foram fundamentais para que a burguesia agrária apoiasse o golpe de 1964. As
disposições legais a que se refere este autor são: Lei Delegada no 11, de 11 de
outubro de 1962 que criava a SUPRA (Superintendência da Política Agrária),
que teria o objetivo de se iniciar uma política agrária no país; e a Lei no 4.914,
de 2 de março de 1963 que criava o Estatuto do Trabalhador Rural, que
garantia aos trabalhadores rurais direitos sindicais, previdenciários, salariais e
outros já existentes para os trabalhadores urbanos.
Assim, a partir da tomada do poder pelos militares, o Estado intervém
de forma autoritária, criando condições econômicas, políticas, legais e
institucionais que possibilitaram a articulação das relações de produção na
agricultura com a expansão capitalista agroindustrial. Com base na aplicação
do Estatuto da Terra15, Lei no 4.504, promulgada em 30 de novembro de 1964,
o Estado inicia um processo de colonização e de modernização do campo,
como alternativa à reforma agrária16. O Estatuto da Terra, mecanismo proposto
pelo primeiro governo militar17, que regulamentava o processo de reforma
agrária, era entendido como instrumento de modernização econômica e não de
transformação social. A política agrária e agrícola adotada pelos governos
militares foi para IANNI (1979) uma grande contradição. O processo de
colonização dirigida, que prevaleceu neste período, efetivou-se, na verdade,
como uma contra-reforma agrária. Apesar de o Estatuto da Terra legislar sobre
reforma agrária e colonização, foi dada prioridade apenas para o
15
Pela nova legislação as terras poderiam ser desapropriadas por não cumprirem sua função social, e o
pagamento seria efetuado por títulos agrários, contraditoriamente mais avançado do que a
constituição de 1946, em que previa indenização prévia e em dinheiro ao proprietário rural, o que
inviabilizava economicamente a reforma agrária.
16 Ver GUEDES PINTO (1996).
17 Marechal Castello Branco foi o primeiro presidente militar, assumindo o poder em 1964.
18
reassentamento, na região amazônica, de atingidos pela barragem de Itaipu e
de outras áreas de conflito social.
"A despeito das ambigüidades da forma pela qual os governos brasileiros encaminharam a questão agrária nos anos 1964-78, o que ocorreu foi uma espécie de contra-reforma agrária. Tudo o que se realizou, em termos de colonização dirigida - oficial e particular - e de criação e expansão da empresa privada de agropecuária e outras atividades, tem redundado numa ampla e intensa ocupação e apropriação de terra por grandes empresas e latifúndios, nacionais e estrangeiros" (IANNI, 1979:127).
Nesse sentido, a estratégia de desenvolvimento articulada pelos
militares reprimia os movimentos sociais e suas lutas por terra, existentes de
Norte a Sul do país, e criava os mecanismos que possibilitavam a
transformação dos latifúndios em modernas empresas rurais, amparadas por
toda sorte de incentivos fiscais e creditícios, "aprofundando a concentração e
subordinando o trabalho na agricultura às necessidades da acumulação do
capital" (GRZYBOWSKI, 1991).
Dessa forma, a luta pela reforma agrária esteve desarticulada no
período do regime militar, principalmente na década de 70, de um lado pela
forte repressão sofrida pelos atores sociais que a conduzia e, por outro, pelo
fato de que o argumento da necessidade de uma reforma agrária para
desencadear o desenvolvimento da agricultura no país ter sido, ou estava
sendo, superado pelo processo de modernização agrícola ora em
implementação no Brasil. Os mediadores na luta dos trabalhadores rurais
nesse período restringiram-se ao Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais
(MSTR) e à ação de setores da Igreja Católica18. O movimento sindical atuando
na esteira da legalidade tentava garantir direitos estabelecidos pelo Estatuto da
Terra e pelo Estatuto do Trabalhador Rural, dando legitimidade às suas
reivindicações junto ao Estado, não se caracterizava por um movimento de
acirrada luta pela questão da terra, realizando muito mais um trabalho
assistencialista. A CONTAG, criada em 1963, e as várias federações nos
estados, como em Minas Gerais, a FETAEMG, criada em 1968, trabalharam
18
Mediadores como o PCB e as Ligas Camponesas foram desarticulados; com a ação militar, essas
organizações foram consideradas clandestinas e suas principais lideranças sofreram com a violência e
perseguição.
19
nessa direção até o final da década de 70, quando a conjuntura política do país
começa a mudar19.
A Igreja Católica na década de 70, particularmente o setor pastoral das
comunidades eclesiais de base, muda a sua linha de atuação, a partir da ação
desenvolvida por missionários que trabalhavam com índios e posseiros da
região amazônica, que sofriam os efeitos sociais e econômicos da atuação de
grandes empresários nessa região20. Índios e posseiros sofreram um processo
de expulsão e marginalização, até mesmo de extermínio no caso das tribos
indígenas. A percepção da igreja de que o problema agrário dos anos 50 e
início da década de 60, particularmente no Nordeste, seria resolvido com a
ação do Estado21 se modifica. A igreja passa a se preocupar justamente com
as conseqüências daquela ação em outras áreas do Brasil. Dessa forma, é
constituída a CPT (Comissão Pastoral da Terra) como um dos principais
mediadores dos trabalhadores rurais, apresentando-se também como um canal
de denúncias contra a violência e morte dos trabalhadores ao longo da década
de 7022.
Apesar da repressão política e da consolidação do esforço
modernizante dos governos militares, a luta pela reforma agrária não
desaparece, ao contrário, os efeitos da modernização da agricultura, com
ampliação da concentração fundiária e do trabalho sazonal, a recolocam na
pauta política nacional nos anos 80. A crescente mobilização dos trabalhadores
rurais na luta pela terra e o esgotamento do regime militar fizeram com que a
luta pela reforma agrária readquirisse vigor e se colocasse como uma questão
política central no processo de redemocratização do país. Nessa nova
conjuntura, houve mudança na interpretação dos significados econômico,
político e ideológico da reforma agrária, deixando de ser uma reivindicação do
19
Sobre o aprofundamento da atuação do MSTR em Minas Gerais durante esse período ver FERREIRA
NETO (1999).
20 A ocupação da região amazônica com grandes projetos de desenvolvimento foi uma das prioridades
durante o regime militar. Sobre o processo de colonização na região amazônica no período de 1964 a
78, ver IANNI (1979).
21 "A experiência do Nordeste ensinara à igreja que a questão agrária era produto dos atrasos econômico,
social e político. Esse atraso, aparentemente, podia ser vencido com a intervenção do Estado..."
(MARTINS, 1994:124).
22 A Comissão Pastoral da Terra foi constituída em 1975.
20
desenvolvimento capitalista, passando a se constituir num verdadeiro
questionamento a forma que tal processo de desenvolvimento assumiu.
Não só as mudanças na condução do movimento sindical23 e a atuação
da CPT, mas também a articulação do movimento dos seringueiros e
posteriormente a criação do CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros), a
mobilização dos trabalhadores atingidos por grandes obras públicas como os
atingidos pelas construções de usinas hidrelétricas - como a de Itaipu - e o
surgimento do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) no Sul do país,
somados às mobilizações dos trabalhadores urbanos, como as greves do ABC
Paulista, fizeram com que a conjuntura política no final dos anos 70 começasse
a mudar, surgindo novos interlocutores dos trabalhadores, sobretudo os rurais.
Com o processo de redemocratização em curso e a ascensão de uma frente
política ampla com o objetivo de conquistar eleições diretas, esses movimentos
exerceram papel importante na garantia de direitos dos trabalhadores no
contexto da elaboração do pacto político do qual, mais tarde, resultaria na
eleição do primeiro presidente civil após a ditadura militar.24
Segundo GRZYBOWSKI (1994), são os movimentos populares que
possuem papel fundamental como forças sociais de contraposição e que
constroem alternativas ao tradicional poder dos grandes proprietários rurais. A
partir de suas lutas específicas e concretas, na década de 70, pelo
restabelecimento dos direitos sociais, os movimentos populares se constituíram
em forças promotoras da redemocratização do país. No entanto, setores da
agricultura nacional - principalmente os latifundiários -, com interesses
imediatos na posse da terra25, organizaram-se rapidamente através de seus
representantes civis e políticos, articulados em torno da UDR (União
Democrática Ruralista) e da bancada ruralista no congresso nacional (BONIM,
23
Havia uma maior pressão por parte das bases sindicais onde a luta pela terra nunca esteve ausente,
principalmente a expulsão de posseiros em algumas regiões do país. O III Congresso da CONTAG foi
também um marco para a ampliação da luta pela reforma agrária pelo MSTR, além do trabalho das
oposições sindicais feitas por setores cutistas através do DNTR/CUT (Departamento Nacional dos
Trabalhadores Rurais).
24 Já nas eleições para governadores em 1982, esses movimentos foram importantes na implementação
de uma política agrária nos estados onde os candidatos de oposição ao regime militar venceram,
como no caso de São Paulo, no governo de Franco Montoro; a respeito, ver D'INCÃO e ROY (1995).
25 Neste contexto, os principais articuladores da anti-reforma agrária não eram os latifundiários
tradicionais, mas sim os novos donos de terras, empresários do sudeste, agora donos também de
grandes áreas em regiões de fronteira, como na região amazônica. A este respeito, ver
GRZYBOWSKI (1991) e PALMEIRA (1994).
21
1987). Para SILVA (1988), a UDR teve crescimento extraordinário como
organização rural classista, e seu surgimento se deu num vazio deixado pela
dicotomia entre a representação formal dos ruralistas (CNA - Confederação
Nacional da Agricultura e as Federações Estaduais) e a representação real
(cooperativas e associações de produtores), tendo como objetivo a
contraposição ao movimento de luta pela reforma agrária.
A atuação desses setores foi decisiva no processo de esvaziamento da
elaboração e execução do I PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária),
durante o primeiro governo da Nova República, bem como no processo de
elaboração da Constituição (promulgada em 1988), no que se refere à questão
agrária. Esses dois momentos se conformaram em arena de disputa entre
esses setores contrários à reforma agrária e os representantes dos
movimentos dos trabalhadores rurais, destacando-se a CONTAG, o MST e a
CPT. Como resultado dessa disputa, os trabalhadores obtiveram avanços
pontuais e dependentes da conjuntura política, e a reforma agrária ampla e
massiva defendida por alguns interlocutores dos trabalhadores rurais não foi
implementada.26
As mudanças nas conjunturas política e econômica do país, com a
ampliação do debate social sobre o tema e a sua presença na agenda política
do poder público, associados à constante mobilização e à pressão dos
movimentos sociais, deram grande impulso na luta pela reforma agrária,
principalmente pela implementação de diversos assentamentos rurais na última
década. Essa nova conjuntura possibilitou avanços importantes, tanto no
processo de conquista da posse terra como na criação de programas rurais
específicos para a viabilização dos assentamentos, por exemplo o PROCERA
(programa de crédito)27, o LUMIAR (programa de assistência técnica), o
PRONERA (programa de educação) e outros.
Atualmente, o debate sobre o papel da reforma agrária na sociedade
brasileira é bastante amplo, permitindo a sua vinculação com outros temas
26
Mesmo havendo participação de setores comprometidos com a luta pela reforma agrária no processo
de elaboração do I PNRA, este sequer cumpriu sua meta: elaborado para ser executado entre 1985 -
89, com uma previsão de assentar 1 milhão e 400 mil famílias, numa área de 43 milhões de hectares,
assentou 89 mil famílias (6,4% do previsto) numa área de 4,5 milhões de hectares (1,5% do previsto)
(FERREIRA, 1994).
27 O governo recentemente mudou a política de crédito para a reforma agrária, fundindo o PROCERA no
PRONAF (programa de incentivo à agricultura familiar). A este respeito, ver INCRA (1999).
22
como a fome, preservação ambiental, cidadania, participação política e
democratização. Porém, isso não significa que os projetos de assentamentos
rurais vêm sendo implementados sem obstáculos políticos. Eles persistem
tanto no nível de conquista da terra quanto no processo de viabilização da
produção e no acesso a serviços essenciais à qualidade de vida dos
assentados. Pode-se afirmar que hoje há apenas uma atuação pontual dos
governos federal, estaduais e municipais na tentativa de solucionar as
situações de conflito, principalmente a partir das ocupações organizadas pelos
movimentos sociais do campo. Assim, não se pode considerar que o Estado
tenha efetiva política nacional de reforma agrária.
Com relação à viabilização dos assentamentos, as regras da política
econômica e o modelo de agricultura vigente, produto da "modernização
conservadora", têm dificultado o desenvolvimento e fortalecimento da
agricultura familiar como um todo. Apesar de os assentamentos se constituírem
em categorias específicas, dotadas de organização própria e demandando
políticas direcionadas para suas especificidades, os assentados se encontram
na mesma situação dos pequenos proprietários, cuja base é o sistema de
produção familiar, isto é, marginalizados no processo de modernização
tecnológica da agricultura.
2.2. Os assentamentos rurais no Brasil
Através de uma política pontual de enfrentamento do problema da
reforma agrária pela implementação de assentamentos rurais, sobretudo em
locais de maior conflito fundiário, o poder público, principalmente nos anos 90,
conseguiu a implementação de um significativo28 número desses projetos nos
diversos estados da Federação. Dados do INCRA revelam que são mais de
1.425 projetos de assentamentos implementados a partir do I PNRA,
beneficiando cerca de 159.778 famílias29.
Importante referência para a análise do caráter geral do
desenvolvimento das experiências de assentamentos rurais é a pesquisa
28
Segundo o MST, a CONTAG e a CPT, estes números são insignificantes perante a demanda potencial
por terra no país.
29 Segundo SCHMIDT et al. (1998), estes dados se referem aos assentamentos implementados até 1996.
23
realizada pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação), em convênio com o INCRA, em 1992. Essa pesquisa analisou 44
assentamentos distribuídos pelo país, em um universo de 440 projetos
implementados entre 1985 e 1989, através do PNRA. Trata-se de uma
importante fonte de informações para a análise de questões referentes ao
sentido econômico da reforma agrária e a viabilidade dos assentamentos
rurais. Mais recentemente, em convênio celebrado entre o CRUB (Conselho de
Reitores das Universidades Brasileiras) e o MEPF (Ministério Extraordinário de
Política Fundiária), várias universidades se empenharam em realizar um censo
sobre a reforma agrária, obtendo informações dos assentamentos em todos os
estados brasileiros.30
O estudo da FAO e as análises feitas por diversos pesquisadores de
seus resultados31 reforçam a idéia de que os assentamentos devem ser
avaliados no contexto do desenvolvimento da agricultura familiar, com uma
metodologia que não se restrinja a realizar uma análise contábil do processo
produtivo, avaliando somente a renda líquida referente às atividades
agropecuárias. Utilizando a tipologia estabelecida por LAMARCHE (1993), é
possível pensar os assentamentos rurais como um dos vários elementos que
configuram a diversidade da agricultura familiar. Esse autor a define não como
um modelo específico, mas que abrange diversas formas de produção,
correspondendo a uma
"unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família. A interdependência desses três fatores no funcionamento da exploração engendra necessariamente noções mais abstratas e complexas, tais como a transmissão do patrimônio e a reprodução da exploração" (LAMARCHE, 1993:15).
Nesse sentido, a reflexão sobre a viabilidade econômica dos
assentamentos deve levar em consideração as especificidades da agricultura
familiar, ou seja, a inter-relação entre a organização da produção e as
necessidades de consumo, não sendo o trabalho familiar avaliado em termos
de lucro, pois o custo objetivo deste trabalho não é quantificável e, finalmente,
os objetivos da produção são os de produzir valores de uso e não de troca.
Esses princípios são a base para as interpretações de diversos autores, que
30
Ver SCHMIDT et al. (1998).
31 Ver ROMEIRO et al. (1994).
24
procuram analisar também o custo de oportunidade e a renda de autoconsumo,
importantes para a compreensão da realidade dos assentamentos rurais no
Brasil.32
GUANZIROLI (1994b), analisando o relatório da pesquisa realizada
pela FAO, aponta que os assentamentos são viáveis, principalmente pelo seu
potencial de geração de renda, empregos e capitalização, refletindo em uma
melhoria na qualidade de vida de seus beneficiários. A renda média da família
assentada é muito superior à renda familiar do trabalhador assalariado na
agricultura. As famílias assentadas atingem uma média de 3,70 salários
mínimos, aproximando-se da renda média nacional das famílias, que é de
3,8233 e muito superior à linha de pobreza configurada por um salário mínimo
por família. Afirma, ainda, que os assentamentos possuem viabilidade
econômica, se se partir do ponto de vista do custo de oportunidade, ou seja,
comparando a renda total dos assentados com a oferta de emprego e renda
que existiria como alternativa para os mesmos trabalhadores fora dos
assentamentos e não apenas comparando a economia dos assentamentos
com a agricultura comercial praticada pelos empresários rurais. Além do
aumento da capitalização dos trabalhadores assentados em relação à sua
situação anterior, outros indicadores demonstram a melhoria nas condições de
vida, como o baixo índice de mortalidade infantil nos assentamentos, inferior às
médias regionais34.
Segundo GUANZIROLI (1994a, b), os assentamentos são experiências
concretas para os trabalhadores beneficiados e, a princípio, configuram-se em
unidades produtivas, não podendo ser caracterizados apenas como
reservatórios de mão-de-obra, ou meros locais de moradia. Os assentados que
melhor se desenvolvem são aqueles que possuem, como principal atividade, a
própria produção interna e sua comercialização - isto é, uma melhor integração
com o mercado. Esse autor afirma que
32
Estas questões são centrais para entender a divergência entre os trabalhos da FAO, já citado, e a
pesquisa realizada pelo BNDES; apesar de esta última ter trabalhado com assentamentos
implementados antes do I PNRA, a diferença nos resultados sobre a viabilidade econômica se
encontra na metodologia usada, na teoria usada como base para definir assentamentos rurais. Sobre
esta questão, ver ROMEIRO et al. (1994).
33 Estabelecidas através de estudos de Rodolfo Hoffmann com base em dados do IBGE, citado por
GUANZIROLI (1994b).
34 Exceto nos projetos de assentamento localizados na região norte.
25
“considerando as possibilidades de modernização da pequena produção por um lado, e as perspectivas de emprego no setor urbano industrial por outro, tudo indica que o setor agrícola pode jogar efetivamente um papel importante como fonte de emprego nos próximos anos...” (GUANZIROLI, 1994b).
De outra forma, José Graziano da Silva, citado por PALMEIRA e LEITE
(1997), afirma que os assentamentos são importantes justamente para fixar
mão-de-obra, com um mínimo de condição reprodutiva, para desenvolver
atividades não-agrícolas. Isso, diante da análise de que, no contexto atual, o
crescimento de atividades não-agrícolas no campo é mais acentuado do que as
atividades agrícolas propriamente ditas. Divergências como essas poderiam
ser explicadas por uma análise que levasse em consideração o contexto
regional ou local onde os assentamentos estão inseridos. ZAMBERLAN (1994)
acentua a necessidade de que o processo de elaboração de projetos e
programas de investimentos nos assentamentos rurais seja contextualizado
numa expectativa de desenvolvimento regional.
Nesse sentido, ZAMBERLAN e FLORÃO (1991), em um estudo sobre
impactos de assentamentos de reforma agrária, na região de Cruz Alta, RS,
mostram os avanços econômicos e sociais para os municípios e região onde
ocorre a implementação de tais projetos. Segundo esses autores, os efeitos
econômicos poderiam ser alcançados também por outro tipo de
empreendimento agrícola, como grandes propriedades. Porém, esses avanços
não podem ser analisados somente do ponto de vista econômico-produtivista,
pois os assentamentos propiciam a possibilidade de desconcentração de
riqueza e poder. Portanto, uma análise que considere apenas o aspecto de
desempenho econômico do assentamento pode mascarar seus verdadeiros
impactos, se comparado apenas com a eficiência econômica da empresa rural.
Assim, para analisar o significado da implementação de assentamentos, é
necessário que se busquem também os impactos sociais, culturais e políticos
no município.
Em estudos recentes, MEDEIROS e LEITE (1998, 1999) buscam
maiores informações regionalizadas sobre os impactos dos projetos de
assentamentos rurais em vários estados do Brasil. A partir dessas análises,
nas quais se consideram as diversas realidades das regiões em estudo e mais
a diversidade dos atores envolvidos, as diferentes origens dos assentados,
suas experiências como trabalhadores rurais ou urbanos, constata-se que não
26
se pode homogeneizar as características deste objeto de estudo. Considerando
todas essas variáveis, pode-se encontrar formas diferenciadas de integração
ao mercado e distintas estratégias de geração de renda e emprego, como o
caso da pluriatividade35 exercida pelos assentados no Estado do Rio de
Janeiro, as atividades extrativistas nos assentamentos do Norte do país,
especificamente no Acre, e a experiência de associativismo e cooperativismo
no Rio Grande do Sul, adotada por boa parte dos assentados como forma de
produzir e comercializar. Além desse aspecto, os mesmos autores afirmam
ainda que, de uma forma ou de outra, os projetos de assentamentos trazem
uma novidade para a região, em termos de novos atores inseridos no mercado,
consumidor e produtor e novas relações políticas que, em determinadas
regiões, são um fator determinante na definição do processo eleitoral.
Dessa forma, a reforma agrária não pode ser tratada como uma política
ou programa social de alcance imediato, mas como alternativa para que os
assentados tenham oportunidade de participar da vida econômica e política do
município, representando, assim, uma alternativa para o seu próprio
desenvolvimento. Levando em consideração a complexa realidade da
agricultura brasileira, com setores capazes de assimilar inovações tecnológicas
e integrar-se aos mercados nacional e internacional, sobretudo os complexos
agroindústrias como da soja, trigo, algodão, fruticulturas e outros, GUANZIROLI
(1994a) e ABRAMOVAY e CARVALHO FILHO (1993) analisam, de forma
convergente, o fato de que a democratização das terras não teria como objetivo
a homogeneização do setor produtivo agrícola, mas admitir a coexistência e a
convivência entre produtores familiares e grandes empresários rurais. A
agricultura familiar seria, nesse processo, o padrão de desenvolvimento
quando analisada do ponto de vista da prioridade do Estado na implementação
de políticas públicas para a agricultura, baseado numa maior desconcentração
fundiária. Reestruturando um processo que, segundo VEIGA (1991), ocorreu
sem a implementação de políticas distributivas - no caso, a distribuição de
poder sobre as terras. Contrapondo aquele momento com a atualidade, esse
autor afirma que, se a redistribuição de terras for encarada como condição
necessária ao desenvolvimento, a reforma agrária é realmente importante,
35
Sobre a pluriatividade nos assentamentos rurais no Estado do Rio de Janeiro, ver ALENTEJANO
(1998).
27
pois, segundo ele, são poucas as políticas públicas com impactos comparáveis
na distribuição de riquezas. Nessa mesma perspectiva, ABRAMOVAY e
CARVALHO FILHO (1993) consideram que a reforma agrária é caracterizada
pela mudança na base da matriz distributiva, "dotando parte dos pobres rurais
com a condição básica para que se tornem produtores", alterando assim a
qualidade de sua inserção no sistema econômico e na cidadania.
Nesse aspecto, LEITE (1994) afirma ser importante analisar a relação
entre a atuação do Estado e a possibilidade de sucesso/insucesso dos
assentamentos. De uma forma que a abordagem dos condicionantes
estruturais das políticas de implementação desses projetos e do perfil da
intervenção pública, seja complementar às análises das variáveis dependentes
do processo econômico produtivo. Em estudo sobre os assentamentos no
Estado de São Paulo, esse autor mostra a atuação descontínua do Estado, em
suas diversas instâncias, ao implementar políticas que viabilizassem os
assentamentos, como os serviços básicos de infra-estrutura, essenciais para o
seu desenvolvimento. Dessa forma, o referido autor argumenta que a maioria
das críticas aos núcleos de reforma agrária não leva em consideração a
atuação governamental, nas suas fases de implementação, cobrando uma
eficiência econômica semelhante à das empresas agropecuárias constituídas
sobretudo no processo de "modernização conservadora".
Para LEITE e COSTA (1989), uma avaliação dos assentamentos deve
contemplar, no curto prazo, as características políticas, técnicas, econômicas e
sociais que marcaram internamente o projeto e se apresentam como fatores de
peso na avaliação do desempenho imediato. Da mesma forma que a
inadequação ou insuficiência das instituições governamentais com as quais se
vinculam os programas e a falta de articulação entre elas. BERGAMASCO e
CARMO (1991) também identificam a importância de se considerar a forma de
ação do governo nesse processo, afirmando que as perspectivas de evolução
dos assentamentos estão diretamente relacionadas com as definições e a
continuidade das políticas governamentais.
Ainda segundo LEITE (1994), há necessidade de se enfatizar a
dimensão política das análises econômicas sobre os assentamentos, bem
como analisar a intervenção do Estado nas questões agrária e agrícola
(viabilização dos assentamentos), tendo como parâmetro a intervenção deste
28
em outros setores, como as cadeias agroindustriais. De acordo com MARTINE
(1991), “podemos questionar a eficiência econômica dos setores caificados
oligopólicos se levarmos em conta o papel do Estado”. Isso se refere ao fato de
que a eficiência da empresa capitalista na agricultura é política e não
econômica, ou seja, o que a diferencia é o seu poder em obter auxílio do
Estado. Dessa forma, a reforma agrária pode significar uma ruptura do poder
de setores economicamente superiores, que têm no Estado um grande suporte.
Para MEDEIROS et al. (1994), a reflexão sobre a viabilidade
econômica dos assentamentos e, ou, da produção familiar implica recuperar a
sua dimensão política mais ampla. Passa, necessariamente, por considerar as
possibilidades de uma reconversão das prioridades das políticas públicas,
levando, assim, para o campo das relações de força na sociedade, para
reflexão em torno da complexidade dos mecanismos decisórios do Estado.
Nessa mesma perspectiva, SILVA (1993) aponta que a reforma agrária, além
de reintegrar os excluídos pela "modernização conservadora", busca, também,
novas formas de integração dos diferentes atores sociais numa proposta
"política mais ampla de transformação da sociedade brasileira...".
Para compreender a relação entre reforma agrária e poder político,
tem-se a referência de Vítor Nunes Leal36, que já em 1946 afirmava que a
estrutura agrária concentrada é que fornecia a base de sustentação do
coronelismo, como manifestação de poder privado e de suas relações com o
poder público, que atuava no cenário local, mas com conseqüências na vida
política do país. CARVALHO (1997), analisando a obra de Nunes Leal, afirma
que o coronelismo é um sistema político envolvendo desde o coronel até o
presidente da república numa complexa rede de relações com compromissos
recíprocos, “baseado em barganhas entre o governo e os coronéis”37. Esse
sistema político é datado historicamente, existindo somente durante a primeira
república, de 1889 a 193038.
36
Ver LEAL (1975).
37 Segundo esse autor: “O governo estadual garante, para baixo, o poder local do coronel sobre seus
dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado
de polícia até a professora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de
votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do
reconhecimento deste de seu domínio no estado” (CARVALHO, 1997).
38 Este sistema surgiu a partir de mudanças políticas e econômicas da época, com a implantação do
federalismo em substituição ao centralismo imperial e a fragilização do poder dos coronéis pela
29
Ainda segundo a análise de CARVALHO (1997), o poder dos coronéis,
fundamentado no controle da terra, pode ser entendido como um momento do
mandonismo. O mandonismo não é um sistema, é uma característica da
política tradicional, “existe desde o início da colonização e sobrevive ainda hoje
em regiões isoladas”. É baseado na existência local de estruturas oligárquicas
e personalizadas de poder, em que um coronel, um chefe, exerce domínio
pessoal e arbitrário sobre a população. Esse poder se dá através do controle
de algum recurso estratégico, que em geral é a posse da terra. Esse autor
ainda traça um paralelo entre o mandonismo e o clientelismo. Segundo suas
afirmações, o clientelismo é o mandonismo “visto do ponto de vista bilateral”, e
seu conteúdo varia de acordo com os recursos controlados pelos atores
políticos. A trajetória do clientelismo é oposta ao do mandonismo na história do
Brasil, podendo aumentar ou diminuir na medida em que há a possibilidade de
mudança dos parceiros, enquanto a trajetória do mandonismo percorre um
caminho decrescente; além disso:
“... é possível mesmo dizer que o clientelismo se ampliou com o fim do coronelismo e que aumenta com o decréscimo do mandonismo. À medida que os chefes políticos locais perdem a capacidade de controlar os votos da população, eles deixam de ser parceiros interessantes para o governo, que passa a tratar com os eleitores, transferindo para estes a relação clientelística” (CARVALHO, 1997:4).
A partir dessas considerações, entende-se que o tratamento dado pelo
Estado à política agrária, sobretudo à reforma agrária, ao longo da história do
Brasil, esteve vinculado à implementação de um projeto de desenvolvimento
econômico fundamentado numa estratégia de atuação em que o Estado se
mantinha atrelado aos interesses da elite agrária. Nesse sentido, José de
Souza Martins afirma que
“A propriedade latifundista da terra se propõe como sólida base de uma orientação social e política que freia, firmemente, as possibilidades de transformação social profunda e de democracia no país” (MARTINS, 1994:12).
