UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA ÁREA DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
WAGNER DA SILVA TEIXEIRA
EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE LUTA: HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS DE EDUCAÇÃO E CULTURA POPULAR
(1958 – 1964)
Niterói 2008
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WAGNER DA SILVA TEIXEIRA
EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE LUTA: HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS DE EDUCAÇÃO E CULTURA POPULAR
(1958 – 1964)
Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como requisito para a obtenção do Grau de Doutor em História Social.
Orientador: Prof. Dr. JORGE FERREIRA
Niterói 2008
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WAGNER DA SILVA TEIXEIRA
EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE LUTA: HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS DE EDUCAÇÃO E CULTURA POPULAR
(1958 – 1964)
Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como requisito para a obtenção do Grau de Doutor em História Social.
Aprovada em 25/03/2008
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________ Prof. Dr. JORGE FERREIRA - Orientador
UFF
______________________________________________________________________ Prof. Dr. OSMAR FÁVERO
UFF
______________________________________________________________________ Profa. Dra. LIBÂNIA XAVIER
UFRJ
______________________________________________________________________ Prof. Dr. AMÉRICO FREIRE
CPDOC/FGV
______________________________________________________________________ Profa. Dra. LUCILIA DE ALMEIDA NEVES
UFMG/PUC-MG
Niterói 2008
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AGRADECIMENTOS Um trabalho de pesquisa nunca é um trabalho solitário, por mais que seja você que faça as leituras, as análises e os textos, em cada um destes momentos teve ou precisou ter o apoio de uma ou várias pessoas. A todas elas eu agradeço de forma muito especial por terem, de alguma maneira, colaborado com a execução deste trabalho.
Gostaria de agradecer ao meu orientador, Jorge Ferreira, primeiro pesquisador a tomar contato com a minha idéia de tema para o doutorado. Desde este primeiro momento passei a contar com suas precisas observações, sempre realizadas em meio a uma ótima e agradável conversa. Osmar Fávero foi outro pesquisador fundamental nesta pesquisa. Por meio de seu trabalho incansável na reconstrução da história e na preservação da memória daqueles movimentos, tive acesso à documentação do período, o que tornou possível a elaboração desta tese. Ao CNPq e à Faperj pelo apoio. Para realizar este trabalho foi necessário o deslocamento para diversas cidades a fim de entrar em contato com pesquisadores do tema e instituições de pesquisa. Em cada uma delas pude contar com o apoio e a amizade de diversas pessoas. Em Recife não poderia deixar de mencionar os professores Antonio Montenegro e Argentina Rosas, o escultor Abelardo da Hora e as estudantes Taciana e Nathalia... . Em Natal os professores Marta Araújo, Willington Germano e Marlúcia de Paiva, Mailde Galvão e Marcos Guerra, os estudantes Pablo Spinelli e Ana Verônica. Em João Pessoa os professores Afonso Scocuglia e Ana Elvira Raposo. Colaboraram com seu trabalho, de forma decisiva, para a realização desta pesquisa, os funcionários da secretaria do Programa de Pós-graduação em História da UFF e dos diversos arquivos e bibliotecas consultadas durante o trabalho de pesquisa. Um grupo muito especial de pessoas me ajudou a encarar este desafio que foi fazer o curso de doutorado. Gostaria de lembrar aqui os meus amigos Fábio, Cleber, Daniel, Nelson, Vitinho, Tico, Maurício e João Luiz. As minhas amigas Flávia, Cristina, Cris e Mariana. Meus familiares tiveram um papel muito importante, me apoiando e incentivando nos momentos mais cruciais destes quatro anos. Os meus pais, Luiz e Cida, minha irmã Gisele e meus primos Harley e Carla. Garantiram as forças e a motivação necessária para esta conquista: o pequeno Caio, meu filho, que foi gerado, gestado e nasceu durante o doutorado; entre leituras, análises e a construção do texto pude acompanhar seu crescimento e desenvolvimento, seus choros e suas risadas, suas bagunças e descobertas. Angélica, minha esposa, mulher e companheira, esteve ao meu lado em cada momento desta trajetória, sempre me apoiando e acreditando no meu esforço e na minha capacidade, seu espírito determinado e sua força foram exemplos importantes para o incentivo à realização deste trabalho.
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“...Matei Maria inucente... Pruquê, seu doutô, pruquê?
Matei Maria somente, Pruquê num prindi a lê. Mangine agora o doutô
Quanto é grande o meu sofrê. Sou duas vez criminoso.
Qui castigo, qui horrô! Qui crime num sabê lê!”
Zé da Luz
“Fica no extremo da rua o Grupo Escolar, de modo que a meninada passa repassa à frente de minha janela. Notei que muitas crianças sofriam dos pés pois traziam um no chão e outro calçado. Perguntei a uma delas:
__Que doença de pés é essa? Bicho arruinado? O Pequeno baixou a cabeça com acanhamento: depois
confessou: __É inconomia. Compreendi. Como nos grupos não se admitem crianças de
pés no chão, inventaram as mães pobres aquela pia fraude. Um pé vai calçado: o outro doente de um imaginário mal crônico, vai descalço. Um par de botinas dura assim por dois. Quando o pé da botina em uso fica estragado, transfere-se a doença de um pé para outro, e o pé de botina de reserva entra em função”.
Monteiro Lobato
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RESUMO Este trabalho visa analisar alguns dos principais movimentos de educação e cultura popular no Brasil entre 1958 e 1964. O Movimento de Educação de Base (MEB), o Movimento de Cultura Popular (MCP), a Campanha de Pé no Chão, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e os Centros Populares de Cultura (CPCs) atuaram no sentido de democratizar a cultura e a educação. Diante de um contexto marcado por uma grande desigualdade social, pelo analfabetismo de parcela significativa da população, e pela conseqüente exclusão do processo político desta mesma parcela. Surgiram os movimentos e as experiências de alfabetização de adultos, criadas a partir de iniciativas de grupos políticos de esquerda, no interior de uma luta entre correntes políticas opostas, separadas pela defesa ou não das Reformas de Base. Dessa forma, refletiram as idéias, os debates e as propostas colocadas em jogo naquele momento. A alfabetização de adultos acompanhada por um processo de conscientização tornou-se um dos principais instrumentos de mobilização política das classes populares. O temor dos setores conservadores, das conseqüências políticas e eleitorais da ação daqueles movimentos, foi crucial para a repressão, intervenção e destruição que sofreram depois do golpe civil/militar de 1964. Palavras-chave: Educação Popular – Esquerdas – Golpe de 1964 – Cultura Popular – Cultura Política – Alfabetização de Adultos – Movimentos de Educação e Cultura Popular.
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ABSTRACT This work aims at analyzing some of the main movements of education and popular culture in Brazil between 1958 and 1964. The Movement of Base Education (MBE), the Movement of Popular Culture (MPC), the “Pé no Chão” Campaign, the National Union of the Students (UNS) and the Popular Centers of Culture (PCCs) had acted in the direction to democratize the culture and the education. From this context, highlighted by a great social inequality, for the illiteracy of the population, and for the consequent exclusion of the political process from these people. The movements and the experiences of the adults learning process had appeared created from left politicians’ initiative, among an argument between opposing sides, separated by the defense or not of the base reforms. Therefore, they had reflected on the ideas, the debates and the proposals placed that moment. The adults learning process followed by a consciousness process became one of the main possibilities of political mobilization of the popular classes. The fear from conservative sections, from the electoral and political consequences and from the action of those movements was crucial for the repression, intervention and destruction which had suffered after 1964 the civil/military blow of. Key-words: popular education - left - Blow of 1964 - popular culture – political culture – adults learning process - movements of education and popular culture
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SUMÁRIO Introdução 11
Capítulo Primeiro – Tempo de Nascer (1958 – 1961) 25
1 – A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 28
2 – O Analfabetismo no Brasil: Um retrospecto histórico 33
3 – O Movimento de Cultura Popular: Origens 44
4 – Paulo Freire e a elaboração de seu método 50
5 – O surgimento da Campanha de Pé no Chão também se Aprende a Ler 53
6 – O Movimento de Educação de Base 58
Capítulo Segundo – Tempo de Crescer (1961 – 1963) 63
1 – Os estudantes e a alfabetização de adultos: AP, CPC e UNE 68
2 – Consolidação e crescimento do MCP: os primeiros embates 74
3 – A Expansão da Campanha de Pé no Chão 81
4 – MEB: O Crescimento e a Virada 89
5 – A ação do MEC durante o regime parlamentarista: principais iniciativas 97
6 – Paulo Freire e o Serviço de Extensão Cultural 99
Capítulo Terceiro – Tempo de Lutar (1963 – 1964) 102
1 – Paulo Freire: de Angicos para o MEC 107
2 – Paulo de Tarso Santos e a esquerda católica: o MEC de “pernas pro ar” 115
3 – I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular 119
4 – O Programa Nacional de Alfabetização 126
5 – MCP: Expansão e Cultura Popular 130
6 – A Campanha de Pé no Chão: Crescimento e redefinições políticas 132
7 – Ações e concepções dos estudantes na Alfabetização de Adultos 135
8 – O MEB: O sindicalismo rural e a cartilha Viver é Lutar 140
Capítulo Quarto – Tempo de Calar (1964) 150
2 – A repressão ao programa de educação popular do governo Jango 159
3 – O MCP e a fortaleza destroçada 164
4 – A destruição da Campanha de Pé no Chão 177
5 – MEB: a intervenção, as resistências e os fechamentos 192
6 – O golpe e os estudantes: A UNE e os CPCs 199
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Introdução
A história do Brasil foi marcada por um forte processo de concentração de suas
riquezas, isso ocasionou ao longo do tempo uma permanente exclusão econômica, social e
política de suas populações mais pobres. Essa trajetória excludente deixou como uma de suas
maiores conseqüências o analfabetismo. Enquanto em alguns países da Europa os índices de
alfabetização atingiam a casa dos 90% no final do século XIX, esse índice só foi alcançado no
Brasil no final do século XX, quase 100 anos depois. Até agora não conseguimos extirpá-lo.
No período republicano, a proibição do voto ao analfabeto transformou uma exclusão
educacional em política. Estava vedada às “deseducas” classes populares brasileiras a
possibilidade do exercício do voto. Entre os anos 1950 e 1960 o Brasil passou por um período
de importantes transformações. Os processos de urbanização e industrialização alteravam
profundamente a vida e o cotidiano das pessoas. Naquela sociedade sobreviviam
simultaneamente o Severino retirante de João Cabral de Melo Neto e Otávio, o operário de
Gianfrancesco Guarnieri. Eram personagens de um Brasil onde as classes populares
começavam a ganhar os palcos da arena social e política.
Este trabalho busca compreender as trajetórias e os significados de alguns dos mais
importantes esforços de combate ao analfabetismo já ocorridos na história do país.
Conjugando a alfabetização de adultos com um processo de conscientização, trabalhando o
teatro, a música, o cinema e valorizando as manifestações artísticas populares. Os
movimentos de educação e cultura popular representaram o aparecimento destes elementos
sociais e políticos novos, resultado direto daquele processo, exemplos de expansão e
democratização do sistema de ensino. Instrumentos de mobilização política e social, os
movimentos incluíam no processo político, por meio da alfabetização de adultos, importantes
camadas das classes populares. A possibilidade de uma mudança no jogo eleitoral, via
alfabetização era concreta, constituía-se uma tarefa dos grupos e organizações políticas
nacionalistas e de esquerda, interessadas na mobilização política e na postura crítica dos
alunos, bem como na ampliação do universo de eleitores, na esperança de quebrar a maioria
eleitoral das forças tradicionais e conservadoras.
Da esperança e da euforia no governo JK, passando pelas incertezas e apreensões do
governo Jânio Quadros, pelas possibilidades de avanços e reformas no governo Goulart,
chegando ao retrocesso e à repressão com a Ditadura Militar. Esta pesquisa se debruçou sobre
12
a trajetória de quatro dos principais movimentos de educação e cultura popular que existiram
no período e vivenciaram aquela experiência. O Movimento de Cultura Popular (MCP) de
Pernambuco, a Campanha de Pé no Chão também se Aprende a Ler de Natal, o Movimento
de Educação de Base (MEB) da Igreja Católica e ações educacionais dos Centros Populares
de Cultura (CPC) e da União Nacional dos Estudantes (UNE). A tempo histórico analisado
pela pesquisa, que decorre entre 1958 e 1964, corresponde ao período de surgimento,
formação e ação dos movimentos de alfabetização e cultura popular no país. Um tempo de
lutas, vitórias e derrotas, iniciado em 1958 com II Congresso Nacional de Educação de
Adultos no Rio de Janeiro, e encerrado com a repressão e a destruição dos movimentos após o
golpe civil/militar de março/abril de 1964.
Nos anos 1960 o IBGE calculava um índice de 40% de analfabetos entre a população
com mais de 15 anos, isso representava cerca de 16 milhões de pessoas.1 A Constituição de
1946 proibia o analfabeto de votar. Isso significava que boa parte dos brasileiros estavam
impedidos de participar do processo político. A formação de um universo mais amplo de
eleitores aumentava a possibilidade de mudanças nos quadros políticos brasileiros. A
alfabetização popular passou a ser entendida como um instrumento da luta política, aliada a
uma nova idéia de cultura popular, que passava de uma popularização da cultura erudita para
uma valorização da cultura do próprio povo e a construção de elementos culturais novos.
Esses elementos somados ao contexto de crise econômica e política do período propiciaram o
início de uma postura ativa das camadas populares, na exigência de seus direitos e na
transformação de sua realidade social.
Uma forte e crescente mobilização popular marcou o cenário político brasileiro. A
luta contra o analfabetismo se insere neste processo, na defesa das Reformas de Base, do
sindicalismo urbano, da formação das Ligas Camponesas, da sindicalização rural etc. Todas
essas iniciativas tiveram ampla participação de setores das classes populares, era uma
mudança na postura política daquelas classes, e também na percepção dos problemas
enfrentados no seu dia-a-dia. Diante dos desafios para o desenvolvimento brasileiro,
apontavam-se soluções mais profundas: reformar e/ou revolucionar as estruturas sociais,
econômicas e políticas da sociedade brasileira.
O governo João Goulart foi palco de uma intensa luta política entre setores
antagônicos da sociedade. De um lado, os movimentos sociais estavam cada vez mais
organizados, demonstravam claros sinais de insatisfação com a profunda desigualdade
1 IBGE, Censos Demográficos, apud Anuário Estatístico/1995.
13
econômica e social do país e defendiam a execução das “Reformas de Base”. O movimento
operário seja de tradição trabalhista ou comunista, as Ligas Camponesas, o sindicalismo rural,
as esquerdas no PTB, PCB, AP e outras organizações e partidos, os estudantes, artistas e
intelectuais na UNE, nos CPCs e nos movimentos demonstravam claramente sua intenção de
reformar/revolucionar as estruturas da sociedade brasileira. De outro lado, um amplo setor
conservador formado pela burguesia industrial, proprietários rurais, o capital externo, e
setores das classes médias, da Igreja Católica e das Forças Armadas reagiam a tais
manifestações como forma de manter sua posição social e/ou extirpar a “ameaça vermelha”.
A polarização política e ideológica da sociedade era cada vez maior, tanto a extrema
esquerda como a extrema direita apostavam na radicalização das posições como forma de
alcançar seus objetivos. Segundo Daniel Aarão Reis Filho “segue-se um período de indecisão.
Os movimentos sociais pelas reformas radicalizam demandas e formas de luta. As forças
conservadoras agrupavam-se. A sociedade começou a polarizar-se em dois grandes blocos”.2
De um lado um projeto, que podemos chamar de nacional estatista, pregava o
desenvolvimento nacional, a criação de empresas estatais, a defesa dos direitos trabalhistas, o
aumento das redes de proteção social, investimentos estatais em setores considerados
estratégicos, além da forte presença do Estado em praticamente todos os setores sociais. De
outro lado um projeto liberal conservador, que propunha a abertura da economia brasileira ao
capital externo, a ausência do Estado nas relações entre patrões e empregados, a adesão do
país à política externa estadunidense sem contestações, e uma grande desconfiança da
crescente participação política das classes populares.3
Para nortear nossa interpretação do período, optamos por inserir os movimentos
como parte do primeiro projeto. Em primeiro lugar, por representar uma concepção de
educação que já se esboçava no âmbito do Estado brasileiro, ou seja, o combate ao
analfabetismo como passo para o desenvolvimento. Em segundo lugar, por ser um projeto
político/pedagógico que visava entre outras coisas, a conscientização do educando,
trabalhando a sua própria realidade, e não simplesmente o seu letramento, uma posição
avançada em relação às experiências anteriores. Em terceiro e último lugar, por representar
para os grupos políticos progressistas, notadamente a esquerda política do Nordeste e o PTB
no sudeste, uma possibilidade de aumento significativo de suas bases eleitorais, com a
2 Daniel Araão REIS FILHO. “O Colapso do Colapso do Populismo”. In Jorge Ferreira (Org.), O Populismo e sua História: Debate e Crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 339. 3 Jorge FERREIRA, “Crises da República”. p. 304. In FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves, O Brasil Republicano: O tempo da experiência democrática, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Daniel Aarão REIS FILHO, As esquerdas brasileiras e a tradição nacional-estatista. (mimeo)s/d.
14
incorporação ao sistema político eleitoral, de setores populares até então excluídos daquele
processo. Pode-se dizer que no período entre 1930 e 1945 foi forjado esse projeto nacional
estatista, recebendo depois de 1945, mas principalmente depois de 1954, a contribuição das
esquerdas. Foram inicialmente aproximações conjunturais, não significaram, a princípio,
acordos profundos e programáticos, mas alianças políticas pautadas mais nos antagonismos
que dividiam os dois grandes blocos do que em pontos comuns entre os projetos.
Quase toda a discussão política teve como foco as chamadas Reforma de Base, cujo
objetivo era realizar um profundo programa de justiça social e desenvolvimento nacional.
Setores da burguesia nacional, capital externo e proprietários rurais defendiam nenhuma
reforma ou, no máximo, reformas moderadas. A polarização política, social e ideológica
alcançou sua expressão máxima em abril de 1964, com o golpe civil/militar. O desfecho
dramático, segundo Argelina Cheibub Figueiredo, teve como conseqüência “nenhuma
democracia e nenhuma reforma”.4
As Reformas de Base incluíam um amplo pacote de medidas que atingiriam
praticamente toda a sociedade brasileira, cujo objetivo era “assegurar uma economia mais
justa e menos desigual, um poder político mais democrático, uma cultura mais livre, nacional
e afirmativa”.5 Pode-se inserir as Reformas de Base como parte dos projetos
nacionalista/estatista e socialista de desenvolvimento dos quais fala Ianni, mas também fruto
da evolução política e programática de partidos como o PTB,6 da adoção de uma linha de
aliança com setores nacionalistas, no caso do PCB,7 e da ruptura com o capitalismo
descoberto pela AP.8
Lucília de Almeida Neves, em seu texto Trabalhismo, Nacionalismo e
Desenvolvimentismo, demonstra como o PTB buscava através de um projeto nacional de
desenvolvimento, humanizar o capitalismo tornando-o mais justo. Isso seria feito pela via
legal das reformas, sem um rompimento com a ordem constitucional. “Era a crença na
4 Argelina Cheibub FIGUEIREDO. Democracia ou Reformas: Alternativas democráticas à crise política: 1961 – 1964, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. 5 REIS FILHO. Op. Cit., p. 330. 6 Luiz Alberto Moniz BANDEIRA. O Governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil 1961 – 1964, Rio de Janeiro: Revan, Brasília: EdUnb, 2001, p. 63 7 José Antonio SEGATTO. Breve História do PCB. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1989, pp. 92-93. 8 Herbert de SOUZA In. Jalusa BARCELLOS, CPC da UNE uma história de paixão e consciência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
15
resolução dos problemas sociais do país, na superação do subdesenvolvimento que assolava a
economia brasileira e na construção de uma nação mais soberana”.9
Um elemento que permeia todos os movimentos foi o chamado Método Paulo Freire,
um método de alfabetização que se propagou rapidamente pelo país, a partir da experiência
pioneira de seu autor no Nordeste. Dentro da historiografia sobre o tema da alfabetização
naquele período, a questão da “diretividade” ou “não diretividade” do método se coloca como
um dos nós do debate. Na verdade, o que se coloca é o grau da relação entre Paulo Freire (e os
movimentos de alfabetização) com a política da época, muitos autores caracterizam a política
nos anos 1950 e 1960 ainda sob a égide clássica do “populismo”, no qual políticos demagogos
enganariam o povo com seus discursos, utilizando paralelamente a força coerciva do Estado
para manipularem ao seu bem querer uma população desavisada e passiva. Seguindo esse
raciocínio os movimentos e campanhas de alfabetização funcionariam como “fábrica de
eleitores”, abrindo a possibilidade de crescimento eleitoral dos setores trabalhistas,
progressistas e de esquerda no campo político e institucional do país.
Vanilda Paiva, ao analisar os fundamentos ideológicos de Paulo Freire, demonstra a
forte influência exercida pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) em seu
pensamento, a ideologia nacional-desenvolvimentista dos anos 1950 teria sido a principal
base de apoio teórico do educador pernambucano. Segundo a autora era uma “educação para a
mudança e para a democracia como preparo para a participação no processo eleitoral”,10 o
cidadão alfabetizado daria a prova de que estava livre “ao votar nos representantes das forças
modernizadoras,” contribuindo para derrotar politicamente a “sociedade arcaica”, e entregar
“o poder político àquelas forças capazes de levar avante as reformas.”
Isso significava que, para a autora, a prática educadora de Paulo Freire dentro da
conjuntura política da época, numa situação de forte polarização política, marcada pela luta
dos movimentos junto às forças progressistas, conceberia a consciência crítica como o voto
em políticos e forças políticas representantes do moderno, do novo em contraposição ao
Brasil arcaico, representado principalmente pelos grandes proprietários rurais e políticos
conservadores. Seria uma nova forma de manipulação a serviço dos “populistas”, jogando
dentro da ordem e sem perspectivas de grandes e profundas mudanças na sociedade. Somente
com a aproximação de Freire com os movimentos progressistas da Igreja Católica no início
dos anos 60, o educador daria um giro mais à esquerda, mas mesmo assim conceberia que a
9 Lucília de Almeida NEVES, Trabalhismo, Nacionalismo e Desenvolvimentismo. In Jorge FERREIRA, Op. Cit. p.202. 10 Vanilda PAIVA. Paulo Freire e o Nacionalismo Desenvolvimentista. São Paulo: Graal, 2000. p. 151-152.
16
“uma pedagogia personalista caberia “transformar a massa em povo”, para evitar a
massificação, a manipulação, os totalitarismos e assegurar a democracia.”11
Para muitos ex-militantes dos movimentos, principalmente os ligados aos
movimentos como a JUC e AP, e pesquisadores mais próximos de Paulo Freire, esta
interpretação exagera na relação entre Paulo Freire e o “populismo”. Procuram então
demarcar o terreno que separaria o campo populista do campo popular. Em texto recente, José
Eustáquio Romão reconhece a adesão de Paulo Freire ao que chama de “otimismo
democrático”, mas salienta a desconfiança do autor com o “populismo”. Para ele Paulo Freire
demonstrava “ter consciência dos limites políticos do populismo.”12 Para o autor, é nesse
ponto que Paulo Freire avança em relação aos isebianos, ao colocar que a verdadeira
democracia não poderia ser para o povo, mas com o povo. Destaca, portanto, a ênfase
colocada por Freire na conscientização, necessária para situar o homem no seu espaço, mas a
partir daí este homem tanto pode se tornar povo como retroceder à massificação. Celso Rui
Beisiegel em seu trabalho Política e Educação Popular, em que analisa as fundamentações da
teoria e da prática educacional de Paulo Freire nos anos 1950 e 1960 afirma que: “O projeto
educativo assumia a condição de projeto político, incluindo-se no quadro mais amplo das
“ideologias” e dos movimentos nacionalistas do final da década de 50.” No início dos anos
1960 tanto os movimentos como os políticos e grupos nacionalistas radicalizaram suas
posições, “tratava-se, agora, de promover a transformação da sociedade ou, mesmo, a
revolução social mediante a alteração das “estruturas”. Alguns grupos pretendiam “realizá-la
dentro dos quadros da “legitimidade” institucional vigente. Paulo Freire, sem dúvida alguma,
se inscrevia entre os defensores da transformação dentro da “ordem”.13
Havia uma confluência de interesses em torno do Método Paulo Freire, de seu
próprio autor, como educador interessado em combater o analfabetismo, colocando pela
primeira vez que a própria experiência de vida do aluno e o meio em que vivia eram
fundamentais no processo de alfabetização. Em segundo lugar, das forças políticas
progressistas (JUC, AP, Ligas Camponesas e PCB, por exemplo), na sua maioria adotando
uma “política de massas”, ou seja, trabalhando junto às camadas mais pobres da população,
no sentido de organização e mobilização dessa “massa”. Em terceiro lugar, dos governos
ligados ao projeto nacional estatista, como por exemplo, Miguel Arraes, quando prefeito e
11 Idem, p. 236. 12 José Eustáquio ROMÃO. Prefácio. In. Paulo FREIRE, Educação e Atualidade Brasileira. São Paulo: Cortez, Inst. Paulo Freire, p. XXXVII e XXXVIII. 13 Celso de Rui Beisiegel. Política e Educação Popular. São Paulo, Ática, 1992. p.289.
17
governador em Pernambuco, o nacionalista Djalma Maranhão em Natal e João Goulart na
presidência da República. Toda essa mobilização não passou despercebida pelos setores
conservadores, tanto o método como os movimentos foram alvos de duras críticas de parte da
imprensa e de forças políticas como a UDN e o PSD. “No final do período (63-64), o método
de alfabetização era um dos principais objetos das críticas dos defensores da “ordem” social
ameaçada”.14
À direita, os movimentos despertaram desconfiança e aumentaram o temor das
classes dominantes, diante de um aumento cada vez mais significativo da participação das
classes populares no processo político. Ainda de acordo com Tavares “a consciência de
cidadania assustava. Povo alfabetizado, sim; mas apenas o suficiente para assinar o título
eleitoral, sem as filigranas de entender o significado das coisas, inclusive o da eleição. Formar
cidadãos soava a “doutrinação comunista”.15
A ameaça comunista, inclusive, era também relacionada diretamente com a atuação
dos movimentos, seja através deles próprios, seja através do espaço aberto no MEC durante a
gestão de Paulo de Tarso. Rodrigo Patto Sá Motta, em seu livro sobre a luta dos setores
conservadores brasileiros contra o “perigo vermelho”, ressalta que no período pré-64, foram
várias as denúncias de que “elementos ligados ao comunismo estariam enquistados em setores
importantes do aparelho de Estado, como o Ministério da Educação, de onde comandariam
planos de alfabetização de conteúdo subversivo”.16 Depois do golpe o discurso autoritário da
ditadura procurou justificar a ação repressiva contra os movimentos alegando as “atividades
subversivas” comprovadas pelo farto material apreendido. A atuação dos movimentos deve
ser inserida, num contexto mais amplo, que segundo Lucilia de Almeida Neves foi marcado
por “um efetivo movimento de ruptura com a tradição histórica brasileira, consolidada em
torno da prática da exclusão dos segmentos menos favorecidos da população do país”.17
Tradição que se traduzia através da “cooptação e da coerção em resposta às tentativas desses
sujeitos históricos de levantarem suas vozes e lutarem por seus direitos.”
Para analisar o tema dos movimentos e suas relações com o contexto político mais
geral, se faz necessário procurar situar alguns nortes teóricos do trabalho. De maneira geral,
esta pesquisa busca contribuir com os estudos que tem por objeto o político, evitando uma
perspectiva tradicional da história política, definida por uma narrativa linear dos fatos e pela
14 Idem, p. 290. 15 Idem, p. 244. 16 Rodrigo P. Sá MOTTA, Em Guarda contra o perigo vermelho. São Paulo: Perspectiva: Fapesp, 2002, p. 256. 17 Lucilia de Almeida Neves DELGADO, “Partidos Políticos e frentes parlamentares: projetos, desafios e conflitos na democracia”. In. FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lúcia de Almeida Neves (org). Op. Cit. p. 147.
18
história dos grandes homens e dos grandes acontecimentos. Adota, diversamente, uma postura
teórica e metodológica identificada com a assim chamada Nova “História Política”. Com a
renovação dos estudos sobre o político, o contato com outras disciplinas abriu novas
perspectivas. A proposta de renovação decorreu, entre outros fatores, do “intercâmbio com a
ciência política, permitindo que o tema da participação na vida política ocupe um espaço
fundamental na história.”18
Esse contato permitiu, por exemplo, incorporar o conceito de cultura política entre
seus instrumentos de análise teórica. As renovações ocorridas no campo da história cultural e
da história política possibilitaram a adaptação do conceito ao uso do historiador. Ao olhar
para o passado utilizando o conceito de cultura política foi possível entender ou interpretar o
“comportamento político de atores individuais e coletivos, privilegiando suas percepções, sua
lógicas cognitivas, suas vivências, suas sensibilidades.”19 Por meio dele, é possível também
analisar as relações entre as diversas esferas da política, já que, a cultura política “tem como
meta justamente compreender os valores que orientam as motivações e atitudes dos
indivíduos frentes à política institucional.”20
O conceito de cultura política exige seu uso no plural. Nesse sentido, os países são
marcados pela existência de uma “pluralidade de culturas políticas, mas com zonas de
abrangência que correspondem à área de valores partilhados.” 21 Isso significa dizer, que elas
não são estanques, que suas fronteiras são fluídas e, até certo ponto, instáveis, elas
correspondem “às respostas dadas a uma sociedade face aos grandes problemas e às grandes
crises de sua história.” Pensando o Brasil no final dos anos 1950 e início dos anos 1960,
podemos falar na existência de pelo menos três diferentes culturas políticas no campo das
chamadas esquerdas. A trabalhista, herdeira do varguismo, mas com uma evolução que a
levou a formular um projeto político nacionalista, pautado no desenvolvimentismo e na justiça
social. A comunista de tradição soviética, protagonizada pelo PCB, que na época redefiniu
sua linha política, procurando construir amplas alianças visando romper a herança feudal e o
imperialismo. A cristã progressista, que preconizava uma mudança na forma de ler e
interpretar o cristianismo, resultando numa atitude crítica do cristão frente às injustiças da
sociedade capitalista. Foi na confluência dessas três culturas políticas distintas é que surgiram
18 Marieta de Moraes FERREIRA, A Nova Velha História: O Retorno da História Política. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n . 10, 1992, p. 265. 19 Ângela de Castro GOMES, História, historiografia e cultura política no Brasil: algumas reflexões. In. Rachel Soihet (Org) Culturas Política. Rio de Janeiro: Faperj/Mauad, 2005. p.30 20 Karina KUSCHNIR e Leandro Piquet CARNEIRO As dimensões subjetivas da política: Cultura política e Antropologia da política, p.21 21 Serge BERSTEIN, A cultura política, pp. 354-355
19
os movimentos de alfabetização e cultura popular. Foi o efeito visível, teórico e prático, da
ação de homens e mulheres de diferentes “atitudes, normas e crenças” que tornou possível
aquelas experiências históricas.
Apesar de distintas, estas culturas políticas constituíram uma “área de valores
partilhados”, essa área ou zona era marcada, do ponto de vista estritamente político, por uma
posição à esquerda, o que na época poderia, entre outras coisas, demarcar uma posição de
defesa das Reformas de Base, do crescimento com justiça social, de ruptura via reforma ou
revolução com o sistema social, econômico e político vigente. Era marcada também, pela
defesa da ampliação do sistema de ensino, como instrumento de diminuição das diferenças
sociais, traduzido na democratização do acesso à educação; pela crítica à proibição do voto ao
analfabeto, e em decorrência deste, pela preocupação em alargar os contingentes eleitorais via
alfabetização, possibilitando assim uma alteração no jogo político, a favor das esquerdas. Os
movimentos, naquele contexto, assinalaram o vínculo entre política e educação, entre os
projetos políticos das esquerdas e as propostas educacionais dos movimentos, estes se
constituíram como espaços de ação coletiva dos militantes das diferentes culturas políticas
que participaram de sua origem, evolução e ocaso. Nesse sentido, o estudo visa demonstrar
“tanto a variedade quanto a força das interações e interferências”22 entre o político e o
educacional.
No início dos anos 1960 houve no Brasil o que Hans Magnus Ensenberg chamaria de
um “curto verão” dos movimentos de alfabetização e cultura popular. Uma forte e crescente
mobilização das forças de esquerda em prol da alfabetização de adultos, da democratização ao
mesmo tempo, do sistema de ensino e, por conseqüência, do sistema político. A ampliação da
oferta de escolas e vagas correspondia a uma demanda social por educação, e a expansão do
contingente eleitoral poderia tornar possível uma mudança na correlação de forças à favor das
esquerdas. Sobre isso vale ressaltar o alerta de Serge Berstein. Fatores como a escola e a
universidade “transmitem, muitas vezes de maneira indireta, as referencias admitidas pelo
corpo social”,23 entretanto, “é preciso evitar ver as coisas de maneira excessivamente
simplista. Nenhum destes vectores da socialização política procede de doutrinação.” Sobre o
ser humano, exercem influência diversos fatores e objetos, “sua multiplicidade proíbe pensar
que se exerce sobre um dado indivíduo uma influência exclusiva.”
22 René REMOND, Uma História Presente. In REMOND, René (Org.). Por uma História Política. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ, Ed.FGV. p.36 23 BERSTEIN, Op. Cit. pp.356-357
20
Nesse sentido, nossa leitura busca compreender que a tarefa de “conscientizar” o
povo, não era um trabalho fácil para os movimentos, pelo contrário, o processo não era
mecânico nem muito menos automático. O discurso dos movimentos, a interpretação por seus
alunos, e ação política desses alunos na sociedade não estavam necessariamente alinhados.
Entretanto, como demonstra os estudos de Thompson, sobre a relação da instrução com a
consciência de classe, entre os trabalhadores ingleses na primeira metade do século XIX, foi,
“a partir de sua experiência própria e com o recurso à sua instrução errante e arduamente
obtida, os trabalhadores formavam um quadro fundamentalmente político da organização da
sociedade.”24
Os movimentos brasileiros de educação e cultura popular entre o final da década de
1950 até meados dos anos 1960 travaram uma importante luta contra o analfabetismo no país.
Tais movimentos formularam uma consistente crítica ao status quo, optaram por atuar nos
campos da educação e da cultura popular e, empreenderam o maior e mais vigoroso
movimento de combate ao analfabetismo, visto até então no Brasil, criando por fim uma
cultura política própria, que reunia elementos herdados do cristianismo progressista, do
marxismo, do trabalhismo e do nacional-desenvolvimentismo. As elaborações teóricas dos
movimentos não questionaram somente a forma de se pensar e fazer a educação, mas também,
de se pensar e fazer a política, alterando a idéia de cidadania e participação popular no
processo político.
A análise procurou observar na evolução dos movimentos, sua relação com a
conjuntura política, suas iniciativas educacionais e culturais, suas formulações teóricas, a ação
dos grupos políticos no seu interior e os seus significados e objetivos. Outros elementos foram
analisados tendo em vista sua importância para a compreensão daquele fenômeno histórico.
Nos referimos a ação do Governo Federal e ao desenvolvimento do método Paulo Freire.
Não há como negar a forte relação existente entre os movimentos e os políticos de
origem trabalhista, comunista ou cristã progressista. O Movimento de Cultura Popular só foi
possível graças à vitória eleitoral da Frente do Recife, que elegeu Miguel Arraes para a
prefeitura da capital pernambucana. O Movimento de Educação de Base foi gestado durante a
campanha eleitoral para a presidência da República em 1960, fruto de um acordo entre a
Igreja Católica e o Governo Federal. A Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler
foi a principal realização política do ex-membro do PCB, Djalma Maranhão, na prefeitura de
Natal. O Programa Nacional de Alfabetização foi montado entre julho de 1963 e março de
24 E. P. THOMPSON, A Formação da Classe Operária Inglesa, Vol. 3, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p.304
21
1964 no governo presidencialista de Jango. Os CPC’s da UNE também contaram com algum
tipo de apoio governamental, principalmente, na área de alfabetização de adultos.
Ressaltamos, que a forte relação entre os movimentos e os políticos com uma postura
progressista e de esquerda, não deve ser simplificada e condenada, ou querer mascará-las por
considerar esses políticos, ou seus partidos, como “populistas”, portanto, manipuladores,
demagogos, e etc. No governo Goulart os movimentos e ações na área de alfabetização de
adultos ganharam importante destaque. O Ministério da Educação, nas gestões de Darci
Ribeiro, Paulo de Tarso Santos e Júlio Sambaqui, financiou e apoiou os movimentos de
educação e cultura popular.
Não se quer, aqui, defender a idéia de que as esquerdas eram unidas e que não
disputavam espaço. Havia concorrência e discordâncias entre os grupos políticos progressistas
que, muitas vezes, se colocavam em conflito direto. Entretanto, em nosso entendimento, as
divisões no interior das esquerdas não invalidam nossa tese de que os movimentos de
educação e cultura popular foram resultado da ação conjunta de cristãos, comunistas e
trabalhistas. Um esforço que reuniu políticos como João Goulart, Miguel Arraes, Djalma
Maranhão e Paulo de Tarso Santos; intelectuais e educadores como Darci Ribeiro, Paulo
Freire, Moacyr de Góes e Germano Coelho; militantes dos movimentos como Osmar Fávero,
Aída Bezerra, Herbert de Souza, Luiz Eduardo Wanderley e tantos outros, que lutaram lado a
lado na tentativa de se combater o analfabetismo de cerca de 50% da população brasileira.
Com isso, esperava-se também, contribuir com o processo de desenvolvimento do país, bem
como, com a realização das reformas estruturais que transformariam a realidade brasileira,
marcada por forte exclusão.
Nesse sentido, esta pesquisa, sobre as relações entre os movimentos de educação e
cultura popular e os chamados políticos trabalhistas, comunistas e cristãos progressista.
Pretende demonstrar em primeiro lugar que ocorreu, naquele período, a constituição de uma
“área de valores partilhados” entre três culturas políticas diferentes, o cristianismo
progressista, o trabalhismo e o comunismo. Este encontro teve como um de seus resultados
teóricos e práticos o apoio e a participação dessas culturas políticas nos movimentos de
educação e cultura popular. Em segundo lugar que os valores partilhados foram o resultado de
mudanças de rumo no trabalhismo, no comunismo e no cristianismo progressista. Alterações
de linha política que permitiram uma aproximação inicialmente tática, mas que aos poucos foi
se tornando estratégica entre as três culturas políticas, atingindo seu ápice entre janeiro e
março de 1964. Em terceiro lugar, que entre os valores compartilhados pelas três culturas
políticas e que refletiam diretamente sobre os movimentos estavam: a formulação de um
22
conceito de cultura popular, a defesa das reformas de base, da politização da cultura e da
educação, do combate ao analfabetismo como fator de desenvolvimento e democratização da
sociedade brasileira. Pretendemos demonstrar, sobretudo, que as relações entre os
movimentos de educação e cultura popular e os políticos não eram pautadas pela
manipulação, mas sim por uma aliança política que buscava transformar a realidade brasileira
por meio das reformas.
Para isso organizamos a apresentação do texto privilegiando uma forma narrativa,
que desse conta de reconstituir os principais momentos da formação, da trajetória e o do fim
dos movimentos. Todos os capítulos são iniciados com uma pequena análise da conjuntura
política, a idéia é propiciar ao leitor uma visão geral sobre o contexto no qual estavam
inseridos os movimentos. Depois os tópicos se dividem entre uma análise do
desenvolvimento de cada um dos movimentos abordados pelo trabalho, bem como de outros
assuntos referentes ao tema, principalmente, o método Paulo Freire e as iniciativas
educacionais do governo federal. Os capítulos foram divididos obedecendo a um critério
cronológico baseado nas alterações da conjuntura política daquele momento.
Antes, porém, de apresentarmos os capítulos, vale ressaltar o trabalho com as fontes.
Para realizar esta pesquisa foi necessário consultar uma série de arquivos e bibliotecas em
vários estados. Em Niterói, na Faculdade de Educação da UFF, trabalhamos no Núcleo de
Estudos e Documentação de Educação de Jovens e Adultos (NEDEJA) da UFF. No Rio de
Janeiro, consultamos o Arquivo Nacional, a Casa Rui Barbosa e o CPDOC/FGV. Em Recife
trabalhamos no Centro de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), no
Arquivo Público do Estado de Pernambuco, no Instituto Paulo Freire (IPF) da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), onde também consultamos várias Bibliotecas. Em Natal
trabalhamos nos acervos do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Norte, do Centro de
Defesa dos Direitos Humanos, no Arquivo do Jornal Diário de Natal, na Base de Pesquisa
Cultura, Política e Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde também
consultamos diversas bibliotecas. Em João Pessoa trabalhamos exclusivamente na Biblioteca
da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Em Campinas,
trabalhamos no Arquivo Edgar Leuenroth da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Além disso, ainda conseguimos, via Internet, documentos da Secretaria Geral da Organização
dos Estados Americanos (OEA) em Washington, nos Estados Unidos; no Center for Research
Libraries, também nos EUA; da Biblioteca do Tribunal Superior Eleitoral, e no acervo digital
sobre a ditadura do governo do estado do Rio Grande do Sul.
23
O NEDEJA possui um dos acervos mais completos sobre o tema, sobretudo, no que
diz respeito à documentação dos próprios movimentos. No Arquivo Nacional encontramos
um documento até então inédito da Campanha Pé no Chão. No CPDOC levantamos
documentos sobre o MCP e sobre o Plano de Emergência do Governo Federal de 1961. Na
FUNDAJ conseguimos um importante levantamento na imprensa pernambucana de notícias
referentes ao tema da educação popular, principalmente, o MCP. Nas bibliotecas da UFPE,
UFRN e UFPB foi possível levantar um grande número de trabalhos acadêmicos sobre o
tema. No caso de Natal realizamos também um importante levantamento na imprensa
potiguar, e fotográfico, no caso Base de Pesquisa Cultura, Política e Educação da UFRN. Na
Unicamp trabalhamos no Fundo do Projeto Brasil Nunca Mais, onde conseguimos cópias de
vários IPMs que envolveram de alguma forma os movimentos. Pela Internet, conseguimos na
OEA uma cópia do discurso de Paulo de Tarso Santos no Encontro de Ministros da Educação
em Bogotá (1963). Por meio do Latin American Microform Project (LAMP) do Center for
Research Libraries (CRL) levantamos as Mensagens Presidenciais entre 1958 e 1964. Na
biblioteca do TSE conseguimos os dados eleitorais do período. Por fim, na página do governo
do Rio Grande do Sul levantamos diversos documentos do período inicial da ditadura militar,
como os Atos Institucionais.
O primeiro capítulo analisa o período que vai de 1958 até 1961, começa por abordar
os antecedentes deste processo, analisando o percurso da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação no Congresso e o debate ocorrido na sociedade em torno de sua aprovação, e a
questão do analfabetismo no Brasil, demonstrando os esforços realizados a partir dos anos 40
no seu combate. Feito isso tem início uma análise dos movimentos, seguindo uma ordem
cronológica de seus respectivos surgimentos. Nesse sentido, acompanha-se a trajetória inicial
do Movimento de Cultura Popular, o MCP de Recife/PE; depois a Campanha de Pé no Chão
também se Aprende a Ler, da prefeitura de Natal/RN; e o Movimento de Educação de Base, o
MEB, fruto de um convênio entre Igreja Católica e Governo Federal.
No segundo capítulo abordamos a fase parlamentarista do governo Goulart, a análise
recai sobre o crescimento e a consolidação do trabalho dos movimentos, a partir de uma
análise do surgimento da Ação Popular e de sua influência no movimento estudantil e nos
movimentos de alfabetização e cultura popular. Depois disso movimento por movimento
analisamos com foi o processo de expansão de suas atividades. O MCP vivenciou a partir de
1962 um forte conflito com setores que passaram a fazer oposição ao governo Arraes por
conta das eleições estaduais; a Campanha Pé no Chão conheceu uma fase de aprofundamento
teórico em paralelo com uma política de crescimento. O MEB ao mesmo tempo em que
24
conheceu uma significativa expansão de sua estrutura, possibilitou aos seus integrantes um
confronto direto com a realidade brasileira, o que resultou no final de 1962 na virada política
e ideológica do Movimento.
O terceiro capítulo aborda o período compreendido entre o resultado do plebiscito
sobre forma de governo em janeiro de 1963 e o golpe civil/militar de março/abril de 1964. O
período presidencialista do governo João Goulart, responsável do ponto de vista dos
movimentos pelo momento de maior apoio do governo federal às ações de educação e cultura
popular. Nele ocorreram a experiência de Angicos, entre janeiro e abril de 1963, as discussões
teóricas sobre o método foram publicadas em junho pela Universidade do Recife. Passamos
para a posse de Paulo de Tarso Santos no Ministério da Educação em junho, destacando seu
apoio aos movimentos de alfabetização e cultura popular, sua participação no III Encontro de
Ministros da Educação da OEA e o convite à Paulo Freire para estender seu método de
alfabetização de adultos a todo o país. Passando enfim a uma análise dos momentos finais do
movimento, momentos marcados por uma intensa militância e um importante trabalho de
politização de setores das classes populares.
O quarto e último capítulo, compreende os acontecimentos relacionados aos
movimentos no período posterior ao golpe militar de 1964, buscamos avaliar o significado
para os militares daquelas experiências educacionais e o impacto da repressão naqueles
movimentos. O discurso e a justificativa dos militares para ação repressiva empreendida logo
depois do golpe. Dessa forma, analisamos as intervenções e as paralisações de suas
atividades, a apreensão e a destruição de seus documentos e livros. As perseguições, prisões,
ameaças, interrogatórios e processos contra seus dirigentes e participantes. As acusações
formalizadas pelos investigadores militares, responsáveis pelos inúmeros IPMs abertos para
combater a subversão na educação. Procuramos entender como foi feita uma rápida operação
de cerco, repressão e destruição dos movimentos de educação e cultura popular logo nos
primeiros dias depois de vitorioso o movimento golpista.
25
Capítulo Primeiro – Tempo de Nascer (1958 – 1961)
O período de quatro anos que vai de meados do governo Juscelino Kubitschek em
1958, passando pela curta presença de Jânio Quadros no poder, até a crise da legalidade e a
posse de Goulart na presidência em setembro de 1961, o Brasil vivenciou uma importante e
conturbada experiência de construção democrática. O governo JK deixou duas grandes
marcas, o crescimento econômico e a estabilidade política. A partir de um plano de metas que
propunha uma rápida expansão da infra-estrutura do país, o governo visava possibilitar uma
política de industrialização acelerada, parte de uma estratégia de romper com a dependência
do Brasil da agricultura, e também das economias estrangeiras. Como meta síntese a
construção da nova capital, Brasília, que representaria a inauguração de um novo período para
a história do Brasil, a superação do velho e do arcaico e a concretização do novo e do
moderno.
O governo JK, de acordo com vários autores, trabalhou muito bem a “esperança”
como fator de desenvolvimento,25 com a idéia de que seu governo faria em cinco anos o
equivalente a cinqüenta. Buscou implementar no país uma política econômica
desenvolvimentista que além de crescimento econômico trouxesse também, crescimento no
campo político, isso “acabou por associar Brasil “moderno” a Brasil “democrático”. Mais
ainda, a idéia de que tudo isso não se faz sem cultura ou, dito de maneira conforme aos anos
50, sem que as forças do “atraso” sejam suplantadas, qualificou o tipo de esperança que se
mobilizou na época como recurso político”.26
Juscelino se preocupou em construir sua imagem relacionada ao moderno, ao
avançado, ao democrático e ao novo. Para isso, além do discurso, procurou em suas ações
levar a sociedade brasileira a encampar suas idéias. Também foram fundamentais os apoios
conquistados na imprensa, a maioria no legislativo federal assegurada com a aliança PSD-
PTB, e a sustentação militar com Lott no Ministério da Guerra.
Na fase final de seu mandato, JK começou a costurar sua sucessão com o objetivo de
retornar à presidência em 1965. Para isso deu início a uma estratégia de reaproximação com
os políticos mais tradicionais do PSD, de olho na máquina eleitoral do partido, deixando de
lado a “Ala moça”, até então seus fiéis escudeiros no Congresso. Isso ficou claro em 1958,
25 Maria Victoria BENEVIDES. “O Governo Kubitschek: A esperança como fator de desenvolvimento”. In GOMES, Ângela de Castro (org.). O Brasil de JK. Rio de Janeiro: EdFGV, 2002. 26 Ângela de Castro GOMES. “Qual a cor dos anos dourados?” In, GOMES, Ângela de C. Op. Cit. p. 12
26
quando a “Ala moça” já havia perdido os principais cargos que ocupava no Congresso, não
conseguira indicar nomes para as disputas nos principais estados e com a saída de José Maria
Alkmin do Ministério da Fazenda, deixava de participar dos círculos mais íntimos de poder
junto a JK.
De outro lado, a candidatura de Lott à presidência teve por base um programa
nacionalista, que aproximava setores legalistas e que haviam defendido uma saída
constitucional em 1955. Como as eleições para presidente e vice eram separadas, Jânio
Quadros e João Goulart foram eleitos, o primeiro apoiado pela UDN e o segundo do PTB.
Essa situação contraditória ocorria pela primeira vez, já que nas eleições anteriores, ambos os
vencedores eram da mesma chapa. Esse fato “poucos meses depois, teria fortes repercussões
na vida nacional”.27
Em seu curto, mas tumultuado governo, Jânio Quadros se mostrou ambíguo e instável.
Do ponto de vista interno, procurou realizar uma política econômica conservadora e de
estabilização monetária. Talvez para compensar isso, procurou no plano externo aplicar uma
política independente, com aproximação com Cuba, proposta de reatamento das relações
diplomática com a URSS, enviando missões diplomáticas a vários países do Leste. No
primeiro caso, como medidas impopulares e recessivas, começou a perder apoio. No segundo
despertava a desconfiança dos setores conservadores que o haviam apoiado nas eleições.
Outra característica importante, e que joga luzes a obscura decisão da renúncia, foi a sua
relação com o Congresso. Reclamou diversas vezes da morosidade do parlamento, tentando
trazer para si as principais decisões: “Do ponto de vista administrativo, Jânio procurou
centralizar poder, diminuindo o peso do Congresso Nacional”,28 o presidente não suportava “o
jogo político da democracia, que submete qualquer determinação a um longo processo de
debate e negociação no Legislativo, que muitas vezes torna a distância entre intenção e
realidade realmente enorme”.
No dia 25 de Agosto de 1961, após apenas sete meses de mandato, Jânio Quadros
renunciou na esperança de que, como acontecera com Perón e Castro, o povo saísse às ruas
para exigir seu retorno. Com João Goulart em missão oficial à China e, contando com o veto
militar ao vice-presidente, Quadros contava com um retorno certo. No entanto, o Congresso
27 Lucilia de Almeida Neves DELGADO. “Partidos Políticos e frentes parlamentares: projetos, desafios e conflitos na democracia”. In. FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org). Op. Cit. p.145 28 Paulo MARKUN e Duda HAMILTON, 1961: Que as armas não falem. São Paulo: SENAC, 2001, pp. 42-44.
27
rapidamente deu posse a Ranieri Mazzilli na presidência, já que na ausência do vice-
presidente, o presidente do Congresso era o próximo na lista sucessória constitucional.
Se Jânio Quadros errou no que diz respeito ao seu retorno, acertou no veto dos
militares ao nome de João Goulart. Rapidamente os três ministros militares se declararam
contrários à posse do Jango. Oficialmente Mazzilli ocupava a presidência, mas o poder de fato
estava nas mãos dos ministros militares, Odílio Denys da Guerra, Sílvio Heck da Marinha e
Gabriel Grün Moss da Aeronáutica.29
A crise imediatamente se aplacou sobre o país e beirou a guerra civil. De um lado os
que defendiam uma saída legalista, com respeito à constituição, e aqueles que queriam
impedir de todas as formas a posse de João Goulart. A grande resistência ao golpe partiu do
Rio Grande do Sul, liderado pelo então governador Leonel Brizola; o Movimento em Defesa
da Legalidade alcançou rapidamente todo o país. Por meio de uma rede de rádios, chamada a
Rede da Legalidade, Brizola conclamava os brasileiros a resistirem ao golpe. A mobilização
envolveu a sociedade civil e setores nacionalistas e legalistas das Forças Armadas.
O Movimento pela Legalidade recebeu o apoio decisivo do General Machado Lopes,
comandante do III Exército. Tendo recebido ordens de atacar Brizola e bombardear o Palácio
Piratini, preferiu não acatar as ordens de Odílio Denys e se manter na legalidade. Esse apoio
foi fundamental; além de contar com ampla mobilização da sociedade civil, o movimento
passava a contar também com o poderoso dispositivo militar do III Exército.
A partir daí os lances decisivos para a saída da crise passaram para o Congresso, a tese
do parlamentarismo apareceu como a fórmula de se evitar o confronto e a guerra civil
eminente. Em apenas uma noite o legislativo federal discutiu e aprovou a Emenda
parlamentarista. Para Argelina Figueiredo: “A solução parlamentarista foi o resultado do
sucesso de uma ampla coalizão formada em torno de dois objetivos básicos: primeiro, impedir
o golpe tentado pelos ministros militares de Quadros, e, segundo, garantir o arcabouço
institucional vigente”.30 O desfecho deixou claro que se por um lado o golpe foi evitado, por
outro os setores nacionalistas e de esquerda tiveram que ceder. João Goulart tomou posse,
mas com poderes reduzidos pelo regime parlamentarista.
A Campanha da Legalidade demonstrou uma enorme capacidade de mobilização da
sociedade civil brasileira. As manifestações de apoio à posse de Goulart atingiram
29 Idem, p. 147 30 Argelina Cheibub FIGUEIREDO, Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política: 1961 – 1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993. p. 51
28
praticamente todo o país. A defesa da legalidade significava a defesa da democracia, a
continuidade das disputas dentro da ordem, mesmo que para isso se fizesse uso das armas,
como coloca Jorge Ferreira: “Qualquer tentativa de golpe, em 1961, não encontraria o menor
respaldo político e, sobretudo, social. Se levado adiante, com um custo altíssimo, os embates
deixariam a dimensão política para atuar no campo das armas”.31
Com o retorno de Goulart ao país, depois de demorada viagem, a solução
parlamentarista já estava consolidada, inclusive com sua concordância, depois de longa
conversa com o emissário do Congresso, Tancredo Neves. Esse acordo demonstra a opção
política de João Goulart, abrindo mão, por um lado, do presidencialismo e do congraçamento
popular, mas, por outro, evitando uma guerra civil e, ao mesmo tempo, garantindo sua posse
como presidente da República. Após a aprovação da Emenda Parlamentarista, João Goulart
tomou posse como presidente e Tancredo Neves como primeiro-ministro no dia 7 de setembro
de 1961.
Foi nesse contexto político que se desenvolveram os debates em torno da LDB, as
campanhas de combate ao analfabetismo, e surgiram os primeiros movimentos de educação e
cultura popular, como veremos a seguir.
1 – A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
O fim da ditadura do Estado Novo em 1945 marcou o início do processo de
democratização do país que somente seria interrompido pelo golpe civil/militar de 1964. A
transição da ditadura estadonovista para uma nova ordem democrática foi carregada de
contradições. Se por um lado representou uma “ruptura que apontou alternativas de
transformação do antigo regime político”,32 por outro, pode ser vista “como um marco de
permanência na mudança, principalmente em relação ao mercado econômico e às condições
de regulação da força de trabalho”.
A Constituição promulgada em 1946, como expressão desse processo complexo e
contraditório, ao mesmo tempo em que garantia franquias de orientação claramente liberal- 31 Jorge FERREIRA. “As crises da República: 1954. 1955 e 1961”. In FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org). O Brasil Republicano: O tempo da experiência democrática, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p.336. 32 Lucilia de Almeida Neves DELGADO, “Partidos Políticos e frentes parlamentares: projetos, desafios e conflitos na democracia”. In. FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de A. Neves (org). Op. Cit. p. 131
29
democrática, deixou intactas as estruturas estatais do poder executivo, privilegiado durante o
regime estadonovista. “Como em 1934, ela englobava tanto as esperanças dos
constitucionalistas liberais quanto as dos que eram favoráveis a um governo federal forte”.33
No que diz respeito à estrutura política reorganizou o sistema partidário de forma nacional e
centralizada, impedindo a volta da “Política dos Governadores”, na qual predominavam os
partidos regionalizados. Criou instrumentos para garantir eleições regulares e livres, se bem
que excluindo mais da metade dos eleitores ao impedir o voto dos analfabetos, conforme seu
artigo 132, parágrafo I “Não podem alistar-se eleitores: I – os analfabetos”.
De qualquer forma a Constituição de 1946 abriu caminho para importantes debates e
transformações no interior da sociedade brasileira. No que diz respeito à educação, o Capítulo
II do Título VI “Da Educação e Cultura” declarava no art. 168 que a “educação é direito de
todos”, que “o ensino primário é obrigatório” e que “o ensino primário oficial é gratuito para
todos”. Para garantir a existência e o funcionamento do sistema de ensino, o art.169 fixava
que a União deveria aplicar anualmente “nunca menos de dez por cento, e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos
impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino”.34 Para Anísio Teixeira “A educação
primária, em face do dispositivo constitucional, passa a constituir DEVER do Estado”.35 O
artigo 169, significou importante avanço, ao fixar gastos mínimos com a educação, no sentido
de garantir a obrigatoriedade do ensino primário.
De acordo com o Art.5 da Constituição de 1946 compete à união legislar sobre as
“diretrizes e bases da educação nacional”.36 Em 1948 o Ministro da Educação, o udenista
Clemente Mariani, em obediência a esse dispositivo constitucional enviou ao Congresso a
proposta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, logo conhecida como LDB. O
projeto fora elaborado por uma comissão de educadores presidida por Lourenço Filho.
Seguindo as orientações gerais constantes na Constituição de 1946 o projeto privilegiava a
escola pública e a regulamentação do sistema de ensino brasileiro, abordando a
obrigatoriedade do ensino primário, a destinação de verbas e a descentralização do sistema.
Este último aspecto foi o mais polêmico, nesta primeira fase de debates em torno da LDB.
Apresentado à Câmara Federal em 1948, seguiu para apreciação da Comissão de
Educação da Câmara, em 8 de dezembro do mesmo ano seguiu para o Senado. Na Comissão
33 Thomas SKDMORE, De Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.91 34 Carlos Eduardo BARRETO, Constituições do Brasil,Vol.1, São Paulo, Saraiva, 1971. Idem, pp.30-40 35 Anísio TEIXEIRA, A Educação é um direito. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2004, p.65 36 Art.5, item XV, letra d, Constituição de 1946, In BARRETO, Op. Cit. pp.30-40
30
Mista de Leis Complementares o relator do projeto foi o então Deputado do PSD por Minas
Gerais, o ex-Ministro da Educação de Vargas, Gustavo Capanema. Contrário a qualquer tipo
de descentralização do sistema de ensino, Capanema deu parecer negativo arquivando o
projeto, argumentou ainda que não era “fruto de intenções pedagógicas e, sim, de intenções
políticas anti-getulistas”37. Fortaleceu esse posicionamento a data escolhida para apresentação
do projeto, 29 de outubro de 1948, aniversário de deposição de Vargas. Para o líder da
Maioria no Congresso, essa era uma provocação inaceitável, tendo sido “apresentado como
uma revolução que se fazia contra o Presidente deposto, precisamente no terreno da educação
que era aquele terreno em que, segundo os reformadores, a ditadura se tinha expressado de
maneira mais viva, mais eloqüente e mais durável”38.
Este Projeto permaneceu engavetado até 1951, quando se descobriu que os originais
se haviam extraviado, dando início a um período de reconstrução do projeto a partir do
trabalho das diversas comissões por onde havia passado anteriormente. Até 1955 o projeto
seguiu vagarosamente os tramites das comissões do Congresso. O principal tema debatido
nesse período era a organização geral do sistema de ensino, se deveria haver uma organização
centralizada no âmbito do governo federal ou, ao contrário, uma organização que privilegiasse
os sistemas estaduais, descentralizando o sistema educacional. O projeto de Mariani “por
suscitar questões que os políticos da época não souberam resolver (...) acabou morrendo, para
ser, depois substituído, na ordem do dia das discussões, por outro substitutivo proposto pelo
deputado Carlos Lacerda”39, substitutivo que criou uma atmosfera de debate e “polêmica,
deslocando completamente o pólo das discussões para outro ponto, a saber, o da “liberdade de
ensino”.
Com a apresentação do chamado substitutivo Lacerda em 1958 teve início a segunda
fase de debates sobre a LDB, que durou até sua votação e promulgação em 1961. O eixo
central do debate deixou de ser a questão da centralização ou não do sistema de ensino e
passou a ser a da “liberdade de ensino”. A proposta de Lacerda se baseava nas “conclusões a
que chegou um Congresso de Escolas Particulares, realizado em Janeiro de 1948, e procurava,
na medida do possível, proteger o setor privado”.40 Combatia o monopólio da educação pelo
Estado ao mesmo tempo em que buscava estabelecer as mesmas condições para a escola
pública e a privada. 37 Ester BUFFA, Paolo NOSELLA, A educação negada, São Paulo: Cortez, 1991, p.115 38 DCN, 12-2-157: 128. Citado por SAVIANI, Demerval. Política e Educação no Brasil, Campinas: Autores Associados, 1999.p.33 39 Otaíza ROMANELLI, História da educação no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1978. p.174 40 DULLES, John W. F. Carlos Lacerda: A Vida de um lutador, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, p.309
31
De acordo com as propostas de Lacerda “a educação da prole é direito inalienável e
imprescritível da família” e para que esta, “por si ou por seus mandatários, possa desobrigar-
se do encargo de educar a prole, compete ao Estado oferecer-lhe os suprimentos de recursos
técnicos e financeiros indispensáveis, seja estimulando a iniciativa particular, seja
proporcionando ensino oficial gratuito ou de contribuição reduzida”.41 O objetivo principal do
projeto era garantir a total liberdade de ensino para as escolas particulares, ou seja, a ausência
de controle e fiscalização por parte do Estado, sobre o ensino particular. Ao mesmo tempo
garantir o repasse de verbas públicas para os estabelecimentos privados de ensino, como
previa o art.7 do projeto: “distribuição de verbas consignadas para a educação entre as escolas
oficiais e as particulares proporcionalmente ao número de alunos atendidos”.42
A discussão que estava dentro do Congresso rapidamente ganhou as ruas, surgiram
cartas, manifestos, palestras e debates. Intelectuais, educadores e estudantes se levantaram
contra o projeto de Lacerda. “Em junho de 1958, três cardeais e 83 bispos fizeram a
Declaração de Goiânia defendendo o ensino religioso e privado.”43 Líderes católicos como
Gustavo Corção e Alceu Amoroso Lima exigiam a “liberdade de ensino” e combatiam a
ameaça de “monopólio estatal” da educação.
Em contrapartida teve início a Campanha em Defesa da Escola Pública que reuniu
educadores remanescentes dos “pioneiros” da educação nova, educadores da nova geração,
estudantes, sindicalistas e políticos identificados com a defesa da escola pública. O jornal O
Estado de S. Paulo, a USP e diversas organizações estudantis e sindicais participaram da
campanha. Roque Spencer, em depoimento a Paolo Nosella e Ester Buffa, declarou que
apesar de ser contra qualquer tipo de monopólio por parte do Estado, não via razão “para o
Estado subsidiar a escola privada”, para ele isso significava “subsidiar a Igreja, uma vez que
os outros eram irrelevantes no conjunto; e subsidiar a Igreja para ela fazer uma coisa fechada,
dogmática, antipluralista”, era contrário ao “meu liberalismo meio radical, uma birra especial
contra o clericalismo.”44
Em janeiro de 1959 foi lançado o Manifesto dos Educadores: mais uma vez
convocados com o objetivo de defender a escola pública. O Manifesto foi escrito por
Fernando de Azevedo e assinado por quase duzentas pessoas, entre elas Anísio Teixeira, Júlio
de Mesquita Filho, Perseu Abramo, Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de Holanda, Cecília
41 Substitutivo Lacerda, Citado por ROMANELLI, Op. Cit. p. 174 42 Idem, p.174 43 DULLES, Op. Cit. p.308 44 BUFA e NOSELLA, Op. Cit. p.133
32
Meirelles, Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto. Em linhas gerais o manifesto
defendia a educação pública em todos os níveis, fazia uma contundente crítica ao sistema de
ensino, cuja organização seria “má, arcaica e, além de antiquada, deficiente a tantos
respeitos”.45 Recuperava a trajetória da LDB no Congresso desde sua apresentação em 1948,
defendendo o projeto original após realizada uma necessária revisão. Atacava de forma
veemente a proposta de “liberdade de ensino” de Lacerda, comparando-a com leis correlatas
em outros países, como na Itália e na França, destacando o retrocesso que representaram em
relação os avanços educacionais conquistados pela escola pública durante o século XIX
naqueles países. Afirmava que por trás da defesa do ensino privado e do ataque à escola
pública, estaria na verdade se empreendendo “uma larga ofensiva para obter maiores recursos
do Estado”. Defendia a “liberdade disciplinada”, que seria o meio termo entre o monopólio do
Estado e a liberdade total de educação.
O Manifesto se colocava claramente como defensor de uma escola pública nos
moldes liberais democráticos. Nesse sentido, “a educação pública é a única que se compadece
com o espírito e as instituições democráticas, cujos progressos acompanha e reflete, e que ela
concorre, por sua vez, para fortalecer e alargar com seu próprio desenvolvimento”,46 a escola
pública, por ser gratuita é a única aberta a todos, constituindo-se forte instrumento de
democratização da sociedade, de construção da consciência nacional e de desenvolvimento
econômico e social. O Manifesto termina por se opor “a todas as medidas radicais que, sob as
aparências enganadoras de liberdade, tendem forçosamente a conduzir-nos aos caminhos
perigosos da anarquia senão das pressões ideológicas, abertas ou dissimuladas”.
Em 1961, depois de 13 anos no congresso a LDB foi finalmente aprovada. Seu texto
refletiu a intensa luta que se travou entre escola pública e privada. O resultado da votação e
suas interpretações não são consensuais. Para Romanelli os resultados relacionados “com o
produto final obtido com a promulgação da lei (...) foram negativos para a evolução do
sistema educacional brasileiro”.47 No mesmo sentido, Buffa e Nosella avaliam que a LDB
representou “uma vitória das forças conservadoras, pois, ao possibilitar que recursos públicos
fossem destinados às escolas particulares, abriu caminho para a privatização do ensino”48.
Para Roque Spencer, em depoimento já citado, a LDB foi produto de um conflito,
nesse sentido “chegou-se a um resultado que não satisfez à Igreja e nem aos defensores da
45 Idem, p.133 46 Manifesto dos Educadores: mais uma vez convocados, 1959. pp.2-13 47 ROMANELLI, Op. Cit. p.171 48 BUFFA NOSELLA, Op. Cit. p.116
33
escola pública, o que, provavelmente, significa um bom resultado”. Demerval Saviani afirma
que a LDB elaborada pelo Congresso Nacional entre 1948 e 1961, teve como resultado um
texto híbrido que continha os interesses de ambos os grupos sem, no entanto, representar
plenamente as idéias de nenhum dos lados, para ele, a LDB “representou uma solução de
compromisso entre as principais correntes em disputa”.49
É necessário destacar uma outra tendência que já começava a esboçar suas propostas a
partir de 1959. O então parlamentar, Santiago Dantas, “considerava insuficientes todas as
propostas até então formuladas porque não davam atenção à vinculação da educação ao
desenvolvimento brasileiro”.50 Era a defesa da relação entre educação e nacional
desenvolvimentismo, onde a primeira seria organizada de acordo com as necessidades da
segunda.
2 – O Analfabetismo no Brasil: Um retrospecto histórico
Se existe um traço comum a toda a história educacional de nosso país é a presença
constante do analfabetismo. Uma das principais conseqüências de nossa brutal desigualdade
social foi e ainda continua sendo causa da perpetuação dessa mesma situação de desigualdade.
As classes populares foram ao longo de nossa história excluídas das esferas de poder político,
social e econômico. Sem participação direta e decisiva nos processos decisórios, seus
interesses e suas demandas ocuparam sempre um lugar secundário, isto é, quando ocuparam
algum lugar. São poucos os estudos que se debruçam sobre o tema, destacamos a obra
Analfabetismo no Brasil de Ana Maria Araújo Freire, um estudo que busca compreender o
analfabetismo numa perspectiva histórica, desde o processo de colonização inaugurado por
Portugal no século XVI até o século XX, já no período republicano. De acordo com a autora
há uma relação intrínseca entre a questão educacional e a social, econômica e ideológica, as
riquezas sendo historicamente apropriadas “por poucos, foram gerando uma sociedade não
igualitária na qual os dominados quase sempre recebem tão somente aquilo que lhes referenda
a condição de excluídos, de marginalizados e de analfabetos”51.
