EUDES CAMILO DA CRUZ
CONCURSO MATERIAL ENTRE CRIME COMUM E CRIME MILITAR
CURITIBA
2013
EUDES CAMILO DA CRUZ
CONCURSO MATERIAL ENTRE CRIME COMUM E CRIME MILITAR
Artigo científico apresentado à disciplina de Metodologia da Pesquisa Científica, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu – Especialização em Direito Militar Contemporâneo/Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Privada da Universidade Tuiuti do Paraná. Orientador: Prof. Mestre Adel El Tasse.
CURITIBA
2013
CONCURSO MATERIAL ENTRE CRIME COMUM E CRIME MILITAR
DA CRUZ, Eudes Camilo1 [email protected]
TASSE, Adel El 2
RESUMO
Este artigo científico foi desenvolvido utilizando-se de metodologia de pesquisa científica, utilizando-se do processo lógico-dedutivo, cujo tema direciona a pesquisa sob a perspectiva dos aspectos da competência para o julgamento da Justiça Militar e da Justiça Comum, nas hipóteses de concurso material entre crime militar e crime comum. Importante observar que as Instituições Militares possuem alicerce nos princípios da hierarquia e disciplina, axiomas que compõem a interpretação das normas militares no âmbito da Justiça Militar. Em regra, compete à Justiça Militar o julgamento dos crimes militares definidos na lei penal militar, submetendo-se a ela civis e militares, salvo a competência do Tribunal do Júri, destarte, por força constitucional, a Justiça Militar Estadual não julga civis, somente militares estaduais. No concurso material entre crime militar e crime comum, ocorre a cisão do processo, o que não resulta em ofensa ao princípio da unicidade, diferentemente, ocorre em função da competência para o julgamento, a unicidade será observada posteriormente por ocasião da soma e unificação das penas. Palavras-chave: Concurso; Crime Comum e Militar; Justiça Comum e Militar.
1 DA CRUZ, Eudes Camilo. CFO/APMG (1987); Curso de Inteligência/APMG (1992); Curso de Técnica de Ensino/APMG (1997); CAO/UFPR-APMG (2000); Bacharel em Direito/Faculdade Estácio (2008); Pós-graduação em Política, Estratégia e Planejamento com ênfase em Educação – Área Sociológica, com Habilitação ao Magistério Superior/ADESG – Faculdades Integradas Espírita (2009); Pós-graduação em Gerenciamento Integrado de Segurança Pública com Complementação em Magistério Superior/Faculdade Internacional de Curitiba (2011); Medalhas Policial-Militar de Bronze e Prata; Medalha de Mérito Escolar “Cel. Dulcídio” 2° Colocado; Prêmio Personalidades Empreendedoras do Paraná, outorgado pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, pelos relevantes trabalhos prestados em prol da sociedade paranaense; Chefe da P/1 – 13° BPM; Chefe de Operações COPOM; Chefe da P/3 – 17° BPM; Subcomandante do 12° BPM; Subcomandante do 17° BPM; Comandante do 14° BPM. 2 TASSE, Adel El. (Orientador). Mestre, Professor do Curso de Pós-graduação em Direito Militar Contemporâneo/Universidade Tuiuti do Paraná.
MILITARY JUSTICE AND COMMON JUSTICE
ABSTRACT
This scientific paper was developed using scientific research methodology, using the logical-deductive process, whose theme directs research from the perspective of aspects of competence for trial of Military Justice and Common Justice, in the event of tender material between military crime and common crime – Common Law and Military Law. Please note that the Military Institutions have foundation in the principles of hierarchy and discipline, axioms that make the interpretation of military standards within the military justice system. As a rule , it is for the trial of military justice military crimes defined in military criminal law, submitting to her civilian and military, except the jurisdiction of the grand jury, under the constitution, the State Military Justice, civil judges not only military state. In the contest material between military crime and common crime, the fission process occurs, which results in not undermining the principle of unity, in contrast, is a function of competence for trial, the uniqueness will be seen later on the occasion of the sum and unification of feathers.
Keywords : Common Crime; Military Crime; Military Justice and Common Justice.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 5
2 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................... 6
2.1 CONCEITO DE CRIME .......................................................................................... 6
2.1.1 Crime Próprio, Crime de Mão-Própria e Crime Comum .............................. 10
2.2 DIREITO PENAL MILITAR .................................................................................. 12
2.2.1 Crime Militar .................................................................................................... 15
2.3 CONCURSO MATERIAL ENTRE CRIME COMUM E CRIME MILITAR ............. 18
3 METODOLOGIA .................................................................................................... 21
3.1 ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS ................................................................. 21
4 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 23
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 25
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1 INTRODUÇÃO A presente pesquisa tem por finalidade a elaboração de um artigo científico,
cujo tema observa os aspectos relacionados ao concurso material entre crime militar
e crime comum. O estudo foi desenvolvido utilizando-se de metodologia de pesquisa
científica, adotando-se o processo lógico-dedutivo. Trata-se de pesquisa qualitativa,
sendo identificadas as seguintes variáveis: “Justiça Militar e Justiça Comum”; “Crime
Militar e Crime Comum”, dando-se ênfase à Justiça Militar Estadual. A metodologia
será objeto de aprofundamento em capítulo específico.
Inicialmente são apresentados os conceitos e natureza jurídica do crime sob a
ótica do direito penal comum, posteriormente abordando os conceitos de crime
próprio, crime de mão-própria e crime comum. O crime militar, em sua essência, tem
por finalidade a proteção e a coesão institucional, preservando a harmonia no âmbito
da Administração Militar, cujos bens protegidos incidem diretamente nos princípios
da hierarquia e disciplina militares, alicerces das Instituições Militares.
