UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
(UNIOESTE)
CAMPUS DE TOLEDO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA STRICTO SENSU EM
DESENVOLVIMENTO REGIONAL E AGRONEGÓCIO
FLÁVIO DE MATOS ROCHA
CONSÓRCIO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E
DESENVOLVIMENTO LOCAL (CONSAD): ANÁLISE DE
MÚLTIPLOS FLUXOS DO CONSAD IGUATEMI-MS
TOLEDO - PR
2012
FLÁVIO DE MATOS ROCHA
CONSÓRCIO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E
DESENVOLVIMENTO LOCAL (CONSAD): ANÁLISE DE
MÚLTIPLOS FLUXOS DO CONSAD IGUATEMI-MS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em
Desenvolvimento Regional e
Agronegócio da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – Campus de Toledo,
como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre.
Orientadora:
Profª. Drª. Zelimar Soares Bidarra
TOLEDO – PR
2012
Catalogação na Publicação elaborada pela Biblioteca Universitária
UNIOESTE/Campus de Toledo.
Bibliotecária: Marilene de Fátima Donadel - CRB – 9/924
Rocha, Flávio de Matos
R672c Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento
Local (CONSAD) : análise de múltiplos fluxos do CONSAD
Iguatemi-MS / Flávio de Matos Rocha. – Toledo, PR : [s. n.],
2012.
156 f.
Orientadora: Profa. Dra. Zelimar Soares Bidarra
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional e
Agronegócio) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
Campus de Toledo. Centro de Ciências Sociais Aplicadas
1. Segurança alimentar – Iguatemi-MS 2. Política
alimentar – Iguatemi-MS 3. Nutrição – Aspectos políticos 4.
Políticas públicas 5. Desenvolvimento regional EI. Bidarra,
Zelimar Soares, Orient. II. T
CDD 20. ed. 338.198171
363.8098171
4
FLÁVIO DE MATOS ROCHA
CONSÓRCIO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E
DESENVOLVIMENTO LOCAL (CONSAD): ANÁLISE DE
MÚLTIPLOS FLUXOS DO CONSAD IGUATEMI-MS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em
Desenvolvimento Regional e
Agronegócio da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – Campus de Toledo,
como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre.
COMISSÃO EXAMINADORA
Orientadora: Drª. Zelimar Soares Bidarra Universidade Estadual do Oeste do Paraná/
Campus de Toledo
Dr. Antonio César Ortega
Instituto de Economia/Universidade Federal de Uberlândia
Dr. Jefferson Andronio Ramundo Staduto Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE/ Campus de Toledo
Toledo, 24 de maio de 2012
À família e aos amigos,
por acreditarem nos meus sonhos e
mostrar que isto é tudo que preciso
para realizá-los.
6
Agradecimentos
À professora orientadora Zelimar Soares Bidarra, pela construção deste trabalho, pois
não se resumiu a orientações, mas sim, diálogos e aprendizados que me acompanham.
A CAPES e ao Programa de Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Toledo, pelo auxílio financeiro.
Aos amigos da 8ª turma de mestrado, pela convivência, troca de experiência e
aprendizado, por que: “Só existem duas maneiras de uma pessoa aprender: lendo, ou se
relacionando com pessoas mais inteligentes.”.
Aos amigos de caminhada, Bruno Astolphi Montagnhani e Ricardo de Lemos Dutra, há
alguns anos nessa estrada.
Aos amigos que me apoiam mesmo distante: Lucas Cogo Araújo, Gabriel
Gualhanone Nemirovsky e Paulo Vinícius da Silva Raimundo.
Aos amigos que de perto me apoiaram, incentivaram e proporcionou bons momentos:
Nelinho Graef, Vanessa Sala e Alessandra Caumo.
Aos professores do Programa de Desenvolvimento Regional e Agronegócio da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Toledo, não só pelo
aprendizado, mas pelas inspirações e diálogos realizados. Em especial Jandir F. de
Lima, Jefferson A. R. Staduto e Mirian B. S. Braun.
Ao professor Pery F. A. Shikida, que além das contribuições relativas à academia, nos
auxiliou em momentos que precisamos.
À Clarice Theobald Stahl, secretária/assistente do Programa de Desenvolvimento
Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de
Toledo, pela prestatividade de sempre.
Aos integrantes do CONSAD Iguatemi – MS, pela colaboração na pesquisa, em
especial à Hilva Aparecida Silva, que mesmo em face de problemas de saúde viabilizou
a pesquisa.
7
“A alma da fome é política”
(Betinho)
"Se a miséria de nossos pobres
não é causada pelas leis da natureza,
mas por nossas instituições,
grande é o nosso crime"
(Charles Darwin - A Viagem do Beagle)
ROCHA, F. M. Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local
(CONSAD): análise de Múltiplos Fluxos do CONSAD Iguatemi - MS. 2012. 156 f.
Dissertação (Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, Mestrado e Doutorado em
Desenvolvimento Regional e Agronegócio) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Toledo.
RESUMO
O Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD) tem
recebido demasiada ênfase política e acadêmica por ser tratar de uma “novidade” no
campo das políticas setoriais. O CONSAD é caracterizado por uma institucionalidade
diferenciada, se apresenta na interseção da política de segurança alimentar com o
desenvolvimento local e o desenvolvimento territorial, e estabelece como um de seus
princípios a participação institucionalizada da sociedade civil. E não se pode descartar o
potencial destes consórcios como agentes de mudança de estruturas locais arcaicas,
concentradoras de renda e com processos de desenvolvimento excludente. O objetivo
desta dissertação é analisar como surgiu e se institucionalizou o CONSAD enquanto
política pública no contexto da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(PNSAN). Organizou-se o trabalho em três perspectivas. A teórica, através do modelo
de Múltiplos Fluxos, abordando o processo de construção e formação da PNSAN. A
temática, situando a emergência do CONSAD numa perspectiva institucional,
analisando os mecanismos que possibilitaram a consolidação desta Política e de seu
formato - consórcio público que funciona através da estrutura de um conselho gestor. E
a empírica, realizando um estudo de caso do CONSAD Iguatemi - MS. Dentro dos
resultados encontrados tem-se que o alcance dos objetivos do CONSAD Iguatemi - MS
fica sujeito às restrições operacionais, vinculadas à falta de recursos, aos problemas
organizacionais encontrados, alguns advindos da própria estrutura imposta pelo desenho
institucional do programa. A ausência de efetividade da atuação dos seus membros, a
falta de experiência e qualificação dos conselheiros para assumirem funções de controle
e proposição de políticas no Fórum, são consideradas os problemas centrais. Como
conclusão, para enfrentar esses obstáculos faz-se necessário dotar membros e
conselheiros do CONSAD Iguatemi – MS de capacitação para os processos
participativos, de capacitação para entender os mecanismos institucionais do
funcionamento de um Consórcio, de instruí-lo para buscar parcerias e financiamento
para as ações do Consórcio. Outra constatação relevante revela que a ausência do MDS
quer na articulação entre governos estaduais e o Consórcio, quer na liberação de
recursos, limita o desenvolvimento desta política, e se esta ausência se perpetua, corre-
se o risco de se esvaziar esta política.
Palavras-chave: CONSAD, Políticas Públicas, Modelo de Múltiplos Fluxos
9
ROCHA, F. M. Consortium for Food Security and Local Development (CONSAD):
Multiple Stream analysis of the CONSAD Iguatemi -MS. 2012. 156 f. Dissertation
(Program of Pos-Graduate Stricto Sensu, Master in Regional Development and
Agribusiness) - Center of Applied Social Sciences, State University of West of
Paraná – Campus Toledo.
ABSTRACT
The Consortium for Food Security and Local Development (CONSAD) has received
too much emphasis in academic and policy environment as it´s "novelty" in the field of
sectoral policies. The CONSAD is characterized by different institutions, presenting
itself as an intersection between food security policy, local and territorial development,
so that one of its principles includes the participation of civil society. And one cannot
dismiss the potential of these consortia as agents of change in local archaic structures
which concentrates income and development processes. In this way, the objective of
this dissertation is to analyze the origin and the institutionalization of the CONSAD as a
public policy in the context of the National Food and Nutrition Security (PNSAN).
Therefore, this work was organized into three perspectives. The theoretical approach
trough the model of the Multiple Streams, addressing the process of building and
developing PNSAN. The thematic approach, situating the emergence of CONSAD with
an institutional perspective, analyzing the mechanisms that allowed the consolidation of
this policy and its format as a public consortium that runs through the structure of a
management council. And the empirical approach, performing a case study of
CONSAD Iguatemi - MS. Among the research findings is that the achievement of the
objectives of CONSAD Iguatemi – MS is surrounded by operational constraints, related
to lack of resources, organizational problems, some coming from the very structure
imposed by the institutional design of the program. The lack of effectiveness by the
actions of its members, the lack of experience and qualifications of directors to take
control functions, and policy proposals at the Forum, are considered the key problems.
In conclusion, to address these barriers found in this research is necessary to provide
the members and advisors from CONSAD Iguatemi - MS adequate training for
participatory processes, training to understand the institutional mechanisms of the
consortium, training to instruct them how to seek partnerships and funding for the
Consortium. Another relevant observation argues that the absence of MDS both for the
interaction between governments and the Consortium and the release of resources
implicate the risk of limiting the development of this policy.
Key-words: CONSAD, Public Policy, Multiple Stream Model
10
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 – DIMENSÕES E TEMAS ABORDADOS PELO
QUESTIONÁRIO........................................................................................................................27
FIGURA 02 – ESTRUTURA DO PROGRAMA FOME ZERO.................................................66
FIGURA 03 - CONFIGURAÇÃO DO MODELO REFERENCIAL DE ESTRUTURA
ORGANIZACIONAL..................................................................................................................72
FIGURA 04 – FLUXOGRAMA DE FORMAÇÃO DO CONSAD............................................86
FIGURA 05 – MAPA DOS TERRITÓRIOS DO CONSAD IGUATEMI..................................87
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01 – TIPIFICAÇÃO DOS MODELOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS......................38
QUADRO 02 – DIRETRIZES DA POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR
E NUTRICIONAL.......................................................................................................................68
QUADRO 03 – ESTRUTURA DAS RESPOSTAS DA DIMENSÃO
COMPOSIÇÃO.............................................................................................................................98
QUADRO 04 – CLASSIFICAÇÃO DAS ENTIDADES CIVIS SEGUNDO A FINALIDADE
DA ASSOCIAÇÃO....................................................................................................................103
QUADRO 05 – ESTRUTURA DAS RESPOSTAS DA DIMENSÃO
ORGANIZAÇÃO.........................................................................................................................108
QUADRO 06 – ESTRUTURA DAS RESPOSTAS DA DIMENSÃO DINÂMICA
....................................................................................................................................................117
LISTA DE TABELAS
TABELA 01 – POPULAÇÃO E ÁREA DOS MUNICÍPIOS DO CONSAD
IGUATEMI..................................................................................................................................89
TABELA 02 – PRODUTO INTERNO BRUTO DOS MUNICÍPIOS DO CONSAD
IGUATEMI..................................................................................................................................90
TABELA 03 – PRODUTO INTERNO BRUTO DOS MUNICÍPIOS DO CONSAD
IGUATEMI POR SETORES.......................................................................................................90
TABELA 04 – NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS POR GRUPO DE
ÁREA......................................................................................................................................91
TABELA 05 – PRODUÇÃO DE 2008 EM TONELADAS DOS PRINCIPAIS PRODUTOS
AGROPECUÁRIOS DOS MUNICÍPIOS DO CONSAD IGUATEMI......................................93
TABELA 06 – IDH-M, ÍNDICE DE GINI E INCIDÊNCIA DA POBREZA DOS
MUNICÍPIOS DO CONSAD IGUATEMI................................................................................94
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CONSAD Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local
PNSAN Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar
MESA Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
IBAM Instituto Brasileiro de Administração Pública
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
CONDELIS Consórcios de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável
DLIS Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável
DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
CAP Comissariado de Alimentação Pública
SAPS Serviço de Alimentação da Previdência Social
STAN Serviço Técnico de Alimentação Nutricional
CNA Comissão Nacional de Alimentação
COFAP Comissão Federal de Abastecimento e Preços
SUNAB Superintendência Nacional de Abastecimento
INAN Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição
PRONAN Programa Nacional de Alimentação e Nutrição
FAO Organizações das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
FMI Fundo Monetário Internacional
ONU Organização das Ações Unidas
SAN Segurança Alimentar e Nutricional
SISAN Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
EIR Entidades Implementadoras Regionais
PNAD Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
AGRAER Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural
PAIS Produção Agroecológica Integrada e Sustentável
SIMTED Sindicato Municipal dos Trabalhadores em Educação
Sumário
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14
2. POLÍTICAS PÚBLICAS .................................................................................................... 32
2.1. CAMPO DE ESTUDO E O ESTADO DA ARTE NO BRASIL ................................ 33
2.1.1. Modelos de análise de políticas públicas ................................................................ 36
2.2. O MODELO DE MÚLTIPLOS FLUXOS .................................................................. 42
2.2.1. Fluxo de problemas – a entrada de um tema na Agenda ........................................ 45
2.2.2. Fluxo de soluções – a especificação de Alternativas .............................................. 46
2.2.3. Fluxo político – a tomada de decisão...................................................................... 48
3. OS MÚLTIPLOS FLUXOS NA CONSTITUIÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE
SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (PNSAN) ................................................... 51
3.1. A FOME COMO PROBLEMA PÚBLICO: Fluxo de Problemas ............................... 52
3.2. POLÍTICAS DE COMBATE À FOME: Fluxo de Alternativas ................................. 55
3.2.1. Construção do conceito de segurança alimentar: a formação de uma solução para o
problema ................................................................................................................. 58
3.3. O RETORNO DA FOME À AGENDA GOVERNAMENTAL: Fluxo Político ........ 61
3.4. CONVERGÊNCIA DOS FLUXOS: a vontade política .............................................. 63
3.4.1. Projeto Fome Zero .................................................................................................. 64
3.4.2. Estrutura da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) .. 67
3.4.3. Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD) .......... 69
3.4.4. Consórcios públicos ................................................................................................ 73
3.4.5. Conselhos gestores.................................................................................................. 79
4. ESTUDO DE CASO DO CONSAD IGUATEMI .............................................................. 85
4.1. CARACTERIZAÇÃO E PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO .................................... 85
4.2. PROJETOS .................................................................................................................. 94
4.3. ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS, ENTREVISTAS E OBSERVAÇÃO NÃO-
PARTICIPANTE ......................................................................................................... 96
4.3.1. Composição: legitimidade, representatividade e qualificação ................................ 96
4.3.2. Organização: funcionamento e interação .............................................................. 106
13
4.3.3. Dinâmica: formação da agenda, processo deliberativo e impacto ........................ 112
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 122
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 129
APÊNDICE A: QUESTIONÁRIO ........................................................................................... 139
ANEXO A: ESTATUTO DO CONSAD IGUATEMI ............................................................. 144
ANEXO B: TERMO DE COMPROMISSO PARA USO DE DADOS EM ARQUIVOS....... 155
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho se propôs estudar a formação do Consórcio de Segurança
Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD). O ponto de partida reside na
organização do trabalho em três perspectivas e sua análise através de um recorte
específico1. Na primeira perspectiva tem-se o recorte teórico da Análise de Políticas
Públicas, precisamente com a utilização do modelo denominado Multiple Streams
(Múltiplos Fluxos), tendo em vista abordar o processo de construção e formação da
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) a partir das seguintes
questões: fatores, atores e instituições que influenciaram o processo.
Na segunda faz-se uso de um recorte temático, no qual se buscou situar a
emergência do CONSAD numa perspectiva institucional, analisando os mecanismos
que possibilitaram a consolidação desta Política e de seu formato. Na última tratou-se
de analisar um caso específico de CONSAD, via recorte empírico.
Através destas perspectivas, teve-se por objetivo analisar como surgiu e se
institucionalizou o Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local
(CONSAD) no contexto de dada política pública, o da Política Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (PNSAN).
De antemão, faz-se necessário uma abordagem sobre os temas tratados nos
recortes utilizados. Apresenta-se uma visão geral sobre o campo de estudo das políticas
públicas, ponto essencial para se entender o modelo de análise utilizado no caso de um
dos programas da Política de Segurança Alimentar: o CONSAD.
O Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD)
constitui programa que consta na Política Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (PNSAN). É consórcio público que visa à integração entre municípios, isto
é, a interação entre poder público e sociedade civil. O CONSAD está assentado numa
proposta de política permanente, de cunho territorial/local, na busca de ações conjuntas
no que se refere aos problemas locais relacionados à promoção da segurança alimentar.
O conceito de segurança alimentar é amplo, passou por um longo processo de
mudança, embora sua origem esteja relacionada com o problema da fome. Grosso
modo, a mudança do conceito (de fome à segurança alimentar) relaciona-se com as
1 A utilização desses recortes foi inspirada na tese de doutoramento de Caldas (2007). Nela, o referido
autor utiliza-se de tais recortes para dar maior organicidade ao tema tratado, além de, através destes
recortes, almejar a realização de seu objetivo de pesquisa e solucionar a problemática levantada.
15
mudanças da forma como se assimilou a questão da fome enquanto problema público.
Considerando esta mudança conceitual levantou-se uma hipótese para esta dissertação,
qual seja: conforme se muda o diagnóstico do problema da fome, muda-se a visão para
o seu enfrentamento.
É necessário esclarecer que a mudança do diagnóstico de determinado problema
certamente suscita mudanças nas políticas propostas para seu enfrentamento. No
entanto, não foi a mudança em si que moveu esta pesquisa, e sim como ela ocorreu,
como aconteceu este processo. Desse modo, como problema de pesquisa buscou-se
esclarecer: quais fatores ou processos condicionaram a construção do CONSAD
enquanto política pública?
Para responder ao problema e alcançar o objetivo da pesquisa utilizou-se o
recorte teórico da Análise de Políticas, que pode ser considerada como um processo de
produção de conhecimento acerca de processos políticos que norteiam a tomada de
decisão. Para o quê foca-se nas inter-relações existentes no âmbito de uma política
pública. (FREY, 2000; SOUZA, 2006).
A Análise de Política se insere no campo de pesquisa das políticas públicas,
entendida como uma subdisciplina da Ciência Política, das Ciências Sociais. Cabe
ressaltar que embora esteja aí alojada, desde sua criação se constitui num programa de
pesquisa interdisciplinar, criado por cientistas sociais e estudiosos da administração
pública. Depois, desenvolvida por analistas de sistema, físicos, biólogos e economistas,
cada vez mais este campo de pesquisa se constitui numa disciplina compartilhada entre
diversas áreas do conhecimento. Por conta de sua multidisciplinaridade têm-se amplas
possibilidades de abordagens teóricas, modelos ou tipologias de análise advindas de
diversas áreas. (GUERRERO, 1993).
Enquanto se utilizava das técnicas de pesquisa de várias áreas, houve, entre os
estudiosos do campo das políticas públicas, um esforço para criar uma sistematização de
técnicas e métodos próprios, como observa Guerrero (1993, p. 35-36). Dentre as várias
abordagens, pautou-se nesta dissertação em uma vertente analítica que forneceu os
elementos capazes de responder ao problema de pesquisa e possibilitou o alcance do
objetivo proposto.
Propôs-se, assim, a utilização do modelo Multiple Streams (Múltiplos Fluxos), o
qual possibilitou identificar os fatores determinantes que circundaram o modo como as
decisões políticas foram tomadas. Através dele pode-se ter uma dimensão do processo
político que englobou as decisões. A análise processual de uma política, a que se propõe
16
este Modelo, implica em averiguar quais as condições iniciais e como essas condições
se refletem nos resultados esperados de uma política.
Considerando que a estrutura de uma política pública contém um processo
político, a sua análise implica em identificar possibilidades, restrições e distorções que a
afetaram. Verificar as condições institucionais, os movimentos políticos e a interação
entre sociedade e o Estado, permite entender o contexto em que as políticas são geradas
e quais as razões para elas serem efetuadas através de determinados desenhos
institucionais, em detrimento de outros.
Quais situações, eventos, grupos sociais ou políticos foram responsáveis pelo
processo de formação da política analisada? Estes questionamentos perpassaram o
Modelo utilizado e foram com as respostas a tais questionamentos que se espera ter
alcançado enquanto resultado da pesquisa.
O recorte temático visa proporcionar uma compreensão sobre o papel dos
Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD) no contexto
da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), além de discutir o
desenho institucional dos CONSADs.
A Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN)
compreende um conjunto de ações para o combate dos problemas relacionados à
insegurança alimentar. A segurança alimentar é vista como a garantia de acesso aos
alimentos, por parte de todos, durante todo o tempo e em quantidade e qualidade
suficiente, de modo que proporcione uma vida ativa e saudável ao indivíduo, como
mostram Takagi (2006) e Hirai & Dos Anjos (2007). Assim, tratar da segurança
alimentar consiste em se ater a quatro dimensões: quantidade, qualidade, regularidade e
dignidade. Esta última se relaciona ao fato de se tratar a questão da alimentação como
um direito universal de todo ser humano.
Tendo por base essas quatro dimensões, foi elaborado e executado o Programa
Fome Zero, que repercutiu na reestruturação do Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (CONSEA), na criação do Ministério Extraordinário de
Segurança Alimentar (MESA), em 2003, e com ele lançaram-se as bases e os elementos
da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) (TAKAGI, 2006).
Esta Política está estruturada em três vias: ações estruturais, específicas e locais.
As ações estruturais focam-se na garantia e aumento da renda, incentivos à reforma
agrária e agricultura familiar. As específicas dão conta de ações direcionadas, como:
merenda escolar, preocupação com gestantes e recém-nascidos e, também com a
17
dimensão da qualidade da alimentação. As ações locais centram-se na construção de
restaurantes populares e bancos de alimentos, ações de incentivo à construção de uma
“agricultura urbana”, incentivo a produção para autoconsumo e etc. (CONSEA, 2004;
DA SILVA, TAKAGI, 2004).
Os CONSADs surgiram no contexto das ações estruturais e, embora não
constasse no projeto inicial do Fome Zero, foram acoplados à Política Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN). Tais Consórcios basicamente consistem
em associações entre municípios e dentro delas estabelecem-se vínculos entre governo
local e sociedade civil, que buscam a promoção da segurança alimentar, através da
geração de oportunidades de trabalho e de renda. Por essa razão, se institucionaliza a
ação dos Consórcios através da criação de conselhos deliberativos, nos quais os
municípios integrantes do Consórcio são representados pelo poder público e sociedade
civil (IBAM, 2004).
Assim, os CONSADs se apresentam no campo das políticas públicas com um
desenho institucional diferenciado: o de ser um consórcio público e adotar o
funcionamento de um conselho gestor. Mediante este desenho institucional pretende
implementar a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional de modo
descentralizado e democrático, possibilitando a participação da sociedade com vistas ao
controle social.
A discussão sobre o processo de descentralização das políticas públicas e dos
mecanismos institucionais pelos quais tal processo ocorre, assim como os apontamentos
acerca dos consórcios públicos e de conselhos gestores, como elementos constitutivos
dos CONSAD são importantes para a compreensão do objeto desta pesquisa.
Enfim, com este recorte temático buscou-se situar a emergência dos CONSAD,
sua perspectiva institucional e os mecanismos que possibilitaram a consolidação deste
formato de PNSAN. Após estabelecer as bases do desenho institucional procedeu-se a
análise de um caso específico de funcionamento de uma unidade do CONSAD.
Com o recorte empírico observou-se questões relacionadas ao funcionamento de
consórcios de segurança alimentar, como: processo de implementação; canais
institucionais por meio do qual foi efetivado; se as práticas e realizações estão de acordo
com as diretrizes apontadas no projeto CONSAD; participação dos agentes dentro do
18
Consórcio, principalmente o papel da sociedade civil, de acordo com o Guia do
CONSAD (2004) 2.
A partir de 2004, foram implantados pelo Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome (MDS) cerca de quarenta Consórcios de Segurança Alimentar e
Desenvolvimento Local (CONSAD), abrangendo aproximadamente quinhentos e
oitenta e cinco municípios brasileiros. Cada consórcio deveria congregar de cinco a
vinte municípios, dependendo dos desenhos e pactos territoriais existentes nas regiões
contempladas com o Programa. Para a escolha das regiões foram consideradas as
deprimidas, marginalizadas dos pólos de crescimento e, portanto, excluídas do processo
de geração de riqueza (ORTEGA, 2008).
Essa escolha foi efetuada com base num levantamento feito pelo Instituto
Brasileiro de Administração Pública (IBAM), para atender a outro programa que não
tinha sido concretizado.3 O programa Fome Zero serviu-se de tal estudo para efetuar o
programa CONSAD. Neste sentido, dentro da proposta de pesquisa desta dissertação,
escolheu-se a unidade territorial do CONSAD Iguatemi, situado no estado de Mato
Grosso do Sul.
O CONSAD Iguatemi - MS, originalmente, foi composto por onze municípios.
Está previsto que a coordenação do Consórcio deva ser realizada por um Fórum, e este,
com status de conselho gestor. Para a composição do Fórum cada município do
Consórcio conta com seis representantes, exceto o município sede do Consórcio, no
caso a cidade de Iguatemi, que fica com cinco representantes. Das vagas de
representantes, estabeleceu-se que dois terços pertencem à sociedade civil, cabendo o
restante para indicados pelos governos municipais ou estadual. O presidente do
Consórcio deve ser eleito no espaço do Fórum e passa a responder pelas ações do
Consórcio.
Ao proceder a uma revisão na literatura sobre consórcios públicos não se
encontrou qualquer outro caso em que um consórcio funcionasse com o status de
conselho gestor, como no caso do CONSAD. Argumenta-se que um dos fatos pode ter
contribuído para tal situação relaciona-se com a aprovação da Lei dos Consórcios
Públicos (Lei 11. 107/05) quando se retirou um artigo que, constava no projeto inicial e,
2 O Guia do CONSAD é um documento oficial elaborado pelo Instituto Brasileiro de Administração
Pública (IBAM) a pedido do programa Fome Zero, como um instrumento para orientar a formação e
organização dos CONSAD. 3 Tal programa era o CONSIDELIS, elaborado pelo governo de FHC, em 2002.
19
instituía a forma de conselho deliberativo ao fórum dos consórcios (BORGES, 2006, p.
6).
Considera-se uma experiência nova este formato institucional adotado pelo
CONSAD, por isso resolveu-se fazer proveito da literatura existente no âmbito dos
conselhos gestores ou conselho de políticas públicas, com geralmente é abordado.
Tenta-se esclarecer as condições institucionais dos consórcios públicos e seu
funcionamento através de uma estrutura próxima ou semelhante a um conselho gestor;
já que, a princípio, é o Fórum, com status de conselho gestor, que orienta as decisões do
CONSAD.
A execução da PNSAN, do ponto de vista dos CONSAD, tem sua eficácia e
efetividade relacionada às condições de funcionamento e organização do Fórum
(conselho). Isto significa que as condições de deliberação (proposição de políticas) do
Fórum (conselho) é que dirigem o CONSAD, porque torna possível a gestão
(democrátiva e descentralizada) do programa e, consequentemente, o alcance dos
objetivos que se pretende atingir.
Tratar sobre políticas públicas é relevante porque diz respeito à intervenção do
Estado na sociedade, isto é, a forma e o instrumento pelo qual o governo efetua ações
visando alterar, regular ou conter determinadas situações perante a sociedade. A
mediação ou intervenção governamental pode ser parte de uma política pública.
Geração de oportunidades de trabalho, controle de pragas e doenças, seguro desemprego
e auxílio doença, sistema de saúde, sistema gratuito de ensino e defesa do espaço
nacional são formas de ação pública, através da instituição governo, que representam a
ação do Estado e são conhecidas por políticas públicas.
Tais políticas são capazes de alcançar qualquer esfera da vida social, por conta
do “contrato social”, típico de Rousseau4, pacto firmado por legislação, no caso
brasileiro recente, a Constituição Federal de 1988, na qual se inscrevem os direitos e
deveres da sociedade e do Estado. Entretanto, várias são as formas de ação do Estado,
mesmo para uma política específica, pode-se citar a política econômica como exemplo,
há sempre alternativas que concorrem entre si para serem tomadas como decisão do
governo. Nisso reside a importância não só da análise de políticas públicas, mas do
estudo sobre os processos de escolhas desenvolvidos pelos governos.
Para Reis (2003, p. 11), este campo de estudo:
4 Filósofo, escritor e teórico político, o suíço Jean Jacques Rousseau publicou a obra Do Contrato Social
em 1762.
20
(...) é uma das especializações que responde mais diretamente ao imperativo
da relevância na prática das ciências sociais. Seja analisando a formulação, a
implementação ou os resultados de policies, os especialistas podem ver de
maneira bastante clara e imediata como suas análises interpelam situações
concretas, examinam tecnicamente problemas empíricos específicos e podem
servir para legitimar ou deslegitimar as escolhas políticas efetivas.”.
Outro fator que denota a importância desta área de estudo é a necessidade de
subsidiar o processo de planejamento com relação às políticas efetuadas pelos governos.
Análise do processo decisório, da tomada de decisão, da implementação e da avaliação
pertencem a uma perspectiva válida, quando se trata de melhorar as formas de
intervenção do Estado.
Dado o potencial do CONSAD de fazer avançar o tema da segurança alimentar,
pois a alimentação se constitui em um dos direitos básicos do ser humano, assegurado
pela Emenda Constitucional nº 64, de 04 de fevereiro de 2010, que modificou o art. 6º
da Constituição Federal, que introduziu a alimentação como direito social.
Além da importância da análise de políticas e do direito social à alimentação, o
CONSAD recebeu atenção por ser tratar de uma “novidade” no campo das políticas
setoriais. É caracterizado por uma institucionalidade diferenciada, se apresenta na
interseção da política de segurança alimentar com o desenvolvimento local e o
desenvolvimento territorial, e estabelece como um de seus princípios a participação
institucionalizada da sociedade civil (IBAM, 2004; DE JESUS, 2006).
O CONSAD objetiva promover a segurança alimentar e o desenvolvimento local
através da geração de oportunidades de emprego e renda. Visa atingir regiões
consideradas excluídas do processo de crescimento econômico, regiões deprimidas. O
que constitui cerca de 40 consórcios deste tipo em todo o país (ORTEGA, 2008).
A perspectiva escolhida para analisar os CONSAD não foi encontrada em
nenhum outro estudo, quando da revisão de literatura. Não se identificou estudo que
analisa aspectos de desenho institucional do CONSAD. A maior concentração dos
trabalhos se assenta na abordagem do viés territorial, são os casos de Dos Anjos (2005)
e Dresth (2011); outros aplicam uma análise institucional baseada na teoria da Nova
Economia Institucional; o trabalho realizado por De Jesus (2006) aborda boa parte do
processo de criação e foca na apresentação e caracterização socioeconômica desses
territórios, com viés de análise territorial, assim como o trabalho de Ortega (2008).
Nota-se que não significa que estas questões tenham sido esquecidas nos
trabalhos citados, mas que não foi preocupação central de suas pesquisas. Nos artigos de
21
Dos Anjos (2005), Ortega (2007) e Dos Anjos e Caldas (2007) algumas questões
chegaram a ser pontuadas, e propostas para se desenvolverem em outras pesquisas.
Esta pesquisa se justifica pela necessidade de se estudar os processos de escolha
feitos pelos governos que, com o atual formato dos CONSAD, contêm a possibilidade
de melhorar a forma de intervenção do Estado no que se refere a segurança alimentar e
ao desenvolvimento local. Como se trata de um estudo exploratório, o principal residiu
em levantar questões e aspectos que possibilitassem o entendimento da
operacionalização destes Consórcios, assim como dos fatores que podem limitar o
desenvolvimento deste tipo de política.
Apontamentos metodológicos
Este trabalho se propôs estudar a formação dos Consórcios de Segurança
Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD), para tanto, adotou-se uma estratégia
de organizar o trabalho em três perspectivas: recorte teórico, recorte temático e recorte
empírico. Embora, no conjunto, sirvam ao propósito de responder ao problema da
pesquisa.
A pesquisa caracteriza-se pela investigação qualitativa face os tipos de dados
coletados e o próprio processo de coleta, as dificuldades para generalizações (uma vez
que nem sempre é o objetivo de uma pesquisa qualitativa), o papel e o envolvimento do
pesquisador em todo o processo da pesquisa até a interpretação dos resultados
(SAMPIERI, FERNÁNDEZ-COLLADO, LUCIO 2006; RICHARDSON, 2008).
Na perspectiva de alguns autores, o que caracteriza a pesquisa como qualitativa é
o fato de ela não se basear num rígido conceito teórico e metodológico, tendo como
premissa subjacente a (re) construção da realidade, isto é:
(...) a realidade estudada pela pesquisa qualitativa não é uma realidade
determinada, mas sim construída por diferentes “atores”: a definição sobre
qual é o ator considerado crucial para essa construção depende da postura
teórica adotada para o estudo desse processo (Flick, 2009, p. 76-77).
Assim, no recorte teórico, utiliza-se um modelo de análise de políticas, como o
Multiple Streams. Por meio dele pressupôs-se a tarefa de agregar conhecimento ao
processo de formulação e implementação, intervindo no chamado processo decisório da
política pública. Assim, a análise recair sobre uma gama de atores e instituições que
conformam a política alvo da pesquisa.
Esse tipo de pesquisa, embora possa ser modelada matematicamente de acordo
com a perspectiva da teoria da “Public Choice” (Andrews, 2005), requer uma
22
abordagem ligada ao método qualitativo, por focar-se no processo político, no processo
decisório. Este objetivo torna-se mais perceptível com a utilização da pesquisa
qualitativa, que melhor corresponde às tentativas de desvendar leis de comportamento
social (ANDREWS, 2005).
Atento às observações de Andrews (2005, p. 27-28):
(...) A simplificação necessária ao equacionamento matemático da realidade
social exige a introdução de abstrações fixas, reduzindo a ação social – e toda
a sua complexidade – a um modelo de comportamento adaptado ao método
de mensuração.
(...) para que um modelo matemático ‘dê certo’, é necessário que o
comportamento dos atores sociais permaneça estável ao longo do tempo.
(...), pois a precisão do modelo matemático depende da continuidade dos
pressupostos do modelo por um tempo indefinido. E se o modelo não é capaz
de captar a regularidade dos fenômenos sociais, então é preciso que seja
substituído por outro que seja capaz disso.
Dadas as considerações supracitadas, escolheu-se a pesquisa qualitativa por
conta das relações subjacente ao objetivo da pesquisa. Pois não se busca testar a teoria
do Multiple Streams e sim empregá-la como uma ferramenta para desvendar a
construção do CONSAD. Ao analisar uma política específica não se expande os
resultados alcançados a outras políticas, uma vez que para cada arena de políticas, há
construção de realidades distintas. Para isto adotou-se estudo de caso para abordar
aspectos e questões que esclareçam o entendimento quanto a operacionalização do
CONSAD.
Ao empregar a teoria do Multiple Streams teve-se o desafio de criar uma
sustentação e não incorrer nos erros apontados por Souza (2003, p. 17) e Reis (2003, p.
12), que neste tipo de estudo no Brasil, há: falta de parâmetros teóricos que modelam as
análises e leveza metodológica exagerada (ausência de modelos ou tipologias de
políticas públicas).
A revisão de literatura nos trabalhos estudados5, em geral, a coleta dos dados
para esclarecer o processo decisório e a tomada de decisão foi realizado via entrevistas e
questionários. Visto que o objetivo era coletar informações sobre os atores que
potencialmente participavam dos processos, além de identificar seus papéis no processo
abordado.
Neste presente trabalho buscou-se responder ao problema de pesquisa, numa
fase inicial, através da realização de pesquisa bibliográfica e documental. As respostas
5 Pinto (2004); Caldas (2007); Domingues (2007); França (2007); Brito (2009); Czcrmainski (2009).
Neste último trabalho citado, há uma revisão ampla dos trabalhos realizados no Brasil utilizando esse
modelo.
23
almejadas foram baseadas numa interpretação do processo histórico levantado pela
pesquisa bibliográfica e documental, seguido de pontos de vistas dos atores-
participantes da construção da política abordada, por meio de resposta a questionário e
observação não-participante.
Um ponto decisivo considerado foi a dificuldade de acesso às pessoas que de
alguma forma se constituíram em personagens para a construção da PNSAN. A
suposição preliminar de que a construção da PNSAN (que deu origem aos CONSADs)
ter como ponto de partida a fome enquanto problema público, apontou-se para a
necessidade de construir uma narrativa dentro de uma perspectiva histórica, uma vez
que a emergência da fome como problema público é antiga. Por isso se optou pela
análise documental e bibliográfica.
