Flvia Cristina Leo Soares
LAVOURAS COMUNITRIAS:
ANLISE DE UM PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO RURAL
SUSTENTVEL NO MUNICPIO DE SENHORA DOS REMDIOS, MG, BRASIL.
Dissertao apresentada ao
Programa de Ps-Graduao do
Departamento de Geografia da
Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial
obteno do ttulo de Mestre em
Geografia.
rea de Concentrao: Organizao do Espao.
Orientadora: Prof. Dra. Maria Aparecida dos Santos Tubaldini.
Co-orientador: Prof. Dr. Jos Antnio Souza de Deus.
Belo Horizonte
Departamento de Geografia da UFMG
2008
2
Dedico este trabalho aos meu trs irmos: Lucas, Gustavo e Estevo,
que so o meu maior tesouro.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus, por ser a minha fora;
Minha me, pois onde estiver sei que torce por mim;
Lucas, por toda ajuda, companheirismo e amizade;
Gustavo, pela fora e apoio;
Estvo, Ins, Helosa e Flvio Leo, Cida Arajo e amigos, pela torcida;
Prof Maria Aparecida Tubaldini e Prof. Jos Antnio de Deus, pela orientao,
pacincia e amizade;
Denise Bicalho, pela compreenso, Lcio, Mari e Bel, pelo carinho;
EMATER-MG, por ter me propiciado nos anos em que l trabalhei a
oportunidade de aprender muito e conhecer este Programa e o municpio de
Senhora dos Remdios e, s pessoas: Ilmo. Presidente Sr. Jos Silva Soares,
Maurcio Fernandes, Paulo Roberto Rodrigues e Ronaldo Venga;
Prefeitura Municipal de Senhora dos Remdios;
Sr. Joo Paulo Ferreira e Famlia, especialmente D. Magna, Soninha e Pedro;
Raiane, Tiago e Bruno, pelo apoio operacional e tcnico;
Padre Mauro;
Parceiros e lderes das comunidades rurais e populao de Senhora dos
Remdios pela receptividade, carinho e ateno.
4
Virgem bendita,
Ns Vos louvamos, sob o ttulo, para ns to querido, de Nossa Senhora dos
Remdios.
Cada um de ns, confessa que um doente da alma, mas, ao mesmo tempo,
cada um de ns reconhece tambm que Vs nos deste Cristo, Remdio Universal
para todo o pecado do mundo. Por isso, prostrados aos Vossos ps, suplicamos
ardentemente que, pela Vossa intercesso, nos sejam aplicados os mritos
infinitos da Redeno.
Confiamos na Vossa onipotncia suplicante, pois sabemos que o Senhor ps em
Vossas mos a distribuio dos favores celestes.
Dizeilhe, como Maria de Betnia, que est doente aquele a quem tanto ama.
Fazei descer sobre ns a graa divina, suficiente a cada estado de vida, e movei-
nos a torn-la eficaz pela nossa fiel correspondncia.
Tirai, Senhora, tirai deste tesouro inesgotvel, que o Corao do Vosso Filho,
esta graa que com particular fervor Vos pedimos. Dai-nos que perseveremos
docilmente, e at morte, no Vosso amor e no do Vosso Filho Jesus, que com o
Pai e o Esprito Santo vive e reina por todos os sculos.
Assim seja.
-Orao Senhora dos Remdios, Lamego, Portugal-
5
SUMRIO
1 INTRODUO..................................................................................13
1.1 Objetivos da pesquisa ......................................................................16
1.1.1 Objetivos Gerais .............................................................................. 16
1.1.2 Objetivos Especficos .......................................................................16
1.2 Hipteses e questes norteadoras da pesquisa ..............................17
2 ASPECTOS TERICOS .................................................................19
2.1 Camponeses, agricultores familiares e comunidades rurais ..........19
2.1.1 Camponeses ....................................................................................20
2.1.2. Agricultores familiares ......................................................................26
2.1.3 Comunidades rurais .........................................................................29
2.2 A dimenso da cultura........... ..........................................................32
2.2.1 As paisagens culturais e a dinmica dos espaos...........................37
2.3 Desenvolvimento rural sustentvel...................................................43
2.3.1 Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e Plano Municipal
de Desenvolvimento Rural ..............................................................50
2.4 Polticas pblicas voltadas para o desenvolvimento local................51
2.4.1 Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar........52
2.5 Reflexes sobre economia solidria.................................................54
3 METODOLOGIA...............................................................................57
3.1 Os instrumentos da coleta de dados ...............................................61
3.2 Amostragem Espacial .....................................................................62
4 O MUNICPIO DE SENHORA DOS REMDIOS..............................64
4.1 A histria remediense .....................................................................64
4.2 Caractersticas gerais do municpio ..................................................68
4.2.1 Localizao ......................................................................................68
4.2.2 Caractersticas fsicas .....................................................................70
6
4.2.3 Organizao administrativa e de servios .......................................74
4.2.4 Populao .......................................................................................75
4.2.5 Estrutura fundiria ............................................................................80
4.2.6 Economia ........................................................................................83
4.3 A importncia das comunidades rurais em Senhora dos
Remdios..........................................................................................85
4.4 Um lugar chamado Remdios...........................................................86
5 O PROGRAMA LAVOURAS COMUNITRIAS ..............................93
5.1 Antecedentes histricos....................................................................93
5.2 O xodo rural e a migrao sazonal em Senhora dos Remdios...95
5.3 Organizao e evoluo ..................................................................98
5.4 O perfil das comunidades rurais onde o programa acontece .........111
5.5 As comunidades selecionadas e suas particularidades..................116
5.5.1 Comunidade da Mutuquinha ..........................................................116
5.5.2 Comunidade de Senra ...................................................................123
5.5.3 Comunidade de Tenda ..................................................................128
5.5.4 Comunidade de Tigre ....................................................................134
6 CONSIDERAES FINAIS ...........................................................140
7 REFERNCIAS ..............................................................................150
APNDICE .....................................................................................157
7
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 - Pedra Menina.......................................................................................65
Figura 2 - Planta Cadastral do Distrito Sede, sem escala ...................................69
Figura 3 - Relevo de Remdios, visto da Serra do Pio ...................................70
Figura 4 - Relevo montanhoso com grande nebulosidade, paisagem tpica
do clima tropical de altitude .............................................................71
Figura 5 - Nichos de vegetao de Araucrias nas reas serranas .................72
Figura 6 - Vrzea na regio da Mutuquinha ......................................................73
Figura 7 - Gado de leite, Comunidade da Mutuquinha .....................................84
Figura 8 - Igreja na comunidade de Crrego dos Alves ....................................86
Figura 9 - Cavalhadas .......................................................................................89
Figura 10 - Exposio de gado leiteiro, julho de 2007........................................90
Figura 11 - Festa da Padroeira, setembro de 2007.............................................90
Figura 12 - Procisso na festa de N. Sr do Carmo, julho de 2007.....................91
Figura 13 - Estrada para a comunidade de Mutuquinha ..................................116
Figura 14 - Ponte sobre o Ribeiro da Mutuquinha .........................................117
Figura 15 - Resfriador de leite da comunidade ................................................119
Figura 16 - Terra das lavouras comunitrias, julho de 2007............................121
Figura 17 - Plantio de milho nas lavouras comunitrias, novembro de 2007 ..121
Figura 18 - Vista parcial do aglomerado rural na comunidade de Senra ........123
Figura 19 - Lavoura Comunitria, Senra, julho de 2007...................................125
Figura 20 - Vista parcial da comunidade de Tenda .........................................128
Figura 21 - Casa em condio de risco............................................................130
Figura 22 - Horta em propriedade de parceiro ................................................131
Figura 23 - Lixo jogado em propriedade, prximo a um crrego ....................132
Figura 24 - Vista parcial da comunidade de Tigre ..........................................134
Figura 25 - Brejo prximo lavoura comunitria.............................................136
Figura 26 - Nascente protegida prximo s lavouras comunitrias ................137
Figura 27 - Lavoura Comunitria, julho de 2007..............................................138
Figura 28 - Plantio de milho nas lavouras comunitrias, novembro
8
de 2007........................................................................................139
Grfico 1 - Populao residente em Senhora dos Remdios, segundo local
de domiclio ...................................................................................76
Grfico 2 - Situao de domiclio por sexo, da populao de Senhora dos
Remdios nos anos de 1970,1980,1991,2000...............................77
Grfico 3 - Distribuio da populao de Senhora dos Remdios, por
faixa etria, em valores percentuais.............................................78
Grfico 4 - Distribuio da populao por cor, em valores percentuais ........78
Grfico 5 - Taxa de escolarizao por faixa etria, em valores percentuais..79
Grfico 6 - Grupo de rea total, segundo as mesoregies,
Micro regies e municpio para o municpio de Senhora dos
Remdios.....................................................................................80
Grfico 7 - Quantidade de agricultores por condio de trabalho do produtor
rural ..............................................................................................81
Grfico 8 - Utilizao das terras por nmero de estabelecimentos
Agropecurios...............................................................................82
Grfico 9 - Nmero de comunidades participantes por ano agrcola............106
Grfico 10 - Produo total de milho por ano agrcola.....................................109
Mapa 1 - Acesso ao municpio de Senhora dos Remdios ...........................63
Mapa 2 - Comunidades participantes do programa Lavouras Comunitrias,
1997..............................................................................................104
Mapa 3 - Comunidades participantes do programa Lavouras Comunitrias,
2001/2002.....................................................................................105
Mapa 4 - Comunidades participantes do programa Lavouras Comunitrias,
2006/2007.....................................................................................108
Quadro 1 - Dinmica do programa Lavouras Comunitrias ..........................102
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Nmero e rea dos estabelecimentos agrcolas, segundo
as mesorregies, microrregies e Municpios, para o
municpio de Senhora dos Remdios........................................81
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CMDR - Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
CMMAD - Comisso Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento
ECO 92 - Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento
EMATER - Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
LEADER - Programa da Poltica Agrcola Comum da Unio Europia
MAA - Ministrio da Agricultura e do Abastecimento
ONGs - Organizaes no Governamentais
PIB - Produto Interno Bruto
PMDR - Plano Municipal de Desenvolvimento Rural
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
RIO + 10 - Conferncia das Naes Unidas sobre Ambiente e
Desenvolvimento Sustentvel
11
RESUMO
As Lavouras Comunitrias, programa criado e desenvolvido em Senhora dos
Remdios no ano de 1996, tem como sujeitos os agricultores familiares e
camponeses do municpio e como espao de reproduo as comunidades rurais
locais. O objetivo do programa executar o desenvolvimento rural local
sustentvel sob seus diversos aspectos. Sua realizao acontece dentro de uma
dinmica prpria e de critrios especficos: possui como parceiros institucionais a
Prefeitura Municipal e a Empresa de Assistncia e Extenso Rural
EMATER/MG, bem como os parceiros agricultores familiares e camponeses.