No decorrer da pesquisa são observadas as características, peculiaridades,
objetivos e finalidades do direito penal militar, trazendo-se, ainda, o conceito,
natureza jurídica, do crime militar.
Procurando abordar especificamente os aspectos relacionados ao concurso
material entre crime militar e crime comum, foram trazidos os conceitos relacionados
à Justiça Militar e à Justiça Comum, evidenciando-se os elementos axiológicos
incidentes em cada um destes campos da jurisdição. A pesquisa, inclusive, enfatiza
as características da Justiça Militar Estadual e a Justiça Comum Estadual.
Ao final da pesquisa apresentam-se as considerações finais, conclusões e os
resultados da pesquisa, sendo importante observar que a metodologia de pesquisa
propõe perspectivas de aprofundamento do presente estudo, uma vez evidenciada a
dimensão científica e a importância do tema frente às novas perspectivas do Direito
Penal Militar no âmbito das Instituições Policiais Militares.
O estudo não tem a finalidade de esgotar o tema, mas, o de possibilitar o
aprofundamento teórico da matéria, identificando conceitos e trazendo perspectivas
de pesquisa. Importante ressaltar a necessidade do desenvolvimento de estudos
mais específicos no campo do Direito Militar, especialmente sob a perspectiva das
Corporações Policiais Militares pertencentes aos Estados-membros e ao Distrito
Federal, um campo fértil para os estudiosos e operadores do Direito.
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2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 CONCEITO DE CRIME
O crime, sob o aspecto social, deve ser concebido como uma ação contrária
aos interesses da sociedade, praticada por qualquer pessoa, contra os bens mais
importantes, deste modo, o conceito de crime também alberga a subsidiariedade, a
medida de ultima ratione da Lei. Sob o aspecto da prevenção, a norma penal tem
por finalidade a proteção dos bens mais importantes, estabelecendo punições in
abstracto, obstando o cometimento de ilícitos desta natureza sob a perspectiva da
potencial repressão criminal através de medidas que resultam na restrição ou
privação da liberdade, restrição de direitos, pecuniárias e multa.
No campo da repressão, a norma penal apresenta-se como o elemento de
retributividade social, estabelecendo sanções ao autor do delito, sob a perspectiva
da intensidade da ofensa ao bem protegido e o conteúdo axiológico da conduta –
nível e intensidade de reprovação social do ato praticado pelo criminoso. Dentro de
quaisquer destas expectativas da norma penal – repressiva ou preventiva – a lei tem
por finalidade, inclusive, de ressocialização e inclusão social do criminoso por
ocasião do cumprimento da pena, destarte, sem esta expectativa – de normalização
social – a norma penal apresentar-se-ia inócua e desprovida do seu fundamento à
luz da Declaração Universal dos Direitos do Homem, traduzida em princípios de
direitos e garantias fundamentais e petrificada nos artigos da Constituição da
República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, a qual teve a
amplificação de seus dispositivos por ocasião do Decreto 678, de 6 de novembro de
1992, onde se promulgou a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de
São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969 – após ter o Governo
brasileiro depositado a Carta de Adesão a essa Convenção em 25 de setembro de
1992. Estes aspectos podem ser observados no artigo 5°, item 6, in verbis, do
respectivo diploma internacional, do qual o Brasil passou a ser signatário: “6. As
penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a
readaptação social dos condenados”.
A intensidade da proteção dos direitos e garantias fundamentais pode ser
observada através da prioridade do direito à vida na Constituição de 1988,
concebendo a vida como o bem maior, do qual se originam os demais direitos –
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liberdade, dignidade, integridade física. A intensidade desta proteção pode ser
observada já no caput do artigo 5°, in verbis, dispositivo onde são observados
amplamente os direitos e deveres, individuais e coletivos: “art. 5°. Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.
Em linhas gerais, pode-se concluir que o artigo 5°, da Constituição de 1988,
criteriosamente direciona os limites de atuação do Estado no campo das liberdades
individuais, definindo critérios clínicos de legitimidade e legalidade de exercício do
poder coercitivo, e o dever de atuação dos órgãos jurisdicionais em proteção dos
direitos e garantias individuais, na forma do inciso XLI, in verbis, do respectivo artigo:
“a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades
fundamentais”.
Consigna-se, neste dispositivo, o dever do Estado em responsabilizar os seus
agentes pelo abuso ou desvio de finalidade no exercício de suas atividades, e de
modo especial, quando atentatórias aos direitos e liberdades individuais, salvo nas
hipóteses em que o ato praticado esteja alçado pela norma penal como conduta
criminosa, em conformidade com o inciso XXXIX “não há crime sem lei anterior que
o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, inciso LIII “ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” e, inciso “ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Observe-
se que a Lei não impede que a Administração Pública possa impor limites ao
exercício das liberdades individuais, contrariamente, a Lei determina quais as
circunstâncias em que o Estado, com a tutela da força, deverá opor-se à conduta
dos particulares em função do interesse público ou da coletividade, ou seja, o
Estado encontra-se no dever de garantir a preservação da ordem pública, garantindo
a convivência harmônica na sociedade, aplicando a Lei e fiscalizando o exercício
das liberdades individuais. Cumpre observar que os particulares, no exercício de
suas liberdades, encontram limites estabelecidos pela Lei – faculdades, vedações e
restrições – enquanto ao Estado, diferentemente, são permitidas ações sob a ótica
do princípio da Legalidade, ou seja, sendo permitidas ações quando a Lei assim
determinar – ato vinculado - ou facultar-lhe a prática do ato – ato discricionário – em
qualquer das hipóteses, dentro dos limites estabelecidos pela norma.
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Tendo sido prefaciado o conceito social de crime, sob a ótica da norma
constitucional e de Direitos Humanos, importante alçar-se ao conceito de crime sob
os aspectos formal, material e analítico. A identificação destes conceitos traz
importante aspecto na interpretação da norma penal, pois conduz o hermeneuta
através da sinuosa ontognoseologia da norma, proporcionando um melhor
entendimento do Direito ante ao fato concreto.