Tais considerações acentuam, mais uma vez, a necessidade de
incorporar na análise da implementação de uma política de reforma agrária o
seu significado de elemento de alteração nas forças políticas em disputa pelo
controle do poder na sociedade brasileira.
decadência econômica dos fazendeiros. Com a implantação do Estado Novo, este sistema alcança o
seu fim, simbolicamente decretado pela prisão dos coronéis baianos e a derrubada de Flores da
Cunha – o último dos grandes caudilhos gaúchos, em 1937 (ver CARVALHO, 1997).
30
3. METODOLOGIA
3.1. Delimitação da unidade de análise
O objeto de estudo deste trabalho é o processo de implementação e consolidação de assentamentos rurais e as relações desse novo espaço socioeconômico e político em nível municipal, tomando-se como referência o município de Unaí, na região noroeste do Estado de Minas Gerais. Segundo dados da CORA (Comissão Estadual de Reforma Agrária) e da FETAEMG (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas Gerais), apresentados na Tabela 4, o município possuía nove assentamentos de reforma agrária até o final de 1997, totalizando cerca de 659 famílias numa área de 30.507,31 hectares, sendo o município com o maior número de projetos de assentamentos implementados em Minas Gerais.
Apesar desse número ter aumentado ao longo do ano de 1998 para 16
projetos de assentamentos, com 1.023 famílias assentadas39, este trabalho
delimitou apenas os nove já implementados até o final do ano de 1997. Tal
39
Ver Tabela 1.
31
opção se justifica pelo fato de que os sete projetos de assentamentos restantes
foram implementados ao longo do ano de 1998, sobretudo no segundo
semestre, período em que esta pesquisa já estava em andamento.
Tabela 4 - Assentamentos rurais no município de Unaí, MG (1997)
Projeto de Assentamento
Ano de criação
Famílias Área Capacidade Apoio
Palmeirinha 1986 183 6.146,00 183 FETAEMG Bálsamo 1987 63 3.281,00 63 FETAEMG São Pedro Cipó 1992 80 5.280,00 80 FETAEMG Santa Clara - Furadinho 1995 30 1.293,00 30 FETAEMG Boa União 1996 99 4.667,00 100 FETAEMG Renascer 1996 45 1.515,00 45 FETAEMG Campo Verde 1997 41 2.330,31 41 FETAEMG Nova Califórnia 1997 41 2.080,00 42 FETAEMG Paraíso 1997 77 3.915,00 85 FETAEMG Total 659 30.507,31 669
Fonte: CORA-MG e FETAEMG (1997).
A amostra de pesquisa foi composta por três projetos de
assentamentos selecionados intencionalmente, a partir da observação e
identificação de variáveis significativas para o problema investigado como:
época de implementação do projeto; situação com relação à assistência técnica
e à política de crédito; presença de órgãos como INCRA, EMATER e outros;
forma de luta pela terra; localização e número de famílias assentadas em cada
um. Assim, foram selecionados para estudos os projetos de assentamentos
Palmeirinha, Boa União e Renascer, apresentados na Tabela 4. A partir dessa
amostra, efetuou-se uma subamostra estratificada composta pelas famílias
assentadas, com as quais foram realizadas as entrevistas e aplicados os
questionários. Cada um dos três projetos de assentamento escolhido na
primeira amostragem correspondeu a um estrato.
Dessa forma, poder-se-á fazer generalizações estatísticas a respeito
dos três assentamentos, bem como análises comparativas entre eles, com
32
base nos dados e na referência teórica, além de possibilitar algumas análises
gerais sobre o processo de implementação e consolidação dos nove projetos
de assentamentos existentes no município.
A seleção da amostra intencional dos projetos de assentamento foi possível depois da participação no encontro dos assentados e acampados do município, realizado em junho de 1998, e também de uma visita exploratória ocorrida em novembro de 1998. Tais atividades possibilitaram maior conhecimento da realidade a ser estudada, permitindo, assim, a seleção dos seguintes projetos de assentamentos como amostra intencional, seguindo-se as variáveis apresentadas anteriormente.
P.A. Palmeirinha: o projeto foi criado durante o I PNRA (1986), após um
longo conflito entre o proprietário e antigos moradores, constituindo-se em
um marco na história de luta pela terra na região. O assentamento conta
com 183 famílias assentadas, numa área de 6.146 hectares, com os lotes
variando entre 03 e 70 ha. Os assentados já alcançaram o limite de crédito
inicial destinado ao investimento nos lotes e entraram numa etapa de
pagamento do empréstimo e de discussão sobre as possibilidades de sua
emancipação. Esse assentamento não participa do programa LUMIAR40 de
assistência técnica, e a EMATER somente trabalha na elaboração dos
projetos de custeio.
P.A. Boa União: é um assentamento mais recente, implementado em 1996,
onde as 100 famílias assentadas passaram por um processo de ocupação
da área, como forma de luta pela desapropriação. Atualmente, a EMATER
desenvolve um trabalho de assistência técnica no local através do programa
LUMIAR. O assentamento ocupa uma área de 4.667,00 ha, com variação
entre os lotes de 21 a 67 ha.
P.A. Renascer: possui 45 famílias assentadas numa área de 1.515.00 ha,
sendo implementado em 1996; é também fruto de processo de ocupação e
40
LUMIAR: projeto de assistência técnica nos assentamentos. Foi criado em 1997 e tem como objetivo a
descentralização da assistência técnica aos agricultores assentados, envolvendo diretamente três
instituições (atores): INCRA, a organização dos assentados e a prestadora de assistência técnica
(INCRA - SR-28, 1998).
33
acampamento na área. A variação no tamanho dos lotes fica entre 27 e
48 ha. É o projeto mais próximo da sede do município e de mais fácil
acesso. Este também é um projeto assistido pelos técnicos da EMATER via
programa LUMIAR.
34
3.2. Operacionalização da pesquisa e coleta de dados
Os dados analisados foram obtidos de fontes primárias e secundárias.
Durante a realização do trabalho, utilizou-se de diversas fontes de informações,
como entrevistas, questionários, observações e documentos. Segundo
ROTHMAN (1996), o uso de diferentes fontes de evidências possui a vantagem
de possibilitar a elaboração de linhas convergentes de investigação, tornando
os resultados e as conclusões mais precisos e convincentes. Através da
aplicação de questionários com os assentados, obteve-se uma caracterização
geral da estrutura organizacional e social dos assentamentos, identificando as
diversas origens, trajetórias e a situação atual de cada família no que diz
respeito ao acesso a serviços básicos como saúde e educação, bem como
informações sobre renda, emprego e sobre o sistema de produção. De modo
complementar à aplicação de questionários, foi possível uma análise qualitativa
através da realização de entrevistas com lideranças dos assentamentos,
membros e representantes de diversos órgãos, como prefeitura municipal,
sindicato dos trabalhadores rurais, FETAEMG, EMATER, sindicato rural,
INCRA e vereadores, ou seja, atores que estão relacionados com o setor rural
no município de Unaí. Isso favoreceu a compreensão e análise da trajetória de
luta pela terra na região e de como se dão os posicionamentos políticos e as
relações entre as diversas instituições, no que se refere aos assentamentos
rurais. Como fontes secundárias foram usados os arquivos e dados disponíveis
em órgãos como IBGE, EMATER, sindicatos, INCRA, FETAEMG, CORA-MG e
outros.
O trabalho de campo iniciou com a participação no I Encontro dos
assentados e acampados do município de Unaí, realizado em junho de 1998 na
sede comunitária do projeto de assentamento Palmeirinha, onde se
estabeleceu o primeiro contato de algumas lideranças dos assentamentos e
acampamentos da região com técnicos da EMATER e lideranças políticas do
município. Foi um momento de apresentação das intenções da pesquisa e de
uma aproximação do pesquisador com seu universo de análise. Na verdade foi
um primeiro contato com os assentados, com o intuito de se fazer um
reconhecimento da área a ser estudada, de pensar quais seriam as melhores
estratégias de ação e também de conhecer genericamente cada projeto, o que
35
propiciou a escolha daqueles que compuseram a amostra. Após alguns meses
na Universidade, voltou-se a campo com a intenção de visitar os
assentamentos escolhidos com o objetivo de estreitar relações com os
assentados, já começando a entender como seria o funcionamento dos
projetos. Nessa etapa, discutiu-se, juntamente com as lideranças de cada
assentamento, a estratégia de aplicação dos questionários, debatendo o
melhor período para se fazer este trabalho e evitando períodos de pico de
trabalho no campo, como colheita ou plantio, regime de chuvas, etc. Durante a
visita exploratória (novembro de 1998) foi feito também um mapeamento de
pessoas que poderiam funcionar como peças-chave para serem entrevistadas
tanto nos assentamentos como na cidade.
Foram aplicados 151 questionários entre os chefes de famílias
assentadas e 16 entrevistas no período que compreendeu os meses de
fevereiro e março de 1999. A pesquisa foi complementada por mais uma ida ao
campo, dessa vez apenas na cidade de Unaí e em Brasília no mês de maio
desse mesmo ano. Apesar de todo o planejamento para a etapa da aplicação
dos questionários, que demandou do pesquisador bastante tempo percorrendo
os três assentamentos, não foi possível evitar contratempos e imprevistos
como as fortes chuvas que caíram na região, ocasionando transtornos nas
viagens, bem como as visitas em momentos de intensa atividade dos
assentados, como colheita e silagem41, o que impedia uma conversa mais
prolongada com os membros das famílias.
É importante destacar a participação do pesquisador em reuniões em
cada um dos três assentamentos. Com exceção do P.A. Renascer, as reuniões
aconteceram dias antes de se iniciarem os trabalhos de aplicação dos
questionários, o que favoreceu ainda mais a aproximação e a aceitação por
parte das famílias. Essas reuniões foram momentos ricos de debates sobre a
realidade de cada projeto.
Os 151 questionários aplicados foram assim distribuídos:
41
Processo de armazenamento de capim, cana e milho para alimentar o gado no período da seca.
36
Estrato 1 – P.A. Palmeirinha: representa 55,8% da população42 - 84
questionários.
Estrato 2 – P.A. Boa União: representa 30,5% da população – 46
questionários.
Estrato 3 – P.A. Renascer: representa 13,7% da população – 21
questionários.
Cálculo da amostra estratificada
Cálculo do tamanho da amostra estratificada para população finita segundo Richardson:
n = 2 p q N/E2(N - 1) + 2 p q,
em que n = tamanho da amostra; 2 = nível de confiança (escolhido, em
número de desvios - sigmas); p = proporção da característica pesquisada no
universo, calculado em percentagem; q = 100 - p (em percentagem); N =
tamanho da população; e E2 = erro de estimação permitido.
Obs.: segundo Richardson, o valor de p é muito difícil de estimar quando
se trabalha com ciências sociais. Portanto, o indicado é supor o seu valor igual
a 50%, que é o caso mais desfavorável para a sua estimação, em que se
necessitaria de que a amostra fosse maior. Sobre o erro de estimação, esse
autor afirmou que, nas ciências sociais, é permitido um erro máximo de 6%, o
qual será o erro admitido no cálculo da amostra. O nível de confiança adotado
foi de 95%, que significou = 2.
Cálculo
n = 22 50 50 328 / 62 (328 - 1) + 22 50 50
n = 151
A amostra total seria distribuída entre os estratos, proporcionalmente
ao seu tamanho em relação ao total da população, conforme descrito
42
População aqui se refere ao total de assentados dos três assentamentos que foram selecionados
intencionalmente como amostra.
37
anteriormente. Para cada estrato foi feita uma escolha aleatória dos indivíduos,
utilizando-se o método do sorteio.
38
4. O PROCESSO HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO E A LUTA PELA TERRA NA REGIÃO NOROESTE DE MINAS GERAIS
4.1. O sertão Noroeste de Minas
O processo de ocupação do noroeste mineiro se intensifica no início do
século XVII, a partir de dois fluxos distintos. O primeiro foi representado pelos
vaqueiros que conduziam gado vindo das províncias de Pernambuco e Bahia,
formando fazendas de criação que, posteriormente, deram origem a vilas e
arraiais; o segundo fluxo, vindo do Sul, foi representado pelas expedições dos
bandeirantes paulistas (FERREIRA NETO, 1993). A história de ocupação e de
exploração da região está profundamente marcada pela presença do rio São
Francisco e de seus afluentes: rios das Velhas, Paracatu, Urucuia e,
particularmente em Unaí, o rio Preto. Assim, a ocupação dessa região foi
marcada pela importância no transporte fluvial e no abastecimento da corte e
da região mineradora, de gêneros alimentícios, principalmente a carne de gado
e peixe, e de produtos agrícolas como a mandioca e o feijão.
O rio São Francisco foi o veículo que permitiu a integração do noroeste com os centros dinâmicos do país como São Paulo, Pernambuco e Bahia. MELLO (1988) afirma que, no século XVII, coube a Pernambuco a penetração por todo o lado esquerdo do São Francisco, e que até 1854 essa província teve amplo domínio
39
político e eclesiástico numa região que abrangia os atuais municípios de Paracatu e de Unaí, que fizeram parte da Diocese de Olinda.
Ainda segundo MELLO (1988), as primeiras bandeiras a entrarem
nesta região foram as de Domingos Luís Grou, Antônio de Macedo e Domingos
Fernandes, ainda no século XVI. Os bandeirantes Nicolau Barreto e André
Fernandes estiveram na região no início do século XVII, este último, em 1613,
registrou o topônimo do rio Iuna - Rio Preto43. Outro bandeirante de destaque
para esta região foi José Rodrigues Fróis, que no século XVIII, saindo da
Bahia, percorreu grandes áreas até chegar a Paracatu, sendo creditado a ele a
descoberta do ouro naquela localidade.
MATA MACHADO (1991) escreve que os primeiros bandeirantes a
estabelecerem povoados na região foram Matias Cardoso, Januário Cardoso e
Antônio Gonçalves Figueira, que se fixaram nas regiões de São Romão e do
Urucuia. Para esse autor, existe uma polêmica entre alguns historiadores como
Salomão de Vasconcelos, Urbino Viana e Affonso Taunay sobre a primazia de
baianos e paulistas na ocupação do sertão Norte mineiro. Porém, o importante
é que ambas as correntes de colonização, tanto a dos paulistas como também
a dos baianos e pernambucanos, foram importantes no processo de ocupação
da região. Algumas localidades tiveram importância maior na atividade de
transporte de mercadorias, particularmente aquelas na margem do rio São
Francisco, tendo momentos de maior desenvolvimento e períodos de
decadência, como foi o caso do município de Pirapora. Contudo, o fundamental
para a compreensão histórica da realidade agrária do noroeste mineiro e,
particularmente, dos "Chapadões de Paracatu", foi a presença do grande
fazendeiro, com seus vaqueiros e agregados, onde se destacaram a relação de
compadrio44 e o domínio de extensas áreas por agrupamentos de membros de
uma mesma família.
Os municípios foram sendo constituídos entre as grandes fazendas, e
desenvolveram-se reproduzindo características e relações políticas,
43
Estes bandeirantes em seus relatos e inventários identificam as tribos Tupinaês, Temiminós e os
Amoipiras como habitantes desta parte do então sertão.
44 O termo vem da situação na qual os filhos dos vaqueiros e agregados tinham como padrinhos os
fazendeiros; isso proporcionava uma aproximação entre os "compadres", o que garantia mais
proteção àqueles menos favorecidos; isso certamente não acabava com a distinção entre os
detentores de terra e poder e os que nada possuíam.
40
econômicas e sociais que estão relacionadas com o latifúndio, como o
coronelismo. CASTRO (1997) afirma que a região se caracterizou por uma
civilização do rio e uma civilização sertaneja, cujos dois modos de vida distintos
se cristalizaram a partir de circunstâncias geográficas importantes: a bacia do
rio São Francisco e seus afluentes e a vastidão do cerrado. Particularmente, a
“civilização sertaneja” é a origem da “vocação natural” para a pecuária, que
possibilitou um estilo de ocupação em que era marcante a existência de
latifúndios de criação de gado contendo, em seu interior, lavradores agregados,
meeiros, vaqueiros – os trabalhadores residentes das fazendas. MATA
MACHADO (1991) afirma, também, que o poder dos coronéis não se baseava
somente na propriedade da terra, mas também em atividades comerciais e que
o mais importante nem era a quantidade de terra, mas sim a quantidade de
moradores, vaqueiros e agregados que residiam sob seu domínio e que, em
tempos de guerra, formavam seu exército.
Na região de Unaí vão surgindo fazendas, provenientes de doações de
sesmarias45, constituindo imensas propriedades cuja atividade principal era a
criação de gado, destacando-se a fazenda Capim Branco, cuja sede servia de
importante ponto de ligação entre as demais fazendas da região de Paracatu e
do Alto Sertão do Urucuia.
“Pela privilegiada situação geográfica, aí na fazenda, à beira do
Rio Preto, instalou-se um porto, dando acesso às fazendas
Jardim, Taquaril e outras, à margem esquerda, bem como a
Buritis, Morrinhos e outras localidades do Urucuia, sem se
esquecer das ligações comerciais com a Vila dos Couros
(Formosa), Santa Luzia das Marmeladas (Luziânia) e outras da
Província de Goiás. No começo do século XIX, a Fazenda
Capim Branco já era de propriedade dos irmãos Manoel e
Antônio Pinto Brochado, naturais do Arraial de São Domingos
em Paracatu, e nela passaram a residir, onde continuaram
mantendo o porto no Rio Preto, com um canoeiro de plantão”
(MELLO, 1988:97).
45
A mais antiga sesmaria concedida na região foi a Francisco Álvares de Carvalho, em 1739 (MELLO,
1988).
41
Já no século XIX, a fazenda Capim Branco se transforma em um local
de destaque perante às outras fazendas que continuam na trajetória de
criação; ela passa a ocupar uma posição de aglutinação, com a instalação de
igreja, cemitério, casas comerciais, rancho público etc. Esse novo núcleo
populacional se constituiu através da união dos proprietários da fazenda com
outros ilustres moradores da região, como padres e membros de famílias
prósperas vindas de Paracatu e do Nordeste do Brasil. A Ribeira do Rio Preto,
nome dado ao porto de passagem, é a origem da cidade de Unaí. Nessa área,
estabeleceu-se o distrito do Rio Preto, tendo como sede o povoado de Capim
Branco, pertencente ao município de Paracatu, cujo distrito levava o nome do
rio, em tupi rio Iuna, e a sede, o nome da antiga fazenda. Em sete de setembro
de 1923, através da Lei no 843, o Governo Estadual muda o nome do distrito
para Unaí. Apesar de ter sido, segundo MELLO (1988), um distrito bastante
populoso e com economia muito forte, baseada na agricultura e pecuária, foi
somente em 1943 que as "idéias emancipacionistas se avolumam e tomam
corpo". Uma comissão formada por membros de famílias importantes foi criada
para tal fim, e seu presidente, o Sr. José Luiz Adjuto, levou ao governador
Benedito Valadares um abaixo assinado com mais de 200 assinaturas
acompanhado de estudos que mostravam a realidade econômica, social e
política do distrito.
O Decreto-Lei no 1.058, de criação do município de Unaí, data de 1943,
cuja instalação ocorreu a 15 de janeiro de 1944, sendo, na época, o maior
município do Estado de Minas Gerais em termos de extensão territorial, com
19.856 km2. Em 1962, com a emancipação de Bonfinópolis de Minas e Buritis,
o município de Unaí passou a ter 9.749 km2, sendo o terceiro maior do Estado.
Atualmente, com o processo emancipatório dos distritos de Cabeceira Grande
e Uruana de Minas, emancipados em 1996, o município conta com
8.492,00 km2 e uma população de 73.664 habitantes, sendo 51.106 na zona
urbana (69,4%) e 22.558 na zona rural (30,6%)46.
Segundo FERREIRA NETO (1993), esta região sempre se caracterizou
pelo isolamento, desempenhando um papel secundário no contexto dos vários
ciclos econômicos vividos pelo Brasil, exceto, no período da mineração,
46
Segundo dados do IBGE - Censo Agropecuário de 1996.
42
quando a região se destacou após o descobrimento de ouro em Paracatu.
Contudo, com o fim desse ciclo, a região novamente volta a viver um período
de isolamento e estagnação socioeconômica, que só começa a se alterar a
partir do final da década de 50, com a construção de Goiânia e Brasília, bem
como a instalação da Usina Hidrelétrica de Três Marias. É, no entanto, na
década de 70 que a região noroeste de Minas se integra ao processo de
desenvolvimento econômico do país, no contexto da modernização da
agricultura, sobretudo através dos planos de desenvolvimento agrícola e
ocupação capitalista dos cerrados.
4.2. O fim do isolamento e os programas de desenvolvimento agrícola
A partir da década de 30, inicia-se uma mudança na interpretação do
Estado, sobre o papel atribuído ao setor agrícola no contexto do processo de
desenvolvimento do Brasil. Para DELGADO (1985), a inserção desse setor no
processo de desenvolvimento do país passa por duas fases distintas. A
primeira tem início a partir de 1930, com a política de implantação de um
parque industrial e o processo de substituição das importações, em que a
atividade agrícola, particularmente o setor cafeeiro, era percebido apenas como
uma fonte de geração de recursos destinados ao projeto de industrialização em
curso. A segunda fase, a partir de meados da década de 60, é marcada pela
interação entre os setores agrícola e industrial. Busca-se a incorporação da
agricultura ao processo de acumulação capitalista, pela consolidação, nas
décadas seguintes, do complexo agroindustrial, com o capital industrial e
financeiro encontrando novas formas de realização dentro da atividade
agrícola. Para MARTINE (1991), alguns eventos foram importantes para
modificar o perfil e a estrutura de produção agrícola pós-64: a consolidação do
parque industrial, o milagre econômico e a instauração de um estilo de
desenvolvimento visando à modernização. A Revolução Verde e,
principalmente, a ampliação do crédito rural foram os elementos que
proporcionaram a efetivação de um modelo de agricultura em que o destaque
foi para as culturas que visavam às exportações e, ou, estavam vinculadas às
agroindústrias, capazes, portanto, de gerar demanda para as indústrias. Nessa
mesma perspectiva, DELGADO (1985) afirma que, "nos dois momentos
43
históricos analisados, o papel do setor agrícola estará se definindo a partir das
necessidades do desenvolvimento industrial e urbano".
No contexto da segunda fase, delimitada anteriormente, três questões
são relevantes para a compreensão do desenvolvimento agrícola do país, de
modo geral, e do noroeste de Minas Gerais, em particular: o Sistema Nacional
de Crédito Rural (SNCR) como política de financiamento47, a política
tecnológica definida dentro dos moldes do padrão moderno - Revolução Verde
- e a política fundiária, sobretudo os programas de implementação de pólos de
desenvolvimento rural e de colonização agrícola. Nesse processo, o poder
público teve participação decisiva na implementação do projeto de
modernização da agricultura, pela atuação de órgãos como DNOCS
(Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) e a CODEVASF
(Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco) responsáveis
pelos projetos de colonização visando ao desenvolvimento da atividade
agrícola irrigada na região nordeste. A criação dos pólos de desenvolvimento
agrícola foi a estratégia de intervenção direta do Estado no espaço agrícola,
contando com o apoio de agências internacionais como o Banco Mundial e BID
(Banco Interamericano de Desenvolvimento), financiadores de diversos
projetos como: POLONORDESTE (Programa de Desenvolvimento Integrado do
Nordeste do Brasil), POLOCENTRO (Programa de Desenvolvimento dos
Cerrados), POLAMAZÔNIA (Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais
da Amazônia) e POLONOROESTE (Programa de Desenvolvimento Integrado
do Noroeste do Brasil).
A região noroeste de Minas Gerais assumiria posição privilegiada
dentro dos planos e projetos de modernização do setor agrícola brasileiro, no
contexto dos programas de ocupação e integração de novas áreas agrícolas,
finalizando a sua etapa de isolamento.48 Este movimento de ocupação, nas
décadas de 50 e 60, foi incrementado pelo “boom” regional devido à construção
de Brasília e Goiânia, bem como a construção da hidrelétrica de Três Marias,
47
Para DELGADO (1985), o volume de recursos destinados ao sistema de crédito, as taxas de juros
negativas, os prazos de pagamento e as carências foram os principais mecanismos para a
consolidação do novo modelo de agricultura, na consolidação do complexo agroindustrial,
principalmente no período de 1969 a 1976.
48 Esta região, conforme seu histórico de ocupação, apresentava todas as características que definem
uma área como fronteira agrícola: vazio demográfico, organização social e econômica arcaica,
distante e insignificante em termos de contribuição para o desenvolvimento do país.
44
no rio São Francisco, inaugurada em 1958. Essas vultosas obras
impulsionaram todo o desenvolvimento de uma infra-estrutura básica, até então
inexistente nessa região, com destaque para a rodovia BR 040, que liga
Brasília ao Rio de Janeiro, passando pela capital mineira e se tornando de
grande importância para a interligação do noroeste do Estado com os grandes
centros do país.
Na década de 60 foi realizado um estudo sobre a região noroeste do
Estado de Minas Gerais, pelos técnicos do Governo Estadual, e, com base em
seu resultado, foi proposto o Programa Integrado de Desenvolvimento da
Região Noroeste de Minas (PLANOROESTE). Para a sua implantação foi
criada, em 1966, a RURALMINAS - Fundação Rural Mineira - Colonização e
Desenvolvimento Agrário, inicialmente com o objetivo de desenvolver o
PLANOROESTE; suas atividades foram, posteriormente, ampliadas para todo
o Estado. Este plano foi a primeira iniciativa do governo de Minas Gerais com o
objetivo de promover o desenvolvimento da região noroeste, que abrangia, na
década de 60, 23 municípios, num total de 110 mil quilômetros quadrados com
cerca de 450 mil habitantes. Tratava-se de uma região com grande potencial
econômico, mas deficitária em termos de infra-estrutura, sendo considerada um
vazio econômico e social que deveria ser integrado ao resto do país.
(FUNDAÇÃO RURAL MINEIRA - COLONIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
AGRÁRIO - RURALMINAS, 1973).
O PLANOROESTE foi criado em consonância com o Primeiro Plano
Nacional de Desenvolvimento e o Plano Mineiro de Desenvolvimento
Econômico e Social, ajustando-se à nova política de crédito rural, aos
corredores de exportação e ao Programa Especial para o Vale do São
Francisco, reunindo esforços de diversos órgãos como a SUDENE, SUVALE e
o INCRA. Sua vigência seria de seis anos, de 1970 a 1976, e seu objetivo era a
criação de infra-estrutura capaz de motivar a instalação da atividade particular
em níveis de exploração empresarial, atuando em três programas básicos:
assentamento de colonos, infra-estrutura regional e assistência técnica, com
recursos dos governos Federal e Estadual, além de um financiamento do BID.
Em 1973, a RURALMINAS e a Secretaria Estadual de Agricultura criam
o PADAP (Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba) para, num
prazo de três anos, introduzir nesta região atividades agropecuária e
45
agroindustrial em bases empresariais, numa associação entre o setor público e
privado, tendo o Banco Central e o BDMG (Banco de Desenvolvimento de
Minas Gerais) como agentes financiadores e a Cooperativa Agrícola de Cotia -
Central e EMATER como responsáveis pela assistência técnica. Apesar de ter
como alvo a região do Alto Paranaíba, este programa refletiu também na região
noroeste do Estado, principalmente pela instalação de um grande perímetro
irrigado no município de Paracatu. O POLOCENTRO - Programa de
Desenvolvimento dos Cerrados foi criado com a proposta de incorporar 3,7
milhões de hectares entre 1975 e 1979, com a finalidade de promover o
desenvolvimento e a modernização das atividades agropecuárias nos Estados
de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais, mediante a ocupação racional de áreas
com características de cerrado e seu aproveitamento em escala empresarial;
em Minas Gerais foi executado pelo BDMG e pelo Banco do Brasil.
No contexto do POLOCENTRO foram criados programas de caráter
regional, como o Programa Especial da Região Geoeconômica de Brasília,
criado em 1976, que beneficiaria sete municípios do "vão do Paracatu", entre
eles Unaí (Secretaria Agricultura-MG, 1979). Com o objetivo de reforçar a infra-
estrutura das comunidades sob a influência da capital federal, o programa
incluía em suas metas a construção de 695 km de estradas, 468 km de linhas
de transmissão e de distribuição de energia elétrica, escolas, postos de saúde,
ampliação dos serviços de extensão rural e outros. Especificamente para Unaí
estavam incluídos projetos de irrigação para aproveitamento do potencial do rio
Preto, além da implementação de um distrito agro-industrial no município.
No final da década de 70 e início dos anos 80, iniciando uma fase de
crise e retração na economia nacional, há uma mudança na estratégia de
desenvolvimento para o setor agrícola, marcada pela crise do sistema
creditício. Segundo DELGADO (1985:79),"já em 1977 começam a se esboçar,
em nível de governo, as influências contencionistas da política monetária, que
nesse ano se reflete numa primeira inflexão para baixo do volume de crédito
concedido".