Embasado nos preceitos da economia solidria, tem como finalidade criar
melhores condies de vida para a populao das comunidades selecionadas e
para os parceiros, com o intuito de se tornar um programa piloto para todo o
Estado. As caractersticas sociais, econmicas, ambientais e culturais, tambm
so analisadas de forma diferenciada nesta pesquisa, pelo fato de influenciarem
as relaes entre as pessoas e o meio. A dinmica destas caractersticas constitui
a base do estudo, e as relaes socioculturais que se procedem entre
camponeses e agricultores familiares apontam a importncia destas relaes no
espao de estudo e se tornam um componente diferencial por interferirem na
realizao e continuidade do programa. Apesar de sua finalidade ser o
desenvolvimento rural sustentvel, as lavouras comunitrias apresentam
problemas que colocam suas metas em questionamento,como por exemplo a
forma de gesto centralizada, a pouca autonomia aos parceiros, ou prticas
ambientais mais sustentveis. Entende-se que este constitui um programa para
aliviar tenso sobre a terra e minimizar a necessidade bsica de alimentao dos
agricultores parceiros. Quanto aos resultados, na proposta de desenvolvimento
rural sustentvel ainda podem ser ampliadas concretizaes e realizaes, o que
acarretaria vigor ao Programa no cumprimento de seus propsitos.
Palavras-chave: Agricultura familiar, comunidades rurais, economia solidria,
desenvolvimento rural local sustentvel.
12
ABSTRACT
The Lavouras Comunitrias (Community cultivation), project created and
developed in Senhora dos Remdios in 1996, has as subject family agriculturalists
and peasants from the town and, as reproduction area, the local rural communities.
The objective this program is made the all types of local sustainable rural
development. The Lavouras Comunitrias project takes place within its inherent
dynamism and selective criteria, and has as institutional partners the city hall
administration and the Company of Country Assistance and Development
EMATER/MG, and the family agriculturalists and peasants partners. Principles of
social economy are adopted, aiming at creating better life conditions for the
population of selected communities - the partners a pilot project for the whole state
of Minas Gerais in Brazil. The social, economical, environmental and cultural
characteristics are also analyzed in a different way, due to the fact that they
influence the relations between the people and the medium. The dynamism of
those characteristics constitutes the basis for the research, and the socio-cultural
relations which occur between the peasants and familiar agriculturalists point to the
importance of those relations in the spectrum of study, and become a different
component for interfering in the conduct and continuity of the project. Althought the
sustainable rural development finality, the Lavouras Comunitrias present
something problems, put the objectives in check, for example the centralize
administration, little autonomy oh the partners or most ambiental and sustainable
pratics. This program appoint for mitigate the tension about the land and reduce
the basic food necessity for farmers partners. About the results, in sustainable rural
development proposes, can still amplify concreteness and realizations, what made
more vigorous for the program about your proposes.
Key words: family agriculture, rural communities, social economy, local
sustainable rural development.
13
1 Introduo
O Brasil passou por um processo de transformao do seu espao agrrio,
buscando o denominado desenvolvimento rural, desde o final da dcada de 60.
Aps uma sucesso de fatos, o Governo Federal resolveu crescer a rea
agrcola do pas, introduzindo, no meio rural, inovaes tecnolgicas atravs da
assistncia especializada, novas tcnicas de produo e linhas de crdito. Estas
transformaes, oriundas da revoluo verde, culminaram na chamada
modernizao agrcola do pas, modernizao esta que, por ser seletiva, no
atingiu a totalidade dos produtores1.
A ressonncia deste processo repercutiu de forma direta e incisiva
(econmica, social e politicamente) na vida dos agricultores familiares e
camponeses. O processo amplo em que a modernizao se insere, o modelo
urbano-industrial brasileiro, para o qual a agricultura tem papel de ser produtora de
alimentos, suprir a demanda da agroindstria e de fornecer mo-de-obra2. A
expanso da fronteira agrcola conseqncia da ampliao de rea plantada
com produtos de exportao e da entrada de capital via crdito.
Como reflexo de todo este processo de transformao, o espao rural se
modifica e surgem conseqncias sociais como o xodo rural, o desemprego e a
criao de novas modalidades de emprego no campo (trabalhadores diaristas e
trabalhadores biasfrias), e a desestruturao de muitas comunidades rurais e
de sua populao, que se via obrigada a procurar empregos em outros lugares, na
maioria das vezes, abandonando ou sendo expropriado da sua terra.
Concomitantemente, ocorre ainda o incio de um processo de degradao
1Segundo Romeiro (1998, p.255), a revoluo verde, embora tenha atravs das tecnologias aumentado a produtividade, provocou tambm o agravamento das condies de vida de parcelas importantes da populao, seja pelo fato da pouca disponibilidade de recursos necessrios a investimentos, seja pelo fato de provocar uma desarticulao de sistemas produtivos tradicionais que j possuam uma lgica agronmica e econmica eficientes, adaptadas aos recursos locais. Para este autor [...] a estratgia correta teria sido uma transformao progressiva destes sistemas, procurando levar em conta a racionalidade dessas prticas tradicionais a partir de uma base mais avanada de conhecimentos cientficos e tecnolgicos.
2 Tubaldini, Maria Aparecida dos Santos. Caracterizao da Agricultura Mineira e a Ao do Estado - Um Estudo Exploratrio 1970/1980 tese de Doutorado. UNESP /Rio Claro. SP.
14
ambiental, em decorrncia do uso excessivo de agrotxicos, insumos qumicos,
prticas agrcolas inadequadas aos solos tropicais e desmatamentos, o que
ocasionou perdas de solo e assoreamento de crregos e rios.
Dando seqncia ao processo histrico relatado, ocorre a implantao do
estatuto do trabalhador rural3, instrumento criado para ser um benefcio ao
trabalhador rural brasileiro, mas que se reverteu em um movimento de sada: para
os empregadores, significou maiores custos na produo, porm, para a maioria
dos agricultores, ela ocasionou dependncia, ora dos governos e de suas aes
no campo, ora das contrataes sazonais que, desde ento, tem sido temporrias,
acontecendo principalmente nas pocas de maior necessidade, geralmente na
capina, no plantio e na colheita. A relao trabalho terra capital, em funo das
desigualdades passa a constituir uma causa da migrao4.
Logo aps a modernizao agrcola, em meados de 70, em funo do elevado
desemprego no campo, so introduzidas no Brasil as cooperativas5, mecanismo
introduzido atravs de polticas pblicas locais e regionais ligadas migrao
dirigida, como forma de agregar produes. Porm, efeitos da revoluo verde,
como impactos sociais e ambientais, somados crise do capitalismo e do
produtivismo, foram responsveis pela busca de respostas crise do campo, entre
elas os movimentos ambientalistas, a criao de movimentos sociais, e a busca
por polticas pblicas voltadas ao setor agrcola.
Dotada de dinamismo e capacidade de adaptao, a economia solidria6 foi se
expandindo e se adequando nossa realidade, tendo como princpios norteadores
o predomnio da igualdade e cooperao, da busca por interesses coletivos e no
3 Em 1963 foi outorgada a Lei 4214, que trata das disposies acerca do trabalhador rural, de forma a lhe conceder garantias trabalhistas como, por exemplo, carteira de trabalho e frias remuneradas. A partir da criao desta lei, as propriedades e empresas rurais tiveram que reformular a dinmica empresarial, reduzindo assim o quadro de pessoal, principalmente em funo dos encargos trabalhistas.
4 Segundo ACCARINI (1987, p.200), ao chegar s cidades, muitos trabalhadores se fixam de modo precrio em sua periferia, onde passam a engrossar as fileiras de desempregados e marginalizados ou a dedicar-se a atividades informais e, no raro, a sobreviver de meros expedientes.
5 Segundo VEIGA, FONSECA, (2001, p.17) as cooperativas compreendem um [...] sistema que propicia o desenvolvimento integral do indivduo por meio do coletivo e so fundamentadas nos preceitos da economia solidria.
6 De acordo com Singer, o conceito de economia solidria chega ao Brasil no comeo do sculo XX, trazido por imigrantes europeus (2002, p.122).
15
mais individuais. De acordo com Singer (2002, p.114), A economia solidria foi
concebida para ser uma alternativa superior por proporcionar s pessoas que a
adotam, enquanto produtoras, poupadoras, consumidoras, etc., uma vida melhor.
A partir do final de 1985, o governo brasileiro resolveu implantar, no territrio
nacional, programas que buscassem auxiliar na permanncia do homem do
campo na terra, utilizando para isto de diversos instrumentos institucionais, entre
eles o PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar7.
