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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
INFLUÊNCIA DE FATORES ABIÓTICOS NA DISTRIBUIÇÃO E ABUNDÂNCIA
DE FLEBOTOMÍNEOS (DIPTERA: PSYCHODIDAE) EM UMA UNIDADE DE
CONSERVAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA DO RIO GRANDE DO NORTE
MARCOS PAULO GOMES PINHEIRO
NATAL
2017
1
Marcos Paulo Gomes Pinheiro
INFLUÊNCIA DE FATORES ABIÓTICOS NA DISTRIBUIÇÃO E ABUNDÂNCIA DE
FLEBOTOMÍNEOS (DIPTERA: PSYCHODIDAE) EM UMA UNIDADE DE
CONSERVAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA DO RIO GRANDE DO NORTE
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Desenvolvimento e Meio
Ambiente, associação ampla em Rede, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Doutor.
Orientadora: Profa. Dra. Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes
2017
Natal-RN
2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Biociências - CB
Pinheiro, Marcos Paulo Gomes.
Influência de fatores abióticos na distribuição e abundância de
flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) em uma unidade de conservação
da mata atlântica do Rio Grande do Norte / Marcos Paulo Gomes Pinheiro. - Natal, 2017.
158 f.: il.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Biociências. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Orientadora: Profa. Dra. Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes.
1. Flebotomíneos - Tese. 2. Lutzomyia longipalpis - Tese. 3. Psychodopygus wellcomei - Tese. 4. Leishmanioses - Tese. 5. Mata
Atlântica - Tese. 6. Literatura de cordel - Tese. I. Ximenes,
Maria de Fátima Freire de Melo. II. Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. III. Título.
RN/UF/BSE-CB CDU 616.993.161
3
MARCOS PAULO GOMES PINHEIRO
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, associação
ampla em Rede, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor.
Aprovada em: 13/02/2017
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APRESENTAÇÃO
A Tese tem como título “Influência de fatores abióticos na distribuição e abundância
de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) em uma unidade de conservação da mata atlântica
do Rio Grande do Norte”, e, conforme padronização aprovada pelo colegiado do DDMA
local, se encontra composta por uma Introdução Geral (embasamento teórico e revisão
bibliográfica do conjunto da temática abordada, incluindo a identificação do problema da
Tese), uma Caracterização Geral da Área de Estudo, Metodologia Geral empregada para o
conjunto da obra, e por cinco Capítulos que correspondem a artigos científicos, sendo dois
capítulos/artigos já publicados (Capítulos 01 e 03). Todos os capítulos/artigos estão nos
formatos dos periódicos aos quais estão aceitos/publicados/submetidos e os endereços dos
sites onde constam as normas dos periódicos estão destacados em cada capítulo/artigo.
5
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho só se tornou possível graças à participação de muitos. Cada um, a
seu modo, contribuiu para sua realização. A eles meu sincero reconhecimento:
Ao Deus Criador, restaurador e mantenedor da vida;
À minha Orientadora, professora Fátima Ximenes;
Ao CNPq e à Capes pelo suporte financeiro e bolsa de doutorado;
À Coordenação e professores do Prodema/UFRN, especialmente à professora Eliza, e
aos Secretários David e Érica;
Aos professores Jeffrey J. Shaw, Patrícia Barbosa, Eliza Freire e Herbet Tadeu,
membros da banca examinadora;
Ao ICMBio e a Patrícia, chefe da Floresta Nacional de Nísia Floresta;
Aos vigilantes da Floresta Nacional de Nísia Floresta;
Aos professores de Entomologia Renata Antonaci e Ricardo Andreazze;
À minha esposa Paula;
Ao meus pais, Paulo e Luziana;
Às minhas irmãs Luciana e Lidiane;
Aos meus tios e tias;
Aos meus sogros, Djalma e Bastinha;
Aos amigos do Labent: Ayrton, Carlos, Cássio, Hannah, Hilário, Ivan, João, Joyce,
Juliana, Marcel, Maria, Patrícia, Paulo, Tamy e Virgínia;
A Iraci Duarte, da Secretaria Estadual de Saúde;
Ao senhor João e senhora Ana, moradores de Nísia Floresta;
À Secretaria Municipal de Educação de Nísia Floresta;
Aos Gestores, professores e alunos das escolas municipais de Nísia Floresta;
A Melque, diretor da Escola Municipal Leonor Bezerra, em Nísia Floresta;
A todos os professores, colegas, amigos e parentes que de alguma forma participaram.
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RESUMO
Influência de fatores abióticos na distribuição e abundância de flebotomíneos (Diptera:
Psychodidae) em uma unidade de conservação da mata atlântica do Rio Grande do
Norte
As leishmanioses são graves problemas de saúde pública no Brasil, causadas por protozoários
do gênero Leishmania transmitidos pelos flebotomíneos, pequenos insetos da ordem Diptera
cujas fêmeas são hematófagas. A leishmaniose visceral (LV) ou calazar, tem como principal
vetor nas Américas Lutzomyia longipalpis e Leishmania infantum como agente etiológico. No
Brasil, a Região Nordeste se destaca com a maior incidência de casos de LV, principalmente
entre as camadas mais desfavorecidas da sociedade. A leishmaniose tegumentar (LT) possui
diferentes vetores e agentes etiológicos em todo o país, tem ampla distribuição, e apesar da
menor gravidade, causa sérias lesões desfigurantes e incapacitantes em todas as regiões,
principalmente na região Norte. É relevante a introdução de estratégias de prevenção que
venham a modificar as ações humanas por meio da informação e sensibilização para o
problema, sendo a literatura de cordel um instrumento educativo que atrai por sua conotação
lúdica e informal, despertando a atenção das pessoas. O presente estudo buscou, portanto,
conhecer os flebotomíneos de uma Unidade de Conservação da Mata Atlântica e seu entorno,
bem como alguns fatores bióticos e abióticos relacionados à sua ocorrência, além de testar a
utilização do cordel como ferramenta informativa sobre o tema. O estudo aconteceu durante
três anos na área interna e externa da Floresta Nacional (Flona) de Nísia Floresta, localizada
no município de Nísia Floresta, região metropolitana de Natal, Rio Grande do Norte,
utilizando-se armadilhas Shannon e CDC. Foi produzido um cordel, em seu formato clássico,
intitulado “Um bebedor de sangue na terra do mandacaru - Peleja contra o calazar”, para
ações de educação em saúde com a população residente no entorno da Flona e com alunos de
escolas do município. Foram coletados e identificados 82.638 flebotomíneos das espécies
Evandromyia evandroi, Evandromyia lenti, Evandromyia walkeri, Evandromyia sallesi,
Lutzomyia longipalpis, Micropygomyia schreiberi, Nyssomyia intermedia, Nyssomyia
whitmani, Psathyromyia abonnenci, Psathyromyia brasiliensis, Psathyromyia shannoni,
Psychodopygus wellcomei e Sciopemyia sordellii. Os flebotomíneos foram mais abundantes
junto ao solo do ambiente silvestre, apesar de também serem abundantes junto às copas e no
peridomicílio rural. Evandromyia walkeri foi a espécie mais abundante, representando 76% de
todos os flebotomíneos coletados, sendo importante outras investigações acerca dessa espécie.
Lutzomyia longipalpis, E. evandroi e E. lenti demonstraram preferência pelos ambientes
antropizados. Esse estudo comprova a elevada antropofilia de P. wellcomei, que se mostra
ativo durante quase todo o dia no ambiente silvestre, bem como sua relação com os meses
chuvosos. Com base no conhecimento da bioecologia dos flebotomíneos vetores das
leishmanioses na área, espera-se que esse trabalho possa contribuir com estratégias de
prevenção e controle das leishmanioses no Nordeste.O cordel teve grande aceitação por parte
dos estudantes da EJA e a experiência demonstrou que esse pode ser um importante meio para
a disseminação de informações acerca da leishmaniose visceral, regionalizando as estratégias,
sensibilizando e divulgando um tema tão importante em saúde pública.
PALAVRAS-CHAVE: Flebotomíneos, Lutzomyia longipalpis, Psychodopygus wellcomei,
Leishmaniose visceral, Leishmaniose tegumentar, Mata Atlântica, Educação em saúde,
Literatura de cordel.
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ABSTRACT
Influence of abiotic factors on the distribution and abundance of sand flies (Diptera:
Psychodidae) in a Conservation Unit of the Atlantic Forest at Rio Grande do Norte state
Leishmaniasis is a serious public health problem in Brazil, caused by protozoa of the genus
Leishmania transmitted by sand flies, small insects of the order Diptera whose females are
hematophagous. The main vector of visceral leishmaniasis (VL), or kala-azar, in the Americas
is Lutzomyia longipalpis while Leishmania infantum is the etiological agent. In Brazil, the
Northeastern Region stands out with the highest incidence of VL cases, especially among the
most disadvantaged groups of society. Tegumentary leishmaniasis (TL) has different vectors
and etiological agents throughout the country, a wide distribution, and despite its lower
severity, it causes serious disfiguring and disabling lesions all over the country, especially in
the North Region. It is relevant to introduce prevention strategies, through information and
consciousness of the problem, in order to modify deleterious anthropic actions. Cordel folk
literature has proved to be an educational instrument with potential use to address this issue,
since it attracts by its playful and informal connotations and awakens the attention of people
of different age groups. This study aimed, therefore, to know the sand flies fauna at an
Atlantic Forest Conservation Unit and its surroundings, as well as some factors related to their
occurrence, in addition to testing the use of cordel literature as an informative tool on the
subject. The study took place over three years in the internal and external area of the Nísia
Floresta National Forest (Flona) located in the city of Nísia Floresta, metropolitan region of
Natal, Rio Grande do Norte, using Shannon and CDC traps. A cordel pamphlet in its classic
format was produced, entitled "A blood drinker in the land of mandacaru - fight against kala-
azar," for health educational activities among the population living in the vicinity of the Flona
and students. The use of the cordel was validated through questionnaires applied to students
of the Education of Young and Adults Program. The pamphlet approaches the transmission,
symptoms, treatment and prophylaxis of the disease. There were collected and identified
82,638 sand flies of the species Evandromyia evandroi, Evandromyia lenti, Evandromyia
walkeri, Evandromyia sallesi, Lutzomyia longipalpis, Micropygomyia schreiberi, Nyssomyia
intermedia, Nyssomyia whitmani, Psathyromyia abonnenci, Psathyromyia brasiliensis,
Psathyromyia shannoni, Psychodopygus wellcomei and Sciopemyia sordellii. Phlebotomines
were more abundant near the soil of the wild environment, although they were also abundant
near the canopy and in the rural peridomicille. L. walkeri was the most abundant species,
representing 76% of all sandflies collected, and other investigations about this species are
important. L. longipalpis, E. evandroi and E. lenti showed preference for anthropized
environments. This study confirms the high anthropophilic behavior of P. wellcomei, which is
active throughout the day in the wild, as well as its relationship with the rainy months. Based
on the knowledge of the bioecology of sand flies vectors of leishmaniasis in the study area, as
well as the factors involved in its occurrence, it is expected that this work may contribute to
strategies for the prevention and control of leishmaniasis in Northeastern Brazil. The cordel
literature was widely accepted by students and the experience has shown that this may be an
important way for dissemination of information about visceral leishmaniasis. It is also desired
that the regionalization of educational strategies through cordel literature can contribute to the
dissemination of knowledge, sensitizing the community and disseminating such an important
subject in public health.
KEY WORDS: Sand flies, Lutzomyia longipalpis, Psychodopygus wellcomei, visceral
leishmaniasis, kala-azar, cutaneous leishmaniasis, Atlantic Forest, health education, cordel
literature.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO GERAL .................................................................................................
9
CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ÁREA DE ESTUDO ...........................................
28
METODOLOGIA GERAL .............................................................................................
36
CAPÍTULO 01
Flebotomíneos (Diptera: Psychodidae), transmissores dos protozoários causadores das
leishmanioses, em uma Unidade de Conservação da Mata Atlântica do município de
Nísia Floresta, Rio Grande do Norte, Brasil .......................................................................
40
CAPÍTULO 02
Sazonalidade de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae), transmissores de Leishmania,
na área interna e externa de uma Unidade de Conservação de Mata Atlântica do
Nordeste do Brasil...............................................................................................................
63
CAPÍTULO 03
Antropofilia de Lutzomyia wellcomei (Diptera: Psychodidae) em uma unidade de
Conservação de Mata Atlântica do Nordeste do Brasil ......................................................
89
CAPÍTULO 04
Variação horária para atividade hematofágica de Lutzomyia wellcomei (Diptera:
Psychodidae) em um fragmento de Mata Atlântica da Região Metropolitana de Natal,
Rio Grande do Norte, Brasil ...............................................................................................
101
CAPÍTULO 05
A literatura de cordel como ferramenta na ampliação do conhecimento para a prevenção
da leishmaniose visceral......................................................................................................
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................
144
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................
146
APÊNDICE ....................................................................................................................... 157
9
INTRODUÇÃO GERAL
Muitas doenças podem ser entendidas além de um problema de saúde pública,
passando a ser um desafio importante, de cunho socioeconômico, e de grande influência,
especialmente em áreas menos desenvolvidas (BATISTA et al., 2001). Nesse contexto, as
parasitoses transmitidas por insetos vetores se constituem um grave problema no Brasil,
destacando-se as leishmanioses, que apresentam índices elevados no país (BRASIL, 2015).
As leishmanioses estão entre as principais doenças humanas cujos agentes causadores
são transmitidos por insetos (ROHOUSOVA; OZENSOY, 2005). São doenças de ampla
distribuição mundial presentes atualmente em cerca de 88 países de quatro continentes. Os
sintomas variam dependendo do agente etiológico, da resposta imune do hospedeiro e de
fatores ainda não esclarecidos (VOLF; HOSTOMSKA, 2008), sendo a infecção consequência
da interação entre o inseto vetor, o animal reservatório e o parasita, que no repasto é
inoculado no hospedeiro sadio (KILLICK-KENDRICK, 1990).
São doenças que ocorrem geralmente em áreas com condições socioeconômicas
precárias, e, portanto, acometem principalmente as camadas sociais mais desfavorecidas.
Consideradas entre as doenças mais negligenciadas do mundo, ocorrem principalmente em
países em desenvolvimento, nos quais 350 milhões de pessoas são consideradas em risco e 2
milhões de novos casos ocorrem anualmente (WHO, 2010). Está associada a má alimentação,
más condições de moradia, sistema imunológico enfraquecido, mudanças climáticas,
desmatamentos, urbanização desordenada, construção de barragens, estradas e hidrelétricas,
migração de populações e guerras (CARDIM et al., 2013; ALAWIEH et al. 2014).
As mudanças climáticas influenciam na expansão geográfica dos vetores, e,
consequentemente, na transmissão das várias formas de leishmaniose em todo o mundo
(PATZ et al., 2000). A devastação de áreas naturais, que incluem o habitat dos vetores, pode
causar a adaptação destes aos ambientes modificados, contribuindo para o aumento de casos
peridomésticos, periurbanos ou mesmo urbanos da doença (CAMPBELL-LENDRUM et al.,
2001, SARAIVA et al., 2012). Casos isolados ou mesmo surtos podem ainda acontecer
quando humanos entram em ambientes florestais para fins ocupacionais ou de lazer, ou
mesmo quando suas habitações passam a adentrar áreas silvestres (BERN et al., 2008).
As leishmanioses são das mais complexas doenças cujos insetos vetores estão
envolvidos na transmissão de seus agentes causadores (SHARMA; SINGH, 2008). Atingem
10
seres humanos e animais, e são causadas por protozoários do gênero Leishmania Ross, que,
dependendo da espécie, podem causar a leishmaniose tegumentar (LT) ou leishmaniose
visceral (LV), podendo ser assintomática ou se apresentar de forma grave (CDC, 2016). A LV
é conhecida popularmente como calazar, termo derivado de Kala-azar que significa “febre
negra” ou “febre mortal” na Índia, onde a doença pode apresentar escurecimento em partes do
corpo (WHO, 2010).
As leishmanias são transmitidas por insetos hematófagos da Ordem Diptera, os
flebotomíneos (Diptera: Psychodidae: Phlebotominae), também conhecidos como mosquito-
palha, flebótomo, cangalhinha, asa-dura, tatuquira ou birigui, que além de transmissores de
agentes causadores de LT e LV (YOUNG; DUNCAN, 1994), também podem atuar como
vetores de Vesiculovirus, vírus causadores da estomatite vesicular, entre outros arbovírus, e
bactérias do gênero Bartonella, que causam a doença de Carrión, também conhecida como
verruga peruana, e a febre das trincheiras, dentre outras (STEFANO et al., 2002; DANTAS et
al., 2006).
A primeira espécie de flebotomíneo foi descrita por Scopoli na Itália, em 1786, a atual
Phlebotomus papatasi (DEDET et al., 2003), e somente em 1907 Coquillett fez a primeira
descrição de espécies americanas, Flebotomus cruciatus e Flebotomus vexator
(COQUILLETT, 1907). No Brasil, as primeiras espécies foram descritas por Lutz e Neiva, em
1912, Phlebotomus longipalpis, Phlebotomus squamiventris e Phlebotomus intermedius. A
classificação de flebotomíneos mais recente é a de Galati, com 464 espécies neotropicais
pertencentes a 23 gêneros (GALATI, 2003a; 2003b).
Os flebotomíneos são insetos de pequeno porte, medem de dois a três milímetros, sua
coloração é de amarelada a marrom-escuro, são densamente pilosos, e apresentam as asas em
forma de ponta de lança, mantidas eretas quando em pouso.
São holometábolos, isto é, seu desenvolvimento compreende quatro fases: ovo, larva,
pupa e adulto (Figura 1). Após copularem, as fêmeas fazem a postura dos ovos em um
substrato com matéria orgânica úmida no solo, o que garante alimentação para as larvas. Após
a eclosão, as larvas se alimentam e desenvolvem, passando por quatro estádios, chegando à
fase de pupa, que fica imóvel no substrato, de onde finalmente emerge o flebotomíneo adulto
(BRAZIL; BRAZIL, 2003; BRASIL, 2014).
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Figura 1 - Ciclo evolutivo de Phlebotominae: Ovos (A), larva (B), pupa (C) e adulto (D).
Fonte: Autoria própria.
Os ovos dos flebotomíneos (Figura 2) podem medir, conforme a espécie, cerca de 300
a 500 micrômetros de comprimento por 70 a 150 micrômetros de largura. Possuem forma
ovóide ou elipsóide e são de coloração clara após a postura, passando a se tornar escuros
depois de algum tempo. Apesar de apresentarem certas ornamentações essa característica dos
ovos ainda não pode ser utilizada como meio seguro de identificação específica (WILLIAMS,
2000; XIMENES et al. 2001; BRAZIL; BRAZIL, 2003).
Figura 2 - Ovos de Phlebotominae.
Fonte: Autoria própria.
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Em condições de laboratório, uma fêmea realiza postura de 40 ovos em média, que
podem ser dispostos isoladamente ou em grupos, embora isso possa variar de acordo com a
espécie. Ximenes et al. (2001) obtiveram de 21 a 50 ovos por fêmea de E. evandroi em
condições de laboratório. Uma substância rica em ácido graxo produzida pelas glândulas
acessórias dá impermeabilização aos ovos e faz com que estes fiquem aderidos ao substrato
(WILLIAMS, 2000; BRAZIL; BRAZIL, 2003; BRASIL, 2014).
De 7 a 17 dias após a postura acontece geralmente a eclosão das larvas dos
flebotomíneos, que são claras e vermiformes (Figura 3). As larvas vivem no solo úmido e
sombreado, com abundante matéria orgânica animal e vegetal em decomposição, da qual se
alimentam após a eclosão. Alimentam-se também das cascas dos ovos e dos corpos dos
adultos mortos (FORATTINI, 1973; BRAZIL; FERRO et al., 1997; XIMENES et al. 2001;
BRAZIL, 2003).
As larvas são pequenas chegam a medir aproximadamente 12 milímetros, possuem
cabeça bem desenvolvida e mais escura que o restante do corpo, constituído de doze
segmentos, dos quais três são torácicos e nove abdominais. Na cabeça existem as antenas e as
peças bucais trituradoras e, no último segmento abdominal, observa-se um par de filamentos
no primeiro estádio e dois pares de filamentos nos seguintes estádios (YOUNG; DUNCAN,
1994; WILLIAMS, 2000; XIMENES et al. 2001; BRAZIL; BRAZIL, 2003; BRASIL, 2014)
(Figura 3).
Figura 3 - Larva de flebotomíneo Psathyromyia abonnenci.
Fonte: Autoria própria.
As pupas dos flebotomíneos (Figura 4) não se alimentam e são mais resistentes às
variações ambientais. Possuem 13 segmentos, sendo os quatro primeiros fundidos, formando
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o cefalotórax e, os outros nove, compondo o abdome. São inicialmente de cor clara, tornando-
se mais escura ao longo do tempo e conforme fica mais próximo o momento da emergência
do adulto que acontece dentro de 7 a 12 dias (YOUNG; DUNCAN, 1994; XIMENES et al.
2001; BRAZIL; BRAZIL, 2003).
Figura 4 - Pupa de flebotomíneo Psathyromyia abonnenci.
Fonte: Autoria própria.
Flebotomíneos adultos possuem grandes olhos compostos, de tamanho e aparência
semelhantes, além de longas antenas, palpos com cinco segmentos e peças bucais perfurantes
(Figura 5).
Figura 5 – Fotografia de cabeça de P. wellcomei em microscopia
eletrônica de varredura.
Fonte: PINHEIRO et al., 2013.