O conceito formal de crime, de acordo com Dezen Junior et all (2009, p. 14),
alberga os seguintes aspectos: “leva em consideração o crime visto na sua forma,
na sua aparência externa. Crime, portanto, é toda ação legalmente punível (é toda
conduta que viole uma norma penal incriminadora)”.
Damásio Ernesto de Jesus (1996, p. 133), tradicionalmente tem definido o
conceito formal de crime como “fato típico e antijurídico. A culpabilidade, como
veremos, constitui pressuposto da pena”.
Segundo Mirabete (1992, p. 91), o conceito formal de crime “alcança apenas
um dos aspectos do fenômeno criminal, o mais aparente, que é a contradição do
fato a uma norma de direito, ou seja, a sua ilegalidade como fato contrário a norma
penal”. Para este autor, o conceito formal não apresenta toda a complexidade do
vocábulo, pois ausente a completude científica na proposição deste conceito,
obstando de realizar uma análise profunda da essência, conteúdo e matéria.
Considerando-se o conceito de crime sob o aspecto material, Dezen Júnior et
all (2009, p. 14) dispõem:
esse conceito leva em consideração o crime visto na sua essência, na sua substância. Crime é toda ação ou omissão dirigida finalísticamente à produção de determinado resultado, provocando uma lesão ou ameaça de lesão a um bem jurídico individual ou interesse coletivo.
Observe-se que, diferentemente do conceito formal, o conceito material de
crime assevera maior profundidade científica na essência e substância,
considerando crime toda ação ou omissão humana dirigida a uma finalidade
específica, ou seja, a de provocar uma lesão ou ameaça de lesão a um bem jurídico
ou interesse, individual ou coletivo.
Para Mirabete (1992, p. 93-94), o conceito de crime material orienta-se pela
motivação do legislador no momento da elaboração da norma penal incriminadora, o
fator axiológico que justificou a proteção do bem jurídico pela Lei Penal. O conceito
material pode ser considerado incompleto, pois, dificilmente poderia ser aplicado,
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quando em voga valores e interesses do corpo social ou na consideração de
condutas contrárias às normas de cultura: “a melhor orientação para a obtenção de
um conceito material de crime [...] é aquela que tem em vista o bem protegido da lei
penal [...] não se construiu ainda, assim, um conceito material inatacável de crime”.
Para Damásio Ernesto de Jesus (1996, p. 133), o conceito de crime material,
expõe a relevância jurídica do bem protegido, pondo em destaque o conteúdo
teleológico, sendo importante reconhecer os motivos e os critérios que levaram ao
legislador em considerar e tipificar uma conduta como criminosa: “sob o ponto de
vista material, o conceito de crime visa aos bens protegidos pela lei penal. Desta
forma, nada mais é que a violação de um bem penalmente protegido”.
O conceito analítico de crime, segundo Mirabete (1992, p. 94), trata-se de
uma evolução dos conceitos formal e material, e que traz consigo dois
posicionamentos teóricos, o finalista e o causalista e que tem como características
comuns a antijuridicidade e a tipicidade, e como núcleo, a análise da culpabilidade.
Segundo Dezen Junior et all (2009, p. 14), o conceito analítico “define o crime
quanto às suas partes integrantes”, e admite três visões: a) bipartida – onde o crime
corresponde ao fato típico e a antijuridicidade, tendo a culpabilidade como
pressuposto de aplicação da pena; b) tripartida – o crime trata-se de um fato típico,
antijurídico e culpável, onde a culpabilidade apresenta-se como requisito; c)
quadripartida – onde se observa o crime como fato típico, antijurídico, culpável e
punível. Concluindo este posicionamento, o autor argumenta que:
apenas a quadripartida não é aceita pela doutrina, uma vez que a punibilidade não é um requisito do crime, mas tão-somente uma conseqüência deste. No entanto, as duas outras posições (bipartida e tripartida) estão corretas, havendo, na doutrina, uma ligeira preferência pela corrente tripartida.
A lógica trás no seu bojo que o conceito analítico de crime admite adeptos
das teorias finalista da ação – onde a culpabilidade consiste em um vínculo subjetivo
que liga a ação ao resultado – e causalista da ação – onde se admite que o crime
sempre seja uma ação voluntária que abrange o dolo e a culpa em sentido estrito e
que tem uma finalidade necessária. Diante destes aspectos, é importante observar
que o conceito de crime sob o aspecto analítico, portanto, apresenta-se como o mais
adequado ao Código Penal brasileiro após a reforma de 1984, onde foi adotada a
teoria finalista da ação, neste sentido Fernanda Maria Zichia Escobar (2010, p. 2):
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“segundo a teoria finalista da ação, adotada após a reforma do Código Penal, em
1984, crime é fato típico e antijurídico (ou ilícito). A culpabilidade é tão somente
pressuposto para aplicação da pena”.
2.1.1 Crime Próprio, Crime de Mão-Própria e Crime Comum O direcionamento deste capítulo aborda os aspectos relacionados ao crime
próprio, crime de mão-própria e crime comum, em linhas gerais, Carlos Henrique de
Carvalho Filho (2007, p. 73), doutrina que:
o crime comum pode ser praticado por qualquer pessoa [...] no crime próprio ou especial, a conduta exige um agente definido [...] o crime de mão-própria é aquele que só pode ser cometido pelo autor em pessoa, não admite co-autoria, podendo ser admitida a participação.