As organizaes no governamentais ONGs constituram um instrumento
da economia solidria capaz de trazer suporte s mudanas que se apresentavam
neste cenrio, com a finalidade de minimizar os efeitos negativos sociais e de
pobreza no campo (atravs de aes solidrias) e de, introduzir prticas
alternativas na agricultura, embasadas em conceitos sustentveis de produo,
como a agroecologia8.
Com isso, o paradigma do desenvolvimento rural sustentvel foi ganhando
corpo na avaliao dos projetos agrrios pelo fato de eleger critrios de promoo
da sustentabilidade ambiental, social e cultural. Na busca por resolver problemas
estruturais do homem do campo, foi criado, em Senhora dos Remdios, o
Programa Lavouras Comunitrias9, embasado nos conceitos de sustentabilidade e
economia solidria e, em metodologias de trabalho participativo, com suporte e
participao do programa PRONAF10 Infra-estrutura.
7 De acordo com ACCARINI (1987), o governo pode formular e por em prtica um elenco de distintos instrumentos de poltica, para alterar a realidade socioeconmica no meio rural [...] atravs de medidas direcionadas ao uso produtivo da terra agricultvel e ao emprego de tecnologias mais eficientes de produo e de comercializao.
8 [...] aplicao de conceitos e princpios ecolgicos no desenho e manejo de agroecossistemas sustentveis onde conhecimentos e metodologias so usados para [...] desenvolver uma agricultura que ambientalmente consistente, altamente produtiva e economicamente vivel (GLIESSMAN, 2001, p.54).
9 Programa destinado ao homem do campo, criado e implantado na gesto do prefeito Jos Francisco Milagres (1996) e que teve como parceiros a EMATER-MG e o Sindicato Rural Local.
10 Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
16
1.1 Os Objetivos da pesquisa
1.1.1 Objetivos Gerais
O objetivo principal desta pesquisa realizar uma anlise acerca da
organizao/evoluo da produo familiar e camponesa nas comunidades
contempladas pelo Programa Lavouras Comunitrias, no municpio de Senhora
dos Remdios/MG, no perodo de 1998 2007. Sero utilizados nesta anlise a
investigao da evoluo e dos resultados do programa nas comunidades
municipais, inclusive as alteraes e melhorias ocorridas na qualidade de vida dos
agricultores (as) familiares e camponeses participantes. Ainda sero estudados os
elementos scio-culturais, scio-econmicos e ambientais das unidades de
produo familiar11, atravs da tica do desenvolvimento rural local sustentvel.
Um instrumento fundamental nesta pesquisa o entendimento acerca das
relaes entre os agricultores familiares, parceiros, e sua relao com seu espao
de vivncia e com os demais atores sociais.
1.1.2 Objetivos Especficos
De maneira a dar suporte ao objetivo principal desta pesquisa, faz-se
necessrio o detalhamento dos objetivos especficos, analisados a partir do
referencial terico citado posteriormente, sendo eles:
A) Avaliar, ao longo do perodo de existncia do programa (1996-2007),
sua organizao; os espaos agrcolas de parceria trabalhados e as
11 O espao de morada familiar est dissociado do espao de produo e trabalho, pois elas so espacialmente descontinuas.
17
comunidades onde ele acontece; os processos e a dinmica da insero
e manuteno de cultivos de feijo e milho, alm dos seus resultados de
produo e produtividade; a ressonncia do programa na vida dos
agricultores familiares, nas comunidades rurais e, consequentemente,
na economia local.
B) Conhecer a dinmica ocorrida nas comunidades contempladas de
acordo com a evoluo do programa Lavouras Comunitrias atravs da
identificao, anlise e contextualizao do perfil das famlias
participantes, partindo da compreenso da sua organizao interna e da
importncia de elementos sociais, econmicos e culturais neste
processo.
C) Analisar as paisagens culturais atravs do olhar terico dos costumes,
tradies, sentimentos topoflicos, adotando uma tica mais ampla para
o municpio como um todo, e mais direcionada nas comunidades
selecionadas para a pesquisa.
D) Sugerir, novas aes com base nas metas do programa, ou seja, o
desenvolvimento rural sustentvel nas diferentes comunidades rurais
participantes, aps identificao dos resultados j efetivos.
1.2 Hipteses e questes norteadoras da pesquisa.
Esta pesquisa foi norteada por algumas questes e hipteses sobre o tema.
Dentre as perguntas s quais se agregam aos objetivos gerais e especficos
destacam-se as seguintes:
A) A busca de melhorias locais (infra-estrutura de gua, esgoto, estradas,
transporte e escolas nas sedes das comunidades) e a prestao de
assistncia tcnica para a produo de culturas alimentares, buscando o
aumento dos ganhos monetrios atravs dos cultivos e a melhoria das
18
condies de vida dos agricultores familiares e camponeses parceiros
so suficientes para a continuidade do Programa Lavouras
Comunitrias?
B) O programa Lavouras Comunitrias contempla critrios ambientais,
sociais e culturais, necessrios ao desenvolvimento rural local
sustentvel, ao longo do perodo de sua existncia?
C) Os cuidados com o meio ambiente e com o ser humano, bem como a
preservao da cultura local, so preocupaes atuais deste Programa?
Algumas hipteses sobre as Lavouras Comunitrias aguaram a busca por
sua veracidade ou ocorrncia, sendo elas:
A) A organizao do projeto buscou solues para sanar o
empobrecimento da populao das comunidades rurais sem terra como
alternativas de sobrevivncia.
B) A modernizao agrcola, fenmeno conhecido tambm como revoluo
verde, ocorrido na dcada de 70, ocasionou alteraes na vida dos
agricultores familiares e camponeses sendo: mecanizao da produo,
expropriao, dificuldade de acesso a terra e financiamentos, entre
outros, trazendo mudanas na dinmica do trabalho familiar e da prpria
estrutura da famlia dos parceiros do programa Lavouras Comunitrias.
C) A maioria dos atores e da populao rural parceira do Programa
Lavouras Comunitrias tem introjetado dentro de si um sentimento de
identidade, de amor e apego, tanto em relao ao municpio, como em
relao a terra e comunidade em que vivem, e isto tem garantido a
sobrevivncia desta populao e a busca de melhorias para o grupo
aonde se inserem.
D) A cultura local constitui um vetor de conservao e continuidade da
agricultura familiar, ao mesmo tempo em que leva novos
direcionamentos e possibilidades ao municpio e sua populao.
19
2 Aspectos Tericos
O referencial terico norteador desta pesquisa diz respeito a conceitos
fundamentais para estudos da geografia agrria, sendo eles: o homem do campo
(camponeses e agricultores familiares) e o local onde vive (o meio rural, com
enfoque nas comunidades rurais). Estes temas so responsveis pela
sustentabilidade dos assuntos trabalhados, incluindo o local de reproduo do
programa e seus atores sociais.
O desenvolvimento sustentvel e suas aplicaes, tambm constituem um
marco terico a ser estudado como base de anlise de parmetros scio-
culturais12, scio-econmicos, e scio-ambientais no espao rural, juntamente com
as polticas pblicas utilizadas no municpio e a economia solidria - meta para
concretizao de resultados.
2.1 Camponeses, agricultores familiares e comunidades rurais
A atividade agrcola sempre desempenhou um papel de relevncia em nossa
sociedade, talvez pelo fato de ter sido o primeiro elemento fixador da populao
no lcus. Ao longo da histria, sofreu modificaes em funo de uma srie de
fatores como os de ordem fsica (clima, relevo, tipo de solos), de ordem humana
(contingente populacional local, polticas, ocupaes), entre outros. Entretanto, em
todos os tempos, a agricultura no representou somente uma atividade produtiva
ou a produo de determinados itens do gnero alimentcio, ela tambm teve uma
importncia subjetiva, sendo o elo de ligao do homem com a terra, com a
Me-Terra.
A partir da agricultura o homem passou a transformar o meio em que vive,
pois, a agricultura um instrumento que
12 Os aspectos socioculturais merecem destaque nesta pesquisa, em funo da sua importncia no processo do desenvolvimento sustentvel implantao e continuidade dentro das comunidades locais.
20
[...] abarca esforos produtivos, mediante os quais o homem sedentrio trata de aproveitar, e se possvel, melhorar e acelerar o ciclo vegetativo natural das plantas e animais, a fim de obter os produtos vegetais e animais necessrios ao homem ou desejados por ele (ZIMMERMANN apud DINIZ, 1998).
Logo, o homem que trabalha no meio rural e modifica a terra e a paisagem
atravs de suas atividades, depende de uma unidade profunda com a natureza,
uma compreenso que vem da vivncia e que transforma no s o seu trabalho e
sua vida, mas tambm sua postura e mentalidade. Conforme explica Junges
(2004, p. 77), a [...] sobrevivncia natural e cultural dos seres humanos depende
do equilbrio das condies bioticas e sociais do seu entorno, o que define a
importncia das prticas agrcolas para as civilizaes humanas.
Partindo deste ponto, prope-se aqui a discusso dos conceitos e anlises
acerca do campons e da sua diferenciao para o pequeno produtor,
correlacionadas s definies de agricultor familiar, utilizando-se de estudos
tericos como sustentao a esta pesquisa.
2.1.1 Camponeses
Campons, enquanto vocbulo da lngua portuguesa significa aquele que
trabalha a terra, agricultor13. No Brasil, este personagem aparece aps a abolio
da escravatura, com reproduo e ocorrncia no interior das grandes
propriedades, geralmente em seus limites.
Diversos pesquisadores dedicaram e dedicam seus trabalhos ao estudo deste
sujeito to simples e, ao mesmo tempo, to complexo. Dentre eles, Chayanov,
Mendras, Wolf e Moura que, a partir de observaes em perodos e locais
distintos, conseguiram ampliar o leque de conhecimentos sobre o campons.
