7/27/2019 Fichamento - Vigiar e Punir - II e III Parte
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Terceira Parte
DISCIPLINA
Captulo I
OS CORPOS DCEIS
Eis como ainda no incio do sculo XVII se descrevia a figura ideal do soldado. Os oldado antes de tudo algum que se reconhece de longe; que leva os sinais naturais de seu vigor ecoragem, as marcas tambm de seu orgulho: seu corpo o braso de sua fora e de suavalentia; e se verdade que deve aprender aos poucos o ofcio das armas essencialmentelutandoas manobras como a marcha, as atitudes como o porte da cabea se originam, em
boa parte, de uma retrica corporal da honra: Os sinais para reconhecer os mais idneos paraesse ofcio so a atitude viva e alerta, a cabea direita, o estmago levantado, os ombroslargos, os braos longos, os dedos fortes, o ventre pequeno, as coxas grossas, as pernas finas eos ps secos, pois o homem desse tipo no poderia deixar de ser gil e forte: [tornado lanceiro,o soldado] dever ao marchar tomar a cadncia do passos para ter o mximo de graa egravidade que for possvel, pois a Lana uma arma honrada e merece ser levada com um
porte grave e audaz. (p.131)
Encontraramos facilmente sinais dessa grande ateno dedicada ento ao corpo- ao corpo
que se manipula, modela-se, treina-se, que obedece, responde, torna-se hbil ou cujas foras
se multiplicam. O grande livro do Homem-mquina foi escrito simultaneamente em dois
registros: no antomo-metafsico, cujas primeiras pginas haviam sido escritas por Descartes
e que os mdicos, os filsofos continuam; outro, tcnico-poltico, constitudo por um conjunto
de regulamentos militares, escolares, hospitalares e por processos empricos e refletidos para
controlar ou corrigir as operaes do corpo. (p.132)
Forma- se ento uma poltica das coeres que so um trabalho sobre o corpo, uma
manipulao calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. (p.133)
O momento histrico das disciplinas o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que
visa no unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeio, mas a
formao de uma relao que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto mais
til, e inversamente. Formase ento uma poltica das coeres que so um trabalho sobre o corpo,
uma manipulao calculada de seus lementos, de seus gestos, de seus comportamentos (p. 133)
Mas como uma multiplicidade de processos muitas vezes mnimos. De origens diferentes, delocalizaes esparsas, que se recordam, se repetem, ou se imitem, apoiam-se uns sobre os
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outros, distinguem-se seguindo seu campo de aplicao, entram em convergncia e esboam
aos poucos a fechada de um mtodo geral. (p.134)
Aqueles que cuidam dos detalhes muitas vezes parecem espritos tacanhos, entretanto estaparte essencial, porque ela o fundamento, e impossvel levantar qualquer edifcio ouestabelecer qualquer mtodo sem ter os princpios. No basta ter o gosto pela arquitetura. preciso conhecer a arte de talhar pedras.(p. 135)
(...) Para o homem disciplinado, como para o verdadeiro crente, nenhum detalhe
indiferente, mas menos pelo sentido que nele se esconde que pela entrada que a encontra o
poder que quer apanh-lo. (p.135)
(...) pra controle e utilizao dos homens, sobem atravs da Era Clssica, levando consigo
todo um conjunto de tcnicas, todo um corpo de processos e de saber, de descries, dereceitas e dados. E desses esmiuamentos, sem duvida, nasceu o homem do humanismo
moderno. (p.136)
A arte das distribuies
A disciplina procede em primeiro lugar distribuio dos indivduos no espao. (p.137)
A disciplina s vezes exige a cerca, a especificao de um local heterogneo a todos osoutros e fechado em si mesmo. Local protegido da monotonia disciplinar. Houve o grandeencarceramento dos vagabundos e dos miserveis; houve outros mais discretos, masinsidiosos e eficientes. (p. 137)
Solido necessria do corpo e da alma, dizia um certo ascetismo: eles devem, ao menos pormomentos, defrontar-se a ss com a teno e talvez com a severidade de Deus. (p.138)
(...) todo indivduo tratado inscrito num registro que o mdico deve consultar durante a
visita; mais tarde viro o isolamento dos contagiosos, os leitos separados. (p.139)
Nas fbricas que aparecem no fim do sculo XVIII, o principio do quadriculamento
individualizante se complica. Importa distribuir os indivduos num espao onde se possa
isol-los; mas tambm articular essa distribuio sobre um aparelho de produo que tem suas
exigncias prprias. (p.139-140)