Ocorre, assim, a passagem do crédito subsidiado e genérico para o
específico, por produto e produtor, priorizando as culturas de cana-de-açúcar,
trigo, soja, cacau, algodão e laranja. Nesse novo contexto, a região continuou
sendo alvo de ações do poder público, com a implementação do
46
PLANOROESTE II, de 1981 até 1986, e também do PRODECER (Programa de
Desenvolvimento dos Cerrados). Este programa foi executado pela Companhia
de Promoção Agrícola (CAMPO)49 através de convênios entre os governos
brasileiro e japonês, realizando projetos de colonização nos municípios de
Paracatu, Coromandel e Iraí de Minas. Nesse contexto foram implementados
outros três projetos, a Companhia de Desenvolvimento Agroindustrial Cerrado
(CDAC), numa área de 10.120 ha em Paracatu; e a Curral do Fogo
Agroindustrial com 4.480 ha em Unaí50, e em Coromandel, numa área de
5.878 ha, destinada à própria CAMPO, com o objetivo de produção de
sementes e campo de demonstração51. Com os mesmos subsídios dos
programas anteriores, porém com maior seletividade, e com a incorporação do
crédito fundiário, os recursos destinados ao programa eram provenientes do
governo brasileiro e japonês, via BDMG.
“a existência da vasta região de cerrados – praticamente
inexplorada, com grande potencial produtivo, totalmente
favorável à mecanização e com razoável estrutura de
transportes e energia – surgiu como importante alternativa de
expansão da fronteira agrícola interna, que abriria espaço para
o crescimento de diversos segmentos da economia nacional”
(FRANÇA, 1984:5).
Segundo documentos da Secretaria de Agricultura de Minas Gerais52, ao
governo brasileiro interessavam o aumento da oferta de alimentos para o
mercado interno, a produção de excedentes exportáveis e o aumento da oferta
de emprego na área rural, fixando o homem no campo e interiorizando o
49
A CAMPO foi formada pela junção de capitais de duas "holdings" de grupos empresariais do Brasil e
Japão. Do lado brasileiro foi formada a BRASAGRO (Companhia Brasileira de Participação Agro-
industrial), responsável por 51% do capital, formada por 44 acionistas, dentre eles BDMG, Banco do
Brasil, Brahma, CICA e Manah. E do lado japonês, a JADECO-CIA (Nipo-Brasileira de
Desenvolvimento Agrícola), que reunia empresas como Mitsui e Mitsubishi, além da agência de
Cooperação Internacional do Japão (JICA).
50 Esta área se encontra atualmente ocupada por trabalhadores sem terra, exigindo do INCRA a sua
desapropriação por ser uma propriedade particular improdutiva.
51 No final do ano agrícola 1981/82, terminou a implantação do projeto-piloto da CAMPO, numa área de
60 mil hectares, abrangendo os município de Paracatu, Coromandel e Iraí de Minas (cidades pólos),
bem como, ainda Unaí, Romaria, Nova Ponte e Patos de Minas (Secretaria de Agricultura, MG, s/d).
52 Secretaria de Agricultura - Estado de Minas Gerais. Proposta de aumento da produção agrícola nos
cerrados de Minas Gerais, através de projetos integrados de colonização (s/d).
47
desenvolvimento. Para isso, a região contava com uma razoável infra-estrutura
de transporte, armazenamento, energia elétrica, etc., possibilitando amplo
suporte para a produção agrícola. Além da disponibilidade de tecnologias
agrícolas modernas e específicas para a região do cerrado, a existência de
importantes centros de pesquisas garantia a "implantação de empreendimentos
econômicos e socialmente viáveis em áreas ainda hoje quase totalmente
vazias". Possibilitava ainda a convergência de diversos interesses em pauta,
como a expansão industrial, pois geraria grande demanda por máquinas e
insumos modernos, com o desenvolvimento de uma agricultura em bases
empresariais e com uso de tecnologias modernas, que, em suma, eram os
principais objetivos da política econômica em vigor no início dos anos 1970.
Assim, a modernização do cerrado se apresentava como mais adequada para
viabilizar as políticas e diretrizes estabelecidas pelo governo.
Segundo FRANÇA (1984), a evolução desse processo modificou os
segmentos de classe e os atores sociais envolvidos na produção agrícola.
Continuaram perdendo posição os pequenos produtores e os segmentos do
capital agrário vinculados à exploração extensiva da terra. Os subsídios
governamentais passam a ser destinados a setores específicos e "ultra-
modernos", ou seja os empresários rurais.
Nesse contexto, grande parte da área rural do município de Unaí foi
incorporada através do processo de modernização da agricultura brasileira.
São as terras situadas nos planaltos, os chamados chapadões, onde os solos
apresentam limitações para o uso agrícola, basicamente a baixa fertilidade,
podendo ser melhorado com o uso de fertilizantes químicos e calcário. As
terras com esse tipo de solo e relevo considerado plano, extremamente positivo
para o avanço do uso das máquinas e implementos agrícolas, representam
cerca de 60% da área total do município, e, até então, eram consideradas
improdutivas e de baixo valor. Essas áreas foram incorporadas em diversos
programas de ocupação e estratégias de desenvolvimento da região, que
tiveram como atores principalmente agricultores vindos do Sul do país, como
Rio Grande do Sul, Paraná e mesmo de São Paulo.
A concentração de terra foi uma das principais conseqüências desse
processo e estimulada por dois fatores principais: a adoção do pacote
tecnológico incentivado pela política agrícola, particularmente o crédito,
48
favorecendo médios e grandes proprietários em detrimento dos pequenos; e a
especulação fundiária, resultante da escala de produção do novo modelo e
também dos mecanismos creditícios e fiscais que contribuíram para a expulsão
de posseiros e pequenos produtores.
Na mesma linha de importância, outra questão a ser ressaltada como
resultado desse modelo são as mudanças no processo de geração de
empregos no meio rural. A desestruturação da pequena produção levou a uma
significativa redução no volume global de emprego, com o aumento do número
de trabalhadores temporários, além de um processo de êxodo rural bastante
acentuado, particularmente nas décadas de 70 e 8053. Hoje, em Unaí, o fluxo
de mão-de-obra temporária, bóia-fria, é de cerca de 5.000 trabalhadores54, que
se deslocam para o campo diariamente.
CASTRO (1997) afirma que, do ponto de vista dos trabalhadores, o processo de modernização agrícola na região noroeste significou um brutal deslocamento social, provocado pela mudança na pauta produtiva. “Posseiros, agregados, meeiros, vaqueiros experimentam a modernização como uma ruptura no seu modo de viver, algo que se abate sobre eles, contra eles.” Essa autora sumariza da seguinte forma tal processo: primeiramente, a precarização ao acesso à terra devido às mudanças nas regras entre os moradores e os proprietários; a proletarização, ou assalariamento temporário precário, a intensificação da contratação de bóias-frias, substituindo famílias inteiras que residiam por várias gerações na área; e a migração pelos municípios da região em busca de alternativas de trabalho. Especificamente no município de Unaí, esse processo de modernização da agricultura e
53
Na década de 90, esse processo sofre ligeira inversão, com o aumento da população rural e
decréscimo na população urbana.
54 Esta é uma informação fornecida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Unaí durante a etapa de
coleta de dados desta pesquisa, sendo no Censo Agropecuário de 1996 (IBGE) registrados cerca de
2.000 trabalhadores volantes nos meses de maior demanda.
49
ocupação capitalista do cerrado proporcionou intensa migração campo-cidade, ocorrendo inversão nos percentuais da população residente nos meios rural e urbano durante as décadas de 70 e 80, como indicam os dados da Tabela 5.
Contudo, a análise da Tabela 5 possibilita identificar o início de um processo de reconversão nos percentuais da distribuição da população no município de Unaí. Se o processo descrito anteriormente fez com que a população rural diminuísse a sua participação de 73%, em 1970, para 24% da população total em 1991, a partir desse momento o crescimento
da população rural cresce, acompanhada de decréscimos absoluto e relativo da população urbana entre 1991 e 1996. Somente na primeira
metade da década de 90, a população rural aumentou em 5.565 pessoas, representando um crescimento
Tabela 5 - Distribuição da população no município de Unaí, MG
População Total Zona Urbana Zona Rural
19401 11.932 631 (5,3%) 11.301 (94,7%) 19602 46.306 6.308 (13,6%) 39.998 (86,4%) 1970 53.234 14.391 (27,0%) 38.843 (73,0%) 1980 68.079 29.824 (43,8%) 38.255 (56,2%) 1991 69.612 52.919 (76,0%) 16.693 (24,0%) 1996 73.664 51.106 (69,4%) 22.558 (30,6%)
Fonte: IBGE. 1 População do distrito de Unaí.
2 Incluindo Buritis - emancipado em 30/12/1962.
de 35% em apenas cinco anos. Isso permite a conclusão de que, no contexto do processo de desenvolvimento desse município, a partir da
década de 90, estejam surgindo novos elementos que têm tornado o meio rural um atrativo como alternativa de emprego e moradia, para um
significativo contigente populacional. Nesse sentido, o processo de implementação de assentamentos rurais, como resultado da luta pela
terra, sobretudo nessa década, deve ser analisado como fator de dinamização do meio rural no município de Unaí.
50
4.3. A luta pela terra na região noroeste de Minas Gerais
No final da década de 70, o agravamento das conseqüências da
modernização da agricultura e o contexto de mobilização social pela
redemocratização, greves, movimento pela anistia etc. possibilitaram uma
conjuntura político-social favorável e decisiva para que os movimentos sociais
retomassem a luta pela terra. No aspecto econômico, é importante ressaltar
também o esgotamento do modelo de desenvolvimento agrícola, baseado no
crédito fácil. Nesse contexto, a diversidade de contradições em que estavam
envolvidos os trabalhadores rurais marcou também a ampliação e extensão
das mobilizações e manifestações, com novos segmentos de trabalhadores em
diversas regiões do país. Além do movimento pela terra - posseiros, sem terra,
atingidos por barragens e as lutas indígenas -, ocorria também o movimento
dos trabalhadores assalariados rurais com suas lutas contra as formas de
exploração e assalariamento, bem como o movimento dos camponeses
integrados, lutando por preços e por política agrícola. Com diferentes
estratégias de luta, esses movimentos avançaram principalmente na forma de
exercer pressão sobre o Estado, recolocando a reforma agrária na agenda
política.
O processo de modernização agrícola causou forte redução no número
do pessoal ocupado no meio rural em suas formas tradicionais, como
parceiros, posseiros, meeiros etc.; segundo CASTRO (1997), os parceiros
representavam cerca de 19,63% em 1950 e 10,18% em 1970, chegando a
3,78% em 1985. Isso evidencia como esses trabalhadores perderam seu
espaço de reprodução social, os quais foram expulsos das terras de trabalho
ao longo do processo de desenvolvimento agrícola patrocinado pelo Estado,
sendo os atores que protagonizaram as primeiras lutas por desapropriação de
terras na região. Representam, numa primeira etapa, a luta de resistência de
moradores ameaçados de expulsão, bem como, numa etapa posterior, que se
estende até os dias atuais, protagonizada por trabalhadores como os diaristas,
bóias-frias e também aqueles com maior experiência em atividades urbanas,
mas que têm origem no meio rural e que se encontram em situação marginal
devido ao processo de modernização da agricultura. Segundo a pesquisa
realizada pelo LUMEN/PUC-MG (1999), os trabalhadores assentados no
51
noroeste de Minas, em sua maioria, exerciam atividades relacionadas com
meio rural, destacando-se bóia-fria e parceiro/meeiro; apenas 27%
desenvolviam atividades urbanas, sobretudo as mulheres, que eram
empregadas domésticas ou donas de casa, conforme os dados da Tabela 6.
A origem do processo de luta pela terra na região pode ser entendida, num primeiro momento, como
reflexo da crise do regime militar e ascensão dos movimentos sociais, destacando-se a participação da igreja católica, via principalmente os agentes das CEB's, e o momento em que houve maior mobilização dos trabalhadores rurais na criação dos sindicatos, como forma de
Tabela 6 - Atividades exercidas antes da implementação do assentamento
Atividades %
Bóia fria/diarista 24 Parceiro/meeiro 23 Trabalhador rural 15 Carvoeiro 3 Arrendatário 2 Tratorista 1 Proprietário rural 1 Emprego relacionado ao meio urbano 27 Desempregados 4 Outros 1
Fonte: LÚMEN (1999).
organização política. Posteriormente, no contexto da discussão constituinte e na elaboração e implementação do I PNRA, já com atuação dos sindicatos e do pólo regional da FETAEMG, em meados dos anos 80.
Esse processo se deu, paralelamente, em dois locais distintos, em
Unaí e João Pinheiro, sendo o marco de luta dos trabalhadores rurais pela
desapropriação de latifúndios improdutivos na região, que na década de 80, no
contexto de mudança institucional no Brasil, serão impulsionados pelo Primeiro
Plano Nacional de Reforma Agrária, com conseqüente aumento na mobilização
social em torno da questão da reforma agrária.
Em Unaí, esse processo de retomada da luta pela terra se deu pela
ação dos agentes da Igreja Católica, vinculados ao movimento da Teologia da
Libertação e à Comissão Pastoral da Terra, que, com um trabalho de
conscientização e reflexão das CEB's, organizaram diversas atividades
52
sociopolíticas, evoluindo para a criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Unaí, em 1981. Nesse contexto, deu-se maior consistência para a luta de
resistência travada pelos antigos moradores da Fazenda Saco Grande, então
ameaçados de expulsão. Tal ameaça era a contra-ofensiva do latifundiário, que
via a cada dia aumentar a organização dos trabalhadores e a possibilidade de
se ter a implantação de um programa de reforma agrária em áreas
improdutivas (CASTRO 1997).
Segundo essa mesma autora, em João Pinheiro a mobilização se deu
a partir do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e do pólo da FETAEMG. Já em
meados dos anos 80, eles foram incentivados pela proposta do I PNRA, no
governo Sarney, e também pelo IV Congresso Nacional dos Trabalhadores
Rurais, organizado pela CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores
Rurais) em maio de 1985. Nesse município tem início a discussão sobre a luta
pela terra, em um patamar que ultrapassava a luta de resistência de antigos
moradores. Nesse contexto, houve ação na periferia da cidade, envolvendo
trabalhadores rurais e urbanos, com o objetivo de discutir as possibilidades de
aplicação do PNRA no município e reunindo, em abaixo-assinado, o pedido de
desapropriação ao INCRA da Fazenda Fruta D'anta, um latifúndio improdutivo
de propriedade de estrangeiros.
As lutas que se seguiram na região foram impulsionadas pelo êxito
desses primeiros processos. O conflito na Fazenda Saco Grande originou o
Projeto de Assentamento Palmeirinha, beneficiando 183 famílias. A área foi
desapropriada pelo INCRA em 1984 e o assentamento, criado em 1986. Em
João Pinheiro, o conflito na Fazenda Fruta D'anta também resultou em projeto
de assentamento. A área foi desapropriada em 1986, sendo assentadas 220
famílias. Em Unaí, outras áreas foram desapropriadas em função de conflitos
entre os moradores e latifundiários, como a área do P.A. Bálsamo
desapropriada em 1986 e os P.A.'s São Pedro Cipó e Barreirinho, cujos
decretos de desapropriação datam de 1988. Há também o conflito na Fazenda
Tabocas, que continua sem solução, mas que se caracteriza pela disputa entre
posseiros e proprietário.
Até o final da década de 80, a mobilização dos trabalhadores rurais,
visando à ocupação de terras improdutivas, ainda não estava caracterizada
53
como uma forma de luta pela terra na região noroeste de Minas, como afirma
um diretor do pólo da FETAEMG na região,
"as nossas mobilizações começaram pelo lado das ocupações, a partir de 1989, que até então não estavam bem caracterizadas como forma de luta, Saco do Rio Preto e Mamoneiras foram as primeiras e a partir daí nós tivemos vários outros desencadeamentos de ocupações, em Arinos, Riachinho, Lagoa Grande, Presidente Olegário e João Pinheiro" (Entrevista com o diretor do pólo sindical da FETAEMG, Paracatu, março de 1999).
Nos anos de 1988 e 1989, a mobilização dos trabalhadores rurais perante a luta pela terra na região ganha maior visibilidade pública tanto pelo aumento de ocupações como também da luta de resistência de antigos moradores. CASTRO (1997) afirma que, em pouco mais de um ano, ocorreram 18 episódios de ocupações de terras na região, tendo como alvo propriedades particulares e do Estado, além de outros conflitos entre posseiros e supostos donos de terras em vários municípios da região, o que resultou em diversas situações de tensão social. Na Tabela 7 apresentam-se as áreas de conflitos na região noroeste de Minas durante a década de 80.
Tabela 7 - Principais ações de resistência e ocupações na região noroeste de Minas no final da década
de 80
Fazenda Forma de luta Município55
Barreirão/Buenos Aires Ocupação Presidente Olegário Bom Jesus Ocupação Paracatu Saco do Rio Preto Ocupação Bonfinópolis de Minas Mamoneiras Ocupação Bonfinópolis de Minas Assa Peixe Conflito de posse Bonfinópolis de Minas Riacho dos Cavalos Conflito de posse Bonfinópolis de Minas Brejo Verde Ocupação São Romão Reserva Ocupação São Romão São João do Boqueirão Conflito de posse São Romão
55
Devido aos processos emancipatórios de vários distritos nesta última década, algumas dessas áreas
pertencem a novos municípios.
54
Riacho ou Cavalo Morto Conflito de posse São Romão Mimoso Ocupação Arinos Menino Conflito de posse Arinos Bálsamo Conflito de posse Unaí São Pedro Cipó Conflito de posse Unaí Barreirinho Conflito de posse Unaí Tabocas Conflito de posse Unaí Santa Clara Furadinho Conflito de posse Unaí
Fonte: Adaptado de CASTRO (1997).
Após o fracasso das propostas reformistas do I PNRA e o refluxo dos
movimentos sociais durante o período Collor, quando a conjuntura nacional foi
extremamente desfavorável à reforma agrária, o movimento de luta pela terra
na região passa por um período de desmobilização. Com as maiores
dificuldades políticas no âmbito governamental, em termos legais e
institucionais, os movimentos sociais de modo geral e de luta pela reforma
agrária em especial passam a atuar de forma bastante defensiva. Somente a
partir de 1993, com a transferência do pólo sindical da FETAEMG para
Paracatu e com a mudança na conjuntura política nacional, é que o movimento
volta a se fortalecer na região noroeste de Minas.
A partir de 1995, com ações organizadas pelo Movimento dos
Trabalhadores Sem-Terra (MST), como a marcha que percorreu grande parte
do país com destino a Brasília e a intensificação das ocupações de latifúndios
improdutivos no Pontal do Paranapanema, no Estado de São Paulo, bem como
a ocorrência dos massacres de Corumbiara e de Eldorado dos Carajás56,
fazem com que a luta pela reforma agrária ganhe maior apelo social e
visibilidade através da mídia. Nesse período, na região noroeste de Minas, a
luta se intensifica com a articulação regional dos sindicatos dos trabalhadores
rurais, feita pelo polo da FETAEMG, bem como o acampamento
Palmital/Barriguda, que proporcionou a ampliação das ocupações e também a
capacitação de novas lideranças de trabalhadores rurais.
56
O massacre de Corumbiara, RO, ocorreu no dia 9 de agosto de 1995, sendo registrados 10
trabalhadores sem-terra mortos e dois policiais militares. Eldorado dos Carajás, PA, viveu no dia 17 de
abril de 1996 o maior massacre dos últimos 30 anos, com 19 sem-terra mortos e dezenas de feridos.
Ambos tiveram grandes repercussões nacional e internacional.
55
O acampamento Palmital/Barriguda organizado pelo MST foi uma
grande oportunidade para se reunirem os trabalhadores para discussão das
questões relacionadas com a reforma agrária; cerca de 600 famílias, de
diversos municípios da região, foram reunidas numa fazenda próxima ao
distrito de Palmital, município de Unaí57. Foi um momento de reunir aqueles
que estavam morando nas periferias das cidades, muitos dos quais
desempregados ou subempregados. Como resultado desse acampamento
houve a ocupação da Fazenda Barriguda, no município de Buritis, fato bastante
propagado na mídia, pois essa fazenda ocupada faz divisa com uma
propriedade do Presidente da República - Fernando Henrique Cardoso -, o que
favoreceu também para o arrefecimento do confronto com a polícia.
Há que se destacar também a ocupação da Fazenda Nova Lagoa Rica,
no município de Paracatu, no ano de 1995, reunindo trabalhadores rurais de
vários outros municípios, dentre eles Unaí. Essa ocupação, coordenada pelo
movimento sindical, foi a primeira na região a se localizar por determinado
período na margem de uma rodovia, após serem despejados da fazenda. Esse
processo teve importância na capacitação de lideranças que assumiram o
trabalho de mobilização para ocupação de novas áreas na região noroeste de
Minas:
"as pessoas que vinham para o acampamento, com o trabalho do polo da FETAEMG e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paracatu, conseguiram tomar gosto pela luta e empurrou a diretoria do Sindicato de Unaí para trabalhar este processo lá" (Entrevista com o diretor do pólo FETAEMG, março de 1999).
É nesse contexto que se observa o aumento do número de
assentamentos na região. A Figura 2 evidencia que parte significativa dos
projetos de assentamentos rurais implementados no Estado de Minas Gerais, a
partir do I PNRA, está localizada nos municípios da região noroeste. São 52
projetos de assentamentos rurais implementados nessa região, beneficiando
3.201 famílias, o que representa cerca de 39,4% do total de assentamentos do
Estado e 39,1% das famílias assentadas, conforme os dados da Tabela 8.
57
Hoje Palmital pertence ao município de Cabeceira Grande.
56
Grande parte desses projetos de assentamento foi criada a partir de 1995,
sobretudo em 1997 e 199858.
De forma geral, essa é uma região que não possui muitas
organizações e entidades populares atuando na luta pela terra, sendo esse
espaço ocupado pelo movimento sindical e, em alguns municípios, pelos
agentes da Igreja Católica de orientação mais progressista. O MST, apesar de
ser um dos principais movimentos de luta pela terra em nível nacional, tem, no
noroeste de Minas, atuação restrita. De acordo com os dados apresentados no
Fonte: INCRA-MG - Divisão Regional: Mesorregiões - IBGE. Figura 2 - Distribuição regional dos projetos de assentamentos em Minas Ge-
rais, 1999.
58
A relação de todos os projetos de assentamentos implementados na região, distribuídos por município,
é apresentada no Apêndice A.
57
Apêndice A, somente em alguns municípios, principalmente Buritis e Arinos59,
há trabalho efetivo das lideranças do MST vinculadas à coordenação do
movimento na região do entorno do Distrito Federal.
59
No início da década de 90, o MST fez tentativa de atuação em Unaí, porém foi com o acampamento do
Palmital que essa organização atuou diretamente nesse município, mas, com a mobilização que se
seguiu com a ocupação da Fazenda Barriguda, a prioridade desse movimento passou a ser Buritis.
58
Tabela 8 - Evolução do processo de criação de projetos de assentamentos rurais na região noroeste de Minas, durante as décadas de 80 e 90
Ano de criação Total de projetos Total de famílias
assentadas
1986 2 403 1987 1 63 1989 1 59 1991 1 21 1992 2 131 1995 3 131 1996 8 539 1997 15 900 1998 19 954
Total da Região 52 3.201 Total do Estado 132 8.186 Total Relativo 39,4% 39,1%
Fonte: INCRA-MG (SR 06).
59
5. OS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA NO MUNICÍPIO DE UNAÍ-MG
5.1. A atualidade do processo de implementação dos assentamentos
A história de luta pela reestruturação fundiária na região noroeste de
Minas, ao longo das últimas duas décadas, tem evidenciado um acúmulo de
forças por parte dos movimentos sociais rurais que lutam pela implementação
de assentamentos de reforma agrária. Como conseqüência desse processo,
especificamente em Unaí, houve aumento no número de conflitos fundiários a
partir de 1995, com novas ocupações impulsionadas, sobretudo, pela
experiência dos trabalhadores que participaram do acampamento
Palmital/Barriguda, bem como da ocupação da Fazenda Nova Lagoa Rica, em
Paracatu. Dessa forma, aumentou a pressão sobre o governo, obrigando-o a
uma ação mais imediata para solução dos conflitos.
A partir da Figura 3, pelo qual se identifica a evolução da criação de
projetos de assentamentos rurais no município de Unaí ao longo das duas
últimas décadas, pode-se perceber que, a partir de 1995, com a configuração
de uma nova conjuntura política, principalmente nos quatro primeiros anos do
governo de Fernando Henrique Cardoso, houve maior agilidade nesse
processo de implementação de assentamentos, tanto na ação em áreas de
conflitos antigos quanto no atendimento de novas e crescentes demandas em
Evolução da Criação de Projetos de Assentamentos -
Unaí MG
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Ano de Criação
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Fonte: Adaptado do Relatório de Atividades SR-28 (INCRA, 1998).
Figura 3 - Evolução na implementação de projetos de assentamentos - Unaí, MG.
áreas ocupadas pelos trabalhadores rurais sem-terra nesse período. Dos 16 projetos de assentamentos rurais nesse município, 13 foram criados após 1995, dos quais dois não se caracterizavam pelo uso da ocupação
como forma de luta, a saber: Barreirinho, cujo conflito entre moradores e latifundiário se arrastava desde a década de 80; e São Miguel, cuja área
foi desapropriada pelo INCRA antes mesmo de ser ocupada pelos trabalhadores.
Esse expressivo aumento no número de projetos de assentamentos
pode ser interpretado, também, como reflexo da criação da Superintendência
Regional do Entorno do Distrito Federal (SR-28), criada justamente para
atender à grande demanda dessa região60. Conforme se observa na Figura 3,
dos 16 projetos de assentamentos no município de Unaí, cerca de 43,75%
(sete projetos), foram implementados durante o ano de 1998, sob a
coordenação daquela nova superintendência. O município de Unaí, juntamente
com Buritis, Arinos e Formoso, deixou de fazer parte da Superintendência
Regional de Minas Gerais (SR-06) e, com mais 36 municípios do Estado de
Goiás, passou a conformar a região de abrangência dessa nova
superintendência do INCRA, com sede em Brasília.
Essa reestruturação institucional do INCRA impulsionou a criação da
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Entorno do Distrito Federal,
60
A Superintendência Regional do Entorno do Distrito Federal foi criada em dezembro de 1997.
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Ano de criação
Pro
jeto
s
61
que acompanhou a classificação geográfica feita pelo órgão governamental,
tendo como conseqüência a desfiliação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Unaí da FETAEMG61. No plano das relações interinstitucionais, essas
mudanças tiveram como reflexo imediato maior aproximação entre os órgãos
municipais e o INCRA, inclusive do próprio STR.
Paralelamente a esse processo, outro, de ordem política, ocorreu na
condução da direção do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Unaí. Houve
uma renovação dos dirigentes sindicais nesse município, cujo perfil dos novos
líderes, caracterizado pela fragilidade ideológica e política, pela moderação e
pela busca de soluções negociadas com os órgãos públicos, também contribuiu
para o afastamento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Unaí da
FETAEMG e para a maior aproximação dos técnicos do INCRA. Essa mudança
na condução política do movimento sindical no município aconteceu a partir da
saída do então presidente do STR local, um dos responsáveis pelo crescimento
da luta pela terra na região.
Segundo um ex-presidente do STR de Unaí, historicamente o poder
local não se colocou ao lado dos trabalhadores rurais, "quando houve, foi por
motivos eleitorais". Citando os exemplos das últimas duas campanhas
eleitorais em 1996 e 1998, o sindicalista afirmou que "realmente existe uma
polarização entre os trabalhadores e os poderosos, o poder público de Unaí
sempre favoreceu àqueles que possuem poder tanto político quanto
econômico". Para essa liderança, a mudança na condução política do STR
possibilitou a atuação menos conflituosa entre os trabalhadores, o poder
público local e o INCRA.
A mudança política na condução do movimento sindical em Unaí vem
possibilitando a aproximação entre diversos setores relacionados com a
implementação de assentamentos rurais. Na avaliação de líderes políticos
tradicionais desse município, o relacionamento não conflituoso entre poder
público local, assentados e STR se deve, principalmente, à ausência de
"pessoas estranhas à cidade", remetendo-se claramente à falta de mediadores
61
A FETAEMG era contrária à participação de municípios mineiros nessa nova superintendência,
reivindicando a criação de uma unidade avançada da superintendência de Minas Gerais para atuar na
região noroeste. Essa posição foi debatida e derrotada politicamente no Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Unaí.
62
como o MST e a FETAEMG62. Para os políticos tradicionais, o isolamento do
movimento sindical de Unaí e também a falta de interlocução dos assentados
com organizações em redes estadual ou nacional têm possibilitado uma
relação com esses trabalhadores, caracterizada pela troca de favores e pela
cooptação das lideranças dos assentamentos e do sindicato.