49 Demerval SAVIANI, Política e Educação no Brasil, Campinas: Autores Associados, 1999, p. 45. 50 Idem, p. 40. 51 Ana Maria Araújo FREIRE, O Analfabetismo no Brasil: da ideologia da interdição do corpo à ideologia nacionalista, ou de como deixar sem ler e escrever as Catarinas (Paraguaçu), Filipas, Madalenas, Anas, Genebras, Apolônias e Graças até os Severinos. São Paulo: Cortez; Brasília: INEP, 1993.p.18
34
A evolução do analfabetismo nos últimos cem anos de nossa história revela uma
diminuição lenta e progressiva. Viramos o século XIX para o XX com um índice de 65% de
analfabetos entre a população com mais de 15 anos de idade. Isso significava quase 6 milhões
e meio de pessoas. De acordo com o Censo de 2000, o número de analfabetos no Brasil estaria
na casa dos 16 milhões, o que representa 13,6 % da população total do país. Ao longo desse
período o crescimento da taxa de alfabetização foi em média de 6,4%, seu melhor índice
ocorreu nos anos 1950 quando bateu na casa dos 10%. Foi justamente esse o momento em que
pela primeira vez na história do país, o número de alfabetizados passou a ser maior do que o
de analfabetos. Em 1950 o censo registrou uma taxa de analfabetismo pouco maior que 50%,
dez anos depois esse número diminuíra para pouco menos de 40%. Esses números foram
resultado de pelo menos duas ações de iniciativa estatal. Por um lado, o aumento dos
investimentos na educação básica, o que diminuiu o crescimento “natural” ou vegetativo do
analfabetismo, resultado da não oferta de vagas para todas as crianças em idade escolar. Por
outro, a primeira grande campanha oficial de alfabetização de adultos, responsável pela
diminuição do número de analfabetos entre as pessoas com mais de 15 anos.
Tabela 1
Analfabetismo na faixa de População de 15 anos ou mais - Brasil 1900/2000
Ano
Total (1) Analfabeta (1) Taxa de
Analfabetismo
Taxa de Queda do
Analfabetismo
1900 9.728 6.348 65,3
1920 17.564 11.409 65,0 0,3
1940 23.648 13.269 56,1 8,9
1950 30.188 15.272 50,6 5,5
1960 40.233 15.964 39,7 10,9
1970 53.633 18.100 33,7 6,0
1980 74.600 19.356 25,9 7,8
1991 94.891 18.682 19,7 6,2
2000 119533 16.295 13,6 6,1 Fonte: IBGE, Censo Demográfico. Nota: (1) Em milhares
Quanto ao aumento dos investimentos em educação os números de que dispomos
demonstram que entre 1945 e 1955 o número de professores do ensino fundamental passou de
83 mil para 141 mil. Já a matrícula geral foi de pouco mais de 3 milhões em 1945 para 4
35
milhões e meio em 1955. O percentual de despesas com educação do Governo Federal no
mesmo ano apontava para um percentual de 5,7%. Em 1965 esse percentual crescera para
9,6%, o mais próximo dos 10% exigidos pela Constituição. Esse crescimento nos gastos com
a educação possibilitou que as matriculas alcançassem quase 10 milhões de alunos em 1965,
enquanto o número de professores chegou a 350 mil. No que diz respeito ao número absoluto
de analfabetos, esse período conheceu a taxa de menor crescimento, de pouco mais de 15
milhões e 200 mil em 1950 para 15 milhões e 900 mil em 1960, um crescimento de 4,5%. Na
década 1940 esse aumento chegou a 15%, enquanto que na década de 1970 atingiu 13%.52
A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) foi lançada em 1947,
durante o governo Dutra, com recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário, criado por
Vargas em agosto de 1945. A CEAA foi organizada e coordenada pelo professor Lourenço
Filho de seu início até 1950; em sua gestão foram obtidas importantes conquistas. Com a
garantia de suporte financeiro o Ministério da Educação e Saúde criou o Serviço Nacional de
Educação de Adultos (SEA), no interior do Departamento Nacional de Educação, para
planejar e coordenar a execução dos trabalhos. O SEA trabalhou na elaboração e execução de
planos anuais para o ensino supletivo, comunicação junto a opinião pública; projeto de
integração entre o Governo Federal e os Governos Estaduais na área da educação de adultos,
lançamento de cartilhas para alfabetização de adultos. Entre 1950 e 1954 a campanha se
manteve do impulso inicial, obtendo resultados positivos no combate ao analfabetismo, mas
também foi nesse período “o início de um processo de progressiva absorção da Campanha
pela rotina administrativa”.53 De 1954 em diante a Campanha se manteve como que por
inércia, suas estruturas física e burocrática garantiram a continuidade dos trabalhos, mas sem
o seu caráter de mobilização nacional e sim “como uma prática regular das administrações da
União e das unidades federativas.”
Com o objetivo de investir contra o analfabetismo de forma decisiva, a Campanha se
propôs na sua fase inicial a realizar a “criação do maior número de classes possível dentro das
disponibilidades orçamentárias existentes”, e num prazo de tempo um pouco maior, garantir a
“implantação da nova rede de escolas, de modo a tornar o ensino supletivo igualmente
acessível a toda a população”.54 Na prática essas metas atingiram números expressivos, em
1947, no primeiro ano da Campanha foram instalados mais de 10.000 classes de ensino
supletivo, já em 1950 foram 16.500. Os números dos alunos matriculados no ensino supletivo 52 Maria Luisa Santos RIBEIRO, História da Educação Brasileira,São Paulo: Cortez, 1987. p. 68 53 Celso de Rui BEISIEGEL, Estado e Educação Popular: São Paulo: Pioneira, 1974. p.89 54 Idem, p.93
36
no país dá uma noção do impacto causado pela Campanha. Em 1946, ainda antes do início da
Campanha, o número de matriculados foi de 164 mil, em 1947 esses números saltaram para
mais de 600 mil, no ano de 1950 as matrículas chegaram a 830 mil.
Outro resultado importante obtido pela Campanha, foi ter se tornado efetivamente
nacional, e não ficar concentrada nos grandes centros urbanos. Os critérios para a escolha dos
municípios a serem atendidos pela Campanha foram fundamentais para isso. A distribuição
dos recursos foi feita a partir das “necessidades educacionais” de cada região. “A unidade de
referência para a distribuição dos recursos foi deslocada dos Estados e Territórios para os seus
respectivos municípios impossibilitando, dessa maneira, a concentração das escolas nas áreas
mais densamente urbanizadas”.55 Uma das conseqüências diretas desse processo foi que já em
1947 60% das turmas se localizava na zona rural e 42% dos alunos trabalhavam com
agricultura e pecuária. Mais tarde essa realidade rural obrigou os organizadores da Campanha
a ter um trabalho específico de educação de base no campo, pensando de forma mais global a
formação do educando, buscando ir além da alfabetização. Um de seus limites foi justamente
não ter conseguido dar esse salto qualitativo, restringindo seu sucesso ao aspecto quantitativo,
o que não deixou de ser significativo, já que foi a primeira grande campanha de massa para a
educação de adolescentes e adultos do país.
Para Vanilda Paiva, a Campanha de alfabetização teve um objetivo claro e bastante
concreto, o de ampliar as bases eleitorais do país. Com a proibição do voto ao analfabeto,
estava excluída do sistema político a maioria da população brasileira. Nesse sentido, a
Campanha buscava dar “oportunidade a uma maior número de pessoas de participar da vida
política, ampliando os contingentes eleitorais”.56 Contribuindo de forma decisiva na
“sedimentação do poder político e das estruturas sócio-econômicas” baseadas no modelo
democrático liberal presente na Constituição de 1946, o qual teria fornecido os elementos que
orientaram politicamente a ação da campanha. Para Osmar Fávero “sua ação extensiva
tornou-a bastante vulnerável; chegou mesmo a ser acusada de ‘fábrica de eleitores’.” 57 Essa
acusação era baseada nos resultados numéricos obtidos pela campanha, bem como por suas
orientações políticas gerais. Paiva chama a atenção para o fato de que a campanha parece
mesmo ter “contribuído para o enfraquecimento de algumas oligarquias tradicionais na
55 Idem, p.92 56 Vanilda PAIVA. Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo: Loyola, 1987. p.176 57 Osmar FÁVERO. “MEB – Movimento de Educação de Base Primeiros Tempos: 1961 – 1966”. In. Paulo ROSAS, Paulo Freire: educação e transformação social. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2002. p.142
37
medida em que muitos novos eleitores escaparam ao controle dos “currais eleitorais”
dominantes.”58
Os analfabetos para os organizadores da campanha eram seres marginais, incapazes ou
menos capazes que os alfabetizados. A educação de adultos, de forma mais geral, teria por
objetivo integrar o “homem marginal nos problemas da vida cívica e de unificar a cultura
brasileira”.59 De acordo com esse raciocínio o analfabetismo era visto como “causa” do
subdesenvolvimento. Osmar Fávero afirma que “a própria prática educativa da CEAA,
obrigando-a a entrar em contato direto com a realidade, encarregou-se de mostrar aos seus
responsáveis, técnicos e dirigentes, que nem o analfabeto era um incapaz, nem o
analfabetismo a causa do subdesenvolvimento”.60 Nesse sentido, a realidade mostrou para a
Campanha que a alfabetização, pura e simples, da população “não era a solução” dos
problemas sociais, políticos e econômicos do país. A CEAA teve continuidade até 1954,
quando começou a entrar em declínio e passou a ser substituída pela Campanha Nacional de
Educação Rural (CNER).
A CNER foi criada em 1952, como reforço da CEAA. A CNER teve como
influências, o Seminário Interamericano de Educação de Adultos, realizado em 1949 no Brasil
pela UNESCO, que deu origem a experiência de Itaperuna, no estado do Rio de Janeiro; e de
uma série de reflexões que vinham sendo realizadas por diversos especialistas no interior do
Ministério da Educação, “com o objetivo de debater o problema das populações rurais e fazer
um balanço do que estava sendo realizado nesse setor.”61 A Campanha concebia as relações
entre campo e cidade de forma dualista, enquanto o primeiro seria o representante do atraso e
do antigo, a cidade seria o símbolo do avanço e do novo. Nesse sentido, a educação voltada
para o campo teria como objetivo “substituir a cultura rural por outra mais adiantada.”62
Levando às populações do campo uma educação de base destinada a “proporcionar aos
indivíduos e às comunidades o mínimo de conhecimentos teóricos e técnicos indispensáveis a
um nível de vida compatível com a dignidade humana e com os ideais democráticos.”63
A experiência de Itaperuna, que influenciou fortemente a CNER, foi realizada no
segundo semestre de 1950. Inspirada pelas Missões Rurais de Educação de Adultos, buscava
“estabelecer uma metodologia de desenvolvimento comunitário nos programas de educação
58 PAIVA. Op. Cit. p.183 59 Idem, p. 184. 60 FÁVERO (2002). Op. Cit. p.142 61 Idem, p.142 62 Idem p.143 63 NÓBREGA (1954) citado por FÁVERO (2002), Op. Cit. p. 144
38
de base”64 dos Ministérios da Agricultura e da Educação e Saúde. O trabalho foi realizado por
uma grande equipe, formada por diversos profissionais. A partir de uma análise das demandas
de diversos setores específicos, como agricultura, alimentação, educação e outros, a equipe
começou seu trabalho. Foram realizadas atividades de trabalho individual e em grupo,
projeções de filmes educativos, o estudo e o debate dos problemas locais, extensão agrícola,
campanhas de vacinação, cursos de enfermagem e higiene. Todas essas atividades e a
mobilização provocada pela Missão tinham por objetivo “encaminhar – através da educação
comunitária – essas populações para o progresso”65.
A CNER adotou as Missões Rurais e os Centros de Treinamento como métodos de
trabalho. Os Centros eram destinados aos membros da própria campanha, habilitando técnicos
e lideranças, formando professores e auxiliares. As missões rurais promoveram um trabalho
de mobilização e organização comunitária, assistência social, educação sanitária e extensão
agrícola. Um dos limites da campanha era que ao se encerrar os trabalhos de uma missão em
determinada localidade era necessário reconhecer que muitas comunidades “não possuíam
dinamismo econômico suficiente para manter o trabalho que vinha sendo realizado”.66 Ou
seja, o trabalho empreendido pela missão de desenvolvimento e organização social não era
suficiente “para provocar o desenvolvimento, que este dependia de outros fatores que não o
educativo”.
Em 1958 foi criada a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo. A CNEA
surgiu num momento de mudança na maneira de se enxergar a questão da educação de adultos
e sua relação com o econômico. Contrariando a concepção mais forte até ali de que o
desenvolvimento da economia levaria ao desenvolvimento da educação, passou a se propor “o
desenvolvimento educacional como pré-condição para o desenvolvimento econômico”, de
acordo com o Plano Piloto de Erradicação do Analfabetismo, de 1958, que traça os objetivos
principais da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA). A Campanha
surgiu a partir de uma perspectiva mais ampla sobre o problema do analfabetismo, não
poderia se propor apenas a “dotar a população brasileira com a mera capacidade de ler”,67 mas
vencer um forte obstáculo para o seu “desenvolvimento econômico e social”.
64 PAIVA. Op. Cit. p198 65 PAIVA, Op. Cit. p.199 66 Idem, p. 203. 67 MEC. Plano Piloto de Erradicação do Analfabetismo. Ministério da Educação e Cultura: Rio de Janeiro, 1958. p. 5. NEDEJA/UFF.
39
A publicação em 1960 de Uma Experiência de Educação: O projeto piloto de
erradicação do analfabetismo do Ministério da Educação e Cultura, escrita por José Roberto
Moreira é uma avaliação pormenorizada da campanha. De acordo com o texto, os principais
problemas enfrentados pela Campanha consistiam na construção de prédios escolares, na
formação dos professores, na falta de professores nas zonas rurais e nas dificuldades de
transporte dos alunos da zona rural para as escolas. Os limites expostos no relatório foram
cruciais para o fracasso da Campanha, ela ficou limitada ao pequeno número de cidades
experimentais, e não conseguiu estender suas experiências para todo o país.68
Como apontado por alguns dos autores consultados, os dirigentes das campanhas ao se
confrontarem com a realidade, logo perceberam que não bastava educação para garantir o
desenvolvimento das comunidades, que um bom plano sem financiamento adequado não
adiantava, e que apesar de um sucesso quantitativo as metas qualitativas sempre ficaram
aquém do esperado. Sem deixar de levar em consideração essas limitações, não há como
negar a importância daquelas experiências. Primeiro, porque contribuíram para alterar de
forma significativa o quadro eleitoral do país, em dez anos o eleitorado brasileiro teve um
aumento de 50%, de quase 8 milhões em 1950 para quase 12 milhões de eleitores em 1960.69
Segundo, porque suas experiências, tanto os fracassos como as vitórias serviram de base para
o surgimento dos movimentos e campanhas posteriores.
Vale destacar que esse período coincide exatamente com os governos de Getúlio
Vargas e Juscelino Jubitschek na presidência da República. Naquele período o país foi palco
de importantes transformações. O sentimento de revolta, com a morte de Vargas, teria sido
substituído algum tempo depois por um forte sentimento de otimismo, de esperança, uma
“proposta de modernização desenvolvimentista, dirigida pelo Estado, contagiou expressivo
segmento da população brasileira naqueles anos.”70 As campanhas de educação de adultos
podem ser inseridas nessa proposta de mobilização pelo desenvolvimento. Naquele contexto,
tomou força, o que Mônica Veloso chamou de “utopia nacionalista”, que representaria o fim
de um ciclo de atraso. As metas eram “altamente mobilizadoras na época: saídas para o
subdesenvolvimento, integrar as camadas populares, criar uma arte de acordo com a nova
realidade”. Educar as populações rurais se enquadrava perfeitamente nessas metas de
integração social das classes populares, era a sua preparação para o desenvolvimento. Nada
68 MOREIRA, José Roberto. Uma Experiência de Educação: O projeto piloto de erradicação do analfabetismo do Ministério da Educação e Cultura. Rio de Janeiro: INEP, 1960. NEDEJA/UFF, Niterói/RJ 69 Biblioteca do Tribunal Superior Eleitoral em Brasília, Dados das eleições nacionais entre 1945 e 1963. 70 DELGADO, Op. Cit. p.73
40
mais atrasado do que o campo, nada mais urgente do que desenvolvê-lo, nada melhor do que
educação para realizar essa tarefa. Para Vanilda Paiva a “importância que a educação dos
adultos assumia no final do governo Kubitschek parecia, assim, ligar-se às idéias
desenvolvimentistas então difundidas.”71
Como fruto das experiências e principalmente dos resultados das campanhas oficiais
foi convocado em 1958 o II Congresso Nacional de Educação de Adultos. O congresso tinha
por objetivo “o estudo do problema da educação dos adultos em seus múltiplos aspectos,
visando seu aperfeiçoamento,”72 buscava avaliar e redefinir as metas e objetivos da educação
de adultos, bem como os seus métodos de trabalho. O Congresso possibilitou o encontro e o
debate entre variados grupos de educadores “preocupado em buscar novos métodos para a
alfabetização e a educação de adultos.” Entres esses grupos encontrava-se parte da delegação
de Pernambuco, que elaborou um relatório para o Seminário Regional do estado. Um dos
capítulos do relatório era de autoria do professor Paulo Freire. O texto A educação de adultos
e as populações marginais: o problema dos Mocambos representou uma virada na forma de
se encarar o analfabetismo. Este não era um problema apenas educacional, passava a ser
analisado a partir de suas raízes econômicas e sociais, como conseqüência e não como causa
do subdesenvolvimento. No pequeno texto, de pouco mais de duas páginas, Freire faz uma
rápida análise das populações marginais do Recife, dos habitantes dos Mocambos, propondo
evitar os “transplantes que agiram sobre o nosso sistema educativo”73 e propondo em seu
lugar que os “programas devem ser, em parte, planejados com os alunos, para que
correspondam à sua realidade existencial”74. O texto defendia ainda a “necessidade de uma
educação ‘autêntica’, comprometida com a formação da consciência, a promoção do diálogo,
a introjeção da autoridade, o autogoverno e a participação responsável do povo no processo de
desenvolvimento nacional”.75
Chegavam ao plano nacional, pela primeira vez, as idéias do educador pernambucano
Paulo Freire. Nesse período essas idéias estavam em processo inicial de formação. Embora
não exclusivamente, Freire buscou construir sua base teórica principalmente no Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Criado a partir do Instituto Brasileiro de Economia,
Sociologia e Política (IBESP), instituto este oriundo do Grupo de Itatiaia, que reunia 71 PAIVA, Op. Cit. p.207 72 PAIVA, Op. Cit. pp. 207-208 73 FREIRE, Paulo. A educação de adultos e as populações marginais: o problema dos mocambos. In Relatório Final do Seminário Regional de Educação de Adultos de Pernambuco, preparatório para o II Congresso Nacional de Educação de Adultos. MEC: Rio de Janeiro, 1958. p. 7. CBPE/UFRJ. 74 Idem, p. 8. CBPE/UFRJ. 75 Celso de Rui BEISIEGUEL, Política e Educação Popular, São Paulo: Editora Ática, 1992, pp. 112-113.
41
intelectuais paulistas e cariocas no Parque Nacional, localizado no interior do estado do Rio
de Janeiro na divisa com São Paulo. O ISEB, criado em 1955 no curto período em que o
potiguar Café Filho ocupou a presidência. Foi responsável por uma elaboração teórica
baseada no nacionalismo desenvolvimentista, na idéia de que era necessário incentivar um
projeto nacional de desenvolvimento, um projeto que incluísse crescimento econômico e
justiça social.76
Vanilda Paiva, no livro Paulo Freire e o Nacional Desenvolvimentismo trata da
formação teórica de Paulo Freire, e principalmente a influência sofrida pelo ISEB. A autora
trabalha, entre outros temas, com a relação entre a idéia de conscientização presente na
pedagogia de Paulo Freire com o “populismo”, acerca do debate entre democracia e
autoritarismo, da forma como foi colocada pelo ISEB nos anos 1950. O objetivo de Paiva era
mostrar que “as idéias pedagógicas de Freire exprimiam, na época, uma posição liberal-
conservadora, altamente diretiva”,77 para isso a autora analisa a influência de Consciência e
Realidade Nacional de Álvaro Vieira Pinto sobre Paulo Freire. Na obra de Vieira Pinto
aparece o que a autora chama de uma “espécie de “populismo indutivista” que busca nas
massas a interpretação correta da realidade e a orientação para a ação”, a transição de Paulo
Freire da posição liberal-conservadora para uma ‘liberal de esquerda’ acontece, segundo ela,
nos anos 1960, a partir de seu contato com “defensores de posições socialistas não-
autoritárias, especialmente pelos jovens católicos”.78
Paiva passa a expor uma longa análise do livro de Vieira Pinto, que segundo ela,
trabalha em sua obra, com dois conceitos de consciência, a ingênua e a crítica, Freire teria
então, trabalhado a partir desta idéia a construção de sua proposta pedagógica, dentro de um
quadro de disputa entre duas sociedades, uma arcaica, atrasada e mítica, da qual o resultado é
a consciência ingênua e uma sociedade moderna, industrial, desenvolvida e racional, esta teria
como resultado a consciência crítica, capaz de “aceitar a história, a mudança, o ‘processo’;
seus portadores são os suportes de uma sociedade moderna e democrática.” Era necessário
então, fazer com que a ideologia do desenvolvimento nacional ganhasse as massas, as ruas,
permitindo assim uma “consciência popular de desenvolvimento.”79
A autora defende ainda que, em 1959, Paulo Freire propunha uma “pedagogia diretiva:
educar as massas era conquistá-la para a ‘ideologia do desenvolvimento’ formulada pelos 76 Antônio Marques do VALE. O ISEB, os intelectuais e a diferença: um diálogo teimoso na educação. São Paulo: Ed. UNESP, 2006. p.47 77 Vanilda PAIVA, Paulo Freire e o Nacional Desenvolvimentismo, São Paulo, Graal, 2000. 78 Idem, p.202 79 Idem, p.205
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isebianos, sendo a ‘participação conscientemente critica’ aquela que aceita tal formulação e se
põe a serviço do desenvolvimento nacional”80 isso significava também, uma postura política,
não de enfrentamento de classes, mas ao contrário, de reconciliação de classes aliada a uma
“instrumentalização da ‘massa’ executora das tarefas necessárias ao desenvolvimento
nacional correspondente a práticas populistas de controle político-ideológico e Freire as
traduz pedagogicamente nos anos 50.”81 Vanilda Paiva continua a analisar as diversas
influências que Freire teria recebido do ISEB, particularmente Guerreiro Ramos e Vieira
Pinto; sobre este último afirma: “Assim, como em todos os autoritários europeus, princípios
indutivistas, não-diretivos, são colocados a serviço de posições fundamentalmente diretivas e
autoritárias.”
Mesmo Vieira Pinto passava, segundo Paiva, por uma mudança, deixando de lado o
“populismo tradicional”, para aderir ao que ela chama de “populismo indutivista” marcado
por uma postura em que o “apelo ao povo se libera da função de legitimar a dominação
burguesa e deixa entrever um conteúdo progressista e radical”,82 tais posturas para ela estão
presentes na trajetória de Paulo Freire. Essa transição ou ‘purificação’ aconteceu no momento
de mais aguda disputa política, num “processo complexo e nada linear em que grupos que
optaram por uma solução socialista apoiavam as reformas de base do governo populista num
quadro ideológico que seguia tendo o nacionalismo como um de seus componentes
relevantes”.83 Nesse sentido, a proposta educacional de Paulo Freire agiria como uma forma
de apelar ao povo, mas, sabendo de ante mão “para onde conduzi-lo, o que colocar na voz que
ele tem o direito de fazer ouvir”, manobrar o povo “como em todo o populismo tradicional”.84
Essa interpretação, ao utilizar o conceito “populismo”, como sinônimo de condução e
manobra do “povo”, para explicar o projeto pedagógico de Paulo Freire, descarta a
possibilidade de enxergarmos nas populações atingidas por aquela proposta educacional,
presente nos movimentos, pessoas com interesses e leituras de mundo próprias, que de alguma
forma se identificavam e se beneficiavam com aquelas experiências de alfabetização de
adultos.
As classes populares participaram ativamente daquele processo. Foi inclusive o
aumento de sua participação política organizada que incomodou parte de nossas classes
sociais mais abastadas. De acordo com Lucília Neves, “foi uma conjuntura de ampliação da
80 Idem, p.209 81 Idem, pp.215-216 82 Idem, p.229 83 Idem, p.230 84 Idem, p.229
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participação cidadã. Foi também uma conjuntura de franco crescimento de múltiplas formas
de organização social e política, tanto no espectro da sociedade civil, como no interior do
aparelho de Estado”.85 Esse crescimento da cidadania, entendido como crescimento da
participação, foi a principal mudança ocorrida no campo político, ela se revelava através da
presença “de sujeitos históricos até então usualmente tolhidos em suas iniciativas de se inserir
no processo participativo”.
Dentro desse contexto, podemos entender a proposta educacional de Paulo Freire
como uma expressão desse esforço de democratização da sociedade brasileira, de pensar a
educação como instrumento para a participação. Em 1959, Paulo Freire concorreu à cadeira
de Filosofia e História da Educação da Universidade do Recife, para isso escreveu a Tese
Educação e Atualidade Brasileira. O texto se propõe a realizar uma análise da realidade
social da educação, evitando pensar a educação de forma isolada. A sociedade brasileira que
passava por “alterações tão radicais e, às vezes, até bruscas (...), e em que as transformações
tendem mais e mais a contar com a participação do povo, que já não se satisfaz, como antes,
com as velhas posições quietistas diante dos problemas”,86 necessitava “de uma reforma
urgente e total no seu processo educativo.” Essa reforma passava por um trabalho executado
de forma coletiva, combatendo o centralismo administrativo da educação brasileira, passando
a escola “a ser uma instituição local,” e somente “uma escola centrada democraticamente no
seu educando e na sua comunidade local, vivendo as suas circunstâncias, integrada com seus
problemas, levará os seus estudantes a uma nova postura diante dos problemas.” A educação é
vista como lugar de “criação de disposições mentais democráticas, através de que se
substituam no brasileiro antigos e culturológicos hábitos de passividade, por novos hábitos, de
participação e ingerência.”87
Foi nesse ambiente político e educacional que começaram a surgir os movimentos de
educação e cultura popular. Os debates e ações ocorridas nesse período serviram de base para
a formulação teórica dos movimentos, para pensar sua atuação prática, bem como traçar seus
objetivos políticos e educacionais. A sociedade brasileira passava a conhecer um forte
movimento de politização da cultura e da educação, cujo objetivo seria o de “desenvolver a
nação via povo”.88 Entre o final dos anos 1950 e o início da década de 1960, “o povo torna-se
o ator social mais requisitado”. É o povo que aparece como elemento de “sustentação dos
vários projetos políticos como os do ISEB, do cunho reformista; dos centros populares de 85 DELGADO, Op. Cit. p.147 86 FREIRE, Paulo. Educação e Atualidade Brasileira. São Paulo: Cortez, 2001. pp.83-84 87 Idem, p.86 88 VELLOSO, Op. Cit. p.183
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cultura (CPCs), de orientação marxista, e dos movimentos de cultura popular no Nordeste e
de alfabetização, inspirados nos grupos católicos de esquerda”.
Os debates em torno da LDB que opuseram os defensores da escola particular e os
defensores da escola pública; as experiências das campanhas oficiais de alfabetização, que
alcançaram importante sucesso quantitativo e, os debates em torno da educação de adultos
durante o Congresso de 1958; serviram de preparação do terreno para o surgimento no início
dos anos 1960 dos movimentos de alfabetização de adultos. Veremos a partir de agora como
surgiram três desses movimentos. O Movimento de Cultura Popular (MCP) de Recife, a
Campanha Pé no Chão de Natal e o Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à Igreja
Católica. Veremos ainda como foram formuladas, no interior do MCP, as primeiras
experiências de Paulo Freire na elaboração de seu método.
3 - O Movimento de Cultura Popular: Origens
A história do MCP começou com a vitória de Miguel Arraes para a prefeitura do
Recife em 1959. Arraes disputou a eleição contra João Cleófas da UDN e se elegeu como
candidato da Frente do Recife, uma “aliança político-partidária constituída em 1955, entre
comunistas, socialistas e correntes de esquerda independentes, com base em um programa de
cunho democrático e nacionalista”.89 Entre 1945 e 1955 a política pernambucana era
disputada entre PSD e UDN. Na década de 1950 essa realidade mudou, as esquerdas, sempre
fortes na capital, começaram a obter resultados eleitorais importantes. Em 1952 o candidato
das esquerdas Osório Borba derrotou Etelvino Lins em Recife e Olinda (PE). A eleição de
Pelópidas Silveira para a Prefeitura da capital em 1955 marcou a primeira vitória eleitoral da
Frente. Nas eleições estaduais de 1958 a Frente apoiou Cid Sampaio da UDN como candidato
a governador. Miguel Arraes tentou sua reeleição como deputado estadual, mas não
conseguiu. Com a vitória do udenista Cid Sampaio, a partir de 1959 Arraes passou a ocupar a
Secretaria da Fazenda Estadual, e logo a seguir foi escolhido pela Frente como seu candidato
à prefeitura do Recife. Arraes conquistou 82 mil votos contra 57 mil de seu oponente.90
89 José Arlindo SOARES, A Frente do Recife e o Governo do Arraes: Nacionalismo em Crise (1955-1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.21 90 Roberto Oliveira de AGUIAR, Recife: Da Frente ao Golpe:Ideologias Políticas em Pernambuco. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1993. p.106
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Durante a campanha eleitoral a educação já aparecia como uma das preocupações do
candidato das esquerdas. Ciente da realidade educacional caótica e da falta de escolas para as
classes populares do Recife, Arraes tomou a iniciativa de estabelecer um plano de educação
para a cidade. Nesse sentido, convidou um grupo de intelectuais para a elaboração do Plano
Municipal de Ensino. Entregue ao prefeito em 30 de janeiro de 1960, o Plano previa a criação
de um “organismo central supervisor” responsável por sua execução. As principais ações do
organismo se comparavam aos de uma Secretaria Municipal de Educação, órgão este que não
existia no Município. As atividades seriam de orientação, supervisão e organização do
trabalho, envolvendo os professores, os alunos, os pais, a comunidade e um corpo de
voluntários, todos preocupados em estabelecer um “plano de educação popular em bases
amplas” apoiado em “todos os recursos que a comunidade possa oferecer” 91 e com a intenção
de “despertar a consciência coletiva para a solução do problema educacional.”
O plano passou a ser executado imediatamente, tendo a professora Anita Paes Barreto
como a principal responsável pela área educacional da Prefeitura. Em 23 de fevereiro foram
anunciados as primeiras ações práticas, mais de mil crianças seriam distribuídas em 26
turmas. As escolas funcionariam em espaços públicos, Associações de Bairro, entidades da
sociedade civil e prédios cedidos por vereadores.92 Um mês e meio depois de lançado o plano,
foi anunciada a adesão de 300 normalistas ao esforço educacional do Município.93 A
prefeitura não contava com recursos suficientes para sustentar o plano de ensino, além de
contar com o apoio voluntário de diversas entidades e setores, como acabamos de ver. Passou
desde o início a buscar financiamento nas chamadas classes produtoras, “solicitações estão
sendo dirigidas ao comércio e industria locais, no sentido de custearem a despesa com
professoras. Cerca de 20 diplomadas, custeadas pela “União de Bebidas”, “Antártica”,
“Fábrica Bates” e “Martini”, vão lecionar nas primeiras escolas do plano, em Santo Amaro”.94
A idéia era criar “um departamento autônomo, uma entidade paralela à Prefeitura,
para resolver o problema educacional,” e se desviar da estrutura burocrática e da falta de
recursos. De acordo com Arraes naquele momento “nascia o Movimento de Cultura Popular,”
necessário para “mobilizar a população interessada em melhorar a educação.”95 Para
coordenar o MCP Arraes convidou diversos intelectuais, entre os quais os educadores e
católicos progressistas Anita Paes Barreto, Germano Coelho, Norma Coelho e Paulo Rosas, 91 Recife, Diário de Pernambuco, 31 de Janeiro de 1960, p.13 Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). Recife/PE 92 DP, 23 de Fevereiro de 1960, p. 3 FUNDAJ 93 DP, 16 de Março de 1960, p.3 FUNDAJ 94 DP, 13 de Abril de 1960, Segundo Caderno, p. 8 FUNDAJ 95 Fernando MENDONÇA e Cristina TAVARES: Conversações com Arraes. Belo Horizonte: Vega, 1979. p.11
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além do artista plástico e militante comunista Abelardo da Hora. Para Silke Weber, que
também trabalhou no MCP, o período compreendido entre 1958 e 1964 foi no Nordeste de
forma geral e em Pernambuco de forma particular um “cenário propício à elaboração de
diferentes propostas e ações” cujo objetivo geral era “superar o atraso e o subdesenvolvimento
da região”96. No dia 1o. de Maio de 1960 foram inauguradas as primeiras dez escolas do MCP
no bairro de Santo Amaro, na ocasião um coral falado do movimento, declamou o poema
Operário em Construção de Vinícius de Moraes:
“...Foi dentro dessa compreensão Desse instante solitário Que, tal sua construção Cresceu também o operário Cresceu em alto e profundo Em largo e no coração E como tudo que cresce Ele não cresceu em vão Pois além do que sabia - Exercer a profissão - O operário adquiriu Uma nova dimensão: A dimensão da poesia...”97
O MCP surgiu oficialmente em 21 de Maio de 1960 e se propunha a pensar a
educação de forma mais ampla, não apenas a alfabetização ou a escolarização das crianças,
“mas um movimento em marcha. Não só para crianças e adolescentes, mas igualmente para
adultos. Não apenas para a educação, mas também para a cultura.”98 O objetivo maior, como
rezava o estatuto, era “proporcionar a elevação do nível cultural do povo preparando-o para a
vida e o trabalho”,99 se preocupava com a “preparação do homem para sair de sua miséria,
para lutar pela melhoria do seu nível de vida.”100 No Recife, a união do “povo organizado e de
uma intelectualidade democrática, progressista e popular (...), e uma juventude estudantil
atuante,”101 possibilitou o avanço eleitoral das esquerdas e foi esta mesma unidade que esteve
presente no processo de formação do MCP.
Nessa fase inicial são visíveis cinco grandes influências que colaboraram na formação
e na atuação do MCP, enquanto movimento de educação e cultura popular. As quatro 96 Silke WEBER, Política e Educação: O Movimento de Cultura Popular no Recife. In. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 27, no. 2, 1984, p.233 97 Vinícius de MORAES, Operário em Construção. 98 Germano COELHO, “Paulo Freire e o Movimento de Cultura Popular”. In ROSAS, Paulo (Org.) Paulo Freire: Educação e Transformação Social. Recife: Ed. Universitária, 2002, Op. Cit. p.47 99 Prefeitura do RECIFE, Memorial do MCP. Recife, PMR: 1986, p.57 100 Paulo ROSAS, In Memorial do MCP. Recife, PMR: 1986, p. 23 101 Abelardo da HORA, , In Memorial do MCP. Recife, PMR: 1986, p.13
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primeiras influências foram recebidas por Germano e Norma Coelho vivenciadas na França e
Israel. Inseridas no contexto do pós-segunda guerra, de profunda crítica ao modo de vida
capitalista e procura de uma alternativa concreta de mudança social. A primeira delas foi o
movimento francês Peuple et Culture, cujo objetivo seria o de formar homens “fortes,
corajosos, com uma consciência clara, na vontade, nos sentimentos, na compreensão do
mundo. Homens de caráter, livres, generosos, cultos, simples, homens de paz”.102 O segundo
movimento, foi o liderado por Freinet, na cidade francesa de Vence, a concepção de uma nova
escola pública, a école du peuple. Com a elaboração de uma obra pedagógica, voltada para a
realidade popular. O aluno passava na obra de Freinet a ocupar o espaço central da escola,
esta “não estava mais centrada em matérias e programas, mas sobre o aluno como membro da
comunidade escolar”. Lebret e seu Centro Economia e Humanismo, foi a terceira experiência.
Com o intuito de “salvar e elevar o homem. Todo homem e toda a humanidade,”103 Lebret
liderava um movimento internacional que buscava atuar no campo do desenvolvimento
econômico e social, a partir de uma plataforma humanista. Com uma forte crítica à sociedade
capitalista, desigual, sem grandeza e sem horizontes, defendia a acolhida da miséria do povo,
a miséria concreta, real. Estar disposto a construir, a realizar com grandeza uma obra de
redenção do povo e, ajudá-lo a vencer a pobreza coletivamente. Era necessária uma nova
economia, que se preocupasse com o desenvolvimento humano em primeiro lugar.104
Germano Coelho ao realizar uma visita à Terra Santa, em Israel, tomou contato com o
quarto experimento, o país recém criado era palco de diversas experiências de vida coletiva e
comunitária, que buscavam como novas formas de se realizar o desenvolvimento. O principal
e que mais chamou a atenção de Coelho, foi o Kibbutz. Um esforço de construção coletiva de
uma nova e jovem nação. Sem deixar de lado o drama dos campos de refugiados palestinos,
se impressionou com a vontade dos novos habitantes em estabelecer ali uma nova experiência
de construção social. Nos termos da Declaração do Estabelecimento do Estado de Israel, “a
missão do povo judeu, no Oriente Médio, era trabalhar pelo desenvolvimento do ser humano
todo e de todos os seres humanos da região. Trabalhar, dando o exemplo, com liberdade,
justiça e paz, como previsto pelos profetas de Israel”.105
A formação e a trajetória de Abelardo da Hora completam a quinta experiência que
influenciou a formação do MCP. Abelardo manifestou desde cedo suas capacidades artísticas
102 COELHO, Op. Cit. pp. 35-36. 103 Idem, pp. 37-38. 104 Idem, p. 42. 105 Idem, p. 46.
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e começou a produzir de forma mais sistemática nos anos 40, quando ingressou também no
Partido Comunista Brasileiro (PCB). A partir de sua militância política, de suas experiências
como escultor e pintor, e sua preocupação com a formação de novos artistas, criou em 1952 o
“Atelier Coletivo”. O Atelier, assim mesmo com grafia francesa, era uma escola de arte cujo
tema principal de trabalho era o povo e sua cultura, as “aulas de desenho, gravura, pintura e
escultura” eram acompanhadas de visitas às “agremiações populares para as nossas pesquisas,
porque eram o povo e as manifestações da Cultura Popular a temática de nossos trabalhos.”106
O Atelier sofreu a influência dos muralistas mexicanos, notadamente Diego Rivera, a temática
do grupo passou a ser as “figuras do povo, trabalhadores, camponeses, feirantes, vaqueiros,
ambulantes, estivadores, crianças pobres,” outros temas eram deixados de lado, “ninguém
ousava pintar paisagens nem mesmo como fundo (...) os quadros tinham que ser ocupados
pelas figuras (...) o espaço de um quadro era precioso demais para ser desperdiçado com
fundos românticos”.107
O MCP foi o resultado preciso de todas essas experiências, por isto mesmo sua
atuação ocorreu de forma diversificada, mesmo sendo uma entidade civil – acabou por
assumir as funções de secretaria municipal de educação e cultura, desenvolvendo políticas
públicas para essas áreas. Nas ações educacionais se destacavam a educação fundamental para
as crianças em idade escolar, a educação de adultos com a alfabetização e a educação de base.
Suas ações culturais atingiam o teatro, a música, as artes plásticas, o artesanato, o folclore e
etc. Vale ressaltar que a fronteira entre educação e cultura era muito tênue, havendo uma forte
interação entre as duas áreas, “o movimento pretendia encontrar uma fórmula brasileira para a
prática educativa ligada às artes e à cultura do povo”,108 nesse sentido, sua prática estava
voltada, basicamente, “para a conscientização das massas através da alfabetização e da
educação de base.”
Para Vanilda Paiva o movimento pretendia “compreender a cultura popular, ou seja,
interpretar adequadamente e sistematizar aquilo que houvesse de mais específico e
significativo na cultura do povo, valorizando a produção cultural das massas”,109 criando
assim as condições “para que o povo pudesse não somente produzir como também usufruir de
sua própria cultura, orgulhando-se dela e deleitando-se com ela”. A cultura e a educação se
transformavam em instrumento político, utilizado para “a formação de uma consciência 106 HORA, Op. Cit. p.14 107 José CLAÚDIO, Memória do Atelier Coletivo (Recife 1952-1957), Recife: Artespaço, 1982. p.21 108 PAIVA (1987), Op. Cit. pp. 236-237 109 Lúcio KREUTZ, Os Movimentos de Educação Popular no Brasil, de 1961-1964. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, Departamento de Educação, 1979, (Dissertação de Mestrado) p. 63
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política e social que preparasse o povo para a efetiva participação na vida da nação”. O MCP
organizava suas escolas em Associações de Cultura Popular, o processo pedagógico estava
intrinsecamente ligado à questão da cultura popular, da participação do povo nas diversas
atividades das associações. A cultura popular passou a ganhar um papel mobilizador, de
incentivar o povo para a participação. A educação popular, por sua vez, ganhava contornos
específicos, não era mais simplesmente um instrumento de alfabetização de adultos, mas de
promoção da cultura, de conscientização e de leitura da realidade. O MCP teve rápido
desenvolvimento atingindo praticamente todo o Recife. Muito mais do que um sistema de
ensino tradicional, o MCP constituiu um movimento que atraiu para si, todo um esforço de
transformação da realidade social.
No final de 1961 o jornal Diário de Pernambuco publicou um balanço dos dois
primeiros anos de governo de Miguel Arraes na Prefeitura do Recife. O encarte, publicado na
edição de domingo de 24 de dezembro de 1961, trazia diversos números das realizações
municipais. Na área de “Educação e Cultura” o texto comparava a fala do candidato com as
realizações do prefeito. Em 1959 prometia o candidato: “Há milhares de crianças no Recife
que não freqüentam escolas. Meu governo criará grupos escolares de emergência, ainda que
sejam meros pavilhões ou simples salas-de-aula”. Em 1961, com o MCP, a prefeitura já havia
criado 104 escolas que atendiam a 9 mil crianças e contando com 242 professoras, 3 Grupos
Escolares, 7 Grupos Escolares Modelos, 60 Escolas Radiofônicas e 1 escola
profissionalizante. No campo da cultura, através também do MCP, havia sido construída a
Galeria de Arte do Recife, realizado o I Festival de Teatro, a I Exposição de Cerâmica e a
reativação das Festas Populares como o Natal, São João e Carnaval.110 Neste caso, das festas
populares, buscou-se valorizar a cultura popular local. Abelardo da Hora, responsável pela
decoração do carnaval fugiu à “rotina de colocar figuras alienígenas de Colombinas,
Arlequins e Pierrots nos postes de iluminação pública. Foi buscar no folclore carnavalesco a
motivação adequada, cocares e florais enfeitando o ambiente.”111
O MCP recebeu, neste momento inicial, um tratamento que poderíamos chamar de
positivo pela imprensa pernambucana, o Diário de Pernambuco, jornal ligado à rede Diários
Associados de Assis Chateaubriand, praticamente não fez críticas ao movimento, enfatizando
suas realizações no campo da educação e da cultura. Era o que Silke Weber chamou de
“consenso” sobre as questões educacionais, “a luta pela generalização da escolaridade infantil
110 DP, 24/12/1960, p.8 111 Paulo CAVALCANTI, O Caso eu conto como o caso foi: Da Coluna Prestes à Queda de Arraes. Memórias. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978. p.287
50
(...) sensibilizava setores os mais diversos”112 e muitas vezes antagônicos em torno das ações
do MCP. Industriais e comerciantes se responsabilizando pelos salários de professoras,
particulares doando terrenos para construção de escolas, sindicatos e associações de
moradores cedendo locais para o funcionamento de escolas, doações de livros, cadernos e
cartilhas realizadas pelo Governo Federal através do INEP, o trabalho voluntário de
estudantes secundaristas e universitários. Na sua fase inicial o MCP cresceu e se consolidou
como uma das mais importantes experiências de mobilização social em prol da educação e da
cultura no início dos anos 1960. Como órgão irradiador de inúmeras políticas públicas,
agregou em torno de si diversas forças e grupos sociais “o MCP se firma de tal maneira que
transforma a educação numa das mais significativas bandeiras da candidatura de Miguel
Arraes ao governo de Pernambuco”.113 As eleições estaduais ocorridas em 1962 atingiram em
cheio o movimento, causando uma mudança de posição de alguns setores sociais mais
conservadores, eram os primeiros sinais da “ruptura do consenso.”114
4 - Paulo Freire e a elaboração de seu método
Dentre os esforços educacionais do MCP, podemos citar o da alfabetização de
adultos. O movimento foi um importante espaço de elaboração teórica e metodológica para
Paulo Freire. Apesar de não ter participado das conversas iniciais para a formação do MCP,
Freire foi um de seus fundadores. Paulo Rosas narra o momento de adesão de Freire ao
movimento. Após o concurso para professor de História e Filosofia da Educação, no qual
Freire ficou em segundo lugar, “tivemos a alegria de receber Paulo Freire em nossa casa (...).
Contamos o grande plano; falamos da conquista da sede, no Arraial do Bom Jesus; lemos o
Estatuto, e ele foi incisivo:
__ Pode botar meu nome aí. Eu estou dentro disso. Eu estou nisso.”115
No MCP Paulo Freire atuou no Departamento de Pesquisa e integrava o Conselho de
Direção, órgão máximo da instituição. Foi no movimento que Paulo Freire começou a
elaborar seu método de alfabetização, no “movimento eu era responsável pelo projeto de
112 Silke WEBER, Op. Cit. p.242 113 João Francisco de SOUZA, Uma pedagogia da revolução. São Paulo: CORTEZ, 1986, p.51 114 WEBER, Op. Cit. 115 ROSAS, pp.48-49
51
educação. Esta foi uma experiência decisiva para a constituição de meu método.”116 Neste
período, até 1961, o trabalho foi de pesquisa e de debate com grupos oriundos das classes
populares. Nas palavras do próprio Freire “ocorreu o seguinte: eu consegui com os jovens
com quem eu trabalhava – isso já nos anos 1959, 1960 e 1961 – e antes mesmo, eu conseguia
discutir, com grupos de operários e às vezes de camponeses, uma temática que vinha deles”.
Foram através desses debates que Freire fez suas “primeiras análises, as primeiras
pesquisas do que eu passei a chamar depois de universo temático.” 117 Os temas eram oriundos
das questões levantadas pelo cotidiano das populações pesquisadas, “os problemas nasciam lá,
na comunidade local”. Freire tentou primeiro introjetar e extrojetar palavras através de
projeções de figuras acompanhadas com seus respectivos nomes em baixo, “insistindo com o
analfabeto no sentido de ele me dizer qual era aquela figura e o nome que estava embaixo”. A
idéia era ver se seria possível ou não “que ele introjetasse o nome, a palavra, associada à
imagem da figura para numa etapa posterior tentar extrojetar as palavras que foram
apresentadas”.118 Depois que seu filho, com apenas dois anos, falou a palavra “Nescau” diante
de uma propaganda do achocolatado, Freire fez um teste com sua cozinheira projetando uma
série de figuras de um garoto com as sílabas da palavra “menino” escritas em baixo da figura.
Após algumas projeções e algumas respostas aos questionamentos de Freire a cozinheira não
conseguir se segurar e reclamou:
“__ Dotô, tô com a cabeça doendo”. Freire imediatamente parou o teste e concluiu,
“não tem nada de introjetar e extrojetar, o negócio é na base da compreensão crítica da
palavra.”119
A partir deste momento Paulo Freire começou “a fazer as primeiras experiências já a
nível crítico”.120 Inclui-se entre essas primeiras experiências preocupadas com a compreensão
crítica da palavra, a que foi realizada no Centro de Cultura do MCP localizado na Casa de
Dona Olegarinha, no Bairro do Poço da Panela, no Recife. A turma de analfabetos era
composta por cinco alunos, do quais dois desistiram antes do final do processo. O trabalho de
alfabetização era realizado a partir de projetores e slides, sem o estabelecimento de uma lista
organizada, mas buscada “através da prática. Eu ia fazendo minhas notas. E a coisa ia
marchando. E em poucos dias os caras venceram, venceram umas 4 ou 5 palavras. E
começaram a me dar susto. E, por outro lado, a me convencer do acerto em que eu estava.” 116 Citado por BEISIEGEL, Op. Cit. p.119 117 Paulo FREIRE, Pasquim, Rio de Janeiro, n.462, 5 a 11 de Maio de 1978, p.11. Citado por BEISIEGEL, Op. Cit. p. 138 118 Idem, p. 11-12 119 Idem, p.11-12 120 Idem, p. 12
52
Esta primeira experiência possibilitou a Freire ver como a palavra era muito importante, mas
não qualquer palavra, a palavra do educando, de seu universo cultural. “Então, depois dessa
primeira experiência, em me convenci de que era inviável fazer o processo de alfabetização a
partir de palavras geradoras que eu escolhesse, a meu critério”,121 era necessária uma fase
anterior ao trabalho de alfabetização, um trabalho de pesquisa e investigação do universo
vocabular dos educandos.
Nesta mesma época, entre 1960 e 1961, Freire realizou sua segunda grande
experiência, a turma de alunos era formada por cerca de 25 funcionários da Prefeitura do
Recife. Após uma reunião com os operários em que ficou decidido a realização da
experiência, Freire iniciou sua pesquisa, “tivemos um bate-papo de uns 40 minutos
conversando, em que registrávamos uma série de palavras, e inclusive tomamos nota de todos
os nomes dos instrumentos de trabalho.”122 A partir da expressão oral dos educandos foi
possível elaborar o “programa para essa experiência com toda uma temática que eu via ali.”
Freire começou a dar uma feição mais acabada para o seu método, que só seria, no entanto,
finalizado e oficializado no ano seguinte, em 1962, por meio do Serviço de Extensão
Universitária (SEC) da Universidade do Recife, portanto, fora do MCP. Depois de Freire, a
questão da alfabetização de adultos passou a ser tratada como uma educação para adultos, e
não mais uma adaptação de conteúdos voltados para a realidade escolar infantil. O universo
vocabular do próprio educando comporia o conteúdo de estudo, a educação passava a ser vista
como uma ação coletiva em que o professor ou monitor se tornava um mediador. A aula era
pautada pelo debate em torno de palavras e temas saídos do cotidiano da comunidade ou local
de trabalho.
Nesta fase inicial do MCP, no entanto, as funções de Freire do Departamento de
Educação “não podiam limitar-se ao estímulo à formação dos grupos primários e ao estudo
das condições de dinamização das virtualidades educativas dos agrupamentos”.123 Seu estudo
e suas experiências em educação de adultos eram “somente um dos aspectos da questão e
havia solicitações mais urgentes. As escolas instaladas pelo Movimento se multiplicavam”.
Anita Paes Barreto e Norma Coelho também atuavam no Departamento na área educacional,
esta última inclusive era a responsável pelas escolas radiofônicas do movimento.
121 Idem, p. 12 122 Idem, p.12 123 BEISIEGEL, Op. Cit. p. 124
53
5 – O surgimento da Campanha de Pé no Chão também se Aprende a Ler
Em fevereiro de 1961 a Prefeitura de Natal no Rio Grande do Norte deu início à
Campanha de Pé no Chão também se aprende a Ler, uma campanha educacional que se
propunha a combater, de um lado, o analfabetismo adulto que atingia cerca de 59% da
população e, de outro, a falta de escolas para as crianças em idade escolar. O surgimento da
Campanha está diretamente relacionado ao resultado das eleições municipais ocorridas em
outubro de 1960, as primeiras eleições diretas para a prefeitura de Natal. As eleições
municipais aconteceram ao mesmo tempo em que as estaduais e nacionais, tornando ainda
mais complexo o processo eleitoral potiguar. As disputas políticas no Rio Grande do Norte
opuseram UDN e PSD desde a democratização em 1945, as lideranças de ambos os partidos
eram provenientes do antigo Partido Popular, criado após a Revolução de 1930. Uma terceira
força política surgiu no estado em 1945. O Partido Social Progressista, o PSP liderado por
Café Filho. Foi no interior desse partido que surgiu um grupo político “à esquerda do
cafeísmo e que não mantinha vinculação orgânica com as forças dominantes encasteladas no
PSD e na UDN”.124 O principal representante desse grupo foi Djalma Maranhão, ex-militante
comunista, participante do levante em 1935, preso político durante o Estado Novo e
proprietário do jornal Folha da Tarde. O grupo liderado por Maranhão foi desenvolvendo ao
longo daquele período uma ideologia nacionalista e começou a “ganhar expressão e a se
consolidar como força política independente das oligarquias, fruto das lutas populares
urbanas”.
Contribuiu para o crescimento da importância e a força desse grupo o racha no
interior da UDN que colocou em lados opostos Dinarte Mariz e Aluízio Nunes, enquanto o
primeiro era o típico representante das oligarquias agrárias, Aluízio se apresentava como a
renovação política, idealizador da “Cruzada da Esperança”, coligação que uniu PTB, PDC,
PTN e mais tarde o PSD. Em 1960 a coligação saiu das urnas vitoriosa. Em Natal, Lott e
Goulart ganharam, respectivamente para presidente e vice da república; na chapa para o
governo estadual Aluízio Nunes e Monsenhor Walfredo foram eleitos; e para a Prefeitura
Djalma Maranhão e seu vice Luiz Gonzaga dos Santos saíram vencedores. Era a segunda vez
que Maranhão ocupava a prefeitura da capital potiguar. Na primeira entre 1956 e 1959 fora
indicado pelo udenista Dinarte Mariz, então governador. Esse acordo foi fruto da conjuntura
124 José Willington GERMANO. Lendo e aprendendo: A campanha de pé no chão. São Paulo: Cortez Associados, 1989. p.67
54
da época, naquele momento a UDN apoiava Café Filho, que ocupava interinamente a
presidência da República, e no âmbito local Mariz representava a oposição contra o
governador Sílvio Pedroza do PSD.
A campanha de Djalma Maranhão para a prefeitura em 1960 teve como base de
sustentação política e financeira os Comandos Populares, que reuniam em seu interior
“políticos, intelectuais, líderes sindicais e de bairros.” 125 Os comandos eram responsáveis
pela organização da campanha e da criação dos Acampamentos Nacionalistas, “espécie de
barracas cobertas de lona e instaladas nas proximidades dos mercados e feiras, onde além dos
alistamento eleitoral, existiam urnas onde eram depositadas contribuições financeiras
destinadas à movimentação política.” Essa mobilização marcou o surgimento dos Comitês
Nacionalistas, organizados por rua ou bairro os comitês não funcionavam somente voltados
para o processo eleitoral, mas “também para discutirem os problemas, fossem locais ou
não.”126 Ao todo foram criados 240 Comitês Nacionalistas. De acordo com Moacyr de Góes
havia uma interação entre os Comitês e os quadros políticos que coordenavam a campanha de
Maranhão. Estes levavam para os Comitês nas periferias da cidade, “a discussão nacional dos
problemas brasileiros (o imperialismo, a dependência econômica, a SUDENE, o latifúndio, a
oligarquia, o colonialismo cultural)”. Em contrapartida receberam nos comitês “as lições das
realidades das coisas (a falta de água, de escolas, de hospitais, de emprego, de transporte, de
garantias de direitos etc.)”. O encontro destes dois discursos aos poucos foi formando uma
“plataforma política.”
Na reta final da campanha, em outubro de 1960, os Comitês se reuniram em
Convenções de Bairro, discutindo e aprovando o “programa político-administrativo do futuro
Prefeito”.127 Um programa nascido de baixo para cima, a partir de um trabalho de politização
popular e, de uma estratégia e uma tática política de construir um programa de governo
participativo, “colocado nas mãos do Prefeito, diretamente pelo povo, sem eufemismos nem
intermediações.” Desses debates e reuniões dos Comitês e das Convenções, a falta de escolas
surgiu como a principal reivindicação da população mais pobre. Em 3 de outubro de 1960
Djalma Maranhão foi eleito com quase 23 mil votos contra 11 mil de seu oponente, Luiz de
Barros da UDN. Maranhão tomou posse em 5 de novembro do mesmo ano, iniciando assim
sua segunda passagem pela prefeitura da cidade, que seria interrompida pelo golpe de 1964.
125 GERMANO, Op. Cit. p. 71 126 Idem, p. 72 127 Moacyr de GOÉS, De Pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964): Uma escola democrática. São Paulo: Cortez, 1991. Op. Cit. p.35
55
Esse foi o contexto no qual surgiu a Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler.
Desde o início da gestão de Djalma Maranhão, o combate ao analfabetismo era uma das
prioridades, a educação logo se tornou a meta número um do governo municipal. Moacyr de
Góes foi nomeado Secretário de Educação, Cultura e Saúde.
Diante de um déficit orçamentário calculado em mais de 43 milhões de cruzeiros em
1961, a nova administração enfrentou um enorme desafio, como corresponder às expectativas
da população e cumprir os compromissos de campanha sem recursos financeiros. Em
fevereiro de 1961 numa reunião com representantes do Comitê Nacionalista do bairro
proletário das Rocas, um dos mais mobilizados da cidade, a discussão girava em torno do
problema da falta de verbas da prefeitura, “como acabar com o analfabetismo sem dinheiro
para construir escolas?”128 Moacyr de Góes, presente na reunião, relata o nascimento do que
depois veio a se chamar Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, “Não sei,
realmente, de quem veio a proposta, naquela reunião de 40 a 50 homens e mulheres:
__ Faça uma escola de palha! (...)
__ De palha?...”
O secretário de educação, pego de surpresa pela proposta, até certo ponto inusitada,
foi aos poucos escutando as sugestões dos membros do Comitê:
“__ Um galpão coberto de palha de coqueiro.
__ Não precisa fechar dos lados, para não escurecer.
__ O chão pode ser de barro batido.”129
No final da reunião o Comitê aprovou uma moção de apoio ao Prefeito no seu
esforço de combater o analfabetismo, e diante da “falta de recursos financeiros para construir
escolas de alvenaria, propunha que a Prefeitura ampliasse o programa já existente das
escolinhas e, nas Rocas de Cima, construísse escolas cobertas com palha de coqueiro”,130 a
proposta foi aceita rapidamente pelo prefeito. O nome da Campanha surgiu de uma
reportagem do jornalista Expedito Silva. Depois de visitar um dos acampamentos Expedito
noticiou que naquelas escolas “de pé no chão também se aprende a ler”, e apontava no sentido
128 GOÉS, Op. Cit. p.37 129 Idem,. p.37 130 Prefeitura de NATAL, Relatório para o I Encontro Nacional de Cultura e Alfabetização Popular, Recife, 1963, p. 2. NEDEJA/UFF
56
de que, a partir daquele momento a educação “não seria mais privilégio, pois todos teriam
acesso à Escola, sem fardas, com qualquer roupa e até mesmo sem calçados”.
A expansão da rede de “escolinhas” foi o primeiro passo da Campanha para
democratizar o acesso à educação na cidade. As escolinhas funcionaram em locais cedidos
por sindicatos, associações de moradores e organizações da sociedade civil. No final de 1960,
Natal contava com 88 escolinhas, no início do ano seguinte esse número passou para 169.131
O segundo passo foi a construção dos Acampamentos Escolares, imensos barracões de
madeira, cobertos com palha de coqueiro, onde eram construídas em média quatro salas de
aula. As obras dos acampamento tiveram início quase imediatamente, em 23 de fevereiro de
1961, o prefeito pessoalmente, “recrutava alunos para a escola de palhas.”132 O Acampamento
Escolar das Rocas foi o primeiro a ser construído, e entrou em funcionamento a partir de abril,
eram 16 salas de aula funcionando em três turnos, o que totalizava 48 turmas. Em agosto
começou a funcionar o segundo Acampamento, o do Carrasco, com 12 salas de aula e três
turnos, totalizando mais 36 turmas. No fim do ano de 1961 a Campanha aumento para 243
turmas, somadas as escolinhas e os dois Acampamentos Escolares. Isso significou que o
número de matriculados saltou de 2.974 em novembro de 1960, para 7.845 em setembro de
1961.133 O corpo técnico dos acampamentos era composto por um diretor, professoras,
recreadoras, merendeiras, secretária, servente e vigias.
A expansão da oferta do número de vagas foi acompanhada por outras medidas, que
visavam em seu conjunto dar suporte ao funcionamento das escolas. Em outubro de 1961
Margarida de Jesus Cortez assumiu a coordenação da Orientação Pedagógica da Campanha;
também foi criado o Grupo de Trabalho em Educação Popular (GTEP), cujo Supervisor
Administrativo era Antonio Campos e Silva. No caso da orientação pedagógica, em reunião
com as orientadoras, dois problemas surgiram logo de início. O primeiro problema
identificado era a sobrecarga de trabalho das orientadoras, era “grande o número de escolas
que cada orientadora tinha a seu cargo”,134 e o segundo o “pouco preparo por parte das
professoras, não somente quanto ao conteúdo, mas também, e sobretudo, quanto ao
conhecimento das modernas técnicas de direção da aprendizagem”. No sentido de tentar
solucionar o problema foram marcados encontros semanais com as orientadoras, a partir
destes encontros ficou definido a aplicação de uma prova para “auferir o rendimento escolar
131 Prefeitura de NATAL, Boletim-Edição Extra, p. 177-184 132 GOÉS, Op. Cit. p. 38 133 Prefeitura de NATAL, Boletim, p. 177-184 134 Prefeitura de NATAL, Relatório de Orientação Técnica Pedagógica, 27 de dezembro de 1961, p. 185-186
57
alcançado durante o ano” e o planejamento de um curso preparatório para 250 professoras que
“integrarão a Campanha no próximo ano.” A avaliação dos resultados das provas demonstrou
que o Acampamento das Rocas teve o melhor aproveitamento, e que as escolinhas fora dos
Acampamentos apresentaram um “resultado muito inferior. Isto deve-se ao fato de que as
escolas situadas fora dos Acampamentos tiveram pouca assistência técnica.”135 A partir da
avaliação foram pensadas propostas para 1962, as principais delas eram o aumento do número
de orientadoras, o preparo das professoras “partindo das deficiências constatadas, dando
particular ênfase à parte metodológica,” aumentar o número de avaliações e o
acompanhamento das professoras e orientadoras.
A principal função do GTEP era apoiar as equipes que coordenavam os
acampamentos, realizando pesquisas domiciliares, estudos sobre os testes aplicados aos
alunos, a organização de bibliotecas e círculos de leitura e a coordenação dos grupos de pais e
professores. O grupo trabalhava no sentido de “vincular o Acampamento às organizações
populares e lideranças culturais mais expressivas do bairro onde se localizava.”136 No caso da
Acampamento das Rocas, por exemplo, teve início um trabalho conjunto com a Sociedade
Araruna de Danças Antigas.
No final de 1961 o GTEP apresentou ao Prefeito Djalma Maranhão um relatório com
os resultados de uma pesquisa domiciliar realizada junto aos pais dos alunos, de acordo com o
relatório apenas 0,07% dos entrevistados responderam negativamente à pergunta: “O Sr. está
satisfeito com a escola de seu filho?”, este dado revela a aprovação e a aceitação da iniciativa.
Quando perguntados se o filho aprendeu de fato durante o ano letivo, novamente a grande
maioria dos entrevistados respondeu que sim (2.086) e apenas 49 que não. Porém, foi
significativo que 458 pessoas não responderam à questão, para o GTEP esse número
demonstra “o pouco interesse dedicado ao problema.” O principal problema das escolas, de
acordo com a pesquisa, era a falta de carteira, seguido da recreação, da pouca severidade e do
pouco aproveitamento, mas para a grande maioria dos entrevistados não havia nenhum
problema. Por outro lado, quando a pergunta era sobre do que se mais gostou na escola, as
respostas apontaram primeiramente para as professoras, depois para a idéia do Prefeito e a
escola em sua totalidade137. De forma geral o que se percebe é a aprovação da Campanha e a
boa receptividade que tiveram nos bairros da periferia de Natal. Sendo os problemas
135 Idem, p. 187-188 136 GOÉS, Op. Cit. p. 72 137 NATAL, Relatório, Op. Cit. p. 210
58
principais a precariedade da estrutura e formação das professoras, e a falta de material
próprio.
O primeiro ano de funcionamento da Campanha marcou o início de um trabalho de
organização do sistema de ensino municipal, orientado por uma necessidade de expansão e
democratização da educação, esse trabalho teve como principal marca a participação política
das classes populares. A mobilização popular iniciada com os Comandos Populares e depois
organizada pelos Comitês Nacionalistas alcançou a educação. O combate ao analfabetismo e a
expansão da oferta de vagas nas escolas se tornou a prioridade da Prefeitura de Natal. Em
menos de um ano a Campanha conseguiu mais que dobrar o número de alunos atendidos pelas
“escolinhas”; construiu os dois primeiros Acampamentos Escolares, e passou a oferecer um
trabalho de apoio, avaliação e orientação às escolas. O Ano de 1961 foi marcado por “um
clima emocional muito grande, quando a Campanha procurou ganhar a cidade, mobilizando a
opinião pública, a partir das Rocas”.138 Na avaliação de Góes, nessa fase inicial a pedagogia
da Campanha era “liberal, de reprodução do sistema” acompanhada de uma postura de “levar
a verdade ao povo”. Aos poucos a Campanha evoluiu para uma postura mais progressista, e
identificada com as formulações políticas e pedagógicas em elaboração no MCP. A relação da
Campanha com o MCP foi uma conseqüência direta dos vínculos entre as esquerdas no
Nordeste. Djalma Maranhão fez seus primeiros contatos políticos fora do Rio Grande do
Norte, com o prefeito do Recife, Miguel Arraes e o vice-governador de Pernambuco,
Pelópidas Silveira, ambos da Frente do Recife.139
6 – O Movimento de Educação de Base
O surgimento do MEB em 1961 está diretamente relacionado às eleições presidenciais
ocorridas no ano anterior. No final de seu mandato, Juscelino Kubitschek deu início a uma
estratégia política que visava seu retorno a presidência em 1965. Nesse sentido, começou por
desprestigiar possíveis candidatos do PSD, apostando numa perspectiva de derrota nas
eleições de 1960. Vislumbrando medidas economicamente recessivas e antipopulares para seu
sucessor, começou a defender um nome da UDN como de união nacional, seu preferido era
Juracy Magalhães, da Bahia. Como explica Sheldon Maram: “Se de início Juscelino não
138 GÓES, Op. Cit. p. 160 139 GERMANO, Op. Cit. p.83
59
tentou bloquear a candidatura Lott, uma vez descartadas definitivamente as candidaturas dos
principais líderes pessedistas, começou a trabalhar a sério no sentido de lançar Juracy
Magalhães como candidato capaz de unir a nação”.140 Carlos Lacerda, depois de procurado
por Magalhães, percebeu a interferência de JK, e como via no presidente um herdeiro direto
do getulismo, imediatamente começou a trabalhar por outro nome para a UDN. Nada melhor
do que um campeão de votos como o governador paulista Jânio Quadros. Com uma carreira
política meteórica Jânio parecia, aos olhos de Lacerda, a melhor possibilidade para a UDN
conquistar a presidência, mesmo que de forma indireta, já que Quadros era do pequeno PTN.
A campanha udenista pelo nome de Quadros é reforçada com o apoio do governador de Minas
Magalhães Pinto. Em convenção tumultuada, realizada em novembro de 1959, a UDN
escolheu Jânio Quadros como candidato a presidência.
As eleições de 1960 foram marcadas pelo confronto ideológico. Enquanto Lott
defendia uma plataforma nacionalista e agregava setores mais à esquerda, Quadros realizava
uma campanha calcada na denúncia da corrupção, no moralismo e no ataque à burocracia
estatal, segundo Markun e Hamilton, “prometia, entre gritos e gestos, cadeia para os ladrões e
chicote para os maus funcionários públicos. O povo delirava”.141 Por seu turno Lott, apesar da
retidão de caráter e de um programa avançado, não tinha o tino político do adversário,
tocando sempre questões polêmicas sem o habitual jogo de cintura dos políticos.
O MEB foi gerado ainda durante a campanha presidencial, fruto de um acordo político
entre a Igreja Católica e a candidatura de Jânio Quadros. Em campanha pelo Nordeste
Quadros conheceu em Natal as experiências da Igreja Católica com alfabetização de adultos
pelo rádio. Em passagem por Aracaju se reuniu com o bispo D. José Távora, então
responsável pelas escolas radiofônicas. Após o resultado das eleições, e com a vitória de
Quadros, D. Távora realizou consultas e conversas no interior da Igreja, e, em 11 de
novembro de 1960, propôs em carta ao presidente eleito a criação de uma rede nacional de
alfabetização de adultos por meio de escolas radiofônicas. Em 21 de março de 1961 Jânio
Quadros assinou, no Palácio do Planalto em Brasília, o Decreto 50.370 de criação do MEB,
“mediante o qual o Governo Federal forneceria recursos – através de convênios com órgãos
da administração federal – para serem aplicados no programa da CNBB.”142
140 Sheldon MARAN, “Juscelino Kubitschek e a política presidencial”. In, GOMES. Op. Cit. p.163 141 MARKUN e HAMILTON. Op. Cit. p.35 142 Luiz Eduardo WANDERLEY. Educar para Transformar: educação popular, Igreja Católica e política no Movimento de Educação de Base, Petrópolis: Vozes, 1985, p. 48
60
Fora as boas intenções, tanto dos bispos quanto do presidente, é possível perceber
várias motivações para a realização da campanha de alfabetização iniciada pelo MEB. Para os
bispos, além de prestígio e a liberação de canais radiofônicos para sua rede de emissoras de
rádio, era uma oportunidade de contribuir com a formação educacional dos camponeses e ao
mesmo tempo fazer frente ao avanço de grupos políticos de esquerda no campo,
principalmente os comunistas. Para o Governo Federal, tendo em vista que a Constituição
vigente na época proibia o voto ao analfabeto, a campanha de alfabetização poderia aumentar
significativamente o número de eleitores, além de demonstrar uma preocupação especial com
a questão educacional, respondendo aos apelos da UNESCO e de diversos educadores
nacionais.143
O movimento foi criado a partir de um convênio entre o Governo Federal e a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB. Enquanto a Igreja entraria com o
pessoal, a organização e a execução do trabalho, o governo daria sustentação política e arcaria
com os custos do projeto. As rádios estavam organizadas na Rede Nacional de Emissoras
Católicas (RENEC). O Ministério de Viação e Obras Públicas, responsável, na época, pela
concessão de canais de radiodifusão, agilizou os processos de criação e ampliação das
emissoras católicas. O apoio governamental não parou aí. O movimento contou ainda com o
auxílio de outros ministérios, como os da Educação, Agricultura e Saúde, além da liberação
de funcionários públicos para trabalharem no MEB.
