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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-RIDO ANLISE E EXPRESSO TEXTUAL Prof. Auristela Crisanto da Cunha Texto produzido a partir de um resumo da leitura de: KOCH, Ingedore Grunfeld Villaa. A coeso textual. 21. ed. So Paulo: Contexto, 2009. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaa; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerncia textual. 17. ed. So Paulo: Contexto, 2007. MARCUSCHI,Luiz Antnio.Produotextual,anlisedegnerosecompreenso.SoPaulo:ParbolaEditorial, 2008. ELEMENTOS DE TEXTUALIDADE: COESO E COERNCIA Certamente,emcomentriossobretextos,vocjouviuoudissecoisascomo:Estetexto incoerente,Faltacoerncianasideias.Quasesempre,taiscomentriosseligavamaquestesde raciocnio lgico, a contradies entre uma passagem e outra do texto ou entre o texto e o conhecimento estabelecido das coisas. Observe os exemplos abaixo: (1)Maria tinha lavado a roupa quando chegamos, mas ainda estava lavando a roupa. (2)Joo no foi aula, entretanto estava doente. (3)A galinha estava grvida. Em(1),aincoernciageradapelofatodeoprodutordasequnciaapresentaromesmoprocesso verbal em duas frases distintas de sua realizao: como acabado e no-acabado ao mesmo tempo, o queno aceitvel. Em(2),aconexoentreasduasoraesdasequncia: Joonofoiaulae estava doente estabelece uma relao de oposio que contraria a relao de ideias que parece ser maisplausvelouesperadaentreasideiasexpressaspelasduaspartesdasequncia.Em(3),a passagemseriaresponsvelporincoernciaporcontrariaroconhecimentogeral,emboraistos represente incoernciase omundorepresentadopelotextoforomundorealeno,porexemplo, ummundofantstico,mgico,defantasia.Istoevidenciaqueojuzodeincoerncianodepende apenas do modo como se combinam elementos lingusticos no texto, mas tambm de conhecimentos prvios sobre o mundo e do tipo de mundo em que o texto se insere, bem como do tipo de texto. Dificilmentesepoderdizeroquecoernciaapenasatravsdeumconceito.Elaest diretamente ligada possibilidade de estabelecer um sentido para o texto, ou seja, ela o que faz com queotextofaasentidoparaosusurios,devendo,portanto,serentendidacomoumprincpiode interpretabilidade, ligada inteligibilidade do texto numa situao de comunicao e capacidade que o receptor tem para calcular o sentido deste texto. Observe o exemplo: A: _O telefone! B: _Estou no banho! A: _Certo. Estedilogossercoerente,sfarsentido,seconsiderarmososatosdefalaquecada enunciado realiza: quando A diz O telefone! isto entendido por B como um pedido (O telefone est tocando. Voc pode atender, por favor?); B responde ao pedido como uma justificativa para no poderatendersolicitaodeA(Nopossoatenderporqueestounobanho).Aaceitaa justificativaeprovavelmentesedispeelemesmoaexecutaratarefaquesolicitaraaBque executasse (Certo. Eu o atenderei). Beaugrande & Dressler (1981) e Marcuschi (1983) afirmam que, se h uma unidade de sentido no todo do texto quando este coerente, ento a base da coerncia a continuidade de sentidos entre os conhecimentosativadospelasexpressesdotexto.Estacontinuidadedizrespeitoaomodocomoos componentesdomundotextual,ouseja,oconjuntodeconceitoserelaessubjacentessuperfcie lingusticadotexto,somutuamenteacessveiserelevantes.Evidentemente,orelacionamentoentre esses elementos no linear e a coerncia aparece, assim, como uma organizao reticulada, tentacular e hierarquizada do texto. A continuidade estabelece uma coeso conceitual cognitiva entre os elementos do texto atravs de processos cognitivos que operam entre usurios (produtor e receptor) do texto e no sosdetipolgico,mastambmdependemdefatoressocioculturaisdiversosedefatores interpessoais, como: a)Asintenescomunicativasdosparticipantesdaocorrnciacomunicativadequeotexto instrumento; b)As formas de influncia