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(...) seu comportamento ocupa ora uma fila, ora outra; ele se desloca o tempo todo numa
srie de casas; umas ideais, que marcam uma hierarquia do saber ou das capacidades, outras
devendo traduzir materialmente no espao da classe ou colgio essa repartio de valores ou
dos mritos. (p.141)
So espaos que realizam a fixao e permitem a circulao; recortam segmentos individuais
e estabelecem ligaes operarias; marcam lugares e indicam valores; garantem a obedincia
dos individuo, mas tambm uma melhor economia do tempo e dos gestos. (p.142)
Haver em todas as salas de aula lugares determinados para todos os escolares de todas as
classes, de maneira que todos os da mesma classe sejam colocados num mesmo lugar e
sempre fixo. Os escolares das lies mais adiantadas sero colocados nos bancos maisprximos da parede e em seguida os outros segundo a ordem das lies avanando para o
meio da sala... Cada um dos alunos ter seu lugar marcado e nenhum o deixar nem trocar
sem a ordem e o consentimento do inspetor das escolas. [Ser preciso fazer com que] aqueles
cujos pais so negligentes e tm piolhos fiquem separados dos que so limpos e no os tm;
que um escolar leviano e distrado seja colocado entre dois bem comportados e ajuizados, que
o libertino ou fique sozinho ou entre dois piedosos. (p. 142)
Mas sob a forma de repartio disciplinar, a colocao em quadro tem por funo, aocontrrio, tratar a multiplicidade por si mesma, distribu-la e dela tirar o maior nmero
possvel de efeitos. Enquanto a taxinomia natural se situa sobre o eixo que vai do carter categoria, a ttica disciplinar se situa sobre o eixo que liga o singular e o mltiplo. Ela
permite ao mesmo tempo a caracterizao do indivduo como indivduo, e a colocao emordem de uma multiplicidade dada. Ela a condio primeira para o controle e o uso deum conjunto de elementos distintos: a base para uma microfsica de um poder que
poderamos chamar celular. (p.143-144)
O controle da atividade
O horrio: uma velha herana. As comunidades monsticas haviam sem dvidasugerido seu modelo estrito. Ele se difundiria rapidamente. Seus trs grandes processosestabelecer as cesuras, obrigar a ocupaes determinadas, regulamentar os ciclos derepetio muito cedo foram encontrados nos colgios, nas oficinas, nos hospitais.Dentro dos antigos esquemas, as novas disciplinas no tiveram dificuldade para seabrigar; as casas de educao e os estabelecimentos de assistncia prolongavam a vida e a
regularidade dos conventos de que muitas vezes eram anexos. (p. 144)
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(...) um tempo sem impureza nem defeito, um tempo de boa qualidade, e durante todo seu
transcurso o corpo deve ficar aplicado a seu exerccio. (p.145)
A elaborao temporal do ato: vejamos duas maneiras de controlar a marcha de umatropa. Comeo do sculo XVII:Acostumar os soldados a marchar por fila ou em batalho, amarchar na cadncia do tambor. E, para isso, comear com o p direito a fim de que toda a tropaesteja levantando o mesmo p ao mesmo tempo. (p.146)
Um corpo disciplinado a base de um gesto eficiente. (p.147)
Donde o corpo e o gesto postos em correlao: o controle disciplinar no consistesimplesmente em ensinar ou impor uma srie de gestos definidos; impe a melhor relaoentre um gesto e a atitude global do corpo, que sua condio de eficcia e de rapidez. No
bom emprego do corpo, que permite um bom emprego do tempo, nada deve ficar ocioso
ou intil: tudo deve ser chamado a formar o suporte do ato requerido. Um corpo bemdisciplinado forma o contexto de realizao do mnimo gesto. Uma boa caligrafia, porexemplo, supe uma ginsticauma rotina cujo rigoroso cdigo abrange o corpo porinteiro, da ponta do p extremidade do indicador. (p.147)
(...)perder um tempo que contado por Deus e pago pelos homem; o horrio devia conjurar
o perigo de desperdiar tempo- erro moral e desonestidade econmico. J a disciplina
organiza uma economia positiva; coloca o princpio de uma utilizao teoricamente sempre
crescente do tempo (...) (p.148)
(...) quanto mais se multiplicam suas subdivises, quanto melhor o desarticulamos
desdobrando seus elementos internos sob um olhar que os controla, mais esto se pode
acelerar uma operao, ou pelo menos regul-la segundo um rendimento timo de
velocidade. (p.149)
A organizao das gneses(...) segundo um esquema analtico- sucesso de elementos to simples quanto possvel,
combinando-se segundo uma complexidade crescente. (p.152)