Determinados tipos penais somente admitem que determinados sujeitos, com
atributos específicos, possam ser autores do crime, Fernanda Maria Zichia Escobar
(2010, p. 4), neste sentido, apresenta a seguinte argumentação: “exige do agente
determinada qualidade, como a da mãe no infanticídio ou a de funcionário público no
peculato”. Observe-se que, na hipótese do infanticídio, somente a mãe no estado
puerperal pode praticar o crime, não sendo admitido, pelo direito, que outra pessoa
seja dominada pelo aspecto fisiopsíquico em consequência de parto alheio; quanto
ao peculato, a condição de funcionário público apresenta-se como o núcleo
normativo do tipo, ou seja, o direito somente admite que a conduta se subsuma ao
tipo penal quando o agente, valendo-se de sua condição de funcionário público ou
em função desta, permite ou concorre para a subtração de bem móvel ou valor
financeiro pertencente ou sob a posse da administração pública.
Complementando este raciocínio Dezen Junior et all (2009, p. 5) consideram
que: “crime especial ou próprio, para a sua existência é necessário que o agente
detenha alguma condição específica, sem a qual inexiste o crime”. Importante
considerar que a inexistência do crime não impede que a conduta possa
corresponder à outra hipótese de incidência sobre o tipo penal, ou seja, quando
ausente a condição de funcionário público em relação ao autor, e inexistente o
concurso de pessoas para a prática do fato, a pessoa que subtrai bem pertencente à
administração pública responderá pelo crime de furto; do mesmo modo, ausente a
condição de genitora sob o estado puerperal, responderá o autor pelo crime de
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homicídio com as agravantes correspondentes ao crime praticado contra
descendente.
Victor Eduardo Rios Gonçalves (2008, p. 13), explica que: “crimes próprios
são os que só podem ser cometidos por determinada categoria de pessoas, por
exigir o tipo penal certa qualidade ou características do sujeito ativo”. O crime
próprio considera em seu tipo determinadas circunstâncias e qualidades afetas ao
sujeito ativo, sem as quais, afasta-se a hipótese de incidência do tipo, conduto, pode
a conduta circunscrever a outro tipo penal, ou seja, o fato de o ato não caracterizar a
respectiva modalidade, não se trata de circunstância absolutória, mas, em
circunstância que afasta a incidência da norma penal admitindo-se, quando
existente, a aplicação de outro dispositivo.
Aprofundando o estudo Victor Eduardo Rios Gonçalves (2008, p. 13) discorre
que: “crimes de mão-própria são aqueles cuja conduta só pode ser executada por
uma única pessoa e, por isso, não admitem co-autoria”. A modalidade de crimes de
mão-própria não pode ser confundida com o conceito e natureza jurídica dos crimes
próprios. Os crimes de mão-própria correspondem aos crimes que não admitem a
co-autoria, trata-se de modalidade de crime que só admite a prática do ato
diretamente pelo autor, destarte, podendo ocorrer participação. Os crimes próprios
correspondem a tipos penais onde o legislador estabeleceu objetivamente as
qualidades e características dos autores, uma vez inexistentes estas, inexiste a
ocorrência do tipo, o que, acima de tudo, não corresponde à circunstância que
resulta necessariamente na absolvição, mas, simplesmente no afastamento da
incidência do dispositivo, por ausência de correspondência entre a conduta praticada
pelo autor ao tipo penal.
Para Dezen Junior et all (2009, p. 5), nos crimes de mão-própria, não se
admite autoria mediata: “essa espécie de crime poderá ser praticada por qualquer
pessoa, desde que o faça diretamente; não se admitindo que outrem o pratique,
sendo incabível a autoria imediata”. O crime próprio diferencia-se da modalidade de
crime de mão-própria, neste, o crime poderá ser praticado por qualquer pessoa, nas
hipóteses de autoria direta, realizada pelo próprio autor. O crime de abandono de
função pública apresenta esta característica, embora possa ser praticado por
qualquer funcionário público não se admite a co-autoria – pratica o crime o sujeito
que abandona a função pública – o crime somente ocorre com a prática realizada
diretamente pelo autor, admitindo-se, sobretudo, a participação.
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Quanto aos crimes comuns, estes podem ser definidos como crimes que
podem ser praticados por qualquer pessoa, não sendo exigidas qualidades ou
características relacionadas ao sujeito ativo ou passivo, como ensina Victor Eduardo
Rios Gonçalves (2008, p. 13): “crimes comuns são aqueles que podem ser
praticados por qualquer pessoa”. O respectivo conceito também pode ser
denominado de crime geral, neste sentido Dezen Junior et all (2009, p. 5): “crime
geral pode ser praticado por qualquer pessoa, não se exigindo condição ou situação
de seu agente”.
2.2 DIREITO PENAL MILITAR
Élio e Arduin (2004, p. 9), a Constituição de 1988, em seu artigo 42,
estabelece como princípios do regime militar a hierarquia e disciplina militares,
caracterizada pela investidura militar. A obra dos autores apresenta perspectivas
relacionadas ao direito disciplinar militar sob o enfoque das polícias militares,
consideradas forças auxiliares e reservas do Exército e assemelhadas a estes em
postos e graduações, até o posto de Coronel, inclusive. A principal perspectiva,
apontada pelos autores, encontra grande significado conquanto à característica dos
militares em geral, por constituírem a classe especial devido à militar de suas
corporações, submetida a rigorosos regulamentos, normas penais e processuais de
natureza militar: “militar estadual, pela sua condição especial, só está afeto ao seu
próprio regime disciplinar, que regula as suas relações com a Administração Pública
Militar, através de leis e regulamentos” e finaliza “o militar do Estado não se
confunde com o servidor público, apesar de sua definição constitucional se encontrar
dentro do capítulo que trata da Administração Pública”. Em se tratando de crime militar, importante a concepção trazida por Assis
(2008, p. 22), conquanto à definição do que seja o Direito Penal Militar: “o Direito
Penal Militar é um direito especial, com características próprias e que se destina,
igualmente, à tutela indispensável dos altos valores que compõem as Instituições
Militares”. Diante desta perspectiva, a norma penal militar tem por finalidade
precípua a coesão institucional, a preservação da harmonia e a ordem das
instituições militares, estando submetidos à jurisdição militar da União os militares
pertencentes às Forças Armadas, e à jurisdição militar estadual os militares
estaduais. Importante observar que podem ser submetidos civis à Justiça Militar da
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União, aspecto que não depreende perspectivas no âmbito da Justiça Militar
Estadual, à qual somente podem ser submetidos os militares estaduais.