13 RIOS, Dermival. 2004.
21
Um dos grandes estudiosos deste sujeito foi Alexander Chayanov,
pesquisador que se dedicou a analisar os pequenos produtores russos, antes da
revoluo russa. Ele atribui o conceito de campons partindo da unidade de
produo camponesa, adotando como referencial principal a famlia camponesa.
Segundo o autor, o campons constitui um [...] sujeito que ao mesmo tempo
obreiro e empresrio, e que possui sua motivao de trabalho na unidade
econmica familiar (1974, p.34).
A famlia desempenha um papel muito importante, tanto em relao ao
trabalho propriamente dito, como quando se analisa a unidade econmica de
explorao. Segundo o autor, a famlia compreende basicamente um casal que
vive com seus descendentes e com os representantes ancios da gerao
anterior14, logo, a famlia camponesa seria aquela em que os integrantes da
unidade praticam uma economia centrada na famlia, sendo ao mesmo tempo
produtores e consumidores, dependendo somente de seu trabalho para a
sobrevivncia.
No entendimento de Chayanov (1974), na famlia, enquanto unidade
econmica ocorre mudanas de papis ao longo dos anos em funo de
alteraes etrias no seu cerne, gerando variaes nas funes dos indivduos
com relao ao binmio consumo/trabalho, em cada fase do desenvolvimento
familiar15. A composio e o tamanho da famlia definem a fora de trabalho, o
grau das atividades, seu consumo, sua garantia de reproduo, os limites das
atividades econmicas entre outros, porm, o volume de atividades agrcolas
que determina a composio da famlia, ou seja, o campons adquire uma famlia
que lhe garanta segurana material.
Mendras (1978), em sua busca pela definio do campons, sugere que, para
se entender o significado de campons, necessrio desvendar o elo entre o 14 CHAYANOV, 1974, p. 49.
15 Para o autor, existe uma relao bem definida entre demografia, trabalho e consumo na famlia: quando os filhos so pequenos e ainda no esto em idade de trabalho, h uma proporo desigual entre consumo e trabalho: o consumo maior, e o nmero de pessoas que trabalham menor. Com o crescimento dos filhos, esta proporo vai se alterando, pois o nmero de pessoas que trabalham na famlia aumenta, e o consumo se mantm, e mais tarde, com o envelhecimento dos pais, h um grande nmero de trabalhadores na famlia, o que resulta em um ciclo de cooperao de trabalho, onde todos so parte integrante e fundamental, exercendo cada um a seu tempo, sua funo.
22
sujeito e sua famlia, j que o trabalho gera os itens de consumo destes, o que
caracteriza a agricultura camponesa como de subsistncia16, sem excedentes
para comercializao; apenas, e no mximo, um excedente mnimo para
realizao de trocas. Conforme esclarece Carneiro (1998, p. 8-9),
A qualidade das relaes sociais que so integradas pela famlia camponesa muito diversa, mas nos domnios do parentesco e do trabalho que se encontram os dois principais sistemas de relaes que articulam e estruturam os indivduos na famlia e na sociedade. Laos de descendncia e de aliana conformam uma unidade de parentesco que constitui tambm uma unidade de produo. A famlia , no entanto, espao de produo e de reproduo de valores cujos significados ultrapassam a lgica do parentesco e a racionalidade econmica.
Na mesma linha de raciocnio, Moura descreve o campons como [...]
pequeno produtor, como cultivador de pequenas extenses de terra, s quais
controla diretamente com sua famlia, ou ainda como [...] cultivador que, atravs
do seu trabalho e do de sua famlia, se dedica a plantar e transferir os excedentes
de suas colheitas aos que no trabalham a terra (1986, p. 12-13).
Outro prisma para o entendimento das caractersticas definidoras do perfil do
campons apresentada por Shanin (1980, p.50), e nos remete importncia da
propriedade rural, j que esta compreende a unidade bsica da sua organizao
econmica e social. Alguns fatores relevantes devem ser observados, entre eles a
agricultura ser sua principal fonte de sobrevivncia; a vivncia em aldeias, o fato
de possuir cultura especfica no interior de pequenas comunidades rurais e a
vivncia de uma situao oprimida, de modo geral17. Atualmente ele faz a
16 A agricultura de subsistncia, tambm chamada agricultura alimentar, de auto-consumo ou de auto-abastecimento, aquela onde a produo praticamente toda voltada ao consumo, j que pequena. Os indivduos que a praticam so agricultores familiares, que em grande parte, no contando com recursos suficientes para sua reproduo na agricultura, necessitam buscar ocupao fora da lavoura para complementao de renda.
17 Shanin um estudioso do tema campesinato do sculo XX, mas que utilizou em suas pesquisas embasamento e comparativo a partir dos estudos de Kautsky e Chayanov, realizados na Rssia ps-revoluo, no sculo XIX.
23
colocao da importncia da solidariedade entre os camponeses na Rssia atual e
que se repete em outras partes da Terra18.
Mendras19, citado por Lamarche (1993), apresenta a organizao em
sociedade deste sujeito definida por alguns aspectos peculiares, entre eles, a
autonomia relativa em relao sociedade como um todo; a importncia estrutural
do grupo domstico; um sistema econmico de autarquia relativa; uma sociedade
de inter-relacionamentos e a funo decisiva das personalidades de prestgio que
estabelecem uma ligao entre a sociedade local e a sociedade geral.
Ainda deve-se acrescentar a estas caractersticas o fato de pelo menos
metade da populao ser agrcola e mais da metade da populao ativa trabalhar
na agricultura de cidades e na diviso entre a cidade e a zona rural, alm da
influncia sofrida com os impactos do poder do Estado, que culminam numa
simultaneidade poltica, econmica, social e cultural (THORNER apud LOVISOLO,
1989, p.180).
Diferenciando-se dos demais agricultores, o campons apresenta produo
abaixo do mnimo calrico ou, caso ocorra, a produo dentro do valor de 3000
calorias/dia20, ou um pequeno excedente que garanta sua manuteno; existncia
de fundo de aluguel21; integrao em uma sociedade com um Estado onde este
indivduo submetido s determinaes dos detentores de poder que,
normalmente, no se encaixam em seu perfil; e capacidade de ser ao mesmo
tempo um agente econmico e o chefe de famlia22.
Essas caractersticas citadas por Wolf (1976) ampliam o entendimento
referente distino entre camponeses e agricultores familiares, pelo fato de os
18 Palestra de Shanin transcrita do Encontro Internacional de Geografia Agrria Londrina, 2007. 19 MENDRAS, Henri. Sociedades Camponesas, 1974.
20 Segundo Wolf, o mnimo calrico a alimentao necessria diria para manter a vida de um ser humano, ou seja, [...] consumo dirio de calorias alimentares exigidas para compensar o desgaste de energia que o homem despende em seu rendimento dirio de trabalho (1976, p.17). Logo, seria necessrio que alm do mnimo dirio, o produtor conseguisse obter excedentes, para sua manuteno.
21 O fundo de aluguel o que distingue o campons de um cultivador primitivo, pois compreende um [...] nus pago mediante exigncias que no vieram de seu trabalho na terra, e que pode ser resgatado em trabalho, bens ou dinheiro (WOLF, 1976, p.24). Para sua existncia necessria a ocorrncia de relaes de poder, onde h um pagamento pela utilizao da terra.
22 WOLF, 1976, p. 24-28.
24
camponeses viverem em condies de maior subjugao s influncias externas,
principalmente pela precariedade da produo, do trabalho e de rendimentos.
O trabalho campons apresenta caractersticas bem peculiares a sua
existncia. Como j foi visto anteriormente, a propriedade rural familiar a
unidade bsica da organizao econmica e social, e a agricultura a principal
fonte para sua sobrevivncia; a vida pode ocorrer em aldeias ou comunidades
rurais, o que tem como resultante uma cultura bem especfica e peculiar; h a
existncia de parceiras e ajuda mtua entre estes agricultores, j que sua situao
econmica oprimida; e na maioria dos casos, ocorre explorao e dominao
por foras poderosas. Pode haver o trabalho espordico assalariado em casos
onde o campons far uma segunda jornada ou, quando necessite contratar
trabalhadores, geralmente vizinhos, para auxiliar em pocas especficas como a
da colheita (LAMARCHE, 1993). Existe ainda a possibilidade de realizao de
atividades de mutiro, que consistem em uma
[...] reunio de vizinhos, convocados por um deles, a fim de ajud-lo a efetuar determinado trabalho: derrubada, roada, plantio, limpa, colheita, malhao, construo de casa, fiao, etc. Geralmente os vizinhos so convocados e o beneficirio lhes oferece alimento e uma festa, que encerra o trabalho. Mas no h remunerao direta de espcie alguma, a no ser a obrigao moral em que fica o beneficirio de corresponder aos chamados eventuais dos que o auxiliaram (CANDIDO, 1998, p. 68).
O trabalho uma atividade realizada para a satisfao de suas necessidades,
a partir de tarefas rduas e intensas, utilizando da fora fixa de trabalho23. A
vontade deste sujeito de ter um sistema diferenciado de salrio que faz com que
ele determine o tempo e a intensidade deste trabalho.
J Chayanov (1974), observou nas questes referentes ao trabalho, a
importncia da sazonalidade no processo produtivo do campons, principalmente
23 Centrada na famlia (WOLF, 1976).
25
com relao produtividade (rendimento/rea) e pelo fato da sua remunerao
ser anual. Por isso,
[...] as diferenas nas remuneraes anuais dos trabalhadores dependem dos fatores que determinam sua produtividade anual. Por um lado est o grau de intensidade de seu trabalho anual, a quantidade de energia que o trabalhador campons pode ou quer gastar no trabalho ao longo de 12 meses. Por outro lado, est a produtividade de cada unidade domstica de trabalho, as condies econmicas e tcnicas que asseguram ao seu trabalho um efeito produtivo particular (ABRAMOVAY, 1998, p.72-73).