Este tipo de procedimento pode ter deixado lacunas com relação à narrativa
histórica, mas como se trata de pesquisa qualitativa, “não é possível evitar
interpretações pessoais”, mas certamente se pode atentar-se para evitar enviesamentos
inadequados (CRESWELL, 2007, p. 187).
Na pesquisa bibliográfica abordaram-se os aspectos relativos aos conselhos
gestores; processo de descentralização; consórcios públicos, e na documental a lei do
consórcio público; orientações normativas para a consolidação dos CONSADs.
O objetivo do recorte empírico foi efetuar um estudo de caso sobre as condições
de operacionalização do CONSAD Iguatemi, em Mato Grosso do Sul. Procedeu-se à
análise de um caso específico procurando estabelecer alguns parâmetros e levantar
questões sobre o funcionamento dos consórcios de segurança alimentar, seu processo de
implementação, bem como se as práticas e realizações dos consórcios estão de acordo
com as diretrizes apontadas no projeto CONSAD, além de verificar as condições e a
participação dos agentes dentro do consórcio, etc..
O estudo de caso pode ser visto como uma investigação empírica sendo utilizado
para análise de eventos ditos contemporâneos e, para tal feito, vale-se da observação
direta dos eventos estudados, seja por entrevistas ou outros meios (YIN, 2010).
Ao adotar o método de estudo de caso optou-se pelo caso único. A escolha não
ocorreu por premissas teórico-metodológicas, mas por restrições externas à pesquisa,
como a limitação de recursos financeiros, a necessidade de tempo mais extenso e a
dificuldade de acesso, tanto em relação aos atores envolvidos (conselheiros do
consórcio), quanto aos documentos. Mesmo com a estratégia de caso único, apresentou-
se um grau muito baixo de acessibilidade com relação a essas questões.
24
Como exemplo, pode-se informar a respeito do processo de liberação de alguns
documentos. Não foi concedido o acesso às atas do Fórum. E foi “custoso” o processo
de obtenção da cópia do Estatuto do Consórcio, necessitando sucessivos pedidos, não-
atendidos, além de meses de espera. Em nenhum momento negaram oficialmente o
acesso ao Estatuto do CONSAD Iguatemi - MS, caso contrário das atas. Mas, também
não disponibilizaram o acesso. De Setembro de 2011 a Fevereiro de 2012 pediu-se
constantemente uma cópia do Estatuto, que só foi disponibilizada via correio no dia 07
de março de 2012.
Ao escolher um caso único em detrimento de casos múltiplos perde-se, em
termos analíticos, o poder de generalização. O argumento é que o caso único oferece
pouca sustentação para efetuar generalizações, dificultando o processo de replicação da
pesquisa. Um caso único é considerado como uma “aposta” única e pode levar a
redução das chances de sucesso na aplicação do método (YIN, 2010).
A dificuldade do ponto de vista metodológico reside na ausência de parâmetros,
no âmbito de fóruns com poder deliberativo em consórcios públicos, para sustentar a
análise pretendida. A busca por parâmetros ocorreu, por analogia, na literatura sobre
conselhos gestores, pelo seguinte motivo: a inovação institucional atribuída à
operacionalização de um consórcio público mediante o imperativo da participação da
sociedade civil.
Adotou-se uma tentativa de esclarecer as condições institucionais dos consórcios
públicos, seu funcionamento, através de uma estrutura próxima ou semelhante a um
conselho gestor. Em princípio o fórum do CONSAD tem status de conselho gestor que,
por sua vez, orienta as decisões do Consórcio.
A delimitação da unidade de análise escolhida não foi aleatória. Há por parte do
pesquisador uma aproximação com o objeto de pesquisa. A Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS) foi escolhida mediante Edital Josué de Castro, lançado em
2008 em parceria entre CNPq e MDS, para elaborar diagnósticos e planejamentos locais
para os territórios do CONSAD. Nesta época, o pesquisador integrava o quadro de
discentes da instituição e, mesmo não fazendo parte do projeto, tinha contato de forma
indireta.
Esta situação levou ao interesse pelo tema. Dentro dos três CONSAD existentes
em Mato Grosso do Sul, optou-se pelo CONSAD Iguatemi dada a proximidade
territorial do pesquisador com este. Assim, a escolha da unidade para efetuar o estudo
25
de caso foi intencional pelo fato de o pesquisador ter tido contato com a região em
outras ocasiões.
Na revisão da literatura verificou-se poucos trabalhos desenvolvidos acerca dos
CONSAD, sendo que não se encontrou outro que abordava a sua relação de semelhança
com a dinâmica dos conselhos gestores.6 Segundo Martins et al. (2008), existe pouco
conhecimento acumulado nessa área. Através da reflexão de Teixeira e Tatagiba (2008),
destaca-se a co-relação entre produção das políticas públicas e a ação dos conselhos
gestores. De um modo geral, as autoras apresentam ressalvas quanto à maioria dos
trabalhos sobre o tema, posto que demonstram expectativas excessivas quanto aos
efeitos de um sobre outro.
Nesta dissertação procurou-se realizar uma abordagem que retrata o ponto de
vista dos sujeitos da pesquisa, neste caso, os conselheiros que representam seus
respectivos municípios no consórcio analisado. O nível de análise se situa na interação
dos conselheiros no contexto do Fórum (conselho) do CONSAD Iguatemi - MS.
Buscou-se identificar o processo de interação entre os conselheiros e a forma de
operação do “conselho”.
Os resultados obtidos com tal abordagem são apresentados da seguinte forma: a
realidade “obtida”, que se refere às informações coletadas pelo pesquisador através da
análise dos questionários aplicados, portanto trata-se de uma realidade com relação à
percepção dos pesquisados. Também se tem a realidade “observada”, que se constitui
das informações coletadas através da percepção do pesquisador, que ocorreu via
participação do pesquisador nas reuniões e entrevistas. Por fim, comparam-se as duas
realidades, para compor um posicionamento acerca do funcionamento do CONSAD.
Os meios utilizados para se chegar a tais resultados foram: pesquisa
bibliográfica, documental e pesquisa de campo, utilizada para o processo de coleta dos
dados, no espaço de funcionamento do CONSAD Iguatemi - MS. A coleta dos dados foi
realizada através da aplicação de questionário semi-estruturados7 (Apêndice A), para
6 Dos Anjos (2005) aponta apenas algumas situações de disputas políticas nos conselhos dos CONSAD,
mas não aborda a temática dos conselhos, além de focalizar o CONSAD apenas no contexto de uma
política de desenvolvimento territorial, e não no escopo de uma política muito mais ampla, como de fato
é, preconizada pelos conceitos que sustentam a noção de Segurança Alimentar. Esta é a abordagem desta
dissertação e, por isso, se justifica seu caráter exploratório. 7 Para formulação do questionário apreendeu-se diversos aspectos presentes na literatura analisada,
buscando identificar que dimensões deveriam ser analisadas, além de se ater aos aspectos que tornam o
conselho do CONSAD diferente da maioria dos conselhos, frequentemente, abordados pela literatura
pesquisada. Também se utilizou questões presentes nos trabalhos de Tonella (2003), Santos Júnior,
Azevedo e Ribeiro (2004), Lorenzo (2008) e Moura (2009), em grande parte adaptadas para o presente
estudo.
26
identificar as seguintes dimensões: Composição, Organização e Dinâmica. Para cada
dimensão utilizou-se de alguns temas, para deles extrair indicadores, que constam nas
perguntas do questionário.
A dimensão Composição compreende os temas da Legitimidade, da
Representatividade e da Qualificação. A legitimidade trata da independência e
autonomia dos representantes da sociedade civil em relação ao poder público, no
tocante às influências políticas. Essa situação implica em dar maior credibilidade aos
representantes, uma vez que o processo de escolha dos representantes versa sobre o fato
deles “representarem” a sociedade civil ou as entidades às quais pertencem
(TATAGIBA, 2002; TONELLA, 2003; SANTOS JÚNIOR, AZEVEDO, RIBEIRO,
2004; LORENZO, 2008; MARTINS et al., 2008).
A representatividade preocupa-se em argumentar se eles representam, de fato,
quem devem representar. Além de ater-se a forma como ocorre essa representação, seja
de modo ativo, apresentando propostas e participando das decisões de forma crítica, e
não passiva. No tema da qualificação busca-se apreender a capacidade técnica dos
conselheiros e sua a incidência no processo de formulação de políticas através de
conselhos. A qualificação está diretamente relacionada à capacidade para formular,
coordenar e fiscalizar uma política, atribuição dos conselhos (TATAGIBA, 2002;
TONELLA, 2003; SANTOS JÚNIOR, AZEVEDO, RIBEIRO, 2004; MARTINS et al.,
2008).
A dimensão da Organização compreende os temas: Funcionamento e Interação.
Com relação ao funcionamento procurou-se analisar os pontos de estrangulamento no
Fórum, além de o modo como ele se estruturou para operar como conselho. Tem-se
clareza que esse tema necessita do levantamento de informações documentais para
melhor averiguação, contudo pode-se contar apenas com o auxílio do Regimento
Interno do CONSAD Iguatemi - MS. No tema sobre a interação, ateve-se à análise das
relações existentes entre os conselheiros, as entidades e os municípios que compõem o
Consórcio (TATAGIBA, 2002; TEIXEIRA, TATAGIBA, 2008; MOURA, 2009).
A dimensão da Dinâmica compreendeu os temas: Formação da Agenda,
Processo Deliberativo (tomada de decisão) e Impacto. Na formação de agenda buscou-
se analisar o processo de proposição dos temas abordados nas deliberações do Fórum
(conselho). Sobre a definição da pauta discutida considerou-se o potencial de se
promover ou vetar temas, operando-se o controle, a manipulação. Mediante a pauta
pode-se deliberar a respeito das políticas, a partir disto empreendeu-se a análise do
27
processo decisório. Reconhece-se que para ter condições de deliberar, tem-se a
necessidade da qualificação e precisa-se de mecanismos que auxiliam o processo de
tomada de decisão (TATAGIBA, 2002; TONELLA, 2003; SANTOS JÚNIOR,
AZEVEDO, RIBEIRO, 2004; LORENZO, 2008).
Por último, destacou-se o tema do Impacto, procurou-se captar o impacto das
políticas efetuadas pelo CONSAD na região, bem como se elas estão de acordo com as
diretrizes de uma política de segurança alimentar, com as bases da PNSAN que são
reafirmadas no documento Guia do CONSAD (IBAM, 2004).
FIGURA 01 - DIMENSÕES E TEMAS ABORDADOS PELO QUESTIONÁRIO
Fonte: elaborado pelo próprio autor, baseado em Lorenzo (2008).
O universo inicial da pesquisa, baseado no levantamento inicial e no próprio
sítio do MDS8, situa o CONSAD Iguatemi - MS como sendo composto por onze
municípios9. Dos quais, dez municípios contavam com seis representantes cada, tendo o
município sede do CONSAD cinco representantes no conselho, totalizando sessenta e
cinco conselheiros.
Considerando estas informações iniciais adotou-se a estratégia de um
delineamento que visava estratificar a amostra sob o critério da intencionalidade,
conveniência e acesso10
. Selecionou-se uma amostra que abrangesse um número
representativo dos conselheiros que integravam o CONSAD Iguatemi - MS. Entretanto,
no decorrer da pesquisa de campo surgiram algumas questões que requereram alterações
no planejamento inicial, as quais são apresentadas oportunamente.
8 Ver: <http://www.mds.gov.br/segurancaalimentar>.
9 Eldorado, Mundo Novo, Iguatemi, Tacuru, Ponta Porã, Naviraí, Coronel Sapucaia, Itaquiraí, Japorã,
Sete Quedas e Paranhos. 10
HILL E HILL (2009).
Representatividade
Composição Legitimidade
Qualificação
Funcionamento
Organização Interação
Formação da Agenda
Dinâmica Processo Deliberativo
Impacto
28
Como primeiro passo da pesquisa de campo, marcou-se uma entrevista com o (a)
responsável legal pelo CONSAD Iguatemi-MS. Este contato realizou-se via correio
eletrônico com a, atualmente, Secretária do Consórcio, todavia seu nome constava no
site do CONSAD Iguatemi - MS como presidente. Informa-se que o site encontra-se
desativado desde maio de 2011, quando se teve acesso a ele pela última vez.
Num intervalo de tempo de aproximadamente dois meses (de maio/2011 a
julho/2011) foram feitas algumas trocas de informações com a citada profissional, a
partir de então este pesquisador solicitou permissão para realizar uma entrevista com
representante legal do CONSAD. Entretanto, nesse período houve uma descontinuidade
do contato e da comunicação com o CONSAD Iguatemi. Por iniciativa do pesquisador
buscou-se informações sobre o Consórcio nas prefeituras que o integravam. Descobriu-
se que durante esse intervalo houve o processo de mudança da sede do CONSAD
Iguatemi - MS, que passou a se instalar na cidade de Tacuru.
Constatou-se, também, que esse processo foi desencadeado pela eleição de
novos representantes para o Fórum (conselho). A atual representante legal, Srª Hilva
Aparecida da Silva, presidente eleita pelo Fórum do CONSAD Iguatemi - MS, no mês
de maio de 2011, residia na cidade de Tacuru.
Com a constatação da mudança de instalação física do CONSAD Iguatemi - MS,
a estratégia adotada foi buscar levantar, junto à Presidente, informações que pudessem
nortear um novo delineamento da pesquisa. Solicitou-se a nova presidente do CONSAD
Iguatemi - MS a possibilidade de marcar uma entrevista, que foi concedida no dia 16 de
setembro de 2011.
Após esta entrevista com a Presidente do CONSAD detectou-se uma diminuição
do número de municípios congregados no Consórcio. De onze reduziu-se a seis, bem
como o número de representantes, que de sessenta e cinco, caiu para trinta e cinco.
Apurou-se, na entrevista, que a saída de alguns municípios ocorreu em virtude
do desinteresse de alguns prefeitos de fazerem parte do CONSAD e, também, pelo não
pagamento da contrapartida financeira que recai sobre cada ente federado consorciado.
Este fato implicou na revisão das estratégias de pesquisa de campo, dada a
impossibilidade de manter a abordagem inicial.
Durante a entrevista com a Presidente, e responsável pelo CONSAD Iguatemi,
pediu-se a lista com os contatos dos representantes de cada município integrante do
Consórcio. Houve uma sinalização de que o pedido seria atendido, mediante anuência
29
dos conselheiros, e que o pesquisador seria comunicado. A negativa do acesso a essa
lista de contatos veio por correio eletrônico.
Dada a impossibilidade de abordar diretamente cada conselheiro do CONSAD
Iguatemi – MS buscou-se, junto à Presidente do Consórcio, uma alternativa que
viabilizasse a pesquisa. Estipulou-se, então (de comum acordo) a participação do
pesquisador no Fórum do CONSAD que se realizou em outubro de 2011.
Diante desta realidade, estruturou-se o processo de abordagem aos conselheiros
da seguinte forma: aplicação dos questionários e entrevistas quando da ocorrência da
reunião do Fórum. O universo e a amostra da pesquisa, então, definidas a partir do
acesso e das entrevistas realizadas no dia do Fórum. Portanto, a amostra seria aleatória,
mas o essencial era assegurar a representatividade da mesma.
Entretanto, a Presidente do CONSAD, durante o citado período teve de lidar
com problemas de saúde, fato que impediu a convocação do Fórum, cuja data foi
prorrogada indeterminadamente. Mas, depois de superada tal questão de saúde,
agendou-se a reunião do Fórum no mês de dezembro de 2011.
Na verdade, na data estabelecida, não se realizou um Fórum, e sim uma reunião
dos membros da Diretoria, conforme foi dito pela Presidente um dia antes do evento,
através de correio eletrônico. Tal fato, certamente, impactou a estratégia prevista para a
coleta de dados, mas preservou-se a condição de realizar as entrevistas e aplicar os
questionários.
Este fato demandou um posicionamento não previsto, inicialmente, na estratégia
de pesquisa, que foi a condição dada ao pesquisador também realizar a pesquisa de
campo utilizando-se do recurso da observação não-participante. Isto possibilitou um
diálogo entre pesquisador e indivíduos pesquisados, no curso da reunião da Diretoria do
CONSAD Iguatemi – MS.
Acrescido da recusa da entidade em não liberar alguns documentos para a
consulta, como as atas do CONSAD Iguatemi e o Estatuto do próprio Consórcio.
Mediante a entrega de “Termo de Compromisso para uso de Dados em Arquivo”
(Anexo B) tenteou-se a liberalização do Estatuto, mas até mesmo uma resposta
negativa, quanto ao impedimento do acesso não foi comunicada ao pesquisador. O
acesso às atas foi vetado e comunicado por correio eletrônico.
Tais ocorrências demonstram, a princípio, uma barreira à concretização do
estudo de caso pretendido, vez que se nega o acesso a documentos de natureza pública,
30
tendo-se em vista que o conselho do CONSAD Iguatemi funciona como conselho
gestor.
Diante desta situação, o pesquisador viu-se impelido a “trabalhar com o
silêncio”, face às inúmeras barreiras impostas aos procedimentos desta pesquisa. Assim,
o presente estudo de caso pauta-se, muito mais, na oralidade presente, isto é: nos
diálogos travados e observados durante as entrevistas e a reunião da diretoria do
CONSAD Iguatemi, em 20 de dezembro de 2011.
Ao ser permitida a participação do pesquisador na reunião da Diretoria do
CONSAD Iguatemi, a estratégia foi abordar os conselheiros presentes, para compor a
amostra do estudo de caso. Isto ocorreu diante da constatação de que não havia
frequência e nem regularidade quanto às reuniões do Fórum, dado que a última reunião
havia ocorrido no mês de março, segundo relato da Presidente do CONSAD Iguatemi -
MS, e que as reuniões eram marcadas “conforme a necessidade”.
O quórum da reunião da Diretoria do CONSAD foi de seis indivíduos11
, dos
quais uma conselheira respondeu o questionário prontamente; outro conselheiro deixou
a reunião antes do término, de modo que não se pode abordá-lo; outras duas
conselheiras pediram os questionários para responder posteriormente e enviar
digitalizados; e outras duas se negaram a responder, e pediram para encaminhar depois
os questionários por meio eletrônico.
Assim, ficou-se refém da amostra encontrada na reunião da Diretoria, com a
aplicação do questionário a cinco conselheiros. Embora não seja representativa
estatisticamente, ela não impede alcançar os objetivos propostos, vez que se trata de
uma pesquisa qualitativa e como se tem pretensões exploratórias12
, essas dificuldades de
acesso aos dados não inviabilizaram a pesquisa.
Adotou-se a observação, enquanto técnica do processo de pesquisa científica,
dada sua possibilidade de também ser empregada conjuntamente com outras técnicas de
coleta de dados, que neste trabalho foram representadas por questionários e entrevistas
(Richardson, 2008). Para Flick (2009, p. 203): “(...) as entrevistas e as narrativas
somente tornam acessíveis os relatos das práticas e não as próprias práticas”, e “(...) a
11
Propôs-se aos conselheiros abordados que assinassem o “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE)”, para legitimar o processo da pesquisa, no entanto, se esquivaram de assinar o termo, e apenas
responderam o questionário. 12
Segundo Cooper e Schindler (2003), a pesquisa exploratória ocorre quando o pesquisador não tem uma
ideia clara dos problemas que irá enfrentar durante o percurso do estudo, mas é a partir do processo
exploratório que se obtém maiores informações sobre o problema a ser estudado.
31
observação permite ao pesquisador descobrir como algo efetivamente funciona ou
ocorre”.
Espera-se, nesta perspectiva, ter apreendido os processos e a realidade
subjacente ao estudo de caso empreendido. A observação não-participante é utilizada,
segundo Richardson (2008, p. 260): quando “(...) o investigador não toma parte nos
conhecimentos objeto de estudo como se fosse membro do grupo observado, mas
apenas atua como espectador atento”.
Esta acentuação é importante porque clarifica e situa o pesquisador, em sua
relação com o objeto de estudo. Estando o pesquisador em posição de compreender o
que lhe é estranho, obtendo dados, seja de perspectivas, ações ou opiniões que de outro
modo não teria acesso.
Assim, a observação não-participante coloca o pesquisador em lugar
privilegiado para entender o descompasso entre discurso e prática. Ela tem a vantagem
de não o colocar em progressiva interação no cotidiano e atividades de determinado
grupo, pois isto envolve o “risco” de se apropriar de ideias e discursos deste grupo.
A (re) construção dos processos e do modo de operação do CONSAD Iguatemi -
MS não pode deixar de atestar a precária estrutura de organização do Consórcio que,
embora tenha sede própria, não é utilizada para as reuniões (dada sua limitação físico-
espacial).
De antemão, deparou-se com a precariedade do funcionamento dessa
Organização, pois não há reuniões periódicas do denominado Fórum. A ausência de
regularidade de encontros e a precária organização do CONSAD comprometem a
finalidade de participação e descentralização, inscritas na concepção política da PNSAN
e do CONSAD.
Assim, para tratar dos resultados obtidos nesse processo de estudo a dissertação
foi divida em cinco partes além desta Introdução. O segundo capítulo versa sobre
Políticas Públicas, explorando o campo de estudo e o estado da arte no Brasil, além de
discutir o modelo dos Múltiplos Fluxos, que permeia a análise desta dissertação. O
terceiro capítulo aplica o modelo dos Múltiplos Fluxos na construção da Política
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN). O quarto capítulo realiza um
estudo de caso sobre o CONSAD Iguatemi - MS, analisando seu processo de
implementação, as entrevistas e os questionários aplicados. E, por fim, as Considerações
Finais.
2. POLÍTICAS PÚBLICAS
O objetivo do recorte teórico é situar a formação dos CONSAD no âmbito da
PNSAN através de uma análise do processo decisório. Para isso dividiu-se este capítulo
em duas partes. A primeira se refere à apresentação do modelo teórico e a segunda à
utilização do modelo para elucidação do surgimento e institucionalização dos
Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD), no contexto
da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN).
Na primeira parte atem-se a área teórica em que se situa o presente estudo: a área
das políticas públicas. Aborda-se o que se estuda nessa área, delineando seu campo de
estudo e sua divisão enquanto subdisciplina das ciências sociais e da ciência política.
Apresenta-se um rápido panorama sobre os modelos de análise existentes para
situar o campo de pesquisa de políticas públicas. Justifica-se tal fato devido à área ser
diversificada por conta de sua interdisciplinaridade, assim, em muitos estudos, há
divergências no corpo teórico e metodológico. Adiante, expõe-se o modelo teórico
adotado para o presente estudo, o Multiple Streams. A segunda parte do capítulo
envolve o uso do modelo teórico para a discussão da PNSAN.
A análise que pretende verificar uma etapa do processo de formulação de uma
política pública, o processo decisório, deve delinear-se no campo de estudo das políticas
públicas. Como mostra a literatura13
, para compreender a verdadeira natureza das
políticas públicas é necessário depurar o termo política. Em linhas gerais, o termo
política congrega uma relação conflituosa entre interesses variados. Fazer política
significa buscar os consensos possíveis.
Esta relação conflituosa nasce da própria essência da convivência social, em que
se têm conjuntos distintos de indivíduos vivendo em coletividade. Para assegurar uma
convivência pacífica atua-se sobre os conflitos, que nascem dessa “convivência entre
diferentes”, por meio de uma instituição que representa a sociedade como um todo – o
Estado. O papel desta instituição é o de construir e mediar consensos, de modo que se
solucione um conflito de modo pacífico.
Na perspectiva da literatura estudada, essa construção de uma solução pacífica é
o que se chama de política: uma arena de conflitos alimentada por ações e decisões, de
13
Dagnino (2002); Trabada (2003); Parada (2006); Souza (2006); Pereira (2008); Rocha (2009).
33
conjuntos diferentes de indivíduos, que envolve as disputas e as preferências
particulares de cada indivíduo.
O papel do Estado é o de mediar a política, isto é, os conflitos emergentes da
política. Qual seria o mecanismo de ação do Estado para essa mediação? A resposta está
vinculada ao que se entende por Políticas Públicas. De modo sintético, política pública é
a ação do governo com vistas a solucionar um conflito.
Dye (1976 apud Dagnino, 2002) descreve uma política pública a partir da
explicação das causas e consequências da ação do governo, em suma, a preocupação
com o que o governo faz. Para Guerrero (1990, p. 42), políticas públicas são padrões de
ações que visam resolver disputas, conflitos, sendo essas ações realizadas mediante
programas de governos: “... actos específicos de gobierno, instrumentados dentro de
uma prática general.”.
Portanto, se define políticas públicas como uma forma de comportamento
governamental, sendo que falar em políticas públicas implica sempre falar em
intervenção do Estado, como diz Pereira (2008, p. 96). É preciso ter em mente que o
processo de mediação do governo que resulta numa ação que visa resolver conflitos,
está, em si mesmo, impregnado de conflitos.
Se política pública é ação do governo com vistas a solucionar um conflito, resta
saber qual é a natureza e a causa do conflito que se tornam premissas dessa ação. Para
alguns autores14
a existência de uma política pública está condicionada à existência de
um conflito ou de uma demanda por parte da sociedade, que exige uma solução. Assim,
as possíveis soluções tornam-se o objeto da análise, isto é, um campo de estudo.
O estudo de Políticas Públicas pode ser definido como aquele que analisa as
ações do governo e os efeitos que essa ação produzir. Qualquer estudo sobre políticas
públicas deve, necessariamente, se preocupar com o produtor genuíno destas: o governo
(GUERRERO, 1997; GONZÁLEZ, 2006; SOUZA, 2006).
2.1. CAMPO DE ESTUDO E O ESTADO DA ARTE NO BRASIL
Para um entendimento conciso desse campo de estudo é preciso entender três
dimensões do estudo sobre políticas: (a) polity – se refere ao estudo sobre as instituições
políticas; (b) politics – aborda os processos políticos; (c) policy – foca-se no conteúdo
14
Guerrero (1990), Trabada (2003), González (2006), Parada (2006), Subirats (2006), Montecinos-
Montecinos (2007), Aguilar (2008), Vargas (2009).
34
da política. Essas palavras são consagradas na literatura anglo-saxônica, mas não
encontraram vocábulos com semelhante significado para idiomas como o português e o
espanhol. Esse fato acarreta muita confusão pois, para o idioma espanhol, o termo
policy não tem tradução “adequada”, e no português o termo “política pública”
geralmente se refere às três dimensões (FREY, 2000, p. 216-217; GUERRERO, 1993,
p. 30-32).
Todavia, a distinção se faz necessária para evitar confusões quanto ao que
realmente se coloca como foco do estudo, e pede a necessidade de se delinear
exatamente o que se estuda. Falar apenas em estudo de políticas públicas não é o
suficiente para dizer o que se pretende. Daí a necessidade do uso das definições
expostas pelas palavras: polity, politics, policy.
De modo resumido, o estudo de políticas públicas, o processo de produzir
conhecimento em relação às ações do governo, centra-se na dimensão Politics (em que
se situa a análise do processo político, o caráter conflituoso, sobre conteúdos, decisões e
aplicações da ação do governo) e na dimensão Policy (preocupa-se com os conteúdos
concretos da política, a configuração e os problemas técnicos dos programas, assim
como o conteúdo material das decisões políticas) (FREY, 2000, p. 217).
Entretanto, a dimensão Polity (estudo das instituições políticas, ordem do
sistema político, jurídico e político-administrativo) não é desprezada. As três dimensões
são frequentemente entrelaçadas, com condições de influências mútuas. As estruturas
políticas (polity) refletem no processo de negociação de conflitos políticos (politics) e
este, por sua vez, afeta o resultado concreto de uma polítca (policy) (FREY, 2000, p.
219).
Para efetuar estudos e análises, costuma-se usar modelos explicativos. Ao
proceder assim, geralmente se atribui a dimensão polity (estudo das instituições) o papel
de variável independente, como uma estrutura “dada”. Aliás, o uso dos modelos é que
determinam a condição de dimensão analisada: pode-se partir de estruturas
institucionais não dinâmicas; estruturas políticas dadas; ou considerar todas as três
dimensões como reflexivas.
Assim, o objeto de pesquisa em uma análise de políticas públicas (o que se
estuda) depende do modelo teórico-metodológico adotado e do que se propõe a estudar.
A área de políticas públicas é um campo multidisciplinar, um território de diversas
disciplinas, o que acarreta múltiplos olhares. Dentro de uma das subáreas do estudo da
política pública, há a avaliação de política, a qual costuma ser mais desenvolvida pela
35
economia, cujo uso de técnicas quantitativas tende a limitar o número de variáveis
explicativas, tornando algumas análises estáticas, considerando dimensões “dadas”
(constantes), e focando seu poder explicativo para apenas algumas dimensões.
Em relação a pesquisa pode se afirmar que os estudo sobre políticas públicas
estão subdivididos em: formulação, implementação e avaliação de políticas. A
formulação se foca mais sobre o processo decisório e o de tomada de decisão. A
implementação fixa-se no exame das estratégias adotadas pelo governo para executar as
decisões tomadas. A avaliação é um conjunto de procedimentos que visa examinar o
conteúdo, o resultado e a qualidade da ação governamental (GUERRERO, 1995;
AGUILAR, ANDER-EGG, 1995).
Cada subárea realiza estudos específicos, focalizados em determinados aspectos.
Para a análise destes aspectos, o campo de estudo sobre políticas públicas se serve de
modelos analíticos. Pesquisas sobre o processo decisório e tomada de decisão recebem
atenção há mais tempo, enquanto que os estudos sobre avaliação e implementação
vieram depois15
.
Há de se ressaltar que cada modelo é utilizado para explorar determinados
aspectos. A área de formulação pode ser considerada como a de maior robustez teórico-
metodológica, a da implementação é marcada pela “quase inexistência de análises mais
sistemáticas” e a avaliação pela “notória carência de estudos dedicados aos processos e
às metodologias de avaliação de políticas”, segundo Faria (2003, p. 22).
Cabe lembrar que os primeiros modelos acerca da análise de políticas tinham a
pretensão de entender as ações do governo e as consequências dessas ações, logo, estas
análises procuram abranger tanto a implementação quanto a avaliação. Mas, conforme
evoluiu a disciplina, surgiram modelos alternativos que buscavam a compreensão de
aspectos considerados negligenciados pelos modelos voltados ao processo decisório
(SIMAN, 2005).
15
Harold Lassswel é considerado o pai das políticas públicas, ao introduzir a expressão “policy analysis”
em seu livro: “Politics: Who Gets What, When, How” - 1936. Até meados dos anos 1980, houve
crescimento da utilização de métodos próprios dentro da análise de políticas, isto é, a criação de modelos
analíticos cujo objetivo é analisar ação do governo. A partir desses estudos, no decorrer do
desenvolvimento da disciplina de análise de políticas, se empregava tais modelos, no entanto suas
abordagens, ao passo que não eram totalmente suficientes para se entender todo o complexo conjunto da
ação governamental, exigiam outros tipos de estudos. Como a área é marcada pela interdisciplinaridade,
algumas áreas como a administração pública e a economia, por exemplo, começaram a desenvolver
análises do tipo avaliação e, mais tarde, implementação das políticas. Pode-se dizer que o timing do
desenvolvimento das tipologias de análise são diferentes com relação às sub-áreas de pesquisa
(GUERRERO, 1993; SIMAN, 2005).
36
Houve a divisão em subáreas e um crescimento de estudos setoriais, justificados
tanto pela emergência do economicismo, advindo das reformas da administração
pública (o que impulsionou as análises de avaliação – eficácia e eficiência) quanto das
limitações para se desvendar o mistério de como a intenção (decisão política) se
traduzia em ação (a decisão posta em prática, efetivada – análises de implementação)
(GUERRERO, 1995).
2.1.1. Modelos de análise de políticas públicas16
Para a análise de políticas públicas, assim como de outras áreas de estudo, faz-se
uso de modelos, que nada mais são do que uma “representação simplificada de algum
aspecto do mundo real” que se pretende analisar. São mapas que pretendem conduzir o
esforço de um pesquisador para a identificação de aspectos relevantes sobre o estudo de
políticas e auxiliar no processo de proposição e de explicações sobre o funcionamento
destes “aspectos” (Dye, 2009, p. 99).
Os modelos voltados para o chamado processo decisório e para o processo de
tomada de decisão são os que atraíram, ao longo dos anos, a atenção dos estudiosos de
políticas públicas. Portanto, concentram a maior parte dos modelos existentes. Tenta-se
aqui, de modo sucinto, citar alguns dos modelos existentes17
. Amparado em Dye (2009,
p. 100-101), ressalta-se que:
Esses modelos não são competitivos, no sentido de que algum deles possa ser
julgado o ‘melhor’. Cada um focaliza um aspecto distinto da vida política e
pode nos ajudar a entender coisas diferentes das políticas públicas. (...), esses
modelos são utilizados, isolada ou conjuntamente, para descrever e explicar
políticas específicas. (...)
o Modelo Institucionalista: observa a política como produto institucional. Uma decisão
política só se transforma em política pública depois de adotada e implementada, o
que ocorre via instituições governamentais. Estas instituições facilitam ou obstruem
determinadas políticas, o que leva a considerar que a estrutura das instituições
governamentais acarreta significativas consequências políticas. Pouca atenção é
atribuída à ligação entre a estrutura das instituições políticas e o conteúdo da política.
o Modelo Elitista: a política é o resultado de preferências e valores da elite. Parte-se da
premissa de que a sociedade é apática e mal informada sobre políticas públicas e que
16
Retirado do mapeamento efetuado por Dye (2009), Rua (2009) e Siman (2005). 17
Para conhecimento de mais modelos, ver Dye (2009), Souza (2006), Frey (2000), Rua (2009) e Siman
(2005).
37
os agentes que formam a opinião pública são da elite. Todo o processo de tomada de
decisão é determinado pela elite, restando às instituições apenas um valor simbólico,
vez que são apoderadas pela elite. Visando a preservação do sistema em favor das
elites, as mudanças em políticas públicas raramente ocorrem e, quando ocorrem, são
incrementais. Quando ocorrem mudanças na natureza do sistema político são para
preservar o sistema e a posição das elites nele. Isso não significa que as políticas
públicas sejam contra as massas, mas que a responsabilidade pelo bem-estar das
massas fica sob os ditames das elites.
o Modelo Racional: a política pública é racional quando a diferença entre os benefícios
que ela produz é maior que qualquer outra proposta. O racionalismo envolve o
cálculo de todos os valores sociais, políticos e econômicos sacrificados ou
alcançados por uma política pública, não apenas aqueles que podem ser medidos em
termos monetários. Essa racionalidade pressupõe que as preferências valorativas da
sociedade possam ser conhecidas e ponderadas, assim como o cálculo dos custos
versus benefícios, para depois se escolher a proposta mais eficiente.
o Modelo Incremental: a política pública é uma continuação das atividades
governamentais anteriores com apenas algumas modificações incrementais.
Restrições de tempo, de informações e de recursos impedem a identificação de
alternativas às políticas já existentes, o que leva os formuladores de políticas a
optarem por acréscimos às políticas existentes, por ser mais seguro manter
programas conhecidos quando as consequências de novos programas não podem ser
previstas. Isto serve para diminuir conflitos, manter a estabilidade e preservar o
próprio sistema político, uma vez que acordos são mais prováveis ao situar mudanças
incrementais do que grandes mudanças.
o Modelo de Processo: pretende descobrir padrões identificáveis de atividades ou
“processos”, agrupando várias atividades com base em sua relação com as políticas
públicas. Visualiza-se o processo político através da identificação de problemas,
organização de agenda, formulação, legitimação, implementação e avaliação. Ao se
ater a esses processos evitam-se análises sobre o conteúdo das políticas. Através
desse modelo não se analisa o conteúdo da política pública e sim, o processo por cujo
intermédio elas são desenvolvidas, implantadas e mudadas.
38
QUADRO 01 - TIPIFICAÇÃO DOS MODELOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Tipificação dos modelos de políticas públicas18
Modelo Processos que analisa Foco
Institucional Formulação,
Implementação Instituições governamentais
Elitista Formulação Poder da elite
Racional Formulação, avaliação Avaliação de propostas
Incremental Formulação Poucas propostas
Teoria dos
Jogos Formulação
Jogo racional
(modelagem matemática; econometria)
Escolha
Pública Formulação
Grupos de interesses; lobbies
(modelagem matemática; econometria)
Processo Formulação,
implementação, avaliação
Processo pelo qual são desenvolvidas,
implementadas e mudadas Fonte: adaptado de Winkler pós-fácil de Dye (2009, p. 129).