No estudo do Direito Penal Militar sob a ótica das Polícias Militares, tem-se
observado a importância de construir-se a disciplina do Direito Penal Policial Militar.
Este campo de estudo, direito penal militar sob a ótica das polícias militares, pode
ser considerado um ramo específico das ciências, pois possui autonomia didática e
objeto de estudo particular, exigindo-se a adoção de métodos de pesquisa científica
próprios. Este posicionamento tem sido sustentado por Assis (1992, p. 73) a mais de
duas décadas, cujo primeiro convite ao aprofundamento desta perspectiva foi
abordado sumariamente em uma de suas primeiras obras, cujo título sintetiza a
citada perspectiva “Lições de Direito para a Atividade Policial Militar”:
atrevemo-nos a conceituar essa nova fase como fase do Direito Penal Policial Militar, visto que, como a Justiça Militar gravita em torno dos Códigos de Processo Penal e Penal Militares, e da Lei de Organização Judiciária Militar, são efetivamente as Polícias Militares que têm mantido a Justiça Militar como um todo, tornando-a rica em jurisprudência pelos muitos casos que se apresentam, extrapolando com folga o universo delitivo das Forças Armadas.
A possibilidade de construir-se uma nova disciplina no campo das ciências
jurídicas resulta da riqueza processual da justiça militar estadual, adaptada à
realidade das corporações policiais militares no desempenho das atividades de
preservação da ordem pública, e finaliza Assis (1992, p. 73): “é o campo fértil para
os estudiosos do direito que vale a pena ser semeado para o fortalecimento e
enriquecimento da doutrina”.
José Félix Drigo (2008, p. 127) sustenta a importância do Direito Militar e do
aperfeiçoamento das autoridades responsáveis pela sua aplicação:
o Direito Militar não é matéria nova e de pouca importância, e que o conceito de crime militar tem evoluído sendo distinta a sua aplicação em diferentes países, além do que, a autoridade competente para apurá-lo deve se aperfeiçoar no conhecimento jurídico, de maneira que consiga tirar o maior proveito daquilo que é permitido por lei investigar, e de maneira nenhuma avance sobre o direito ou garantias dos envolvidos, suspeitos ou indiciados.
Este autor caracteriza os aspectos relacionados às fases da persecução
criminal no âmbito do Inquérito Policial Militar, sendo importante a realização de
diligências investigativas, buscando-se a preservação e produção de provas, o autor
14
demonstra, através do método de direito comparado, as diferenças dos métodos de
persecução criminal em diversos países, cuja principal semelhança situa-se na
preservação dos direitos e garantias dos envolvidos, suspeitos e acusados,
especialmente nos países signatários dos acordos e convenções internacionais de
Direitos Humanos. Acima de quaisquer perspectivas, o autor aponta a importância
do princípio da legalidade, especialmente no campo da proteção dos direitos e
garantias dos envolvidos, acusados e suspeitos, aspectos norteadores e que se
relacionam diretamente com a preservação da harmonia e coesão das Instituições
Militares, objetivo do Direito Militar.
Abordando os aspectos do Inquérito Policial Militar, José da Silva Loureiro
Neto (2000, p. 14) expõe que: “sua finalidade, como consta, é fornecer ao órgão da
acusação, elementos de convicção para a propositura da ação penal, através da
elaboração da denúncia”. O Inquérito Policial Militar é inquisitivo, não se vigorando o
princípio do contraditório, competindo ao Encarregado, a realização de diligências
que entender necessárias e convenientes, buscando-se, sempre, a captura de
elementos necessários à elucidação dos fatos. O Inquérito Policial Militar trata-se de
procedimento administrativo de instrução provisória, seu desenvolvimento ocorre
sob condição de sigilo, obstando prejuízos à produção de provas e coleta de
indícios.
Diante do caráter de instrução provisória do inquérito, observa-ser que a
relação processual ocorre com o recebimento da denúncia do Ministério Público pelo
juiz militar, momento em que será garantido ao acusado a plenitude do exercício da
ampla defesa e do contraditório. Embora o Inquérito Policial Militar apresente-se
como procedimento de relevante importância, poderá ser dispensado pelo Ministério
Público, quando existentes elementos suficientes que possam indicar a autoria e a
materialidade, neste sentido Loureiro Neto (2000, p. 29): “o inquérito não é a única
maneira de que se vale o órgão da acusação para elaborar a denúncia. Documentos
e papéis podem conter razoáveis elementos que sirvam de base para a propositura
da ação penal”. Nas hipóteses de instauração do Inquérito Policial Militar, este
deverá ser concluído no prazo de vinte dias, se o indiciado encontrar-se preso,
contado da execução da ordem de prisão, e em quarenta dias, contados da data de
instauração, quando o acusado estiver solto.
15
2.2.1 Crime Militar Assis (2008, p. 25) argumenta que a legislação penal militar difere da comum
em razão da essência das atividades concernentes aos militares, de preservação da
ordem pública e a segurança da nação:
se a sociedade e a pátria lhes outorgam a condição de mantenedores da ordem e defensores das instituições, curial que ao lado de tais garantias que muitas vezes escapam ao servidor público civil lhes seja exigido com maior rigor o cumprimento de seus deveres.