Estabelecer srie de srie; prescrever a cada um, de acordo com seu nvel, sua antiguidade,
seu posto, os exerccios que lhe convm (...) (p.153)
A composio das foras
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Sua coragem ou fora no so mais as variveis principais que o definem; mas o lugar que
ele ocupa o intervalo que cobre a regularidade, a boa ordem segundo as quais opera seus
deslocamentos. (p.158)
O tempo de uns se deve ajustar ao tempo de outros de maneira que se possa extrair a mxima
quantidade de foras de cada um e combin-la num resultado timo. (p.158)
Da mesma maneira nas grandes oficinas se apela para as crianas e os velhos; pois eles tm
certas capacidades elementares para as quais no necessrio utilizar operrios que tm vrias
outras aptides; alm disso, constituem mo de obra barata: enfim, se trabalham, no so
dependentes de ningum. (p.159)
O aluno dever aprender o cdigo dos sinais e atender automaticamente a cada um deles.
Feita a orao, o mestre dar uma pancada de sinal, olhando a criana que
quer mandar ler, far-lhe- sinal de comear. Para fazer o que est lendo, dar uma pancada de
sinal... Para fazer sinal ao que est lendo de se corrigir, quando pronunciou mal uma letra,
uma slaba ou uma palavra, dar duas pancadas sucessivamente e seguidas, se, aps se ter
corrigido, ele no recomea na palavra que pronunciou mal, porque leu vrias depois dela, o
mestre dar trs pancadas sucessivamente uma em seguida da outra para lhe fazer sinal derecuar de algumas palavras e continuar a fazer esse sinal, at o escolar chegar silaba ou
palavra que pronunciou mal.(p.160)
(...)h tambm um sonho militar da sociedade; sua referncia fundamental era no ao estado
de natureza, mas s engrenagens cuidadosamente subordinadas de uma mquina, no ao
contrato primitivo, mas s coeres permanentes, no aos diretos fundamentais, mas aos
treinamentos indefinidamente progressivos, no vontade geral, mas docilidade
automtica. (p.162)
Captulo II
OS RECURSOS PARA O BOM ADESTRAMENTO
A vigilncia hierrquica
Durante muito tempo encontraremos no urbanismo, na construo das cidades operrias, dos
hospitais, dos asilos, das prises, das casas de educao, esse modelo do acampamento oupelo menos o princpio que o sustenta: o encaixamento espacial das vigilncias
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hierarquizadas. Princpio do encastramento. O acampamento foi para a cincias pouca
confessvel das vigilncias o que a cmera escura foi para a grande cincia da tica.(p.165-
166)
Como a escola-edifcio deve ser um operador de adestramento. Fora uma mquina
pedaggica que Pris-Duverney concebera na Escola militar e at nos mnimos detalhes que
ele impusera a Gabriel. Adestrar corpos vigorosos, imperativo de sade; obter oficialmente
competentes, imperativo de qualificao; forma militares obedientes, imperativo poltico;
prevenir a devassido e a homossexualidade, imperativo de moralidade. (p.166)
Um ponto central seria ao mesmo tempo fonte de luz que iluminasse todas as coisas, e lugar
de convergncia para tudo o que deve ser sabido: olho perfeito a que nada escapa e centro emdireo ao qual todos os olhares convergem. (p.167)
O poder disciplinar, graas a ela, torna-se um sistema integrado, ligado do interior
economia e aos fins do dispositivo onde exercido. (p.170)
A sano normatizadora
passvel de pena o campo indefinido do no conforme: o soldado comete uma falta cada
vez que no atinge o nvel requerido; a falta do aluno , assim como um delito menor, uma
inaptido a cumprir suas tarefas. (p.172)
(...)em vez da simples separao do proibido, como feito pela justia penal, temos uma
distribuio entre polo positivo e polo negativo; todo o comportamento cai no campo das boas
e das ms notas, dos bons e dos maus pontos. (p.173)
(...) Medir em termos quantitativos e hierarquizar em termos de valor as capacidades, o nvel,
a natureza dos indivduos. (p.176)
O exame
Estabelece sobre os indivduos uma visibilidade atravs da qual eles so diferenciados e
sancionados. por isso que, em todos os dispositivos de disciplina, o exame altamente
ritualizado. (p.177)
(...) O exame permite ao mestre, ao mesmo tempo em que transmite seu saber, levantar um
campo de conhecimento sobre seus alunos. (...) o exame na escola uma verdadeira e
constante troca de saberes: garantindo e reservando ao mestre. (179)
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Em muitos pontos, modela-se pelos mtodos tradicionais da documentao administrativa.