O volume das atividades econmicas que compreende todo o trabalho
realizado pela famlia (agricultura, artesanato, atividades comerciais), constitui o
necessrio para se obter um balano subjetivo entre trabalho e consumo 24,
determinantes da atividade econmica familiar (CHAYANOV, 1974).
A diversificao da produo funciona como uma sada da dependncia:
atravs da venda do excedente desta produo diversificada que possvel
comprar artigos que no so os produzidos para o auto-consumo, logo, a
sociedade camponesa pode tambm ser caracterizada pelo [...] seu sistema
econmico, pensando-se este como relaes entre setores, no como uma
relao entre modos de produo (LOVISOLO, 1989, p.70, p.179).
A complexidade que envolve o campons e a estrutura de sua sociedade
apresenta diversificaes na explanao e caracterizao pelos diversos tericos,
mas, de certo modo, todas convergem para as relaes de trabalho centradas na
famlia, nas condies de vida mais restritas e, geralmente, em uma vida em
pequenas comunidades.
24 Esta teoria surgiu da observao de variaes de conduta econmica em famlias camponesas. O campons pode ser motivado a aumentar sua produo quando h um aumento de membros consumidores da famlia, pois ir procurar melhorar suas condies de bem estar; ou seja: quanto mais a famlia cresce mais aumentam as necessidades de consumo, mas tambm aumenta a quantidade de mo de obra.
26
2.1.2 Agricultores Familiares
O entendimento da agricultura familiar permeia os conceitos de campons e
de agricultura camponesa. Muitas podem ser as definies, porm, todas elas
partem da anlise de duas caractersticas bsicas: a importncia da famlia e do
seu trabalho em conjunto para o setor agrcola. Portanto, preciso, primeiramente
compreender o conceito de famlia neste processo. Segundo Carneiro:
[...] a famlia no deve ser entendida to - somente, como um grupo estruturado segundo as condies histricas e culturais que o cercam. necessrio tambm considerar o conjunto de valores que orientam e do sentido s prticas sociais no interior da famlia j que ela agrega indivduos atravs de uma rede de relaes que inclui, como toda relao social, uma parte ideal, de pensamentos ou, se quisermos de representao. Assim, consideramos que uma anlise das relaes familiares deve contemplar dois aspectos: de um lado, as relaes entre os indivduos e, de outro, as representaes e os valores que do sentido a essas relaes (1998, p. 65-66).
Esta colocao mostra que alm de sua estruturao histrica e cultural da
famlia, importante considerar os valores que do sentido s prticas sociais em
seu cerne. Isto corroborado por Shanin (2007) quando se refere solidariedade
ainda presente na sociedade russa do ps-comunismo, em que agricultores de
grandes propriedades associadas, mantiveram-se trabalhando associativamente e
produzindo alimentos para a sociedade, movidos pelo sentimento de solidariedade
inerente ao campons russo.25
J Wanderley, ao se referir agricultura familiar, define-a como [...] aquela em
que a famlia, ao mesmo tempo em que proprietria dos meios de produo,
assume o trabalho no estabelecimento produtivo (1996, p.1). A famlia, o trabalho
25 Transcrito da Palestra proferida por Theodor Shanin no VIII Encontro Simpsio Internacional de Geografia Agrria, IV Simpsio Nacional de Geografia Agrria Jornada Orlando Valverde Campesinato em Movimento. UEL, Londrina, PR. 2007.
27
e a propriedade so os instrumentos fundamentais sua existncia e reproduo.
Isto significa que famlia e trabalho so importantes como meio de produo, que
pode se constituir apenas por seus braos, independentes da propriedade da
terra.
Este modelo de agricultura remete tambm idia de agricultura tradicional,
ou seja, uma agricultura que:
[...] caracteriza-se por empregar, de modo predominante, fatores de produo tradicionais como terra, trabalho, sementes comuns e instrumentos rsticos, alm de tcnicas de produo igualmente simples [...] as unidades produtivas so, em geral, pequenas e baseadas na famlia. O conhecimento tcnico existente e aplicado nesta atividade , em grande parte, o resultado de experincia local acumulada ao longo de anos e transmitida de gerao em gerao pela observao e pela prtica (ACCARINI, 1987, p.82).
De acordo com Lamarche (1998a, p.62), a agricultura familiar tem toda uma
identidade quanto a seus aspectos, capaz de determinar lgicas especficas
relacionadas terra como: a propriedade fundiria ser familiar e, desempenhar
um papel de grande importncia; o apego que este homem tem com a terra e as
formas com que se organiza em relao ao trabalho e uso da mesma; a funo da
unidade familiar na reproduo e continuidade da unidade produtiva, ou ainda,
com as diversas formas de dependncia encontradas pelos mesmos, como a
dependncia tecnolgica (instrumentos e tcnicas utilizadas), a dependncia de
recursos financeiros (emprstimos, dvidas, crdito rural), e a dependncia do
mercado com relao comercializao e consumo de produtos.
Esta dependncia ocorre em diversos nveis: 1) tecnolgico, atravs da
utilizao de tcnicas e instrumentos usados para aumentar a produtividade,
melhorar as condies de trabalho, desenvolver e conservar as potencialidades
naturais do local; 2) financeiro (embasado nas vrias operaes financeiras que
utiliza, sejam emprstimos, dvidas, crditos rurais ou financiamentos); 3)
comercial ou de relaes com o mercado (referente produo, comercializao,
28
venda e consumo de produtos). Esta situao varia para cada tipo de agricultor
familiar. Vale ressaltar que toda a forma de dependncia gera impotncia, apesar
de em muitos casos constituir um instrumento necessrio prpria sobrevivncia
deste agricultor.
A agricultura familiar tem seu trabalho inserido e desenvolvido na propriedade
fundiria familiar. Esta propriedade desempenha um papel quase orgnico, j que
o agricultor familiar possui uma intensa relao de apego terra, e aos diversos
usos que dela faz. A propriedade tem como funo a reproduo e a continuidade
da produo familiar, ocorrendo desta forma uma profunda relao entre a terra e
o trabalho.
Nas unidades familiares o trabalho vincula-se s condies de produo (terra, meios de produo e meios de vida) por pertencer a um sistema de relaes de parentesco, sejam essas relaes atribudas ou adquiridas laos biolgicos de descendncia ou sociais de lateralidade (LOVISOLO, 1989, p. 55).
As formas de organizao do trabalho e o uso da terra so peculiares,
variando de acordo com o grau de desenvolvimento dos trabalhadores rurais,
desde o pequeno agricultor26 at o agricultor familiar empresrio27. A localizao e
a fixao do agricultor familiar no lcus tambm so relevantes, principalmente
pelo fato da adoo de diversificadas prticas culturais, tradies e costumes
especficos, tanto as relacionadas organizao do trabalho como as referentes
ao uso da terra, realizadas nas comunidades com suas peculiaridades prprias.
Ainda necessrio comentar a importncia da funo da unidade familiar na
reproduo e continuidade da unidade produtiva, pois cada indivduo desempenha
um papel pr-determinado no trabalho familiar e para a perpetuao na
propriedade. Porm, no se deve desconsiderar a existncia de fatores externos
26 Tipo de agricultor que, sob a tica da produo de excedentes, encontra-se em um nvel acima do agricultor campons.
27 Agricultor dotado de recursos, meios e instrumentos tecnolgicos em sua produo, caracterizada como uma agricultura comercial, extremamente integrada ao sistema capitalista.
29
ao agricultor familiar que interfiram na sua forma de produzir e de se reproduzir.
Em funo disto, pode-se entender que A explorao camponesa uma
explorao familiar, mas nem todas as exploraes familiares so camponesas
(LAMARCHE, 1998a, p.16). Isso demonstra que existem diversificaes entre os
agricultores pode-se ter o pequeno agricultor familiar (objeto deste estudo),
como o agricultor familiar do tipo farmer, que apesar do trabalho realizado ser
baseado na famlia, passou pelo processo de tecnificao e mecanizao.
No Brasil, desde o final dos anos 70, pesquisadores buscam encontrar as
diferenas, muitas vezes sutis, que distinguem o agricultor familiar do agricultor
campons28, de forma a se compreender melhor estes sujeitos rurais no Brasil. De
acordo com Abramovay, os diferenciais do agricultor familiar so:
[...] eram tomadores de crdito junto ao sistema bancrio; seu comportamento no caracteristicamente de averso ao risco; praticam a inovao tecnolgica e transformaram de maneira significativa a base material de seu processo produtivo; e no produziam apenas para o mercado interno e muito menos podiam ser chamados de agricultores de subsistncia (1997, p.17-27).
A sua autonomia e seu grau de instruo tecnolgica, tambm chamada de
profissionalizao, compreendem ento a maior diferenciao perante o agricultor
campons, que pratica uma agricultura de subsistncia e que ainda possui
dependncia frente a inmeros fatores, instrumentos, gestes e direcionamentos.
2.1.3 Comunidades rurais
A sociedade rural composta de diversos integrantes e agentes que ao
mesmo tempo desempenham funes de atores e platia; compreende uma
28 Estas pesquisas se referem ao agricultor familiar e campons brasileiro, e foram realizadas por Sorj, Wanderley e Wilkinson e so citadas por Abramovay neste artigo (1997).
30
sociedade onde os indivduos se ocupam com atividades agrcolas das mais
diversas, nos mais diferentes nveis.