A estrutura do MEB era formada por um Conselho Diretor Nacional, submetida a este
a Comissão Executiva Nacional, depois pelos Conselhos Diretores Estaduais, e pelos Sistemas
Radioeducativos Locais, que contavam com suas respectivas Equipes Locais. Na base de todo
o sistema estavam as Escolas Radiofônicas. Os dois primeiros anos de funcionamento do
MEB serviram para a montagem de sua estrutura. A ação inicial foi a alfabetização de adultos,
utilizando redes de rádios e escolas radiofônicas. Osmar Fávero, ex-coordenador nacional do
MEB nos anos 60, afirma que se pretendia “complementar a alfabetização com esse conteúdo
de educação de base, em termos de formação moral e cívica, educação sanitária, iniciação
profissional e promoção social”.144 Nesta primeira fase não faltou ao movimento “um forte
componente de instrução religiosa, expresso ou não sob a forma catequética.” Em certo
sentido a idéia de converter, de acordo com Fávero, as escolas em núcleos de “organização da
comunidade a que pertencia, tendo em vista seu desenvolvimento” poderia ser vista como
143 WANDERLEY, Op. Cit. pp.50-52 144 Osmar FÁVERO, “Uma Pedagogia da Participação Popular: Análise da prática pedagógica do MEB – Movimento de Educação de Base, 1961 – 1964”. São Paulo: PUC, 1984. (Tese de Doutorado). p.14
61
uma influência das idéias presentes nas campanhas anteriores, sobretudo a experiência das
Missões Rurais.145 O MEB buscava com este sistema “ajudar na promoção do homem
rural.”146
O movimento iniciou suas atividades atuando nas regiões Norte, Nordeste e Centro-
Oeste. O primeiro plano de aplicação de verbas solicitadas pelo MEB ao Governo Federal
previu um gasto de 414 milhões de cruzeiros, dos quais apenas 150 milhões foram liberados e
recebidos pelo Movimento. Com esse recurso o movimento chegou em dezembro de 1961
com 11 Sistemas Radioeducativos147, que abrangiam 2.687 escolas atendendo a 38.734
alunos.148 As escolas eram, normalmente, nas casas dos monitores, e composta por um rádio,
um quadro negro e material pedagógico. O público do MEB foi, sobretudo, de trabalhadores
rurais e camponeses. O MEB conseguiu atingir com mais força o interior, o sertão, os grotões
do país. Depois das Campanhas dos anos 1940 e 1950, o movimento foi o que conseguiu
atingir um maior número de pessoas, em regiões onde se concentravam os maiores índices de
analfabetismo do país.
A Igreja já possuía sistemas radioeducativos no Nordeste; influenciadas pela
experiência colombiana de Sutatenza iniciada em 1948, as Arquidioceses de Natal e Aracaju
criaram sistemas educativos através do rádio. Em Natal desde 1958 funcionavam escolas
radiofônicas no interior do Serviço de Assistência Rural (SAR), um trabalho de
desenvolvimento das comunidades rurais localizadas na Diocese.149 Entre 1958 e 1960 se
matricularam 6.200 alunos nas escolas radiofônicas do SAR. Em Sergipe o sistema
radioeducativo funcionava em convênio com o SIRENA, o Sistema Rádio Educativo
Nacional, criado pelo MEC em 1958. O Sistema Radioeducativo de Sergipe ou SIRESE,
como ficou conhecido, era um sistema regional completo, contando com “centro de execução,
centro de treinamento de pessoal, estação transmissora e uma rede de escolas radiofônicas”.150
Essas duas experiências forneceram as bases do MEB, foi a partir delas que a Igreja
conseguiu, com o apoio e o financiamento do Estado, dar início a organização de um amplo
sistema radioeducativo.
O Movimento conheceu desde cedo uma rápida expansão, um crescimento sem muita
preparação no início, caracterizado pela “criação de escolas radiofônicas em localidades, sem
145 Osmar FÁVERO, MEB – Movimento de Educação Popular: Primeiros Tempos. In ROSAS, Op. Cit. p. 158 146 PAIVA (1987), Op. Cit. p. 240 147 WANDERLEY, Op. Cit. p. 59 148 Emanuel de KADT, Católicos Radicais no Brasil, João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2003. p. 197. 149 KREUTZ, Op. Cit. p.65 150 FÁVERO (2002), Op. Cit. p. 157
62
um estudo prévio, principalmente tendo por base todo um trabalho já existente do SAR”.151
As lideranças eram escolhidas “através dos párocos e outros líderes que já atuavam na área,”
as comunidades procuravam a paróquia para solicitar escolas. Naquele momento inicial “as
escolas chegavam ao povo através da chamada ‘liderança institucional’: prefeito, professores,
técnicos (...) e principalmente dos vigários”.152 O trabalho posterior do movimento foi no
sentido de organizar melhor a escolha das comunidades, além dos estudos prévios houve uma
ampliação do raio de ação do MEB, a partir do momento em que passou a atender e organizar
os Sindicatos de Trabalhadores Rurais.
A elaboração dos programas e das aulas a serem transmitidas foi regionalizada desde o
início, a experiência do SIRENA mostrava que “a produção centralizada a nível nacional e os
cursos gravados em discos, com vozes de locutores profissionais, não atingiam a população
rural.”153 O conteúdo das aulas se mostrava muito teórico, “os conceitos, distantes da
realidade; as situações, irreais”. Nesse sentido, o MEB procurou, desde o início criar equipes
que fossem responsáveis pela produção dos programas e aulas. Cada sistema tinha por base
uma emissora, que contava com uma equipe formada pelas professoras locutoras,
supervisoras, coordenação e administração. Também nesta fase inicial, por falta de material
próprio, o Movimento utilizou o material didático disponível, como os folhetos Ler e Saber e
o Caderno de Aritmética do Serviço Nacional de Educação de Adultos; a Radiocartilha do
SIRENA e o livro Riquezas do Brasil da Editora Agir. O material foi aos poucos sendo
substituído por material pedagógico próprio, já que esses textos estavam completamente fora
da realidade dos alunos. Em geral, “davam aos adolescentes e aos adultos o mesmo
tratamento dado às crianças, quase sempre projetando valores e imagens da vida urbana.” 154
No seu primeiro ano de funcionamento o MEB conheceu um processo de organização,
criando ao todo 11 Sistemas Radioeducativos, separados por Diocese, atingindo um grande
número de regiões, estados e municípios do interior do país.
151 Relatório MEB/Natal, 1965 Citado por FÁVERO, Osmar. Uma Pedagogia da participação popular: análise da prática educativa do MEB – Movimento de Educação de Base (1961-1966). Campinas: Autorse associados, 2006. p.132 152 FÁVERO (2006), Op. Cit. p. 134 153 FÁVERO (2006), Op. Cit. p. 148 154 FÁVERO (2006), Op. Cit. p.176
63
Capítulo Segundo – Tempo de Crescer (1961 – 1963)
Como vimos no capítulo anterior, depois de beirar a guerra civil com a crise da
renúncia, o Brasil assistiu em 7 de setembro de 1961 João Goulart assumir a Presidência da
República. O acordo que pôs fim à crise e possibilitou a posse de Goulart implantou o regime
parlamentarista foi possível graças a três fatores distintos: o crescimento do apoio na
sociedade ao movimento de defesa da Constituição, a divisão no interior das Forças Armadas,
e a intervenção do Congresso Nacional na negociação política e na mudança institucional. O
golpe dos ministros militares para impedir a posse de Goulart fracassou diante da mobilização
popular, política e militar.
O parlamentarismo previa uma divisão entre chefe de Estado e chefe de Governo, o
presidente da República é o representante maior do Estado, porém quem administra e
comanda o poder Executivo é o primeiro ministro. Há, em tese, uma divisão de poder: a idéia
é dar um mecanismo de melhor resposta do Estado à crises políticas, já que o presidente pode
convocar novas eleições parlamentares em determinadas situações, possibilitando assim que a
sociedade possa recondicionar as forças políticas. Entretanto, o parlamentarismo brasileiro foi
bastante peculiar. Permitiu, por exemplo, a imposição dos ministros militares ao Congresso de
duas condições para aceitarem a solução parlamentarista; a retirada na prática do poder de
João Goulart de convocar eleições, que somente estaria valendo a partir da próxima
legislatura, e a inclusão do “risco de segurança nacional” como um dos possíveis motivos para
o impeachment do presidente.
A divisão de poderes entre primeiro-ministro e presidente não era clara, permitindo
diversas sobreposições. Se por um lado o primeiro-ministro era o responsável pelo poder
executivo, por outro, cabia ao presidente a indicação do Conselho de Ministros, a nomeação
dos cargos públicos, e até mesmo o poder de vetar projetos de lei. O ato adicional que
regulamentou o parlamentarismo brasileiro, estabeleceu um “regime parlamentarista
‘híbrido’, que acomodou os interesses dos principais grupos envolvidos no compromisso, à
custa de uma atuação eficaz e do funcionamento do governo”.155 A mudança para o
parlamentarismo deveria passar, ainda, por um processo de regulamentação no Congresso, por
um referendo popular, e pela extensão do novo regime para Estados e Municípios. O resultado 155 Argelina Cheibub FIGUEIREDO, Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política: 1961 – 1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993. pp. 48-49
64
principal de todas essas contradições foi tornar mais difícil o funcionamento do governo e sua
capacidade de responder as demandas crescentes da sociedade.
O significado daquela opção parlamentarista, para Argelina Figueiredo, foi a exclusão
da “possibilidade de um programa abrangente de reformas políticas e sociais mais profundas,
como era exigido pelos grupos nacionalista e de esquerda,”156 representava na verdade, uma
tentativa de contê-las no seu formato mais radical, tirando poder do presidente e passando-o
ao Congresso Nacional. Isso permitiria a implementação de reformas mais moderadas mas
que, ao mesmo tempo, fossem capazes de aquietar aquela mobilização política e popular
crescente.
No dia seguinte a sua posse, Goulart indicou Tancredo de Almeida Neves para o cargo
de Primeiro Ministro, o Congresso Nacional aceitou a indicação de Tancredo e de todo o seu
Gabinete, formado com o objetivo de dar equilíbrio ao sistema político. Goulart procurou
“desarmar seus opositores conservadores, procurando ampliar sua base política com o apoio
do centro, sobretudo com o PSD, mas, ao mesmo tempo, não querendo abrir mão de suas
relações com as esquerdas”157. No período em que ocupou o cargo de primeiro ministro
Tancredo procurou adotar uma linha moderada de governo, com a formação de um ministério
de união com representantes de PSD, UDN e PTB.
No que diz respeito à política internacional o gabinete Tancredo Neves deu
continuidade a linha independente inaugurada por Jânio Quadros, o ministro das relações
exteriores San Thiago Dantas procurou se aproximar do bloco socialista europeu, não apoiar a
intervenção em Cuba, e reatar as relações diplomáticas com a URSS, rompidas desde 1947.
Essas iniciativas foram prontamente combatidas pelos setores conservadores, inclinados a
negar qualquer tipo de relação com os países “comunistas”.
Do ponto de vista econômico a crise era grave, a inflação estava em alta e em
crescimento. Na tentativa de resolver esses problemas, o ministro da Fazenda, Walter Moreira
Sales, deu início a uma polícia econômica ortodoxa, caracterizada por “um programa rígido
de combate à inflação”, procurando “ganhar a credibilidade dos banqueiros internacionais”.158
João Goulart na intenção de apoiar essa política econômica iniciou uma visita oficial aos
Estados Unidos em abril de 1962, procurando arrancar tempo e dinheiro dos banqueiros
156 Idem p.53 157 Jorge FERREIRA, “O Governo Goulart e Golpe Civil/Militar de 1964”. In FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org). O Brasil Republicano: O tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p.348 158 Idem, p.351
65
estadunidenses e, ao mesmo tempo, afastar as desconfianças dos EUA, quanto à
nacionalização de empresas norte-americanas no Rio Grande do Sul, e ao posicionamento em
relação a Cuba.
Naquele contexto, uma das principais novidades foi a crescente mobilização política
das classes populares e movimento de radicalização das esquerdas. Eram muitos os grupos,
movimentos, partidos e políticos de esquerda. Destacavam-se o Partido Comunista Brasileiro
(PCB), a União Nacional dos Estudantes (UNE), as Ligas Camponesas, a organização e
mobilização dos subalternos das Forças Armadas, sobretudo os sargentos, o PCdoB, a
POLOP, e os nacional-revolucionários liderados por Leonel Brizola.159 O programa
reformista deste amplo setor identificado como as esquerdas, girava em torno de um programa
de reformas que fosse capaz de superar a crise, e iniciar um processo de desenvolvimento
nacional pautado na distribuição de renda. Esse conjunto de grupos e movimentos apoiou a
luta pela legalidade entre agosto e setembro de 1961, ajudando a garantir a posse de Goulart e
se opuseram ao acordo parlamentarista, por considerá-lo um golpe contra a democracia e a
Constituição, mas principalmente, contra as Reformas de Base.
A crescente radicalização das esquerdas era influenciada por dois movimentos. Do
ponto de vista externo, a forte influência da revolução cubana e do processo de independência
da Argélia. Do ponto de vista interno, a ascensão de um forte e expressivo movimento
popular, sobre o qual as esquerdas puderam se apoiar. Após a Campanha da Legalidade as
esquerdas viram no novo presidente a possibilidade concreta de realizar as reformas.
Entretanto, a “euforia inicial com a posse logo foi transformada em impaciência. Afinal,
estudantes, sindicalistas, artistas, intelectuais e esquerdistas acreditavam que havia chegado a
hora das reformas”.160 Por seu lado, Goulart havia conseguido tomar posse diante daquela
grave. Mais do que implementar reformas estruturais da sociedade, “Goulart e Neves
concordaram em formar um governo de unidade nacional em vez de um gabinete
partidário”.161
Para as esquerdas a palavra “conciliação” era um insulto, uma postura inaceitável de
aproximação com os setores conservadores da sociedade. Por volta de maio de 1962, Goulart
já com segurança no cargo, sentiu a necessidade de se reaproximar dos setores nacionalistas,
aqueles grupos eram fundamentais tanto para a realização das reformas como para a
159 Idem, pp.354-355 160 Idem, p.356 161 FIGUEIREDO, Op. Cit. p.64
66
recuperação de seus poderes. Jango avaliava que somente depois do retorno ao
presidencialismo, teria poderes para implementar um conjunto de reformas. Afastou-se do
conselho de ministros, um dos principais espaço da política de conciliação, e iniciou com
mais ênfase a campanha pelo retorno ao presidencialismo. A partir daquele momento “a
política de compromisso e de união nacional perderam o sentido”.162
Entre junho e julho de 1962 o país conheceu a primeira crise do regime
parlamentarista, as tentativas de formação do segundo gabinete parlamentar. As atitudes do
Goulart, foram no sentido de desgastar o regime para antecipar o plebiscito. Nesse sentido,
indicou San Thiago Dantas para substituir Tancredo Neves no cargo de Primeiro Ministro.
Dantas teve seu nome recusado pela UDN e pelo PSD em votação no Congresso Nacional.
Numa segunda tentativa de compor o novo gabinete, Goulart indicou o conservador Auro de
Moura Andrade do PSD paulista, seu nome foi aprovado pelo parlamento em 3 de julho de
1962. No entanto, seu gabinete nem chegou a ser constituído, Goulart havia exigido de Auro
uma carta renúncia assinada e sem data, para usar “em caso de eventual fricção insanável
entre ambos”163. O novo primeiro-ministro começou a montar seu gabinete sem consultar
Goulart, privilegiando políticos conservadores. A reação dos sindicatos foi convocar uma
greve geral. Diante daquela possível situação de impasse e crise, Goulart resolveu usar a carta,
Moura Andrade ficou sabendo de sua renúncia no plenário do Congresso, por meio do
discurso do deputado trabalhista Almino Afonso.
Em 10 de julho o congresso aprovou o nome de Francisco Brochado Rocha, do PTB
gaúcho, para primeiro-ministro. Este ficou até a votação da emenda Oliveira Brito, em 14 de
setembro, que propunha o aumento dos poderes do gabinete. Com a derrota da emenda, Rocha
renunciou. O terceiro e último primeiro-ministro foi Hermes Lima, que assumiu o cargo ainda
em setembro de 1962 e ficou até o final da curta experiência parlamentarista republicana no
Brasil em janeiro de 1963. Nas eleições em outubro, o PTB teve um importante crescimento
no Congresso, fortalecendo a posição de Goulart. Entretanto, nas eleições para governador, a
oposição venceu em importantes estados como Rio Grande do Sul, Guanabara e São Paulo. A
maior vitória das esquerdas nas eleições para governador daquele ano foi a eleição de Miguel
Arraes em Pernambuco.
162 FERREIRA, Op. Cit. p.357 163 Lucília de Almeida Neves DELGADO e Vera Alice Cardoso SILVA. Tancredo Neves: a trajetória de um liberal. Petrópolis: Vozes, Belo Horizonte: EdUFMG, 1985, p. 225
67
O debate político no segundo semestre de 1962 foi pautado pela antecipação ou não do
plebiscito sobre o sistema de governo. Além do próprio presidente, que era o maior
interessado na realização do plebiscito, os futuros candidatos a presidente, os governadores,
setores militares, e as esquerdas eram favoráveis a antecipação. Contando com uma forte
corrente no interior das Forças Armadas, a coalizão anti-parlamentarista conseguiu fazer o
Congresso ceder e a antecipação do plebiscito foi aprovado, sendo convocado para o dia 6 de
janeiro de 1963.
No dia de Santos Reis, enquanto as folias estavam fazendo as suas “chegadas” pelo
país, cerca de 12 milhões de eleitores foram às urnas para escolher o regime de governo, para
decidir entre a continuidade do parlamentarismo ou o retorno ao presidencialismo. A vitória
do presidencialismo foi por uma ampla maioria de votos. Entretanto, não pode ser creditada
somente aos setores nacionalistas e de esquerda, que queriam ver Goulart com seus plenos
poderes na presidência visando a realização das reformas de base. De olho nas eleições de
1965, nomes como Juscelino Kubitschek, Magalhães Pinto, Juracy Magalhães e mesmo
Carlos Lacerda se colocaram contra o parlamentarismo. A previsão de extensão do
parlamentarismo aos estados em 1965, foi um importante fator que empurrou os governadores
para o presidencialismo.164
De todo modo, a posse de João Goulart na presidência foi muito importante para os
movimentos de educação e cultura popular, nas periferias das grandes cidades e nos grotões
do interior do país, as experiências de alfabetização de adultos se multiplicavam. Como
veremos a seguir, os movimentos conheceram nessa fase a consolidação de seus trabalhos e
um crescimento significativo. Foi neste mesmo momento que aconteceram os primeiros
contatos entre os movimentos e o MEC, na gestão de Oliveira Brito, que evoluiu para um
apoio mais consistente com a posse de Darcy Ribeiro no Ministério em setembro de 1962. O
alto índice de 50% de analfabetos criava uma demanda constante por alfabetização de adultos
em todo o país. A partir da iniciativa dos primeiros movimentos no nordeste, começaram a
surgir no centro sul do país outros movimentos. O setor que mais se engajou foi o movimento
estudantil, este passou a ver na alfabetização de adultos um instrumento de aproximação e
mobilização das camadas populares. A exigência de alfabetização para se ter o direito ao voto
tornava a ação ainda mais importante, já que funcionavam como instrumentos de inclusão das
camadas populares no processo político.
164 FIGUEIREDO, Op. Cit. p. 57
68
1 – Os estudantes e a alfabetização de adultos: AP, CPC e UNE.
Os anos de 1961 e 1962 foram para a UNE bastante agitados, o movimento estudantil
naquele momento experimentou um processo de radicalização e forte ativismo. Foi a fase de
predomínio dos estudantes da esquerda católica na direção da UNE, do surgimento da Ação
Popular, a criação do CPC e a sua atuação no campo artístico e universitário propondo um
conceito de “arte popular revolucionária”. Na UNE a discussão em torno da necessidade de se
fazer uma reforma profunda na universidade provocou a UNE-Volante e a greve do um terço.
A inserção dos estudantes católicos no movimento estudantil universitário se deu pela
Juventude Universitária Católica (JUC), um dos vários organismos criados pela Ação
Católica, organizada no Brasil no final dos anos 20. A Ação Católica Brasileira tinha dois
objetivos básicos, abrir espaços para um maior envolvimento dos leigos por um lado, e
aumentar a influência da Igreja Católica por outro. Inicialmente a JUC se manteve fiel a esses
objetivos e somente nos anos 1950 começou uma reflexão mais ampla sobre o seu papel
dentro da universidade, além de garantir a formação de uma elite intelectual cristã.
Com grande desenvolvimento no meio universitário, a JUC contava com estrutura e
apoio da hierarquia católica. No final dos anos 1950 e início dos anos 1960 começou a
“virada”. Os universitários católicos iniciaram uma reflexão sobre a sociedade brasileira que
culmina com a opção pelo socialismo e a condenação do capitalismo como sistema injusto e
desigual. Aos poucos foi superando uma visão orgânica e corporativa da sociedade, essa
superação representou um esforço “para a JUC, avançar em poucos anos até chegar, em 1960,
a uma explicitação de uma opção socialista”.165
Em 1960, durante um Congresso Nacional da JUC, o grupo jucista de Belo Horizonte,
formado mais exatamente por estudantes do curso de Ciências Sociais da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), entre eles Herbert de Souza, lançou um documento
intitulado: Algumas diretrizes de um ideal histórico cristão para o povo brasileiro, o
documento condenava o capitalismo como um sistema alienante, que transforma o trabalho
em mercadoria e estabelece uma “ditadura da propriedade privada, não submetida às
exigências do bem comum; abuso do poder econômico de toda sorte, de outro; motivação
central no espírito do lucro; criação e sustentação da condição proletária, etc.”166 O
envolvimento de um número cada vez maior de quadros da JUC no movimento estudantil foi 165 Luiz Alberto Gomez de SOUZA. A JUC: os estudantes católicos e a política. Petrópolis: Vozes, 1984, p. 116 166 JUC Regional Centro-Oeste. Algumas diretrizes de um ideal histórico cristão para o povo brasileiro. In: LIMA, Luiz Gonzaga Souza. Evolução política dos católicos e da igreja no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1979
69
sem dúvida, um passo fundamental para a radicalização cada vez maior do movimento e a
desconfiança crescente da hierarquia católica mais conservadora, que não concordava com a
aproximação entre a JUC e outros grupos de esquerda, sobretudo os comunistas.167
Os militantes da JUC estavam cada vez mais envolvidos com as atividades do
movimento estudantil. Em 1960 a JUC participou ativamente do congresso da UNE,
chegando a ter o jucista mineiro Herbert de Souza (Betinho) como candidato para a
presidência da UNE, mas sua candidatura foi retirada. O DCE da PUC-Rio, ligado à JUC,
lançou primeiro uma carta condenando a tentativa de invasão de Cuba pelos EUA, e depois o
chamado Manifesto da PUC, que levantou “exatamente a questão da inserção política do
católico, do cristão.”168 Em meados de 1961 a JUC chegou à presidência da UNE com a
eleição de Aldo Arantes, inaugurando uma longa fase de hegemonia da esquerda católica na
entidade. As posturas dos militantes da JUC dentro da UNE, colocaram em alerta os setores
mais conservadores da Igreja Católica, Arantes foi intimado pelo Cardeal do Rio de Janeiro
D. Jayme Câmara a optar entre a JUC e a UNE. A escolha pela permanência na direção da
UNE fez com que as relações entre hierarquia e os militantes da esquerda da JUC ficassem
ainda mais estremecidas.
Ainda em 1961 a CNBB reagiu e elaborou uma série de documentos restringindo a
ação dos militantes fora do movimento, na tentativa de impedir a militância no movimento
estudantil, além de combater as posições progressistas que a JUC vinha tomando. A Comissão
Episcopal da Ação Católica definiu em suas diretrizes, que “a partir de 1962, nenhum
dirigente jucista poderá concorrer a cargos eletivos em organismos de política estudantil,
nacionais ou internacionais, sem deixar os seus postos de direção da JUC.”169 Isso também se
aplicava no caso de “participação ativa em partidos políticos.” As relações foram ficando cada
vez mais tensas entre a hierarquia e a esquerda da JUC. Isso fez com que alguns de seus
membros trabalhassem no sentido de construir um espaço político de atuação fora da Igreja.
Iniciado no final de 1961 essa ação culminou em 1962 com a formação da Ação Popular. No
início daquele ano em Belo Horizonte três diferentes grupos se reuniram para organizar a AP.
O grupo de BH ligado ao jornal Ação Popular, o grupo da PUC/RJ liderado pelo Pe. Henrique
Vaz e o grupo da UNE de Aldo Arantes. O encontro contou com cerca de uma centena de
pessoas e foi marcado, sobretudo, pela necessidade de se criar um organismo independente da
167 Giovanni SEMERARO. A Primavera dos Anos 60: A geração de Betinho. São Paulo: Loyola, 1994, p. 53. 168 Jalusa BARCELLOS, O CPC da UNE: Uma História de Paixão e Consciência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. p.25 169 CNBB. Diretrizes da comissão episcopal da ACB e do Apostolado dos Leigos para a JUC nacional. Revista Eclesiástica Brasileira, vol. XXI, fasc. 4, DEZ. de 1961, pp. 944-950. Citado por SEMERARO, Op. Cit. p. 55
70
hierarquia católica, que possibilitasse aos militantes cristãos uma maior liberdade de ação,
ação sobretudo política, visando a transformação radical da sociedade brasileira através da
atuação em diversos movimentos sociais. A AP passou a atuar em três diferentes movimentos,
na UNE, nos movimentos de educação e cultura popular, e mais tarde, por meio do MEB, no
sindicalismo rural.
Neste mesmo período um grupo de artistas, intelectuais e estudantes começaram a se
reunir com o objetivo de “descobrir fórmulas capazes de fazer da cultura uma ferramenta na
batalha pelas transformações sociais”.170 A partir da encenação da peça A Mais Valia vai
acabar, seu Edgar Vianinha, Chico de Assis e Carlos Estevam Martins deram início ao
processo que culminou com a formação do Centro Popular de Cultura (CPC). Uma das
preocupações era romper com a cultura dominante, estabelecendo uma “cultura popular
revolucionária”. A cultura aparecia como instrumento de libertação do povo.
Lançado em 1962 o Manifesto do CPC apresentou o conceito de Arte Popular
Revolucionária, justificando as ações e as concepções de arte e cultura para o CPC, de acordo
com o texto a arte revolucionária “pretende ser popular quando se identifica com a aspiração
fundamental do povo, quando se une ao esforço coletivo que visa dar cumprimento ao projeto
de existência do povo”.171 Um projeto no qual o povo “nega sua negação, se restitui a posse
de si mesmo e adquire a condição de sujeito de seu próprio drama.”
A produção artística do CPC foi vasta. Apesar do pouco tempo de existência, o Centro
encenou diversas peças, publicou livros, produziu curtas e discos. Um dos exemplos do
trabalho teatral do CPC foi a peça o Auto dos 99%: onde se vê como a Universidade
brasileira capricha no subdesenvolvimento, o texto faz uma análise crítica e irônica da
história do Brasil, realizando também uma crítica à universidade. O titulo é uma referência ao
fato de no início dos anos sessenta, apenas 1% da população chegar à universidade. Escrita
em março de 1962, o texto foi elaborado por diversos autores, entre eles Oduvaldo Vianna
Filho, o Vianinha, Marco Aurélio Garcia, Carlos Estevam e Cecil Thiré. Os personagens são
políticos e governantes, mas também índios, estudantes, operários, negros, mulheres e velhos.
Algumas das principais publicações do CPC foram os Cadernos do Povo Brasileiro,
Violão de Rua e Poemas para a Liberdade, com textos de Félix de Athayde, José Carlos
Capinam e Ferreira Gullar. No último trecho do poema João Boa Morte (cabra marcado para
170 Dênis de MORAES, Vianinha: Cúmplice da Paixão.Rio de Janeiro: Nórdica, 1991. p.77 171 CPC, Manifesto de 1962, In. FÁVERO (1983). Op. Cit. pp. 60- 67.
71
morrer) de Gullar, a mensagem que caracterizava a época era marcada pela idéia de tomada
de consciência, de união, luta de classes e revolução.
Já vão todos compreendendo, como compreendeu João, Que o camponês vencerá, pela força da união. Que é entrando para as Ligas, que ele derrota o patrão, Que o caminho da vitória, está na revolução.172
No mesmo ano o CPC lançou o disco O Povo Canta, as faixas que compunham o
disco eram, O subdesenvolvido, João da Silva ou o Falso Nacionalista, Canção do
Trilhãozinho, Grileiro vem, pedra vai e Zé da Silva é um homem livre. Destaque para a
música O Subdesenvolvido, que no período chegou a ser considerado o Hino da UNE, com
letra de Francisco de Assis e música de Carlos Lyra. A música conta a história do Brasil,
abordando questões econômicas, culturais, sociais e políticas para explicar o
subdesenvolvimento do país.
Por seu turno o movimento estudantil começou a vivenciar um “processo de explosão,
de mobilização, de fortalecimento de sua liderança, pegando a questão da luta pela reforma
universitária com muita força, buscando novos métodos de mobilização para o conjunto dos
estudantes do Brasil”.173 Uma das iniciativas que surgiram dentro desse contexto foi a UNE-
Volante: a diretoria da UNE mais o CPC percorreram as principais universidades do país,
fazendo uma forte campanha pela Reforma Universitária. Depois de uma apresentação teatral
do CPC, quase sempre o Auto dos 99%, era realizada uma assembléia onde se debatiam os
principais pontos da reforma.
A leitura da UNE sobre as universidades era bastante crítica; segundo ela, estas seriam
um “instrumento das classes sociais interessadas na manutenção da ordem social vigente”174.
Em 1960 foi realizado em Salvador o I Seminário Nacional de Reforma Universitária. As
discussões apontavam para uma crítica ao caráter elitista da universidade, seu desprendimento
da realidade brasileira e sua organização fechada à participação estudantil. A universidade
deveria deixar de ser “uma das peças de sustentação do status quo e um obstáculo ao projeto
histórico brasileiro”.175 Ao contrário, deveria ser um dos instrumentos da Revolução
Brasileira, nesse sentido os universitários defendiam: “a luta pela democratização do ensino,
172 CPC, Violão de Rua, Vol. I, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962. p.103 173 Aldo ARANTES em Jalusa BARCELOS, p.27 174 Arthur José POERNER. O Poder Jovem, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 189. 175 Citado por POERNER, Op. cit. pp. 190.
72
com acesso de todos à educação, em todos os graus; a abertura da Universidade ao povo (...),e
a condução dos universitários a uma atuação política em defesa dos interesses operários.”176
Em 1962 e 1963 aconteceram os II e o III Seminários Nacionais de Reforma
Universitária, em Curitiba e Belo Horizonte, respectivamente. A partir destes encontros os
estudantes mudaram o tom; a radicalidade passou a dar lugar à luta em torno de pontos
específicos e mais acessíveis. A defesa do 1/3 de participação de alunos nos órgãos de
direção, a autonomia universitária, o regime docente e o fim da cátedra, e uma política de
assistência estudantil, que garantisse a permanência de estudantes carentes nas universidades,
passaram para o primeiro plano da luta pela Reforma Universitária; “tentar-se-ia reformular
uma estrutura, partindo do seu interior, aproveitando-se os próprios mecanismos”177.
A “Greve do um terço” foi decretada em 1 de junho de 1962. De acordo com o artigo
78 da LDB de 1961 “o corpo discente terá representação, com direito a voto, nos conselhos
universitários, nas congregações, e nos conselhos departamentais das universidades e escolas
superiores isoladas, na forma dos estatutos das referidas entidades”.178 Para os estudantes esta
representação deveria ser de um terço, este objetivo levou a UNE “a desencadear uma
campanha de propaganda em todo o País, percorrido pelas caravanas denominadas de “UNE-
Volante”. A greve durou até o início de agosto, quando foi suspensa, no seu auge chegou a
paralisar cerca de 40 instituições de ensino superior por todo o país.
Dentro desse contexto, os estudantes foram buscar nas experiências de alfabetização
de adultos, uma outra fonte de mobilização, nesse caso, permitindo um contato direto com o
povo, os trabalhadores das periferias nas grandes cidades, e camponeses no interior do país.
Os estudantes eram uma parcela significativa dos membros dos movimentos de educação e
cultura popular. Além disso, iniciaram através da UNE e de alguns CPCs, como o da
Guanabara, o de Belo Horizonte e da Bahia, a formação de núcleos de alfabetização de
adultos em sindicatos, igrejas e salões comunitários.
Logo após a posse de Goulart, em outubro de 1961, a UNE, influenciada pelos
movimentos de educação popular que surgiam no Nordeste, estabeleceu uma Comissão de
Alfabetização de Adultos. Até dezembro daquele ano, a Comissão, formada inicialmente por
três professores, que nunca haviam trabalhado com alfabetização, realizou uma série de
reuniões de estudo, procurando se aprofundar nas questões relativas à alfabetização e ao uso 176 Idem. p. 192. 177 Idem, p.194. 178 Idem, p.196
73
da cartilha. Depois de três meses, “sem nenhuma experiência prática ou plano de trabalho
concreto”,179 a Comissão resolveu iniciar imediatamente o trabalho de alfabetização. Em
janeiro de 1962 teve início o processo de alfabetização, entretanto, a experiência não durou
um mês, a ausência de planificação e capacidade de avaliar e melhorar as ações impediu a
continuidade dos trabalhos. “Assim, tentando corrigir o teoricismo, caímos no praticismo”, a
principal lição tirada desta experiência foi que, “o plano e a ação devem seguir enlaçados”.
Esta primeira experiência ficou nisso, uma tentativa, as atividades de alfabetização da UNE
ficaram paralisadas até serem retomadas pouco adiante.
Reorganizada a Comissão, ela elaborou o documento Campanha de Alfabetização de
Adultos da UNE. O texto analisa os dados sobre o analfabetismo no Brasil em 1960
demonstrando que o “número de eleitores é menor que número de pessoas impedidas de votar
por serem analfabetas”.180 Nas eleições de 1960 votaram cerca de 12 milhões e meio de
pessoas, enquanto o número de analfabetos maiores de 18 anos chegava a 16 milhões. O
objetivo fundamental era transformar a campanha em mais uma das lutas populares
empreendidas pela entidade. Com a Campanha “se enrijecerão as bases da aliança Operário-
Estudantil-Camponesa. Por ela o estudante travará um contato direto e profundo com a
realidade brasileira particularizado em cada caso concreto na pessoa do analfabeto”.181
As lições aprendidas com os erros da primeira experiência serviram para o
planejamento das futuras ações da Campanha, para definir onde se abririam as turmas, “criou-
se um Departamento de Levantamento de Locais cuja finalidade era ir às obras averiguar das
possibilidades de se abrir escolas”.182 Para solucionar o problema da falta de alfabetizadores,
“criou-se o Departamento de Recrutamento de Alfabetizadores e como esse departamento
necessitava de propaganda criou-se o Departamento de Publicidade. Ao lado desses criou-se a
Secretaria enquanto que permanecia a Coordenação Geral.” Dessa forma a Campanha da
UNE foi rearticulada em 1962. A propaganda resultou em novo problema, “começaram a
aparecer pessoas que queriam dar aulas sem que nós tivéssemos escolas e experiência
suficiente”. A seguir o documento descreve o desenvolvimento da campanha até setembro de
1962, momento em que estava convocando DAs e CAs a “se entrosar com a União Estadual
superando possíveis divergências existentes, este é um trabalho onde não cabem nenhuma
discriminação e desconfiança subalterna”.
179 Campanha de Alfabetização de Adultos da União Nacional dos Estudantes, 1962. NEDEJA/UFF. p.3 180 Idem, p.1 181 Idem, p.3 182 Idem, pp.4-5
74
Um dos resultados da UNE-Volante foi o surgimento em diversos pontos do país de
CPC’s, marcados por uma forte atuação na área de cultura popular e alguns na de
alfabetização de adultos. O CPC de Belo Horizonte foi lançado em dezembro de 1962,
durante a I Feira Popular de Cultura. A feira contou “com uma valiosa colaboração musical de
elementos de Belo Horizonte.”183 Um dos músicos, Said Oliveira, apresentou a composição
Barro, suor e lágrima, um samba em que narra “o drama do despejo coletivo da favela em
que mora.” A música de Oliveira chegou a ser cantada “pelos favelados durante as lutas
coletivas para a preservação de seus barracos”. Outro compositor que se destacou foi Ponce
de Leon com a música Violão Socialista em que “apresentava as reivindicações dos artistas
vindos da pequena burguesia”. A Feira contou com a participação de uma Escola de Samba, o
que deu a tônica do encontro “com o popular, dentro do espírito de uma cultura para a
libertação”, uma cultura primordialmente “política e conscientizadora”. Como principais
resultados obtidos com a Feira, além do lançamento do CPC, foi a adesão de novos membros
e a arrecadação de Cr$ 100 mil cruzeiros. As atividades de alfabetização de adultos tiveram
início em 1963.
2 – Consolidação e crescimento do MCP: os primeiros embates
Se a vitória de Miguel Arraes para a Prefeitura do Recife em 1959 deu origem ao
MCP, a sua eleição para governador em outubro de 1962 ampliou o movimento da capital
para todo o estado de Pernambuco. A candidatura de Arraes foi possível graças ao racha entre
a Frente do Recife e o grupo udenista do governador Cid Sampaio ocorrido no início do ano.
Logo após o fim da aliança com os udenistas a Frente do Recife “liberou o espírito de
antagonismo tradicional que prevalecia entre as massas populares rurais e urbanas, com
relação aos industriais do açúcar e demais setores dominantes do estado”.184 A base eleitoral
da Frente vinha crescendo nas últimas eleições e indicando que em Pernambuco as esquerdas
tinham chances reais de conquistar o poder e colocar seu programa em execução. Novamente
Arraes disputou uma eleição com o udenista João Cleófas e se saiu vitorioso, mas dessa fez a
183 I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, CPC de Belo Horizonte: Meios e Técnicas de Comunicação, p.2 NEDEJA/UFF 184 José Arlindo SOARES, A Frente do Recife e o Governo do Arraes: Nacionalismo em Crise (1955-1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.79
75
diferença foi menor, num universo de meio milhão de eleitores Arraes obteve cerca de 13 mil
votos a mais que Cleófas, respectivamente 264 e 251 mil.185
O Movimento de Cultura Popular se consolidou como um dos principais movimentos
de cultura e educação popular do país, diversificando seu trabalho e ampliando seu raio de
ação. As eleições para governador, no entanto, quebraram o consenso em torno do
movimento. Como vimos, seu primeiro ano de funcionamento foi forjado dentro de uma
aliança que reunia o prefeito Miguel Arraes e o governador Cid Sampaio. A coligação se
propunha a derrotar as velhas oligarquias da cana e do interior, isso resultou no apoio e a
participação de setores muito distintos e até mesmo antagônicos da sociedade pernambucana.
Entretanto, as diferenças dentro da base governista foram mais fortes, as bandeiras comuns
não foram suficientes para manter o consenso em torno da educação do combate ao
analfabetismo. Ao longo do ano de 1962 essa situação foi se alterando, em janeiro o
rompimento da Frente do Recife com o governador colocou as forças conservadoras em
oposição à Arraes e por conseguinte ao MCP. Estava quebrado o consenso.
A principal iniciativa do governo estadual contra o MCP partiu do Grupo de Trabalho
da Promoção Social (GTPS), criado em 1960 para dar “assistência às populações e bairros
pobres” da Capital e proximidades. Para Silke Weber, as justificativas da implantação do
Grupo “deixam entrever que a necessidade de assistir os setores populares urbanos consiste,
antes de tudo, numa forma de conseguir a sua adesão para a proposta de modernização do
estado”,186 e não exatamente tentar colaborar com a solução de seus problemas mais básicos.
Isso delimitou inicialmente as diferenças entre o MCP e o GTPS, entre a ação do município e
a do estado. Ao longo do período as diferenças se acentuaram, principalmente em relação “as
concepções de organização social que os presidem e do papel que neles tem as reivindicações
dos setores populares”.
As divisões em decorrência das eleições de 1962 colocaram o MCP e o GTPS em
concorrência mesmo, num confronto de visões educacionais e contraponto de atividades
práticas. De seu lado o MCP ampliou e diversificou suas atividades, iniciando o trabalho de
educação de adultos, passando a trabalhar em “teatro, núcleos de cultura popular, meios
informais de educação, canto, música e dança popular, artes plásticas e artesanato, etc.”187 O
185 Roberto Oliveira de AGUIAR, Recife: Da Frente ao Golpe:Ideologias Políticas em Pernambuco. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1993. p.111 186 Silke WEBER. Política e Educação: O Movimento de Cultura Popular no Recife. In. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 27, no. 2, 1984, p.243 187 MCP, MCP/Plano de Ação para 1963. In. Op. Cit. p. 1
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GTPS deu prosseguimento “aos cursos de atualização pedagógica para professoras, à abertura
de novas escolas”,188 à criação de Centros de Cultura e à distribuição de “televisões nos
diversos Centros Educacionais Operários”.
A educação e a cultura passaram a ser palcos de uma luta política que traduzia os
conflitos sociais, expunha as contradições presentes na sociedade e norteava a disputa
política. Em abril de 1962 a coluna Periscópio do jornal Diário de Pernambuco comentou a
encenação da peça A Bomba da Paz, uma comédia que ridicularizava “pessoas e instituições
da esquerda, em Pernambuco”.189 A peça conta a história da “criação de um combustível
nacionalista à base de excrementos”. Produzido pela SUDENE e conhecido como “cocolina”,
o combustível seria “aplicado a um modelo de automóvel, que é uma revolução. ‘Revolução’
__ diz o camarada da peça:
__Da técnica, da ciência, da inteligência oriental”.
O fim da peça é um imenso “banquete em que o ‘líder’ se casa com uma estrangeira
intelectualizada de nome Gladys Einstein”. Como não podia deixar de ser a peça causou
polêmica em Pernambuco, para os setores mais conservadores ela representou “uma primeira
reação à infiltração vermelha no teatro brasileiro”190.
De outro lado, em 1962 foi lançado o Livro de Leituras para adultos do MCP,
elaborado por Josina Godói e Norma Coelho, suas lições buscam partir da realidade e do
cotidiano das classes populares, e ao mesmo tempo demonstre uma forte carga de politização
e reflexão. A cartilha marcou época e influenciou os demais movimentos, as cartilhas
produzidas a partir daí tiveram sempre a realidade como base, a politização como meio e a
transformação como meta. Uma cultura política de esquerda, nacionalista e popular, traduzida
no “o voto é do povo” presente na primeira lição do Livro de leituras para adultos do MCP.
A idéia da cartilha surgiu por volta de fevereiro de 1962. Naquele momento o
movimento já contava com diversas turmas de alfabetização nos mangues, alagados e morros
do Recife. O material fornecido pelo Ministério da Educação, discos e cartilhas, nada tinha “a
ver com a situação nordestina. Nem os centros de interesse. Nem o vocabulário. Nem mesmo
a metodologia do ensino de adultos”.191 Diante disso o setor de alfabetização de adultos do
movimento resolveu elaborar seu próprio material, durante três meses a equipe realizou uma
188 WEBER. Op. Cit. p.251 189 Diário de Pernambuco. 20, 21 e 22 de Abril de 1962, Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). Recife/PE. p.04 190 DP, 25 de Abril de 1962, Segundo Caderno, FUNDAJ, p.08 191 Prefeitura do RECIFE, Memorial do MCP. Recife, PMR: 1986, p.199
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pesquisa nos bairros mais pobres do Recife, “das longas conversas com o povo, surgiram os
centros de interesse fundamentais, representativos das idéias básicas a serem debatidas em
classe”.192 Foram formados dezesseis centros de interesse, ou temas, tais como politização,
habitação, problemas do Nordeste, reforma agrária, pesca e etc. Em cada um deles foram
definidas um certo número de palavras-chave: povo, voto, mocambo, homem, flagelado,
jangada e etc, ao todo foram identificadas quarenta e três palavras-chave, “abrangendo
cinqüenta e oito sons, que devem ser aprendidos, porque servirão para formar todas as
palavras da língua portuguesa.”
Ao todo o Livro apresenta setenta e sete lições, distribuídas de forma a fornecer aos
alunos os elementos necessários para sua alfabetização. Organizado a partir de centros de
interesse como politização e saúde, foram definidas palavras-chave como povo, voto, vida,
saúde e pão. Elas são a base de estudo para a elaboração de novas frases: “O voto é do povo”,
“O pão dá saúde”, “O pão é do povo”, “A saúde dá vida ao povo”. As palavras-chave servem
ainda para elaborar com os mesmos fonemas novas palavras, na lição cinco por exemplo, a
palavra vida da origem a: dado, dedo e dia, enquanto na lição oito a palavra voto dá origem à
tatu, teia, tio, oito e tutu.193
Dentro de um contexto em que a disputa política estava ficando cada vez mais
acirrada, o MCP passou a ser alvo dos setores mais conservadores. Desobrigada dos
compromissos com Arraes após o rompimento da Frente do Recife com o governador Cid
Sampaio, a parcela das classes médias urbanas e da burguesia que havia se aliado com as
esquerdas foi para a oposição ao prefeito, e por conseqüência ao MCP. Nesta condição o
movimento perdeu apoios e teve que enfrentar ataques cada vez mais fortes vindos daqueles
grupos.
Por meio da imprensa é possível perceber claramente a mudança no tratamento dado
ao MCP. Em 23 de Março de 1962 o Diário de Pernambuco publicou uma de suas últimas
notícias positivas em relação ao movimento, informava a expansão do MCP no interior:
“vinte e quatro escolas radiofônicas, destinadas à alfabetização e educação de base de adultos,
foram instaladas, pelo Movimento de Cultura Popular, em Palmares”.194 Cerca de um mês
depois a coluna Periscópio fez uma análise do Livro de Leitura para Adultos do MCP. A
cartilha, segundo ela, tinha preferência por um “reduzido grupo de palavras do nosso
192 Norma COELHO e Josina GODOY. “Apresentação do Livro de Leituras para Adultos do MCP”, In. Memorial do MCP, p.199 193 Livro de Leituras, In. Memorial do MCP, Recife, PMR: 1986, pp. 5-10 pp. 5-10 194 DP, 23 de março de 1962, FUNDAJ, p.6
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vocabulário. Mocambo, mangue, miséria, fome etc. são alguns desses vocábulos. Mas a
palavra de preferência quase absoluta é “voto”.195 O conteúdo da cartilha passou a ser
criticado pelos setores mais conservadores, nesse caso, não se tratava exatamente de uma
crítica, mas de um alerta sobre o seu conteúdo. Sobre o Livro de Leituras do MCP Anísio
Teixeira afirmou em entrevista que leu o texto entusiasmado, para ele, na cartilha “as
privações, as esperanças e os direitos do brasileiro tecem e entrelaçam aquelas frases lineares
e singelas, e fazem do aprender a leu uma introdução à liberdade e ao orgulho de viver”.196
Segundo o renomado educador baiano se tratava da melhor “cartilha para adultos analfabetos
que, até” aquele momento, havia conhecido no Brasil.
Com o início da temporada de Teatro começaram a aparecer críticas mais
contundentes contra o movimento, as notícias passaram a se transformar em denúncias, a
ideologia do movimento e seu posicionamento político eram atacados. No MCP existia um
“teatro politizado buscando fórmulas para impressionar o homem do campo, o operariado e
todos aqueles que o Movimento procura seduzir na sua pregação vermelha.” 197 Além de ser
baseado no trabalho dos “autores sulistas” Augusto Boal e Nelson Xavier, o teatro fazia parte
de um “movimento estimulado e subvencionado pelos canais competentes de um dos grupos
em disputa eleitoral”.
Na edição do dia 23 de Junho a coluna Periscópio comentava com bastante ironia, e
não sem certa dose de preconceito, a presença no ônibus que fazia o trajeto entre Arcoverde e
Recife de “moças da Juventude Comunista de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul. São moças lindas, “para não se botar defeito”. Viajam de “short”, pernas coradas à
mostra, risonhas, agradáveis, chamando a atenção imediata dos passageiros”.198 O problema
para a coluna não era esse, mas sim o fato de que as moças na verdade, estariam fazendo
campanha para Arraes, já candidato ao governo de Pernambuco. “Quando verificam que a
situação está dominada, cantam canções de exaltação às obras do sr. Miguel Arraes,
particularmente do Movimento de Cultura Popular, de que dizem ser alunas e, por isso, tão
felizes que vivem a cantar....” Em caso de vitória de Arraes a promessa é de que “todas as
moças serão alunas do MCP e, portanto, tão felizes quanto elas.” Para a coluna Periscópio
aquelas atitudes nada mais eram do que um “novo processo de propaganda política”. 199
195 DP, 20 de abril de 1962, FUNDAJ, Segundo Caderno, última página. 196 O Metropolitano, 17 de outubro de 1962. Trecho reproduzido do Memorial do MCP. 197 DP, 12 de Maio de 1962, FUNDAJ, p.11 198 DP, 23 de Junho de 1962, FUNDAJ, Segundo Caderno, última página. 199 DP, 23 de junho de 1962, FUNDAJ, segundo caderno, última página.
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Dentro do orçamento apresentado para 1962 a quarta maior dotação do município era
a do Departamento de Documentação e Cultura (DDC), com uma “despesa fixada em Cr$
173.364.000,00”200 Descontando algumas subvenções a Prefeitura tinha uma despesa de 155
milhões de cruzeiros com educação e cultura popular. Para se ter uma idéia do significado
desse valor, no mesmo período a Prefeitura do Recife destinou, de acordo com a reportagem
do jornal Diário de Pernambuco, 10,6 milhões para a saúde. Para o mesmo jornal os números
significavam “uma orgia de dotações em favor da “cultura popular”.
As Verbas foram distribuídas em diversos projetos de educação e cultura popular:
Quadro com a distribuição da verba do DDC para 1962201
MCP 80 milhões
Teatro do Parque:
Mobiliário: 10 milhões
Equipamentos do Cinema Popular: 3 milhões
Indiscriminado: 2 milhões
Baile municipal de carnaval: 5 milhões
Festas de São João e Natal: 2 milhões
Festivais de cinema, música, teatro, folclore e cultura: 3 milhões
Orquestra Sinfônica do Recife: 9 milhões
Bandinha Municipal: 3,8 milhões
Auxílio aos conjuntos teatrais do Recife: 1 milhão
Publicidade turística: 2 milhões
Edição de obras 1 milhão
Fonte: Diário de Natal. 23 de Agosto de 1962, p.11
A conjuntura política pernambucana era marcada, de acordo com Soares, pelo
“agravamento das tensões sociais”, o movimento camponês e as reformas de base,
imprimiram “à campanha pela sucessão estadual ao governo de Pernambuco em 1962 um
clima de grande polarização político-ideológica”.202 A proximidade das eleições fez aumentar
ainda mais os ataques ao MCP. Em agosto Miguel Arraes se licenciou do cargo de prefeito
para disputar a eleição estadual, o vice Arthur Lima também se licenciou para disputar uma
200 DP, 23 de Agosto de 1962, FUNDAJ, p.11 201 O quadro foi montado a partir de reportagem “Dotações do DDC, orgia de milhões de cruzeiros na difusão da Cultura Popular”. DP, 23 de Agosto de 1962, FUNDAJ, p.11 202 SOARES, Op. Cit. p.87
80
vaga na Câmara Federal, e coube ao presidente da Câmara Municipal, o vereador Antônio
Moury Fernandes assumir a Prefeitura do Recife. Num primeiro momento após uma visita à
sede do movimento, o novo prefeito declarou que o MCP era naquele momento um
“patrimônio do povo do Recife”.203 Entretanto as atitudes tomadas por Moury logo a seguir
indicaram uma outra postura: dez dias depois dessa declaração o prefeito enviou “Mensagem
à Câmara Municipal propondo a extinção do MCP e a criação de uma Divisão de Ensino e
Cultura (...) ao mesmo tempo em que denuncia o convênio existente entre a Prefeitura e o
MCP”.
A defesa do projeto levado à Câmara propunha que o movimento fosse absorvido
pelos quadros da administração pública, para que assim suas verbas pudessem ser controladas.
Com isso seria “muito mais fácil a vigilância da Câmara na execução dos projetos e
programas de ensino Primário e educação de base”.204 Para além das questões burocráticas, os
ataques ao MCP demonstravam também uma preocupação com a ideologia e com as postura
políticas do movimento. O vereador Wandenkolk Wanderley se destacou como um dos
principais opositores ao movimento, que para ele não passava de um “verdadeiro covil de
ladrões e agitadores”, com uma cartilha de alfabetização de adultos “sectária, repleta de ódios
e frases virulentas”.
Em resposta teve início uma grande mobilização em defesa do MCP, foram vários os
“abaixo-assinados e notas oriundos de associações de bairro, sindicatos, entidades religiosas,
esportivas, beneficentes, estudantes secundaristas e universitário”205 se solidarizando e
apoiando o movimento. O próprio Ministro da Educação Darcy Ribeiro participou da
mobilização, indo ao Recife “apoiar o MCP, no momento mesmo em que lançava o Plano de
Emergência para a Educação”.206 De acordo com Germano Coelho “no dia da votação, fomos
à Câmara todos os dirigentes do MCP, e derrotamos o projeto de lei. Saímos, em passeata, até
a esquina da Sertã, e falamos comemorando a vitória.”207
As dimensões conquistadas pelo MCP fizeram dele um elemento importante na
disputa eleitoral pernambucana. Nas eleições de 1962 suas ações transformaram “a educação
numa das mais significativas bandeiras da candidatura Miguel Arraes ao governo de
203 UH, 2 de setembro de 1962,p.2 Citado por WEBER, p.254 204 DP, 03 de outubro de 1962, FUNDAJ, p.4 205 WEBER, Op. Cit. p.254 206 WEBER, Op. Cit. p.255 207 Germano COELHO, “Paulo Freire e o Movimento de Cultura Popular”. In ROSAS, Paulo (Org.) Paulo Freire: Educação e Transformação Social. Recife: Ed. Universitária, 2002, Op. Cit. p.76
81
Pernambuco, propondo-se, inclusive, sua extensão a todo o Estado”.208 Essa situação foi o
principal alvo de seus opositores, viam no MCP uma força política que devia se combatida.
Entretanto, o que ocorreu com o movimento foi o oposto, ou seja, ocorreu o seu
fortalecimento, “a grande mobilização havida, bem com a atuação de diversos vereadores”
evitaram o fim do MCP. Intelectuais e entidades de todo o país se solidarizaram com o
movimento. Ao final o resultado foi a garantia de continuidade no recebimento de verbas da
Prefeitura, e a conquista do apoio financeiro do Plano de Emergência do MEC. As polêmicas
deram visibilidade nacional ao movimento aumentando seu prestígio. Com a vitória de Arraes
na eleição, o MCP “há de estender-se a todo o Estado”.209 A escolha de Germano Coelho para
a Secretaria Estadual de Educação foi uma demonstração da força e do prestígio do
movimento.
3 – A Expansão da Campanha de Pé no Chão
No primeiro capítulo vimos que Aluízio Alves e Djalma Maranhão foram eleitos,
respectivamente, para governador e prefeito nas eleições potiguares em 1960. No Rio Grande
do Norte esta aliança representou uma derrota das oligarquias tradicionais. Entretanto, a
aliança não foi duradoura, havia uma diferença crucial entre os dois grupos políticos.
Enquanto Alves se aproximava do governo estadunidense e da Aliança para o Progresso,
Maranhão defendia uma política nacionalista pautada nas reformas de base. O racha se deu de
forma definitiva com a aproximação das eleições de outubro de 1962, Aluízio Alves se negou
“a apoiar a candidatura Maranhão para o Senado, esvaindo-se assim as ilusões da esquerda
com relação ao governador”.210
Com a derrota de Maranhão para o Senado e a eleição de um candidato apoiado por
Alves estava, mais do que nunca, quebrada a relação de aliança entre os dois. A partir daquele
momento começaria uma disputa política entre os dois grupos que atingiu em cheio a
educação popular. “A partir de janeiro de 1962, o problema sucessório estadual perpassa todas
as posições tomadas em relação às atividades educativas e culturais desenvolvidas”.211 De um
lado a Campanha de pé no chão também se aprende a Ler, e de outro a Secretaria Estadual de 208 João Francisco de SOUZA, Uma pedagogia da Revolução, São Paulo: CORTEZ, 1986, p.51 209 Ultima Hora Nordeste, 1 de outubro de 1962, p.4 Citado por SOUZA, p.49 210 José Willington GERMANO. Lendo e aprendendo: A campanha de pé no chão. São Paulo: Cortez/Associados, 1989. p.59 211 WEBER. Op. Cit. p.251
82
Cultura e Educação do Rio Grande do Norte (SECERN). A Campanha continuou a crescer e
se consolidar como uma das principais experiências de educação popular do país.
Aumentaram o número de escolinhas, acampamentos, professoras e alunos matriculados, com
isso aumentou também a preocupação com a capacitação e formação das professoras. Por seu
turno, a SECERN iniciou, com recursos da Aliança para o Progresso, a sua própria campanha
de alfabetização de adultos, posta em prática pela primeira vez em 1963 com a experiência de
Angicos, coordenada pelo professor Paulo Freire.
A Campanha entre o final de 1961 e o início de 1963 conheceu um período de intenso
crescimento e consolidação de seu trabalho. Diante dos problemas de caixa da Prefeitura e da
crescente demanda educacional da cidade, a experiência adquirida com as primeiras
iniciativas da Campanha durante o ano de 1961, como a abertura de inúmeras escolinhas e a
construção de dois Acampamentos Escolares, demonstrou o caminho que ela deveria seguir
ao longo do ano de 1962. Era uma escola que saía “à procura do educando, ministrando uma
educação popular e recebendo seus alunos sem exigência de farda nem mesmo de sapato”.212
Neste período, principalmente ao longo de 1962, tiveram início algumas das principais
iniciativas da curta história da Campanha. O curso de capacitação para as professoras; a
expansão das matrículas, escolas e acampamentos; a alfabetização na casa de alunos que não
freqüentavam a escola; as Praças de Cultura e as Bibliotecas Populares, o apoio que passou a
receber do governo federal através do MEC, e a criação do Centro de Capacitação de
Professores.
Logo no início do ano aconteceu o Curso de Capacitação para as professoras, a
organização do curso ficou a cargo da Coordenação Técnica Pedagógica, coordenada pela
professora Margarida de Jesus Cortez. Em seu livro Memórias da Campanha Margarida nos
traz um relato bastante preciso do que foi o curso, tratou-se de um Curso de Emergência
ocorrido entre janeiro e fevereiro de 1962. A idéia era capacitar "todas as professoras que
iriam atuar na Campanha a partir”213 daquele ano. O curso fez parte de uma estratégia mais
geral da Secretaria de Educação para “intensificar a Campanha de Erradicação do
Analfabetismo”214 na cidade. Com o curso esperava-se que as professoras tivessem um maior
conhecimento dos objetivos da Campanha, dos Fundamentos da Educação, do trabalho com a
comunidade, da relação ensino/aprendizagem, e da criação e uso do material didático. De
212 De pé no chão também se aprende a ler: Meta no.1 do Prefeito Djalma Maranhão, 1962: segundo ano da educação. Arquivo Nacional, Fundo/Coleção: Paulo de Assis Ribeiro, Caixa 68, p.2 213 Margarida de Jesus CORTEZ, Memórias da Campanha: “De pé no chão também se aprende a Ler”. Natal: EDUFRN, 2005. p.82 214 CORTEZ, p.83
83
forma geral o objetivo do curso era que conseguisse o “aumento do nível intelectual das
professoras que iriam atuar na Campanha”.215
Do ponto de vista ideológico a preocupação com um discurso nacionalista estava
presente no curso, nos conteúdos de Estudos Sociais “a questão dos valores democráticos foi
tratada com bastante ênfase, até porque a Campanha nasceu em meio a um processo
democrático inaugurado no período da campanha eleitoral que elegeu Djalma Maranhão
prefeito de Natal”.216 Era uma herança dos comitês nacionalistas, do discurso de Djalma na
eleição e no governo, uma proposta nacional-estatista para a saída da crise brasileira.
Fizeram o curso cerca de 300 candidatas, das quais 250 foram selecionadas. Após o
curso a Coordenação Técnica-pedagógica, sob a coordenação da Profa. Margarida, apresentou
“ao Secretário de Educação uma série de medidas a serem implantadas”.217 Entre elas, o
aumento do número de supervisoras, a realização de avaliações periódicas, a promoção de
campanhas para estimular a matrícula no início do ano letivo, a intensificação das reuniões
com os pais sobre a importância da escola”.218 O curso procurava suprir as demandas por
professoras originadas com a ampliação do número de Acampamentos Escolares.
No ano anterior, em 1961, a Campanha encerrou seus trabalhos com dois
Acampamentos, das Rocas e do Carrasco, durante o ano de 1962 esse número subiu para
nove. A construção dos barracões tinha por objetivo, de acordo com reportagem do jornal
Folha da Tarde, dobrar o número de matrículas. A Campanha havia encerrado a ano anterior
com oito mil matriculados, “Este ano procurando atingir a meta de quinze mil alunos está
instalando acampamentos, em todos os recantos da cidade”219. Em abril já estavam
funcionando oito, “nos bairros das Rocas, Quintas, Carrasco, Conceição, Granja, Vila
Nordeste, Nova Descoberta e Igapé”.220 A economia com a construção de barracões era
grande, a Campanha se caracteriza por ser “uma escola pobre, democrática, ecológica, e,
sobretudo, de baixo/custo”. A Campanha havia conseguido constituir uma estrutura
educacional para o município, em apenas dois anos os números da educação em Natal
aumentaram rapidamente. Em Abril o número de alunos superou a marca dos 13 mil, os
professores chegaram a mais de 400, lembrando que em 1960 não chegavam a 90. A
campanha contava ainda, com 26 orientadores pedagógicos, 14 merendeiras, 11 recreadoras,
215 Idem, p.84 216 Idem, p.99 217 Idem, p.82 218 Idem, pp.82-83 219 Folha da Tarde, 25 de janeiro de 1962, Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Norte (APERN)p.01 220 Relatório 1962, Op. Cit. p.02
84
26 círculos de pais e professores, duas hortas e dois aviários.221 Para garantir a divulgação da
campanha e a mobilização da população, havia o programa de rádio De pé no chão também se
aprende a ler, que era levado ao ar diariamente de segunda a sábado. Segundo o Relatório de
1962 procurava-se “atingir o público em geral, visando principalmente o infantil, embora sem
esquecer do adulto.”222
Após a expansão das escolinhas e da construção dos Acampamentos, a Campanha
iniciou um outro projeto, fazer a alfabetização de adultos chegar as pessoas que não iam a
escola. Alguns adultos por “desinteresse”223 outros por sentir um certo “constrangimento em
freqüentar a escola” não iam às aulas nos acampamentos e escolinhas.224 Para erradicar o
analfabetismo foram sendo criadas turmas de 5 a 6 alunos que funcionavam nas casas dos
próprios alunos. Os professores eram estudantes secundaristas, eram os “professores-meninos-
voluntários que, indo de casa em casa, de porta em porta, alfabetizavam esses alunos não
motivados para a escola” 225. Ao todo, “vinte e dois núcleos prestaram serviços em 1962”.226
De acordo com Moacyr de Góes uma pesquisa apontou que nas Rocas existia “um resíduo de
adultos analfabetos com resistência em ir à escola”, como Paulo Freire ainda estava
elaborando seu método e a Campanha não “criara, ainda, o seu Livro de leitura para adultos,
que somente seria lançado em abril de 1963”; dessa forma, “era plenamente justificado que
adultos idosos não aceitassem sentar em bancos escolares para soletrar Eva viu a uva”.
A Campanha conseguia mobilizar um grande número de pessoas, entre alunos,
professores, funcionários, pais, artistas, intelectuais, estudantes e trabalhadores. Nos bairros
da periferia os moradores dependuravam nas ruas “faixas em que comunicavam que o índice
do resíduo de analfabetos estava baixando”.227 Para Góes essa era uma demonstração de
participação política efetiva das classes populares, naquele momento, “as próprias classes
subalternas se convertiam em grupos de pressão, fazendo a luta pela educação, sua luta”.
De acordo com Willington Germano a Campanha não só organizou um sistema de
ensino municipal para a cidade, como também “possibilitou a organização cultural do
município de Natal”.228 Além das escolinhas e acampamentos a Campanha significou a
criação de praças de cultura, bibliotecas, teatros, galerias e museus. Essas ações tiveram como
221 Folha da Tarde, 21 de abril de 1962, APERN, p.9 222 Relatório I de 1962, p.4 223 Folha da Tarde, 5 de Abril de 1962, APERN, p.4 224 Relatório I de 1962, p.2 225 Relatório II de 1963, p.4 226 GÓES, Op. Cit. p.73 227 GÓES, Op. Cit. p.74 228 GERMANO, p.117
85
conseqüência a “reativação de grupos de danças folclóricas, exposições de artes plásticas, a
criação do Museu de Arte Popular, etc.”
A implantação das Praças de Cultura tinha por objetivo “alcançar as comunidades dos
bairros com um programa de democratização da cultura”.229 Durante o ano de 1962 a
prefeitura construiu ao todo dez praças, cada uma delas deveria ser composta por “um
conjunto de parque infantil, praças de esportes (vôlei, basquete e futebol de salão) e uma
biblioteca”, entretanto, “das quais duas com as bibliotecas em pleno funcionamento”. A idéia
de criar as Praças de Cultura revelou “o intercâmbio que a Campanha vinha mantendo com o
MCP do Recife.” 230 Foi no Movimento de Cultura Popular, durante a administração Arraes,
“que a Secretaria Municipal de Educação de Natal estudou a proposta recifense das Praças de
Cultura. A adaptação se fez em nível das possibilidades de Natal.” As praças eram espaços de
atividades de lazer, apresentações culturais e mobilização política, deixavam “de ser somente
um ornamento urbanístico para ser instrumento de cultura popular”.231
Como parte dessa estratégia de democratização da cultura, a Campanha teve a
iniciativa de criar as chamadas bibliotecas populares. Para conseguir arrecadar os livros e
formar os acervos das bibliotecas, a prefeitura iniciou a campanha “o livro que está sobrando
em sua estante é o que está faltando nas mãos do povo”.232 Ao todo foram arrecadados cerca
de 20 mil livros. Aproveitando a ida do Ministro da Educação Oliveira Britto a Natal para
participar de um encontro sobre teatro, Djalma Maranhão inaugurou a primeira Biblioteca
Popular, localizada no Acampamento Escolar do Bairro das Rocas, e a primeira Biblioteca
Volante Popular. A inauguração foi realizada no dia 29 de abril de 1962, com a presença do
ministro e de toda a sua comitiva, a biblioteca foi denominada de Monteiro Lobato. A
segunda biblioteca foi criada em 23 de junho e denominada de Castro Alves localizada no
bairro das Quintas. O plano da prefeitura era “instalar outras bibliotecas nos diversos bairros
da capital poti”.233 As Bibliotecas Populares ou postos de empréstimo funcionavam nas Praças
de Cultura, já os Acampamentos possuíam um sistema rotativo de biblioteca, cada um
dispunha de uma caixa com cem livros, que de mês em mês passava de um de acampamento
ao outro. Em julho de 1962 foram inauguradas “8 Bibliotecas de Acampamentos com um
acervo total de 800 volumes”. Até o final do ano a Campanha atingiu nove Acampamentos,
cada um deles podia contar com um acervo de novecentos livros, composto em sua maioria
229 Relatório II de 1963, p.4 230 GÓES. Op. Cit. p.74 231 Relatório II de 1963, p.4 232 GERMANO. Op. Cit. p.118 233 Folha da Tarde, 13 de Junho de 1962, APERN, p.1
86
por “livros pedagógicos para formação ao magistério, obras didáticas e de literatura infanto-
juvenil e de adultos.” 234
Em julho de 1962 teve início a organização de uma nova fase da Campanha, diante de
uma situação social profundamente miserável a alfabetização melhorava mas não resolvia os
principais problemas das famílias. Era necessário criar condições econômicas para que elas
pudessem amenizar sua situação social. A Campanha “de pé no chão também se aprende uma
profissão” surgiu em meados de 1962, em julho Djalma enviou uma mensagem ao legislativo
municipal, na qual afirmava que a Campanha já contava, naquele momento, com 15 mil
alunos, nesse sentido solicitava, “então, a abertura de um crédito de 1 milhão de cruzeiros,
destinado à aquisição do material para a instalação de nova Campanha”.235 A proposta era
ensinar vários tipos de profissões manuais oferecendo cursos para formar novos mecânicos,
sapateiros e alfaiates, por exemplo. Destinado aos setores mais pobres da cidade, o projeto
buscava atingir principalmente a juventude, “a nova campanha da edilidade natalense terá
amplo campo de ação entre a mocidade de nossa terra carente de meio de vida”236. A
Campanha de pé no chão também se aprende uma Profissão foi preparada durante o ano de
1962, entrando em funcionamento somente em fevereiro do ano seguinte.