Esse fato foi evidenciado com a realização do Primeiro Encontro dos
Assentados e Acampados do Município de Unaí, no P.A. Palmeirinha, em junho
de 1998. Organizado pelo STR, pela EMATER e pelo INCRA, o evento contou
com a presença de representantes de instituições governamentais, entidades
civis e sindicais, líderes políticos63 e representantes dos acampamentos e
assentamentos do município. Nesse evento ficou explícita a aproximação,
sobretudo nos discursos de grande parte dos presentes. A posição assumida
pela presidente do STR em seu pronunciamento deixou claro o início de uma
nova etapa na condução dos trabalhos da entidade perante a questão da
reforma agrária. Particularmente no que diz respeito às ocupações como forma
de luta, a presidente do STR prometeu uma gestão em que se priorizaria uma
maior negociação com os órgãos públicos, em detrimento da prática de
ocupações de terras, atribuindo ao poder público o papel de condutor de uma
ampla aliança, na busca de soluções para os problemas enfrentados pelos
assentados.
Para as novas lideranças sindicais, aquele encontro representou um
momento importante, permitindo a convergência de interesses dos setores
ligados à implementação de projetos de assentamentos. Significou, ainda, um
momento de afirmação e consolidação de suas posições diante dos
trabalhadores rurais, bem como perante os órgãos públicos, em especial a
prefeitura e o INCRA (posições essas baseadas numa relação de confiança e
de adesão a setores da política local). No entanto, a participação no evento da
recém-criada SR-28 significou o estabelecimento dos primeiros contatos dos
técnicos do INCRA com os assentados e com o poder público local.
62
Segundo um vereador do município de Unaí, a diferença entre as relações conflituosas da década de
80 e a situação atual é justamente a presença, naquela época, de lideranças "de fora, que não
conheciam o município e não queriam o desenvolvimento local. Agora, os assentados e suas
lideranças são pessoas de Unaí que não estão interessadas em confusão".
63 Tratava-se de período pré-eleitoral, o que pode justificar a presença de diversas lideranças políticas
buscando garantir espaço no eleitorado dos assentamentos.
63
Para o poder público municipal, esse foi o momento de consolidação
do trabalho da Diretoria de Reforma Agrária, enquanto elo entre os assentados
e o INCRA, sendo tal diretoria um órgão da Prefeitura Municipal de Unaí, criado
em 1997. Além disso, devido ao período em que foi realizado, aquele primeiro
encontro apresentou a oportunidade para os políticos locais conduzirem as
ações características de momentos pré-eleitorais, definidas por PALMEIRA
(1996) e HEREDIA (1996) como o “tempo da política”. Trata-se de um
momento importante para estabelecer e reforçar compromissos com um setor
expressivo, em termos eleitorais, na tentativa de comprometer, individualmente,
eleitores enquadrados socialmente por novos recortes sociais; nesse caso, os
assentados.
A Diretoria de Reforma Agrária desempenha, nesse contexto, papel de
atendimento às demandas oriundas dos projetos de assentamentos, sejam elas
de transporte, de conservação de estradas, de utilização de máquinas e de
atendimento médico, enfim, um balcão de atendimento, o que faz com que o
diretor se destaque como a principal liderança dos assentados de Unaí. Esse
assentado já ocupou o cargo de presidente da Associação dos Pequenos
Produtores da Palmeirinha e hoje consolida sua liderança, em nível municipal,
através deste trabalho.
5.2. Projeto de assentamento Palmeirinha
5.2.1. Antecedentes históricos
O Projeto de Assentamento Palmeirinha foi o primeiro a ser implementado pelo INCRA no município de
Unaí. O decreto de desapropriação da área foi emitido em 1984, sendo o ato de criação do projeto de 1986. Esse assentamento é fruto da luta de resistência dos trabalhadores diante da tentativa de expulsão deles da terra onde moravam e trabalhavam como parceiros
64. As famílias desses trabalhadores foram as principais protagonistas na
luta pela implementação do projeto; eram meeiros ou arrendatários que trabalhavam em áreas concedidas pelo proprietário e, como forma de pagamento, repassavam-lhe cerca de 30 a 40% da produção, sistema esse coordenado pelos gerentes da fazenda, numa relação proprietário-gerente-parceiro. Todos os custos de produção
ficavam a cargo dos parceiros, que, em caso de perda da safra, por qualquer motivo, eram obrigados a pagar o uso da terra, em dinheiro, com animais ou, até mesmo, com prestação de serviços na própria fazenda.
No início da década de 80, com o argumento de ocorrência de
supostos furtos em sua propriedade, como desvio da produção, abate de parte
do rebanho e grandes retiradas de madeira, o então proprietário, percebendo
64
No início da década de 80, de uma forma geral, os moradores começam a ser expulsos dos latifúndios,
como resultado da modificação das regras de parceria que garantiam a sua atividade como meeiros
ou arrendatários.
64
que a relação proprietário-gerente-parceiro estava sob ameaça e suspeitando
de que os próprios gerentes estavam traindo-o, rompe a relação de confiança.
Assim, por meio de um mandado judicial, prende um dos gerentes da fazenda
e, através de uma ação de despejo, tenta retirar todos os moradores da área.
Para forçar a saída dos trabalhadores, contrata capangas, que ameaçavam
violentamente as famílias, aumentando a tensão na área.
No momento de ruptura da relação proprietário-gerente-parceiro,
marcado pelo recurso à violência, os parceiros, sob a cumplicidade dos demais
gerentes, deixam de repassar parte da produção como forma de pagamento do
arrendamento e, ou, da meia. Nesse contexto, aqueles trabalhadores começam
a procurar por seus direitos, indo a cartórios em Unaí e em municípios vizinhos
à procura de documentação que provam a legalidade da propriedade da terra
nas mãos do latifundiário65, além de buscarem apoio na CONTAG e no INCRA.
Eram cerca de 75 famílias que moravam nessa área há várias décadas,
algumas mantinham, até o momento, relação de compadrio com o
latifundiário66.
Em 1982, após tomar conhecimento da violência na Fazenda Saco
Grande, a FETAEMG faz uma denúncia ao INCRA, reivindicando a
caracterização da propriedade como área de tensão social, iniciando, assim, a
luta política pelo processo de desapropriação. Segundo LUCAS da SILVA
(1988), em 25/05/1982 inicia-se a primeira vistoria da área para elaboração de
um diagnóstico da situação. Nesse contexto, foram chegando parentes das
famílias que moravam na área e outras que trabalhavam nas proximidades da
fazenda, estabelecendo-se e reivindicando também a condição de posseiros,
fazendo com que, ainda na primeira metade da década de 80, a fazenda
contasse com cerca de 185 famílias em seu interior.
O INCRA orientou as 75 famílias que estavam inicialmente na
propriedade a requerer o usucapião por estarem há muito tempo na área e por
ser esse o recurso legal mais comum, indicando que as demais deveriam
65
Segundo relatos dos assentados, a única documentação que supostamente existia era uma carta
paroquial datada de 1882.
66 Algumas das famílias que moravam na Fazenda Saco Grande mantinham relação diferenciada com o
proprietário. Eram consideradas afilhadas do latifundiário e, assim, teriam a aprovação dela para
residirem e produzirem na área sem nenhum encargo, porém, com o conflito estabelecido, essas
famílias se aliam às demais na luta pela desapropriação.
65
procurar outro lugar para se instalarem. Os trabalhadores não aceitaram esse
argumento do INCRA e passaram a lutar, juntamente com o STR, por
tratamento igual para todas as 185 famílias, fazendo com que o processo de
demarcação dos lotes contemplasse a todos67. O conflito com o latifundiário e o
impasse com o INCRA na Fazenda Saco Grande apresentavam contornos
mais abrangentes, devido ao momento político em que vivia o país. Para o
movimento sindical, uma luta dessas era importante no contexto das mudanças
sociopolíticas reivindicadas pelo conjunto dos movimentos sociais, era parte da
luta contra o latifúndio improdutivo e pelos direitos dos trabalhadores rurais,
que aconteciam em diversas regiões do país. Portanto, a questão da
desapropriação deixava de ser uma mera questão judicial e se conformava em
uma questão política, naquele momento de redemocratização do Brasil.
Toda essa questão política permeando o conflito na Fazenda Saco
Grande e a estrutura ineficiente e despreparada dos órgãos competentes em
nível federal, além da lentidão da justiça em casos como esses, fizeram com
que o impasse com o INCRA, na criação do projeto de assentamento, somente
fosse resolvido em 1986, já no âmbito do I Plano Nacional de Reforma Agrária
(I PNRA). Com o fim dos governos militares e a eleição indireta de
Tancredo/Sarney, aumentou a pressão dos movimentos sociais pela
implementação de mudanças na estrutura agrária brasileira, tendo como
resultado a elaboração do I PNRA. Nesse contexto, o PNRA e as discussões
pró e contra a sua implementação foram uma alternativa para a solução de
conflitos como o da Fazenda Saco Grande em Unaí, através da desapropriação
da área pelo não cumprimento da sua função social68.
Apesar da conquista da desapropriação da fazenda e da criação do
projeto de assentamento em 1986, a relação entre o INCRA e os trabalhadores
no processo de demarcação dos lotes e implantação de infra-estrutura foi
bastante conflituosa. Os técnicos do órgão governamental demarcaram os lotes
de uma forma que não atendia às necessidades dos trabalhadores, pois alguns
67
Em determinado momento, chegaram a residir nessa área 205 famílias, embora no último acordo
proposto e aceito tivesse ficado decidido que seriam assentadas 185 famílias já cadastradas e as
restantes seriam deslocadas para áreas próximas que estavam em vias de desapropriação.
68 Os movimentos sociais tiveram participação importante para que a questão da reforma agrária fizesse
parte do acordo político que deu a vitória à oposição ao regime militar. Apesar do retrocesso do I
PNRA ao longo do governo Sarney, alguns conflitos como o da Fazenda Saco Grande foram
resolvidos.
66
lotes não possuíam a mínima condição de produção para a subsistência da
família. A solução para esses problemas somente ocorreu no final da década
de 80, quando os lotes efetivamente foram demarcados e distribuídos às 183
famílias69.
O assentamento Palmeirinha possui uma associação, fundada em
06/10/1984, denominada Associação dos Pequenos Produtores Rurais da
Fazenda Saco Grande. Atualmente, essa entidade representa legal e
politicamente as 183 famílias assentadas na área. O assentamento possui três
áreas comunitárias com escola e igreja, uma delas possui também um posto de
saúde70. Essa é uma divisão organizativa, cada uma das três áreas
compreendendo um setor do assentamento - Lages, Extrema/Olhos D'agua e
Padre Anchieta -, que funcionam com representantes da associação em cada
um deles, principalmente para o controle do uso de máquinas e implementos
agrícolas.
Figura 4 - Sede comunitária Padre Anchieta – P.A. Palmeirinha.
5.2.2. A formação social do assentamento
69
Em alguns documentos, o número de famílias cadastradas chegou a 185, porém foram oficialmente
assentadas no P.A. Palmeirinha 183 famílias.
70 Ver Figura 4.
67
Os trabalhadores beneficiados no Projeto de Assentamento Palmeirinha são, em sua maioria, de origem rural, conforme os dados da Tabela 9. As famílias de origem urbana, cerca de 11,9%, são basicamente as que chegaram após a criação do assentamento, principalmente pela compra de lotes e que, na cidade, exerciam atividades
diversas, como comerciante, motorista, serventes etc. A característica marcante nesse assentamento é a predominância de famílias que já residiam na área e trabalhavam em parceria na Fazenda Saco Grande ou em áreas próximas, como evidenciam os dados da Tabela 10.
Essa característica na composição desse assentamento, além de ser
conseqüência da própria história de luta daqueles trabalhadores, que foram os
seus principais protagonistas, fez com que tal projeto fosse constituído de
grandes grupos familiares. São famílias que há várias décadas residem no
local, onde tanto os pais como os filhos, particularmente os casados,
mantinham a relação de parceira com o antigo proprietário da fazenda. A
conquista do assentamento permitiu a essas famílias de parceiros, além do
acesso à terra própria para trabalhar, a possibilidade de reproduzirem
Tabela 9 - Origem da família assentada no P.A. Palmeirinha
Zona rural Unaí 80,9% 148 Zona rural outro município 7,1% 13 Cidade de Unaí 8,3% 15 Outra cidade 3,6% 7 Total 100% 183 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
Tabela 10 - Atividade exercida pelas famílias assentadas no P.A. Palmeirinha
anteriormente ao assentamento
Parceiro 66,7% 122 Comerciante 2,4% 4 Atividade urbana 3,6% 7 Trab. rural fixo 21,5% 39 Desempregado 2,4% 4 Outros 3,6% 7 Total 100% 183 famílias
68
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
69
socialmente o seu modo de vida em família. É comum, em várias regiões do
assentamento, a presença de núcleos formados por vários lotes pertencentes à
mesma família. Apesar das grandes divergências que permearam o processo
de demarcação dos lotes, a reunião de membros de uma mesma família em
determinado local da fazenda, geralmente naquele em que já trabalhavam, foi
adotada, pelo INCRA, como um dos parâmetros para a divisão da área.
ESTERCI et al. (1992) abordam a questão da heterogeneidade e
diferenciação que ocorre entre grupos de assentados, que se relacionam com a
busca de unidade de interesses e com a identidade de projetos comuns dentro
dos assentamentos. Essa análise enfocou, sobretudo, a trajetória diferenciada
de cada família e suas atividades desenvolvidas anteriormente à entrada no
assentamento, como forma de explicar os diferentes significados da posse da
terra no projeto de vida das famílias e o próprio caráter político da conquista do
assentamento. Analisando o P.A. Palmeirinha sob essa perspectiva, pode-se
perceber que a trajetória desses assentados é bastante homogênea, sobretudo
em termos da origem da família e das atividades exercidas. Assim, o
assentamento significou, para a grande parte desses trabalhadores, a luta em
preservar seus objetivos e o meio básico de trabalho e vida.
Apesar de o processo vivenciado por essas famílias durante quase
uma década ter explicitado um confronto entre latifundiário e trabalhadores
rurais, expondo os conflitos socioeconômicos e políticos entre esses
segmentos da sociedade, ele não se evidenciou na construção de um projeto
político de contraposição ao poder local consolidado na propriedade da terra. O
significado da implementação do projeto foi a garantia de continuar produzindo
e se reproduzindo socialmente naquela área, o que permite interpretar a
identificação desses trabalhadores com a categoria de pequenos produtores e
não como assentados, como sem-terras. ESTERCI et al. (1992) afirmaram que
o debate sobre o posicionamento político dos assentados como pequenos
produtores indica a tensão política entre diferentes orientações sobre o papel
dos beneficiários da implementação de assentamentos rurais. De um lado,
percebe-se o assentamento como um "locus" produtivo da pequena produção;
de outro, são percebidos a continuidade e o engajamento no processo de
reforma agrária, com vinculações políticas a um projeto mais abrangente de
mudança social.
70
Nessa perspectiva, o P.A. Palmeirinha pode ser analisado como
exemplo da busca de reconstrução de uma identidade fundada na propriedade
da terra, apontado no primeiro caso. Esse fato pode ser evidenciado pelo perfil
político da associação e, principalmente, pela participação dos assentados no
STR e pela importância dada a esta entidade por eles. A atuação no STR
poderia representar a continuidade da luta por uma transformação social mais
ampla, porém, após a conquista da posse da terra, as preocupações
abandonam qualquer conteúdo ideológico e político, concentrando-se em
temas como produção, assistência técnica, políticas de crédito etc., definidores
das relações que os assentados vão estabelecer com órgãos como EMATER e
INCRA, responsáveis pela solução dessas questões. Isso pode ser evidenciado
na Tabela 11, em que se apontam as entidades e os órgãos governamentais
identificados como importantes para o assentamento71.
Apesar da estreita relação entre o processo de criação desse
assentamento e da fundação do STR, esta entidade não é, atualmente,
reconhecida por esses trabalhadores como importante mediador na busca de
soluções para os problemas enfrentados pelos assentados hoje; a associação
é a única entidade mediadora do assentamento. A análise do próprio nome da
associação indica que, apesar de toda a vinculação desse conflito com a
questão da reforma agrária em nível geral, os referidos trabalhadores não se
identificam como assentados - o termo parece ser estranho para eles -, pois
continuam a ser pequenos produtores da Fazenda Saco Grande. Para LEITE
(1999), a afirmação política desses trabalhadores está relacionada com os
próprios termos assentado e assentamento. O distanciamento e a fragilidade
do movimento sindical no município, bem como a ausência de outros
mediadores, como MST, além da própria origem da maioria desses
assentados, dificultam a constituição de uma identidade política e uma inserção
social diferenciada dos pequenos produtores familiares tradicionais do
município.
71
O STR é lembrado apenas por pessoas com idade avançada, relacionando essa entidade com o
acesso à aposentadoria. Cerca de 32,1% dos chefes de família nesse assentamento possuem idade
superior a 56 anos.
71
Tabela 11 - Principais mediadores até o momento da criação do assentamento e atualmente no P.A. Palmeirinha
Antes da criação Atualmente
INCRA 4,8% 9 40,5% 74 STR 59,6% 109 EMATER 4,8% 9 23,8% 43 INCRA e EMATER 13,1% 24 FETAEMG 3,6% 7 Prefeitura 6,0% 11 Associação 2,4% 4 11,9% 22 Outros 7,1% 13 4,7% 9 Não respondeu 17,7% 32 Total 100% 183 famílias 100% 183 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
As famílias que estão assentadas, mas que não participaram do
processo de luta pela terra e que chegaram ao longo desses 13 anos de sua
implementação através da compra do lote, são importantes na definição do
perfil de atuação política do P.A. Palmeirinha. O significado para essas famílias
de se tornarem assentadas está numa perspectiva fundamentalmente diferente
daquelas que acompanharam a luta pela terra desde o seu início. O acesso ao
assentamento é visto por essas famílias como forma de geração de renda e
não uma questão maior que perpassa pela luta por direitos e pela realização de
um sonho que lhes garante a sobrevivência, como forma de reprodução social.
A expressão social e política do assentamento, enquanto um local de longa
história de lutas, sofrimentos e conquistas, é extremamente vaga para as
famílias que compraram o lote. Para essas pessoas, comprar um lote no
assentamento tem o mesmo significado de comprar uma propriedade rural
qualquer, isto é, trata-se de uma transação econômica. Como já foi destacado,
são famílias de origem urbana ou de trabalhadores rurais assalariados. A
análise dessas transações de compra e venda de lotes permite identificar que
os órgãos públicos responsáveis não têm nenhum controle sobre elas, o que,
72
talvez, justifique a intensidade da venda de lotes no assentamento72. Os dados
indicam que existem, atualmente, 12 lotes completamente abandonados e
quatro onde o assentado não reside nele; somente em 1998 foram vendidos
seis lotes e, em 1999, outros três até o mês de março.
A venda e o abandono de lotes relacionam-se, principalmente, com a
falta de infra-estrutura básica no assentamento, sobretudo o precário sistema
de abastecimento de água e a carência na assistência à saúde. A falta de
assistência médica torna-se um problema grave para os assentados mais
idosos, particularmente para aquelas famílias cujos filhos saíram do
assentamento em busca de emprego, e o trabalho de produção é feito somente
pelo casal. É comum encontrar somente o casal, já idoso e sem saúde,
trabalhando no lote. Sem condições físicas para trabalhar e produzir sem a
ajuda da família, a única opção para essas pessoas são a venda do lote e a
mudança para a cidade.
Essa questão da venda de lotes, bem como os motivos que levam
algumas famílias a simplesmente abandonar o assentamento, deve ser
analisada na perspectiva das opções que são dadas aos assentados. Porém,
as análises feitas por alguns assentados e, principalmente, pela comunidade
urbana de Unaí indicam que as vendas e o abandono dos lotes são
conseqüências da incompetência das famílias e até mesmo da preguiça dos
trabalhadores73. LEITE (1994) afirma que a possibilidade de sucesso ou
insucesso do assentamento - e, neste caso, de algumas famílias assentadas -
deve ser observada, levando-se em consideração os condicionantes estruturais
das políticas e dos projetos de assentamento, bem como o perfil de intervenção
pública nessas áreas. O referido autor ainda ressalta que a implantação de
estrutura básica como escola, assistência à saúde, abastecimento de água e
eletrificação, seja em áreas urbanas ou rural, é de responsabilidade do Estado,
mesmo que, especificamente para os assentamentos rurais, não fique a cargo
do órgão fundiário executor do projeto - no caso o INCRA -, mas é função deste
72
A questão da necessidade de se implementar uma comissão que analise a transferência de lotes foi
abordada pelos representantes dos assentados dessa região no seminário Assistência
Técnica/Extensão Rural e PROCERA, realizado pela FETAEMG, pelo INCRA e pela EMATER em
junho de 1996.
73 O argumento central desse tipo de discurso, principalmente realizado pela comunidade urbana, é de
que somente os assentados têm acesso a crédito, diferentemente dos demais pequenos agricultores,
por isso deveriam ser capazes de permanecer no campo produzindo.
73
a realização de uma mínima articulação para que órgãos governamentais
competentes possam suprir tais demandas.
5.2.3. Atividades produtivas e relação com o mercado
A área total da fazenda é de 6.146 ha, dividida em 183 lotes
individuais, que variam de 3 a 70 ha. O tamanho de cada lote foi estabelecido
através de parâmetros como acesso a recursos hídricos, qualidade do solo e
topografia. Os lotes maiores são, geralmente, aqueles com menores condições
de níveis de utilização agronômica, seja pela baixa fertilidade de seus solos,
topografia mais acentuada e, sobretudo, pela escassez de água. Uma questão
crucial para entender também a diferenciação entre os lotes, bem como a
maior limitação para a produção, é a falta de água no projeto desde o seu
início. Esse é um fator que explica, em parte, a pouca diversificação da
produção, mantendo o cultivo de milho e arroz e a pecuária leiteira praticada de
forma extensiva, extremamente dependente do regime de chuvas.
Tabela 12 - Principal fonte de renda dos assentados no P.A. Palmeirinha
Lavoura 10,7% 20
Pecuária 16,7% 30
Lavoura e pecuária 58,3% 107 Aposentadoria 11,9% 22 Lav., pec. e assal. do chefe da família 2,4% 4 Total 100% 183 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
Dessa forma, as principais fontes de renda desses assentados estão
relacionadas com atividades agropecuárias como a produção de milho, arroz e
74
leite. Há também plantações de cana que, juntamente com parte do milho
produzido, são utilizadas como suprimento alimentar para o gado, no período
de maior escassez de pastagens. Essa estratégia é utilizada sobretudo por
aqueles que têm na produção de leite a sua principal atividade produtiva. A
organização da produção é individual em todo o assentamento; somente
algumas etapas são realizadas em grupos, particularmente na comercialização,
destacando-se a venda de milho e do leite, bem como a compra de insumos
agrícolas como sementes, adubos etc.
Tabela 13 - Principal produto produzido pelos assentados no P.A. Palmeirinha
Milho 11,9% 22 Leite 10,7% 20 Queijo 4,8% 9 Milho e arroz 3,6% 7 Milho, arroz e leite 10,7% 20 Milho, arroz e queijo 16,7% 30 Milho e leite 16,7% 30 Milho e queijo 21,4% 39 Outros 1,2% 2 Não respondeu 2,3% 4 Total 100% 183 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, 1999.
Há uma heterogeneidade muito grande com relação às formas de
integração ao mercado, configurando a formação de diferentes grupos de
assentados. O grupo que se encontra numa situação de maior relacionamento
com o mercado é aquele formado por aquelas famílias que têm na produção de
leite a sua principal atividade, associada, ou não, com a produção de arroz ou
milho, e que, em sua maioria, estão integrados ao mercado local via
75
Cooperativa Agropecuária de Unaí - CAPUL74. Cerca de 38,1% dos
assentados, o que representa 70 famílias, encontram-se nessa situação,
conforme os dados da Tabela 13. De modo geral, a venda de leite é realizada
em grupos. Foram constituídos oito grupos, como estratégia para melhor se
adaptarem ao sistema de armazenamento do leite em resfriadores pelos
próprios produtores, o que é uma nova exigência da cooperativa75. Os dados
da Tabela 14 evidenciam que cerca de 35,7% das famílias assentadas estão
inseridas naquela cooperativa, como cooperadas. O número de assentados
cooperados é menor do que o número de produtores de leite e que
comercializam via CAPUL; isso pode ser explicado pelo fato de que algumas
famílias comercializam numa mesma cota.
Tabela 14 - Participação dos assentados no STR e na CAPUL, antes e depois do assentamento
Antes do assentamento Após o assentamento
STR – Unaí 47,6% 87 34,6% 63 CAPUL 22,6% 41 CAPUL e STR 13,1% 24 Outros 6,0% 11 2,5% 5 Nenhum 46,4% 85 27,2% 50 Total 100% 183 famílias 100% 183 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
74
A CAPUL é a maior cooperativa agropecuária de Unaí, cuja principal atividade está relacionada com a
pecuária leiteira. Fundada em 1964, possui em seu quadro de cooperados pequenos, médios e
grandes produtores.
75 Recentemente houve uma mudança no sistema de coleta do leite feita pela CAPUL. Antes era coletado
nos estabelecimentos rurais diariamente, acondicionado em vasilhames de 50 litros; atualmente, o
leite é armazenado pelo próprio produtor em tanques de resfriamento, e a coleta é feita de dois em
dois dias.
76
A integração com a CAPUL garante aos assentados à venda do
produto, bem como a compra de insumos agrícolas e gêneros domésticos,
tendo para isso uma política de preço e de pagamento específica76. Além da
política diferenciada para efetuarem suas compras, a CAPUL oferece a
assistência veterinária e até mesmo melhorias de caráter mais geral, como a
conservação de estradas. Essa última questão deu-se a partir de um acordo
entre CAPUL e prefeitura, quando foi estabelecida como meta a melhoria de
acesso aos locais onde foram instalados tanques de resfriamento de leite.
Figura 5 - Resfriador de leite coletivo: P.A. Palmeirinha.
É uma perspectiva de cooperativismo diferenciado do que se pode
observar em diversos assentamentos de reforma agrária que optam por essa
forma de organização, particularmente no Sul do país, ou mesmo na região
como o que acontece no P.A. Fruta D'anta, no município de João Pinheiro,
onde a criação de uma cooperativa do assentamento teve como objetivo a
76
Esta especificidade é para todos os cooperados, não existindo política diferenciada para os pequenos
produtores em geral e os assentados em específico.
77
superação de dificuldades de produção e comercialização dos assentados de
forma geral77. Já a relação dos assentados do P.A. Palmeirinha com o
cooperativismo é restrita à CAPUL, cooperativa de cunho patronal que segue a
lógica das cooperativas tradicionais. A situação desses assentados acompanha
a trajetória dos pequenos produtores do município e a produção de leite, e sua
comercialização com essa cooperativa é uma atividade bastante comum nesse
setor em Unaí, o que reforça, mais uma vez, a semelhança entre esses
assentados e a pequena produção tradicional do município.
Alguns autores como MEDEIROS e LEITE (1998) destacaram, numa
análise de caráter geral, a importância do papel desempenhado pelas
organizações dos assentados, especificamente as cooperativas, que, por
possuírem função diretamente relacionada com o processo produtivo,
conseguem evitar a presença dos atravessadores no processo de
comercialização dos produtos do assentamento. É nesse sentido que a
presença da CAPUL no P.A. Palmeirinha ou a inserção de um grupo de
assentados nela possui um caráter diferente do daquelas cooperativas criadas
a partir da organização dos próprios assentados.
Um segundo grupo de assentados pode ser caracterizado pela
reprodução de um processo produtivo com maiores semelhanças com o tipo de
trabalho desenvolvido pelos parceiros antes da criação do projeto de
assentamento. A semelhança está na forma de integração ao mercado, como
fornecedores, e no sistema de produção, sem a utilização do PROCERA –
custeio e sem assistência técnica. Esses assentados produzem basicamente
milho, mandioca e arroz, comercializando o excedente com atravessadores ou
com os próprios vizinhos. A renda dessas famílias é complementada pela
venda esporádica de queijo78 e de pequenas criações, como frangos e porcos.
É um modo de vida diferenciado daquele das famílias que se encontram
vinculadas à CAPUL e pode ser sintetizada pela resposta de um assentado
77
A partir de 1990 iniciam-se, nos assentamentos coordenados pelo MST, as experiências de
cooperativas. Num primeiro momento, a idéia era formar cooperativas de crédito, visto que as
associações não estavam conseguindo avançar nesse setor, mas depois seguiram as experiências
das cooperativas de comercialização e de produção. Hoje, o cooperativismo é uma ação prioritária
para o MST dentro dos assentamentos, como projeto de desenvolvimento econômico e de
organização social e política.
78 Diferente do grupo descrito anteriormente, estas famílias produzem leite, em menor quantidade, e
destinam a produção para a fabricação de queijos e para o consumo familiar.