Este campo de interrelaes, ou seja, o meio rural dispe de toda uma gama
de possibilidades, usos e funes: pode ser ou se tornar espao de evaso, de
distrao, de redescoberta, de natureza; onde h mais harmonia nas relaes de
vizinhana; onde h uma amplitude do significado do termo comunitrio, da vida
mais prxima da natureza, das relaes com a terra; onde existam referenciais
identitrios que unem esta populao em torno de um lugar, de um espao, ou de
um territrio de ao e reproduo dos seus valores.
Mendras (1978, p.87) define comunidades como [...] coletividades que
apresentam traos comunitrios, onde [] a dimenso do grupo social e o tipo
de relaes que nele reina podem ser caracterizados pelo termo inter-
conhecimento, que assinala uma forma particular de organizao da
sociabilidade.
As comunidades rurais apresentam uma maior homogeneidade em relao
suas caractersticas psico-sociais que as comunidades urbanas, pois a ligao
entre seus integrantes feita por elos29 mais resistentes. Entretanto, estas
comunidades existem principalmente em funo de similaridades entre os
indivduos que as compe, definidas principalmente por suas caractersticas
culturais e econmicas, ou seja, pela influncia destas na vida cotidiana de seus
integrantes. Assim, tornam-se o limite principal entre elas (as comunidades) e seu
entorno. De acordo com tais aspectos, uma comunidade pode ser definida como
sendo
[...] um todo, um sistema ecolgico, uma estrutura social, uma biografia exemplar, um tipo de personalidade, uma viso do mundo, uma histria, uma coletividade entre outras coletividades, uma combinao de contrrios, um todo e seus elementos. (REDFIELD apud MENDRAS, 1978, p. 85).
29 Estes elos compreendem caractersticas sociais, ambientais e culturais que unem os indivduos, e fortalecem as relaes em uma comunidade rural.
31
Logo, as comunidades conseguem se diferir devido a sua identidade, ou
melhor, devido identidade de seus componentes que, produzida ao longo de sua
histria, lhes proporciona caracteres culturais especficos, apesar de fazendo parte
de um municpio, ter tambm participao no processo local como um todo.
Outro prisma de anlise da comunidade diz respeito ao estudo das relaes de
vizinhana, de trabalho e de distrao que nela ocorrem. Sendo assim, este
espao de vivncia passa a compreender uma
[...] congregao de famlias reunidas pelo lao de habitarem a mesma vizinhana, praticando de preferncia o trabalho de batalho30, onde as distraes, sob forma religiosa de novenas e romarias, so coletivas; as atividades todas so executadas, pois, tendo como base a solidariedade vicinal (QUEIROZ, 1972, p.65).
Vale ressaltar a necessidade de observao de fatores como a cultura e a
produo, quando ento a comunidade se torna um
[...] agrupamento de algumas ou muitas famlias, mais ou menos vinculadas pelo sentimento de localidade, a convivncia, prticas de auxlio mtuo, atividades ldico-religiosas e desenvolvendo uma economia de subsistncia (CANDIDO; WATSON apud QUEIROZ, 1972, p.64).
30 Batalho um termo usado pelo nordestino, que significa mutiro, e que pode ser entendido como [...] reunio de vizinhos, convocados por um deles, a fim de ajud-lo a efetuar determinado trabalho: derrubada, roada, plantio, limpa, colheita, malhao, construo de casa, fiao, etc. Geralmente os vizinhos so convocados e o beneficirio lhes oferece alimento e uma festa, que encerra o trabalho. Mas no h remunerao direta de espcie alguma, a no ser a obrigao moral em que fica o beneficirio de corresponder aos chamados eventuais dos que o auxiliaram (CANDIDO, 1998, p. 68).
32
2.2 A dimenso da cultura
To importante quanto as organizaes de que se compe a rede so os cdigos de comunicao que lhe imprimem coeso interna, ou seja, as normas, as crenas, os valores que definem o sentido da ao de seus membros (Abramovay, 2000, p.164).
A dimenso cultural tem sido atualmente muito explorada em estudos que
contemplam facetas do desenvolvimento rural local, pela sua importncia na vida
e no cotidiano das pessoas, pelo fato de culminar em toda uma forma de viver
particular, embasada em costumes, tradies, histrias, tcnicas, etc. A
complexidade das relaes humanas est intrinsecamente vinculada s questes
culturais, que permeiam a populao local, as comunidades e o municpio.
Falar de uma definio especfica sobre cultura significa reduzi-la a um nico
significado apenas: ela corresponde totalizao de um sistema composto de
diversas caractersticas e vetores31 que interferem e influenciam direta e
indiretamente na vida das pessoas.
A cultura aparece como um conjunto de gestos, prticas, comportamentos, tcnicas, know-how, conhecimentos, regras, normas e valores herdados dos pais e da vizinhana, e adaptados atravs da experincia a realidades sempre mutveis. A cultura herana e experincia. Ela tambm projeo em direo ao futuro (COSGROVE; JACKSON, 2003, p.163).
Este conjunto de prticas, saberes e vetores diferenciados podem ser
considerados responsveis pelas identidades, pois condensam a experincia
contnua, que por sua vez, culmina no patrimnio vivido. Conforme explica Massey
(1994), as particularidades e especificidades de cada lugar so construdas com
31 Os vetores definidores da cultura so aqueles vinculados a diversos mbitos (social, ambiental, ocupacional, tradicional, entre outros) que constituem meios de expresso e direcionamento destas culturas.
33
base em toda uma rede de relaes sociais, que se encontram e se entrelaam
num lcus particular.
Enquanto a cincia trabalha com objetos reais, a cultura trabalha com a
produo simblica, a [...] arte coletiva mediada na conscincia e sustentada
atravs de cdigos de comunicao (COSGROVE, 2003, p.103), que imprime
atravs das geraes, um modo de vida, um modo de se pensar, de se ver os
diversos objetos. Com o passar do tempo, as prticas culturais so vividas e
reproduzidas nas comunidades, e ento passam a ser conhecidas como guardis
de determinado patrimnio, denotando-se ento, uma diferenciao nas relaes
de poder.
Esta cultura, internalizada e externalizada, abrange o patrimnio cultural que
representa as especificidades de dada populao em determinado lugar (trabalho,
construo, festas, maneiras de viver), e constituem um reflexo de identidade.
Logo, a cultura integra tempo, espao e movimento.
Diversos so os fatores que definem uma cultura, porm todos culminam na
importncia do sentimento em relao ao passado e s situaes, o que varia de
pessoa para pessoa. Esses sentimentos compreendem a externalizao de
retratos de vivncia que no podem ser analisados separadamente, pois,
constituem partes de um todo. Dentre os instrumentos utilizados para essas
descobertas destaca-se a histria oral, pois propicia um reencontro da pessoa
com o passado, externalizando-o.
Neste contexto, a etnometodologia, cincia que abre caminhos para uma se
compreender mais sobre a influncia e a dinmica de elementos diversos na
evoluo cultural
[...] prope que os estudos de uma dada sociedade sejam dirigidos pela investigao da vida cotidiana de seus membros, uma vez que o processo de atribuio dos significados presentes na realidade construdo a partir das relaes presentes no dia-a-dia (HAGUETTE apud STROH, 1998, p. 286).
34
A cultura, deste modo, constitui [...] o melhor e mais eficaz dos vetores do
desenvolvimento, porque contribui para a valorizao do potencial coletivo e
favorece o crescimento da personalidade dos indivduos (KAISER apud MARTIN,
2000, p.89).
Na busca por respostas a uma melhor compreenso da importncia cultural no
ambiente e das conseqncias desta dinmica, so realizados estudos
relacionados percepo do espao e das interrelaes que acontecem nele,
observados atravs de olhares geogrficos.
Estudiosos como Tuan foram responsveis pela incluso de uma compilao
de caracteres usados no processo de compreenso dos espaos e paisagens e na
anlise das ligaes de vinculao ou desvinculao do homem com os mesmos.
Para tal, definiu dois conceitos que seriam peas-chave neste processo: topofilia e
topofobia.
A topofilia compreende todos os laos afetivos dos seres humanos com o meio
ambiente material. Esses laos so permanentes e mais difceis de serem
externalizados. As lembranas, a conscincia do passado e o prazer de um
retorno saudosista so elementos importantes no processo de descoberta e
vivncia destes sentimentos (TUAN, 1980, p.107). J a topofobia, ao contrrio,
constitui nos sentimentos de repulso em relao ao lugar, aos seres humanos e
ao meio ambiente, tambm conhecidos como paisagens do medo (TUAN apud
AMORIM, 1999, p.142). Sob esta tica, pode-se entender que
O estilo de vida de um povo a soma de suas atividades econmicas, sociais e ultraterrenas. Estas atividades geram padres espaciais, requerem formas arquitetnicas e ambientes materiais que por sua vez, aps terminados, influenciam o padro das atividades (TUAN, 1980, p.199).
E esse padro tambm determinante quando se procura entender as ligaes
afetivas ou de repulso com os lugares. Deste modo,
35
A comparao e classificao das culturas segundo seu potencial para afetar o habitat uma tarefa essencial na geografia cultural, seja motivada por um desejo de compreender os efeitos passados do homem ou por um interesse em diferenciais atuais no tocante produtividade e ao bem-estar (WAGNER, MIKESELL, 2003, p.31).
Na dinmica da cultura, ocorre uma hierarquia definida atravs das estruturas
regionais que so a somatria de foras diversas e das condies econmicas,
das condies do meio fsico, da composio demogrfica, grupos sociais,
organizao poltica e dimenses culturais, ou seja, da totalizao das relaes
entre os homens e da sua interao com o ambiente. A compreenso do
significado de lugar torna-se necessria, j que este
[...] constitudo a partir de uma relao intersubjetiva, extremamente varivel de indivduo para indivduo, quando vo sendo atribudas ao suporte nomes e caractersticas simblicas, constituindo-se enfim, no mundo que une indissoluvelmente o sujeito s coisas, tornando-o um ser no mundo (HOLZER, 2006, p.114).