(p.181)
(...) um conjunto de circunstncias que qualificam um ato e podem modificar a aplicao deuma regra, o individuo tal com pode ser descrito, mensurado, medido, comparado a outros e
isso em sua prpria individualidade; e tambm o individuo que tem que ser treinado ou
retreinado, tem que ser classificado, normalizado, excludo, etc. (p.183)
(...) a criana, o doente, o louco, o condenado se tornaro, cada vez mais facilmente a partir
do sculo XVIII e segundo um via que a dos mecanismos de disciplina, objeto de descries
individuais e de relatos biogrficos. (p.183)
Captulo III
O PANOPTISMO
(...) Atrs dos dispositivos disciplinares se l o terror dos contgio, da peste, da revoltas,
dos crimes, da vagabundagem, das deseres, das pessoas que aparecem e desaparecem,
vivem e morrem na desordem. (p.188)
(...) o asilo psiquitrico, a penitenciria, a casa de correo, o estabelecimento de educaovigiada, e por um lado os hospitais, que um modo geral todas as instncias de controle
individual funcional num duplo modo: o da diviso binria e da marcao (louco-no louco;
perigoso-inofensivo; normal- anormal); e o da determinao coercitiva, da repartio
diferencial. (p. 189)
Um sujeio real nasce mecanicamente de uma relao fictcia. De modo que no
necessrio recorrer fora para obrigar o condenado ao bom comportamento, o louco
calma, o operrio ao trabalho, o escolar aplicao, o doente observncia das receitas.(p.192)
(...) A mquina de ver uma espcie de cmera escura em que se espionam os indivduos;
ela se torna um edifcio transparente o exerccio do poder controlvel pela sociedade
inteira. (p.196)
(...) O panoptismo o principio geral de uma nova anatomia poltica cujo objeto e fim no
so a relao de soberania, mas as relaes de disciplina. (p.197)
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(...) Funo complexa, pois une o poder absoluto do monarca s mnimas instncias de
poder disseminadas na sociedade; pois, entre essas diversas instituies fechadas de disciplina
( oficinas, exerccios, escolas), entende uma rede no disciplinares; mas que ela recobre, liga
entre si, garante com sua fora armada:disciplina intersticial e metadisciplina. O soberano,
com uma poltica disciplinada, acostuma o povo ordem e obedincia. (p.203)
(...) no teria sido possvel resolver o problema da acumulao de homens sem o
crescimento de um aparelho de produo capaz ao mesmo tempo de mant-los e de utiliz-
los; inversamente, as tcnicas que tornam til a multiplicidade cumulativa de homens
aceleram o movimento de acumulao de capital. (p.208)
A pirmide disciplinar constituiu a pequena clula de poder no interior da qual a separao,a coordenao, e o controle das tarefas foram impostos e se tornaram eficazes: e o
quadriculamento analtico de tempo, dos gestos, das foras dos corpos, constituiu um
esquema operatrio que pde facilmente ser transferido dos grupos a submeter para os
mecanismos da produo; a projeo macia dos mtodos militares sobre a organizao
industrial foi um exemplo dessa modelao da diviso do trabalho a partir do esquema de
poder. (p.208)
(...) Duplo processo, portanto: arrancada epistemolgica a partir de um afinamento das
relaes de poder; multiplicao dos efeitos de poder graas formao e acumulao de
novos conhecimentos. (p.211)
(...) O inqurito era o poder soberano que se arrogava o direito de estabelecer a verdade por
meio de um certo nmero de tcnicas regulamentadas. (p.212)
Quarta parte
Priso
Captulo I
INSTITUIES COMPLETAS E AUSTERAS
(...) A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivduos dceis e teis, por meio de
um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituio-priso, antes que a lei a definisse
como a pena por excelncia. (p.217)