14
Observando-se o abdome, machos e fêmeas são facilmente distinguíveis (Figura 6). Os
machos possuem uma terminália (porção terminal do abdome), cuja função é a apreensão da
fêmea durante a cópula, formada por apêndices bastante desenvolvidos e ornamentados por
espinhos e cerdas de valor taxonômico, uma vez que variam em tamanho e forma nas
diferentes espécies. As fêmeas apresentam o abdome mais discreto, de aspecto curvo e
abaulado (BRAZIL; BRAZIL, 2003; WILLIAMS, 2000; AMENDOEIRA et al., 2012;
BRASIL, 2014) (Figura 6).
Figura 6 - Terminálias de flebotomíneos macho (A) e fêmea (B).
Fonte: Autoria própria.
Os flebotomíneos são bastante sensíveis ao ressecamento e costumam procurar abrigos
que os mantenham em uma mínima variação de temperatura e umidade. Assim, costumam se
proteger em diferentes ambientes como caules de árvores, tocas, folhiço, arbustos, copas de
árvores e arbustos, fendas em rochas, ou mesmo em abrigos de animais domésticos ou
domicílios de seres humanos onde também as fêmeas realizam o repasto sanguíneo (AGUIAR
et al., 1985; ALEXANDER et al., 1992; AZEVEDO et al., 1993; GOMES et al., 1980;
XIMENES et al., 1999).
No Brasil já foram catalogadas mais de 220 espécies de flebotomíneos (GALATI,
2003a), e apesar da maioria não ter importância comprovada em saúde pública, é provável
que o número de espécies vetoras seja subestimado (SHAW, 2002).
Além da hematofagia realizada apenas pelas fêmeas, flebotomíneos adultos, machos e
fêmeas, ingerem carboidratos para obtenção de energia vital (CAVALCANTE et al., 2006;
PINHEIRO et al., 2013). É relevante a relação entre a viabilidade da Leishmania e a
15
existência desses açúcares na alimentação dos flebotomíneos, o que pode ter importante
contribuição na transmissão, e ainda a possibilidade desses insetos estarem adaptados à
alimentação em plantas exóticas (PINHEIRO et al., 2013).
A Leishmania (Figura 7) é um parasita intracelular digenético, ou seja, necessita de
dois ou mais hospedeiros para a realização de seu ciclo de vida, e apresenta duas principais
formas evolutivas: promastigota e amastigota. Seus principais hospedeiros vertebrados são o
homem, roedores, canídeos silvestres e domésticos, marsupiais, equinos preguiças e felinos
(AMENDOEIRA et al., 2012).
Figura 7 - Macrófago em rompimento repleto de leishmanias. Na parte inferior há
uma forma amastigota evidenciando núcleo (N) e cinetoplasto (C).
Fonte: Ximenes, M.F.F.M.
O gênero Leishmania faz parte do filo Sarcomastigophora, subfilo Mastigophora,
Ordem Kinetoplastida, família Trypanosomatidae, e possui cerca de 20 espécies patogênicas
para seres humanos (ASHFORD, 2000; AMENDOEIRA et al., 2012), sendo Leishmania
infantum chagasi Cunha e Chagas a causadora de LV no Novo Mundo, incluindo o Brasil.
Dentre as causadoras das formas dermotrópicas no país estão Leishmania braziliensis Vianna,
Leishmania amazonensis Lainson e Shaw, Leishmania guyanensis Floch, Leishmania shawi
Lainson, Braga e de Souza, Leishmania lainsoni Silveira, Shaw, Braga e Ishikawa,
Leishmania naiffi Lainson e Shaw (SHARMA e SINGH, 2008; AMENDOEIRA et al., 2012).
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No ciclo de transmissão da Leishmania (Figura 8), quando o flebotomíneo fêmea
realiza o repasto em um hospedeiro infectado, adquire as formas amastigotas do protozoário
(Figura 7), que alcançam o intestino anterior do inseto, sofrendo uma série de modificações
morfológicas, bioquímicas e funcionais necessárias à sua sobrevivência no hospedeiro e
consequentemente à infecção (SACKS, 1989; WALTERS; MODI, 1989; KILLICK-
KENDRICK, 1990; AMENDOEIRA et al., 2012).
Figura 8 - Ciclo vital de Leishmania em flebotomíneo e em humano.
Fonte: Adaptado de CDC (https://www.cdc.gov/dpdx/leishmaniasis/index.html).
No trato digestivo do vetor, o parasito assume sua forma promastigota (Figura 9),
diferenciando-se então em promastigota procíclica, estágio que evita sua expulsão do intestino
médio do inseto vetor. Posteriormente, a Leishmania assume sua forma promastigota
metacíclica infectante, fase em que migra para as peças bucais, o que parece estar relacionado
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à ingestão de carboidratos pelos flebotomíneos (AÑEZ et al., 1989; SHARMA e SINGH,
2008; AMENDOEIRA et al., 2012). É importante ressaltar que a presença de açúcares
contribui para a sobrevivência, desenvolvimento e infectividade da Leishmania no corpo do
inseto (SCHLEIN; JACOBSON, 1994; JACOBSON et al., 2001).
Figura 9 - Formas promastigotas de Leishmania mostrando
núcleo (A), cinetoplasto (B) e flagelo (C).
Fonte: Amendoeira et al., 2012
Ao exercer novamente a hematofagia, o flebotomíneo fêmea inocula, juntamente com
sua saliva, as formas promastigotas no hospedeiro vertebrado. Essas formas, ao penetrarem nas
células do sistema fagocítico mononuclear local, transformam-se em amastigotas,
multiplicando-se intensamente por divisão longitudinal binária. No hospedeiro vertebrado
infectado, dentro de seus macrófagos, desenvolvem-se as formas amastigotas do parasita, o
que pode levar ou não aos sintomas da doença. O hospedeiro serve então de reservatório para
um próximo flebotomíneo reiniciar o ciclo parasitário (PESSÔA; MARTINS, 1977; REY,
2014).
A forma mais comum de leishmaniose em todo o mundo é a tegumentar, mais
frequentemente causada por L. infantum, Leishmania major Yakimoff e Schokhor,
Leishmania tropica Wright e Leishmania donovani no Velho Mundo, e por L. braziliensis e
Leishmania mexicana Biagi no Novo Mundo. No Afeganistão, Algeria, Irã, Arábia Saudita,
Síria, Brasil, Colômbia, Peru e Bolívia ocorrem cerca de 90% dos casos mundiais (Figura 10)
(DESJEUX, 2004; REITHINGER et al., 2007; MODABBER et al., 2007, AVERSI-
FERREIRA et al., 2014).
18
Figura 10 – Casos mundiais de LT de 2004 a 2014.
Fonte: Aversi-Ferreira et al. 2014.
Em todos os países onde ocorre, a LT é um problema de saúde pública, uma vez que
pode causar lesões destrutivas com sérios efeitos psicológicos e sociais (GONTIJO;
CARVALHO, 2003), uma vez que compromete pele e mucosas com sérias lesões
desfigurantes e incapacitantes (Figura 11).
Figura 11 – Formas clínicas de leishmaniose tegumentar: forma cutânea localizada (A), mucosa (B) e
forma cutânea disseminada (C).
Fontes: http://www.revistacirurgiabmf.com/2004/v4n4/pdf/v4n4.3.pdf e Brasil 2006.
Recentemente, observou-se um dramático aumento dos casos de LT durante a guerra
civil na Síria, também no Líbano e Turquia, principalmente entre jovens, associado a
19
migrações de refugiados, passando de 0-6 para 1033 casos (ALAWIEH et al., 2014;
SALMAN et al., 2014). Apesar da carência de informações concretas, estima-se cerca de
100.000 casos nas áreas de conflito, demonstrando um exemplo do risco associado a guerras,
e a facilidade de expansão para outros locais pela travessia de fronteiras (ALAWIEH et al.,
2014). Devido a fuga dos sírios para países vizinhos e para a Europa, a LT pode se tornar uma
nova ameaça em regiões anteriormente não afetadas (HAYANI et al., 2015).
No Brasil, casos notificados de LT eram mais associados a atividades de garimpo,
agricultura ou uso da floresta até a década de 1980 (DOURADO et al., 1989), mas
posteriormente passaram a ser notificados casos ligados a áreas periurbanas (BARRET;
SENRA 1989; PASSOS et al., 1993).
As espécies vetoras relacionadas às diferentes formas de LT no Brasil variam,
dependendo da região, sendo as principais: Migonemyia migonei França, Nyssomyia whitmani
Antunes e Coutinho, Nyssomyia umbratilis Ward e Fraiha, Psychodopygus wellcomei Fraiha,
Shaw e Lainson, Trichophoromyia ubiquitalis Mangabeira, Psychodopygus complexa
Mangabeira e Bichromomyia flaviscutellata Mangabeira.
No Rio Grande do Norte, a LT é causada por L. braziliensis e possui baixa incidência
(Figura 12), apesar de provavelmente subestimado devido dificuldades de acesso aos serviços
de saúde e consequente diagnóstico precoce (XIMENES et al., 2007). Nesse Estado, a doença
prevalece nas áreas rurais do município de São Miguel e áreas adjacentes (OLIVEIRA et
al., 2004), onde ocorrem as espécies Nyssomyia intermedia e M. migonei, relacionadas com a
transmissão de L. braziliensis também em outras áreas do Brasil (XIMENES et al., 2007;
SESAP, 2015).
Figura 12 – Casos confirmados de LT no Rio Grande do Norte (RN), Nordeste (NE) e Brasil, de 2003 a 2015.
Fonte: SINAN/SVS/MS.
20
A LV tem uma ampla distribuição mundial, ocorrendo no Oriente Médio, na Ásia,
Europa, África e nas Américas, onde também é conhecida por leishmaniose visceral
americana (LVA) ou calazar. Aproximadamente 90% dos casos mundiais de LV ocorrem em
cinco países: Índia, Bangladesh, Nepal, Sudão e Brasil (Figura 13) (GONTIJO; MELO, 2004;
AVERSI-FERREIRA et al., 2014).
Figura 13 – Casos mundiais de LV de 2004 a 2014.
Fonte: Adaptado de Aversi-Ferreira et al., 2014.
O agente etiológico da LV é L. infantum e acomete principalmente fígado, baço e
medula óssea, causando febre persistente, diarreia, crescimento abdominal e emagrecimento
(Figura 14), com considerável mortalidade. A maioria dos casos acometem crianças abaixo
dos 10 anos, mas adultos são frequentemente afetados, principalmente em focos de introdução
recente, sendo fatores de risco a desnutrição, os fatores genéticos e outras infecções como co-
infecção com HIV (WHO, 2010)
21
Figura 14 - Aspectos clínicos de leishmaniose
visceral em paciente do RN.
Fonte: JERÔNIMO, S. M. B.
Na América Latina, a LV já foi descrita em pelo menos 12 países, contudo 90% dos
casos ocorrem no Brasil, especialmente no Nordeste do país (BRASIL, 2014), onde possui a
maior incidência, principalmente junto às camadas sociais mais desfavorecidas (XIMENES et
al., 2006; XIMENES et al., 2007). O primeiro caso da doença registrado no Brasil foi em
1913, em paciente de Boa Esperança, Estado do Mato Grosso (ALENCAR et al., 1991).
Posteriormente, Penna (1934), pesquisando casos de febre amarela, encontrou 41 casos de LV
ao observar amastigotas do parasito em laminas histológicas, sendo um paciente oriundo do
Rio Grande do Norte. A doença se espalhou pelo país e sua transmissão vem sendo descrita
em vários municípios, de todas as regiões, principalmente no Nordeste (Figura 15),
acometendo pessoas de todas as idades, sendo que na maior parte das áreas, constata-se que
cerca de 80% dos casos acometem crianças abaixo dos 10 anos de idade (GONTIJO; MELO,
2004).
22
Figura 15 - Casos confirmados de LV no Brasil, Nordeste e Rio Grande do Norte, 2003-2015.
Fonte: SINAN/SVS/MS.
A LV era considerada predominantemente rural até o final dos anos 70, mas a partir de
1981, na cidade de Teresina, Estado do Piauí, Brasil, verificou-se o início de seu processo de
urbanização, fenômeno também observado em Natal no início dos anos 90 (JERÔNIMO et
al., 1994) e em outros países da América Latina (SOARES; TURCO, 2003). Nesse sentido, o
Ministério da Saúde (BRASIL, 2015) enfatiza que a LV era antes restrita às áreas rurais da
região Nordeste, passando a se expandir, avançando para áreas periurbanas e urbanas. Nos
últimos anos vem passando por um importante processo de expansão e urbanização, com
diferentes fatores envolvidos no ciclo de transmissão e a tornando uma doença em avanço em
todas as regiões do país.
As teorias que explicam o processo de urbanização da LV, bem como de seu inseto
transmissor, ainda não são conclusivas. É cogitado que a intensa atividade urbana e os altos
índices populacionais, associados à existência de fragmentos de ambientes naturais, com
perda da biodiversidade, tenham favorecido tal processo (MCINTYRE et al., 2001; NUNES
et al., 2008). São, portanto, imprescindíveis novas análises e argumentos para o fenômeno de
urbanização da doença e das alterações na bioecologia de seus vetores que possam explicar a
epidemiologia das leishmanioses em áreas urbanizadas nos dias atuais.
Na América Latina, as principais espécies envolvidas na transmissão do protozoário L.
infantum são Lutzomyia longipalpis Lutz e Neiva, Lutzomyia cruzi Mangabeira e Pintomyia
evansi Núñez-Tovar (TRAVI et al., 1990; BENDEZU et al., 1995; MONTOYA-LERMA et
al., 2003; IBÁÑEZ-BERNAL et al., 2004; BEJARANO et al., 2009).
23
No Brasil, apesar da evidência de transmissão de LV por outras espécies, o principal
vetor é Lutzomyia longipalpis, espécie bastante abundante, principalmente nas regiões
Nordeste, Norte e Centro-Oeste do país (GONTIJO; MELO, 2004; LAINSON; RANGEL,
2005; MISSAWA et al., 2011; AMENDOEIRA et al., 2012).
Encontrado em matas conservadas, áreas modificadas ou em descampados, L.
longipalpis é um flebotomíneo bastante eclético, se esconde em abrigos de animais, entre
rochas ou em grutas, invade residências e abrigos de animais, principalmente à noite, onde
procura realizar o repasto sanguíneo em mamíferos e aves (XIMENES et al., 1999; SOARES;
TURCO, 2003). Investigação realizada em áreas rural e periurbana próxima a Natal revelou
que L. longipalpis realizou repasto sanguíneos em diferentes fontes como homem, cão,
galinha e tatu (MACEDO-SILVA et al., 2014).
No Rio Grande do Norte a LV é causada por L. infantum, tendo o flebotomíneo L.
longipalpis como vetor, embora não tenhamos ainda a identificação dessa espécie infectada
por L. infantum no estado. O primeiro registro da doença no Rio Grande do Norte aconteceu
em 1934, e a partir da década de 1980 foi observada sua expansão. A LV é mais presente na
Região Metropolitana de Natal, onde ocorreram 37% dos casos registrados entre 2007 e 2014
(XIMENES et al., 2007; SESAP, 2015), mas também em municípios da Região Oeste do
estado, que nos últimos anos vem tendo um número expressivo de casos (LEITE; ARAUJO,
2013).
Os vertebrados que atuam como hospedeiros ou reservatórios podem variar de acordo
com a região, podendo ser domésticos, silvestres ou ambos (LAINSON et al., 1969). Dentre
os reservatórios silvestres de L. infantum mais conhecidos no Rio Grande do Norte estão as
raposas (Cerdocyon thous) e marsupiais do gênero Didelphis, conhecidos como gambá ou
timbu, ambos de hábitos sinantrópicos (Figura 16), podendo funcionar como ponte entre os
ciclos doméstico e silvestre. Em área rural do Rio Grande do Norte, Macedo-Silva et al.,
(2014) encontraram grande quantidade de flebotomíneos ingurgitados com sangue de
Euphractus sexcintus (tatu). No ambiente doméstico, o cão é o principal hospedeiro e
importante fonte de infecção para os vetores (GONTIJO; MELO, 2004).
24
Figura 16 - Raposa (A e B), tatu (C) e gambá (D) ocorrentes no Rio Grande do Norte.
Fonte: XIMENES, M. F. F. M. (A-C) e PINHEIRO, M. P. G. (D).
A ocorrência da LV vem se espalhando em vários estados brasileiros, podendo estar
relacionada à adaptação do vetor diante de processos de ocupação em áreas de mata ou sua
derrubada para construção de estradas, novos núcleos populacionais e ampliação de atividades
agrícolas (VALE; FURTADO, 2005; MARZOCHI, 1992).
Como medidas de prevenção mais comuns para as leishmanioses estão o diagnóstico e
tratamento dos casos humanos, diagnóstico e eliminação dos cães soropositivos, combate ao
vetor, principalmente através de inseticidas e manejo ambiental, proteção das pessoas e
melhoria nas condições de vida das populações atingidas (ALENCAR, 1961; LACERDA,
1994; DAVIES et al., 2000). Encontra-se ainda em teste e tem surgido propostas para controle
biológico de flebotomíneos por meio de fungos (REITHINGER et al., 1997; FEIJÓ et al.,
2007; AMÓRA et al., 2009).
É imprescindível o conhecimento acerca da bioecologia dos vetores, bem como dos
aspectos socioambientais envolvidos na sua ocorrência, e consequentemente na epidemiologia
das leishmanioses, contribuindo com os estudos já realizados e agregando conhecimentos a
respeito dos fatores que influenciam o ciclo do vetor e da ocorrência da doença. Nesse
contexto, é notório que as questões ambientais envolvidas na existência dos vetores das
leishmanioses precisam ser conhecidas mais profundamente, e que a prática interdisciplinar
25
voltada para educação ambiental é fator importante, a fim de uma melhor compreensão das
relações entre o homem, a saúde e o ambiente. Contudo, ações de caráter interdisciplinar e
multiprofissional, voltadas à educação em saúde e ambiente, que aliem diferentes saberes,
ainda são insuficientes (SCHMIDTH, 2007).
Greco (1999) enfatiza que as doenças estão relacionadas com diferentes contextos
ecológicos e sociais, nos quais ocorre o desequilíbrio das relações entre hospedeiro-ambiente-
agente. Nesse sentido, se torna importante analisar a problemática relativa aos
comportamentos humanos nas diversas culturas ao redor do planeta. Essa diversidade é
complexa, e se torna um desafio quando se objetiva a adoção de práticas que possam resultar
no bem-estar social. As interferências humanas causam impactos ao ambiente que, à medida
que é explorado, pode-se tornar forte gerador de desigualdades ecológicas estreitamente
ligadas à saúde da população (SCHMIDTH, 2007).
Portanto, a regionalização de medidas visando a ampliação e garantia de melhores
condições de saúde, educação e ambiente, é de fundamental importância (SCHMIDTH,
2007). Sendo a educação um ato de conhecimento e conscientização (FREIRE, 2001, p.11),
no contexto da educação em saúde e ambiente é relevante que as estratégias educativas a
adotem e atinjam os diversos segmentos e realidades sociais, respeitando os diferentes
contextos.
Considerando que “A poesia é um instrumento educativo que gera imagens e visões,
estimula a motivação e inflama, aguça a imaginação e, quem aprende passa a adquirir novas
atitudes” (ZÓBOLI, 1998), compreende-se que a literatura de cordel pode ser utilizada como
ferramenta educativa, uma vez que estimula nos alunos a busca pelo conhecimento.
O cordel é considerado uma forma de arte popular bastante singular no Brasil,
publicada como versos em rima, e apresentado em pequenos folhetos confeccionados em
papel simples. É chamado cordel por serem os folhetos originalmente expostos para venda
pendurados em cordéis ou cordões (ÂNGELO, 1996). Chegou ao país em meados do século
XIX (ÂNGELO, 1996), vindo da Europa, e passou a ser uma das mais importantes
manifestações da literatura popular brasileira, especialmente do Nordeste, sendo comum ainda
atualmente em mercados populares e feiras livres (LUYTEN, 2007).
Esse gênero literário possui uma conotação lúdica, informal e prazerosa, que pode ser
inserida no contexto educacional, de modo a popularizar a ciência, uma vez que aborda
variados temas com linguagem acessível, tornando-se um instrumento de disseminação do
conhecimento que atinge diferentes públicos (MACIEL, 2010). Uma vez que as leishmanioses
26
são doenças de grande expressividade no Nordeste do Brasil, e que acometem as camadas
sociais menos favorecidas, justificam-se como tema de grande importância a ser tratado em
um material educativo como o cordel.
Diante do exposto, é importante destacar que:
O conhecimento das interações entre protozoários, flebotomíneos vetores,
hospedeiros humanos e animais sinantrópicos poderá resultar em estratégias
de controle da doença, que possam ser compreendidas e adotadas pela
população, por meio de ações educativas que resultem na mudança de
atitudes de gerações de pessoas que vivem em áreas onde a pobreza e a
exclusão social são imperativas. (XIMENES; ALVES, 2013, p. 30).
Nesse sentido, propõe-se, portanto, divulgar informações acerca das leishmanioses
através de cordel (Figura 17), um material educativo popular, de boa aceitação e de caráter
lúdico, utilizando-o como ferramenta de sensibilização, com enfoque na transmissão, nos
sintomas e na prevenção da doença.
Figura 17 – Ações de divulgação sobre leishmanioses através da literatura de cordel em municípios da
região metropolitana de Natal.
Fonte: Autoria própria.
Estudos sobre a influência das condições sociais, econômicas e ambientais na saúde
dos indivíduos são de grande importância, podendo gerar estratégias e ações preventivas e de
educação em saúde. Para Tambellini (2002) a saúde é um bem ideal, e está relacionada à ética
e à estética como um desafio da atualidade, e a relação da saúde com o ambiente provoca a
27
necessidade de resgatar estudos e propostas nas diversas áreas de pesquisa, com o propósito
de possibilitar outras maneiras de prevenir e controlar doenças.
