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ELEONORA ABAD STEFENSON

ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS E ELEIÇÕES EM

ANGOLA

Da Guerra Colonial às disputas eleitorais.

Monografia apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal Fluminense como requisito para obtenção de grau de Bacharel/Licenciatura em História.

Orientador:

Prof. Dr. Marcelo Bittencourt

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NITERÓI

2009

ELEONORA ABAD STEFENSON

ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS E ELEIÇÕES EM

ANGOLA

Da Guerra Colonial às disputas eleitorais.

Monografia apresentado ao Departamento de História da Universidade Federal Fluminense como requisito para obtenção de grau de Bacharel/Licenciatura em História.

Aprovada em de 2009.

LEITOR CRÍTICO

Prof. Alexsander Lemos de Almeida Gebara

Doutor em História Social (USP)

Universidade Federal Fluminense - UFF

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“Não creio que haja falta de cultura política. O verdadeiro problema consiste na

maneira de conceber o político na África. O período colonial não foi uma boa

preparação para a democracia. O regime colonial era paternalista e autoritário,

ou mesmo totalitário. Enquanto as pessoas se consideravam como súditas e

obedeciam, os colonizadores mantinham a antiga organização dos chefes e dos

reinos africanos, servindo-se dessas estruturas para implantar o seu próprio

poder. E todos aqueles que gravitavam em torno do poder colonial - intérpretes,

guardas, funcionários subalternos africanos – tinham aprendido a comportar-se,

não como representantes democraticamente eleitos, mas como homens do poder.”

Ki-Zerbo, J. 2006.

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SUMÁRIO

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕESSIGLASRESUMO MAPASINTRODUÇÃO.......................................................................................................... 15

I O COLONIALISMO SALAZARISTA E A FORMAÇÃO DOS MOVIMENTOS DE LIBERTAÇÃO EM ANGOLA.

1.1 O COLONIALISMO SALAZARISTA EM ANGOLA ........................................... 171.2 A FORMAÇÃO DOS MOVIMENTOS DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA............ 20

1.2.1 UPNA/ UPA/ FNLA ................................................................................................. 211.2.2 MPLA......................................................................................................................... 241.2.3 UNITA....................................................................................................................... 261.3 A GUERRA COLONIAL E O ACORDO DE ALVOR........................................... 28

II A EXPLOSÃO DA GUERRA CIVIL E OS ACORDOS DE BICESSE: AS TRANSFORMAÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS (1975-1992)

2.1 O FRACASSO DOS ACORDOS DE ALVOR: O ANO DE 1975............................. 382.2 O PÓS-INDEPENDÊNCIA E A GUERRA CIVIL .................................................. 422.3 OS ACORDOS DE BICESSE (1991- 1992)............................................................ 47

2.3.1 AS ELEIÇÕES DE 1992............................................................................................ 50III CAOS, ESPERANÇA E NOVAS PERSPECTIVAS: DA CRISE DOS

ACORDOS DE BICESSE ÀS ELEIÇÕES DE 20083.1 DA ESPERANÇA AO CAOS: O FRACASSO DOS ACORDOS DE BICESSE E

A RETOMADA DA GUERRA.................................................................................54

3.2 DO CAOS À ESPERANÇA: A ÚLTIMA FASE DA GUERRA CIVIL E AS TRANSFORMAÇÕES NA SOCIEDADE ANGOLANA AO LONGO DO FINAL DO SÉCULO XX........................................................................................................ 59

3.3 ELEIÇÕES LEGISLATIVAS DE 2008 E AS NOVAS PERSPECTIVAS DA POLÍTICA ANGOLANA............................................................................................ 66

3.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 72ANEXOS

I GRÁFICOS DAS ELEIÇÕES DE 1992 E 2008......................................................... 74II GRÁFICOS DOS RESULTADOS DA MONITORIZAÇÃO DOS MEIOS DE

COMUNICAÇÃO SOCIAL DURANTE AS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS ANGOLANAS EM 2008...........................................................................................

77III MAPAS ELEITORAIS DOS PLEITOS DE 1992 E 2008 POR PROVINCIAS....... 81IV LISTA DE VÍDEOS E DVD....................................................................................... 86

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 90

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Índice de Ilustrações

01 Casa dos Estudantes do Império em Lisboa.

02 Embarque das tropas portuguesas durante o período da guerra colonial.

03 População portuguesa festeja o 25 de abril de 1974.

04 População portuguesa festeja o 25 de abril de 1974.

05 Os Acordos de Alvor.

06 Colonos portugueses aguardam com seus pertences a parida no porto de Luanda.

07 Painel pintado no largo do 1º de maio em Luanda, em razão da visita de Fidel Castro em 31 de março de 1977.

08 Imagem publicada no jornal de Angola 31 de maio de 1977 na qual estão retratadas as principais lideranças do golpe de 27 de maio de 1977.

09 Cartaz referente ao 1º Congresso do MPLA em 1977.

10 Os Acordos de Bicesse.

11 - Moradores da Samba danificam conduta de água.

12 Congestionamento na Avenida dos Combatentes em Luanda.

13 Campanha da UNITA para as Eleições Legislativas de 2008

14 Campanha do MPLA para as eleições Legislativas de 2008.

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Siglas

AD-Coligação – Coligação Angola Democrática

CIA – Central Intelligence Agency

CNE – Comissão Nacional Eleitoral

ELA – Exército de Libertação de Angola

FAA – Forças Armadas Angolanas

FAPLA – Forças Armadas Populares de Libertação de Angola

FNLA Frente Nacional de Libertação de Angola

FOFAC - Fórum Fraternal Angolano Coligação

FpD – Frente para a Democracia

GRAE Governo Revolucionário de Angola no Exílio

MFA – Movimento das Forças Armadas

MIA – Movimento de Independência de Angola

MINA – Movimento de Independência Nacional de Angola

MLA – Movimento de Libertação de Angola

MLN – Movimento de Libertação Nacional

MLNA - Movimento de Libertação Nacional de Angola

MPLA Movimento Popular de Libertação de Angola

MPLA-PT Movimento Popular de Libertação de Angola – Partido do Trabalho

ND - Nova Democracia União Eleitoral

ONU Organização das Nações Unidas

ONG – Organização Não Governamental

OUA – Organização da Unidade Africana

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PADEPA - Partido de Apoio Democrático e Progresso de Angola

PAJOCA - Partido da Aliança da Juventude Operária-Camponesa de Angola

PCA Partido Comunista Angolano

PCP Partido Comunista Português

PDA – Partido Democrático Angolano

PDP–ANA - Partido Democrático para o Progresso de Aliança Nacional Angolana

PIDE Polícia Internacional e de Defesa do Estado

PLD – Partido Liberal Democrático

PLUA – Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola

PPE - Plataforma Política Eleitoral

PRD - Partido Renovador Democrático

PRS – Partido de Renovação Social

PSD – Partido Social Democrata

RNA – Rádio Nacional Angolana

SIC – Sociedade Independente de Comunicação

TPA – Televisão Pública Angolana

UNAVEM II – United Nations Angola Verification Mission II

UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola

UPA – União das Populações de Angola

UPNA União das Populações do Norte de Angola

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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Resumo

A monografia tem como foco a análise do desenvolvimento do espaço político angolano,

desde a formação dos movimentos de libertação nacional durante a luta anticolonial, até o recente

processo eleitoral em 2008. Neste sentido, foi possível perceber a permanência destes atores no

seio do espaço político ao longo de todo o recorte, atentou-se para as transformações e

permanências dos discursos destas organizações políticas com o passar dos anos, e

principalmente, durante as duas experiências eleitorais angolanas, em 1992 e 2008. Para tal,

investiguei a trajetória destas organizações políticas, percebendo como, muitas vezes, a sua

trajetória se confunde com a trajetória do próprio espaço político angolano pós- independência:

limitado e profundamente marcado pela guerra.

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MAPAS

Mapa 1 – África continental Político

Fonte: www.mre.gov.br

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Mapa 2 – Sudoeste africano político

Fonte: /www.merriam-webster.com

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MAPA 3 – Angola político

Fonte: http://www.eisa.org.za

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Mapa 4 – Angola Etnolinguístico

Fonte: http://kantoximpi.blogspot.com/

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Mapa 5 – Regiões político militares (RPM) do MPLA

Fonte: TALI, 2001.

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Introdução

“A vitória é certa e a luta continua!”, ao ouvir esta frase ser repetida inúmeras vezes em

showmícios promovidos pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) ao longo de

sua campanha eleitoral em 2008, acompanhadas de fotos de seu antigo presidente, Agostinho

Neto, sempre estendidas ao lado de imagens do atual presidente, Eduardo dos Santos, é

impossível não nos remetermos à trajetória deste movimento, e à própria trajetória política

angolana nestas últimas três décadas.

Motivada por entender esta trajetória que tornou possível que há, apenas, um ano, um país

que foi duramente atingido por anos de guerra civil, pudesse estar novamente vivenciando uma

experiência democrática - porém desta vez sem as conseqüências devastadoras das eleições

anteriores, em 1992, que resultaram na retomada da guerra entre MPLA e seu principal oponente,

a União Nacional pela Independência Total de Angola (UNITA) – optei por um recorte que

englobasse desde a formação dos movimentos de libertação, passando pela sua transformação em

partidos políticos e a reforma política da década de 1990, até as eleições legislativas de 2008.

Partindo deste propósito, o presente trabalho pretende refletir sobre a força destas

organizações políticas ao longo da trajetória angolana, o que, inclusive, se reflete na sua

permanência e, principalmente, na polarização do cenário político angolano entre estas antigas

forças.

Para tal, busquei investigar as transformações e as escolhas que estas organizações

políticas farão para se adaptarem as novas reivindicações desta sociedade ao longo dos anos.

Dividi a pesquisa em três partes, sendo a primeira um resgate do momento de formação

destes movimentos de libertação nacional angolanos, em meio a um contexto de crescimento da

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contestação anticolonial dentro e fora de Angola. A segunda parte, aborda a construção do espaço

político angolano que se desenhará no pós independência, um espaço atrofiado, marcado por

disputas internas ao movimento no poder, MPLA, e externas, por uma longa guerra civil. A

terceira, e última parte, apresenta a viragem, inicialmente precária, deste cenário, permitindo a

realização dos dois processos eleitorais vivenciados por Angola nestas últimas três décadas após

a sua independência de Portugal, buscando, ainda, compreender as dificuldades e estratégias

utilizadas por estas antigas forças beligerantes em se adaptar a um novo cenário de disputa

democrática.

Nesta última parte de minha pesquisa, utilizei-me das campanhas eleitorais, dos dois

partidos / ex-movimentos que polarizaram a disputa eleitoral: MPLA e UNITA. Estas campanhas

estão disponíveis ao leitor na Internet, e em DVD em anexo.

Acredito ter sido possível, apesar do desafio que ainda representa estudar a história

contemporânea africana, contribuir para o crescente debate sobre o tema, de modo a apresentar, a

partir do ponto de vista historiográfico, os desafios que são enfrentados por muitos Estados

africanos, e aqui, especificamente por Angola, na construção de espaço político plural e

democrático.

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I

O Colonialismo salazarista e a formação dos movimentos de

libertação em Angola.

1.1 O Colonialismo salazarista em Angola.

Antes de analisarmos a formação dos movimentos de libertação é necessário

compreendermos o contexto colonial no qual estas organizações irão se desenvolver. Sendo

assim, tomamos como recorte temporal o período colonial salazarista, por ser neste período que

os três movimentos, aqui estudados, irão se constituir como tal e iniciar suas ações.

Ao longo das décadas de 1930 e 1940, com o estabelecimento do Estado Novo em

Portugal, um regime fortemente marcado pela centralização e pelo autoritarismo, ocorrem

transformações de caráter político-administrativo nas colônias portuguesas visando uma

intensificação do controle sobre estes territórios, com o objetivo de alcançar um equilíbrio

econômico, primeiramente na metrópole, e posteriormente em todo o Império.1

Dentro desta perspectiva é importante ressaltarmos a importância do Estatuto dos

Indígenas2 que irá estabelecer uma distinção legal da população angolana, dividindo-a em

civilizados, assimilados, e indígenas, estes últimos desprovidos de direitos políticos.3

Outro importante ponto a ser levantado, refere-se à política de permanente estímulo à

imigração portuguesa para as colônias, algo que irá causar profundas transformações,

principalmente nos centros populacionais mais antigos, como o eixo Luanda – Malange, onde o

1 CLARENCE-SMITH, 1990.2 A partir da década de 1920, o termo “assimilado” ganhou um significado legal mais específico, referindo-se aos negros e mestiços que não eram abrangidos pelo estatuto de “indígena”, mas que eram cidadãos de pleno direito. Esta classificação legal só foi abolida com as reformas iniciadas depois da revolta de 1961.3 MARCUM, 1979.

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processo de integração cultural se deu de forma mais intensa e por um período mais longo. No

contexto desta interação de séculos entre europeus e africanos, formariam-se grupos que se

diferenciariam das demais populações africanas, e que viriam a sofrer diretamente com a

marginalização, inclusive espacial, acarretando na sua expulsão para zonas periféricas das

cidades com a conseqüente expansão dos musseques, provocada pelo aumento da presença

portuguesa.4

Com o fim da II Guerra Mundial, e o início da Guerra Fria, cria-se um novo cenário

político internacional, no qual os regimes imperialistas são fortemente questionados, gerando um

clima favorável à contestação anticolonial que resultou em uma “onda” de descolonizações nos

territórios africano e asiático, fortalecidas ainda, pelos ideais defendidos na Conferência de

Bandung, em 1955. Este contexto irá influenciar diretamente a realidade angolana, contribuindo

para um clima de ebulição das reivindicações nacionalistas, que encontraram no regime

salazarista uma forte oposição e perseguição, sendo inclusive, em 1957, introduzida a PIDE –

Polícia Internacional e de Defesa do Estado - em Angola, com o intuito de sufocar qualquer

possibilidade de oposição Esta medida é, ainda, acompanhada de reformas que visavam a

manutenção da colônia, além da diminuição dos questionamentos nacionais e internacionais que

recaíam sobre Portugal , como a abolição do Estatuto dos Indígenas, em 1961, e a maior abertura

para investimentos externos, visando dar continuidade ao processo de desenvolvimento

econômico.

Ainda no sentido de diminuir os questionamentos sofridos pelo governo português, no que diz

respeito a sua presença em África, serão apropriadas as teorias do intelectual brasileiro Gilberto

Freyre sobre o colonialismo português, percebendo-o como diferente das de outras experiências

4 PEPETELA, 1997.

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colonizadoras promovidas pelas demais nações européias, por buscar integrar-se ao território,

construindo sociedades sem distinções. O luso tropicalismo.