do falante na situao de fala; c)Asregrassociaisqueregemorelacionamentoentrepessoasocupandodeterminadoslugares sociais pais/filhos, professor/aluno, patro/empregado, etc. A continuidade dos conhecimentos ativadospelas expresses lingusticas termina por constituir oquechamamosdetpicodiscursivo,ouseja,aquilosobreoquesefalanotexto,sejaeleoral (resultado de um dilogo ou no) ou escrito. Van Dijk e Kintsch (1983) mencionam diversos tipos de coerncia: a)Coernciasemntica,queserefererelaoentresignificadosdoselementosdasfrasesem sequnciaemumtexto(local)ouentreoselementosdotextocomoumtodo.Vejaaseguirum trecho de uma redao feita por um vestibulando de Uberlndia em 1985 sobre o tema felicidade: Felicidade um viver como aprendiz. retirar de cada fase da vida uma experincia significativa para o alcance de nossos ideais. basear-se na simplicidade do carter ao executar problemas complexos; ser catarse permanente de doao sincera e espontnea. Afelicidade,ondenoexistemtcnicascientficasparasuaobteno,faz-sedepequenos fragmentos captados de sensveis expresses vivenciais. Cada dia traz inserido na sua forma, um momentocujosilnciosussuranointeriordecadaviventechamando-oparaareflexodeum episdio feliz. Ao escrever executar problemas, o produtor criou uma incoerncia semntica, j que os sentidos das duas palavras no combinam. Talvez ele quisesse ou devesse dizer resolver problemas. b)Coerncia sinttica, que se refere aos meios sintticos para expressar a coerncia semntica como, por exemplo, os conectivos, o uso de pronomes, de sintagmas nominais definidos e indefinidos, etc. Noexemplocitadohincoernciasintticacomoousodeonde.Acoernciapoderiaser recuperadaconstruindo-seasequnciadaseguinteforma:Afelicidade,paracujaobtenono existem tcnicas e cientficas, faz-se de pequenos fragmentos... c)Coerncia estilstica, pela qual um usurio deveria usar em seu texto elementos lingusticos (lxico, tipos de estrutura, frases, etc.) pertencentes ou constitutivos do mesmo estilo ou registro lingustico. Ex.: Prezado Antnio, Neste momento quero expressar meus profundos sentimentos por sua me ter batido as botas. Aqui,emquesetemumcartodecondolncias,humaincoernciaestilsticainaceitvelpelas normas sociais (que afeta o estabelecimento da coerncia), mas que no problemtica do ponto de vista do estabelecimento do sentido e poderia at ser usada de propsito se a inteno do produtor fosse passar a idia de irreverncia ou de no respeito ao sentimento do recebedor ou de que para ele(oprodutor),oeventoemrealidadenoprovocaosentimentoquenormalmenteseexterna nessas ocasies. d)Coerncia pragmtica, que tem a ver com o texto visto como uma sequncia de atos de fala. Estes so relacionados de modo que, para a sequncia de atos ser percebida como apropriada, os atos de falaqueaconstituemdevemsatisfazerasmesmascondiespresentesemumadeterminada situao comunicativa. Caso contrrio temos incoerncia. Assim, por exemplo, se um amigo faz um pedidoaoutro,seriaespervelquetivssemosumadasseguintessequnciasdeatos: pedido/atendimento, pedido/promessa, pedido/recusa, etc., e no sequncias como Pedido/ameaa, pedido/ declarao sem relao com o contedo pedido. Ex.: A: Voc me empresta seu livro de Guimares Rosa? B: Hoje eu comi um chocolate que uma delcia! A coerncia se relaciona com a coeso do texto, pois por coeso se entende a ligao, a relao, osnexosqueseestabelecementreoselementosqueconstituemasuperfcietextual. Aocontrrioda coerncia,quesubjacente,a coeso explicitamenterevelada atravsdemarcas lingusticas,ndices formaisnaestruturadasequncialingusticaesuperficialdotexto,quelhedumcarterlinear,uma vez que se manifesta na organizao sequencial do texto. Halliday & Hasan (1976) distinguem cinco mecanismos de coeso: a)Referncia (pessoal, demonstrativa, comparativa) Ex.:PauloeJossoexcelentesadvogados.ElesseformaramnaAcademiadoLargodeso Francisco. (Referncia pessoal anafrica) b)Substituio Ex.: O professor acha que os alunos no esto preparados, mas eu no penso assim. c)Elipse Ex.: Paulo vai conosco ao leilo? Vai d)Conjuno: Ex.: Houve um violento tumulto, depois seguiu-se uma grande paz. e)Coesolexical:ocorrepelosmecanismosdereiterao(domesmoitemlexical,desinnimos, hipernimos, nomes genricos) ou por colocao (ou contiguidade). Coeso lexical por reiterao: Ex.:Opresidenteviajouparaoexterior.Opresidentelevouconsigoumagrandecomitiva.