Como disposto no quadro 01, nem todos os modelos se preocupam com todas as
“fases” de uma política pública. Assim, desenvolvem-se “Tipos” de análises que visam
instrumentalizar áreas pouco abordadas ou abordadas de modo incipiente pelos modelos
expostos, sendo eles:
Tipos de Implementação
Usa-se o termo “tipos” no lugar de “modelos” por dois motivos. O primeiro se
relaciona à falta de acordo conceitual quanto ao processo de implementação, que leva a
uma imprecisão conceitual, vez que em determinado aspecto se mistura com uma parte
do processo de avaliação. O segundo, e este é mais contundente, se trata do
“reconhecimento da falta de uma teoria sobre a implementação.” (Siman, 2006, p. 65).
Cabe argumentar, de acordo com Sabatier (apud Siman 2005, p. 60) que “os
estudos de implementação ainda carecem de uma abordagem que dê conta de explicar o
por quê da distância entre o que se pensa e o que se faz”. Mesmo após tais
considerações, é possível relacionar alguns padrões de análise para o processo de
implementação.
Para Perez (apud Siman 2006, p. 65), há três visões sobre o que trata a
implementação: (a) a primeira, refere-se a todo o processo - da tomada de decisão,
execução e impacto de uma política; (b) a segunda, argumenta que: a implementação
não se confunde com seu produto, portanto não envolve a tomada de decisão e sim a
execução desta; (c) a terceira, trata da operacionalização da decisão, separada entre um
momento pós-decisão e outro pré-execução, em que se define metas, objetivos e
recursos.
18
Alguns modelos expostos nesta tabela não foram desenvolvidos ao longo do texto, pelo fato de não se
pretender realizar uma extensa exposição dos modelos existentes.
39
Dentre os tipos de implementação os que tiveram maior repercussão foram as
estruturas propostas para analisar o processo de implementação, pelo padrão Top-Down
(Forward) e o padrão Bottom-up (Backward). No Top-Down a análise se efetiva
mediante separação entre o processo de formulação da política e o processo de
execução. Julga ser possível medir o sucesso/fracasso mediante a contraposição entre
meta e objetivo. Os problemas da implementação decorrem do controle e da
organização de quem toma as decisões. As decisões dos formuladores de política são
capazes de garantir a execução da decisão tomada, desde que o desenho da política
proposto dê conta dos procedimentos, metas, recursos, enfim, tenha considerado todo o
complexo de normas e atores para a realização da implementação (SIMAN, 2005).
Este tipo centra-se na apuração da eficiência de programas governamentais, na
passagem da decisão política para sua materialização. Pressupõe-se que há separação
entre as questões políticas e questões administrativas, residindo nesta última a
neutralidade política (ausência de conflitos), restando à implementação ser realizada por
critérios técnicos, profissionais, com a busca por resultados de modo otimizado,
impessoal. Estas considerações são, de modo geral, o alvo de muitas críticas com
relação aos processos de implementação e à sua construção analítica, fazendo emergir
outro padrão de análise que se julga capaz de superar estas deficiências.
O tipo Bottom-up não se preocupa com a realização de metas ou objetivos e sim,
em desvendar como ocorre a interação entre os atores que executam a decisão tomada.
Busca conhecer quais são suas estratégias, porque supõe que os responsáveis (a
burocracia) por executar a política promovem distorções no processo. Rejeita idéia de
separação entre universo político e o administrativo, pois reconhece as dimensões
políticas ligadas à implementação das políticas, dado que se travam áreas de conflitos
dentro da própria burocracia. (Siman, 2005).
Siman (2005, p. 62, apud Sabatier, 1986) fez uma proposta para sintetizar estes
modelos, para ele caberia analisar a implementação através do processo de decisão
política, considerando-a como uma etapa da tomada da decisão.
Tipos de Avaliação19
O aspecto mais controverso da avaliação deve-se ao fato de ser algo corriqueiro
que as pessoas fazem constantemente: uma ponderação baseada em valores. A avaliação
é algo que realizamos cotidianamente, mas não dispomos de informações adequadas,
19
O desenvolvimento desse item baseia-se nos livros de Aguilar e Ander-Egg (1994) e Cohen e Franco
(2004).
40
objetividade e nem precisão do que estamos a julgar. Por isso, deve-se separar a
avaliação em: a avaliação informal e a sistemática (AGUILAR, ANDER-EGG, 1994).
A informal e a sistemática compartilham do mesmo objetivo, só se distinguem
quanto aos métodos, pois a sistemática se apoia no uso de procedimentos e métodos
científicos, utiliza informações para julgar o valor de um fenômeno, de modo que esse
julgamento seja justificável. O que contrasta com a informal justamente, pois esta não
se preocupa em fundamentar, de maneira explícita, o juízo pelo qual se emite o valor de
algo (AGUILAR, ANDER-EGG, 1994).
A avaliação é entendida como um processo que visa emitir um juízo de valor,
através da estimação ou apreciação, seja de objetos, processos ou situações. O conceito
de emitir um juízo de valor deve sempre ser considerado, pois é isto que o separa da
simples medição de um fenômeno (“determinar a extensão e/ou quantificação de
alguma coisa”) do “ato ou processo de determinar o valor dessa coisa”, isto é, separar
uma informação (processo de medição) do processo de valoração da informação, que é
o ato de emitir um parecer sobre o objeto avaliado20
.
Há diversas definições sobre o que é uma avaliação, Aguilar e Ander-Egg (1994,
p. 24-31) citam por volta de 20 definições, estabelecendo uma definição própria após
considerar todas as demais: avaliar é identificar de maneira válida e confiável,
informações para efetuar um juízo de valor a diferentes componentes de um programa,
que já se realizou, estão sendo realizados ou se realizarão. É contribuir, através desse
processo, para a tomada de decisão na solução de problemas e, também, ajudar no ato
de estabelecer a compreensão dos fatores que levam ao fracasso ou sucesso dos
resultados alcançados por uma política.
Tomando a avaliação por esses termos, o estudo de avaliação pode ser
classificado de diferentes maneiras: de acordo com o momento em que é realizada a
avaliação, segundo a função da avaliação, conforme a procedência dos avaliadores e de
acordo os aspectos dos programas alvo de avaliação.
Atendo-se ao momento em que é realizada, pode-se ter: (a) avaliação ex-ante:
feita no curso do planejamento, observando a adequação do projeto à realidade, sua
viabilidade (meios/recursos e objetivos; diagnósticos e proposições); (b) avaliação
durante a execução: realizada durante o processo de implementação para verificar se o
20
Aguilar e Ander-Egg (1994, p. 19) argumentam que se pode medir sem valorar e o contrário também é
válido. Única observação a ser feita é a contribuição que a medição dá à tarefa de avaliar, isto é, emitir
um juízo sobre algo.
41
cumprimento da política está de acordo com a proposta inicial, para decidir a
continuação, o encerramento ou modificações; (c) avaliação ex post: feita depois de
encerrada a execução da política. Não se trata de avaliação após a política ter sido
implementada, e sim, depois de extinguido a política, com a finalidade de medir o
impacto desta. Mede-se basicamente a eficiência, a eficácia e a efetividade (AGUILAR,
ANDER-EGG, 1994; COHEN, FRANCO, 2004).
De acordo com as funções, avaliação, pode ser somativa: estudos dos resultados
ou efeitos de um programa, investigam-se os efeitos comparando-os com as
necessidades dos beneficiários da política. Pode ser formativa: estudos para ajudar a pôr
em andamento ou melhorar o que está sendo executado.
Conforme a procedência dos avaliadores, a avaliação pode ser externa
(avaliadores não são vinculados à instituição executora da política em avaliação),
interna (feita com a participação de pessoas que pertencem à instituição promotora ou
gestora da política, sem necessariamente serem os próprios executores).
Traçando uma visão panorâmica sobre os estudos de políticas, a quase uma
década atrás, Souza (2003, p. 15-18) apontou algumas preocupações quanto ao estágio
desses estudos no Brasil, sendo: (a) a escassa acumulação de conhecimento na área,
advinda da falta de diálogo entre pesquisadores quanto ao conhecimento e o debate
sobre o que se pesquisa21
; (b) o problema do crescimento horizontal excessivo (estudos
voltados a áreas específicas: agricultura, educação) vesus a falta de fortalecimento
vertical (voltados para uma “ciência das políticas públicas”: desenvolvimento analítico
de teorias e metodologias).
Esta dissertação se situa na abordagem teórica que presume a utilização do
modelo Múltiplos Fluxos, de utiliza-lo como um aparato que auxilia na análise do
objeto proposto. Este trabalho não compromete com o “fortalecimento vertical” do
21
Acrescentaria que a confusão terminológico-conceitual, ou mesmo a falta de delimitação clara da
dimensão que se estuda (polity, politics ou policy) também está presente. Muito do que é produzido,
estudado e classificado como estudos sobre “políticas públicas” não demonstram clareza do instrumento
analítico utilizado. Talvez necessite de maior diálogo quanto aos conceitos e grande esforço para difundir
maior sistematização da disciplina sobre políticas públicas. Tal sistematização deve tentar situar os
pesquisadores dentro do amplo campo de estudo que este se insere, pois não é o que ocorre em grande
parte dos trabalhos encontrados com títulos sobre “políticas públicas” nos periódicos brasileiros.
Ainda acrescentam-se as considerações de Reis (2003, p. 12): “É evidente que não se exige de ninguém
que, cada texto ou cada discussão, se detenha na consideração das pressuposições analíticas que
sustentam sua análise. Tampouco se espera uma confissão de fé em determinado paradigma teórico ou
uma explicitação recorrente de preferências normativas. Mas, deve-se esperar sim que o cientista
político tenha claro em que campo teórico se inscreve seu trabalho e quais os principais competidores
desse marco. Isso é condição básica para que o diálogo intelectual seja frutífero.”.
42
campo de pesquisa em políticas, como aludido por Souza (2003), porque para isto, teria
que “testar” o modelo.
2.2. O MODELO DE MÚLTIPLOS FLUXOS
Com vista a instrumentalizar a análise pretendida, Jonh Kingdon22
desenvolveu
um modelo (Multiple Streams) para analisar políticas do governo norte-americano. O
modelo consistiu numa variação do desenvolvido por Michael Cohen, James March e
Johan Olsen (em 1972 no livro: Democratic Governance). O modelo de Kingdon
(Multiple Streams) buscou identificar a existência de correntes que agem influenciando
e mudando as políticas públicas (CAPELLA, 2006; CALDAS, 2007; PINTO, 2008).
O Multiple Streams, de acordo com Capella (2006), constitui-se em importante
ferramenta para a análise do processo de formulação de políticas, pois, através dele, se
observam as dinâmicas dos processos políticos, as quais mostram como os problemas
são encarados e absorvidos pelo governo, e se chegam a se transformar, de fato, em
objeto de intervenção do Estado.
Com o Multiple Streams pode-se elucidar as formas como são constituídas as
decisões acerca das políticas públicas. Kingdon considerou as políticas públicas como
que compostas de quatro fases: formação de uma Agenda de políticas públicas, as
ponderações acerca das Alternativas para a Formulação de políticas, a Escolha de uma
alternativa e sua respectiva Execução. A Agenda pode ser definida, inicialmente, como
um conjunto de preocupações dos formuladores de políticas que devem suscitar
soluções (CAPELLA, 2006, p. 25).
O processo de formação dessa Agenda contém a pauta das decisões sobre as
intervenções realizadas. Assim, explicar os condicionantes da sua formação é o mesmo
que explicar como as ações do governo são tomadas: “... por que alguns problemas se
tornam importantes para um governo? Como uma ideia se insere no conjunto de
preocupações dos formuladores de políticas, transformando-se em uma política
pública?” (KINGDON, 2003 apud CAPELLA, 2006, p. 25).
Na perspectiva de Kingdon, a Agenda é definida mediante três fluxos: fluxo de
problemas (problems stream), fluxo de soluções ou alternativas (policies stream) e
fluxo político (politics stream). Quando ocorre a convergência desses fluxos, muda-se a
22
Em um livro de 1984: Agendas, alternativas, and public policies.
43
Agenda, propiciando que uma nova questão se estabeleça. A partir da fixação de um
problema na Agenda e a decisão de resolvê-lo, mediante uma política pública, passa-se
às considerações sobre sua elaboração (CAPELLA, 2006).
Portanto, a análise de políticas públicas deve reconstruir o processo social e
político que esteve na origem de tal política pública. Quais fatores deram origem à
demanda por essa política e quais ações foram efetuadas para atender a essa demanda.
São questões que requerem a reconstrução do processo de formação da Agenda do
governo, pois é ele que leva à descoberta dos erros, omissões e imposições com relação
às políticas adotadas (AGUILAR, 2008).
Desse modo, a análise das condições institucionais, dos movimentos políticos e
da interação entre a sociedade e o Estado, permite entender o contexto em que as
políticas são geradas e quais as razões para que elas sejam efetuadas através de
determinados desenhos institucionais, em detrimento de outros.
A existência de uma política pública está subordinada à existência de um
conflito, isto é, de um problema, de uma demanda por parte da sociedade. Mas como os
problemas chegam ao governo? Através da formação da Agenda, definida a partir de
uma lista de assuntos que estão na ordem do dia.
A Agenda contém numa lista de dificuldades23
ou temas que chamam a atenção
da sociedade e do governo. Mas como explicar a predileção do governo por alguns
assuntos? Qual a razão para que determinados assuntos sejam alvos de intervenção em
detrimento dos demais?
Para responder esse questionamento Kingdon desenvolveu o modelo dos
Múltiplos Fluxos (Multiple Streams). Esses Fluxos seriam constituídos pelos problemas
(problemas stream), soluções (policies stream) e a política (politics stream). A interação
entre estes Fluxos é o que pode gerar as mudanças na lista de assuntos relevantes para a
sociedade e governo. É o que pode promover o deslocamento de um tema, tanto para
dentro quanto para fora da Agenda.
A Agenda pode ter os seguintes formatos: sistêmica, governamental e decisional.
A Sistêmica se refere às dificuldades e questões que requerem a atenção da sociedade e
do Estado sem, necessariamente, suscitar maiores preocupações por parte do governo. A
Governamental é formada pelo conjunto de temas que o governo assume e monitora de
23
Para Pinto (2008, p. 33) Kingdon faz distinção entre dificuldades e problemas. A primeira seriam os
temas importantes que estão em pauta para a sociedade e governo, mas só se tornam problemas caso as
pessoas acreditem que é necessária alguma ação para resolvê-lo.
44
perto. A decisória alude a um subconjunto da governamental, que abarca os temas a
serem decididos pelo governo, pois são problemas que se tornaram “públicos” e exigem
uma intervenção (VIANA, 1988; CALIFE, 2005; CAPELLA, 2005; MONTECINOS-
MONTECINOS, 2007).
Os temas que ascendem à Agenda decisional recebem a conotação de
“problemas públicos”. São entendidos como assuntos necessários para se fazer uma
intervenção, uma vez que não podem mais ser ignorado pelo governo, pois acarretam
grandes dificuldades ou conflitos.
A forma como se constrói cada Agenda e o entendimento do modo como os
temas migram de um formato para outro, isto é, o caminho que uma dificuldade
percorre para ascender ao status de problema público (a ser resolvido pelo governo)
pode ser explicado através da convergência dos Múltiplos Fluxos. E, também, através
da atuação dos vários segmentos da sociedade e do Estado (KINGDON, [2003] (1984)
apud CAPELLA, 2006; PINTO, 2008).
Os segmentos da sociedade e do Estado são chamados de “participantes ativos”,
sendo eles: agentes, atores ou organizações que atuam influenciando a formação da
Agenda, ainda são classificados como grupos visíveis ou invisíveis.
Entre os agentes governamentais que fazem parte do grupo visível, ou seja, os
que recebem atenção por parte da imprensa, do governo e da sociedade, estão: o poder
legislativo, o poder executivo, principalmente através dos ministros de cada área do
governo. Esses agentes são considerados vitais para a construção da Agenda, pois
através do exercício de suas funções estabelecem padrões de relacionamentos entre o
governo e os grupos de pressão. Além de obterem condições de definir quais questões
serão resolvidas e se entrarão ou não na pauta do governo (VIANA, 1988; FRANÇA,
2007).
No grupo de agentes governamentais intitulados como “invisíveis”, que não tem
muita exposição frente ao governo e sociedade, estão os integrantes da administração
pública (cargos de carreira) que podem, pelas experiências acumuladas, influenciar na
especificação de alternativas e no processo de execução das políticas.
Outro grupo que influencia na Agenda são os não-governamentais, também
classificados entre agentes invisíveis e visíveis. No primeiro grupo estão os
especialistas, os pesquisadores e os acadêmicos (a chamada policy communities), cuja
maior influência reside na especificação de alternativas. No segundo grupo situam-se a
mídia, os partidos políticos e os grupos de interesses organizados, agindo na formação
45
da agenda. A mídia influencia a opinião pública e por isso tem “poderes” de construir
uma agenda, já os partidos políticos e os grupos de interesses (lobbies) agem mais
através do bloqueio de temas do que na inserção. A atuação desses atores ocorre dentro
dos processos, de Múltiplos Fluxos (VIANA, 1988; FRANÇA, 2007).
2.2.1. Fluxo de problemas – a entrada de um tema na Agenda
Esse Fluxo busca explicar o processo pelo qual um assunto se constitui em um
problema e se fixa na Agenda governamental. Definir o que é um “problema” revela-se
um desafio, dado que nessa “descoberta” estão os caminhos por onde se desenvolve a
ação do Estado.
Há três mecanismos que são capazes de alçar um tema à condição de problema,
capazes de chamarem a atenção dos formuladores de políticas para atentarem para um
evento. Para Viana (1988), os mecanismos que “tornam os assuntos proeminentes”, são:
Indicadores, Crises e Feedback.
O papel dos Indicadores reside em sua capacidade de gerar diagnósticos, apontar
para a necessidade de mudanças numa realidade. Eles são utilizados para retratarem
realidades sociais e apontar situações que causam preocupações à sociedade e/ou ao
governo. Como exemplo destaca-se: a emergência do desemprego, da pobreza e da
violência, as quais são frequentemente retratadas através da divulgação de estatísticas
públicas.
Variações drásticas nessas estatísticas normalmente levam a uma reação por
parte da mídia, da população e do meio político, frente ao que se querem mudanças. O
que acaba por elevá-los ao status de problemas públicos.
Conforme Capella (2006, p. 27):
[...] Indicadores, no entanto, não determinam per si a existência concreta de
um problema, antes são interpretações que auxiliam a demonstrar a existência
de uma questão. Assim, contribuem para a transformação de questões em
problemas, principalmente quando revelam dados quantitativos, capazes de
demonstrar a existência de uma situação que precisa de atenção. [...]
As Crises são acontecimentos capazes de atrair a atenção imediata para
determinadas questões. Eventos que tomam a proporção de uma Crise não podem mais
ser ignorados, sob pena de aumentarem, se propagarem ou saírem do controle. As
epidemias e os desastres representam bem esse mecanismo. Como exemplifica Pinto
(2008, p. 18):
46
[...] homicídios chamam a atenção para questões de segurança pública;
desastres rodoviários podem apontar para a deterioração das rodovias. A
ocorrência de alguma crise, no âmbito do sistema de serviços de saúde, por
exemplo, na área hospitalar, contribui para dar visibilidade a um problema
que pode ser o ponto de partida da formulação da política.
O Feedback ocorre através da avaliação sistemática dos órgãos públicos, por
gestores e administração pública, que através das experiências sobre questões
enfrentadas ou políticas executadas, identificam novas demandas, questões ou
dificuldades que tem potencial para se tornarem problemas. A aproximação entre esses
gestores com os canais de implementação e operacionalização das políticas coloca-os
frente às reivindicações de diversos agentes (CAPELLA, 2006; PINTO, 2008).
Mesmo que Indicadores, Crises e Feedback apontem para dificuldades, eles não
são suficientes para transformarem assuntos em problemas públicos, os quais, para
Capella (2006, p. 27), “são construções sociais, envolvendo interpretações”. Tal
percepção é corroborada por Subirats (2006), para quem os problemas são “artificiais” e
são construídos mediante os interesses dos envolvidos24
na questão em foco.
Assim, o modo como cada questão é tratada, isto é, a forma como são percebidos
os assuntos, as causas e razões de existência; assim como, o que seu agravamento pode
acarretar são construções que partem de interpretações nem sempre consensuais. A
emergência ao status de problema público depende muito mais da coalizão dos
participantes ativos, principalmente daqueles que centram seus esforços entorno do
fluxo político.
2.2.2. Fluxo de soluções – a especificação de Alternativas
O Fluxo soluções é constituído pelas possíveis alternativas para os problemas.
Sua importância reside no fato que após a entrada de um assunto na Agenda decisória
(seu reconhecimento como um problema público) define-se qual estratégia para o
enfrentamento de tal problema.
Considera-se que a escolha de alternativas está intrinsecamente ligada à
definição do problema. O diagnóstico do problema precisa estar bem delineado, antes
que se proponham ações para a sua solução, sob o risco de se agravarem os problemas
que se pretendiam resolver. Para Subirats (2006), oferecer uma definição errada para um
24
Lobato (2006) aborda a representação de interesses e seus efeitos sobre a formulação de políticas
públicas.
47
problema produz muito mais erros do que oferecer uma má solução para um problema
bem delineado, diagnosticado.
Depreende-se que o mundo das soluções está ligado ao mundo dos problemas.
Embora, Capella (2006) argumente que no Múltiplos Fluxos as ideias geradas não estão,
necessariamente, relacionadas à percepção de problemas específicos. Posto que as
questões colocadas na Agenda governamental não surgiam em par com uma solução:
“as pessoas não necessariamente resolvem problemas. [...] Em vez disso, geralmente
criam soluções e, então, procuram problemas para os quais possam apresentar suas
soluções” (Kingdon, 2003, p. 32 apud Capella, 2006, p. 27)25
.
A noção de que as ideias geradas (Alternativas propostas) não se assemelham
aos problemas, sugere a que problemas e soluções pertençam a fluxos diferentes e,
portanto, são criados por processos e arenas diferentes. Mas, isso não retira a
necessidade de convergência entre o diagnóstico e a definição exata e precisa de um
problema, como pressuposto para a especificação de alternativas adequadas e eficientes
para solucioná-lo.
Daí a relevância de a dinâmica do Fluxo de Soluções estar relacionada ao
conjunto dos participantes ativos, dos que são responsáveis por gerar as alternativas
para os problemas. Nesse grupo se encontram os pesquisadores, os acadêmicos,
funcionários públicos, analistas de grupos de interesses, mídia e membros do legislativo
(VIANA, 1988, CAPELLA, 2006; PINTO, 2008).
A produção de Alternativas está associada à seleção das alternativas e de ideias,
cuja resolução do problema requer um processo de seleção em que “as melhores” se
sobressaem. As ideias e soluções são geradas pelos participantes ativos, uma parcela
dos atores invisíveis, compostos pelos cientistas, comunidades acadêmicas,
pesquisadores, burocracia e etc.
Nessa dinâmica de produção de soluções e propostas, alguns indivíduos aceitam
alguma alternativa como viável e iniciam a difusão da proposta, buscando sensibilizar
pesquisadores, acadêmicos, formuladores de políticas e o público em geral, através da
persuasão. Este aspecto, cunhado de soften up por Kingdon, é importante, pois sem a
sensibilização que ele agrega dificilmente são aceitas as alternativas apresentadas. No
25
Capella (2006, p. 47) coloca em notas finais o texto no original: ”people do not necessarily solve
problems. [...] Instead, what they often do is generate solutions, and then look for problems to which to
hook their solutions”.
48
final, as alternativas que se mostram mais viáveis, técnica e politicamente, se
sobressaem e são apresentadas aos formuladores de políticas (CAPELLA, 2006).
Nas palavras de Subirats (2006, p. 203 – tradução própria):
De fato, ao vincular de maneira clara a definição ou a abordagem do
problema com o processo de tomada de decisão (“eu decido que este é o
problema”), nos aproximamos de uma visão “labiríntica” do tema. Em um
labirinto existem diferentes vias, cuja única diferença reside no que vemos ao
fim: prêmio ou beco sem saída.
Toda construção do Fluxo de Soluções requer que a alternativa esteja ligada a
uma conjuntura que lhe seja favorável, ao ponto de ela se sobressair no espaço dos
conflitos de interesses envolvidos na escolha. Dentre as vias do labirinto, apenas uma é
a estrada correta. A definição do problema, juntamente com a análise das limitações das
alternativas existentes, considerando o que se admite possível de ser realizado é a
resposta para encontrar o prêmio, ao invés do beco sem saída.
2.2.3. Fluxo político – a tomada de decisão
Este Fluxo que age influenciando a Agenda é composto pela dimensão da
política, no sentido de conflitos e negociações presentes nos processos de barganha. Ele
tem conexão com os fatores relacionados ao “clima nacional”, às forças políticas
organizadas e a mudanças no interior do próprio governo.
O “clima nacional” é uma espécie de “humor nacional”, caracterizado através de
uma situação em que grande número de pessoas compartilham as mesmas preocupações
ou ideias, em um dado momento. Não se trata da opinião da nação como um todo, mas
sim, da percepção de alguns setores, mais representativos da sociedade, que através de
diversos recursos de comunicação (vários tipos de mídia; eventos e encontros
científicos; eventos e encontros setoriais e etc.) passam o estado do “clima ou humor”
nacional (BRITO, 2009).
O “clima” ou “humor nacional” é um elemento que sinaliza a recepção da
sociedade em relação a determinados temas, bem como a possível receptividade para
determinadas soluções. A aceitação e o veto podem ocorrer de acordo com a percepção
do “clima favorável” a uma ideia. Essa dinâmica explica como algumas questões
emergem em detrimento de outras (CAPELLA, 2006).
As forças políticas organizadas interferem na dimensão política deste Fluxo, e
faz-se através dos grupos de pressão. Caso exista consenso entorno de uma questão,
49
constata-se “ambiente propício” para o desenvolvimento desta, e se existe veto por parte
de algum grupo de interesses, sabe-se haver custos relevantes para o processo ser levado
adiante (CAPELLA, 2006; BRITO, 2009).
Uma forma de identificar mudanças na agenda está relacionada ao papel de
setores governamentais em eleger temas como relevantes. Indivíduos em posições
hierárquicas mais altas, dentro da estrutura governamental, podem influenciar a escolha
de temas e elegê-los como prioritários. Do mesmo modo ocorre no legislativo e em
empresas públicas. Quando há mudanças no quadro administrativo, nos quadros de
representação política (executivo e legislativo), nos mandatários dos órgãos públicos
(ministérios, secretarias e qualquer instituição pública), potencializa-se o processo de
mudança na agenda.
A passagem de um governo para outro propicia grandes mudanças na agenda,
considerando as propostas políticas de cada governo, compromissos assumidos, assim
como os atores que apoiaram e fazem parte de uma coalizão. Nessa coalizão, há grupos
de pressão, opinião pública e movimentos sociais, assim como a pressão do legislativo e
das agências administrativas agindo para determinar o clima político para a mudança da
agenda, influenciando o processo de obstrução ou favorecimento de uma questão
(CAPELLA, 2006).
No processo de constituição da Agenda, o modelo de Múltiplos Fluxos
argumenta que em determinadas circunstâncias os três fluxos convergem e geraram
oportunidade de mudança na agenda. O momento de convergência ocorre quando há um
problema público, gerado pelo fluxo de problemas; uma solução disponível, emergida
do fluxo de soluções; e condições políticas que propiciam essa ocorrência. A interação
entre estes Fluxos é o que promove o deslocamento de um tema, tanto para dentro
quanto para fora da Agenda.
Esse processo de confluência dos fluxos é denominado como Coupling, e ocorre
mediante determinadas circunstâncias chamadas de Policy Windows. Para que ocorra a
junção dos fluxos (coupling) em determinados momentos propícios, é preciso que se
tenha as chamadas “janelas políticas” (policy windows) e nelas se destaquem os Policy
Entrepreneurs (empreendedores da política). O coupling ocorre quando as policy
windows estão abertas e mediante a ação dos policy entrepreneurs ocorrem as mudanças
na agenda (CAPELLA, 2006; BRITO, 2009).
As policy windows, as oportunidades para mudanças, surgem mediante a
interação entre o Fluxo de Problemas e o Fluxo Político. Quando se constata a
50
emergência de um problema, quando há “clima nacional” ou mudanças no interior do
governo abrem as janelas de oportunidade para emergirem novas questões na agenda. O
Fluxo de Soluções, não gera a abertura de uma policy windows e não exerce influência
direta sobre alterações na agenda, vez que as soluções são posteriores à definição da
Agenda (CAPELLA, 2006).
Isto não significa que a convergência ocorra sem o Fluxo de Soluções, dado que
este se integra no momento em que formuladores de políticas se deparam com os
problemas. A partir do Fluxo de Problemas e Fluxo Político se se abrem as janelas, e da
mesma forma, também se fecham. O “fechamento” de uma janela deve-se ao não
alinhamento dos fluxos, à sua desarticulação. Assim, para ocorrer mudanças na agenda
é necessário esperar a próxima “abertura” de uma janela política, de uma janela de
oportunidade.
Não basta a existência de uma janela aberta para que ocorram mudanças na
agenda. É necessária a atuação de policy entrepreneurs, indivíduos com habilidade de
transmitir e representar ideias de grupos ou demais indivíduos entorno de uma
determinada questão. Estes indivíduos podem estar dentro do próprio processo
decisório, e agem promovendo a união entre soluções e problemas, consolidando
propostas a momentos políticos (CAPELLA, 2006, p. 31).
3. OS MÚLTIPLOS FLUXOS NA CONSTITUIÇÃO DA POLÍTICA
NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL
(PNSAN)
Nesta dissertação, com o modelo de Múltiplos Fluxos busca-se analisar o
surgimento e a institucionalização dos Consórcios de Segurança Alimentar e
Desenvolvimento Local (CONSAD), enquanto estrutura integrante de Política (pública)
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN). Nesse percurso, discute-se o
fluxo de problemas através de “A fome como problema público”, o fluxo de alternativas
com as “Políticas de combate à fome” e o fluxo político via “O retorno da fome à
agenda governamental”.
Com o primeiro fluxo demonstra-se a emergência do problema da fome, que
alçado a condição de política pública, se caracteriza como a resposta a um problema,
qual seja: o da insegurança alimentar que por muito tempo foi tratado como sinônimo
do problema da fome. O presente trabalho de pesquisa não se foca na questão da fome e
nem da segurança alimentar, e sim no processo de construção de uma política e de um
de seus programas - o CONSAD.
Com o segundo fluxo, “Políticas de combate à fome”, a perspectiva adotada está
assentada na questão do diagnóstico sobre o problema fome/insegurança alimentar, que
contribuiu para uma evolução sobre a percepção do problema.
Com o fluxo o político examina-se “O retorno da fome à agenda
governamental”. As condições que alçaram o problema à agenda nacional e como se
desenvolveu o processo que o elevou ao status de “problema público”, colocando-o na
agenda decisória. A discussão sobre “redescoberta da fome” abrem o caminho para
discussão do Coupling, o encontro dos três fluxos, a “janela política” que possibilitou a
implementação da PNSAN.
Em síntese isto culminou na criação do Programa Fome Zero, uma etapa de
materialização da construção da PNSAN. O Programa Fome Zero, que procedeu a
criação do CONSAD, está tratado no âmbito do recorte temático, assim como as
diretrizes da PNSAN.
A Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional foi constituída após
os anos 80. As preocupações que levam à construção dessa Política têm raízes históricas
longas, datadas do início do século XX. A despeito de a fome, enquanto problema que
52
assola a humanidade, sempre tenha existido. O novo foi a forma como ele passou a ser
encarado: segurança alimentar (NASCIMENTO, 2009).
A evolução do tratamento da questão da fome constitui o cerne das políticas
voltadas para sua superação, considerando o modo como governo e sociedade atuam
para enfrentá-lo. Conforme mudam os diagnósticos sobre tal questão, mudam-se as
arenas nas quais são tratados.
A transformação da problemática da fome em uma problemática de segurança
alimentar reflete trajetória (não linear) da transformação dos diagnósticos, uma vez que
a simples mudança de nome muda a perspectiva de atuação das políticas públicas
brasileiras.
Bonfim (2004) analisou a mudança de termos, de fome à segurança alimentar, e
mostrou os conteúdos ideológicos presentes nos tratamentos desses termos. Partiu da
ideia de que a fome é uma cicatriz social de que todos se envergonham, enquanto alguns
tentam escancará-la para chamar a atenção para a situação, outros tentam amenizá-la.
A análise de Bonfim (2000) mostra os diálogos entre especialistas e jornalistas
sobre o tema da fome. Os discursos contêm a luta entre aqueles que buscam a mudança
da estrutura socioeconômica para a solução do tema e aqueles que contestavam essa
alternativa.
A discussão justifica, no caso brasileiro, o mundo dos conflitos em que se situa a
constituição da fome enquanto problema público e a delimitação da Política Nacional de
Segurança Alimentar, para o qual se percorreu um extenso caminho que se iniciou na
metade da década de 1940, quando a fome entrou na agenda das políticas públicas
brasileiras (BONFIM, 2000).
3.1. A FOME COMO PROBLEMA PÚBLICO: Fluxo de Problemas
No Brasil, a fome como problema público só entrou na agenda pública no início
do século XX. Até então, a fome era vista como um fenômeno decorrente de grandes
catástrofes, como a seca, a perda de colheitas ou a guerra (NASCIMENTO, 2009).
Foi com a obra clássica de Josué de Castro, em 1946, intitulada de “Geografia da
Fome”, que a questão entrou na agenda pública. Nesse estudo, o autor desmistificou a
forma como se produz a fome e como ela se transforma em um problema de grandes
proporções sociais, econômicas e políticas. Fundamentando-se numa perspectiva
53
multidisciplinar, que agregou a medicina, a geografia e a sociologia, demonstrou que a
natureza da fome se revelava muito mais como fenômeno econômico-social do que
biológico (BATISTA FILHO, 2003; BONFIM, 2004).
Ao afirmar que “a fome não se pode explicar a base de fenômenos naturais”,
Castro (1980, p. 114) fez um esquadrinhamento das razões da existência da fome nas
regiões brasileiras e as compôs conforme sua incidência e causas.
Antes de estabelecer a distribuição geográfica da fome, Josué de Castro definiu
as áreas de fome como endêmica e epidêmica. As áreas endêmicas seriam aquelas
marcadas por presença permanente de manifestações carenciais no estado de
desnutrição. As epidêmicas seriam aquelas marcadas por circunstâncias transitórias, no
estado de desnutrição. As áreas de fome foram definidas pela extensão numérica do
fenômeno, sendo consideradas aquelas em que pelo menos a metade da população
estivesse apresentando deficiências no estado nutricional (CASTRO, 1980, p. 59).
Com esta categorização estabeleceu como áreas de fome endêmicas, a Região
Amazônica, a Região da Mata e a Região do Sertão Nordestino. E áreas de fome
epidêmicas, as Regiões Centro-Oeste e Extremo Sul. Assim, passou a explicar os fatores
que levaram a fome e as condições que estabeleciam a qualidade alimentar de cada
região (CASTRO, 1980, p. 59-60).
A Região Amazônica com baixa densidade demográfica, grande extensão de
terra, ausência de recursos técnicos, meio geográfico impenetrável (florestas
amazônicas) e a pobreza natural da floresta equatorial para a produção de alimentos,
formava a tragédia geográfica da fome. No entanto, a fome estava assentada na ausência
de ações governamentais para atenuar a situação (CASTRO, 1980, p. 62-79).
Para o Nordeste adotou a seguinte subdivisão: Região Açucareira e Região do
Sertão. A primeira era caracterizada pelo solo fértil, clima tropical adequado para
produção de uma variedade de alimentos e uma floresta nativa abundante em árvores
frutíferas, fornecendo condições ao cultivo e ao consumo de uma infinidade de
alimentos. Entretanto, devido a ação colonizadora e a chegada da cana-de-açúcar houve
a degradação dos recursos naturais, o que contribuiu para a incidência das endemias na
região (CASTRO, 1980, p. 115-169).
Ao examinar a fome que assolava a Região Açucareira, constatou-se que a
exploração da cana-de-açúcar, aliada à estrutura socioeconômica que a atividade
estabelece, acarretava uma ação destrutiva sobre “... a estrutura biológica dos grupos
54
humanos que aí se fixaram e se desenvolveram...” (Castro, 1980, p. 115). Essa foi a
“nova” fome denunciada por Josué de Castro, a fome provocada pelas estruturas sociais.