Partindo de um conceito vago e homogeneizante que desconsidera por completo as

particularidades de cada uma das diversas civilizações que comporiam este “trópico”, Freyre,

parece sofrer uma “cegueira” além de uma profunda “incapacidade analítica” no que diz respeito

à sua viagem à África portuguesa, em 1951, à convite do governo salazarista, onde não parece

atentar para as tensões raciais existentes.5.

“A viagem oficial de Gilberto Freyre às colônias portuguesas é simultaneamente o momento de explicitação teórico- formal do luso tropicalismo e o momento da sua apropriação político-ideológica por parte de regime salazarista. É ainda um dos momentos em que mais claramente se revela a (quase) convergência nacional em torno da defesa da soberania portuguesa sobre os territórios ultramarinos. Encontramos representantes da oposição democrática e “humanistas de esquerda” ao lado de colonialistas de situação, todos empenhados em saudar o sociólogo brasileiro que tem sabido realçar a benignidade da colonização portuguesa, o seu caráter cristocêntrico, tolerante e igualitário. Freyre legitima, através de “conclusões cientificamente irrefutáveis”, uma dimensão fundamental do nacionalismo português, a dimensão colonial ”6

Com o início das insurgências em Angola, em fevereiro e março de 1961, classificadas

por Portugal como fruto de ações terroristas incentivadas por elementos externos e resultantes de

uma grande conspiração internacional, as atenções dos observadores internacionais se voltaram

para a política colonial portuguesa em África.7 Em seu livro A Geração da Utopia, o escritor

angolano Pepetela recria o ambiente de medo criado pelo regime salazarista diante do início dos

levantes de 1961 em Angola8:

“(...) Convém a Salazar criar o clima de histeria coletiva, centenas e centenas de brancos trucidados pelos terroristas, Angola é uma fogueira imensa, temos de defender a pátria e os portugueses, para Angola em Força! A propaganda estava

5 NETO, 1997. p. 348.6 CASTELO, 1998. p.95.7 WHEELER, 1972.8 É importante ressaltar que embora se trate de uma obra de ficção, o autor vivenciou grande parte dos eventos que ficciona.

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a resultar (...) um espesso clima de suspeição se abateu sobre os africanos em Lisboa (...) e a população passou derrepente a olhá-los com hostilidade (...) os negros e os mulatos eram quase apontados a dedo, nos cafés, nos cinemas, na rua. Traziam na cara os estigmas que os denunciavam como potencias terroristas. (...)”9

Com o intuito de amenizar ainda mais as crescentes pressões externas e internas, Portugal

reforçou as alterações na sua administração para além da esfera econômica, com maiores

investimentos em saúde e educação com o objetivo de conquistar o apoio dos africanos e limitar a

esfera de ação dos movimentos guerrilheiros.

No entanto, estas alterações administrativas realizadas pelo governo português não serão

capazes de solucionar as tensões presentes dentro colônia, na medida em que resultaram na

criação de uma nova e contraditória dinâmica marcada pela crescente militarização e reforço da

política de imigração praticadas pela metrópole, o que não deixará outra alternativa, às crescentes

organizações de contestação, que não a clandestinidade e a via armada.10

1.2 A Formação dos Movimentos de Libertação de Angola.

Iniciaremos a análise sobre a formação dos movimentos de libertação angolanos,

considerando que apesar da existência de diversas manifestações nacionalistas, principalmente a

partir da consolidação da colonização portuguesa em Angola, o presente estudo terá como objeto

de análise a trajetória dos três principais movimentos de libertação angolanos:

UPNA/UPA/FNLA, MPLA e UNITA. A escolha deste recorte se justifica em razão da crescente

importância dos referidos movimentos ao longo da guerra colonial e posteriormente com a guerra

civil,onde permanecerão no centro da disputa do espaço político angolano, constituindo as

9 PEPETELA, 1993, Pg.10.10 MARCUM, 1979 e BITTENCOURT, 1996.

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principais forças deste cenário que será marcado por uma polarização presente, inclusive, ao

longo das duas disputas eleitorais, em 1992 e em 2008.

Convém destacarmos que inicialmente esta luta, de caráter nacionalista, se dará em meio

a grupos urbanos e junto às populações rurais mais próximas aos centros urbanos. Porém,

posteriormente esta base será ampliada, até para a sobrevivência destes grupos. No entanto é

importante ressaltar que estas manifestações nacionalistas se darão de forma heterogênea, reflexo

das formas diferenciadas de penetração portuguesa no território angolano.

1.2.1 UPNA/ UPA/ FNLA

A presença portuguesa no antigo Reino do Congo, que engloba a atual região norte de

Angola, é datada de séculos de contato, porém de uma recente presença efetiva.

Concomitantemente, a essa nova presença,surgem as missões protestantes que desempenharão

uma crescente influência ao longo dos anos sobre a educação e organização das populações. Esse

fato é analisado por Marcum, a partir de um censo realizado em 1950 que listou 35 por cento dos

bakongos como protestantes, resultado extremamente superior à média verificada no restante de

Angola, de apenas 13 por cento.11

Em 1955, com o falecimento do rei D. Pedro VII, tem lugar uma disputa pelo trono, em

parte compreendida em uma disputa religiosa entre católicos e protestantes, que gerou uma certa

desconfiança por parte do governo português às missões protestantes. A disputa foi solucionada

arbitrariamente pelo governo português apoiando o representante católico, Antonio III, fato que

gerou uma forte comoção entre os protestantes, liderados por Eduardo Pinnock e Barros Necaca,

que irão buscar apoio internacional na tentativa de recuperar a soberania do reino do Congo.

11 MARCUN, 1969.

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Desse descontentamento, nasce, em julho de 1957, a UPNA –União das Populações do Norte de

Angola, que em função de sua trajetória de formação será, inicialmente, marcada pela presença

do grupo etno-linguístico bakongo.

Em fins de 1958, Holden Roberto, sobrinho de Barros Necaca, esteve presente em Accra,

na Conferencia dos Povos Africanos12, onde se encontrou com importantes expoentes do

nacionalismo africano, como Kwame Nkrumah, Sékou Touré e Francis Fanon. A partir deste

contato, Holden Roberto afirmou ter percebido que com a “evolução da situação, o nome devia

mudar,devia ser alterado13” , assim como a própria proposta deveria ser estendida à todo o

território angolano, circulando em 5 de dezembro, em Accra, um manifesto assinado pela União

das Populações de Angola (UPA). Esta ampliação de seu raio de ação demonstra a necessidade

da antiga UPNA em legitimar-se como porta-voz do nacionalismo angolano..14

Ainda na busca por um reconhecimento externo, principalmente junto aos demais países

africanos, a UPA, irá fundar em abril de 1962, o Governo Revolucionário Angolano no Exílio

(GRAE) que terá como secretário geral, Jonas Savimbi, pertencente ao grupo etno–lingüístico

ovimbundo, uma escolha que pode ser apontada como mais uma estratégia de desvincular-se das

características iniciais do movimento, fortemente baseado no apoio das populações do norte de

Angola.15

12 “ Durante 3 meses, Holden Roberto esperou em Accra pela Conferência, trabalhando no Bureau of African Affairs, dirigido por George Padmore, Conselheiro Político do Presidente Nkwame Nkrumah, sob a chefia de James Markham, Secção Austral. (...) Assim, Holden Roberto teve a possibilidade de participar na primeira Conferência dos Povos Africanos que se realizou de 6 a 13 de Dezembro de 1958 em Accra, capital da jovem República do Ghana, na qualidade de enviado da União das Populações de Angola, onde conheceu Tom Mboya do Quénia, Kenneth Kaunda da Zâmbia, Joshua Nkomo do Zimbabwe, Frantz Fanon do Governo provisório da Argélia, Kamuzu Banda do Nyassaland, hoje Malawi e outros líderes africanos. (...)” Retirado do site: www.fnla.net. Nesta passagem é importante destacarmos a disputa de memória quanto ao pioneirismo na luta de libertação entre os movimentos FNLA e MPLA, entretanto trataremos desse tema mais a frente.

13 ROBERTO apud DRUMOND ; HELDER , 1999, p. 16. 14 MARCUM, 1969.15 MARCUM, 1969.

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A UPA irá, também em 1962, fundir-se ao Partido Democrático de Angola (PDA),

formando a FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola, o que , segundo Holden Roberto

representa o “espírito de unidade”, surgido a medida que “luta avançava”, buscando o

“fortalecimento do grupo”.

Esta união será fortemente criticada pelo movimento rival, MPLA, sobre a alegação da

permanência de um caráter “tribal” à FNLA, por se tratar de uma união de movimentos

marcadamente “tribalistas”.16

A FNLA irá sofrer acusações ao longo de todo o conflito colonial, e posteriormente

durante a guerra civil, de não possuir um discurso nacional e sim regionalista, muito voltado para

as populações de origem etno-linguistico bakongo do norte de Angola.

Em resposta à estas constantes acusações, Holden Roberto irá afirmar que:

“ Onde há uma luta armada o tribalismo não tem possibilidade nenhuma de se expandir. Onde há luta armada os homens de regiões diferentes lutam em conjunto, partilham as mesmas emoções, acho que o tribalismo não há. Para mim, não temos essa coisa do tribalismo, não temos porque nós tivemos nas nossas fileiras pessoas que vieram de todas as regiões das províncias de Angola, de norte a sul, de leste a oeste, de forma que para nós o tribalismo não tem significado nenhum”17

1.2.2 MPLA

16 BRINKMAN, 2003.17 ROBERTO apud DRUMOND ; HELDER , 1999, p. 31.

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O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) surge ligado a um importante

centro urbano, Luanda, porém suas raízes estão ligadas a uma mudança do padrão reivindicativo

luandense.18 Este caráter urbano, somado a uma influência provocada pelo contato com a

esquerda portuguesa, teria facilitado a presença de elementos brancos e mestiços nas fileiras do

MPLA.

“Dirigido inicialmente por Viriato da Cruz e Mário de Andrade, as bases sociais e geográficas do MPLA refletiram intensamente as suas origens políticas. Desde a sua fundação que o MPLA recebeu o principal apoio dos africanos urbanizados e dos mestiços ( tanto Viriato da Cruz como Mário de Andrade são de raça mista); a sua maior força estava em torno da região de Luanda (...)”19

Além de seu caráter urbano, podemos destacar ainda a presença de muitos de seus

principais quadros no exterior, especialmente na metrópole, onde teriam dado continuidade aos

seus estudos20, visto que o investimento português em educação nas suas colônias era baixíssimo.

A vivência na metrópole proporcionaria o contato com estudantes de outras partes do império

português o que acabaria possibilitando uma crescente articulação na luta anticolonial.

“ Com bem apropriada ironia, o desemaranhar das teias do império “uno e indivisível” foi desfazer firmes raízes transimperiais. A tradição dos escóis africano e mestiço receberem educação superior na metrópole pode ter sido concebida para desenvolver uma cultura lusófona unificada, mas nos anos 50 só facilitava a coordenação dos nacionalismos emergentes. A Casa dos Estudantes do Império, fundada em 1944, e o Centro de Estudos Africanos, criado em Lisboa em 1951, mais tarde considerados por Mario Soares como o berço das chefias africanas – constituiu um ponto de convergência para a geração de teóricos políticos e de chefes guerrilheiros cujos movimentos chegariam ao poder depois do colapso do império”21

18 BITTENCOURT, 1999.19 MACQUEEN, 1998. Pg.39.20 Como é o caso de Agostinho Neto que cursou medicina em Lisboa e viria a se tornar uma das principais lideranças do movimento.21 MACQUEEN, 1998. Pg. 38.

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Outro aspecto importante no processo de formação do MPLA é a compreensão da

ebulição de organizações anticoloniais no cenário luandense, das quais inclusive farão parte

muitos futuros quadros do MPLA. Esta multiplicidade de organizações se deve em parte às

perseguições portuguesas, o que provocaria um clima de tensão e suspeitas na colônia, como

explica Bittencourt:

“O entendimento dessa efervescência pulverizada de pequenos movimentos e partidos na década de 50 – entre os quais poderíamos relembrar o PCA, PLUA, ELA, MIA, MLA, MLN, MLNA e MINA – supõe o reconhecimento de dois fatores básicos: a clandestinidade a que eram empurrados pela repressão portuguesa e os diferentes vínculos de solidariedade que os uniam.(..) No tocante a clandestinidade, era normal que tais movimentos desconfiassem e mesmo temessem qualquer agregação, ou associação com outros parceiros já constituídos em organizações políticas. (...) ”22

O MPLA encontrou inicialmente dificuldade de ação em território angolano, em parte

devido a sua trajetória de formação, o que pode ser percebido através da dificuldade de

articulação entre os quadros presentes no exterior e os presentes no interior de Angola, além da

sua fragilidade militar, em função da dificuldade de constituir uma base e treinar suas fileiras. No

entanto este movimento, de orientação marxista, conquistou uma forte rede de apoio nos países

socialistas e junto aos grupos de esquerda europeus. Dentro desta perspectiva é importante

salientar a presença do MPLA na II Conferencia dos Povos Africanos, realizada em Tunis no ano

de 1960, já que a participação deste movimento reforçará os laços com lideranças de outros

países africanos, laços estes, que futuramente permitirão ao MPLA formar uma base em território

africano e receber seus quadros presentes no exterior.23

22 BITTENCOURT, 1999. Pg. 198.23 BITTENCOURT, 2002.

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Imagem 1: Casa dos Estudantes do Império em Lisboa,.

1.2.3 UNITA

Formada em 1966, a partir de uma dissidência no interior da UPA, pelo antigo secretário

geral e ministro dos negócios estrangeiros do GRAE, Jonas Savimbi, a União Nacional para a

Independência Total de Angola (UNITA) irá completar o que Macqueen chama de “estrutura

tripartida do nacionalismo angolano que se manteria assim até o colapso português e que

formaria, posteriormente, a geometria da prolongada guerra civil.”24

A formação da UNITA pode ser compreendida a partir da cisão de Jonas Savimbi com a

UPA, sob a argumentação de não concordar com as bases tribalistas do movimento, e propondo

24 MACQUEEN, 1998.

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superar o que seria uma “estagnação da luta anticolonial”, que segundo Savimbi seria causada

pela “inefetiva estratégia dos dois movimentos, UPA e MPLA, cuja formação fora do território

angolano, impediriam o progresso da luta anticolonial”25. Sobre este primeiro momento na

formação do movimento, Macqueen afirma:

“Uma das mais importantes deserções verificou-se em 1964 quando o “Ministro dos negócios Estrangeiros” do GRAE, Jonas Savimbi, saiu depois uma luta perdida pelo poder com Holden Roberto.(...) Savimbi denunciou o seu antigo chefe como fantoche dos Estados Unidos e ridicularizou a incapacidade militar da FNLA”26

Inicialmente a UNITA constituía um movimento sem grandes apoios, ou laços externos,

tendo atuado principalmente na região central do território angolano. Entretanto, é importante

ressaltarmos o apoio, ainda que módico recebido pela UNITA do governo Chinês em 1968,

período no qual a UNITA cultivou uma imagem pró-chinesa.27

Ainda neste primeiro momento da trajetória da UNITA, é possível percebermos a relativa

inexpressividade da campanha desta contra as forças coloniais, em parte explicado pelo conflito

existente entre os próprios movimentos de libertação, na medida em que direcionavam boa parte

de seus esforços nestes combates, o que teria levado ainda a um improvável, e futuramente muito

criticado, acordo de cessar fogo com o exército colonial em 197228.