As questões relativas à urbanização desordenada, migrações, aumento populacional e
degradação ambiental são complexas, bem como a compreensão do processo de adaptação de
parasitos e seus insetos vetores. Contudo, é provável que a manutenção de áreas de
conservação, bem como o conhecimento dos impactos causados pela expansão urbana junto a
essas áreas possam contribuir com a redução da expansão geográfica das leishmanioses
(LAINSON, 1989; XIMENES et al., 2007). Cabe ressaltar ainda o grave problema ambiental
em face da perda de cerca de 93% da área original da Mata Atlântica brasileira e o atual nível
de fragmentação, resultante do processo de urbanização (GALINDO-LEAL; CÂMARA,
2003; TABARELLI et al., 2010). O conhecimento acerca dos efeitos da urbanização sobre
populações de animais varia bastante entre grupos taxonômicos, mas é notória as
consequências no caso de espécies vetoras (MCKINNEY, 2008).
Como graves doenças negligenciadas, cuja ocorrência está intimamente relacionada a
problemas ambientais, e que têm afetado as diferentes regiões do país e a população do Rio
Grande do Norte, as leishmanioses necessitam de vigilância constante. É notória a
necessidade do desenvolvimento de estudos que contemplem a bioecologia das espécies
vetoras, sua expansão e urbanização, destacando-se a sazonalidade e as condições locais que
influenciem os riscos para a saúde humana. Associando-se a isso, a proposição de
informações e medidas que venham a contribuir com a minimização dos riscos de infecção.
O presente trabalho tem como objetivo geral conhecer alguns fatores abióticos que
influenciam a ocorrência e distribuição dos flebotomíneos vetores das leishmanioses na área
interna e externa de uma Unidade de Conservação da Mata Atlântica da Região Metropolitana
de Natal, bem como difundir informações que cheguem à população exposta aos riscos. Os
objetivos específicos são: a) Identificar as espécies de flebotomíneos presentes na área da UC
e entorno; b) Aprofundar os conhecimentos sobre abundância e sazonalidade das principais
espécies de flebotomíneos existentes na área da UC e seu entorno; c) Avaliar a antropofilia
das espécies presentes na área do fragmento de Mata Atlântica; d) Identificar os principais
aspectos abióticos relacionados à existência das espécies vetoras das leishmanioses; e)
Conhecer a distribuição vertical e horizontal das espécies de flebotomíneos nos diferentes
ecótopos da UC e entorno; f) Avaliar a utilização da Literatura de Cordel como ferramenta de
educação em saúde para disseminação de informações acerca da LV.
28
CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ÁREA DE ESTUDO
O estudo aconteceu na Floresta Nacional (Flona) de Nísia Floresta, localizada no
município de Nísia Floresta, estado do Rio Grande do Norte, Brasil. O município de Nísia
Floresta faz parte da Região metropolitana de Natal, situa-se na Mesorregião Leste Potiguar e
na Microrregião Macaíba, e está localizado a 30 km da capital, Natal, limitando-se ao Norte
com Parnamirim, a Oeste com São José do Mipibu, ao Sul com Arês e Senador Georgino
Avelino e a Leste com o Oceano Atlântico (Figura 18).
Figura 18 - Localização da Floresta Nacional de Nísia Floresta (borda em amarelo).
Fonte: adaptado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil e Google Earth.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2016 a
população estimada de Nísia Floresta era de 26.994 habitantes e a área territorial de 307.839
km² (IBGE, 2016).
O clima da região é quente e úmido, com chuvas de outono e inverno. Anualmente a
temperatura média de Nísia Floresta se situa em torno dos 26º C, com pluviometria média
anual de 1.455mm e umidade relativa média de 76%. A vegetação do município era
originalmente composta por Mata Atlântica, predominando as florestas estacionais
semideciduais, relacionadas ao clima com uma estação chuvosa e outra seca, onde de 20 a
29
50% dos indivíduos do estrato arbóreo superior perdem as folhas na estação desfavorável.
(BRASIL, 2012).
Implantado principalmente na área do grupo Barreiras, o relevo de Nísia floresta está
abaixo dos 100 metros de altitude. O solo predominante da região é bastante arenoso com
fertilidade natural muito baixa, pobre em macro e micronutrientes. O município possui lagoas
de pequeno e médio porte como Bonfim, Papeba, Urubu, Papari, Hiota, Redonda, Carcará,
Carnaúba, Papebinha, Seca, Boa Água, entre outras (BRASIL, 2012).
A Flona de Nísia Floresta se encontra em uma região historicamente explorada para a
monocultura da cana-de-açúcar, localizada no município de Nísia Floresta entre as
coordenadas S 06°05’12,4”, W 035°11’04,0”, a 38 km de Natal. É uma Unidade de
Conservação e Pesquisa gerenciada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), inserida na Área de Proteção Ambiental (APA) Bomfim/Guaraíra,
com 168,84 hectares de diversas coberturas vegetais exóticas e nativas da Mata Atlântica
(BRASIL, 2012).
A Flona de Nísia Floresta se encontra em uma área que pertencia ao poder público
municipal e foi doada ao poder público federal em novembro de 1948. Na década de 60 foi
incorporada ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) como dependência
da Estação Florestal de Experimentação (Eflex) de Assú. Em 1989, com a criação do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), passou a integrar à Superintendência Estadual como
Eflex de Nísia Floresta. Posteriormente, em 27 de setembro de 2001, tornou-se Flona de Nísia
Floresta, entidade fomentadora do desenvolvimento sustentável da região (BRASIL, 2012).
No interior da Flona existem três lagoas, a Lagoa da Vaquinha, que não é perene e está
completamente inserida na área da Flona, a Lagoa da Coruja, que também não é perene e está
completamente inserida na área, e a Lagoa Seca, que é a maior lagoa (20,8 ha), a única
perene, cuja maior porção está inserida em uma fazenda particular na divisa com a Flona
(Figura 19) (BRASIL, 2012).
A Flona faz limite ao sul com uma estrada e propriedades rurais, a norte e leste com
propriedades privadas, e a oeste com uma estrada carroçável, propriedades rurais e um
condomínio residencial (BRASIL, 2012).
Como resultado da constante interferência antrópica no decorrer de sua história, esta
Flona não possui cobertura florestal primária, mas composição florística típica de áreas
alteradas, em médio estágio de regeneração, e áreas de experimentação florestal. O fragmento
de floresta nativa compõe 59,3% da área, sendo 45,2% de Floresta Estacional Semidecidual
30
(Área IV) e 14,1% de Tabuleiro Litorâneo (Área V). A cobertura vegetal restante está na área
de experimentação florestal, áreas I, II e III (BRASIL, 2012) (Figura 19).
Figura 19 - Divisão da área da FLONA. As áreas I, II e III, são áreas de reflorestamento; área IV, de
Floresta Estacional Semidecidual; e a área V corresponde a Tabuleiro Litorâneo.
Fonte: Brasil, 2012.
O fragmento de floresta (Figura 19) apresenta estágio de regeneração avançado, pois
sua conservação teve início anterior a 1950. É a porção da Flona que apresenta a vegetação
mais conservada, composta por árvores de médio e grande porte (Figura 19), tendo espécies
como Licania rigida Benth. (oiticica), Bowdichia vigilioides Kunth (sucupira), Hymenaea sp.
31
(jatobá), Libidibia ferrea (Mart. ex Tul.) L. P. Queiroz (pau-ferro), Tabebuia sp. (ipê), e
Paubrasilia echinata (Lam.) E. Gagnon, H. C. Lima & G. P. Lewis (pau-brasil), entre outras
(BRASIL, 2012).
Apesar da fragmentação da Flona e de seu histórico de perturbação, sua área mais
conservada (área IV) apresenta uma flora com índice de diversidade considerado alto
(H’=4,62078) em comparação com outras áreas do país (BRASIL, 2012).
A área de remanescentes de experimentação florestal era originalmente coberta por
floresta estacional semidecidual, vegetação essa que foi retirada para implementação de
experimentos florestais, principalmente com Pinus e Eucaliptus. Esses experimentos
objetivavam conhecimento acerca do desenvolvimento das espécies nas condições ecológicas
do Nordeste devido a demanda de matéria prima necessária em setores do comércio, indústria,
e geração de energia para famílias, considerando que a exploração de espécies nativas poderia
leva-las à extinção e descaracterizava a paisagem (BRASIL, 2012).
A área de tabuleiro litorâneo da Flona possui um relevo plano com solo arenoso, as
lagoas, além de algumas porções de mata preservada. Sua flora é representada por dois
estratos, sendo um estrato herbáceo ralo e descontinuado, e um arbóreo-arbustivo, formado
por representantes isolados ou grupos, ocorrendo Piptadenia moniliformis Benth. (catanduva),
Annacardium occidentalis L. (cajueiro), Byrsonima basiloba Juss. (murici), Hancornia
speciosa Gomes (mangabeira) (SENA, 1999; BRASIL, 2012).
Quanto à fauna existente na área da Flona, percebe-se uma escassez de dados, uma vez
que os levantamentos científicos são poucos e a maioria dos dados referentes a esse tema
estão contidos no Plano de Manejo da própria Flona (BRASIL, 2012). Segundo o documento,
na Flona ocorre uma importante diversidade de artrópodes e anfíbios, além de cerca de 26
espécies de répteis, 56 de aves e 15 de mamíferos. Dentre os representantes da mastofauna,
são citados Monodelphis domestica (Wagner, 1842) (catita), Procyon cancrivorus (G. Cuvier,
1798) (guaxinim), Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766) (raposa), Callithrix jacchus (Linnaeus,
1758) (sagui), Tamandua tetradactyla (Linnaeus, 1758) (tamanduá-mirim), Euphractus
sexcintus (Linnaeus, 1758) (tatu-peba), Dasypus novemcinctus Linnaeus, 1758 (tatu-
verdadeiro) e Didelphis albiventris Lund, 1840 (timbu), entre outros (BRASIL, 2012).
As coletas sistemáticas foram realizadas no interior da floresta estacional semidecidual
conservada (Figura 20) e em sua borda (Figura 21), na área de remanescentes de
experimentação florestal (Figura 22), em ambientes mais modificados da UC, como um
bambuzal (Figura 23) e em uma trilha (Figura 24) próximos à parte administrativa da Flona,
32
em áreas peridomiciliares de um condomínio residencial (Figura 25) e de uma propriedade
rural (Figura 26) do entorno.
Figura 20 - Área da Flona mostrando fragmento de floresta estacional semidecidual.
Fonte: Autoria própria.
Figura 21 - Área da borda a leste da Flona de Nísia Floresta.
Fonte: Autoria própria.
33
Figura 22 – Área da Flona com vegetação remanescente de experimentação florestal.
Fonte: Autoria própria.
Figura 23 - Bambuzal na área mais antropizada da Flona.
Fonte: Autoria própria.
34
Figura 24 - Trilha na área mais antropizada da Flona.
Fonte: Autoria própria.
Figura 25 - Área do condomínio residencial próximo à Flona.
Fonte: Autoria própria.
36
METODOLOGIA GERAL
Coleta de flebotomíneos
Os flebotomíneos foram coletados com armadilhas de dois tipos, armadilha CDC e
armadilha Shannon.
As armadilhas luminosas do tipo CDC (Center for Diseases Control – Hausherr’s
Machine Works, Toms River, New Jersey 08756), consistem em uma base onde se encontra
uma lâmpada e um ventilador (sugador) ligados a uma bateria de seis volts (6V). Acoplada a
essa base existe uma gaiola para armazenamento dos insetos, confeccionada com tecido fino
(Figura 27). A armadilha funciona quando os insetos são atraídos pela luminosidade da
lâmpada e sugados pelo ventilador para dentro da gaiola, onde ficam armazenados.
Figura 27 - Armadilha luminosa tipo CDC.
Fonte: Autoria própria.
As armadilhas CDC eram instaladas e acionadas por volta das 17 horas, e retiradas
aproximadamente às 7 horas da manhã seguinte, o que resultava em um período de 14 horas
aproximadas de exposição. Ao serem retiradas, as gaiolas contendo os insetos capturados
37
durante a noite eram levadas ao laboratório de Entomologia (Labent) da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN) para triagem, montagem e identificação.
A armadilha de Shannon (SHANNON, 1939) (Figura 28) é constituída por uma tenda
principal com aproximadamente 1,3 x 3,0 x 2,0 m e duas abas laterais de 0,6 x 3,0 x 1,0 m
(largura x comprimento x altura). A estrutura da armadilha era montada de maneira que ficava
a aproximadamente 30 cm distante do solo (CEVS, 2009).
Figura 28 - Armadilha de Shannon e utilização de aspirador de Castro na Flona de Nísia Floresta.
Fonte: Autoria própria.
Durante a utilização da Shannon em captura diurna os odores liberados pelos próprios
operadores (principalmente CO2 e ácido lático) atuam como atrativos para os insetos. Nas
coletas noturnas foi usada uma fonte luminosa como atrativo adicional, uma lâmpada de luz
branca tipo fluorescente de 6 volts alimentada por bateria. Os flebotomíneos eram atraídos
para a armadilha e ficavam aprisionados no seu interior ou nas abas externas, sendo então
capturados com auxílio de um capturador manual de sucção tipo Castro, e colocados em
frascos mortíferos contendo acetato de etila (CEVS, 2009).
38
Triagem, montagem e identificação
No Laboratório de Entomologia (Labent) da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), após mortos em baixa temperatura (-20° C), os insetos capturados foram
triados para separação dos flebotomíneos de outros grupos. Após a triagem, flebotomíneos
machos e fêmeas foram clarificados por um período de 24 horas em hidróxido de potássio
(KOH), passados em um banho de quinze minutos em ácido acético (C2H4O2), e duas vezes
consecutivas, também por quinze minutos, em água destilada (H2O).
Os flebotomíneos foram então montados, cada um em uma gota de glicerina, entre
lâmina e lamínula, para identificação das espécies. A identificação foi feita em microscópio
óptico por meio de observação das características morfológicas, de acordo com a chave de
Young e Duncan (1994) e com a classificação filogenética proposta por Galati (1995, 2003a,
2003b), de acordo com as solicitações dos revisores dos periódicos. Após identificação, os
flebotomíneos foram organizados separadamente, por local, data de coleta, sexo e espécie, em
microtubos de 1,5ml contendo álcool a 70% e armazenados no Laboratório de Entomologia
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Produção do cordel
Foi produzido um folheto de literatura de cordel cujo título é “Um bebedor de sangue
na terra do mandacaru - Peleja contra o calazar” contendo oito páginas, com 30 estrofes na
forma de sextilha, e capa confeccionada a partir de xilogravura criada pelo xilogravurista
Erick Lima. Na sextilha, que é a forma de versos mais utilizada para a literatura de cordel,
cada estrofe possui seis versos, sendo que o segundo, o quarto e o sexto verso rimam entre si
(Figura 29).
Considerando a complexidade que envolve a temática das leishmanioses, na
construção do cordel foram escolhidos temas mais relevantes, como a transmissão, os
sintomas no homem e no cão, a prevenção e o tratamento da doença.
40
CAPÍTULO 01
Flebotomíneos (Diptera, Psychodidae, Phlebotominae), transmissores das leishmanioses,
em uma Unidade de Conservação da Mata Atlântica no município de Nísia Floresta, Rio
Grande do Norte, Brasil
Marcos Paulo Gomes Pinheiro. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio
Ambiente (PRODEMA), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de
Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Avenida Senador Salgado Filho,
3000, Natal, RN, Brasil. [email protected].
Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes. Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA), Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Avenida
Senador Salgado Filho, 3000, Natal, RN, Brasil. [email protected] - Corresponding author.
Este artigo foi publicado no periódico Parasites & Vectors (A1 em Ciências Ambientais)
(DOI: 10.1186/s13071-016-1352-5) e, portanto, está formatado de acordo com as
recomendações desta revista
(http://www.parasitesandvectors.com/authors/instructions/research).
41
Resumo
Introdução: Os flebotomíneos são insetos vetores de protozoários do gênero Leishmania,
causadores das leishmanioses visceral e tegumentar, com ampla distribuição mundial. O
presente estudo discute aspectos bioecológicos de espécies de flebotomíneos, transmissores de
leishmanioses, em diferentes ecótopos de uma Unidade de Conservação da Mata Atlântica
localizada na região metropolitana de Natal, estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Métodos:
Foram realizadas duas capturas mensais durante um ano, com armadilhas luminosas tipo
CDC, em dois ambientes antropizados e dois preservados. Resultados: Foram capturados
2.936 flebotomíneos de dez espécies: Evandromyia walkeri, Evandromyia evandroi,
Psychodopygus wellcomei, Sciopemyia sordellii, Psathyromyia brasiliensis, Lutzomyia
longipalpis, Evandromyia lenti, Psathyromyia shannoni, Nyssomyia whitmani e Nyssomyia
intermedia. A espécie que mais ocorreu foi E. walkeri, com 77,6%, seguida de E. evandroi
com 17,5%. O local com maior abundância foi a mata com 32,4% seguida pelo bambuzal com
26,3%. Conclusões: Em geral os flebotomíneos se mostraram mais abundantes no período
chuvoso e L. longipalpis, espécie vetora de Leishmania infantum, se confirmou como
adaptada a ambientes antropizados. P. wellcomei, vetora de Leishmania braziliensis, se
confirmou como espécie associada a ambientes mais preservados e ocorreu apenas em
períodos chuvosos.
Palavras-chave: Flebotomíneos, Lutzomyia, Psychodopygus, Nyssomyia, Leishmaniose
visceral, Leishmaniose tegumentar, Mata Atlântica.
42
Introdução
Os flebotomíneos são insetos de ampla distribuição, responsáveis pela transmissão de
leishmaniose visceral (LV) e leishmaniose tegumentar (LT), que se constituem um grave
problema de saúde pública para milhões de pessoas em todo o mundo [1], estando entre as
principais doenças humanas transmitidas por insetos vetores [2].
A Organização Mundial da Saúde aponta países como Brasil, Etiópia, Sudão, Iraque,
Índia e Bangladesh com o maior número de casos de LV, e os maiores índices de LT estão no
Brasil, Peru, Colômbia, Argélia, Paquistão, Afeganistão, Irã e Síria [3].
No Brasil, a LV tem como vetor o flebotomíneo Lutzomyia longipalpis e como agente
etiológico da doença o protozoário Leishmania infantum [4, 5]. A LT, causada por
Leishmania braziliensis no Rio Grande do Norte [6], apresenta diferentes vetores dependendo
da região do país [7-15]. Dentre os principais flebotomíneos considerados vetores de LT no
Brasil, Nyssomyia whitmani, Nyssomyia intermedia, Migonemyia migonei, Psychodopygus
complexa e Psychodopygus wellcomei ocorrem no Nordeste [7, 8, 16-18].
A transmissão das leishmanioses acontece em todas as regiões do Brasil, sendo que o
Nordeste concentra o maior registro de LV, com 53,6% dos casos confirmados, onde a doença
era antes restrita a áreas rurais, mas se expandiu para áreas periurbanas e urbanas [4, 19]. Nos
últimos anos a LV tem se expandido e urbanizado em todas as regiões do país, fazendo-se
presente em 21 estados e em contínuo avanço por todo o território [20].
A LT ocorre em todas as regiões do Brasil, com surtos nas regiões Sul, Sudeste,
Centro-Oeste, Nordeste e Norte, principalmente na Amazônia, onde está relacionada com
processos de colonização de áreas de mata, derrubada para construção de estradas, novos
núcleos populacionais e ampliação de atividades agrícolas [21, 22].
43
No estado do Rio Grande do Norte a LT tem ocorrência predominante na área serrana
do estado e a LV é mais presente na Região Metropolitana de Natal, onde ocorreram 37% dos
casos registrados entre 2007 e 2014 [6, 23, 24], mas também em municípios da Região Oeste
do estado, que nos últimos anos vem tendo um número significativo de casos [25].
Este estudo busca analisar a composição de espécies de flebotomíneos, principalmente
as transmissoras de LT e LV, em diferentes ecótopos de um fragmento de Mata Atlântica,
visando ampliar o conhecimento sobre tais espécies, e consequentemente contribuir com a
vigilância epidemiológica do estado.
Métodos
Área de estudo
O estudo ocorreu na Floresta Nacional (Flona) de Nísia Floresta, uma Unidade de
Conservação (UC) da Mata Atlântica localizada no município de Nísia Floresta, estado do Rio
Grande do Norte, Brasil. O município está localizado a 30 km da capital, sua área territorial é
de 307.839 km², e de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2014 sua
população estimada era de 26.208 habitantes [26].
A FLONA de Nísia Floresta está em uma região historicamente explorada para a
monocultura da cana-de-açúcar. É uma unidade de conservação e pesquisa com 168,84
hectares de diversas coberturas vegetais exóticas e nativas da Mata Atlântica [27].
As coletas aconteceram em quatro pontos específicos denominados: bambu (1), trilha
(2), mata (3) e pinheiral (4), sendo a distância entre esses pontos de aproximadamente 300
metros (Figura 1).
44
Fig. 1 Localização do município de Nísia Floresta e da Unidade de Conservação onde foram
realizadas as coletas.
O bambu (S06°05’13.9”/W035°11’09.1”) e a trilha (S06°05’09.2”/W035°11’06.5”)
são os pontos mais próximos à área da sede da FLONA, com maior ação antrópica. A área de
Mata Atlântica (S06°04’57.7”/W035°10’58.7”) e o pinheiral (S06°04’50.2”/W035°10’57.8”)
são os pontos de mata mais preservada, com pouca ação antrópica.