Esta relao intersubjetiva compreende o diferencial do lugar em relao ao
espao, pois nele (o lugar), existem sentimentos que o tornam familiares, que so
definidos por uma imagem mental precisa e conscienciosa.
O espao o lcus da reproduo da cultura de determinados elementos, e
enquanto espao vivido, ou de vivncias, desempenha um papel de grande
importncia, uma vez que compreende a estratificao de experincias onde O
jogo social desenrola-se, do indivduo ao grupo ou entre grupos, segundo relaes
que se denominam tenses, oposies, luta, ou ento solidariedades,
colaboraes, compromissos (FREMONT, 1980, p. 36). Cada indivduo percebe
este espao de uma forma, de acordo com suas necessidades, e a partir de ento,
ocorre uma criao coletiva. Este espao percebido de forma individual
compreende o espao vivido, uma [...] estrutura oculta do espao como aparece
36
para ns em nossas experincias concretas como membros de um grupo cultural,
[...] contm o espao sagrado e o espao geogrfico (Relph32 apud Holzer, 1999,
p.71).
As inter-relaes que ocorrem no espao vivido podem ser de ordem
ecolgica, quando ocorre entre os homens e o meio; de ordem scio-econmica,
definidas por relaes de produo, grupos e classes; de ordem scio-cultural,
onde o fator determinante so as tradies locais e regionais; e de ordem scio-
demogrfica, atravs da repartio numrica dos homens em grupos (FREMONT,
1980). Neste espao, h a poesia da vida, h a representao potica dos fatos e
das situaes. indispensvel fazer referncia s regies de fronteira, ou seja,
das tnues linhas que fazem divisas entre o conflito e a conquista, entre a
descontinuidade e o movimento. As fronteiras funcionam como espaos de
encontro de culturas, e esto em constante mutao apresentando um saldo de
mudanas nas prticas culturais.
Na percepo do espao vivido e das prticas culturais, podem ser notadas
eventualmente situaes de estranhamento, ou seja, situaes nas quais se
procura descobrir novos padres culturais, constituindo uma forma de anlise
onde a interao simblica acontece a partir das anlises referentes s relaes
entre o indivduo e o coletivo (STROH, 1998, p. 286).
Para compreender a cultura enquanto patrimnio vivido h que ocorrer uma
observao detalhada sobre as questes espaciais (unio e fragmentao), as
tradies locais, o modus vivendi, e dos diversos problemas advindos destas
relaes que, culminam por definir o pensamento social33.
Conforme explica Stroh, o espao fsico, enquanto objeto da vivncia,
desempenha um papel importante na organizao destas comunidades e na
evoluo dos papis sociais. Torna-se tambm relevante o entendimento do
conceito de rea a partir do referencial particular e individual, como [...] um legado 32 Relph (1976).
33 De acordo com STROH, O pensamento social traduz o modo de vida de uma coletividade, o modo como v a si mesma (as relaes que marcam a identidade coletiva), o mundo externo (as relaes de alteridade) e as possibilidades de utilizao dos recursos naturais disponveis (as relaes com a natureza). O pensamento social traduz uma forma de querer generalizada, mediante a qual a coletividade cria e reproduz os seus mecanismos de sobrevivncia material" (1998, p. 284).
37
que existe em funo das relaes estabelecidas, a partir da mediao do trabalho
e das relaes sociais (1998, p. 284), j que constitui um elemento definidor nas
relaes do indivduo com o lugar que elegeu como seu. Por meio do trabalho e
do afeto, os homens passam ento a estabelecer relaes com a natureza e com
os outros homens, onde ocorrem representaes simblicas do real, culminando
nas paisagens culturais.
2.2.1 As paisagens culturais e a dinmica dos espaos
[...] a geografia das formas culturais muito mais do que mero reflexo passivo das foras histricas que a moldaram; a estrutura espacial parte ativa da constituio histrica das formas culturais (COSGROVE, JACKSON, 2003, p. 142).
A percepo e a compreenso da cultura podem tambm ser compreendidas
atravs do estudo da paisagem. De acordo com Pitte apud Alves (2001, p.11-14),
a paisagem a expresso observvel pelos sentidos na superfcie da terra,
resultante da combinao entre a natureza, as tcnicas e a cultura dos homens.
essencialmente mutante e s pode ser aprendida no interior de sua dinmica
prpria, isto , na histria que lhe restitui sua quarta dimenso alm de designar
dois tipos de realidades: material e imaterial. A realidade material, constituda
pelos elementos geogrficos (que podem ser naturais ou criados pelo homem), e a
realidade imaterial, pelo que se releva da percepo, ou seja, da esttica (belo ou
feio) e da tica (bom ou ruim).
J a paisagem demonstra uma maneira de ver e de compor o mundo externo
em uma cena ou em uma unidade visual (COSGROVE, 1998) e, diferentemente
do lugar, que baseado na percepo individual, a paisagem se baseia na
percepo coletiva (HOLZER, 2006, p.109).
As paisagens culturais so estudadas a partir de um complexo geogrfico
natural onde [...] so manifestas as escolhas feitas e as mudanas realizadas
pelos homens enquanto membros de uma comunidade cultural, fazendo parte de
38
uma juno de [...] certas preferncias e potenciais culturais, e um conjunto
particular de circunstncias naturais. uma herana de um longo perodo de
evoluo natural e de muitas geraes de esforo humano (WAGNER;
MIKESELL, 2003, p.36).
Segundo Melo (2001, p.33), [...] todo o ambiente que envolve o homem, seja
fsico, social ou imaginrio, influencia sua conduta [...] Neste sentido, a paisagem
apreendida de forma holstica, [...] um dos elementos centrais dentro de um
sistema cultural, como uma reunio ordenada de objetos, um texto [...] atravs do
qual um sistema social comunicado, reproduzido, experimentado e explorado
(DUNCAN apud MELO, 2001, p.37). Tambm o tempo e as relaes de
vinculao das pessoas a ele constituem elementos importantes neste
entendimento.
O espao observado a partir da dimenso cultural pode ser geogrfico,
correspondente a [...] soma indissolvel de sistemas de objetos e sistemas de
aes (SANTOS, 1997, p.80), ou apresentar-se como espao vivido, repleto de
significados desenvolvidos e ou conquistados pelos diversos atores que o
constituem atravs das experincias do cotidiano.
Numa dinmica prpria, o espao intervm de trs maneiras na vida social: 1)
atravs da extenso, onde os diversos tipos de atividades dependero do
tamanho de determinado espao de vivncia34; 2) como obstculo vida de
relao, pois dificulta o transporte e a informao35; 3) serve de base atividade
simblica36 (CLAVAL, 1979, p.15-21). Portanto, ao analisar a paisagem cultural
sobre a tica espacial, entende-se que
34 Segundo o autor, este espao tambm est condicionado ao fim na qual utilizado, respeitando seus usos e sua capacidade de utilizao e preservao.
35 Quando as distncias so grandes entre os espaos, no h encontro entre os participantes. 36 Os sistemas de comunicao funcionam segundo o espao, e fazem parte de reas culturais com cdigos definidos, que sofrem modificaes em seus limites espaciais.
39
[...] a paisagem cultural refere-se ao contedo geogrfico de uma determinada rea ou a um complexo geogrfico de um certo tipo, no qual so manifestas as escolhas feitas e as mudanas realizadas pelos homens enquanto membros de uma comunidade cultural [...] um produto concreto e caracterstico da interao complicada entre uma determinada comunidade humana, abrangendo certas preferncias e potenciais culturais, e um conjunto particular de circunstncias naturais. uma herana de um longo perodo de evoluo natural e de muitas geraes de esforo humano (WAGNER, MIKESELL, 2003, p.36).
Partindo de reflexes acerca destes conceitos, as paisagens culturais
demonstram estar intrinsecamente vinculadas s prticas utilizadas, conhecidas e
adotas por pessoas ou comunidades, no mbito de um espao fsico ou
imaginrio. Conforme descreve Claval (1979, p.11), A vida social se inscreve no
espao e no tempo. feita de ao sobre o meio ambiente e de interao entre os
homens. Por isso, uma cultura somente se mantm e se desenvolve atravs das
comunicaes e da sua interao com o espao natural.
A paisagem cultural tambm composta de produes simblicas, ou seja, da
[...] arte coletiva mediada na conscincia e sustentada atravs de cdigos de
comunicao (COSGROVE, 2003, p. 103), de maneira que estas constituem um
elemento que mantm o mundo vivido, j que toda atividade humana ao mesmo
tempo simblica e material, o que define os diversos estilos de vida; [...] uma
vitrine de todo o saber (CORRA, 2001, p. 290).
Como paisagem cultural um conceito que envolve espao natural e que
congrega interpretaes diversas, acaba por constituir um espao (material ou
imaterial) em constante transformao, onde h insero de novos padres e
modelos, como tambm cultivos e perpetuao de determinadas prticas. Sendo
assim, suas caractersticas e movimentos lhe conferem uma funo de
representatividade.
Destaca-se ainda, neste processo, o instrumento patrimnio cultural, pois
retrata [...] a sntese da diversidade que caracteriza a prpria cidade (FUNARI,
PELEGRINI, 2006, p.29).
40
O patrimnio cultural pode ser aquele referente a bens materiais transmitidos a
herdeiros; sejam eles de valor econmico ou emocional; ou tambm pode ser o
patrimnio espiritual, aquele constitudo de componentes como lies de vida e
ensinamentos deixados pelos antepassados (FUNARI, 2006, p.8). Porm, no caso
da religio, que compreende um patrimnio imaterial, h todo um processo
individual de escolha, onde demonstrada sua posio no lcus, sua ligao com
o universo sagrado e sua relao com a f, e, simultaneamente constitui [...] uma
experincia individual e coletiva (ROSENDAHL, 2003, p.193).