O direito militar dirige-se a um determinado grupo de pessoas – aos militares
da União e aos militares estaduais – e excepcionalmente a civis. Dentre as principais
características do Direito Militar destaca-se a severidade da legislação justificada
pela suas atribuições constitucionais – a preservação da ordem e a garantia do
exercício dos poderes constituídos. O Direito Militar possui convergência com os
dispositivos constitucionais, cujos elementos e dispositivos auxiliam a interpretação
da matéria e direcionam os limites de sua aplicação, ou seja, o Direito Militar,
embora rígido e severo, possui perfeita consonância com a Constituição de 1988:
esta severidade legal, entretanto, não deve ultrapassar daqueles objetivos que realmente o especificam, em salvaguarda do serviço militar, da disciplina, da hierarquia, da condição de superior, não devendo ser estendida aos princípios informadores que regem o direito penal brasileiro, seja ele comum ou militar. (Assis, 2008, p. 25)
O Direito Militar não deve ser compreendido como uma norma de subterfúgio
à prática de ilícitos, ou como dispositivo que permite serem ultrapassados os
princípios constitucionais:
o ordenamento jurídico brasileiro deve estar amoldado às regras da Constituição da República, de forma que conhecê-lo é efetuar um passeio pela Carta Magna, identificando que dispositivos se referem às Instituições Militares (Forças Armadas e Forças Auxiliares), já que de extrema relevância seu papel para com a pátria, com os Estados e o Distrito Federal (Assis, 2008, p. 25)
As normas militares possuem dispositivos próprios e específicos direcionados
à proteção dos bens e dos interesses da Administração Militar, contudo, os
princípios constitucionais informadores da norma penal, como o princípio da reserva
legal, presunção de inocência, juiz competente, devido processo legal, a proteção
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dos direitos e garantias individuais, a anterioridade da lei penal, aplicam-se a todo o
ordenamento penal brasileiro, comum e militar. A dimensão do Direito Militar
assevera perspectivas de ordem especial, denotando a existência de limitações,
prerrogativas e sujeições, existentes nos dispositivos da norma Constitucional
vigente, aplicados aos membros das Instituições militares, sendo importante
observar o seguinte posicionamento de Assis (2008, p. 32):
a natureza jurídica dos membros das Instituições armadas brasileiras é a de categoria de servidores da Pátria, dos Estados e do Distrito Federal, com regime jurídico próprio, no qual se exige dedicação exclusiva, restrição de alguns direitos sociais, e sob permanente risco de vida.
Tendo observado a dimensão científica do Direito Penal Militar, salutar
observar o conceito e natureza jurídica do crime militar, partindo-se da definição
trazida pelo artigo 9°, in verbis, do Decreto-Lei 1001, de 21 de outubro de 1969 –
Código Penal Militar – consideram-se crimes militares em tempo de paz:
Art. 9°. Consideram-se crimes militares em tempo de paz: I – os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito a administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar contra militar em situação de atividade, assemelhado, ou contra funcionário de Ministério Militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobra; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior. Parágrafo único. Os crimes de que trata este código, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.
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Complementando a pragmática do estudo, de acordo com o artigo 10°, do
mesmo diploma legal, consideram-se crimes militares em tempo de guerra:
Art. 10°. Consideram-se crimes militares em tempo de guerra: I – os especialmente previstos neste Código em tempo de guerra; II – os crimes militares previstos para o tempo de paz; III – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, quando praticados, qualquer que seja o agente: a) em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado; b) em qualquer lugar, se comprometem ou podem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do País ou podem expô-lo a perito; IV – os crimes definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos neste Código, quando praticados em zona de efetivas operações militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupado.
Observa-se que, tanto os crimes militares em tempo de guerra como os
crimes militares em tempo de paz, possuem em sua característica, o uníssono
elemento de coesão das instituições militares, seja direcionado à eficiência de suas
atividades e à preservação dos princípios basilares da caserna, a disciplina e a
hierarquia militares. Importa acentuar a perspectiva de que os civis podem
submeter-se à jurisdição militar da União, não sendo admitido o julgamento destes
pela justiça militar estadual. Outro aspecto importante relaciona-se à Competência
do Tribunal do Júri no julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civil
praticados por militares no exercício da função, incluído por ocasião da Lei 9299/96,
a qual acrescentou o parágrafo único no artigo 9° do Código Penal Militar. Em linhas
gerais, pode-se conceituar como crimes militares próprios, aqueles definidos
exclusivamente na lei militar.
Definem-se crimes militares impróprios, os crimes descritos no Código Penal
Militar e que possuem igual definição na norma penal comum, quando praticados por
militares no exercício da função ou em razão dela, ou, ainda, quando praticados por
civis, contra bens, interesses ou o patrimônio da Administração Militar, exceto
quando praticados contra as Corporações Policiais Militares dos Estados e do
Distrito Federal. Os crimes próprios militares somente podem ser praticados por
militares exclusivamente, excetuando-se os crimes militares constantes no Título III,
considerados crimes próprios militares praticados por civil contra o serviço militar e o
dever militar. Dentre as espécies constantes no respectivo Título III, destaca-se o
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crime de Insubmissão, cometido exclusivamente pelo civil, por ocasião da
convocação de incorporação; este tipo contempla hipótese de crime de mão-própria,
portanto, admite a participação, não sendo admissível a co-autoria: “art. 183. Deixar
de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi marcado,
ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação”.