A Região do Sertão foi caracterizada pelo tipo de fome, não-permanente. Nos
casos em que as secas assolavam a região, surgiam surtos agudos de fome e estes se
alternavam com períodos de abundância. Excetuando o quadro deplorável que
produzido pela seca, a Região do Sertão não se figuraria entre áreas de fome, entretanto,
como salienta Castro (1980, p. 175), essas secas, mesmo periódicas, desorganizam toda
a economia da região:
[...] São epidemias de fome global quantitativa e qualitativa, alcançando com
incrível violência os limites extremos da desnutrição e da inanição aguda e
atingindo indistintamente a todos, ricos e pobres, fazendeiros abastados e
trabalhadores do eito, homens, mulheres e crianças, todos açoitados de
maneira impiedosa pelo terrível flagelo das secas.
Como atingem a todos, as razões da prevalência da fome pareciam ser
“naturais”. Mas, Josué de Castro demonstra exatamente o contrário:
Muito mais do que a seca, o que acarreta a fome no Nordeste é o pauperismo
generalizado, a proletarização progressiva de suas populações, cuja
produtividade é mínima e está longe de permitir a formação de quaisquer
reservas com que seja possível enfrentar os períodos de escassez — os anos
das vacas magras, mesmo porque no Nordeste já não há anos de vacas
gordas. Tudo é pobreza, é magreza, é miséria relativa ou absoluta, segundo
chova ou não chova no sertão. Sem reservas alimentares e sem poder
aquisitivo para adquirir os alimentos nas épocas de carestia, o sertanejo não
tem defesa e cai irremediavelmente nas garras da fome. (CASTRO, 1980, p.
260)
Dessa forma, Josué de Castro colocou a fome em outra categoria que não a de
fenômeno natural. A razão da persistência da fome na Região do Sertão estava
assentada na natureza das estruturas socioeconômicas e não nas causas naturais. A
estrutura agrária concentrada, na visão do autor, era a responsável pelo desemprego que
assolava os trabalhadores.
Na Região Centro-Sul, área de fome epidêmica, em que se manifestavam apenas
desequilíbrios e carências alimentares que atingiam grupos reduzidos, a tragédia da
fome atingia a população pobre dos centros urbanos, principalmente nos bairros
operários e nos subúrbios, que não tinham condições de aquisição alimentar adequadas
tanto em termos de quantidade com de qualidade (CASTRO, 1980).
Desse modo tem-se uma nova construção para o problema da fome, que o
delimita como um fenômeno social. Pois, em regiões em que há fatores que propiciam o
cultivo de alimentos, não se justifica a existência da fome. Em regiões assoladas pela
seca, como o Sertão Nordestino, a fome é causada pela estrutura agrária concentrada e
55
pelo desemprego. E nas regiões Centro-Sul, a pobreza de boa parte da população é a
responsável por esse quadro de fome.
Com a referida obra de Josué de Castro, o tema da fome foi alçado à agenda
governamental, posto que demonstrou de forma clara, despida de constrangimento
político ou econômico, as razões pelas quais parte da população era atormentada pelo
flagelo da fome 26
. Segundo Pedro (2006), dizer que as pessoas passam fome porque não
se alimentam não passa de um truísmo, pois a fome possui história. A busca para
elucidar as razões pelas quais muitos não se alimentam seria a verdade a ser encontrada.
Ao denunciar a fome enquanto resultado de um processo histórico excludente e
do descaso produzido pelas políticas de desenvolvimento, que só agravaram o processo
de exclusão, Josué de Castro colocou na agenda governamental a necessidade de
políticas de combate à fome. Políticas que diminuíssem as desigualdades sociais, – a
pobreza generalizada em um país com imensas áreas cultiváveis e de grandes riquezas
naturais – que construíam o pano de fundo do retrato da fome (SOARES, 2003;
BATISTA FILHO, 2003).
3.2. POLÍTICAS DE COMBATE À FOME: Fluxo de Alternativas
Embora a obra de Josué de Castro tenha trazido importantes considerações a
respeito do problema da fome, bem como de seus efeitos maléficos que corroem a
estrutura social brasileira, Pinheiro e Carvalho (2010) afirmam que por muitas décadas
esse problema foi incapaz de mobilizar as forças políticas necessárias para enfrentá-lo.
As ações públicas foram iniciadas em 1909 com o Departamento Nacional de
Obras Contra a Seca (DNOCS). Estas se voltavam para o atendimento da região do
semi-árido nordestino. Não era ação exclusiva de combate à fome, era associada à seca,
mas tinha como finalidade o combate à fome. Outras ações foram a criação do
Comissariado de Alimentação Pública (CAP), em 1918, decorrente de greves operárias
ocorridas em 1917. Ele visava a regulação de gêneros alimentícios de primeira
necessidade (TAKAGI, 2006; NASCIMENTO, 2009).
26
No prefácio do livro Geografia da Fome (1980, p. 30), Josué de Castro fala sobre a falta de diálogos
públicos, tanto da sociedade quanto do governo, sobre um tema tão importante: “preconceitos de ordem
moral, política e econômica que tornaram a fome um tema proibido, ou pelo menos pouco aconselhável
de ser abordado publicamente”.
56
O marco para as políticas públicas de combate à fome foram ações efetuadas
após a publicação dos inquéritos sobre as condições de vida dos trabalhadores. O
primeiro inquérito desse tipo foi realizado por Josué de Castro em 1932, versando sobre
a classe operária do Recife. Na sequencia surgiram em São Paulo e Rio de Janeiro. A
partir das informações geradas por estes inquéritos formou-se a legislação que criou o
salário mínimo, em 1938, e o regulamentou em 1946, na Constituição27
(SILVA 1995;
BARROS, TARTAGLIA, 2003; BOMFIM, 2004; MACEDO et al., 2009;
NASCIMENTO, 2009).
A criação do Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), em 1940,
foi a primeira ação governamental decorrente da divulgação dos inquéritos sobre as
condições de vida dos trabalhadores. Este Serviço teve o escopo de prestar assistência
alimentar e nutricional aos trabalhadores formais. Dentre as medidas estavam:
obrigatoriedade das empresas com mais de 500 funcionários construírem refeitórios;
criação de restaurantes populares; comercialização de produtos alimentares (a preço de
custo para trabalhadores com família numerosa); provimento de alimentação para
estudantes e auxílio doença (SILVA, 1995; BARROS, TARTAGLIA, 2003;
NASCIMENTO, 2009).
O SAPS se constituiu no embrião dos atuais programas de alimentação do
trabalhador, dos programas de alimentação escolar e dos restaurantes populares
(implementados, décadas depois pelo programa Fome Zero), hoje tutelados pelo
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (NASCIMENTO, 2009).
Depois do SAPS surgiu o Serviço Técnico de Alimentação Nutricional (STAN),
para orientar a produção agrícola e a produção industrial de alimentos, bem como
fornecer assistência técnica à indústria, através de laboratórios de tecnologia de
alimentos. Dessa experiência constitui-se a Comissão Nacional de Alimentação (CNA),
em 1945 que teve a responsabilidade de realizar estudos sobre a alimentação do povo
brasileiro e promover a educação alimentar (SILVA, 1995; NASCIMENTO, 2009;
BARROS, TARTAGLIA, 2003).
As ações do Estado eram vinculadas a propostas de educação alimentar dos
trabalhadores e adequação técnica das indústrias e da agricultura, não preconizando
ações que representassem transformações sociais ou auxílio às pessoas assoladas pela
27
De acordo com BARROS E TARTAGLIA (2003), “a instituição do Salário Mínimo, pela Lei 185 de
14/01/36, regulamentada pelo Decreto-Lei 399 de 30/04/38 considerava que ele deveria garantir, entre
outros itens, uma ração essencial mínima, teoricamente capaz de prover o aporte nutricional necessário
ao trabalhador”.
57
fome, à exceção do SAPS, que deu início as primeiras ações de auxílio alimentar a
trabalhadores e alguns estudantes. Para Barros e Tartaglia (2003, p. 118), essas ações
foram adotadas porque precediam de soluções apontadas pelo “saber da nutrição” que
na época dominavam as prescrições para as políticas de alimentação e combate à fome.
Nessa perspectiva, iniciam-se, a partir dos anos de 1950, programas de
distribuição de alimentos, mas a preocupação central estava voltada para políticas de
abastecimento. A criação de estruturas de armazenagem, distribuição de alimentos e
administração de estoques, são exemplos dessas iniciativas. A criação da Comissão
Federal de Abastecimento e Preços (COFAP), anos 50, e da Superintendência Nacional
de Abastecimento (SUNAB), em 1960, norteou as ações do governo para a produção e
distribuição dos alimentos (TAKAGI, 2006).
Em 1952, através da Comissão Nacional de Alimentação (CNA), criou-se um
plano de ação que buscou mitigar os efeitos da fome, chamado de Conjuntura Alimentar
e Problemas de Nutrição no Brasil. Este Plano continha diretrizes que abarcaram a
expansão da merenda escolar, a assistência alimentar a jovens e assistência técnica para
indústria de alimentos. Com ele, buscou-se a assistência alimentar a grupos específicos
(SILVA, 1995; BARROS, TARTAGLIA, 2003).
A criação do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN), 1972,
demarcou um novo tipo de ação política, mesmo sendo criado com os mesmos objetivos
de políticas anteriores (subsidiar e orientar o governo para tomada de decisão em
políticas de alimentação e nutrição, além de fomentar pesquisas científicas). As políticas
criadas a partir do INAN buscaram a articulação entre instituições de diversos
ministérios na execução dos seus programas. O Programa Nacional de Alimentação e
Nutrição (PRONAN), 1973, foi um dos expoentes por essa busca de intersetorialidade
entre programas. Mas, o I PRONAN, de 1973/1974, não funcionou devido a problemas
administrativos, como salienta Silva (1995).
O II PRONAN (1976/1979) foi responsável por ampla gama de ação na área da
alimentação. Dentre os programas que ficaram sob a responsabilidade do INAN,
tivemos Nutrição em Saúde, Abastecimento de Alimentos em Áreas de Baixa Renda,
Racionalização da Produção de Alimentos Básicos, Incentivo ao Aleitamento Materno,
Combate às Carências Nutricionais Específicas e Sistema de Vigilância Alimentar e
Nutricional. Sob a responsabilidade de outros ministérios ficaram os programas de
Complementação Alimentar (Ministério da Saúde), Alimentação do Trabalhador
(Ministério do Trabalho), Alimentação Escolar e dos Irmãos do Escolar (Ministério da
58
Educação), Leite para Crianças Carentes e Programa de Alimentação Popular (SILVA,
1995).
3.2.1. Construção do conceito de segurança alimentar: a formação de
uma solução para o problema
No caso brasileiro, a exceção das políticas efetuadas pré-Geografia da Fome (de
Josué de Castro) que estiveram preocupadas com a educação nutricional, as demais
políticas se voltaram para as recomendações e parâmetros concebidos por organismos
internacionais, como Banco Mundial e Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação (FAO) (BARROS, TARTAGLIA, 2003, p. 118).
A incorporação holística do problema, o olhar multidisciplinar sobre a fome,
enquanto problema complexo e dependente de uma matriz político-econômica, só foi
incorporado à construção de políticas públicas a partir dos anos 1990, mediante
orientações das citadas instituições internacionais.
Na origem, o conceito de Segurança Alimentar esteve vinculado a uma noção da
questão da fome enquanto problema esporádico, que assolava a Europa em tempos de
crise. Queda na produção devido a problemas climáticos, guerras e pestes, eram as
causas da fome. Nesse contexto dos efeitos da Primeira Guerra Mundial surgiu o
primeiro conceito de Segurança Alimentar.
No fim dessa Guerra constatou-se que a alimentação era utilizada como arma,
pois, quando se privava uma nação do acesso aos alimentos sua subjugação se tornava
mais fácil. Emergiu daí a noção de segurança alimentar vinculada à segurança nacional,
subsidiária do entendimento de estratégia militar. Sua implicação imediata foi a
elaboração de políticas voltadas para a produção e o abastecimento (VALENTE, 2002;
HIRAI, DOS ANJOS, 2007).
A insuficiência de alimentos provocada pela desestruturação e estagnação da
agricultura, após a Primeira Guerra Mundial, levou os países a se preocuparem com
uma questão de soberania, pautada pela necessidade de auto-produção de modo que
pudesse garantir internamente o fornecimento de alimentos, diminuindo a dependência
com relação aos demais (HIRAI, DOS ANJOS, 2007; CHEHAB, 2010).
Novamente, a fome atingiu a Europa no fim da Segunda Guerra Mundial e
tornou-se pauta da constituição de organizações internacionais que procuravam regular
uma nova ordem mundial, como a Organizações para as Nações Unidas (ONU) e o
59
Fundo Monetário Internacional (FMI). Discutiu-se a criação de um organismo que
reorganizasse e incentivasse a agricultura e a alimentação, essa foi a proposta da reunião
mundial em Hot Springs, Arkansas – EUA, em 1943, considerada a I Conferência
Internacional sobre a agricultura e alimentação (HIRAI, DOS ANJOS, 2007).
Dessa Conferência criou-se, em 1945 na cidade de Quebec, no Canadá, a
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), com a
responsabilidade de articular a ajuda alimentar aos países nos quais os sistemas
produtivos agrícolas estivessem estagnados, visando dotá-los de condições de produção
(TAKAGI, 2006; HIRAI, DOS ANJOS, 2007; CHEHAB, 2010).
Para tal, ressalta-se o desenvolvimento da questão do direito à alimentação como
uma das bases para esse novo conceito. Segundo Chehab (2010), em 1948, na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU, estabeleceu-se a
alimentação como um direito (Artº 25). Nos ano de 1966, o direito a alimentação se
consolidou no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
(através do Artº 11). Diversos países passaram a ser signatários dessa Declaração e
Pacto, ficando a responsabilidade de cada um a garantia desse direito.
Com a FAO fixou-se a ideia de segurança alimentar como questão de segurança
nacional, por isso relacionada com políticas de produção e de abastecimento. Esse
conceito balizou as políticas brasileiras de armazenagem e distribuição de alimentos. A
necessidade da mudança conceitual foi explicitada e ratificada na I Conferência
Mundial de Segurança Alimentar, promovida pela FAO em 1974 (VALENTE, 2002;
TAKAGI, 2006).
As crises alimentares que ocorrem na década de 70, devido à queda dos estoques
alimentares, provocadas por adversidades climáticas nos principais países produtores de
alimentos, conjuntamente com as secas que assolaram a África, fortaleceram a
concepção de segurança alimentar, enquanto produção estratégica. Isso condicionou um
apoio político e conceitual às propostas com foco produtivista (MALUF, MENEZES,
2000; TAKAGI, 2006; BORGES, 2007).
O argumento, até então utilizado, era de que o aumento da produção agrícola
seria suficiente para acabar com a fome no mundo. Partindo disso, estabeleceu-se a base
para a ideia da Revolução Verde28
e sua vinculação com a segurança alimentar. Tal
28
Emprego maciço de insumos químicos, como fertilizantes e pesticidas, e a utilização de novas matérias-
primas e de inovações tecnológicas capazes de aumentar exponencialmente a oferta de alimentos
(BORGES, 2007; GOMES JÚNIOR, 2007; HIRAI, DOS ANJOS, 2007).
60
concepção norteou não só as políticas no âmbito da segurança alimentar, como também
direcionou as políticas econômicas dos países subdesenvolvidos, voltando-as para a
geração de excedentes agrícolas capazes de recompor os estoques mundiais de
alimentos (GOMES JÚNIOR, 2007).
Entretanto, tais de cunho produtivista não alcançaram o propósito de acabar com
a fome. No Brasil, a ideia produtivista da segurança alimentar gerou a transformação do
campo e das cidades através da “modernização conservadora”, que deslocou para as
cidades um contingente de pessoas despossuídas de trabalho e de renda. A partir desse
quadro, iniciou-se uma guinada no conceito de segurança alimentar deslocando a ideia
de produção para um segundo plano (MALUF, MENEZES, 2000; GOMES JÚNIOR,
2007).
Na década de 1980 tratou-se de formular um novo conceito de Segurança
Alimentar, para o que se resgataram as ideias de Josué de Castro, o qual “denunciava a
fome por ser injusta”, ser consequência da estrutura produtiva e de problemas sociais e
políticos. Surgia, com novos autores, uma abordagem que atribuía ao acesso aos
alimentos um fator fundamental causador da fome. Embora Castro seja pioneiro nessa
análise, as ideias de Amartya Sen sobre os “intitulamentos” 29
ganharam força e
influenciaram o processo de mudança do conceito de segurança alimentar (TAKAGI,
2006; BORGES, 2007; GOMES JÚNIOR, 2007).
Em 1983, a FAO, através da 8ª Sessão do Comitê Mundial de Segurança
Alimentar, apresentou um novo conceito de Segurança Alimentar baseado em três
premissas, sendo elas: a oferta adequada de alimentos, a estabilidade da oferta e do
mercado de alimentos e a segurança no acesso aos alimentos ofertados. Assim, se
consolidou uma definição de segurança alimentar, como a expressada pelo Banco
Mundial, desde 1986, como: “segurança alimentar é a garantia do acesso de todos
durante todo o tempo e em quantidade suficiente, de modo que proporcione uma vida
ativa e saudável” (TAKAGI, 2006; HIRAI, DOS ANJOS, 2007, p. 44).
No início da década de 1990 incorporou-se uma nova dimensão ao conceito de
Segurança Alimentar, a da qualidade dos alimentos. Essa foi estabelecida na
Conferência Internacional de Nutrição, realizada em 1992, organizada pela FAO e
29
Desenvolvimento como Liberdade, Amartya Sen (2000). O conceito de “Intitulamentos” foi
desenvolvido em 1981, e coloca a ideia de pobreza, estritamente relacionada com a fome, como a
privação das capacidades dos indivíduos de acesso a diversos bens, seja renda, serviços públicos, cultura
e etc.. São essas privações que levam o indivíduo à fome. O cerceamento das “capacidades individuais”
ocorreria por conta das estruturas institucionais e socioeconômicas. Daí a ligação com a abordagem de
Josué de Castro (TAKAGI, 2006; BORGES, 2007).
61
Organização Mundial da Saúde (OMS). Questões nutricionais, biológicas e sanitárias
passaram a integrar as preocupações entorno da segurança alimentar, a qual recebeu a
nova denominação de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) (TAKAGI, 2006).
A consolidação desse termo vem desde a Conferência Mundial da Alimentação
de 1996, responsável pela Declaração de Roma, que estabeleceu as bases de atuação
sobre a questão da SAN, cujo objetivo é erradicar a fome. Depois dessa Conferência
realizou-se a Cúpula +5, com o objetivo de fazer um balanço das ações e dos resultados
contra a fome no mundo. Como destaque dessa Cúpula aponta-se a identificação da falta
de “vontade política” de se resolver o problema da fome por parte dos governantes das
nações (TAKAGI, 2006).
3.3. O RETORNO DA FOME À AGENDA GOVERNAMENTAL: Fluxo
Político
No Brasil, ao final da década de 1980 e início de 1990, transitou nos círculos
políticos governamentais a ideia de que os problemas oriundos da produção,
abastecimento e distribuição, estavam resolvidos. Tanto pela via do aumento da
produção, abastecimento ou assegurados pelas políticas agrícolas, assim como pela
introdução de grandes redes privadas de supermercados que garantiam a
comercialização dos alimentos. Entretanto, a fome persistia, o que levou o Ministério da
Agricultura, em 1985, a constatar que a fome era um problema que para ser resolvido
devia-se considerar não apenas o problema específico do setor agrícola (TAKAGI,
2006).
Essa constatação está expressa no documento de proposição da política de
abastecimento do Ministério da Agricultura (1985). A elaboração desse documento foi
subsidiada por um conjunto de especialistas da área agrícola e agrária. Propôs-se a
criação de um Conselho Nacional de Segurança Alimentar, cuja responsabilidade era
formular planos nacionais de políticas de segurança alimentar que congregasse várias
ações envolvendo diversos setores reiterou-se a ideia da intersetorialidade das políticas
no âmbito da segurança alimentar (TAKAGI, 2006).
62
Também influenciou para que a questão da fome volta-se à agenda
governamental a atuação de movimentos sociais. Em 1991, o Governo Paralelo30
lançou
uma proposta de política nacional de segurança alimentar, de autoria de Lula e José
Gomes da Silva, a qual resgatava a proposta do Ministério da Agricultura de 1985
(TAKAGI, 2006; MACEDO et al. 2009).
Embora o Governo Paralelo tivesse pautado a necessidade de uma política de
segurança alimentar que combatesse à fome, essa discussão só tomou maiores
proporções com a publicação do Mapa da Fome (em 1993) pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA). Essa publicação suscitou a discussão sobre o tema na
sociedade brasileira, agora com a dimensão de calamidade e crise social (BONFIM,
2004).
Uma das vozes contra essa calamidade foi a “Ação da Cidadania Contra a Fome,
a Miséria e Pela Vida”, que capitaneou aspirações e mobilização de parte da sociedade,
mediante ações solidárias. Esse Movimento influenciou o Programa de Combate à
Fome e à Miséria do governo Itamar Franco e culminou com a criação do Conselho
Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), em 1993, ao qual se atribui a
consolidação da Segurança Alimentar na agenda política brasileira (VALENTE, 2002;
TAKAGI, 2006; BORGES, 2007).
As ações do CONSEA são embasadas na ideia da integração intersetorial das
políticas, tanto vertical quanto horizontal, isto é, tanto entre ministérios quanto níveis de
governo (federal, estadual ou municipal). Ele representou a integração entre governo e
sociedade civil na proposição e execução de políticas de combate à fome,
comprometendo-se com a prática da gestão compartilhada de políticas públicas
(VALENTE, 2002).
Embora considerado como um marco da política nacional de segurança
alimentar, o CONSEA foi deixado de lado no governo de Fernando Henrique Cardoso e
cedeu espaço para o Comunidade Solidária31
. Nesse período houve mudança no
30
O Governo Paralelo era um grupo de pessoas que atuaram na campanha de candidato a presidente de
Luiz Inácio Lula da Silva em 1989, e que após a derrota nas urnas, decidiram acompanhar e fiscalizar a
gestão do Presidente Fernando Collor de Mello (TAKAGI, 2006). 31
O Programa Comunidade Solidária foi instituído pelo governo FHC enquanto estratégia de combate à
fome e à miséria. Sua instituição substituiu o CONSEA, embora tivesse uma proposta de continuidade de
algumas diretrizes do CONSEA. A crítica a esse Programa reside nas formas de participação ensejada no
âmbito do conselho do Comunidade Solidária. Embora tenha inovações na forma de participação da
sociedade civil e dado abertura a participação de organizações não-governamentais como uma nova forma
de institucionalizar políticas sociais, a legitimidade dos conselheiros que participavam do conselho do
Comunidade Solidário era alvo de muitas críticas. Ver Silva (2001) e Peres (2005).
63
direcionamento da política de Segurança Alimentar e interrupção das diretrizes,
inicialmente propostas pelo CONSEA (VALENTE, 2002).
Com o esvaziamento das políticas sociais e o agravamento dos problemas
sociais, o governo FHC formulou o Programa Comunidade Ativa com a proposta de
enfrentamento da pobreza e da fome, baseado na perspectiva de desenvolvimento local.
Tal Programa partia da premissa de que políticas de combate à fome, de cunho
compensatório e assistencialista, geravam mais pobreza e dependência, e que uma
solução para combater à fome devia estar assentada na perspectiva de promover o
desenvolvimento local (VALENTE 2002).
3.4. CONVERGÊNCIA DOS FLUXOS: a vontade política
Em 2001, o Instituto Cidadania (organização não-governamental criada pelo
Governo Paralelo) elaborou o projeto Fome Zero que foi coordenado por José Graziano
da Silva e elaborado por um conjunto de especialistas sobre Segurança Alimentar. Na
sequencia, esse Projeto transformou-se na plataforma inicial de governo do Presidente
Lula (eleito em 2003) e acabou considerado como bandeira política pessoal do
Presidente, que colocou o combate à fome na agenda decisória do governo.
A partir desse momento pode-se dizer que a articulação entre o problema da
fome e seu diagnóstico, junto com a evolução do conceito sobre Segurança Alimentar,
ganhou fluxo político capitaneado pela figura de Lula. A execução do Programa Fome
Zero, a reinstalação do CONSEA e a criação do Ministério Extraordinário de Segurança
Alimentar (MESA), em 2003, lançaram os componentes da Política Nacional de
Segurança Alimentar (PNSA) (DA SILVA, TAKAGI, 2004).
A mudança na estrutura do executivo nacional, ocorrida através da troca de
presidente da república, conjuntamente com o “clima nacional” propiciado pela
ascensão da figura de Lula à Presidência da República brasileira, representou uma
Policy Windows (janela de oportunidade), que levou ao processo de convergência dos
fluxos. Como destacado pelo modelo dos Múltiplos Fluxos, também é necessário que no
momento em que exista uma janela de oportunidade aberta, exista a ação de um Policy
Entrepreneurs (empreendedor político).
Retoma-se novamente a figura de Lula como este empreendedor político, no
momento em que levanta a bandeira da luta contra a fome. Em resumo: da emergência
64
do problema da fome e do “clima nacional” representado pela ascendência de Lula à
presidência, abriu-se uma janela de oportunidade para a emergência da fome à Agenda
Decisória. Com Lula enquanto empreendedor político, tem-se a execução de uma
PNSAN, inicialmente materializada com o Projeto Fome Zero.
3.4.1. Projeto Fome Zero
O diagnóstico sobre a fome, na perspectiva da SAN, permeou a formulação do
Fome Zero. Nele, o conceito de SAN vincula-se a uma distinção entre a fome e a
insegurança alimentar, que no fundo apenas desloca o eixo de análise de um problema
“específico” para uma condição mais “ampla”.
Monteiro (1995), (2003a) e (2003b), em diversos trabalhos, estabeleceu uma
distinção entre fome, desnutrição e pobreza. O que clarifica a distinção ente fome e
insegurança alimentar apresentada dentro da proposta de política feita pelo Projeto
Fome Zero. Pobreza é a não satisfação das necessidades humanas básicas; desnutrição
ou deficiências nutricionais são doenças decorrentes da ingestão alimentar inadequada
ou insuficiente. Distingue a fome em duas perspectivas: a aguda, decorrente do apetite,
da urgência de se alimentar e a fome crônica, decorrente de quando “a alimentação
diária, habitual não propicia ao indivíduo energia suficiente para a manutenção do seu
organismo e para o exercício de suas atividades cotidianas” (MONTEIRO, 2003a, p. 9).
Valendo-se dessas compreensões o projeto Fome Zero estabeleceu a diferença
entre fome e insegurança alimentar. A insegurança alimentar engloba as dimensões da
fome aguda, crônica e da desnutrição. Sua relação com a pobreza se situa na constatação
de ser esta uma das causas da persistência do problema da fome.
A Segurança Alimentar no projeto Fome Zero é compreendida através de quatro
dimensões: quantidade, qualidade, regularidade e dignidade. A primeira vincula-se a
quantidade de consumo mínimo de alimentos necessários para uma vida saudável e de
possibilidade de exercer atividades cotidianas. Está ligada a fome enquanto
manifestação crônica. A segunda, a dimensão da qualidade, versa sobre a necessidade
de consumo de alimentos com qualidades nutricionais e biológicas, e que permite um
alimento livre de contaminações de qualquer natureza. Essa dimensão associa-se à
desnutrição (DA SILVA, TAKAGI, 2004, p. 44).
65
A terceira dimensão é a da regularidade, em que se estabelece a necessidade de
uma alimentação regular, no sentido de ser realizada em um determinado número de
vezes ao dia, além da alimentação ininterrupta, independente da razão ou circunstância.
A última dimensão, a da dignidade, estabelece a ideia de não dependência do indivíduo
quanto à situação de alimentação e, mesmo, as circunstancias dessa alimentação,
citando como exemplo: “Uma pessoa que se alimenta de restos de restaurantes ou de
lixões não possui segurança alimentar, embora possa até não se enquadrar na categoria
de subnutridos pelo critério biológico.” (DA SILVA, TAKAGI, 2004, p. 44).
Com o objetivo principal de “propor um conjunto integrado de políticas com o
objetivo de garantir a segurança alimentar” (Instituto Cidadania, 2001:83) e tentar
enfrentar as causas estruturais da fome, o projeto Fome Zero apresentou um diagnóstico
que abarcou um conjunto de fatores específicos e, ao mesmo tempo, relacionados.
O diagnóstico da fome apresentado pelo projeto Fome Zero foi baseado em três
dimensões: insuficiência de demanda32
, descompasso entre os níveis de preço dos
alimentos e o nível de renda da população, e a exclusão de parte da população do
mercado de alimentos. Pela via desse diagnóstico a relação entre a fome e falta de renda
é uma constante. No projeto Fome Zero, descartava-se qualquer relação entre a fome e
as questões relacionadas à oferta insuficiente de alimentos33
, bem como da distribuição
e acesso aos alimentos.
Partindo desse diagnóstico, propuseram-se três eixos de ação: a) ampliação da
demanda efetiva de alimentos; b) barateamento dos preços dos alimentos; c) programas
emergenciais de atendimento aos excluídos do mercado de alimentos. Percebe-se a
necessidade de articulação ente políticas de natureza estruturais (no caso da ampliação
da demanda efetiva e do barateamento dos preços) e de políticas emergenciais (como de
assistência aos excluídos). Esse foi o elemento que enxergou nas políticas de geração de
emprego e de renda uma forma de aumentar a demanda efetiva, e viu no incentivo à
produção de pequenos produtores um modo de colocar nos mercados locais produtos
32
A insuficiência de demanda é relativa à história do próprio desenvolvimento brasileiro, e não está
circunscrita apenas ao setor de alimentos. A discussão acerca de o mercado interno brasileiro ser pequeno,
embora tenha potencial de expansão, vem desde as obras de Celso Furtado. E a ideia apresentada pelo
projeto Fome Zero se baseia, de modo implícito, as ideias levantadas por Celso Furtado [2000, p. 245 e
270-271(1ª edição: 1959)]: a falta de renda da população não estimula ao aumento da oferta de alimentos
e uma das razões dessa falta de renda é o padrão de desenvolvimento brasileiro, concentrador de renda e
com níveis elevado de desemprego e subemprego. 33
Fundamenta-se em um estudo realizado pela FAO que mostra que em 98 países analisados, somente 6
não tinham quantidade de alimentos suficiente para abastecer sua população, e estes situam-se em grande
parte no continente Africano (Instituto Cidadania, 2001, p. 18-19).
66
com preços baixos, e ao mesmo tempo aumentar a oferta de alimentos (INSTITUTO
CIDADANIA, 2001, p. 81).
FIGURA 02 - ESTRUTURA DO PROGRAMA FOME ZERO
Fonte: Projeto Fome Zero – Instituto Cidadania (2001) e Rosa (2004).
Nessa perspectiva, as políticas implementadas precisariam situar dentro de
políticas estruturais, específicas e locais. As estruturais se empenhariam em aumentar a
renda e diminuir a desigualdade, promover a universalização da previdência social,
incentivar a reforma agrária e a agricultura familiar. As políticas específicas teriam
ações de ampliação da merenda escolar, de atendimento a grupos específicos como
gestantes e recém-nascidos e preocupações quanto à dimensão qualitativa da segurança
alimentar. Por último, nas políticas locais se situariam as políticas que atendessem às
especificidades locais, e promovidas em parceria entre estados e municípios. Dentre
elas, as ações para regiões metropolitanas, como restaurantes populares, banco de
alimentos e parcerias com o varejo de alimentos; ações para o urbano não
metropolitano, principalmente via incentivo a “agricultura urbana”, propiciando a
produção agroalimentar local; e as ações para áreas rurais que consistem no apoio a
67
agricultura familiar e na produção para autoconsumo (INSTITUTO CIDADANIA,
2001, p. 84-98).
No campo das políticas estruturais e específicas conciliam-se as atuações de
vários Ministérios para a garantia da geração de emprego e renda, universalização
previdenciária, incentivos a agricultura familiar e reforma agrária, como competências
de diferentes ministérios. Entretanto, colocadas como eixos de atuação de uma
estruturante Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), tendo
como principal articulador o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à fome
(MDS). No campo das políticas locais, houve um avanço no sentido de incentivar a
construção de sistemas locais de segurança alimentar, com a interferência de estados e
municípios. A coordenação das ações, entre os diferentes ministérios e as distintas
esferas de governo, que constitui a intersetorialidade da PNSAN, é representada pelo
Fome Zero (INSTITUTO CIDADANIA, 2001; BORGES, 2007). Conforme figura 02.
No campo das políticas locais, embora não conste na visão inicial do projeto
Fome Zero, surgiram os Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local
(CONSAD).
Uma das visões estratégicas do Projeto Fome Zero é fortalecer a noção de
que a segurança alimentar e nutricional está indissoluvelmente associada ao
lugar onde a família vive, à sua proximidade da oferta local e regional de
alimentos e à disponibilidade de equipamentos públicos e privados existentes
no seu entorno: daí que a segurança alimentar e nutricional tem que ser
garantida de forma territorial, valorizando a dinamização da economia local e
regional (TAKAGI, 2006, p. 57).
Nessa perspectiva, os Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento
Local (CONSAD) foram criados no âmbito de uma política permanente de Segurança
Alimentar, dotada de um caráter territorial e de cunho local.
3.4.2. Estrutura da Política Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (PNSAN)
A atual Política de Segurança Alimentar começou a ser construída pela Medida
Provisória 103, de 1º de janeiro de 2003, depois transformada na Lei nº 10.683, de 28 de
maio de 2003. Este foi o primeiro ato do presidente Lula empossado, ao dispor sobre a
organização da Presidência da República e dos Ministérios. Reeditou o CONSEA,
ligado ao gabinete da Presidência da República, e criou-se o Ministério Extraordinário
68
de Segurança Alimentar e Combate à Fome (MESA) para cuidar do planejamento das
políticas vinculadas à segurança alimentar (TAKAGI, 2006).
Do MESA aproveitou-se a estrutura física, de pessoal e orçamentária da
Secretaria Executiva do programa Comunidade Solidária. O encarregado do MESA foi
José Graziano da Silva, um dos idealizadores do projeto Fome Zero que nesse momento
assumiu o caráter de programa governamental (TAKAGI, 2010).
O fortalecimento dessa Política veio com a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de
2006, que criou e estabeleceu os princípios, diretrizes e composição do Sistema
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), e a Emenda Constitucional nº
64, de 4 de fevereiro de 2010, que modificou o art. 6º da Constituição Federal, e
introduziu a alimentação como direito social.
As ações da PNSAN podem ser resumidas no quadro a seguir.
QUADRO 02 - DIRETRIZES DA POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E
NUTRICIONAL
Diretrizes da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Na área de Produção de
Alimentos
• Sistema Agroalimentar Mundial, Organismos e Acordos
Internacionais;
• Componentes de Segurança Alimentar e Nutricional em um Plano
Nacional de Reforma Agrária;
• Políticas de Apoio e Fortalecimento da Agricultura Familiar e do
Agroextrativismo;
• Recursos Genéticos, Sementes e a Questão dos Transgênicos;
• Acesso e Uso dos Recursos Naturais e da Água.
Na área do Acesso aos Alimentos
• Abastecimento Alimentar e Agricultura Urbana;
• Programas de Complementação de Renda e de Suplementação
Alimentar;
• Mutirões, Coleta e Doação de Alimentos e Ações em Situações
Emergenciais.
No campo das ações de
Alimentação e Nutrição
• Ações de Promoção e Vigilância em Saúde e Nutrição
• Alimentação e Educação Nutricional nas Escolas e Creches
• Cultura Alimentar
• Alimentação e Promoção de Modos de Vida Saudáveis
Questões institucionais
• Indicadores de Segurança Alimentar e Nutricional;
• Participação Social nas Políticas de Segurança Alimentar e
Nutricional;
• Institucionalidade das Políticas de Segurança Alimentar e
Nutricional.
Fonte: elaborado pelo autor com base em CONSEA (2004).
As ações da PNSAN devem ser implementadas de forma transversal, a partir da
interação entre diversos Ministérios. Desse modo, os eixos propostos acima, da
produção de alimentos às questões institucionais, devem ser alvos de programas e ações
específicas, e executadas com viés intersetorial, aliando diversos setores e ministérios.
69
Dentre estes projetos e programas, têm-se os Consórcio de Segurança Alimentar e
Desenvolvimento Local (CONSADs).
3.4.3. Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local
(CONSAD)
No bojo do Fome Zero, os CONSAD foram criados em 2004, como uma
iniciativa que visa à promoção da Segurança Alimentar através de uma política
territorial que atue via a promoção de ação de geração de emprego e de renda. Para
compor ações integradas seguindo as especificidades de cada região, esses Consórcios
contém um desenho institucional diferenciado, envolvendo tanto as esferas federal,
estaduais e municipais quanto à sociedade civil (DE JESUS, 2006).