“ Tão ineficaz era a campanha da UNITA contra as forças coloniais e tão preocupada estava Savimbi com o seu conflito com o MPLA que, em 1972, a UNITA acabou por procurar tréguas com os portugueses. Essencialmente, os termos do acordo (feito localmente com o comandante militar de Angola)

25 UNITA, 1990.26 MACQUENN, 1998, pg.5427 MACQUEEN, 1998 e MARCUM, 1969.28 Este acordo será fortemente utilizado pelos demais movimentos de libertação como meio de deslegitimar a luta anticolonial da UNITA.

26

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dispunham que o exército colonial deixaria a UNITA em paz enquanto mantivesse os ataques contra o MPLA e, eventualmente, contra a FNLA”29

Cabe ainda ressaltar outro importante fator na estruturação da UNITA que provém de sua

relação estreita com os congregacionistas e suas missões existentes na região Centro-Sul do país,

que teriam contribuído para o fortalecimento do movimento, além de funcionarem como pólos de

irradiação das idéias defendidas pela UNITA.30

1.3 A Guerra colonial e o Acordo de Alvor

“A tomada de Ceuta iniciou o império marítimo português. E muito mais, a descoberta do novo mundo. O fim do império colonial português também trouxe consigo uma descoberta. Ou redescoberta. A de dois continentes. África e Europa. (...) A alvorada de 25 de abril de 1974 revelou um exército que não mais seria um vetor da colonização forçada na África. Libertou, assim, o país da carapaça política imperial e permitiu aos partidos e à sociedade civil tratarem das saídas para depois do fim do império”31

Neste último tópico do capítulo partiremos dos supracitados levantes de 1961, tidos como

marcos iniciais da guerra colonial, e as respostas enfáticas promovidas pelo governo de Salazar

no sentido de reforçar a idéia da manutenção da presença portuguesa em África, o que

impulsionará nas colônias portuguesas a necessidade da luta armada como meio de desmantelar o

Império português no continente africano.

Antes de analisarmos mais profundamente o desencadeamento dos eventos durante o

conflito colonial, faremos uma ressalva no que diz respeito aos efeitos da guerra para a presença

portuguesa no território. Esta presença não é ameaçada com o desenrolar da guerra. Para

29 MACQUEEN, 1998. pg. 56.30 BITTENCOURT, 1999.31 SECCO, 2004.

27

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exemplificar esta questão, basta nos debruçarmos sobre a permanência do crescente fluxo

migratório para Angola, mesmo após o início da luta armada, além do constante crescimento da

economia angolana durante este período32.

Neste contexto, a guerra colonial em Angola poderá, segundo Norrie Macqueen, ser

analisada em três momentos: de 1961 à 1963, de 1964 à 1970 e de 1970 à 1974:

“ (...) O curso posterior da luta armada em Angola, desde 1961 até o colapso do regime de Lisboa, em 1974, pode ser dividido em três grandes períodos, que coincidem aproximadamente com a ascensão e queda da fortuna dos dois principais movimentos nacionalistas em relação um ao outro. (...)”33

O primeiro momento 1961 -1963 é marcado por uma ascensão da UPA, que em função do

apoio obtido junto ao governo do Congo-Leopoldville, futuro Zaire, possuía importantes bases e

meios, inclusive financeiros advindos do apoio norte americano estabelecido através da CIA, para

buscar se legitimar frente à opinião externa como representante do povo angolano na luta contra o

colonialismo português.

Este momento inicial representou, para o então enfraquecido MPLA, uma parte de sua

trajetória marcada pela dificuldade, tanto de formar uma base consistente em território africano,

quanto pelas prisões de importantes quadros promovidas pela PIDE em 1960, o que o levará a

tentar aproximar-se da FNLA, com o objetivo de unificar as diferentes frentes de luta, o que, no

entanto, resultou em acordos frustrados.

O segundo momento (1964 – 1970) já é marcado por um crescente declínio da FNLA, em

função da suas ações militares muito localizadas e da relativamente frustrada tentativa de

ampliação de sua luta.

32 CLARENCE-SMITH, 1990.33 MACQUEEN, 1998. Pg. 49.

28

Page 29: ELEONORA ABAD STEFENSON

“ Apesar dos êxitos diplomáticos de Roberto e da segurança de sua base congolesa, os resultados da FNLA eram insignificantes (...) a atividade da FNLA limitava-se a alguns ataques limitados, intermitentes e relativamente ineficazes. Esta fraqueza militar contribuía para um acentuado declínio da posição da FNLA na segunda metade da década de 60, período em que o MPLA viu as suas expectativas reviverem.” 34

Após a expulsão do MPLA do Congo- Leopoldville, em 1963, o movimento apoiou-se no

governo de Brazaville, onde consegue estabelecer sua base e iniciar um efetivo treinamento de

seus quadros.

Sobre a presença do MPLA em Brazaville, é importante ressaltar a conseqüente

aproximação deste movimento com o governo cubano, que desde 1960 buscara uma

aproximação do continente africano, através da implementação de uma política internacionalista.

“ O ano de 1964 veio a ser um ano de êxitos diplomáticos para o MPLA. Em novembro, a OUA reconheceu o movimento, embora esse reconhecimento devesse ser partilhado com a FNLA. Também em 1964, Neto foi respeitosamente recebido em Moscou, numa visita que parece ter sido organizada, em nome do MPLA, pelo PCP. Por esta altura, o movimento foi visitado em Brazaville por Che Guevara, que efetuava então uma ampla digressão africana e pode supor-se que foi a partir daí que começou o primeiro apoio cubano ao movimento.”35

Percebemos neste segundo momento, o que seria uma inversão de forças entre os

movimentos anticoloniais, em parte estabelecido pela centralização do MPLA promovida por

Neto que, entre outras fissuras ocorridas no seu interior, contaria com a saída de Viriato da Cruz

da liderança do movimento. Esta trajetória de instabilidade interna do movimento pode ser

compreendida, em parte, em função de dificuldades que seu discurso de cunho universalizante

enfrentará diante às heranças coloniais e os diferentes usos políticos que se fará destas e, em

parte, em função da fragilidade da sua própria constituição.

34 MACQUEEN, 1998, p. 52.35 MACQUEEN, 1998, p. 53.

29

Page 30: ELEONORA ABAD STEFENSON

“ Recordemos que os vícios do sistema colonial tinham fragmentado essa sociedade [angolana] em grupos sociais compartimentados, por via legislativa e na prática quotidiana, conforme as características somáticas e as classificações sociais e religiosa: indígenas /assimilados, brancos/ negros, mestiços/ negros, católicos/ protestantes. Já sublinhamos as fontes da dinâmica nacionalitária que conduziria à formação do MPLA nas suas diversas fases. O núcleo original exterior conseguiria encontrar pontos de equilíbrio e de indentificação recíproca que conduziram à estruturação do movimento tal como ele apareceu em 1960. Mas a progressiva coabitação no interior de um movimento mais amplo dos diversos tipos somáticos oriundos da sociedade angolana, e suas trajetórias sociais mas também ideológicas diversas, começou a fazer aparecer contradições próprias da sociedade colonial angolana.”36

Outro importante aspecto a ser considerado neste processo de ascensão do MPLA é a

abertura de uma frente militar contra as tropas portuguesas em Cabinda, utilizada para legitimar a

luta armada do movimento37. Ressaltamos que a abertura desta nova frente encontra-se

intrinsecamente relacionado a derrubada do regime de Fulbert Youlou, no Congo- Brazzaville, o

que possibilitou o acolhimento do MPLA neste país.

“Como o critério de avaliação da importância de cada movimento de libertação era, antes de tudo, a sua implantação militar no terreno, o MPLA teria de satisfazê-lo. O relançamento da luta armada tornava-se, por isso, ainda mais premente, e concretizou-se com a abertura da frente de Cabinda, em 1964. A vitória diplomática chegou, enfim, em 1965: o MPLA foi igualmente reconhecido pelo Comitê de Libertação da OUA como movimento de Libertação. Agostinho Neto podia já invocar uma legitimidade simultaneamente “nacional” e internacional.”38

Ainda sobre o processo de implantação da luta armada em terreno angolano pelo MPLA, é

indispensável que abordemos a formação de uma nova frente no leste do país, em março de

1966, a Frente Leste, que representará para o movimento, tanto uma importante conquista no

36 TALI, 2001, p.79.37 MARCUM, 1969.38 TALI, 2001, p. 89.

30

Page 31: ELEONORA ABAD STEFENSON

sentido de extensão da guerrilha, quanto uma das maiores dissidências enfrentadas por este ao

longo do processo de luta anticolonial.

A abertura desta nova frente de combate não pode ser dissociada do processo de

independência da Zâmbia, que permitirá a instalação dos nacionalistas angolanos em Lusaka e,

conseqüentemente, acesso à extensa fronteira da Zâmbia com o leste angolano, constituindo a III

Região político militar do MPLA.

As dificuldades que a guerrilha nesta região enfrentará em fins da década de 1960, em

função do incremento da máquina de guerra portuguesa e do distanciamento de alguns dos

agrupamentos da direção do movimento, resultou em práticas de “comandismos” por parte de

alguns chefes militares, dando ensejo a um discurso de base étnico-regionalista junto à

população incomodada com os privilégios e regalias obtidos por algumas autoridades do

movimento, designadas genericamente de “os do Norte”, em detrimento da miséria “dos do Sul”.

É importante salientarmos que estas generalizações regionais extrapolarão para aspectos raciais,

onde o Norte será “confundido” com o branco e o mestiço, demonstrando claramente o resgate de

uma memória colonial para compreender uma realidade de luta armada.

Será sobre estas relações conflituosas que se estabeleceram ao longo da trajetória de luta

na III Região que ocorrerá a “Revolta do Leste”. Movimento dissidente que pode ser

compreendido, também, como fruto de disputas entre discursos hegemônicos no interior do

movimento, que se aproveitarão de rivalidades herdadas do período colonial e da própria

fragilidade do movimento junto às populações rurais para promover esta ruptura.

“Os acasos da luta de libertação nacional e as condições objetivas e subjetivas da guerra na Frente Leste desde seu início, fizeram com que o comandismo, como fenômeno múltiplo de relações entre a base e o topo, e de condução da luta de libertação nacional, fosse obra de quadros oriundos, essencialmente, de um horizonte que a “consciência étnico-regional” local identificava como dada

31

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região, embora vaga: o Norte. Rapidamente se passou da “consciência etno-regionalista” à “consciência de classe”. O problema ganhou então em amplitude quando se lhe juntou a inevitável questão racial. A passagem de uma situação de verificação (tomada de consciência) da origem essencialmente “do Norte” dos dirigentes político-militares no Leste à “subjetividade da mobilização” andou a par com o nascimento de uma elite político-militar oriunda do Leste. Foi, pois, uma parte dessa elite que depois encabeçou a primeira fase da dissidência, com base num discurso de denuncia surgido das injustiças sociais, dos abusos de poder, etc.”39

Durante o último período da guerra colonial em Angola (1970 – 1974), as ações

promovidas pelos movimentos eram cada vez mais escassas e sem significativos avanços

militares.

Para o MPLA este último período ficará ainda marcado por seguidas revoltas internas -

como a já abordada revolta na Frente Leste - que serão significativas no entendimento da posição

do movimento frente às suas crises internas, limitando a possibilidade de vozes dissidentes em

torno de um discurso hegemônico, personificado na imagem de sua liderança: Agostinho Neto.

Em meio a estas crises internas sofridas não somente pelo MPLA, mas igualmente pelos

demais movimentos armados, em abril de 1974, a Revolução dos Cravos, liderada por segmentos

que compõe as tropas metropolitanas, porá fim ao salazarismo em Portugal, representando tanto

uma profunda transformação no destino político de Lisboa quanto no de seu império colonial,

exercendo um papel fundamental no encerramento dos conflitos ao longo deste.

“ Por mais difícil que seja vincular a história dos movimentos de independência com a política interna de Portugal, é preciso relacioná-los no contexto histórico-conjuntural dos anos 1970. neste sentido fica claro que em boa parte o 25 de abril, em Portugal, foi um dos elementos condicionantes para a mudança do curso dos acontecimentos, deixando claro para os movimentos de independência que a autodeterminação estava próxima.”40

39 TALI, 2001, P. 153.40 HERNANDEZ, 2005, P. 580.

32

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Esta nova conjuntura, surgida com queda do salazarismo em Portugal, contribuirá

para a eclosão de mais uma importante dissidência interna neste período, só que desta vez

liderada por indivíduos que compunham a ala “intelectualizada” do MPLA: A Revolta Ativa.

“ Em 11 de maio de 1975 um grupo de militantes do MPLA divulgou um documento conhecido como “Revolta Ativa”, o “apelo a todos os militantes e a todos os quadros do Movimento Popular de Libertação de Angola” com a assinatura de “ quadros históricos” como Mário Pinto de Andrade, Hugo de Menezes e Eduardo dos Santos. Propunha, sobretudo, a união do MPLA com os movimentos que quisessem somar esforços na luta pela independência, salientando a relevância de formar uma frente unida com todos os nacionais, sem distinções relativas ao local de nascimento, origem étnica, raça, religião, sexo, ou mesmo nacionalidade dos antepassados. Sugeria, portanto, uma aliança entre mestiços, brancos e negros, condenando “ o racismo, o tribalismo e o regionalismo.” Também punha em questão o centralismo autoritário do presidente do MPLA, Agostinho Neto.Entretanto, a Revolta Ativa acabou, constituindo com clareza em mais um fraccionismo do MPLA. Menos do que divergências ideológicas, as diferenças raciais e de escolaridade eram utilizadas em panfletos anônimos para qualificar negativamente os quadros da direção do MPLA, como “intelectuais mestiços.”41

No início de 1975, o novo governo militar português, reuniu as lideranças dos três

movimentos de libertação (MPLA, FNLA e UNITA) para dar início aos acordos que culminariam

com a independência total angolana. Em Alvor, foram assinados acordos, visando a criação de

um governo de transição, do qual fariam parte os três movimentos e o governo português, e a

preparação para eleições gerais para a assembléia constituinte de Angola.