78
quando perguntado sobre a utilização do crédito: "Não quero dor de cabeça,
não quero fazer conta, tá muito bom assim, plantando um pedacinho, tirando
um leitinho, a criançada na escola". Esse grupo estaria numa posição de
descrédito, tanto internamente como externamente, pois a visão hegemônica
no interior do assentamento, sobretudo dos agentes externos, é de que os lotes
devem ser mais produtivos. Muitas dessas famílias têm na aposentadoria de
algum de seus membros a principal fonte de renda monetária.
Os assentados desse grupo afirmaram não ter nenhuma renda
vinculada à produção do lote. Tal posição reflete uma concepção de renda
vinculada estritamente ao lucro obtido nas atividades agropecuárias. A
definição do que seja renda para esses assentados está vinculada ao lucro da
venda sistemática de produtos, como é o caso do leite para o outro grupo, ou
mesmo sobre o lucro da colheita das lavouras, principalmente quando se faz
uso do PROCERA-custeio. A venda de produtos como frango, queijo ou algum
outro produto, em quantidades menores, geralmente não é contabilizada como
renda, porém é essa atividade que lhes garante algum recurso para a vida no
assentamento. Eles também não interpretam os produtos consumidos pela
própria família como uma forma de renda. No entanto, a renda de autoconsumo
é fator importante na composição da renda total gerada pelo trabalhador
assentado79.
Outros assentados encontram-se em posição intermediária, não
possuem vínculo com a CAPUL, mas, através da utilização do crédito de
custeio, produzem milho, arroz, mandioca, cana e outros produtos e, ao final da
safra, vendem os excedentes, obtendo renda diretamente da atividade agrícola.
Muitos deles, além dos produtos agrícolas citados, têm na venda de queijo a
principal forma de integração ao mercado, e alguns vendem quantidades
significativas desse produto, negociando diretamente no assentamento, ou
vendem no mercado de Unaí, via atravessadores 80. As principais dificuldades
na comercialização, basicamente do milho e queijo, são a ação dos
atravessadores e o baixo volume produzido, o que diminui o poder de
79
Ver ROMEIRO et al. (1994).
80 Apenas um assentado afirmou que comercializa o queijo produzido em Brasília, o que lhe garante uma
renda superior à dos demais; isso só é possível porque membros de sua família residem naquela
cidade e assumem o trabalho da venda do produto.
79
negociação dos assentados. Alguns reúnem a produção de milho para
conseguir transporte e vender a cerealistas na cidade, o que aumenta o preço;
outros negociam a um preço menor para fazendeiros na própria região do
assentamento. No caso do queijo, a dificuldade de transporte até a cidade é o
maior problema para evitar a ação dos atravessadores.
As Figuras 6 e 7 mostram um contraste entre lotes com diferentes
capacidade produtiva e ilustram esses distintos grupos de assentados. Essa
análise comparativa não deve ser restrita à forma de integração ao mercado.
Devem ser enfocadas também as características físicas dos lotes, como
fertilidade dos solos, topografia e aceso à água, bem como a relação com a
capacidade de trabalho da família. Outra questão importante a ser ressaltada
na análise dessas fotos é a diferença na infra-estrutura de cada um dos lotes
em destaque. A Figura 6, que retrata o aspecto geral de um lote cujo assentado
é associado à CAPUL, mostra que existe uma boa infra-estrutura para a
produção de leite.
Figura 6 - Aspecto geral do lote n.o 60 - P.A. Palmeirinha, cujo assentado é as-sociado à CAPUL.
80
Figura 7 - Aspecto geral do lote n.o 63 - P.A. Palmeirinha, cujo assentado não é associado à CAPUL.
A análise de todo o período transcorrido desde a implementação do
projeto de assentamento até hoje aponta para o fato de que esses assentados
passaram por vários momentos de descontinuidade, em termos da política
governamental, para esse setor. Principalmente na década de 80 e início dos
anos 90, a cada governo federal era elaborada uma proposta de política agrária
diferenciada e sem continuidade. Dessa forma, BERGAMASCO e CARMO
(1991) alertam para a fundamental importância de se relacionar o
desenvolvimento do projeto com a continuidade das políticas definidas pelo
governo, sobretudo na fase de sua implementação.
A forma como se deu o acesso aos recursos provenientes das diversas
linhas de crédito para a reforma agrária nesse assentamento, principalmente os
créditos de implantação e investimento, é o próprio reflexo da descontinuidade
das políticas governamentais. Os recursos foram liderados de forma bastante
irregular e pulverizada em diversas parcelas, o que dificultou a sua utilização
81
de uma forma mais eficiente81. Os dados da Tabela 15 indicam as diversas
situações, desses assentados, perante o acesso aos recursos do PROCERA.
Cerca de 65,5% dos assentados receberam todos os créditos, com exceção do
crédito habitação; isso não significa, contudo, que todos aqueles assentados
tiveram acesso à totalidade dos recursos e sim a todas as linhas de crédito
pelo menos uma vez82. As famílias que não utilizaram o PROCERA custeio,
representando cerca de 14,2% (Tabela 15), são basicamente aquelas
caracterizadas pelo grupo com menor integração ao mercado. Atualmente, os
assentados estão discutindo o pagamento das parcelas do crédito
investimento, debatendo com EMATER, INCRA e Banco do Brasil alternativas
de formas de pagamento. Muitos assentados afirmam que, se fosse para pagar
nesse momento, somente aqueles que têm a possibilidade de vender parte do
rebanho conseguiriam quitar as dívidas83.
Tabela 15 - Acesso às linhas de crédito pelos assentados do P.A. Palmeirinha
PROCERA - investimento 2,4% 4
PROCERA - custeio 1,2% 2
Todas as linhas, exceto habitação 65,5% 120 PROCERA - investimento e custeio 17,9% 33 Alimentação, fomento e PROCERA - investimento 11,8% 22 Não respondeu 1,2% 2 Total 100% 183 famílias
81
A utilização da primeira parcela do PROCERA investimento é um claro exemplo dessa situação. Muitos
assentados preferiram não usá-lo devido ao medo e à falta de informação. Segundo eles, o medo era
devido ao fato de ter que enfrentar o sistema bancário e contrair uma dívida, situação nova para
grande parte desses trabalhadores.
82 Esta consideração se faz importante principalmente para o PROCERA Investimento e Custeio; nesses
65,5% estão aqueles que utilizaram, por exemplo, apenas algumas parcelas do investimento ou
usaram o custeio apenas alguns anos.
83 O pagamento do crédito de custeio é feito anualmente; segundo os assentados, eles não encontram
problemas para saldarem essa dívida.
82
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
Outro exemplo demonstrando a sistemática com que era tratada tal questão no início do projeto, foi o acesso ao crédito habitação. Este recurso foi repassado por técnicos do INCRA sem informação detalhada sobre a sua finalidade e a sistemática para sua utilização, sendo distribuído em espécie para as famílias, sem nenhum planejamento, o que determinou sua não-utilização para o fim determinado, além do fato de o valor repassado não permitir a construção de uma casa. Somente após alguns anos é que a associação veio tomar conhecimento de que tal recurso seria o Crédito Habitação. Essa forma de acesso a tal linha de crédito trouxe, para esse assentamento, uma diferenciação muito grande, em termos do tipo de moradia, uma vez que cada assentado construiu sua casa a partir de seu capital inicial, ou através de recursos obtidos com atividades no início do projeto, como a venda de carvão.
Tabela 16 - Locais de compra de insumos agrícolas e gêneros domésticos, ali-mentação, vestuário, material de limpeza etc., utilizados pelos as-sentados do P.A. Palmeirinha
Insumos agrícolas Gêneros domésticos
Comércio local 53,6% 60,7% CAPUL 29,8% 25,0% CAPUL e comércio local 8,3% 10,7% Distrito de Palmeirinha 1,2% Outra cidade 4,8% Outros 3,6% 2,4%
83
Total 100% 100%
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
De forma geral, a implementação do projeto de assentamento
Palmeirinha integrou os seus beneficiários ao mercado local, como
fornecedores de produtos, conforme destacado anteriormente, bem como
consumidores. Segundo os próprios assentados, a freqüência ao armazém
aumentou, principalmente para aquelas famílias que já moravam na área rural
do município e desenvolviam atividades agrícolas como parceiros. Para essas
famílias, o acesso às linhas de crédito significou o fim do isolamento com o
comércio local, sobretudo na compra de insumos agrícolas, com a utilização do
Crédito Custeio84. Pela Tabela 16, pode-se identificar o mercado de Unaí como
principal fornecedor de mercadorias para essas famílias, dividindo-se entre a
CAPUL e os armazéns da cidade. Tal análise converge para o que
ABRAMOVAY e CARVALHO FILHO (1993) afirmam, em relação ao
entendimento dos programas de reforma agrária, como sendo uma política que
incorpora setores então marginalizados à vida nacional, como produtores
consumidores, principalmente pelo apoio que recebem de instrumentos de
política agrícola, ressaltando a necessidade de uma política diferenciada para o
setor reformado.
MEDEIROS e LEITE (1998) indicam a possibilidade do efeito
multiplicador do processo produtivo dos assentamentos sobre os pequenos
produtores da região onde se localiza o projeto, em que eles, visando a
maiores ganhos, passam a adotar práticas produtivas implementadas com
sucesso nos assentamentos. Analisando o processo produtivo do P.A.
Palmeirinha, identifica-se o contrário, ou seja, o assentamento passou a
desenvolver as mesmas práticas dos pequenos produtores familiares do
município, sobretudo na escolha dos produtos a serem produzidos e na forma
de comercialização, apesar de terem uma política agrícola específica. Pode-se
84
No ano agrícola 1998/99, 147 assentados do P.A. Palmeirinha tiveram acesso ao PROCERA - Custeio.
84
afirmar que o acesso ao PROCERA Custeio é o principal fator que diferencia
os assentados dos produtores familiares tradicionais do município, sendo este
responsável pela sua integração ao mercado consumidor local. A liberação de
um teto máximo de R$ 2.000,00 por família para cada ano agrícola garante a
sua inserção no comércio local, principalmente para a compra de insumos
agrícolas.
5.2.4. Relação com o poder público municipal e as demandas por políti-cas públicas
O assentamento em estudo trouxe uma nova dinâmica para a região da
Palmeirinha85, onde se localiza o projeto. Através de sua implementação,
aumentou a demanda por alguns tipos de serviços antes não existentes na
região, impulsionando o seu desenvolvimento. Com a demanda surgida pela
sua implementação foi criada, por exemplo, uma linha de ônibus que hoje
atende toda a comunidade, inclusive outros assentamentos, integrando melhor
essa região à sede do município. Em termos gerais, a criação desse
assentamento fez com que os políticos locais, sobretudo os que estão diante
da administração, redimensionassem sua atuação perante esses novos atores
sociais. Se antes grande parte deles estavam sob a tutela política do
latifundiário, hoje são alvos diretos de políticas públicas sem a intermediação
do patrão, que também perdeu um possível controle sobre seus votos:
"a patronagem exercida pelos grandes proprietários, já abalada pela saída em massa dos trabalhadores de dentro das fazendas, deixa de ser um mecanismo exclusivo de articulação dos camponeses com o Estado e com a sociedade. Abre-se a possibilidade de patrões alternativos e de padrões alternativos, ao mesmo tempo que se amplia o espaço para organizações estranhas ao sistema tradicional de dominação" (PALMEIRA e LEITE 1997:34/35).
No caso do P.A. Palmeirinha, essa possibilidade deu-se a partir da
saída do grande proprietário da área e não dos trabalhadores. Os referidos
autores ainda afirmam que a partir do Estatuto do Trabalhador Rural e do
Estatuto da terra abriu-se a possibilidade de intervenção direta do Estado sobre
os grupos reconhecidos como compondo o setor agrícola. Essa análise pode
85
Toda a região é denominada Palmeirinha, motivo pelo qual se deu a denominação do projeto de
assentamento; hoje, a comunidade é um distrito rural de Unaí.
85
ser melhor entendida, e complementada, a partir do desencadeamento do
processo de implementação de assentamentos rurais a partir da década de 80.
Para PALMEIRA e LEITE (1997), a partir do momento em que o trabalhador
rural se tornou "objeto de políticas", criaram-se condições para o esvaziamento
do papel de mediação exercido pelos grandes proprietários ou por suas
organizações.
Tabela 17 - Principal demanda junto à prefeitura dos assentados no P.A. Pal-meirinha
Saúde e educação 22,6% 41 Estrada e transporte 34,7% 64 Saúde, educação e estrada 22,6% 41 Assistência técnica 3,6% 7 Infra-estrutura (água e luz) 7,1% 13 Outros 8,2% 15 Não respondeu 1,2% 2 Total 100% 183 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
No P.A. Palmeirinha, as maiores demandas com a prefeitura estão relacionadas com a conservação das estradas, pois o projeto fica distante da sede do município cerca de 70 km e, principalmente em épocas de chuvas intensas, o acesso a algumas áreas desse assentamento fica completamente impossível.
Outras duas maiores demandas se relacionam com educação e saúde,
as escolas estão praticamente abandonadas devido ao processo de
nucleação86 estabelecido pelo governo do Estado e os estudantes são levados
para uma escola municipal no distrito de Palmeirinha. O transporte e
86
No contexto da descentralização do sistema educacional, a prefeitura optou por reunir os alunos da
região em uma só escola, que se localiza no distrito de Palmeirinha, disponibilizando-lhes o transporte.
86
novamente as estradas passam a ser o maior problema. Com relação a
assistência à saúde, há no assentamento um posto de atendimento construído
através de parceria entre a prefeitura e o INCRA. Seu funcionamento é
precário, atendendo apenas aos casos mais simples que possam ser
resolvidos sem a presença médica e com o escasso estoque de
medicamentos87.
Numa análise entre o atendimento dessas demandas e a inserção da
comunidade no processo político municipal, é importante destacar que um
assentado já exerceu cargo de vereador, durante um mandato (1993 a 1996), e
hoje outro exerce o cargo de diretor de reforma agrária da Secretária Municipal
de Agricultura, sendo o elo dos assentados com o poder público municipal e
outros órgãos como EMATER e INCRA. O ponto forte para a eleição desse
vereador foi a união de toda a comunidade do assentamento em torno dessa
candidatura, havendo inclusive uma espécie de prévia entre dois assentados
para definir quem seria o candidato. No período em que esse vereador exerceu
seu mandato, a comunidade recebeu tratamento diferenciado, no que se refere,
principalmente, ao setor de saúde, com maior disponibilidade de remédios e
facilidade de transporte, devido à permanência de uma ambulância para o
atendimento dessa comunidade. Fica claro como o atendimento a demandas
por políticas públicas municipais é dependente de como líderes da comunidade
se inserem no contexto da política eleitoral ou partidária do município.
Quatro anos depois, em uma nova eleição, essa comunidade não
conseguiu o mesmo trabalho de união, apesar de grande parte dos assentados
entrevistados avaliar positivamente aquele mandato. Nas eleições municipais
de 1996, houve duas candidaturas a vereador desse assentamento; nenhuma
delas foi vencedora. A disputa ocorreu devido aos grupos políticos divergentes
em que se encontrava cada um deles, ou seja, o assentamento não teve
candidatura que fosse respaldada pelos assentados, e sim dois representantes
de grupos hegemônicos, em termos da política municipal, que disputaram
espaço no assentamento durante a eleição. O assentamento, mesmo tendo
uma história de luta, no maior conflito pela posse da terra no município, não
conseguiu estabelecer-se como foco de mobilização e de contra-poder perante
87
Essa comunidade não tem recebido a visita de médicos, e as consultas são marcadas pela funcionária
do posto de saúde e realizadas nos hospitais da cidade.
87
a tradicional política ou libertar-se da tutela de políticos tradicionais e
conservadores que têm dominado politicamente o município ao longo de sua
história88.
Pode-se buscar um paralelo com CARVALHO (1997) quando, a partir
da implementação do projeto de assentamento Palmeirinha, a extinção do
mandonismo entre o latifundiário e os parceiros pode ter fortalecido as relações
de clientelismo entre os atores políticos locais e os trabalhadores assentados.
De modo geral, aquele autor afirma que o clientelismo se caracteriza pela
relação entre atores políticos, envolvendo concessão de benefícios públicos em
troca de apoio político, sobretudo na forma de voto.
5.3. Projeto de assentamento Boa União
5.3.1. Antecedentes históricos
Este assentamento foi implementado a partir da ocupação da Fazenda
São Paulo em 1996, com uma área de 4.667,00 ha, localizada a cerca de 75
quilômetros da cidade de Unaí. Nessa propriedade era desenvolvida atividade
de pecuária extensiva, conduzida pelo trabalho de cinco famílias que moravam
na área, cujos membros eram responsáveis pelo rebanho.
O processo de ocupação se deu a partir da ação de um grupo de
trabalhadores que esteve presente no acampamento Palmital/Barriguda e que,
ao retornar de Buritis para Unaí, organizou-se, seguindo o exemplo de outros
grupos, que na época tinham realizado ocupações em outras áreas do
município, como é o caso da Fazenda Campinas89. A ocupação da área
ocorreu na madrugada do dia 16 de junho de 1996, com apenas 15 famílias.
Esse grupo inicial era formado por trabalhadores que participaram do
acampamento organizado pelo MST em Buritis. Com essa ação inicial, criando
o conflito com os proprietários, o acampamento foi recebendo adesões de
88
Conjunturalmente, pode-se dizer que a região da Palmeirinha, na qual o assentamento é uma das comunidades mais expressivas, é uma importante base eleitoral do grupo que hoje administra o município.
89 A primeira ocupação em Unaí, após o acampamento Palmital/Barriguda, foi a da Fazenda Campinas
(hoje P.A. Renascer), que influenciou as demais ações de trabalhadores rurais sem terra na ocupação
de outras áreas.
88
novas famílias, que vieram por meio da ação do STR90 de Unaí ou por alguma
relação de parentesco e amizade com aquelas que já estavam acampadas. Os
dados da Tabela 18 evidenciam que 37% dos trabalhadores assentados no
P.A. Boa União tiveram acesso ao acampamento por influência do movimento
sindical e 46%, por intermédio de contatos com parentes e amigos.
Tabela 18 - Via de acesso das famílias ao acampamento na Fazenda São Pau-lo (P.A. Boa União)
Movimento sindical - STR e FETAEMG 37% 37 Parentes/amigos 46% 46 MST 2% 2 Líder do acampamento 6% 6 Outros 4% 4 Não respondeu 5% 5 Total 100% 100 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
Esses contatos de parentesco e amizade possibilitaram a chegada de
parentes das famílias acampadas, bem como de familiares dos moradores da
região, que, a partir da ocupação da fazenda, perceberam as possibilidades de
também serem beneficiados com um lote. A participação do movimento
sindical, sobretudo a ação do STR de Unaí e seu reconhecimento por esses
trabalhadores acampados, foi fortalecida pelo fato de que o presidente e mais
dois diretores desse sindicato estavam envolvidos diretamente no processo,
como acampados na área. Apesar da participação de alguns desses
trabalhadores no acampamento Palmital/Barriguda, passando pela experiência
de organização e capacitação no MST, este movimento não tem sido
90
Através do STR vieram, sobretudo, famílias que já estavam cadastradas como possíveis beneficiários
da reforma agrária.
89
reconhecido como um importante mediador, como demonstram os dados da
Tabela 18. A análise da trajetória de luta pela implementação desse
assentamento permite concluir que esse não-reconhecimento se deve à ação
imediata do movimento sindical, via STR e FETAEMG91, após a ocupação da
área e ao não-acompanhamento do MST nas diversas ações desenvolvidas,
em Unaí, por aqueles trabalhadores que estiveram em Buritis92.
Dessa forma, após a ocupação inicial, o acampamento na Fazenda
São Paulo foi formado por 85 famílias, que ficaram acampadas na área por
aproximadamente sete meses93. Posteriormente, foram incorporadas mais 10
famílias, as cinco famílias de funcionários da fazenda e outras cinco que
estavam cadastradas no STR, completando, assim, 100 famílias, que seriam
então assentadas nessa área. Os dados da Tabela 19 evidenciam que 32,5%
das famílias assentadas vieram de municípios vizinhos, particularmente da
zona rural, devido ao fato de essa fazenda se localizar numa região próxima ao
limite territorial de Unaí com outros municípios, como Dom Bosco, Natalândia e
Bonfinópolis de Minas. Essas famílias se incorporaram ao acampamento inicial
através de laços de parentesco e amizade, principalmente com famílias de
trabalhadores rurais que moram no projeto de colonização da Ruralminas,
situada nas proximidades da Fazenda São Paulo.
Tabela 19 - Origem das famílias assentadas no P.A. Boa União
Zona rural Unaí 34,9% 35 Zona rural outro município 26,1% 26 Cidade de Unaí 32,6% 33 Outra cidade 6,4% 6
91
Alguns dos trabalhadores que ocuparam a Fazenda São Paulo já tinham relação com a FETAEMG,
pela experiência da ocupação da Fazenda Nova Lagoa Rica, em Paracatu.
92 Em outras ações de ocupação no município de Unaí, tendo como atores trabalhadores que participa-
ram do acampamento Palmital/Barriguda, como é o caso também da Fazenda Campinas (P.A.
Renascer), não houve acompanhamento do MST. Como foi descrito no capítulo 4, a ação do MST na
região noroeste de Minas teve como prioridade os municípios de Buritis e Arinos.
93 O período de acampamento é definido pelos assentados a partir da ocupação até a criação do projeto,
quando se realizou a primeira demarcação dos lotes.
90
Total 100% 100 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
A desapropriação da área ocorreu em 22/10/96 e a emissão de posse,
em 10/12/96, sendo o ato de criação do Projeto de Assentamento Boa União
decretado em 26/12/9694. Apesar do período de tempo relativamente curto,
entre a ocupação e a criação do projeto, este se caracterizou por acirrados
conflitos entre os trabalhadores acampados e os funcionários da fazenda,
liderados pelo gerente, sobretudo no período anterior à desapropriação.
Com a criação oficial do projeto, os trabalhadores começaram, no início
de 1997, a medir por conta própria a área total da fazenda com o objetivo de
demarcar os lotes de cada família. Essa demarcação foi coordenada pelo líder
do acampamento, com a presença do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Unaí e da FETAEMG, sendo esse processo denominado "medida paraguaia".
A intenção desses trabalhadores era agilizar o processo de demarcação dos
lotes, garantindo a autonomia de decisão da própria organização das famílias
acampadas, não esperando a ação do INCRA95. O critério utilizado pelas
lideranças para distribuição dos lotes teria sido o nível de participação ao longo
de todo o processo de luta pela conquista da terra, como a permanência no
acampamento. Alguns dos trabalhadores participaram do acampamento com
todos os membros da família. Isso possibilitava que o chefe da família saísse
durante o dia ou, até mesmo, durante a semana para trabalhar com a garantia
de seu retorno ao acampamento. FERREIRA NETO (1999), em sua análise
sobre a ação coletiva de luta pela terra, afirma que a presença da família
(mulher e filhos) no acampamento significa, dentre outras questões, que o
compromisso do chefe da família com a luta é uma garantia de que não irá
abandonar a ação, o acampamento96.
94
Segundo INCRA (SR-28), 1998.
95 De certa forma, os acampados na Fazenda São Paulo seguiram o exemplo de organização do
acampamento na Fazenda Campinas (P.A. Renascer) de se adiantar a ação de demarcação feita pelo
INCRA, porém com resultados bastante diferentes, como se verá nas análises seguintes.
96 Relatos de trabalhadores assentados identificam que algumas mulheres que acompanharam todo o
processo de acampamento hoje têm problemas de saúde adquiridos pela longa permanência nos
barracos de lona preta, devido às altas temperaturas. Essa foi uma das questões apresentadas por
algumas das famílias que não concordaram com a intervenção do INCRA na distribuição dos lotes.
91
Com isso, estabeleceu-se novo impasse com o INCRA, pois o órgão
governamental não aceitou o critério adotado nessa demarcação e,
conseqüentemente, a forma de distribuição dos lotes. Somente em outubro de
1997 é que a área foi novamente medida, realizando-se um sorteio entre os
assentados como forma de distribuição dos lotes. A ação do INCRA teve
respaldo daqueles que se sentiam prejudicados na distribuição feita pelas
lideranças do acampamento - dados o tamanho e a localização de seus lotes -
e, sobretudo, dos ex-funcionários da fazenda, que, a partir da desapropriação,
reivindicavam também o direito de permanecerem na área.
Essa intervenção do INCRA aumentou o conflito entre os próprios
assentados quando decidiu que os ex-funcionários da fazenda não entrariam
no sorteio. Os lotes destinados a eles seriam demarcados próximos à suas
antigas casas, na região em torno da sede da fazenda, local servido de alguma
infra-estrutura como água97, curral e galpão. A discordância dos trabalhadores
acampados, sobretudo das lideranças, ocorria a partir do argumento de que
essas famílias nada fizeram para conseguir a desapropriação da área e
estariam ficando com os melhores lotes, sem mesmo entrarem no sorteio,
como todas as outras. Porém, a ação do INCRA encontrou apoio entre aqueles
que se sentiam prejudicados pela "medida paraguaia", o que facilitou e
referendou a decisão da realização do sorteio, que foi decidida pelo órgão
governamental, mas respaldada em assembléia geral. Esse fato, envolvendo
as cinco famílias de ex-funcionários da referida fazenda, pode ser interpretado
como um caso típico de um "carona", pois foram beneficiados pela ação do
conjunto dos trabalhadores acampados, porém assumindo posição de não-
cooperação durante todo o processo de ocupação. Isso foi agravado pelos
conflitos iniciais entre estes e os trabalhadores que ocuparam a fazenda, como
descrito anteriormente. Com base em FERREIRA NETO (1999), tal fato pode
ser interpretado como sendo incomum no processo de luta pela terra. Esse
autor afirma que a postura da não-cooperação assumida por parte dos
interessados no acesso à terra, como foi o caso dos ex-funcionários, não é
uma estratégia viável, pois a regra básica para esse tipo de ação coletiva é
beneficiar aqueles que participam dos riscos do processo. Diferentemente de
97
O único poço artesiano em toda a fazenda é localizado na sede.
92
ações coletivas, cuja conquista pode ser considerada um "bem público", o que
não é o caso da conquista do assentamento, pois nem todos sem-terra terão
direito a um lote, portanto não sendo caracterizada, por esse aspecto, como um
"bem público"98.
A discordância a respeito do tamanho dos lotes e da forma de
distribuição na “medida paraguaia” se deve à grande heterogeneidade da área
da fazenda, em termos de qualidade dos solos, acesso a água e topografia.
Contudo, mesmo o trabalho de divisão dos lotes realizado pelos técnicos do
INCRA não conseguiu solucionar tal problema, mantendo a diversidade entre
os lotes. Outro fator que levou o INCRA a intervir na demarcação do lotes foi a
delimitação da área de reserva legal. Este problema, envolvendo outro órgão
governamental, o IEF - Instituto Estadual de Florestas, foi resolvido, após a
intervenção do INCRA, com o estabelecimento de uma área de reserva
coletiva. Tal solução passou a ser um novo entrave para os assentados, devido
ao fato de que aqueles que possuem seu lote limitando com essa área comum
usá-la como se fosse parte de seu lote, e não uma área coletiva, ocorrendo
alguns casos de prolongamento das cercas divisórias.
O que de fato ocorreu foi uma decisão burocrática de se realizar um
sorteio, desconsiderando-se o nível de participação das famílias no processo
de luta pela posse da terra, numa atitude que beneficiou apenas os ex-
funcionários da fazenda. Ao não aceitar uma decisão autônoma dos
trabalhadores, o INCRA potencializou o conflito entre eles sem, contudo,
conseguir solucionar o problema da discrepância entre os lotes. Outra
conseqüência perversa da decisão do INCRA foi a perda de todo o trabalho já
realizado anteriormente nos lotes "paraguaios", pois nada foi ressarcido,
inclusive muitas famílias não puderam nem mesmo colher suas plantações
devido ao grau de discórdia entres elas99. Como conseqüência para a
organização interna do assentamento, ocorreu o afastamento das lideranças
que emergiram no processo de acampamento da coordenação dos trabalhos
daquela associação. Ainda hoje, o descontentamento e a discordância com
98
Para FERREIRA NETO (1999), o que caracteriza um "bem público" é o princípio da "inexcludabilida-
de", ou seja, é o resultado de uma ação coletiva e que, uma vez obtido, nenhum indivíduo pode ser
privado de sua utilização ou de ter acesso a ele.
99 As famílias ficaram nos "lotes paraguaisos" durante quase um ano.
93
relação à demarcação dos lotes é uma das principais polêmicas entre os
assentados neste projeto.
Foram assentadas, dessa forma, as 100 famílias, em lotes individuais
variando de 21,5 a 68 ha. Como forma de organização dos trabalhadores
assentados e até mesmo pela exigência do INCRA, foi criada a Associação dos
Pequenos Produtores Rurais do P.A. Boa União, que representa todos os
assentados legal e politicamente. As famílias estão distribuídas em três grupos,
com base na localização do lote: Barriguda, Laranjal e Sede. Essa divisão
proporciona a cada um deles maior homogeneidade em termos dos problemas
enfrentados pelas famílias, além de facilitar a participação em reuniões, que
são realizadas separadamente, por grupos, em locais mais próximos dos
lotes100. Somente as reuniões deliberativas, como as assembléias, são
realizadas de forma centralizada, as demais reuniões de informação ou de
formação/capacitação são feitas por grupo, sob a coordenação de seu líder.