Álvaro Mayrink da Costa (2004, 5), em relação ao conceito de crime militar,
argumenta que:
o Direito Penal Militar é, evidentemente, um direito tutelar, porque tutela os bens jurídicos, os interesses jurídicos da ordem militar, de modo que o crime será evidentemente militar quando atentar contra os bens ou interesses jurídicos de ordem militar, sejam quais forem os seus agentes (militares ou civis)
Em síntese, o autor sustenta que o único critério científico hábil a identificar e
caracterizar o delito militar encontra consonância com o critério ratione materiae,
pelo fato de que o crime militar apresenta-se como uma ofensa aos bens e
interesses da Administração Militar, independentemente do agente responsável pela
infração – civil ou militar – deste modo, o direito militar apresenta-se como um direito
objetivo, cuja finalidade trata-se da proteção dos interesses, priorizando a coesão e
harmonia das Instituições Militares.
2.3 CONCURSO MATERIAL ENTRE CRIME COMUM E CRIME MILITAR
O concurso de crimes assevera a observância de dois aspectos, a ocorrência
de apenas uma conduta, e a ocorrência de duas ou mais condutas praticadas pelo
agente. Álvaro Mayrink da Costa (2004, p. 394), abordando esta perspectiva
sintetiza que: “todo crime é realizado por uma conduta, nem sempre uma só conduta
corresponde a um só crime, visto que há hipóteses em que uma só conduta pode
realizar vários crimes, bem como várias condutas pode ser realizado um único
crime”. Deste modo, pode-se observar a possibilidade de concurso material tanto na
ocorrência de uma conduta, como na hipótese de ocorrência de duas ou mais
condutas praticadas pelo autor de um delito, assim, o número de resultados não
corresponde, necessariamente, ao número de condutas.
Considerando o concurso material, Álvaro Mayrink da Costa (2004, p. 403),
doutrina que: “o autor comete várias violações de um ou mais tipos penais, mediante
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distintas ações ou omissões”. Para a ocorrência do concurso material, deve-se
observar a pluralidade de condutas como pressuposto necessário, ocorrendo a
concorrência de vários delitos, ou seja, as ações e omissões não se tratam de
elementos necessários ou concorrentes para a prática de apenas um delito,
diferentemente, o agente tem a intenção praticar diversos delitos.
Victor Eduardo Rios Gonçalves (2008, p. 151), nos termos da lei penal
comum, explica que o concurso de crimes ocorre quando uma pessoa pratica duas
ou mais infrações penais, admitindo-se três hipóteses: concurso material, concurso
formal e o crime continuado. Em se tratando de concurso material de crimes, o autor
doutrina que: “dá-se o concurso material quando o agente, mediante duas ou mais
ações ou omissões, comete dois ou mais crimes, idênticos ou não. Quando isso
ocorrer, as penas deverão ser somadas”. Os crimes normalmente apuram-se em um
mesmo processo, destarte, quando não houver possibilidade, a soma das penas
dar-se-á, no âmbito da Vara de Execuções Penais.
Em relação à conexão ou continência, a cisão do processo não ofende o
princípio da unicidade da jurisdição nem afasta os efeitos resultantes do concurso
entre crime militar e crime comum, em síntese, ocorre a divisão do processo em
razão da especialidade para o julgamento da matéria, que resulta da competência
para o julgamento, neste sentido Miguel e Coldibelli (2000, p. 100): “a separação do
processo não quebra os efeitos da conexão ou continência, quer para o foro militar,
quer para o foro comum [...] não há quebra da unidade processual exigida pela
conexão ou continência, mas só do julgamento”. Observe-se que a unidade do
processo dar-se-á posteriormente, por ocasião da soma e unificação das penas.
A cisão do processo para o julgamento decorre da observância dos efeitos da
competência, em razão da impossibilidade de apenas um juiz julgar toda e qualquer
matéria trazida ao seu conhecimento, neste aspecto Loureiro Neto (2000, p. 102):
“competência, que é a jurisdição exercida em determinado caso, pois não se
compreende que a jurisdição possa ser exercida ilimitadamente por determinado
órgão juridicante”.
Os juízes-auditores e os Conselhos de Justiça exercem as mesmas funções,
tanto na Justiça Militar Federal como na Justiça Militar Estadual, contudo, Loureiro
Neto (2000, p. 105-106) argumenta ser a Justiça Militar Estadual, o campo de
maiores fortunas para o operador do direito, devido às suas peculiaridades e
particularidades, especialmente conquanto à competência para o julgamento de
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civis: “a Justiça Militar Estadual não pode processar e julgar civis [...] cabendo-lhe,
tão-somente, processar e julgar policiais militares nos crimes previstos no Código
Penal Militar”. O autor sustenta a existência de exceções, as quais podem ser
observadas de acordo com o entendimento dos Tribunais Superiores.
Célio Lobão (2010, p. 162), neste mesmo diapasão, argumenta que: “a
competência da matéria diz respeito à natureza do litígio, à natureza da infração que
constitui o objeto do processo”. A competência da Justiça Militar assevera a
observância da matéria, aspecto especial a que o legislador constituinte entendeu
ser apreciada por órgão juridicante especializado: “a competência material da
Justiça Militar, como um dos órgãos do Poder Judiciário, vem definida na
Constituição, segundo a qual compete à Justiça Militar, federal e estadual, processar
e julgar os crimes militares definidos em lei”. A regra constitucional admite exceções
como a Competência do Tribunal do Júri, no julgamento dos crimes dolosos contra a
vida de civil, assim como, a competência da Justiça Comum para o julgamento os
crimes previstos na Lei 4898/65 – Define os crimes de Abuso de Autoridade.
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3 METODOLOGIA
Esta pesquisa científica aborda o tema do concurso material entre crime
militar e crime comum, cuja dimensão de análise permite a identificação das
seguintes variáveis qualitativas: Justiça Militar e Justiça Comum, com ênfase aos
aspectos da Justiça Militar Estadual; crime militar e crime comum.