Nos meses seguintes à assinatura dos Acordos de Alvor, suas determinações serão

desconsideradas pelos movimentos de libertação que culminará em uma nova e intensa luta entre

estes. Neste período o cenário mundial bipolar criado pela Guerra Fria irá também se refletir no

interior de Angola por meio de auxílios de ambos os blocos aos movimentos. No capítulo

seguinte aprofundaremos a analise destes apoios e os conflitos que se seguirão até a

independência em 11 de novembro de 1975.

41 HERNANDEZ, 2005, P. 580 -581.

33

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Imagem 2: O embarque das tropas portuguesas durante o período da guerra colonial.

34

Page 35: ELEONORA ABAD STEFENSON

Imagem 3: A Revolução dos Cravos, 25 de abril de 1974

Imagem 4: O 25 de abril: o fim das estruturas salazaristas.

35

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Imagem 5: Os Acordos de Alvor: As lideranças dos três movimentos de libertação angolanos. Jonas Savimbi - UNITA (esq.), Agostinho Neto - MPLA (centro), e Holden Roberto - FNLA (dir.).

II

A explosão da guerra civil e os acordos de Bicesse: as transformações das organizações políticas (1975-1992)

2.1 O fracasso dos Acordos de Alvor: o ano de 1975

A queda do regime salazarista em abril de 1974 possibilitou o ingresso do MPLA e dos

demais movimentos nacionalistas armados aos centros urbanos. Este ingresso acabaria por

representar a retomada político-militar do MPLA, que, após um período de enfraquecimento da

luta encontrava-se, assim como os demais movimentos, reduzida às regiões periféricas do

território.

Diferentemente dos demais movimentos, FNLA e UNITA, o MPLA mostrou-se capaz de

interagir melhor com a dinâmica do ambiente urbano, com os diversos grupos ali presentes e seus

interesses. É importante, no entanto, para melhor compreendermos o motivo de tal habilidade,

36

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refletirmos sobre a formação do movimento e a origem de seus principais quadros, que possuem

com a cidade raízes que lhes permitem melhor transitar neste meio urbano.

“A vida urbana foi, para o MPLA, a das conquistas fundamentais – a começar pela ressurreição político-militar. Neste aspecto, o MPLA soube explorar melhor que os seus concorrentes a dinâmica social urbana na sua globalidade, em vez de contar apenas com o fator étnico-cultural do domínio da região kimbundu, da qual era oriundo o seu presidente Agostinho Neto. Dotado de uma nova vida por uma base social mais diversificada e, principalmente, assente em camadas sociais dinâmicas que deram suporte à sua passagem para a vida urbana e legal, o MPLA ganhou o impulso necessário para a tomada unilateral do poder.” 42

No pós-25 de abril, o espaço urbano, principalmente o luandense, vivenciará um momento

de ebulição, com o surgimento de pequenas organizações políticas não armadas, dispostas a

concorrer no novo espaço político que surge em Angola, ainda que estas organizações “ não

passassem de agrupamentos de meia dúzia de personalidades que só tinham realidade nos

comunicados com que inundavam a imprensa escrita local43”

Este espaço político plural, no entanto, sofrerá uma drástica redução nos momentos

seguintes que será, inclusive, ratificada pelos Acordos de Alvor, em 1975, que o limita aos três

movimentos armados, FNLA, MPLA e UNITA.

O processo de atrofiamento do espaço político angolano será liderado pela UNITA, que

em função de acordos estabelecidos com as forças coloniais ainda durante a guerra e da relativa

inexpressividade de suas ações, teme ser marginalizada na disputa política, buscando, através do

princípio de “legitimidade revolucionária” garantir a manutenção de sua presença e o seu

fortalecimento no processo de transição política.

Este princípio de “legitimidade revolucionária”, que, inclusive, será reinvindicado em

outros momentos da história angolana pelos movimentos de libertação, sempre com o intuito de

42 TALI, 2001, p. 89.43 TALI, 2001, p.37.

37

Page 38: ELEONORA ABAD STEFENSON

polarizar o espaço político, reduzindo a “possibilidade de uma real experiência pluralista e mais

alargada em Angola”, obrigando as nascentes formações políticas a “ desaparecer por auto-afundamento

ou desaparecer por “fusão” com um dos três movimentos de libertação, conforme as suas afinidades

ideológicas, como grupo ou a título individual”44

A lógica hegemônica presente no principio da “legitimidade revolucionária” se refletirá

também no fracasso das resoluções estabelecidas em Alvor ao longo do ano de 1975, pois os três

movimentos se mostrarão pouco dispostos a dividir o espaço político angolano proposto para o

governo de transição.

O governo de transição deveria funcionar como um colegiado, onde a presidência seria

estabelecida de forma rotativa, evitando desta forma uma solução de tipo “vencedores e

vencidos”. No entanto, logo nos primeiros meses esta proposta se mostrou ineficaz para conter os

incessantes confrontos entre os movimentos, transformando estes primeiros momentos em um

palco de disputas partidárias.

A partir de abril deste ano, marcado por inúmeros incidentes armados, tornava-se clara a

opção dos movimentos pela disputa armada pelo espaço político, e mais especificamente pelo

controle da capital.

“(...) Nesse mês de agosto, os Acordos do Alvor tinham deixado de existir. A transição angolana para a independência malograra-se, portanto, definitivamente: a forma de legitimação do monopólio do poder seria ditada pelas armas numa polarização em que o conflito Leste-Oeste e o confronto URSS -Estados Unidos da América tomariam, igualmente, amplo lugar. Os discursos de uns e outros dos três protagonistas nacionalistas acompanhariam essa polarização mundial: no caso da UNITA e da FNLA, havia que combater o comunismo; no caso do MPLA, havia que combater a invasão estrangeira para evitar a “recolonização de Angola pelo imperialismo internacional”45

44 IDEM; p. 39.45 TALI, 2001, p.35.

38

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Com o desaparecimento do governo de transição, ocorre um vazio institucional e

administrativo em Angola, sendo este o momento de intensificação dos envolvimentos externos

nos conflitos angolanos. Neste sentido, é importante ressaltar o envolvimento dos países

fronteiriços neste processo, como é o caso do Congo, Zaire e África do Sul, reforçando antigas

alianças e criando-se novas.

O Congo desempenhou um papel fundamental cedendo ao MPLA suas estruturas

aeroportuárias o que permitiu a passagem de material militar e dos contingentes cubanos. O Zaire

prestou apoio a FNLA por meio de tropas e material bélico. Entretanto, coube a África do Sul,

interessada em impedir qualquer progressão da guerrilha do MPLA na região Kwando-Kubango,

próxima a fronteira namibiana - então seu protetorado -, um maior envolvimento no conflito

através de uma efetiva invasão do território angolano pelas suas tropas. O interesse sul africano

na contenção das ações do MPLA, pode ser compreendido pela necessidade de afastar das suas

fronteiras qualquer ameaça de regimes revolucionários negros, em função de sua política racista.

O avanço sul africano pelo território angolano será contido pelas FAPLA – braço armado

do MPLA – em conjunto com as tropas cubanas às margens do rio Kéve em outubro de 1975. Ás

vésperas do 11 de novembro – data estabelecida pelos Acordos de Alvor para a independência de

Angola – o MPLA domina a capital, porém se vê cercado pelos demais movimentos e seus

respectivos aliados, sendo importante para garantir a manutenção de sua posição em Luanda a

atuação dos contingentes cubanos que irão em conjunto com as FAPLA também conter o avanço

da FNLA no norte da capital.

Em 11 de novembro de 1975, o MPLA proclama a independência de Angola em Luanda,

assim como os demais movimentos, FNLA e UNITA, em uma breve aliança, irão proclamar

também a independência no Huambo.

39

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Ainda nestes últimos momentos anteriores a independência, em que os apoios externos se

intensificam é necessária a reflexão da utilização que o MPLA fará do apoio do governo racista

sul africano prestado à UNITA, para legitimar-se internacionalmente, aproveitando-se das

“inaptidões dos seus concorrentes” apoiados por “regimes impopulares de Estados vizinhos

(os do presidente Mobuto e da África do Sul do apartheid).”46

2.2 O pós-independência e a guerra civil

Os anos que sucedem à independência angolana serão marcados por um longo período de

conflito entre o MPLA e a UNITA47, intercalado por breves períodos de cessar fogo e tentativas

de acordos. Este prolongamento do conflito é um fator essencial para a compreensão das

transformações enfrentadas pelo estado angolano e pelas organizações políticas ao longo das

últimas décadas do século XX.

O pós-independência ficou marcado por uma profunda crise nos diversos aspectos da vida

angolana. Se por um lado, do ponto de vista econômico, a súbita perda de quadros técnicos

qualificados, em função da crescente emigração dos colonos, associado aos efeitos da guerra

sobre a infra-estrutura remanescente, conduziu Angola a um quadro recessivo que se prolongaria

por décadas48, por outro, do ponto de vista político, o quadro não era menos instável.

46 TALI, 2001. p. 254 47 Após os combates travados em 1975 – 1976 , as forças da FNLA sofreram duras derrotas, resultando em um enfraquecimento de suas atividades, fato que será agravado pela posterior perda de seu principal aliado externo, o Zaire, em decorrência de uma aproximação política deste, em 1978 – 1979, com o Governo angolano. Este enfraquecimento da FNLA se refletirá também em ambas as experiências eleitorais, de 1992 e de 2008, onde seu desempenho será muito inferior comparado aos demais antigos movimentos de libertação, MPLA e UNITA. 48 HODGES, 2002.

40

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“ Nunca vira uma cidade assim em nenhuma parte do mundo, e talvez não volte a ver nada que se assemelhe. Existiu durante meses e , de súbito, começou a desaparecer. Ou melhor, bairro após bairro, foi leveda da caminhão para o porto. Agora, espalhava-se a beira mar, iluminada a noite pelas lanternas do porto e o clarão das luzes dos navios ancorados. De dia, as pessoas deambulavam pelas ruas caóticas, a pintarem o nome e morada em pequenas placas, tal como qualquer pessoas em qualquer parte do mundo quando constrói uma casa. Por conseqüência, era quase possível convencermo-nos de que se tratava de uma cidade normal, de madeira, mas que tinha sido fechada pelos seus habitantes, quando, por razões desconhecidas, tiveram de partir a pressa.” 49

O alargamento das bases de apoio ao MPLA, imprescindíveis para sua vitória em

novembro de 1975, contribuiu num momento seguinte para uma grande crise interna provocada

por disputas ideológicas entre os muitos grupos que compunham o movimento e que durante a

guerra de independência atuaram em diversas frentes. A crise também foi alimentada por críticas

sociais ainda remanescentes do período colonial, provocando uma tentativa de golpe em 27 de

maio de 1977 que marcaria profundamente a sociedade angolana, a organização do movimento e

suas relações com a base.

O movimento dissidente teve dentre seus principais idealizadores importantes quadros do

MPLA como Nito Alves, atuante na guerrilha na I Região e posteriormente, como ministro do

interior, se revelaria uma figura “chave” no processo de “conscienciliação” e mobilização das

massas, possuindo uma grande popularidade nos “musseques”, onde seus discursos inflamados

assumiam sentido racial-classista nas críticas a quadros brancos dentro do movimento e

ganhavam eco entre grupos de lumpen-proletários50 de Luanda; e José Van-Dunen , então

comissário político das FAPLA.

“(...) O “nitismo”, como fenômeno político, é também a história de toda a trajetória sóciopolítica individual e coletiva, um conjunto de aspirações e de frustrações sociais que num dado momento histórico – o da gestão de um Estado independente – se acharam em confronto com as aspirações hegemônicas de outras camadas. Mas esse confronto era, por sua vez, por um lado, o resultado de

49 KAPUSCINSKI, 1997. p. 2150 GONÇALVES, 1991.

41

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conflitos adiados e de contradições evitadas durante a guerra de libertação em nome da sacrossanta unidade do Movimento; por outro lado, era o resultado da simples incapacidade da direção política de imaginar soluções políticas de substituição para a disperção territorial da guerrilha e para a estagnação desta em certas regiões. E, sobretudo, esse confronto de aspirações de diferentes elites decorreu sobre um pano de fundo minado por divisões de ordem sociológica criadas pelo sistema colonial que o discurso oficial, universalista por princípios ideológico, não pudera apagar nem mesmo verdadeiramente ocultar”51

Os momentos posteriores ao golpe foram de extrema violência e demonização dos

dissidentes através de declarações e manchetes enfurecidas nos principais jornais circulantes

como o “Jornal de Angola”, onde frases de efeito como: “Eles são iguais aos fantoches! – O povo

responde à violência reacionária com violência Revolucionária!” e “ É preciso que assassinos

paguem pelos crimes praticados – Não haverá perdão para os crimes praticados”52 eram

proferidas a todo momento.

Esta reação acaba por aprofundar ainda mais uma delimitação do espaço de atuação

política dentro e fora do movimento refletido em uma crescente desmobilização da sociedade e

em especial, da juventude.

“ A repressão iria esvaziá-la [a base social do MPLA] de numerosos quadros e activistas de base dinâmicos e combativos, e o medo e a incerteza iriam inibir aqueles que se mantinham fiéis ao MPLA e ao seu presidente. O debate político, particularmente animado e rico em 1974 – 1976, estiolou definitivamente e depois desapareceu das organizações de massas e dos bairros. As células do Movimento, depois partido, tornaram-se caixas de ressonância das decisões das instancias superiores. Em particular, a juventude perdeu a sua substancia combativa e passou a viver ao sabor dos acontecimentos políticos do Partido.”53

Os reflexos do 27 de maio ainda serão possíveis de serem observados nas decisões

tomadas ao longo do 1º congresso do MPLA em novembro e dezembro de 1977, onde será

51 TALI, 2001. p.18752 JORNAL DE ANGOLA, manchetes referentes aos dias 28 de maio de 1977; 29 de maio de 1977; 30 de maio de 1977; 31 de maio de 1977; 15 de junho de 1977 e 1 de julho de 1977 53 TALI, 2001 p.224

42

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fundado, em regime de partido único, o MPLA – Partido do Trabalho, que marcaria a clara opção

pela estrutura político ideológica marxista-leninista pelo alto comando do Movimento.