Os CONSAD decorrem de práticas de associações entre municípios e tem a
missão de efetuar ações conjuntas no que se refere aos problemas locais relacionados à
promoção da segurança alimentar. A articulação intermunicipal deve ser permanente e
institucionalizada, entre o poder público municipal e a sociedade civil. Por essa razão,
se institucionaliza a ação dos Consórcios através da criação de conselhos deliberativos,
nos quais os municípios integrantes do Consórcio são representados pelo poder público
e sociedade civil (IBAM, 2004).
Sua atuação na promoção da segurança alimentar ocorre através da geração de
emprego e renda para a população local, visando a criação de um ambiente
socioeconômico propício para a garantia da segurança alimentar, através do incentivo à
ações sustentáveis que garantam a essa população certa independência socioeconômica.
Em suma, a proposta de um CONSAD é fortalecer a esfera local, mediante uma política
permanente de geração de emprego e renda, garantindo assim o acesso a uma
alimentação regular e adequada, corroborando com a noção de segurança alimentar
inserida no programa Fome Zero.
Para atuar nessa direção, as estratégias de desenvolvimento local promovidas
pelos Consórcios seriam as seguintes: formação de capital social local; formação de
capital humano local; agregação de valor nas cadeias produtivas sub-regionais, e
modernização do setor público local (IBAM, 2004, p. 10). Juntamente com essas
estratégias, as ações para o desenvolvimento local devem estar voltadas para as
seguintes linhas: arranjos sócio-produtivos locais; agricultura familiar; economia
solidária; oferta de microcrédito; inclusão digital (IBAM, 2004, p.12-13).
70
A definição dos municípios para integrar cada Consórcio ocorreu mediante a
realização do Estudo de Localização Territorial de Potenciais Consórcios de
Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável, em 2002, chamado de CONDELIS34
.
Em 2003 foram propostas algumas alterações, através de uma “avaliação crítica dos
processos de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS) por meio das
experiências e propostas vivenciadas pela sociedade civil, que terminaram com uma
proposta chamada CONDELIS” (DE JESUS, 2006, p. 57).
A proposta do CONDELIS, incorporada pelo CONSAD, consente no combate à
pobreza e às desigualdades mediante incentivos aos processos de desenvolvimento
endógenos. Por isso, os territórios alvos desse tipo de Política são regiões
economicamente deprimidas, com baixa estrutura socioeconômica, com alta incidência
de pobreza e baixa organização social (ORTEGA, 2007).
Buscando propiciar boa funcionalidade e uma representatividade adequada, do
ponto de vista da participação democrática no âmbito dos CONSAD, limitou-se o
número de municípios integrantes em cada Consórcio. Geralmente de 5 a 20
municípios, cuja integração de cada município a um determinado consórcio se pauta
pela identificação territorial35
entre eles (IBAM, 2004; ORTEGA, 2007).
A escolha da sede do Consórcio deve ser estabelecida na cidade melhor
localizada entre as integrantes. Exceto se esta for a melhor estruturada e com maior
condição de exercer protagonismo e sobrepor as demais (IBAM, 2004).
Os critérios de representatividade adotados pelo CONSAD são ancorados em
dois pressupostos. O primeiro é o da pluralidade, que busca representar através do
CONSAD as diversas categorias e segmentos sociais existente nos territórios,
propiciando a que todos os atores sociais estejam, de modo legítimo, representados no
processo de tomada de decisão do consórcio. O segundo é o da representação
majoritária da sociedade civil, visando estimular e fortalecer a participação da sociedade
34
O CONDELIS foi realizado pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), ainda em
2002, a pedido da Secretaria Executiva do Comunidade Solidária (DE JESUS, 2006, p. 57). 35
A abordagem de território no contexto dos consórcios aqui abordados situa-se na perspectiva de
território enquanto o local em que ocorrem as relações sociais, em que há interações sócio-políticas e
práticas sociais, baseadas na identidade sociocultural, em que se constitui a população de um determinado
território. Essa identificação ocorre num plano espacial chamado de local, lugar em que ocorrem as
interações sócio-políticas e as práticas sociais, ancoradas pela perspectiva da identidade sociocultural, em
que se constitui a população de um determinado território. O desenvolvimento territorial pode ser
enxergado enquanto local: “lócus da vida social, o lugar onde os acontecimentos, fenômenos e práticas
sociais adquirem visibilidade” (Fragoso, 2005, p. 63).
71
local nas decisões, levando ao empoderamento acerca das ações efetuadas pelo
CONSAD (IBAM, 2004, p.17).
Os CONSAD são modalidades de Consórcio Público que combinam as
premissas de funcionamento dos conselhos gestores de políticas públicas. O CONSAD
segue uma estrutura de funcionamento proposta no Guia do CONSAD, feito pelo
Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) em 2004, chamada de
Estrutura Decisória36
, composta por:
Nível Deliberativo Máximo
Nesta instância tem-se uma modalidade de atuação dos consorciados que se
assemelha às características de Fórum, na medida em que pressupõe a participação de
membros dos segmentos sociais e econômicos que atuem no território em que se
implementa programas geridos pelo CONSAD local.
Importa esclarecer que o Fórum tem poder de deliberação e expressa as decisões
sobre políticas, linhas de ação e prioridades. Nele constitui-se a orientação geral e as
opções da condução dos programas. Desta forma, o equipara-se a um conselho
deliberativo37
do CONSAD, sendo composto por até seis representantes de cada
município que integra o consórcio.
Contudo, em razão de sua característica de Fórum deve observar o princípio da
representação majoritária da sociedade civil (2/3 dos representantes devem ser
provenientes dela) ficando o restante para o poder público municipal (Prefeitura,
Câmara de Vereadores).
Nível Decisório Gerencial
Instância responsável pelos aspectos gerenciais do CONSAD, que tem a
característica de uma comissão, comitê ou similar. Cuida da elaboração, execução e
acompanhamento do planejamento realizado no CONSAD, além de articular e
concretizar pactos e parcerias necessários para a viabilização dos programas.
Esta instância é composta por uma Comissão Executiva integrada por três
representantes, sendo um de órgão público municipal e dois de entidades da sociedade
civil.
36
O texto que se segue corresponde a um resumo do Guia do CONSAD, IBAM (2004, p. 14-19). 37
O Guia do CONSAD (IBAM, 2004, anexo B, p. 12) denomina de Fórum, o conselho gestor do
CONSAD, e lhe atribui as mesmas prerrogativas deliberativas de um conselho gestor.
72
Nível Operacional
Instância encarregada do apoio logístico às ações do CONSAD. Pode ter o
formato de uma secretaria executiva, secretaria geral ou outro órgão, cujo responsável
gerencia as ações e o funcionamento cotidiano da entidade garantindo a fluência e
supervisão na execução das tarefas. Nessa instância o posto de secretário e os
profissionais que integram a equipe são de contratados diretamente pelo CONSAD ou
cedidos pelas Prefeituras que integram sua composição.
Visando a preservação da transparência, para o controle das ações do CONSAD
constitui-se um órgão com características de Conselho Fiscal, o qual se incumbe da
fiscalização financeira e contábil da movimentação dos diferentes tipos de recursos
obtidos.
FIGURA 03 - CONFIGURAÇÃO DO MODELO REFERENCIAL DE ESTRUTURA
ORGANIZACIONAL DO CONSAD
Fonte: IBAM (2004, p.16)
Para a sustentação e legitimação institucional, bem como para representar a
cooperação entre um conjunto de atores, seja de natureza pública e os de natureza não-
pública, a estrutura é formalizada por uma Associação Civil. A partir dela caminha-se
para a institucionalização do CONSAD mediante a assinatura de um Acordo de
Programa, que permite a legalização da participação dos municípios. A esta Associação
dá-se o nome da sigla CONSAD e se estabelece um Estatuto, com objetivos,
competências, tendo ainda suas regras de funcionamento estabelecidas em um
Regimento Interno (IBAM, 2004, p. 19).
A interação entre poder público e sociedade civil, no CONSAD, está presente
desde o início, e sua implementação se realiza através do Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS). Para o funcionamento inicial, o MDS selecionou
Entidades Implementadoras Regionais (EIR) para apoiar os CONSAD na formulação de
73
seus Planos de Ação. Esses Consórcios apoiados pelo governo Federal recebem apoio
técnico e recursos. Também se sustentam através de parcerias entre governos estaduais
e municipais na implantação de ações que são pactuadas entre o poder público e a
sociedade civil (ORTEGA, 2007, p.288).
3.4.4. Consórcios públicos
Dentro das inovações institucionais apresentadas como mecanismos de
coordenação e cooperação entre esferas intergovernamentais, estão os Consórcios
Públicos. Institucionalizados via proposta de Emenda Constitucional nº 19 de 1998 que
modificou o Art. 241da Constituição brasileira de 1988.
Entende-se por Consórcios Públicos, a partir da Lei nº 11.107/05, segundo Mello
(2006: 656):
[...] contratos realizados entre as pessoas de Direito Público de capacidade
política, isto é, entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em vista
da realização de atividades públicas de interesse comum, e dos quais resultará
uma pessoa jurídica que os congregará.
Define-se ainda, segundo Cunha (2004, p. 21), que Consórcios Públicos são “...
a associação pública formada por dois ou mais entes da Federação, para a realização de
objetivos de interesse comum”. Logo, suas possibilidades residem na:
“[...] ampliação do alcance e da efetividade das políticas e dos recursos nelas
aplicados, uma vez que poderão permitir ação cooperada e maior
racionalidade na execução de serviços em áreas como saúde, saneamento,
geração de renda, infra-estrutura, entre outras políticas de responsabilidade
partilhada entre os entes federativos.” (Cf.: 21-22).
Esta inovação institucional foi mais um passo à frente no processo de
descentralização das políticas. Ela possibilitou novas formas de gestão de políticas
públicas por parte das diferentes esferas governamentais ao proporcionar a busca por
melhor eficiência através da execução conjunta de serviços públicos. Com os consórcios
construiu-se um instrumento de atuação integrada entre os entes federados, com a
justificativa de se obter melhor o provimento dos bens públicos (CUNHA, 2004).
Inicialmente, os Consórcios foram utilizados de modo horizontal, isto é, por
entes federativos da mesma natureza, como os consórcios intermunicipais. Nas relações
verticais, entre entes federativos de natureza diferentes, a relação intergovernamental
ocorre via convênios. Isto se tornou possível com a Emenda Constitucional nº 19/1998,
74
ao art. 241 da Constituição Federal, e a Lei Federal nº 11. 107/05, que estabelece a
articulação entre entes federados através de Consórcios Públicos.
Esclarece-se que a diferença entre consórcio e convênio é da seguinte ordem: o
primeiro é realizado entre entes federados de direito público, da mesma natureza, como
municípios com municípios, estados com estados; o segundo entre entes de natureza
diferentes como municípios e união. Os convênios são caracterizados como acordos
voluntários, não contratuais e, portanto, não assumem personalidade jurídica.
Consórcios, a partir da Lei nº 11.107/05, passam a ter personalidade jurídica, de direito
público ou de direito privado (CUNHA, 2004; DI PIETRO, 2005).
Ao assumir personalidade jurídica os consórcios assumem obrigações e
adquirem direitos. Podem dispor de estrutura administrativa própria e, adquirem a
possibilidade de executar políticas públicas em nome dos entes consorciados. Ao
assumir personificação jurídica deixam de ser simplesmente um instrumento de
organização e prestação de um serviço específico (como seriam os convênios). A partir
da Lei nº 11.107/05 os integrantes dos consórcios públicos têm igualdade jurídica, no
sentido de que não há hierarquia entre os consorciados. Todos têm a mesma
competência e responsabilidade, e sem obter natureza contratual38
(BORGES, 2006).
Dentre as possibilidades de realização de um Consórcio Público está a de poder
assumir a forma de cooperação para a execução de serviços diversos. E não apenas
aqueles que, tradicionalmente, existiam antes da promulgação da Lei 11.107/2005.
Antes, os Consórcios eram constituídos para a realização de serviços pré-determinados,
como os voltados à saúde, ao saneamento básico, ao tratamento do lixo e etc. Deste
modo não havia a necessidade de dotar os consórcios com personalidade jurídica, uma
vez que um instrumento de natureza contratual (como convênios) era o suficiente para a
realização destes determinados empreendimentos.
Quando dotado de personalidade jurídica de direito público, os Consórcios
Públicos passam a ser caracterizados enquanto parte da administração indireta dos entes
federados, conforme se observa através da Lei nº 11.107/05, art. 6º, §1º. Ao omitir uma
caracterização como esta - a de integrar a administração indireta - para os Consórcios
38
A natureza contratual dos Consórcios Públicos, do ponto de vista jurídico, reside no documento
assinado pelos entes federados quando criam o consórcio. Ao efetuar o “contrato de consórcio” eles
assumem responsabilidades quanto à consecução de um objetivo comum. Esta seria a natureza
“contratual” dos consórcios públicos, sendo que este “contrato” necessita de uma pessoa jurídica que dê
suporte à prática de atos e negócios jurídicos (SILVA, 2005).
75
Públicos de direito privado, cria-se um impasse quanto à situação jurídico-institucional
destes.
Mas, conforme argumenta Di Pietro (2005), qualquer instituição criada pelo
poder público com a finalidade de desempenhar funções administrativas do Estado,
deverá fazer parte da administração direta ou indireta, pois não há possibilidade de
qualquer ente da federação constituir pessoa jurídica para desempenhar suas próprias
atividades administrativas sem considerá-la como parte do Estado. Caso contrário se
incorre em deixar atividade típica do Estado para a execução da iniciativa privada.
Os Consórcios Públicos podem ser classificados como Consórcios
Administrativos, Consórcios Públicos de Direito Privado e Consórcios Públicos de
Direito Público39
Os Consórcios Administrativos são considerados os constituídos antes
da Lei 11.107 (06/04/2005) – a chamada Lei dos Consórcios Públicos. Antes desta lei,
os consórcios públicos eram destituídos de personalidade jurídica, e sua existência se
dava via instrumento jurídico em que pessoas de diferente natureza jurídica ajustavam
direitos e obrigações.
Os Consórcios Públicos de Direito Privado são considerados pessoas jurídicas
instituídas por entes federativos, para a realização de objetivos de interesses comum,
mas personificadas sob o direito privado. Geralmente adotam a forma de associações ou
fundações. Os Consórcios Públicos de Direito Público são definidos como associações
públicas, sendo, pois, equiparados a autarquias, Nesse sentido incorporam o status de
membros do que se conhece por administração indireta (CUNHA, 2004).
Os Consórcios Administrativos de acordo com o Decreto nº 6.017 (17/01/2007),
podem se transformar em Consórcios Públicos. O incentivo para isso pode ser
encontrado no Art. 39, o qual dispõe que só celebra convênios com a União os
Consórcios Públicos de Direito Público. Percebe-se que em tal Decreto está posto o
impasse quanto à existência dos três tipos de consórcios, uma vez que mesmo os
Consórcios de Direito Privado não poderão celebrar convênios com a União.
Outro aspecto a ser ressaltado é o fato de que mesmo sendo de direito privado,
tal modalidade de Consórcio devem seguir as mesmas normas dos de direito público
39
A denominação de Consórcios Administrativos é puramente interpretativa, não se configura como outra
modalidade de Consórcio Público, como o de direito privado e o de direito público. Era assim
denominado por juristas todos os consórcios existentes antes da Lei 11.107/05. Desde a Constituição de
1937 se permite associações intermunicipais, mas estas eram regidas pela legislação civil, uma vez que os
municípios só se constituíram como entes federados a partir da Constituição de 1988. Assim, eram
realizados contratos entre entes privados, por isso de se chamarem Consórcios Administrativos, pois não
passava de atos da administração pública a realização desses acordos e, não havia a necessidade de
autorização legislativa para sua constituição (DI PIETRO, 2005; SCALABRINI, 2011).
76
(Art. 6º, 2º parágrafo, inciso II). Em síntese, mesmo se tendo três modalidades político-
jurídicas, apenas os Consórcios Públicos de direito público estão autorizados a
receberem recursos públicos para desempenharem atividades de Estado.
A finalidade dos consórcios públicos é a de promover a gestão associada dos
serviços públicos entre os diferentes entes da Federação. Mas, antes de se constituir
como consórcio público, há a necessidade, conforme o Art. 3º da Lei 11.107/05 e o Art.
4º do Decreto nº 6.017/07, de prévia celebração de um protocolo de intenções, aprovado
pelos representantes dos entes que pretendem se consorciar. Em seguida, procede-se a
celebração do “contrato de consórcio público” precedido por lei que ratifica o protocolo
de intenções. A referida lei deve obter a aprovação do legislativo de cada ente40
.
Pela Lei 11.107/05 e pelo Decreto nº 6.017/07, o consórcio público deve ser
organizado por estatutos, aprovados por assembleia geral do consórcio. Nota-se que, ao
se constituir como personalidade jurídica de direito público, os entes federados
consorciados criam, neste processo, em suas próprias estruturas administrativas (uma
vez que aprovado pelo protocolo de intenções e pelo contrato de consórcio público) uma
administração indireta, representada por uma Associação Pública (BORGES, 2006).
A Associação Civil é regida pela legislação civil, exceto quando da realização de
licitações, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal (esta se
rege pela CLT) que seguem as normas de direito público (Art. 6º, §2º da Lei 11.107/05).
A Lei 11.107/05, no Art.13º, trata das obrigações dos entes da Federação ao se
vincularem em consórcios públicos. Neste caso as obrigações devem estar constituídas e
reguladas por “contrato de programa”, como condição de sua validade. O contrato de
programa deve estar previsto no protocolo de intenções e no contrato de constituição do
consórcio. 41
O CONSAD, ao constituir-se em consórcio, passou a agregar não só os entes
Federados, mas parte da sociedade civil42
. Adotou como forma de existência uma
personalidade jurídica de direito privado, a associação civil. O que lhe é apropriado
40
Depois de ratificado, o protocolo de intenções passa a ser denominado como Contrato de Consórcio
Público (DI PIETRO, 2005; SILVA, 2005; BORGES, 2006). 41
Contrato de programa, de acordo com Di Pietro (2005, p. 11): “... obrigações que um ente da
Federação constitui para com outro ente da Federação ou para com consórcio público no âmbito da
gestão associada em que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de
encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos”. 42
No documento utilizado como referência para a constituição dos CONSAD, o campo da denominada
sociedade civil é integrado e definido assim: (...) Por entes privados entende-se as organizações de direito
privado e as organizações da sociedade, tais como: associação de produtores, de empresários, de
comerciantes, entidades sociais, cooperativas, sindicatos, organizações não governamentais, organização
da sociedade civil de interesse público, e outros (Guia do CONSAD, IBAM, 2004, p. 17).
77
para: “... utilizar-se a figura do Acordo de Programa como instrumento formalizador da
convergência de interesse na execução de atividades voltadas a segurança alimentar e o
desenvolvimento local.” (IBAM, Anexo B, p. b3).
A associação civil formada tem a responsabilidade de gerir as atividades que
constam no Acordo de Programa (“contrato”), ratificado através do protocolo de
intenções, no momento da constituição do consórcio. Desta forma, pode firmar
convênios, contratos, receber e fazer doações financeiras. Segundo o IBAM (2004,
anexo, p. b6), dentro da sua área específica de atuação, o CONSAD está apto para
fomentar atividades voltadas para a promoção da segurança alimentar e o
desenvolvimento local, para o que deve buscar parcerias com outros entes públicos e
privados.
Para o financiamento das atividades e dos serviços efetuadas através do
consórcio, os recursos podem vir de doações, através da prática da atividade econômica
(desde que não ocorra partilha dos ganhos entre os entes associados e sim, aplicados nas
atividades efetuadas pelo consórcio), via convênios com as esferas governamentais,
abertura de crédito especial, desde que autorizado pelos entes que constituem o
consórcio e via dotações financeiras advindas dos consorciados.
Os problemas da estrutura jurídica se mostram por meio do ato de assunção de
personalidade jurídica. Ao adquirir personalidade jurídica, consórcios públicos
assumem obrigações e direitos e, entre demais atribuições, adquirem a possibilidade de
executar políticas. A escolha do modelo jurídico (direito público ou privado) gera
alguns pontos emblemáticos.
O primeiro se pauta pela discussão da possibilidade dos consórcios públicos se
revestirem tanto do direito público (associações públicas) quanto do direito privado
(associações civis). Segundo o Art. 6º, §2º da Lei nº 11.107/05, mesmo sendo de direito
privado os consórcios públicos deverão respeitar algumas normas de direito público.
No entanto, pode-se argumentar que o CONSAD foi pensado para congregar o
poder público e a sociedade civil, conforme o Guia do CONSAD (IBAM, 2004). E a
escolha do formato de Consórcio está associada às possibilidades que a personalidade
de direito privado possibilita. Por definição, de acordo com o Art. 2º inciso I do Decreto
nº 6.017/2007, Consórcio Público é:
(...) pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na
forma da Lei nº 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação
federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum,
constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito
78
público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem
fins econômicos; (grifo nosso).
Partindo dessa consideração, entende-se que a Lei nº 11.107/2005, assim como o
Decreto nº 6.017/2007, não aventa a possibilidade de se configurar enquanto Consórcio
Público um agregado de entidades de natureza jurídica distinta, como entes federados e
sociedade civil. Isso se evidencia através do trecho supracitado e grifado. Tal fato
demonstra que a consolidação do CONSAD articulando poder público e sociedade civil
só é permitida via sua caracterização jurídica de direito privado.
Entende-se que o CONSAD, com sua premissa de articulação permanente e
institucionalizada entre o poder público e a sociedade civil, só pode encontrar o
caminho de existência através da personificação de direito privado. Entretanto, seu
hibridismo, uma vez que responde tanto a normas de direito público quanto de direito
privado, cria uma situação controversa.
Enquanto ente de natureza pública, não há qualquer contrariedade no sentido de
se contestar sua existência, pois se entende que adotando o regime de direito público se
garante a forma adequada de se proceder na busca do interesse público, uma vez que
essa deveria ser a finalidade dos consórcios públicos.
Mas adotando natureza de direito privado eles se tornam administração indireta
dos entes públicos consorciados. Decorre que na defesa dos interesses públicos, não se
espera procedência adequada quando se está diante de um ente privado, que atua com
base em premissas de mercado. Então como admitir a realização de atividades típicas de
Estado por entes privados? O que assegura que entes privados terão o mesmo
comprometimento com a justiça e a equidade social?
Salienta-se que adotando a forma de direito privado, através de uma associação
civil, se possibilita que parte da sociedade civil integre o consórcio43
. Tal fato
potencializa maior participação e controle social rumo à maior democratização e
descentralização dos serviços que deverão ser ofertados, assim como melhoram a
definição do escopo desses serviços a serem realizados.
43
Uma vez pensado para conciliar poder público e sociedade civil, a única forma que possibilitaria isso
seria um consórcio de direito privado. Pois nele se congrega pessoas de direito privado, ao contrário de
um consórcio de direito público, em que só deve congregar internamente pessoas de direito público.
Através da figura do “Acordo de Programa”, se institui o consórcio com entes federados e parte da
sociedade civil (SILVA, 2005; SCALABRINI, 2011).
79
3.4.5. Conselhos gestores
A constituição de 1988 regulamentou os conselhos gestores como espaços para a
prática da participação popular, colocando-os na situação de co-gestores das políticas
públicas. Para Martins et al. (2008), o canal de participação social constituído pelos
conselhos modificou a relação entre Estado e sociedade, na medida em que eles se
constituírem na estratégia privilegiada e com melhores condições de alcançar níveis
avançados de democratização.
Para Bonfim (2004, p. 80-81), os conselhos foram:
[...] Concebidos para funcionar enquanto instrumentos capazes de promover
uma interlocução permanente entre governo e cidadãos, colocando-os frente a
frente para a deliberação sobre os rumos das políticas sociais e a aplicação e
uso de verbas públicas, procurando assim modificar as relações entre estado e
sociedade, no geral caracterizadas pela verticalidade e autoritarismo.
Complementando a análise acerca do papel dos conselhos nesse desenho
institucional, Costa (2008) lembra que os conselhos foram incorporados à estrutura do
governo, em todas as suas instâncias - do central até o local - visando garantir a
descentralização político-administrativa e o fortalecimento do papel da participação da
população no âmbito das políticas públicas, quer seja na formulação ou no
monitoramento destas.
Mas numa perspectiva história, os conselhos emergiram no contexto de críticas à
democracia representativa e às organizações políticas, em que se buscava a criação de
novas formas de luta em prol da gestão democrática. Nessa perspectiva, as primeiras
experiências de conselhos surgiram buscando a emancipação econômica, política e
social de operários que lutavam contra a opressão. Como exemplo tem-se a Comuna de
Paris, os sovietes russos e os Conselhos de Fábrica italianos (GOHN, 1990).
Os conselhos operários tinham por objetivo a criação de um novo poder estatal.
Um poder paralelo que tomasse as decisões sobre o setor produtivo visando minar o
poder do Estado, pautado na criação de um conselho da classe operária que buscava
formas de organização que fossem autônomas, e representasse uma base de poder
popular na construção de um novo Estado. Essa visão pode ser assimilada quando se
observa a emergência desses conselhos, que para Gohn (1990, p. 71), ocorreram “... em
períodos de crises revolucionárias ou mudanças institucionais profundas e, nesse
processo, os conselhos foram elementos importantes de construção de uma nova
hegemonia política...”.
80
Pode-se observar, a partir da consideração acima, que a Comuna de Paris foi um
governo feito por trabalhadores na França (1871). Este conselho funcionava baseado
numa democracia popular em que a participação dos trabalhadores era organizada em
comitês. Esse governo democrático era constituído de membros da sociedade civil que
não participavam da sociedade política, porém interferiam nela através da participação
da população na gestão das cidades e na gestão dos processos de produção (GOHN,
1990).
Outras experiências de conselhos, os denominados conselhos de cidadãos,
surgiram nos Estados Unidos enquanto formas de inserir as pessoas na dinâmica da vida
associativa local, visando lutas por direitos e o combate aos atos contrários à
coletividade. A diferenciação em relação aos conselhos de operários se deve à sua
organização em prol da criação de grupos e comunidades de interesses, na forma de
associações e movimentos (GOHN, 1990).
A intenção dos conselhos de cidadãos era a de deslocar o lugar do processo
decisório para perto das bases das comunidades, lugar em que os governos (federal,
estadual e municipal) atentariam para as demandas desses grupos. As aspirações se
assentavam na perspectiva da co-gestão, na possibilidade de corrigir e aperfeiçoar a
gestão vigente e não questionar a ordem estabelecida. Já os conselhos de operários se
constituíram enquanto instrumentos de poder com projetos de mudança social que
buscava a transformação da sociedade (GOHN, 1990).
O surgimento dos conselhos gestores de políticas se dá no Brasil na década de
1970 e início da década de 1980. No entanto, tais conselhos tinham como características
“o caráter opinativo, fiscalizador e consultivo”. Esses eram os conselhos populares,
comunitários, representados pelos movimentos sociais. Destacaram-se na estratégia de
ampliar e alargar a democratização do Estado na luta pela redemocratização
(PETRARCA, 2008, p. 33).
No Brasil, a temática dos conselhos trazia uma proposta de democracia
participativa estruturada a partir dos movimentos sociais e da sociedade civil.
Buscavam-se canais de participação, apoiando-se numa estratégia de organização de um
poder popular. Havia a necessidade de espaços de articulação dos interesses da
população, que tinham sido suprimidos pelo estabelecido naquela época (GOHN, 2007;
MARTINS et al., 2008).
Os conselhos existentes nas décadas de 1970-80 tinham como escopo a criação
de espaços em que se apresentavam demandas das comunidades junto às elites políticas
81
locais. Alguns conselhos que tinham certo grau de formalização e institucionalização
denominavam-se conselhos comunitários. Outra modalidade de conselhos eram os
vinculados aos movimentos sociais. Estes criavam espaços públicos para interlocução
entre Estado e partidos políticos visando à defesa de sua autonomia, e foram conhecidos
como conselhos populares. Havia ainda os conselhos administrativos vinculados a
hospitais, creches e escolas, entre outras autarquias administrativas, embora estes
fossem destituídos de autonomia alguma para influenciar políticas (TATAGIBA, 2002).
A partir da Constituição de 1988, surgiram os conselhos gestores
institucionalizados, com a finalidade de serem interlocutores ente o Estado e a
sociedade civil. A inovação se apresenta nas características e possibilidades de alguns
deles terem deixado de ser apenas de caráter consultivo e passarem a ter prerrogativas
de determinar e decidir sobre as políticas públicas. Criaram-se condições de reordenar
as políticas rumo a práticas mais democráticas, através do caráter deliberativo (GOHN,
2007; PETRARCA, 2008).
Conforme Martins et al. (2008, p. 159):
Quanto ao seu poder de decisão, os conselhos podem ser deliberativos ou
consultivos. O conselho deliberativo é aquele que possui o poder de discutir e
decidir sobre os rumos das políticas públicas executadas pelo governo, e o
consultivo tem como função emitir pareceres e dar sugestões sobre as
políticas, não possuindo poder decisório.
Os conselhos podem ser classificados, basicamente, em três tipos: a) conselhos
de programas, que são atrelados aos programas governamentais existentes, estando suas
prerrogativas no âmbito dos respectivos programas (conselhos municipais de
desenvolvimento rural, emprego, habitação e alimentação escolar); b) conselhos de
políticas, vinculados a políticas públicas amplas. Estruturado em sistemas nacionais,
com fóruns públicos, utilizados como canais de intermediação de interesses específicos
dos diversos grupos sociais. Tendo como função ampliar a participação dos segmentos
com menos acesso ao aparelho de Estado (conselhos de saúde, educação e assistência
social); c) conselhos temáticos, ligados a uma área/tema sem legislação e existente na
esfera local (conselhos municipais de direitos da mulher, de cultura, de esportes, de
carnaval) (TATAGIBA, 2002, p. 49; MARTINS et al., 2008).
Para Tatagiba (2002, p. 55), a novidade histórica dos conselhos gestores, entre
outras características, é que surgem como instrumentos privilegiados de resolução dos
conflitos. Espera-se que neles haja uma construção de acordos que não seja pautada pela
“troca de favores ou práticas clientelistas ou mesmo de cooptação”. A condição de
82
instância deliberativa lhe garante a competência jurídica para influenciar no processo de
elaboração das políticas públicas, controlando orçamentos, partilhando o poder e
redefinindo as prioridades.
Para Tatagiba (2002, p. 55) “... A competência legal de deliberar sobre as
políticas públicas é a principal força dos conselhos enquanto espaços potencialmente
capazes de induzir à reforma democrática do Estado.” Por terem, relativa, autonomia em
relação ao governo, abrem novas possibilidades concernentes à participação popular nas
decisões acerca das políticas públicas. Essa participação é denominada por alguns
autores como governança democrática, por concretiza a democratização dos processos
de escolha das políticas realizadas pelos governos.
Para Santos Júnior, Azevedo e Ribeiro (2004, p. 19), os conselhos são a
personificação da governança democrática, sendo esta:
[...] padrões de interação entre as instituições governamentais, agentes do
mercado e atores sociais que realizem a coordenação e, simultaneamente
promovam ações de inclusão social e assegurem e ampliem a mais ampla
participação social nos processos decisórios em matéria de políticas públicas.
[...].
Esse padrão de interação se modifica conforme as arenas em que se processam
as disputas, estando então, dependente da organização dos arranjos institucionais para
promover diferentes níveis de interação entre Estado e sociedade:
[...] Os conselhos constituem canais de participação e representação das
organizações sociais na gestão de políticas públicas específicas. Obrigatórios
por lei federal em diversos setores (saúde, educação, criança e adolescente,
assistência social e trabalho), os conselhos se diferenciam de acordo com o
município: (i) pelo poder de decisão, deliberativo ou consultivo; (ii) pelos
critérios de representação dos diferentes segmentos sociais, amplos ou
restritos; e (iii) pela dinâmica e pelas condições de seu funcionamento, isto é,
os instrumentos e a estrutura à sua disposição. Nesse sentido, entendemos
que os conselhos municipais são a maior expressão da instituição, pelo menos
no plano legal, do modelo de governança democrática no âmbito local.
(SANTOS JÚNIOR, AZEVEDO, RIBEIRO, 2004, p. 21).
A partir dessas considerações do papel da descentralização, nota-se que a
participação dos municípios tem-se ampliado, tornando-o instância local
implementadora de políticas. Esse processo se constitui mediante o modelo de
descentralização dos recursos da união, que exige a instituição dos conselhos
municipais para o recebimento de repasses financeiros. Nesse caso, os conselhos
tornam-se necessários como espaços públicos institucionalizados de participação
(CÔRTES, 2005).
Como aponta Petrarca (2008, p. 33): “os conselhos municipais tornaram-se
ferramentas-chave na descentralização e na ampliação do papel político dos governos
83
municipais, uma vez que a composição e criação dos conselhos são definidas pelas leis
orgânicas municipais.”. Acresce-se conforme ressalta Abranches e Azevedo (2004, p.
164), “... a responsabilidade deliberativa, que aliada a situações normativas e
controladoras, possibilita aos conselhos um significativo papel na construção do
exercício da democracia participativa.”.
A democracia participativa constitui-se por meio da participação dos atores do
governo e da sociedade civil. Para tal finalidade, nos fóruns dos conselhos deveram ter
representantes:
(1) governamentais, (2) de instituições: públicas ou privadas, produtoras ou
provedoras de benefícios, bens e serviços, as quais, freqüentemente, recebem
recursos financeiros públicos ou isenções fiscais; (3) de profissionais ou de
trabalhadores da área; (4) patronais, no caso de trabalho. (CÔRTES, 2005a,
p. 150).
Para isso os representantes não-governamentais devem ser eleitos em fóruns dos
próprios segmentos aos quais representam, e sem a ingerência do Estado, pois a
autonomia da sociedade civil, perante o Estado, deve ser resguardada como um direito.
Dado que os conselhos permitem a participação da sociedade nas discussões sobre a
formulação e a gestão de políticas, com isso imprime um caráter essencial de controle
da sociedade sobre as políticas (MARTINS et al., 2008).
Para assegurar a participação efetiva dos consorciados no processo que envolve
as decisões, o CONSAD, conforme Art. 4º, VII da Lei nº 11.107/2005 e do Art. 5º, VII
do Decreto nº 6.017/2007, deve contar com o foro de uma assembleia geral, enquanto
instância máxima do Consórcio. Nesse aspecto encontra-se diferença de proposição
entre o guia formulado pelo IBAM que organiza a concepção do CONSAD e a
definição expressa no texto da lei.
Na proposta do IBAM (2004), o CONSAD tem como órgão deliberativo
máximo o Fórum, com prerrogativas deliberativas de um conselho gestor, e com
representatividade para os entes consorciados, seguindo uma proporcionalidade de
conselheiros por cada município representado, além de estabelecer a proporcionalidade
da representação entre poder público e sociedade civil.
Para isto no Guia do CONSAD:
Preconiza-se a necessidade da existência de um órgão que atue como
instância máxima deliberativa, com características de Fórum e com ampla
participação dos diferentes segmentos sociais e econômicos atuantes no
território em consideração (IBAM, 2004, p. 15).
84
Nesta perspectiva, o fórum do CONSAD é composto por até seis representantes
de cada município, observado o princípio da representação majoritária da sociedade
civil (ter 2/3 dos representantes). Assim, o CONSAD conta, por município, com: 2 entes
provenientes do setor público (Prefeitura, Câmara de Vereadores) e 4 membros da
sociedade civil, eleitos de forma independente do poder público.
A princípio, mantêm-se a estrutura similar a de um conselho gestor de políticas
públicas, todavia com a visível limitação de que não há alternância de poder entre as
entidades que representam a sociedade civil, uma vez que só participa do Fórum aquelas
entidades que são consorciadas. Em tese, somente os consorciados tem a prerrogativa de
serem representados no conselho do consórcio44
.
Mesmo assinaladas tais limitações, o Guia do CONSAD (IBAM, 2004, p. 17),
estabelece que: “(...) o processo decisório participativo e democrático é o caminho
adequado para opções mais realistas e pertinentes e para o comprometimento com as
decisões tomadas.”. Nele, deve resguardar o pluralismo como um dos pressupostos de
um processo decisório participativo, das categorias que fazem parte das atividades
econômicas e sociais dos territórios.
44
Essa questão não aparece no Guia do CONSAD, entretanto, se for observado que o consórcio se
constitui, enquanto pessoa jurídica, de uma associação civil, e que nela são integrantes os que
participaram de sua criação. Logo, são estas entidades que se fazem representar no conselho do consórcio.
Ora, vê-se, portanto, que a representação da sociedade civil é restringida no ato de criação da Associação
Civil.