Do ponto de vista político a Campanha continuava a desenvolver seu debate teórico no
sentido de superar uma concepção de educação e cultura ainda baseada numa visão liberal,
para uma visão reformista e transformadora da sociedade. Nesse sentido, Germano avalia as
mudanças de rumo ocorridas durante a trajetória da Campanha, “de um movimento que, de
início, pretendia simplesmente oferecer educação para todos, De Pé no Chão... avança
conceptualmente e passa a encarar educação e cultura como instrumentos de libertação”.237
No Relatório de 1962 é possível perceber um momento de transição entre os textos de 1961
em que a preocupação é meramente técnica, revelando o que Germano aponta como o esforço
de levar educação a todos, para os de 1963 em que o debate político e ideológica ganha
espaço e a educação e a cultura passam a ser vistas como instrumentos de mobilização
popular. No relatório escrito em abril de 1962, a preocupação em democratizar a educação
continua a ser o principal objetivo. A situação caótica que Djalma Maranhão encontrou na
educação em Natal revelava “um desajustamento escolar que urge corrigir, sob pena de séries 234 Relatório II de 1963, p.11 235 GÓES. Op. Cit. p.76 236 Folha da Tarde, 13 de julho de 1962, APERN, p.1 237 GERMANO. Op. Cit. p.177
87
conseqüências futuras para toda a comunidade.”238 A Campanha era definida como “um plano
de combate ao analfabetismo, atingindo as áreas mais pobres e desassistidas da cidade de
Natal”. Até aqui a postura continua a ser a de simplesmente aumentar o número de vagas,
visando sanar um grave problema educacional, o analfabetismo.
Por meio do trabalho com os Círculos de Pais e Professores é possível perceber uma
preocupação com a mobilização das comunidades carentes atendidas pela Campanha. A idéia
era utilizar o espaço dos círculos para debater duas questões principais, demonstrar a
importância da escola para os pais e dos pais na educação das crianças, e ao mesmo tempo,
conscientizar a população para uma intervenção organizada na sociedade. Cada círculo tinha
por “função aproximar aqueles que mais de perto podem influir na educação da criança, indo
mais além, na organização de grupos que, devidamente coordenados, serão uma verdadeira
força atuando sobre a estrutura social do bairro”.239 Aqui se pode perceber claramente uma
nova atitude frente aos problemas da comunidade, uma postura de ação visando resolver os
problemas e modificar realidade.
A prefeitura apostou numa estratégia de crescimento da campanha, “A palavra de
ordem era ampliar os serviços e aumentar a mobilização.”240 O aumento rápido da oferta de
vagas colocava “em risco a qualidade do terreno conquistado, se a Secretaria não se
instrumentalizasse adequadamente”. Nesse sentido, a Secretaria de Educação de Natal criou
no final de 1962 o Centro de Formação de Professores. “O centro substituía a Coordenação
Técnica-pedagógica, que existia desde outubro de 1961”.241 O Centro teria como função a
“formação de professores, através de diferentes cursos; a manutenção de uma escola de
demonstração, que servia como laboratório para os seus alunos; e a coordenação pedagógica
da Campanha”. Criado pela “Lei 1.301, de 27 de dezembro de 1962”,242 o Centro de
Formação de Professores passou a ser “responsável pela coordenação pedagógica da
Campanha e a formação do Corpo Docente”.243 A coordenação do Centro ficou a cargo da
professora Margarida de Jesus Cortez.
Para financiar todas essas atividades a coordenação da Campanha e o próprio Djalma
Maranhão começaram a procurar apoios no estado do Rio Grande do Norte e fora dele. Os
238 PREFEITURA MUNICIPAL DE NATAL, Campanha Pé no chão também se Aprende a Ler. 1962. Acervo: Arquivo Nacional, Fundo Paulo de Assis Ribeiro, caixa 68. 239 Relatório I de 1962, p.3 240 GÓES, Op. Cit. p.75 241 GERMANO. Op. Cit. p.110 242 CORTEZ. Op. Cit. p.107 243 Idem, p.108
88
custos da Campanha foram crescendo junto com sua estrutura, de forma penosa a campanha
foi se desenvolvendo “uma vez que os recursos do município são insuficientes, para arcar com
tamanho ônus”.244 Na gestão de Oliveira Brito no Ministério da Educação a Campanha
começou a receber apoio do governo federal. Em visita ao Rio de Janeiro em maio/junho de
1962 Djalma Maranhão procurou divulgar a campanha e, ao mesmo tempo, conseguir a
liberação de verbas junto ao MEC. Djalma concedeu entrevista à TV Continental do Rio de
Janeiro sobre a Campanha de Pé no Chão, demonstrando todo o seu desenvolvimento e a sua
situação naquele momento. Em negociações com o MEC conseguiu “a autorização para
aplicação de verba de quatro milhões de cruzeiros, saldo dos seis milhões referentes ao ano
passado”.245 A autorização para a verba dependia ainda da visita da “professora Marina
Souza, representante do Ministério a fim de empreender o Plano de Aplicação da verba”.
Quanto aos recursos para 1962 “ainda não havia liberada nenhuma verba”.
Os apelos ao MEC continuaram por todo o ano, com a posse de Hermes Lima no
cargo de Primeiro Ministro, assumiu o MEC Darcy Ribeiro que procurou colaborar com os
movimentos de educação popular, entre eles a Campanha. O novo ministro, “não podendo
transferir recursos para a Prefeitura de Natal, ofereceu a colaboração de documentar, através
de um curta-metragem de 15 minutos, a experiência da Campanha”.246 De acordo com o
próprio Darcy, durante sua gestão no Ministério da Educação deu forte “apoio a Djalma
Maranhão, prefeito de Natal, na sua campanha “De pé no chão também se aprende a ler”.247
Fui inclusive lá ver aquela experiência e registrá-la num filme”. Ao longo das praias da cidade
foram erguidos “compridos barracões que eram salas sucessivas, uma depois da outra, onde se
davam as aulas. Delas a criançada saía para brincar na areia, tomar banho de mar e comer a
comida farta que lhes davam num outro barracão. Beleza pura!”
Entretanto, a tarefa da Campanha era “pesadíssima, pois, em números redondos,
estimava-se em 60.000 o número de analfabetos em Natal (dezembro de 1960), sendo a
população em idade escolar de 35.000 e os restantes 25.000 adultos.” Isso significava que
havia escola para atender apenas 1/3 da demanda. “A tarefa, repetimos, é difícil, mas, se
difícil, não é impossível. (...) AGORA EM NATAL EDUCAÇÃO NÃO É MAIS
PRIVILÉGIO”,248 dizia o relatório.
244 Folha da Tarde, 28 de Maio de 1962, APERN, p.1 245 Folha da Tarde, 4 de Junho de 1962, APERN, p.5 246 GÓES, Op. Cit. p.78 247 Darcy RIBEIRO. Confissões. São Paulo: Cia das Letras, 1998, p.265 248 Relatório, 1962. Op. Cit.p.4
89
4 – MEB: O Crescimento e a Virada
No primeiro capítulo, o tópico de encerramento foi o surgimento do Movimento de
Educação de Base, vimos como o MEB foi criado em 1961 a partir de um convênio
estabelecido, durante o governo Jânio Quadros, entre o governo federal e a Igreja Católica. As
dioceses de Natal e Aracaju já tinham uma experiência avançada nesta área e serviram de base
para o trabalho do MEB. O convênio entre o MEC e a CNBB estabelecia que os recursos
seriam destinados a ampliação da experiência de educação de base através do rádio. A área de
atuação do MEB, de acordo com o convênio, cobria todo o Norte, Nordeste e Centro-Oeste do
país.
Neste segundo capítulo será abordado o período em que o MEB vivenciou dois
momentos muito importantes para a sua trajetória. Durante o ano de 1962 a área de atuação do
Movimento aumentou significativamente. Todos os números cresceram, o de alunos,
monitores, escolas e cursos. Depois de um primeiro ano de organização, os coordenadores
mais familiarizados com o trabalho deram início, a partir do seu segundo ano de atividades, a
um esforço concentrado em ampliar tanto o raio de ação como as práticas educativas
realizadas pelo Movimento. No fim do ano ocorreu o segundo e mais importante momento, o
I Encontro Nacional de Coordenadores, realizado em Recife entre os dias 6 e 15 de dezembro
de 1962, momento em que aconteceu a “virada” dentro do MEB. O Movimento avançou de
uma postura progressista nos seus dois primeiros anos, para uma perspectiva revolucionária e
a favor de uma alteração radical da estrutura social do país. Não se tratava mais de
simplesmente levar educação ao povo, mas atuar com ele pela transformação da sociedade.
Os dois momentos devem ser pensados dentro de um movimento maior, o das
transformações ocorridas no seio da Igreja Católica desde meados da década de cinqüenta.
Essas mudanças apontavam para um “deslocamento de parte da Igreja, no sentido de uma
aproximação do movimento das classes dominadas e das forças sociais que se batiam
socialmente em prol de transformações das estruturas sociais”.249 O crescimento alcançado
pelo Movimento, a sua aproximação cada vez maior com as comunidades atendidas, e a
influência das mudanças ocorridas no interior da JUC que possibilitaram o surgimento da AP,
forneceram as condições necessárias para uma releitura dos objetivos e da atuação do MEB
no encontro de dezembro de 1962.
249 Osmar FÁVERO, “MEB – Movimento de Educação de Base Primeiros Tempos: 1961-1966”. In ROSAS, Paulo (Org.) Paulo Freire: Educação e Transformação Social. Recife: Ed. Universitária, 2002, p. 162.
90
Ao longo do ano de 1962, os números do Movimento dobraram, no final de 1961 eram
2.687 rádios que atendiam a 38.734 alunos. Após um ano de trabalho esses números saltaram
para 5.596 aparelhos e 108.571 estudantes. A distribuição dos aparelhos de rádio entre as três
regiões atendidas pelo MEB indicam claramente a concentração do trabalho no Nordeste. Em
1961 apenas 1% dos aparelhos estavam localizados na região centro-oeste, enquanto a região
norte contava com 3%, e o Nordeste concentrava 96% dos rádios. Em 1962 as diferenças
diminuíram, mas a quantidade de rádios no nordeste ainda era majoritária. O Centro-oeste
passou a contar com 5%, o Norte 7% e o Nordeste caiu para 88% do total de rádios. Para
conseguir atingir esses números, o MEB teve que aumentar também os cursos oferecidos para
o treinamento das equipes de trabalho do Movimento. Em 1961 foram 93 cursos voltados para
as Equipes e 1.182 para a formação de monitores, um ano depois foram necessários oferecer
135 cursos para as Equipes e 3.709 para os monitores.250
As verbas solicitadas pelo movimento e as repassadas pelo governo federal também
acompanharam este ritmo de crescimento. O MEB solicitou em 1961 pouco mais de 414 mil
cruzeiros, dos quais apenas 150 mil foram liberados. Para 1962 o MEB solicitou cerca de 600
mil cruzeiros e recebeu cerca de 584 mil, ou seja, 96% do solicitado, ao contrário do ano
anterior em que foram repassadas apenas 36% do montante original.251 Toda a
responsabilidade das finanças era da Coordenação Nacional, era ela quem recebia o dinheiro e
definia sua utilização. A demora na liberação das verbas e os cortes nelas efetuados causavam
constantes problemas para a execução dos trabalhos, “ano após ano, os relatórios anuais
reclamavam da irregularidade da chegada do dinheiro. Normalmente, a quantia inserida no
orçamento nacional sofria algum corte no Congresso ou por algum decreto resultante de
medidas econômicas gerais”.252 Essa situação constante levou o MEB a modificar sua postura
quanto a solicitação de verbas, passando a pedir “uma soma maior do que esperava receber”
efetivamente. Para Wanderley a questão do recebimento de verbas foi um dos “pontos de
estrangulamento do Movimento (...) havendo cortes e atrasos que exigiam medidas de
economia e contenção de despesas com repercussões óbvias no trabalho”.253
250 Emanuel de KADT. Católicos Radicais no Brasil, João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2003 pp.193-197 251 Luiz Eduardo WANDERLEY. Educar para Transformar: educação popular, Igreja Católica e política no Movimento de Educação de Base, Petrópolis: Vozes, 1985, p.61 252 KADT. Op. Cit. p.201 253 WANDERLEY, Op. Cit. p.60
91
Ao todo o movimento aumentou a quantidade de sistemas mantidos de 11 em 1961
para 31 em 1962. Cada sistema era composto por uma Equipe Local ou Central, “constituída
ao lado de uma emissora, em geral de propriedade da Igreja e sob responsabilidade do bispo
diocesano”.254 A Equipe era formada por uma coordenação, pessoal administrativo,
supervisores e as professoras locutoras. Os membros das Equipes eram indicadas pelos bispos
e depois treinadas e selecionadas pela Equipe Técnica Nacional. Além da Equipe Local
faziam parte do sistema os Monitores voluntários, que eram responsáveis pela “instalação da
escola, matrícula dos alunos, controle de sua freqüência, auxílio aos alunos (...), aplicação de
provas, assim como o envio de relatórios mensais sobre o andamento da escola”.255
Completavam o sistema as Escolas radiofônicas, eram implantas onde se conseguisse um
espaço na comunidade, “em grupos escolares, escolas isoladas, salas de paróquias, sede de
fazendas, barracões”, etc. Eram na maioria das vezes “instalações pobres, nada mais que mesa
e bancos de madeira rústica, arranjados no local ou feitos pelos próprios monitores e alunos”.
Além de aprender a ler e a escrever e da educação de base, esperava-se que os alunos
juntamente com o monitor, “concretizassem essa educação executando tarefas diversas na
comunidade”, atuando em campanhas e em “outros trabalhos de desenvolvimento comunitário
(nos clubes, grupos de representação ou organizações de classe)”.
Um dos principais resultados deste crescimento para o MEB foi a aproximação cada
vez maior com a população pobre atendida pelas escolas radiofônicas. O objetivo de
ultrapassar os limites da educação formal inserindo atividades práticas que visavam modificar
a realidade vivida pela comunidade foi alcançada em muitos lugares. “As necessidades de
saúde, de educação, de lazer, de alimentação etc. levavam a processos de ajuda mútua e auto-
ajuda, tais como mutirão, grupos de compra, hortas comunitárias, construção das sedes das
escolas, centro social, campanhas contra a verminose e por água fervida e filtrada etc”.256
Os monitores eram responsáveis por orientar a comunidade em relação às Campanhas.
Na Fazenda São Joaquim, por exemplo, a Campanha de Combate à Verminose era trabalhada
pelo monitor “eu já tenho passado para muita gente, mas tenho encontrado muita
dificuldade”.257 Em relação ao uso da água o monitor da Equipe de Lagoa de Lima afirma que
“...Sobre a água falei com as mães de família que a água devia ser filtrada ou fervida. Então
254 Osmar FÁVERO, Uma pedagogia da participação popular: análise da prática educativa do MEB – Movimento de Educação de Base (1961/1966), Campinas: Autores Associados, 2006. p.56 255 Idem, p.57 256 WANDERLEY. Op. Cit. p.119 257 (S. – Fazenda S. Joaquim). Citado por WANDERLEY. Op. Cit. p.120
92
algumas já estão fervendo água para as crianças”.258 Os trabalhos coletivos também eram
coordenados pelos monitores, em maio de 1962 em Timbaúba o monitor relata o trabalho para
conseguir construir um Centro Social: “Já compramos as portas, as ripas, as telhas;
finalmente, já arranjamos todo o material para a construção do futuro prédio”.259 Em Carnaíba
o trabalho coletivo resultou numa “horta para o Clube de Jovens e os alunos da Escola
Radiofônica. Está linda, tem 117 pés de tomate, 80 de pimentão, 270 de alface, 12 de quiabo.
Tem cebola e hortelã. Está um encanto”.260 A construção da Escola também era uma
motivação para o trabalho em parceria, procurando envolver toda a comunidade conforme
esse relato de outro monitor, “...Fiz com a turma duas reuniões para escolher o local para
fazerem um ambiente para o funcionamento da Escola. Na outra dividi a turma em grupos e
distribui as tarefas.” Para executar as tarefas, “os homens foram divididos em duas equipes:
uma para providenciar madeira e outra as palhas. Logo após este arranjo, uniram-se as duas
equipes para construírem o ambiente a que chamamos latada (barracão)”261
Para Emanuel de Kadt “foi a visão e a atividade dos Estaduais e dos Sistemas das
grandes cidades que levou o Movimento a uma direção nova, populista, de 1962 em diante,
que o colocou mais próximo do povo e o transformou em expressão da visão de mundo deles
mais do que daquela defendida pelos bispos”.262 Sobre a afirmação de Kadt de que o MEB
assumiu, a partir de 1962, “uma direção nova, populista” vale ressaltar que o autor atribui ao
conceito de populismo uma definição diferente da que se constituiu no Brasil, principalmente
pelas obras de Weffort e Ianni.
Preocupado em estudar o Movimento de Educação de Base (MEB) Kadt fez uma
leitura a partir das relações sociais, do governo e das políticas nacionais, trabalhando a Igreja,
os movimentos progressistas e o catolicismo radical. Apesar de analisar exclusivamente o
MEB, o autor analisa a ação dos grupos católicos a partir de um conceito de “populismo”
completamente diferente do que tradicionalmente se aplica no Brasil. Apresentando o
conceito de populismo e mostrando os diferentes usos do termo, o populismo russo, o norte-
americano, o africano e o latino-americano, cada um com suas características próprias. No
caso que nos interessa, o autor vai comparar o populismo dos movimentos com o populismo
russo, segundo ele, surgido por volta de 1870 com o movimento dos narodnik, intelectuais
que expressavam a posição de classe dos camponeses russos, “ao povo” era a palavra de 258 (E.L. – Lagoa do Lima – 7/7/62). Citado por WANDERLEY. Op. Cit. p.120 259 (M.G. – Timbaúba – 5/5/62). Citado por WANDERLEY. Op. Cit. p. 119 260 (M.O. - Carnaíba – 31/5/62) Citado por WANDERLEY. Op. Cit. p.120 261 . (E.V.S.G.) Citado por WANDERLEY. Op. Cit. p.120 262 KADT, Op. Cit. p.198
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ordem desses intelectuais, “o povo saberá o que é bom e justo; o povo transmitirá seus valores
à elite intelectual que, não sendo manipuladora nem elitista, simplesmente ajudará a formar
tais estruturas sociais conforme o desejo do povo”.263 Idéias como a de cooperação e a
importância estratégica do Estado completariam esse populismo, entretanto, não havia uma
formulação clara de como seriam construídas na prática aquelas estruturas sociais. No caso
brasileiro, os movimentos seriam identificados como populistas por Kadt por dois motivos,
em primeiro lugar, eles foram “formados por intelectuais (e estudantes), preocupados com a
situação de vida das massas oprimidas na sociedade, o povo, que aparentemente não pode, por
si mesmo, defender seus interesses”264 e, em segundo lugar, os intelectuais tinham um
“profundo horror à manipulação do povo; seu credo central é que as soluções dos problemas
vividos pelo povo devem vir basicamente do próprio povo”.
As atividades de trabalho diretamente com o povo tiveram um impacto fundamental
nas formulações do MEB. A idéia central era definir as atividades de acordo com as
demandas da própria comunidade, evitando assim uma “educação inadequada, o elitismo, as
idéias vagas e abstratas que não deitavam raízes”265 As mudanças de formulação aconteceram
aos poucos, em meados de 1962, “as tarefas práticas estabelecidas pela Nacional não levavam
o Movimento além daqueles que simplesmente aceitavam a doutrina tradicional da Igreja”.266
Foi neste mesmo momento que tiveram início as aproximações do MEB com o sindicalismo
rural. Segundo Manuel da Conceição, em “1962 aparece a história do sindicalismo rural.
Sabia-se que no jornal saía notícia do sindicalismo em luta pra se legalizar. Mas, para nós, foi
através do pessoal do MEB – Movimento de Educação de Base – que chegou o
sindicalismo”.267 Já em 1961 o MEB havia criado uma Equipe para assessorar sindicatos
rurais em Sergipe, em 1962 foram criadas equipes equivalentes no Maranhão e na Bahia.
Entre os motivos que levou o MEB a atuar no sindicalismo rural estavam “as solicitações
vindas dos alunos e das comunidades, a colaboração pedida pelos grupos cristãos estruturados
com a finalidade de sindicalizar nas dioceses”.268 Esse movimento de baixo para cima levou o
263 Idem, p.148 264 Idem, p.152 265 WANDERLEY. Op. Cit. p.120 266 KADT, Op. Cit. p.223-224 267 Manuel da CONCEIÇÃO, Essa Terra é Nossa: Depoimento sobre a vida e as lutas de camponeses no Estado do Maranhão. Petrópolis: Vozes, 1980. p.89 268 WANDERLEY. Op. Cit. p.284
94
Movimento a incorporar “as questões relativas à valorização da cultura popular, indo além da
própria organização pedagógica das escolas pelo rádio.” 269
Essas mudanças de rumos no MEB aconteceram “paralelamente às divisões da
Juventude Universitária Católica (JUC), cujas forças de esquerda originaram a Ação Popular
(AP)”.270 Dentro de um mesmo contexto, de giro à esquerda de um setor da Igreja Católica,
pode-se incluir as alterações no interior da JUC, o surgimento da AP e a virada no MEB.
Naquele momento as equipes “sofreram influência dos debates travados na Ação Católica,
particularmente na JUC, das idéias de desenvolvimento e reformas de base que polarizavam o
país, e das idéias do movimento Ação Popular que o influenciavam predominantemente pela
presença de membros com dupla militância”.271
Todas essas influências se fizeram sentir com mais força no I Encontro Nacional de
Coordenadores, realizado em Recife entre os dias 6 e 15 de dezembro de 1962. Logo de início
as discussões demonstraram “que muitas equipes, especialmente aquelas que operavam nas
capitais dos estados mais politizados, tinham desenvolvido um crescente sentimento de
desconforto quanto ao sentido de seu trabalho, sentimentos estes compartilhados com vários
membros da Nacional”.272 Esse sentimento de desconforto era marcado, sobretudo, pela
constatação de que “não havia uma idéia clara dos caminhos que o Movimento tinha que
seguir dali para frente, e que em termos de coletividade nenhum caminho particular tinha sido
conscientemente escolhido”.
O Encontro foi divido em três partes: fundamentação, revisão e planejamento. A
primeira parte, fundamentação, foi dividida em outras três: “Realidade brasileira (enquadrada
na realidade internacional), A educação na perspectiva da consciência histórica do Brasil de
hoje, e o processo de conscientização (politização)”.273 Os dois primeiros temas foram os que
mais influenciaram a dinâmica do Encontro, para cada um deles foi apresentado um texto, o
primeiro sobre realidade brasileira de autoria de Luiz Eduardo Wanderley, e o segundo sobre
educação e consciência histórica, de Luiz Alberto Gómez de Souza.274
Luiz Eduardo W. Wanderley era um dos principais quadros da AP no MEB, no
Encontro de 1962 foi o responsável por escrever o texto Realidade Brasileira. O texto foi
269 SCOCUGLIA, Afonso Celso. Educação Popular: Do sistema Paulo Freire aos IPMs da ditadura. João Pessoa: Ed. Univ. UFPB; São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2001,p.54 270 Idem, p.54 271 WANDERLEY, Op. Cit. p.58 272 KADT, Op. Cit. p.224 273 FÁVERO, Op. Cit. p.71 274 Idem, p.71
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divido em quatro partes, na primeira há uma série de questionamentos sobre a conjuntura
internacional, abordando desde o processo de descolonização da África, passando pela guerra-
fria, Concílio Vaticano II e a situação da mulher. Na segunda parte o texto aborda a realidade
da América Latina, enfatizando a questão do subdesenvolvimento, e contrapondo dois
modelos como alternativas de desenvolvimento, o modelo ocidental “de perspectiva
capitalista ou neo-capitalista”275, e os modelos marxistas. Diante de um forte sentimento de
que é preciso mudar o continente, “o povo, que sente na carne a opressão, que vê
desfalecerem as esperanças de concretizar suas aspirações, busca novas soluções, inclusive
chegando à violência final, como é o caso de Cuba”.276
A terceira parte faz uma reflexão sobre a realidade brasileira, partindo de um modelo
de análise idêntico ao utilizado para produzir os “documentos preliminares de constituição da
AP”.277 O texto trabalha a partir da contraposição entre forças dominantes e forças dominadas.
No quadro conjuntural apresenta as principais contradições que caracterizava aquele
momento, uma estrutura agrária obsoleta, diferenças regionais gritantes, uma população
majoritariamente jovem, a falta de abastecimento, educação como privilégio de poucos e, a
religião formal e tradicionalista que desvincula os atos externos, como cultos e sacramentos, e
a vida cotidiana. Para completar esse quadro o sistema de produção capitalista e seus valores,
colocados como normas de conduta para a civilização “ocidental e cristã”. Os países
capitalistas demonstravam ser os principais “obstáculos para uma humanização plena, na
medida que valoriza o indivíduo que possui, que coloca o lucro como meta, que abusa do
regime competitivo”.278 No Brasil vigoraria uma espécie de capitalismo de Estado, devido a
grande interferência do Estado “em todos os setores de atividades”.
No que diz respeito à religião, aponta a contradição entre o que se prega contra o
comunismo ateu e o que se faz no ateísmo prático da sociedade burguesa que se diz cristã. A
grande maioria das pessoas que “hoje perdem a cabeça ao ouvir falar em comunismo (...),
pretendem é apenas prosseguir no ateísmo prático da civilização burguesa, ao defenderem o
status quo e a conservação de um estado social tão pouco cristão”279
A partir daí o texto passa a trabalhar os conceitos de pólo dominante x pólo dominado,
demonstrando como o poder é concentrado na mão de uma minoria, representado pelas
275 MEB, Realidade Brasileira, I Encontro Nacional de Coordenadores, Recife, 1962, PROEDES (UFRJ), p.2 276 Idem, p.2 277 FÁVERO. Op. Cit. p.72 278 MEB, Realidade Brasileira. PROEDES (UFRJ), Op. Cit. p.3 279 Tristão de Athayde, Os Ateísmos modernos. Diário de Notícias, Citado por MEB, Realidade Brasileira, p.3
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burguesias: latifundiária, comercial, financeira e industrial, “que traçam os ordenamentos da
vida social”.280 No outro pólo estão os operários, os camponeses, os estudantes e as classes
médias proletarizadas, “que giram na periferia do Poder, onde as dominantes fazem tudo para
mantê-las”. Tanto dominantes como dominados contam com instrumentos, que utilizam ou
para continuar dominando ou para deixarem de ser dominados. De um lado estão IPES,
IBAD, Diário Associados, CONSULTEC e outras entidades que contribuem para a
manutenção de seu poder; de outro lado estão as Ligas Camponesas, os sindicatos rurais, o
CGT e a AP por exemplo. Havia um forte sentimento de que os dominados estariam se
conscientizando e passando “a rejeitar soluções artificiais. (...) os estudantes extremam suas
idéias, o campesinato começa a se politizar, o operariado infelizmente dirigido pelas cúpulas
inexpressivas ignora sua força, a classe média passa a ser conscientizada”.281
Era uma conjuntura marcada pela radicalização na política interna e na conjuntura
externa – a exemplo das tentativas de interferência dos Estados Unidos no sentido de impedir
o surgimento de novas Cubas no continente. “Há, também, a famosa Aliança para o Progresso
que se propõe a redimir a América Latina toda. Até agora as perspectivas tem sido
sombrias”.282
Dentro de todo esse contexto é que surge o MEB, “um movimento que irá marcar
gerações de brasileiros”, mas que terá que definir sua linha política entre a “acomodação do
homem rural, ou de levá-lo a tomar consciência de que é urgente uma transformação global da
realidade?”283. Esse era um dos nós do debate no Encontro, ou a continuidade de uma postura
indefinida, ou declarar claramente o trabalho “numa linha de formação das pessoas para
revolucionar mentalidades e instituições injustas”. O texto escrito para estimular o debate
entre os participantes é encerrado com uma série de questionamentos sobre a necessidade real
de transformação do Brasil, as atitudes diante daquele contexto, as reformas de base, os
instrumentos e meios de ação, a liderança do Brasil no exterior, a posição da Igreja e “qual o
seu papel histórico, nisso tudo? Você sabe que todos nós temos uma missão insubstituível no
mundo. Analise, pois, o que pretende fazer ou se já está fazendo o possível...”
As discussões no encontro começaram a revelar “aos poucos a idéia de que educação,
a razão de ser do MEB, deveria se considerada como comunicação a serviço de transformação
280 MEB, Realidade Brasileira. PROEDES (UFRJ), Op. Cit. p.4 281 Idem. p.6 282 Idem, p.7 283 Idem, p.7
97
do mundo”.284 Nesse sentido, de acordo com o segundo texto, A educação na perspectiva da
consciência histórica do Brasil de hoje, de Luiz Gómez de Souza, um ex-militante da JUC e
um dos primeiros colaboradores da AP. Para ele, a educação, seja ela individual ou coletiva,
deveria considerar aquele momento histórico, no qual educar seria “situar a pessoa numa
determinada época e concomitantemente na coletividade toda para sua transformação
radical”.285 A idéia de conscientização como um mecanismo de mobilização social e política,
diante de uma realidade que deveria passar por uma “transformação radical, de um verdadeiro
salto dialético. Uma ruptura é indispensável, embora possa não ser rápida. Só se fará mediante
certa pressão”.286 Isso significava que o MEB deveria atuar junto às comunidades que eram
atendidas por suas escolas radiofônicas, no sentido de “acelerar a transformação radical da
sociedade pela autoconscientização das massas”.287
A idéia de uma transformação radical da realidade brasileira deu a tônica do Encontro,
diante da necessidade urgente de realizar essas mudanças, “todos eram chamados a fazer uma
opção. Os cristãos não tinham o direito de se omitir, por medo, prudência ou puritanismo”.288
Para Emanuel de Kadt essas reflexões culminaram com a declaração de um objetivo geral do
encontro de dezembro, que seria o de “contribuir de modo decisivo para o desenvolvimento
integral do povo brasileiro, levando em conta todas as dimensões do homem e usando um
autêntico processo da autopromoção e levar a uma decisiva transformação de mentalidades e
estruturas”289. Uma transformação necessária e urgente. Para realizar essa tarefa a
conscientização passou a ser o objetivo principal do MEB.
5 – A ação do MEC durante o regime parlamentarista: principais iniciativas
O primeiro ministro da educação do governo parlamentarista de João Goulart foi
Antônio Ferreira de Oliveira Brito, ele ficou da posse em 8 de setembro até sua renúncia em
11 de julho de 1962. Oliveira Brito deu prosseguimento à elaboração do Plano Nacional de
Educação, conforme as determinações da LDB recém aprovada. Foi nesta gestão que os
movimentos de educação e cultura popular começaram a ter contato com o MEC.
284 KADT, Op. Cit. p.225 285 MEB, Educação na Perspectiva da Consciência histórica do Brasil. PROEDES (UFRJ) p.4 286 MEB,Educação na Perspectiva da Consciência histórica do Brasil:Colocações Finais.PROEDES (UFRJ) p.2 287 WANDERLEY. Op. Cit. p.116 288 FÁVERO. Op. Cit. p.74 289 KADT. Op. Cit. p.226
98
Naquele contexto, podemos dizer que dois conjuntos de ações foram as principais
iniciativas na área educacional durante o período parlamentarista, e por isso canalizaram os
debates em torno dos temas educacionais. De um lado, o governo federal passou a discutir e
elaborar o Plano Nacional de Educação obedecendo as determinações da LDB recém
aprovada. Por seu lado, os movimentos de educação popular se consolidaram e continuaram a
se expandir, a crescente necessidade de verbas fez os movimentos buscarem o apoio do MEC,
apoio este efetivamente conseguido na gestão de Darcy Ribeiro. A nova postura do governo
em relação à educação pode ser sentida no aumento dos investimentos na área. Para Goulart a
educação tinha “um papel decisivo no desenvolvimento nacional, na própria transição do
“arcaico para o moderno”, ou seja, constituía fator determinante da modernidade
brasileira”290.
Na mensagem presidencial de 1962, a primeira enviada por Goulart ao parlamento, a
política educacional definida pelo governo seria caracterizada por um “sentido eminentemente
técnico e profissional, em todos os seus níveis, é indispensável objetivo para que se possa
contar com a formação de técnicos e mão-de-obra qualificada, tão necessários ao
desenvolvimento nacional”.291 O presidente reconhecia a situação dramática em que se
encontrava o ensino primário, que naquele momento alcançava somente 50% da população
em idade escolar. Destaca o alto índice de reprovação e desistência no ensino médio, e o
baixo rendimento do ensino superior, para o qual tem que se “criar as condições que permitam
a ampliação do corpo discente das escolas, sob pena de agravar-se a já sensível escassez de
técnicos para as atividades ligadas diretamente ao desenvolvimento”292.Uma das prioridades
de seu governo “seria atacar o analfabetismo de jovens e adultos e arranjar escolas para mais
de 7 milhões de crianças em idade escolar, analfabetos em potencial”.293
Outra decorrência da LDB foi o PNE, o Plano Nacional de Educação foi elaborado
durante todo o ano de 1962 por uma Comissão do Conselho Federal de Educação, da
comissão faziam parte: Anísio Teixeira, Brochado Rocha, dom Cândido Padin e A.Almeida
Júnior. Ao término do trabalho da Comissão, o plano foi encaminhado ao ministro Darcy
Ribeiro, que logo decidiu sua publicação, com o objetivo de torna-lo acessível ao governo, ao
congresso e à sociedade em geral, “ante a alta significação do plano e seus propósitos de
290 SCOCUGLIA. Op. Cit. p.39 291 João GOULART. Mensagem Presidencial para 1962, p.18 retirado da página do Latin American Microform Project (LAMP) no Center for Research Libraries (CRL). 292 Idem, p.20 293 SCOCUGLIA. Op. Cit. p.41
99
democratização efetiva do regime no esforço máximo de proporcionar educação ao povo”.294
De forma geral o PNE se propunha a “educar toda a nação e não só uma elite (...); expandir a
rede de ensino por todo o país, desencadear a Campanha Nacional de Alfabetização (...);
apoiar a universidade em sua obra de “renovação nacional” e de embasamento da transição
para a modernidade brasileira”.295
Foi justamente no governo Goulart, entre 1961 e 1964, que a mobilização em torno da
educação e da cultura popular atingiu o seu auge, passando a ser uma prioridade do Estado. O
Plano de Emergência criado por Ribeiro tinha por objetivo “adequar a educação brasileira à
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que acabava de ser promulgada”.296
Darcy ainda relata outras iniciativas tomadas durante sua gestão no MEC, a publicação
“de uma pequena enciclopédia da professora primária, remetida a 300 mil delas (...); o
lançamento da BBB – Biblioteca Básica Brasileira -, em dez volumes, com 15 mil exemplares
de tiragem, para mandar às escolas secundárias”297. A idéia era fornecer ao ensino médio dez
volumes por ano, por dez anos, o que totalizaria cem obras, que em seu conjunto possibilitaria
“conhecer o Brasil, sua literatura, sua história, sua língua”.
Por seu turno, os movimentos para custear seu crescimento começaram a buscar o
apoio do MEC, como vimos, o MEB teve justamente nesse período um aumento significativo
das verbas realmente repassadas ao Movimento. Foi durante o governo Goulart que a União
aumentou seus gastos com educação alcançando o patamar de 12,4% do Orçamento. Todo
esse esforço educacional, a preocupação com os diversos níveis de ensino, com a
alfabetização de adultos, com o aumento de verbas, tudo foi pensado “como parte do esforço
governamental pelas chamadas reformas de base, entre as quais a educacional foi destacada
como uma das prioridades”298
6 – Paulo Freire e o Serviço de Extensão Cultural
Depois de sua saída do Movimento de Cultura Popular, Paulo Freire, que já era
professor da Universidade do Recife, assumiu a criação, montagem e coordenação do Serviço
de Extensão Cultural, no qual pode dar continuidade as suas experiências educacionais
294 MEC, Plano Nacional de Educação, p.7 295 SCOCUGLIA. Op. Cit. p.42 296 RIBEIRO. Op. Cit. p.267 297 Idem. p.266 298 SCOCUGLIA. Op. Cit. p.45
100
iniciadas no MCP e concluir seu método de alfabetização de adultos. De acordo com o
próprio Freire o SEC nasceu de um sonho seu e do reitor da Universidade do Recife na época,
o prof. dr. João Alfredo Gonçalves da Costa Lima. A idéia já estava presente nas conversas
entre os dois mesmo antes de João Alfredo assumir a reitoria da UR, por volta de 1958.
“Costumávamos conversar sobre a possibilidade de, ultrapassando seus muros, a universidade
estender sua ação às áreas não-acadêmicas, mas escolarizadas, como a de estudantes pré-
universitários e a do magistério público de nível fundamental”.299
Uma das primeiras atividades do SEC foi treinar um grupo da Paraíba. Eles eram
membros da Campanha de Alfabetização Popular da Paraíba (CEPLAR), criada em 1962 por
iniciativa de estudantes e professores com o apoio do governo estadual. A CEPLAR foi uma
dos primeiros movimentos a utilizar o método de Paulo Freire. A escolha da alfabetização de
adultos feita pela Campanha deve ser inserida no contexto de mobilização política da época,
naquele momento, “alfabetizar em massa seria formar eleitores e uma oportunidade concreta
de dar-lhes uma consciência crítica e, em última instância, fazer a revolução pelo voto”.300
O contato com Paulo Freire foi feito em julho de 1962 por meio de Germano Coelho,
presidente do MCP. Na primeira conversa com Freire a equipe da Campanha pode ter uma
noção de suas idéias educacionais, ao escutarem “que alfabetização e conscientização são dois
aspectos de uma mesma ação”301 perceberam no método um potencial muito grande para a
realização de seu trabalho. Ficou acertado o treinamento dos monitores em Recife pelo SEC, e
o início da aplicação do método em João Pessoa pela CEPLAR.
De acordo com os relatos de Maria das Dores Paiva de Oliveira Porto e Iveline Lucena
da Costa Lage, “o primeiro grupo a ser alfabetizado pelo Método Paulo Freire, na CEPLAR,
em setembro de 1962, foi o chamado “grupo das domésticas””.302 Formado por um grupo de
empregadas domésticas envolvidas com a luta pelo registro em carteira das profissionais da
sua categoria. Depois de 40 horas, “as alfabetizandas conseguiam, embora ainda com
dificuldade, decifrar o conteúdo de frases simples, escrever palavras e, com firmeza, seu
nome. O desafio estava ganho”. Uma das conseqüências da avaliação feita pela CEPLAR era
a necessidade de um material pedagógico próprio para o período pós-alfabetização. “A idéia
de um livro de textos simples mas ricos em conteúdo, em torno do qual se aprofundariam os
299 Paulo FREIRE. Cartas à Cristina: Reflexões sobre minha vida e minha práxis. São Paulo: Editora UNESP, 2003. p.173 300 Afonso Celso SCOCUGLIA, Educação Popular: Do sistema Paulo Freire aos IPMs da Ditadura. João Pessoa: Ed.UFPB, São Paulo: CORTEZ, Recife: IPF, 2001,p.67 301 Maria das Dores Paiva de Oliveira PORTO e Iveline Lucena da Costa LAGE. CEPLAR: História de um Sonho Coletivo. João Pessoa: SEC/Conselho Estadual de Educação, 1994, p.63 302 Idem, p.66
101
conhecimentos dos alfabetizandos e se consolidariam suas aquisições foi, poucos meses
depois, concretizada num livro intitulado Força e Trabalho”.303
Depois da primeira turma com as empregadas domésticas a CEPLAR com o apoio do
SEC abriu mais cinco círculos de cultura. As turmas foram abertas em bairros periféricos de
João Pessoa, formadas, sobretudo, por operários. A experiência paraibana foi muito
significativa para a evolução do método, suas primeiras experiências serviram de laboratório,
tanto para o SEC como para a própria CEPLAR. O acompanhamento do SEC foi mais
presente em João Pessoa até 1963 quando teve início a experiência de Angicos e suas
atenções se voltaram para o Rio Grande do Norte.
303 Idem,p.70
102
Capítulo Terceiro – Tempo de Lutar (1963 – 1964)
“__A partir deste momento, o Presidente da República está investido de todos os
poderes que lhe são conferidos pela Carta de 1946.”304 Auro de Moura Andrade, Presidente
do Congresso, promulgou em 23 de janeiro de 1963 a revogação do Ato Adicional no.4, que
havia instaurado o parlamentarismo dois anos antes. Goulart assumiu plenamente seus
poderes. Nas eleições de outubro de 1962 o PTB havia crescido significativamente e, em
janeiro de 1963, o plebiscito por maioria esmagadora definiu o retorno do regime
presidencialista. Sua estratégia inicial foi tentar recompor a base do governo, reaproximando
PTB e PSD, buscando “através de acordos, negociações e compromissos entre o centro e a
esquerda, implementar as mudanças econômicas e sociais por meios democráticos”.305 Isso
significava manter uma política externa independente e realizar as Reformas de Base. Para
cumprir esses objetivos, Goulart se esforçava para construir uma base de apoio político no
Congresso Nacional reunindo o PTB e o PSD, isolando, desse modo, a direita representada
pela UDN. À estratégia de unir trabalhistas e pessedistas, as esquerdas chamavam de “política
de conciliação”.
Diante da crise econômica, o governo apresentou o Plano Trienal, elaborado pelo
economista Celso Furtado, prevendo o combate à inflação sem abrir mão do crescimento.
Como o plano implicava em contenção dos salários, diminuição dos créditos e dos gastos
estatais, dependia de um amplo acordo entre diversos setores, como empresários, políticos e
trabalhadores. Acordo este que não ocorreu: o plano teve forte resistência dos setores
nacionalistas e de esquerda, que viam nele um plano conservador, no qual não se identificava
um programa nacional de desenvolvimento e, sim um plano de “conciliação”. Contrárias a
qualquer tipo de pacto com o PSD, as esquerdas repudiaram o Plano Trienal.
Em junho de 1963 Goulart realizou uma reforma ministerial tentando rearticular as
forças da aliança governista, e com isso ampliar sua base de apoio no Congresso.306 As
condições econômicas e políticas permitiram pouca ou quase nenhuma margem de manobra
no contexto de radicalização e polarização política. Em setembro de 1963 estourou a rebelião
304 Mário VICTOR, Cinco anos que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p.446 305 Jorge FERREIRA. “O governo Goulart e o golpe civil – militar de 1964”. In FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org). O Brasil Republicano: O tempo da experiência democrática, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p.363 306 Argelina Cheibub FIGUEIREDO, Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política: 1961 – 1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993. p. 121
103
dos sargentos em Brasília, uma reação à decisão do STF de cassar os mandatos dos sargentos
eleitos em 1962. Depois da derrota do movimento, a situação de desgaste do governo só fez
aumentar. Nos meios militares o desconforto com a quebra da hierarquia foi aos poucos
fortalecendo os setores golpistas. Por seu lado, as esquerdas defendiam cada vez mais uma
postura de confronto. Grupos nacionalistas, trabalhistas, comunistas, cristãos progressistas,
entre outros, grupos, deram início a campanhas e mobilizações em defesa das reformas de
base.
Os temas abordados pelas reformas eram os mais amplos, como a questão tributária,
bancária, universitária, política e agrária. A idéia era alterar o modelo de desenvolvimento
brasileiro, aliando crescimento econômico com distribuição de renda, incluindo expressivas
camadas da sociedade que até então estavam excluídas. “Para os grupos nacionalistas e de
esquerda, tratava-se de um conjunto de medidas que visava alterar as estruturas econômicas,
sociais e políticas do país, permitindo um desenvolvimento econômico autônomo e o
estabelecimento da justiça social”.307 Os grupos que defendiam as reformas eram
representados pelo PCB, Ação Popular, Esquerda nacionalista do PTB, Ligas Camponesas,
Frente Parlamentar Nacionalista, CGT, sargentos da Aeronáutica e Exército, marinheiros e
fuzileiros da Marinha, os estudantes da UNE, do CPC e da JUC. Brizola despontava desde
1961 como a grande liderança pró-reformas.
No final do ano de 1963 como uma tentativa de deter a conspiração civil militar,
Goulart propôs o Estado de Sítio ao Congresso. A esquerda estava desconfiada das intenções
do presidente e resistiu prontamente ao pedido; a direita civil sabendo que seria o alvo
principal dessa decisão também se posicionou contrária. A retirada do projeto aumentou o
isolamento político de Jango. A polarização política na sociedade brasileira crescia a cada dia
e dois grandes setores procuram se articular rapidamente, um pró-reformas e outro
anticomunista. As posturas extremistas à esquerda e à direita ganharam cada vez mais força.
Uma saída negociada para crise, como se tinha alcançado em 1961, parecia agora cada vez
mais difícil. A tentativa do governo de criar um campo político próprio ao centro, evitando os
dois pólos não conseguiu se efetivar. De um lado pela desconfiança dos setores conservadores
e, de outro, pela radicalização das esquerdas, que demandavam mudanças cada vez maiores e
mais rápidas. Num processo de radicalização das posições e aumento da polarização política,
Goulart viu diminuírem pouco a pouco suas margens de manobra.
307 FERREIRA. Op. Cit. p. 351.
104
Os acontecimentos políticos e militares do início de 1964 precipitaram as coisas e
fortaleceram a conspiração golpista. Na esquerda, a crença de que qualquer mudança mais
profunda seria reprovada pelo Congresso, fez com que as alternativas fora do campo
parlamentar ganhassem força. Segundo Jorge Ferreira, “somente a política do confronto
poderia levar a resultados promissores para as forças populares, somente o embate, sem
qualquer recuo, poderia implementar, verdadeiramente, as reformas de base. Na sua
imaginação política, as esquerdas teriam acumulado forças suficientes para o confronto com a
direita”.308
Essa visão da esquerda, que mais tarde se mostraria equivocada, de que estava em
vantagem política em relação à direita, foi crucial para a sua radicalização e a exigência de
uma postura mais agressiva e contundente de Goulart em defesa das reformas: “A crença na
superioridade das forças populares era o sinal verde para a esquerda cobrar do Presidente
Goulart definições por um “governo nacionalista e popular”, que afastasse os Ministros do
PSD e do PTB “fisiológico” e os substituísse por políticos pró-reformas”.309 A postura de
confronto, adotada pela Frente de Mobilização Popular, conforme análise de Jorge Ferreira,
contribuiu para o enfraquecimento do governo.310
Com o isolamento de Goulart após o pedido de Estado de Sítio no final de 1963, a
oposição golpista ganhou mais terreno entre militares e civis. Os setores conservadores dos
partidos políticos, das Forças Armadas, da Igreja Católica e das classes médias, juntamente
com grandes proprietários rurais e representantes do capital externo articulavam à luz do dia
por uma alternativa de força.
Nos primeiros meses de 1964 as posturas de Goulart e as atitudes agressivas da
esquerda radical faziam crescer, entre os setores médios e a elite, o temor de uma tentativa de
desrespeito às normas constitucionais. A ameaça do “comunismo” e de uma “república
sindicalista” parecia ganhar contornos cada vez mais reais. A fala de Brizola no comício da
Central do Brasil, de crítica da Constituição e de substituição do Congresso por uma
Assembléia Constituinte abriram um flanco para os ataques da direita, que se colocava agora
como defensora da legalidade e argumentando que a estratégia escolhida por Goulart para
“implementar o programa de reformas ameaçava as regras institucionais vigentes e os canais
308 Idem, p. 380 309 Denis MORAES, A Esquerda e o Golpe de 64. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989, p. 188 310 Jorge FERREIRA, A Estratégia do Confronto: a Frente de Mobilização Popular. Revista Brasileira de História, vol. 24, no. 47, jan-jun, 2004.
105
constituídos de decisão política, especialmente o Congresso, também o presidente perdia o
direito de ser obedecido de acordo com essas mesmas regras”.311
Mesmo que na prática o Presidente não tenha cometido nenhum ato ilegal, o
argumento dos setores mais conservadores começava a ganhar mais espaço. Por seu lado a
esquerda acreditava que nada impediria seu avanço rumo às reformas. Depois do comício da
Central, de acordo com Dênis Moraes, o sentimento era de que as reformas “eram apenas uma
questão de tempo. Tudo não dependia só da vontade de Jango? Pois bem: no comício, ele
rompera com sua política conciliatória, mostrava-se, indiscutivelmente, mais sensível às
aspirações populares”.312 O raciocínio era lógico, agora que Jango havia se posicionado
claramente em defesa das reformas, pronto. “O impulso que as reformas de base pareciam ter
ganho consolidou, em quase toda a esquerda, a percepção equivocada de que seria remoto
qualquer refluxo (...) as forças populares, mais do que nunca, idealizavam a realidade,
ignorando que a base para as transformações sociais tinha lhes fugido: a opinião pública”.
A situação chegou ao seu limite crítico com a rebelião dos marinheiros no Rio de
Janeiro. A quebra da hierarquia e a solução encontrada por Goulart, demitir o Ministro da
Marinha e anistiar os rebelados, foi crucial e fez com que muitos militares ainda indecisos
passassem para o lado dos golpistas.A partir daí o apoio ao golpe só ganhou terreno; a Marcha
da Família com Deus pela Liberdade legitimou a postura agressiva dos setores mais
conservadores em recusar uma saída negociada. A manifestação em São Paulo serviu para
justificar perante os golpistas, que não se tratava mais de um sentimento de uma meia dúzia
de militares golpistas, mas a “Nação” exigia o compromisso com Constituição e a
“democracia”.
No dia 31 de março de 1964, após a participação de Goulart na comemoração de
aniversário da Associação de Sargentos no Rio de Janeiro, teve início o golpe civil/militar.
Partindo de Minas Gerais, de forma precipitada e incerta, o movimento golpista foi aos
poucos conquistando o apoio dos principais comandantes militares, conseguindo em apenas
dois dias derrubar o governo Jango. Quatro dias depois Goulart seguia para o exílio, dando
adeus a qualquer possibilidade de resistência indo para o Uruguai. Terminava o período
democrático inaugurado com o fim de outra ditadura, a do Estado Novo de Getúlio Vargas em
1945.
311 FIGUEIREDO. Op. Cit. p. 182 312 MORAES. Op. Cit. p. 197
106
Diante de um processo de radicalização política crescente, as demandas sociais por
reformas aumentaram, as pressões e os conflitos sociais também. Para Gorender o início da
década de 1960 “marca o ponto mais alto das lutas dos trabalhadores brasileiros neste século,
até agora. O auge da luta de classes, em que se pôs em xeque a estabilidade institucional da
ordem burguesa sob os aspectos do direito de propriedade e da força coercitiva do Estado”. 313
De acordo com o autor, no início de 1964 “esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o
golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter contra-revolucionário preventivo. A
classe dominante e o imperialismo tinham sobradas razões para agir antes que o caldo
entornasse”.
São muitas as interpretações sobre o golpe, algumas buscam explicá-lo por sua
inevitabilidade, ou seja, a influência externa, notadamente o governo estadunidense, associada
à aliança entre setores conservadores teria se constituído uma barreira instransponível, diante
da qual a democracia teve seu caminho interrompido. Outras privilegiaram o papel de
Goulart, colocando sob a responsabilidade de um único ator, o destino daquela complexa
crise. Recentemente estudos visam analisar o papel dos atores políticos de uma forma mais
conjunta. As esquerdas naquele processo definiram uma postura de radicalização política,
colaborando com o isolamento de Goulart, enfraquecendo sua posição diante da conspiração
golpista. Esta, por sua vez, com seu tradicional desapego à democracia, aglutinada sob a égide
do anti-comunismo, se vendo diante de uma situação “pré-revolucinária”, como definida por
Gorender, optou por uma saída também radical.
No resultado final do processo as reformas não foram realizadas e a democracia foi
sepultada. A partir daí a esquerda e os setores progressistas passaram a ser perseguidos,
cassados, presos, torturados, exilados, etc. Para os setores civis que apoiaram o golpe, o
sentimento inicial foi de vitória, para a UDN finalmente o poder se vislumbrava, mas aos
poucos foi ficando claro que daquela vez os militares não iriam apenas abrir caminho, mas se
apoderar do poder com suas próprias mãos. “O governo trabalhista, a sociedade brasileira e
mesmo os patrocinadores da derrocada da democracia não perceberam que, em abril de 1964,
ocorrera um novo tipo de golpe.” 314
313 Jacob GORENDER. Combate nas Trevas. São Paulo: Ática, 1998, p. 73 314 Jorge FERREIRA. “O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964”. In FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lúcia de Almeida Neves (org). Op. Cit. p.401
107
1 – Paulo Freire: de Angicos para o MEC
Depois de deixar o MCP e se dedicar à elaboração de seu Método de Alfabetização no
Serviço de Extensão Universitária (SEC) da Universidade do Recife, onde pode testar seu
método, como vimos no capítulo anterior, na CEPLAR da Paraíba. No início de 1963, Paulo
Freire coordenou a famosa experiência de Angicos-RN. Foi a entrada no cenário nacional do
chamado Método Paulo Freire de Alfabetização de Adultos, método este que vinha sendo
elaborado já a quase cinco anos. Desde o final da década de 1950 o educador pernambucano
estudava e aplicava experiências de alfabetização. Conforme demonstramos no primeiro
capítulo foi no MCP que Freire iniciou suas experiências com os Círculos de Cultura e
desenvolveu a técnica de utilizar imagens e palavras, foi lá também que percebeu que deveria
partir do vocabulário dos alunos as palavras geradoras de seu método. Entretanto, suas
experiências de maior vulto foram realizadas quando já não estava mais no MCP, foi no SEC
da Universidade do Recife, hoje UFPE, que concluiu a elaboração de seu método de
alfabetização.
A primeira experiência de grande porte de seu método foi realizada em Angicos,
interior do estado do Rio Grande do Norte entre janeiro e abril de 1963. Foram alfabetizadas
cerca de 300 pessoas, adultos que aprenderam a ler e a escrever em 40 horas. Carlos Lyra, um
dos coordenadores escreveu Angicos: Diário de uma experiência, no qual relata passo a passo
toda a aplicação do método de alfabetização de adultos, da chegada do material na cidade aos
resultados finais obtido pelos alunos. Transcreveu diálogos entre professores e alunos,
observações de Paulo Freire, as reações aos slides, a discussão sobre cultura, e as palavras
geradoras.
Do ponto de vista político, a experiência se revelou um problema para as esquerdas,
Moacyr de Góes, secretário de educação de Natal chegou a procurar Freire em Recife para
tentar “demovê-lo dessa participação”, no plano estadual, o projeto representava uma
iniciativa do governador Aluísio Alves, “um empreendimento claramente orientado para a
afirmação política de uma facção concorrente à liderança autenticamente popular do prefeito
Djalma Maranhão.”315 Além disso, havia uma outra questão, a experiência foi financiada, via
governo estadual, pela Aliança Para o Progresso, o que de acordo com Betinho “foi um grave
problema,” pois colocou em lados opostos os membros da AP que estavam participando da
experiência e os que não estavam, para estes últimos Angicos era “só um blefe, (...) um plano
315 Celso de Rui BEISIEGEL. Política e Educação Popular. São Paulo, Ática, 1992, p. 215
108
da Aliança para o Progresso para alfabetizar 200 ou 300 camponeses e pregar uma mentira
internacional, que eles também estão fazendo alfabetização no Brasil.”316
Calazans Fernandes, na época o Secretário de Educação do Estado do Rio Grande do
Norte, afirma que o problema político só foi resolvido com a intervenção de Miguel Arraes.
Depois do veto da AP à participação de Marcos Guerra na experiência de Angicos por conta
da participação da Aliança para o Progresso no projeto. “A decisão transferida para Recife,
território de Miguel Arraes, para quem Paulo Freire trabalhava, no MCP”317 O secretário de
Arraes, Marcos Luis, “fez a ponte, que terminou na sagração do pacto dos rapazes de Natal
com a liderança pernambucana e que incluiu a autorização para Paulo Freire se integrar ao
grupo de Angicos”. A participação tanto de Marcos Guerra como de Paulo Freire “dependera
da concordância de forças contrárias ao governo do Rio Grande do Norte”. Incluindo-se entre
esses grupos e políticos a AP, o PCB e Miguel Arraes. Paulo Freire foi muito criticado por
aceitar os recursos da Aliança, tempos depois justificou sua opção declarando que não tinha
nada contra “usar o dinheiro que ela pensa que é dela, mas que não é, porque no fundo o
dinheiro da Aliança para o Progresso era o dinheiro que voltava ao Brasil”.318
Do ponto de vista pedagógico a experiência entrou para a história como uma
revolução, com o método de Freire era possível alfabetizar em apenas 40 horas. O governador
garantiu as verbas e indicou sua cidade natal, Angicos, no interior do estado, para sediar a
experiência. Freire assegurou, no acordo, total controle sobre a aplicação do método, e deu
início a sua preparação, o que incluía um curso para monitores e a pesquisa do universo
vocabular. Em 18 de janeiro de 1963 a experiência teve início com a aula de abertura,
proferida pelo governador Aluísio Nunes, acompanhado de Calazans Fernandes, e “um grupo
de professores paulistas componentes da caravana governamental, fotógrafos, jornalistas e os
universitários coordenadores dos Círculos de Cultura.”319 O curso durou até o dia 2 de abril,
quando ocorreu seu encerramento.
O Método de Freire procurava alfabetizar a partir de palavras presentes no vocabulário
de seus educandos. Em Angicos após uma pesquisa inicial foram definidas aquelas que seriam
as “palavras geradoras”, em torno das quais, ocorreriam os debates e a aprendizagem da
leitura e da escrita. Belota, foi a primeira palavra a ser utilizada, depois veio Sapato e, no dia
1o. de fevereiro, na sétima hora, as turmas utilizaram as palavras Voto-Povo. A imagem na
parede projetava a figura de um nordestino votando, o objetivo principal não seria “dar aula 316 Idem, p. 229 317 Calazans FERNANDES e Antonia TERRA. 40 horas de Esperança.São Paulo: Ática, 1994,p.89 318 Nilcéa Lemos PELANDRÉ. Angicos: 40 horas 40 anos depois. São Paulo: Cortez/ 2002. pp.53-54. 319 SECERN, Setor de Alfabetização, Diário de uma experiência, p.1, NEDEJA/UFF.
109
sobre povo – democracia, etc.; Mas arrancar deles, o que eles pensam de povo, de
democracia, de participação no processo político. Dialogar sem nenhuma preocupação ainda
de fixar a palavra povo.”320 Além disso, também era objetivo daquela aula mostrar a
“diferença entre povo e massa,” e a “importância do voto para a emancipação política.” Os
debates partiram desta base inicial, procurando realizar uma reflexão sobre a realidade social
da cidade: “Em Angicos todos são iguais?” e a valorização do voto: “aprendendo a ler – para
votar consciente,” o “voto é a arma do povo.” Os monitores registravam algumas falas dos
alunos durante os debates em sala, de acordo com o relato de um deles, um dos alunos teria
dito durante um debate sobre a palavra voto que “povo é o que nós é, na época das eleição,”321
demonstrando uma relação entre o exercício do voto e o “ser” povo.
O debate em torno das palavras geradoras era orientado para discutir temas políticos,
Salinas, por exemplo, nos fornece um diálogo muito revelador da forma como se davam os
diálogos dentro das turmas de alfabetização. O monitor apresentou a palavra, e usou a
imagem de uma salina em Macau, cidade vizinha. Iniciou o debate falando sobre a
importância do sal para a economia do Rio Grande do Norte, do sindicato dos salineiros como
exemplo de união, e para dar início ao debate começou a fazer alguns questionamentos,
primeiro sobre o preço do sal, depois comparando o baixo pagamento da mão de obra com
alto preço pago pelo sal, e a presença do capital externo na sua extração, diante de tal
realidade:
“__Se você fosse a autoridade que é que fazia? (Monitor)
__Tomava as providências e dava um jeitinho. (Sr. Francisco)
__E por que as autoridades não tomam nenhuma providência? (Monitor)
__Certamente tão recebendo alguma graninha. (Sr. Geraldo)”322
A partir das perguntas do monitor, os alunos vão expressando suas opiniões, deixando
transparecer um pouco de suas compreensões sobre a política. Sr. Francisco na primeira
resposta, diz de forma direta e astuta a sua solução para o preço do sal. Na segunda Sr.
Geraldo deixa claro que para ele, a corrupção era a principal causa da falta de atitude do
Estado diante de interesses “externos”. Outros temas também eram debatidos
Na quadragésima hora estavam lá presentes João Goulart, presidente da República,
Aluízio Alves, governador do estado, Calazans Fernandes, secretário de educação, o
Superintendente da Sudene, um representante da Aliança para o Progresso e alguns 320 Idem, p.8 (grifo nosso) 321 Idem, p.8 322 Carlos LYRA, As Quarenta Horas de Angicos: uma experiência pioneira de educação. São Paulo, Cortez, 1996. p.50
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governadores nordestinos, entre eles, Miguel Arraes de Pernambuco e Seixas Dória de
Sergipe. Alves em sua fala, além de registrar a vitória e o sucesso da experiência, apontava os
planos de sua expansão, “a partir do mês de maio, nós vamos estendê-la a mais dez cidades do
Estado e à capital do Rio Grande do Norte”. No seu discurso o presidente Goulart destacou o
caráter revolucionário que o método representava, “através de um processo de ensino tão
rápido, possivelmente chegaremos a grande revolução da nossa Pátria, que é a revolução pelo
ensino, a revolução pela alfabetização do povo brasileiro”.323 Nesse sentido, aquela
experiência deveria ter prosseguimento: __Tenho certeza que estes cursos, se espalhando pelo território hão de
proporcionar, através dos ensinamentos, melhores condições de vida para o povo que necessita, que pede e que clama por educação; e este povo, quando tomar conhecimento das letras e depois delas das leis de nossa Pátria, há de se integrar ao país, na luta extraordinária que todos juntos devemos realizar pela emancipação econômica da nossa Pátria, para que não se assista espetáculos de tanto contraste social e de tanta miséria em tantas regiões da nossa Pátria e para que o povo, enfim, possa sentir que ele também é dono do seu país, mas que é dono não apenas porque lê nas leis, ou porque lê nas cartilhas, mas porque se sinta dono, sentindo-se integrado na vida da nação e especialmente participando das riquezas nacionais; estas riquezas que não podem ser privilégios de poucos, contra o interesse de milhões de patrícios nossos e das riquezas que devem pertencer a todos para somente assim termos para todos nós, um país rico, um país livre e um país respeitado.324
Depois dos dois discursos os alunos passariam a escrever uma carta endereçada ao
presidente, neste momento o aluno Antônio Ferreira, de 51 anos, quebrou o protocolo e pediu
a palavra, depois de agradecer a todos os presentes pela oportunidade de estudar e aprender a
ler, comparou os governo de Vargas e Goulart: “Naquele tempo anterior veio o Presidente
Getúlio Vargas, matar a ‘fome da barriga’ – que é uma doença fácil de curar. Agora, na época
atual, veio o nosso Presidente João Goulart matar a precisão da cabeça que o pessoal todo tem
necessidade de aprende”,325 e demonstrou sua conscientização política, construída ao longo do
curso, Antônio concluiu “em outra hora, nós era massa, hoje já não somos massa, estamos
sendo povo”.326
Após o encerramento da solenidade ocorreu um diálogo entre Calazans Fernandes e
o General Castelo Branco bastante revelador da desconfiança causada pelo método nos
setores conservadores. Demonstrou, por um lado, a compreensão que os militares mais
conservadores construíram dos métodos e experiências de alfabetização de adultos. De outro,
da própria idéia de povo dos militares. Carlos Lyra relata que: “Castelo Branco, dirigindo-se 323 João GOULART citado por Carlos LYRA, As Quarenta Horas de Angicos. (mimeo), 1963, p.3 NEDEJA/UFF 324 Idem, p.4 325 Antonio FERREIRA citado por LYRA, Op. Cit. p.7 326 Idem, p.8
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sozinho para o carro, chama o secretário Calazans Fernandes (ao meu lado) e, em tom afável,
cordial, como quem está dando um conselho, diz:
___ Meu jovem, você não acha que está engordando cascavéis neste sertão?
Calazans, não sentindo nenhuma atitude de interpelação, responde:
__ General, depende do calcanhar que elas mordam!”327
Para compreender melhor o interesse da a Aliança Para o Progresso pelo método de
Freire, vale ressaltar que a Aliança tinha desde seu início uma dupla orientação: “por um lado,
buscando obter o isolamento e, se possível, o aniquilamento da ameaça cubana e, por outro
lado, procurando a todo custo prevenir outras eventuais comoções revolucionárias no
continente.”328 Nesse sentido, para a Aliança, a experiência de Angicos poderia colaborar com
o desenvolvimento da região; era uma possibilidade de se erradicar o analfabetismo, ou pelo
menos, de diminuir significativamente seus índices em curto espaço de tempo, alterando
significativamente a quantidade de eleitores. Entretanto, a coordenação da Aliança no Brasil
na época da experiência “ainda não conhecia bem o método de alfabetização empregado,”329
financiando-o em Angicos, e apoiando também a sua expansão para todo o estado do Rio
Grande do Norte, em parceria com o governo estadual.
Durante a própria experiência há pelo menos um relato de discordância, ou no
mínimo, desconfiança e crítica por parte dos membros da Aliança em relação ao conteúdo do
curso de alfabetização. No seu texto sobre as 40 horas, Antonia Terra narra a visita de um
representante do governo dos Estados Unidos à experiência de Angicos. Ele foi para
acompanhar o desenvolvimento da experiência de alfabetização. Era 4 de março de 1963,
encostado na porta de uma das salas de aula acompanhou o diálogo entre o monitor e os
alunos:
Na aula sobre a vigésima sétima palavra geradora: Expresso. O monitor introduziu o
assunto explicando “que veio para Angicos num ônibus, que era fabricado pela Mercedes
Benz, uma fábrica alemã; rodando sobre pneus Firestone, produzidos por uma empresa
americana”.330 Depois apresentou alguns slides e passou a discutir as diferenças entre natureza
e cultura, para estimular a participação dos alunos, perguntou o monitor: __O que é ônibus? __Objeto de cultura! __ responderam os alunos. E o professor reforçou: __ É, transporta a cultura pelas estradas empoeiradas do Nordeste.
327 LYRA, Op. Cit. p.117 328 BEISIEGEL, Op. Cit. p. 222 329 Paulo de Tarso SANTOS. 64 e outros anos: depoimento prestado a Oswaldo Coimbra. São Paulo: Cortez, 1984. p.60 330 FERNANDES e TERRA, Op. Cit. p.187
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E disparando o debate, indagou: Quem fez o ônibus? __ Uma multinacional __ alguns responderam. A partir daí, a discussão desembarcou no imperialismo.
Após a aula, o representante estadunidense que até aquele momento só havia falado
em inglês, “demonstrou seu domínio do português, tendo entendido tudo o que aconteceu na
sala de aula, disse que o curso era muito bom, mas não adequado para a América Latina.
Talvez fosse para a China”.331 Mais tarde, diante da radicalização da conjuntura política, os
debates realizados durante os cursos e a participação de jovens universitários de esquerda
configuraram o método como um elemento subversivo. Em janeiro de 1964 a Aliança
interrompeu o financiamento do programa.332
Depois de concluída a experiência Paulo Freire e sua equipe do SEC iniciaram um
processo de avaliação e reflexão sobre o método. Este trabalho foi publicado pela Revista
Estudos Universitários da Universidade do Recife no final do primeiro semestre de 1963.
Paulo Freire: Conscientização e Alfabetização – uma Nova Visão do Processo; Jarbas Maciel:
A fundamentação teórica do sistema Paulo Freire; Jomard Muniz de Britto: Educação de
Adultos e Unificação da Cultura; de Aurenice Cardoso: Conscientização e Alfabetização –
uma Visão Prática do sistema Paulo Freire; e o texto do suíço Pierre Furter Alfabetização e
Cultura Popular na Alfabetização do Nordeste Brasileiro.
O texto de Freire foi dividido em três partes, na primeira faz uma análise histórica da
relação do homem com a realidade que o cerca, a partir de uma visão dialética, na qual
“marca o mundo refazendo-o e com que é marcado”.333 Na segunda parte do texto, trata mais,
especificamente, da questão educacional ”dentro do quadro geral de democratização
fundamental”.334Na terceira parte Freire faz um histórico das experiências realizadas com o
método. Para ele, Angicos representou uma experiência vitoriosa, na qual, “Trezentos homens
eram alfabetizados em Angicos em menos de 40 horas. Não só alfabetizados. 300 homens se
331 Idem, p.189 332 “O Programa de Paulo Freire indubitavelmente era subversivo em sua técnica básica de provocação deliberada e em seu propósito de desenvolver a capacidade crítica, criando o senso de capacidade e responsabilidade do indivíduo para mudar sua vida e o mundo em torno de si. Numa sociedade hierárquica e paternalista, onde a palavra do coronel era a lei, esta ênfase no pensamento e na ação individual e comunitária era destruidora dos valores tradicionais. O programa de Freire era revolucionário no mais profundo sentido do termo”. Texto de Jerome Levinson e Juan Onís: The Alliance that lost its way. Chicago, Quadrangle Books, 1970, p.291. Citado por BEISIEGEL, Op. Cit. p.221 333 Paulo FREIRE, Conscientização e Alfabetização – uma Nova Visão do Processo, Revista Estudos Universitários, Abr-Jun, Recife: Universidade do Recife, 1963, p.7. NEDEJA/UFF. 334 Idem, p. 11
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conscientizavam e se alfabetizavam em Angicos. Trezentos homens aprendiam a ler e a
escrever, e discutiam problemas brasileiros”.335
Nos demais textos, há uma análise de Jarbas Maciel sobre o arcabouço teórico do
método. Para ele o Sistema Paulo Freire de Educação representava “uma das poderosas
ferramentas da práxis que estava faltando ao ISEB, pois que ambos – SEC e ISEB – se
completam na fase atual da revolução brasileira”.336 Jomard Muniz de Britto, em seu texto,
analisa as demais experiências de educação de adultos. Aurenice Cardoso, responsável pela
metodologia dentro da equipe de Paulo Freire, defendia que “a alfabetização se processa por
um método analítico-sintético, o da palavração, que nos parece vem sendo bastante eficaz na
alfabetização de adultos”.337
O texto de Furter pretende analisar a relação entre o processo de alfabetização em
curso e a politização do “cidadão brasileiro analfabeto”, que em suas palavras era um “pária”
já que não pode participar do processo político por não ser alfabetizado. Furter faz um
histórico da questão mais geral da educação no país, mostrando o esforço de diversos
educadores brasileiros no sentido de resolver a questão do analfabetismo. Furter avalia que
em primeiro lugar “tomou-se consciência de que a democracia brasileira era uma democracia
sem povo”338 e que a proibição do voto ao analfabeto era naquele momento “uma arma
política da classe possuidora contra o proletariado”.339 Diante de um sistema de ensino
incapaz de atender toda a demanda por educação, era extremamente necessário e urgente
utilizar “novas técnicas revolucionárias, eficazes e baratas”340, ou seja, o método Paulo Freire.