Ao final da década de 1980, com as transformações políticas no cenário mundial

advindas, em parte, da crescente crise do bloco soviético, Angola sofrerá mudanças em suas

estruturas políticas e conseqüentemente na forma de guerrear.

O fim da Guerra Fria representará uma profunda reordenação nas antigas alianças

externas e, para o MPLA diante “do colapso do bloco soviético e do desmoronamento da própria

URSS”54, a necessidade de rever os seus caminhos políticos iniciando um processo de reabertura

política e de reconciliação com a UNITA através de acordos que marcarão as duas últimas

décadas do século XX da história angolana.

Imagem 6: “A cidade dos caixotes”. Colonos portugueses aguardam com seus pertences a parida no porto de Luanda.

54 HODGES, 2002.p 28

43

Page 44: ELEONORA ABAD STEFENSON

Imagem 7: A presença cubana em Angola: painel pintado no largo do 1º de maio em Luanda, em razão da visita de Fidel Castro em 31 de março de 1977. Representados no painel estão: Agostinho Neto e Fidel Castro.

44

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Imagem 8: “Caçada aos fracionistas” Imagem publicada no jornal de Angola 31 de maio de 1977. Nesta, estão retratadas as principais lideranças do golpe de 27 de maio de 1977: Nito Alves, José Van-Dúmen, Bakalof, Pedro Fortunato e Betinho.

Imagem 9: Cartaz referente ao 1º Congresso do MPLA em 1977.

2.3 Os Acordos de Bicesse (1991- 1992)

A busca por uma reconciliação entre as duas forças armadas no interior de Angola,

UNITA e as forças do governo, não podem ser entendidas isoladamente, desconsiderando as

transformações provocadas por uma virada político ideológica que atingirá diversos países

africanos nos últimos momentos da década de 1980. Neste contexto, é importante destacarmos a

influência do processo de independência da Namíbia no quadro político da África Austral, na

medida em que a retirada das tropas sul africanas do território namibiano estava vinculada à

45

Page 46: ELEONORA ABAD STEFENSON

retirada das tropas cubanas do território angolano, segundo os termos do tratado de Nova Iorque

de 1988, um acordo trilateral entre Angola, Cuba e África do Sul.

“A mudança namibiana revelava já a emergência de um novo quadro político na África Austral, cujo fulcro á sem dúvida a alteração da orientação em Pretória que, em fevereiro de 1990, F.W. De Klerk confirmaria com o discurso no Parlamento de Cabo onde anunciou a libertação de Mandela e a legalização das organizações banidas, ao mesmo tempo que afirmava a intenção de aplicar um plano de reformas para desmantelar o apartheid. [...] Favorecido pela situação internacional, o encaminhamento do processo de mudanças internas na África do Sul vai revelar-se como primordial para a emergência uma nova ordem em toda África Austral.”55

Será neste cenário favorável, construído a partir da retirada militar de Cuba do território

angolano e do fim da política do apartheid na África do Sul, o que representou a perda de um

importante apoio pelas tropas da UNITA, que se darão as primeiras negociações contundentes

entre o Governo e a UNITA em direção a paz .

Os Acordos de Bicesse, assinados em maio de 1991, buscavam abarcar em suas

determinações os diferentes aspectos que compunham a crise angolana. Neste sentido,

destacamos a proposta de reforma política, a partir da realização de eleições legislativas e

presidenciais, além da desmobilização militar das forças conflitantes, assim como a formação de

novas Forças Armadas compostas por membros de ambos os lados.

55

5

ANSTEE, 1997. p. 100

46

Page 47: ELEONORA ABAD STEFENSON

Imagem 10: Os acordos de Bicesse: Observados por representantes dos Estados Unidos e Rússia, José Eduardo dos Santos, representante do MPLA (esquerda), e Jonas Savimbi, representante da UNITA (direita), assinam, na cidade de Estoril em Portugal, os acordos de Bicesse promovido pelo então Secretário de estado dos Assuntos Externos e Cooperação de Portugal, Durão Barroso (centro).

47

Page 48: ELEONORA ABAD STEFENSON

2.3.1 As eleições de 1992

“ Nesses tempos conturbados de mudanças políticas, fim do regime de partido único e suspensão da guerra civil, seguidos de uma campanha eleitoral problemática, tinha resolvido voltar a olear a pistola que possuía há muito e fez algumas sessões de treino ao alvo no terreno que possuía fora de Luanda. Podia precisar da arma e da sua pontaria apurada para se defender e à sua família, ninguém podia prever um futuro tranqüilo. Portanto, arma tinha. Bastava coragem para resolver o assunto e dispor as coisas de modo a não ser incomodado pela polícia. Se atirasse as culpas para a UNITA, o partido que afrontara o governo na guerra civil e cuja violência era reconhecida pelos próprios aderentes mais imparciais, ninguém ia investigar nada. A polícia governamental acusaria a UNITA, esta se defenderia, dizia ser manobra política para desmoralizar antes das eleições, o partido no poder, o MPLA, aproveitava imediatamente para relembrar outros crimes cometidos pelos rivais, a polêmica se instalava e ninguém ia investigar coisa nenhuma.”56

O trecho acima foi retirado de uma das mais recentes obras do escritor angolano Pepetela,

Predadores, onde este consegue recriar o ambiente de desconfiança e medo que marcaram os

momentos pré eleitorais em Angola, retratando as constantes acusações que ambas as forças

beligerantes faziam umas às outras, o que demonstrava, desde então, o sentimento de tensão que

predominaria ao longo de todo o processo.

Dentre as resoluções estabelecidas pelas negociações entre o Governo e a UNITA, a

realização de eleições representou uma profunda transformação do quadro político atrofiado que

caracterizou o Estado angolano ao longo das décadas de 1970 e 1980. A adoção de um discurso

democrático e influenciado pela visão neoliberal por parte das antigas organizações político-

militares angolanas, fortemente marcadas pelo autoritarismo e belicismo ao longo de suas

56 PEPETELA, 2008. p. 18

48

Page 49: ELEONORA ABAD STEFENSON

trajetórias, gerará uma “vazio ideológico”, no qual as suas propostas não apresentarão grandes

divergências.57

Outro aspecto relevante na análise do processo eleitoral angolano em 1992, é a

permanência dos principais atores políticos nesta disputa, embora muitas vezes presentes em

partidos dissidentes que se formaram no contexto das reformas político econômicas. No entanto a

disputa acabará por se concentrar em torno das duas forças armadas, o que pode ser

compreendido em função da influência do longo período de guerra na sociedade, fazendo-a sentir

a necessidade de se assegurar pela força das armas, ou seja, de Partidos que lhes possa proteger

militarmente.

“ A expectativa inicial do surgimento de uma terceira força capaz de aglutinar os eleitores, cansados da guerra e também desconfiados com a rápida transformação democrática por que passaram os dirigentes do MPLA e da UNITA, não se confirmou. A guinada democrática das lideranças dos dois partidos foi responsável pela unanimidade em torno de uma perspectiva neoliberal e pacifista contrária a toda predisposição anteriormente demonstrada por seus respectivos movimentos, detentores de discursos socializantes e práticas belicistas.”58

Diante desta perspectiva ideológica unânime, os partidos recorrerão a estratégias

diferenciadas na tentativa de angariar mais votos. Segundo Bittencourt, para a compreensão

destas novas estratégias e de suas repercussões nos resultados eleitorais é preciso perceber a

importância que a reapropriação de antigas identidades étnico-raciais assumirão ao longo do

processo59. Neste sentido, a campanha realizada pela UNITA será fortemente amparada por um

discurso étnico-racial, com o intuito de legitimar-se como representante do maior grupo étnico de

57 BITTENCOURT, 1993.58 BITTENCOURT, 1993. p. 232.59 BITTENCOURT, 1993.

49

Page 50: ELEONORA ABAD STEFENSON

Angola, Ovimbundo. Para tanto, a sua principal liderança, Jonas Savimbi, reivindicará uma

legitimidade “africana” através de elementos como a língua e vestimentas, buscando a partir

destes signos distanciar-se de uma suposta “ocidentalização” que atribuía ao principal partido

rival60.

À estratégia supracitada, somam-se críticas ao governo, onde a presença de brancos e

mestiços entre seus principais quadros será evidenciado como um fator que desqualificaria o

MPLA como um partido verdadeiramente africano.

No que concerne à campanha promovida pelo MPLA, observa-se um distanciamento do

discurso étnico, apresentando-se como uma organização político –partidária capaz de atuar em

um cenário democrático, condizente com as transformações que se processavam tanto

internamente, quanto externamente. Destacamos ainda a aproximação do MPLA junto a

importantes instituições como a Igreja Católica, afastando-se do ateísmo característico da

doutrina marxista-leninista, atingindo dessa forma uma considerável parcela da sociedade

angolana.

Ainda no âmbito das estratégias políticas adotadas pelo governo, é importante

ressaltarmos o assessoramento que o MPLA buscou junto à empresa brasileira PROPEG, que

buscou direcionar a campanha para a valorização de um discurso pacifista, que além de atender

aos anseios da maior parte da população, extremamente desgastada por décadas de guerra civil,

serviria para justificar o atraso sócio-econômico no qual o país se encontrava, desvinculando-o da

má gestão governamental, atribuindo total responsabilidade à guerra.

60 Sobre a “africanidade” reivindicada pela UNITA, ver vídeo 1 do comício de Savimbi em 1992, em anexo.

50

Page 51: ELEONORA ABAD STEFENSON

No decorrer dos meses de campanha que iriam marcar as primeiras eleições democráticas

de Angola, uma série de eventos revelariam a fragilidade desse processo. Ao fim do primeiro

turno, com a vitória parcial do MPLA nas presidenciais 49% dos votos válidos, contra 41% da

UNITA, as eleições angolanas seguiriam para o segundo turno, que nunca chegou a ocorrer, em

função da retomada da guerra civil, cujos motivos serão analisado no seguinte capítulo do

presente trabalho.

51

Page 52: ELEONORA ABAD STEFENSON

III

Caos, esperança e novas perspectivas: Da crise dos Acordos de Bicesse às eleições de 2008.

3.1 Da esperança ao caos: O fracasso dos Acordos de Bicesse e a retomada da guerra.

Ao analisarmos o processo eleitoral angolano em 1992 e as possíveis causas para o seu

fracasso, é importante percebermos como a trajetória angolana, desde o período colonial,,

sobretudo a formação dos movimentos de libertação e a guerra colonial, serão fundamentais para

determinar este novo momento de transição política, assim como serão importantes alicerces na

compreensão de sua derrocada para um novo embate sangrento entre as duas forças beligerantes.

A trajetória política angolana é marcada por confrontos que deixaram rastros de milhares

de vítimas por todo o território, e a violência destes anos de guerra se farão presentes no

imaginário angolano durante todo o processo eleitoral, gerando diversas reações, tanto de ódio e

revanchismo quanto de um desejo profundo pela paz. Estas diversas reações que surgirão neste

momento de tentativa de reconciliação e abertura política também se farão presentes nos

discursos dos antigos movimentos, agora partidos políticos, demonstrando a dificuldade

enfrentada por estes em adaptar-se a uma nova conjuntura de pluralidade político-partidária,

abandonando discursos hegemônicos, como podemos perceber no discurso de Jonas Savimbi em

um comício realizado pouco antes das eleições em que este, apesar de reconhecer a importância

do processo eleitoral em andamento, afirmando que ”(...)o vosso voto conta para mudarmos o

52

Page 53: ELEONORA ABAD STEFENSON

nosso destino (...) pois o que for acontecer em setembro de 92 mudará a história de Angola e a

história das gerações vindouras”, deixa claro os limites desse processo pela impossibilidade de

diálogo entre as dois principais partidos, como podemos perceber na seqüência desse mesmo

discurso:

“(...) você não pode ficar dos dois lados ao mesmo tempo! Há um provérbio em minha terra que diz: “ o filho do macaco não pode criar-se em duas matas densas ao mesmo tempo, ou ele vai se perder. Tem que criar-se a uma mata densa e agarrar-se àquela mata, pois depois conhece as árvores e seus caminhos .”61

Estas dificuldades implicarão em constantes recuos ao longo de todo o processo, identificados

através de inúmeras denúncias, de ambas as partes, de desrespeito aos termos acordados e aos

direitos humanos, devido a ocorrência de crimes e ameaças que se perpetuarão nestes momentos

de instabilidade.

Como nos referimos no capítulo anterior, no processo eleitoral de 1992, o discurso

identitário étnico racial constituirá uma ferramenta utilizada para angariar votos e simpatias de

determinados grupos, além de constituir uma estratégia para diferenciar-se dos demais partidos,

remetendo-se, em diversos momentos, à experiência colonial angolana. Esta estratégia será

amplamente utilizada pela UNITA que, somando-se ao cenário internacional de falência do

sistema soviético, será apontada por diversos analistas políticos como uma força efetivamente

capaz de sobrepujar o MPLA no terreno político-democrático.62

No entanto, esta estratégia da UNITA de etnicizar a disputa eleitoral, dando à esta um tom

revanchista63, em parte irá demonstrar-se eficaz, garantindo a sua vitória em áreas de maioria

ovimbundo, como Huambo e Bié64, provocando, entretanto, um crescente medo junto aos demais

61 Discurso proferido por Jonas Savimbi na campanha eleitoral de 1992. Ver vídeo 1 em anexo.62 Sobre a certeza de uma vitória eleitoral tida pela UNITA. Ver vídeo 2 em anexo: entrevista de Jonas Savimbi à rede de televisão portuguesa SIC, em 1992.63 BITTENCOURT, 1993.64 Ver mapa eleitoral das eleições de 1992 em anexo.

53

Page 54: ELEONORA ABAD STEFENSON

grupos não contemplados pelo seu discurso identitário, acarretando na sua derrota nas eleições

legislativas e também no primeiro turno das presidenciais.