Apesar da participação do MST na capacitação de algumas lideranças
deste assentamento, na época do acampamento Palmital/Barriguda, e da
participação do movimento sindical, via STR e FETAEMG, atualmente a
Associação é a única mediadora desses assentados junto ao poder público,
seja o INCRA, seja a prefeitura ou seja a EMATER, sendo esta a responsável
pela assistência técnica no assentamento via o programa LUMIAR. Chama a
atenção o fato de que, apesar de esses trabalhadores terem protagonizado
uma luta típica daquela conduzida pelos trabalhadores rurais sem-terra, após a
criação do assentamento, eles não se vêem como assentados, como ex-sem-
terra. Até mesmo a denominação da Associação faz referência a pequenos
produtores e não a assentados. Além do mais, nos documentos analisados,
seja da associação, seja de órgãos como a EMATER, esses trabalhadores são
denominados de "parceleiros", fato que se repete em outros assentamentos
como o P.A. Palmeirinha.
A falta de identificação dos assentados no P.A. Palmeirinha, com a
categoria sem-terra, pode ser entendida pela trajetória social desses
trabalhadores, pela forma como a luta na região foi conduzida e pela pouca
100
Os problemas comuns aos lotes de cada grupo se referem à dificuldade de acesso e às condições
físicas, como fertilidade dos solos, topografia e escassez de água, pois os grupos foram definidos a
partir de sua localização na área do assentamento.
94
representatividade, naquele contexto, da expressão sem-terra. Daí eles, com a
corroboração do INCRA, se autodenominarem parceleiros. Contudo, no P.A.
Boa União a trajetória de luta dos trabalhadores assentados foi muito
semelhante àquela percorrida tipicamente pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra. No entanto, a identificação deles com os movimentos
sociais de luta pela reforma agrária é, de certa forma, negada por eles próprios
e pelos agentes externos, sobretudo os órgãos governamentais. Essa
interpretação pode ser feita a partir do valor pejorativo que eles mesmos
atribuem ao termo assentado, bem como por influência do INCRA, negação de
qualquer vinculação ideológica e política na luta pela reforma agrária.
A ausência no município de Unaí de mediadores, com relações mais
fortes com a questão da reforma agrária, como o MST, a FETAEMG e outros
como CPT e ONG's, não tem possibilitado a ampliação da discussão política e
estrutural do processo de acesso à terra, dificultando a afirmação desses
trabalhadores enquanto assentados e não como “novos pequenos
proprietários”. Nesse sentido, apesar do longo e complicado processo de luta
pela terra, nesse projeto de assentamento os trabalhadores beneficiados ainda
não conseguiram criar uma identidade que reflita objetivamente suas trajetórias
de vida, bem como uma ação transformadora das condições sociais nas quais
eles se inserem.101
5.3.2. A formação social do assentamento
Segundo os dados da Tabela 19, que se refere à origem das famílias
assentadas no P.A. Boa União, percebe-se que a maioria é proveniente do
meio rural, seja do município de Unaí, 35%, seja de municípios vizinhos, 26%.
Através da Tabela 20, observa-se que a maioria desses trabalhadores era
composta de assalariados fixos, desenvolvendo trabalhos como vaqueiros e
lavradores. Havia, também, pequena parcela, cerca de 9%, que trabalhava
como parceiro em outras áreas. A atividade de bóia-fria, exercida por 22% dos
entrevistados, refere-se a moradores do meio rural e da periferia da cidade de
Unaí.
101
O mesmo se observa no P.A. Palmeirinha.
95
Apesar de o número de moradores do meio rural ser bastante superior
ao dos trabalhadores do meio urbano, conforme os dados da Tabela 19, esse
assentamento evidencia uma tendência de aumento de trabalhadores oriundos
das cidades como beneficiários da luta e da política de implementação de
assentamentos rurais. Particularmente, isso reflete a crescente participação
dos trabalhadores temporários, como os diaristas e os bóias-frias, na luta pela
reforma agrária, exercendo sua atividade profissional no meio rural, mas que,
em grande parte, residem na cidade. É nesse sentido que MEDEIROS e LEITE
(1998) apontam a necessidade de se reconceituar a demanda por terra e de
conhecer as circunstâncias em que ela emerge, a partir da constatação das
diversas origens dos beneficiários de projetos de assentamentos rurais.
Tabela 20 - Atividade exercida pelos assentados antes da implementação do P.A. Boa União
Parceiro 8,7% 9 Atividade urbana 10,9% 11 Trab. Rural fixo 47,9% 48 Bóia fria 21,8% 22 Desempregado 2,3% 2 Outros 8,4% 8 Total 100% 100 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
O assentamento representou, dessa forma, para aqueles trabalhadores
rurais a oportunidade de continuarem suas atividades no meio rural em sua
própria terra, como assentados, isto é, como uma alternativa à migração para a
cidade, bem como ao emprego temporário, que na região constitui como única
atividade geradora de renda para muitas famílias. A possibilidade de possuírem
sua própria área e principalmente o acesso ao sistema de crédito subsidiado é,
96
para essas famílias, a garantia de melhoria na qualidade de vida pela entrada
em um novo ciclo gerador de renda, a terra. É a concretização de uma
realidade em que os trabalhadores vivem e trabalham em sua própria terra que
se contrapõe a uma conjuntura em que o assalariamento temporário, cada vez
mais difícil, se apresentava como única alternativa de sobrevivência. Trata-se
do que GUANZIROLI (1994a, b) define como custo de oportunidade, tanto para
aqueles do meio rural, que são, cada vez mais, afetados pelo desemprego
tecnológico102, quanto para os trabalhadores em áreas urbanas.
Tabela 21 - Faixa etária média dos chefes de famílias assentadas no P.A. Boa União
Menos de 25 anos 4,2% 4 Entre 26 e 35 anos 28,3% 28 Entre 36 e 45 anos 30,6% 31 Entre 46 e 55 anos 26,1% 26 Acima de 56 anos 10,8% 11 Total 100% 100 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
Outra característica do P. A. Boa União que o diferencia do P.A. Palmeirinha é a menor faixa etária
média dos chefes de famílias. Nesse assentamento, a predominância de famílias jovens, como se evidencia na Tabela 21. São, de modo geral, filhos de pequenos agricultores, alguns, inclusive, filhos de assentados em projetos mais antigos, que viram na reforma agrária a possibilidade de continuar trabalhando no meio rural. Assim, a luta e a
conseqüente política de implementação de assentamentos rurais permite também, a continuidade da estrutura familiar de produção a partir do momento em que beneficia os filhos desses agricultores.
5.3.3. Atividades produtivas e relação com o mercado
102
Principalmente na atividade de pecuária leiteira, com a adoção de tecnolgias modernas como a
ordenha mecânica e outras que estão cada vez mais sendo exigência do mercado, pois esta é uma
das principais atividades geradoras de emprego no meio rural unaiense, juntamente com a
substituição da mão-de-obra por máquinas no sistema de produção de grande parte dos produtos
agrícolas, como milho, feijão, algodão e soja, que estão cada vez mais tecnificados.
97
As famílias assentadas neste projeto começaram a ter acesso às linhas de crédito a partir de 1997. Receberam, no início daquele ano, o crédito de fomento e alimentação, que, somados, garantiu-lhes um recurso no valor de R$ 1.080,00 por família. O crédito habitação, no valor de R$ 2.500,00, foi liberado após a demarcação e distribuição oficial dos lotes, realizado pelo INCRA através de sorteio, no final de 1997. Esse recurso foi repassado para a Associação, que comprou o material de construção coletivamente, e cada família construiu a sua própria casa. Com isso, diferentemente do projeto de assentamento Palmeirinha, há certa padronização entre os lotes, em termos de moradia. A Figura 8 é um exemplo de casa-padrão no assentamento Boa União.
Figura 8 - Estilo de moradia no projeto de assentamento Boa União.
Foi a partir da safra 1998/99 que esses trabalhadores assentados tiveram acesso aos créditos de investimento e custeio. A primeira parcela do PROCERA-Investimento
98
foi liberada em outubro/novembro de 1998, juntamente com o primeiro projeto de custeio, que seguirá o mesmo prazo de carência do investimento para o pagamento, três anos. O restante do crédito de investimento estava previsto para ser liberado em mais duas parcelas. Em média, cada família recebeu cerca de R$ 1.700,00 do PROCERA - Custeio e R$ 3.300,00 do investimento. Contudo, na safra 1997/98, sem a utilização do crédito de investimento e de custeio, a produção se restringiu ao cultivo de milho e arroz, basicamente para a subsistência da família.
Na Tabela 22, mostra-se a situação dos assentados em relação ao acesso a essas diversas linhas de crédito. A sua análise evidencia uma uniformidade entre as famílias; com poucas exceções, 91 famílias tiveram acesso a todas as linhas. Uma análise comparativa com a situação do P.A. Palmeirinha indicou que um fator relevante para essa realidade do P.A. Boa União foi o momento de sua implementação, momento esse de maior ou de melhor desempenho do governo federal na continuidade da política de implementação de assentamentos rurais.
Tabela 22 - Situação dos assentados no P.A. Boa União diante das linhas de crédito
Acesso a todas as linhas de crédito 91,3% 91 Não recebeu crédito habitação 4,3% 4 Não recebeu crédito alimentação 2,2% 2 Não recebeu crédito habitação e alimentação 2,2% 2 Total 100% 100 famílias
99
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
Um problema inerente aos recursos destinados aos investimentos nos
lotes foi, porém, a sua liberação antes de serem resolvidos os problemas de
infra-estrutura103, particularmente o acesso à água, o que dificultou a
elaboração de um planejamento de como investir na área. Dessa forma, as
opções de investimento se restringem a algumas poucas alternativas de
produção que, geralmente, envolvem altos riscos para o assentado. É o caso
da compra de gado, que, apesar de ser uma constante no planejamento da
maioria dos assentados, apresenta o risco de perda das criações na época
mais seca do ano, além de envolver volume maior de investimentos como
condição de rentabilidade. A opção em investir na pecuária, de forma a obter
renda com o leite e, esporadicamente, com a venda de bezerros, pode ser
entendida como resultante de três fatores: a tradição em se realizar tal
atividade nas pequenas propriedades do município, a falta de infra-estrutura
para possibilitar a execução de outras atividades e a completa falta de
discussão sobre a diversificação da produção104.
A análise comparativa dos lotes deixa claro que a limitação do acesso
à água e o baixo nível de fertilidade dos solos, além das precárias condições
de acesso à grande parte dos lotes, são fatores preponderantes na diversidade
das situações observadas. A problemática da escassez de água se estabelece
como impasse com o INCRA e outros órgãos, em nível estadual, como a
COPASA. Os assentados, através da Associação, estavam negociando, desde
a demarcação dos lotes, a perfuração de poços artesianos, para que aquela
limitação fosse superada, a qual ultrapassava a questão da produção
agropecuária, chegando a ser impedimento para o estabelecimento das
famílias nos lotes, pois algumas delas percorriam grandes distâncias para
buscar água para consumo.
103
LEITE (1994), em seu estudo no Estado de São Paulo, afirma a importante relação entre a ação do
Estado na implementação de infra-estrutura nos assentamentos e a viabilidades econômica e
produtiva desses projetos.
104 Deve ser considerado também o perfil da assistência técnica, que nesse caso é feita pela EMATER,
predominando ou reproduzindo as atividades tradicionais do município.
100
O abastecimento de água é feito basicamente pelos córregos da
Barriguda, Pontinha, Capão Verde e São Pio, além do rio Preto, que corta o
assentamento105. A escassez de água se agrava na seca, uma vez que todos
os córregos não dispõem de água corrente entre os meses de julho e
setembro, e somente o rio Preto é permanente, porém apresenta problemas
com a qualidade de sua água para consumo humano, pois a poluição se
intensifica nessa época.
Já a questão da superação da baixa fertilidade e da alta acidez dos
solos de parte dos lotes, sobretudo na primeira safra, foi prejudicada devido ao
atraso na liberação dos recursos106 e ao compromisso não cumprido por parte
de empresas fornecedoras de calcário, que chegaram a receber adiantado pela
venda do produto e não o entregaram aos assentados, alegando dificuldade de
acesso aos lotes107. Alguns assentados tiveram seu produto descarregado em
áreas distantes, o que provocou a perda total do calcário.
Com relação aos problemas relativos às condições naturais das áreas
desapropriadas para implementação dos assentamentos rurais, bem como a
sua localização, MEDEIROS et al. (1998) afirmam que tais questões se
refletem nas possibilidades de sustentabilidade dos projetos. Para esses
autores, as intervenções fundiárias são dispersas, pontuais e desarticuladas. O
governo atua somente com a possibilidade de obtenção das terras, segundo o
nível dos conflitos existentes. Não há verificação da existência de mercados
para os produtos, necessidade de construção de estradas, estruturas
produtivas, qualidade das terras e uma previsão de apoio financeiro para as
áreas de saneamento e de educação.
As famílias, no momento da pesquisa de campo, estavam na
expectativa da colheita de suas lavouras e ainda usavam parte dos recursos
creditícios para subsistência na área. Muitos desses trabalhadores assentados
105
Apesar da presença do rio Preto, somente 20, dos 100 lotes, têm acesso direto a esse importante
recurso hídrico, por terem sido plotados em sua margem.
106 A primeira parcela do investimento, bem como o custeio agrícola para a safra 1998/99, foi liberada
entre outubro e novembro de 1998, bastante tarde em termos de ano agrícola. As primeiras etapas do
processo produtivo, como o preparo do solo, deveriam iniciar-se em agosto/setembro.
107 A correção da acidez dos solos, feita com a aplicação de calcário, é uma etapa essencial para a
produção em solos de cerrados. A época mais correta para a realização dessa atividade seria em
agosto/setembro, porém com o atraso na liberação dos recursos a compra foi efetuada no mês de
outubro; com o início das chuvas e a precariedade das estradas, os caminhões não conseguiram
levar o produto até os lotes.
101
exerciam a atividade de bóia-fria antes de conseguirem seu lote, e, apesar de
já estarem assentados, alguns continuaram por determinado tempo se
empregando temporariamente, particularmente nos momentos iniciais do
assentamento, garantindo uma renda mínima para a família. Esse tipo de
atividade foi impulsionado pela grande demanda por diaristas na região onde
se localiza o assentamento, em razão das grandes fazendas produtoras de
feijão e de outros produtos que necessitam de mão-de-obra, sobretudo, na
etapa da colheita.
Essa constatação não permite que se interprete o assentamento como
mero reservatório de mão-de-obra. É preciso observar que a necessidade de
se empregar como bóia-fria foi momentânea, surgindo num período em que os
assentados ainda não tinham condições de produzir, nem mesmo para a
subsistência da família. Durante a primeira safra, antes mesmo de saber os
resultados, a grande maioria dos assentados já alegava a possibilidade de não
mais precisar voltar à condição de bóia-fria. Em que pesem as análise de
autores como GUANZIROLI (1994), que tem chamado a atenção para o fato de
que os projetos de assentamentos que melhor se desenvolveram foram
aqueles que tinham na produção interna e na relação com o mercado sua
principal atividade108; o assalariamento, mesmo que temporário, pode-se
apresentar como outra fonte de renda, principalmente se levar em
consideração os problemas iniciais do projeto para o desenvolvimento de
atividade produtiva e a questão da demanda por trabalhadores assalariados na
região.
ROMEIRO et al. (1994), analisando os dados da pesquisa da FAO,
afirmam que são diversas as fontes de renda dos assentados e que a renda
proveniente de atividades não-agrícolas no interior dos lotes é um fator
importante para homogeneização de rendas entre as famílias assentadas.
Esses autores argumentam que as famílias que produzem menos são
justamente as que possuem maior renda originada de atividades não-agrícolas.
Para além dos problemas enfrentados pelos assentados no início da
consolidação do projeto, como apontado anteriormente, a renda obtida pelo
assalariamento de membros da família assentada significa também a
108
Estas análises se referem ao resultado da pesquisa realizada pela FAO: principais indicadores
socioeconômicos dos assentamentos de reforma agrária.
102
capacidade de sobrevivência da pequena produção, quando as condições para
a produção agrícola no próprio lote não são favoráveis, como a qualidade da
terra, a escassez de água, o potencial de trabalho da família etc. Dessa forma,
Ademar Romeiro concluiu que esse tipo de geração de renda deve ser avaliado
positivamente e não pelo aspecto negativo, em razão das dificuldades da
pequena produção em gerar suficiente renda agrícola capaz de manter esses
agricultores na terra.
A organização da produção nesse assentamento é feita de forma
individual109, destacando-se a produção agrícola como a principal atividade
desenvolvida pelos assentados e acentuando o cultivo de milho e arroz,
conforme evidenciam os dados das Tabelas 23 e 24. Apenas uma parcela,
sobretudo os que possuem lotes próximos à antiga sede, estava trabalhando
com pecuária leiteira, aproveitando a infra-estrutura existente110, basicamente
aqueles que já trabalhavam com essa atividade enquanto funcionários da
fazenda. Essas famílias comercializam o leite na CAPUL, via atravessador, um
produtor cooperado, vizinho ao assentamento, que diariamente recolhe a
produção desses assentados e a entrega na cooperativa. A relação com essa
cooperativa é um fator semelhante ao do P.A. Palmeirinha, porém com uma
organização ainda mais precária. Nessa área, ainda não há tanques de
resfriamento do leite e inexiste a organização de grupos, como no
assentamento analisado anteriormente.
Além desses produtos, podem-se notar alguns plantios de mandioca,
abóboras, cana-de-açúcar111 e outros que se destinam à alimentação da
família, além de pequenas criações de aves e suínos restritos a alguns lotes
onde a falta d'água é menos acentuada. O milho e o arroz são os produtos
cultivados pelos assentados utilizando o PROCERA-Custeio e assim
entendidos como fonte de renda ou atividades praticadas com o objetivo de
obtenção de lucro. Outros produtos, como mandioca e pequenas criações,
109
A primeira experiência de produção coletiva estava em fase de planejamento: três famílias estavam
preparando a terra para cultivar feijão irrigado na margem do rio Preto, numa área de 3 ha.
110 Contudo, várias famílias planejavam começar esta atividade em seus lotes, com a liberação das próximas parcelas do PROCERA - Investimento.
111 Para as famílias que têm na pecuária leiteira a principal atividade, o plantio de cana-de-açúcar tem o
objetivo de complementar a alimentação do gado na época em que a seca se agrava.
103
devem ser considerados na análise da renda de autoconsumo. Como no P.A.
Tabela 23 - Principal atividade produtiva no P.A. Boa União
Lavoura 71,8% 72
Pecuária 13,0% 13
Lavoura e pecuária 6,6% 7 Lav., pec e assal. chefe da família 2,1% 2 Outros 2,2% 2 Não respondeu 4,3% 4 Total 100% 100 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
Tabela 24 - Principal produto produzido pelos assentados no P.A. Boa União
Milho 65,3% 65 Feijão 2,2% 2 Leite 4,3% 4 Milho e arroz 13,0% 13 Outros 8,6% 9 Não respondeu 6,6% 7 Total 100% 100 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
104
Palmeirinha, o conceito de renda para esses assentados, está relacionado com
a obtenção de lucro através da venda de seus produtos, especialmente
daqueles produzidos utilizando o sistema de crédito.
A viabilização da produção e a consolidação do projeto de
assentamento, sobretudo o desenvolvimento das atividades agropecuárias, é a
questão central discutida pelos assentados. Dessa forma, a relação com os
órgãos vinculados à assistência técnica e, principalmente, aos ligados à
liberação dos recursos sobrepõe as demais. Apesar da participação ativa do
STR de Unaí no período da implementação desse assentamento112, na
atualidade essa entidade não é muito lembrada como importante. Para alguns,
o STR não tem feito "nada" para o assentamento. Isso demonstra que, a partir
da conquista da terra e do início do acesso a políticas públicas que possibilitam
a viabilização da produção no assentamento, o STR passa a não ser mais um
mediador importante. A partir desse momento há o reconhecimento, por parte
dos assentados, de que a EMATER, a prefeitura e particularmente o INCRA
são os principais órgãos para o desenvolvimento do projeto, e o único
mediador, entre os assentados e os técnicos desses órgãos, passa a ser a
Associação.
Nesse contexto de definição do modo de vida e produção no
assentamento, as relações estabelecidas entre a Associação e os órgãos
governamentais passam a ser vistas como as mais importantes. A própria
análise dos assentados sobre o papel da Associação coloca como principal
atribuição a sua intermediação com esses órgãos, que gerenciam tanto o
crédito como a assistência técnica113. Essa perda de referência política e de
afastamento do movimento sindical indica que, apesar do importante e
reconhecido papel do sindicato na mobilização pela conquista da terra, sendo
um dos principais mediadores com o INCRA na fase de viabilização da
produção, ele não consegue definir uma política clara de intervenção junto com
os assentados. A análise dos dados da Tabela 25 evidencia que há inversão de
112
Existiam três diretores da entidade no acampamento, inclusive o presidente da época, e ainda há um
assentado na direção do sindicato.
113 Todos os projetos para custeio de lavoura, bem como de investimento, foram elaborados pelos
técnicos da EMATER, empresa responsável pelo acompanhamento técnico neste assentamento
através do programa LUMIAR/INCRA.
105
importância dada ao movimento sindical - STR e FETAEMG - com o INCRA e
EMATER a partir da criação do projeto.
Tabela 19 - Principais mediadores até o momento da criação do assentamento e atualmente no P.A. Boa União
Antes da criação Atualmente
INCRA 13,0% 43,5% STR 56,6% EMATER 2,2% 23,9% INCRA e EMATER 13,1% FETAEMG 13,0% 2,2% Prefeitura 2,2% 2,2% Líder do acampamento 2,2% Associação 6,5% Outros 6,5% 6,4% Não respondeu 4,3% 2,2% Total 100% 100%
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
5.3.4. Relação com o poder público municipal e as demandas por políti-cas públicas
No processo de organização desses trabalhadores, visando à
conquista do acesso à terra, com o estabelecimento do conflito entre
latifundiário e sem-terra, houve o envolvimento de outros setores, inclusive das
políticas local e regional, como um ex-deputado estadual e atual prefeito de
Paracatu114, em torno da luta pela reforma agrária. Dessa forma, a ação de
ocupação da fazenda, gerando um conflito social e político, possibilita ação
114
Eleito pelo Partido dos Trabalhadores, que de forma geral se posiciona favorável à organização dos
trabalhadores rurais sem terra.
106
conjunta e coordenada envolvendo setores favoráveis à reforma agrária,
proporcionando auxílios aos trabalhadores sem-terra, do tipo cestas básicas,
materiais para construção dos barracos e também de mediação com órgãos
em Brasília e Belo Horizonte. Porém, novamente pode-se perceber que, depois
dessa fase inicial, após a implementação do projeto essa ação aglutinadora de
interesses se dilui e esses trabalhadores, agora assentados, ficam diante de
novas estruturas de mediação, destacando-se as relações com os órgãos
governamentais, marcadas pelo personalismo e pela particularidade.
Como foi possível perceber nas análises do P.A. Palmeirinha, as
relações que se estabelecem entre os assentados e esses novos mediadores,
especialmente a prefeitura, são caracterizadas pela inserção das lideranças
desses trabalhadores no cenário político local. Diferentemente do P.A.
Palmeirinha, no assentamento Boa União, as lideranças não têm maior vínculo
com os atores políticos locais, podendo ser explicado pelo significativo número
de famílias provenientes de outros municípios nesse assentamento; de certa
forma, essas famílias ainda não mantinham vínculos com aqueles atores
políticos. Em que pese a experiência de alguns assentados como um ex-
presidente do STR e de outros que foram diretores dessa entidade, a
expressão e a participação política das lideranças do P.A. Boa União podem
ser consideradas menores do que nos outros dois assentamentos pesquisados.
Essa condição também explica, em parte, as dificuldades de relacionamento
com o poder público local, principalmente no que se refere ao atendimento de
suas demandas com a prefeitura.
Outro aspecto observado nos relatos dos assentados sobre a relação
com a administração municipal e que proporciona esse frágil contato entre
prefeitura e a comunidade em questão se refere ao resultado da última eleição
para deputado, em outubro de 1998. Segundo os próprios assentados, essa
comunidade representou um peso eleitoral significativo em favor do candidato
de oposição ao atual prefeito; assim, existem rumores de que teriam "traído o
prefeito". Isso evidencia que o assentamento em si não quebra a prática
política da região, que continua sendo com base na troca de favores, pois é o
resultado nas urnas que garante o atendimento das demandas. Como já foi
referenciado anteriormente, esse é um dos principais problemas com relação à
possibilidade de descentralização da reforma agrária, principalmente em
107
municípios com características tipicamente conservadoras e clientelistas, o que
parece ser o caso em estudo.
Tabela 26 - Principais demandas dos assentados no P.A. Boa União junto à prefeitura municipal
Saúde e educação 15,2% 15 Transporte e estrada 19,6% 20 Saúde, educação e estrada 63,0% 63 Água e luz 2,2% 2 Total 100% 100 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
Como na análise do P.A. Palmeirinha, os principais problemas
encontrados neste assentamento, além da precária infra-estrutura de
abastecimento de água, são as condições de acesso. A distância do projeto e o
péssimo estado de conservação das estradas dificultam o acesso à escola, e a
falta de uma política de assistência à saúde torna a qualidade de vida ainda
mais precária. Essas são as principais demandas reivindicadas pelas famílias
assentadas com a prefeitura municipal, conforme os dados da Tabela 26. As
crianças de idade escolar atualmente são transportadas para a escola na
Ruralminas115, que fica cerca de 12 quilômetros de distância da antiga sede da
fazenda, sendo o transporte bastante precário, devido ao estado de
conservação do ônibus e à dificuldade de acesso na época de fortes chuvas.
O assentamento é atendido por um agente de saúde, que é um assentado contratado pela prefeitura. Sua função é percorrer as casas para marcar consultas médicas e
115
Núcleo de colonização implementado pela RURALMINAS e que possui uma agrovila com escola e
posto de saúde.
108
odontológicas, bem como para distribuir algum medicamento mais simples. Essa atividade garante a esse assentado o poder de mediador perante a prefeitura, além de se estabelecer como importante intermediário não só com relação aos serviço de saúde, mas também com relação a comércio, bancos, EMATER etc. pois a sua constante presença na sede do município lhe impõe uma série de pedidos e de favores das famílias assentadas a serem realizados na cidade. Os próprios assentados criticam, de certa forma, a postura do agente, que atua, segundo eles, de forma seletiva, visitando apenas a famílias que possuem maior contato de amizade, o que fortalece, assim, a política clientelista, com base nas relações pessoais e na troca de favores.
5.4. Projeto de assentamento Renascer
5.4.1. Antecedentes históricos
O histórico desse projeto de assentamento também está relacionado
com a participação de trabalhadores do município de Unaí no acampamento
Palmital/Barriguda, como ocorreu no P.A. Boa União. A área onde está
implementado o P.A. Renascer era denominada Fazenda Campinas e foi a
primeira a ser ocupada pelos trabalhadores que retornaram de Buritis após
vivenciarem a experiência de organização da luta pela terra junto com o MST.
No início do movimento de ocupação da fazenda Campinas, o líder do
acampamento era um trabalhador que já havia vivido a experiência de ser
liderança, nos moldes do MST, durante o acampamento em Buritis. Isso ajuda
a entender a grande identificação dos assentados com o MST, o que não
ocorre com a mesma intensidade no P.A. Boa União, apesar de suas
lideranças terem, em alguma medida, percorrido trajetórias semelhantes.
Segundo os dados apresentados na Tabela 27, 47,6% dos assentados
afirmaram que tomaram conhecimento da reforma agrária nesta área através
109
do MST. A participação do movimento sindical, ou sua aproximação com esse
grupo, se deu, apenas, após o momento da ocupação, quando o movimento já
estava organizado.
A ação de mobilização do grupo e a entrada na área da fazenda
ocorreu sem a participação direta do sindicato. Dessa forma, o sindicato e a
FETAEMG somente aparecem como entidades importantes, na percepção dos
assentados, no processo até a divisão dos lotes, o que demonstra que, mesmo
não tendo ação direta na ocupação da área, há importante contribuição dessas
instituições no decorrer do processo de acampamento e de pressão para a
criação do assentamento. É nesse sentido que cerca de 28,6% dos assentados
apontaram o movimento sindical como o principal mediador até a
implementação do assentamento.