A cultura popular seria o elo de unidade cultural e ideológica da nação, e cita os exemplos das
Ligas Camponesas, da UNE e do CPC e da utilização que fazem da cultura popular, esta seria
ainda uma forma de “afirmar que o povo não é apenas uma massa mas que ele deve poder
exprimir-se, que é preciso levar em conta as suas necessidades”341.
Foi a partir desta trajetória que Paulo Freire, seu método e sua equipe chegaram ao
Ministério da Educação (MEC) na gestão de Paulo de Tarso Santos. Em seu relato sobre os
335 Idem, p.20 336 Jarbas MACIEL, A fundamentação teórica do sistema Paulo Freire, Revista Estudos Universitários, Abr-Jun, Recife: Universidade do Recife, 1963, p.26. NEDEJA/UFF. 337 Aurenice CARDOSO, Conscientização e Alfabetização – uma Visão Prática do sistema Paulo Freire, Revista Estudos Universitários, Abr-Jun, Recife: Universidade do Recife, 1963, p.76. NEDEJA/UFF. 338 Pierre FURTER, Alfabetização e Cultura Popular na Politização do Nordeste Brasileiro, Revista Estudos Universitários, Abr-Jun, Recife: Universidade do Recife, 1963, p.107. NEDEJA/UFF. 339 Idem, p.107 340 Idem, p.108 341 Idem, p. 110
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anos sessenta, o ex-ministro afirma não se lembrar quem lhe falou primeiro sobre Paulo Freire
e seu Método, se foi Darcy Ribeiro (Ministro da Educação e Chefe da Casa Civil do governo
Goulart), Calazans Fernandes (Secretário de Educação do Estado do Rio Grande do Norte) ou
Germano Coelho (presidente do MCP e Secretário Estadual de Educação de Pernambuco).
Independente de quem tenha sido o primeiro a mencionar Paulo Freire, o certo é que a idéia
de alfabetização em massa o entusiasmou.
Flávio Tavares relata a empolgação do ministro com a explanação de Paulo Freire
sobre o seu método de alfabetização: “__Isso muda o mapa eleitoral!__exclamou Paulo de
Tarso, eufórico, a Jango. Num tempo em que os analfabetos não votavam, o método faria
surgir milhões de eleitores novos e conscientes, já no primeiro ano de implantação.”342 De
acordo com Betinho, que havia tomado contato com método de alfabetização através da
UNE–Volante, “Paulo Freire como chefe de uma campanha nacional de alfabetização de
adultos era uma conseqüência lógica.”343
Foi criada no interior do MEC em 28 de junho de 1963 a Comissão de Cultura
Popular,344 coordenada por Freire e responsável pela implementação de um Programa
Nacional de Alfabetização. A idéia, segundo Tarso, era “testar uma forma de trabalho, uma
experiência-piloto, em Brasília, que depois pudéssemos utilizar no país todo, aproveitando o
principal traço que caracterizava o método de alfabetização do Paulo Freire: a possibilidade
de alfabetizar em 40 horas.”345 Para financiar o projeto surgiu a figura de Júlio Sambaqui,
mais tarde substituto de Paulo de Tarso. Sambaqui estava há 22 anos no MEC, era funcionário
de carreira, “conhecia tudo... Ele era o orçamento do Ministério (...) se fechou durante uma
semana e somou todos os resíduos, daqui e dali, e chegou ao Paulo e disse:
__ Olha, você pode manejar, na base de cheques, assinados pelo ministro...”346
As verbas residuais somadas por Sambaqui, cerca de 200 milhões de cruzeiros,347
possibilitaram o início do projeto de alfabetização de adultos coordenado por Freire no MEC,
era o início o Programa Nacional de Alfabetização.
342 Flávio TAVARES, O Dia em que Getúlio Matou Allende. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 243 343 Herbert de SOUZA em depoimento a BEISIEGEL, Op. Cit. p. 229 344 Vanilda PAIVA. Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo, Ed. Loyola, 1972. p.255 345 SANTOS, Op. Cit. p. 60 346 BEISIEGEL, Op. Cit. p. 229 347 PAIVA, Op. Cit. p.245
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2 - Paulo de Tarso Santos e a esquerda católica: o MEC de “pernas pro ar”
Na tentativa de rearticular sua base de sustentação, em meados de 1963 o presidente
João Goulart realizou uma ampla reforma ministerial. Sua intenção principal era “assumir ele
mesmo o comando das negociações com o PSD e, ao mesmo tempo, tentar neutralizar a
influência da ala radical do PTB em seu governo.”348 Na recomposição das forças políticas
dentro do ministério, Goulart procurou ampliar sua base de apoio parlamentar. Nesse sentido,
houve uma preocupação em abrir espaço para novos grupos dentro do Congresso, e que
também defendiam as reformas. A esquerda católica crescia em número e importância, os
chamados cristãos progressistas formavam um setor fluído, mas crescente e engajado. A Ação
Popular, AP, foi naquele momento, a principal organização política que surgiu dessa guinada
à esquerda dentro da Igreja. A organização dirigia a UNE, estava presente nos movimentos de
alfabetização e cultura popular, participava da organização de Sindicatos de Trabalhadores
Rurais, e compunha a Frente de Mobilização Popular. A AP “tinha simpatizantes na Câmara
dos Deputados e Assembléias Legislativas e nos meios intelectuais de pensamento cristão.”349
Entre esses simpatizantes estava Paulo de Tarso Santos, Deputado Federal do PDC por São
Paulo. Naquela conjuntura Santos pareceu aos olhos de João Goulart uma ótima opção para
contemplar três forças ao mesmo tempo: a igreja progressista, a UNE e as esquerdas.350 Entre
os novos ministros, a considerada esquerda radical estava presente no governo “com o
Ministro Paulo de Tarso (Educação) e Egídio Michaelsen (Indústria e Comércio).”351
No interior do PDC Paulo de Tarso fazia parte de um pequeno grupo formado por ele,
Plínio de Arruda Sampaio e Franco Montoro. Era um grupo que buscava “antecipar esta
opção preferencial da Igreja pelos pobres,”352 vivenciavam, em conjunto com outros grupos
católicos, o início de um processo que culminaria anos depois com o surgimento das
Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) e da Teologia da Libertação. Essa postura no interior
do cristianismo aproximou Paulo de Tarso do movimento estudantil, pois, para ele a UNE
“era um dos poucos segmentos sociais brasileiros organizados e mobilizados para as reformas
estruturais do país.”353 Sua adesão, no Congresso Nacional, à Frente Parlamentar Nacionalista
e seu engajamento na Frente de Mobilização Popular revelam claramente um posicionamento
348 FIGUEIREDO, Op. Cit. p.121 349 MORAES, Op. Cit. p. 74 350 SANTOS, Op. Cit. p. 54 351 VICTOR, Op. Cit. p.449 352 SANTOS, Op. Cit. p. 50 353 SANTOS, Op. Cit. p. 52
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político à esquerda, numa linha muito próxima da AP. Caracterizada por uma política de
defesa das reformas e de enfrentamento com campo à direita.
Paulo de Tarso ocupou por cinco meses o Ministério da Educação, entre junho e
outubro de 1963. De suas diversas ações vale ressaltar sua relação com a UNE, ou mais
propriamente com a AP, que dirigia a entidade; a participação no III Encontro de Ministros da
Educação da OEA; a entrada de Paulo Freire no Ministério, a realização do I Encontro
Nacional de Alfabetização e Cultura Popular; a criação da Comissão de Cultura Popular e o
Programa Nacional de Alfabetização.
A relação de Paulo de Tarso com a AP se fortaleceu com sua chegada ao ministério,
seu gabinete contou com vários membros da organização, de acordo com Luiz Alberto Gómez
de Souza, o novo ministro nomeou “Betinho para chefiar sua assessoria em Brasília e a mim e
dois outros dirigente da AP, Ney Gomes Arruda e Marcos Alencar, para assessores no
Rio.”354 A atuação militante, engajada e inovadora dos jovens católicos de esquerda colocou o
“MEC literalmente de pernas pro ar, para espanto de antigos funcionários.”
Betinho era a principal liderança nacional da AP, responsável no ministério pela
relação com o movimento estudantil. Paulo de Tarso afirma que Betinho “estruturou, de uma
maneira quase perfeita,” seus “contatos com os estudantes.”355 A AP havia sido criada um ano
antes, em 1962, num encontro que reuniu membros da JUC em Belo Horizonte resultado das
relações cada vez mais tensas entre a hierarquia e os jucistas.
Com a entrada de Paulo de Tarso no Ministério da Educação, a AP passava a atuar
também no âmbito do Estado. No entanto, a participação de seus militantes em cargos
públicos era uma preocupação, em documento a organização apontava os cuidados que seus
militantes deveriam ter ao assumir tais cargos, uma “atuação consciente e crítica, para que não
venha se servir para jogos políticos ou atender a interesses de homens públicos ou
implicações partidárias e ideológicas”.356 O que deveria orientar a ação de seus militantes era
a concretização da “orientação política e ideológica” da organização.357 Uma delas, por
exemplo, era a criação e o fortalecimento dos movimentos de Cultura Popular, entendidos
pela AP como instrumentos de mobilização, politização e organização do povo.358 Nesse
sentido, a postura política de enfrentamento e radicalização da organização se refletiu na
354 Luiz Gomes de Souza em depoimento ao livro de Herbert José de SOUZA, Estreitos Nós: Lembranças de um semeador de utopias. Rio de Janeiro, Garamond, 2001, p. 50 355 SANTOS, Op. Cit. p.73 356 Ação Popular. Cultura Popular. Publicação interna do movimento. In FÁVERO, Osmar (org.). Cultura Popular Educação Popular: Memória dos anos 60. Rio de Janeiro: Graal, 1983. p. 31 357 Idem. p.31 358 Idem. p.25-26
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atuação do novo ministro, pautada pelo debate público das questões relativas à educação e ao
incentivo dos movimentos de educação e cultura popular.
Entre os dias 4 e 10 de agosto de 1963 em Bogotá na Colômbia, ocorreu a III Reunião
Interamericana de Ministros da Educação. Convocada pelo Conselho da Organização do
Estados Americanos (OEA), a reunião tinha por propósito dar encaminhamento às decisões da
Conferência de Punta del Este, dois anos antes, no setor educacional. Era o cumprimento do
Plano Decenal de Educação da Aliança Para o Progresso, um esforço dos países americanos,
“no sentido de acelerar seu desenvolvimento econômico, mediante a ampliação e
diversificação de seus sistemas educacionais.”359 Dentro da estratégia do governo norte-
americano para a América Latina, a Aliança buscava evitar novas revoluções cubanas no
continente. A proposta era a realização de reformas que melhorassem as condições de vida de
parte da população, reduzindo a pressão social e diminuindo a possibilidade de surgimento de
movimentos revolucionários com forte base política e social.
A participação da delegação brasileira, sob a chefia de Paulo de Tarso, foi crítica em
relação à Aliança e causou bastante polêmica, tanto na Colômbia como no Brasil. Na véspera
do início da Reunião, Paulo de Tarso foi procurado pelo representante mexicano, Torres
Bodet, que lhe trazia uma cópia das conclusões do encontro, Paulo reagiu:
“__ Ministro, deve haver, entre nós, um problema de língua. Não estou entendendo
como, um dia antes de a conferência começar, o senhor já me propõe um texto com as suas
conclusões.”360
Diante da insistência do mexicano, o ministro brasileiro pede um dia para debater a
questão com toda a delegação brasileira, que se definiu pela recusa da proposta. A postura do
Brasil causou enorme reação, “os americanos, sobretudo, ficaram muito preocupados, pois,
com o peso que o Brasil tem na América Latina, prenunciava-se uma atuação divergente,
talvez, até rebelde, contra a forma como havia sido concebida a conferência.”361 Procurando
costurar um acordo e evitar uma radicalização maior dos brasileiros, o representante do
governo americano, por meio novamente de Torres Bodet, ofereceu ao Brasil a presidência de
uma das Comissões, Tarso disse “o Brasil não faz questão de presidir comissão alguma. Mas,
se alguma comissão tiver que ser dada ao Brasil só aceitamos a Comissão Financeira.” Pela
importância da comissão, houve certa resistência americana, mas depois de alguma
intermediação a proposta foi aceita, e a delegação brasileira, indicou Milton Silva, técnico
359 Terceira Reunião Interamericana de Ministros da Educação. Bogotá, Colômbia, 1963. p.65 CBPE/UFRJ 360 SANTOS, Op. Cit. p.84 361 Idem, Op. Cit. p.84
118
com experiência de trabalho na Organização das Nações Unidas (ONU), para presidir a
Comissão. Paulo de Tarso afirma que esse fato também chamou a atenção, provocando “certo
escândalo, porque até do ponto de vista visual era uma coisa inteiramente inesperada ver um
negro presidindo uma comissão como aquela.”362
O início da Reunião foi marcado por uma infinidade de discursos, ministros e
representantes de cada país se alternaram na tribuna, apresentando números e gráficos do
desempenho educacional de seus respectivos países. Paulo de Tarso ao tomar a palavra
iniciou seu discurso dizendo que “as estatísticas sobre a educação brasileira estão à disposição
de Vossas Excelências na Secretaria da Conferência. Esta é uma reunião política e o discurso
do ministro de Educação do Brasil será político.”363 No discurso, o ministro brasileiro,
apontou a contradição entre a proposta e a prática política da Aliança para o Progresso no
continente. Acusou a Aliança de propor uma série de reformas, mas, ao mesmo tempo, buscar
o apoio justamente dos setores mais conservadores e mais avessos a qualquer tipo de reforma.
“Assim, tocamos numa das contradições radicais do sistema que surgiu em Punta del Este.
Como realizar uma revolução social ao lado das forças da contra-revolução? Como chegar às
reformas de base com o apoio dos contra-reformistas e a desconfiança, para não dizer repulsa
das forças populares?”364
Na conclusão do discurso Santos salienta dois pontos, primeiro faz uma referência
direta à expulsão de Cuba da OEA, “a América já não está toda presente nesta Conferência.
Desde o encontro de Punta del Este, em vez de coesão houve ruptura.” Segundo, afirma que o
povo quer mais fatos concretos e menos princípios vagos, “sob o nome de liberdade e
democracia podem-se ocultar a opressão e o poder de uns poucos. Também se pede menos
publicidade e mais ações concretas, precisas e eficazes e coerentes.” O discurso de Paulo de
Tarso foi recebido com surpresa, muitos representantes se solidarizaram pela coragem do
ministro brasileiro, em dizer aquilo, que muitos queriam dizer, mas não o podiam fazer em
público. Publicado na íntegra pela imprensa colombiana, rapidamente chamou a atenção dos
estudantes, que o convidaram para uma palestra na principal universidade da Colômbia.
Cartazes foram espalhados pela cidade convidando para ouvir o Ministro da Educação do
Brasil.
Para parte da imprensa brasileira, que se opunha ao governo, era o “bogotaço” do
senhor Paulo de Tarso Santos, uma referência a uma manifestação liderada por Fidel Castro 362 Idem, Op. Cit. p.85 363 Idem, Op. Cit. p.86 364 Terceira Reunião Interamericana de Ministros da Educação. Bogotá, Colômbia, 1963. Discurso de Paulo de Tarso Santos, Doc (86), pp. 3-4. SG/OEA.
119
em Bogotá, antes da revolução cubana que terminou em enorme confusão e quebradeira. O
Jornal publicou em agosto de 1963, na coluna Panorama Político, que “indo passear seu
neomarxismo lá pela Colômbia, a pretexto de uma reunião de Ministros Latino-americanos, o
sr. Paulo de Tarso formulou discurso que só não encontrou viva repulsa no Brasil apenas por
atravessarmos fase paradoxal”.365 O discurso de Santos, de acordo com o jornal, além das
críticas à Aliança para o Progresso, inspiradas por Leonel Brizola, procurava exibir “às
Américas atônitas a mais nova criação ideológica de seu cérebro, que é concílio do marxismo
com cristianismo”. Para o jornal, não só o discurso mas as ações de Paulo de Tarso
demonstravam o perigo da infiltração comunista, que atingia com ele de uma só vez, a Igreja
e o Ministério da Educação. Santos era acusado de aderir “ao mais sutil processo em
utilização pelo comunismo, consistente em solapar, nos espíritos, a noção de valor da
Democracia e da própria liberdade.” A atuação em Bogotá também rendeu críticas por parte
do governo americano, o embaixador no Brasil, Lincon Gordon, fez um protesto formal e por
escrito ao governo brasileiro. Na avaliação do próprio Paulo de Tarso seu discurso alimentou
o conflito entre o governo Goulart e os grupos conservadores, e foi visto por estes setores
como uma “demonstração de radicalismo do Governo.”366
No que diz respeito aos movimentos de educação e cultura popular, Paulo de Tarso,
seguiu a linha da AP, de fortalecimento dos movimentos como instrumentos de mobilização
social e política, bem como de exploração de seu potencial para alterar o jogo político com a
inclusão de milhares, talvez milhões de novos eleitores no processo eleitoral. No retorno aos
seus trabalhos no Ministério, Paulo de Tarso deu continuidade ao apoio dado aos movimentos
de educação e cultura popular. Teve início, e contou com seu apoio a preparação para o I
Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, ocorrido em Recife entre os dias 15 e
21 de setembro de 1963.
3 – I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular
O Movimento Popular de Alfabetização (MPA), denominação da campanha de
alfabetização da UNE, já havia realizado alguns encontros para debater a questão do
analfabetismo junto aos estudantes. Nos debates que ocorreram entre 1962 e 1963 na
Guanabara (Sudeste), Goiânia (Centro Oeste) e Florianópolis (Sul), a “discussão dos 365 DP, 14 de Agosto de 1963, p. 1, FUNDAJ 366 SANTOS, Op. Cit. p.88
120
problemas relativos aos métodos foi enfatizada.”367 Na tentativa de organizar o encontro do
Nordeste, previsto inicialmente para Natal, o MPA fez contato com Germano Coelho, já na
Secretaria da Educação de Pernambuco, e colocou as dificuldades de realização do encontro
na capital potiguar. Além do apoio imediato do governo pernambucano, desta conversa saiu a
idéia de ampliar o encontro e torná-lo nacional, nasceu assim o I Encontro Nacional de
Alfabetização e Cultura Popular. Fruto das articulações políticas do MPA com o apoio do
governo pernambucano.
Durante o ano de 1963 houve uma forte expansão do número de movimentos que
atuavam nos campos da educação e da cultura popular, principalmente com a alfabetização de
adultos. A diversidade era grande, refletindo os muitos interesses que a alfabetização de
adultos e a cultura popular despertavam naquele momento. Diante da “necessidade cada vez
mais evidenciada de se promover um encontro de âmbito nacional”,368 cujo objetivo principal
seria tornar possível “o conhecimento mútuo, a discussão, a aglutinação e o incentivo” às
diversas experiências de alfabetização de adultos e cultura popular em surgimento pelo país.
A organização do encontro foi coletiva. Ele foi convocado pelo MEC e patrocinado
pela “Secretaria de Educação e o Movimento de Cultura Popular de Pernambuco, a União
Nacional de Estudantes, o Movimento de Educação de Base, Instituto de Cultura Popular de
Goiás e a Divisão de Cultura da Secretaria do Rio Grande do Sul.”369 Os movimentos
interessados em participar do Encontro, deveriam enviar um relatório sobre suas atividades. O
cadastramento realizado pela coordenação do encontro registrou 78 organizações
participantes, sendo duas nacionais, o MEB e a Cruzada Evangélica de Alfabetização de
Adultos, e 76 regionais, com atuação no estado, município ou, até mesmo, bairros e favelas,
como, por exemplo, o Movimento de Cultura Popular da Rocinha, cujo presidente era Tiago
Maximiano Bevilaqua, o MCP da maior favela do país tinha por atividades a “alfabetização
de adultos, Cinema, Teatro, Círculos de Cultura e Cursos de Politização.”370
O Encontro foi aberto no Teatro do Parque, no Recife no dia 15 de setembro de 1963.
Teve início com uma noite de autógrafos de Luiz Marinho Falcão, que distribuiu sua peça A
Incelênça. Depois dos discursos de diversos intelectuais, foi instalado, sob a presidência do
governador Miguel Arraes, o I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular.
Estavam presentes Djalma Maranhão, prefeito de Natal; Dom Lamartine Soares, arcebispo
367 PAIVA, Op. Cit. p.244 368 MEC, I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, p.1 NEDEJA/UFF 369 MEC, I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, Material de Divulgação, p.1 NEDEJA/UFF 370 MEC, I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, Cadastro das Organizações, p. 5 NEDEJA/UFF
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auxiliar de Olinda e Recife; Germano Coelho, Secretário de Educação de Pernambuco; José
Serra, presidente da UNE; Abelardo da Hora pelo MCP; Paulo Freire, da Comissão de Cultura
Popular e Roberto Freire, do Serviço Nacional do Teatro.371 No seu discurso de abertura o
governador Miguel Arraes declarou que pode “juntamente com homens de todas as tendências
religiosas e políticas, iniciar um movimento que iria levar ao povo uma nova atitude”,372 uma
atitude diferente dos intelectuais isolados da sociedade, dos estudantes que estudam o Brasil
de fora, e não se preocupam com o Brasil para dentro, e diferente também daqueles que se
julgam os “donos do povo, mas daqueles que aprendem com o povo o que os doutores não
sabem: a ciência do sofrimento da vida”. Um dos últimos trechos do discurso de Arraes revela
claramente a relação entre os movimentos de alfabetização e a necessidade de ampliação do
eleitorado, e por conseqüência da democracia, “a imensa população de marginais precisa ser
incorporada à vida nacional para que a coletividade não seja dirigida por um pequeno número
de eleitores. Só assim, o povo, que nunca teve voz neste país, poderá ter representantes
legítimos, saídos do seu meio”373.
A realização do encontro em Recife não passou ilesa. Na mesma notícia em que
publicou trechos do discurso de Arraes, o jornal Diário de Pernambuco fez questão de
desdenhar e criticar o evento. “O teatro da Praça da República foi pequeno para conter a
“massa”, adredamente convocada, que superlotou, para assistir à instalação do I Encontro
Nacional de Alfabetização e Cultura Popular. A coisa começou com um “cocktail”
frustrado”.374 A crítica mesmo foi feita contestando a fala de Germano Coelho sobre cultura
popular na abertura do Encontro. “Quando usamos a expressão cultura popular, sabemos que
todos devem ter acesso à cultura no seu nível mais alto alcançado em nosso século”. Para
Diário de Pernambuco, a “cultura é uma só, vasta, elástica em todas as manifestações do
pensamento humano; e daí a estranhosa do adendo “popular” (...) a grande verdade é que
cultura, não é privilégio de ninguém. É bastante o indivíduo querer e poderá alcançá-la”. Esse
é apenas mais um exemplo de como entre o final de 1963 e início de 1964 a polarização
política levou a direita a ver nos movimentos e seus conceitos erros, desvios e ameaças.
O Encontro durou uma semana, no Anteprojeto de Calendário para o dia quinze estava
programada apenas a abertura, os trabalhos começaram mesmo no dia seguinte às 9:00 da
manhã, depois da discussão e aprovação do Regimento Interno e do Calendário foram feitos
371 Diário de Pernambuco, 17 de setembro de 1963, p.8, FUNDAJ 372 Miguel ARRAE, discurso proferido na abertura do IENACP, Diário de Pernambuco, 17 de setembro de 1963, FUNDAJ 373 Diário de Pernambuco, 17 de setembro de 1963, p.8 FUNDAJ 374 Diário de Pernambuco, 17 de setembro de 1963, p.3 FUNDAJ (grifo nosso)
122
os informes dos movimentos participantes, tendo isso ocupado o restante das atividades. Nos
dias 17 e 18 ocorreram as reuniões das Comissões. Os dias 19 e 20 foram dedicados a
apresentação dos relatórios das comissões em plenário, e finalmente no dia 21 foram
aprovadas as Resoluções Finais do encontro.
Uma análise destas resoluções aponta claramente para o espaço fundamental que AP e
PCB ocupavam nos movimentos de educação e cultura popular. E como numa ação conjunta
definiram a linha política do Encontro. Ele é importante também porque contou com o apoio e
a participação do governo Goulart, por meio do MEC, inclusive com a presença do ministro
Paulo de Tarso no encerramento do Encontro.
Nas resoluções aprovadas no Plenário final há quatro textos. Os relatórios das
comissões A e B, responsáveis pela análise da situação dos movimentos de cultura popular. O
relatório da Comissão de Estudos sobre Alfabetização e o relatório da Comissão do 1º.
Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, sobre a possibilidade de Coordenação
Nacional dos Movimentos de Cultura Popular. De forma geral o objetivo dos relatórios,
principalmente os três primeiros, era “informar a todos os participantes do Encontro, a
respeito das realizações, das dificuldades e das perspectivas de trabalho realizado em todo o
Brasil, que tem como meta a elevação do nível cultural e desenvolvimento da consciência
crítica do povo”.375
O primeiro relatório, o da Comissão “A”, foi dividido em oito partes, nas quais discute
o conceito de cultura popular e sua aplicação naquele contexto, analisando principalmente as
dificuldades enfrentadas pelos movimentos. Nesse sentido, o “trabalho de cultura popular, é o
trabalho de todos que desejam a desalienação da cultura e conseqüentemente a emancipação
nacional”376. Diante das diversas dificuldades para se trabalhar com a cultura popular, era
fundamental “saber o que se quer e como fazer. Daí a necessidade de um aprimoramento
técnico dos grupos que vão promover a Cultura Popular, para que o trabalho seja realmente
eficaz e dinâmico”.
Além dos problemas técnicos os movimentos tinham que enfrentar problemas
políticos, a oposição de grupos conservadores, contrários ao trabalho de educação e cultura
popular. “Uma das dificuldades apresentadas pelos delegados é a atuação de grupos
comprometidos com a estrutura vigente, a quem não interessa a conscientização do povo, uma 375 MEC, I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, Resoluções do I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, .p 1 NEDEJA/UFF 376 MEC, I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, Resoluções do Encontro: Relatório Comissão A.p. 2 NEDEJA/UFF
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vez que isso implicaria na queda de seus privilégios”.377 Para enfrentar esses grupos políticos
a saída apontada pela Comissão era aprofundar o trabalho de conscientização do povo, afim
de que “a consciência crítica que permite superar estas distorções culturais e criar forças
autênticas de expressão”, se tornasse um instrumento de luta contra os grupos reacionários.
Por fim o documento analisa o problema financeiro, enfrentado por muitos movimentos, a
saída novamente é o povo, “a solução viável é procurar formas em que o próprio povo
contribua para a superação das dificuldades financeiras”.378
O segundo relatório foi elaborado pela Comissão B, cujo presidente foi Roberto Freire
do Serviço Nacional do Teatro e relator Antônio Carlos Fontoura do CPC/UNE. A primeira
análise era de que ainda se tinha muito que fazer no trabalho de cultura popular, “o que se tem
até agora são experiências pioneiras num processo piloto com os grupos sociais”.379
Conceituando Arte Popular como “uma pressão e conquista do próprio povo que, através de
suas lutas, no processo político brasileiro, encetou condições para ver representadas suas
necessidades e aspirações”. Numa sociedade dividida em classes como a brasileira, “o que
importa é que o artista popular esteja voltado para o povo e que, assumindo sua perspectiva,
contribua para sua libertação”.
Depois dessa introdução o relatório faz uma análise das diversas atividades que
envolvem o trabalho de cultura popular. Começando pelo teatro, cuja relação com a
alfabetização é destacada, mostrando que o trabalho de alfabetização pode ser complementado
com o teatro, como o exemplo do MCP. “É ponto pacífico entre os movimentos de cultura
popular que a alfabetização não pode estar desligada da conscientização, e neste sentido o
teatro pode surgir como complementação do trabalho de conscientização do alfabetizado”.380
A seguir o texto passou a analisar o Cinema, fazendo inicialmente uma análise da
situação do cinema brasileiro, e depois da produção cinematográfica nas entidades de cultura
popular. O exemplo utilizado foi a iniciativa do MCP e do CPC/UNE de produzirem juntos
um longa metragem, “O nome do filme é “Cabra marcado para morrer” e terá como tema o
problema agrário. A colaboração entre as duas entidades mostra o caminho a seguir pelos
movimentos de cultura popular”.381 Depois disso o documento aborda os problemas referentes
à difusão cultural. Em seguida a música popular com seu “papel destacado enquanto veículo
377 Idem, p. 3 378 Idem, p. 4 379 MEC, I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, Resoluções do Encontro: Relatório Comissão B. p. 1 NEDEJA/UFF 380 Idem, p.2 381 Idem, p.5
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de cultura popular”382, defendendo a interação com os cantores e compositores populares,
como os sambistas, por exemplo. As artes plásticas, a publicação de material, a relação entre
os movimentos e os intelectuais e por fim o trabalho com rádio e TV.
No final há um relatório da Sub-Comissão “Praças de Cultura”, que faz uma análise da
realidade, dos desafios e das perspectivas da formação de novas praças de cultura, “centros
localizados em bairros, favelas ou pontos de referencia nas pequenas cidades, que reúnem o
povo para atividades de caráter educativo, cultural ou mesmo recreativo”.383 Sendo seus
objetivos principais, primeiro, “a formação da consciência crítica do povo para possibilitar a
emersão mais autentica de suas aspirações culturais e políticas (...), que levem à superação de
uma condição de homem como objeto de cultura”. Segundo, “a formação de uma cadeia de
novos agentes de cultura popular, saídos do meio do povo a partir da descoberta de seus
líderes”. Terceiro e último objetivo, “ser um ponto de convergência e intercambio dos
diferentes instrumentos e meios de comunicação e conscientização”.
O terceiro texto aprovado nas resoluções finais foi o relatório da Comissão de Estudos
sobre Alfabetização, elaborado pela Equipe do MEB de Pernambuco, o texto foi divido em
quatro partes, apresenta uma importante reflexão sobre a relação entre cultura popular e
alfabetização de adultos. De acordo com o texto os movimentos de alfabetização deveriam
estar conscientes “de que a solução do problema do analfabetismo não pode ser buscado em si
mesmo, porque decorre das condições estruturais de sociedade, e assim, só pode ser alcançado
através de modificações daquelas condições”.384 Dessa forma, o espaço dos movimentos
devem ser encarados como “uma das frentes de luta que o povo brasileiro trava em busca de
sua libertação”385 Para efetivar essa libertação seria necessário um trabalho de conscientização
para “que o povo tenha consciência da dominação a que está submetido e das tarefas
históricas que lhe são requeridas para liquidar esta dominação”. Nesse sentido, alfabetizar e
conscientizar são partes indissociáveis do trabalho educativo, os movimentos deveriam
colaborar com a organização das comunidades para superar de forma efetiva a dominação. O
texto termina com a defesa do direito de voto dos analfabetos, que estes “ao lado de sua ação
específica trabalhem para a formação da opinião pública no sentido de que seja estendido aos
Analfabetos o direito do voto”.
382 Idem, p. 7 383 Idem, p. 13 384 MEC, I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, Relatório da Comissão de Estudos sobre Alfabetização, pp. 1-2, NEDEJA/UFF 385 Idem, p.2
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O último relatório analisou uma das principais questões levantadas no encontro, a
necessidade de um órgão nacional que reunisse os movimentos. Ao final do Encontro a
Comissão Organizadora apresentou um relatório sobre possibilidade de criação de uma
coordenação nacional dos movimentos de cultura popular, de acordo com esse relatório, o
objetivo da coordenação era “dar unidade à ação dos movimentos de cultura popular e
possibilitar o desenvolvimento de suas atividades”, isso seria feito, “mediante o auxílio de
verbas oficiais.”386 A coordenação, no entanto, não foi tirada no Encontro; para formá-la foi
marcado um Seminário Nacional de Cultura Popular, com prazo de 90 dias para acontecer, o
seminário seria precedido por Encontro Estaduais, nos quais seriam tirados três representantes
para participarem do Seminário Nacional.
De fato, o que ocorreu foi que não houve consenso entre AP e PCB na formação da
Coordenação. Somente em janeiro de 1964 ela de fato foi formada, sendo composta por um
representante da AP, um do PCB e um do MEB, mais seus respectivos suplentes. Vale notar
que o MEB não era uma força política, e sim um dos movimentos, inclusive com participação
majoritária da AP.
A realização do Encontro e a formação da Comissão Nacional de Cultura Popular
foram, sem dúvida, espaços privilegiados de ação conjunta das três culturas políticas
trabalhadas nesta tese. A participação de militantes da Ação Popular e do Partido Comunista
Brasileiro, e o apoio do governo trabalhista de Jango, demonstram, no mínimo, uma
perspectiva de atuação conjunta. Vale ressaltar que o governo federal atendeu a decisão do
Encontro e abriu espaço no governo para os movimentos, formando e empossando a
Comissão indicada pelos próprios movimentos. Mesmo com a saída de Paulo de Tarso e da
AP o governo manteve seu compromisso com os movimentos.
A leitura das resoluções do Encontro demonstra o esforço de formulação conjunta dos
grupos participantes. A apresentação de alguns dos conceitos fundamentais dos movimentos,
como Cultura Popular e Arte Popular. A importância estratégica da alfabetização de adultos
como instrumento de conscientização e de luta pela libertação do povo. A análise objetiva dos
problemas enfrentados pelos movimentos, a necessidade de investimentos e melhoria técnica,
a proposição de alternativas e a definição de uma Coordenação Nacional. Tudo isso
representou naquele momento um aprofundamento, utilizando as palavras de Serge Bernstein,
386 MEC, I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, Comissão do 1º. Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, sobre a possibilidade de Coordenação Nacional dos Movimentos de Cultura Popular, s.n.p
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das “áreas de valores partilhados”. Grupos, partidos, movimentos e políticos ligados às três
principais culturas políticas das esquerdas estavam presentes no Encontro de Recife.
4 – O Programa Nacional de Alfabetização
Depois de terminada a Experiência de Brasília, Paulo Freire e sua equipe deram
prosseguimento ao Programa Nacional de Alfabetização (PNA). A idéia era expandir o
método Paulo Freire para todo o país e alfabetizar 5 milhões de pessoas até 1965. As
primeiras medidas nesse sentido começaram a ser tomadas para viabilizar o plano.
Inicialmente, “o governo federal entraria com os recursos financeiros e a assistência técnica,
ficando sua implementação a cargo dos sindicatos e entidades estudantis.”387 Essa fase inicial
coincidiu com a mudança de ministros no MEC, Paulo de Tarso deixou o ministério e voltou
para a Câmara Federal, enquanto Júlio Sambaqui ocupou, a princípio de forma interina e
depois efetiva, o cargo de Ministro da Educação.
A saída de Paulo de Tarso do ministério foi uma decisão política tomada totalmente
dentro do contexto de polarização política e radicalização das esquerdas. Em outubro de 1963,
depois da recusa do estado de sítio, pedido por Goulart, as esquerdas se reuniram em Brasília
para fazer uma análise da conjuntura e decidiram se afastar do presidente. A justificativa para
tal atitude seria sua “postura” ao lado das forças conservadoras. Nesse sentido, “Paulo de
Tarso, integrante da FMP, deixou a pasta da Educação. A Ação Popular, organização que o
indicou para o ministério, não queria participar de um governo “conciliador”.388 Tarso ao
recordar sua saída do ministério, afirma que o presidente recebeu com surpresa a entrega de
sua demissão “senti que Jango se entristeceu e pareceu solitário, ou melhor, a solidão que ele
sentia apareceu mais clara, naquele momento. Perguntou-me:
__ Mas, Paulo, alguma vez neguei o meu apoio a medidas que você tomou no
Ministério da Educação? Ou lhe pedi para conciliar com alguém?
Respondi:
__ Não. O senhor nunca me negou o seu apoio e devo reconhecer isto”.389
387 PAIVA, Op. Cit. p.256 388 Jorge FERREIRA, O Governo Goulart e o Golpe Civil-Militar de 1964. In. FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.) Op. Cit. p. 375. 389 SANTOS, Op. Cit. p.98-99
127
Paulo de Tarso justificou sua saída argumentando que não era um técnico em
educação, mas um político chamado para a pasta da educação, e como político, “tinha um
compromisso maior, com as forças populares, da Frente de Mobilização Popular.” 390 Na
avaliação da Frente os movimentos sociais estavam exigindo “medidas políticas bastante
radicais” que o presidente “não vinha atendendo.” Queriam do presidente uma “ruptura mais
nítida com as forças que se opunham às Reformas.” Essa postura aumentou o isolamento de
Goulart, facilitando o caminho da direita ao poder. Tarso admite que sua carta pedia “uma
radicalização ao presidente que ele não podia ter, por não haver apoio social para isto. Talvez
a carta tenha representado uma pressão no sentido de uma radicalização exagerada, em
descompasso com a correlação de forças sociais da época.”
Vale ressaltar que a saída de Tarso não significou a saída de todos católicos de
esquerda, ao contrário, não só Paulo Freire permaneceu no Ministério, como pouco mais
tarde, no início de 1964, membros da AP voltaram ao MEC como participantes da
Coordenação Nacional de Cultura Popular. Mas de toda forma, a entrada de Júlio Sambaqui
abriu mais espaço para militantes do PCB, para Betinho, a saída dos militantes da AP “foi a
ocupação dessa área pelo PC.”391 Os membros do PCB eram mais propensos ao uso das
cartilhas de alfabetização do que ao método Paulo Freire, inclusive entre as esquerdas
marxistas e não-marxistas que militavam na alfabetização de adultos essa era uma divisão que
servia, inclusive como “instrumento de afirmação de uma facção contra outras facções.”
Paulo Freire em depoimento sobre aquele período afirma que “houve um momento em que
tenho a impressão de que o PC esteve contra mim.”392 Embora dentro do ministério a nova
mobilização fosse mais “favorável à utilização de cartilhas, os entendimentos com os grupos
católicos, bem como o prestígio pessoal do educador pernambucano, determinaram a
aceitação do método Paulo Freire como instrumento do PNA.”393
Entre o final de 1963 e o início de 1964, o PNA começou a ser colocado em prática,
coordenado pela Comissão Nacional de Alfabetização o plano dividiu o país, numa primeira
etapa em duas regiões, sul e nordeste, sendo o Rio a sede da região sul e Sergipe a sede da
região nordestina. Enquanto em Sergipe o plano avançava de forma mais lenta, devida os
escassos recursos recebidos, no Rio “a experiência ganhou outra dimensão.” A Baixada
Fluminense foi a primeira região a ser atingida pelo projeto, sua escolha aconteceu “em face
da grande concentração demográfica e do papel da região na triagem dos movimentos 390 Idem, p.98-99 391 BEISIEGEL, Op. Cit. p. 237 392 Idem, p. 212 393 PAIVA, Op. Cit. p. 256
128
migratórios – que determinava a grande tensão social na área.”394 Além disso, era uma região
vizinha ao estado da Guanabara, governada pelo udenista Carlos Lacerda. Depois da seleção
de 1000 candidatos entre 5000 que prestaram a prova, realizada no Maracanãzinho, teve início
o curso de treinamento dos alfabetizadores. Em 31 de março de 1964 ocorreram as últimas
aulas do curso preparatório, interrompidas pelo golpe.
Toda a mobilização em torno da organização do curso chamou a atenção dos setores
golpistas. Os grupos conservadores olhavam com muita desconfiança os movimentos de
alfabetização e cultura popular. Na avaliação de Paulo de Tarso as ações dos movimentos em
conjunto com o MEC serviram “mais para alarmar a direita, já mobilizada pelo IBAD, do que
para conscientizar operários e camponeses”.395 Aquelas atitudes levaram a direita a tomar
“consciência do risco que ela estaria correndo, pois, segundo as palavras que usávamos,
aquela transformação social estaria eminente.” Todo aquele esforço educacional, poderia
levar, de acordo com Betinho, para as eleições presidenciais previstas para 1965, “facilmente
5 a 6 milhões de novos eleitores. Ora, isso pesava demais na balança do poder. Era um jogo
muito arriscado para a classe dominante. Não que você pudesse afirmar categoricamente que
esses seis milhões votariam na oposição. Mas era um risco...”396
A desconfiança dos setores conservadores com o método se consolidava, depois do
exame de seleção dos monitores a agência Meridional ligada aos Diários Associados enviou
para seus jornais uma entrevista com o professor Gondim Neto tecendo duras críticas ao PNA.
O professor a partir, segundo ele, de uma leitura da prova aplicada apontou críticas técnicas e
políticas num discurso totalmente impregnado de anticomunismo. Em Pernambuco ela foi
publicada no dia 12 de janeiro, era uma denúncia contra a subversão do método. “O plano de
alfabetização do Governo Federal com todas as inovações e atividades neste setor e em outros
tem exclusivamente um fim: servir, por todos os meios à comunização ou à cubanização do
país”.397 De acordo com os argumentos do referido professor o problema maior, na verdade,
estava no MEC, “onde os valores reais do magistério se acham suplantados por uma minoria
de muito menor capacidade e detentora de todas as altas posições e cargos”. O professor não
tinha dúvidas de que mesmo com o a aplicação do método o povo continuaria “tão ignorante
como dantes, embora agitado por novas idéias deletérias e subversivas”. Dessa foram, o
objetivo final do governo seria então, “fazer com as massas ignara, o mesmo que já fez com
os estudantes, secundários e superiores, isto é, implantar a anarquia e a desordem”. 394 Idem, p. 257 395 SANTOS, Op. Cit. p.61 396 BEISIEGEL, Op. Cit. p. 235 397 Diário de Pernambuco, 12 de janeiro de 1964, FUNDAJ.
129
A entrevista continuou com o professor tecendo outra série de críticas ao método, ao
MEC e defendendo uma saída, segundo ele, “tradicional”, a construção de mais escolas. No
final da entrevista o professor comparou o PNA do governo federal com a ação educacional
da Guanabara, merecendo o governador Carlos Lacerda, “com justiça, o apoio de todos os
homens idôneos. Todavia não podemos dizer o mesmo desses planos irrisórios, de duvidosa
origem, partidos de pessoas pouco habilitadas (...), que bem poderia ser chamado de
ministério da deseducação e da indisciplina escolar”.
Diante do processo de radicalização política cada vez maior, e como veremos mais
adiante, com a apreensão da cartilha do MEB, a desconfiança dos setores mais conservadores
da sociedade com os movimentos de alfabetização de adultos atingiu seu clímax. A
perspectiva de alteração brusca na correlação de forças eleitoral tornava os movimentos uma
incomoda presença. Numa série de reportagens sobre o governo Arraes em Pernambuco,
Antonio Callado destacou o Sistema Paulo Freire e seu método de alfabetização, concluindo
que “uma das esperanças dos que usam o sistema é poder aumentar, já em 1965, o contingente
eleitoral. Isto é, tirar gente condenada ao limbo do Art. 132” 398 da Constituição de 1946. Os
temores das direitas em relação aos movimentos pareciam cada vez mais reais, se nada fosse
feito em pouco tempo tudo estaria perdido.
Se não bastasse isso, tanto o método Paulo Freire como as cartilhas de alfabetização
realizavam uma politização das classes populares, uma conscientização do educando,
estimulada por palavras geradoras, figuras e imagens do cotidiano e da realidade social
daquelas classes. Estimulando o debate e a discussão de temas relativos aos seus problemas
diretos e aos temas centrais da política brasileira naquele momento, como desenvolvimento,
imperialismo e reformas. Para os setores conservadores, orientados por um anticomunismo
cego, nada mais subversivo. O resultado foi que após o golpe de março/abril de 1964 o novo
governo liderado pelos militares golpistas destruiu, não só o PNA, extinto oficialmente no dia
14 de Abril, mas também praticamente todos os movimentos de alfabetização e cultura
popular.
398 CALLADO, Antonio, O Diálogo com os Analfabetos. In Tempo de Arraes: A revolução sem violência. p.159. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. O artigo 132 da Constituição de 1946 proibia o voto ao analfabeto.
130
5 – MCP: Expansão e Cultura Popular
Miguel Arraes tomou posse como governador de Pernambuco em 31 de janeiro de
1963, vitorioso das urnas em outubro de 1962. Sua chegada ao governo de Pernambuco foi
resultado, de acordo com Paulo Cavalcanti, da “participação do povo, como categoria
histórica, no processo político da sociedade brasileira.”399 Foi mais uma vitória das esquerdas
pernambucanas, eleger Arraes significou a chegada à instância de poder estadual de
comunistas, socialistas, cristãos progressistas, nacionalistas e trabalhistas. Um projeto de
governo voltado para o “nacionalismo econômico, as reformas sociais, a participação popular
e a presença do Estado como agente de desenvolvimento.”400
Entre sua eleição em 1962 e sua posse em 31 de janeiro de 1963 Arraes definiu seu
secretariado. Para a Secretaria Estadual de Educação e Cultura Arraes tinha três opções: Anita
Paes Barreto da Divisão de Ensino do MCP, Paulo Freire ex-coordenador da Divisão de
Pesquisa, e Germano Coelho presidente do movimento. No dia 1o. de fevereiro de 1963
Germano Coelho tomou posse na Secretaria, deixava o cargo o professor Lourival Vilanova, o
único secretário do governo Cid Sampaio que esteve presente numa passagem de cargo. A
tentativa de expandir a experiência do MCP para todo o estado de Pernambuco ficou clara já
no discurso de posse do novo secretário, afirmando que pretendia “adotar na Secretaria de
Educação os moldes do Movimento de Cultura Popular.”401
Esse movimento de estadualização do MCP teve início logo em 1963, a idéia inicial
foi lançar a Campanha de Alfabetização de Adultos, num convênio entre a Secretaria, o MCP
e o SEC, no qual Paulo Freire havia terminado de desenvolver seu método de alfabetização. O
projeto previa atingir ao todo 100 mil pessoas espalhadas por todas as regiões do Estado.402
Numa segunda etapa, a proposta passou a prever a união do MCP com a Promoção Social,
órgão criado no governo anterior para rivalizar com o movimento, “dada a semelhança de
objetivos”403. A Promoção Social, sob governo Arraes, foi assumida por Anita Paes Barreto,
que iniciou diversas atividades em convênio com o MCP, o que suscitou diversas críticas, por
parte dos setores de oposição ao governo.
399 Paulo CAVALCANTI, O Caso eu conto como o caso foi: da coluna Prestes à queda de Arraes, Recife: Alfa e ômega. p. 305 400 José Arlindo SOARES, O Nacionalismo em Crise, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p. 93 401 Diário de Pernambuco, 6 de fevereiro de 1963, p. 5 FUNDAJ 402 João Francisco de SOUZA, Pedagogia da Revolução, p.54 403 Silke WEBER, Política e Educação: O Movimento de Cultura Popular no Recife. In. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 27, no. 2, 1984, p. 257
131
Os ataques ao movimento por parte da oposição eram constantes e aumentavam cada
vez mais. A coluna Periscópio do jornal Diário de Pernambuco era vigilante quanto a todos
os atos do governo estadual, e em especial do MCP. Na edição de 20 de março de 1963 a
coluna fez um ataque frontal às ações do movimento, dentro de um contexto marcado pela
“inquietação em todos os meios, através de greves, de agitação nos meios rurais” 404 a postura
do MCP era, de acordo com o jornal, de “jogar lenha na fogueira, distraindo a massa com a
exibição de filmes populares, descrevendo o horror da vida do camponês, nos engenhos e
usinas,” e ao mesmo tempo, “apresenta os milagres da revolução de Cuba, e os movimentos
hostis aos Estados Unidos”.
O MCP foi um dos movimentos que junto com o Ministério da Educação organizou o
I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, como já foi colocado, o encontro
ocorreu em Recife entre os dias 15 e 21 de setembro de 1963. O MCP apresentou dois textos,
os estatutos do movimento e o Plano de Ação para 1963. Abordaremos aqui o segundo
trabalho, de acordo com o qual para o MCP “um movimento de cultura popular só surge
quando o balanço das relações de poder começa a ser favorável aos setores populares da
comunidade e desfavorável aos seus setores de elite”405. Este contexto favorável aos setores
populares propiciou em Recife e depois em Pernambuco as condições possíveis para que “as
forças populares e democráticas lograram se fazer representar nos postos-chave do governo e
da administração”. Nesse sentido, as vitórias eleitorais de Arraes representaram para o MCP,
conquistas do povo, e não somente das lideranças de esquerda reunidas na Frente do Recife.
Por sua vez o movimento de cultura popular como resultado do movimento popular,
representava a “necessidade de uma produção cultural, a um só tempo, voltadas para as
massas e destinada a elevar o nível de consciência social das forças que integram, ou podem,
vir a integrar, o movimento popular”. Esta situação seria o resultado da demanda por uma
conscientização do povo, um processo de formação que levasse ao real e a partir daí a
necessidade de transformá-lo. Todo o trabalho relacionado a cultura popular do MCP se
orienta por três definições: 1) “só o povo pode resolver os problemas populares”; 2) “tais
problemas se apresentam como uma totalidade de efeitos que não pode ser corrigida senão
pela supressão de suas causas radicadas nas estruturas sociais vigentes”; 3) “O instrumento
que efetua a transformação projetada é a luta política guiada por idéias que representam
adequadamente a realidade objetiva”.
404 Diário de Pernambuco, 20/03/1963, p.08, segundo caderno. FUNDAJ 405 MCP, Plano de Ação para 1963, pp.2-4. NEDEJA/UFF. Esta citação e as seguintes.
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Como uma ampla política pública educacional, o MCP despendia enorme volume de
recursos públicos, o que impediu de certa forma, uma maior propagação do movimento.
Ocorreu, sobretudo, em locais onde o Estado, a partir de uma postura política, resolveu
investir nas áreas de educação e cultura popular. Entre 1963 e 1964 o MCP atingiu, podemos
dizer assim, seu auge. Da esfera municipal no Recife começou a tomar feições estaduais,
passando a atingir várias cidades do interior pernambucano, atuando não somente na área de
educação e cultura, mas também na área de saúde, com a criação de postos de atendimentos
de médicos e dentistas. O crescimento do movimento despertou reações fortes por parte de
seus opositores. Com a conjuntura política caminhando para a radicalização e a polarização, o
MCP representava uma ameaça real. Com verbas, pessoal técnico e estrutura o movimento
alcançava as populações marginais da capital e do interior de Pernambuco. O discurso dos
setores conservadores caracterizando o movimento como agitador de camponeses e
trabalhadores serviu mais tarde para justificar a repressão e a destruição do movimento após o
golpe de 1964.
6 – A Campanha de Pé no Chão: Crescimento e redefinições políticas
A Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler, em sua última fase,
conheceu um período de aprofundamento teórico, reorganização do sistema de ensino e
continuidade da expansão da oferta de vagas, tanto para a alfabetização de adultos, como para
o ensino regular. Podemos citar três momentos que demonstram tal situação, a criação do
Centro de Formação de Professores, a inauguração da Campanha de pé no chão também se
aprende uma Profissão, e a participação da Campanha no I Encontro Nacional de
Alfabetização e Cultura Popular.
O Centro de Formação de Professores assumiu o lugar da Coordenação Técnica-
pedagógica¸ suas atividades tiveram início logo no começo do ano de 1963, passando a ser de
sua responsabilidade a formação das professoras, a Coordenação pedagógica da Campanha, e
a Escola de Demonstração.406 A formação se dava a partir de três tipos diferentes de curso, os
de Emergência, o Ginásio Normal e o Colégio Normal. O primeiro tinha uma “duração de três
meses, destinados à preparação de professores para os municípios do interior que mantinham
406 PREFEITURA MUNICIPAL DE NATAL, Relatório Campanha Pé no Chão de 1963, p.5
133
convênios com a Prefeitura do Natal”;407 o segundo era uma oportunidade para as professoras
que já haviam passado pelos cursos de Emergência se aprofundarem na docência; o terceiro
era “o Colégio Normal destinado a professores da Campanha que já eram portadoras do Curso
Ginasial e outros que desejassem ingressar na Campanha”
A Coordenação pedagógica estava a cargo de Margarida de Jesus Cortez, professora
da Faculdade de Filosofia que foi convidada pelo Secretário de Educação do Município
Moacyr de Góes para assumir em 1961 a Coordenação Técnica-pedagógica. Foi a partir de
seu trabalho que a Campanha evoluiu para a criação do Centro no final de 1962. A Equipe era
formada por quatro integrantes, além de Margarida na Direção Geral, Maria Diva Lucena na
Vice-direção, Denise Afonso no Setor Pedagógico, e o Pastor protestante Herly Parente no
Setor Administrativo. A Coordenação Técnica-Pedagógica de toda a Campanha ficava a cargo
da Direção Geral.408 De acordo com Margarida Cortez as funções principais do Centro de
Formação de Professores eram duas: “preparar professoras para atuar na sala de aula e
coordenar o trabalho das supervisoras quanto à assistência técnico/pedagógica da
Campanha”.409
A Escola de Demonstração oferecia o curso primário e “servia de laboratório à
Campanha”,410 sendo utilizada pelas professoras e alunas dos três cursos de formação. As
classes seguiam as determinações do MEC, baixadas em 1958, seu objetivo principal era
atender uma demanda “de renovação pedagógica exigida por vários grupos de educadores. Ao
todo funcionaram na Campanha apenas duas turmas experimentais, “nas quais era testada a
nova metodologia de ensino/aprendizagem fundamentada nas Unidades de Trabalho e o
processo de alfabetização baseado no método de contos”.411
Em fevereiro de 1963 foi inaugurada a Campanha de Pé no Chão Também se
Aprende uma Profissão, “Ensinar que um B com A faz B-A-Bá não basta”, a nova Campanha
tinha por objetivo “dar ao homem alfabetizado, através de cursos de aprendizes os
instrumentos profissionais para um Nordeste que vai amanhecendo para a industrialização”.412
As primeiras turmas foram instaladas no dia 11 de fevereiro de 1963 com o oferecimento de
oito cursos de Aprendizes, em setembro do mesmo ano esse número alcançou um total de 17
cursos, divididos em 3 turnos espalhados por alguns dos Acampamentos Escolares. Entre os
407 Margarida de Jesus CORTEZ, Memórias da Campanha: “De pé no chão também se aprende a Ler”. Natal: EDUFRN, 2005. p.109 408 Idem, p.108 409 Idem, p.110 410 Relatório, 1963, Op. Cit. p.5 411 CORTEZ, Op. Cit. p.109 412 Relatório II de 1963, p.4
134
cursos oferecidos estavam os de Corte e Costura, Alfaiataria, Marcenaria, Barbearia,
Datilografia, Artesanato, etc.413 O interesse despertado na população foi grande, demonstra
isso os mais de 700 aprendizes matriculados, “com freqüência e rendimentos que nos deixam
plenamente satisfeitos”.414 O objetivo da prefeitura de Natal era “ampliar o plano dessa nova
experiência de ensino, distribuindo por todos os acampamentos instalados nos bairros mais
desassistidos”.
Do ponto de vista teórico o texto Cultura Popular: tentativa de conceituação,
apresentado pela Campanha no I Encontro Nacional de Educação e Cultura Popular em Recife
em setembro de 1963, nos dá uma boa idéia das concepções e mudanças ocorridas no interior
do movimento. A Comunicação foi dividida em três partes; a primeira parte começa com
uma reflexão histórica sobre o Brasil, passando a discutir a relação entre cultura brasileira e
cultura “alienígena”, e termina com uma reflexão sobre a emergência da cultura popular. A
segunda relata a experiência em si, seus objetivos, suas fases e seus resultados. A terceira
discute o significado do Folclore para a Campanha.
O texto começa com uma denúncia contra certo tipo de cultura, uma cultura “que
não é elaborada aqui e que tem a função precípua de manter o nosso povo preso a um
esquema de pensamento e atitudes que devem traduzir-se na aceitação passiva da situação de
dominação externa”415 Por outro lado, como forma de resistência a essa cultura ocorria a
emergência da cultura popular, isso significava que “a conscientização da situação de
dependência por parte do povo brasileiro trouxe novas perspectivas no sentido de deter a
trajetória de dominação”. A exemplo do que estava acontecendo em toda América Latina,
onde se evidenciava “um movimento libertário do qual Cuba é o primeiro país a conseguir
êxito deste grande anseio de libertação nacional”416 No plano interno a cultura popular
assumia dois sentidos, o primeiro de “desalienação de nossa cultura”, e o segundo um “caráter
de luta, que ao lado da formação de uma autentica cultura nacional, promova a integração do
homem brasileiro no processo de libertação econômico-social e político-cultural do nosso
povo”. Para Moacyr de Góes a Campanha desenvolveu, ao longo de sua trajetória, uma
“pedagogia reformista que começa por questionar a injustiça social e termina por denunciar o
capitalismo como gerador dessa injustiça”.417
413 Idem, p.4 414 Idem, p.5 415 Relatório II de 1963. 416 Relatório, Cultura Popular: tentativa de conceituação, p. 3 417 Moacyr de GOÉS, De Pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964): Uma escola democrática. São Paulo: Cortez, 1991. p. 160
135
7 – Ações e concepções dos estudantes na alfabetização de adultos (UNE e CPC’s).
Os estudantes tiveram uma importante participação nos movimentos de alfabetização e
cultura popular, não há dados disponíveis, mas a maioria dos relatos aponta para uma
participação massiva dos estudantes nos movimentos. Seja no MCP, MEB ou Campanha, o
trabalho voluntário de centenas, talvez milhares de jovens garantiam no mínimo duas coisas:
uma diminuição nas despesas com a mão de obra e, principalmente, uma militância política
determinada a despertar nos alunos a consciência de si, da sociedade e da necessidade de ação
para transformar aquela realidade injusta e miserável, vivida na pele por aqueles milhares de
adultos que se matricularam livremente nos movimentos de alfabetização e cultura popular.
Como pode ser observado no capítulo anterior, a União Nacional dos Estudantes e os
Centros Populares de Cultura criaram, cada um deles, as suas próprias experiências de
alfabetização de adultos. Essas iniciativas foram acompanhadas de intensos debates políticos
e teóricos. O debate político no movimento estudantil e cultural era pautado pela Ação
Popular e pelo PCB. Na UNE, a AP conseguia ter maioria e ficava com a Presidência da
entidade. Já no debate teórico houve um esforço significativo para elaborar os conceitos
norteadores das ações dos estudantes; realidade brasileira, conscientização, cultura popular e
transformação compunham alguns dos temas para as discussões.
A atuação da UNE e dos CPC’s no campo da educação e da cultura popular foram
realizadas obedecendo a orientação do grupo político majoritário, fosse AP ou PCB. Dois
exemplos demonstram essas diferenças, uma quanto a área de atuação e outra quanto ao
método de trabalho na alfabetização de adultos. Betinho, um dos principais militantes da AP,
afirmou que enquanto o PC do Rio era hegemônico no setor cultural, “a gente se dava conta
que nós não tínhamos isso, mas em contrapartida desenvolvemos muitos trabalhos na parte de
alfabetização. Nessa área tínhamos gente, quadros, experiência etc...”.418 Também apareciam
certas diferenças na definição de como realizar o trabalho de alfabetização, enquanto os
militantes da Ação Popular se aproximavam das orientações de Paulo Freire e, portanto, de
seu método; os militantes comunistas preferiam usar as cartilhas de alfabetização. A AP teve
uma participação majoritária no MEB e partilhava o espaço com o PC na Campanha Pé no
Chão e no MCP de Pernambuco, no MPA da UNE há indícios de uma presença maior do PC.
Porém, eram diferenças pontuais que não impediam uma atuação conjunta, numa frente única,
418 Jalusa BARCELLOS, O CPC da UNE: Uma História de Paixão e Consciência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. Op. Cit. p. 253
136
como por exemplo, nas eleições para a diretoria da UNE, da Comissão de Cultura Popular do
MEC, e a atuação na Campanha Pé no Chão e no MCP.
Por sua vez, a formulação de alguns conceitos fundamentais para nortear a atuação dos
diversos CPC’s foi realizada ao longo de um importante debate teórico, que teve como tema
principal a cultura popular. O debate revela de forma geral as concepções que os estudantes
tinham do que significava a cultura popular e sua importância na luta pela transformação da
realidade. A conscientização aparecia como um processo de inserção das classes populares
nas lutas por libertação.
Um dos primeiros textos a debater o tema entre os estudantes foi escrito por Ferreira
Gullar, presidente do CPC da UNE. Cultura popular posta em questão discute vários temas
ligados à cultura, realizando uma profunda crítica aos conceitos de cultura tradicionais para
justificar as concepções de Cultura Popular do CPC. Cultura Popular surgia, naquele
momento, “como uma denúncia dos conceitos culturais em voga que buscam esconder o seu
caráter de classe.” 419 A cultura deveria ser colocada “a serviço do povo, isto é, dos interesses
efetivos do país”. A cultura poderia tanto ser usada para transformar como para manter a
ordem estabelecida, tudo dependia da opção e da postura do artista ou do intelectual, “o
homem de cultura, está também mergulhado nos problemas políticos e sociais, sofre ou lucra
em função deles, assume ou não a responsabilidade social que lhe cabe. Ninguém está fora da
briga.” Nesse sentido, a cultura popular seria “a tomada de consciência da realidade
brasileira,” uma consciência de que os problemas brasileiros só encontram soluções em
conjunto, mudanças em sua estrutura social, econômica e política. “Cultura popular é,
portanto, antes de mais nada, consciência revolucionária.”420
Como já foi colocado, em setembro de 1963 ocorreu na cidade do Recife o I Encontro
Nacional de Alfabetização e Cultura Popular. Por meio da leitura dos relatórios e teses dos
diversos CPC’a é possível reconstituir, em parte, a elaboração daqueles movimentos no que
diz respeito ao tema da cultura popular. O Encontro foi um espaço bastante produtivo quanto
ao debate e a troca de experiências. Os CPC’s da UNE, da UBES, de Belo Horizonte, da
Bahia e da UGES (Rio Grande do Sul) estiveram presentes e enviaram relatórios e teses, nos
quais é possível analisar a ação desses movimentos na área de alfabetização de adultos e a
elaboração quanto à idéia de cultura popular.
419 Ferreira GULLAR. A Cultura Posta em Questão. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. pp.21-22 420 Idem, p.23
137
O relatório do CPC da UNE define sua atuação “com o proletariado, com a
intelectualidade e com a área estudantil (...), objetivando atingir as mais amplas massas”.421 A
partir do documento é possível uma leitura de toda a estrutura do CPC, organizado a partir de
seis Grupos de Trabalho, o centro contava “com cerca de 110 elementos, mantendo o número
de colaboradores eventuais a cerca de 200”. Havia uma preocupação com a formação e a
profissionalização de quadros, e com o apoio a outras iniciativas de criações de CPCs. As
atividades do centro foram descritas de forma pormenorizada, as ações incluíam o teatro,
lançamento de livros e folhetos de cordel, reportagens, TV, rádio, imprensa, música, discos e
cinema. O CPC não atuava na alfabetização de adultos, entretanto, na última parte do
relatório, dedicada aos planos para o futuro, o texto indica a intenção de fazê-lo, através da
criação de núcleos culturais, onde “com a própria massa descobriremos quais as atividades
que devem ser organizadas: alfabetização, teatro, coral, cursos técnicos, esportes, recreação,
etc.”422
De acordo com o relatório apresentado pelo CPC da UBES, o movimento surgiu entre
agosto e setembro de 1963 a partir da “necessidade de se criar um organismo que satisfizesse,
na medida do possível, as exigências de uma militância totalmente voltada à Realidade
Brasileira.”423 Dentro de uma perspectiva radicalizada o CPC seria o “órgão revolucionário
por excelência”, o elo de união “entre a cultura e o povo. Ao mesmo tempo canta e transmite
a Cultura Popular.” Como o centro acabava de ser formado, o relatório é mais indicativo do
que se pretendia fazer, do que exatamente sobre o que se havia feito. Traz como anexos um
Plano de ação e um Plano Geral e os seus Estatutos. Na estrutura de direção da entidade não
havia um setor ou departamento responsável exclusivamente sobre alfabetização, apesar de
constar no Plano Geral a proposta de um Departamento de Alfabetização. Além deste texto o
Centro apresentou também a tese Arte Popular Revolucionária, o texto defende a idéia de que
a arte revolucionária “implica transformação, ruptura, revolução.” A arte vista com expressão
da liberdade, “se tornará revolucionária à medida que o fenômeno revolução passe a caminhar
ao seu lado, ou melhor, à medida em que ela, arte, contribua para a revolução.” 424
O Centro Guanabarino de Cultura (CGC) não havia feito ainda um mês de existência
quando participou do Encontro, havia sido criado em 20 de agosto de 1963 pela Associação
Metropolitana de Estudantes Secundários. O CGC era mais uma iniciativa inspirada pelo CPC
421 I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, CPC da UNE Relatório, pp.1 e 2 NEDEJA/UFF 422 Idem, p.20 423 I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, CPC da UBES Relatório, p.1 NEDEJA/UFF 424 I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, A Arte Popular Revolucionária, pp.4-5 NEDEJA/UFF
138
da UNE, tinha por objetivo geral ser mais um instrumento de “integração do estudante na
comunidade brasileira, a fim de que possamos estimular a geração em crescimento de uma
cultura popular brasileira”.425 Com apenas um mês de funcionamento o relatório é muito mais
um plano, no qual constam o organograma da entidade e algumas idéias para a campanha de
alfabetização, deixando claro que “o sistema de alfabetização a ser adotado pelo CGC, será o
mesmo que for aprovado pelo I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular”.
O relatório do CPC da Bahia foi elaborado pelo seu Departamento de Textos e
Publicações, o relatório não segue o roteiro da coordenação do Encontro, mas, apresenta a
origem, as atividades e os planos do Centro. Destaque para o Departamento de Educação que
buscava, a exemplo dos demais CPC’s espalhados pelo país, “esclarecer o povo brasileiro
sobre os nossos mais gritantes problemas, exigindo, ao mesmo tempo, a sua participação na
solução dos mesmos”.426 Ao analisar a relação entre analfabetismo e democracia, aponta para
o fato de que dos 33 milhões de adultos com mais de 18 anos no Brasil em 1960, 16 milhões
eram analfabetos e, portanto, fora do processo eleitoral, enquanto 15 milhões e meio eram
eleitores inscritos, dos quais 12 milhões votaram nas eleições presidenciais de 1960. Ou seja,
isso significava que “o número de votantes e de eleitores inscritos é menor do que o das
pessoas privadas pelo analfabetismo do direito ao voto.”427 As suas ações no campo da
alfabetização indicavam a utilização do Método Paulo Freire em Feira de Santana, e ao
mesmo tempo a “manutenção das escolas de alfabetização pelo sistema tradicional, nos
Alagados e Amaralina.”428
A tese do CPC da União Gaúcha de Estudantes Secundários (UGES) afirmava que era
urgente, “abrir uma nova perspectiva, um novo horizonte em todo o Estado, para uma firme
tomada de posição do estudantado gaúcho.” Essa nova postura se caracterizava por difundir
“com amor e entusiasmo, em todos os quadrantes do RGS uma nova idéia: A cultura
popular.” Dos jograis e encenações de teatro da UGES realizado em diversas cidades do
interior do estado, surgiu o CPC da entidade gaúcha de estudantes secundários. O objetivo da
entidade “não se tratava de levar ao povo alguns ensinamentos colhidos nos bancos escolares,
mas sim, de propiciar, ao povo, meios que lhe permitam promover-se a si mesmo e por si
mesmos.”429 Através da experiência de alfabetização de adultos foi possível ao centro
425 I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, Relatório sobre a fundação do Centro Guanabarino de Cultura, p.3, NEDEJA/UFF 426 I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, CPC da Bahia Relatório, p.8, NEDEJA/UFF 427 Idem, p. 8 428 Idem, p. 16 429 I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, Tese do Centro Popular de Cultura da UGES, p.1, NEDEJA/UFF
139
perceber a necessidade de se “descobrir um vocabulário peculiar ao grupo (o que Paulo Freire
chama de universo vocabular), que era preciso dialogar com eles no mesmo nível, que era
preciso suprimir o ciúme e mostrar que, em comunidade, um depende do outro.”430
O CPC de Belo Horizonte foi lançado em dezembro de 1962, com quase um ano de
funcionamento o CPC apresentou em Recife um Relatório e uma Tese. O Relatório é
composto por dois textos O que é Cultura Popular e Meios e Técnicas de Comunicação. De
acordo com o primeiro texto, os movimentos de cultura popular surgiram “para se opor ao
tipo de cultura que serve apenas à classe dominante. E, ao mesmo tempo, um movimento que
elabore com o povo (e não para o povo) uma cultura autêntica e livre.”.431 O segundo texto
apresenta as atividades realizadas pelo centro em Belo Horizonte, a principal delas foi a
participação, no início de agosto de 1963, na invasão de terrenos urbanos organizada por
favelados em BH. Esse contato direto com o povo fez o CPC descobrir, “que o
desconhecimento de suas reações e da condição real da sua atitude para com o mundo
prejudicam qualquer movimento para despertá-lo do adormecimento em que se encontra”,432
mais do que nunca era necessário conhecer para libertar.