“ A previsão da UNITA quanto à sua base de apoio centralizada nos ovimbundos até certo ponto correspondeu à expectativa, com exceção de Benguela. No entanto, não foi capaz de contrabalançar o seu fraco desempenho em outras áreas ou, segundo a linha de análise adotada pela própria UNITA, em outras etnias. A resposta ao discurso radical da UNITA, baseando-se em pregações quanto à pureza étnica e racial, bem como em exaltações à sua força militar, foi uma votação a favor do seu opositor, mais bem sintonizado com o desejo de paz do eleitorado. Com isso, a UNITA afastou a possibilidade de trabalhar em seu próprio benefício grande parte do eleitorado angolano, essencialmente o voto não-ovimbundo.”65

Chamo a atenção para a força do voto étnico também em outras regiões, como é o caso da

província do Zaire, única província onde a FNLA obteve uma quantidade significativa de votos,

chegando inclusive a ultrapassar o candidato a presidência do MPLA, Eduardo dos Santos,

garantindo a vitória à liderança histórica da FNLA, Holden Roberto.66

Outro partido que também obteve uma considerável quantidade de votos, principalmente

nas províncias Lunda Norte e Lunda Sul, em função de um apoio étnico-regional foi o Partido da

Renovação Social (PRS), cuja base de apoio consistiu no quarto maior grupo étnico de Angola,

os Lunda-Chowke.67

A quantidade de votos obtidos pelo PRS, criado em 1990, nos remonta, mais uma vez, a

identificação de um Partido com um determinado grupo étnico regional, cuja identidade Lunda

Chowke se sobrepõe as demais possíveis identidades no interior deste grupo, em função de uma

situação de ressentimento frente a uma realidade de dificuldades econômicas apesar de se tratar

de uma região de grande produção diamantífera, mas que possui uma grande desigualdade social.

Esta desigualdade social é compreendida como fruto de uma exploração promovida por

65 BITTENCOURT, 1993, p. 239.66 Ver mapa eleitoral das eleições de 1992 em anexo.67 Ver mapa eleitoral das eleições de 1992 em anexo.

54

Page 55: ELEONORA ABAD STEFENSON

“forasteiros”, ou seja, indivíduos que não são originalmente desta região e que, portanto, têm a

sua presença questionada, reforçando os laços identitários do grupo.

“O descontentamento reinante entre os Lunda-Chowke em conseqüência das suas dificuldades econômicas e o seu ressentimento contra os forasteiros que lutavam pelo controlo da riqueza do seu território deu origem a um partido regionalista, o Partido de Renovação Social (PRS), que obteve bons resultados nas Lundas nas eleições parlamentares de 1992, ficando em segundo lugar depois do MPLA e com muita vantagem sobre a UNITA em ambas as províncias. O partido obteve 28% dos votos na Lunda Sul e 14% na Lunda Norte, pelo que lhe couberam seis assentos na Assembléia Nacional, o que equivale a mais do conseguiu outro partido à exceção do MPLA e da UNITA. O PRS continua a contar com um apoio considerável nas duas províncias e, embora seja um partido não-violento, a frustração que está por trás do seu sucesso localizado é um alerta para a possibilidade de surgirem novas fontes de conflito no futuro.”68

Como podemos perceber, a fragilidade deste processo eleitoral, marcado por inúmeras

acusações de todos os partidos, poderá ser percebida na postura da UNITA frente aos resultados

que indicaram sua derrota parcial, acusando estes de fraudulentos e não reconhecendo a validade

das eleições. Este posicionamento seria o estopim para uma retomada de uma postura beligerante

que levaria ao reinicio da guerra civil.

A compreensão da retomada da guerra civil em Angola passa, necessariamente, pelo

reconhecimento da fragilidade da aplicação dos termos acordados em Bicesse e

conseqüentemente pela pouca disposição de ambas as forças beligerantes em abandonar suas

posturas historicamente hegemônicas.

Dentre os fatores que contribuíram para a retomada do conflito armado, é importante

ressaltarmos a limitação da participação nos acordos de paz dos movimentos armados,

marginalizando deste processo as demais vozes que compõe a sociedade angolana, algo que não

podemos considerar novo na trajetória política deste país e, mais especificamente nas tentativas

68 HODGES, 2002, p.258.

55

Page 56: ELEONORA ABAD STEFENSON

de reconciliação nacional, tendo em vista a forma como foram conduzidos acordos anteriores

como Alvor em 1975, que , como já mencionado anteriormente, acabou por limitar o espaço

político pós independência angolano aos seus três braços armados: MPLA, UNITA e FNLA.

Outro fator que deve ser destacado foi a opção por acordos que privilegiam uma lógica de

disputa política em que “o vencedor leva tudo”, em detrimento da possibilidade de formação de

um governo transitório de coligação que, segundo Messiant69, inibiria a tendência do partido no

poder, MPLA, de valer-se da máquina estatal para aferir vantagens

na disputa eleitoral, possibilitando padrões mínimos de imparcialidade na preparação do

escrutínio.

Neste sentido, é importante também ressaltarmos que a utilização do MPLA dos recursos

da máquina estatal contribuiu para a diminuição do espaço de debate político, visto que muitos

dos partidos que surgiram no processo de abertura política no início da década de 1990,

dependiam dos subsídios do Orçamento Geral do Estado para manterem-se.

Tendo em vista o poderio bélico de ambas as partes conflitantes, construído ao longo de

trinta anos de conflito e, acentuado pelos apoios externos em um contexto de Guerra Fria,

identificamos, ainda, a incapacidade de concretização de um programa de desarmamento e

acantonamento das tropas do MPLA e da UNITA, assim como as dificuldades em se conciliar

rivais históricos no sentido de formar uma força militar unificada, como fatores chave para o

entendimento da retomada do conflito, na medida em que possibilitaram a rápida mobilização

militar por ambas as partes.70

Por fim, deve-se atentar para a inabilidade da comunidade internacional, cuja atuação

deve ser analisada em última instancia pelo papel desempenhado pelo seu representante legítimo,

69 MESSIANT, 2004.70 ANSTEE, 1997.

56

Page 57: ELEONORA ABAD STEFENSON

as Nações Unidas, em compreender a complexidade e até mesmo as particularidades do caso

angolano. A falta de planejamento, logística, recursos materiais e humanos e mesmo de um

mandato adequado à missão de se realizar uma eleição democrática em um país fortemente

marcado por quase três décadas de intensa guerra civil, fizeram da UNAVEM II71 uma missão de

verificação da falência que se desenhou desde o estabelecimento dos termos dos Acordos de

Bicesse.

“Alguns analistas do processo de paz de 1991-1992 chamaram a atenão para várias lacunas na concepção dos Acordos de Bicesse (ANSTEE, 1997; Saferworld, 1996). Em primeiro lugar, o mandato da UNAVEM II e os recursos postos a sua disposição revelaram-se inadequados para a magnitude da tarefa de restabelecer a paz num país com o dobro do tamanho da França, com infra-estruturas destruídas e 2 exércitos partidários fortemente armados e sem nenhuma confiança um no outro. Como observou naquela altura a chefe da UNAVEM II e representante especial do Secretário Geral da ONU, Margaret Anstee, tinham-lhe pedido para “ pilotar um 747 com o combustível necessário para um DC3”. Em segundo lugar, o prazo para a concretização do disposto nos acordos (16 meses) era demasiado curto, tendo em consideração o número e a complexidade das tarefas a por em prática, a desconfiança entre as duas partes e as dificuldades logísticas. Em terceiro lugar, as eleições não tinham sido condicionados ao cumprimento dos objetivos militares e processaram-se num contexto implicitamente perigoso, uma vez que continuavam a existir dois grandes exércitos rivais. Finalmente, a falta de qualquer requisito para uma partilha do poder nos termos dos Acordos de Bicesse implicou um resultado do tipo “ o vencedor fica com tudo, o que fez subir as apostas para as duas partes.”72

3.2 Do caos à esperança: A última fase da Guerra Civil e as transformações na sociedade angolana ao longo do final do século XX.

O reascender do conflito, com o fracasso das resoluções estabelecidas em Bicesse,

marcará uma nova e, mais devastadora, fase da guerra civil angolana. Esta nova fase do conflito

se dá simultaneamente em um novo momento do cenário mundial, onde o fim da Guerra Fria e,

portanto, a desestruturação do bloco soviético, contribuirá para uma verdadeira viragem

ideológica no interior do MPLA que, em seu III Congresso, em 1990, abandonou formalmente a

71 Missão de Verificação para Angola das Nações Unidas no contexto das eleições de 1991/1992.72 HODGES, 2002, p. 32.

57

Page 58: ELEONORA ABAD STEFENSON

ideologia marxista leninista adotada até então pelo partido, o que significará uma profunda

reorganização deste conflito em termos político ideológicos e étnico regionais, “tornando-se um

conflito motivado principalmente pela ambição pessoal, pela suspeição mútua e pelo objetivo de

tomar o controle do Estado e dos recursos a que ele dá acesso.”73

O retorno da guerra, nos seus momentos iniciais, significou um grande número de mortes,

em função da presença da UNITA em importantes áreas urbanas, inclusive em Luanda. Sobre

isso, é importante ressaltar a postura do MPLA ao também apropriar-se de um discurso

etnicizante para incentivar uma verdadeira “caça às bruxas” pela capital, onde inúmeras pessoas

de origem étnica ovimbundo foram assassinadas. Esta apropriação do discurso étnico, e, mais

especificamente , esta necessidade de definir ,a partir da etnia, uma identidade política, pode ser

percebida como uma estratégia do MPLA em um momento de crise frente a possibilidade de

perda do controle da capital.

Este novo desenho espacial no reinício do conflito foi possível, em parte, devido ao

controle que a UNITA detinha de importantes regiões de extração de diamantes e de novas

possibilidades de aquisição de armamentos e treinamento junto à antigos aliados do MPLA, fruto

da crise do bloco soviético.74

A vitória, ainda que parcial, do MPLA nas eleições de 1992 possibilitou a conquista de

uma legitimidade internacional, o que lhe permitirá assumir uma posição mais confortável

politicamente, recebendo, ainda, o reconhecimento do governo norte americano, que passará a

apoiar sansões à UNITA por parte da ONU.

No que diz respeito as sansões estabelecidas pela ONU, é importante frisar o seu efeito

gradativo, chegando à proibição de compra de diamantes angolanos sem o certificado do governo

73 HODGES, 2002, p. 38.74 Na década de 1990 a UNITA adquiriu grande parte de seu armamento, assim como treinamento militar, junto à Bulgária. HODGES, 2002.

58

Page 59: ELEONORA ABAD STEFENSON

e o congelamento das contas bancárias da UNITA e, principalmente, o fechamento das

delegações da UNITA no exterior. Todo este processo foi acompanhado por momentos de recuo

em direção à paz através da retomada das negociações entre a UNITA e o MPLA, como os

acordos que acabaram pela assinatura do Protocolo de Lusaca, em 1994, na Zâmbia.

Ao longo de todo o processo de negociações, no entanto, a desconfiança de ambas as

partes marcou o cumprimento, ou melhor, o descumprimento das medidas estabelecidas pelo

Protocolo. A indisposição da UNITA em levar a frente às determinações era clara desde a sua

assinatura, a qual a sua principal liderança, Jonas Savimbi, nem sequer compareceu, enviando o

então secretário geral do partido, Eugenio Manuvakola. Savimbi não demonstrou qualquer

esforço em direção à reconciliação, recusando-se a ir a Luanda durante todo o processo.75

Desde a sua vitória eleitoral em 1992, o MPLA conquistou um reconhecimento

internacional, e mesmo nacional, que lhe permitirá optar por uma retomada beligerante no sentido

de por fim a guerra contra a UNITA através da vitória militar, passando a investir grande parte do

Orçamento Estatal em despesas militares para derrotar a UNITA, o que resultará em um crescente

descaso com os demais setores, principalmente com o social, reduzindo os investimentos em

saúde e educação, contribuindo para o sucateamento destes, e conseqüentemente para um

aumento da pobreza.

Os últimos anos de guerra, ao longo do final da década de 1990, acentuaram ainda mais as

mudanças que vinham ocorrendo na sociedade angolana, como o crescente número de habitantes

nas áreas urbanas e peri-urbanas, em conseqüência direta ou indireta da guerra. A fome e a

destruição provocaram um grande número de deslocamentos para estas áreas, tidas como mais

75 O clima de desconfiança durante estes breves períodos de cessar fogo podem ser percebidos na entrevista de Savimbi a rede de televisão portuguesa SIC. Ver vídeo 3 em anexo.

59

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seguras em função da presença do MPLA e, conseqüentemente das Forças Armadas Angolanas

(FAA).

Esta crescente concentração populacional nos centros urbanos, principalmente em

Luanda, gerou novas questões para a sociedade angolana, como o aumento considerável do

número de angolanos que falam português e, ainda mais significativo, o surgimento de uma

geração que não domina nenhuma língua nacional, o que aponta para a construção de uma nova

identidade, predominantemente urbana, e cujos laços étnicos irão se redesenhando, assim como

possíveis novos conflitos.76

No tocante ao processo de urbanização angolana é fundamental destacarmos a forma

como este contribuiu para uma expansão desordenada da cidade, desacompanhada de uma infra-

estrutura básica, dando origem a uma periferia empobrecida, ou seja, ampliando os musseques.

Outra conseqüência desse verdadeiro “inchaço” populacional é a extraordinária expansão

do mercado informal angolano, decorrente de uma saturação dos setores formais, fruto de três

décadas de uma economia recessiva (a exceção do setor petrolífero), muito pouco diversificada,

associada à escassez de quadro qualificados, em razão do já mencionado sucateamento das

instituições educacionais. O panorama econômico retratado, pode ser entendido, em parte, pela

pouca transparência das contas públicas, que associada a um Estado fortemente marcado pelo

clientelismo, acabaram por criar um ambiente muito permeável à corrupção, que vem sendo

responsável pela manutenção dos privilégios de uma pequena elite, em detrimento do bem estar

da população em geral. Somado a estes fatores, encontram-se os grandes volumes de recursos

despendidos no contexto de uma economia de guerra contra as forças da UNITA, que associados

à perda de importantes áreas diamantíferas e as já mencionadas sanções internacionais,

76 Dentre estes possíveis novos conflitos étnico identitários, destacam-se as campanhas xenófobas promovidas pelo governo, chamadas de “Operação Câncer”, promovidas contra imigrantes africanos, principalmente zairenses, e asiáticos, acusados de responsáveis pelo aumento da inflação em função de sua atividades, concentradas, no pequeno comércio e no negócio de câmbios.Ver ainda, sobre isso, HODGES, 2002 p. 89.

60

Page 61: ELEONORA ABAD STEFENSON

possibilitaram ao governo obter sucessivas vitórias no campo militar, conduzindo à “evolução do

conflito de uma fase semi convencional para uma fase de guerrilha”77.

Diante deste gradativo enfraquecimento da UNITA, evidenciado por um grande número

de deserções em seus quadros, e crescentes dissidências, algumas das quais apoiadas pelo

governo78, as FAA após 27 anos de guerra civil (praticamente ininterrupta) conseguirão alcançar

a paz a partir da derrota militar de seu principal oponente, personificada na morte de sua

liderança Jonas Savimbi em 2002.