4. ESTUDO DE CASO DO CONSAD IGUATEMI
O estudo de caso foi dividido em duas partes: a primeira têm-se uma
caracterização geral dos CONSADs, seus processos de implementação, assim como o
processo de implementação específico do CONSAD Iguatemi - MS. Discutiu-se
algumas das ações desenvolvidas por este CONSAD.
Na segunda parte, através da análise de questionários, entrevista e da observação
não-participante, fez-se análise das práticas e realizações do CONSAD Iguatemi - MS,
verificando as condições de participação dos agentes dentro do Consórcio,
principalmente o papel da sociedade civil.
4.1. CARACTERIZAÇÃO E PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO
O programa CONSAD foi originado dentro da proposta do “Estudo de
Localização Territorial de Potenciais Consórcios de Desenvolvimento Local, Integrado
e Sustentável (CONDELIS)”, segundo De Jesus (2006, p. 57). Sua elaboração foi feita
em 2002 pelo IBAM, a pedido da Secretaria Executiva do Comunidade Solidária.
Através de uma avaliação do CONDELIS feita pelo recém-criado Ministério
Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (MESA) em 2003, elaborou-
se o projeto final intitulado “CONSAD – Formação de Consórcios de Segurança
Alimentar e Desenvolvimento Local”, e o integrou à Política de Segurança Alimentar
sustentada pelo Programa Fome Zero (MANCE, 2004, p. 82).
Identificaram-se através desse Projeto, sessenta e oito territórios com potencial
para serem transformados em consórcios, entretanto foram implementados apenas
quarenta CONSADs no Brasil. Os Consórcios foram distribuídos entre as cinco grandes
regiões brasileiras, abrangendo vinte e seis Estados. Na região Norte do país foram
instalados sete CONSADs, envolvendo sessenta e oito municípios. No Nordeste, doze
CONSADs e cento e cinquenta e nove municípios, enquanto que no Sudeste foram oito
CONSADs, beneficiando cento e cinquenta e quatro municípios. A região Sul contou
com oito CONSADs, cento e cinquenta e cinco municípios, assim como a região
Centro-Oeste, onde foram instalados cinco CONSADs que abrangeu quarenta e nove
municípios (MDS, 2012).
86
Estes Consórcios atingem quinhentos e oitenta e cinco municípios e perto de
onze milhões de pessoas, cerca de 10% dos municípios brasileiros e 5% da população
brasileira. Estes números demonstram a importância dessa política pública, apontando
para seu caráter estrutural, vez que, olhando para os critérios estabelecidos para a
escolha dos arranjos territoriais nos quais se inserem os municípios integrantes dos
CONSADs, nota-se sua proposta emancipatória.
O processo de formação e implementação de um CONSAD ocorre em três
etapas, que constam na proposta de desenho metodológico de implantação do
CONSAD: a) sensibilização e mobilização; b) implantação; c) consolidação. Nesta
proposta é prevista a participação de instituições denominadas de Entidades
Implementadora Regional - EIR, que se tornam responsáveis pelo processo de
implementação de cada CONSAD (IBAM, 2004).
Na fase de Sensibilização e Mobilização, a sociedade é convidada e motivada
para a proposta de formação do CONSAD. Esta fase se encerrara ao se proceder a
escolha dos representantes municipais do CONSAD. Na fase de Implantação, o
CONSAD se constitui enquanto pessoa jurídica e elabora um planejamento para sua
atuação, mediante o chamado Plano de Ação. Inicia-se o processo de capacitação dos
membros do CONSAD. A Consolidação surge com a formalização do Consórcio em
Associação Civil e a pactuação do Plano de Ação entre os consorciados (IBAM, 2004).
FIGURA 04 - FLUXOGRAMA DE FORMAÇÃO DO CONSAD
Fonte: Guia do CONSAD (IBAM, 2004).
O CONSAD Iguatemi - MS teve sua implantação vinculada à Milênio
Consultoria. Os trabalhos de sensibilização e mobilização começaram depois da
assinatura de contrato entre MDS e o governo de Mato Grosso do Sul, em fevereiro de
2004. A EIR responsável, a Milênio Consultoria, visitou os municípios e realizou
oficinas e fóruns com a presença do poder público e da sociedade civil, mas como
87
aponta De Jesus (2004, p. 89) havia a presença, sobretudo, de indivíduos envolvidos
com o poder público. Procedeu-se a escolha dos representantes de cada município.
A 2ª e a 3ª fase do processo de implantação foram realizadas ao longo de 2004.
Tal processo levou à construção do Plano de Ação do CONSAD Iguatemi, em que
foram selecionados doze projetos, a priori, depois, no âmbito do Fórum, reduziram-se
para três projetos: apicultura regional, lavouras comunitárias e criação de animais de
pequeno porte (DE JESUS, 2004).
O CONSAD Iguatemi - MS foi formado inicialmente por onze municípios45
:
Coronal Sapucaia, Eldorado, Iguatemi, Itaquiraí, Japorã, Mundo Novo, Naviraí,
Paranhos, Ponta Porã, Sete Quedas e Tacuru. Juntos abrangem uma população de
241.662, com uma densidade demográfica média de treze habitantes por km² e com uma
população residente rural que se destaca: média de 36%, com destaque para Japorã
(81,90%), Tacuru (63,10%) e Itaquiraí (59,20%) 46
.
FIGURA 05 - MAPA DOS TERRITÓRIOS DO CONSAD IGUATEMI
Fonte: elaborado pelo próprio autor.
O território do CONSAD Iguatemi - MS faz fronteira com o Paraguai e divisa
com os estados de São Paulo e Paraná. O território foi recentemente organizado do
ponto de vista administrativo (elevados à condição de municípios). Alguns municípios
surgiram no circuito de produção de erva-mate (Coronel Sapucaia; Tacuru; Ponta Porã).
45
Atualmente fazem parte apenas seis municípios: Iguatemi, Tacuru, Japorã, Ponta Porã, Paranhos e
Mundo Novo. 46
Dados retirados pelo autor no site do IBGE Cidades:
<http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>.
88
Outros foram criados através de incentivos como projetos de colonização, é o caso de
Itaquiraí, através de doação de terras a imigrantes (DRESCH, 2011).
Mundo Novo e Sete Quedas se constituíram através de projeto de colonização do
governo federal. Naviraí se formou através da responsabilidade de empresas
colonizadoras. Iguatemi surgiu no lugar de um entreposto militar destruído na guerra
contra o Paraguai. Eldorado foi povoado pela indução de grandes proprietários de terras
locais. Paranhos e Japorã foram emancipados mais recentemente pelo governo estadual
(DRESCH, 2011).
Segundo dados do Censo Demográfico de 2010, com exceção Ponta Porã que
têm 77.866 habitantes, os municípios do CONSAD Iguatemi têm uma população
inferior a 20 mil habitantes. O conjunto dos seis municípios possui 5,72% dos
habitantes de Estado e 3,44% da área, constituindo-se em municípios pequenos tanto em
número de habitantes quanto em área. Isso pode ser observado pela leitura da tabela 01.
Tabela 01 – População e área dos municípios do CONSAD Iguatemi
Municípios do CONSAD Iguatemi População em Habitantes Área em Km²
Iguatemi 14.887 2.947
Japorã 7.645 419
Mundo Novo 17.035 478
Paranhos 12.355 1.309
Ponta Porã 77.866 5.330
Tacuru 10.215 1.785
Mato Grosso do Sul 2.449.341 357.145
Fonte: Censo Demográfico 2010 - primeiros resultados
A tabela 02 apresenta o PIB e o PIB per capita dos municípios pertencentes ao
CONSAD Iguatemi. Em termos absolutos Ponta Porã é o município com o maior PIB,
aproximadamente 726,5 milhões de reais. O Município de Japorã é o que possui o
menor PIB, tanto em valores absolutos como per capita, chegando a ser três vezes
menor que o valor per capita do estado de Mato Grosso do Sul. O somatório do PIB de
todos os municípios do CONSAD Iguatemi é responsável por 7% do PIB de Mato
Grosso do Sul e nenhum dos municípios do CONSAD tem o PIB per capita maior que
o do Estado.
89
Tabela 02 – Produto Interno Bruto dos municípios do CONSAD Iguatemi
Municípios do CONSAD
Iguatemi PIB (em mil reais de 2008)
PIB per capita (em reais de
2008)
Iguatemi R$ 196.025,00 R$ 12.994,72
Japorã
R$ 35.513,00 R$ 4.667,86
Mundo Novo
R$ 154.357,00 R$ 9.388,54
Paranhos
R$ 68.609,00 R$ 5.998,84
Ponta Porã
R$ 726.502,00 R$ 9.738,50
Tacuru
R$ 88.697,00 R$ 9.353,22
Mato Grosso do Sul R$ 33.145.000,00 R$ 14.188,00
Fonte: IBGE 2008
Em geral, os municípios do CONSAD Iguatemi são municípios com baixa
densidade populacional, PIB per capita baixo, inclusive menor do que a média estadual,
em todos os seis municípios. Isso caracteriza o estado de pobreza desses municípios,
mas não surpreende, pois esta foi uma das variáveis levadas em conta para a escolha
desses municípios enquanto alvos de uma política de desenvolvimento territorial.
Para Lima-Filho (2011, p.92) os piores índices de renda de Mato Grosso do Sul
encontram-se nessa região, que “é uma região pobre cercada por pobres e índios”. A
região do CONSAD Iguatemi é região pobre de um Estado com pouca presença em
termos de geração de renda no país. Mato Grosso do Sul participa com apenas 1,3% da
geração da renda nacional.
Na tabela 03 o PIB foi divido em setores, assim é possível identificar os setores
mais importantes na constituição do PIB de cada município. Ponta Porã apresenta o
maior valor adicionado bruto absoluto na agropecuária, na indústria e nos serviços. O
município de Japorã apresenta o menor valor adicionado bruto em termos absolutos dos
três setores.
Tabela 03 – Produto Interno Bruto dos municípios do CONSAD Iguatemi por setores
Municípios do
CONSAD Iguatemi
Produto Interno Bruto dos Municípios em mil reais de 2008 (VAB =
Valor Adicionado Bruto)
VAB da Agropecuária VAB da Indústria VAB dos Serviços
Iguatemi R$ 50.535,00 R$ 41.125,00 R$ 83.443,00
Japorã R$ 7.429,00 R$ 3.177,00 R$ 23.161,00
Mundo Novo R$ 11.555,00 R$ 28.324,00 R$ 90.719,00
Paranhos R$ 17.839,00 R$ 5.487,00 R$ 40.941,00
Ponta Porã R$ 123.458,00 R$ 66.173,00 R$ 433.731,00
Tacuru R$ 29.737,00 R$ 6.133,00 R$ 43.906,00
Fonte: IBGE 2008
90
Ao se dividir o valor do PIB de cada setor pelo valor total do PIB, se encontra a
participação relativa de cada setor na composição do PIB. Realizando essa operação
percebe-se que o setor de serviços é o que tem maior participação na composição do
PIB dos municípios do CONSAD Iguatemi, em média 55%. O município de Iguatemi é
o que o setor serviço tem menor participação 42,5. Já o município de Japorã é o que o
setor serviços tem maior participação 65,2. Vale lembrar que o PIB absoluto deste
município é o menor apresentado no CONSAD.
O valor adicionado bruto da agropecuária é o segundo em importância na
constituição do PIB para todos os municípios, com exceção Mundo Novo, onde o valor
adicionado bruto relativo da indústria é maior que o da agropeucária. O VAB da
Agropecuária é de 7,5% para Mundo Novo, em média o VAB da agropecuária é
responsável por 22% do PIB dos Municípios do CONSAD Iguatemi. Nos municípios de
Iguatemi e Mundo Novo o VAB da Indústria gira em torno de 18,3 e 25,6% do PIB.
Enquanto nos demais municípios do CONSAD esse valor não ultrapassa 10%.
Ao analisarmos o valor adicionado bruto (VAB), viu-se que o setor serviços é o
mais representativo dentro do PIB desses municípios. Essas cidades não possuem
dinâmica econômica expressiva de outros setores, como o agropecuário e industrial. O
setor industrial não tem expressividade nesses municípios. Já o setor agropecuário,
embora esteja em segundo plano com relação ao VAB, ele é representativo – no que diz
respeito à participação percentual no PIB municipal – em três dos seis municípios.
Tabela 04 – Número de estabelecimentos agropecuários por grupo de área
Municípios do Consad
Iguatemi
Número de Estabelecimentos Agropecuários
menos de 50
(ha)
de 50 a menos de
500 (ha)
mais de 500
(ha) Total
Iguatemi 563 135 123 825
Japorã 658 73 14 747
Mundo Novo 503 99 10 618
Paranhos 235 41 47 323
Ponta Porã 3.210 323 161 3.697
Tacuru 106 64 86 260
CONSAD Iguatemi 5.275 735 441 6.470
Fonte: Censo Agropecuário 2006
Na tabela 04 é possível observar o número de estabelecimentos agropecuários e
sua distribuição segundo grupos de área. O município de Ponta Porã conta com o maior
número de estabelecimentos agropecuários, cerca de 60% do total da região. Os
91
municípios com menor participação em relação ao CONSAD são Paranhos (4,99%) e
Tacuru (4,02%).
Os estabelecimentos estão divididos em três grupos de área, menor que 50
hectares, de 50 a menos de 500 e mais de 500 hectares. Observa-se que os
estabelecimentos estão concentrados em sua grande maioria no primeiro grupo, que
poderia ser caracterizado como grupo pequenas propriedades. De um total de 6.470
estabelecimentos, 5.275 possuem área inferior a 50 hectares, em termos relativos isso
representa 81,53% do total.
Através da análise do número de estabelecimentos agropecuários, buscou-se
analisar a concentração do número de produtores rurais. Observa-se uma concentração
em Ponta Porã, com quase 60% do total dos municípios. Por outro lado, nota-se a
predominância de pequenos estabelecimentos agropecuários para o CONSAD Iguatemi,
cerca de 80,% com áreas inferiores a 50 hectares, caracterizando um perfil de pequenas
propriedades agropecuárias.
Nesta área, são trinta e seis projetos de assentamentos rurais. Terras distribuídas
para oito mil, oitocentos e quarenta e seis famílias. Assim, 7,4% da área do CONSAD
Iguatemi - MS são destinadas a projetos de assentamentos. Japorã têm 17,7% de sua
área ocupada com projetos de assentamento rurais (LIMA-FILHO, 2011).
Na maioria dos municípios predomina a produção de subsistência e os produtos
que são destinados às indústrias não têm dado o retorno esperado pelo produtor do
território. A cadeia produtiva do leite tem se apresentando como alternativa para o
produtor familiar já que ela representa um incremento a sua renda (LIMA-FILHO,
2011).
A principal atividade econômica do território do CONSAD Iguatemi - MS é a
pecuária de corte, que ocupa 88,7% da área do território. A estrutura de transformação e
comercialização no território está quase toda voltada para atender a esta atividade. Para
a produção de carne é necessária a utilização de uma grande extensão territorial, mesmo
quando há a utilização do sistema de confinamento (GARBIN, 2005).
A segunda atividade que mais ocupa área no território é a lavoura temporária
(4,8%), com os produtos soja, milho e cana de açúcar. Propriedades rurais que tem
como atividades a pecuária e lavouras temporárias ocupam juntas, 93,5% do território.
A soja é a principal agricultura de Mato Grosso do Sul e movimenta grande parte da
economia estadual. A produção de soja é intercalada com a produção de milho, no
período de entressafra. O milho representa a segunda maior produção em hectares e
92
toneladas. A mandioca que aparece com a terceira maior área plantada é destinada
principalmente às indústrias de fecularia (GARBIN, 2005).
Tabela 05 – Produção de 2008 em toneladas dos principais produtos agropecuários dos
municípios do CONSAD Iguatemi
Municípios do
CONSAD Iguatemi
Produtos Agropecuários
Arroz Café cana-de-
açúcar Feijão Mandioca Milho Soja Trigo
Iguatemi - 12 572.700 - 3.600 24.000 27.200 58
Japorã 30 - - - 7.300 7.725 6.913 31
Mundo Novo - 34 - 93 15.000 14.834 10.200 95
Paranhos 144 6 8.500 9 14.400 8.670 10.215 504
Ponta Porã 7.632 - 4.200 2.718 12.000 213.000 403.200 10.500
Tacuru 30 6 360 171 12.800 25.800 26.640 114
Fonte: SEMAC
Na tabela 05 está listada a produção em toneladas dos principais produtos
agropecuários dos municípios do CONSAD Iguatemi. No município de Ponta Porã o
principal produto é a soja, com 403.200 toneladas produzidas, seguida pelo milho. Em
Tacuru, assim como em Ponta Porã, o principal produto é a soja seguida pelo milho e a
mandioca.
No município de Japorã a cultura que teve maior quantidade produzida em 2008
foi o milho com 7.725 toneladas. Em Japorã a segunda maior produção foi de mandioca.
Já nos municípios de Mundo Novo o principal produto produzido em 2008 foi a
mandioca com 15.000 toneladas.
Observa-se que Mandioca, Milho e Soja representam grande parte de produção
dos municípios do CONSAD Iguatemi. Porém, Iguatemi fugiu a essa situação, pois
nesse local o produto que teve maior produção em toneladas foi a cana-de-açúcar. Cabe
salientar, que além da existência de usinas de álcool, há indústrias de transformação
para aves e suínos que utiliza uma cadeia de produção na qual grande parte dos
produtores da agricultura familiar está buscando viabilizar sua renda.
Recentemente a produção de cana de açúcar conheceu um grande crescimento
no Estado, com a entrada de várias usinas. Mato Grosso do Sul possui vinte e uma
usinas em operação. Há mais dez unidades em fase final de implantação. O potencial de
crescimento da produção no Estado é bastante elevado, com possibilidade de
concorrência com a produção agrícola e de gado (LIMA-FILHO, 2011).
A produção de soja, milho e gado de corte são importantes para Mato Grosso do
Sul, mas são mais adaptadas para grandes produtores. A agricultura familiar necessita
93
de outras soluções, entre elas a produção de leite e a mandioca. A suinocultura em Mato
Grosso do Sul abrange menos municípios e regiões do que a bovinocultura e a
agricultura. A produção de suínos está localizada nas mesmas áreas que as de milho e
soja. O Estado possui treze frigoríficos com capacidade de abate de suínos. Apenas
cinco são especializados em suínos e estão nas regiões próximas à produção de animais
(LIMA-FILHO, 2011).
Existe uma pequena produção de suínos na maioria dos municípios do CONSAD
Iguatemi - MS, mas esta se encontra localizada essencialmente em pequenos produtores
para consumo próprio e comercialização, principalmente clandestina, do excedente.
A presença de unidades processadoras é um fator relevante para o crescimento
da agropecuária, principalmente para a agricultura familiar. Essas unidades limitam-se,
essencialmente, a fecularias, usinas de açúcar e etanol a frigoríficos para bovinos, e
frigorífico para peixe em Mundo Novo. O aumento das unidades de processamento é
fator imprescindível para aumentar as opções de produção na região.
A falta de infraestrutura logística e de apoio de produção, o baixo dinamismo
econômico da região, as cadeias produtivas desestruturadas, a concentração de terras e
rendas são grandes entraves para o desenvolvimento dessa região. Além da alta
concentração de terras, da predominância da bonivicultura de corte como atividade
motriz e da baixa ocupação da terra com atividades ligadas à lavoura.
Tabela 06 – IDH-M, Índice de Gini e Incidência da Pobreza dos municípios do
CONSAD Iguatemi
Municípios do CONSAD
Iguatemi
Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal, 2000
Índice de Gini,
2000
Incidência da
Pobreza (%)
Iguatemi 0,731 0,59 35,49
Japorã 0,636 0,56 37,64
Mundo Novo 0,761 0,54 40,08
Paranhos 0,676 0,55 47,24
Ponta Porã 0,780 0,63 39,61
Tacuru 0,662 0,53 41,12
Mato Grosso do Sul 0,778 0,46 34,23
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano
A tabela 06 mostra alguns indicadores sociais dos municípios do CONSAD
Iguatemi. Observa-se que o município de Ponta Porã é o que apresenta o maior IDH e
único, entre os municípios do CONSAD Iguatemi, que possue o IDH maior que o do
Estado. No ranking estadual ocupa a 10ª posição. Somente Mundo Novo possuim IDH
94
superior a 0,75. Dos municípios selecionados três apresentam IDH inferior a 0,7 sendo
eles: Paranhos, Tacuru e Japorã, justamente os três últimos no ranking estadual.
Os dados apresentados até agora dos municípios do CONSAD Iguatemi
apresentam um padrão, o município de maior porte como Ponta Porã apresenta maiores
índices enquanto Japorã apresenta indíces menores. A tabela 6 mostra que os
indicadores de concentração de renda e pobreza não seguem esse padrão.
O índice de Gini mostra a concentração de renda, quanto mais próximo da
unidade, maior é a concentração. Nos municípios do CONSAD Iguatemi a concentração
pode ser classificada como alta, pois todos os municípios apresentam o índice superior a
0,5 enquanto o índice do estado de Mato Grosso do Sul é 0,46. No município de Ponta
Porã o índice chega a ser maior que 0,6. O caso de Ponta Porã é interessante porque é o
o município que apresenta o maior PIB absoluto e também a maior concentração de
renda.
O indicador incidência da pobreza mostra o percentual da população que está
abaixo da linha da pobreza, sendo esta linha fixada em menos de dois dolares norte-
americanos por dia por pessoa. Assim como no índice de gini esse indicador foge o
padrão encontrado nos demais dados. O município com maior incidência de pobreza é
Paranhos com 47,24% de sua população em situação de pobreza. A média da região do
CONSAD Iguatemi é 40,3%, maior que a íncidência da pobreza no estado de Mato
Grosso do Sul 34,2%.
4.2. PROJETOS
Utilizando-se do estudo de Dresch (2011) e Lima-Filho (2011), traz-se uma
listagem dos projetos levados a cabo pelo CONSAD Iguatemi - MS. A execução de tais
projetos foi confirmada durante entrevista com a Presidente do CONSAD Iguatemi –
MS e pelos demais entrevistados/pesquisados na reunião da Diretoria Executiva.
CONSAD em Ação (malharia e panificação)
Único projeto em que os recursos não são provenientes do poder público. A
Petrobrás doou (via edital e seleção de propostas) R$ 409.000,00 visando à criação de
oito empreendimentos sócio-produtivos (malharias comunitárias) nas municipalidades
que compõem o território. E o “Pão na Mesa” que se consistiu a partir da instalação de
95
cinco padarias comunitárias, além de reformar a já existente no município de Mundo
Novo.
Público-alvo: Famílias de baixa renda selecionadas pelas secretarias municipais
de assistência social.
Atividades desenvolvidas: Produção e comercialização de produtos diversos
oriundos das malharias ou das panificadoras.
Municípios que abrigam projetos: Iguatemi; Itaquiraí; Tacuru; Naviraí;
Paranhos; Japorã; Ponta Porã e Mundo Novo.
Apicultura Regional
É um projeto com grande abrangência, incluindo trezentas famílias beneficiadas,
e articula, além do aspecto produtivo, a comercialização. O projeto “Apicultura
Regional” tem o objetivo de incentivar a expansão da apicultura, a preservação
ambiental, garantir alternativa para diversificação da produção, oferecendo à população
um produto de comprovada qualidade nutricional e promover a geração de renda às
famílias vulnerabilizadas socioeconomicamente. Dessa maneira, combater a pobreza e
reduzir os efeitos da desigualdade social.
Público-alvo: Famílias de produtores com baixa renda.
Atividades desenvolvidas: Treinamento e distribuição de “kits” para a produção
de mel.
Fontes de recursos: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(MDS).
Municípios que abrigam projetos: Coronel Sapucaia; Iguatemi; Itaquiraí; Japorã;
Naviraí; Ponta Porã.
Ambos os projeto atendem 300 famílias. Para efeito de estimativa de impacto,
considerou-se o tamanho da família média sul-mato-grossense, conforme dados PNAD
2006, e índices de população indigente do Atlas do Desenvolvimento Humano (PNUD),
relacionado com a população estimada IBGE (2009), obtendo-se 930 beneficiários
dentre uma população indigente de 36.331 e 88.761 de uma população considerada
probre. Fez uma estimativa da cobertura do programa que chegaria a 2,56% da
população no nível de renda considerado indigente e a 1,05% da população no nível de
renda considerado pobre (DRESCH, 2011).
96
4.3. ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS, ENTREVISTAS E
OBSERVAÇÃO NÃO-PARTICIPANTE
Nesta dissertação procurou-se realizar uma abordagem que retrata o ponto de
vista dos sujeitos da pesquisa, neste caso, os conselheiros que representam seus
respectivos municípios no consórcio analisado. O nível de análise se situa na interação
dos conselheiros no contexto do Fórum (conselho) do CONSAD Iguatemi - MS.
Buscou-se identificar o processo de interação entre os conselheiros e a forma de
operação do Conselho.
Dado as obstruções relatadas nas questões metodológicas, posicionou-se pela
utilização do recurso da observação não-participante que permite um diálogo entre
pesquisador e indivíduos pesquisados. Impelido pela falta de acesso aos documentos,
como salientado nos apontamentos metodológicos, o pesquisador intentou “trabalhar
com o silêncio”, isto é, pauta-se, muito mais, na oralidade, nos diálogos travados e
observados durante as entrevistas e a reunião da diretoria do CONSAD Iguatemi.
A análise estabeleceu-se mediante a orientação da análise da realidade “obtida” e
da realidade “observada”. A primeira se refere às informações coletadas pelo
pesquisador através da sistematização dos questionários aplicados, e está estruturada de
acordo com as três dimensões do questionário: composição, organização e dinâmica.
Trata-se de uma realidade entendida pela percepção dos entrevistados, através do
questionário (em apêndice).
A segunda, a realidade “observada”, guia-se pela pesquisa observação não-
participante, e se constitui de informações coletadas através da percepção do
pesquisador, que ocorreu via participação do pesquisador nas reuniões e entrevistas.
Para nortear algumas comparações, utilizou-se o Estatuto do CONSAD Iguatemi
- MS e o comparou ao modelo sugerido pelo Guia do CONSAD (IBAM, 2004). Fez-se
contraponto com as respostas dos questionários, da entrevista e das observações feitas
pelo pesquisador.
4.3.1. Composição: legitimidade, representatividade e qualificação
Através do Guia do CONSAD, documento que orienta a construção e formação
destes Consórcios, tem-se algumas dimensões do que se espera quanto à composição e
representatividade dos integrantes do Fórum, com característica de conselho. A
97
legitimidade é um critério utilizado para comparar a independência e autonomia dos
representantes da sociedade civil em relação ao poder público. A representatividade
busca argumentar se eles representam ou não quem eles devem representar. Já a
qualificação se preocupa com a capacidade para formular, coordenar e fiscalizar uma
política, atribuição típica dos conselhos gestores.
Para a discussão da dimensão da composição, informa-se que o próprio conceito
de Sociedade Civil não está bem delineado no Guia do CONSAD. Na página 17,
quando dá explicitação dos critérios de representação do Fórum do CONSAD, ele
apresenta o termo “entes privados”, para tratar, suponha-se, do que anteriormente ele
denota como sociedade civil: “na composição dos órgãos de representação (...) exista
uma participação majoritária de entes privados”.
Nessa confusão de termos, que têm significados distintos, o Guia do CONSAD
apresenta como entes privados:
... as organizações de direito privado e as organizações da sociedade, tais
como: associações de produtores, de empresários, de comerciantes, entidades
sociais, cooperativas, sindicatos, organizações não governamentais,
organizações da sociedade civil de interesse público, e outros.
No Estatuto do CONSAD Iguatemi (anexo A), também se estabelece a utilização
do termo “entes privados”, quando se dirigi à formalização da Associação Civil
Consórcio de Segurança Alimentar e de Desenvolvimento Local – CONSAD Iguatemi -
MS, logo na primeira página. Quando normatiza a composição e constituição do Fórum,
reafirma o termo “entes privados” (Estatuto do CONSAD Iguatemi, p. 03).
Notou-se que a escolha dos representantes que compõem o Fórum do CONSAD
Iguatemi - MS é ambígua. Têm-se representantes escolhidos por parte da entidade a que
este vem representar, assim como outros que foram escolhidos em negociação da
entidade que representa com o poder público.
No primeiro caso, há maior legitimidade quando se trata da independência dos
conselheiros quanto ao poder público, pois este não teve interferência no processo de
escolha do indivíduo. Deixa-se claro, também, que essa legitimidade não se refere
apenas ao processo de escolha, mas, também, às propostas e ao modo como se comporta
o conselheiro quanto à proposição de projetos, bem como sobre a forma que se coloca
quando da participação no Fórum: de modo ativo ou passivo quanto às deliberações e ao
embate de forças que ocorre.
No segundo caso, quanto aos escolhidos em negociação da entidade que
representa com o poder público, há menor legitimidade destes representantes, pois este
98
ato poderia demonstrar tanto a ingerência do poder público na organização da sociedade
civil quanto uma influência sobre o representante escolhido. Por um lado, diminui-se a
legitimidade e por outro, mina-se a representatividade deste conselheiro.
QUADRO 03 - ESTRUTURA DAS RESPOSTAS DA DIMENSÃO COMPOSIÇÃO
Perguntas Entrevistado
A
Entrevistado
B
Entrevistado
C
Entrevistado
D
Entrevistado
E
Composição
Legitimidade *** *** *** *** ***
1) Como foi a forma
de escolha para sua
participação no
CONSAD?
Da entidade
que
represento
Da entidade
que
represento
Em
negociação
da entidade
que
represento
com o poder
público
Em
negociação
da entidade
que
represento
com o poder
público
Da entidade
que
represento.
2) Quanto tempo faz
parte do CONSAD? 07 anos 05 anos
06 anos 02 anos 05 anos
3) Quanto tempo sua
entidade faz parte do
CONSAD?
07 anos 05 anos
06 anos 06 anos 05 anos
Representatividade *** *** *** *** *** 4) Você leva para o
CONSAD questões
que são debatidas na
sua entidade?
Não Sim Sim Sim Sim
5) Quais são os canais
utilizados por você
para consultar os
membros se sua
entidade?
- Conferências
ou reuniões Informativos Informativos
Sim.
Reuniões
6) Há alguma entidade
que deveria ser
representada no
CONSAD? Mas que
não participa?
Não, pois há
rotatividade
Não saberia
informar
Não saberia
informar
Não saberia
informar Sim. Não
saberia
informar.
Qualificação *** *** *** *** *** 7) Qual seu grau de
escolaridade?
Pós-
graduação Ensino médio
Nível
superior
Nível
superior Ensino médio
8) Participa ou
participou de cursos
de
qualificação/formação/
capacitação?
Sim. Voltado
para a função
de
conselheiro
do CONSAD
Sim. Voltado
para a função
de
conselheiro
do CONSAD
Sim. Voltado
para a função
de
conselheiro
do CONSAD
Não
Sim. Voltado
para outras
funções.
9) Participa ou
participou de outras
organizações?
Sim Não Sim Sim Sim.
Fonte: dados da pesquisa.
Há que se ressaltar que o processo de escolha das entidades, assim como dos
conselheiros passou por um processo semelhante ao que a literatura nos mostra como
uma falha do processo de mobilização das entidades da sociedade civil (nota-se que a
99
literatura sobre o CONSAD Iguatemi trata como sociedade civil, embora o Guia do
CONSAD estabeleça “entes privados” e o Estatuto do CONSAD Iguatemi - MS ratifica
isso).
Tal mobilização foi relativa ao processo de constituição do CONSAD, quando
da escolha das Entidades Implementadoras Regionais (EIR). No caso do CONSAD
Iguatemi - MS a EIR foi a Milênio Consultoria, sediada na capital do estado de Mato
Grosso do Sul. Ficou sob a responsabilidade de a EIR convidar, convocar ou estabelecer
fóruns próprios no âmbito da sociedade civil, para escolher as organizações integrantes
do CONSAD.
Conforme mostra De Jesus (2006, p.96-97), dentro desse processo, foram
excluídos importantes segmentos sociais e, houve predominância de representantes do
setor público no Fórum. Mas, segundo o Guia do CONSAD (p. B13), e conforme o
próprio Estatuto do CONSAD Iguatemi - MS (Art. 10, II e III) a sociedade civil deveria
ter 2/3 de representantes. Então como é possível uma predominância do setor público no
Fórum?
Existem dois fatores a serem considerados. O primeiro é quanto à afirmação
feita por De Jesus (2006), ao analisar a composição do Fórum do CONSAD Iguatemi -
MS. Se constatado que existem mais integrantes do setor público, viola-se um dos
pressupostos fundamentais dessa política, ensejada via a participação da sociedade civil
que deveria ter a representação de 2/3.
Na pesquisa para esta dissertação, não se obteve o acesso a lista atualizada dos
integrantes do CONSAD Iguatemi47
, logo não é possível encerrar de vez essa questão.
Mas de acordo com o Estatuto do CONSAD Iguatemi, de 15 de março de 2005, não há
o descumprimento a essa norma (ver Quadro 04, que mostra as organizações, poder
público ou sociedade civil, p. 103). A não ser que o referido por De Jesus (2006) se
refira à presença nos fóruns.
Sendo assim, restou o segundo fator: a cooptação dos membros da sociedade
civil pelo poder público. Alguns conselheiros do CONSAD foram indicados em
negociação da entidade que representa com o poder público. Essa ingerência por si só,
poderia denotar cooptação. No entanto, nota-se também, que há membros que fazem
47
Eles não têm esse controle, ou então nos omitiu. Foi pedido a eles o Estatuto, o Regimento Interno e o
acesso às atas, assim como esse controle. Só foi disponibilizado o Estatuto, e sem estar anexo o “Acordo
de Programa” e as leis autorizativas que permitem aos municípios se associarem. No modelo de Acordo
de Programa que conta no Guia do CONSAD, consta no item 3.2 (p. B10) que A direção do CONSAD
deverá ser informada de quaisquer alterações na representação estabelecida na formalização do acordo de
programa, em que conta os representantes do governo estadual, municipal e dos entes privados.
100
parte da sociedade civil, como a entrevistada “C” que representa o Clube de Mães, e que
ao mesmo tempo, exerce cargo na prefeitura do município que ela visa representar.
A existência da cooptação tem potencial para obstruir o processo democrático
caracterizado pelo controle social da formulação e gestão de uma política pública. Mas,
no caso analisado esse processo de cooptação não é perceptível, ao menos do ponto de
vista da observação do pesquisador. Primeiro, porque a presença do poder público é
praticamente inexistente, tanto do ponto de vista dos recursos quanto do envio de
representantes.
Segundo que, a mobilização para as ações ou reuniões do Consórcio parte
sempre da Presidente ou da Diretoria Executiva. Terceiro, para fins de deslocamentos e
estrutura física para o CONSAD Iguatemi - MS, conselheiros não dependem do poder
público. Em relação aos representantes da sociedade civil, os recursos disponíveis do
próprio CONSAD Iguatemi são destinados aos deslocamentos destes conselheiros.
Quanto à estrutura física, esta não está alojada na sede da prefeitura ou no
interior de alguma secretaria, tanto quando funcionava na cidade de Iguatemi, como
depois que migrou para a cidade de Tacuru. Embora fosse (ainda é) prédio cedido pela
prefeitura, o mesmo se encontra isolado do ambiente administrativo da prefeitura.
Segundo a entrevista com a Presidente do CONSAD Iguatemi, na maioria dos
municípios, as prefeituras e os respectivos legislativos “não ajudam e nem atrapalham”.
A percepção do pesquisador atribui tal fato ao volume de recursos envolvidos nos
projetos implantados, já que a “cota” de participação paga pelos municípios ao
CONSAD é irrisória: dois salários mínimos por mês, segundo a entrevista com a
Presidente. Por serem recursos pequenos para os municípios, não se constata
intromissão do poder público sobre as ações do CONSAD Iguatemi - MS. Entretanto,
segundo se percebeu na reunião da Diretoria, há uma exceção quanto ao que ocorre no
município de Japorã.
No que se refere ao CONSAD Iguatemi - MS, não há uma centralização
organizacional. Os fóruns que deveriam ser realizados trimestralmente, conforme rege
seu Estatuto (p. 04, Art. 15), não ocorrem desde o mês de março de 2011, quando da
posse da atual Presidente. E a reunião da qual o pesquisador teve acesso e participou, foi
uma reunião da Diretoria Executiva, no dia 20 de dezembro de 2011.
Isso denota falta de articulação, organização e diálogo do Consórcio, fora o
descumprimento do Estatuto. Além da perda de legitimidade dos conselheiros, vez que
não estão participando do processo de controle e deliberação do CONSAD Iguatemi -
101
MS – isto aceitando a plausibilidade de que, de fato, ocorra um processo de controle
social e deliberação por parte do Fórum.