O primeiro (1) é bastante impactado e caracterizado por alguns pés de bambu
(Poaceae: Bambusoideae) em uma clareira com cerca de 900 m² onde existe folhiço, galhos
em decomposição, além de material vegetal descartado de podas.
A segunda área (2), chamada trilha, possui árvores nativas tais como Tabebuia sp.
(ipê), Caesalphinia echinata (pau-brasil), Caesalpinia ferrea (pau-ferro), Bauhinia forficata
(mororó), entre outras, e exóticas como Eucaliptus sp. (eucalipto) e Pinus sp. (pinheiro) [27]
em uma trilha a cerca de 50 metros de um campo de futebol que fica entre a sede
administrativa e a floresta.
A terceira área (3), denominada mata, é composta por árvores nativas de médio e
grande porte, que atingem de 10 a 25 metros, tendo como principais espécies Buwdichia
45
vigilioides (sucupira), Lecythis pisonis (sapucaia), Buchenavia sp. (mirindimba), Tapirira
guianenis (cupiúba), Myrcia sp. (pau mulato), Coccoloba sp. (cauaçu), Tocoyena sp.
(juruparana), Hymenaea sp. (jatobá), Cassia apoucovita, C. ferrea (pau ferro), Tabebuia sp.
(ipê), C. echinata (pau-brasil), B. forficata (mororó), dentre outras. É considerado um
fragmento de Floresta Estacional Semidecidual em estágio avançado de regeneração, com
cerca de 80 ha, o que representa 45,22% da área total da FLONA [27].
A quarta área (4), o pinheiral, está na área de experimentos florestais para regeneração
de Mata Atlântica, com plantação de árvores exóticas do tipo pinheiro, Pinus sp., junto ao
ambiente de mata preservada [27].
Coleta e identificação dos flebotomíneos
Duas coletas mensais foram realizadas, de maio de 2012 a abril de 2013, com
armadilhas luminosas CDC (Center for Diseases Control) instaladas a 1 metro de altura,
sempre acionadas às 17 horas e retiradas às 7 horas da manhã seguinte.
No laboratório de Entomologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, os
insetos foram mortos em baixa temperatura (-20° C) e triados.
Os flebotomíneos foram então clarificados em hidróxido de potássio (KOH) a 10%,
montados e observados em microscópio óptico, para identificação com base em características
morfológicas, através da classificação filogenética proposta por Galati [28, 29]. Após
identificação, foram catalogados e armazenados na Coleção Entomológica Professor
Adalberto Antônio Varela-Freire da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Análise estatística
A análise para determinação e comparação de diversidade entre os ambientes foi
obtida com a utilização do the Shannon-Wiener Diversity Index (H’) [30]. Para cálculo desse
índice, foi utilizado o software Ecological Methodology versão 5.2 [31].
46
O índice de abundância de espécies (ISA) e o índice padronizado de abundância de
espécies (SISA) [32] foram utilizados para análise de abundância dos dados obtidos. Os
valores de ISA foram determinados e convertidos em SISA, com valores entre 0 e 1,
utilizando-se o Microsoft Office Excel 2007.
Os resultados foram comparados com dados climáticos de precipitação, umidade
relativa do ar e temperatura obtidos através de dados da rede do Instituto Nacional de
Meteorologia [33].
Resultados
Foram coletados 2.936 flebotomíneos de seis gêneros, pertencentes a dez espécies:
Evandromyia walkeri, Evandromyia evandroi, P. wellcomei, Sciopemyia sordellii,
Psathyromyia brasiliensis, L. longipalpis, Evandromyia lenti, Psathyromyia shannoni, N.
whitmani e Nyssomyia intermedia (Tabela 1).
Tabela 1 Espécies de flebotomíneos coletados em cada ecótopo, resultados de SISA e H’.
Espécies Ecótopos
Total % SISA Ranking Pinheiral Mata Trilha Bambu
Evandromyia walkeri 456 779 473 589 2297 77.60% 1.00 1
Evandromyia evandroi 138 118 80 159 495 17.50% 0.87 2
Psychodopygus wellcomei 11 32 8 3 54 1.90% 0.82 3
Sciopemyia sordellii 4 13 6 3 26 0.86% 0.81 4
Lutzomyia longipalpis 1 3 6 9 19 0.64% 0.80 5
Evandromyia lenti 2 3 4 1 10 0.34% 0.79 6
Psathyromyia brasiliensis 10 6 6 0 22 0.73% 0.56 7
Psathyromyia shannoni 0 1 1 7 9 0.30% 0.54 8
Nyssomyia whitmani 0 3 0 0 3 0.10% 0.04 9
Nyssomyia intermedia 0 1 0 0 1 0.03% 0.04 10
Total 622 959 584 771 2936 100% - -
% 21.5% 32.4% 19.8% 26.3% 100% - - -
H’ 1.097 1.008 0.993 0.978 - - - -
47
O ambiente com maior número de flebotomíneos coletados foi a mata, com 32,4% dos
espécimes, seguido do bambu e do pinheiral, com 26,3% e 21,5% respectivamente, e
finalmente a trilha com 19,8% (Tabela 1).
Dentre as espécies coletadas, E. walkeri foi a mais abundante em cada ecótopo
pesquisado, com 77,6% de todos os flebotomíneos coletados (SISA = 1,0), seguida por E.
evandroi com 17,5% (SISA = 0,87) (Figura 2). As espécies com menor abundância foram N.
whitmani (SISA = 0,04) e N. intermedia (SISA = 0,04) (Tabela 1).
Fig. 2 Indice padronizado de abundância e espécies (SISA) total, em ambientes antropizados
(pontos bambu e trilha) e em ambientes silvestres (pontos mata e pinheiral).
48
O local de coleta com maior diversidade, de acordo com o índice de diversidade de
Shannon (H’), foi o pinheiral (H’ = 1.097), seguido da mata (H’ = 1.008) (Tabela 1).
P. wellcomei teve maior abundância nos pontos de menor ação antrópica, enquanto
que L. longipalpis se mostrou mais presente nos ambientes de intervenção humana mais
evidente (Tabela 1) (Figura 3).
Fig. 3 Ocorrência de L. longipalpis e P. wellcomei em ambientes antropizados (pontos bambu
e trilha) e silvestres (pontos mata e pinheiral).
Quanto ao número mensal de flebotomíneos coletados, o mês onde as coletas
alcançaram maior número foi maio de 2012, com 33,7% dos flebotomíneos de todas as
capturas realizadas. O mês com menor número de flebotomíneos foi abril de 2013, com
apenas cinco espécimes, sendo quatro E. evandroi e um E. walkeri (Tabela 2).
49
Tabela 2 Espécies de flebotomíneos coletados mensalmente na UC.
Espécies Meses
Total Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr
Evandromyia walkeri 863 156 299 86 80 90 142 68 92 300 120 1 2297
Evandromyia evandroi 87 29 63 19 36 32 34 35 40 80 36 4 495
Psychodopygus wellcomei 25 5 9 9 2 0 0 0 0 3 1 0 54
Sciopemyia sordellii 10 0 4 2 3 4 1 0 0 1 1 0 26
Psathyromyia brasiliensis 8 0 5 5 4 0 0 0 0 0 0 0 22
Lutzomyia longipalpis 7 2 1 0 6 0 1 0 0 2 0 0 19
Evandromyia lenti 5 0 0 1 0 1 0 2 1 0 0 0 10
Psathyromyia shannoni 1 0 1 7 0 0 0 0 0 0 0 0 9
Nyssomyia whitmani 0 0 2 0 1 0 0 0 0 0 0 0 3
Nyssomyia intermedia 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Total 1007 192 384 129 132 127 178 105 133 386 158 5 2936
Em todos os meses de coleta, as espécies com maior frequência foram E. walkeri e E.
evandroi (Tabela 2). P. wellcomei foi a terceira espécie mais numerosa nos meses de maio,
junho, julho, agosto e fevereiro (Tabela 2), sempre em meses com alguma quantidade de
chuva (Figura 4). Notou-se a tendência para uma maior quantidade de flebotomíneos da
maioria das espécies nos meses chuvosos (Tabela 2).
50
Fig. 4 Distribuição anual de P. wellcomei e L. longipalpis na Flona de Nísia floresta e
variáveis climáticas (umidade relativa do ar, chuva e temperatura média).
51
Discussão
As espécies mais abundantes foram E. walkeri e E. evandroi, espécies ainda não
identificadas como vetoras de leishmanioses. Contudo, é relevante a presença de vetores
como L. longipalpis, N. whitmani, N. intermedia e P. wellcomei.
Dentre os flebotomíneos vetores, constatou-se a associação de L. longipalpis,
transmissor de L. infantum, a ambientes modificados, uma vez que a maioria foi coletada
nesse ambiente. Isso está de acordo com muitos estudos sobre a ocorrência dessa espécie em
ambientes modificados, ou que evidenciam seu comportamento antropofílico [4, 34, 35].
Nyssomyia whitmani, N. intermedia e P. wellcomei, espécies indicadas como vetoras
de TL em ambientes silvestres do Nordeste [10, 16, 36-38], demonstraram preferência pelas
áreas mais preservadas da UC, P. wellcomei e N. whitmani se mostraram predominantemente
silvestres nas áreas pesquisadas, uma vez que a maioria das capturas de ambas as espécies
ocorreram em ambientes de mata.
Na área estudada foi observada diferença entre os habitats das espécies vetoras de LT
e L. longipalpis, transmissora de LV, o que deve ser definido por fatores fitogeográficos e
biológicos. Essa diferença foi também sugerida em estudos feitos por outros autores no estado
da Bahia, onde L. longipalpis ocorre em áreas de Caatinga ou com evidente ação antrópica,
enquanto que N. whitmani e N. intermedia em áreas de floresta tropical [35, 39, 40]. Isso
mostra que em algumas regiões existe uma provável associação das espécies transmissoras de
LT com ambientes florestais, enquanto que L. longipalpis, transmissor de LV, está
relacionado a ambientes de Caatinga ou a áreas mais degradadas com ação antrópica evidente.
O fato de L. longipalpis estar mais presente no ambiente antropizado confirma o
comportamento antropofílico da espécie e certamente se relaciona aos casos de LV humana na
região metropolitana de Natal. No Rio Grande do Norte foram diagnosticados 799 casos de
LV entre 2007 e 2014, sendo 297 nos municípios da região Metropolitana [24]. Desse modo,
52
a maior frequência de L. longipalpis nos ambientes antropizados confirma o potencial
invasivo desta espécie, assim como seu sucesso como vetor em áreas urbanizadas.
P. wellcomei, a terceira espécie mais abundante desse estudo, foi inicialmente
encontrada na Amazônia brasileira [41, 42] e posteriormente no Nordeste, em florestas do
estado do Ceará [36], em ambientes florestal e peridomiciliar do estado do Maranhão [16], e
em ambientes florestais das regiões metropolitanas dos estados de Pernambuco [38] e do Rio
Grande do Norte [18].
A ocorrência de P. wellcomei se mostra de grande relevância, uma vez que no Brasil
essa espécie foi comprovada como vetora de LT [16, 36-38, 41, 43] e exerce intensa
antropofilia mesmo em período diurno [44]. Apesar de área endêmica da doença no Rio
Grande do Norte estar na região serrana do estado, o achado dessa espécie na região
metropolitana com abundância maior em alguns meses do ano reforça a necessidade de
vigilância, uma vez que na área moradores, funcionários e pesquisadores estão diariamente
próximo ou no interior da mata.
Nesse estudo P. wellcomei se mostrou relacionada aos meses chuvosos, seguindo o
mesmo padrão descrito na Amazônia [11]. Essa espécie ocorre predominantemente nesse
período, o que nos faz suspeitar da possibilidade de diapausa durante a estação seca como
cogitado em pesquisas na Amazônia [45]. A diapausa parece ser uma estratégia adotada pelos
flebotomíneos para sobreviverem durante condições adversas ou extremas, estratégia já
observada em algumas espécies de Phlebotomus e Lutzomyia [46-49].
Nyssomyia whitmani é uma espécie antropofílica, podendo ser considerada a mais
importante vetora de L. braziliensis [10, 13, 15]. A presença dessa espécie, mesmo em
pequeno número, também é importante, apesar da área não ser endêmica para LT, uma vez
que essa espécie é vetora de L. braziliensis no Nordeste do Brasil [7, 50].
53
É importante ressaltar a expansão urbana nos limites da UC, onde atualmente há um
aumento no número de condomínios residenciais. Tal interferência pode conduzir à adaptação
dos vetores a novos ambientes e a fontes alternativas de alimento, e em algum momento
propiciar ciclos de transmissão do protozoário, como observado após colonização ou
desmatamentos [51-54].
A presença de espécies predominantemente silvestres, mencionadas nesta pesquisa,
indica certa persistência das condições de sobrevivência, e consequentemente potencial para
transmissão, apesar da crescente degradação ambiental ocorrida nos arredores da área
estudada. É importante destacar a crescente adaptação das espécies vetoras aos ambientes
modificados pelo homem [55], o que pode contribuir para manter o potencial vetorial dessas
espécies.
Nas áreas de maior ação antrópica da UC, bambu e trilha, apesar de E. walkeri e E.
evandroi serem dominantes, é relevante a presença concomitante de P. wellcomei, mais
adaptada a ambientes silvestres, e de L. longipalpis, espécie já urbanizada. Nesse sentido, é
importante a possibilidade dos flebotomíneos buscarem alimento em áreas habitadas, como
sugerido em outro estudo realizado na região metropolitana de Natal, quando cogitada a
possibilidade desses vetores estarem adaptados à alimentação em plantas exóticas, uma vez
que os monossacarídeos neles encontrados coincidiram com os mesmos detectados em
vegetais como Eucalyptus sp. (eucalipto) e Pennisetum pupureum (capim elefante) [56].
P. shannoni foi capturada em três pontos: bambu, trilha e mata. Essa espécie é
considerada, nos Estados Unidos da América, vetora do Vesiculovirus causador da estomatite
vesicular [57], e alguns estudos indicam que L. infantum consegue se desenvolver bem nesse
flebotomíneo [58]. Existe ainda a hipótese de que a presença de cães infectados em áreas de
ocorrência de P. shannoni poderia dar início a ciclos epidêmicos [59].
54
Uma vez que a expansão, bem como a urbanização das leishmanioses resultam de
interações entre os hospedeiros e o protozoário parasito, bem como da degradação ambiental,
os estudos objetivando analisar a bioecologia das espécies vetoras e seu potencial de
adaptação a novos ambientes, se constituem em fontes de informação que podem contribuir
com a vigilância epidemiológica das leishnmanioses.
Conclusões
O período mais chuvoso foi o de maior ocorrência de flebotomíneos, e a maior
abundância e diversidade se deu em área de mata preservada.
Ficou demonstrada uma diferença na composição das espécies entre os ambientes mais
antropizados e os mais preservados.
P. wellcomei se confirmou como espécie adaptada ao período mais chuvoso do ano, e
a ambientes silvestre, especialmente com mata mais preservada. Contudo, essa espécie já
demonstra alguma adaptação a ambientes degradados, uma vez que nesse estudo aparece
também nos ambientes de maior ação antrópica.
L. longipalpis pareceu mais adaptado aos locais com maior intervenção antrópica,
contudo, ainda existente nos ambientes mais preservados.
Abreviações
LT: leishmaniose tegumentar; LV: leishmaniose visceral; CDC: Center for Diseases
Control; FLONA: Floresta Nacional; UC: Unidade de Conservação.
Conflito de interesses
Os autores declaram que não possuem conflito de interesses.
55
Agradecimentos
Ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), à direção e
aos servidores da Floresta Nacional (FLONA) de Nísia Floresta pela permissão e apoio.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo suporte
financeiro.
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63
CAPÍTULO 02
Sazonalidade de flebotomíneos no Nordeste do Brasil
Sazonalidade de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae), transmissores de Leishmania, na
área interna e externa de uma Unidade de Conservação de Mata Atlântica do Nordeste
do Brasil
Marcos Paulo Gomes Pinheiro. Laboratório de Entomologia, Departamento de
Microbiologia e Parasitologia, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Avenida Senador Salgado Filho, 3000, Natal, RN, Brasil. [email protected].
Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes. Laboratório de Entomologia, Departamento de
Microbiologia e Parasitologia, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Avenida Senador Salgado Filho, 3000, Natal, RN, Brasil. [email protected]
Palavras-chave: Flebotomíneo, sazonalidade, leishmaniose, mata atlântica, Lutzomyia
walkeri, Lutzomyia wellcomei.
Este artigo será submetido ao periódico Vector-Borne and Zoonotic diseases (A2 em Ciências
Ambientais) e, portanto, está formatado de acordo com as recomendações desta revista
(http://www.liebertpub.com/forauthors/vector-borne-and-zoonotic-diseases/67/).
64
Resumo
Introdução: Flebotomíneos transmitem parasitas do gênero Leishmania, causadores das
leishmanioses visceral e tegumentar. As leishmanioses são doenças de grande circulação
mundial que ocorrem em todas as regiões do Brasil. A região Nordeste é a segunda do país
em casos de leishmaniose tegumentar e apresenta a maioria dos casos de leishmaniose
visceral, doença que se encontra em franca expansão, responsável por considerável número de
óbitos. Esse estudo busca conhecer a fauna de flebotomíneos da área interna e de
peridomicilios do entorno de um fragmento de Mata Atlântica do Nordeste do Brasil,
enfatizando aspectos da bioecologia e sazonalidade das espécies vetoras das leishmanioses.
Materiais e Métodos: Aconteceram três capturas mensais durante três anos, em ambientes
silvestres e peridomiciliares, utilizando-se armadilhas CDC. Resultados: Foram capturados
75.499 flebotomíneos das espécies Lutzomyia walkeri, Lutzomyia wellcomei, Lutzomyia
longipalpis, Lutzomyia evandroi, Lutzomyia lenti, Lutzomyia brasiliensis, Lutzomyia
abonnenci, Lutzomyia sordellii, Lutzomyia schreiberi, Lutzomyia whitmani e Lutzomyia
sallesi. As espécies mais abundantes foram L. walkeri (79,7%), L. wellcomei (12,7%), L.
longipalpis (3,1%) e L. evandroi (2,9%). As armadilhas colocadas a um e a seis metros de
altura na mata, e a um metro no peridomicílio rural foram as que apresentaram maior
abundância. Conclusões: Os flebotomíneos de modo geral foram mais abundantes no
ambiente silvestre, com pico de ocorrência em janeiro e fevereiro, mas também apresentaram
grande densidade no peridomicílio rural. A abundância de L. walkeri torna importante mais
estudos acerca da bioecologia da espécie. Esse estudo aponta a relação de L. wellcomei aos
meses chuvosos de temperaturas mais baixas. L. longipalpis, L. evandroi e L. lenti
demonstraram preferência pelos ambientes antropizados. L. walkeri teve seus picos de
ocorrência nos meses de janeiro e fevereiro, L. wellcomei de fevereiro a julho, enquanto que
L. longipalpis não apresentou padrão, com um pico apenas entre janeiro e fevereiro de 2014.
65
Palavras-chave: Flebotomíneo, sazonalidade, leishmaniose, mata atlântica, Lutzomyia
walkeri, Lutzomyia wellcomei.
Introdução
Os flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) são responsáveis pela transmissão de
parasitas do gênero Leishmania, causadores da leishmaniose visceral (LV) e da leishmaniose
tegumentar (LT). As leishmanioses são consideradas doenças bastante complexas, uma vez
que estão envolvidas diversas espécies de agentes causadores e de vetores (Sharma e Singh
2008).
No Brasil a LV é causada por Leishmania infantum, que tem como principal vetor o
flebotomíneo Lutzomyia longipalpis (Lainson e Rangel 2005). A LT possui diferentes vetores
e agentes etiológicos, sendo os principais vetores Lutzomyia whitmani, Lutzomyia intermedia,
Lutzomyia migonei, Lutzomyia complexa e Lutzomyia wellcomei (Oliveira et al. 2004,
Azevedo et al. 1990, Queiroz et al. 1994, Teodoro et al. 2003, Alessi et al. 2009, Diniz et al.
2014, Freitas et al. 2015). Leishmania braziliensis é o agente etiológico mais distribuído e
principal responsável pelos casos de LT nos estados do Nordeste (Queiroz et al. 1994).
Apesar das leishmanioses ocorrerem em todas as regiões do Brasil, no Nordeste está
concentrada a maioria dos casos de LV, com 53,6%. A região apresenta ainda grande
quantidade de casos de LT, uma vez que apresentou 27% dos casos em 2015, ficando atrás
apenas da região Norte, que teve 46% (Sesap 2015, Ministério da Saúde 2016). A LV está em
franca expansão e urbanização em todas as regiões do país nas últimas décadas, bem como a
LT, forma mais associada à invasão de ambientes silvestres com objetivo de povoamentos,
criação de empreendimentos, surgimento de núcleos populacionais e atividades agrícolas
(Marzochi 1992, Vale e Furtado 2005).
66
O presente estudo objetivou conhecer a composição e distribuição das espécies de
flebotomíneos da área interna e externa de uma Unidade de Conservação de Mata Atlântica,
analisando sua sazonalidade, estratificação horizontal e vertical, com ênfase nas possíveis
espécies vetoras de LT e LV, ampliando o conhecimento sobre as mesmas e contribuindo com
a vigilância epidemiológica.
Materiais e Métodos
Área de estudo
A pesquisa aconteceu na área interna e no entorno de uma Unidade de Conservação
(UC) de Mata Atlântica do município de Nísia Floresta, estado do Rio Grande do Norte,
Nordeste do Brasil. O município de Nísia Floresta fica a 30 quilômetros da capital do estado,
Natal, possui diversas praias e lagos de importância turística, área de 307,841 Km², e
população estimada em 26.994 habitantes em 2016 (IBGE 2016).