Com o fim do conflito armado, ganharam força as vozes que reivindicavam o

comprometimento do Estado com as reformas democráticas, iniciadas desde 1991-1992, mas que,

em função da retomada da guerra, pareciam ter sido adiadas. Neste contexto, estruturam-se

importantes associações independentes dos mais diversos tipos e caráter: profissionais, cívicas e

religiosas, que “ajudam a demonstrar a extrapolação do político para outras esferas que não

apenas a dos partidos políticos.”79

É importante, ainda, chamarmos a atenção para o crescente papel desempenhado pelas

ONG’s em Angola, tanto nacionais, quanto internacionais, no sentido de, muitas vezes, prover o

auxilio negligenciado pelo Estado à população, além de contribuir para uma consolidação do

discurso democrático. No entanto, grande parte destas ONG’s, encontram-se concentradas nas

grandes cidades, o que limita seus raios de ação para as demais regiões angolanas.

Outro aspecto importante a ser ressaltado neste contexto de reformas democráticas, e mais

especificamente, com a consolidação da paz, é o papel dos meios de comunicação não estatais em

promoverem um debate, muitas vezes ameaçado pelo governo, junto à sociedade angolana. Neste

77 HODGES, 2002, p.36.78 Com a retomada da guerra em 1998 o governo se empenhou em deslegitimar a UNITA, apoiando um grupo dissidente, chamado UNITA renovada, que será composto por ex importantes quadros, como o ex secretário Geral Eugênio Manuvakola. Entretanto, essa dissidência passa a ser questionada sobre sua independência frente ao governo, e até mesmo quanto a sua legitimidade. Ver ainda, sobre isso, HODGES, 2002, P.94 -95.79 BITTENCOURT, 2008.

61

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sentido, ressalto o papel da rádio Eclésia, que embora esteja limitada a Luanda, representa uma

importante voz de dissenso na sociedade angolana.

Será, portanto, neste novo contexto político social de consolidação da paz que ocorrerão

as segundas eleições em Angola, as eleições legislativas que ocorreram em 5 de setembro de

2008.

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Page 63: ELEONORA ABAD STEFENSON

Imagem 11: A falta de infra-estrutura urbana se reflete na falta de água em grande parte de Luanda. Nesta foto, moradores da Samba danificam conduta de água para se abastecerem.

Imagem 12: O crescimento urbano acelerado, e a falta de planejamento: congestionamento na Avenida dos Combatentes em Luanda.

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Page 64: ELEONORA ABAD STEFENSON

3.3 Eleições legislativas de 2008 e as novas perspectivas da política angolana.

Antes de analisarmos o processo eleitoral angolano de 2008, acredito ser necessário

explicitar algumas questões que dizem respeito às escolhas das fontes utilizadas para esta análise.

Neste sentido, chamo a atenção para o fato desta ter sido produzida em um momento posterior às

eleições, quando os resultados já haviam sido divulgados, o que me levou a priorizar a análise

dos vídeos de campanha do MPLA e da UNITA, em detrimento dos demais partidos, em função

polarização do processo eleitoral em torno destes velhos atores.

A partir da análise destes vídeos foi possível perceber questões que extrapolam a disputa

eleitoral, e que dizem respeito à própria memória que estes movimentos construíram de suas

trajetórias, e de suas lideranças. Para compreender estas construções não podemos desconsiderar

a forma como o longo conflito angolano chegou ao fim, ou seja, como a paz foi alcançada em

Angola, elementos, a todo momento presentes nos discursos e, no próprio imaginário destas

organizações políticas e, principalmente, da sociedade angolana.

Além da análise das campanhas do MPLA e da UNITA, utilizei nesta parte da pesquisa as

próprias campanhas de conscientização sobre a importância do voto produzidas pela Comissão

Nacional Eleitoral (CNE). Estas foram importantes fontes no sentido de terem o objetivo de

esclarecer para a população angolana o próprio conceito de democracia, utilizando-se de

elementos do cotidiano, como a presença marcante da informalidade na vida urbana e, ainda do

universo simbólico desta sociedade, como a figura da autoridade tradicional, representada como

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Page 65: ELEONORA ABAD STEFENSON

detentora de legitimidade junto à população, o que lhe permite resolver possíveis conflitos da

comunidade. 80

Embora haja a permanência destes antigos atores, MPLA e UNITA, no centro da disputa

política, é importante ressaltarmos as transformações presentes em seus discursos em comparação

com as eleições de 1992. Tais mudanças ficam mais evidentes na campanha eleitoral promovida

pela UNITA, desde a forma como sua atual liderança, Isaias Samakuva, se apresenta

publicamente, trajando vestimentas civis e ocidentais, diferentemente de Jonas Savimbi em 1992,

como já foi abordado anteriormente, até a formulação de um discurso que busca desvincular a

imagem da UNITA da guerra, chegando inclusive a afirmar em sua campanha que “a UNITA

quer a paz e a reconciliação nacional”, na tentativa de associá-la à idéia de uma “nova

possibilidade”: “É a hora da mudança! A UNITA é a esperança!”81

Em contrapartida, a campanha do MPLA buscará, a parir do resgate de sua trajetória

política, ressaltar os importantes “feitos” do partido/movimento , tanto na luta anti-colonial, com

referências ao levante de 4 de fevereiro de 1961 e à conquista da independência em 11 de

novembro de 1975, quanto na recente “conquista da paz” em 2002, tendo como principal objetivo

apresentar o MPLA como sendo o “caminho seguro para uma Angola melhor”. É importante

perceber que ao longo de sua campanha o MPLA irá evoluir de uma legitimação de sua trajetória

histórica, para um discurso de responsabilização da UNITA pela guerra, afirmando que “Não da

para confiar em quem nunca cumpriu os seus compromissos”.

Ao longo da campanha eleitoral, outro aspecto que também chama atenção no discurso de

ambos os partidos é o recorte temporal utilizado para analisar a atuação do governo. Enquanto a

UNITA atribui ao MPLA uma série de críticas por não ter conseguido solucionar as principais

80 Campanhas de conscientização do voto produzidas pela CNE. Ver vídeos 4 e 5 em anexo.81 Jingle da UNITA na campanha de 2008. Ver vídeo 7 da campanha eleitoral da UNITA do dia 22 de agosto 2008 em anexo.

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Page 66: ELEONORA ABAD STEFENSON

mazelas do país ao longo de 30 anos, o MPLA reforça as mudanças advindas da conquista da paz

nos últimos 6 anos, tempo em que este reconhece ter tido total capacidade para governar, pois

não seria preciso desviar tantos recursos para a campanha militar.

Ainda no contexto das eleições de 2008, destaco a forma distinta como ambos os partidos

trabalharão a memória de suas lideranças históricas. Enquanto é visível o esforço do MPLA em

associar a imagem de seu atual presidente, Eduardo dos Santos, à figura de sua liderança

histórica, Agostinho Neto, presente em inúmeras fotografias e vídeos ao longo da campanha, o

que pode ser, inclusive, explicado pela reconhecida falta de carisma de sua atual liderança82. A

UNITA não reivindica a imagem de Savimbi, a não ser por alguns poucos candidatos, buscando,

mesmo, não associar a sua imagem à campanha. Esta postura da UNITA reflete uma disputa no

interior da organização, fruto de visões divergentes à cerca da memória de sua liderança histórica,

e principalmente, do significado de sua imagem para o imaginário angolano, ainda marcado pelos

últimos anos de guerra.83

Como foi possível perceber, a campanha eleitoral acaba tendo como principal foco a troca

de críticas de ambos os lados, em detrimento da apresentação de projetos distintos entre os

partidos.

“Pouco, ou nada se aprofundava no debate sobre as falhas do governo na condução de projetos para melhoria de vida da população, menos ainda sobre que caminhos os partidos de oposição pretendiam seguir para resolver, quando não minimizar, tais problemas. Sendo assim, o destaque acabaria se dirigindo para as ausências. Como em 1992, o embate ideológico não se fez presente, e o discurso capitalista quanto a necessidade de liberar a economia das amarras ainda existentes esteve presente em todos os programas, incluindo o do MPLA.”84

82 Sobre o resgate da memória de Agostinho Neto pelo MPLA ao longo da campanha de 2008, ver vídeo 10 em anexo.

83 Sobre a ausência da imagem de Jonas Savimbi nas campanhas da UNITA, ver vídeos 6, 7 e 8 em anexo.84 BITTENCOURT, 2008. p.8.

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Page 67: ELEONORA ABAD STEFENSON

Em 5 de setembro de 2008 realizavam-se as eleições legislativas angolanas, neste dia

8.397.173 eleitores, dos quais 30% estavam registrados na capital, Luanda, compareceram às

urnas em um clima de relativa tranqüilidade, resultando na vitória esmagadora do MPLA sobre os

demais partidos, recebendo 81,64% dos votos válidos, enquanto a UNITA, a segunda colocada,

recebeu apenas 10,39% dos votos válidos, o que representou a continuidade da concentração da

disputa entre estas duas organizações políticas, mas com um enorme desequilíbrio de força,

diferentemente do ocorrido em 1992.

Entre os demais partidos, destaca-se o desempenho do PRS com 3,17% dos votos válidos,

ultrapassando a FNLA que obteve apenas 1,11% dos votos válidos. Em relação ao resultado

obtido pelo PRS, é importante destacar que este, ao contrário dos demais partidos de oposição,

como a UNITA e a FNLA, recebeu um número de votos maior do que nas eleições de 1992,

contando com um crescimento de aproximadamente 2,6 vezes, praticamente o mesmo do MPLA.

Os resultados obtido pelo PRS permitem demonstrar a permanência da força de seu discurso de

crítica à centralização do poder em defesa “de que toda a produção feita a nível de uma

determinada região, município, comuna, ou província deverá 50% desse produto ficar nesse

terreno para poder atender aos projetos locais”85. Estas idéias permanecem tendo uma grande

aceitação junto às populações das províncias de Lunda Norte e Sul, áreas importantes da indústria

diamantífera, onde, conforme abordado anteriormente o PRS já havia conquistado um

significativo número de votos nas eleições de 1992, em função do crescente descontentamento

destas populações frente à falta de investimentos em uma região tão rica em recursos minerais.

É possível compreendermos a significativa vitória do MPLA nas eleições de 2008, pela

convergência de uma série de fatores, dentre os quais: a forma como a guerra foi encerrada em

85 Entrevista concedida em 19 de junho de 2008 pelo Presidente do PRS Eduardo Kuangana . Ver vídeo 39.

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Page 68: ELEONORA ABAD STEFENSON

Angola em 2002, ou seja, a partir da vitória militar do MPLA, que se utilizará amplamente desta

ao longo de toda campanha, assim como incentivará a desconfiança e o medo em relação ao seu

principal oponente; a utilização da máquina governamental pelo MPLA, obtendo um espaço

maior junto aos principais meios de comunicação de abrangência nacional, como a Rádio

Nacional Angolana (RNA), O Jornal de Angola, e a Televisão Pública Angolana (TPA) 86

Finalizo este capítulo chamando a atenção para o fato de que, apesar das eleições

legislativas de 2008 terem representado um importante avanço para a democracia angolana, esta

ainda apresenta fragilidades que podem ser percebidas ao longo de toda a campanha eleitoral

promovida pela UNITA em que esta chamava a atenção para o fato de que “o voto é secreto, não

se deixe amedrontar, ninguém terá a possibilidade de saber em quem você vai votar”87. Este

apelo evidencia as limitações desta experiência democrática, cujas raízes remontam a uma

trajetória de limitação do espaço político angolano desde a sua experiência colonial.

86 Ver em anexo, gráficos sobre o tempo total atribuído aos partidos políticos nos meios de comunicação.87 Ver em anexo, vídeo 6 da campanha eleitoral da UNITA de 21 de agosto de 2008.

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Page 69: ELEONORA ABAD STEFENSON

Imagem 13: “O programa da mudança”: Campanha da UNITA para as Eleições Legislativas de 2008

Imagem 14: “O caminho seguro para uma Angola melhor”: Campanha do MPLA para as eleições Legislativas de 2008. Na imagem José Eduardo dos Santos, presidente de Angola e do MPLA.

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Page 70: ELEONORA ABAD STEFENSON

Considerações Finais

Ao acompanhar a trajetória dos antigos movimentos armados no interior do espaço

político angolano – inicialmente sob a forma de uma disputa hegemônica que resultou em mais

de três décadas de conflito – foi possível compreender as transformações que possibilitaram a sua

permanência, e o destaque que obtiveram nas eleições de 1992 e 2008.

Mais ainda, permitiu que entendêssemos os distintos desempenhos destas organizações

políticas em ambos os processos, percebendo, no entanto, como a guerra desempenhou um papel

fundamental para a compreensão de ambos os resultados.

Enquanto em 1992, a fragilidade dos acordos de cessar-fogo entre as duas forças

beligerantes, MPLA e UNITA, fruto das dificuldades de ambas em se adaptarem a uma disputa

democrática, resultando em um permanente “clima” de medo e desconfiança, conduziu a uma

vitória, por uma pequena, e contestada margem de votos do MPLA. Em 2008, 6 anos após o fim

da guerra civil, com a derrota militar da UNITA, as eleições assumem um novo caráter.

Embora a guerra permaneça um elemento importante nos discursos ao longo de todo o

processo eleitoral, esta já não representa um “fantasma adormecido” prestes a ser acordado, mas

um obstáculo já superado para a paz, e principalmente, superado pelo MPLA, que com o auxílio

da máquina governamental irá conquistar uma vitória contundente nas eleições legislativas de

2008.

Se a primeira vista a vitória do MPLA sugere uma imobilidade do cenário político

angolano, com a permanência do mesmo no poder, esta também permite uma análise que atente

para as novas possibilidades que podem surgir no interior deste, na medida em que, pela primeira

vez, não paira a sobra da guerra sobre um processo político em Angola, o que representa um

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Page 71: ELEONORA ABAD STEFENSON

grande avanço para uma democracia, que apesar de suas limitações, encaminha-se para mais uma

experiência eleitoral, com as eleições presidenciais de 2010.

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Page 72: ELEONORA ABAD STEFENSON

Anexos

Anexo I - Gráficos das eleições de 1992 e 2008Mapa eleitoral 1992 ( Resultados Gerais)Eleições LegislativasMPLA 2 124 126

UNITA 1 347 636

FNLA 94 742

PLD 94 269

PRS 89 875

PRD 35 293

PSD 33 088

AD-COLIGAÇÃO 34 166

OUTROS 84 774

Legislativas

MPLA

PLD

PSD

UNITA

PRS

Ad-Coligação

FNLA

PRD

Outros

Eleições Presidenciais

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Page 73: ELEONORA ABAD STEFENSON

José Eduardo dos Santos 1 953 335

Jonas Malheiro Savimbi 1 579 298

Outros 367 399

Presidenciais

José Eduardo dos Santos

Jonas Malheiro Savimbi

Outros

Fonte : Comissão Nacional Eleitoral (CNE)

73

Page 74: ELEONORA ABAD STEFENSON

Mapa eleitoral 2008 ( Resultados Gerais)

Eleições Legislativas

Fonte : Comissão Nacional Eleitoral (CNE)

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Page 75: ELEONORA ABAD STEFENSON

Anexo II – Gráficos dos resultados da monitorização dos meios de comunicação social

durantes as Eleições Legislativas angolanas em 2008

TPA 1

Fonte: Angola: Relatório Final da União Européia sobre as eleições parlamentares em 2008

Tempo de antena total atribuído aos partidos políticos em noticiários.