O objetivo geral da pesquisa direciona-se no sentido de observar as
características, o conceito e natureza jurídica do crime comum e do crime militar,
abordando-se aspectos da Justiça Militar Estadual e da Justiça Comum. O objetivo
específico da pesquisa permite identificar os aspectos que influenciam na
necessidade de cindir-se o processo.
A pergunta de pesquisa tenciona o seguinte questionamento: “A competência
para o julgamento, no âmbito da Justiça Militar, reside na observância do princípio
ratione materiae. Nas hipóteses de concurso material entre crime comum e crime
militar, necessariamente ocorre cisão do processo para o julgamento, atribuindo-se à
Justiça Militar o Julgamento dos crimes militares definidos em lei, e à Justiça
Comum, o julgamento dos crimes comuns?”.
A hipótese de pesquisa assevera que: “No concurso material entre crime
comum e crime militar a cisão do processo não resulta em ofensa ao princípio da
unicidade da jurisdição”. Corroborou-se a hipótese de pesquisa, pelo fato de que a
ocorre a divisão do processo apenas para o julgamento, a unicidade será verificada
em momento posterior, por ocasião da soma e unificação das penas.
O presente artigo científico foi desenvolvido através de metodologia de
pesquisa, utilizando-se do método lógico-dedutivo, partindo-se do geral para o
particular, sendo realizadas pesquisas bibliográficas e documentais, utilizando-se
autores e obras relacionadas ao Tema da pesquisa.
3.1 ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS
Diante do que foi estudado, observou-se que nas hipóteses de concurso
material entre crime militar e crime comum, atribui-se à Justiça Comum, o
julgamento dos crimes comuns, e à Justiça Militar o julgamento dos crimes militares
definidos em lei. Esta cisão não importa em conseqüências à unidade do processo,
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mas, tão-somente, na competência para o julgamento, a unidade do processo
verificar-se-á em momento posterior, por ocasião da unificação e soma das penas. A Justiça Militar trata-se de justiça especializada, existente e necessária à
proteção dos interesses da Administração Militar, especialmente conquanto à
coesão e harmonia das Instituições Militares, estabelecidas nos princípios basilares
da hierarquia e disciplina militar. Tanto a Justiça Comum como a Justiça Militar
comungam dos mesmos princípios, seja no âmbito da proteção dos direitos e
garantias individuais dos acusados, como nos princípios afetos à processualidade.
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4 CONCLUSÃO Alicerçando este entendimento, convém serem observados os seguintes
aspectos, especialmente em relação ao posicionamento do Superior Tribunal de
Justiça no sentido de não admitir que civis sejam submetidos à Justiça Militar
Estadual, assim como, a possibilidade de sujeitar militares à Justiça Comum em
determinadas situações expressamente previstas na Lei.
Em relação ao concurso material entre crime militar e crime comum, o
Superior Tribunal de Justiça posiciona-se no seguinte sentido:
Súmula 90 – STJ: compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele. Súmula 172 – STJ: compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.
Este posicionamento foi pacificado pela jurisprudência pátria embora
apresente divergências doutrinárias, contudo, o entendimento majoritário corrobora
esta perspectiva de que nas hipóteses de concurso material entre crime militar e
crime comum, à Justiça Militar compete à apreciação dos crimes militares, e à
Justiça Comum, o julgamento de crime comum.
De acordo com a Súmula 6 – STJ: “compete à Justiça Comum Estadual julgar
e processar delito de acidente de trânsito envolvendo viatura de Polícia Militar, salvo
se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade”. Diante deste
entendimento, afastou-se a possibilidade de submeter-se o civil à Justiça Militar por
ocasião de acidente de trânsito envolvendo viatura Policial Militar, competindo à
Justiça Comum o julgamento da matéria, contudo, se autor e vítima forem militares
em situação de atividade.
A Súmula 53 – STJ estabelece que: “compete à Justiça Comum Estadual
processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares
estaduais”. Nesta circunstância, afasta-se a competência da Justiça Militar Estadual
no julgamento de civis. Importante observar, que pela natureza das Instituições
Policiais Militares, entendeu o legislador constituinte, que somente submetem-se a
ela, os militares estaduais pelo cometimento de crimes militares definidos em lei,
salvo a competência do Tribunal do Júri, para o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida de civil, cometidos por militares no exercício da função.
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Os militares estaduais submetem-se à Justiça Comum, pelo cometimento de
crimes de promover ou facilitar a fuga de presos. Estes aspectos são observados na
Súmula 75 – STJ: “compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial
militar por crime de promover ou facilitar a fuga de preso de estabelecimento penal”.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu que a matéria subsume-se a hipóteses de
apreciação da Justiça Comum, em razão da natureza do delito.
Podem os militares estaduais cometer crimes em outras unidades federativas,
contudo, de acordo com o entendimento constante na Súmula 78 – STJ: “compete à
Justiça Militar processar e julgar policial de corporação estadual, ainda que o delito
tenha sido praticado em outra unidade federativa”. Ainda que o militar seja autor de
crime militar em outra unidade federativa, será submetido ao julgamento, pela
Justiça Militar, do Estado-membro a que pertencer a sua Corporação.
Em síntese, pode-se afirmar que a divisão do processo resulta da
competência para o julgamento e apreciação da matéria, não caracterizando uma
ofensa ao princípio da unidade da jurisdição ou do processo, mas, decorrente do
objetivo de atribuir juízos de valor específicos, decorrentes da natureza das
infrações e sob a ótica e perspectivas da jurisdição competente. A matéria militar
exige critérios próprios de análise e julgamento, os quais decorrem da observância
das razões de existência e das funções concernentes às Instituições Militares,
portanto. Pode-se afirmar que seria deficiente a apreciação de matéria penal militar,
perante a Justiça Comum, sendo a recíproca verdadeira, aspecto evidenciado pelo
próprio legislador.
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