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(...) Uma coisa, com efeito, clara: a priso no foi primeiro uma privao de liberdade e
que se teria dado em seguida uma funo tcnica de correo; ela foi desde o inicio uma
deteno legal encarregada de um suplemento corretivo, ou ainda uma empresa de
modificao dos indivduos que a privao de liberdade permite fazer funcionar no sistema
legal. (p.219)
(...) Em torno da instituio carcerria, toda uma prolixidade, todo um zelo. A priso, regio
sombria e abandonada? O simples fato de que no pare de diz-lo h cerca de dois sculos
prova que ela no o era? Ao se tornar punio legal, ela carregou a velha questo jurdico-
poltico do direito de punir com todos os problemas, todas as agitaes que surgiram em torno
das tecnologias corretivas do indivduo. (p.221)
No isolamento absoluto- como em Filadlfia- no se pede a requalificao do criminoso e
com aquilo que pode ilumin-lo dentro. (p.224)
Mas uma necessidade que justamente no aquela de que falavam os reformadores do
sculo XVIII, quando queriam fazer da priso ou um exemplo para o pblico, ou uma
reparao til para a sociedade. (p.226)
A priso no uma oficina; ela , ela tem que ser em si mesma uma mquina de que osdetentos-operrios so ao mesmo tempo as engrenagens e os produtos (...) (p.229)
(...) no a partir do individuo-infrator, sujeito jurdico de seu ato, autor responsvel do
delito, mas a partir do individuo punido, objeto de uma matria controlada de transformao,
o individuo em deteno inserido no aparelho carcerrio, modificado por este ou a ele
reagindo. (p.231)
(...) A margem pela qual a priso excede a deteno preenchida de fato por tcnicas tipo
disciplina. (p.234)
(...) preciso que o prisioneiro possa ser mantido sob um olhar permanente; preciso que
sejam registradas e contabilizadas todas as anotaes que se possa tomar sobre eles. (p.235)
Esta exigncia de saber no se insere, em primeira instncia, no prprio ato jurdico, para
melhor fundamentar a sentena e determinar na verdade a medida da culpa. como
condenado, e a ttulo de ponto de aplicao de mecanismo punitivo, que o infrator se constitui
como objeto de saber possvel. (p.238)
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. A operao penitenciria, para ser uma verdadeira reeducao, deve totalizar a existncia
do delinquente, tornar a priso um espcie de teatro artificial e coercitivo onde preciso
refaz-la totalmente. O castigo legal se refere a um ato; a tcnica punitiva a uma vida; cabe-
lhe por conseguinte reconstituir o nfimo e o pior na forma do saber; cabe-lhe modificar seus
efeitos ou preencher suas lacunas, atravs de uma prtica coercitiva. (p.238)
(...) medida que a biografia do criminoso acompanha na prtica penal a anlise das
circunstncias, quando se trata de medir o crime, vemos os discursos penal e psiquitrico
confundirem suas fronteiras; e ai, em seu ponto de juno, forma-se aquela noo de
indivduo perigoso que permiti estabelecer uma rede de causalidade na escala de uma
biografia inteira e estabelecer um veredicto de punio-correo. (p.239)
.O tema de uma sociedade punitiva e de uma semiotcnica geral da punio que sustentou
os cdigos ideolgicos- beccarianos ou benthamianos- no fazia apelo ao uso universal da
priso. (p.242)
Captulo II
ILEGALIDADE E DELINQUENCIA
Uma carruagem concebida como priso ambulante. Um equivalente mvel do Panptico,
dividido em todo o comprimento por um corredor central: de um lado e de outro, seis celas
onde os detentos esto sentados de frente. (p.249)
(...) o estabelecimento de uma penalidade de determinao, depois o registro de seu fracasso;
depois a lenta subida dos projetos de reforma, que chegariam definio mais ou menos