Tabela 27 - Principais mediadores no P.A. Renascer, no processo de ocupa-ção, durante o acampamento e atualmente
No processo de
ocupação
Principal mediador até a divisão dos
lotes
Principal mediador atualmente
MST 47,6% STR/FETAEMG 28,6% Líder do acampamento 9,5% Parentes e amigos 47,6% EMATER 9,5% INCRA 38,1% 76,2% Prefeitura e INCRA 14,3% Outros 19,0% Não respondeu 4,8% 4,8% Total 100% 100% 100%
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
No processo de ocupação da área, a primeira barreira enfrentada por
esse grupo de trabalhadores foi uma ação de despejo conseguida pelo
latifundiário, obrigando-os a se retirarem da área e acamparem à margem de
110
uma rodovia, à espera de uma solução do INCRA. Sem respostas do órgão
governamental, esses trabalhadores ocuparam novamente a fazenda, como
forma de pressão. Através de um acordo com um fazendeiro vizinho, esses
trabalhadores acamparam na divisa entre a Fazenda Campinas e a
propriedade vizinha, à espera das negociações entre o INCRA e o latifundiário.
A partir desse momento, no qual a vistoria da fazenda já decretava que a área
se caracterizava como um latifúndio improdutivo, portanto, passível de
desapropriação, e que a conquista do assentamento era uma questão de
tempo, o acampamento passou a receber adesões, somando-se outras famílias
que se aproximaram, principalmente, através de relações de parentesco e
amizades. Essas relações não se deram somente com as famílias acampadas,
mas também com lideranças sindicais, que realizavam o trabalho de
cadastramento dos possíveis beneficiados.
Nesse contexto, foram incorporados ao grupo inicial uma família que já
residia na fazenda e outras que exerciam diversas atividades, principalmente
na cidade de Unaí. Se na composição do grupo que iniciou essa luta era
predominante a presença de trabalhadores volantes, os bóias-frias, as famílias
que chegaram ao longo do processo de acampamento possuíam experiências
diversas, destacando-se alguns com perfis um tanto quanto diferenciado
daqueles cuja trajetória de vida foi marcada pela exclusão e pela
marginalização social. São comerciantes, filhos de fazendeiros e
administradores de cooperativas de mão-de-obra, dentre outros. A participação
de algumas dessas famílias durante o processo de acampamento se
assemelha ao que se define como postura de um carona, particularmente por
não participarem de forma ativa, não correndo os riscos inerentes a um
processo conflitivo, como é um acampamento. A presença desses
trabalhadores no acampamento não era constante e não envolvia a família,
sendo que alguns chegaram a contratar outras pessoas para ficarem
acampadas em seus lugares, garantindo suas vagas. Não chega a ser uma
opção pela não-cooperação, como foi o caso dos ex-funcionários da Fazenda
São Paulo, pois eles contribuíram de alguma forma com transporte e foram, de
certa forma, porta-vozes, na cidade, dos trabalhadores acampados. Foi uma
atuação diferenciada, não ficando vulneráveis aos riscos do dia-a-dia do
acampamento.
111
Há referências na literatura, como em FERRANTE e BERGAMASCO
(1992), de pessoas que entram no assentamento sem participar do movimento
de luta, simplesmente pela sua inscrição como possível beneficiário. Essas
famílias podem ser analisadas nesse aspecto, em que há basicamente duas
redes de relações que permitem inferir como e por que conseguiram acesso
aos lotes. A primeira é o relacionamento, através de uma cooperativa de mão-
de-obra, com os bóias-frias que ocuparam inicialmente a área, o que favoreceu
o acesso dos administradores dessa cooperativa ao acampamento. A segunda
rede de relações é formada por membros de uma mesma família, que no
momento da ocupação da área demandava a posse legal das terras116. São
pessoas com emprego fixo na cidade e que mantiveram relações com o
acampamento devido ao fato de a família possuir uma propriedade vizinha à
Fazenda Campinas. Alguns assentados desse grupo familiar afirmaram que
tinham direito de estar entre os beneficiados porque essas terras pertenciam à
sua família. Dessa forma, a ação dessa família em aderir à luta pela
desapropriação pode ser interpretada como uma tentativa de manter pelo
menos parte da área em seu poder, sendo alguns membros beneficiados com
a implementação do assentamento117. Esses fatos evidenciam que, apesar da
experiência de alguns desses trabalhadores com o MST, eles não foram
capazes de evitar a entrada de pessoas "estranhas à reforma agrária".
Demonstra também a fragilidade política do movimento sindical nesse
município, permitindo que essas famílias se cadastrassem como possíveis
beneficiárias da política de implementação de assentamentos.
A participação dessas famílias, definidas como "estranhas à reforma
agrária", no processo de implementação do assentamento não proporcionou
problemas internos à organização do projeto, pelo contrário, devido à própria
capacidade de liderança de alguns de seus membros, essas famílias acabaram
assumindo a direção política do assentamento. Segundo MEDEIROS e LEITE
(1998), alguns estudos de caso evidenciam situações de trabalhadores que,
"ante um processo de ocupação em curso, agregam-se à iniciativa, liderados
116
A antiga Fazenda Campinas era objeto de disputas judicias por duas famílias tradicionais de Unaí.
117 Um dos membros dessa família que foi beneficiado afirmou que seu lote, por direito, foi demarcado
numa área onde está localizada a sede da associação, uma antiga casa, e que, segundo ele, teria
sido a moradia de alguns de seus antigos familiares.
112
por pessoas que nem sempre tinham fortes vínculos com os movimentos e que
acabaram mantendo certa autonomia em relação a eles". Nesse sentido,
apesar de existir uma vinculação da liderança do acampamento da fazenda
Campinas com o MST, após a criação do projeto de assentamento Renascer
abriu-se espaço para o surgimento de outras lideranças que não mantinham
vínculo direto com a luta pela terra.
Dessa forma foi criado o P.A. Renascer, numa área de 1.515 ha,
dividida em 45 lotes individuais, cujo tamanho varia entre 27 e 48 ha, sendo
cerca de 283,87 ha destinados à reserva legal. A desapropriação ocorreu em
18/07/1996, porém a emissão de posse e o ato de criação do assentamento
datam de 25/10/1996 e 02/12/1996, respectivamente. As 45 famílias
assentadas são representadas pela Associação dos Pequenos Produtores do
Projeto de Assentamento Renascer.
Com a desapropriação da área e a criação oficial do projeto de
assentamento, o processo de demarcação e distribuição dos lotes entre as
famílias beneficiadas teve rápida negociação com o INCRA. A área foi medida
e demarcada pelos próprios assentados e, diferentemente do que ocorreu no
P.A. Boa União, essa divisão foi aceita pelo órgão governamental, facilitando o
processo de assentamento. Ao contrário do que ocorreu no P.A. Boa União,
nesse caso houve ausência de fatores que pudessem potencializar o conflito
entre as famílias a serem beneficiadas. A relação entre os trabalhadores
acampados e as famílias que já residiam na área foi diferente, até mesmo
porque, na Fazenda Campinas, a única família moradora, apesar de manter
vínculos com o latifundiário, não partiu para o enfrentamento com os "sem-
terras" na defesa do latifúndio, como ocorreu na Fazenda São Paulo.
Outro fator que, diferentemente do processo do P.A. Boa União, não
trouxe conflito entre as famílias na divisão dos lotes foi a falta de infra-estrutura,
como poços artesianos, curral, galpões, casas etc., que pudesse favorecer
alguns lotes em detrimento de outros118. Ademais, a maior homogeneidade,
comparativamente à área do P.A. Boa União, em termos dos aspectos físicos
da fazenda, também permitiu que os lotes não apresentassem grande
118
A única infra-estrutura presente na Fazenda Campinas era uma casa, em condições precárias, que
passou a ser a única área coletiva do assentamento, uma espécie de sede da associação, onde são
realizadas as reuniões. O local de moradia da única família que vivia nessa fazenda não era servido
de infra-estrutura que pudesse gerar algum tipo de conflito.
113
discrepância entre eles, o que geralmente é um fator de conflito e de
discordância entre as famílias na demarcação e distribuição das áreas
correspondentes a cada uma119.
Além desses fatores que contribuíram para um menor grau de conflito,
entre as famílias no processo de demarcação e distribuição dos lotes, deve-se
considerar também o perfil das lideranças e sua capacidade de ação nesse
processo de pressão e negociação com os órgão competentes. Com a criação
oficial do projeto de assentamento, muda a forma de atuação da organização
desses trabalhadores. Se a liderança do acampamento era um líder capacitado
para a coordenação de um processo de enfrentamento, característico do
momento de ocupação e acampamento, com a implementação do
assentamento a característica da ação desse coletivo passa a ser de
negociação com os órgãos governamentais. Além do menor nível de conflito
entre as famílias, foi menor também o acirramento entre as lideranças e os
técnicos do INCRA, diferentemente do que ocorreu no P.A. Boa União e no
P.A. Palmeirinha120.
A mudança na direção política da organização desses trabalhadores,
após a criação do projeto de assentamento, deve ser entendida como sendo o
resultado da relação entre a identidade do grupo e o discurso da liderança.
Num primeiro momento, durante o processo de ocupação, esse grupo possuía
uma identidade de trabalhadores sem-terra, tendo como liderança uma pessoa
com experiência de trabalho com o MST, com um discurso próprio da luta pela
terra, objetivo comum de todo o grupo. Após a conquista do assentamento, a
aglutinação em torno daquele objetivo comum se dilui em diversos interesses
em jogo, e a identidade de sem-terra é descartada pelos próprios assentados,
que preferem a identificação como pequenos produtores. O discurso das novas
lideranças, reafirmando a não-identificação com os sem-terra, facilitou a
aproximação com os órgãos governamentais, e os maiores capitais político e
119
Esta maior homogeneidade entre os lotes pode ser percebida até mesmo pela menor variação no
tamanho da área definida para cada família, considerando-se que um dos critérios para delimitar o
tamanho dos lotes eram justamente as suas condições físicas.
120 Num paralelo com o P.A. Palmeirinha, é necessário que se faça uma ressalva, devido aos contextos
políticos e administrativos diferenciados em que ocorreram os processos de criação deste
assentamento e dos demais, Boa União e Renascer.
114
financeiro, em relação aos demais assentados, possibilitaram a concentração
de poder político nesse grupo.
115
5.4.2. A formação social do assentamento
Uma característica marcante nesse assentamento é o alto índice de
beneficiários que residiam no meio urbano, e os dados apresentados na Tabela
28 indicam que 81% dos assentados residiam na cidade de Unaí, uma
característica bastante distinta dos outros dois assentamentos pesquisados,
onde a maioria dos beneficiados morava na zona rural de Unaí e de municípios
vizinhos. Uma relação com os dados da Tabela 29 permite analisar que as
trajetórias desses trabalhadores, que antes do assentamento residiam na
cidade de Unaí, são bastante diversas. Parte significativa desses assentados
(28,6%), conforme a Tabela 29, desenvolviam atividade como de bóia-fria e
diarista, e 33,2% exerciam diferentes atividades no meio urbano, como de
motorista, costureira, prestadores de serviços autônomos e vendedores
ambulantes, dentre outros. Os demais assentados, cuja origem é o meio rural,
desenvolviam atividades de parcerias, como meeiros e arrendatários, ou eram
trabalhadores fixos, como lavradores e vaqueiros, conforme demonstram os
dados da Tabela 29121.
Tabela 28 - Origem da família assentada
Zona rural Unaí 14,6% 7
Zona rural outro município 4,4% 2 Cidade de Unaí 81,0% 36
Total 100% 45 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
121
Dentre as atividades enquadradas no item outros da Tabela 29, estão: operadores de máquinas,
transporte de gado e gerente de fazenda, atividades essas relacionadas com o meio rural, porém
exercidas por trabalhadores que moram na cidade.
116
Tabela 29 - Atividade exercida anteriormente ao assentamento
Parceiro 4,8% 2 Comerciante 9,2% 4 Atividade urbana 33,2% 15 Trab. Rural fixo 9,6% 4 Bóia fria 28,6% 13 Outros 14,6% 7 Total 100% 45 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
A atuação dos bóias-frias na luta pela terra no P.A. Renascer dever ser
percebida a partir das ações no MST no município de Unaí, atuando na
mobilização e organização dos trabalhadores para a conquista da terra. A ação
do MST na organização do acampamento Palmital/Barriguda foi apontada
pelas lideranças do movimento como uma estratégia para promover o avanço
na luta pela reforma agrária em toda a região e, de modo especial em Unaí, em
virtude do grande número de trabalhadores temporários existente no município.
Esse expressivo número de trabalhadores temporários pode ser analisado
como uma conseqüência do processo de desenvolvimento ao qual passou
esse município, sobretudo a modernização do setor agrícola, que possibilitou
grande fluxo migratório campo-cidade, sem aumento da oferta de empregos no
meio urbano. Contudo, na formação social desse assentamento há
discrepância entre este setor formado por trabalhadores temporários, cuja
trajetória de vida é marcada pela exclusão e pela marginalização do processo
de desenvolvimento, e outro significativo setor, formado por aqueles
assentados que exerciam atividades regulares no meio urbano. Dentre esse
grupo, destacam-se os assentados da família que demandava a posse local da
terra e aqueles que administram a cooperativa de mão-de-obra. A discrepância
117
se dá em razão do perfil socioeconômico e político dessas pessoas, um tanto
quanto diferenciado dos demais assentados nesse projeto e nos outros dois
descritos anteriormente.
Para esses assentados, o significado do acesso à terra é bastante
diferenciado daqueles que lutam por um local de moradia e trabalho, às vezes
significando o resgate de um estilo de vida, interrompido devido à sua
marginalização no contexto da modernização agrícola. Tanto no P.A.
Palmeirinha quanto no Boa União, o assentamento é visto como o local de
moradia, de trabalho e de reprodução social enquanto pequenos produtores.
No P.A. Renascer, particularmente para estas famílias em questão, o
assentamento significa um local de geração de renda, de obtenção de lucro
através da atividade agrícola, sobretudo para os que mantêm moradia na
cidade. Principalmente aqueles que mantém suas atividades na cidade é
comum encontrar, em seus lotes, trabalhadores assalariados, inclusive
caseiros, numa realidade bastante distinta da lógica de produção da agricultura
familiar. Os lotes pertencentes a essas famílias se encontram num estádio de
desenvolvimento que contrasta com os demais. Isso se deve à geração de
renda extra no assentamento, bem como de maior capital inicial investido por
essas famílias, fazendo com que alguns lotes sejam servidos de infra-estrutura
inexistente nos demais lotes, como poços artesianos próprios e energia
elétrica. Não só o estádio de desenvolvimento de seus lotes, servidos de boa
infra-estrutura, mas também as relações sociais e econômicas dessas famílias
no meio urbano garantem a elas uma inserção no mercado local bastante
distinta dos demais.
A localização do projeto, sua proximidade da cidade e a facilidade de
acesso contribuem para entender os fatores que atraíram estas famílias de
perfil diferenciado do trabalhador sem-terra. É o assentamento mais perto da
cidade, são 22 km de distância, dos quais 15 km são pavimentados e os
restantes 7 km são de estrada sem asfalto, mas em bom estado de
conservação, o que facilita o deslocamento diário até a sede do município.
Essa característica pode ser explicativa pelo interesse dessas famílias nesta
área e não em outras como o P.A. Boa União, onde não foi encontrada uma
situação de tamanha discrepância em termos do perfil socioeconômico das
famílias beneficiadas.
118
Apesar dessa diferenciação entre seus assentados, sendo uma
característica que o distingue dos demais projetos de assentamento
pesquisados, a expectativa geral dos beneficiados do P.A. Renascer é
semelhante à dos demais, uma busca pelo distanciamento da classificação
social como sem-terra/assentado e uma aproximação de estilo de vida dos
pequenos produtores tradicionais do município. Isso faz com que haja sintonia
entre a perspectiva de desenvolvimento das famílias com o discurso das
lideranças, sobretudo daqueles membros das famílias analisadas
anteriormente, havendo reconhecimento por parte de todo o assentamento
destas pessoas como sendo seus líderes. Como resultado, há uma espécie de
reprodução das relações de patronagem no interior desse assentamento,
devido à diferença de capital político e financeiro dessas lideranças, ocorrendo,
assim, uma "dependência" dos assentados, principalmente dos ex-bóias-frias,
em relação aos líderes, particularmente dos administradores da cooperativa de
mão-de-obra122.
5.4.3. Atividades produtivas e relação com o mercado
As principais atividades produtivas no P.A. Renascer estão relacionadas com a agropecuária, porém o assalariamento do chefe da família é, de certa forma, expressivo nesse assentamento. De acordo com a Tabela 30, cerca de 14,2% das famílias assentadas têm como uma das fontes de renda o assalariamento de algum de seus membros. Soma-se a este fato a permanência dos vínculos com as antigas atividades exercidas por alguns assentados na cidade e que pode não estar computado nos dados da Tabela 30, por não serem, necessariamente, assalariados.
Essas atividades extra-assentamento devem ser analisadas
122
Mantém uma relação existente antes da criação do assentamento, onde o trabalho do bóia-fria era
controlado por estes administradores da cooperativa, cuja principal atividade é o agenciamento de
trabalhadores temporários para os grandes produtores rurais do município de Unaí.
119
numa perspectiva como a que ROMEIRO et al. (1994) apresentam, em que as diversas fontes de renda nos assentamentos garantem a sobrevivência e a reprodução enquanto assentado. Os referidos autores, em sua análise, acrescenta que nos lotes onde é menor a capacidade de produção agrícola tendem a ser maiores as fontes de renda não-agrícola, como também podem ser identificados alguns casos no P.A. Boa União e Palmeirinha. Portanto, a
Tabela 30 - Principal atividade dos assentados no P.A. Renascer
Lavoura 28,6% 13 Pecuária 4,8% 2 Lavoura e pecuária 52,4% 24 Lavoura, pecuária e assalariamento do chefe da família 14,2% 6 Total 100% 45 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
análise das famílias assentadas no P.A. Renascer e que mantêm atividades no meio urbano permite inferir que seus lotes são os que
possuem melhores condições de produção, contrariando a afirmação desses autores. Dessa forma, a visão predominante dessas famílias é de incapacidade da pequena produção em gerar suficiente renda agrícola
para a manutenção dos produtores na terra. Para estes, o assentamento não significa a única e principal atividade geradora de renda para a
família, avaliando, inclusive, que, para dar certo um assentamento, os assentados precisam ter outra fonte de renda.
Dentre as atividades agropecuárias desenvolvidas nesse
assentamento, destaca-se a produção de milho, feijão e arroz, com
diversificação na criação de frangos e suínos, conforme os dados da Tabela
31. Segundo o relatório da EMATER, o arroz, apesar de ser uma cultura
extremamente adaptada para essa área e ser importante na composição da
renda de autoconsumo, não tem sido financiado pelo PROCERA-Custeio. O
120
crédito de custeio foi liberado, basicamente, para o cultivo de milho e feijão,
para a pecuária mista, produção de leite e para a venda de bezerros machos
para complementar a renda. Além desses produtos, há também a plantação de
mandioca e cana-de-açúcar destinadas para a alimentação da família e do
gado em épocas de pouca chuva, quando é reduzida a capacidade das
pastagens.
Tabela 31 - Principais produtos do P.A. Renascer
Verduras e frango 23,6% 11 Milho e arroz 28,6% 13 Milho, arroz e leite 9,6% 4 Milho, arroz e queijo 33,4% 15 Outros 4,8% 2 Total 100% 45 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
De forma geral, os assentados seguem o mesmo padrão das atividades produtivas dos demais assentamentos pesquisados, na mesma lógica da pequena produção tradicional do município. Há uma semelhança nas atividades desenvolvidas, no que diz respeito ao padrão tecnológico e na decisão dos produtos a serem cultivados. MEDEIROS e LEITE (1998) chamam a atenção para o fato de que, sendo parte dos assentados, trabalhadores que sofreram com a marginalização no contexto da modernização conservadora, ao chegarem ao assentamento, procuram-se aderir a um modelo produtivista com o receio de "ficar para trás mais uma vez", identificando este padrão com a possibilidade de sucesso.
121
A safra 1998/99 foi a primeira com acompanhamento técnico e
financiada pelo PROCERA-Custeio. Porém, apesar de ser a primeira safra,
alguns assentados já conseguiram estabelecer uma relação mais próxima com
o mercado local, sobretudo aqueles que já desenvolviam atividades comerciais
em Unaí. As famílias que têm na produção de leite a sua principal atividade,
comercializam seu produto diretamente numa fábrica de sorvete, não
dependendo exclusivamente da Cooperativa - CAPUL. Com a facilidade de
transporte próprio e a proximidade da cidade, esses assentados conseguem
alternativas na forma de comercialização da produção. Há também os que
comercializam queijo e frango diretamente na feira municipal, além de outros
que vendem sua produção em Brasília. A diversificação em alguns lotes, como
é o caso daqueles em que se optaram pela criação de aves, é uma decisão
tomada tendo como base a inserção da família no mercado local, sendo
geralmente aqueles assentados que já mantinham relações comerciais nesse
setor, antes mesmo de serem assentados. Não é uma estratégia do
assentamento como um todo, e sim de algumas famílias apenas. No geral, os
produtos financiados pelo PROCERA-Custeio são os mesmos daqueles
cultivados no P.A. Palmeirinha e Boa União.
De modo diferente em relação aos outros dois assentamentos
analisados, no PA Renascer cerca de 71,2% dos assentados comercializam a
produção diretamente na sede do município, segundo os dados da Tabela 32,
destacando-se que esse é o assentamento onde maior índice de assentados
participam da feira livre organizada pela prefeitura e pela EMATER e que
acontece semanalmente. Como demonstram os dados da Tabela 32, cerca de
9,5% do total dos assentados utilizam essa feira para comercializar seus
produtos diretamente aos consumidores, percentual que representa cerca de
15% daqueles que comercializam seus produtos em Unaí.
Tabela 32 - Local de comercialização utilizados pelos assentados do P.A. Re-nascer
No assentamento – via atravessador 14,5% 7
122
Feira livre 9,5% 4 Comércio em Unaí 61,7% 28 Vizinhos do assentamento 4,8% 2 Outros 9,5% 4 Total 100 % 45 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
Numa análise comparativa com os P.A. Boa União e Palmeirinha, os
assentados no P.A. Renascer têm, na localização do projeto, um dos fatores
que possibilitam a sua melhor integração ao mercado, favorecendo a
comercialização de excedentes diretamente na cidade, conseguindo evitar a
ação dos atravessadores. Porém, é a formação social desse projeto de
assentamento, analisado anteriormente, o fator explicativo para essa inserção
diferenciada no mercado local, seja pela maior capacidade produtiva de alguns
lotes, seja pela experiência anterior em atividades comerciais na sede do
município. Dessa forma, a diferença da inserção no mercado entre as famílias
assentadas no P.A. Renascer não é explicada somente pelas condições físicas
dos lotes e pelo potencial de trabalho da família, como no P.A. Boa União e, de
certa forma, no P.A. Palmeirinha, pois o fator principal, no P.A. Renascer, é a
composição social discrepante. A localização é um fator determinante para as
famílias assentadas e que estão inseridas no mercado, através da venda de
excedentes, o que ainda é pouco, quase que somente de milho e queijo; numa
situação semelhante à do P.A. Boa União e à do Palmeirinha123, em termos de
produtos, sistema produtivo e precariedade de infra-estrutura, como
abastecimento de água e energia elétrica em seus lotes.
Tabela 33 - Situação dos assentados do P.A. Renascer frente às linhas de cré-dito
123
Acesso a todas as linhas de crédito 90,5% 41 Não usaram o custeio 9,5% 4 Total 100% 45 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
A situação dessas famílias assentadas diante das diversas linhas de crédito se assemelha aos assentados no P.A. Boa União, com uma regularidade maior do que no Palmeirinha, devido, principalmente, ao momento em que os projetos foram criados. Pelos dados apresentados na Tabela 33, observa-se que 90,5% dos assentados tiveram acesso a todas às linhas de crédito, inclusive à totalidade do PROCERA-Investimento, e que apenas 9,5% dos assentados não fizeram projeto para utilização do Crédito de Custeio. Os assentados que não tiveram acesso a esse crédito não o fizeram devido a problemas de liberação de área a ser desmatada, aguardando autorização do órgão competente. Diferentemente daquelas famílias assentadas no P.A. Palmeirinha, cuja não-utilização dessa linha de crédito está relacionada a uma perspectiva de vida.
123
No P.A. Palmeirinha, a inserção no comércio também não é homogênea a um grupo de famílias que
se inserem no mercado via CAPUL, que se diferencia dos demais.
124
Figura 9 - Estrutura para produção de leite, P.A. Renascer.
125
Dos assentamentos analisados, o P.A. Renascer é o que possui maior
homogeneidade ou regularidade no uso das diversas linhas de crédito, devido
ao rápido processo na liberação dos recursos destinados às diversas linhas de
crédito, seja de implantação, seja de investimento124. Apesar da liberação total
dos recursos destinados para investimento nos lotes, é comum encontrar lotes
ainda com infra-estrutura muito precária, como evidencia a Figura 9, ampliando
ainda mais o contraste entre os lotes nesse assentamento.
5.4.4. Relação com o poder público municipal e as demandas por políti-cas públicas
Pelos dados da Tabela 34, identifica-se que as principais demandas
das famílias assentadas no P.A. Renascer com a prefeitura municipal se
referem ao atendimento na área de saúde, à educação e à abertura e
conservação de estradas. No geral, essa é uma situação semelhante à
encontrada nos outros dois projetos de assentamentos pesquisados,
ressaltando-se algumas particularidades, principalmente no que se refere à
localização e à sua composição social. O que é bastante diferenciado são as
formas como essas demandas são encaminhadas e atendidas, o que reforça a
falta de uma política unificada para os projetos de assentamentos rurais,
ressaltando-se a importância do perfil das lideranças dos trabalhadores e a sua
relação com os órgãos públicos competentes, bem como a sua inserção no
cenário político local.
A assistência à saúde das famílias assentadas no P.A. Renascer é realizada na sede do município; nesse assentamento não há posto de atendimento médico. Apesar de ser uma demanda importante para o assentamento, as famílias consideram o atendimento na cidade satisfatório e em acordo com o INCRA e com a prefeitura, decidiram em não destinar recurso para a construção de um posto de saúde no interior do projeto.
124
No momento da pesquisa de campo, os assentados no P.A Renascer já tinham alcançado o limite de
R$ 7.500,00 do PROCERA-Investimento, enquanto as famílias assentadas no Boa União tinham
recebido apenas uma parcela, e o restante seria dividido em mais etapas.
126
Nesse assentamento, as crianças são transportadas para as escolas públicas na
Tabela 34 - Principais demandas dos assentados no P.A. Renascer com a pre-feitura
Saúde e educação 9,0% 4 Estrada 9,5% 4 Saúde, educação e estrada 76,8% 35 Outros 4,7% 2 Total 100% 45 famílias
Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.
cidade de Unaí, devido à política de nucleação, como foi evidenciado na análise do P.A. Palmeirinha. O transporte escolar passa a ser um dos principais problemas, pois o ônibus, que atendia a várias comunidades rurais, chegava, no momento da pesquisa de campo, a transportar 100 a 110 crianças dessa região. As famílias mais prejudicadas são aquelas que realmente têm no assentamento o local de moradia, ou seja, as que não tem condições de manter os filhos morando na cidade. Em mais essa questão, a conformação social deste projeto proporciona uma diferenciação no acesso a serviços básicos como saúde e educação. As famílias das principais lideranças não moram no assentamento, portanto não necessitam desse tipo de serviço no interior do projeto, para os quais as prioridades são as políticas vinculadas à produção dos lotes.
A demanda por estradas se refere sobretudo à abertura e conservação
das vias de acesso aos lotes, pois o acesso à região onde se localiza o projeto
127
é facilitado não só pela proximidade da sede do município, mas também pela
importância dessa estrada, que é a principal ligação da cidade com outras
comunidades rurais. Diferentemente dos dois assentamentos analisados
anteriormente, esse parece ser um problema menor.
O atendimento às demandas do poder público municipal possui relação
com o tipo de contato entre os atores políticos locais e as lideranças do
assentamento e de como eles se inserem no cenário político municipal, como
observado nos outros assentamentos pesquisados. A relação entre esse
assentamento e a administração pública municipal é diferenciada daquela
analisada para o P.A. Palmeirinha, sobretudo devido ao tipo de relação
estabelecida entre as principais lideranças desse assentamento e os políticos
locais. Se naquele as lideranças assumem posições a favor do prefeito,
especificamente em época eleitoral, tendo como resultado a nomeação de
assentado na Diretoria de Reforma Agrária da Secretária Municipal de
Agricultura, neste ocorre o contrário. O ex-presidente da Associação e principal
líder do P.A. Renascer possui vínculos com o grupo político de oposição à atual
administração municipal. Esse assentado já foi candidato a vereador e se
tornou importante apoiador da candidatura de contraponto ao prefeito na última
eleição para deputado. Nesse aspecto, ocorreu uma situação semelhante à
encontrada no P.A. Boa União, onde os próprios assentados afirmaram que a
relação com a prefeitura se estremeceu após as eleições para deputado, em
1998125.
O INCRA e a prefeitura recebem grande credibilidade como principais
mediadores após a implementação do projeto de assentamento. Na Tabela
27126, mostra-se que 90,5% dos assentados afirmam que o INCRA e a
prefeitura são as principais referências para o desenvolvimento do projeto.
Para a prefeitura, as demandas são especificamente na área de saúde,
educação e conservação de estradas, como evidencia os dados da Tabela 34.