A UC, denominada Floresta Nacional de Nísia Floresta, está em uma região
historicamente usada para plantio de cana de açúcar. Possui composição florística típica de
áreas alteradas, com espécies vegetais nativas e exóticas, em uma área total de 168,84
hectares. Está dividida em um fragmento de floresta nativa, com floresta estacional
semidecidual (FES) (45,2%) e tabuleiro litorâneo (14,1%), e uma área de experimentos
florestais (40,7%) (Figura 1) (Brasil 2012).
67
Figura 1. Unidade de Conservação da Mata Atlântica onde aconteceu a pesquisa no
município de Nísia Floresta, Rio Grande do Norte, Brasil, com pontos de coleta. Três alturas
na área de mata: 12 metros (P1A), 6 metros (P1B) e 1 metro (P1C), borda da mata (P2),
ambiente peridomiciliar rural (P3) e ambiente peridomiciliar do condomínio residencial (P4).
68
A floresta estacional semidecidual se encontra em avançado estágio de regeneração,
possui cerca de 80 hectares com árvores de altura entre os 10 e 25 metros. As principais
espécies são Bowdichia vigilioides (sucupira), Lecythis pisonis (sapucaia), Buchenavia sp.
(mirindimba), Tapirira guianenis (cupiúba), Myrcia sp. (pau mulato), Coccoloba sp. (cauaçu),
Tocoyena sp. (juruparana), Hymenaea sp. (jatobá), Cassia apoucovita, C. ferrea (pau ferro),
Tabebuia sp. (ipê), C. echinata (Brazilwood), B. forficata (Brazilian orchard tree), entre
outras (Brasil 2012).
As coletas aconteceram na área interna e no entorno da Unidade de Conservação, nos
seguintes pontos: três estratos no mesmo ponto da área de mata conservada denominada ponto
1 (P1A, P1B, P1C) (6° 4'57.45"S/ 35°11'5.80"O) que é o ponto onde a FES se encontra de
forma mais conservada; na borda da FES, denominado ponto 2 (P2)
(6°5'2.93"S/35°11'17.06"O), limitada por uma cerca que de um lado possui um aceiro
(firebreak) e do outro uma estrada de terra que separa a área da UC das propriedades vizinhas;
ambiente peridomiciliar rural, denominado ponto 3 (P3) (6°4'56.26"S/35°11'13.62"O), possui
uma casa com três pessoas adultas, e no peridomicílio plantação de Pennisetum purpureum
(capim), Manihot esculenta (mandioca), e árvores frutíferas como Mangifera indica
(mangueiras), Persea americana (abacateiros), Cocos nucifera (coqueiros), Musa sp.
(bananeiras) e Citrus sp. (laranjeiras e limoeiros), dentre outras, e animais domésticos que são
Gallus gallus (galinhas), Cairina moschata (patos), Canis lupus familiaris (cães), e Equus
caballus (cavalo); e ambiente peridomiciliar de um condomínio residencial com 263
residências, denominado ponto 4 (P4) (6°5'11.76"S/35°11'27.05"O), situado junto a UC
limitada pela estrada de terra (Figura 1).
Captura e identificação dos flebotomíneos
As coletas aconteceram três vezes ao mês, durante 36 meses, de setembro de 2013 a
agosto de 2016, com armadilhas luminosas CDC (Center for Disease Control), ligadas das
69
17h00min às 7h00min do dia seguinte. Foram utilizadas seis armadilhas, dispostas da seguinte
forma: três em P1, sendo uma a 12 metros de altura (P1A), uma a 6 metros (P1B) e outra a 1
metro (P1C), uma a 1 metro no ponto 2 (P2), uma a 1 metro no ponto 3 (P3) e outra, também
a 1 metro no ponto 4 (P4) (Figura 1).
Todos os flebotomíneos capturados foram identificados de acordo com Young e
Duncan (1994) por meio de suas características morfológicas, e em seguida armazenados na
Coleção Entomológica Professor Adalberto Antônio Varela-Freire da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte.
Análise estatística
Para análises de comparação entre as diversidades dos diferentes ambientes foi
utilizado o Indice de Diversidade de Shannon-Wiener (H’) (Magurran 1988), e feito o teste de
Kruskal-Wallis para comparações entre os pontos de coleta, com nível de significância menor
ou igual a 0.05, por meio do software Bioestat 5.3 (Kenney e Krebs 2000).
Para comparação e abundancia foi usado o Standardized Index of Species Abundance
(SISA) (Roberts e Hsi 1979), com valores entre 0 e 1, utilizando-se o Microsoft Office Excel
2013.
Os resultados obtidos nas coletas foram comparados às médias mensais de
precipitações pluviométricas, temperaturas e umidade relativa do ar, disponibilizados pelo
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) (Inmet 2016), utilizando-se o teste de correlação
cruzada (cross-correlation), através do software Paste 2,17c.
Resultados
Foram coletados 75.499 flebotomíneos pertencentes a 11 espécies: Lutzomyia walkeri,
L. wellcomei, L. longipalpis, Lutzomyia evandroi, Lutzomyia lenti, Lutzomyia brasiliensis,
70
Lutzomyia abonnenci, Lutzomyia sordellii, Lutzomyia schreiberi, L. whitmani e Lutzomyia
sallesi (Tabela 1).
Tabela 1. Espécies de flebotomíneos capturados em cada ecótopo, proporção macho/fêmea,
percentual (%), SISA e índice de diversidade de Shannon (H’). Três alturas na área de mata:
12 metros (P1A), 6 metros (P1B) e 1 metro (P1C), borda da mata (P2), ambiente
peridomiciliar rural (P3) e ambiente peridomiciliar do condomínio residencial (P4).
Espécies Ecótopos
Total ♂:♀ % SISA P 1A P 1B P 1C P 2 P 3 P 4
Lutzomyia walkeri 9717 12740 21039 3260 11725 1705 60186 3,3:1 79.718 1,00
Lutzomyia wellcomei 1055 2411 4868 812 440 37 9623 0,4:1 12.746 0,89
Lutzomyia longipalpis 5 19 61 57 2102 106 2350 4,6:1 3.113 0,87
Lutzomyia evandroi 101 190 360 252 783 541 2227 1,9:1 2.950 0,89
Lutzomyia lenti 9 18 41 51 327 123 569 1,8:1 0.754 0,86
Lutzomyia brasiliensis 36 118 139 9 2 3 307 1,9:1 0.407 0,86
Lutzomyia abonnenci 19 23 22 4 32 2 101 0,8:1 0.134 0,86
Lutzomyia sordellii 8 10 18 24 13 3 76 0,2:1 0.101 0,86
Lutzomyia schreiberi 2 8 17 15 10 4 56 2,3:1 0.074 0,85
Lutzomyia whitmani 0 0 2 0 0 0 2 1,0:1 0.003 0,02
Lutzomyia sallesi 0 0 0 1 0 0 1 0,0:1 0.001 0,02
Total 10952 15537 26567 4485 15434 2524 75499 2,4:1 100.0 -
% 14.506 20.579 35.189 5.940 20.443 3.343 100.000 - - -
H’ 0,18 0,25 0,27 0,38 0,36 0,42 - - - -
De forma geral, a proporção foi de 2,4 machos para cada fêmea coletada. A maior
proporção de machos foi apresentada pelas espécies L. longipalpis (4,6/1), L. walkeri (3,3/1),
L. schreiberi (2,3/1), L. evandroi (1,9/1), L. brasiliensis (1,9/1) e L. lenti (1,8/1), enquanto
que L. abonnenci (0,8/1), L. wellcomei (0,4/1) e L. sordellii (0,2/1) apresentaram maior
número de fêmeas por machos.
As armadilhas com maior número de flebotomíneos foram a mais próxima ao solo da
mata (P1C), com 26.567 espécimes (35,2%), seguida pelas de seis metros do solo da mata (P
1B), com 15.537 (20,6%) e peridomicílio rural (P3) com 15.434 (20,4%) (Tabela 1).
Apesar da representativa abundância de flebotomíneos em todas as armadilhas da
mata, comprovou-se a preferência desses insetos pelas atividades mais próximas ao solo
71
(P1C), com diferenças significativas entre o ponto na copa das árvores (P1A) e no solo (P1C)
(p<0,05). O ponto junto ao solo da mata (P1C) aparece como o ponto onde ocorreu o maior
número de flebotomíneos, bem como das espécies L. walkeri, L. wellcomei, L. brasiliensis e
L. schreiberi. As espécies L. longipalpis, L. evandroi e L. lenti foram mais abundantes nos
ambientes peridomiciliares.
Os ambientes que apresentaram maior diversidade foram o condomínio (P4)
(H’=0,42), a borda da mata (P2) (H’=0,38), e o peridomicílio rural (P3) (H’=0,36).
A espécie mais abundante em todos os locais de coleta foi L. walkeri com 79,7% dos
flebotomíneos coletados (SISA=1,00), principalmente na armadilha próximo ao solo da mata
(P1C), onde foram coletados 21.039 indivíduos (Tabela 1 e figura 2). As próximas mais
abundantes foram L. wellcomei com 12,7% (SISA=0,89), L. evandroi com 2,9% (SISA=0,89)
e L. longipalpis com 3,1% (SISA=0,87) (Tabela 1).
Figura 2. Flebotomíneos mais abundantes a 12 metros na copa das árvores (P1A), a 6 metros
(P1B), próximo ao solo a 1 metro (P1C), na borda da mata (P2), no peridomicílio rural (P3) e
no peridomicílio do condomínio (P4) de setembro de 2013 a agosto de 2016.
72
Lutzomyia wellcomei foi a segunda espécie mais abundante na área de mata (P1A, P1B
e P1C) e da borda (P2), ocorrendo também nos ambientes antropizados como no
peridomicílio rural (P3) e condomínio (P4), contudo em menor abundância (Tabela 1 e figura
2).
O ambiente com maior densidade de L. longipalpis foi o peridomicílio rural (P3), onde
apareceu como a segunda espécie mais abundante. A espécie ocorreu também nos outros
ecótopos, mas em menor densidade (Tabela 1 e figura 2).
Foi observada uma maior abundância de flebotomíneos sempre nos meses de janeiro e
fevereiro, principalmente devido à grande densidade de L. walkeri nesses meses, localizados
no final do período seco e início da estação chuvosa na região. Outras espécies que também
predominaram nesses mesmos meses foram L. evandroi e L. lenti. A maior ocorrência de L.
wellcomei foi observada nos meses chuvosos, sendo praticamente ausente nos meses com os
menores índices pluviométricos (Figura 3).
Análises feitas por correlação cruzada (cross-correlation) revelaram inexistência de
relação entre o total de flebotomíneos e as chuvas do mês de coleta (p>0,05). No entanto, as
chuvas de dois (corr=0,33154), quatro (corr=0,42887) e cinco (corr=0,50071) meses antes
influenciaram nas capturas (p<0,05).
Para as espécies L. walkeri, L. evandroi, L. longipalpis e L. lenti não houve relação
com as chuvas do mês de coleta (p>0,05), mas foram observadas correlações defasadas com
essa variável climática. Para L. walkeri houve correlação positiva das chuvas ocorridas dois
(corr.=0,33573), quatro (corr.=0,43244) e cinco (corr.=0,53493) meses antes (p<0,05). Para a
espécie L. evandroi a análise revelou influência positiva das chuvas ocorridas quatro
(cor.=0,57912) e cinco (cor.=0,46004) meses antes (p<0,05). Para L. longipalpis a correlação
indicou influência positiva das chuvas ocorridas quatro (cor.=0,36804) e cinco (cor.=0,58542)
meses antes (p<0,05). Para a espécie L. lenti, houve correlação positiva das chuvas ocorridas
73
quatro (corr.=0,55132) e cinco (cor.=0,47816) meses antes (p<0,05). A ocorrência da espécie
L. wellcomei foi influenciada de forma positiva pelas chuvas no mês de coleta (cor.=0,47144),
bem como um mês antes (cor.=0,34502) (p<0,05).
Figura 3. Ocorrência das espécies mais abundantes e variáveis climáticas, de setembro de
2013 a agosto de 2016.
74
As análises de correlação cruzada mostraram ausência de corrrelação entre o total de
flebotomíneos e a umidade relativa do ar no mês de coleta (p>0,05). No entanto, a umidade de
quatro (cor.=0,43911) e cinco (cor.=0,4582) meses antes influenciaram nas capturas (p<0,05).
A ocorrência das espécies L. walkeri, L. evandroi, L. longipalpis e L. lenti não mostrou
relação significativa com a umidade do mês de coleta (p>0,05), mas a correlação cruzada
indicou influência defasada da umidade (p<0,05). Para L. walkeri houve influência positiva da
umidade de quatro (cor.=0,4834) e cinco (cor.=0,52023) meses antes. L. evandroi teve sua
ocorrência relacionada positivamente à umidade de três (cor.=0,40565), quatro (cor.=0,56295)
e cinco (cor.=0,45062) meses anteriores. Para L. longipalpis houve correlação positiva com a
umidade ocorrida quatro (cor.=0,40144) e cinco (cor.=0,40582) meses antes. L. lenti foi
influenciada de forma positiva pela umidade de três (cor.=0,39545), quatro (cor.=0,58646) e
cinco (cor.=0,46304) meses anteriores. A ocorrência da espécie L. wellcomei foi influenciada
positivamente pela umidade no mês de coleta (cor.=0,52699), bem como de um
(cor.=0,34571), quatro (cor.=0,36586), cinco (cor.=0,42232) e seis (cor.=0,4202) meses antes
(p<0,05).
A correlação cruzada mostrou relação positiva (cor.=0,3859) entre o total de
flebotomíneos e a temperatura ambiental no mês de coleta (p<0,05), assim como no mês
anterior (cor.=0,39376) e dois meses antes (cor.=0,37867) (p<0,05).
Para as espécies L. wellcomei, L. evandroi e L. longipalpis não houve relação com a
temperatura do mês de coleta (p>0,05), mas a correlação cruzada indicou influência da
temperatura ocorrida em meses anteriores (p<0,05). A ocorrência da espécie L. walkeri foi
influenciada positivamente pela temperatura do mês de coleta, bem como de um
(cor.=0,48081) e dois (cor.=0,46181) meses antes. L. evandroi teve correlação positiva apenas
com a temperatura do mês anterior (cor.=0,38238). L. longipalpis teve a ocorrência
correlacionada negativamente com temperaturas de cinco meses antes (cor.=-0,41611). L.
75
lenti teve correlação positiva com a temperatura no mês de captura (cor.=0,36953), assim
como em um mes antes (cor.=0,38902) (p<0,05). Para L. wellcomei houve correlação negativa
com as temperaturas ocorridas um (cor.=-0,44397), dois (cor.=-0,43629) e três (cor.=-
0,35252) meses antes (p<0,05).
Discussão
Estudos acerca da bioecologia e sazonalidade dos flebotomíneos vetores das
leishmanioses são relevantes, especialmente quando o acompanhamento acontece em longo
prazo, o que possibilita um melhor entendimento dos fatores que influenciam sua ocorrência,
e servindo inclusive como indicador de risco de transmissão.
O número de espécimes coletados foi bastante elevado, contudo o número de espécies
é inferior a outros estudos, por exemplo em Pernambuco, onde Carvalho et al. (2007)
encontrou 16 espécies coletando durante um ano em abrigos de animais perto de casas,
plantações e remanescentes da Mata Atlântica, e Andrade et al. (2005) também no período de
um ano encontrou 16 espécies em um remanescente de mata atlântica dentro de uma área de
treinamento militar.
A espécie mais abundante em todos os ecótopos pesquisados foi L. walkeri.
Comparando-se com trabalhos anteriores no mesmo município, em que a espécie representou
apenas 7,46% dos flebotomíneos capturados e L. longipalpis 64,47% (Ximenes et al. 2000),
percebe-se uma mudança na composição das espécies, tornando importante maiores
investigações acerca de sua bioecologia. L. walkeri, não é associada à transmissão de
Leishmania, mas como outros dípteros, possui importância ecológica, servindo certamente de
alimento para aves, lagartos, sapos, aranhas e insetos, além de contribuir com a polinização,
uma vez que algumas espécies buscam o néctar das flores como fonte de açúcar (Müller e
Schlein 2004, Fang 2010, Miller 2012).
76
Esse trabalho cita pela primeira vez L. schreiberi no estado do Rio Grande do Norte,
espécie com a maioria dos registros na região Sudeste do Brasil (Martins et al. 1978, Silva e
Grunewald 1997, Andrade Filho et al. 2004, Pinto et al. 2010).
Dentre as espécies encontradas, L. longipalpis está relacionada a casos de LV,
causados por L. infantum em todo o país, destacando-se a região Nordeste com grande
número de casos, onde os óbitos podem chegar a 10% (Jerônimo et al. 1994, Lainson e
Rangel 2005). No presente trabalho, a espécie foi pouco representativa, principalmente se
comparado com estudo anterior em que representava mais de 60% dos flebotomíneos
coletados, também no município de Nísia Floresta (Ximenes et al. 2000).
Lutzomyia whitmani foi pouco abundante no presente estudo, mas demonstrou
preferencia pela mata preservada, sendo capturada apenas nesse ambiente. Essa espécie foi
dentificada em outros locais com infecção natural por L. braziliensis, inclusive em ambientes
florestais do Nordeste (Queiroz et al. 1994, Rebêlo et al. 1999, Dantas-Torres et al. 2010,
Donalisio et al. 2012). Contudo, são relevantes os registros acerca de sua fácil adaptação a
ambientes antropizados (Brandão-Filho et al. 2011).
A maioria dos flebotomineos da Floresta Nacional de Nísia Floresta demonstrou
comportamento sazonal relacionado a variáveis ambientais como chuvas, umidade relativa do
ar e temperatura, ocorridas principalmente em meses anteriores, fato provavelmente
relacionado à queda sazonal de folhas e decomposição de matéria orgânica no solo,
favorecendo o desenvolvimento das fases imaturas algum tempo antes.
Uma vez que os seres vivos enfrentam variações diárias e sazonais de temperatura
ambiental que influenciam seus processos fisiológicos e bioquímicos, é importante notar a
maior ocorrência de L. wellcomei na estação chuvosa, entrando provavelmente em diapausa
no período seco, quando se mostra praticamente ausente, fato já apontado na Amazônia
77
brasileira e no Nordeste (Ryan et al. 1986, Rangel e Lainson 2009, Tachinardi 2012, Pinheiro
et al. 2016a).
O comportamento sazonal de L. wellcomei como espécie adaptada aos meses mais
úmidos, chuvosos e de temperaturas mais baixas na região Nordeste do Brasil, bem como sua
atividade também durante o dia (MPG PINHEIRO, manuscrito em preparação) pode ser
importante na profilaxia da LT, de modo a se evitar o contato com a espécie nos períodos de
maior ocorrência. Esses achados reforçam a suspeita da participação de L. wellcomei nos
ciclos de transmissão de L. braziliensis. L. wellcomei é uma espécie altamente antropofílica,
que tem sua importância epidemiológica até o momento restrita a casos de LT na região
amazônica, não sendo ainda comprovadamente associada a casos de LT na região Nordeste
(Fraiha et al. 1971, Lainson et al. 1973, Wilkes et al. 1984, Ryan et al. 1987, Rangel e
Lainson 2009, Pinheiro et al. 2016b).
A maior abundância de flebotomíneos encontrada no estrato mais baixo da mata da
Flona de Nísia Floresta pode estar relacionada às preferencias desses insetos quanto a
açúcares ou repasto sanguíneo em animais terrestres, pelo desenvolvimento larval em matéria
orgânica contida no solo resultante da decomposição de folhas, ou por evitarem o vento nos
estratos superiores (Lainson et al. 1973, Killick-Kendrick 1999, Faiman et al. 2011, Pinheiro
et al. 2013, Witt 2013). Contudo, esse estudo indica que algumas espécies como L. walkeri e
L. wellcomei também estão presentes em grande densidade nos estratos elevados, junto à copa
das árvores sugerindo um comportamento alimentar eclético ou oportunista.
Na área estudada L. wellcomei foi muito frequente na copa das árvores, a
aproximadamente 12 metros, comportamento que deve estar associado à aquisição de
carboidratos em espécies vegetais ou busca de repasto sanguíneo, por parte das fêmeas, em
animais arborícolas como aves, saguis (Callitrix jacchus) e timbus. Alguns estudos,
especialmente na Amazônia, onde as copas das árvores alcançam alturas bem maiores,
78
indicam uma escala de voo vertical próxima ao solo para L. wellcomei (Lainson et al. 1973,
Ward et al. 1973, Rangel e Lainson 2009), associando-os à alimentação em animais que se
mantém junto ao solo, como roedores e marsupiais.
As espécies L. walkeri, L. wellcomei, L. brasiliensis e L. schreiberi, abundantes no
ambiente silvestre, são espécies já associadas a fragmentos florestais do Nordeste do Brasil
(Martins et al. 1978, Ready et al. 1983, Silva e Vasconcelos 2005, Pinheiro et al. 2013), com
exceção de L. wellcomei que é vetor de L. braziliensis na Amazônia (Ready et al. 1983,
Brandão-Filho et al. 1998, Silva e Vasconcelos 2005), não são incriminadas como espécies
vetoras.
As espécies L. longipalpis, L. evandroi e L. lenti foram mais abundantes nos
ambientes peridomiciliares, principalmente na propriedade rural, mostrando-se adaptadas a
ambientes modificados. O fato dessas espécies serem menos abundantes no peridomicílio do
condomínio residencial se deve provavelmente ao fato deste ser recém construído e cercado
por muros que podem atuar como barreiras, enquanto que no ambiente rural a área é aberta
sombreada e possíveis fontes alimentares como árvores frutíferas e animais como Gallus
gallus (galinha), Cairina moschata (pato), Canis lupus familiaris (cão), e Equus caballus
(cavalo).