A anlise geogrfica de estudos vinculados a questes religiosas parte de trs
linhas de pesquisa: 1) a que estuda os aspectos geogrfico-sociais, 2) a que
estuda os aspectos teolgicos, 3) a que estuda os aspectos especficos religiosos
- geogrficos - interdisciplinares, sendo que esta ltima considera a relao entre
o ambiente e a religio, de forma a mostrar a influncia que a religio exerce sobre
as pessoas e sobre sua cultura (ROSENDAHL, 1996, p.14-16). A religio,
enquanto patrimnio espiritual necessita ainda do entendimento de trs objetos: o
espao sagrado, o imaginrio e o tempo sagrado.
O espao sagrado define o (s) local (is) de ocorrncia de experincias com o
plano imaterial, ou seja, um [...] campo de fora e de valores que eleva o homem
religioso acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto daquele no
qual transcorre sua existncia (ROSENDAHL, 1997, p.122).
Este espao pode ser individual ou coletivo, afastado ou central, porm,
destinando-se sempre a ser um espao [...] onde a convivncia ritualizada como
nas festas religiosas ou populares (CASTRO, 1997, p.175), e que tem na
proxemia37 um conceito fundamental. Segundo a autora, este ambiente pode
servir como marco histrico de saudosismo e lembranas, de relaes entre os
indivduos e entre eles e suas crenas, e ainda, suas relaes com o ambiente
natural partilhado com os demais.
J o imaginrio constitui uma [...] fora atuante da idia e da representao
mental da imagem (CASTRO, 1997, p.167). Pode-se dizer que nele h toda uma
37 Segundo Castro (1997, p.175), este conceito remete s historias vividas no diaa-dia, a situaes imperceptveis que constituem a trama comunitria, a trama da relao inter individual, mas tambm aquele sentimento que liga o homem ao territrio.
41
liberdade de pensamentos, ligando o indivduo, no caso em questo, ao sagrado.
Nesta abordagem, condensaria o simbolismo das aes dos indivduos, tanto no
tempo como no espao.
possvel, pois, propor que todo imaginrio social, da mesma forma que possui um forte componente poltico, possui tambm um forte componente espacial pelo poder simblico atribudo aos objetos geogrficos, naturais ou construdos, que esto em relao direta com a existncia humana (CASTRO, 1997, p.177).
O imaginrio possui componentes tanto polticos como espaciais; ambos
vinculados a um poder sagrado, onde a ressonncia com os indivduos se d
atravs dos objetos geogrficos, naturais ou construdos e que, ao fazerem parte
do cotidiano e adquirirem valores simblicos, tornam-se representaes dos
indivduos ou das coletividades.
[...] os objetos geogrficos fazem parte do cotidiano individual e coletivo, participam da prtica social que lhes confere valor simblico. A natureza - praias, rios, montanhas, florestas, campos, plancies etc. e as construes ruas, praas, monumentos, bairros, quarteires, cidades transformam-se em imagens, caminhos e representaes da alma coletiva (CASTRO, op.cit, p.178).
O tempo sagrado [...] por sua prpria natureza reversvel, no sentido em que
constitui um tempo mtico primordial tornado presente (ELIADE, 1999, p.63).
Nele, as festividades esto vinculadas ao tempo necessrio e a durao do
evento, que muitas vezes a repetio de um ato que j foi realizado em algum
lugar, num passado mtico e que com isso, gera a necessidade de uma renovao
a cada ano, de forma a haver inteno de renovao de votos. Sua realizao
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ocorre atravs de um exerccio de f e de crena e na maioria das vezes, utiliza o
espao sagrado como lcus deste exerccio temporal.
Neste contexto de fundamental importncia a existncia do homem religioso,
aquele indivduo que acredita na materialidade e imaterialidade da religio e na
necessidade de sua existncia e continuidade. Consequentemente, o homem
religioso apresenta padres de comportamento e aes pertinentes sua crena,
e pelo temor e obedincia, se disciplina. medida que se comporta com
responsabilidade, sente-se mais parecido com as divindades. Seja qual for o
contexto histrico em que se encontra,
[...] o homo religiosus acredita sempre que existe uma realidade absoluta, o sagrado, que transcende este mundo, que aqui se manifesta, santificando-o e tornando-o real. Cr, alm disso, que a vida tem uma origem sagrada e que a existncia humana atualiza todas as suas potencialidades na medida em que religiosa, ou seja, participa da realidade (ELIADE, 1999, p.164).
Assim como o espao sagrado relacionado presena das divindades, o
espao profano, seu oposto, no encontra ressonncia neste mbito. De acordo
com Eliade apud Rosendahl (1996, p.29), na representao deste espao no
ocorrem orientaes, no h centralizao de idias e ideais, no existem regras
nem figuras mticas nas quais se espelha. O que existe so apenas [...] lugares
mais ou menos neutros onde o homem se movimenta (ROSENDAHL, 1996,
p.31).
Tanto o espao sagrado como o espao profano co-existem no mesmo
ambiente fsico e encontram-se vinculados. O limite entre os dois a ligao que
se faz com o divino.
Dentre destes contextos diferenciados, as paisagens culturais so formadas,
tornando-se lugares topoflicos ou topofbicos, mas que representam a identidade
de seus indivduos, esttica e intrinsecamente definida por sua cultura.
43
2.3 Desenvolvimento rural sustentvel
Desenvolvimento sustentvel significa atender s necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das geraes futuras de atender suas prprias necessidades (COMISSO MUNDIAL PARA O MEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO CMMAD, 1988, p.28).
O conceito de desenvolvimento sustentvel nasce nos anos 70, na
Conferncia Mundial sobre Meio Ambiente, a partir da preocupao em se buscar
alternativas de crescimento econmico eqitativo e sustentvel, aliadas a uma
sustentabilidade ecolgica, principalmente em funo do processo de
desenvolvimento industrial que abarcava todo o globo, pois At este momento,
por desenvolvimento sustentvel, se entendia fundamentalmente um processo
econmico contnuo de longo prazo (ROMEIRO, 1998, p.256-257).
Desde ento, ao longo de mais de vinte anos, ocorrem encontros e
conferncias (ECO-92, Rio + 10, entre outras) e, conseqentemente, a elaborao
de documentos como a Agenda 21, que compreende uma carta com princpios
sustentveis; o Relatrio Brundtland, onde efetivamente nasce o conceito de
desenvolvimento sustentvel como aquele que satisfaz as necessidades do
presente sem comprometer a capacidade de as futuras geraes satisfazerem
suas prprias necessidades38; ou o Protocolo de Kyoto, que busca solues
eficazes para se reduzir a emisso de poluentes que afetam a camada de oznio.
No Brasil, esta conscincia ecolgica no meio rural tem crescido de maneira
lenta e gradual, mesmo porque, o processo de modernizao agrcola no atingiu
a totalidade de produtores do campo e, por isso, talvez a mais difcil das tarefas
neste segmento econmico seja a realizao de um desenvolvimento sustentvel,
que procure unir utilizao conservao, sem degradao.
38 http://www.ambientebrasil.com.br/gestao/artigos/sustentavel.html
44
Nesta busca, a ecologia profunda39, que consiste uma cincia de abordagem
sistmica, exige mudanas na percepo das relaes entre o homem e o meio
ambiente, e parte da observao da realidade atravs de uma conscincia de
unio, juno entre os elementos, suas manifestaes e os ciclos de mudana e
transformao. A ecologia profunda entra como suporte para ampliar a
compreenso e utilizao de prticas conservacionistas, j que a agricultura a
base essencial para o desenvolvimento sustentvel nas reas rurais, seja devido
utilizao de prticas e saberes tradicionais, seja em funo de uma graduao e
por que no dizer hierarquia, definida pelos nveis de produo, que iriam desde a
agricultura camponesa ou familiar, at a agricultura capitalista (CAPRA, 1997,
p.403).
O desenvolvimento sustentvel no meio rural deve levar em conta a economia
local, o territrio, a preservao da paisagem e da identidade cultural, a defesa
dos solos agrcolas contra a degradao e expanso urbana, a preocupao com
a descaracterizao da paisagem e a elaborao e efetivao de polticas pblicas
que garantam a consolidao de um novo meio rural. Dentro das vrias linhas
tericas sobre o desenvolvimento sustentvel, esta pesquisa utiliza aquelas mais
afins ao estudo.
De acordo com Sachs (2002, p.71), o termo sustentvel geralmente utilizado
para [...] expressar a sustentabilidade ambiental, e na prtica, utiliza conceitos
voltados conservao das espcies (animais, vegetais e o homem), utilizao
racional dos recursos (fsicos, ambientais, econmicos e sociais) e necessidade
de melhorias na qualidade de vida do ser humano. Ainda ao termo sustentvel
esto vinculadas outras dimenses, sendo elas a social, a cultural, a ambiental, a
territorial, a econmica, a poltica e a do sistema internacional para manter a paz.
Segundo Navarro (2001, p.7) o conceito de desenvolvimento sustentvel foi
adquirindo nova roupagem ao longo do tempo. Comeou como desenvolvimento
agrcola, ou seja, aquele que analisa questes exclusivamente referentes
produo, e evoluiu para o conceito de desenvolvimento rural, aquele que
39 No cabe nesta pesquisa aprofundamentos deste tema principalmente pela sua magnitude; cabe apenas saber, de forma superficial e introdutria, suas principais diretrizes.
45
apresenta uma [...] ao previamente articulada que ind
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