Fonte: Angola: Relatório Final da União Européia sobre as eleições parlamentares em 2008

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Page 76: ELEONORA ABAD STEFENSON

Tempo de antena total atribuído aos partidos políticos e ao Governo em noticiários.

TPA 2

Fonte: Angola: Relatório Final da União Européia sobre as eleições parlamentares em 2008.

Tempo de antena total atribuído aos partidos políticos em noticiários.

Fonte: Angola: Relatório Final da União Européia sobre as eleições parlamentares em 2008.

Tempo de antena total atribuído aos partidos políticos e ao Governo em noticiários.

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Page 77: ELEONORA ABAD STEFENSON

RNA

Fonte: Angola: Relatório Final da União Européia sobre as eleições parlamentares em 2008

Total de tempo de antena atribuído pelo Canal A RNA a partidos políticos em noticiários

Fonte: Angola: Relatório Final da União Européia sobre as eleições parlamentares em 2008

Total de tempo de antena atribuído pelo Canal A RNA a partidos políticos e ao Governo em noticiários

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Page 78: ELEONORA ABAD STEFENSON

JORNAL DE ANGOLA

Fonte: Angola: Relatório Final da União Européia sobre as eleições parlamentares em 2008.

Espaço total dedicado aos partidos políticos nas notícias sobre a campanha.

Fonte: Angola: Relatório Final da União Européia sobre as eleições parlamentares em 2008.

Espaço total atribuído aos partidos políticos e ao Governo em notícias sobre a campanha

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Page 79: ELEONORA ABAD STEFENSON

Anexo III – Mapas eleitorais dos pleitos de 1992 e 2008 por províncias

Presidencial 1992 – Número de votos por província.

Candidatos Cabinda Zaire Uíge Luanda K.. Norte K. Sul Malange Lunda N. Benguela HuamboPassos 59 1.178 6.746 5.183 1.323 4.849 5.762 2.680 7.355 2.820Roberto 116 23.299 13.455 22.697 2.519 1.677 1.934 1.275 2.841 736V. Pereira 10 282 1.500 864 390 851 1.261 485 1.093 354J. Chipenda 17 470 2.484 2.587 794 1.914 1.693 1.322 1.873 489V. Pereira 6 243 1.206 819 271 761 789 621 974 248Cacete 38 380 3.401 3.769 735 2.687 2.113 1.790 2.058 649A. Neto 54 696 10.390 4.942 2.461 9.739 6.553 5.143 8.753 1.808E. Santos 7.652 19.260 116.24

7532.568 92.671 188.089 163.303 86.203 158.259 57.380

Lando 34 978 7.731 4.093 2.270 7.844 7.443 3.419 8.380 5.418P. João 23 476 3.595 2.367 585 2.746 2.593 1.390 6.804 4.666M. Savimbi 1.594 18.226 100.41

4171.743 9.690 74.381 41.650 12.879 294.972 326.551

Fonte: Dados do CNE

Presidencial 1992 (continuação) – Número de votos por província.

Candidatos Bié Moxico K.. Kubango Namibe Huíla Cunene Lunda S Bengo Total Nac.Passos 1.972 2.964 1.061 1.344 8.695 1.918 1.385 827 58.121Roberto 417 1.271 442 551 3.032 680 696 5.497 83.135V. Pereira 217 662 251 188 1.962 495 396 214 11.475J. Chipenda 292 974 297 422 3.001 1.000 693 324 20.646V. Pereira 185 549 159 159 1.405 374 277 162 9.208Cacete 469 1.446 510 632 3.529 766 987 426 26.385A. Neto 1.505 5.743 1.742 1.543 14.574 5.454 2.919 1.230 85.249E. Santos 32.907 60.359 22.117 36.540 199.089 76.374 53.313 51.004 1.953.335Lando 3.750 3.617 1.404 1.388 12.492 1.817 2.571 1.140 75.789P. João 2.383 1.801 964 725 5.221 687 815 402 38.243

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Page 80: ELEONORA ABAD STEFENSON

M. Savimbi 230.480 34.209 93.078 18.197 121.656 8.731 4.9617 16.230 1.579.298 Fonte: Dados do CNE

80

Page 81: ELEONORA ABAD STEFENSON

Legislativas 1992 – Número de votos por província.

Partidos Cabinda Zaire Uíge Luanda K.. Norte K. Sul Malange Lunda N. Benguela HuamboPRD 56 742 4.048 5.106 526 2.177 2.280 1.076 4.418 3.399Pajoca 29 1.579 1.729 2.488 585 600 670 354 1.526 913PAI 30 445 976 1.381 135 376 446 251 1.259 966PDLA 11 262 993 1.309 227 552 906 480 559 319PSDA 12 506 1.102 2.238 317 620 1.056 713 501 251FNLA 209 20.053 13.292 30.883 2.929 2.983 2.783 2.274 3100 1.361PDP-ANA 7 288 854 6.351 136 358 415 326 365 172PRA 11 241 826 1.062 169 568 629 565 539 238CNDA 5 244 1.020 4.193 211 485 541 527 510 273PNDA 8 190 1.261 1.216 319 820 1.031 885 640 264PDA 37 167 842 2.069 192 520 533 501 430 632FDA 66 111 654 3.817 286 650 697 1.288 862 400AD Coligação 25 350 2.313 5.082 1.568 3.851 2.898 2.245 2.700 1.111MPLA 7.448 20.240 136.16

7531.294 102.213 220.086 185.935 77.694 181.730 61.146

PRS 58 548 6.039 5.188 900 3.363 4.127 18.673 5.433 4.593UNITA 1.544 16.353 79.277 140.959 6.658 61.099 26.201 8.844 260.655 289.283PSD 11 472 2.436 2.901 374 1.687 1.428 636 5.355 8.064PLD 28 1.131 8.645 4.328 748 5.303 5.130 1.246 15.869 20.722

Fonte: Dados do CNE

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Page 82: ELEONORA ABAD STEFENSON

Legislativas 1992 (continuação) – Número de votos por província.

Partidos Bié Moxico K.. Kubango Namibe Huíla Cunene Lunda S Bengo Total Nac.PRD 2.404 1.715 793 572 3.687 557 615 582 35.293Pajoca 528 544 241 176 1.134 211 231 386 13.924PAI 657 362 290 123 899 133 154 124 9.007PDLA 192 376 111 106 794 344 357 127 8.025PSDA 147 483 185 137 1.037 327 323 262 10.217FNLA 839 1.931 533 759 3.698 1.006 995 5114 94.742PDP-ANA 78 220 60 93 508 113 134 130 10.608PRA 134 350 97 113 651 169 248 109 6.719CNDA 165 433 113 137 817 220 250 93 10.237PNDA 168 597 167 211 1.319 534 481 170 10.281PDA 173 390 105 125 749 179 296 74 8.014FDA 203 381 142 159 1.528 213 467 114 12.038AD Coligação 630 1.368 599 812 5.228 1.540 1.163 683 34.166MPLA 36.598 66.344 26.693 42.458 245.952 90.233 37.309 54.586 2.124.126PRS 2.572 6.264 1.214 656 5.437 1.473 22.811 526 89.875UNITA 204.930 27.290 87.808 15.374 100.219 4.714 2.681 13.742 1.347.636PSD 3.052 1.125 968 375 3.281 280 279 363 33.088PLD 12.790 3.264 2.616 1.314 8.987 712 541 895 94.269

Fonte: Dados do CNE

82

Page 83: ELEONORA ABAD STEFENSON

Legislativas 2008 – Número de votos por província.

Partidos Cabinda Zaire Uíge Luanda K.. Norte K. Sul Malange Lunda N. Benguela HuamboPRS 2.262 2.054 3.365 23.253 1.174 7.129 3.296 62.984 8.103 7.448PLD 936 526 648 7.780 207 1.302 353 1.184 1.863 1.230FpD 759 245 422 10.187 116 643 154 437 1.068 567PDP-ANA 678 1.101 1.149 21.413 248 796 275 1.330 1.184 813PPE 276 490 714 3.602 204 728 375 449 862 955FNLA 916 20.984 5.049 28.339 839 1.595 519 1.103 1.926 1.521PAJOCA 397 402 521 5.826 294 885 505 566 1.412 1.019FOFAC 212 508 695 3.373 194 741 294 383 864 724ND 563 1050 3.929 11.437 1.703 8.938 2.851 2.479 8.295 6.069MPLA 85.938 85.795 257.72

21.448.09

6136.460 376.895 203.061 171.912 508.654 426.226

UNITA 42.940 13.009 11.998 258.474 2.029 26.463 4.763 17.908 78.403 70.167PADEPA 366 281 1.070 6.101 230 1.282 505 849 1.429 1.049PRD 337 343 681 5.053 248 1.189 561 510 1.047 658AD 322 337 928 4.931 244 2.369 545 1.005 1.352 1.002

Fonte: Dados do CNE

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Legislativas 2008 – Número de votos por província.

Partidos Bié Moxico K.. Kubango Namibe Huíla Cunene Lunda S Bengo Total Nac.PRS 7.094 10.846 1.991 742 7.632 1903 52.666 804 204.746PLD 1.408 607 299 201 1.543 280 779 195 21.341FpD 520 193 120 123 992 141 308 78 17.073PDP-ANA 738 326 258 161 1.626 258 457 141 32.952PPE 949 340 217 64 1.239 251 222 115 12.052FNLA 1.651 849 486 257 1.910 420 443 2.608 71.416PAJOCA 1.157 315 221 140 1.230 254 262 129 15.535FOFAC 745 379 165 117 1.055 182 133 96 10.858ND 6.110 2.818 1.562 1.021 13.695 2.803 1.047 771 77.141MPLA 273.728 165.349 98.935 109.490 587.231 181.996 63.761 84.967 5.226.216UNITA 66.651 10.590 18.684 3.356 30.209 5.723 4.887 4.109 670.363PADEPA 1.591 393 406 135 1.135 254 289 144 17.509PRD 1.012 283 365 125 1.172 170 360 124 14.238AD 1.950 573 523 116 1.774 280 553 163 18.967

Fonte: Dados do CNE

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Anexo IV – Links de Vídeos e DVD

Savimbi 1992: Discurso em comício.

Vídeo 1 http://www.youtube.com/watch?v=zqcNdVc2bJw&feature=related

Entrevista concedida a rede de Televisão Portuguesa SIC

Vídeo 2http://www.youtube.com/watch?v=HPnwAGPXIag

Entrevista concedida por Savimbi, no período do Procolo de Lusaka

Vídeo 3http://www.youtube.com/watch?v=jE939dVJJeQ&feature=related

Campanhas de conscientização do voto promovidas pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE)

Vídeo 4http://www.youtube.com/watch?v=mh_m4SlhjIQ

Vídeo 5http://www.youtube.com/watch?v=0P3nK9Q8aJA

Campanhas da Unita na TPA

Vídeo 6. 21/ agosto /2008http://www.youtube.com/watch?v=4LCm7SNfhUw&feature=related

Vídeo 7. 22/agosto /2008http://www.youtube.com/watch?v=g9Rs1uujFsI&NR=1

Vídeo 8. 23/ agosto /2008 http://www.youtube.com/watch?v=yr3h6hVBgUs

Discurso sobre o programa da mudança: As medidas de combate à corrupção do Programa da Mudança a ser implementado caso a UNITA vença as eleições de 5 de Setembro de 2008.

Vídeo 9http://www.youtube.com/watch?v=QTtwAjJ4RsU&NR=1

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Campanhas MPLA na TPA

Vídeo 10. 5/8/2008http://www.youtube.com/watch?v=bEfJA82EcqQ

Vídeo 11. 6/8/2008(http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/27/asZ8RQSfZ5g

Vídeo 12. 7/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/26/zBBpA3NyyTU

Vídeo 13. 8/8/2008(http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/25/q48ONagGVwE

Vídeo 14. 9/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/24/dDQGgf3TsOE

Vídeo 15. 10/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/23/45Jr30YtTfc

Vídeo 16. 11/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/22/0GGZctkt2TU

Vídeo 17. 12/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/21/dZwYdg5SGpY

Vídeo 18. 13/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/20/juTnZWSoifc

Vídeo 19. 14/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/19/KfxoJvKe9OM

Vídeo 20. 15/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/18/EEqmrWzFSdg

Vídeo 21. 16/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/17/sMNaigy4Zw8

Vídeo 22. 17/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/16/1xhsH4bWyKY

Vídeo 23. 18/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/15/OgU27FovHyg

Vídeo 24. 19/8/2008

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http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/14/4gfzSQ6-fM4

Vídeo25.20/8/2008

http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/13/WaiBhaE55Cw

Vídeo 26. 21/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/12/RzxGCEc2Yfc

Vídeo 27. 22/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/11/Ub8lrgB0nlk

Vídeo 28. 23/8/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/10/F_zpgbkuwPs

Vídeo 29. 24/08/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/9/1ZObAEbQuRM

Vídeo 30. 25/08/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/8/55Yc0uzGR6Y

Vídeo 31. 26/08/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/7/o8TyvBbkMPA

Vídeo 32. 27/08/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/6/tOKYUiNLYVo

Vídeo 33. 28/08/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/5/-qngSJZpNXc

Vídeo 34. 29/08/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/4/Gs0yAtTg8Dw

Vídeo 35. 30/08/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/3/TooUoQqmxhc

Vídeo 36. 31/08/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/2/AUj6YNYpRSI

Vídeo 37. 01/09/2008http://www.youtube.com/user/mplaeleicoes2008#p/c/3DD47AB018E493E0/1/JTzUDbobe2Q

Vídeo 38. 02/09/2008http://www.youtube.com/watch?v=gqJciSnQSog

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Entrevista concedida a 19 de Junho de 2008 pelo Dr. Eduardo Kuangana -- Presidente do PRS -- Partido de Renovação Social de Angola.

Vídeo 39 http://www.youtube.com/watch?v=MF4r0iydpCI

DVD

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Referências Bibliográficas

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Outras Referências

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JORNAL DE ANGOLA. Luanda, 30 de maio de 1977.

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