Conclusões
A maioria das espécies encontradas na Floresta Nacional de Nísia Floresta
demonstram comportamento sazonal relacionado a condições ambientais como chuvas,
umidade relativa do ar e temperatura, seja no momento de ocorrência dos adultos ou
principalmente nas fases imaturas algum tempo antes.
Quanto à estratificação vertical, a maioria das espécies demonstrou preferencia pelos
habitats mais baixos, junto ao solo, mas L. walkeri e L. wellcomei apareceram em grande
79
densidade nas copas das árvores, fato possivelmente relacionado à busca por açúcares ou
repasto sanguíneo em animais arborícolas.
O presente estudo confirma a presença de L. wellcomei em ambientes peridomiciliares
da região, além de sua ocorrência em ambiente silvestre, principalmente nos meses mais
úmidos do ano.
L. longipalpis é confirmada na região como espécie relacionada a ambientes
modificados, demonstrando maior abundancia no peridomicílio rural, e certamente
relacionada a casos de LV ocorrentes na área.
A grande densidade de L. walkeri torna importante os estudos acerca da bioecologia e
adaptação da espécie, que em levantamentos anteriores era das mais raras na área estudada,
passando a ser a mais abundante.
O presente estudo acrescenta conhecimentos sobre composição e distribuição das
espécies de flebotomíneos em áreas de Mata Atlântica do estado do Rio Grande do Norte,
contribuindo com a vigilância epidemiológica.
Agradecimentos
Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo suporte
financeiro, e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (CNPq/ICMBio
No. 552004/2011-1), à direção e aos servidores da Floresta Nacional de Nísia Floresta pela
permissão e pelo apoio durante as atividades de campo.
Author Disclosure Statement
No competing financial interests exist.
80
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Ximenes MFFM, Castellón EG, Souza MF, Freitas RA, Pearson RD, Wilson ME, Jerônimo
SMB. Distribution of Phlebotomine Sand Flies (Diptera: Psychodidae) in the State of Rio
Grande do Norte, Brazil. Journal of Medical Entomology 2000;37(1):162-169.
88
Correspondence address
Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes
Laboratório de Entomologia, Departamento de Microbiologia e Parasitologia, Centro de
Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Avenida Senador Salgado Filho,
3000, Natal, RN, Brasil.
E-mail: [email protected]
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CAPÍTULO 03
Antropofilia de Lutzomyia wellcomei (Diptera: Psychodidae) em uma Unidade de
Conservação de Mata Atlântica do Nordeste do Brasil
Journal of Medical Entomology - Seção: Vector-Borne Diseases, Surveillance, Prevention
Marcos Paulo Gomes Pinheiro – [email protected]
Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes – [email protected]
Laboratório de Entomologia, Departamento de Microbiologia e Parasitologia, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, 59.078-970, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil.
Telefone: +55-84-3342-2286
Este artigo foi publicado no periódico Journal of Medical Entomology (A2 em Ciências
Ambientais) (DOI: 10.1093/jme/tjw089) e, portanto, está formatado de acordo com as
recomendações desta revista (http://jme.oxfordjournals.org/for_authors/manuscript-
preparation.html).
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Resumo
Lutzomyia wellcomei (Fraiha, Shaw & Lainson) (Diptera: Psychodidae) pode atuar como um
importante vetor de Leishmania (Viannia) braziliensis. Esse estudo apresenta os resultados de
coletas feitas em um fragmento de Mata Atlântica de uma Unidade de Conservação do estado
do Rio Grande do Norte. As coletas aconteceram por 12 meses consecutivos utilizando
armadilhas Shannon e CDC. Foi coletado um total de 777 flebotomíneos de oito espécies:
Lutzomyia walkeri (Newstead), Lutzomyia evandroi (Costa Lima & Antunes), Lutzomyia
wellcomei (Fraiha, Shaw & Lainson), Lutzomyia sordellii (Shannon & Del Ponte), Lutzomyia
brasiliensis (Costa Lima), Lutzomyia lenti (Mangabeira), Lutzomyia longipalpis (Lutz &
Neiva) e Lutzomyia abonnenci (Floch & Chassignet). L. wellcomei foi a espécie mais
abundante utilizando-se a armadilha Shannon (97%) e L. walkeri na armadilha CDC (81%). É
importante ressaltar a abundância de L. wellcomei nas coletas realizadas com a armadilha
Shannon, uma vez que esta favorece a captura de espécies antropofílicas. L. wellcomei esteve
presente apenas nos meses com chuvas acima dos 100 milímetros, confirmando-se assim
como uma espécie adaptada aos meses chuvosos.
Keywords: Phlebotominae, Lutzomyia wellcomei, public health, Atlantic Forest
Lutzomyia wellcomei (Fraiha, Shaw & Lainson) (Diptera: Psychodidae) foi encontrado
pela primeira vez em 1968 como parte de uma investigação sobre casos de leishmaniose
tegumentar causados por Leishmania (Viannia) braziliensis entre trabalhadores de uma
estrada na Serra dos Carajás na floresta amazônica, estado do Pará, Brasil (Rangel e Lainson
2009). A espécie foi mais tarde encontrada no Nordeste do país em ambientes florestais do
Ceará, Pernambuco, e Rio Grande do Norte e também em ambientes florestais e
peridomiciliares do estado do Maranhão (Ready et al. 1983, Rebêlo et al. 1999, Silva e
Vasconcelos 2005, Pinheiro et al. 2013).
91
Lutzomyia wellcomei pode atuar como um importante vetor de L. braziliensis dado seu
alto potencial antropofílico, picando humanos avidamente tanto à noite como durante o dia
(Fraiha et al. 1971, Wilkes et al. 1984). É sugerido que roedores e marsupiais sejam os
principais vertebrados fontes de repasto sanguíneo para essa espécie de flebotomíneo
(Lainson et al. 1973).
Em relação a seu comportamento sazonal, L. wellcomei é mais abundante durante a
estação chuvosa e entra em diapausa durante os meses secos, quando é raramente encontrada
(Rangel e Lainson 2009).
Dada a importância de L. wellcomei como uma espécie vetora de L. braziliensis na
Amazônia, bem como sua ocorrência em diversos lugares do Nordeste do Brasil, o objetivo
do presente estudo foi analisar os aspectos locais da sazonalidade e comportamento
antropofílico de L. wellcomei, considerando a possibilidade dessa espécie tornar-se vetora de
L. braziliensis na região, adicionalmente contribuindo com conhecimento das espécies de
flebotomíneos, assim como controle e vigilância epidemiológica.
Materiais e Métodos
Esse estudo aconteceu na Floresta Nacional de Nísia Floresta, uma Unidade de
Conservação (UC) de Mata Atlântica do município de Nísia Floresta, que possui cerca de
26.208 habitantes (IBGE 2015), e está localizado na região metropolitana de Natal, estado do
Rio Grande do Norte, Brasil (Fig. 1). O município é endêmico para leishmaniose visceral
(LV), como as áras rurais do estadeo, mas não possui casos confirmados de leishmaniose
tegumentar (LT), que estão mais restritos à região serrana do estado.
92
Fig. 1. Localização da área de estudo no município de Nísia Floresta, Rio Grande do Norte,
Brasil.
A UC (Latitude: 06º05’12,4” e Longitude: 035º11’04,0”) abrange uma área de 168.84
hectares e consiste de áreas de reflorestamento experimental com diferentes espécies nativas e
exóticas, floresta semidecidual em avançado processo de regeneração, e tabuleiro costeiro.
Ocorrem diversas árvores exóticas, principalmente Eucaliptus sp. e Pinus sp., e uma grande
variedade de espécies endêmicas como oiticica (Licania rigida), sucupira (Bowdichia
vigilioides), jatobá (Hymenaea sp.), pau ferro (Caesalpinea ferrea), ipê (Tabebuia sp.) e pau-
brasil (Caesalpinea echinata), entre outras (MMA 2012).
As principais espécies de vertebrados que ocorrem na UC, e que servem como fonte
de repast ou possíveis reservatórios para Leishmania são raposa (Cerdocyon thous), gambá
(Didelphis albiventris), tatu (Dasypus novemcinctus, Euphractus sexcintus) and sagui
(Callithrix jacchus), entre outros (MMA 2012).
93
As coletas aconteceram uma vez ao mês, no 15º dia, de fevereiro de 2013 a janeiro de
2014, em uma área de mata preservada, utilizando-se uma armadilha de Shannon e uma CDC
equidistantes 300 metros (Fig. 1). As coletas com a armadilha Shannon aconteceram das
17h00min às 20h00min, sempre pelos mesmos dois coletores, utilizando-se lâmpada de luz
branca. Os flebotomíneos que entravam na armadilha ou pousavam nos coletores eram
capturados com auxílio de um aspirador de Castro. A armadilha CDC era instalada a um
metro de altura do solo e funcionava das 17h00min às 7h00min do dia seguinte, quando os
insetos capturados eram levados ao laboratório para processamento. Todos os flebotomíneos
coletados foram clarificados em hidróxido de potássio (KOH), montados em lâminas e
identificados de acordo com a chave de Young e Duncan (1994).
Os resultados foram comparados com dados de precipitação obtidos junto ao Instituto
Nacional de Meteorologia (Inmet 2015). O índice padronizado de abundância de espécies
(SISA), com valores entre zero e um foi determinado utilizando-se o Microsoft Office Excel
2013 e aplicado para comparação das abundâncias (Roberts e Hsi 1979).
Resultados e Discussão
Foi coletado um total de 777 flebotomíneos de oito espécies utilizando-se os dois tipos
de armadilha. A armadilha Shannon capturou 289 espécimes, sendo 281 L. wellcomei (97%)
(SISA=1.00) e 8 Lutzomyia walkeri (3%) (SISA=0.50). A armadilha CDC capturou 488
flebotomíneos de oito espécies: 396 Lutzomyia walkeri (81.1%) (SISA=1.00), 61 Lutzomyia
evandroi (12.5%) (SISA=0.50), 15 L. wellcomei (3.1%) (SISA=0.33), 9 Lutzomyia sordellii
(1.8%) (SISA=0.25), 3 L. brasiliensis (0.6%) (SISA=0.20), 2 L. lenti (0.4%) (SISA=0.17), 1
Lutzomyia longipalpis (0.2%) (SISA=0.14) e 1 Lutzomyia abonnenci (0.2%) (SISA=0.14)
(Table 1) (Fig. 2).
94
Tabela 1. Flebotomíneos coletados na Floresta Nacional de Nísia Floresta, estado do Rio
Grande do Norte, Brasil, de fevereiro de 2013 a janeiro de 2014.
Espécies Shannon
CDC
Total % ♂ ♀ Total % ♂ ♀ Total %
Lutzomyia walkeri 1 7 8 3
276 120 396 81.1 404 52.0
Lutzomyia wellcomei 20 261 281 97
3 12 15 3.1 296 38.1
Lutzomyia evandroi 0 0 0 0
24 37 61 12.5 61 7.9
Lutzomyia sordellii 0 0 0 0
1 8 9 1.8 9 1.2
Lutzomyia brasiliensis 0 0 0 0
2 1 3 0.6 3 0.4
Lutzomyia lenti 0 0 0 0
2 0 2 0.4 2 0.3
Lutzomyia longipalpis 0 0 0 0
0 1 1 0.2 1 0.1
Lutzomyia abonnenci 0 0 0 0 0 1 1 0.2 1 0.1
Total 21 268 289 100 308 180 488 100 777 100
Figure 2. Número mensal das espécies mais abundantes de flebotomíneos coletados na
Floresta Nacional de Nísia Floresta, Rio Grande do Norte, Brasil, de fevereiro de 2013 a
janeiro de 2014.
95
Esse estudo é a primeira descrição da fauna de flebotomíneos em uma UC de Mata
Atlântica do estado utilizando a armadilha Shannon com método de coleta. É importante
enfatizar a abundância de L. wellcomei (97%) nesse tipo de armadilha, que favorece a captura
de espécies antropofílicas. Isso acontece porque, além da fonte luminosa, as pessoas ficam
junto à armadilha durante as coletas e assim atuam como fontes atrativas. Assim, esse método
reflete o comportamento alimentar dos flebotomíneos que são atraídos por odores e CO2
liberados pelos coletores (Perez et al. 1988, Alexander 2000, Galati et al. 2001).
Em ambos os métodos de coleta, L. wellcomei foi a única espécie que ocorreu apenas
nos meses com chuvas acima dos 100 mm, de abril a setembro (Fig. 2), que também
apresentam temperaturas mais amenas na região Nordeste, confirmando que essa espécie é
adaptada aos meses mais úmidos (Lainson e Shaw 1998), com possibilidade de diapausa nos
indivíduos imaturos no período seco, como detectado na floresta amazônica (Ryan et al.
1986). Esse fato pode ter implicações profiláticas, uma vez que as pessoas podem evitar o
contato com o vetor, tendo maiores cuidados na estação chuvosa.
Os animais vertebrados associados à área provêm as condições necessárias à
ocorrência e reprodução dos flebotomíneos. Contudo, as populações humanas residentes em
propriedades rurais e em condomínios recém construídos no entorno da UC podem também
servir como fontes de repastos sanguíneos, uma vez que estão expostas às picadas.
Flebotomíneos são frequentemente associados a fragmentos de Mata Atlântica de áreas
urbanas (Silva e Vasconcelos 2005, Virgens et al. 2008, Pinto et al. 2010), e o
desflorestamento e a urbanização podem fazer com que esses vetores se adaptem e a
Leishmania entre em contato com humanos e reservatórios domésticos (Tolezano 1994,
Rebêlo et al. 1999, Rebêlo et al. 2000). Apesar de não haver registros de casos autóctones de
LT, o município de Nísia Floresta tem se expandido nos últimos anos, com crescimento de
áreas residenciais no entorno da Flona (MMA 2012), inclusive com a migração de populações
96
de outras áreas do estado, incluindo aquelas endêmicas para LT, podendo desencadear casos e
até surtos.
É importante ressaltar a ausência de L. longipalpis, espécie vetora de Leishmania
infantum adaptada a ambientes antropizados, nas coletas realizadas com armadilha Shannon,
assim como a presença de apenas um exemplar na armadilha CDC. Isso se deve
provavelmente à suas características antropofílicas e adaptação a áreas peridomiciliares.
Embora a presença humana na armadilha Shannon atraia espécies antropofílicas, as coletas
aconteceram dentro da área de mata preservada, sendo essa a provável justificativa para a
raridade de L. longipalpis na mata e abundância da espécie em ambientes modificados do
entorno da UC (Ximenes et al. 2007). Apesar de L. longipalpis ser considerado o principal
vetor de L. infantum, não podemos descartar a possibilidade de outras espécies atuarem como
vetoras, assim como relatado em outros estudos (Galati et al. 1997, Pita-Pereira et al. 2008,
Guimarães et al. 2016).
A urbanização, o crescimento e as consequentes alterações na paisagem, combinado
com a presença de vetores, pode resultar no surgimento de casos de LT na região. Apesar de
não haver casos de LT no município, L. wellcomei é um vetor confirmado de L. braziliensis
na Amazônia (Lainson et al. 1973, Ready et al. 1983, Ryan et al. 1987). Assim, a combinação
da presença de um vetor altamente antropofílico, exibindo grande densidade durante a estação
chuvosa, e a migração de populações humanas, pode proporcionar as condições para o
surgimento de casos.
Agradecimentos
Ao Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio), aos
administradores e seguranças da Floresta Nacional (FLONA) de Nísia Floresta pela permissão
e apoio. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao
97
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio
financeiro.
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101
CAPÍTULO 04
Frequência horária para atividade hematofágica de Lutzomyia wellcomei (Diptera:
Psychodidae) em um fragmento de Mata Atlântica da Região Metropolitana de Natal,
Rio Grande do Norte, Brasil
Journal of Medical Entomology - Seção: Vector-Borne Diseases, Surveillance, Prevention
Marcos Paulo Gomes Pinheiro – [email protected]
Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes – [email protected]
Laboratório de Entomologia, Departamento de Microbiologia e Parasitologia, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, 59.078-970, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil.
Telefone: +55-84-3342-2286
Este artigo será submetido ao periódico Journal of Medical Entomology (A2 em Ciências
Ambientais) e, portanto, está formatado de acordo com as recomendações desta revista
(http://jme.oxfordjournals.org/for_authors/manuscript-preparation.html).
102
Resumo
Dentre as espécies de flebotomíneos vetores de Leishmania (Viannia) braziliensis no Brasil,
Lutzomyia wellcomei (Fraiha, Shaw & Lainson) (Diptera: Psychodidae) vem se destacando
nos últimos anos como uma das mais abundantes em fragmentos de Mata Atlântica da região
Nordeste. Esse trabalho apresenta resultados de coletas realizadas com armadilhas Shannon
durante 24 horas seguidas em um fragmento de Mata Atlântica do estado do Rio Grande do
Norte, Nordeste do Brasil. Foram coletados 3.914 flebotomíneos das espécies Lutzomyia
wellcomei (Fraiha, Shaw & Lainson), Lutzomyia walkeri (Newstead), Lutzomyia evandroi
(Costa Lima & Antunes), e Lutzomyia longipalpis (Lutz & Neiva). L. wellcomei foi a espécie
mais abundante (91,9%), predominando no período chuvoso e durante a noite, mas foi a única
espécie ativa durante a maior parte do dia. Esse estudo destaca L. wellcomei como uma
espécie relacionada a períodos chuvosos, com elevada antropofilia e ativa durante o dia em
fragmento de Mata Atlântica da Região Metropolitana de Natal, Nordeste do Brasil.
Palavras chave: Lutzomyia wellcomei, frequência horária, antropofilia, Mata Atlântica, Saúde
Pública, Nordeste.
Introdução
As leishmanioses são causadas por protozoários do gênero Leishmania Ross, 1903,
transmitidos pelos flebotomíneos (Diptera: Psychodidae), pequenos insetos cujas fêmeas são
hematófagas. São doenças amplamente distribuídas em todo o mundo, que ocorrem
principalmente em lugares com condições socioeconômicas precárias, onde acometem
principalmente as camadas sociais mais desfavorecidas. As leishmanioses permanecem como
um grave problema de saúde pública, que necessita continuamente de novos conhecimentos
nas diferentes áreas de ocorrência quanto aos diversos aspectos socioambientais envolvidos
103
Os sinais clínicos podem variar dependendo da espécie de Leishmania envolvida, da
resposta imune do hospedeiro e de fatores ainda não esclarecidos, podendo se manifestar na
forma de leishmaniose tegumentar (LT) ou leishmaniose visceral (LV) (Volf e Hostomska
2008).
A LT causa lesões mutilantes e incapacitantes. No Velho Mundo é causada
principalmente por Leishmania major Yakimoff & Schokhor e Leishmania tropica Wright, e
no Novo Mundo por Leishmania braziliensis Vianna e Leishmania mexicana Biagi (Berman
1997; Desjeux 2004, Rohousova e Ozensoy 2005, Reithinger et al. 2007). A maioria dos
casos está no Afeganistão, Argélia, Iran, Arábia Saudita, Síria, Brasil, Colômbia, Peru e
Bolívia (Desjeux 2004; Modabber et al. 2007). Nos países das Américas, a LT ocorre dos
Estados Unidos à Argentina, mas no Brasil estão concentrados a maioria dos casos do
continente (Rabello et al. 2003; Reithinger et al. 2007; Llanos-Cuentas et al. 2008; Negrão e
Ferreira 2009).
Diversos estudos apontam que ocupações em áreas silvestres e degradação ambiental
são de grande importância no aumento de casos de leishmanioses, uma vez que podem
contribuir com a adaptação e expansão dos flebotomíneos vetores em áreas com intervenção
humana, seja em ambientes urbanos ou periurbanos (Patz et al. 2000; Campbell-Lendrum et
al. 2001; Bern et al. 2008, Saraiva et al. 2012). A expansão de áreas residenciais dentro ou
próximo a ambientes silvestres pode expor as populações ao risco de transmissão da LT,
mesmo em áreas não endêmicas para a doença, dada a proximidade com os insetos vetores e
reservatórios silvestres.
As principais espécies de flebotomíneos relacionados à transmissão de de LT no
Brasil são Lutzomyia intermedia (Lutz & Neiva, 1912) (Rangel et al. 1986, 1990, 1992),
Lutzomyia migonei (França, 1920) (Pessôa e Coutinho 1941; Queiroz et al. 1994), Lutzomyia
whitmani (Antunes & Coutinho, 1939) (Azevedo et al. 1990; Alessi et al. 2009), Lutzomyia
104
umbratilis Ward & Fraiha (Cabanillas e Castellón 1999), Lutzomyia wellcomei Fraiha, Shaw
& Lainson (Ready et al. 1983) e Lutzomyia complexa Mangabeira (Lainson e Shaw 1998).
No Rio Grande do Norte, a LT ocorre principalmente na região Oeste do estado,
predomina em municípios de área serrana entre 500 e 700 metros, e tem L. braziliensis como
agente etiológico (Oliveira et al. 2004). As espécies de flebotomíneos vetores de L.
braziliensis conhecidos no estado até o momento são L. intermedia, L. migonei, L. whitmani e
L. wellcomei (Ximenes et al. 2007, Pinheiro et al. 2016a).
Dentre os vetores de L. braziliensis, L. wellcomei tem se mostrado nos últimos anos a
mais abundante em fragmentos de mata do Rio Grande do Norte (Pinheiro et al. 2013a,
Pinheiro et al. 2016a). L. wellcomei é uma espécie que requer vigilância, uma vez que se
mostra bastante antropofílica e é responsável por casos de LT na região amazônica, Norte do
país (Rangel e Lainson 2009, Pinheiro et al. 2016b).