Em sua tese o CPC mineiro faz uma análise histórica da educação; depois discute o
analfabetismo no Brasil, apresentando índices de alfabetização, urbanização e
industrialização, a fim de demonstrar a relação entre desenvolvimento e educação, para a
partir daí enumerar as perspectivas do centro em relação à alfabetização de adultos, e por fim
a descrição das atividades do setor de alfabetização, que apesar das dificuldades em se
encontrar um “pessoal que se disponha “realmente” a alfabetizar, o setor pelos seus núcleos
tem feito um trabalho bastante bom. Cada núcleo tem coordenador e a cartilha vem sendo
utilizada com grande êxito.”433
No caso do CPC de Belo Horizonte a presença da AP era muito forte, além do uso de
conceitos como os de pólo dominante x pólo dominado, a tese do Centro definia que as ações
de curto prazo e os instrumentos de ação deveriam ser “dirigidos numa linha de
conscientização, politização e organização do povo.”434 Alguns meses antes, a direção da AP
havia lançado o documento Cultura Popular. De acordo com o texto, “os instrumentos de
cultura popular – alfabetização, núcleos populares, praça de cultura, teatro, artes plásticas,
430 Idem, p.5 431 I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, CPC Belo Horizonte Relatório, p. 3 NEDEJA/UFF 432 Idem, p. 5 433 I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, Tese de Alfabetização CPC de Belo Horizonte, pp.3-4, NEDEJA/UFF 434 CPC Belo Horizonte, Relatório. 1963, p.4 Acervo: NEDEJA/UFF. (grifo nosso)
140
cinema (...) se propõe à mobilização popular – são meios de conscientização, politização e
organização do povo”.435
A alfabetização aparecia para os estudantes, como uma forma de atingir diretamente a
massa, a procura de um contato maior com a sua realidade social concreta. Nesse sentido,
uma das principais atividades para os demais CPC’s espalhados pelos estados e para os outros
movimentos que atuavam na área de cultura popular foi a alfabetização de adultos. A partir do
I Encontro Nacional de Educação e Cultura Popular, por exemplo, o “CPC da UNE tornou-se
mais sensível à necessidade de um trabalho permanente e sistemático junto às massas. A mera
difusão do teatro não era instrumento suficiente”.436 O CPC criou o seu Departamento de
Alfabetização, no final de 1963. Porém, segundo informações de Manoel Tosta Berlink, este
grupo apesar de ter criado alguns cursos, teve vida curta, indo assessorar o MEC na área de
alfabetização.437
8 – O MEB: O sindicalismo rural e a cartilha Viver é Lutar
Entre janeiro de 1963 e março de 1964 o Movimento de Educação de Base conheceu
seu auge. Passou a atingir outros estados e regiões do país. Os alunos atendidos pelo
movimento chegaram a mais de 110 mil espalhados em cerca de 7500 escolas radiofônicas. O
aumento dos repasses de verba do governo federal para o movimento, o acúmulo de
experiência prática aliada ao acúmulo teórico, e o próprio contexto de mobilização social e
política contribuíram significativamente para este crescimento. Neste período, dentro do
contexto de radicalização e polarização política, podemos destacar dois acontecimentos que
foram fundamentais na trajetória do MEB. A eleição da Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Agricultura (CONTAG) em dezembro de 1963, e a apreensão da Cartilha
Viver é Lutar em fevereiro de 1964.
Na avaliação de Luiz Eduardo Wanderley no seu livro Educar para Transformar “o
trabalho de sindicalização rural se constituiu numa pedra de toque do processo educativo do
MEB, exercendo influência sobre as equipes dos Sistemas radiofônicos, sobre a programação
435 Ação Popular. Cultura Popular. Publicação interna do movimento. In FÁVERO, Osmar (org.). Cultura Popular Educação Popular: Memória dos anos 60. Rio de Janeiro: Graal, 1983. p.24 (grifo nosso) 436 PAIVA, Op. Cit. p.235. 437 Manoel Tosta BERLINK, Um projeto para a cultura brasileira nos anos 60: análise sociológica do CPC. Campinas: UNICAMP. (dissertação de mestrado), s/d.
141
das aulas, sobre os treinamentos, e, de certa forma, exigindo mais dos agentes”.438 Entre os
dias 15 e 20 de julho de 1963 aconteceu a Primeira Convenção Brasileira de Trabalhadores
Rurais em Natal. Nela se manifestaram as “divergentes orientações que se propunham para os
rumos da sindicalização”. Logo depois o MEB realizou em Aracaju uma Reunião de
Politizadores, o aumento da demanda pela criação de sindicatos e as necessidades de
discussão internas do próprio movimento depois da Convenção levaram ao encontro.
A reunião pretendia ser um espaço para a troca de experiência e a discussão em torno
da conscientização e da politização. Uma das propostas era a formulação de um programa
mínimo, conjunto de todas as equipes estaduais, idéia que “não teve acolhida, em face das
discordâncias político-ideológicas existentes entre os grupos cristãos dedicados ao trabalho
sindical nos Estados e os membros do MEB (alguns militando na AP)”. As diferenças entre
um setor cristão, digamos tradicional, e a esquerda católica no MEB e na AP, no que diz
respeito ao sindicalismo rural, foi uma constante origem de tensões. De acordo com
Wanderley o “próprio clima da reunião era o de uma crise prestes a eclodir”.
No encontro ficaram claras as críticas às assessorias sindicais que, em alguns casos,
se limitavam à assistência jurídica, em outros numa atitude dirigista sobre os trabalhadores, e
somente numa parte deles buscava levar os trabalhadores a assumirem suas ações enquanto
seus próprios agentes. Entretanto, o ponto central da reunião, “foi a discussão sobre se o
camponês, com suas próprias condições, poderia justificar a sua ideologia de libertação da
exploração. A resposta foi não, e em conseqüência havia a necessidade de sua conscientização
e politização”.439
A sindicalização rural mobilizou praticamente todos os membros do MEB, alterando
sua intervenção naquele momento. A visão sobre o camponês, por exemplo, partia do
pressuposto de que era necessário “que se dessem elementos para o camponês se transformar
em sujeito responsável; ele seria capaz, ajudado pelos conscientizadores, de perceber os
valores autênticos da comunidade, os valores ideológicos viciados, e os valores da
consciência histórica atual”.440 Nesse sentido, a Educação sindicalista passou a ser um
importante setor do MEB. Vários programas, aulas e cursos foram voltados para o tema da
sindicalização, destacando a importância da união entre os trabalhadores. Isso já estava
presente no MEB mesmo antes da “Reunião de Politizadores”, como podemos ver nesta aula
radiofônica de Educação Política de 4 de Março de 1963. O texto foi escrito em forma de um 438 Luiz Eduardo WANDERLEY. Educar para Transformar: educação popular, Igreja Católica e política no Movimento de Educação de Base, Petrópolis: Vozes, 1985, p. 284 439 Idem, p.290 440 Idem, p.291
142
diálogo entre a SUPERVISORA e o personagem PERGUNTINHA. A partir de um “causo”,
no qual um velhinho à beira da morte usa a parábola cristã do feixe de varas para provar que
seus filhos eram muito mais fortes juntos do que separados: PERGUNTINHA: Ah, agora estou entendendo aonde a senhora quer chegar: se a gente formar... se a gente se juntar num só feixe, não haverá quem quebre a gente, não é mesmo?... SUPERVISORA: Exatamente. Cada um de vocês, amigos do campo, representa uma simples vara, fraca, que os grandes poderão quebrar, espezinhar, maltratar... Porém se vocês se unirem de mesmo, juntarem-se todos como as varas, num único e enorme feixe que é o seu sindicato, então ninguém poderá mais acabar com vocês.441
O trabalho de politização e conscientização, e a relação com as demais forças
políticas, exigiam do MEB uma definição política cada vez mais clara. O grupo de militantes
do MEB que atuava no sindicalismo rural “situou-se num horizonte socialista e enfatizou que
a luta primeiramente era política e complementarmente econômica”.442 Defendia ainda que
havia uma “necessidade da unidade do movimento camponês em todas as áreas, nas cúpulas e
nas bases, analisando as convergências e as divergências; sobre a necessidade de ir
progressivamente tornando a luta mais avançada e agressiva, já que o processo estava se
radicalizando”. A unidade proposta pelo MEB foi alcançada no final daquele ano com a
fundação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura (CONTAG).
A primeira tentativa de se fundar uma Confederação foi feita em outubro de 1963,
grupos cristãos do nordeste realizaram uma reunião em Recife e deram entrada no pedido de
reconhecimento. A iniciativa foi barrada no Ministério do Trabalho pela Comissão Nacional
de Sindicalização Rural, por entender a “fundação prematura e precitada, alegando o fato de
haver vários processos de reconhecimento de novas Federações, e internamente criticando a
linha dos “sindicatos dos padres”, além de se ver pressionada por grupos de esquerda”.443
Em dezembro do mesmo ano foi feita uma nova fundação da CONTAG, agora ao
invés de apenas três federação como na primeira reunião, estavam presentes 26 federações
com direito a voto. Eram dez federações ligadas ao PCB, oito à AP e seis aos grupos cristãos
do nordeste. “Houve reuniões, preparatórias de grupos, conchavos durante a realização, mas o
PC, fazendo valer sua experiência nesse tipo de eleição, juntamente com a AP que defendia
também a frente única para o processo global de mudanças”444 conseguiu, em contraposição
aos grupos cristãos, dar “a direção da reunião e a votação da chapa vencedora”. Não foram
441 MEB Pernambuco Educação Política 1ª. Aula. 13 de Março de 1963. Citado por WANDERLEY, Op. Cit. p.300 442 WANDERLEY, Op. Cit. p.291 443 Idem, p.295 444 WANDERLEY, Op. Cit. p.295
143
poucos os embates, conflitos e disputas neste encontro, entretanto, “chegou-se a um
compromisso fundado na idéia de que não se deveria cindir a entidade em seu nascedouro,
mas com a evidente oposição dos grupos do Nordeste que não foram convidados a participar
dos conchavos eleitorais”. No final do encontro conseguiu se chegar a uma chapa única. A
primeira direção da CONTAG foi formada por “4 membros pertencentes ao PC, 3
pertencentes à AP, e 2 dos grupos do Nordeste”.
A mobilização sindical no campo, a forma como a participação do MEB estava
ocorrendo, sua politização e conscientização, sua aproximação com os grupos de esquerda,
tudo isso estava sendo observado com muita reserva pela hierarquia católica. “Já antes de
1964, um grupo de bispos manifestara temores e críticas ao sentido em que o processo ia
caminhando, principalmente em virtude de suas cautelas quanto à orientação dada pela
AP”.445 Começava a se consolidar entre os bispos mais conservadores a necessidade de
intervir no movimento, o golpe de 1964 daria momentos depois o pretexto necessário para
essa intervenção.
Outro fato marcante na trajetória do MEB naquele período imediatamente anterior ao
golpe foi a apreensão da cartilha Viver é Lutar. A apreensão e todo o debate ocorrido depois
dela, por um lado, reafirmou para alguns bispos a necessidade de “frear” as ações do
movimento; por outro, demonstrou de uma forma bastante clara, assim como o Método Paulo
Freire, a relação entre os movimentos de educação e cultura popular com o contexto político
polarizado da época. E como o conteúdo da cartilha provocou a reação dos setores mais
conservadores que se aglutinavam, naquele exato momento, em torno da articulação golpista
contra Jango.
Eram duas horas da manhã, do dia 20 de fevereiro de 1964, quando cerca de 50
policiais arrombaram e invadiram a gráfica da Companhia Editora Americana, na cidade do
Rio de Janeiro. Cumprindo as ordens do governador da Guanabara, o udenista Carlos
Lacerda, os policiais procuravam uma publicação subversiva. A denúncia era de que se
tratava de uma cartilha do Ministério da Educação. Aos empurrões, socos e pontapés os
policiais entraram no prédio e reviraram toda a gráfica até que encontraram três caixotes, cada
um deles com mil cópias do livro de leituras Viver é Lutar, editado pelo Movimento de
Educação de Base, o MEB. Estava iniciada uma polêmica que contribuiu para o acirramento
445 Idem, p.291
144
do já conturbado contexto político. Dali a exatos 41 dias, a sociedade brasileira conheceria um
dos momentos mais cruciais de sua história recente, o golpe civil/militar de 1964.
Viver e Lutar era parte de um conjunto maior de materiais pedagógicos que vinham
sendo elaborados pelo MEB. Em dezembro de 1962, no I Encontro Nacional de
Coordenadores, vários membros e equipes defenderam a necessidade do movimento ter um
livro de leituras próprio. O livro deveria, de acordo com as resoluções do encontro, ter uma
mensagem de conscientização do alfabetizando, valorizando o homem, a comunidade e sua
cultura. Despertando o adulto para o engajamento em atividades políticas na sociedade, como
a militância em clubes, sindicatos e cooperativas.446
Em fevereiro de 1963, na cidade de Natal, a equipe se reuniu pela primeira vez.
Elaborou um roteiro de trabalho, deu início ao levantamento de palavras-chave da região e
escreveu o primeiro texto. Em março do mesmo ano, uma nova reunião, agora em Aracaju,
deu prosseguimento à elaboração da cartilha. Na reunião foram examinadas as críticas e
observações recebidas pela primeira versão do livro. Com base nas contribuições, foi
realizada uma revisão e a reformulação de algumas das lições e introdução de lições novas.
No final de 1963, foram feitos os contratos para a impressão e distribuição da Viver é
Lutar com o Estúdio Gráfico Brasil. Foram encomendados 100.000 exemplares, divididos em
duas remessas de 50.000. Em janeiro de 1964 a gráfica entregou os primeiros 45.000 livros,
que foram enviados aos sistemas do MEB em caminhões. Dos 5.000 restantes, ficaram para
trás 3.000, que se destinavam à diocese de Belém do Pará. Foram exatamente estes
exemplares, os últimos da primeira edição, que foram apreendidos pela polícia de Lacerda.
A cartilha, ou como chamava o MEB, o livro de leituras para adultos Viver é Lutar
compreendia 30 lições. Cada lição era dividida em três partes, uma iconográfica, um pequeno
texto para a leitura dos alunos, e a terceira composta pelas “noções gramaticais” e os
“exercícios”. As lições seguiam uma seqüência lógica que colocavam ao educando questões
sobre o homem, as suas relações com o mundo e com Deus. As suas necessidades diante do
trabalho e sua participação na vida, na comunidade e na política. A consciência e os
instrumentos necessários para a ação diante da realidade, a união, a organização e a
participação nas decisões políticas447. Houve um esforço da equipe, para apresentar essa
discussão em termos bastante simples, usando palavras conhecidas do vocabulário dos alunos.
Frases curtas e diretas, lições claras e objetivas, exercícios que uniam a necessidade
446 Conclusões 1 do I Encontro de coordenadores do MEB, p.22 PROEDES/UFRJ 447 Luiz Eduardo WANDERLEY, Educar para Transformar: educação popular, Igreja Católica e política no Movimento de Educação de Base, Petrópolis: Vozes, 1985. 497
145
pedagógica de aprendizagem com a reflexão política. Muitos textos são apresentados em
primeira pessoa, colocando o aluno na posição de protagonista da história contada pela
cartilha.
Viver é Lutar conta a história de Pedro, Agripino e Xavier, camponeses que
realizaram todo o processo de conscientização. Partindo de uma reflexão pessoal sobre sua
própria condição humana, para depois chegar à reflexão sobre sua comunidade, sua situação
dentro da sociedade e as formas de organização do povo. Para, num último estágio, interferir e
modificar esta sociedade. A trajetória de Pedro, um dos personagens principais, é a história de
um simples camponês que se tornou uma liderança em sua comunidade e no sindicato.
Ao ser apreendida, a cartilha causou um intenso debate na imprensa, sobretudo, na
imprensa carioca. Durante os meses de fevereiro e março de 1964, a apreensão da cartilha
ocupou, por diversas ocasiões, as páginas dos principais jornais do país. Seguindo a
conjuntura política polarizada da época, a imprensa se dividiu na cobertura do caso. A leitura
das reportagens demonstra que a defesa da cartilha ou a sua condenação variava de acordo
com a posição política do jornal ou jornalista.
Em 21 de fevereiro de 1964, um dia depois da apreensão, os jornais noticiaram o
caso da cartilha Viver é Lutar. Pelas manchetes já dava para se ter uma idéia da polêmica que
seria travada dali em diante. Alguns jornais tiveram uma tendência de utilizar o fato para
criticar Carlos Lacerda, governador da Guanabara: Correio da Manhã: “Violada Liberdade de
Imprensa”, Jornal do Brasil: “Lacerda manda invadir Gráfica e apreender as cartilhas dos
Bispos” e Última Hora: “Polícia de Lacerda invade Gráfica e apreende cartilha dos Bispos de
Belém”. Outros jornais ficaram alarmados com o que seria mais uma ameaça comunista e
atacaram a cartilha: O Globo: “Apreendidos três mil impressos subversivos”; Diário de
Notícias: “Alvo da Cartilha era conduzir os lavradores à luta” e A Notícia: “Chefe da Polícia
explica a diligência na Gráfica: Cartilhas subversivas apreendidas pertencem a Bispos Cor de
Rosa”. Outros, como o jornal Diário Carioca, optaram por manchetes mais objetivas e menos
politizadas: “Edição Viver é Lutar apreendida pelo DOPS”.448
De ambos os lados foram utilizados diversos argumentos para defender ou criticar a
cartilha. Os que defenderam a cartilha apresentaram pelo menos quatro. Primeiro pela
apreensão significar um atentado à liberdade de imprensa, cometido pelo governador Carlos
Lacerda. Segundo, por ter sido um ato ilegal, já que ocorrera à noite e sem mandato judicial.
448 Osmar FÁVERO e Maria de Lourdes FÁVERO. Conjunto Didático Viver é Lutar. Terceira Parte: Repercussões na Imprensa, p.2
146
Terceiro, ser uma publicação da Igreja Católica, e quarto o fato de ser um livro destinado ao
combate do analfabetismo.
O jornal Correio da Manhã se posicionou claramente na defesa da cartilha, sendo
esta, tema de vários editoriais. No dia 21 de fevereiro de 1964, por exemplo, seu editorial fez
duras críticas ao governador da Guanabara. De acordo com o texto, a apreensão foi uma
demonstração de violência e intolerância que marcava a “incompatibilidade com o regime
democrático”,449 de Carlos Lacerda, deixando claro o “seu propósito obscurantista de destruir
as liberdades individuais”.450
Vários jornalistas se manifestaram através de suas colunas. O articulista Timbaúba
criticava no jornal Diário Carioca a contradição na atitude da polícia, diante das intensas
reclamações da falta de efetivo para o policiamento, a Polícia Militar era utilizada “para dar
cobertura a um assalto realizado, às caladas da noite, por autoridades policiais, contra uma
propriedade privada, cujos donos estavam confiantes nas garantias constitucionais”. 451 O
artigo terminava com uma crítica ironizando a polícia, para ela “a encomenda feita pelos
bispos do Nordeste é subversiva. Os bispos são também comunistas”.452
Para Joel Silveira, na época jornalista do Diário de Notícias, o argumento que
justificava a apreensão da cartilha, de que se tratava de uma “literatura altamente
subversiva”,453 não se sustentava. Já que na verdade, era apenas “uma cartilha de
alfabetização de adultos, elaborada e mandada imprimir pelo Movimento de Educação de
Base, entidade de bispos do Nordeste”.454
O Correio da Manhã em outro editorial, no dia 28 de fevereiro, atacou novamente a
atitude de Lacerda: “O governador da Guanabara recorreu ao processo totalitário de apreender
livros, violando a Constituição e se apresentando à opinião pública como réu confesso. É o
reconhecimento formal do atentado que cometeu”455.
Em 1o. de Março de 1964, o jornal Gazeta de Notícias publicou texto de Beatriz
Bandeira, no qual a autora defendia o MEB, segundo ela, o movimento se dedicava ao “nobre
trabalho de combater o analfabetismo”456 e o simples fato de que “tem sua origem e é
orientado pela Conferência dos Bispos do Brasil”457 já prova que “não tenha qualquer ligação
449 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 1964. In FÁVERO e FÁVERO, NEDEJA/FEUFF. 450 Idem 451 Diário Carioca, Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1964. NEDEJA/FEUFF. 452 Idem 453 Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 1964. NEDEJA/FEUFF. 454 Idem 455 Idem. 456 Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 1o. de Março de 1964. NEDEJA/FEUFF. 457 Idem
147
com o comunismo e qualquer tendência à idéias chamadas de extrema esquerda”458, continua
afirmando que a opinião pública ficou chocada diante do “atentado perpetrado pelos asseclas
do tenebroso governador” e conclui “estamos em pleno regime fascista, na Guanabara”459.
Por seu lado, os que atacaram a cartilha utilizam três argumentos principais.
Primeiro, não havia a denominação dos autores e dos responsáveis pela impressão; segundo;
tratava-se de uma cartilha subversiva, que pregava a discórdia entre as classes, a revolução e a
luta armada, e terceiro, demonstrava como a infiltração comunista havia alcançado índices
intoleráveis, já que a cartilha havia sido elaborada por um movimento ligado à Igreja.
O jornal A Notícia publicou no dia 21 de fevereiro, uma entrevista com o Delegado
responsável pelo caso, Denisar Corrêa. Para ele, a busca e a apreensão da cartilha foi uma
operação de rotina, determinada pelo governador Carlos Lacerda na sua guerra contra o
comunismo. Executor das ordens de Lacerda, o delegado Denisar Corrêa confirma o “teor
nitidamente subversivo da cartilha” 460 e completa dizendo que a cartilha “peca por sua falta
de referência à origem. Não diz onde foi impressa, como manda a Lei de Imprensa”.461
O governador Carlos Lacerda, em entrevista ao Jornal do Brasil, em 24 de fevereiro,
reafirmava que “Os livros eram subversivos, pois a Constituição proíbe taxativamente a luta
de classes e a propaganda do ódio, matérias fartas no folheto”. 462 Assumindo a
responsabilidade pela apreensão, diz que ela foi “executada pela Secretaria de Segurança, sob
a orientação da Secretaria de Justiça, por decisão minha, que mantenho”.463
Em 28 de fevereiro, o jornal O Globo, em seu editorial intitulado “Armadilha
Psicológica” fez um dos mais fortes ataques à cartilha. Começou relacionando-a como “mais
uma demonstração das intenções e dos planos dos comunistas e de seus cúmplices no que diz
respeito à comunização do Brasil”, 464 ela seguiria a orientação pedagógica do “famigerado
método Freire, concebido para subverter a pretexto de alfabetizar”465. A seguir faz uma crítica
ao título “Viver é Lutar”, e ao fato de não haver indicação dos autores ou gráfica responsável
pela impressão. Continua, afirmando que a cartilha demonstrava o grau de infiltração
comunista, atingindo no caso membros da Igreja Católica, alguns Padres e até mesmo certos
458 Idem 459 Idem 460 A Notícia, Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 1964. NEDEJA/FEUFF. 461 Idem 462 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 1964. NEDEJA/FEUFF. 463 Idem, 464 O Globo, Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1964. NEDEJA/FEUFF. 465 O Globo faz referência ao Método Paulo Freire de alfabetização de adultos, que estava em processo de implementação em todo o país, através do Programa Nacional de Alfabetização(PNA) do Ministério da Educação.
148
Bispos “por ingenuidade, por mal-entendido zelo social ou por qualquer outro motivo” se
fizeram cúmplices involuntários “dos comunistas e instrumento de seus planos de
subversão”.466
Para o editorial, a cartilha representava uma “armadilha”, que atacava “na sua
inocência, no seu despreparo e na sua ingenuidade, com a propaganda de ódio e a promessa
de futuras benesses, o homem simples da oficina e do campo”,467 este dificilmente consegue
escapar dessa “armadilha psicológica em que os comunistas são especialistas”. A armadilha,
segundo o texto, funcionava de forma simples e prática, “o operário, e o camponês, analfabeto
e pobre, deve tomar consciência antes de mais nada, de que é pobre, justamente, e vítima de
uma injustiça. Em segundo lugar, deve tomar consciência de que pode e deve acabar com essa
pobreza, com essa injustiça.” Não como milhões o fizeram, “com trabalho, com esforço, com
paciência, com sacrifício, únicos meios de emancipação num mundo em que nada é dado de
graça a ninguém”. Mas, optando por outro caminho, a cartilha diz que o “homem deve fazer
certos treinamentos, certos cursos, ir ao sindicato, entregar-se ao sindicato, fazer as greves que
o sindicato determinar, tornar-se escravo do sindicato. Como o sindicato é dominado por eles,
a conclusão é óbvia”. Fecha-se a armadilha.
A atitude do governador Carlos Lacerda e a postura do jornal O Globo em seu
Editorial podem ser inseridos no contexto da luta anticomunista, levada a cabo pela direita
brasileira nos anos 1960. Vale lembrar, que o referido jornal fez parte da Rede Democrática,
responsável, no período, pela publicação diária de “matérias que lançavam mão das
representações anticomunistas, intensificando campanha que setores direitistas já vinham
desenvolvendo há algum tempo”.468 Essa postura anticomunista teve importante influência na
preparação do golpe, criando em parte da opinião pública, uma desconfiança nas esquerdas,
nos movimentos sociais e no governo João Goulart. Desconfiança vital para a legitimação do
golpe, naquele momento articulado abertamente.
A apreensão da cartilha Viver é Lutar também é um exemplo de como os setores
políticos conservadores, principalmente a UDN de Carlos Lacerda, aliados à setores da
imprensa, como o jornal O Globo, agiram no contexto pré-golpe. Suas ações foram no sentido
de criar um ambiente político instável, radicalizar suas posições anticomunistas e
principalmente, como foi dito acima, fortalecer os argumentos que justificariam o golpe
civil/militar.
466 Idem 467 Idem 468 Rodrigo P. Sá MOTTA. Em Guerra contra o perigo vermelho, São Paulo: Perspectiva/FAPESP, 2002. p.258
149
No campo das esquerdas, no qual podemos inserir a AP e sua forte influência na
linha política do MEB, a opção política geral era a estratégia do confronto com a direita. Era
necessário exigir uma postura política mais firme do Presidente João Goulart no sentido de
garantir a execução das Reformas de Base. “As esquerdas tinham o seu programa, seus
objetivos e suas estratégias. Qualquer outra alternativa, sobretudo aquela que admitisse
acordos e compromissos com grupos de centro, era descartada.”.469
Os movimentos de alfabetização de adultos foram destruídos, com a exceção do
MEB, poupado por sua ligação com a Igreja Católica. Porém, como veremos no próximo
capítulo sofreu uma forte intervenção da hierarquia católica e viu, aos poucos, sua ação
diminuir consideravelmente. O impacto do golpe na estrutura do movimento pode ser medido
pela impressionante queda no número de alunos, em 1964 eles haviam caído para pouco mais
de 63 mil.470 O controle da hierarquia católica aumentou, sua autonomia perdeu espaço e suas
posturas políticas tiveram que ser revistas. Não demorou muito para que o MEB deixasse de
ser um importante movimento de alfabetização e cultura popular, para se tornar, nas palavras
de Carlos Rodrigues Brandão, um tipo tardio de “Educação Fundamental”.471
Por seu lado, a cartilha Viver é Lutar foi condenada pelo novo regime como um
manual subversivo, seu uso passou a ser clandestino, e sua simples posse motivo de prisão
como atesta a reportagem “Polícia invade o DCE por Fidel e Cartilha” do Jornal do Brasil,
dias depois do golpe. De acordo com o jornal, o Diretório Central dos Estudantes da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) estava sob intervenção do Exército, seu
presidente, Arnaldo Silva, se encontrava foragido e sendo procurado pela polícia. O principal
motivo da repressão aos estudantes mineiros era o fato de terem sido encontradas, na sede do
DCE, “algumas fotografias de Fidel Castro com dedicatórias e grande número de material
considerado subversivo, como a cartilha Viver é Lutar da Conferência dos Bispos do
Brasil”472. Em fevereiro e março de 1964, como denunciava O Globo, a democracia no Brasil
estava realmente ameaçada, mas seus algozes, em abril, foram justamente aqueles que se
diziam seus defensores meses antes.
469Jorge FERREIRA, A estratégia do confronto: a Frente de Mobilização Popular. In Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, vol. 24, nº 47, jan-jun, 2004. p. 203 470 Emanuel de KADT, Católicos Radicais no Brasil, João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2003. p. 197. 471 Carlos Rodrigues BRANDÃO citado por Luiz Antônio CUNHA e Moacyr de GÓES. O Golpe da Educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. pp. 27. 472 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 de abril de 1964. NEDEJA/FEUFF
150
Capítulo Quarto – Tempo de Calar (1964)
Ao contrário das outras intervenções militares na política brasileira, nas quais, após
afastarem o presidente da República se recolhiam aos quartéis e repassavam o governo a um
civil,473 em 1964 os militares trilharam outro caminho, o da permanência no poder. José
Murilo de Carvalho num pequeno texto afirma as surpresas sentidas por ele e pelas esquerdas
em geral, primeiro, com a rapidez com que os golpistas se saíram vitoriosos e, segundo,
“quando começaram a ser publicados os atos institucionais, contendo demissões e cassações
de direitos políticos, e quando o general Castelo Branco assumiu o governo”.474 Tanto para as
esquerdas como para os golpistas civis aquela situação foi inesperada, a decisão de se tomar o
poder e de se estabelecer nele foi realizada por iniciativa dos próprios militares.
O presidente deposto João Goulart também não tinha uma idéia exata do significado
daquele golpe. Ao optar por não resistir, contava com a possibilidade de ficar exilado em uma
de suas fazendas no Rio Grande do Sul, a exemplo do que ocorrera com Vargas no final do
Estado Novo. Dois dias depois de iniciado o golpe, ao chegar em uma de suas fazendas no
Rio Grande do Sul, Jango recebeu informações sobre as ações do novo governo, a forte
repressão “indicava que o movimento civil e militar que o derrubara não seguia o padrão do
que havia deposto Vargas, em outubro de 1945”.475 Logo nos primeiros momentos após o
golpe, o novo governo procurou desarticular e mesmo destruir todas as organizações que
serviam de base para a Frente de Mobilização Popular: “centenas de sindicatos caíram sob
intervenção, as Ligas Camponesas foram dispersadas e as chamas de um incêndio televisado
queimara a sede da UNE, na Praia do Flamengo”.476 Tinha início a primeira onda de
perseguições, prisões, expurgos e exonerações.
Entre a tomada do poder e a decisão de se permanecer nele, os militares traçaram um
curto caminho. “João Goulart caiu no dia 1o. de Abril. O regime de 1946, nos dias
seguintes”.477 A derrubada do presidente foi seguida por uma ação imediata de enfrentamento
e perseguição das forças políticas derrotadas. Para Elio Gaspari “por conta da radicalização
473 Nos referimos às intervenções militares de 1945, na qual Vargas foi afastado por uma junta militar que passou o poder ao presidente do Supremo Tribuna Federal; 1954, quando o suicídio de Vargas impediu o golpe e o vice-presidente Café Filho assumiu; 1955, quando o Marechal Lott desfechou um contra-golpe preventivo para garantir a posse de Juscelino Kubitschek; e finalmente 1961 quando a beira de uma guerra civil a posição do III Exército foi fundamental para o desfecho que permitiu a posse de João Goulart na presidência da República. 474 José Murilo de CARVALHO, Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2005,p.119 475 Ângela de Castro GOMES e Jorge FERREIRA. Jango: as múltiplas faces. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p.229 476 Jacob GORENDER, Combate nas Trevas. Ática: São Paulo, 1998, p.77 477 Elio GASPARI, A ditadura envergonhada. São Paulo: Cia das Letras, 2002, p.121
151
que levara o conflito para fora do círculo estrito das cúpulas política e militar, a vitória não
podia extinguir-se com a deposição do presidente”. Como sabemos foram vários os grupos
que formaram a frente golpista que derrubou Goulart, o consenso construído para o golpe não
se manteve quanto ao tipo e a duração do regime inaugurado em abril de 1964. De acordo
com Gorender “a idéia de um regime militar duradouro não estava nos planos de importantes
conspiradores, em particular os candidatos a presidência da república. Tampouco o
embaixador Gordon, conforme revela sua correspondência diplomática, julgou que aquela
fosse a melhor solução”.478
As lideranças civis que apoiaram o golpe começaram a articular um nome para a
sucessão de Goulart. De acordo com a Constituição de 1946, o Congresso tinha 30 dias para
eleger um novo presidente. Ao mesmo tempo, os setores conservadores da UDN e do PSD
elaboraram no dia 8 de abril um “Ato Constitucional”, que deveria ser aprovado pelo
Congresso para tentar resolver o impasse político, delegava poderes ao comando da
“revolução” e permitia a cassação de mandatos. Entretanto, os ministros militares receavam
“que o Congresso limitasse os poderes pleiteados pelo Comando Revolucionário”.479 Os
militares adeptos da chamada “linha dura” impuseram uma outra solução, vislumbrando a
oportunidade de tomar as rédeas da política brasileira. Assumiram o Estado “afastando os
civis dos núcleos de participação e decisão política, transformando-se em verdadeiros atores
políticos, com os civis passando a meros coadjuvantes no sentido de dar ao regime uma
fachada de democracia e legitimidade”.480 Para este grupo de militares havia um entendimento
de que as intervenções anteriores das Forças Armadas na política tinham fracassado. Nesse
sentido, “estavam decididos a não repetir o erro de entregar o poder a outro subgrupo da elite
política que poderia levar de volta o Brasil ao beco sem saída da “corrupção” e da
“subversão””.481
O primeiro Ato Institucional foi decretado no dia 9 de abril de 1964, escrito por
Francisco Campos e Carlos Medeiros. Seu principal objetivo era justificar juridicamente o
golpe, para assim garantir não só os militares no poder, como também as perseguições que já
estavam em marcha. “A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte.
Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e
mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se 478 GORENDER, Op. Cit. p.78 479 Mário VICTOR, 5 anos que abalaram o Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p.546 480 Nilson BORGES, “A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares”. In. FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org). O Brasil Republicano: O tempo da ditadura, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.16 481 Thomas SKIDMORE, Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p.372
152
legitima por si mesma”.482 Como ficou claro, o Ato não buscou no Parlamento a sua
legitimação, mas em si mesmo. Dessa forma o Ato decretou ainda a suspensão das garantias
constitucionais, o fim das eleições diretas para presidente da república, a suspensão de direitos
políticos por dez anos e a cassação de mandatos legislativos. A “revolução” que se propunha
salvar a democracia não demorou muito para sepultá-la. Não haveria eleições presidenciais
até que a sociedade brasileira estivesse livre definitivamente da “ameaça comunista”.
De acordo com Rodrigo Patto Sá Motta o “perigo vermelho” não foi apenas uma
desculpa ou um simples pretexto, mas uma motivação real para os golpistas. A conjuntura
política polarizada e radicalizada, na qual as forças populares e de esquerda se mobilizavam
exigindo reformas, abria espaço para uma possível quebra da ordem institucional pelo
governo, ou no mínimo a permanente e “nociva” influência dos comunistas. Naquele
ambiente, o combate à subversão deu liga a uma ampla frente anticomunista, cujo “objetivo
principal não era dar um golpe, mas combater os comunistas. O recurso à solução autoritária
era um meio de eliminar a “ameaça comunista” e não um fim”.483 A bandeira contra a quebra
da hierarquia, a defesa da constituição e o respeito à ordem democrática justificou a ação dos
militares e civis que lideraram e apoiaram o golpe. A luta contra o comunismo e a subversão
passariam a justificar a permanência dos militares no poder. Este mesmo argumento também
serviu para a suspensão das garantias constitucionais, por meio dela o “Executivo valeu-se da
prerrogativa de cassar mandatos eletivos, suspender os direitos políticos de cidadãos e anular
o direito à estabilidade de funcionários públicos civis e militares”.484
No dia seguinte a decretação do Ato Institucional, em 10 de abril de 1964, o
“Comando Supremo da Revolução”, formado por representantes das três armas, Costa e Silva
pelo Exército, Francisco Mello pela Aeronáutica e Augusto Rademaker pela Marinha,
suspendeu, “pelo prazo de dez anos, os direitos políticos”485 de 100 pessoas. Essa primeira
leva de suspensões atingiu, sobretudo, políticos ligados ao governo derrubado. Como uma
clara demonstração de como o anticomunismo dava a tônica da repressão, encabeçava a lista
Luiz Carlos Prestes, secretário geral do PCB, vindo antes mesmo do presidente deposto João
Goulart, e o ex-presidente Jânio Quadros. O governador de Pernambuco, Miguel Arraes, e os
assessores diretos de Jango, Darci Ribeiro, Raul Ryff e Waldir Pires completavam o topo da
lista. Foram cassados também os direitos de políticos ligados ao trabalhismo, como Leonel 482 Ato Institucional (no. 1) retirado da página oficial do Governo do Rio Grande do Sul na internet <http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_2.htm> 483 Rodrigo Patto Sá MOTTA, Em guarda contra o “ perigo vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964), São Paulo: Perspectiva, FAPESP, 2002, p.276 484 GASPARI, Op. Cit. p.130 485 ATO no. 1, 10 de Abril de 1964.
153
Brizola e o sindicalista Clodosmith Riani, e intelectuais ligados ao governo, como o professor
Celso Furtado criador da SUDENE e elaborador do Plano Trienal, além de alguns militares.
Outro decreto, publicado no mesmo dia, novamente assinado pelo Comando Supremo
da Revolução, foi responsável pela cassação de 40 membros do Congresso Nacional. Foram
19 políticos do PTB, 4 do PSP, 3 do PSD, 3 do PST, 3 do PSB, 3 do PDC, 2 da UDN, 2
suplentes e um sem partido.486 O objetivo era limpar o Congresso de qualquer influência
“subversiva” e garantir a submissão de deputados e senadores ao novo governo, mantendo um
verniz legal, mesmo que diante de um Congresso retalhado.
A postura agressiva de Costa e Silva em tentar se apoderar da “revolução”, deu início
a uma articulação para retirar dele o “comando supremo da revolução” e substituí-lo na
liderança dos processos de cassações e perseguições às forças políticas derrotadas. A escolha
de Castelo Branco se deu numa reunião no Palácio da Guanabara, “com a presença de vários
governadores, entre eles Lacerda, Magalhães Pinto, Ademar de Barros, Ildo Meneghetti e Nei
Braga, após muita discussão e com uma intervenção do general Moniz de Aragão”487 o nome
de Castelo estava definido. No dia 11 de abril, para “evitar a coroação de Costa e Silva, o
general Humberto de Alencar Castello Branco foi eleito presidente da República pelo
Congresso Nacional, como mandava a Constituição”.488 Para vice-presidente foi eleito José
Maria Alckmin do PSD mineiro. No apagar das luzes do governo Goulart, Alckmin mudou de
barco e se tornou uma das lideranças civis que apoiou o golpe. O governo Castelo foi
composto por militares, políticos conservadores e tecnocratas. Deu início a uma política
econômica antiinflacionária, coordenada por Roberto Campos e Otávio Bulhões.
Mesmo com a eleição de Castelo Branco, o Comando Supremo da Revolução
continuava a decretar Atos de suspensão de direitos políticos, a Ato no. 4 cassou mais 62
pessoas. Entre elas 36 oficiais das Forças Armadas, como o general Assis Brasil, comandante
do dispositivo militar de Goulart, o almirante Cândido Aragão, que havia apoiado os
marinheiros na revolta de março de 1964 e o brigadeiro Francisco Teixeira, historicamente
ligado ao PCB. Entre os civis estavam Gregório Bezerra do PCB, Nelson Werneck Sodré e
Guerreiro Ramos do ISEB e o político trabalhista José Gomes Talarico.489
Durante o governo Castelo Branco ficaram nítidas as divisões dentro das Forças
Armadas. De um lado, militares moderados, que haviam aderido ao movimento golpista com
o intuito de afastar Jango para manter a ordem democrática. De outro, os militares mais 486 ATO no. 2, 10 de Abril de 1964. 487 D’ARAUJO, Op. Cit. p. 166. 488 GASPARI, Op. Cit. p. 125. 489 ATO no.4, 13 de abril de 1964
154
conservadores e adeptos do autoritarismo. Como já dissemos, estes enxergavam naquela
ocasião a oportunidade de se manter no poder e prosseguir com a política de cassações. Para
Gorender “não havia convicção generalizada acerca das características e da duração do
regime militar”.490 Castelo se propunha a “limitar os poderes excepcionais de que dispunha,
para normalizar a vida política nacional”.491 Os militares da “linha dura” se opunham a essa
postura e demonstravam seu peso com a “forte ênfase governamental dada ao
anticomunismo”.492
Nas entrevistas que concedeu aos pesquisadores do CPDOC Maria Celina D’Araújo e
Celso Castro, o presidente general Ernesto Geisel reafirmou a divisão do Exército após a
tomada do poder. Enquanto uma ala mais moderada tinha uma tendência à “normalização”,
isto é, devolver o poder aos civis, os “duros” tinham a tendência oposta de se “prolongar a
revolução até que se pudesse fazer tudo o que eles imaginavam”.493 Isso significou na prática
uma postura cada vez mais agressiva do novo governo em relação aos grupos e forças
políticas derrotadas, “era preciso continuar os expurgo”.494
As ações do próprio presidente revelavam a divisão no interior do governo, Castelo
Branco não queria ser apenas o “presidente de expurgos e prisões”,495 entretanto em seu
mandato a caça aos comunistas e subversivos foi se prolongando, dilatando por conseqüência
a permanência dos militares no poder. Aumentava o número de políticos, militares e
funcionários públicos cassados. Castelo “queria que as cassações se limitassem a uma ou duas
dezenas de dirigentes do regime deposto. Cassou cerca de quinhentas pessoas e demitiu 2
mil”.496 Vacilava entre o que gostaria de fazer, entregar novamente o poder aos civis e o que a
“linha dura” pressionava para que fizesse, permanecer no poder e caçar subversivos. Para
Gaspari essa indecisão de Castelo se fundamentava num temor de “perder a base militar,
dividindo-a e tornando-a vulnerável a uma revanche das forças depostas e, sobretudo, aos
ataques de seus adversários políticos que rondavam os quartéis”.497
Um dos passos mais importantes rumo a permanência dos militares no poder foi, sem
dúvida, a cassação dos direitos políticos de Juscelino Kubitschek. O ex-presidente havia
votado em Castelo Branco, e o vice-presidente era seu amigo pessoal, José Maria Alckmin do
PSD mineiro. JK assim como os demais presidenciáveis apostavam num movimento rápido, a 490 GORENDER, Op. Cit. p.78 491 GASPARI, Op. Cit. p.136 492 SKIDMORE, Op. Cit. p.374 493 D’ARAUJO, Maria Celina e CASTRO, Celso. Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 1997, p. 168 494 Idem, p.168 495 CASTELLO BRANCO, Citado por GASPARI, Op. Cit. p.136 496 GASPARI, Op. Cit. p.137 497 Idem, p.137
155
retirada de Goulart e a garantia de realização das eleições em 1965. Mas os dias e os meses
foram passando e os sinais eram cada vez mais claros de que aquele golpe era diferente dos
demais. Kubitschek era o pré-candidato favorito às eleições presidenciais que ocorreriam em
outubro de 1965. Logo após a eleição de Castelo Branco pelo Congresso teve início “a
operação de destruição de JK, mediante ataques à honra, exigência de afastamento e
expatriação do “corrupto” e ações de intimidação”.498
Geisel relembra que a cassação de Juscelino foi a mais delicada. Em jogo estavam
uma candidatura à presidência da República e a própria base de sustentação do governo no
Congresso. Em seu depoimento ele afirmou: “creio que foi a mais difícil para o governo e lhe
custou parte do apoio do PSD”.499 A posição de JK pela posse de Jango em 1961 servia como
pretexto, as acusações de corrupção contra seu governo eram a justificativa, mas para Geisel o
que definiu sua cassação foi a “obsessão do Juscelino de voltar à presidência da República,
desde a época em que saiu do governo, em janeiro de 1961”. O governo iniciou uma política
de enfrentamento com JK, levantando acusações de corrupção, provocando a abertura de
IPMs e a fiscalização das finanças pessoais do ex-presidente.
No sábado, dia 6 de junho de 1964 o Jornal do Brasil publicou a coluna de Carlos
Castello Branco. O jornalista afirmava a importância da possível cassação do ex-presidente e
seu impacto, caso confirmada, nos destinos do regime. Para ele o que demonstrava a
orientação seguida pelo presidente Castelo Branco era sua posição diante da manutenção dos
direitos políticos de JK, “se suspender-lhe os direitos, cassando o mandato de quem o ajudou
a eleger-se, terá cedido à linha dura, podendo renunciar à presidência”. 500 Decidindo-se pela
cassação o presidente terá sua autoridade “sensivelmente diminuída. A linha dura, em tal
hipótese, fará o seu sucessor. Será o castigo da transigência”. Dois dias depois, 8 de junho, os
jornalistas recebiam da presidência da República o texto com o decreto que resolvia “cassar o
mandato legislativo e suspender, por dez anos, os direitos políticos do Sr. Juscelino
Kubitschek de Oliveira”.501
Para Gaspari foram logo nos primeiros meses de governo Castelo Branco que se
definiram os rumos políticos do nascente regime militar. As contradições e indecisões de
Castelo, seu projeto de uma curta intervenção militar e, sobretudo, a incorporação de militares
nos instrumento de repressão e coerção do Estado facilitaram a instalação dos “elementos
498 Claúdio BOJUNGA, JK: O artista do impossível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.619. 499 D’ARAUJO e CASTRO. Op. Cit. p. 177 500 BRANCO, Carlos Castello. Citado por BOJUNGA, Op. Cit. p.825 501 Decreto de cassação de Juscelino Jubitschek de Oliveira, Citado por VICTOR, Op.. Cit. p.586
156
nocivos de desordem que envenenariam a vida política brasileira nos vinte anos seguintes”.502
Os golpistas civis e militares de 1964 jogaram o Brasil numa ditadura por que construíram
“um regime que, se tinha a força necessária para desmobilizar a sociedade intervindo em
sindicatos, aposentando professores e magistrados, prendendo, censurando e torturando, não a
teve para disciplinar os quartéis que garantiam a desmobilização”.503 Entre os anos de 1964 e
1966 essa contradição foi matando aos poucos a teoria de uma ditadura temporária. A
cassação de JK, a prorrogação do mandato de Castelo Branco, o fechamento do Congresso em
1965 e a decretação do Ato Institucional no. 2 em 1966. A eleição de Costa e Silva foi o passo
fundamental para a permanência dos militares no governo federal, o fechamento do regime
em 1968 com o AI-5 consagrou o fim temporário da democracia.
O novo regime foi incapaz, no entanto, de impedir as violências cometidas pelos
aparelhos de repressão. O governo não conseguia controlar os quartéis, a “anarquia” militar
promoveu uma verdadeira caça às bruxas. Prisões e denúncias de torturas se tornaram cada
vez mais freqüentes. O grupo no interior das Forças Armadas identificado com a linha dura
queria “acabar, extirpar do país a corrupção e a subversão”.504 Para isso era necessário
permanecer no poder, ocupar de forma permanente os mecanismos estatais, realizar o que
Gorender chama de militarização do Estado, “a ocupação da chefia do Estado pelo alto
comando do Exército, dando seqüência a cinco generais-presidentes, adquiriu a aparência de
uma dominação estamental”.505 As relações de classe foram se tornando mais nítidas com o
passar do tempo, “já hoje se percebe que a militarização do Estado serviu aos interesses da
burguesia brasileira. (...) a ditadura militar representou uma forma de dominação burguesa,
caracterizada pela coerção extremada exercida sobre as classes subalternas”.
A luta contra o comunismo foi um dos principais argumentos que justificaram as
perseguições iniciadas com o golpe de 1964. A origem e a fundamentação dos argumentos
para o combate à subversão estão na Doutrina de Segurança Nacional (DSN), elaborada pela
Escola Superior de Guerra (ESG), responsável pela formação ideológica de inúmeros quadros
militares e civis. A política brasileira era analisada dentro de um contexto internacional, no
qual a polarização entre capitalismo versus comunismo dava o tom das reflexões. De acordo
com Nilson Borges, para a Doutrina, a ameaça poderia “vir tanto do exterior (comunismo
internacional) quanto do interior (inimigo interno)”.506
502 GASPARI, Op. Cit. p.141 503 Idem, p.141 504 D’ARAUJO e CASTRO, Op. Cit. p. 183 505 GORENDER, Op. Cit. p.79 506 BORGES, Op. Cit. p..25
157
Esta cruzada contra o comunismo e a corrupção levou a uma reorganização das
estruturas de segurança do Estado. Algumas das conseqüências foram “a hipertrofia, o
gigantismo, a contínua proliferação de órgãos e regulamentos de segurança. Outra, foi a
atribuição de enorme autonomia aos organismos criados”.507
Durante o governo Castelo Branco, sob a vigência do Ato Institucional número 1, foi
realizada a Operação Limpeza que “promoveu expurgos nas burocracias civil e militar e
valeu-se de Inquéritos Policiais Militares (IPMs) para neutralizar qualquer cidadão que
pretendesse opor-se organizadamente a políticas em aplicação”.508 Nos primeiros dois anos de
regime militar os números não deixam dúvidas de que a Operação Limpeza havia funcionado,
de acordo com levantamento feito por Elio Gaspari, naquele período “cerca de 2 mil
funcionários públicos foram demitidos ou aposentados compulsoriamente, e 386 pessoas
tiveram seus mandatos cassados e/ou viram-se com os direitos políticos suspensos por dez
anos”.509 As perseguições atingiram também as Forças Armadas, era necessário limpar o meio
militar da contaminação vermelha, “nas Forças Armadas 421 oficiais foram punidos com a
passagem para a reserva (...). Pode-se estimar que outros duzentos foram tirados da ativa
através de acertos (...). Somados todos os expedientes, expurgaram-se 24 dos 91 generais”.
Para apurar as ações “subversivas” em cada estado foi aberto um Inquérito Policial
Militar (IPM)510 para apurar as atividades subversivas de forma geral. Algumas instituições ou
grupos mereceram IPMs específicos, como o IPM do MEC, o IPM do ISEB, ou
personalidades políticas, como os ex-presidentes João Goulart e Juscelino Kubitschek.
Entretanto, após o prazo estipulado pelo AI-1 de suspensão das garantias constitucionais, os
habeas corpus concedidos pelo Supremo Tribunal de Justiça foram libertando muitos dos
presos políticos, o que dificultava, no entendimento dos militares, o trabalho de andamento
dos Inquéritos. Além disso, os IPMs tinham prazo, isso acarretava a obrigação de concluir as
investigações mesmo que elas ainda não tivessem, de fato, sido concluídas, o que
comprometia o resultado do inquérito. Na prática o que ocorreu é que a Operação Limpeza foi
507 Arquidiocese de SÃO PAULO, Brasil Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985, p.72 508 Idem, p.39 509 GASPARI, Op. Cit. p.131 510 Um dos principais instrumentos utilizados pela Operação Limpeza para combater o “comunismo” e a “corrupção” foram os Inquéritos Policiais Militares. O grande número de cassações, prisões e apreensões deu origem a diversos IPMs diferentes, utilizados para apurar e indiciar criminalmente os acusados de subversão. Logo depois das primeiras cassações foi criada a Comissão Geral de Investigação (CGI). Os IPMs eram presididos por um oficial e realizado a partir de depoimentos e documentos apreendidos. De forma geral procuravam enquadrar os acusados na Lei de Segurança Nacional e condená-los. A idéia principal era acabar com a subversão, impedir a atuação dos militantes de esquerda e promover uma “limpeza” política no país.
158
“interrompida pelo primeiro general presidente”511 Castelo Branco, com a ajuda do STJ que
concedia cada vez mais habeas corpus. Para a linha dura aquilo era um retrocesso, um desvio
do rumo correto da “revolução”, era necessário endurecer ainda mais com as forças
subversivas.
As derrotas do governo nas eleições para governador em Minas Gerais e na Guanabara
em 1965 foram para os setores conservadores das Forças Armadas o pretexto para exigir
novos e maiores instrumentos “legais” para cassar, prender e julgar os suspeitos de subversão.
Somado a ineficácia dos IPMs com o resultado eleitoral, estava armado o cenário para AI-2,
de 1966, que deu início a uma nova onda repressiva. Ainda sim, pela continuação da vigência
do habeas corpus, a linha dura continuava a reclamar dos limites para suas ações de
repressão. Os IPMs continuavam a ser os principais instrumentos utilizados nas investigações.
Para Carlos Fico uma das principais razões para a decretação do AI-5 em 1968 “foi a
insatisfação da linha dura com o desenvolvimento dos primeiros Inquéritos Policiais
Militares”.512
Com a decretação do AI-5 o regime se fechou de vez. A prática da tortura, que na
primeira fase ainda não tinha seu uso generalizado, passou a ser utilizada em larga escala.
Entre 1964 e 1967 houve uma queda nas denúncias de torturas, baixando respectivamente, de
203 no primeiro ano para 66 no último. A missão Geisel havia dado um resultado temporário.
Não condenou ninguém, mas conseguiu impedir que a tortura se propagasse. Mas ao não
punir deu “a senha da impunidade. E não só da impunidade. Como o tempo haveria de
mostrar, a repressão tornava-se um dos instrumentos burocráticos de ascensão e ampliação do
poder”.513 Após dezembro de 1968, sem o controle de mecanismos de limitação do poder
policial do Estado, como o habeas corpus, o pedido de prisão preventiva e o pedido de busca
e apreensão. O sistema repressivo brasileiro foi responsável pela “paralisação quase completa
do movimento popular de denúncia, resistência e reivindicação, restando praticamente uma
única forma de oposição: a clandestina”.514
Na primeira fase da ditadura, do golpe em 1964 ao AI-5 em 1968, a política brasileira
foi palco de perseguições, cassações, prisões e expurgos. Era necessário limpar o Brasil do
comunismo e da corrupção, para isso o novo regime atuou em duas direções diferentes: uma
primeira, de ação imediata contra os representantes do governo anterior e das forças políticas 511 Carlos FICO, “Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão”. In. FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org). O Brasil Republicano: O tempo da ditadura, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.183 512 FICO, Op. Cit. p.183 513 GASPARI, Op. Cit. p. 150 514 Arquidiocese de SÃO PAULO, Op. Cit. p.62
159
de esquerda; a segunda, de ação mais longa, a criação de um sistema nacional de repressão,
corporificado no Sistema Nacional de Informações (SNI), e posteriormente nos DOPS, DOI-
CODI e OBAN.
Por fim, vale ressaltar que as ações militares foram amparadas por setores
significativos da sociedade brasileira. Muitos políticos apoiaram as prisões, expurgos e até
mesmo torturas e assassinatos cometidos pelos órgãos de repressão, como forma de se
livrarem de oponentes políticos fortes. Setores conservadores da Igreja temendo o a
implantação do comunismo ateu também validaram, ainda que com menor intensidade, as
perseguições. As demonstrações de apoio à “revolução” não foram poucas.
1 – A repressão ao programa de educação popular do governo Jango
Tão logo tomaram o poder, os militares iniciaram um processo de perseguição e
destruição das campanhas e movimentos de educação e cultura popular. Como veremos a
seguir, para os novos mandatários do poder, “finalmente chegara o momento de por ordem na
casa (...), uma das primeiras providências consistiu em eliminar tudo o que o governo anterior
viera fazendo no campo da educação de adultos”.515 Nesse sentido, a alfabetização como
vinha sendo feita, era vista como uma ameaça à nova “ordem democrática”. Vanilda Paiva
afirma que “o temor aos efeitos dos programas de educação de massas, criados entre 1961 e
1964, observou-se através da repressão desencadeada contra esses programas e seus
promotores. A partir de abril de 1964 um grande número de programas desaparece.” 516 Os
poucos que conseguiram permanecer ativos, foram obrigados a atuar “no interior, com
programação restrita e revisão de sua linha de atuação”.
A extinção dos movimentos não foi suficiente para a ditadura. Era necessário ir mais
longe com a “limpeza”, afastando da vida pública as pessoas que haviam participado dos
movimentos. Nesse sentido, Moacyr de Góes afirma que “os movimentos de educação e
cultura popular foram destruídos e os seus educadores e aliados cassados, presos e
exilados”.517 Não foram poucas as pessoas que sofreram algum tipo de perseguição política
por conta de sua participação naqueles movimentos. Estudantes, professores e funcionários
515 Celso de Rui BEISIEGEL, Estado e Educação Popular: São Paulo: Pioneira, 1974. p.253 516 Vanilda PAIVA, Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo: Loyola, 1987. p.259 517 Moacyr de GOÉS e Luiz Antonio CUNHA, O Golpe na Educação Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
160
foram atingidos. Os trabalhos paralisados, os projetos encerrados, era o fim das experiências
de educação e cultura popular no Brasil.
O resultado de toda essa repressão foi catastrófico para a alfabetização de adultos no
país. “Nos dois primeiros anos do novo governo, o problema da educação dos adultos é
deixado de lado pelo Ministério da Educação. Entretanto, a paralisação dos esforços
brasileiros no sentido de diminuir sua porcentagem de analfabetos e de educar sua população
adulta”518 causou uma repercussão muito negativa no exterior. Somente a partir de 1966 o
governo militar iniciou suas atividades na área de educação de adultos, primeiro apoiando a
Cruzada ABC, e, depois no final de 1967 criando o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(Mobral).
O impacto do golpe nos movimentos de educação e cultura popular foi muito
violento. O MCP, a Campanha Pé no Chão e os CPCs foram destruídos quase imediatamente
após o golpe. O Programa Nacional de Alfabetização (PNA) do MEC foi extinto duas
semanas depois. Dos grandes movimentos, apenas o MEB sobreviveu, porém, sob uma forte
intervenção da hierarquia católica.
Ao longo dos próximos itens veremos, caso a caso, como cada um desses
movimentos foi perseguido pelos aparelhos de repressão da ditadura militar. Aqui nos
interessa, sobretudo, saber como a política educacional do governo Goulart foi extinta,
principalmente no que diz respeito ao PNA. Sob a coordenação de Paulo Freire o PNA no
momento do golpe, estava, como vimos no capítulo anterior, em plena fase de implantação em
Sergipe e na baixada fluminense, na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Logo no dia 1º de abril de 1964 todas as atividades do PNA, tanto no nordeste como
no sudeste, foram paralisadas. O ministro Júlio Sambaqui e toda a sua equipe, inclusive Paulo
Freire, foram afastados do Ministério da Educação. O PNA acabou antes mesmo de ser
colocado em prática, no Rio ele parou no treinamento dos cerca de 1000 monitores, em
Sergipe foi paralisado na fase de seleção dos mesmos.
No dia 13 de abril foi decretada a cassação dos direitos políticos de 62 pessoas, entre
elas Júlio Sambaqui.519 No dia seguinte, 14 de abril, duas semanas depois do golpe, o PNA foi
oficialmente extinto, a Portaria 237 do MEC “revogava todas as portarias anteriores”,520 entre
elas as que tratavam do PNA, como as portarias no. 70, 92, 108, 109, 110, 111 e 112. Seu
518 PAIVA, Op. Cit. p. 260 519 ATO no.4, 13 de abril de 1964. 520 BEISIEGEL, Op. Cit. p.254
161
caráter subversivo não seria tolerado pelo novo governo. O que chama a atenção, é que a
portaria 237 simplesmente acabou de uma só vez com todas as iniciativas do MEC realizadas
durante o governo Jango. A idéia era por fim de forma imediata a toda política educacional do
governo anterior, considerada já há algum tempo como subversiva. A destruição do PNA foi
uma das primeiras medidas repressoras do primeiro governo militar. Ela foi decretada apenas
três dias depois da posse de Castelo Branco na presidência. Em Angicos, um ano antes, na
época comandante do IV Exército, Castelo Branco já havia alertado Calazans Fernandes sobre
o perigo que representava o método de alfabetização de Paulo Freire: estaria “engordando
cascavéis” no sertão do Nordeste.
Após esse momento inicial de interrupção das atividades e extinção do PNA, “os
novos governantes iniciaram o processo de apuração das responsabilidades”.521 Tiveram
início as perseguições, as cassações, as prisões e os interrogatórios. Vários IPMs foram
abertos com o objetivo de apurar as atividades subversivas na área educacional. Os
movimentos de educação e cultura popular ao lado das entidades estudantis foram os alvos
principais das investigações militares nesse campo. No caso do MEC foi aberto um IPM
específico, que trabalhou, sobretudo, com o PNA. Cecília Coimbra, na época estudante de
História da Faculdade Nacional de Filosofia e integrante da equipe que participou da
implantação do PNA no Rio, numa entrevista à revista Caros Amigos afirma que logo depois
do golpe teve que se esconder. A polícia a procurou em sua casa e na de sua mãe. Depois de
um mês escondida na casa de um operário em Vila Isabel, retomou suas atividades. Voltou a
freqüentar a universidade e começou a responder a dois inquéritos, ambos relacionados a sua
participação no PNA. “Respondi a dois IPMs, porque antes do golpe trabalhava com o Paulo
Freire no programa nacional de alfabetização”,522 considerado subversivo pela ditadura.
Infelizmente não conseguimos uma cópia do IPM do MEC, o que nos impede de ter uma
melhor noção sobre como o PNA foi desarticulado, como foram conduzidas as investigações,
as pessoas que foram presas e/ou interrogadas, e as conclusões do IPM.
Entretanto, no IPM sobre a “subversão” em Pernambuco foi possível reconstituir
alguns aspectos da repressão contra o PNA e o Método Paulo Freire em Sergipe. A partir dos
depoimentos de Paulo Freire e Jorge Monteiro de Oliveira conseguimos elementos para jogar
algumas luzes sobre a desarticulação do PNA de forma geral, mas, sobretudo, em Sergipe.
521 Idem, p.254 522 Cecília COIMBRA, Revista Caros Amigos, Ano VIII, número 92, novembro de 2004, p.30
162
Paulo Freire, como já foi observado anteriormente, foi para o SEC, desenvolvendo o
projeto piloto em Angicos. Depois foi para o MEC, onde presidiu primeiro a Comissão
Nacional de Cultura Popular, na gestão de Paulo de Tarso, e depois com a posse de Júlio
Sambaqui coordenou o Programa Nacional de Alfabetização. E foi como coordenador
nacional do PNA que Paulo Freire sofreu o impacto do golpe e da repressão. Por meio do
primeiro depoimento de Paulo Freire no IPM de Pernambuco, prestado em Recife no dia 1 de
julho de 1964, foi possível reconstituir a trajetória de Paulo Freire, entre o golpe em abril e
sua prisão em junho. De acordo com seu depoimento, estava em Brasília no momento do
golpe e lá permaneceu até meados de maio, quando decidiu voltar ao Recife. Ciente de que
sua participação no governo anterior o comprometia perante a nova ordem, procurou o Gen.
Ernesto Geisel, chefe da Casa Militar, para saber “se havia algo contra o depoente em Brasília
que exigisse sua permanência. Nada havendo, nem por parte do Exército ou da Polícia àquela
época, contra o depoente, voltou para o Recife”. 523 No dia seguinte ao seu retorno se
apresentou ao Secretário de Segurança Pública coronel Ivan Rui, que lhe indicou o Dr. Álvaro
Costa Lima, com quem se encontrou diversas vezes. Teve que comparecer à Comissão de
Inquérito da Universidade para prestar depoimento, “tendo sido por fim, detido no dia 17 do
mês de junho próximo passado”.
Paulo Freire ficou preso por volta de 70 dias e foi interrogado mais de uma vez. No
primeiro interrogatório o objetivo, de acordo com o Ten. Cel. Ibiapina, era investigar suas
ações no SEC da Universidade do Recife, seu “método de alfabetização, suas atividades
subversivas antes e durante o movimento revolucionário de primeiro de abril do corrente ano
e suas ligações com pessoas ou grupos de agitadores nacionais e internacionais”.524 O
depoimento foi longo, Paulo Freire fez uma descrição detalhada de sua trajetória de vida e
formação acadêmica. Depois disso foi perguntado sobre questões metodológicas e
pedagógicas, teve seu método comparado com outros métodos de alfabetização, e muito
questionado quanto à politização e ao caráter subversivo do método, sendo comparado a
Hitler, Mussolini, Stalin e Perón.
Em determinado trecho do depoimento o interrogador fez uma relação entre a
“politização” do método e o interesse despertado no governo anterior, questionando Paulo
Freire: “Perguntado se o governo fez convênios para alfabetizar ou se fez convênios para
“politizar” e “conscientizar”, respondeu que os convênios eram feitos para a aplicação do 523 Brasil Nunca Mais (BNM) 266, Caixa 2, p.2259 Fundo Projeto Brasil Nunca Mais. Arquivo Edgar Leuenroth (AEL) UNICAMP. 524 BNM 266, Caixa 2, p.2245 AEL/UNICAMP
163
método. Sobre este já afirmou o depoente não ter objetivos politizantes”.525 Baseado nas
investigações do IPM do MEC, Ibiapina faz duas acusações contra Paulo Freire. A primeira
de que teria vendido “o seu suposto método de alfabetização, ao governo federal, por cinco
milhões de cruzeiros”. A segunda de que “recebe duzentos e cinqüenta mil cruzeiros mensais
pela exploração de seu suposto método de Alfabetização no Distrito Federal (Brasília)”.
Ambas as acusações foram informadas pelo Gen. José Ribamar Leão encarregado do IPM do
MEC. Paulo Freire negou qualquer possibilidade de que tenha vendido seu método ao
governo brasileiro ou qualquer outro. Quanto à segunda acusação afirmou que realmente
recebia aquela gratificação, “como presidente da comissão Nacional de Cultura Popular e
posteriormente deixando esta presidência como coordenador do programa Nacional de
Alfabetização, criado por decreto presidencial, isto inclusive foi declarado no seu imposto de
rendas”.526
O interrogatório prosseguiu abordando outros tantos temas relativos, principalmente,
ao seu método de alfabetização de adultos. Para Celso Beisiegel “Paulo Freire foi acolhido
pelos interrogadores como um inimigo político e não como um educador”.527 A postura de
Ibiapina, que transparece nas perguntas durante o interrogatório de Paulo Freire, foi de tentar
a todo o momento comprovar “a orientação subversiva de suas atividades e sua completa
ignorância em matéria de educação”.528
Paulo Freire foi solto, por força de habeas corpus, no final de agosto de 1964. Como
havia sido arrolado em outro IPM, o já citado sobre a subversão no MEC, foi convocado a
prestar depoimento no Rio de Janeiro, para lá se dirigindo em setembro de 1964. “Pretendia
retornar ao Recife imediatamente após esses depoimentos. Mas uma série de fatos novos,
entre eles uma notícia da imprensa anunciando que seria submetido a uma outra prisão
preventiva, o levaram a refugiar-se na embaixada da Bolívia”.529 Freire foi para o exílio,
depois de uma passada rápida pelo Bolívia, seguiu para o Chile onde trabalhou no governo de
Eduardo Frei, da Democracia Cristã. Depois disso foi para a Europa, África e outras partes do
mundo. Voltaria ao país somente em 1979 com a anistia.
O PNA em Sergipe, sob o nome de Campanha Nacional de Alfabetização de
Adultos, foi coordenado por Paulo Pacheco. Sua implantação foi acompanhada pelo SEC por
525 BNM 266, Caixa 2, p.2257 AEL/UNICAMP 526 BNM 266, Caixa 2, p.2257 AEL/UNICAMP 527 BEISIEGEL, Op. Cit. p.258 528 BEISIEGEL, Op. Cit. p.255 529 BEISIEGEL, Op. Cit. p.255
164
meio de Jorge de Oliveira Melo, responsável pelas finanças. Compunha a equipe um grupo de
estudantes do Rio Grande do Norte ligados a AP e, que haviam participado da experiência de
Angicos. Entre eles estavam Marcos Guerra, que também participava da coordenação da
campanha, José Ribamar do Aguiar e Carlos Neles Cavalcanti. Juntamente com outros
membros do grupo e foram presos logo no dia 1º de Abril de 1964.530
Pelo depoimento de Jorge de Oliveira Melo, prestado no dia 14 de julho de 1964 foi
possível reconstituir os passos do grupo, desde a saída de Aracaju, passando pela prisão em
Caruaru e a chegada em Recife. Sem notícias confiáveis e diante dos rumores sobre a
violência da repressão, “inclusive que o Exército estava eliminando todo o pessoal do Paulo
Freire, prendendo e massacrando”,531 parte do grupo decidiu deixar a capital sergipana.
Pararam em Caruaru no interior de Pernambuco para “deixar Ana Maria Ferraz em casa de
seus país, nessa cidade e aí encontraram a casa vigiada” seu pai, o Delegado Severino Ferraz
“estava sendo procurado pela tropa do Exército em Caruaru”. Foram presos acusados de
“ladrão de carros uma vez que as viaturas, isto é, uma delas estava sem placa”. Foi dessa
forma que o PNA em Sergipe acabou, seus integrantes foram presos e enviados para Recife e
lá responderam aos IPMs, passando por longos interrogatórios.
As conseqüências para as pessoas que se envolveram, de alguma forma, com os
movimentos de educação e cultura popular foram grandes e danosas. Vistos como
“subversivos” os movimentos foram alvo de uma rápida, intensa e violenta repressão.
Veremos a seguir como cada um deles foi desarticulado e destruído, como seus membros
foram perseguidos e presos. O objetivo da ditadura recém instaurada era claro, tinha chegado
a hora de acabar com todos eles.