Resulta que, em relação ao funcionamento do CONSAD Iguatemi, os
municípios tomam decisões isoladas quanto à gestão dos projetos e programas
implementados pelo Consórcio, sem nem ao menos ter um direcionamento geral. Esta
situação foi constatada na reunião da Diretoria Executiva, quando os representantes da
cidade de Japorã apresentaram ações, até então desconhecidas pelos demais
conselheiros.
As ações do município de Japorã são incentivadas pelo poder público municipal,
o que demonstra um diferencial quanto aos demais municípios do Consórcio. Se por um
lado seria o município em que se apresentariam problemas de cooptação por parte do
poder público, em que ocorrem interpolações da prefeitura, por outro, é o lugar onde há
maior mobilização e interação entre poder público e sociedade civil. Lembrando que,
parte dos representantes da sociedade civil deste município também tem vínculo
empregatício com a prefeitura.
Neste caso, especificamente, a cooptação se caracteriza como “benéfica”, pois
possibilita o desenvolvimento de ações consideradas de maior êxito dentro das ações
pulverizadas dos municípios do Consórcio. Também se pode atribuir tal fato ao
engajamento do prefeito do município, que mobiliza a prefeitura (com recursos
econômico e pessoal) para o desenvolvimento do projeto de malharia, instalado no
município, que integra o CONSAD Iguatemi - MS. Essa disponibilidade de recursos e
de pessoal não ocorre nos demais municípios.
Um fator interessante dentro da dinâmica da legitimidade dos conselheiros situa-
se no envolvimento ao longo do tempo, tanto do indivíduo quanto da organização que
representa. Praticamente todos os conselheiros abordados estão no CONSAD Iguatemi -
MS desde seu processo de fundação, exceto a entrevistada “D”, que faz parte do poder
público, e que se tornou conselheira a dois anos. E todas as organizações representadas
por estes conselheiros estão no CONSAD Iguatemi - MS desde o início.
Há duas preocupações quanto a esta questão. Demonstra a não rotatividade dos
conselheiros, e se existe, é baixa. Por um lado, a falta de renovação dos indivíduos
contribui para dar maior maturidade e experiência conselhista para o desempenho de
suas funções, como o controle, a organização e a proposição de políticas. Por outro,
inibi a existência da pluralidade. Se há problemas quanto ao cumprimento por parte dos
conselheiros de suas atribuições de fiscalizar, ponderar, propor, enfim, participar do
102
processo exercendo o protagonismo que lhe é atribuído, então, certamente a falta de
rotatividade acarreta numa falha da estrutura conselhista de que foi provido o Fórum do
CONSAD Iguatemi48
.
A outra preocupação é quanto à não alternância das entidades integrantes do
Consórcio. O fato de serem sempre as mesmas inibe a entrada de novas ideias ou visões,
de novas contribuições, pois limita a pluralidade. Esta preocupação está presente em
Luchmann (2011), quando analisa tais condições e argumenta que a representação de
cada entidade está vinculada ao fato de que cada organização ter uma visão, um objetivo
e um papel do ponto de vista da representação de um grupo específico.
A alternância ou até mesmo ampliação do conjunto de organizações que
integram o Consórcio poderia ser benéfica, desde que apresentasse novas abordagens e
contribuições no âmbito das políticas propostas, e também no que tange à dinâmica
conselhista: processo deliberativo do Fórum do CONSAD, representatividade e
participação efetiva dos membros do conselho.
De Jesus (2006) argumenta que importantes segmentos sociais, com relação à
situação de segurança alimentar, foram excluídos do CONSAD Iguatemi - MS, e que
entidades com grande representatividade e abrangência foram incluídas, mas que, no
entanto, seus objetivos não contribuem muito do ponto de vista dos objetivos de gerar
processo de desenvolvimento, geração de emprego, renda e formação de capital social.
No primeiro caso, comunidades indígenas ficaram de fora, e na segunda, a Pastoral da
Criança e da Saúde integram o Consórcio.
Não se trata de dimensionar importância a determinado grupo, e sim, de
identificar qual teria mais potencial para contribuir para a orientação das decisões acerca
dos objetivos traçados pelo projeto e grupos que, necessariamente, devem ser alvos das
políticas do Consórcio, dado suas condições de insegurança alimentar.
Neste caso, no Estatuto do CONSAD Iguatemi há predominância de entidades
ligadas aos setores produtivos (11 entidades), seguido das entidades religiosas (6
entidades)49
e das associações de moradores (5 entidades). Assim, pode-se relativizar o
48
Problemas quanto ao não cumprimento, por parte dos conselheiros, de suas atribuições, remete à uma
discussão sobre a prestação de contas dos indivíduos para com as entidades que esse se faz representar. Miguel (2011) e Luchmann (2011) cunham o termo “responsabilização”, e atribuem a este um ponto
crucial quanto à representativade dos conselheiros frente à suas entidades. 49
As entidades categorizadas como outras associações têm relações com diversos setores segmentados,
que não conseguem, aparentemente, se unir entorno de uma temática. Lembrando que a “união” envolta
de uma temática se restringe à visão que dá origem à associação, e não à suas preferências por assuntos
debatidos no Fórum.
103
peso dos setores, em tese, ligados ao objetivo de geração de emprego e renda, pois são
minorias.
QUADRO 04 - CLASSIFICAÇÃO DAS ENTIDADES CIVIS SEGUNDO A FINALIDADE DA
ASSOCIAÇÃO
Tipo de Organização Civil Nome da Organização
Associação de Moradores Altos da Glória
AMBJAQUE – Atlética dos moradores do bairro Jardim Aeroporto e
Conjunto Habitacional Quedas D’ Água
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES UNIFIG – União dos Moradores Físicos de Iguatemi
Associação de Moradores da Vila Nova Amorila
ASSOMORÃ – Associação de Moradores do Conjunto Iporã
AHFE – Associação dos moradores do Distrito do Morumbi de Eldorado
COOPERSUL – Cooperativa dos Suínos de Itaquiraí
COOPISC – Cooperativa dos Piscicultores
Associação dos Agricultores do Assentamento Santa Renata
Associação dos Pequenos Produtores do Assentamento Guaçu
Associação dos Pequenos Produtores de Leite
ASSOCIAÇÕES LIGADAS
As ATIVIDADES PRODUTIVAS Associação dos Hortifrutigranjeiros
Associação dos pequenos produtores do Assentamento Floresta Branca
Associação Hortifrutigranjeiro de Eldorado
Associação de Produtores de Leite
Associação de Produtores Hortifrutigranjeiros
Associação dos Produtores do Assentamento Indianápolis
Sindicato dos Trabalhadores Rurais (Tacuru)
SINDICATO DOS
TRABALHADORES RURAIS Sindicato dos Trabalhadores Rurais (Paranhos)
Sindicato dos Trabalhadores rurais (Eldorado)
ASSOCIAÇÕES LIGADAS
À EDUCAÇÃO SIMTED
Escola Família Agrícola
Igreja Batista
Fraternidade Espírita Allan Kardec
Igreja Batista do Calvário
ASSOCIAÇÕES RELIGIOSAS Igreja Luterana
Paróquia Imaculada da Conceição
Pastoral da Família
Associação de Amigos da Vila Rosa
Rotary Club
Partido dos Trabalhadores
Associação de Dedicação Voluntária à Infância e Adolescência Casa de
Davi
Associação Radiofônica Cultural
OUTRAS ASSOCIAÇÕES Loja Maçônica Fraternidade e Justiça
Clube de Mães
Associação Reviver
Associação Boas Vindas da P. A Sul Bonito
SODEMA (Associação de Defesa do Meio Ambiente)
Lar São Francisco de Assis (Casa do Idoso)
Corporação dos Patrulheiros Mirins
Fonte: elaborado pelo autor com base no Estatuto do CONSAD de 2005.
104
A percepção que se têm, através de entrevista com a Presidente do Consórcio, é
que não há uma espécie de “assentos fixos” das entidades, tanto é que ela aponta que
algumas entidades estaduais que integravam o Consórcio deixaram de fazer parte, e
foram desvinculadas por conta da não participação nos Fóruns. O mesmo ocorreu com
algumas prefeituras, que também deixaram de efetuar a contribuição financeira que lhes
eram atribuídas. Exemplos é a empresa estadual de extensão rural, a AGRAER, e as
cidades de Naviraí e de Itaquiraí.
No decorrer da reunião da Diretoria aventou-se a hipótese de afastamento de
mais um município que estava com a contribuição financeira atrasada, por alguns
meses. No caso dos municípios de Naviraí e de Itaquiraí, o desligamento foi devido à
devolução dos equipamentos do projeto de malharia que existia. A prefeitura e os
integrantes do CONSAD Iguatemi - MS destas cidades não viabilizaram o
aproveitamento das máquinas e dos equipamentos disponibilizados. Atualmente a
cidade de Iguatemi também passa por esse problema.
O fato de algumas cidades se desvincularem do Consórcio em razão do não
aproveitamento dos equipamentos demonstra preocupação quanto à atuação dos
conselheiros, com relação à perda de projetos. Isso mostra o não protagonismo da
sociedade civil em alguns municípios, e também, uma falha estrutural do programa
CONSAD.
O município fica de mãos atadas frente ao dirigente do poder público municipal,
pois se este não cumprir sua cota de contrapartida, ou mesmo não quiser dar destinação
aos equipamentos e máquinas, não há força institucional que obrigue que se cumpra a
vontade da sociedade civil, por exemplo. O processo deliberativo é debilitado quando se
pulveriza as decisões por município. Há uma contradição interna ao próprio mecanismo
de execução das ações pactudas: não há força institucionalizada que consiga fazer valer
a vontade soberana da maioria dos conselheiros quando o poder municipal se recusa a
cumprir as decisões tomadas.
As atribuições de cada município constam no Acordo de Programa que é
ratificado via protocolo de intenções. Seguindo o Guia do CONSAD e analisando o
Estatuto do CONSAD Iguatemi - MS, não se encontrou nenhuma condição que obrigue
ou responsabilize os municípios. O município, através de seu representante no Fórum,
autoriza a execução de determinada ação, mas no momento de executar esta ação, pode
se abster, e não é punido de outra forma, a não ser sua expulsão do Consórcio.
105
Ora, tal mecanismo, no fundo, pune a população que deveria ser beneficiada.
Para a falta de responsabilização dos dirigentes municipais, nota-se uma brecha
institucional no acordo jurídico do Consórcio, pois a entidade se compromete a executar
políticas conjuntas e, no entanto, se abstém. Resta saber se cabem modificações nas
cláusulas do contrato ou se a natureza não especificada das ações do CONSAD é que
permite esta falha. Nos demais tipos de consórcios públicos, as ações na provisão de um
bem são específicas. No Estatuto do CONSAD Iguatemi – MS (p. 02), apenas se diz
“executar ações de segurança alimentar e nutricional e de promoção humana e
desenvolvimento local dos Municípios que o integram, mediante a prestação de serviços
públicos” 50
.
Quanto à representatividade, notou-se que os entrevistados normalmente levam
para o CONSAD Iguatemi - MS questões debatidas no âmbito de suas entidades.
Através do questionário observou que usam basicamente informativos, reuniões ou
conferências para criar um canal de diálogo com suas organizações de origem. Único
entrave a essa representatividade diz respeito ao efeito que essa ação pode exercer no
interior do CONSAD Iguatemi, vez que sendo entidades com objetivos dos mais
diversos, as questões levadas pelas organizações para o Consórcio podem ser
controversas.
Necessariamente, estas organizações devem tratar de ações específicas para a
contribuição do objetivo e das metas do próprio CONSAD. Se efetivamente, como
apontado pelos entrevistados, ocorre esse canal de comunicação demonstra-se haver,
potencialmente, sinergia entre as entidades e o CONSAD Iguatemi - MS, o que só traria
benefícios para a definição das metas e o alcance dos objetivos propostos. Entretanto,
dada a falta de projetos e as dificuldades de proporem novos projetos, de conseguirem
recursos e, até mesmo, de gerenciar os existentes, essa sinergia não existe ou não
funciona como poderia funcionar.
Tal aspecto se relaciona com a terceira e última linha da dimensão da
Composição: a qualificação. Não se pode expandir a amostra encontrada, mas se
contrapormos o resultado desta pesquisa com a literatura revisada, como Santos Júnior,
Azevedo e Ribeiro (2004) e Tonella (2003), vê-se similaridades. No CONDAD
50
Mesmo a definição de “contrato de programa” é frágil para obrigar que os municípios sejam
responsabilizados por não cumprirem com o acordado. Contrato de programa, de acordo com Di Pietro
(2005, p. 11): “... obrigações que um ente da Federação constitui para com outro ente da Federação ou
para com consórcio público no âmbito da gestão associada em que haja a prestação de serviços públicos
ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade
dos serviços transferidos”.
106
Iguatemi, dentre os entrevistados, tem-se um com especialização, dois graduados e dois
com ensino médio completo. Nas pesquisas apontadas pela literatura, há grande
participação nos conselhos de pessoas com alta escolaridade (ensino superior) à
escolaridade média (ensino médio).
Dada a região em que se encontra o CONSAD Iguatemi, região pobre e provida
de raras instituições de ensino superior (uma Universidade e uma Faculdade, que distam
até 200 km de alguns municípios), seria normal o padrão de qualificação encontrado na
reunião da Diretoria (cargos que aparentemente exigiriam mais dos ocupantes).
Entretanto, não é o esperado que tal padrão se repetisse para os demais conselheiros.
Em geral, a qualificação estaria relacionada às condições de deliberação no
Fórum, que atua como conselho gestor, e com as condições e capacidades para
formular, coordenar e fiscalizar as políticas e as ações efetuadas pelo Consórcio. No
entanto, embora os membros da Diretoria tenham alta escolaridade, esta não se tem
refletido dentro do que se espera, basta ver as considerações anteriormente abordadas
quanto à falta de projetos e as dificuldades de proporem novos projetos, conseguirem
recursos e gerenciar os existentes.
Mesmo com membros que realizaram cursos de qualificação voltados para
exercer a função de conselheiros, e a maioria ter participado de outras organizações, não
foi suficiente para promover melhoras nas atribuições conselhistas que o CONSAD
Iguatemi exige. Aventa-se com uma hipótese de que dada a situação peculiar do
CONSAD, a precariedade organizacional e a fragilidade institucional (de fazer valer as
decisões no âmbito de todos os municípios), a qualificação por si só, não tem condições
de exercer papel preponderante quanto às condições de deliberação do Fórum.
É necessário dotá-los, no quesito de qualificação, de capacitação para
participarem de processos participativos, de capacitação para entenderem os
mecanismos institucionais do funcionamento de um Consórcio, de instruí-los a
buscarem parcerias e financiamento para as ações do Consórcio e qualificá-los para
processos de gestão dos seus projetos.
4.3.2. Organização: funcionamento e interação
A dimensão da Organização compreende os temas funcionamento e interação.
Com relação ao funcionamento buscou-se analisar o modo como o Consórcio se
estruturou para operar como conselho e, eventualmente, seus pontos de
107
estrangulamento. Para o tema interação focou-se na análise das relações existentes entre
os conselheiros, as entidades e os municípios que compõem o Consórcio.
O formato de estruturação, que permite a forma de funcionamento do CONSAD
Iguatemi - MS, se estrutura pela existência do Fórum (nível deliberativo máximo
definido pelo Guia do CONSAD), Diretoria Executiva (nível decisório gerencial) e
Conselho Fiscal (acompanhamento de contas), conforme Estatuto do CONSAD
Iguatemi (Art. 8, p. 3). O funcionamento do CONSAD deve pautar-se por essa
organização reproduzida em seu próprio estatuto, assim como pelas atribuições e
mecanismos estabelecidos por este.
Dentre as atribuições do Fórum, consta a deliberação em última instância sobre
as políticas, estratégias e o conteúdo do Plano de Ação do consórcio e a prestação de
contas, entre demais atribuições. O que chama atenção, não quanto à sua inserção no
Estatuto, mas sim quanto ao descumprimento, é a realização de Assembleia Geral
Ordinária, trimestralmente.
Outro apontamento importante, novamente fruto da observação do pesquisador,
foi da substituição da reunião do Fórum pela reunião da Diretoria Executiva. Pelo
Estatuto, a diretoria executiva é responsável pela supervisão e acompanhamento das
ações gerenciais e finalísticas do CONSAD Iguatemi. O presidente da diretoria
executiva é o responsável por dirigir o Fórum, sendo a escolha da diretoria executiva
feita pelo Fórum. Esta diretoria deve se reunir mensalmente, de acordo com o Estatuto
do CONSAD Iguatemi (Art. 20, p. 6).
A substituição do Fórum pela Diretoria Executiva abre precedente perigoso. Há
a supressão das atribuições do Fórum, perda da representação democrática, violação e
negligenciamento do Estatuto. Isto do ponto de vista normativo, da formalidade
estabelecida pelo Estatuto. Pelo lado da representação democrática e da existência de
um canal de participação da sociedade civil, se rompe com a possibilidade de controle
social da política pública, e isto, é uma das atribuições do Fórum, enquanto órgão de
deliberação máxima, uma instância deliberativa. Sem isto, não se permite o
empoderamento das ações locais pela sociedade civil.
Na reunião do qual o pesquisador participou, um dos assuntos levantados pela
Presidente foi que deveria se realizar mais reuniões da Diretoria Executiva, e esta
determinar as ações e orientações do CONSAD Iguatemi, ao invés de levar tudo ao
Fórum. A argumentação pautou-se sobre a falta de diálogos construtivos nas reuniões
108
do Fórum, e que “não se decidia nada que era importante”, e outras questões de suma
importância acabavam ficando sem discussão e votação.
QUADRO 05 - ESTRUTURA DAS RESPOSTAS DA DIMENSÃO ORGANIZAÇÃO
Perguntas Entrevistado
A
Entrevistado
B
Entrevistado
C
Entrevistado
D
Entrevistado
E
Organização
Funcionamento *** *** *** *** ***
10) Qual o
principal entrave
para o
funcionamento do
conselho?
Falta de
capacitação dos
membros do
conselho; Falta de
comprometimento
com as decisões
tomadas; falta de
informação
Falta de
capacitação dos
membros do
conselho; Falta de
comprometimento
com as decisões
tomadas; Falta de
recursos
Falta de
comprometimento
com as decisões
tomadas; Falta de
recursos.
Falta de
comprometimento
com as decisões
tomadas; Falta de
recursos.
Falta de interesse
dos conselheiros
do setor
governamental;
Falta de recursos.
11) Existem
mecanismos de
acompanhamento
das decisões
tomadas?
Sim. Outros (não
especificou)
Sim.
Comunicado,
informativo.
Sim. Comissões
internas;
audiências
públicas abertas à
sociedade.
Sim. Comissões
internas;
audiências
públicas abertas à
sociedade.
Sim. Prestação
de contas ao
conselho;
Comissões
internas. 12) Qual a
regularidade
desses
mecanismos?
No Fórum do
CONSAD;
trimestrais
Quando ocorre
Fórum
Quando
necessário.
Quando
necessário.
Quando ocorre
Fórum.
Interação *** *** *** *** *** 13) Como é a sua
relação com as
outras entidades
que participam do
conselho do
CONSAD ou
com os outros
conselheiros?
Em trabalhos
conjuntos/apoio a
temas comuns
Em trabalhos
conjuntos/apoio a
temas comuns
Em trabalhos
conjuntos/apoio a
temas comuns
Em trabalhos
conjuntos/apoio a
temas comuns
Em trabalhos
conjuntos/apoio
a temas comuns
14) Você percebe
que existe
conselheiros de
maior
importância?
Quem são? Por
quê?
Conselheiros
governamentais
são mais visíveis
Não Não Não Sim. Sociedade
Civil
15) Como você
observa a relação
dos conselheiros
e dos municípios
aos quais
representam?
Estão de acordo
freqüentemente
Às vezes estão de
acordo Às vezes estão de
acordo
Às vezes estão de
acordo
Estão de acordo
frequentemente
16) Como você
observa, através
do conselho, a
relação entre os
municípios do
território que
forma o
CONSAD?
Relação de
apoio/cooperação Nenhuma relação
Relação de
apoio/cooperação
Relação de
apoio/cooperação
Relação de
apoio/cooperação
17) Através do
conselho você
observa alguma
sobreposição de
um município
sobre os demais?
Não Não Não Não Não
Fonte: dados da pesquisa.
109
Ora, independente das obstruções que ocorriam/ocorreram nos Fóruns, usurpar-
lhe seu poder, sua prerrogativa de deliberação, não é admissível, nem sobre a premissa
de dar maior efetividade ao sistema. O que se pode tentar é melhorar o sistema
participativo, qualificando e orientando os conselheiros. Quanto à pauta levantada, não
deve ser colocada pela reunião da diretoria executiva, vez que está para além de suas
atribuições estatutárias. Cabe ao Fórum deliberar sobre o Regimento Interno.
Não estava ocorrendo nem reuniões da Diretoria Executiva (mensais), e nem a
convocação de Fórum (atribuição do presidente da diretoria executiva) que deve ser
feito trimestralmente. A impressão que passa é que a desarticulação, a baixa
organização e quase ausência de institucionalidade do CONSAD Iguatemi - MS, o leva
a graves problemas de funcionamento. Dito isto, passa-se a analisar agora através da
percepção dos questionários como anda o funcionamento do Consórcio.
Perguntou-se qual o principal entrave para o funcionamento do Fórum, através
de pergunta fechada, mas podendo ser assinalada mais de uma opção. A maioria
respondeu “falta de comprometimento com as decisões tomadas”, seguida da “falta de
recursos” e de “falta de capacitação dos membros do conselho”. Esta última foi
abordada no item relativo à qualificação dos conselheiros, em que se dimensionou o
grau de escolaridade e sua influência no processo de deliberação como um todo.
Cabe salientar que a qualificação, mesmo sendo relativamente alta quando se
depara com o grau de formação dos conselheiros entrevistados, pode ser um ponto de
entrave para o próprio processo de acompanhamento e participação dos indivíduos nas
decisões tomadas. O nível educacional não necessariamente garante o “saber” para
contribuir com o processo deliberativo.
O fator falta de recursos também impõe sérios entraves ao funcionamento do
CONSAD Iguatemi - MS. A não existência de fontes de recursos, facilmente acessíveis,
e as obstruções de natureza técnica ou mesmo jurídica impedem melhor funcionamento
do Consórcio. A principal origem de recursos para o CONSAD Iguatemi - MS é via o
projeto de malharias financiado pela Petrobrás. Da mesma forma, a principal fonte
acaba sendo editais públicos ou privados.
A carência de qualificação dos membros atua como obstáculo para a busca
desses recursos, fato relatado nos questionários aplicados, e pela presidente. A questão
da qualificação está para além da formação escolar, por isso é importante considerar a
necessidade de conselheiros (ou mesmo funcionários cedidos ao CONSAD Iguatemi –
110
MS) capazes de exercer as atribuições discutidas, além de terem condições gerenciais
sobre os projetos existentes.
Quanto à falta de comprometimento com as decisões tomadas, apontada como
principal entrave, foi demonstra claramente, bem como aludida a falta de mecanismos
ou institucionalidades capaz de fazer valer as deliberações feitas pelo Fórum. O que
vem emergindo como pano de fundo para os problemas encontrados.
Para a pergunta da existência de mecanismos de acompanhamento das decisões
tomadas, esperava-se descobrir sobre o funcionamento do processo de prestação de
contas e sobre a existência de canais de acompanhamento e responsabilização internos
no Consórcio. Com as respostas de que existiam esses mecanismos e eles se reduziam a
comissões internas ou a comunicados, percebeu-se o quão precário é esse canal, pautado
pela informalidade.
O entrevistado “E” ainda respondeu que esse mecanismo ocorria via prestação
de contas ao Fórum/conselho do CONSAD Iguatemi. Se assim fosse o ter-se-ia criado
um interessante, importante e institucionalizado canal de prestação de contas.
Entretanto, ante a ausência de reuniões do Fórum e da Diretoria Executiva, dificilmente
existe esse mecanismo, ou ele funciona raramente.
Para a pergunta relativa à regularidade desses mecanismos, todos remetem à
quando ocorre Fórum ou “quando necessário”. O “necessário” deveria ser sempre
quando se tem por obrigação, dado papel de conselheiro de fiscalizar e orientar as ações
do CONSAD Iguatemi. Entretanto, como não ocorrem Fóruns com a frequência
estabelecida pelo Estatuto do Consórcio, e nem reunião da diretoria executiva,
praticamente não existem tais mecanismos, e se existem, são precários e informais.
De acordo com Santos Júnior; Azevedo e Ribeiro (2004), esses mecanismos
dizem respeito à condição de efetividade do conselho, de sua possibilidade de afetar as
decisões tomadas pelo Consórcio.
Na discussão do tema interação, abordado por Teixeira e Tatagiba (2008), pode-
se chegar ao grau de deliberação - ou incidência, como estas autoras preferem, para
atenuar um possível “excesso de expectativas” quanto às condições de deliberação. O
grau e até mesmo a natureza destas interações é que dão a medida de incidência do
conselho sobre o resultado da política.
Ao perguntar qual a relação do entrevistado com as outras entidades que
participam do conselho do CONSAD ou com os outros conselheiros, todos, sem
exceção, responderam “em trabalhos conjuntos/apoio a temas comuns”. Isto indica
111
sinergia entre os representantes, na busca por resolver questões de forma pactuada.
Porém, implicaria, não necessariamente, que tivessem compartilhando as mesmas
visões e interesses quanto aos assuntos tratados.
Quanto à existência de conselheiros de maior importância, se eles percebiam
dessa forma, a maioria afirma que não, enquanto que o entrevistado “A” considera que
os conselheiros governamentais tem maior visibilidade, já o entrevistado “E” considera
que os conselheiros da sociedade civil tem maior importância. Tradicionalmente, os
representantes do poder público se apresentam com maior “propriedade” e
“importância” nos assentos dos conselhos de políticas, seja pela proximidade das
esferas de execução das políticas, ou pela recusa de partilha de poder por parte do poder
público, como mostra a literatura51
.
Entretanto, como abordado nos quesitos legitimidade e representatividade, há
maior protagonismo da sociedade civil do que do poder público no CONSAD Iguatemi
- MS. Corrobora essa afirmação a ausência dos representantes do poder público e a não
ingerência destes na maioria dos municípios. Argumenta-se que essa não ingerência se
deve ao tamanho dos recursos envolvidos, relativamente pequeno e, também, quanto à
falta de perspectiva para a manipulação política dos projetos, vide o abandono do
Consórcio pelos municípios de Naviraí e Itaquiraí52
.
Pensando na dinâmica de distribuição destes recursos, o dinheiro, no caso das
malharias (único grande projeto em vigor) entra pela conta do CONSAD Iguatemi -
MS, já que provém de convênio feito, via edital, com a Petrobrás. O dinheiro não é
repassado às prefeituras, mas compram-se os equipamentos de forma centralizada e
depois os distribui para os beneficiários do projeto, previamente selecionados pelo
CONSAD e pelas prefeituras. Pode ocorrer interferências nos municípios, mas não no
âmbito das decisões do Fórum53
.
A ingerência dos municípios sobre as ações do CONSAD Iguatemi depende da
reafirmação da sociedade civil dentro do Fórum. Se ocorrer o esvaziamento da
51
Tatagiba (2002); Dagnino (2002). 52
Estes municípios abandonaram, segundo informação da Presidente do CONSAD Iguatemi, devido à
não aceitação de que a posso das máquinas do projeto malharia ficasse sobre o controle do CONSAD
Iguatemi. Por este motivo, a não posse, alegaram não ter benefício algum fazendo parte do Consórcio. 53
A fragilidade do ponto de vista da continuidade deste programa pode ser um fator preponderante
quanto à participação do poder público. Fora este projeto da Malharia, não há outros projetos em
andamento, e se não fosse este projeto, possivelmente o CONSAD Iguatemi estaria desamparado quanto à
execução de políticas. O caso do projeto PAIS, do MDS, que não se viabilizou pela recusa do governo
estadual de Mato Grosso do Sul a repassar a verba, foi um dos poucos projetos direcionados do governo
federal, que deveria ser o maior financiador desta política, porque era o maior incentivador e apoiador da
política, tanto que a criou.
112
participação do poder público, como relatado através da ausência de alguns
representantes aos Fóruns, tem-se uma fragmentação do bloco do poder público,
diminuindo-se a dicotomia entre poder público e sociedade civil.
A dinâmica do Fórum do CONSAD Iguatemi, com representantes por
municípios, acaba por pulverizar a tradicional correlação de forças entre poder público e
sociedade civil, enfraquecendo também a sobreposição de poder por parte dos
municípios, quer dizer, a sociedade civil acaba por aparentar ter mais poder, e pode se
dizer que por conta dela conseguir congregar uma “identidade” e apresentar uma
unidade, mesmo atuando em municípios diferentes. Ao contrário do poder público que é
normalmente caracterizado como “município A” e “município B”. A sociedade civil, a
princípio, seria mais coesa, não dividida ou segmentada como o poder público.
Se atendo ao questionário, quando perguntado sobre a relação dos conselheiros
com os municípios que representam, as respostas mostraram sintonia entre os interesses
dos conselheiros e dos municípios, embora se espere que os conselherios tenham
independência quanto às decisões tomadas. Para observar a relação existente entre os
municípios que integram o Consórcio, perguntou-se qual a relação entre os municípios:
a maioria respondeu existir relação de apoio/cooperação, exceto a entrevistada “B” que
alega não haver nenhuma relação.
Na última questão, que envolveu a interação interrogou-se sobre a existência de
alguma sobreposição de um município sobre os demais. Preocupação presente desde o
início do projeto CONSAD, por conta da existência de disparidades econômicas e
sociais entre os municípios, como era o caso do município de Naviraí e de Ponta Porã.
Entretanto, dentro da percepção dos conselheiros, não há ocorrência deste fato, pois
foram unânimes em dizer que não existe sobreposição.
4.3.3. Dinâmica: formação da agenda, processo deliberativo e
impacto
Nesta dimensão tentou-se discutir alguns temas, como a formação da agenda, o
processo deliberativo (ou a tomada de decisão) e o impacto. Na formação de agenda
buscou-se analisar o processo de proposição dos temas tratados nas deliberações do
conselho. A literatura54
aborda amplamente como o controle sobre a pauta de reuniões é
54
Tatagiba (2002); Tonella (2003); Santos Júnior, Azevedo e Ribeiro (2004); Lorenzo (2008).
113
usado enquanto mecanismo de exclusão de alguns temas e promoção de outros, ou
mesmo enquanto canal de exclusão de demandas de setores minoritários, ou de setores
da sociedade civil.
Quando se constata que há monopólio quanto à definição das pautas, rompe-se
uma pré-condição para o processo de deliberação dos conselhos, é deliberado aquilo que
consta na pauta, na agenda. Ao controlar a pauta, controla-se o conteúdo do que se
delibera.
No referencial dos Múltiplos Fluxos a agenda é definida como um conjunto de
preocupações dos formuladores de políticas que suscita soluções. Assim, a agenda passa
a ser o lócus da organização e orientação sobe o que se pretende fazer enquanto política,
isto é, ela é o ponto do qual se parte para analisar as ações do CONSAD Iguatemi - MS,
pois, pauta as decisões sobre as ações realizadas. Desse modo, explicar os
condicionantes da sua formação é o mesmo que explicar como as ações do Consórcio
foram tomadas55
.
A análise dos Múltiplos Fluxos considera que a agenda é formada pela junção de
três fluxos (problemas, soluções e político). Tentou-se observar a existência destes
fluxos para o CONSAD Iguatemi – MS. Primeiro fator a se considerar é sobre a
existência das três partes da agenda, como assinalado por Kingdon: a sistêmica, a
governamental e a decisional.
O referencial proposto por Kingdon aborda políticas empreendidas pelo governo
a nível Federal e, não apenas para um colegiado de agentes, tanto públicos como
privados, que se encontram numa esfera local. Deve-se ter claro que a dinâmica que
ocorreu na formação da Política de Segurança Alimentar, que culminou na criação dos
CONSADs, pode não ser a mesma encontrada num consórcio específico. A política
aqui, ou as ações empreendidas pelo CONSAD Iguatemi, não é, a priori, atribuição do
poder público representado por uma secretaria ou pasta, e sim, do Fórum. Este deve
envolver tanto poder público como sociedade civil em um espaço diferente56
.
55
Ao não ter acesso às atas do CONSAD Iguatemi, dificulta-se a análise a respeito do conteúdo das
pautas discutidas no Fórum do Consórcio. 56
Deve-se ter claro que os Conselhos Gestores estão inseridos dentro de estruturas administrativas, e se
constituem em espaços públicos, mesmo que dentro de órgãos públicos. O que concede ao Fórum do
CONSAD (ao funcionar como Conselho) um foro diferente é o fato de não funcionar sob a tutela de
nenhuma secretaria ou pasta dentro dos municípios ou do governo estadual – estes que são parte do
Estado que integram o Consórcio. Na realidade, o CONSAD se constitui em uma forma híbrida na
perspectiva dos Conselhos Gestores e também na concepção dos Consórcios Públicos, pois nem é
tutelado pelos poderes públicos e nem tem autonomia suficiente para agir como consórcios públicos
típicos.
114
A busca de um “problema” a ser solucionado e as discussões quanto às
alternativas devem ocorrer de modo distinto, assim como as decisões políticas. Não há
aqui três tipos de agendas, ou melhor, a única agenda existente é a decisional, composta
das propostas sumariadas pelo Fórum.
O CONSAD Iguatemi nasceu estruturado a resolver um problema: o da ausência
de segurança alimentar no território. Esta condição inibiu a existência ou a “busca” por
um problema público, alterando, assim, a formação do primeiro fluxo de forma
autônoma dentro da dinâmica do CONSAD.
Por outro lado, deslocou a existência desse problema para novas esferas. Quanto
às políticas do Consórcio, quais ações foram escolhidas? Que segmentos foram
atendidos? Que projetos foram elaborados? Volta-se ao controle da agenda como ponto
crucial para direcionar essas questões, dado que se modifica a correlação (e a atuação)
de forças dentro do fluxo das alternativas.
Nos Múltiplos Fluxos a escolha de alternativas está intrinsecamente ligada à
definição do problema. Se o CONSAD é a resposta do governo para solucionar
determinado problema, então é sensato afirmar que o problema já é conhecido. Ao
admitir que o problema é conhecido e que o CONSAD é a solução para tal problema,
basta ver quais as atribuições do CONSAD Iguatemi - MS para se ter noção das
alternativas a serem executadas.
Segundo o Guia do CONSAD, que norteia o CONSAD enquanto política
pública, e também expressa as metas e objetivos desta política, as atribuições dos
CONSADs estariam em: “discutir, planejar, decidir e implantar ações voltadas para a
segurança alimentar e a melhoria das condições de vida das populações envolvidas” (p.
08). Além de “construções de bases sólidas que permitam à populações mais pobres
obterem trabalho e renda, além de viabilizar a produção familiar de alimentos, gerando
com isso um ambiente socioeconômico propício para a garantia de segurança alimentar”
(p. 09).
Através destes objetivos, propõem-se a induzir ações que incentivem o
desenvolvimento local, através da atuação em quatro áreas: a) formação de capital
social local; b) formação de capital humano local; c) agregação de valor nas cadeias
produtivas sub-regionais e; d) modernização do setor público local. Com o
fortalecimento destas áreas esperava-se compor um grande eixo de atuação dos
CONSADs, sendo tal eixo integrado pelo fortalecimento da agricultura familiar, da
115
economia solidária, dos arranjos sócio-produtivos locais, além de gerar a inclusão
digital e o aumento do microcrédito (GUIA DO CONSAD, 2004, p. 10).
O Estatuto do CONSAD Iguatemi (p. 02) traz a seguinte perspectiva:
Art. 6º. Constituem objetivos básicos do CONSAD Iguatemi
I- Planejar e executar atividades destinadas a instituir e ampliar as ações de
segurança alimentar e nutricional e de promoção humana e desenvolvimento
local dos Municípios que o integram, mediante a prestação de serviços
públicos ou o incentivo às atividades de outras entidades, buscando atuar em
cooperação com os demais entes públicos e privados, mediante a celebração
de parcerias;
O Estatuto do CONSAD Iguatemi não aborda de forma direta as atribuições que
o Guia do CONSAD lhe delega. No entanto, tal Estatuto é compatível com o modelo
sugerido pelo Guia do CONSAD. O problema não se encontra em listar todas aquelas
atribuições no Estatuto, e sim, em garantir que estes objetivos se transformem em metas
a serem alcançadas pelos CONSADs em geral.