(mesmo item lexical) Uma menininha correu ao meu encontro. A garota parecia assustada. (Sinnimo) O avio ia levantar vo. O aparelho fazia um barulho ensurdecedor. (Hipernimo) Todosouviramumrumordeasas.Olharamparaoaltoeviramacoisaseaproximando. (Nome genrico: coisa, pessoa, fato, acontecimento etc.) Coeso lexical por colocao (ou contiguidade): Ex.: Houve um grande acidente na estrada. Dezenas de ambulncias transportaram os feridos para os hospitais da cidade mais prxima. (Uso de termos pertencentes ao mesmo campo significativo) Arelaodacoesocomacoernciaexisteporqueacoernciaestabelecidaapartirda sequncia lingustica que constitui o texto, isto , os elementos da superfcie lingustica que servem de pistas, de ponto de partida para o estabelecimento da coerncia. A coeso ajuda a estabelecer a coerncia na interpretao dos textos, porque surge como uma manifestao superficial da coerncia no processo de produo desses mesmos textos, pois, como diz Berndez (1982), o texto no coerente porque as frases que o compem guardam entre si determinadas relaes, mas estas relaes existem precisamente devidocoernciadotexto.Arelaoentrecoesoecoernciaumprocessodemodupla:na produo do texto se vai da coerncia (profunda), a partir da inteno comunicativa, do pragmtico at o sinttico, ao superficial e linear da coeso e na compreenso do texto se percorre o caminho inverso das pistas lingusticas na superfcie do texto coerncia profunda. Emboraacoesoauxilienoestabelecimentodacoerncia,elanogarantiadeseobterum texto coerente. Na verdade, como observa Charolles (1989), os elementos lingusticos da coeso no so nem necessrios, nem suficientes para que a coerncia seja estabelecida. Haver sempre necessidade de recursoaconhecimentosexterioresaotexto(conhecimentodemundo,dosinterlocutores,dasituao, das normas sociais, etc.) Veja os exemplos: Corte(O dia segue normal. Arruma-se a casa. Limpa-se em volta. Cumprimenta-se os vizinhos. Almoa-se ao meio-dia. Ouve-se rdio tarde. L pelas 5 horas, inicia-se o sempre).(MariaAmlia Mello).Miniconto publicado no Suplemento Literrio do Minas Gerais n 686, ano XIV, 24/11/79, p.9). Notexto(a)praticamentenohelementoscoesivosentreasfrases,masosentidoglobal, apreensvel graas frase inicial, d coerncia sequncia, constituindo-a em texto. Joo vai padaria. A padaria feita de tijolos. Os tijolos so carssimos. Tambm os msseis so carssimos.Osmsseissolaadosnoespao.SegundoateoriadaRelatividadeoespaocurvo.A geometria rimaniana d conta desse fenmeno. (Marcuschi, 1983: 31). Noexemplo(b),asequnciacoesiva,masnovistacomocoerente,porquenopossvel estabelecer para ela uma continuidade/unidade de sentido. Veja-se, para anlise, o caso do poema que serve de epgrafe ao captulo 10 deLutar com palavras, livro de Irand Antunes sobre a coeso textual: Subi a porta e fechei a escada. Tirei minhas oraes e recitei meus sapatos. Desliguei a cama e deitei-me na luz Tudo porque Ele me deu um beijo de boa noite... (autor annimo) Seria esse texto incoerente? possvel descobrir nele alguma ponta de sentido? Melhor dizendo, possvelrecuperaralgumaunidadedesentidooudeinteno?Serveparadizeralgumacoisa?Se serve, como encarar o fato de as palavras estarem numa arrumao linear que resulta sem sentido?