Esse estudo teve como objetivo conhecer a frequência horária de L. wellcomei em um
fragmento de Mata Atlântica do estado do Rio Grande do Norte, buscando aprofundar
conhecimentos acerca da bioecologia dessa espécie e contribuir com o controle e a vigilância
epidemiológica no estado.
Materiais e Métodos
O estudo aconteceu em um fragmento de floresta estacional semidecidual localizado
na Floresta Nacional de Nísia Floresta (S 06°05’12.4” e W 035°11’04.0”), uma Unidade de
Conservação da Mata Atlântica localizada no município de Nísia Floresta, estado do Rio
Grande do Norte, Nordeste do Brasil (Fig. 1). O município apresenta casos de LV, mas não é
endêmico para LT. Tem 307.839 km² de área, 26.994 habitantes e fica localizado na região
metropolitana de Natal, capital do estado (IBGE 2017) (Fig. 1).
105
Fig. 1. Local de coletas no fragmento de Mata Atlântica (x), Floresta Nacional de Nísia
Floresta, Rio Grande do Norte, Brasil.
A Floresta Nacional de Nísia Floresta fica em uma região turística e de expansão
urbana do município. Possui 168,84 hectares divididos entre um espaço de convivência com
escritórios, campo de futebol, garagem, e residências para pesquisadores, uma área de
experimentos florestais onde predominam espécies exóticas dos gêneros Pinus e Eucalyptus
(MMA 2012), e uma área preservada com floresta estacional semidecidual e tabuleiro
litorâneo.
Na área de convivência são encontradas espécies exóticas como Cocos nucifera L.
(coqueiro), Eugenia uniflora L. (pitangueira), Artocarpus heterophyllus Lam. (jaqueira),
Mangifera indica L. (mangueira), Pinus sp. (pinheiro) e Eucalyptus sp. (eucalipto).
106
A área de floresta estacional semidecidual compreende vegetação nativa com árvores
de médio e grande porte como Licania rigida Benth. (oiticica), Bowdichia vigilioides Kunth
(sucupira), Hymenaea sp. (jatobá), Libidibia ferrea (Mart. ex Tul.) L. P. Queiroz (pau-ferro),
Tabebuia sp. (ipê), e Paubrasilia echinata (Lam.) E. Gagnon, H. C. Lima & G. P. Lewis
(pau-brasil), entre outras. No tabuleiro litorâneo ocorrem Piptadenia moniliformis Benth.
(catanduva), Annacardium occidentalis L. (cajueiro), Byrsonima basiloba Juss. (murici),
Hancornia speciosa Gomes (mangabeira), entre outras (Sena 1999; MMA 2012).
A fauna existente na área da Flona possui uma importante diversidade de artrópodes e
anfíbios, além de cerca de 26 espécies de répteis, 56 de aves e 15 de mamíferos (MMA 2012).
Dentre os representantes da mastofauna, são citados Monodelphis domestica (Wagner, 1842)
(catita), Procyon cancrivorus (G. Cuvier, 1798) (guaxinim), Cerdocyon thous (Linnaeus,
1766) (raposa), Callithrix jacchus (Linnaeus, 1758) (sagui), Tamandua tetradactyla
(Linnaeus, 1758) (tamanduá-mirim), Euphractus sexcintus (Linnaeus, 1758) (tatu-peba),
Dasypus novemcinctus Linnaeus, 1758 (tatu-verdadeiro) e Didelphis albiventris Lund, 1840
(timbu), entre outros (MMA 2012).
As coletas aconteceram na área preservada de floresta estacional semidecidual,
utilizando uma armadilha Shannon (Shannon 1939) e como atrativo uma lâmpada de luz
branca alimentada por bateria de 6 volts. Foram feitas três coletas com duração de 24 horas,
iniciando às 16 horas, e finalizando no mesmo horário do dia seguinte, nos meses de junho,
agosto e outubro de 2016. Na área de estudo, o sol nasce por volta das 5h15min e se põe cerca
de doze horas depois. Consideramos como crepuscular o período com certa claridade devido a
dispersão da luz solar na atmosfera antes de se estabelecer o dia ou a noite.
As capturas foram sempre feitas por dois coletores, protegidos com vestimentas para
proteção individual. Os flebotomíneos que pousavam na armadilha ou nos coletores foram
capturados com aspirador manual, armazenados em frascos plásticos que eram substituídos
107
em intervalos de uma hora e levados ao laboratório para montagem e identificação específica
com base na chave de Young e Duncan (1994).
O software Bioestat 5.3 foi utilizado nas análises de regressão linear múltipla com os
dados de precipitação, umidade relativa do ar, temperatura e velocidade do vento, obtidos do
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet 2017). O teste de Kruskal-wallis foi utilizado para
verificar diferenças entre os meses de captura.
O índice padronizado de abundância de espécies (SISA) (Roberts e Hsi 1979) foi
calculado para comparação de abundância entre as espécies encontradas, com valores entre
zero e um, utilizando-se o software Microsoft Office Excel 2013.
Resultados e Discussão
Foram coletados 3.914 flebotomíneos das espécies L. wellcomei, L. walkeri, L.
evandroi e L. longipalpis. A espécie mais abundante foi L. wellcomei, com 3.598 indivíduos
(91,93%) (SISA=0,92), seguida de L. walkeri, com 306 (7,82%) (SISA=0,87). L. evandroi e
L. longipalpis apresentaram apenas 8 (0,20%) (SISA=0,47) e 2 (0,05%) (SISA=0,44)
indivíduos respectivamente (Tabela 1). Do total de flebotomíneos, 496 eram machos e 3.418
fêmeas, sendo 283 machos e 3.315 fêmeas da espécie L. wellcomei (0,08 macho:1fêmea), 205
machos e 101 fêmeas de L. walkeri (2,03macho:1fêmea), 08 machos e nenhuma fêmea L.
evandroi, e nenhum macho e 02 fêmeas L. longipalpis (Tabela 1).
108
Tabela 1. Flebotomíneos coletados mensalmente, proporção entre machos e fêmeas,
resultados de SISA e H’.
Species Jun Ago Oct Total ♂ ♀ ♂/♀ % SISA
Lutzomyia wellcomei 3.470 127 1 3.598 283 3.315 0,08:1 91,93 0,92
Lutzomyia walkeri 32 57 217 306 205 101 2,03:1 7,82 0,87
Lutzomyia evandroi 0 7 1 8 8 0 - 0,20 0,47
Lutzomyia longipalpis 0 1 1 2 0 2 0,0:1 0,05 0,44
Total 3.502 192 220 3.914 496 3.418 0,14:1 100 -
% 89,47 4,91 5,62 100 12,67 87,33 - - -
H’ 0,1257 0,3396 0,0378 - - - - - -
É evidente a grande densidade de L. wellcomei, principalmente de fêmeas, que
provavelmente se aproximam da armadilha não apenas atraídas pela fonte luminosa, mas
devido à alta antropofilia da espécie, sendo atraídas pelos odores e CO2 exalados e tentando
alimentação sanguínea nos pesquisadores (Fraiha et al. 1971, Perez et al. 1988, Alexander
2000, Galati et al. 2001, Pinheiro et al. 2016b).
A grande proporção de fêmeas de L. wellcomei também pode estar relacionada à
antropofilia da espécie. Contudo, observa-se que em investigações realizadas com armadilhas
tipo CDC, com atração exercida apenas por fonte luminosa, a proporção de fêmeas dessa
espécie também é superior, apesar da diferença entre machos e fêmeas ser menor (Pinheiro et
al. 2013b, 2016b), o que aponta para a possibilidade de estratégia reprodutiva diferente de L.
walkeri, cuja proporção de machos foi superior, ou de L. longipalpis como demonstrado por
Quinnell e Dye (1994), sem deixar de considerar a possibilidade de diminuição do número de
hospedeiros vertebrados para as fêmeas no local de captura.
A ocorrência de L. wellcomei foi dominante na coleta realizada no mês de junho,
quando foram capturados 96% de todos os indivíduos dessa espécie, que se mostrou
relacionada ao período chuvoso, de maior umidade relativa do ar e menor temperatura
(p=0,0039) (Figura 2). Tal fato está de acordo com outros estudos realizados na Amazônia e
109
em Mata Atlântica, que mostram maior número de espécimes de L. wellcomei no período
chuvoso e de umidade elevada (Ready et al. 1984, Rangel e Lainson 2009, Pinheiro et al.
2016a).
As outras espécies, L. walkeri, L. evandroi e L. longipalpis, predominaram nos meses
seguintes, com diminuição das chuvas e da umidade, e aumento da temperatura (Figura 2),
apesar dos resultados não serem significativos (p>0,05). Esse fato difere de estudo anterior
realizado com L. longipalpis na mesma região, quando a espécie revelou predominância no
período chuvoso (Ximenes et al. 2006).
Fig. 2. Ocorrência de flebotomíneos e variáveis climáticas nos meses de captura.
110
Quanto à ocorrência dos flebotomíneos ao longo do dia, observa-se que de modo geral
chegam aos hospedeiros no crepúsculo, permanecem no período noturno e desaparecem com
a incidência da luz do sol, com exceção das fêmeas da espécie L. wellcomei, que
permaneceram ativas durante o dia, apesar de em menor densidade que durante a noite,
estando ausente apenas entre as 13 e 14 horas (Tabela 2; Fig. 3).
Tabela 2. Frequência horária das espécies de flebotomíneos nos três períodos de coleta.
17h 18h 19h 20h 21h 22h 23h 00h 01h 02h 03h 04h 05h 06h 07h 08h 09h 10h 11h 12h 13h 14h 15h 16h Total
M 2 15 18 15 30 19 72 16 37 20 15 12 6 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 277
F 219 176 224 155 397 50 343 181 208 368 397 95 218 111 17 16 1 6 6 2 0 0 1 2 3193
M 0 0 0 0 2 1 0 0 0 0 0 1 25 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 31
F 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1
M 0 1 0 0 0 0 0 1 2 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 6
F 0 8 1 11 4 7 13 18 6 9 4 29 9 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 121
M 0 1 0 0 1 0 16 15 9 0 1 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 46
F 0 1 0 0 0 1 2 2 1 1 1 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 11
M 0 0 0 0 0 0 5 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 7
F 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
M 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
F 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
M 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
F 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
M 0 0 3 0 0 2 3 9 0 41 58 5 3 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 128
F 0 1 1 0 5 3 5 3 0 22 34 3 9 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 89
M 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1
F 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
M 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
F 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
221 203 247 182 439 84 460 247 263 461 510 146 271 124 17 17 1 6 6 2 0 0 2 5 3914
L. longipalpis
Total
L. wellcomei
L. walkeri
L. evandroi
L. wellcomei
Horário
L. wellcomei
L. walkeri
22-23/06/2016
07-08/08/2016
02-03/10/2016
L. walkeri
L. evandroi
L. longipalpis
111
Fig. 3. Frequência horária das variáveis climáticas e das espécies de flebotomíneos nos três
períodos de coleta (junho, agosto, outubro).
A espécie L. walkeri, que se mostrou ativa apenas entre os períodos crepuscular e
noturno, desaparecendo logo após o nascer do sol, teve seus picos de ocorrência entre as 23 e
0 horas no mês de agosto, e entre as 2 e 3 horas em outubro (Tabela 2; Fig. 3).
A variação de horário nas atividades desses insetos, assim como sazonalidade ao longo
do ano, pode significar estratégia de competição por fontes de alimento. Essa competição
acontece quando diferentes espécies colonizam o mesmo espaço, podendo ser mais acirrada à
medida que os recursos alimentares são escassos (Natal et al. 1997, Townsend et al. 2010).
112
O padrão de atividade diurna de L. wellcomei se mostra semelhante ao encontrado na
Amazônia, onde essa espécie permanece ativa durante o dia, principalmente em tempo
nublado, inclusive picando avidamente. Esses estudos na Amazônia mostraram que o número
de fêmeas infectadas capturadas durante o dia é maior que à noite, e assim a transmissão por
essa espécie de flebotomíneo pode ser mais frequente durante o dia (Lainson 1983, Wilkes et
al. 1984, Ryan et al. 1986, Rangel e Lainson 2009). Esse fato tem importância
epidemiológica, uma vez que, a espécie predomina em ambiente silvestre e seres humanos
geralmente realizam atividades dentro ou próximo à área de mata durante o dia, demandando
estratégias de controle quanto ao período em que a infecção pode ser adquirida.
Agradecimentos
Agradecemos ao Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade
(ICMBio) e à bióloga Patrícia Macêdo, chefe da Floresta Nacional de Nísia Floresta, pela
permissão e apoio. Também ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq – 552004/2011-1) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) pelo suporte financeiro.
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119
CAPÍTULO 05
A literatura de cordel como ferramenta na ampliação do conhecimento para a
prevenção da leishmaniose visceral
Cordel literature as a tool to broaden knowledge of visceral leishmaniasis prevention
Marcos Paulo Gomes Pinheiro
Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Avenida Senador Salgado Filho, 3000, 59.078-900, Natal, RN, Brasil.
Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes
Laboratório de Entomologia, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Avenida Senador Salgado Filho, 3000, 59.078-900, Natal, RN, Brasil.
Este artigo está submetido ao periódico Ciência & Saúde Coletiva (B1 em Ciências
Ambientais) e, portanto, está formatado de acordo com as recomendações desta revista
(http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/instrucoes_pt.pdf).
120
Resumo Esse estudo objetivou testar a literatura de cordel como ferramenta educativa e de
ampliação do conhecimento para a prevenção da leishmaniose visceral (LV). A LV ou
calazar é uma doença parasitária grave, cujo agente etiológico é transmitido aos humanos
pelos flebotomíneos, podendo ser letal se não tratada. O uso do cordel foi testado com alunos
da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de quatro escolas por meio de questionários
aplicados antes e após a leitura do folheto, que abordava a forma de transmissão, sintomas,
tratamento e profilaxia. Ao comparar os resultados, constataram-se diferenças expressivas.
Antes da leitura do cordel a maior parte dos alunos demonstrou desconhecer a doença,
confundindo sintomas caninos com humanos, citando o cão como vetor e sua mordida como
forma de contágio, e após a leitura a maioria passou a demonstrar conhecimentos acerca dos
aspectos mais importantes da LV. O folheto teve grande aceitação por parte dos alunos,
evidenciando que a literatura de cordel pode ser considerada uma importante alternativa
para a disseminação de informações acerca da leishmaniose visceral.
Palavras-chave Educação, Literatura de cordel, Leishmaniose visceral
Abstract This study aimed at testing cordel literature as an educational tool to broaden
knowledge regarding visceral leishmaniasis (VL) prevention. VL or kala-azar, a serious
parasitic disease whose etiological agent is transmitted to humans by sandflies, can be lethal
if untreated. The use of cordel was tested with Youth and Adult Education (EJA) students from
four schools by means of questionnaires applied before and after they had read the pamphlet
describing forms of transmission, symptoms, treatment and prophylaxis. Significant
differences in the results were observed. Before reading the cordel literature most of the
students had no knowledge of the disease, confusing canine with human symptoms, stating the
dog as a vector and its bite as the form of contagion, but after the Reading most of the
subjects demonstrated knowledge regarding the most important aspects of VL. The pamphlet
121
was widely accepted by the students, confirming that cordel literature can be considered an
important alternative for disseminating information on visceral leishmaniasis.
Key words Education, Cordel literature, Visceral leishmaniasis
Introdução
A compreensão acerca da transmissão de doenças, particularmente daquelas que
envolvem a participação de insetos vetores nos ciclos epidemiológicos, resulta quase sempre
na constatação de que as condições socioeconômicas são determinantes, especialmente nas
áreas menos desenvolvidas1. Nesse contexto, as leishmanioses se constituem graves
problemas de saúde, com ampla distribuição geográfica e altos índices de ocorrência2.
As leishmanioses são causadas por protozoários do gênero Leishmania, transmitidos
por pequenos insetos, os flebotomíneos, também conhecidos como mosquito-palha, cujas
fêmeas são hematófagas, e durante o repasto sanguíneo inoculam o parasita no hospedeiro
vertebrado3.
A leishmaniose visceral (LV), conhecida popularmente como calazar, é uma grave
doença crônica, caracterizada anteriormente como de ambientes rurais, mas que vem se
expandindo para áreas urbanas de médio e grande porte e se tornou um crescente problema de
saúde pública no Brasil4 classificada pela Organização Mundial de Saúde como doença
negligenciada. A LV tem uma taxa de letalidade de até 10%, mas se não tratada pode resultar
em óbito de 90% dos casos4,5. No país, a doença é causada por Leishmania infantum,
protozoário transmitido pelo flebotomíneo Lutzomyia longipalpis6,7, destacando-se a Região
Nordeste, com a maior incidência de casos, sobretudo entre as camadas sociais mais
desfavorecidas, ocorrendo principalmente em áreas periféricas com condições
socioeconômicas precárias8,9.
122
Entre as principais medidas de prevenção e controle para a LV estão o uso de
mosquiteiro de malha fina, telagem de canis, portas e janelas das casas, uso de repelentes,
evitar exposição ao vetor, limpeza de ambientes propícios a criadouros para os insetos, uso
adequado de inseticidas para controle do vetor, diagnóstico e eliminação dos casos caninos,
diagnóstico e tratamento dos casos humanos, entre outras10.
A complexidade dos fatores envolvidos no ciclo de transmissão da LV, bem como os
comportamentos humanos em relação ao processo saúde-doença nas diversas culturas,
interferem no sucesso das medidas de controle. Isso gera desafios para a adoção de práticas
eficazes que alcancem o objetivo pretendido pelos órgãos de vigilância epidemiológica,
entomológica ou ambiental e o bem-estar social, uma vez que os padrões culturais definem
não somente o que é saúde, mas também o que é cuidado adequado à saúde, formatando
sentidos e condutas11. Ademais, as transformações nas sociedades humanas causam impactos
ao ambiente que, à medida que é explorado, pode se tornar forte gerador de desigualdades
ecológicas estreitamente ligadas à saúde da população12. Greco13 enfatiza que as doenças
estão relacionadas com diferentes contextos ecológicos e sociais, onde ocorre o desequilíbrio
das relações entre hospedeiros, ambiente e agentes etiológicos.
É, portanto, primordial a introdução de elementos de intervenção, por meio de
diferentes estratégias, no contexto dos diversos segmentos sociais, que venham a modificar as
ações humanas por meio da informação. Assim, a regionalização das estratégias, por meio de
ações voltadas à educação, saúde e ambiente são de grande importância12.
Para Tambellini14 a relação entre saúde e ambiente provoca a necessidade de resgatar
estudos e propostas nas diversas áreas de pesquisa, com o propósito de possibilitar outras
maneiras de prevenir e controlar doenças. Nesse sentido, considerando que a educação é um
ato de conhecimento e conscientização15, e que a poesia é um instrumento educativo que
estimula a motivação, aguça a imaginação e faz com que quem aprende passe a ter novas
123
atitudes16, surgiu a ideia de se trabalhar a temática da leishmaniose visceral utilizando a
literatura de cordel como ferramenta educativa, enfatizando-se principalmente a transmissão,
os sintomas e a prevenção da doença.
Esse gênero literário possui uma conotação lúdica, informal e prazerosa, que pode ser
inserida no contexto educacional, de modo a popularizar o conhecimento científico, uma vez
que aborda variados temas com linguagem acessível, tornando-se um instrumento de
disseminação do conhecimento que pode atingir diferentes públicos17,18.
A literatura de cordel é uma criação popular em versos, produzida artesanalmente em
pequenos folhetos confeccionados em papel simples e barato, ilustrados com xilogravuras,
que consistem na expressão artística entalhada em madeira com camada de tinta, sobre a qual
se coloca o papel a ser impresso, de forma semelhante a um carimbo19. O cordel chegou ao
Brasil em meados do século XIX e recebeu esta nomenclatura por ser exposto em cordões
para venda nas feiras livres20. Advinda da Europa, a literatura de cordel passou a ser uma das
mais importantes manifestações da literatura popular brasileira, especialmente no Nordeste,
sendo comum ainda atualmente em mercados populares e feiras livres21.
Diante da incidência e da distribuição da LV no Nordeste do Brasil, e da possibilidade
de utilização da literatura de cordel como meio de divulgação, o objetivo desse estudo foi
avaliar, junto a alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), o potencial desse gênero
textual como ferramenta de informação e consequente prevenção da doença.
Métodos
Área de estudo
O trabalho aconteceu no município de Nísia Floresta, localizado na Região
Metropolitana de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, Brasil, região onde é registrada a
124
maior parte dos casos humanos e caninos de LV 9. O município de Nísia Floresta está a 30 km
de Natal, capital do Rio Grande do Norte, e suas coordenadas geográficas são: Latitude -
6.09359, Longitude -35.2104, 6° 5′ 37″ Sul, 35° 12′ 37″ Oeste22 (Figura 1).
Figura 1 – Localização do município de Nísia Floresta.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística22 a população de Nísia
Floresta era estimada em 26.208 habitantes em 2014, a área territorial de 307.842 km² e a
densidade demográfica de 77,26 hab/km². O município teve 16 casos de LV confirmados
entre os anos de 2010 e 201423.
Produção do material educativo
O folheto, intitulado “Um bebedor de sangue na terra do mandacaru - Peleja contra o
calazar”, contendo oito páginas, com 30 estrofes na forma de sextilha, foi produzido pelo
primeiro autor desse artigo, e a capa confeccionada a partir de xilogravura (Figura 2). A
125
sextilha, que é a forma de versos mais utilizada para a literatura de cordel, possui seis versos
em cada estrofe, sendo que o segundo, o quarto e o sexto verso rimam entre si21,24.
Figura 2 – Capa do cordel produzido.