Contudo, as relações prioritárias, aquelas que estão relacionadas com a
produção, como as diversas linhas de crédito, se estabelecem com o INCRA,
125
Estas questões estavam sempre presentes nas avaliações das famílias assentadas, visto que o
trabalho de campo foi realizado poucos meses após essa eleição.
126 Na Tabela 27, página 105, mostram-se os principais mediadores no P.A. Renascer, nos momentos da
ocupação do acampamento e após a criação oficial do projeto.
128
sendo, na maioria das vezes, mediada pela diretoria de reforma agrária da
prefeitura. A associação é a única mediadora entre os assentados e esses
órgãos governamentais; em que pese a pouca aproximação das lideranças
dessa associação com a prefeitura, seu trabalho é definido a partir dessas
relações.
Apesar de neste assentamento ter sido identificada a maior
proximidade entre assentados e MST, esse movimento não mantém nenhum
vínculo com o projeto, e sua participação foi importante na capacitação das
lideranças, sendo que, a partir de sua criação, não se constituiu em importante
mediador na organização do assentamento. Como no P.A. Boa União a
participação do movimento sindical se deu de forma significativa somente no
momento do acampamento, não se constituindo em mediador dos assentados
no que diz respeito a questões referentes à viabilização do projeto.
Pode-se afirmar que a vinculação inicial com o MST não evitou a
cooptação das lideranças do assentamento por grupos políticos tradicionais,
transformando-os em interlocutores com os demais assentados. É uma ação
estratégica dos chefes políticos locais na garantia de relações clientelísticas
com esses novos atores, visando principalmente ao período eleitoral. Com isso,
nesse assentamento, como nos demais analisados, ocorreu o processo
politizado/politizador, através do qual o trabalhador chega ao assentamento, o
que não significou a continuidade de uma ação com concepções mais amplas e
transformadoras, com relação à ordem social, contrariando, de certa forma, a
perspectiva de ESTERCI (1992). Esta análise pode ser explicada pela falta da
ação de mediadores políticos e ideológicos, que possibilita a continuidade de
um projeto mais amplo, evitando que os assentamentos reproduzam as
mesmas relações entre chefes políticos locais e as comunidades de pequenos
produtores tradicionais.
A seguir serão apresentadas algumas considerações sobre a ação dos
mediadores e sobre o processo de construção das ações coletivas envolvendo
a luta pela terra no município de Unaí. As diferenças entre as formas de
integração dos três assentamentos analisados com o poder público municipal e
o INCRA serão apontadas como reflexões das diferentes trajetórias percorridas
pelos assentados, bem como pela influência das lideranças que ganham
expressão num contexto em que a questão do acesso à terra já foi resolvida.
129
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: AS CONTRADIÇÕES POLÍTICAS DA LUTA PELA TERRA E A CONSOLIDAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS
NO MUNICÍPIO DE UNAÍ
Como foi observado ao longo deste trabalho, todo o processo de luta
pelo acesso à terra e pela consolidação do assentamento é caracterizado pela
presença de agentes de mediação. Segundo NOVAES (1994), a necessidade
de mediação se dá devido a diferenças culturais e assimetrias econômica e
política entre grupos sociais. Os mediadores, segundo essa autora, "se
propõem a ser ponte, estar entre, fazer meio de campo. Fazer mediação é
traduzir e, ou, introduzir falas, linguagens...". Nesse sentido, identificaram-se
distintas formas de mediação no processo de implementação de
assentamentos rurais, principalmente entre os trabalhadores assentados e os
diversos órgãos governamentais. A referida autora afirma, também, que a
mediação pode funcionar para o bem ou para o mal, para a reprodução ou para
o questionamento da dominação. Portanto, seria equivocado usar o termo
mediador somente para classificar agentes ou organizações que se colocam
ideologicamente ao lado dos trabalhadores e que, em seus objetivos, se
propõem a contribuir com a organização política desses indivíduos, como é o
caso do MST, CPT e Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais (MSTR).
Esses se referem a um tipo de mediação, mas não a única forma possível. O
Estado, através de seus diversos órgãos e técnicos, também pode-se
130
conformar em uma estrutura de mediação, com um caráter bastante distinto
daqueles, como é o caso dos técnicos da EMATER ou até mesmo das
prefeituras, sobretudo no processo de consolidação do assentamento.
No momento da luta pela conquista da terra, seja pela resistência de
antigos moradores, seja através de ocupações de latifúndios improdutivos, há
uma articulação entre os interesses individuais desses trabalhadores, que
objetivam o acesso à terra, e as condições estruturais e conjunturais, que,
interpretadas e articuladas pelos mediadores, definem esse momento como
uma forma de ação coletiva. O perfil da ação coletiva praticada pelos
movimentos sociais, especificamente os movimentos sociais vinculados à luta
pela terra, pode ser caracterizado, com base em MELUCCI (1996), pela
solidariedade entre seus membros, pela explicitação do conflito e pela ruptura
dos limites impostos pelo sistema social formal, principalmente pelas
ocupações de terra. Baseando na desigualdade estrutural entre capital e
trabalho, OFFE (1984) afirma que a ação coletiva é uma condição fundamental
no processamento de interesses dos trabalhadores. É nesse sentido que
FERREIRA NETO (1999) argumenta que, em relação à luta pela reforma
agrária, a ação coletiva se apresenta como única alternativa para que os
trabalhadores possam ter acesso à terra. Tal perspectiva reforça a importância
da presença e atuação de mediadores sociais como elementos aglutinadores
de interesses diferenciados no processo de constituição da ação coletiva.
Empiricamente, nos casos estudados, percebeu-se que houve a
formação de uma identidade social entre os atores protagonistas da luta pela
terra em Unaí, seja pelos moradores e parceiros da Fazenda Saco Grande,
seja pelos trabalhadores sem-terra que ocuparam as Fazendas Campinas e
São Paulo, a partir das quais foram criados os projetos de assentamentos
Renascer e Boa União, respectivamente. Nesse processo, a ação de
determinados mediadores sociais como a Igreja Católica, o MST e o MSTR foi
decisiva na organização da luta pela terra, na construção da ação coletiva dos
trabalhadores rurais em defesa de um interesse comum, o acesso à terra.
A compreensão dos processos sociais que levaram os trabalhadores
rurais a participarem de ações coletivas de resistência, como no caso do P.A.
Palmeirinha, ou de ocupações como nos assentamentos Renascer e Boa
União, envolve o estabelecimento de relações entre as condições de exclusão
131
e subordinação em que esses trabalhadores viviam com um conjunto de
elementos de ordem conjuntural, com a existência de mediadores e o contexto
político geral do país. Nos três casos analisados, a conjuntura política vivida
pelo país no momento dos conflitos foi fator importante para a ação desses
trabalhadores. A luta dos posseiros pela criação do P.A. Palmeirinha, na
década de 80, deu-se no contexto da redemocratização do país e da ascensão
da reforma agrária, sobretudo na formulação do I PNRA e da elaboração da
Constituição promulgada em 1988. As ações empreendidas pelos
trabalhadores sem-terra para implementação do P.A. Renascer e do P.A. Boa
União, na década de 90, mais precisamente após 1995, aconteceram quando a
luta pela reforma agrária ganhava maior visibilidade e já existia uma ação mais
decisiva dos mediadores da luta pela terra, especialmente o MST127.
A ação desses trabalhadores no sentido da conquista do acesso à terra
passa necessariamente por um processo de construção não só de organização
de suas ações coletivas, mas de sua identidade e de seus interesses. É nesse
sentido que FERREIRA NETO (1999) argumenta que o encaminhamento das
demandas dos trabalhadores, particularmente a demanda pelo acesso à terra,
envolve um processo de construção de identidade, no caso a identidade "sem-
terra", que é articulada pelos mediadores como elemento de garantia da
coesão do grupo nos momentos de acirramento do conflito. Esse autor afirmou,
com base em OLIVEIRA (1976), que a identidade social é uma forma de
representação e perpassa pelo universo de determinado grupo de indivíduos,
construído e mediado por um conjunto de representações e contradições
estruturais. Assim, é nesse processo que os trabalhadores se afirmam
enquanto "sem-terra" e lutam pela desapropriação dos latifúndios improdutivos,
expondo um conflito estrutural128, que é a concentração fundiária nas mãos de
uma restrita parcela da sociedade.
Após a conquista da terra, contudo, novas questões e novos interesses
se manifestam e, nesse sentido, novas identidades devem ser criadas como
127
Sobretudo devido à realização do acampamento Palmital/Barriguda, fato esse relacionado com a
estratégia de ação do MST perante uma conjuntura de maior pressão sobre o governo federal.
128 Para MELUCCI (1996), o conflito que possibilita a emergência da ação coletiva é definido pela
manifestação de circunstâncias em que os adversários sociais incorporam, na avaliação da disputa, o
caráter antagônico de seus objetivos e das relações e dos meios de produção social que afirmam e
defendem.
132
forma de garantir coesão, organização e a construção de novas ações coletivas
nesse processo, que também envolve a ação de mediadores, ainda que estes
não sejam aqueles presentes nos momentos de ocupação de terras e de
resistência à expulsão. Em relação aos três assentamentos pesquisados, a
partir da implementação dos projetos há a explicitação da diversidade de
interesses que antes estavam aglutinados pelo interesse coletivo do acesso à
terra. Para os mediadores, além da questão política mais ampla e das relações
entre os assentados e o Estado, aparecem os aspectos referentes à produção
no assentamento, o que atribui ao INCRA e ao poder público municipal um
papel privilegiado na estrutura de mediação. O interesse aglutinador
representado pela terra, no momento da ocupação e do acampamento, é
ultrapassado por interesses e opções de cada família na consolidação do
projeto de assentamento e na organização de seu próprio lote. Todo esse
processo é potencializado pelas diversas trajetórias e experiências dos
trabalhadores rurais assentados, fazendo com que a coesão em torno da luta
pelo acesso à terra se transforme, agora, numa diversidade de expectativas de
cada uma dessas famílias, no que diz respeito à nova vida e à sua própria
terra, ocorrendo, assim, conflitos entre os diferentes interesses, sonhos e
perspectivas de vida de cada assentado.
Há claramente, em todos os três casos estudados, um descompasso
ou descontinuidade entre o momento da luta pela terra e o momento que se
segue à implementação dos projetos. Antes de serem assentados ocorre a
identificação desses trabalhadores com uma identidade social em torno do que
se pode denominar "sem-terra". Nos casos estudados, deixar a condição de
"sem-terra" significou, com o acesso ao lote, aproximar-se de outra categoria, a
de pequenos produtores, o que ficou evidenciado pela forma de organização da
produção, inserção no mercado e como esses trabalhadores se
autodenominam em suas associações e, até mesmo, pelo dilema da
representação política.
Com isso, é um desafio para os mediadores, como o MST e o MSTR, a
continuidade da organização social em que a identidade do "sem-terra" seja
referência nas ações desses trabalhadores, nesse novo contexto em que eles
já conseguiram o acesso à terra. Com a explicitação de novos interesses e a
intervenção de novos mediadores, a exemplo dos responsáveis pela
133
assistência técnica, o INCRA e a prefeitura, há a possibilidade de perda da
identidade sem-terra/assentado e também do elo entre estes e a estrutura de
mediação até então em evidência. Além do aumento das demandas e do
surgimento de novos interesses individuais após a conquista da terra, nos
assentamentos estudados a fragilidade política do MSTR, o afastamento do
MST e a nova conformação institucional do INCRA potencializaram a
reestruturação do processo de mediação e, por conseqüência, da construção
de uma identidade desses trabalhadores.
As associações constituídas nos assentamentos, além de não
expressarem a condição de assentados, de beneficiários de um processo de
luta por reforma agrária e sim de pequenos produtores, têm conduzido ações
que possuem perfil diferenciado daquele caracterizado pelas associações de
trabalhadores assentados, principalmente daquelas vinculadas ao MST em
diversas regiões do país. Suas ações são mais orientadas por agentes e
condições externas do que pelas características do grupo de assentados. O
planejamento para questão da produção no assentamento e as definições de
prioridades são orientados, por exemplo, pelos técnicos da EMATER e da
CAPUL. Não há mais ação que possibilite o rompimento dos limites de relações
sociais, pelo contrário, há manutenção e a tentativa de enquadramento dos
assentados na estrutura existente em nível do município. Não há, por exemplo,
ação coordenada pela associação, no sentido de romper com o modelo
tecnológico dominante, de se quebrar a estrutura tradicional de
comercialização, bem como de representação política, em razão da distância
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Além disso, a demanda pela criação da
associação nem sempre parte da necessidade dos próprios assentados, mas
sim de um requisito imposto pelo INCRA como condição para que o assentado
tenha acesso a determinadas linhas de crédito do PROCERA.
Foi possível, contudo, identificar uma tendência em aumentar a
participação formal dos assentados no STR; a condição de assentado e a sua
participação na associação do assentamento não têm feito com que eles
deixem o sindicato, e muitos daqueles que anteriormente não eram
sindicalizados passaram a ser durante o processo de conquista da terra.
Mesmo assim, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais tem sofrido diminuição do
134
seu reconhecimento como mediador após a implementação do assentamento,
apesar da ampliação do número de trabalhadores formalmente filiados.
O aumento significativo dos projetos de assentamento em Unaí vem
proporcionando uma realidade - política e econômica - nova na estrutura da
representação sindical dos trabalhadores rurais. O STR, apesar de ter sido
criado em um momento de luta pela posse da terra no município, durante o
conflito na Fazenda Saco Grande, teve todo o seu trabalho, ao longo das
últimas duas décadas, voltado basicamente para a defesa dos direitos dos
trabalhadores assalariados. Com as conseqüências da modernização agrícola,
diminuindo sensivelmente esse segmento do meio rural e aumentando o
número de trabalhadores volantes - bóias-frias -, e também com o aumento do
número de assentados, a base desse sindicato passou a ser
fundamentalmente de bóias-frias e assentados. A novidade é que essa
entidade começa a enfrentar desafios de mediação em questões relativas a
produção, crédito, comercialização e outras relacionadas com a dinâmica do
sistema produtivo nos assentamentos. Portanto, é a presença de mediadores
comprometidos ideologicamente com a organização política dos assentados,
principalmente daqueles que atuam em redes estadual e nacional, que
possibilita a relação entre uma questão local e os interesses mais globais. Para
PALMEIRA e LEITE (1997), a inserção dos STR's numa estrutura vertical e
nacional, no caso as federações estaduais de trabalhadores na agricultura e a
CONTAG, minimiza os riscos de absorção dos sindicatos pelos esquemas
clientelísticos tradicionais. No município de Unaí, a fragilidade dos mediadores
sociais, entendidos como instituições e movimentos sociais envolvidos no
processo de organização dos trabalhadores rurais, tem permitido que as
relações entre as lideranças do assentamento com os técnicos governamentais
e com o poder público local sejam, demasiadamente, particularizadas e
definidas pela inserção dessas lideranças no cenário político local. O tipo de
relação dos líderes com a EMATER, o INCRA e a prefeitura define a qualidade
da ação dessas instituições no atendimento das demandas dos assentamentos
ou até mesmo de grupos específicos em detrimento de outros num mesmo
projeto, perdendo totalmente a unidade de ação. Foi possível presenciar, em
vários momentos, atritos entre lideranças de diferentes assentamentos, em que
o que parecia estar em jogo era a maior proximidade com os técnicos do
135
INCRA, numa verdadeira disputa por espaços políticos. Assim, é comum nos
assentamentos desse município a realização de festas com o intuito de
homenagear técnicos e dirigentes de órgãos governamentais, como forma de
fortalecer as relações entre determinado assentamento, ou de suas lideranças,
e esses órgãos do governo, especialmente o INCRA.
Para NOVAES (1994), é importante conhecer e analisar a trajetória
individual das lideranças, evidenciando-se a articulação entre singularidades e
o processo de construção dos movimentos, para se compreender o processo
de mediação, sobretudo da mediação interna, bem como das diretrizes
políticas que marcam as relações com os mediadores externos. Assim, o
surgimento das lideranças e o papel atribuído a elas são fundamentais para
entender o exercício da mediação, bem como do processo de diferenciação
entre os indivíduos envolvidos na ação coletiva antes da criação do projeto,
como também a seqüência do processo de consolidação do assentamento.
Dessa forma, o papel assumido pelas lideranças do assentamento é um fator
que diferencia a inserção social e política dos projetos nos cenários municipal,
estadual e nacional.
A ação das lideranças em incorporar uma identidade defendida e
afirmada pelo restante do grupo contribui para a contínua construção ou a
reconstrução dessa identidade. A diferenciação entre os diversos atores da
ação e as lideranças, ou seja, entre os assentados e seus líderes, dá-se pela
maior capacidade tanto para interpretar as condições conjunturais quanto para
expressar os anseios e interesses do grupo do qual fazem parte. Para
Bourdieu, "a concentração do capital político nas mãos de um pequeno grupo é
tanto menos contrariada e, portanto, mais provável, quanto mais desapossados
de instrumentos materiais e culturais necessários à participação ativa na
política estão os simples aderentes - sobretudo o tempo livre e o capital
cultural" (BOURDIEU, 1989:164).
Dessa forma, pode-se identificar algumas das principais lideranças dos
trabalhadores assentados como portadores de melhor condição financeira, o
que lhes permite mais tempo "livre", ou disponível, para permanecer na cidade,
trabalhando politicamente, articulando e se relacionando com outros atores
políticos. O maior capital político dessas lideranças faz com que elas sejam
inseridas, de forma bastante orgânica, no quadro político municipal, haja vista
136
as suas candidaturas à Câmara Municipal e pelo cargo de diretor de reforma
agrária da prefeitura, ocupado por um desses líderes. Fatores como esses têm
evidenciado a diferença do atendimento às demandas entre os projetos em que
suas lideranças são inseridas na política local, como ocorre nos P.A. Renascer
e Palmeirinha.
MELUCCI (1996) afirma que o processo de socialização e
aprendizagem no exercício da liderança é vinculado à existência de redes de
solidariedade, que fornecem as bases materiais e simbólicas necessárias à
emergência do líder. Nesse sentido, a ação do MST na organização do
acampamento Palmital/Barriguda deve ser entendida como referência na
capacitação das lideranças das ocupações das fazendas Campinas (P.A.
Renascer) e São Paulo (P.A. Boa União). Por suas trajetórias de luta pela terra
e forma de ação, através da ocupação, essas lideranças expressavam a
identidade do grupo, vinculado à categoria sem-terra. Contudo, após a etapa
de conquista da terra, os líderes perderam a capacidade de referência e
aglutinação do grupo em torno da categoria sem-terra, que passa agora a
buscar nova identidade de produtores rurais. Assim, o papel de outras
lideranças, com capacidades sociais e técnicas, sobressai, expressando-se
expectativa diferenciada daquela inicial, como é o caso da nova liderança no
P.A. Renascer, que se destacou pelos contatos com políticos locais e pela sua
condição financeira, representando, com seu discurso, a perspectiva de que os
assentados, de agora em diante, são "fazendeiros" e não mais sem-terras, ou
seja, nesses dois projetos de assentamentos, por motivos diferentes, começam
a surgir líderes através de outras redes, que não a luta política e ideológica
pela reforma agrária. São essas redes, formadas sobretudo pelos políticos
locais, que propiciam o treinamento e a experiência exigidos para o exercício
dessas novas lideranças, além das recompensas, sob a forma de incentivos,
reconhecimento, apoio e prestígio129.
Dessa forma, os assentamentos tornam-se objetos de interesse local, a
partir da possibilidade de se constituírem em novo "locus" de reprodução de
relações de patronagem. REIS (1988) aponta que a centralidade da
129
O apoio e o prestígio podem ser em forma de oferecimento de cargos, como no caso do diretor de
reforma agrária, ou simplesmente sendo o porta voz de determinado grupo político tradicional entre os
assentados, através, inclusive, de candidaturas a vereador.
137
patronagem nos municípios brasileiros leva a uma identidade social altamente
politizada, entendida como tal a valorização do poder do voto, uma vez que
este é visto como moeda de troca para atendimento das suas demandas, como
saúde, educação e estradas, ou de apoio de caráter mais geral. A partir do
momento em que o trabalhador rural passa a ser objeto de políticas públicas,
especificamente no caso dos assentados, ocorre o esvaziamento das funções
de mediação entre o trabalhador rural e o Estado, exercido pelos grandes
proprietários. Com a criação dos projetos de assentamentos, diminui-se a
importância dos chefes locais como mediadores, havendo a necessidade do
surgimento de novos mediadores (PALMEIRA e LEITE, 1997).
Esses autores ainda afirmam que a implementação de assentamentos
rurais requer um rearranjo institucional em nível municipal, para atender às
novas demandas. No caso do município de Unaí, o grande número de
assentamentos rurais proporcionou a criação da Diretoria de Reforma Agrária.
A criação desse novo órgão do governo municipal deve ser analisada sob a
perspectiva de adequação da estrutura da prefeitura para atender às novas
demandas, principalmente num contexto mais geral, cuja possibilidade de
descentralização da política de reforma agrária ganha destaque. Isso foi
também uma forma encontrada pelos atores políticos locais para
permanecerem como a principal referência política no processamento dos
interesses dos assentados. A partir da criação de projetos de assentamentos,
quando estes trabalhadores assentados passaram a ser objeto de políticas
públicas, surgiu a necessidade do estabelecimento de novos patamares para a
relação entre o poder público municipal e esses "novos atores políticos". Os
antigos mediadores tradicionais, como os proprietários rurais e os chefes
políticos locais, passaram a depender da inserção que possuem em
determinados postos da máquina do Estado para continuar a exercer o controle
sobre suas clientelas. Enfim, a Diretoria de Reforma Agrária se estabeleceu
como um redimensionamento das ações do poder local perante essa categoria
no meio rural do município.
Isso faz com que em Unaí a questão da reforma agrária seja vista, de
certa forma, como um problema municipal - os assentamentos são sempre
lembrados ou analisados como "os assentamentos de Unaí", como se
estivessem isolados do contexto da luta pela reforma agrária nacional. Há um
138
pacto entre todos os setores da sociedade local em torno do desenvolvimento
dos assentamentos, cuja preocupação maior tem sido a imagem do município,
por ser o que congrega, em seus limites, o maior número de projetos
implementados em todo o Estado de Minas Gerais. Assim, diversos setores se
vestem de uma roupagem de apoio, negando as contradições ou os conflitos
inerentes à reforma agrária. Isso ficou evidenciado através dos resultados do I
Encontro dos Assentados e Acampados no Município de Unaí, onde,
deliberadamente, foram deixadas de lado todas as contradições sociais e
políticas que o processo de reforma agrária expõe. Tal fato também foi
observado ao longo de todo o trabalho de campo, em que raramente foi
explicitado o conflito entre esses diversos setores sociais. Somente as pessoas
"de fora", como o representante da FETAEMG, e outras que "estão de fora" do
pacto, como o ex-presidente do STR de Unaí, é que expressaram, em suas
entrevistas, os conflitos entre os trabalhadores rurais, particularmente os
assentados, e o poder local. A atuação da Diretoria de Reforma Agrária como
principal mediadora entre o INCRA e os assentados, bem como o afastamento
do STR da FETAEMG e sua atuação prioritária de negociação com os órgãos
públicos, propiciam uma suposta "aliança em torno do desenvolvimento dos
projetos de assentamentos".
Em outros municípios, como Paracatu, a criação de assentamentos
tem proporcionado outros tipos de relações com a sociedade. Há a participação
de organizações não-governamentais ligadas à Igreja Católica, além da
presença direta do pólo regional da FETAEMG; segundo o diretor desta
entidade, os assentados tiveram participação importante na eleição do prefeito
atual, eleito por um partido de esquerda, significando a saída de uma elite
tradicional do poder municipal. Já em Unaí, talvez pelas características da
cultura política local, mas principalmente devido à estrutura de mediação
existente, os assentamentos não têm possibilitado tal contraposição com as
elites tradicionais; pelo contrário, há atualmente uma relação de convivência e
de alianças entre esses setores, o que esconde os conflitos inerentes à reforma
agrária, entendida como política que possibilita a transformação social não só
pelo acesso à terra, mas por propiciar novas formas de organização social e de
resgate dos direitos desses cidadãos.
139
Concluindo, o processo de implementação de assentamentos rurais,
como concretização da luta pela reforma agrária, é sem dúvida um elemento
dinamizador das relações sociais em nível local, como apresentado na hipótese
inicial deste trabalho. Contudo, é o perfil da ação dos agentes de mediação que
irá definir de que forma se dará essa dinamização e quais serão suas
conseqüências. É a atuação de mediadores sociais, organizados em rede,
transformando ou inter-relacionando as questões locais em globais, além do
papel fundamental na capacitação das lideranças não só para a organização
da luta pelo acesso à terra, mas também e, principalmente, com a possibilidade
de descentralização para atuação em questões que se referem à consolidação
do projeto, que possibilita a ruptura do poder tradicional através do processo de
criação de assentamentos rurais, a começar pelo rompimento de relações de
dominação e subordinação que ocorrem nos municípios.
140
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147
APÊNDICE
148
APÊNDICE
Tabela 1A - Projetos de assentamentos rurais implementados na região noro-este de Minas até 1999
Projeto Município Ano de criação
Famílias Área (ha) Apoio
Mimoso Arinos 1989 59 5.021,00 FETAEMG Rancharia Arinos 1997 50 1.511,84 FETAEMG Riacho Claro Arinos 1997 62 3.866,54 MST Grande Borá Arinos 1998 25 1.221,79 Não Consta Caiçara Arinos 1998 30 1.588,94 Não Consta Carro Quebrado Arinos 1998 42 1.529,60 Não Consta Santa Terezinha Arinos 1998 38 1.452,94 Não Consta Santo Antônio Arinos 1998 43 1.321,60 Não Consta Assa Peixe Bonfinópolis 1992 51 3.861,00 FETAEMG Mamoneiras Bonfinópolis 1995 35 1.632,00 FETAEMG Saco do Rio Preto Bonfinópolis 1995 66 2.474,00 FETAEMG Vida Nova Buritis 1996 64 4.490,00 MST Mãe das Conquistas Buritis 1997 60 4.681,88 MST Nova Itália Buritis 1997 14 939,84 MST Vila Rosa Buritis 1998 26 853,48 Não Consta Capão do Mel Formoso 1997 80 3.280,00 Não Consta Fruta D'anta João Pinheiro 1986 220 18.731,00 FETAEMG Floresta João Pinheiro 1996 77 6.251,00 FETAEMG Formiga João Pinheiro 1998 15 1.006,35 Não Consta Nova Esperança João Pinheiro 1998 48 3.419,50 Não Consta Barreiro do Cedro João Pinheiro 1998 100 6.243,88 Não Consta Aliança e Progresso Lagoa Grande 1996 52 3.429,00 FETAEMG Barreirão Lagoa Grande 1996 27 803,00 FETAEMG Nova Conquista Lagoa Grande 1996 64 2.038,00 FETAEMG Feliz União Lagoa Grande 1997 38 2.509,01 FETAEMG Mangal Natalândia 1997 75 2.400,00 FETAEMG
Continua...
149
Tabela 1A, Cont.
Projeto Município Ano de criação
Famílias Área (ha) Apoio
Nova Lagoa Rica Paracatu 1996 111 5.200,00 FETAEMG Aracaju Paracatu 1997 14 533,00 FETAEMG Herbert de Souza Paracatu 1997 75 3.434,00 FETAEMG Tiro e Queda Paracatu 1997 25 879,79 FETAEMG XV de Novembro Paracatu 1997 75 3.744,00 FETAEMG Santa Rosa Paracatu 1998 60 2.827,00 Não Consta Buriti da Conquista Paracatu 1998 71 4.586,28 Não Consta Prata dos Netos Pres. Olegário 1991 21 976,00 FETAEMG Santo Antônio Pres. Olegário 1997 173 8.857,00 FETAEMG Santa Maria Pres. Olegário 1998 40 4.906,15 Não Consta Palmeirinha Unaí 1986 183 6.146,00 FETAEMG Bálsamo Unaí 1987 63 3.281,00 FETAEMG São Pedro Cipó Unaí 1992 80 5.280,00 FETAEMG S. Clara Furandinho Unaí 1995 30 1.293,00 FETAEMG Boa União Unaí 1996 100
4.667,00 FETAEMG
Renascer Unaí 1996 45 1.515,00 FETAEMG Campo Verde Unaí 1997 41 2.330,31 FETAEMG Nova Califórnia Unaí 1997 41 2.080,00 FETAEMG Paraíso Unaí 1997 77 3.915,00 FETAEMG Vazante Unaí 1998 50 2.304,00 MSTR Barrerinho Unaí 1998 45 3.941,99 MSTR Brejinho Unaí 1998 104 3.119,00 MSTR Canabrava Unaí 1998 16 509,70 MSTR Jibóia Unaí 1998 55 1.648,61 MSTR Santa Marta Unaí 1998 60 2.345,48 MSTR São Miguel Unaí 1998 29 1.193,00 MSTR
Fonte: INCRA-MG (SR-06) e INCRA-DF (SR-28).
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