2 – O MCP e a fortaleza destroçada
Em 1964 o Nordeste sofreu o impacto mais violento do golpe. A prisão e cassação
imediata dos governadores Miguel Arraes de Pernambuco e Seixas Dória de Sergipe e dos
prefeitos Pelópidas Silveira em Recife e Djalma Maranhão em Natal, demonstraram a postura
do novo regime para com as forças políticas de esquerda na região. Devido à grande
mobilização popular, principalmente no campo, a repressão atingiu um grande número de
530 BNM 266, Caixa 3A, vol.13, p.2610 AEL/UNICAMP 531 BNM 266, Caixa 3A, vol.13, p.2611 AEL/UNICAMP
165
pessoas. Ocorreram no Nordeste as principais denúncias de torturas e prisões arbitrárias, de
assassinatos e execuções de militantes ligados aos movimentos estudantil, camponês e
sindical.532
No Recife as prisões atingiram deputados, vereadores, secretários, assessores dos
governos depostos, militantes políticos e inúmeros camponeses do interior do estado, todos
acusados de atividades subversivas, muitos advogados, alguns juízes, promotores e
procuradores também foram atingidos. A tortura foi praticada contra diversas pessoas, com o
caso extremo o ocorrido com o militante comunista e ex-deputado federal Gregório Bezerra:
após ser preso no interior do estado foi conduzido ao quartel de Motomecanização na Capital
pelo General Osvino. Lá foi recebido pelo Coronel Villoc, comandante da unidade. Gregório
foi violentamente espancado, teve seus pés queimados com ácido de bateria, amarrado por
cordas no pescoço e arrastado pelas ruas da cidade. De acordo com o relato de sua prisão e
tortura, Gregório afirma que depois de um certo tempo sofrendo as piores sevícias, nem se
quer “sentia mais dores. Tinha vontade de beber muita água, vontade de vomitar. Não
enxergava mais nada (...). Meus pés em carne viva e cheios de pedra britada e areia
encravados, já não doíam (...). Todo o meu corpo tremia, sentia muito frio e muita sede”.533
Arraes foi preso no dia 1o. de abril no Palácio das Princesas e depois enviado para
Fernando de Noronha, ficando incomunicável. O mesmo tendo ocorrido a Pelópidas Silveira.
Nos primeiros dias depois do golpe as cadeias de Recife estavam cheias de presos políticos,
de acordo com relato de Paulo Cavalcanti, “vivia-se um clima de pavor, com cerca de duas
mil pessoas recolhidas aos xadrezes (...) pessoas de todas as condições sociais, de camponeses
a juizes de Direito, sofrendo vexames em sua liberdade, quando não maltratados fisicamente –
em todo o Estado”. 534 A repressão militar atingiu sobretudo às forças políticas de esquerda,
“os auxiliares imediatos de Miguel Arraes e Pelópidas Silveira, inclusive integrantes da
“Frente do Recife”, com poucas exceções, foram recolhidos a prisões ou passaram a ser
procurados intensamente pela polícia”. 535 A repressão não atingiu somente os que ocupavam
postos nos governos estadual e municipal, mas se estendeu às organizações populares
532 Paulo Cavalcanti em seu livro O Caso eu conto como o caso foi. São Paulo: Alfa-ômega, 1978, relata alguns casos de assassinatos logo nos primeiros dias depois do golpe. 533 Gregório BEZERRA. Memórias: segunda parte: 1946-1969. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p.197. 534 CAVALCANTI. Op. Cit. p.345. 535 Idem, p. 346
166
atingindo os “presidentes de associações de bairros e de entidades de classe, de cunho
popular”.536
Foi dentro deste contexto de terror e violência, com cassações, prisões, torturas e
assassinatos que o Movimento de Cultura Popular recebeu o impacto do golpe civil/militar de
1964. Os relatos, trabalhos e documentos que existem sobre o MCP no período posterior ao
golpe não são muitos. Permitem, entretanto, reconstituir uma certa trajetória marcada,
sobretudo, pela repressão, pela vontade dos novos mandatários do poder em destruir
totalmente o movimento. Germano Coelho em seu texto Paulo Freire e o Movimento de
Cultura Popular narra os episódios ocorridos com o MCP nos momentos seguinte à
deflagração do golpe: “o MCP foi invadido e ocupado – pilhado os seus bens, os seus livros e
suas máquinas – com dois tanques de guerra, como cães de guarda, nos jardins de sua
sede.”537 Muitos de seus dirigentes, funcionários e militantes foram presos ou perseguidos
pelo novo regime. Para João Francisco de Souza aquilo representou o início de “um trabalho
de demolição de toda a atuação do governo estadual na área de educação/cultura popular”.538
Após a posse do vice-governador Paulo Guerra no lugar de Arraes, o MCP sofreu um
processo de intervenção, sua primeira medida foi nomear um novo presidente, o jovem
professor Carlos Frederico Maciel que assumiu o lugar de Miguel Newton de Arraes Alencar,
sobrinho do governador e presidente do MCP desde a saída de Germano Coelho para a
Secretaria Estadual de Educação. No dia 7 de abril de 1964 numa cerimônia que contou com a
presença de Moury Fernandes, novo secretário estadual de educação, e do escritor Gilberto
Freyre, foi empossado o novo presidente do MCP. Moury Fernandes afirmou na ocasião que o
objetivo do governador Paulo Guerra ao escolher o nome do de Carlos Maciel era fazer “do
MCP um autentico movimento de educação popular”.539
Em seu discurso de posse Carlos Maciel começou falando que estava assumindo uma
“fortaleza destroçada”, os sinais da violência sofrida uma semana antes ainda permaneciam
fortes. Para ele antes do golpe militar o MCP era o lugar onde “se destilava o álcool
ideológico, o veneno ideológico que vinha impestando a atmosfera que respiramos”.540 O
momento era de se repensar a administração do movimento, e fazer uma política
verdadeiramente “democrática”, afirmava o novo presidente:
536 Idem, p. 346 537 Germano COELHO, Paulo Freire e o Movimento de Cultura Popular. In. Paulo ROSAS, Op. Cit. p.92 538 João Francisco de SOUZA, Uma pedagogia da revolução. São Paulo: CORTEZ, 1986, p.114 539 Diário de Pernambuco, 8 de abril de 1964 FUNDAJ 540 Diário de Pernambuco, 8 de abril de 1964 FUNDAJ
167
“__Venho disposto a fazer nesta casa uma democratização da cultura e a
democratização da educação. O trabalho real em prol do povo é o único objetivo que visamos
realmente”. No dia seguinte a sua posse foi anunciado a mudança do nome do movimento,
cuja denominação MCP vinha “sofrendo repúdio da opinião pública”, para MEP, Movimento
de Educação Popular. Após a paralisação inicial ocorrida com a depredação de sua sede
imediatamente após o golpe, algumas atividades do MCP foram restabelecidas, mas com um
caráter muito diferente do que havia sido pouco antes. Continuaram paralisadas ações ligadas
à cultura popular, como o teatro, o cinema e as praças de cultura. Quanto a educação popular,
os “círculos de cultura, núcleos de cultura, classe de alfabetização e demais classes vinculadas
ao Plano Trienal ou ao Método Paulo Freire ou à Cartilha do MCP” permaneceram fechadas.
Foram reabertas somente as “classes de adultos e adolescentes que venham seguindo o
método tradicional. Estão incluídas nas “escolas tradicionais” todas aquelas que mantenham
1a., 2a., 3a., 4a. e 5a. séries”.541
Para setores que apoiaram o golpe, era preciso, antes de tudo, destruir completamente
a máquina comunista/janguista, e isso de acordo com a coluna Periscópio do jornal Diário de
Pernambuco do dia 25 de abril de 1964, “não foi o mais difícil, ei-la em farelos, (...). O
difícil, o quase sobre-humano, é reconstruir esta casa saqueada, essa massa falida, este caos
generalizado, no país e na região”.542 Nesse contexto, o MCP era visto pelos vencedores,
como um mecanismo de subversão do povo analfabeto, que deveria ser extinto e substituído.
Para o governador Paulo Guerra “aquele movimento de cultura popular, com aquele espírito –
ou antiespírito – já não existe mais”. Entretanto, permaneceu uma estrutura, cuja
responsabilidade era do MCP, que não podia parar de funcionar. “Um conjunto de serviços de
utilidade pública”, que passava pelas áreas de educação e saúde.
Continuando sua fala o governador deixou de lado a crítica política ao movimento
para passar, segundo ele, ao campo da crítica técnica, o maior erro técnico do MCP, de acordo
com Paulo Guerra, seria o “seu método que classificaria de “emergentista”, isto é, o
“emergentismo” servindo para acobertar e sancionar qualquer iniciativa, sem maior
preocupação pela sistematização, rendimento, organicidade dos serviços”.543 Isso tinha como
conseqüência, “uma espécie de improvisação tumultuada”. As críticas procuravam
desqualificar o movimento, apontando possíveis falhas, erros e desvios. Mas, em geral, a
principal acusação era de subversão. 541 Última Hora Nordeste, 11 de abril de 1964, p.2 FUNDAJ 542 Diário de Pernambuco, 25 de abril de 1964, p.5 FUNDAJ 543 Diário de Pernambuco, 25 de abril de 1964, p.5 FUNDAJ
168
A escolas que compunham a rede escolar e os serviços de atendimento de saúde
permaneceram funcionando. Por meio de uma rede de professoras primárias, o movimento de
certa forma continuou existindo. No final de junho de 1964 registrou-se uma reunião entre o
prefeito do Recife Augusto Lucena, o secretário municipal de educação Leônidas Romeiro e
as professoras do MCP, “a fim de debater o problema salarial das educadoras pertencentes
àquele órgão”.544 O MCP persistia existindo, mas os ataques da imprensa também, o mesmo
artigo que anunciava a reunião com as professoras, concluía dizendo que o MCP estava sob
intervenção, “devendo brevemente mudar de sigla, considerando-se que a hoje usada está
vinculada a programa identificado com a subversão em Pernambuco”. No interior da Doutrina
de Segurança Nacional, como vimos, o MCP seria identificado como um “inimigo interno”.
Em 5 de outubro de 1964, a Câmara Municipal do Recife, sob a presidência do
vereador Wandenkolk Wanderley, aprovou a lei 9297, que denunciava e rescindia “o contrato
administração de bens e execução de serviços, celebrado entre a municipalidade do Recife e o
Movimento de Cultura Popular (MCP)”.545 Os argumentos para tal rescisão eram dois,
primeiro, “em virtude de não ter sido ouvido o Poder Legislativo” e, segundo, “por ser pública
e notoriamente comunista a orientação e direção anteriores do Movimento”. A lei decretava
também a reversão dos bens cedidos ao movimento para a municipalidade, indicava a criação
“de uma fundação para prestação de tais serviços” e mantinha o pagamento do funcionalismo
do MCP.
O projeto de um substituto para o MCP demorou. Somente em março de 1966 foi
criada a Fundação Guararapes, cuja finalidade era “a promoção do homem e da família e o
soerguimento de grupos e comunidades”.546 Para realizar essa tarefa a fundação recém criada
contaria com a colaboração de “órgãos públicos e privados interessados nesse trabalho”. Suas
atividades se dariam, sobretudo, no campo educacional, promovendo “a educação em geral
(...) a difusão do ensino, inclusive profissional e a divulgação da cultura, do desporto e da
recreação; do ensino religioso facultativo”. A Fundação Guararapes passou a ser a
responsável pelo ensino público do Recife.
O MCP por sua trajetória anterior ao golpe, por sua atuação na cultura e na educação
popular, e a participação em sua diretoria de comunistas e católicos progressistas, suscitou
544 Jornal do Commércio, 27 de junho de 1964, p.10 FUNDAJ 545 Diário Oficial de Pernambuco, 21 de novembro de 1964, p. 7546 546 Diário Oficial de Pernambuco, 1 de Março de 1966, p. 1330
169
uma série de investigações. Sendo enquadrado em pelo menos dois Inquéritos Policiais
Militares, o 709 sobre o comunismo no Brasil, e o IPM/PE sobre as atividades subversivas em
Pernambuco.
No primeiro caso, o do IPM 709, o MCP foi enquadrado no Capítulo IV, A
movimentação das massas. Junto com ele estavam ainda PCdoB, PORT, POLOP, AP e
MURB. De acordo com o relatório apresentado pelo chefe do IPM, o coronel Ferdinando de
Carvalho, a movimentação de massas era um recurso utilizado pelo PC “para alcançar seus
objetivos através da pressão política ou da coação física e moral por grupos maciços de
pessoas, comunistas, simpatizantes, mercenários e outras, convocadas, reunidas, comandadas,
disciplinadas”.547 Era o momento de mobilizar e agir. Para isso os comunistas utilizavam dois
instrumentos: as frações partidárias e a política de frente única. Enquanto a fração partidária
era a militância numa organização social ou política, a frente única constituía alianças táticas
dos comunistas com outros grupos políticos de esquerda ou partidos (legais) para eleições,
governos e acordos políticos.
Seguindo essa lógica, o IPM enquadrou o MCP como uma política de Frente Única, na
qual estariam presentes “o PCB, a Ação Popular (AP) e os esquerdistas independentes”.548
Além disso o movimento teria contado ainda com “o notório apoio, do Ministério da
Educação e Cultura, de inúmeras associações estudantis, principalmente a UNE e a de
sindicatos operários”. Essa composição já serviria para enquadrar o movimento na Lei de
Segurança Nacional, mas a principal preocupação dos investigadores não era a composição do
MCP. Preocupavam-se, sobretudo, com suas ações. De acordo com o texto do IPM o objetivo
encoberto do movimento era “empreender uma impregnação ideológica coletiva de elementos
ignorantes, de frações incultas do povo, criando grandes possibilidades para mobilização
dessa gente”.
Essas pessoas “ignorantes” e “incultas” estariam moralmente preparadas “para a
aceitação de motivações subversivas, e propensas a exacerbação pelos apelos de justiça
social”.549 Como o objetivo maior do movimento era servir como instrumento de mobilização
política do PC. As pessoas educadas pelo MCP “seriam facilmente conduzidas às
manifestações de rua, ao encabrestamento eleitoral, as ações de violência popular e, até as
invasões de terras e à luta armada”. Para isso o movimento utilizaria um método baseado
547 Cel. Ferdinando de CARVALHO. IPM 709 O comunismo no Brasil. Vol. 3. Rio de Janeiro: Bibliex, 1967, p.266 548 CARVALHO, Op. Cit. p. 565 549 Idem, pp. 565-566
170
“essencialmente na integração da política e da ideologia nos processos de ensino”, utilizando
essa “aprendizagem como veículo para a doutrinação política”. As idéias de conscientização e
politização presentes de maneira marcante no movimento, seriam as duas fases pelas quais os
educandos passavam. A conscientização seria a “revelação da precariedade social dos
indivíduos em contraste com o seu poder como massa de pressão e ação”. A politização era
entendida como a “educação ideológica, a compreensão dos recursos individuais e coletivos
para a imposição política e a idéia de participação de todos os grupos sociais na vida
nacional”.
Isso significava na prática uma prova de que “tudo nesse movimento era
essencialmente político, desde os seus objetivos a seus processos pedagógicos”. Entendido
com um elemento da política de Frente Única dos comunistas, o MCP pelo seu crescimento e
sua notoriedade nacional, passou a atrair “áreas importantes à ação esquerdista. O PCB
infiltrou-se rapidamente e passou a controlar várias entidades e iniciativas culturais”. Além do
Partido Comunista, outro grupo político que teria se aproximando do movimento, seria a AP,
que já teria estabelecido “as bases de suas atividades no movimento procurando modelá-lo de
acordo com a sua doutrina”.
Para os aparelhos de repressão ligados à Operação Limpeza era necessário provar a
subversão e demonstrar como se dava a ação doutrinária do movimento. O IPM passou a
analisar o Livro de leitura para adultos do MCP, ou a chamada cartilha do MCP. Partindo do
princípio de que todas as atividades do movimento “conjugavam-se com finalidade de
doutrinação política”, para o IPM, a campanha de alfabetização de adultos era mais um
exemplo dessa postura. Tanto a cartilha como os instrumentos pedagógicos utilizados
“procuravam mutilar o descontentamento e a revolta social”.
Ao analisar logo a primeira lição da cartilha, os investigadores destacaram o seguinte
diálogo:
“__Recife tem muito alagado?
__Sim, o Recife tem muito alagado.
__Como é a casa do povo do alagado?
__A casa do povo do alagado é o mocambo.”550
550 Livro de leitura para adultos. In. Memorial do MCP, p.
171
Este texto, de acordo com as análises dos investigadores responsáveis pelo IPM/709,
“tinha em mira despertar a consciência dos estudantes que se alfabetizavam para a população
miserável, habitante nos mocambos dos alagados em Recife”.551 A idéia era usar o ambiente
de dor e miséria para despertar “o descontentamento e a revolta. Era essa a motivação política
para a aprendizagem e simultaneamente, o incentivo para a subversão”. O restante da lição, e
a cartilha como um todo, serviria também para “criar a inquietação e o descontentamento”.
Para os autores do relatório o movimento deveria, ao contrário, “fomentar as noções básicas
de cultura, higiene e trabalho, capazes de realmente libertar o homem pelo seu próprio
esforço, a única forma realmente válida e exeqüível de assegurar essa libertação”. De acordo
com eles, a miséria, a fome e a luta de classes eram “conceitos”, utilizados de forma
deturpada pelo movimento, e seriam “focalizados com uma subjetividade e uma sutileza
verdadeiramente criminosa”.552 A democratização do processo político com a incorporação de
novos elementos ao jogo eleitoral incomodava, além de alimentar o “descontentamento” do
povo, o que era considerado crime, punido com a prisão.
Com a análise das fichas de leitura e das palavras geradoras, os militares concluíram,
“mais uma vez, os propósitos políticos e ideológicos de todas as atividades do ensino do
MCP”.553 Na linha política geral do movimento “o incentivo ao descontentamento, a
animosidade estão claros”.
Depois o documento faz uma relação entre ações do MCP e da UNE, que se não são
totalmente falsas, não são de maneira alguma exatas. Segundo o texto do IPM, o MCP “além
da campanha de alfabetização, empreendeu uma série de iniciativas em matéria de
publicações populares, teatro, cinema, conferencias, festividades, etc. Para esse fim foram
constituídos Centros Populares de Cultura, principalmente patrocinados pela UNE”. A
primeira parte da citação está correta, o MCP tinha realmente uma atuação bastante ampla. A
segunda parte, que aborda o surgimento dos CPCs está imprecisa. Os Centros foram frutos
diretos da UNE-Volante. Quando a direção da UNE percorreu o país com o grupo de teatro do
CPC original, do Rio de Janeiro, vários grupos de estudantes resolveram criar, em suas
universidades ou cidades, entidades com os mesmos objetivos. Nesse sentido, surgiram CPCs
em vários estados e capitais do país. A relação entre os movimentos estava se estreitando, o
contato entre os movimentos tendia a crescer, por meio da ação da Comissão Nacional de
551 CARVALHO, Op. Cit. p.568 552 Idem, p. 570 553 Idem, p. 584
172
Cultura Popular. Mais isso não teve tempo de ocorrer, o golpe veio antes e acabou com toda
esta experiência de cultura e educação popular.
Para a ditadura tudo não passava de subversão e de agitação comunista. MCP e CPC
eram apenas frentes legais para que o PCB pudesse desenvolver sua “intensa propaganda
extremista e subversiva”. Eram movimentos que estavam se espalhando “pelo país, incitando
greves, infiltrando-se entre o operariado disseminando a motivação socialista”. Essa inclusive,
era a característica principal do movimento, “um poderoso agente da expansão socialista no
Brasil.” Um movimento que crescera nos dois últimos anos, que se ampliou para “todo o
território nacional, invadiu os mais variados meios, e mesmo depois da Revolução de 31 de
Março, realizou diversos empreendimentos”.554 Um movimento, portanto, que deveria ser
combatido pela “revolução”, perseguido e destruído até ser substituído por uma fundação
educacional.
O outro inquérito, foi o IPM/PE, sobre as atividades subversivas em Pernambuco,
chefiado pelo Ten Cel Helio Ibiapina Lima. Este IPM e seu processo na Justiça Militar se
estendem por 38 volumes. Cópia da documentação está disponível no Arquivo Edgar
Leuenroth (Fundo Projeto: Brasil Nunca Mais) – Unicamp – Campinas, é o BNM 266, ao
invés de usarmos IPM/PE, usaremos BNM 266, da forma como estão guardados no referido
arquivo. Pelo seu tamanho se percebe a importância da ação repressora em Pernambuco, bem
como, a mobilização política das esquerdas e populares que também eram grandes. O MCP
foi incluído como um dos principais espaços de propaganda comunista, nos interrogatórios era
comum haver pelo menos uma pergunta sobre o MCP.
Há logo no início do processo uma lista de pessoas com “implicações” no IPM, entre
as muitas atividades “subversivas”, uma delas era apoiar ou participar do MCP. Sete pessoas
por declarar publicamente apoio ao MCP, seis por realizar algum tipo de trabalho de apoio,
duas por serem dirigentes do movimento, e uma por ser professora. Dezesseis pessoas ao todo
sofreram algum tipo de acusação relacionada a atividades do Movimento de Cultura Popular.
O suplente de vereador Armando Fabrício de Souza foi acusado porque “apoiou por
declarações e publicamente o MCP e outras iniciativas de Arraes”.555 José Ermírio de Moraes,
empresário, eleito senador por Pernambuco em 1962 com o apoio da Frente do Recife, sofreu
duas acusações por conta do MCP, de ser “contribuinte do Movimento de Cultura Popular,
554 O texto se refere a experiência levada a cabo por estudantes paulistas na cidade de Ubatuba, de alfabetização de adultos, utilizando o método Paulo Freire. 555 BNM 266, Caixa 2. AEL/UNICAMP
173
assinou relação contra o fechamento do mesmo MCP (62)”.556 Abelardo da Hora, militante
comunista e coordenador do MCP, foi acusado, primeiro, porque “era do MCP (Movimento
de Cultura Popular) (1961/1964)”, e depois porque “presidiu diversas reuniões no SITIO DA
TRINDADE. Sede do MCP”.557
Numa outra lista, de oitenta e oito pessoas indicadas para terem seus direitos políticos
cassados, 5 foram acusadas, entre outras coisas, de terem algum tipo de relação com o MCP.
Abelardo da Hora e José Ermírio de Moraes pelos motivos já expostos. Antonio Carlos Cintra
do Amaral, foi candidato derrotado nas eleições para a vice-prefeitura do Recife em 1962,
ocupou a Secretaria de Educação do Recife até o golpe. O secretário foi acusado de vir
“atuando junto ao MCP”558 durante a sua gestão. Gregório Bezerra foi acusado de ser o
“orientador da seleção das professoras do MCP”. Por sua vez, a acusação contra a professora
do movimento Maria Celeste Vidal Barros era de que “ao invés de lecionar pregava a
discórdia entre as classes”.559 Vale nota a acusação contra Gregório Bezerra. Em suas
memórias não há nenhuma referência de participação no MCP, também não há na bibliografia
analisada nenhuma referência a este fato. Não sabemos, então, se isto foi real, ou foi apenas
uma peça de acusação falsa contra Gregório, uma acusação infundada.
No IPM há uma infinidade de depoimentos, quase todos as pessoas ouvidas,
principalmente as do Recife, foram obrigados nos depoimentos prestados a responder ao Ten
Cel Ibiapina:
“__O que pensa do Movimento de Cultura Popular, como elemento de politização e
veículo de lutas de classe e por que?”
Essa pergunta esta presente em praticamente todos os interrogatórios, de simples
camponeses a deputados cassados, todos tinham que se posicionar em relação ao MCP. Paulo
Freire em um de seus cinco depoimentos, no dia 1 de julho de 1964, respondeu a este
questionamento explicando a origem do movimento: “responde que nasceu o MCP de um
grupo de intelectuais Pernambucanos, à frente o Professor Germano Coelho, com o objetivo
de promoção do homem”.560 Explica ainda a influência do movimento francês Peuple et
Culture sobre Germano Coelho e como elas contribuíram “para a fundação do MCP”. Uma
semana depois, a professora Maria Dolores Cruz Coelho, da Escola de Serviço Social, ao
556 Idem. 557 Idem 558 BNM 266, Caixa 3A, Vol. 9. AEL/UNICAMP 559 Idem 560 BNM 266, Caixa 2 AEL/UNICAMP
174
responder esta mesma pergunta, apontou seu interesse pelo movimento, “responde que de
acordo com os seus estatutos iniciais era um movimento interessante. As atividades eram
realizadas à base de projetos. Segundo a capacidade profissional e orientação política dos
responsáveis por esses projetos eles foram bons ou maus.”561 A professora, que havia
supervisionado duas de suas alunas num projeto do MCP na comunidade do Poço da Panela
no Recife, fez algumas críticas à gestão do movimento, para ela, “o MCP era mal
administrado, faltava coordenação nas atividades, enquanto uns projetos dispunham de verbas
suficientes outros não dispunham sequer de verba para pagamento necessário das contas de
luz do local onde eram realizados os trabalhos”. O escultor Abelardo da Hora, um dos
coordenadores do movimento, em seu depoimento no dia 8 de setembro de 1964, ao
responder à questão sobre o MCP, “respondeu que acha que o Movimento de Cultura Popular
não era um instrumento de luta de classes mas um movimento que visava erradicar o
analfabetismo e elevar o nível cultural do povo”.562
Buscando comprovar a atuação “subversiva” do movimento, foram convocados para
depor funcionárias de creches e outros órgãos e locais onde eram realizadas as atividades do
MCP. No dia 13 de Agosto de 1964 a funcionária de uma creche, Aríete de Souza de Oliveira,
prestou seu depoimento. Perguntada sobre o curso de alfabetização de adultos que acontecia à
noite na creche, respondeu “que a noite havia um curso de alfabetização sob a orientação do
Serviço de Assistência Social, ministrada por uma professora do MCP, chamada Da.
Cremilda, não sabendo a declarante o seu sobrenome”563. As aulas eram oferecidas “aos
familiares das crianças matriculadas nos berçários da creche, que não era de seu
conhecimento fossem exibidas propagandas cubanas”. Este depoimento demonstra como os
responsáveis pelo inquérito procuravam provar o “comunismo” do MCP, nesse caso, tentando
confirmar uma possível defesa do regime cubano.
O relatório final do IPM, assinado pelo Ten Cel Ibiapina, contém 189 páginas,
divididas basicamente em quatro partes. Uma introdução; as atividades subversivas de
lideranças políticas e militares; a conclusão, com a listagem dos que incorreram em crime
político; e a solução, uma última lista com os indiciados pelo IPM e seus respectivos crimes
contra a Lei de Segurança Nacional. O IPM foi concluído em novembro de 1964.
561 BNM 266, Caixa 3B, Vol. 11 AEL/UNICAMP 562 BNM 266, Caixa 5A, Vol. 19 AEL/UNICAMP 563 BNM 266, Caixa 5A, Vol. 23 AEL/UNICAMP
175
Na introdução do relatório o autor começou afirmando a especificidade daquele IPM,
tratava, segundo ele, “de investigar uma ação ideológica; é um relatório de investigação de
profundas lutas ideológicas”. Para cumprir aquela tarefa histórica, era necessário “energia,
amor e patriotismo”, 564 era preciso invocar “a nossa consciência de patriotas, a nossa
inteligência e mais que tudo e sobretudo, a nossa masculinidade, legando à juventude um
BRASIL trabalhador, feliz, independente e ativo entre os povos”.565 Depois de discorrer sobre
a “utopia” militar e a necessidade de se combater o comunismo e o criptocomunismo, o
relatório procurou se defender das acusações de torturas durante as investigações. A verdade,
para os militares, era que “nada de sevícias, no presente inquérito, foi praticada. A MENTIRA
não poderá prevalecer com argumentos de defesa, mesmo após os resultados negativos das
sindicâncias, da verificação feita pelo Exmo Sr Gen Geisel, dos resultados consubstanciados
em relatório da comissão de verificação presidida pelo Desembargador Dr. Adauto Maia”.
Depois de citar longamente o AI-1 para justificar sua ação “desmobilizadora” da
sociedade, o relatório, seguindo a orientação de Ibiapina, um dos membros da chamada linha
dura, aponta para a necessidade de mais tempo para as investigações. De acordo com ele,
“pareceu-nos, inicialmente, que não deveria haver prazos certos para apurar as
responsabilidades de quantos atraiçoavam o seu País”.566 E reclamava: “os prazos foram
inexoráveis e vimos os subvertores da ordem ficarem livres, não porque não tivessem culpa,
não porque desconhecessem a sua criminosidade, porém, porque a apuração estava com prazo
extinto”. E limitar o prazo “sob o ponto de vista político e moral é sui generis e altamente
prejudicial”. Para a ação de limpeza política e moral do país era necessário todas as armas,
sem limitações.
Era necessário investigar todas ações subversivas, como, por exemplo, as experiências
de alfabetização de adultos ocorridas sob a coordenação do SEC da Universidade do Recife.
Assim como o SEC “qualquer programa de ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS que não
tratavam, fundamentalmente, de alfabetizar, porém, de politizar”. Politizar como já foi visto
era, para os militares, a senha para a subversão do povo, para alimentar seu
“descontentamento” com sua situação social.
A segunda parte do relatório é composta por três listas diferentes, com as atividades
subversivas de cada um dos nomes que compõe as listas. A primeira lista é composta por 17
564 BNM 266, Caixa 6, Vol. 27 AEL/UNICAMP 565 Idem.s/np 566 BNM 266, Caixa 6, Vol. 27, p.11 AEL/UNICAMP
176
nomes, com uma análise qualificada de suas atividades e de seus depoimentos. Desses são
acrescidos no final mas 4 novos nomes. Entre os que trabalharam diretamente com o MCP e
aparecem nesta lista, estão Miguel Arraes, Abelardo da Hora e Paulo Freire. Sobre Freire, o
relatório afirma que se trata de “um dos maiores responsáveis pela subversão imediata dos
menos favorecidos. Sua atuação no campo da alfabetização de adultos nada mais é que uma
extraordinária tarefa marxista de politização das massas”.567 A segunda lista apresenta um
pequeno relatório sobre cada um dos 21 militares investigados pelo IPM. A terceira nomeia e
relata as atividades subversivas verificadas pelas investigações de 197 civis. Entre elas sete
foram acusadas de algum tipo de envolvimento com o MCP, além de Miguel Arraes, acusado
de ter desenvolvido o “MCP ao máximo e logo que chegou ao Estado, criou a FEP (Frente de
Educação Popular) toda nos mesmos moldes do MCP;” constavam na lista os já mencionados
Abelardo da Hora, Paulo Freire e Gregório Bezerra; e apareceram também os nomes de
Aloysio Gonçalves Costa, acusado de ser “coordenado do PEA (Plano de Educação de
Adultos). Do MCP (Movimento de Cultura Popular) e ligado ao SEC (Serviço de Extensão
Cultural)”; Miguel Newton Arraes de Alencar, “um cripto comunista muito ativo” que teve
sua atuação sentida, “sobretudo, no Movimento de Cultura Popular de que era diretor”;568 e
Naíde Regueira Teodósio por atuar “não só nos meios intelectuais como também no meio
popular através do MCP, máquina comunizante da municipalidade que jamais teríamos
palavras que definissem sua importância no concenso comunizante de Pernambuco”.
Na conclusão estão expostos os nomes de 224 pessoas, sendo 24 militares, 56 civis
que eram lideranças subversivas, e outros 144 civis acusados de cooperar com a subversão.
Todos eles enquadrados em algum artigo da Lei de Segurança Nacional. Na solução a lista
final com os nomes dos indiciados pelo IPM, totalizavam 243 pessoas, sendo 40 militares e
203 civis. Ao todo foram indiciadas nas investigações 617 pessoas acusadas de algum tipo de
crime contra a “ordem”, e convocadas 397 testemunhas, totalizando 1014 depoimentos. Esta
foi a dimensão tomada pela Operação Limpeza em Pernambuco. Como, de todas as formas,
ela procurou atingir e atingiu o Movimento de Cultura Popular, contribuindo para o seu ocaso.
Para Silke Weber no conflito ideológico que aconteceu em Pernambuco naquele
período, a “educação popular teve um papel relevante”. Diante de um governo estadual que
usava recursos internos para “cumprir os compromissos assumidos com o povo”, a classe
dominante pernambucana procurou a ajuda externa e a aliança com a burguesia do sudeste,
567 Idem s/np 568 Idem, p.6142
177
ficando a ela subordinada. De acordo com a reflexão de Weber poderia estar “ai talvez,
também, uma das explicações para a rapidez com que a violência foi utilizada em
Pernambuco”.569 Violência esta, que como vimos, estava a serviço dos interesses dos novos
grupos no poder, fossem eles militares ou civis. Para João Francisco de Souza, o fim do MCP
representou a interrupção da “experiência ideológica, nos campos político e educacional, mais
significativa que já houve no Brasil, onde as diversas camadas da classe trabalhadora
vislumbraram uma possibilidade real de sua emancipação”.570
3 – A destruição da Campanha de Pé no Chão
O impacto do golpe em Natal não foi muito diferente do que aconteceu em Recife. As
esquerdas também foram duramente perseguidas, era o início da Operação Limpeza na capital
potiguar. Após alguma indecisão do dia 31 de Março, a declaração da vitória no dia seguinte
deu origem a uma verdadeira caçada, não às bruxas, mas ao comunismo. O prefeito e
praticamente toda a sua assessoria foram presos nos primeiros dias de Abril de 1964. Em
Natal, a prefeitura municipal, sob a gestão de Djalma Maranhão, foi o alvo principal das
prisões e investigações. A Campanha de Pé no Chão também se Aprende a Ler naquele
contexto era vista, pelos órgãos de repressão, como uma perigosa “arma de propaganda
comunista” e, por isso, foi alvo de uma implacável repressão que culminou rapidamente em
sua destruição. Ficaram as escolas, mas os livros, os métodos e os coordenadores foram
mudados.
Para entender este contexto, dentro do qual a Campanha conheceu seu ocaso,
procuramos analisar, primeiro, como foi o golpe em Natal até a prisão do prefeito Djalma
Maranhão; segundo, como se deu em Natal a chamada Operação Limpeza contra o
“comunismo e a corrupção”; e por fim, como a Campanha em si foi destruída.
O dia 31 de março de 1964 começou em Natal sob muita expectativa e poucas
informações, algo tinha acontecido em Minas Gerais, um levante pequeno de tropas mal
treinadas. O dispositivo militar do presidente seria capaz de debelar aquele movimento? No
569 Silke WEBER, Política e educação: O Movimento de Cultura Popular no Recife. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 27, no.2, p.261 570 SOUZA, Op. Cit. p.119
178
dia 1o a cidade amanheceu ocupada pelos militares das três forças. Na capital potiguar, o
movimento militar se ampliou rapidamente e de forma “fulminante, não dando margem ao
surgimento de qualquer tipo de resistência”.571
Neste mesmo dia o Diário de Natal publicou duas notas, uma de Djalma Maranhão
defendendo o governo Goulart, formando na sede da prefeitura o QG da Legalidade, aos
moldes de 1961, e conclamando “o povo para que se mantenha em permanente estado de
alerta, nos seus sindicatos, diretórios, órgãos de classe, sociedade de bairros, ruas, praças
públicas”.572 A outra, na mesma página, dos comandantes do Exército e da Marinha na cidade
que aderiam ao golpe e advertiam de forma direta ao povo e “às classes operárias e aos
estudantes, que ficam terminantemente proibidas, por motivos óbvios, (...) as aglomerações
em logradouros públicos, as passeatas sob qualquer pretexto, os comícios, sempre visando à
manutenção da ordem Pública”.573
Depois de mais um dia de intensas expectativas, buscas de informações e análises de
conjuntura, com a situação se definindo rapidamente pelo golpe, à noite os rumos da vitória
da “revolução” já estavam dados. O golpe vencera, e vencera também em Natal, na mesma
noite dois acontecimentos significativos marcaram a vitória golpista. A invasão do QG da
legalidade na Prefeitura e a nota de apoio ao golpe do governador Aluízio Alves.
Na prefeitura estavam o prefeito e alguns assessores. Por volta de 21:00hs, aos gritos,
palavrões e chutes, os militares invadiram o prédio. O comandante da operação entrou no
gabinete do prefeito aos berros:
“__ Acabou a baderna. Pra fora, seus comunistas!”574
Todas as pessoas ali presentes, cerca de 20, foram obrigadas a sair dali rapidamente,
sob a ameaça das armas e dos gritos dos militares. O QG da legalidade estava desfeito e, com
o seu fim, qualquer possibilidade de resistência ao golpe em Natal. A violência militar estava
somente no seu início. Além dos gritos e chutes os militares realizaram a primeira prisão por
motivos políticos. O sindicalista Evlim Medeiros, que depois de questionar o nervosismo de
571 José Willington GERMANO, Lendo e aprendendo: A campanha de pé no chão. São Paulo: Autores Associados, Cortez, 1989, p.149 572 Diário de Natal, 1 de abril de 1964, p.6 Citado por Mailde Pinto GALVÃO, 1964: Aconteceu em Abril. Natal: EDUFRN, 2004, p.37 573 Idem, p. 39 574 Citado por GALVÃO, Op. Cit. p. 44
179
um dos militares, teve sua prisão feita ali mesmo, no gabinete do prefeito.575 O forte aparato
militar montado para a operação demonstrava que os militares estavam, em guerra contra o
comunismo.
Do outro lado da praça, no Palácio do governo estadual, o governador Aluízio Alves
havia lançado algum tempo antes um manifesto aderindo ao movimento “revolucionário”.
Havia passado todo o dia procurando avaliar a situação para se definir, buscando se alinhar ao
grupo vencedor. Aluízio Alves tinha vários projetos de seu governo, entre eles os da
educação, desenvolvidos com a ajuda de verbas do governo federal. No dia anterior, 31 de
março, havia se posicionado ao lado de Jango. Depois de receber uma mensagem do
governador mineiro Magalhães Pinto, banqueiro e um dos principais líderes civis do golpe.
Aluízio Alves resolveu por apoiar os que estavam depondo o presidente da República, seu
aliado de véspera. Isso significava que o “apoio a Jango, a aliança com Djalma Maranhão,
tudo esquecido. Aproximar-se do novo regime e negar o anterior foi a sua estratégia de
sobrevivência”.576
No dia dois de abril, era consumado o golpe em Brasília com a “posse” de Ranieri
Mazzili na presidência. Em Natal por volta de 17 horas Djalma Maranhão e seu vice Luis
Gonzaga dos Santos foram presos na Prefeitura. Djalma ainda teve que escutar do Coronel
Mendonça Lima a oferta de liberdade em troca da renúncia do cargo de prefeito de Natal. “O
prefeito recusou em nome da honra e do povo que o elegeu; foi, então, levado preso,
incomunicável, para uma cela do quartel do 16o RI”.577
No mesmo dia, por volta das 22 horas, a Câmara Municipal de Natal recebeu do
Comando Militar a denúncia de que o prefeito e o vice eram comunistas, e portanto, “estavam
impedidos de continuar seus mandatos”.578 Depois de apreciar as denúncias, o impeachment
do prefeito Djalma Maranhão, bem como de seu vice Luiz Gonzaga dos Santos, foi aprovado
por unanimidade numa sessão secreta. Já era de madrugada, por volta de duas horas, quando
foram empossados na prefeitura de Natal, interinamente os vereadores Raimundo Elpidio e
Manoel Eugênio, respectivamente, prefeito e vice. Ainda naquela madrugada, Djalma e Luiz
Gonzaga receberam em suas celas no 16oRI as acusações e tiveram o prazo para entregar a
575 No caso da prisão de Evlim Moraes, há um fato digno de nota, ele foi preso armado, os militares não o revistaram e o prenderam armado. Evlim em relato tempos depois falou da dificuldade em se livrar da arma dentro da prisão. “ 576 Sérgio Luiz Bezerra TRINDADE, Aluízio Alves: populismo & modernização no Rio Grande do Norte. Natal: Sebo Vermelho, 2004, p.230 577 GALVÃO, Op. Cit. p. 49 578 Diário de Natal, 3 de abril de 1964, p.8. Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Norte.
180
defesa pela manhã. Enquanto o prefeito apenas escreveu “ciente” no ofício, talvez sabendo da
inutilidade de qualquer argumento naquela hora. Luiz Gonzaga dos Santos se defendeu da
acusação de que era comunista, afirmando “ser apenas “nacionalista autêntico” e que sempre
desejou “o bem do Brasil e de se povo”.579
O primeiro prefeito eleito de Natal não terminou o mandato, foi impedido de continuar
pelo movimento civil/militar. Os militares decidiu então tomar definitivamente o poder na
capital potiguar. Apesar das articulações de alguns vereadores para eleger um membro da
Câmara, três dias depois do impeachment o almirante Tertius Rebelo foi eleito prefeito pelos
vereadores. Em outubro de 1960 Djalma Maranhão foi eleito com mais de 22.000 votos, em
abril de 1964 o militar Tertius Rebelo elegeu-se com apenas 21.
Para coroar a vitória do movimento golpista foi realizada no dia 7 de abril de 1964 na
Praça da Matriz, que fica em frente ao QG da Guarnição Militar de Natal, a Marcha da
Família com Deus pela Liberdade. De acordo com o jornal Diário de Natal aquela “foi talvez
a maior concentração cívica e popular que a nossa cidade já assistiu, a que todas as classes
sócias realizaram, ontem em homenagem às Forças Armadas, vitoriosas no movimento de
redemocratização do país”.580 Mailde recorda com tristeza e perplexidade esse dia, “pude
observar a alegria das pessoas que voltavam da concentração, cansadas e suadas, mas com o
Brasil “salvo” de todos os males”.581
Em nome da democracia os militares realizaram também em Natal a Operação
Limpeza. Que consistia basicamente em perseguir, prender e processar os acusados de
“corrupção” e “comunismo” ligados os governos municipal e federal anteriores. Para Mailde
Galvão, a partir da prisão de Djalma Maranhão, “a caça aos considerandos subversivos foi
desencadeada”582 em Natal. De acordo com Moacyr de Góes depois do dia 2 de abril, “os
cárceres foram se enchendo de lideranças políticas, operárias, camponesas, estudantes e
intelectuais”.583 Ruy Alckmin Rocha Filho em trabalho sobre o sindicalismo no Rio Grande
do Norte aborda a repressão aos sindicatos e às esquerdas, para sustentar as investigações e
579 Idem, p.6 580 Diário de Natal, 8 de abril de 1964, p.6. Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Norte. 581 GALVÃO, Op. Cit. p. 64 582 Idem, Op. Cit. p. 50 583 Moacyr de GOÉS, De pé no chão também se aprende a ler (1961-1964): Uma escola democrática. São Paulo: Cortez, 1991, p.143
181
inquéritos abertos “qualquer acusação vaga servia, qualquer atitude como a participação em
reuniões, a posse de livros, atuação em partidos e sindicatos era válida”.584
Orientada para destruir o “comunismo”, a repressão foi rápida e violenta contra as
esquerdas no Rio Grande do Norte. O Comando Militar instaurou um IPM sob o comando do
capitão Ênio Lacerda. O governador do estado Aluízio Alves criou uma Comissão de
Investigações, presidida pelos policiais pernambucanos José Domingos e Carlos Veras. Os
dois processos correram paralelos, os presos eram interrogados pelas duas comissões, dois
processos diferentes para as mesmas acusações: corrupção e subversão.
A acusação de corrupção, apesar de uma ampla investigação não conseguiu provar
nenhuma irregularidade, o prefeito almirante Tertius Rebelo algum tempo depois ao
encontrar-se “com o deputado Roberto Brandão Furtado, que fora secretário de finanças na
administração Djalma Maranhão, parabenizou-o pela correção que encontrou nas finanças da
Prefeitura quando assumiu, como prefeito, em abril de 1964”.585 Quanto à subversão, ao invés
do esperado movimento revolucionário guerrilheiro, com camponeses, armas e campos de
treinamento; o que os militares encontraram foram campanhas de alfabetização de adultos,
com trabalhadores, escolas e centros de treinamento. Não encontrando armas, aos militares
restaram apreender livros, muitos livros. Bibliotecas, escolas e pessoas viram seus livros
serem arrancados das prateleiras e usados como provas de uma orientação ideológica
marxista.
A “subversão” foi atacada, as prisões aumentaram, a repressão aumentou, “começaram
as intervenções em sindicatos e nos diretórios estudantis”.586 Uma grande quantidade de
comissões foi criada, dando origem a um número correspondente de inquéritos e processos.
Com o Ato no. 1 a repressão ganhou os instrumentos de exceção que possibilitaram sua ação
autoritária e ditatorial. Mailde Galvão cita 35 pessoas que foram presas em Natal, entre os
nomes que relaciona estão, sobretudo, as lideranças políticas de esquerda, políticos,
sindicalistas, estudantes e intelectuais. No Rio Grande do Norte ao todo foram indiciados 83
pessoas, todas acusadas de atividades subversivas.
584 Ruy Alckmin ROCHA FILHO. O Parto dos Caminhos: Formação dos Sindicatos Rurais no Rio Grande do Norte (1960 – 1964). Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento de Ciências Sociais (dissertação de mestrado), 2005, p.111 585 GALVÂO, Op. Cit. p. 57 586 GERMANO, Op. Cit. p.157
182
Neste contexto de repressão ao “comunismo” é que poderemos compreender o fim da
Campanha de Pé no Chão também se Aprende Ler. Considerada como um dos principais
veículos de mobilização popular, sendo responsável pela propaganda e pela agitação
comunista. As aulas foram interrompidas por alguns dias, algumas professoras foram
demitidas, os acampamentos escolares foram vistoriados, livros, cartilhas, cadernos,
documentos, muita coisa foi destruída ou apreendida. Toda a coordenação da Campanha foi
presa. O objetivo dos repressores era claro, acabar com a Campanha, por fim àquela
experiência de educação popular por eles taxada de “subversiva”.
Os acontecimentos com a Campanha depois do golpe até hoje não são totalmente
nítidos. Há uma dificuldade em se reconstituir a maneira como a Campanha foi destruída pela
ditadura. Os membros da direção da Campanha foram afastados e presos, “quando saíam da
prisão não encontravam mais nada”.587 Moacyr de Góes foi substituído na Secretaria
Municipal de Educação pelo capitão de corveta Thomaz Édison Goulart do Amarante. No dia
2 de abril o secretário de educação Moacyr de Góes passou pela última vez em seu gabinete,
sem tempo se quer para “fechar as gavetas”.588 O capitão da Marinha, ao assumir o posto,
realizou “o expurgo inicial que se tornava necessário”589 já que cabia “à Secretaria de
Educação Municipal uma parcela ponderável das difusão das idéias subversivas”.
Numa tentativa de contribuir com os estudos sobre o impacto do golpe na Campanha,
procuramos analisar a questão dividindo-a em três partes distintas. Primeiro, a paralisação das
aulas nos acampamentos, as invasões dos militares, a apreensão de livros, a destruição
causada pela violência inicial do golpe. Segundo, as prisões dos apoiadores e coordenadores.
Por fim, os processos, depoimentos e investigações contra a Campanha.
A ação dos militares foi muito rápida e violenta. Era “a fúria de LEVIATÃ
personificado nas Forças Armadas”.590 Causou de imediato a paralisação das aulas, depois a
invasão das escolas e a apreensão dos livros, a destruição do material da campanha, o
afastamento de professoras, a mudança dos métodos e a posterior substituição dos
acampamentos de palha por escolas de alvenaria.
De acordo com a ex-professora da Campanha Pé no Chão Maria Assunção, que na
época trabalhava no Acampamento Chico Santeiro, “a invasão que houve na escola porque foi
587 Idem, Op. Cit. p.149 588 GÓES, Op. Cit. p. 589 Aluízio ALVES Citado por GOÉS, Op. Cit. 149 590 Margarida CORTEZ, Memórias da Campanha Pé no Chão. Natal: EDUFRN, 2005, p.219
183
assim de noite, não foi de dia não... foi do dia 30 para o dia 31 de madrugada”.591 As aulas
foram suspensas, segundo o depoimento da ex-professora Neide Rosa, que trabalhava no
Acampamento da Rua dos Pegas “Eu lembro que cheguei para dar aula, a Escola estava
fechada. E simplesmente, uma pessoa de frente e disse: “Volte, não pode entrar, a biblioteca
está fechada, alguns livros foram levados (...). E assim passamos dez dias sem trabalhar. Após
dez dias, eu voltei”.592
Os militares após o golpe vasculharam todos os locais onde funcionava a Campanha.
A procura era, sobretudo, de suposto material subversivo, mesmo se necessário ter que
“inventar” a subversão. Diana Rodrigues tinha 18 anos em 1964, era professora da Campanha
desde 1961, de acordo com seu relato, “quando os militares vieram para ver o material da
Campanha não acharam nada de irregular, mexeram... eu mostrei todos os planos e livros que
eu recebi”.593 Não encontrando nada de importante e significativo que demonstrasse
claramente a subversão da Campanha, os militares, “encontraram foi uma frase num livro que
dizendo assim: “o pobre continua sempre pobre e o rico cada vez mais rico isso aí eles
disseram:
__Olha aqui esta frase, foi o que nós encontramos e interessou a gente”.
Guiomar Rodrigues já era professora desde 1957 e foi incorporada à Campanha em
1961. Ela confirma o relato anterior que demonstra como os militares agiram na luta contra a
subversão nas escolas da Campanha. “Quando vieram os militares, fizeram aquelas
investigações, averiguações aqui na escola, não encontraram nada demais. (...) somente
encontraram aquela frase dizendo assim: “pobre cada vez mais pobre e o rico cada vez mais
rico”594
A repressão se incidiu de forma bastante forte sobre os livros em Natal. De acordo
com os autos de busca e apreensão anexados ao IPM sobre a subversão em Natal, comandado
pelo Capitão Ênio Lacerda, no dia 5 de abril de 1964 foram realizadas diligências em três
bibliotecas. Na Biblioteca Municipal do Alecrim, na qual foram apreendidos 24 volumes; na
Biblioteca localizada na Concha Acústica onde foram apreendidos 21 livros; e no Centro de
Formação de Professores que teve 33 livros apreendidos.595 Todas essas bibliotecas eram
591 Maria ASSUNÇÃO, depoimento In. CARVALHO, Maria Elizete Guimarães. Memórias da Campanha “De Pé no Chão” (1961 – 1964). (Tese de Doutorado). Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento de Educação, 2000.p. 275 592 Neide ROSA, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. p. 245 593 Diana RODRIGUES, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. pp.230-231 594 Guiomar RODRIGUES, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. p. 237 595 BNM 46, Caixa 2, pp.1933-1935 AEL/UNICAMP
184
ligadas à Campanha. Quanto ao Centro de Formação de Professores os militares “penetraram
na biblioteca e provocaram um autêntico rasga-rasga de livros”.596 Mas não foram somente as
bibliotecas da Campanha que sofreram com a repressão. No mesmo IPM há fotos dos livros
apreendidos na biblioteca do Sindicato dos Trabalhadores em Construção Civil, 41 e na
biblioteca particular de Luiz Maranhão, na qual os militares encontraram por volta de 175
livros “subversivos”.597
Muitos dos livros que foram apreendidos, acabaram sendo expostos como prova de
subversão. As exposições ocorreram primeiramente nos jornais, sendo publicadas várias fotos
de livros apreendidos considerados “subversivos”. Os que chamaram mais a atenção foram os
doados pela Bibliex, a editora oficial do Exército – as doações foram autorizadas pouco tempo
antes do golpe. Os livros sobre assuntos militares despertaram a desconfiança nos
investigadores, Mailde Galvão, coordenadora do DDC e responsável pelas bibliotecas da
Campanha relembra um de seus interrogatórios, “fui acusada de que estariam sendo usados
para o ensinamento de táticas de luta armada”598
Além de serem expostos nos jornais, ainda em 1964, Mailde relata que “pretensos
intelectuais, contando com o apoio do “Diário de Natal” (...), fizeram, mediante critérios
próprios, a seleção de livros apreendidos nas bibliotecas municipais e nas residências dos
presos e organizaram uma exposição”.599 A Exposição ocorreu na Galeria de Arte, de acordo
com matéria do jornal Diário de Natal ela era composta por “farto material subversivo, como
livros, revistas, jornais, flâmulas, fotografias e documentos, tem estarrecido o público diante
da profundidade da conspiração vermelha, desbaratada pelas Forças Armadas em nossa
capital”.600
Uma das conseqüências mais danosas à Campanha e à sua memória deixadas pela
repressão foi o medo. O medo de ser pego com algum material da Campanha Pé no Chão e ter
seu nome envolvido em algum processo, levou muitas pessoas a destruírem tudo o que tinham
da Campanha. Depois do golpe e do início das prisões, “minha mãe disse:
596 GERMANO, Op. Cit. p. 159 597 BNM 46, Caixa 2, pp.1938-1941 AEL/UNICAMP 598 GALVÃO, Op. Cit. p. 106 599 Idem, Op. Cit. p. 105 600 Diário de Natal, abril de 1964, Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Norte. Natal/RN
185
__você vai queimar tudo que tiver aqui que tiver o nome “Pé no Chão” e você vai dar
fim a tudo. Até as fotos foram rasgadas, queimadas e enterradas. Foi tudo destruído. Eu não
tenho mais, porque, na realidade, o medo foi muito grande, a repressão foi muito grande”.601
A professora Maria Assunção viveu uma situação muito parecida. Logo nos primeiros
dias depois do golpe “o diretor chegou na minha casa tão apavorado, que alguns livros que eu
tinha em casa para estudar, para qualquer coisa, e disse: pelo amor de Deus, pegue esses
livros, vamos destruir, vamos enterrar, vamos queimar... então... destruímos tudo, não ficou
nada: nada, nada, nada...”602 Essa situação não atingiu apenas os diretores e as professoras dos
acampamentos, mesmo a Direção da Campanha viveu a mesma realidade. Margarida Cortez
lembra que “infelizmente eu não guardei nenhum material da Campanha... havia até um
desejo de destruir tudo, por medo...e isso foi muito ruim, sabe? Foi muito ruim por que havia
muito material da Campanha... havia um medo muito grande...”603
O medo também trouxe outro fator que colaborou com a desarticulação da Campanha,
o afastamento de várias pessoas de suas funções, não somente na direção. No relato da
professora Maria Assunção: “durante todo o ano de 64 eu fiquei afastada da escola. Eu nem
trabalhei nesse ano. Eu fiquei aqui em Natal mas não trabalhei mais, entendeu? Houve um
desligamento.” Uma ano parada, sem dar aulas, sem salários, Assunção foi outra vítima da
repressão. Como ela muitos outros se afastaram e o retorno foi feito somente mais tarde,
“depois que passou o pânico, o susto, então, então aí a gente voltou para saber o que ia ser
feito da gente e tal...”604
Um dos temas mais imprecisos em relação aos efeitos da repressão no pós golpe sobre
a Campanha foi a destruição dos Acampamentos escolares. A capa do livro de Margarida
Cortez traz uma foto de um acampamento da Campanha completamente destruído, queimado,
cercado pelos olhares de dezenas de pessoas, principalmente crianças. No entanto, não consta
a data da foto ou qualquer referência de quando o fato ocorreu. A partir dos relatos presentes
nos depoimentos colhidos por Elizete Carvalho é possível trabalhar com duas hipóteses. A
primeira de que pelo menos um dos acampamentos teria sido destruído durante a repressão
inicial. Essa, por exemplo, é a impressão que nos passa o relato da professora Maria
Assunção: “Os acampamentos foram destruídos, queimados, todo o material didático, tudo
601 Neide ROSA, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. p. 261 602 Maria ASSUNÇÃO, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. p. 275 603 Margarida CORTEZ, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. p.209 604 Maria ASSUNÇÃO, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. p.276
186
destruído. Os acampamentos abaixo, certo? O telhado era de palha e eles simplesmente
destruíram e queimaram. Tudo foi destruído e queimado”.605
O mais provável, no entanto, é que os Acampamentos tenham sido sim, destruídos e
queimados, mas aos poucos, dando lugar a escolas construídas de alvenaria, numa operação
que procurava, de uma certa maneira, apagar os vestígios da Campanha. Neide Rosa afirma
que, “a partir de 31 de março, ninguém falava mais... era proibido falar em “Pé no Chão”.
Procuraram logo mudar os nomes das escolas, mudar a metodologia; mas a escola não foi
queimada”.606 A escola foi invadida pelos militares, mas “a destruição que ela sofreu foi a
seguinte: os livros da biblioteca foram retirados, todos os livros foram queimados. Agora a
escola em si, ela não foi destruída não”.607
De acordo com o depoimento da mesma professora, que continuou a trabalhar no
Acampamento Escolar depois do golpe foi a deterioração dos galpões que motivaram a sua
destruição. “Aí o teto, ele foi se desgastando, se desgastando e o novo Secretário de Educação
que assumiu já foi tentando fazer os galpões de alvenaria porque estavam
desgastadíssimos”.608 Na mesma direção o depoimento da professora Guiomar confirma a
continuidade do funcionamento dos Acampamentos, sua destruição e substituição por
“escolas”. Afirma a professora que “nesse tempo, a Escola ai não parou de funcionar, em
nenhum momento...os Acampamentos foram acabados, queimados e depois fizeram
escolas”.609 O trabalho de substituição dos galpões de palha por galpões de alvenaria não
assegurou, entretanto, uma melhora na qualidade do ensino, pelo contrário, “Aí foi mudando,
a escola foi ficando precária, foi ficando desacreditada... enfim, está na situação que escola
pública está hoje”.610
As aulas ainda não tinham retornado nos acampamentos escolares e escolinhas,
quando se iniciaram as prisões dos coordenadores e apoiadores da Campanha. As prisões
relacionadas à Secretaria de Educação da Prefeitura podem ser divididas em três fases
distintas, as ocorridas em abril, a prisão do secretário municipal em Maio, e as últimas em
junho de 1964.
605 Maria ASSUNÇÃO, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. pp.274-275 606 Neide ROSA, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. p. 249 607 Idem, p.249 608 Idem, p.249 609 Guiomar RODRIGUES, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. p. 238 610 Neide ROSA, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. p.250
187
A primeira pessoa ligada à Campanha a ser presa foi José Fernandes Machado no dia 7
de abril de 1964. José Fernandes era pastor evangélico, presidia o Comitê Nacionalista das
Rocas e coordenava a aplicação do método Paulo Freire numa cooperativa de pescadores. Foi
o último nome da lista dos 60 denunciados pela promotoria da 7a. Região Militar em Recife.
Foi acusado, entre outras coisas, por ter colaborado “com o Prefeito Djalma Maranhão na
Campanha De Pé no Chão Também se aprende a Lê”.611
Hélio Vasconcelos foi preso no dia 9 de abril de 1964. Estudante de Direito, dava
palestras nas escolas da Campanha Pé no Chão. Avisado por sua empregada de que os
militares o estavam chamando, “foi até a janela e viu o quarteirão até a esquina cercado por
soldados armados com fuzis e metralhadoras, curiosos nas calçadas e um jipão à sua
espera”.612 Em entrevista realizada em 1998, Hélio Vasconcelos fala sobre as conseqüências
do golpe para a sua vida, “Então, eu paguei muito caro por tudo isto. Pelo jeito como tudo foi
conduzido”.613
O primeiro integrante efetivo da direção da Campanha a ser preso foi Omar Pimenta,
no dia seguinte, 10 de abril de 1964. Mesmo dia em que foi decretado o AI-1 que deu os
instrumentos de exceção para a Operação Limpeza ser realizada. Omar era Diretor de Ensino
Municipal e depois de efetivado o golpe voltou a trabalhar. Foi preso “no próprio local de
trabalho e levado para o quartel do Regimento de Obuses”.614 Em depoimento Omar
relembra: “fui hóspede do Governo Federal 196 dias. Aqui no Regimento de Obuzes, no
R.O.”.615
Geniberto de Paiva Campos era Diretor do Ginásio Municipal, estudante de Medicina
e participava da Campanha. “Após um pequeno retiro em uma fazenda, voltou às suas
atividades de aluno da Faculdade de Medicina, de onde foi levado para a prisão no dia 14 de
abril.”616 Ao contrário dos dois primeiros foi levado para o 16o Regimento de Infantaria, onde
o tratamento aos presos era mais rígido. Pouco mais de uma semana depois, o ex-chefe de
gabinete de Moacyr de Góes na Educação, Francisco Ginani foi preso. “Precisamente no dia
22 de abril foi levado, por auxiliares do mesmo delegado, (José Domingos) para depor no
611 BNM 46, p.14 AEL/UNICAMP 612 GALVÃO, Op. Cit. p. 67 613 Hélio VASCONCELOS, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. p. 193 614 GALVÃO, Op. Cit. p. 70 615 Omar PIMENTA, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. p.220 616 GALVÃO, Op. Cit. p. 73
188
quartel da Polícia Militar. Encerrado o interrogatório, o escrivão informou-o de que estava
preso”. 617
Encerrada essa primeira leva de prisões de pessoas ligadas à Campanha, o investigador
Carlos Veras se debruça sobre Moacyr de Góes. O ex-secretário de educação de Djalma
Maranhão milagrosamente continuava fora do cárcere, em regime de prisão domiciliar.
Depois de ter sua casa e sua correspondência violadas, se apresentou duas vezes ao Coronel
Esteves Caldas. Permaneceu em Natal mesmo sabendo dos riscos que corria, depois de avaliar
com sua esposa Conceição Góes, resolveu esperar. Mas não muito. No dia 22 de maio, boatos
fortes vinham dos meios militares: “Ulisses Caldas, Secretário de Segurança, era contra a
prisão. Prevaleceu, todavia, o voto de Veras, que foi acompanhado por militares”.618 No dia
26 de Maio de 1964, depois de dar aulas na universidade pela manhã, Moacyr de Góes estava
em casa, com a mulher e os filhos, lendo o jornal e esperando o almoço quando bateram a
porta, ao abri-la deu de cara com o Delegado Carlos Veras, que anunciou:
“__Vim buscar o senhor para prestar um depoimento”.619
Na segunda quinzena de junho aconteceu a última leva de prisões relacionadas à
Campanha. Josemá Azevedo era o responsável pelos círculos de cultura da Campanha Pé no
Chão. Foi preso no dia 16. Era estudante de Engenharia e depois de participar de uma reunião
da Ação Popular em Belo Horizonte, na época do golpe, voltou a Natal. Estava estudando
normalmente “quando foi retirado de uma sala de aula pelos auxiliares do delegado Veras e
colocado em uma cela de segurança máxima, que havia sido construída, no quartel da Polícia
Militar, destinada a presos de alta periculosidade”.620
As últimas prisões ligadas a Campanha ocorreram em 19 de junho. Naquele dia
Mailde Galvão, Diva Lucena e Margarida Cortez foram presas. Pouco antes do meio dia uma
Kombi dirigida pelo agente da Polícia Pedro Vilela Cid, se dirigiu à casa de Mailde Galvão,
chegou às 12:00. Mailde relata que aquele momento já era esperado, “Sem despedida e sem
palavras dirigi-me à Kombi e saímos”.621 De lá foram até a casa de Maria Diva Lucena, de
acordo com o mesmo relato de Mailde, “igualmente, convocada para prestar depoimento e
recolhida da mesma forma. Diva não percebeu logo que estava prisioneira”.622 A terceira e
última passageira foi Margarida Cortez recolhida logo em seguida, “o Sr. Pedro Vilela 617 GALVÃO, Op. Cit. p.74 618 GOÉS, 2004, Op. Cit. p. 55 619 Idem, p. 57 620 GALVÃO, op. Cit.p.130 621 GALVÃO, Op. Cit.p. 149 622 GALVÂO, Op. Cit. p. 150
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representou a mesma farsa e Margarida entrou no carro, firmemente convencida de que iria
apenas depor”. Todas as três foram encaminhadas para o 16o.RI. A partir daquele momento
todos os coordenadores da Campanha Pé no Chão estavam presos.
Não conseguimos determinar, contudo, a data exata da prisão de João Faustino
Ferreira Neto, estudante de Pedagogia, que participava da Campanha no Centro de Formação
de Professores, onde ministrou alguns cursos de capacitação e treinamento de professores.
Nos relatos de Mailde Galvão e Moacyr de Góes não há referência de data, mas sim da prisão.
De acordo com Góes entre os estudantes que trabalharam com ele, quatro estavam presos,
entre eles “João Faustino Ferreira Neto, Presidente da União Estadual dos Estudantes”.623
As prisões no Rio Grande do Norte foram acompanhadas por duas grandes
investigações, uma sob o comando do Capitão Ênio Lacerda, responsável pelo IPM sobre a
subversão do Rio Grande do Norte. A outra coordenada pelos delegados pernambucanos José
Domingos e Carlos Veras, nomeados pelo governador do Estado Aluízio Alves. Ambas eram
responsáveis pela apuração das denúncias de subversão. Iremos agora ver como os principais
membros da Campanha foram atingidos por estes inquéritos.
No dia 5 de setembro de 1964 o Capitão Ênio Lacerda, encarregado do IPM sobre as
atividades subversivas no Rio Grande do Norte, encaminhou um relatório à 7a Região Militar
do IV Exército, no qual estão descritas as atividades “subversivas” de 112 pessoas indiciadas
pelo IPM. Desse total pelo menos 14 foram acusadas de manter algum tipo de relação com a
Campanha. De forma geral o Relatório apontava que “estava no Estado do Rio Grande do
Norte, em pleno funcionamento a “Organização Política do Partido Comunista do Brasil”.624
Em todos os demais grupos, partidos, organizações, movimentos, campanhas, seja lá o que
fosse, era possível “perfeitamente comprovar a presença do Comunismo”. Toda aquela
agitação subversiva buscava uma única coisa: “subverter a ordem e implantar o comunismo”.
Dentro dessa lógica, as atividades consideradas subversivas foram rastreadas, mapeadas.
As acusações presentes na lista vão de uma simples visita, como nos casos de
Francisco Julião e Padre Alípio Freitas. Este último convidado por um “comunista, visitou os
acampamentos da Campanha (...), um dos maiores centros de politização esquerdista da
juventude brasileira”.625 A realização de palestras no Centro de Formação dos Professores
também era um indício de subversão: Geniberto, Margarida e Omar foram acusados por isso.
623 GOÉS, 2004, op. Cit. P.82 624 BNM 46, Caixa 2, Vol.4, p.1 AEL/UNICAMP 625 BNM 46, Caixa 2, Vol.4, p.55 AEL/UNICAMP
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Djalma Maranhão afirmava, de acordo com o relatório, “que a Campanha de Pé no chão
também se aprende a Ler” (que considera a única experiência válida no Brasil, no campo da
educação para crianças) “nunca sofreu influência POLÍTICA ou IDEOLÓGICA”626 O próprio
relatório respondia ao Prefeito, em parte do material apreendido foi possível “encontrar
chavões muito utilizados por elementos comunistas, no sentido de incutir na formação
psicológica dos menos afortunados, idéias que tornariam o indivíduo facilmente maleável e
utilizável para qualquer movimento subversivo”.627 Chegando até a politização, que era uma
das maiores preocupações dos investigadores militares, enquanto o secretário municipal de
educação Moacyr de Góes era “apontado como responsável pela “politização” nas Escolas da
Campanha”.628 Josemá de Azevedo era “apontado como um dos responsáveis pela politização
esquerdista introduzida na Campanha...”629
O Relatório da Comissão Estadual de Investigações, sob o comando dos delegados
José Domingos e Carlos Veras, foi entregue ao governador Aluízio Alves no dia 15 de
setembro de 1964. Partindo do mesmo pressuposto de uma grande maquinação comunista
contra a democracia, o relatório apresentava no item D) – PREFEITURA MUNICIPAL DO
NATAL, uma análise das atividades subversivas no campo educacional. O Partido Comunista
do Brasil, “montou uma tremenda máquina para “esquerdizar” a consciência daqueles que
procuravam a alfabetização”.630 O prefeito Djalma Maranhão teria escolhido com muito
cuidado toda a equipe do setor de alfabetização, “formou este grupo tirando-o de forças
esquerdistas em sua quase totalidade”.631 O relatório continha uma lista de 42 cidadãos
indiciados, dos quais por volta de 11 eram acusados de ter algum tipo de relacionamento com
a Campanha de Pé no Chão. Além disso, o relatório fez uma análise do livro de leituras da
Campanha, considerado, obviamente de caráter “nitidamente subversivo”.
Para Veras havia um grupo político subversivo, todo ele indiciado pelo inquérito, cuja
atuação na Prefeitura confirmava sua ideologia “comunista”. Os documentos do grupo
apreendidos pela Comissão “comprovam de maneira inequívoca e esmagadora a ação que
desenvolveu em favor da Comunização deste Estado”.632 O relatório, dentro da paranóia
anticomunista da linha dura militar em 1964, conseguira “provar” que aqueles civis presos
626 BNM 46, Caixa 2, Vol.4, p.10 AEL/UNICAMP 627 BNM 46, Caixa 2, Vol.4, p.10 AEL/UNICAMP 628 BNM 46, Caixa 2, Vol.4, p.52 AEL/UNICAMP 629 BNM 46, Caixa 2, Vol.4, p.41 AEL/UNICAMP 630 Carlos VERAS e José DOMINGOS. Subversão no Rio Grande do Norte: Relatório. Natal: Editora O Diário, 1964,p.52 631 Idem, p.52 632 Idem,p.60
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eram uma ameaça. A Campanha e sua propaganda “esquerdista”, o crescimento do
comunismo, as revoltas dos sargentos do Exército em setembro de 1963 e dos marinheiros em
março de 1964, uma “demonstração clara e palpável de indisciplina e sublevação”.633 Estava
em jogo o fim da democracia. Culminando com “o Movimento Revolucionário de 31 de
março de 1964”, que foi a garantia de restituição “à Família Brasileira, a Tranqüilidade, a
Segurança e o Direito de viver livre e feliz sob o auri-verde Pendão da Esperança”.634
Maria Conceição Pinto de Góes, em seu livro sobre Luiz Maranhão, afirma que o
relatório final da Comissão Estadual de Investigações foi esperado como “uma peça de alto
valor jurídico, revelou-se um amontoado de asneiras, que assustou mais pela mediocridade do
que pelas acusações. Montado para justificar as prisões e demissões, enxergava comunismo
por todos os lados”.635
Pensando a Campanha de Pé no Chão e seu fim ao longo do ano de 1964, observamos
alguns fatores que contribuíram para a sua total desarticulação. Primeiro e antes de tudo, a
violência, por meio de ameaças, buscas, apreensões, prisões, pressões e coerções o Estado sob
o domínio dos militares empreendeu uma verdadeira cruzada contra o comunismo. A
Campanha como um órgão de atuação “perniciosa e subversiva” foi um dos alvos prioritários
da repressão em Natal. Essa violência foi marcada pela invasão militar nos locais onde
funcionavam a Campanha, pela apreensão dos livros considerados “subversivos” e pela prisão
dos coordenadores e principais apoiadores da Campanha. Como resultado dessa violência, o
medo que destruiu livros, documentos, cartilhas, cadernos e quase tudo o que se referia a
Campanha Pé no Chão. O mesmo medo que afastou professoras e que calou as pessoas.