Considerando a complexidade que envolve a temática da leishmaniose, na construção
do cordel foram escolhidos temas mais relevantes, como a transmissão, os sintomas no
homem e no cão, a prevenção e o tratamento da doença. A seguir seguem alguns trechos do
cordel:
A transmissão da leishmaniose visceral:
E o povo se confunde
Com um fato interessante,
Pensam que é o cachorro
O transmissor importante,
Sem saber que é um inseto
Quem leva a doença adiante.
126
O tal do flebotomíneo
É o inseto transmissor
Dessa terrível doença
Que causa tristeza e dor.
Quem for por ele atacado
Vai sofrer grande terror.
São cangalhinha, freboti,
Asa-dura e biriguí
Os nomes mais conhecidos
Desse inseto por aqui,
E também mosquito palha
São os nomes que já vi.
Os sintomas no homem doente:
Quem pega essa tal doença
Fica de barriga inchada,
Cresce o fígado e o baço,
Fica de cara fechada,
Não sente gosto na vida,
Nem consegue fazer nada.
Outras coisas bem comuns
Em quem ela acometer:
127
Febre por várias semanas,
Também pode emagrecer,
Anemia e diarreia
É o que pode acontecer.
Os sintomas no cão doente:
Se seus cães estão doentes
E sintomas aparecerem:
Unhas grandes e feridas
Não espere eles morrerem
Avise na prefeitura
Para o sangue eles colherem.
A prevenção da leishmaniose visceral:
Se pegar essa doença
Você pode até morrer,
E como eu sei que ninguém
Gosta de adoecer
Eu vou deixar explicado
O que devemos fazer:
Use sempre mosquiteiro,
Mas com malha bem fininha,
Uma vez que o tal inseto
Tem estrutura magrinha,
128
Passa por qualquer espaço,
Nem que seja uma brechinha.
O inseto transmissor
É um bicho interessante,
Pois prefere se abrigar
Onde a sujeira é constante,
Então faça uma limpeza
Da limpeza seja amante.
Não deixe frutas no chão
E evite molhaceiro,
Cuidado pra não deixar
Nada sujo no terreiro,
Pois é de sujo e molhado
Que esse bicho é hospedeiro.
Evite entrar numa mata
Pra caçar ou pegar lenha,
Pois sentindo sua presença
Pode ser que ele venha
A procura de alimento
Onde quer que sangue tenha.
Após algumas lições
129
Quero algo destacar,
Mostrar a necessidade
Do meio ambiente cuidar,
Pois é do desequilíbrio
Que essa doença vai dar.
Tratamento da leishmaniose visceral:
E quem for acometido
Dessa doença tão séria
Tem que ir ligeiro ao médico
Que estudou bem a matéria
Pra fazer o tratamento,
Ficar bom dessa miséria.
Coleta de dados
Como instrumento para coleta de dados foram utilizados questionários, um método de
investigação no qual as questões são apresentadas por escrito aos participantes25,26. Os
questionários foram aplicados no mês de agosto de 2015 e continham oito perguntas fechadas
e respostas do tipo múltipla escolha abordando os seguintes aspectos: forma de transmissão
do calazar, o vetor, os sintomas no homem e no cão, as formas de prevenção e o tratamento da
doença, além de sexo, idade e ocupação do participante. Participaram do estudo 93 alunos de
terceiro e quarto níveis da EJA, presentes nos dias de aplicação dos questionários, das quatro
escolas da rede pública municipal do município de Nísia Floresta que oferecem a EJA.
As turmas de EJA27 funcionam no turno noturno e compreendem alunos que se
encontram fora da faixa etária para o Ensino Fundamental normal. Os alunos da EJA se
130
enquadram em uma grande diversidade de condições socioeconômicas, de idade, gênero,
ocupação, cultura, etnia, religião, além da motivação para procurar a escola28,29.
O trabalho ocorreu em três etapas: 1) avaliação, através do questionário I, dos
conhecimentos prévios acerca do calazar antes da leitura do cordel; 2) exposição do cordel
sobre a doença; e 3) avaliação, através do questionário II, dos conhecimentos obtidos após a
leitura do cordel. Os questionários I e II continham as mesmas perguntas e foram utilizados
antes e após a apresentação do cordel aos alunos, no mesmo dia. O cordel foi exposto
oralmente, através de uma única leitura por um dos pesquisadores e acompanhada pelos
alunos que receberam cada um seu folheto.
A presente atividade, classificada como pesquisa-ação quantitativa30,31, foi, portanto,
delineada e realizada objetivando avaliar o uso do cordel como forma de contribuir com a
divulgação e consequente prevenção da LV, por meio da cooperação entre pesquisadores e
voluntários, pretendendo-se que os envolvidos se beneficiem por meio dessa interação.
Ética
O estudo teve aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, sob o número de parecer 1.168.340. Os estudantes ou seus
responsáveis legais, bem como o pesquisador responsável, assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) após a explicação sobre os objetivos do estudo e
antes da aplicação dos questionários.
Análise dos dados
Na análise dos dados foi utilizado o Qui-quadrado de Pearson (χ²), através do Sistema
Estatístico R, versão 3.1.1, fazendo-se comparações entre as proporções de acertos dos alunos
131
nos dois questionários. As comparações em que o p-valor foi menor ou igual a 0,05 foram
consideradas significativas.
Resultados
Dos 93 estudantes que participaram do trabalho, 50 (53,8%) eram do sexo masculino.
A faixa etária predominante ficou entre os 14 e os 21 anos (50,5%), seguida por 22 aos 29
(17,2%). A maioria dos entrevistados, 58 (63,4%) se declarou desempregado, se ocupando
apenas dos estudos, enquanto que 16 (17,2%) eram trabalhadores autônomos e 9 (9,7%)
desempenhavam atividades domésticas (Tabela 1).
Tabela 1 – Gênero, faixa etária e ocupação dos alunos da Educação de Jovens e Adultos. Nísia
Floresta/RN, 2015.
Variáveis N %
Gênero
Masculino 50 53,8
Feminino 43 46,2
Faixa etária
14 a 21 47 50,5
22 a 29 16 17,2
30 a 37 14 15,1
38 a 45 11 11,8
46 a 53 3 3,2
54 a 61 1 1,1
62 a 68 1 1,1
Ocupação
Estudante 58 62,4
Trabalhador autônomo 16 17,2
Do lar 9 9,7
Garçom 2 2,2
Auxiliar de serviços gerais 2 2,2
Aposentado 1 1,1
Auxiliar de cozinha 1 1,1
Empregada doméstica 1 1,1
Merendeira 1 1,1
Motorista 1 1,1
Promotor de vendas 1 1,1
132
Ao serem questionados sobre a definição de calazar, não houve diferença significativa
entre as respostas aos questionários I e II (p = 0,7000) (Tabela 2), uma vez que a maioria das
respostas, 89 (95,7%) já reconheciam o calazar como uma doença antes da leitura do cordel
(Tabela 3).
Tabela 2 – Número de respostas corretas antes e após a leitura do cordel sobre calazar pelos alunos da
Educação de Jovens e Adultos. Nísia Floresta/RN, 2015.
Questionamentos Respostas corretas
Antes Depois x² p valor
1. Definição de calazar 89 90 0,1484 0,7000
2. Modo de infecção do calazar 26 88 87,1082 <0,0001
3. Nome do transmissor do calazar 5 87 144,6189 <0,0001
4. Alguns sintomas do calazar no humano 12 86 118,1048 <0,0001
5. O que fazer ao sentir sintomas do calazar 78 91 10,9412 0,0009
6. Sintomas frequentes do calazar no cão 62 85 17,1627 <0,0001
7. Principais medidas preventivas 51 88 38,9766 <0,0001
8. Outras medidas preventivas 7 80 115,0812 <0,0001
Quanto à forma de contágio da doença, houve significativa diferença entre as respostas
aos questionários I e II (p < 0,0001) (Tabela 2), pois inicialmente 41 alunos (44,1%)
responderam que a transmissão do calazar se dava por meio da mordida do cão ou raposa e 19
(20,4%) disseram não saber (Tabela 3). Após a leitura do cordel, 88 (94,6%) passaram a
identificar a picada de um inseto como meio de contágio (Tabela 3).
Quando questionados sobre o nome do transmissor da doença, houve grande diferença
entre as respostas antes e depois da leitura do material oferecido (p < 0,0001) (Tabela 2), pois
17 (18,3%) declararam não saber e 67 (72%) acreditavam inicialmente ser o cão o transmissor
do calazar aos seres humanos (Tabela 3). Após a leitura, 87 (93,5%) passaram a reconhecer o
flebotomíneo como o inseto vetor da doença (Tabela 3).
133
Tabela 3 – Respostas dos alunos da Educação de Jovens e Adultos antes e após a leitura do cordel
sobre calazar. Nísia Floresta/RN, 2015.
Questionamentos Antes da leitura Após a leitura
n % n %
1. Definição de calazar:
a. Um lugar 0 0,0 1 1,1
b. Um animal 1 1,1 1 1,1
c. Uma planta 1 1,1 1 1,1
d. Uma doença 89 95,7 90 96,8
e. Declarou não saber 2 2,2 0 0,0
2. Modo de infecção do calazar:
a. Pela mordida de cachorro ou da raposa 41 44,1 2 2,2
b. Pelo contato com as fezes do gato 3 3,2 1 1,1
c. Pela picada de um inseto infectado 26 28,0 88 94,6
d. Pelo contato com uma pessoa doente 5 5,4 1 1,1
e. Declarou não saber 19 20,4 1 1,1
3. Nome do transmissor do calazar:
a. Barbeiro 3 3,2 0 0,0
b. Flebotomíneo 5 5,4 87 93,5
c. Caramujo 1 1,1 0 0,0
d. Cachorro 67 72,0 3 3,2
e. Declarou não saber 17 18,3 3 3,2
4. Alguns sintomas do calazar no humano:
a. Feridas no corpo e na cabeça 29 31,2 4 4,3
b. Dor de cabeça, dor nos olhos e febre 6 6,5 1 1,1
c. Queda de cabelo, dor no corpo e nos olhos 14 15,1 2 2,2
d. Barriga inchada, febre por vários dias, emagrecimento e diarreia 12 12,9 86 92,5
e. Declarou não saber 32 34,4 0 0,0
5. O que fazer ao sentir sintomas do calazar:
a. Tomar remédio para febre e dor 4 4,3 0 0,0
b. Procurar logo o médico para começar o tratamento 78 83,9 91 97,8
c. Beber muita água e ficar na cama por uns dias 1 1,1 0 0,0
d. Ficar em casa para repousar e não transmitir a doença 3 3,2 2 2,2
e. Declarou não saber 7 7,5 0 0,0
6. Sintomas frequentes do calazar no cão:
a. Produção de espuma na boca 14 15,1 3 3,2
b. Vômito e agressividade 6 6,5 2 2,2
c. Unhas grandes e feridas no corpo 62 66,7 85 91,4
d. Fome excessiva e agitação 1 1,1 0 0,0
e. Declarou não saber 10 10,8 3 3,2
7. Algumas medidas preventivas:
a. Beber sempre água tratada 11 11,8 1 1,1
b. Não tomar banho em água contaminada 6 6,5 2 2,2
c. Lavar bem as frutas e verduras 3 3,2 0 0,0
d. Usar mosquiteiro, limpar o quintal, criar os animais afastados da casa 51 54,8 88 94,6
e. Declarou não saber 22 23,7 2 2,2
8. Outras medidas preventivas:
a. Evitar entrar em lagoas e rios de água contaminada 17 18,3 3 3,2
b. Tomar a vacina no posto de saúde 47 50,5 10 10,8
c. Evitar entrar em matas e cuidar do meio ambiente 7 7,5 80 86,0
d. Cozinhar ou assar bem a carne 0 0,0 0 0,0
e. Declarou não saber 22 23,7 0 0,0
134
Sobre os sintomas da doença apresentados pelos seres humanos, a maior parte
demonstrou não os reconhecer no questionário I (p < 0,0001) (Tabela 2), uma vez que 32
(34,4%) declararem desconhecer e 29 (31,2%) citaram feridas como sintomas (Tabela 3).
Após a leitura 86 dos entrevistados (92,5%) passaram a citar barriga inchada, febre por vários
dias, emagrecimento e diarreia como sintomas (Tabela 3).
Quanto à ação indicada no caso de sentir algum dos sintomas, houve diferença
significativa entre as respostas antes e após a apresentação do cordel (p = 0,0009) (Tabela 2).
Apesar de 78 alunos (83,9%) já terem noção da importância de se procurar socorro médico
precocemente, como visto nas respostas ao questionário I (Tabela 3), após a leitura 91
(97,8%) passaram a reconhecer essa necessidade (Tabela 3).
Em relação aos sintomas do calazar no cão, também foi visto uma diferença
significativa entre as respostas aos dois questionários (p < 0,0001) (Tabela 2), uma vez que 21
(22,7%) responderam de forma equivocada e 10 (10,8%) não sabiam (Tabela 3). Ao
responderem ao questionário II, após a leitura do cordel, 85 alunos (91,4%) passaram a
perceber o crescimento das unhas e feridas no corpo como sintomas do calazar canino (Tabela
3).
Ao serem questionados sobre medidas preventivas a serem tomadas para evitar a
infecção, a maioria não soube responder a essa questão do questionário I (p < 0,0001) (Tabela
2), pois 22 (23,7%) declararam não saber e 11 (11,8%) citaram o uso de água tratada (Tabela
3). Inicialmente, 51 (54,8%) já reconheciam corretamente uso de mosquiteiro, limpeza do
quintal e criar os animais afastados da casa como maneiras de evitar a doença (Tabela 3).
Após a apresentação do material, 88 entrevistados (94,6%) passaram a reconhecer
corretamente tais medidas (Tabela 3).
Quanto às outras medidas preventivas questionadas na pergunta oito, verificou-se
diferença significativa entre as respostas dadas aos questionários I e II (p < 0,0001), uma vez
135
que 47 alunos (50,5%) responderam inicialmente que uma forma eficaz de evitar a doença
seria tomar a vacina, e 22 (23,7%) declararam não saber. Após a leitura do cordel sobre o
tema, 80 alunos (86,0%) passaram a responder corretamente (Tabela 3).
Discussão
Comparando-se os resultados dos questionários em momentos distintos, ou seja, antes
e depois do conteúdo abordado no cordel, foram percebidas importantes diferenças.
Antes da leitura do cordel a maioria dos alunos demonstrou ter alguma noção a
respeito do calazar como doença e sabiam da importância de se procurar ajuda médica ao
serem notados os sintomas, indicando algum conhecimento sobre sua gravidade. Contudo, a
maior parte desconhecia o nome do inseto vetor, a forma de transmissão, os sintomas no
humano e algumas medidas profiláticas.
Após a leitura do cordel, houve um significativo aumento nas respostas corretas,
principalmente com relação ao vetor, à transmissão, aos sintomas no ser humano e às medidas
de prevenção da LV.
A pequena quantidade de acertos quanto ao nome do vetor do calazar, evidenciada
antes da leitura do cordel, demonstrou que as pessoas o confundem principalmente com o cão,
ignorando a existência de um inseto no ciclo de transmissão. Essa dificuldade de associar os
vetores às doenças por eles veiculadas tem sido demonstrada em outros trabalhos32-34, sendo
de grande relevância, uma vez que compromete o enfrentamento da transmissão e as medidas
profiláticas a serem adotadas.
No que se refere aos sintomas do calazar no ser humano, antes da leitura do cordel
havia um significativo desconhecimento dos entrevistados, confundindo-os principalmente
com os sintomas que acometem o cão doente. Quanto ao modo de transmissão, as pessoas
136
demonstraram desconhecimento, apontando a mordida do cão como principal meio de
infecção pelo protozoário que causa a LV e não pela picada de um inseto. Parte dos
participantes citou ainda o uso de água contaminada como forma de contágio, demonstrando
confundir o calazar com algumas doenças de veiculação hídrica ocorrentes na região.
Entretanto, após a leitura do cordel, os alunos passaram a reconhecer os sintomas da doença
no homem, bem como a picada do flebotomíneo como forma de infecção. Conhecendo-se o
inseto, suas formas de reprodução, condições ambientais que propiciam seu desenvolvimento,
locais usados para abrigo e hábitos de vida, certamente as medidas de controle serão bem
mais eficazes.
É importante também o reconhecimento por parte de indivíduos residentes em áreas
endêmicas quanto à gravidade da LV no ser humano, fato demonstrado pelos participantes
desse estudo que, mesmo antes da leitura do cordel, citaram a necessidade de procurar
tratamento médico com urgência ao perceber os sintomas da doença.
Os alunos se mostraram inicialmente confusos entre sintomas humanos e caninos do
calazar, uma vez que atribuíram ao homem os sinais comuns no cão, fato que foi pouco
evidenciado depois da leitura do cordel, quando puderam diferenciar os sintomas humanos e
caninos.
A noção das pessoas quanto aos sintomas no cão obteve significativo acréscimo após a
leitura do folheto. Quanto ao conhecimento acerca dos sintomas em humanos, que eram
incipientes, também obtiveram significativo aumento. Tal fato é relevante, uma vez que o
reconhecimento dos principais sintomas pode levar ao diagnóstico e tratamento precoce de
casos humanos e eliminação dos cães doentes, classificados como reservatórios domésticos do
parasito que causa a doença35,36.
A educação em saúde é importante para a prevenção de doenças e promoção da saúde,
contudo tem sido utilizada de modo insuficiente em ações de controle de doenças, apesar do
137
conhecimento e da participação das pessoas serem considerados importantes. Tais fatos
ressaltam a relevância de ações que possam informar às populações, que se tornam parceiras
das autoridades de saúde no combate a doenças tais como a LV37-39.
É relevante que as instituições que lidam com informação busquem meios para o
desenvolvimento da pessoa humana, por meio do lúdico, da informação e da educação
continuada40, utilizando uma linguagem acessível que facilite a comunicação e assimilação de
temas importantes41. Nesse sentido, a literatura de cordel se mostrou eficaz, confirmando-se,
portanto, como importante instrumento de disseminação da informação nas escolas, atingindo
diferentes faixas etárias. Desse modo, o cordel, através de uma linguagem popular e simples,
pode atingir um público mais amplo, aproximando temas mais complexos em saúde das
populações menos favorecidas.
Há necessidade de maior aprofundamento e continuidade de reflexões acerca do uso
de ferramentas como a literatura de cordel com objetivos educativos em saúde. Contudo, esse
método já se mostra relevante no sentido de alcançar e sensibilizar, fato evidenciado neste
estudo, considerando o significativo avanço na compreensão sobre a LV por parte dos alunos.
Agradecimentos
Aos gestores, professores e alunos da Educação de Jovens e Adultos das escolas
municipais de Nísia Floresta, Rio Grande do Norte, Brasil, que contribuíram com essa
pesquisa. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo suporte
financeiro.
138
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144
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho nos permitiu ampliar os conhecimentos acerca das espécies de
flebotomíneos do estado do Rio Grande do Norte, contribuindo com a vigilância e prevenção.
Foram analisados fatores locais de bioecologia e sazonalidade, frequência horária e
comportamento antropofílico das espécies vetoras, aprofundando conhecimentos sobre as
espécies de flebotomíneos da região.
Foram coletados e identificados 82.638 flebotomíneos de treze espécies, sendo uma
delas, Micropygomyia schreiberi, pela primeira vez registrada no estado. Evandromyia
walkeri aparece como a espécie mais abundante em todos os ambientes, onde certamente
desempenha papel ecológico. Também é importante a presença das espécies Lutzomyia
longipalpis e Psychodopygus wellcomei em todos os ecótopos, uma vez que possuem
respectivamente importância comprovada na transmissão de leishmaniose visceral e
tegumentar.
Fatores abióticos como chuva, umidade relativa do ar e temperatura influenciam a
ocorrência dos flebotomíneos, que na área de mata preservada são mais abundantes em estrato
próximo ao solo, embora também existam em grande densidade junto à copa das árvores. L.
longipalpis se confirmou como espécie associada aos ambientes antropizados, apesar de estar
presente em todos os ecótopos pesquisados, e P. wellcomei se mostrou como a espécie mais
antropofílica na área de mata preservada, aparecendo em grande densidade na estação
chuvosa e se ausentando no período seco.
As leishmanioses se encontram entre as doenças negligenciadas, afetando sobretudo as
populações mais desfavorecidas, e apesar de sua ampla distribuição geográfica e elevada
incidência anual em países como o Brasil, os investimentos ainda são insuficientes, o que
evidencia a necessidade de políticas públicas que viabilizem uma maior atenção à prevenção
de doenças.
Sugere-se que para um efetivo controle das leishmanioses haja um envolvimento entre
diversos segmentos, que venham a contribuir por meio de estratégias eficazes. Nesse sentido,
o conhecimento acerca dos insetos vetores é de significativa importância, especialmente no
tocante à sazonalidade das espécies, e sinaliza a necessidade de medidas preventivas eficazes
em nível regional e local, que possam contribuir com a diminuição do risco.
145
A experiência com a literatura de cordel demonstrou que esta pode ser uma alternativa
válida na disseminação de informações acerca das leishmanioses, dos insetos vetores e da
importância da conservação do ambiente natural. Em Nísia Floresta, foi comprovado, junto a
alunos da Educação de Jovens e Adultos, o potencial da literatura de cordel como ferramenta
de informação e consequente prevenção de doenças.
Desse modo, a integração de diferentes experiências e saberes para a reorientação dos
serviços às comunidades, aliada ao conhecimento técnico e ao poder político, reforça a
importância da interdisciplinaridade nas questões de saúde pública.
As questões identificadas nesse estudo certamente trarão benefícios, uma vez que
discussões acerca de fatores de risco associados à doença, bem como de educação em saúde,
são de particular importância à medida em que sensibilizam e contribuem com a melhoria das
condições ambientais e de vida das populações expostas.
146
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