Voltando ao processo de escolhas de alternativas, e atendo-se à lógica do modelo
de Múltiplos Fluxos, existiria dentro do CONSAD Iguatemi a mesma dinâmica quanto
ao processo de escolha das alternativas, só mudando o fato de se ter previamente
diretrizes básicas a serem seguidas. Entretanto, tais diretrizes abrem um leque de opções
a serem discutidas, formuladas e implementadas.
Da escolha de alternativas no âmbito do modelo de Múltiplos Fluxos para o
momento de escolhas dentro do Fórum do CONSAD Iguatemi, verificou-se
deslocamentos quanto aos agentes que atuam nesse processo. Dado que devem se inserir
dentro de propostas, cujos eixos foram previamente estabelecidos.
Por exemplo, a disputa entre soluções para a agricultura familiar, ou mesmo para
o fortalecimento das cadeias produtivas sub-regionais estaria entorno de se incentivar a
produção de leite, de mandioca ou de mel. As decisões deveriam estar voltadas para a
valorização das cadeias produtivas sub-regionais e/ou a agricultura familiar, conforme
Guia do CONSAD.
Do ponto de vista das disputas políticas e da correlação de forças, são as
preferências dos setores, melhores articulados que levam vantagem. Para De Jesus
(2006), a marcante presença de projetos “agraristas” deixava de lado diversas outras
iniciativas, como as voltadas para o urbano, por exemplo.
Obviamente, quando algum segmento era excluído de ser representando, suas
possíveis contribuições também foram deixadas de lado, acarretando, desse modo, até
mesmo sua exclusão enquanto beneficiários das ações efetuadas pelo Fórum.
116
O fluxo político abrangeu a dimensão da política propriamente dita, isto é, os
conflitos e negociações que envolveram processos de barganha, ante a escolha de uma
alternativa. Este fluxo ocorreu através de dinâmica própria, sem ter conexão com os
demais fluxos. Esta dinâmica se relaciona com o “clima” ou “humor nacional”, ante as
forças políticas organizadas e as mudanças de cargos ou secretarias no interior dos
governos.
A dimensão política está presente na dinâmica do Fórum do CONSAD Iguatemi
– MS com nuances diferentes. O “humor nacional” deve ser aproximado como uma
espécie de termômetro do “humor” ou “clima da população local”, e evidentemente os
conselheiros teriam que respaldar essa vontade. O ponto emblemático é quanto à ideia
de que esse “clima” não se trata da opinião da população como um todo, e sim de
setores mais “representativos”, com acesso à mídia, por exemplo, a ponto de conseguir
expressar sua vontade (ou humor) como vontade do povo, como no modelo de Kingdon.
Para que o “humor local” tenha impacto nas ações ou formulações de políticas
do CONSAD Iguatemi, há de considerar se as ações do CONSAD, assim como sua
existência, são bem difundidas entre a população residente no território. Pois, não
havendo ciência das ações ou do papel deste, o “clima local” deixa de existir ou passa a
ter impacto reduzido.
Necessário, também, que esse clima seja o mesmo emitido tanto pela população
de um município quanto de outros. Pois, pouco adianta influenciar apenas os
conselheiros de um determinado município, sendo que as deliberações do Fórum são
tomadas pela maioria, e isto inclui os conselheiros dos seis municípios que integram o
CONSAD Iguatemi.
O papel das forças políticas reflete o processo de barganha presente em qualquer
estrutura de poder. Este papel reforça o conflito quanto à representatividade, a
legitimação e os processos de cooptação. Mas aqui, a cooptação não deve ser observada
somente em relação ao poder público, e sim, em relação às vozes de grupos melhores
estruturados.
Aqueles grupos com amplo acesso ao poder local, grupos tradicionais com
acesso aos recursos públicos, com proximidade ao poder ou mesmo aqueles com
história ou experiências participativas, se sobressaíam frente aos grupos menos
organizados e excluídos. Com isso, acabam “conquistando” legitimidade para promover
ou vetar ideias. Considerando a estrutura do CONSAD aqueles grupos melhor
117
organizados agem através do discurso e tentam advogar entorno de uma ideia, tentando
influenciar os demais setores a votarem com eles.
Pela diversidade existente com relação às entidades congregadas no Consórcio,
admite-se que várias são as ideias, os planos e os projetos que podem ser sugeridos
enquanto propostas de ações efetuadas pelo Fórum.
Mesmo que as ações devam estar voltadas para projetos de geração de emprego
e renda têm-se entidades que representam piscicultores, apicultores, produtores de leite,
movimentos urbanos como associação de moradores, produtores de suínos e etc. Cada
grupo, e seria legítimo isto, tenta promover ações que beneficiem sua atividade, por
exemplo.
QUADRO 06 - ESTRUTURA DAS RESPOSTAS DA DIMENSÃO DINÂMICA
Perguntas Entrevistado
A
Entrevistado
B
Entrevistado
C
Entrevistado
D
Entrevistado
E
Dinâmica
Formação da
Agenda *** *** *** *** ***
18) Quem proprõe
os temas/pauta das
reuniões?
Comissão
executiva/diretoria
Comissão
executiva/diretoria
Presidente do
conselho
Presidente do
conselho
Comissão
executiva/diretoria
19) As políticas
executadas pelo
CONSAD estão de
acordo com os
princípios
orientadores sobre
Segurança Alimentar
e Desenvolvimento
Local?
Sim. Formação de
capital social
local; agregação
de valor nas
cadeias produtivas
sub-regionais.
Sim. Formação de
capital social
local.
Agregação de
valor nas
cadeias
produtivas sub-
regionais
Agregação de
valor nas
cadeias
produtivas sub-
regionais
Sim. Formação de
capital social
local; agregação
de valor nas
cadeias produtivas
sub-regionais.
20) As políticas
executadas pelo
CONSAD estão de
acordo com as ações
orientadoras sobre
Segurança Alimentar
e Desenvolvimento
Local?
Sim. Agricultura
familiar;
economia
solidária; arranjos
sócio-produtivos
locais.
Sim. Agricultura
familiar.
Sim. Arranjos
sócio-
produtivos
locais
Sim. Arranjos
sócio-
produtivos
locais
Sim. Agricultura
familiar; Inclusão
digital; Economia
solidária; arranjos
sócio-produtivos
Processo
deliberativo *** *** *** *** ***
21) Qual o processo
de aprovação das
propostas?
Houve posições
divergentes e
votações em
menos da metade
das propostas
Todas foram
aprovadas com
posições
divergentes e
votações
Todas foram
aprovadas com
posições
divergentes e
votações
Todas foram
aprovadas com
posições
divergentes e
votações
Consenso.
22) Você considera
que as
discussões/propostas
do conselho do
CONSAD estão de
acordo com o seu
ponto de vista ou o
ponto de vista da
Sim Sim Sim Sim Sim
118
organização/entidade
que você representa?
23) Há fornecimento
de informações por
parte do CONSAD
para a tomada de
decisão dos
conselheiros?
Sim. Baixo Sim. Baixo Sim. Médio Sim. Médio Sim. Alto
24) Qual o grau de
acessibilidade dessas
informações?
Baixo Médio Médio Médio Ato
25) Qual a natureza
dessas informações? Adequadas Adequadas Adequadas Adequadas Adequadas
26) Qual a
quantidade dessas
informações?
Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa
Impacto *** *** *** *** *** 27) Qual o impacto
das políticas
executadas pelo
CONSAD na região?
Médio Baixo Médio Médio Alto
28) A que você
atribui o impacto
dessas políticas?
(listar até 3)
Forma como
foram formuladas;
forma como foram
implementadas; a
obtenção de
parcerias na
execução.
Forma como
foram
implementadas.
Forma como
foram
implementadas;
a obtenção de
parcerias na
execução.
Forma como
foram
implementadas;
a obtenção de
parcerias na
execução.
Forma como
foram
implementadas;
existência de
parcerias/apoio
das prefeituras.
29) Qual a
importância que
você atribui ao
CONSAD quanto ao
desenvolvimento
local da região?
Médio Médio Médio Médio Alta
30) Com relação ao
poder público
municipal, como
você observa a sua
participação no
consórcio com
relação à execução
das políticas
elaboradas pelo
conselho?
Pouca disposição Pouca disposição Pouca
disposição
Pouca
disposição Muita disposição
Fonte: dados da pesquisa.
As mudanças no interior do próprio governo, considerado o terceiro eixo que
afeta o fluxo político, também sofre outra conotação no plano do CONSAD. No modelo
de Kingdon, mudanças no quadro administrativo, nos ministérios, legislativo, executivo,
enfim, potencializam processos de mudanças. Para o CONSAD, levando em conta o
caso de Japorã, em que o prefeito se torna um forte aliado das ações do CONSAD
Iguatemi - MS dentro de seu município, e os casos em que os prefeitos abandonaram o
Consórcio (Naviraí e Itaquiraí), pode-se aceitar que as mudanças no executivo
potencializam o desenvolvimento das ações do Consórcio.
119
A mudança do quadro interno de representação do Fórum talvez seja o fator que
possa provocar maior mudança e incentivar o surgimento do fluxo político. A troca de
Presidência, eleição de nova Diretoria Executiva, participação de novas entidades e
conselheiros tem potencial para promover mudanças. Resta saber, que condições
provocam o encontro dos fluxos dentro da dinâmica do CONSAD Iguatemi – MS?
Quanto aos resultados obtidos através do questionário aplicado, no tema
Formação da Agenda, perguntou-se “quem propõe os temas/pauta das reuniões?”. A
intenção era localizar mecanismos de obstruções, fossem normativos ou informais. Na
formação da agenda verificou-se que a pauta era proposta pela Diretoria Executiva ou
pelo presidente do Consórcio.
Vê-se obstrução quanto ao processo democrático diante da não participação
ativa dos conselheiros neste processo e ausência de controle social sobre a política. Para
frisar isso de outra forma, na pergunta em questão, havia também a alternativa
“qualquer membro do conselho”, justamente para verificar o processo democrático no
que se refere a este tema.
É certo que não se pode admitir este domínio da diretoria executiva ou da
presidência sobre a pauta, como uma ação direcionada, com a finalidade de obstrução
intencional. Este fato pode ocorrer devido ausência de conhecimento sobre as
atribuições, deveres, possibilidade e competência que cada conselheiro pode assumir
dentro do conselho. Talvez possa se atribuir à ausência de experiências participativas.
Entretanto, não se justifica a obstrução de um meio que se propõe garantir maior
participação e controle social sobre a política, nem mesmo se for pra atingir maior
efetividade das ações. Uma proposição adequada é a de melhorar o sistema
participativo, organizando comissões para temas, grupos de trabalhos, a fim de melhorar
a funcionalidade do Conselho.
Considerando as diretrizes propostas para as ações do CONSAD, tentou-se
identificar como era composta a pauta do CONSAD Iguatemi. Sobre os princípios e as
ações para as quais o CONSAD estava voltado, identificou-se para a formação de
capital social local, fortalecimento de arranjos sócio-produtivos locais e, a agregação de
valor das cadeias produtivas sub-regionais e agricultura familiar.
Tentou-se dimensionar o grau de conflito existente com relação às decisões
tomadas, embora se espere que o espaço propiciado pelos conselhos nos remeta a um
espaço de negociação e busca pelo consenso, também é esperado que existissem
divergências.
120
Sobre o processo de aprovação das propostas, obteve-se pela maioria (três dos
cinco entrevistados) que “todas as propostas foram aprovadas com posições divergentes
e votações”, outro salienta que “houve posições divergentes e votações em menos da
metade das propostas”, o último argumenta que sempre há consenso. Quanto ao
consenso, sempre é esperado, embora não signifique que deixe de existir posições
divergentes apenas porque no fim, se buscou o consenso.
As demais posições refletem o diálogo e a troca de ideias. A confrontação de
propostas contribui para o aprofundamento e aperfeiçoamento de processos
democráticos e tem potencial para melhorar a efetividade das ações executadas pelo
Consórcio. Perguntou-se também se as discussões ou propostas do Conselho do
CONSAD Iguatemi estão/estavam de acordo com o ponto de vista do conselheiro ou da
entidade ao qual ele representa, tentou-se levantar os conflitos existentes.
Não se encontrou nenhum grau de conflito. Os conselheiros foram unânimes em
dizer que as discussões ou propostas do conselho do CONSAD Iguatemi estavam de
acordo com seu ponto de vista ou do ponto de vista da entidade que ele diz representar.
Portanto, ou não existem conflitos ou estes estão sendo suprimidos/silenciados.
Os conflitos não apareceram, segundo a percepção dos entrevistados. Quais os
motivos para tal? A partir de Miguel (2011), tem-se uma consideração importante: a
presença de grupos excluídos ou subalternizados nos espaços decisórios não garante sua
participação e sua voz e, muitas vezes, estes espaços reproduzem formas de exclusão,
pois se constituem em um espaço social que acabam estruturando práticas e discursos
daqueles que nele adentram.
Desse modo, o espaço decisório do Fórum promove um enquadramento das
vozes e supre as vozes dissonantes, tirando a autenticidade dos discursos dos excluídos.
Estes, ao não terem voz, se limitam a escolher entre as propostas ofertadas por grupos
dominantes, diminuindo o ganho democrático de se ter pluralidade dentro dos
representantes do Fórum.
Para a tomada de decisão, se faz necessário o acesso as mais variadas formas de
informações e documentos, pois não se pode ter um bom processo de deliberação sem
ter conhecimento sobre o que se delibera, ou sobre o espaço sobre o qual se pretende
atuar. Desse modo, investigou-se sobre o processo de fornecimento de informações,
acessibilidade e adequação destas. Constatou-se a existência das informações, de baixo
a médio grau, assim como a acessibilidade. Tais informações foram consideradas
adequadas, embora de baixa a média com relação à quantidade delas.
121
Com informações adequadas, com médio grau de acessibilidade e em média
quantidade é de se supor que a condição de deliberação não é boa. Entretanto, mesmo
que se tenham acesso e condições de se tomar boas decisões, através de um conjunto de
informações, é necessário ter condições de processar tais informações, ao mesmo
tempo, e conseguir ter voz dentro da dinâmica do Fórum.
Com relação ao impacto do CONSAD Iguatemi nas políticas executadas pelo
CONSAD na região, foram consideradas de médio impacto. Sendo este impacto
atribuído à forma como foram implementadas as políticas, muitas vezes através da
obtenção de parcerias.
Traçando um paralelo entre esta colocação sobre o impacto das ações serem de
médio alcance, vê-se o quão insuficientes são as parcerias das prefeituras. O alcance não
foi maior justamente pela ausência das prefeituras nesse processo.
Em meio aos desafios apresentados, desarticulação e a baixa organização, o
CONSAD Iguatemi - MS demonstra grandes possibilidades do ponto de vista da
participação social e da deliberação das ações efetuadas pelo programa. Olhando para
alguns dos resultados do Consórcio, e tendo em mente que o propósito desta dissertação
não foi mensurá-los, um impacto aceitável pode ser explicitado, dado todas as restrições
e entraves encontrados.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O surgimento dos Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local
(CONSAD), e sua institucionalização no contexto da PNSAN, está atrelado à figuração
da fome enquanto problema público. Os fatores que o posicionaram na ótica de uma
política pública, vinculam-se à necessidade de uma abordagem holística do problema da
segurança alimentar. O enfrentamento de tal problema depende de uma política que
concilie ações estruturais, específicas e locais. O CONSAD pauta-se, precisamente, na
ideia de ação estrutural, voltada para as especificidades de cada região em que se
instala.
Através do modelo de Múltiplos Fluxos demonstrou-se o processo de construção
da entrada da Fome na Agenda Pública (sistêmica) a partir de 1946, com a obra
“Geografia da Fome” de Josué de Castro, que colocou a fome em outra categoria que
não a de fenômeno natural e sim, como fenômeno social.
Ao denunciar a fome como resultado de um processo histórico excludente e do
descaso produzido pelas políticas de desenvolvimento, que só agravaram o processo de
exclusão, Josué de Castro colocou na Agenda Governamental a necessidade de políticas
de combate à fome. Este foi basicamente o Fluxo de Problemas, representado pela
emergência do tema Fome no cenário político brasileiro.
Embora a citada obra tenha trazido importantes considerações a respeito do
problema da fome, bem como de seus efeitos maléficos que corroem a estrutura social
brasileira, por muitas décadas esse problema foi incapaz de mobilizar as forças políticas
necessárias para enfrentá-lo. No contexto das políticas executadas, não se conseguiu
sequer atenuar seus efeitos.
Este processo, considerado como o Fluxo de Alternativas, capitaneado pelas
políticas de combate à fome, foi marcado, num primeiro momento, por propostas de
educação alimentar, adequação técnica das indústrias e da agricultura, sem preconizar
ações que representasse transformações econômico-sociais. Há de se ressaltar que Josué
de Castro havia apontado a necessidade de mudanças sociais e estruturais!
As políticas brasileiras voltadas para o combate à fome, agora tratada a partir do
conceito de Segurança Alimentar, estiveram atreladas às recomendações e parâmetros
emitidos pelos organismos internacionais, como o Banco Mundial e a FAO. Após 1996,
depois da Cúpula +5, quando da realização de um balanço das ações efetuadas contra a
123
fome em nível mundial, foi apontado que a resolução ou atenuação do problema estaria
vinculada a uma “vontade política”, ou seja, a falta de vontade política por parte dos
governantes é responsável pela ausência de avanço nos resultados esperados quanto ao
combate do problema.
Esta colocação abriu um precedente para o seguinte entendimento: para se
resolver o problema da Fome através de uma política pública é necessária tal “vontade
política”. De modo que os governos devem assumir de vez a responsabilidade de
reverter uma estrutura econômico-social excludente, apontando para novas práticas de
desenvolvimento econômico.
Com a evolução do conceito de segurança alimentar surge, também, a
necessidade de políticas com escopo mais abrangentes, tanto nos objetivos a serem
alcançados, no público a ser atingido, como na estrutura de política a ser adotada. Para
pensar política de segurança alimentar abrangente, é preciso incorporar a garantia do
acesso, a regularidade, a quantidade suficiente e a qualidade dos alimentos.
Nesse lastro estão sendo tematizados as propostas de políticas para a segurança
alimentar no Brasil, a partir de 1985. Com a constatação do Ministério da Agricultura
(em 1985) de que a fome era problema a ser resolvido desde que se considerando
aspectos além do setor agrícola, além da atuação de movimentos político-sociais. Como
o Governo Paralelo (1991) observou-se a construção do Fluxo Político.
Através da publicação do Mapa da Fome (1993) teve-se a emergência
(renascimento) da fome enquanto problema público através de uma espécie de
indicador que demonstra a gravidade de uma situação social, que tomou o aspecto de
crise social na sociedade brasileira. Aqui, imposta destacar o papel da mídia como
participante ativo e no dimensionamento da crise que o tema abrangia. No contexto dos
participantes que atuaram no fluxo de problemas, tiveram-se os movimentos sociais
convergindo para a “Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida”.
Nesse período deu-se a criação do CONSEA (1993), ao qual se atribuiu a
consolidação da Segurança Alimentar na agenda política brasileira. O CONSEA
congregou a ideia de integração intersetorial das políticas, verticalmente ou
horizontalmente (entre ministérios ou entre esferas governamentais - federal, estaduais e
municipais). Representou também a integração entre governo e sociedade civil na
proposição e execução de políticas de combate a fome, comprometendo-se com a
prática da gestão compartilhada, característica que foi levada para a experiência do
CONSAD.
124
Fechando o recorte teórico, chegou-se na convergência dos fluxos, com a
chamada “vontade política”. No processo de convergência dos fluxos ocorreram
momentos propícios para mudanças. A convergência ocorreu quando o problema
público (a fome) gerado pelo fluxo de problemas encontrou uma solução disponível
(uma PNSAN materializada inicialmente pelo programa Fome Zero) emergida do fluxo
de soluções, entrelaçou-se com condições políticas que propiciaram essa ocorrência
(eleição de Luis Inácio Lula da Silva à presidente da república).
Essa convergência ocorreu mediante a janela de oportunidade, aberta pela troca
de presidentes (entrada de Lula) alimentada pela ação de um empreendedor político e de
um “clima nacional” entorno da ideia de combate à fome.
O Fome Zero teve como objetivo principal propor um conjunto integrado de
políticas que visassem a garantia da segurança alimentar, tentava-se enfrentar as causas
estruturais da fome. Com essa finalidade, articularam-se políticas estruturais e
emergenciais. Estes elementos deram origem a políticas que enxergaram na geração de
emprego e renda formas de aumentar a demanda efetiva e, ao mesmo tempo, incentivar
a produção de pequenos produtores, produzindo alimentos mais baratos e aumentando a
oferta de alimentos.
Do Fome Zero procedeu-se à criação dos CONSADs, uma política territorial
com vistas a atenuar os problema da insegurança alimentar através do incentivo ao
desenvolvimento local, pela ótica da geração de emprego e renda.
Os CONSADs se apresentam, no campo das políticas públicas, com um desenho
institucional diferenciado: o de ser um consórcio público e adotar o funcionamento de
um conselho gestor. Mediante este desenho institucional tem-se implementado a
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional de modo descentralizado, e com
a intenção de que seja democrática.
A execução da PNSAN, do ponto de vista dos CONSAD, tem sua eficácia e
efetividade relacionada às condições de funcionamento e organização do Fórum
(conselho). Isto significa que as condições de deliberação (proposição de políticas) do
Fórum (conselho) é que dirigem o CONSAD, porque torna possível a gestão do
programa e, consequentemente, o alcance dos objetivos estipulados.
Ao atentar-se para estrutura de um consórcio público, é de se questionar se o
CONSAD consegue cumprir com a função de completar o processo de descentralização
de políticas públicas. No caso analisado, observou-se uma fragilidade financeira do
125
CONSAD Iguatemi - MS. Esta advinda de alguns fatores limitadores da própria
estrutura imposta pelo desenho institucional do programa.
Consórcios públicos só celebram convênios com a União se forem de direito
público. Como os CONSADs são de direito privado e se constituem mediante
associações civis, eles não recebem recursos diretamente da União. Logo, para receber
tais recursos, é necessário que a parceria seja intermediada pelo governo estadual, o que
para o CONSAD Iguatemi - MS não teve muito sucesso, haja vista o não
direcionamento dos recursos da Produção Agroecológica Integrada e Sustentável
(PAIS) para o Consórcio. Dinheiro que acabou retornando aos cofres públicos sem ser
destinado para seus propósitos.
A alternativa de captação de recursos, via editais de empresas, fundações,
depende de capacitação para tal fim, e isto é um grande entrave. Assim, a solução deve
ser a transformação dos CONSADs em direito público, criando uma associação pública.
No entanto, tal transformação implica em excluir o papel de interferência da sociedade
civil desse programa, o que se choca com um dos pilares da própria Política Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional.
Ao delegar ao próprio Consórcio a tarefa de gerar fundos, seja via os entes
integrantes ou via financiamento de projetos, fica-se limitado às captações e
capacidades financeiras e técnicas dos entes consorciados. Os municípios são na
maioria, pobres, com altos índices de pobreza, exclusão social e baixo poder de
financiamento de políticas, tanto é que exatamente por estes motivos eles integram o
programa do CONSAD. Quanto às capacitações técnicas: esbarra-se no grau de
qualificação profissional encontrado no CONSAD Iguatemi – MS no qual se têm
poucas propostas e projetos, além das grandes dificuldades de gestão dos projetos em
andamento.
Assim, o alcance dos objetivos do CONSAD Iguatemi - MS fica sujeito às
restrições operacionais, vinculadas à falta de recursos. Além do mais, esta não é a única
condição que limita o impacto do CONSAD, enquanto programa de governo. Suas
ações também se restringem por conta dos problemas organizacionais encontrados.
Estes se baseiam em duas coisas. A primeira é a falta de experiência e qualificação dos
conselheiros para assumirem funções de controle e proposição de políticas no Fórum.
Além da falta de efetividade da atuação dos membros do CONSAD Iguatemi - MS,
verificada pela ausência prolongada de Fóruns, num claro descumprimento do Estatuto.
126
Se a qualificação se relaciona com as condições de deliberação do Fórum, ante
as condições e capacidades para formular, coordenar e fiscalizar as políticas e as ações
efetuadas pelo Consórcio, então ela deve ser considerada um dos problemas chaves do
CONSAD Iguatemi - MS.
Com relação ao funcionamento do Consórcio não há uma centralidade das
decisões quanto aos projetos em andamento, cada município toma as decisões isoladas
quanto à gestão dos projetos e programas. Ora, para que então a figura de um consórcio
público? A gestão dos bens ou serviços não deveria ser pensada e planejada em
conjunto?
No CONSAD Iguatemi - MS, não existe interlocução entre as esferas públicas
dos entes consorciados. Tampouco parece haver articulação ou diálogo entre as demais
entidades. Isto se observa pela baixa organização e coordenação de ações do programa,
em que cada município cria seus próprios critérios de ação. Essa ausência de
organização social é um dos pontos fracos desta experiência de Consórcio.
É necessário dotá-lo, no quesito de qualificação, de capacitação para os
processos participativos, de capacitação para entender os mecanismos institucionais do
funcionamento de um Consórcio, de instruí-lo para buscar parcerias e financiamento
para as ações do Consórcio. Ou seja: qualificá-lo para os processos de gestão dos
projetos.
A substituição da reunião do Fórum pela da Diretoria Executiva leva à supressão
das atribuições do Fórum, perda da representação democrática e a violação e
negligenciamento do Estatuto. Rompe-se com a possibilidade de controle social da
política pública. Não se permite o empoderamento da sociedade civil no caso estudado
está desarticulada e com baixa organização.
A falta de mecanismos ou institucionalidade capaz de fazer valer as deliberações
do Fórum aponta para outro ponto fraco: impede-se que o Fórum funcione efetivamente
como conselho gestor. Logo o município fica imobilizado pelo poder público municipal.
Se este não cumprir sua parte no Acordo de Programa não há mecanismo institucional
que o obrigue a cumprir a vontade da sociedade civil.
Não há força institucionalizada que consiga fazer valer a vontade soberana da
maioria dos conselheiros quando o poder público municipal se recusa a cumprir as
decisões tomadas. Este ponto talvez venha a ser um dos mais emblemáticos do ponto de
vista do desenho institucional do CONSAD e de seu potencial de descentralização de
políticas.
127
O que transparece é que a desarticulação, a baixa organização e quase ausência
de institucionalidade do CONSAD Iguatemi - MS, o leva a graves problemas de
funcionamento. A dinâmica do Fórum do CONSAD Iguatemi - MS acaba por pulverizar
a tradicional correlação de forças entre poder público e sociedade civil, culminando na
sobreposição do poder público. Todavia, a sociedade civil, quando organizada tem
potencial para ação mais coesa.
Não obstante aos desafios apresentados, o CONSAD Iguatemi - MS apresenta
grandes possibilidades do ponto de vista da participação social e do controle das ações
efetuadas pelo programa. Observando-se alguns dos resultados do Consórcio, embora
esta dissertação não tenha buscado mensurá-los, tem-se explicitado um impacto
aceitável, dado todas as restrições e entraves encontrados.
A análise empreendida nesta dissertação visou criticar o Programa na
perspectiva de suscitar aprendizados, necessários ao aperfeiçoamento do processo de
implementação e avaliação de uma política inovadora e, portanto, diferenciada, como o
CONSAD. Ainda que esta pesquisa não tenha a finalidade de produzir generalização,
algumas considerações gerais são pertinentes a outros casos dadas as condições da
estrutura institucional.
Na medida em que o CONSAD tem por objetivo promover a segurança
alimentar, o desenvolvimento local, com base numa institucionalidade diferenciada,
como articular a esfera pública com a sociedade civil (ou entes privados), a partir da
busca de geração de emprego e renda? Para responder a este questionamento é
importante considerar as seguintes preocupações:
a) uma política pública federal que visa promover estratégia de
desenvolvimento, através de um processo de indução que complete o
desenho federativo brasileiro, tem que ter presente como indutor o
governo federal. A ausência do MDS quer na articulação entre governos
estaduais e o Consórcio, quer na liberação de recursos, limita o
desenvolvimento de uma política, da qual o MDS foi o principal
motivador;
b) a falta de capacitação e as dificuldades de implementação dos projetos
por parte dos consórcios (considerando que se possa expandir o
encontrado aqui para demais consórcios), é um ponto crucial para à
eficácia do Programa.
128
Se não forem revistas as situações levantadas, a fim de que se repense o desenho
institucional adotado, corre-se o risco de se esvaziar esta política. Caso tal situação
persista poderá haver o esvaziamento do programa, por parte do próprio governo
federal.
Mudar o formato do consórcio pode ser uma alternativa, passando-o de direito
privado para público, com o risco de suspensão de um dos pressupostos básicos tanto do
CONSAD quanto da PNSAN. Se esta alternativa for a escolhida, o compromisso
político com o empoderamento da sociedade civil sobre as políticas locais e com o
próprio desenvolvimento fica apenas na intenção, no discurso.
A tarefa não é fácil, e não se pode descartar o potencial destes consórcios como
agentes de mudança de estruturas locais arcaicas, concentradoras de renda e com
processos de desenvolvimento excludente, opressores. Políticas estruturantes, com
potencial de gerar autonomia aos entes locais e integrar diversos atores excluídos de
circuitos de produção, como pequenos agricultores e assentados agrários, numa região
dominada pelo gado de corte, sofrem diversos embates, pois se chocam com interesses
múltiplos.
O papel do Estado, como mediador de conflitos, é o de buscar o consenso
possível, não de modo a perpetuar situações estabelecidas. Mas, sim, modificar
estruturas não mais aceitas do ponto de vista da busca de diminuir as desigualdades. É
preciso uma política permanente de segurança alimentar que se comprometa com a
garantia e o respeito da dignidade humana.
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139
APÊNDICE A: QUESTIONÁRIO
140
QUESTIONÁRIO
Nome:
Entidade/Cidade:
COMPOSIÇÃO
Legitimidade
(01) Como foi a forma de escolha para sua participação no CONSAD?
( ) da entidade que represento; ( ) do presidente do conselho; ( ) do poder público;
( ) em negociação da entidade que represento com o poder público; ( ) em eleição da
entidade que represento; ( ) outros.________________________________________.
(02) Quanto tempo faz parte do CONSAD?
R:_____________________________________________________.
(03) Quanto tempo sua entidade faz parte do CONSAD?
R:_____________________________________________________.
Representatividade
(04) Você leva para o CONSAD questões que são debatidas na sua entidade?
( ) sim; ( ) não.
(05) Quais são os canais utilizados por você para consultar os membros de sua
entidade?
( )Nenhum; ( ) conferências ou reuniões; ( ) informativos; ( ) outros, quais?
R:_____________________________________________________.
(06) Há alguma entidade que deveria ser representada no CONSAD, mas que não
participa?
R:_____________________________________________________.
Qualificação
(07) Qual o grau de escolaridade?
R:_____________________________________________________.
(08) Participa ou participou de cursos de qualificação/formação/capacitação?
( ) Não; ( ) sim, voltado para a função de conselheiro do CONSAD; ( ) sim, voltado
para outras funções.
(09) Participa ou participou de outras organizações?
141
R:_____________________________________________________.
ORGANIZAÇÃO
Funcionamento
(10) Qual o principal entrave para o funcionamento do conselho? (Listar mais de
uma)
a) Falta de capacitação dos membros do conselho;
b) Falta de comprometimento com as decisões tomadas;
c) Falta de informação;
d) Ausência de diálogo com o poder público;
e) Falta de recursos;
f) Falta de interesse dos conselheiros do setor governamental;
g) Falta de interesse dos conselheiros do setor da sociedade civil;
h) Falta de propostas;
i) Outros;____________________________________________;
j) Não houve entraves.
k) Não tenho opinião formada.
(11) Existem mecanismos de acompanhamento das decisões tomadas? a) ( ) Sim. Quais são?
( ) publicação da deliberação em diário oficial; ( ) prestação de contas ao conselho; ( )
panfletos; ( ) comissões internas; audiências públicas aberta à sociedade; ( ) outros.
b) ( ) Não.
(12) Qual a regularidade desses mecanismos? (se a resposta da anterior for letra b,
pular esta).
R:_____________________________________________________.
Interação
(13) Como é a sua relação com as outras entidades que participam do conselho do
CONSAD ou com os outros conselheiros?
( ) em trabalhos conjuntos/apoio a temas comuns; ( ) somente com alguns existe
trabalho conjunto, citar: _______________________. ( ) não mantém muita relação,
explicar:_______________________________________________________.
(14) Você percebe que existem conselheiros de maior importância? Quem são? Por
quê?
R:_________________________________________________.
(15) Como você observa a relação dos conselheiros e dos municípios aos quais
representam?
( ) estão de acordo freqüentemente; ( ) estão de acordo raramente; ( ) as vezes estão de
acordo; ( ) não tenho opinião formada.
142
(16) Como você observa, através do conselho, a relação entre os municípios do
território que forma o CONSAD?
( ) relação de conflito; ( ) relação de apoio/cooperação; ( ) nenhuma relação; ( )
outra.________________________________________________________.
(17) Através do conselho você observa alguma sobreposição de um município sobre
os demais?
( ) Sim. Qual ___________;
Por quê?/ de que forma?________________.
( ) Não.
DINÂMICA
Formação da Agenda
(18) Quem propõe os temas/pauta das reuniões?
( ) representante do governo; ( ) presidente do conselho; ( ) comissão
executiva/diretoria; ( ) qualquer membro do conselho; ( ) outros.
_______________________________________________.
(19) As políticas executadas pelo CONSAD estão de acordo com os princípios
orientadores sobre Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local?
a) ( ) Sim. Quais? (podem ser mais de uma opção e ordenados)
( ) formação de capital social local; ( ) formação de capital humano local;
( ) agregação de valor nas cadeias produtivas sub-regionais; ( ) modernização do setor
público local.
b) ( ) Não.
(20) As políticas executadas pelo CONSAD estão de acordo com as ações
orientadoras sobre Segurança Alimentar e do Desenvolvimento Local?
a) ( ) Sim. Quais? (podem ser mais de uma opção e ordenados)
( ) microcrédito; ( ) agricultura familiar; ( ) inclusão digital; ( ) economia solidária;
( ) arranjos sócio-produtivos locais.
b) ( ) Não.
Processo deliberativo (Tomada de decisão)
(21) Qual o processo de aprovação das propostas?
( ) consenso; ( ) houve posições divergentes e votações em menos da metade das
propostas; ( ) houve posições divergentes e votações em mais da metade das propostas;
( ) todas foram aprovadas com posições divergentes e votações; ( ) não é possível
avaliar. (Por quê? – do consenso ou da falta dele, por exemplo.___________).
(22) Você considera que as discussões/propostas do conselho do CONSAD estão de
acordo com o seu ponto de vista ou o ponto de vista da organização/entidade que
você representa?
( ) Sim; ( ) não. Por quê?_______________.
143
(23) Há fornecimento de informações por parte do CONSAD para a tomada de
decisão dos conselheiros?
a) ( ) Sim. Qual o grau de fornecimento de informações?
( ) baixo; ( ) médio; ( ) alto.
b) ( ) Não.
(24) Qual o grau de acessibilidade dessas informações?
( ) alto; ( ) médio; ( ) baixo.
(25) Qual a natureza dessas informações?
( ) adequadas; ( ) inadequadas; ( ) muito adequadas; ( ) muito inadequadas.
(26) Qual a quantidade dessas informações?
( ) baixa; ( ) alta; ( ) média.
Impacto
(27) Qual o impacto das políticas executadas pelo CONSAD na região?
( ) nenhum; ( ) baixo; ( ) médio; ( ) alto.
(28) A que você atribui o impacto dessas políticas? (listar até 3)
a) ( ) forma como foram formuladas;
b) ( ) forma como foram implementadas;
c) ( ) a obtenção de parcerias na execução;
d) ( ) a não obtenção de parcerias na execução;
e) ( ) falta de recursos;
f) ( ) falta de parcerias/apoios, de quem?______________________________;
g) ( ) existência de parcerias/apoios, de quem?_________________________;
h) ( ) outros, ____________________________________________________.
(29) Qual a importância que você atribui ao CONSAD quanto ao desenvolvimento
local da região?
( ) pouca; ( ) média ( ) alta.
(30) Com relação ao poder público municipal, como você observa a sua
participação no consórcio com relação à execução das políticas elaboradas pelo
conselho?
( ) muita disposição; ( ) pouca de disposição; ( ) indiferente
ANEXO A: ESTATUTO DO CONSAD IGUATEMI
145
146
147
148
149
150
151
152
153
154
155
ANEXO B: TERMO DE COMPROMISSO PARA USO DE DADOS EM
ARQUIVOS
156
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