A prisão do Prefeito Djalma Maranhão e o afastamento do secretário de educação
Moacyr de Góes no dia 2 de abril de 1964, as diligências para apreensão de livros subversivos
nas bibliotecas municipais no dia 5, e o início das prisões no dia 7 de abril foram alguns dos
fatos iniciais da desarticulação da Campanha. As prisões inauguraram um segundo momento
no processo de desarticulação, o afastamento da vida civil dos coordenadores e apoiadores da
Campanha, dos funcionários públicos que estavam remanejados na secretaria de educação. A
conseqüência foi fatal para a Campanha. “À medida que as prisões se sucediam, a Campanha
633 Idem, p. 60 634 Idem, p. 60 635 Maria Conceição Pinto de GÓES, A aposta de Luiz Ignácio Maranhão Filho: cristãos e comunistas na construção da utopia. Rio de Janeiro: Revan/EdUFRJ, 1999, p.190
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era submetida a um processo de desestruturação, desarticulação de seus espaços e estruturas,
que provocou a sua completa destruição”.636
A Operação Limpeza procurando livrar o Brasil da corrupção e do comunismo,
enxergava na Campanha de Pé no Chão também se aprende a Ler um instrumento de
doutrinação da máquina “comunista”. Como tal deveria ser combatido, perseguido e extinto.
O golpe de 1964 no Rio Grande do Norte teve como uma de suas maiores conseqüências o
fim de todo um esforço e trabalho educacional. Pela importância e pela notoriedade que
ganhou, a alfabetização de adultos se tornou um crime de subversão, uma ameaça ao regime
“democrático”. A Campanha de Pé no Chão não conseguiu sobreviver à repressão militar.
“Em março, houve o golpe e acabou com tudo, com a esperança da gente...”637
4 – MEB: a intervenção, as resistências e os fechamentos.
Ao contrário dos demais movimentos de educação popular que conheceram seu fim
em 1964, o Movimento de Educação de Base continuou existindo. Com a garantia da
hierarquia católica de que iria centralizar as ações do movimento, a ditadura manteve o
convênio que permitiu a continuidade do MEB. Pelo menos até 1966 pode se dizer que o
MEB continuou, apesar da intervenção, a seguir a mesma linha de ação política anterior ao
golpe, dentro do novo contexto autoritário. Porém, as contradições internas do próprio
movimento somadas a nova realidade política brasileira pós-golpe, foi inviabilizando na
prática as possibilidades de continuidade do movimento nos moldes anteriores ao golpe.
Assim como os demais movimentos, o MEB sofreu com o impacto inicial do golpe.
Muitos monitores foram presos, escolas radiofônicas fechadas, lideranças comunitárias
perseguidas. A repressão militar atingiu principalmente a base do movimento. Aída Bezerra,
pertencente à Equipe de Pernambuco, relata que, “nos dias que se seguiram ao Golpe, foi todo
um sofrimento de perseguição: gente dos Sindicatos presa, peregrinação pelos quartéis,
etc”,638 As equipes estaduais e a nacional conseguiram ficar fora do alcance da repressão, a
presença e a intervenção da CNBB foi fundamental para isso. Mesmo em relação à base,
alguns bispos e padres também se mobilizaram para tirar da cadeia quem havia sido preso. 636 Lúcia de Fátima Vieira da COSTA, Conhecimento Proibido: a educação popular na visão dos “guardiães da ordem”. Natal: UFRN, 2004 (dissertação de mestrado), p.71 637 Maria ASSUNÇÃO, depoimento, CARVALHO, Op. Cit. p. 277 638 Aída BEZERRA, depoimento, In. NOVA (Org). MEB: Uma história de muitos. Petrópolis: Vozes, 1986, p.110.
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Ainda assim, como havia acontecido com a Campanha Pé no Chão, a repressão causou medo
e insegurança. De acordo com Maria José de Souza Santos, da coordenação estadual do
Maranhão, “o Golpe criou um momento de pavor. Um pavor tão grande que, de repente,
estavam queimando tudo: cartilhas, pastas, etc”.639
O primeiro impacto do golpe civil/militar de 1964 no MEB foi a paralisação de suas
atividades. A interrupção durou de uma a doze semanas. Isso significou que em alguns casos
as atividades ficaram paradas dos primeiros dias de abril até final de junho. Neste período
aconteceram as principais ações de repressão contra o movimento. “Os militares invadiram ou
fecharam escritórios do MEB, patrões fecharam escolas, material foi destruído ou confiscado,
membros de quase uma dúzia de equipes locais foram ou presos por breves períodos ou
chamados a depor”.640 Uma das primeiras conseqüências da repressão foi o afastamento de
muitos quadros do movimento, diversos “monitores foram ameaçados, presos ou demitidos de
seus cargos em meia dúzia de estados”. 641 Muitos professores foram remanejados para suas
escolas de origem e “um grande número de supervisores renunciou por causa das acusações
que caíram sobre eles por autoridades civis e militares”. Outro fator de afastamento de muitos
coordenadores e técnicos foi a interferência direta dos bispos. “Nessa linha das “portas estão
abertas” muitos foram afastados. Não pela polícia mas pelos próprios bispos”. 642 Zezé, da
Equipe do Maranhão, foi afastada de suas atividades em 1964. Segundo seu depoimento, “saí
muito por causa das pressões da Hierarquia no sentido de não se manter a linha dos trabalhos
que vínhamos desenvolvendo. Nós contávamos na época, com uma Equipe de vinte e tantas
pessoas e foram demitidas quase vinte”.643 O sindicalismo, em especial, foi profundamente
atingido pelo golpe. O MEB se viu envolvido em diversos processos, “inúmeros camponeses,
treinados e animados a agir pelos agentes da Igreja, foram aprisionados, perseguidos,
humilhados eles e suas famílias para que abandonassem os sindicatos”.644 Como resposta,
além de tentar ajudar as famílias e as vítimas da repressão, “no MEB, prudentemente, o tema
sindicalismo rural vai desaparecer, substituído pela nova visão dada à”645 animação popular.
A tendência anterior ao golpe era do MEB se tornar cada vez mais independente da
Igreja, se afastando dos objetivos religiosos e caminhando com muita rapidez para uma
postura de aproximação cada vez maior com as classes populares. Entretanto, o golpe 639 Maria José de Souza SANTOS, In. NOVA, Op. Cit. p. 112 640 Emanuel de KADT, Católicos Radicais no Brasil, João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2003 p.277 641 Idem, p.277 642 Nazira VARGAS, In NOVA, Op. Cit. p.111 643 Zezé, In NOVA, Op. Cit. p. 117 644 Luiz Eduardo WANDERLEY, Educar para transformar. Petrópolis: Vozes, 1984, p.293 645 Idem, p. 293
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interrompeu esse processo e “frente a insegurança gerada pelas denúncias e acusações,
suspensão das verbas e críticas de alguns bispos, a diretoria executiva do MEB e o próprio
CDN procuraram apoio na CNBB”.646 Cerca de quinze dias depois do Golpe, o marechal
Castelo Branco, recém empossado na presidência, recebeu os representantes da Igreja. Depois
de declarações mútuas de apoio, os bispos tocaram no assunto da repressão ao MEB. O
presidente escutou as colocações, e “aparentemente prometeu tomar medidas para interromper
a perseguição”.647 Entretanto, na prática, teve pouco efeito e as perseguições prosseguiram.
Em maio de 1964 houve uma série de reuniões da coordenação nacional. Muitos
bispos deixaram claras suas críticas contra a linha política considerada radical do movimento.
Ao final, vinte e cinco arcebispos e bispos divulgaram nota defendendo o MEB. A defesa, no
entanto, veio precedida de uma forte declaração de apoio e agradecimento ao novo regime,
responsável por “salvar o país da implantação do bolchevismo”.648 O documento negava as
acusações de que o MEB era um movimento comunista, afirmava que essas acusações
partiam de pessoas “que não podiam aceitar as atitudes abertas e corajosas que o clero e os
leigos tomam como verdadeiros apóstolos da Igreja”.649
O objetivo da ala mais conservadora da Igreja era intervir no movimento. “O golpe
militar de 31 de março deu à hierarquia o motivo inapelável para reassumir
intransigentemente a direção última do MEB”.650 Dessa forma, poderia mudar sua linha
política e seus objetivos, garantindo, assim, “o enquadramento do MEB na estrutura
tradicional da Igreja”. O responsável por essa intervenção foi Monsenhor Tapajós, que
elaborou as Diretrizes para o Funcionamento do MEB, texto apresentado no Encontro
Nacional de Coordenadores em junho de 1964 no Rio. Sem ligação anterior com o MEB e
com a responsabilidade de enquadrar o movimento, Mons. Tapajós elaborou as Diretrizes
propondo “uma organização complicada com “linhas de comando” paralelas para as funções
do clero e dos leigos”.651 De acordo com estas Diretrizes, o MEB era “uma entidade católica,
com finalidade preeminentemente social e educativa”.652 Seu objetivo final seria a formação
humana, procurando levar o ser humano “a tomar consciência de sua dignidade como criatura
646 Osmar FÁVERO, Uma pedagogia da participação popular: análise da prática educativa do MEB – Movimento de Educação de Base (1961/1966), Campinas: Autores Associados, 2006. p.113 647 KADT, Op. Cit. p.277 648 CNBB, Citado por KADT, Op. Cit. p.278 649 Idem, p. 279 650 Osmar FÁVERO, Op. Cit. p.113 651 KADT, Op. Cit. p. 281 652 MEB, Diretrizes para o Funcionamento do MEB, p.1, PROEDES/UFRJ
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humana, feita à imagem de Deus e redimida por Cristo, Salvador do Mundo, e, como
conseqüência, transformá-lo em agente de criação original de cultura de um povo”.653
Em contrapartida ao avanço da hierarquia e a proposta de Mons. Tapajós, os
coordenadores se articularam e nos três encontros nacionais de coordenadores seguintes
elaboraram documentos, nos quais reafirmavam suas posições quanto à relação do MEB com
a Igreja, sua ação educativa, a orientação ao lado do povo e sua organização nacional. O
primeiro desses documentos foi apresentado na mesma reunião em junho de 1964, o texto
segue uma linha completamente distinta do texto apresentado pela hierarquia. Essa diferença
pode ser observada, por exemplo, quando o texto defende que o movimento se preocupe com
as áreas rurais, pois, nelas, “os problemas sociais são mais agudos; e maiores a desigualdade e
a miséria, de modo que são necessárias mudanças mais radicais”.654
A preocupação dos coordenadores era amenizar a intervenção na perspectiva de
manter a linha política do movimento inalterada, ou pelo menos, “tentar influenciar o
estreitamento das regulamentações oficiais do Movimento, de modo que numa análise final,
muito pouco teria mudado”.655 Os coordenadores leigos procuravam ganhar tempo, esperando
que a conjuntura se definisse de forma mais clara, e pudessem assim continuar o trabalho,
ainda que dentro de um contexto completamente adverso. De acordo com o relato de Vera
Jaccoud, da Equipe Técnica Nacional, “a situação interna do MEB era péssima. Eu mesma
estava inteiramente insatisfeita com o rumo que o MEB começava a tomar e não estava,
evidentemente, de acordo com as decisões tomadas. Nessa situação, a gente se dispôs a
ganhar um pouco de tempo tentando melhorar por dentro”.656
No final de 1964, as equipes regionais e locais começaram a retomar o trabalho com
as bases. Esta retomada se viu diante de duas grandes dificuldades que já vinham se
apresentando, mas diante da crise iniciada com o golpe em abril foram exacerbadas. A
primeira em relação ao tamanho e o alcance do movimento. Eram muitas escolas, em locais
isolados, núcleos muito distantes, diante disse houve “uma racionalização do trabalho em
áreas prioritárias, onde os esforços seriam concentrados”. A segunda em relação ao
financiamento público, estava cada vez mais difícil depender do Estado, ainda mais sob uma
ditadura militar, o problema era que naquele momento não seria possível substituí-lo. Estes
fatores conjuntos reforçaram no MEB o sentimento de que era necessário, mais do que nunca,
653 Idem, p.1, 654 KADT, Op. Cit. p. 280 655 Idem, p. 283 656 Vera JACCOUD, In. NOVA, Op. Cit. p. 113
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se voltar “para o povo, buscando encontrar novas forças e novas perspectivas que possibilitem
sua sobrevivência e talvez, no limite, sua independência”.657
Na prática, o que se pretendia era abrir um espaço cada vez maior para que as
comunidades atingidas pelo movimento pudessem se integrar a ele, participando não somente
de suas atividades, mas também na coordenação e na organização dos trabalhos. No entanto,
em agosto de 1964, as Diretrizes de Mons. Tapajós foram finalmente aprovadas e
“efetivamente neutralizaram as conseqüências potenciais da nova orientação dos leigos em
relação ao povo, por não mencionarem, nem mesmo em termos gerais, a possibilidade de um
papel ativo dos camponeses na estrutura do Movimento”.658
Os embates entre hierarquia e leigos, num plano, e no interior da própria hierarquia,
em outro, diante da conjuntura política cada vez mais consolidada de conquista do poder pelo
militares, foi determinante para o desfecho desse processo. “O conflito com a Hierarquia da
Igreja estava cada dia mais acirrado. A cada acontecimento o cerco se fechava ainda mais”.659
A hierarquia conservadora foi conseguindo aos poucos diminuir o peso da Coordenação
Nacional dentro do movimento, aumentando o poder e a intervenção das dioceses no MEB.
Somado a isso, do ponto de vista financeiro os cortes no orçamento, as retenções de verba e os
atrasos nas liberações estavam inviabilizando na prática o trabalho. Em 1965 a verba só foi
liberada em junho, e apenas 30% do que havia sido aprovado. Mas o movimento conseguiu
respirar. Mesmo “com cortes e em regime de contenção de gastos”660 as aulas e as
transmissões continuaram, em menor escala, mas funcionando. Nazira Vargas afirma que, em
1965, “nós ainda estávamos, em matéria de aula, a todo vapor. Pressionados, mas tentando
empurrar a porta para ver até onde dava. A força do contexto político, em 65, era
impressionante”.661
Em janeiro de 1966 se descobriu que no orçamento da união não havia dotação para
o MEB. A descoberta foi, até certo ponto, inesperada para a Igreja. Os militares não estavam
dispostos a renovar o convênio com o movimento e os cinco anos do convênio anterior,
iniciado em 1961 com Jânio Quadros estavam vencendo. Imediatamente a CNBB se pôs a
pressionar o governo para a renovação do contrato, oferecendo em troca o enquadramento
total do MEB, permitindo a revisão do material pedagógico pelo MEC e a descentralização
657 FÁVERO, Op. Cit. P.117 658 KADT, Op. Cit. p.285 659 Maria José Sousa dos SANTOS, depoimento, In NOVA, Op. Cit. p. 111 660 FÁVERO, Op. Cit. p. 119 661 VARGAS, In. NOVA, Op. Cit. p.112
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gradativa do movimento aumentando, como já colocado, o poder das dioceses. A decisão
sobre a continuidade ou não do MEB e do convênio com o Governo Federal se arrastou por
todo o ano de 1966. Somente em setembro o governo anunciou, “por decisão pessoal do
presidente Castelo Branco”,662 a renovação do convênio com o MEB.
A reação dos coordenadores e da equipe técnica a essas negociações foi forte. Eles
tinham acabado de encerrar um Encontro Nacional no Rio, no qual a decisão de continuar
com o MEB tinha sido aprovada de forma muito clara. Depois de muitos dias de debates, de
“um consenso duramente conseguido”,663 de todo aquele esforço coletivo, a CNBB fez os
contatos com o governo militar “sem qualquer consulta aos” coordenadores e técnicos do
MEB. Comprometendo-se a intervir no movimento descentralizando as suas funções.
Em outubro de 1966 ocorreu o IV Encontro Nacional de Coordenadores, promovido
para planejar as atividades para o ano seguinte. Muito mais do que isso, o Encontro se
preocupou em discutir as mudanças ocorridas com a aprovação das Diretrizes do Mons.
Tapajós. Nem mesmo todos os argumentos dos leigos e “as sugestões até certo ponto
conciliatórias sobre a co-responsabilidade e a descentralização, pontos centrais daquela
proposta, demoveram os bispos de insistir na evangelização, na catequese e na
“diocesanização”,664 do MEB.
De acordo com Osmar Fávero, naquele momento vários fatores levaram os sistemas
maiores e mais significativos a um impasse. Continuar perdendo a direção política do
movimento ou parar e manter sua coerência ideológica. Os fatores que levaram a isso foram,
num primeiro momento, “a perspectiva do controle ideológico também administrativo-
financeiro das equipes locais por parte dos bispos diocesanos, e as concessões feitas pela
CNBB durante os entendimentos com o governo federal significaram de fato um grande recuo
numa experiência duramente construída”.665 As pressões exercidas por políticos, militares,
grupos e patrões sobre “os monitores e líderes, mas também sobre algumas equipes locais e
padres e bispos mais próximos do MEB”, limitavam suas ações. Quanto as finanças, Aída
Bezerra afirma que foi uma das maneiras mais eficientes de se “afogar” o movimento, a
diminuição da liberação de recursos foi tamanha que depois de um certo tempo, “não se podia
mais fazer encontros, treinamentos, supervisões. Tudo foi diminuindo até chegar a um
662 FÁVERO, Op. Cit. p. 122 663 FÁVERO, Op. Cit. p. 120 664 FÁVERO, Op. Cit. p. 125 665 FÁVERO, Op. Cit. p. 126
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imobilismo inviável. As formas de contato direto foram cerceadas. Veio a impossibilidade de
agir enquanto Movimento”.666
Para o MEB 1966 foi “um ano introspectivo, com uma disputa de forças entre leigos
e hierarquia sobre as mudanças na estrutura no Movimento”,667 que levou ao fechamento dos
sistemas mais importantes do movimento e a saída de diversos membros. A partir daquele
momento os coordenadores estaduais e locais e os técnicos do movimento estavam já bastante
desgastados. “O que acontecia nos Estados – especialmente nas áreas que sofriam uma
perseguição mais direta – levava a gente a acreditar que o MEB não tinha possibilidade de
continuar”.668
A gota d’água foi o já citado acordo entre a hierarquia católica e o governo militar
para a renovação do convênio do MEB. “O Movimento não teria mais caráter nacional e
ficaria na dependência imediata de cada Diocese e da orientação de cada bispo”.669 Isso,
obviamente, não foi aceito pelos coordenadores, como afirma Aída Bezerra. “Para nós, esse
compromisso era inaceitável”.670 Os membros da Equipe Nacional enviaram uma cópia do
acordo para todas equipes regionais, “sugerindo que cada Equipe produzisse um documento
em reação àquele compromisso com o MEC”. Os documentos foram encaminhados para
Marina, da secretaria geral do MEB. Na reunião seguinte do CDN, “passou a ler, um a um, na
ordem dos menos violentos aos mais violentos. Vale dizer que a maioria dos documentos
incluía um pedido de demissão em bloco”.671
Para Nazira Vargas, “por volta de 65/66, o clima era insuportável (...). De todo
modo, “empurramos a porta” até 1966. E aí vimos que não dava mais”. Havia chegado a hora,
para muitos coordenadores e técnicos do MEB de dizer adeus ao movimento. Vera Jaccoud
saiu da Equipe Técnica Nacional “do MEB em abril de 1966”672 Pernambuco foi o primeiro
sistema a parar com suas atividades, “nós reunimos todas as Equipes Locais. Discutimos a
situação, o que estava acontecendo em termos de repressão e contenção (...). A maior parte
das Equipes não agüentava mais (...) não havia mais condições para continuar”.673
666 Aída BEZERRA, In. NOVA, Op. Cit. p.113 667 KADT, Op. Cit. p.303 668 Lucinha, In. NOVA, Op. Cit. p.113 669 Roberto MENDES, Op. Cit. p.114 670 Aída BEZERRA, Op. Cit. p. 115 671 Idem, p. 115 672 Vera JACCOUD, In. NOVA, Op. Cit. p.116 673 Lucinha, In. NOVA, Op. Cit. p.116
199
O Sistema de Goiás, um dos mais originais e avançados com material pedagógico
próprio, fechou depois do Encontro Nacional ocorrido em julho de 1966. De acordo com
Maria Izabel Ramos Jubé, da equipe estadual de Goiás, “foi uma tensão muito forte essa de ir
preparando o pessoal, terminando, fechando (...). Foi um processo muito difícil para todo
mundo, sobretudo quando se teve que ir buscar os rádios nas Escolas”.674 Ela afirma ainda que
ficou até o fim, “só para fazer o encerramento, seguindo a forma recomendada pelos
monitores”.675
Na Bahia a decisão de parar com as atividades do MEB foi tomada pela hierarquia,
“houve uma reunião dos bispos da Província e foram eles que terminaram o MEB por
imposição de D. Eugênio, na época Cardeal da Bahia”.676 Ficaram três pessoas responsáveis
por recolher o material, terminar “os pagamentos, indenizações, enfim, essas coisas da área
administrativa. Esse processo durou até janeiro de 1967”.677 De acordo com o depoimento de
Roberto Faria Mendes, da equipe local de Juiz de Fora (MG), o fim do MEB em “Minas
Gerais foi semelhante à Bahia. Os bispos decidiram fechar. Só os carros foram recolhidos”.678
Essa medida de recolhimento dos carros ocorreu em outros sistemas, como em Goiás e
Pernambuco. Os automóveis foram utilizados “para o pagamento das indenizações”.679
Chegava ao fim a primeira fase do MEB, certamente a mais importante e a mais
significativa. Várias mudanças ocorreriam depois dali, a região de maior atividade do MEB se
deslocaria para o Norte, sobretudo, a Amazônia. O trabalho de animação popular, iniciado em
1965, começou a ganhar mais espaço; o debate em torno do desenvolvimento de comunidade
também.
5 – O golpe e os estudantes: A UNE e os CPCs
Como vimos ao longo do trabalho, a União Nacional dos Estudantes e os Centros
Populares de Cultura, tiveram participação fundamental na formulação e na implementação de
diversas ações na área de educação e cultura popular. As experiências inovadoras no campo
do teatro, da música e do cinema; e as campanhas de alfabetização de adultos, como a da
674 Iza JUBÉ, In NOVA, Op. Cit. p.116 675 Idem, p. 116 676 Ruth VIEIRA, In. NOVA, Op. Cit. p.117 677 Idem, p.117 678 Roberto MENDES, In. NOVA, Op. Cit. p. 117 679 Iza JUBÉ, In NOVA, Op. Cit. p.117
200
UNE e de alguns CPCs demonstraram algumas características dos estudantes universitários
nos anos 1960. Para Ênio Silveira essas características eram “a generosidade, a pureza e a
disposição para o sonho que caracterizam a juventude em qualquer parte do mundo”.680 O
projeto ou programa que movia toda aquela juventude era guiado por um objetivo maior,
colaborar na construção de um país “mais justo e democrático, que, defendendo sua
autonomia nacional, pudesse promover reformas estruturais que levassem em conta os
interesses e direitos da base da pirâmide social e tentasse conter os abusos das classes
dominantes, tradicionalmente egoístas e autoritárias ao longo de nossa história”.681
Após o golpe civil/militar de 1964 essas idéias que povoavam a cabeça de muitos
estudantes brasileiros, guiando suas mobilizações e movimentos, foram interpretadas de uma
única maneira pelos órgãos de repressão da ditadura militar, agitação comunista. Não
passavam de pensamentos e ações subversivas. Um dos exemplos de como o movimento
estudantil universitário brasileiro era visto e foi reprimido pelas autoridades militares pode ser
encontrado no IPM da Área de Ensino da Bahia. Em 31 de janeiro de 1966, o Promotor
Militar Dr. Antonio Brandão de Andrade, da 6ª. Região Militar com sede em Salvador,
denunciou um grupo de estudantes ligados a União dos Estudantes da Bahia (UEB),
afirmando que antes da “Revolução” de 31 de março a entidade dos estudantes baianos atuava
“sob a bandeira do falso nacionalismo e das reformas, inclusive universitária”.682 A UEB
dentro daquele contexto de “crise política em que se engolfava o País, no compasso da
desordem e do caos social, assumiu a liderança de inúmeros movimentos de incitamento
público e de agitação de massas”. Era uma referência à manifestação dos estudantes da
Universidade da Bahia, ocorrida antes do golpe no dia 2 de março, que impediu o ex-ministro
da educação Clemente Mariani de proferir a aula inaugural da universidade.
Isso era motivo de sobra para tornar a UNE e os CPCs, assim como os demais
movimentos de educação e cultura popular, alvos de uma rápida e violenta repressão. A
mobilização e a postura do movimento estudantil brasileiro, naquele momento, levaram os
aparelhos repressivos a terem uma preocupação especial com as “ações subversivas” do
movimento estudantil em praticamente todos os cantos do país. Os estudantes, após o golpe,
“passaram, automaticamente, à condição de elementos de alta periculosidade para a segurança
680 Ênio SILVEIRA In Jalusa BARCELLOS, O CPC da UNE: Uma História de Paixão e Consciência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/IBAC/MINC, 1994. p.7 681 Idem, p.7 682 BNM 394, Caixa 1, Vol.1, p.3, AEL/UNICAMP
201
nacional, aos olhares “eternamente vigilantes” das novas autoridades. Ser estudante equivalia
a ser “subversivo””.683
A violência dos golpistas contra o movimento estudantil ficou clara já no dia 31 de
Março de 1964. Uma manifestação contrária ou golpe convocada pela UNE na Cinelândia, no
centro do Rio de Janeiro, foi dispersada a tiros pelos militares golpistas. O ator Carlos
Vereza, na época membro do CPC, relata que ao chegar notou uma movimentação estranha,
pessoas caídas, tiros, muita correria. Ao seu lado um homem caiu baleado, diante daquela
situação toda percebeu a mudança de postura dos militares:
“__Que loucura! Há um mês, no comício da Central, esse mesmo Exército estava lá,
protegendo o povo... E agora, ele mata!”684
Carlos Vereza foi então para a sede da UNE, no bairro do Flamengo no Rio de Janeiro,
ao chegar encontrou membros do CPC e da UNE montando barricadas e preparando coquetéis
molotov, a idéia era resistir ao golpe. Entretanto, as notícias que chegavam pelo rádio não
eram nada animadoras, pelo contrário, “as rádios davam sucessivas edições extraordinárias
confirmando a queda de Goulart. O Sul não se rebelara e esparsos focos de resistência
estavam sendo sufocados”.685
Na sede da entidade havia cerca de 200 pessoas, militantes, artistas e intelectuais
defendiam o prédio de um ataque que parecia eminente. Cerca de 30 fuzileiros navais,
enviados pelo Almirante Aragão, que garantiam a segurança do prédio foram obrigados a
deixar a entidade na madrugada do dia 1º. de Abril. A fachada da UNE foi alvejada diversas
vezes naquela madrugada, uma a uma as pessoas foram deixando o prédio. Na manhã do dia
primeiro depois de muitos debates quanto a validade ou não da resistência, restavam no prédio
apenas Vianinha, João das Neves, Francisco Milani e Carlos Vereza. A frente da UNE estava
tomada por lacerdistas que, “exigiam que se invadisse aquele “antro de subversão”.686 Os
quatro seguindo os passos de Luiz Werneck Vianna e Armando Costa, “correram para os
fundos (...) pularam o muro e alcançaram a Rua do Catete, onde tomaram um taxi em direção
ao Centro”.687 Como se sabe, logo depois de deixarem o prédio, ele foi invadido, “iniciando-
se o quebra-quebra. Os atos de vandalismo prosseguiram do lado de fora, com os golpistas
683 Artur José POERNER, O Poder Jovem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, pp.218-219 684Carlos VEREZA, In. BARCELLOS, Op. Cit. p.132 685 Dênis de MORAES, Vianinha: cúmplice da paixão. Rio de Janeiro: Nórdica, 1991, p.128 686 Idem, p. 129 687 Idem, p.130
202
jogando tochas acesas, estopas com gasolina e coquetéis molotov”.688 Era o capítulo final de
um período, era a confirmação da derrota de um projeto político, os sonhos estavam ficando
para trás, consumidos pelas chamas que queimavam a sede da UNE e o teatro do CPC.
Muitos trabalhos, publicações e documentos do CPC e da UNE foram apreendidos, e a
exemplo do que estava acontecendo em Natal, eram expostos como prova da orientação
subversiva dos movimentos. Moacyr Félix na época editor dos Cadernos do Povo Brasileiro,
afirma em entrevista, que o livro Poemas da Liberdade “foi apresentado na televisão, logo no
dia seguinte ao golpe, como material subversivo (...) também, como exemplo de literatura
subversiva, mostraram o generoso Violão de Rua”.689
A ditadura construiu uma imagem dos estudantes e da universidade como fontes
constantes de atividades subversivas. Diante dessa realidade se fazia necessária uma solução
de força. Um processo de intervenção que se caracterizava por, “suspender, expulsar, prender
e torturar estudantes; demitir professores; invadir Faculdades; intervir, policialmente, nas
entidades estudantis; proibir qualquer tipo de reunião ou assembléia estudantil”.690 Com todas
essas medidas o objetivo principal dos militares, de acordo com Poerner, era por fim ao
“processo de renovação do movimento estudantil e da Universidade em nosso País, onde ela
começava a se capacitar para o fornecimento dos técnicos, pesquisadores e cientistas
indispensáveis a um desenvolvimento nacional independente”.
A atitude repressiva dos militares se estendeu por todo o governo Castelo Branco, a
idéia era, sobretudo, deter não somente manifestações e atos políticos, mas as atividades
culturais e educacionais em que muitos estudantes estavam envolvidos. As perseguições não
ocorreram somente contra as entidades estudantis, como os Centros Acadêmicos, UEEs ou a
UNE, mas também contra os CPCs. O objetivo da repressão, além de procurar impor silêncio
aos protestos do movimento estudantil, buscava impedir que os estudantes “promovessem
novas campanhas de alfabetização de adultos, cujos organizadores e participantes era, então,
submetidos aos atrabiliários Inquéritos Policiais Militares”.691
Um desses IPM’s foi aberto para investigar a suposta subversão na área educacional
da Bahia, dos nove denunciados oito eram estudantes universitários. O único já formado era o
engenheiro agrônomo José Alberto Bandeira Ramos, vereador cassado de Cruz das Almas, no
interior do estado. Durante o governo Jango foi delegado da Superintendência da Reforma 688 Idem, p. 130 689 Moacyr FÉLIX In. BARCELLOS, Op. Cit. p.363 690 POERNER, Op. Cit. p. 220 691 POERNER, Op. Cit. p.222
203
Agrária (SUPRA).692 José Alberto, de acordo com a denúncia, era “orientador da Associação
dos Tarefeiros da Escola Agrônoma, onde pregava sobre a união dos estudantes-operários-
camponeses e fundação de ligas camponesas”,693 a acusação, obviamente, era de que ele
pertencia ao Partido Comunista, “atuante no setor universitário”694
Dos oito estudantes, quatro eram alunos de Direito, dois da Politécnica, um de
Geologia e outro de Filosofia, suas idades variavam entre 22 e 25 anos. Escolhemos dois que
tinham relação com o CPC da Bahia. Jorge Antonio Freire de Sá Barreto tinha 23 anos, era
estudante de Direito, atuava no teatro do CPC como ator. Depois de ter sido procurado por
militares do Exército em sua casa, Jorge Barreto resolveu se apresentar ao Quartel General em
Salvador no dia 24 de abril de 1964. Foi interrogado e identificado pelo Major Melo Campos,
levado para o Quartel do Mont Serrat onde foi preso.
No dia 11 de junho de 1964 Barreto foi novamente interrogado, desta vez pelo
Tenente Coronel Professor Jardro de Alcântara Avellar, responsável pelo IPM. Ao ser
“perguntado a que atribui a sua procura por elementos do Exército, respondeu que acha que
pelo fato de ter trabalhado no Centro Popular de Cultura”.695 Logo depois de ser perguntado
sobre as peças teatrais de que teria participado, foi questionado se era de seu conhecimento
“que o CPC era um órgão aonde militavam um grande número de simpatizantes do partido
comunista, respondeu que veio a notar depois de lá ter freqüentado algum tempo”. Diante
dessa resposta o interrogador lhe perguntou “por que não se retirou então do CPC, respondeu
que gostava de teatro e que concordava com algumas coisas e idéias lá ventiladas, como por
exemplo o problema das reformas de base”. Mesmo diante dos interrogadores militares, preso
no interior de um Quartel do Exército, o estudante deixou transparecer suas opiniões políticas.
Em 1963 foi preso colando cartazes e pixando muros pela cidade de Salvador na
comemoração dos 41 anos do PCB. Mesmo se comprometendo e declarando “que não
participará jamais de qualquer movimento político dessa ordem, considerando aquela fase,
como uma etapa totalmente ultrapassada em sua vida”. De nada adiantaram esse argumentos.
A participação nessa atividade do PC lhe valeu, certamente, a denúncia do promotor. De
acordo com a denúncia Jorge Barreto, era “um comunista confesso e militante, tendo efetuado
692 BNM 394, Caixa 1, Vol.1, p.2 AEL/UNICAMP 693 BNM 394, Caixa 1, Vol.1, p.5 AEL/UNICAMP 694 Idem, p.5 695 BNM 394, Caixa 1, Vol.3, p.522 AEL/UNICAMP
204
efetiva propaganda da doutrina marxista, pixando muros, paredes e afixando cartazes
subversivos”.696
Aristiliano Soeiro Braga tinha 25 anos, cursava Direito e foi presidente da União dos
Estudantes da Bahia (UEB) entre 1961 e 1962, acusado der ser membro do Partido
Comunista, teria obtido, segundo a denúncia da promotoria, “grande projeção na Campanha
de Alfabetização de Adultos, sendo o fundador do Centro Popular de Cultura, órgão de
difusão da ideologia bolchevista”.697 No depoimento Aristiliano reconhece que o CPC havia
sido fundado durante a sua gestão, segundo ele “vários estudantes e intelectuais manifestaram
à UEB o desejo de formar um órgão em que desenvolvesse as artes de um modo geral”. 698
Continua o depoimento afirmando que em congressos e assembléias anteriores já havia sido
aprovada a proposta de colaboração com esse tipo de atividade. Nesse sentido, a UEB “não
podia deixar de apoiar de vez que era uma decisão de seus filiados, e que portanto ela UEB, se
incorporou como uma das fundadoras do Centro Popular de Cultura da Bahia”.
Nas conclusões da denúncia o promotor alegava que as ações daqueles elementos eram
a comprovação das “atividades delituosas”, essas ações segundo o ele, “tinham o propósito
deliberado e consciente de subverter e mudar, mediante processos violentos (...), a ordem
política ou social estabelecida na Constituição vigente em nosso País, razão pela qual é
oferecida a presente denúncia”.699 Por trás de todas essa ações estava, obviamente, o Partido
Comunista, uma “organização estrangeira de âmbito internacional”. O representante da justiça
militar oferecia uma denuncia contra um grupo de estudantes, que teriam cometido o crime de
querer “subverter e mudar” a ordem, desrespeitando para isso a Constituição. Ora, o que
fizeram os militares com essa mesma Constituição, a não ser, tê-la desrespeitado, sepultando
por longo período a democracia.
Uma das características do movimento estudantil foi que, mesmo depois do golpe,
continuou atuante. Os estudantes, depois de um período inicial de forte repressão,
conseguiram aos poucos retomar suas ações. No final de 1964 o governo Castelo Branco
decretou a Lei no. 4464, ou Lei Suplicy de Lacerda como ficou conhecida, na prática era uma
intervenção de cima à baixo no movimento estudantil brasileiro, procurando por fim à
autonomia das entidades estudantis. A lei da ditadura pôs fim à UNE, UEEs e CAs e criou a
figura do Diretório Acadêmico organizado nos mesmos níveis: nacional, estadual e local.
696 BNM 394, Caixa 1, Vol.1, p.4 AEL/UNICAMP 697 Idem, p.4 698 BNM 394, Caixa 1, Vol.3, p.1169 AEL/UNICAMP 699 BNM 394, Caixa 1, Vol.1, p.5 AEL/UNICAMP
205
Para Poerner o único mérito da Lei foi o de “aglutinar, na luta pela sua revogação, o
movimento estudantil, que atravessava, naturalmente, uma fase de reorganização”,700 por
conseqüência das perseguições e prisões ocorridas, como vimos, após o golpe de abril de
1964.
A UNE continuaria existindo, ainda que na clandestinidade, até 1968 quando o
congresso nacional da entidade em Ibiúna, na grande São Paulo, foi dissolvido e todos os
participantes presos. Nesse período, entre 1964 e 1968 o movimento estudantil conseguiu se
reconstituir. Sua principal estratégia foi combater o governo, lutar contra a ditadura. No
campo educacional exigindo “mais vagas e mais verbas para as universidades”, 701 o que já se
fazia mesmo antes do golpe. No campo político, por meio de um discurso nacionalista,
estabelecendo um programa de lutas no qual constavam a “denúncia dos acordos MEC-
USAID, a acusação de que o governo era “vendido” aos americanos e a condenação do papel
que as multinacionais exerciam no país”.
O debate sobre a reforma universitária foi a última discussão que o movimento
estudantil conseguiu fazer de forma mais organizada. A preocupação com a dependência do
Brasil em relação aos Estados Unidos e, como vimos, da influência dessa relação na área
educacional ocupou um lugar privilegiado no debate político do movimento. Conseguiram
realizar em 1968 um importante movimento de contestação à ditadura militar. Foi a curta
primavera dos estudantes brasileiros em meio ao inverno do regime militar. Essa mobilização
toda foi violentamente reprimida, tanto pela Reforma Universitária aprovada em novembro de
1968, como pelo AI-5 decretado em dezembro do mesmo ano. “Essas medidas, a pretexto de
extinguirem a guerrilha urbana, radicalizam a repressão ideológica-política, silenciando
definitivamente o Movimento Estudantil”.702
Além de retomar suas atividades políticas, alguns estudantes conseguiram manter suas
ações culturais e educacionais, mesmo sob a ditadura. Temos pelo menos os relatos de duas
tentativas de continuação dos Centros Populares de Cultura. No já citado livro de Jalusa
Barcellos, o ator Carlos Vereza cita o exemplo do CPC de Niterói. “Mudamos de nome,
passamos a ser um grupo de arte popular, e ficamos fazendo espetáculos. Mas chegou uma
700 POERNER, Op. Cit. p.231 701 Ester BUFFA e Paolo NOSELLA, A educação negada, São Paulo: Cortez, 1991, p.140 702 BUFFA e NOSELLA, Op. Cit. p.142
206
hora em que eles começaram a desconfiar, e aí ficou impraticável. Mas, com o pessoal de
Niterói, o CPC resistiu até 1965”.703
No mesmo livro João Siqueira, na época ator do CPC, afirma sobre o CPC do Paraná
que “em 1965 ele foi retomado, evidentemente com outro nome. A gente colocou o nome de
Companhia Paranaense de Teatro Popular – CPTP”.704 Entre 1965 e 1966 foi aberto um IPM
para analisar as atividades do CPC paranaense. O Promotor Militar José Manes Beitão em 31
de Maio de 1966 ofereceu denúncia contra dez pessoas. Elas foram dividas em dois grupos,
no primeiro formado por seis acusados estavam Dilma Maria Maia Pereira, Marilda Chautard,
Miriam Galarda, Manoel Kobachuk Filho, Euclides Coelho de Souza e Amazonas Brasil,
contra eles o Promotor declarava: “Conforme está evidenciado nos autos do IPM, os
denunciados faziam parte do Centro Popular de Cultura do Paraná. Com a extinção desse
órgão espúrio, fundaram o Teatro de Fantoches”.705 Além disso, realizavam segundo a
denúncia outras atividades subversivas, “usavam do Teatro de Adultos, alfabetização e
cinema, como meio de doutrinação política”. No segundo grupo estavam Lílian Jeanette
Galarda, Jorge Karam, Leonil Lara e José Luiz Chautard; este grupo seriam os “novos
companheiros”, de acordo com o promotor estava “devidamente provado nos autos o
concurso para o trabalho subversivo dos demais denunciados”.706 Contra José Luiz Chautard
pesava ainda o fato de que “era diretor cinematográfico do C.P.Cultura, e portanto,
encarregado do cinema, meio empregado para a doutrinação comunista”.
O grupo foi acusado de agir conjuntamente orientados pelo Partido Comunista. A
partir da apreensão de cartas pessoais de Dilma e Mirian, e dos interrogatórios, o promotor fez
a denúncia contra os membros do CPC do Paraná. Num trecho de uma das cartas apreendidas,
supostamente, enviada por Dilma a exilados políticos brasileiro em Cuba, é possível ter um
pequeno relato sobre a repressão ao CPC: “...tendo em vista a POSIÇÃO REALMENTE
REVOLUCIONÁRIA DE NOSSO GRUPO, a nossa entidade foi fechada, invadida pelo
Exército e Polícia...”707 O trecho seguinte reforçava para os militares as denúncias de
subversão. “Porém, não podemos parar o nosso trabalho, portanto, ACABAMOS DE
MONTAR OUTRO TEATRINHO, que está tendo ampla aceitação na cidade, ATUANDO
COM CERTA CLANDESTINIDADE...”. Infelizmente não havia no IPM anexado nenhuma
cópia das cartas para termos uma idéia mais precisa de sua autenticidade. De toda forma, em 703 BARCELLOS, Op. Cit. p. 132 704 BARCELLOS, Op. Cit. p. 277 705 BNM 397, Caixa 1, Vol.1, p.2 AEL/UNICAMP 706 BNM 397, Caixa 1, Vol.1, p.5 AEL/UNICAMP 707 BNM 397, Caixa 1, Vol.1, p.3 AEL/UNICAMP
207
15 de maio de 1969 saiu a sentença do Conselho Permanente de Justiça. Do grupo foram
condenados “à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção”708 Dilma, Marilda, Miriam,
Manoel e Euclides.
Este IPM nos demonstra claramente o nível em que a perseguição política chegou no
país nos primeiros anos da ditadura. Mesmo durante o governo Castelo Branco, período que o
jornalista Élio Gaspari chamada de “Ditadura Envergonhada”, os setores mais conservadores
das Forças Armadas, a chamada linha dura utilizou todos os mecanismos repressivos
possíveis para dar prosseguimento à Operação Limpeza. No caso de acabamos de ver contra o
movimento estudantil a principal conseqüência foi o fim das experiências de educação e
cultura popular realizadas por grupos de estudantes espalhados por todo o país.
O CPC original, no Rio de Janeiro, também não sobreviveu ao golpe, porém seus
principais integrantes se reuniram no show Opinião, que estreou no final de 1964. Seu
sucesso, de acordo com Ferreira Gullar, foi a identificação da classe média com o espetáculo.
“Viram que aquilo era a expressão contrária à ditadura”.709
708 BNM 397, Caixa 1, Vol.3, p.749 AEL/UNICAMP 709 Ferreira GULLAR, Citado por Marcelo RIDENTI, Em busca do Povo Brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2000, p.126
208
Considerações Finais
Em pleno século XXI o analfabetismo persiste no Brasil. Hoje temos praticamente a
mesma quantidade de analfabetos que em 1960, cerca de 16 milhões. Percentualmente esse
número foi reduzido de 40% para 10% da população, mas a exclusão educacional desse
grande número de brasileiros persiste. Talvez por isso, passados quarenta anos daquelas
experiências de cultura e educação popular, elas continuem suscitando a curiosidade das
pessoas, o debate acadêmico e a realização de estudos e pesquisas. Tema desde a década de
1960 de inúmeros artigos, monografias, dissertações, livros e teses, os movimentos de
educação e cultura popular foram fundamentais na renovação dos conceitos, métodos e
técnicas do teatro, da música, do cinema e também, é claro, da alfabetização de adultos.
Suas ações procuravam, ao mesmo tempo, democratizar e politizar tanto a educação
como a cultura. Surgidas num contexto de forte mobilização política, as diversas experiências
culturais e educacionais daquele momento buscavam no povo sua referência ideológica e
política. As reflexões em torno do tema da cultura popular fizeram parte de toda a evolução
teórica dos movimentos aqui estudados. Era a base de sustentação ideológica das ações e
inovações dos movimentos, a opção pela defesa das classes populares. A educação popular
por meio da alfabetização de adultos, do método Paulo Freire, da elaboração das diversas
cartilhas, do aumento na oferta de vagas, da contratação de professores, se tratava de um
amplo processo de democratização educacional. Podemos inserir aquela mobilização
educacional num conjunto maior de mudanças que afetaram também o campo político. Para
Lucília Neves, naquele momento a principal alteração política “ocorreu através de um forte
movimento de ampliação da cidadania, traduzido na presença – nos embates próprios à
democracia – de sujeitos históricos até então usualmente tolhidos em suas iniciativas de se
inserir no processo participativo”,710 ou seja, o povo, entendido aqui como os indivíduos
oriundos das classes populares do campo e da cidade.
Ao longo deste trabalho o que se procurou fazer foi acompanhar a trajetória dos
movimentos de educação e cultura popular tendo em vista duas questões fundamentais. A
relação entre os movimentos e os grupos e atores políticos, e o projeto ou programa político
dos movimentos, ou, mais exatamente, se os movimentos defendiam uma alteração na ordem 710 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. “Partidos políticos e frentes parlamentares: projetos, desafios e conflitos na democracia”. In Jorge FERREIRA (Org.), O Populismo e sua História: Debate e Crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p.147
209
ou a mudança completa da ordem. Questões fundamentais nas reflexões sobre a ação daqueles
movimentos.
Uma das primeiras análises sobre os movimentos de educação popular foi feita por
Francisco Weffort no prefácio de Educação como prática da liberdade, livro de Paulo Freire
sobre seu método de alfabetização de adultos, lançado no Chile em 1965. De acordo com
Weffort toda aquela mobilização realizada no fim do governo Goulart tinha “uma debilidade
congênita: encontrava-se, direta, ou indiretamente comprometida com o governo e, através
dele, com as instituições vigentes que a própria pressão popular ameaçava”.711 Essa afirmação
pressupõe uma relação política entre o governo Goulart e as forças da ordem que naquele
momento não existia. Pelo contrário, como podemos observar nos textos de conjuntura
política, o que aconteceu naquele momento foi uma polarização que opunha dois projetos de
desenvolvimento conflitantes e opostos. Mesmo Goulart, com sua ação política marcada pelo
uso intensivo da negociação e do diálogo, mesmo não sendo ideologicamente a favor de uma
ruptura brusca na ordem, ainda sim, corporificou naquele momento uma alternativa real de
alteração na ordem. Para as esquerdas, essa alteração começava pela implementação das
reformas de base; para as direitas, era o perigo da ruptura da ordem e a ameaça cada vez mais
real do comunismo.
O conceito de “populismo” como forma de governar ou política de massas pode ser
compreendido, na definição de Octávio Ianni, “como uma técnica de organização, controle e
utilização da força política das classes assalariadas”.712 A conjuntura política, caracterizada
pela ascensão das “massas”, colocou em xeque o equilíbrio proposto pelo “populismo”. Nesse
sentido, Weffort afirma que “a manipulação das massas entrou em crise, isto é, abriu a porta a
uma verdadeira mobilização política popular”.713 No entanto, o mesmo autor ao fazer
referência ao período Goulart aponta “que, mesmo na fase final do período democrático, o
quadro político geral continuava a ser o do populismo”.714 Isso significava que toda aquela
mobilização política popular “dependera sempre da existência de uma transação entre grupos
dominantes”. Como aquela transação se encontrava em crise, a importância das classes
populares como legitimadoras do Estado só pode ser “possível enquanto estiveram contidas
dentro de um esquema de alianças policlassistas, que as privava de autonomia”. Colocando
sobre Goulart a responsabilidade por ter provocado a crise do “populismo”, afirma, no 711 Francisco WEFFORT, Educação e Política: reflexões sociológicas sobre uma pedagogia da liberdade. In Paulo FREIRE, Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2005, 28ª. Edição, p.18 712 Octávio IANNI, O Colapso do Populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1975, 3ª. Edição, p.63 713 Francisco WEFFORT. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003, 5ª. Edição, p.85 714 Idem, p.87
210
entanto, que o ex-presidente estava longe “de ter o controle do processo político”. Em contra
partida, “crescia em importância uma mobilização popular que, embora muitas vezes
dependesse do Estado, tendia a superar os limites institucionais vigentes”.
Essa formulação influenciou de forma marcante a historiografia dos movimentos de
educação e cultura popular. Um dos debates centrais é se os movimentos teriam se
enquadrado nos limites propostos pelo “regime populista”, ao mesmo tempo que mobilizava,
também manipulava o povo; ou ultrapassava seus limites, significando então uma alternativa
autenticamente “popular” e libertadora. Na primeira forma de interpretação, Silvia Manfredi
afirma que “o Estado, sob a forma populista, utilizou-se do movimento de cultura popular
como um dentre os vários mecanismos de mobilização das classes trabalhadoras do meio rural
e urbano”715. Esta mobilização educacional, que incluía a alfabetização de adultos, “poderia
garantir aos líderes populistas a ampliação do eleitorado, aumentando assim as bases de
sustentação de seu poder”. No mesmo sentido, Vanilda Paiva ao analisar o pensamento de
Freire naquela fase, afirma que no pensamento político do educador pernambucano, “a
educação deveria contribuir para o surgimento da consciência crítica; esta, porém, não deveria
ir tão longe a ponto de colocar em questão o modelo democrático representativo”. Os destinos
da sociedade, e portanto das classes populares, deveriam estar nas mãos de uma pequena
minoria, isso significava dizer, que “o papel da educação em geral e da alfabetização em
particular seria ampliar a base a partir da qual essa minoria é selecionada e oferecer-lhe maior
legitimidade”.716
Na segunda perspectiva, os movimentos, apesar de seus laços com o Estado na sua
forma “populista”, teriam ultrapassado seus limites. José Eustáquio Romão afirma que isso foi
possível porque naquele momento o “populismo” se defrontou com uma de suas maiores
contradições. Se “não funciona, seus adversários o aniquilam; se funciona, cava sua própria
sepultura, pela superação dos limites por ele propostos, na medida em que a massa emersa na
arena política tende a se transformar em povo e em sujeito de sua própria história”.717 O
pensamento de Paulo Freire, bem como os movimentos de educação e cultura popular seriam
elementos novos que teriam, apesar da relação com o “populismo”, conseguido escapar a essa
715 Silvia Maria MANFREDI, Política e Educação Popular. São Paulo: Cortez, 1981. pp. 23-24. 716 Vanilda PAIVA. Paulo Freire e o Nacional Desenvolvimentismo. São Paulo: Graal, 2000, p.152 717 José Eustáquio ROMÃO. Prefácio. In. Paulo Freire, Educação e Atualidade Brasileira. São Paulo: Cortez, Inst. Paulo Freire, p. XXXVII e XXXVIII.
211
sina, servindo “mais à mobilização, à organização, à difícil batalha pela representatividade e
pela cidadania das camadas populares do que à manipulação, típica dos populismos”.718
Ao analisar o surgimento e a trajetória do conceito de “populismo” no Brasil, Ângela
de Castro Gomes demonstra que este conceito foi construído tendo por base a relação entre
Estado e classes populares. Uma relação, não somente assimétrica, mas pensada a partir da
contraposição entre um e outro, dessa forma, as classes populares não são concebidas “como
atores/sujeitos nesta relação política, mas sim como destinatários/objeto a que se remetem as
formulações e políticas populistas”.719 Nesta relação, portanto, caberia somente uma postura
passiva e fraca para os setores populares, “só poderiam mesmo ser manipulados ou cooptados
(caso das lideranças), o que significa precipuamente, ou literalmente, enganados ou ao menos
desviados de uma opção consciente”. As interpretações sobre as relações entre Estado e
sociedade/classe trabalhadora baseadas no conceito de “populismo” tendem a compreender
esta relação, de acordo com Jorge Ferreira, “como uma via de mão única, de cima para baixo,
à luz do enfoque opressor e oprimido, o Estado, todo-poderoso, pela violência física e
ideológica, domina e subjuga a sociedade, os trabalhadores em particular, surgindo, desse
modo, uma relação destituída de interação e interlocução entre as partes”.720
Weffort, ao analisar a relação entre os movimentos de educação popular e o Estado
durante o governo Jango, constrói uma interpretação que entende o recebimento do apoio
governamental por parte dos movimentos, como um “equívoco fundamental”.721 A
necessidade de aproximação com o Estado era vista como um risco. “Toda prática implica em
algum perigo de transfiguração de suas intenções originais, perigo que, no caso da situação
brasileira, se esboçava na ambigüidade do movimento popular entre a mobilização e a
manipulação”.722 Utilizando o conceito de “populismo”, Weffort condena a busca de apoio
do Estado como um erro dos movimentos.
Evitando interpretar a atuação dos movimentos dentro desta camisa de força
“teórica” que se tornou o “populismo”. Optamos por procurar compreender os movimentos a
partir de suas próprias dinâmicas. Vimos por exemplo, que o surgimento dos movimentos
entre 1960 e 1961 teve forte relação com o Estado e com as forças políticas de esquerda. Não
foram criados de forma isolada e depois cooptados ou manipulados pelos políticos 718 Afonso Celso SCOCUGLIA. A história das idéias de Paulo Freire. João Pessoa: Ed.UFPB, 2006, 5ª. Edição, p.49 719 Ângela de Castro GOMES. “O populismo e as ciências sociais no Brasil”. In. FERREIRA, Jorge (org.). Populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p.35 720 Jorge FERREIRA, “O nome e a coisa: O populismo na política brasileira”. In. FERREIRA, Jorge (org.), Op. Cit. p.94 721 WEFFORT, Op. Cit. p.18 722 Idem, p. 31
212
“populistas”, mas surgiram, quase todos, da união de diversos fatores, entre eles, a ação
conjunta das três principais culturas políticas definidas como de esquerda naquele momento.
A comunista, a trabalhista e a cristã progressista, capitaneadas naquele momento, pelo PCB,
pela JUC/AP e pelo PTB juntamente com o governo Jango, respectivamente. Além disso,
outros grupos políticos de centro, e até mesmo de direita, chegaram em alguns momentos a
colaborar com os movimentos e iniciativas de educação e cultura popular. O que torna ainda
mais complexo o uso de conceitos como o “populismo”, que coloca de baixo de um mesmo
“guarda-chuva teórico” políticos de matizes ideológicas tão diferentes.
O MCP, por exemplo, foi produto direto da chegada de Miguel Arraes e da Frente do
Recife ao poder – primeiro em Recife e depois em Pernambuco. Formada por um amplo arco
de alianças à esquerda, a Frente tinha um programa político transformador. Nesse contexto, o
MCP aglutinou em torno de si, desde sua formação inicial, uma série de diferentes
experiências que em comum tinham o fato de valorizar a cultura popular como elemento de
transformação da sociedade. Além disso, sua composição política comportava uma aliança
entre comunistas e cristãos progressistas, que se não eram organicamente ligados à AP,
tinham nela uma referência importante. Politicamente, de acordo com um documento do
MCP, o movimento popular para transformar a realidade teria como base três características
fundamentais: a) Só o povo pode resolver os problemas populares; b) Tais problemas se apresentam como uma totalidade de efeitos que não pode ser corrigida senão pela supressão de suas causas radicadas nas estruturas sociais vigentes; c) O instrumento que efetua a transformação projetada é a luta política guiada por idéias que representam adequadamente a realidade objetiva.723
De forma semelhante, a Campanha de Pé no Chão também se aprende a Ler nasceu
em Natal a partir da eleição de Djalma Maranhão para a prefeitura. Ex-militante comunista,
Maranhão tinha um forte discurso anti-imperialista e sua campanha para prefeito teve como
base os Comitês Nacionalistas. Além de Maranhão, se aglutinaram em torno da campanha,
intelectuais progressistas, estudantes universitários ligados à AP, militantes do PCB. Vimos
que nas análises sobre a Campanha é possível perceber uma evolução política que partiu de
uma postura de “simples” expansão do número de vagas escolares, para uma educação
“libertadora”, como podemos observar no documento da Campanha Pé no Chão sobre Cultura
Popular de 1963 e nas análises de Moacyr de Góes.724
723 MCP, Plano de Ação para 1963, pp.2-3, (grifo nosso). 724 Relatório, Cultura Popular: tentativa de conceituação e Moacyr de GOÉS, De Pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964): Uma escola democrática. São Paulo: Cortez, 1991. p. 160
213
No caso da UNE e dos CPCs a presença das forças políticas era nítida. A AP no caso
da UNE e o PCB no caso do CPC do Rio de Janeiro eram as forças hegemônicas nessas
respectivas entidades. Seja disputando o mesmo espaço político ou atuando em Frente Única,
a AP e o PCB conseguiram, naquele momento, revitalizar os movimentos estudantil e
cultural. A UNE-volante tanto serviu para por em contato os militantes da UNE e do CPC
com as outras experiências de cultura popular que estavam ocorrendo no país, sobretudo no
Nordeste, como também serviu para espalhar por diversas universidades em várias capitais do
país a iniciativa de criação de Centros Populares de Cultura, que trabalhavam tanto a questão
da cultura popular como da educação popular. Do ponto de vista político, de acordo com
Herbert de Souza (Betinho), para a AP que, acabava de declarar a condenação do capitalismo,
era difícil concordar com o PCB, “que o capitalismo só ia ser superado depois que houvesse a
revolução burguesa. Era difícil admitir como fundamental uma aliança com a burguesia
nacional e, também, que a questão nacional passava pelo desenvolvimento da burguesia
nacional e do capitalismo nacional”.725
A resposta da AP era reafirmar o seu nacionalismo e sua opção popular: “nós somos
nacionalistas, mas nacionalistas a serviço do povo brasileiro, não a serviço da burguesia”.
Havia por parte da AP uma leitura crítica muito forte da relação entre nacionalismo e
desenvolvimentismo. “Do ponto de vista da Ação Popular havia uma visão radical de
condenação do capitalismo”. Era a afirmação do socialismo como opção política fundamental.
Mesmo o PCB, defendendo como linha política essa postura de aliança tática com a burguesia
nacional, não perdia de vista seu objetivo estratégico, a mudança completa da ordem, a
superação do capitalismo pelo comunismo.
O MEB, como vimos, foi resultado de um convênio entre a Igreja Católica e o
Governo Federal na presidência de Jânio Quadros, um político tradicionalmente considerado
de direita. Entretanto, o desenvolvimento posterior do movimento demonstrou claramente
uma postura progressista em direção à esquerda. De uma proposta de educação de base pelo
rádio, partiu para o trabalho de conscientização, alfabetização de adultos e sindicalização
rural. Do ponto de vista político o movimento seguiu a linha da AP, a presença de militantes,
tanto na base como nas coordenações, foi essencial para isso. De acordo com Osmar Fávero, o
MEB “alinhou-se com a Ação Popular, num projeto de construção de uma sociedade
socialista (que queria ser cristã), por meio de uma revolução (que não se desejava
violenta)”.726
725 Herbert de SOUZA, Citado por BARCELLOS, Op. Cit. p.254 726 FÁVERO, Op. Cit. p.266
214
Como estamos vendo, os movimentos faziam parte de um processo de radicalização
política das esquerdas. Tanto o PCB como a AP estavam na Frente de Mobilização Popular
juntamente com Brizola, Arraes e Djalma Maranhão. Nas análises de Jorge Ferreira fica claro
que a postura da Frente, sua linha política, principalmente depois da retomada dos poderes
presidencialistas de João Goulart, é a estratégia do confronto, se negando a qualquer tipo de
diálogo com os demais campos políticos, visto como “política de conciliação”, contrária,
portanto, ao projeto de pactuação de diversas forças políticas para viabilizar as Reformas de
Base.727
De seu lado, o governo Goulart teve uma postura de apoio aos movimentos. Dos
primeiros contatos ainda na gestão de Oliveira Britto, passando pelo Plano de Emergência, na
gestão de Darcy Ribeiro, com o envio de verbas para alguns dos movimentos, como o MCP, o
MEB e a CEPLAR, e a realização de um documentário para a Campanha Pé no Chão.
Passando pela presença do próprio presidente João Goulart no encerramento da experiência de
Angicos, defendendo a importância da expansão do método de alfabetização de adultos
elaborado por Paulo Freire. Logo depois, durante a gestão de Almino Afonso no Ministério do
Trabalho, iniciou-se um projeto de alfabetização de adultos interrompido ainda no início com
a saída de Afonso do ministério.
Porém, naquele exato momento assumia o Ministério da Educação, indicado pela
AP, Paulo de Tarso Santos. Sua gestão marcou a entrada de Paulo Freire e seu método no
ministério. Os movimentos não somente ganharam apoio financeiro, como também espaço
político. O I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular aprovou a proposta de
formação de uma Coordenação Nacional de Cultura Popular, o que foi prontamente aceito
pelo MEC, cuja coordenação assumiu em janeiro de 1964, mesmo período em que estava
sendo implementado o Programa Nacional de Alfabetização, coordenado por Paulo Freire. No
mesmo sentido Afonso Scocuglia afirma que, durante o governo de João Goulart, toda a
mobilização educacional e cultural atingiu “seu ápice, as questões educacionais foram tratadas
como prioridade de ação estatal. Entre essas questões destacou-se o apoio aos movimentos de
alfabetização e cultura popular, especialmente a partir do Plano de Emergência (liderado por
Darcy Ribeiro) de 1962”.728
Na mensagem presidencial de João Goulart ao Congresso Nacional em 1964 havia
um item Educação Elementar e Cultura Popular. Até onde sabemos, foi a primeira vez numa 727 Jorge FERREIRA, A Estratégia do Confronto: a Frente de Mobilização Popular. Revista Brasileira de História, vol. 24, no. 47, jan-jun, 2004. 728 Afonso Celso SCOCUGLIA. Educação Popular: Do sistema Paulo Freire aos IPMs da ditadura. João Pessoa: Ed. Univ. UFPB; São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2001. p.40
215
mensagem presidencial que o tema da Cultura Popular foi colocado desta forma. Depois de
indicar vários dados sobre o ensino elementar no Brasil, a necessidade de expansão das vagas,
de formação de professores e etc. Afirma a mensagem: “Pretende ainda o Governo, no ano de
1964, promover ampla mobilização para alfabetizar mais de 5 milhões de brasileiros que
vivem marginalizados por não possuírem o mínimo de condições culturais para participar do
sistema de produção e do processo político”.729
O trabalhismo, enquanto uma das principais culturas políticas presentes no Brasil
naquele momento, passava por um processo de forte guinada à esquerda, deixando cada vez
mais para trás sua herança getulista. Em seu lugar era formulada uma plataforma política
calcada, sobretudo, no nacionalismo. Além disso, defendia também a necessidade de reformas
estruturais na sociedade brasileira. Brizola talvez seja o melhor exemplo de uma postura de
esquerda radical dentro do PTB. Seu programa passava pelas Reformas de Base e sua postura
no momento crítico da polarização política entre o final de 1963 e início de 1964 foi pautado
na estratégia do confronto. Por isso os ataques ao Congresso e a defesa da convocação de uma
Assembléia Constituinte. Goulart, notadamente mais moderado, pertencia no interior do PTB
a uma ala que reconhecia a necessidade de reformas, mas a partir de negociações políticas.
Numa postura que revela a influência de todo aquele pensamento educacional presente nos
movimentos e nas reflexões de Paulo Freire, o governo federal se propunha a utilizar
“técnicas modernas e meios suficientes, aptos não apenas a levar o analfabeto ao domínio do
mecanismo da leitura e da escrita, mas também a habilitá-lo a participar conscientemente da
vida política”.730 Além da implementação de cerca de 35 mil círculos de cultura nos moldes
do método Paulo Freire, “será assegurado todo o apoio do Governo aos movimentos e
campanhas de cultura popular, partam de fontes oficiais ou sejam fruto de iniciativas
particulares”.731 Para o governo a educação elementar de adultos e crianças era uma
prioridade, devendo destinar a esta área o maior número de recursos possíveis, “uma vez que
nesse nível se cruzam e encontram os dois grandes objetivos que devem presidir a todos os
investimentos governamentais em matéria de educação: - a democratização da cultura e o
incremento da produção nacional”.732
Novamente faremos uso das análises de Afonso Scocuglia. Para ele, Jango percebia
na educação um elemento fundamental no processo de desenvolvimento econômico nacional.
729 João GOULART, Mensagem Presidencial de 1964. p.165 retirado da página do Latin American Microform Project (LAMP) no Center for Research Libraries (CRL). 730 Idem, p.165 (grifo nosso) 731 Idem, p.165 732 Idem, p.166
216
Nesse sentido, a educação era um dos principais elementos na “transição do “arcaico para o
moderno”733, ou seja, constituía fator determinante da modernidade brasileira. Certamente,
seu primeiro e decisivo passo seria atacar o analfabetismo de jovens e adultos e arranjar
escolas para mais de 7 milhões de crianças em idade escolar, analfabetos em potencial”. A
mensagem presidencial de Jango aponta para a democratização da cultura e da educação, por
meio, do apoio do governo federal à expansão do sistema de ensino. Como ficou claro, o
apoio se estenderia aos movimentos de educação e cultura popular. A utilização do método
Paulo Freire, que Goulart já havia tomado contato em abril de 1963 em Angicos, significava
não somente alfabetizar, mas também conscientizar os educandos.
Dessa forma percebemos as atitudes do governo federal, dos movimentos e das
forças políticas envolvidas, muito mais próximas da promoção de políticas públicas para a
cultura e para a educação, no sentido claro de democratização dessas esferas, do que uma
tentativa de manipulação do governo e dos políticos sobre os movimentos. Os militantes que
atuavam nos movimentos tinham uma clara leitura da conjuntura política, no sentido de
perceber o tipo de relação que estavam estabelecendo com os governos dos políticos
“populistas”. Ao invés de um erro, optamos por enxergar naquelas relações, uma aliança
política pró-reformas de base.
Obviamente não se quer deixar de lado aqui a relação entre alfabetização e expansão
do colégio eleitoral. Era significativa a importância dos movimentos neste sentido. Inclusive
um dos temores despertados nos grupos conservadores, além da questão da conscientização
entendida por eles como subversão, era justamente a perspectiva, em curto prazo, da entrada
de milhões de novos eleitores no processo político eleitoral. Nesse sentido, havia uma
percepção de que mudanças profundas estavam para ocorrer no Brasil. Seja pela
conscientização e a partir daí a mobilização em torno das reformas de base; seja pela
alfabetização, com o aumento do número de eleitores, havia perigos para os setores
conservadores. Esse contexto, de radicalização e polarização política, com as esquerdas
partindo para a estratégia do confronto e as direitas se articulando em torno de um movimento
contrário às reformas, culminou com o fim da democracia em abril de 1964.
Ficou muito claro o que representava para os setores golpistas, fossem civis ou
militares, os movimentos de educação e cultura popular. Vistos como parte da política de
agitação e propaganda do Partido Comunista, foram violentamente perseguidos na sua quase
totalidade. A repressão buscou provar de toda maneira a prática educacional “perniciosa e
733 SCOCUGLIA, Op. Cit. p.41
217
subversiva" dos movimentos. Suas ações culturais e educacionais, como, por exemplo, o
teatro e a alfabetização de adultos, eram reduzidas a mais pura agitação comunista, e por isso
merecedores de uma exemplar repressão.
Suas sedes foram invadidas logo nos primeiros dias depois de vitorioso o golpe,
foram invasões violentas e bruscas, que revelaram a face autoritária do recém instalado
regime militar. Parte do patrimônio dos movimentos foi destruída. Seus documentos, livros e
textos foram queimados, apreendidos ou expostos como prova de suas atividades subversivas.
Não foram poucas as pessoas perseguidas, presas e até mesmo exiladas por seu envolvimento
com os movimentos de educação e cultura popular. No Nordeste, como parte da Operação
Limpeza, os militares empreenderam ainda em abril uma verdadeira caçada ao comunismo.
Atingindo as esquerdas de forma geral, as lideranças dos governos depostos, os movimentos
sociais e também os movimentos de educação e cultura popular.
O medo causado por tamanha repressão foi responsável pela destruição de boa parte
dos documentos relacionados aos movimentos. As fontes documentais que sobreviveram, só
conseguiram escapar da destruição porque foram guardadas, enterradas, escondidas ou
esquecidas em arquivos públicos. O objetivo da ditadura não era simplesmente acabar com os
movimentos, mas também com seus registros, apagando seu mau exemplo. As perseguições,
as intimidações, as prisões, as investigações e os IPMs foram os principais instrumentos
utilizados pela ditadura para por fim àquelas experiências de educação e cultura popular. A
conseqüência direta dessa ação destrutiva do novo governo foi a paralisação, quase completa,
da educação de adultos nos dois primeiros anos da ditadura. O que representou um enorme
retrocesso ao que se vinha fazendo neste campo no Brasil.
Entre 1958 e 1964 o país vivenciou uma de suas maiores experiências educacionais e
culturais. A mobilização de importantes setores sociais, em torno da democratização da
educação e da cultura, abriu espaço para o aparecimento de diversos movimentos que se
dedicavam ao teatro, à musica, às artes plásticas, às manifestações culturais populares e à
alfabetização de adultos. Por seu conteúdo e por suas ações atraíram a atenção e o apoio de
grupos políticos identificados com as esquerdas, sobretudo, os ligados às culturas políticas
trabalhista, comunista e cristã progressista. Contou com importante e fundamental apoio do
Estado, se configurando mesmo como políticas públicas que tinham por objetivo último a
democratização da sociedade brasileira. Mas também recebeu uma intensa oposição dos
setores conservadores, traduzida na forma rápida e violenta com que a repressão desarticulou
e destruiu os movimentos depois do golpe civil/militar de 1964.
218
FONTES
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O Metropolitano
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