coerente de tcnica penitenciria; depois a implantao desse projeto; enfim a constatao de
seus sucessos ou fracassos. (p.251)
(...) H um sculo e meio que a priso vem sempre sendo dada como seu prprio remdio; a
reativao das tcnicas penitenciarias como a nica maneira de reparar seu fracasso
permanente; a realizao do projeto corretivo como o nico mtodo para superar a
impossibilidade de torn-lo realidade. (p.255)
(...) se o principio da deteno penal nunca foi seriamente questionado, sem dvida porque
esse sistema carcerrio se enraizava em profundidade e exercia funes precisas. (p.257)
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(...) Que os criminosos, que antigamente eram encontrados em todas as classes sociais, saem
agora quase todos da ltima fileira da ordem social; que nove dcimos de matadores, de
assassinos, de ladres e de covardes procedem do que chamamos a base social. (p.261)
(...) O sucesso da priso: nas lutas em torno da lei e das ilegalidades, especificar uma
delinquncia. Vimos como o sistema carcerrio substituiu o infrator pelo delinquente . E
afixou tambm sobre a prtica jurdica todo um horizonte de conhecimento possvel. (p.263)
(...) A justia criminal desempenha o papel de cauo legal e princpio de transmisso.
(p.267)
(...) Hostilidade aos delinquentes sem dvida; mas batalha em torno da penalidade. Os
jornais populares propem muitas vezes uma anlise poltica da criminalidade que se ope
termo por termo descrio familiar dos filantropos (pobreza dissipao preguia -
bebedeiravcio -roubo - crime). (p.272)
Captulo III
O CARCERRIO
(...) A prtica que normaliza fora o comportamento dos indisciplinados ou dos perigospode ser por sua vez normalizada por uma elaborao tcnica e uma reflexo racional.
(p.280)
(...) Mas os controles de normalidade eram, por sua vez, fortemente enquadrado por uma
medicina ou uma psiquiatria que lhes garantiam uma forma de cientificidade; estavam
apoiadas num aparelho judicirio que, de maneira direita ou indireta, trazia-lhes sua cauo
legal. (p.281)
(...) O encarceramento com seus mecanismos de vigilncia e punio funciona, ao contrrio,
segundo um principio de relativa continuidade. (p.283)
(...) No admira, pois, que, numa proporo considervel, a biografia dos condenados passe
por todos esses mecanismos e estabelecimento dos quais fingimos crer que se destinavam a
evitar a priso. (p.285)
(...) O carcerrio, com toda sua gama de punies que se estende dos trabalhos forados ou
da recluso criminal at aos enquadramentos difusos e leves, comunica um tipo de poder que
a lei valida e que a justia usa como sua arma preferida. (p.286)
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(...) E sem dvida pelo lado da teoria do contrato que se deve procurar a resposta. Mas
deve-se tambm e talvez sobretudo fazer a pergunta contrria: como se fez para que as
pessoas aceitassem o poder de punir, ou simplesmente, sendo punidos, tolerassem s-lo.
(p.287)
(...) A rede carcerria constitui uma das armaduras desse poder-saber que tornou
historicamente possveis as cincias humanas. (p.288)
(...) Um fato caracterstico: quando se pretende modificar o regime de encarceramento, as
dificuldades no vm s da instituio judiciria; o que resiste no a priso-sano penal,
mas a priso com todas as suas determinaes, ligaes e efeitos extrajudicirios (...). (p.289)
(...) Que a priso no e filha das leis nem dos cdigos, nem do aparelho judicirio; que no
est subordinada ao tribunal como instrumento dcil e inadequado das sentenas que aquele
exara e dos efeitos que queria obter; que o tribunal que, em relao a ela, externo e
subordinado. (p.291)
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