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Achilles Delari Junior
Material pblico e gratuito
PERSONALIDADE, DRAMA E BRINCADEIRA DE PAPIS SOCIAIS
EM DILOGO COM O EDUCADOR
CED / PR
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2013
Eis o principal. Na brincadeira Eis o humano.
Vigotski (s.data/1980, p. 277)
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CONTEDOS
INTRODUO ......................................................................................... 04
1 O DRAMA COMO MODO DE AGIR PROPRIAMENTE HUMANO ............ 05
2 A METFORA DA DINMICA DA PERSONALIDADE COMO DRAMA ...... 09
3 A BRINCADEIRA DE PAPIS E O DESENVOLVIMENTO PR-ESCOLAR .... 12
4 A ATUAO DO EDUCADOR E A BRINCADEIRA
DE PAPIS DA CRIANA .......................................................................... 15
a) O aprender brincando: seus limites e possibilidades .......................... 19 b) O brincar aprendendo: seus limites e possibilidades .......................... 20 c) O brincar organizando a vida: seus limites e possibilidades ............... 21
1 sugesto: criar ou ampliar o acervo ............................................. 23
2 sugesto: organizar o acervo por categorias no hierrquicas ..... 23
3 sugesto: estabelecer regras coletivamente ................................ 24
4 sugesto: realizar uma observao diagnstica .......................... 24
5 sugesto: intervir potencializando as brincadeiras ...................... 25
d) Forma e contedo da brincadeira na educao infantil ...................... 26
RELEMBRANDO ...................................................................................... 30
SUGESTES DE ATIVIDADES ................................................................... 31
REFERNCIAS .......................................................................................... 32
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Personalidade, drama e brincadeira de papis sociais: em dilogo com o educador
Achilles Delari Junior*
INTRODUO
ste texto um convite ao dilogo sobre a contribuio da educao
para o desenvolvimento integral da personalidade. Uma grande
imagem do desenvolvimento da personalidade: [] um caminho para
a liberdade. Renascimento do
espinosismo na psicologia
marxista (Vygotsky, 1932/
2010, p. 92-93). Contudo, no
capitalismo, vivemos ainda no
chamado reino da necessi-
dade, no no da liberdade
(Engels apud Vygotsky, 1930/
1994, p. 182). Ela no
pressuposto da ao humana,
mas conquista coletiva por atingir. Nem ser ausncia de regras, mas
possibilidade de tom-las como recurso para superar nossos limites, em
cooperao com outras pessoas.
Ns educadores que desejamos contribuir para o desenvolvimento
da personalidade nessa direo, temos um desafio no s profissional, mas
partilhado com toda a classe trabalhadora. Porm cabe especificar nosso
tema e papel. Do geral ao especfico, iremos da dinmica da personalidade
como drama de papis sociais brincadeira de papis sociais da criana
pr-escolar, como momento especial da primeira. Nesse percurso,
* Professor aposentado, pesquisador independente [email protected]
E Esse texto prope:
Destacar a importncia da dinmica da personalidade como drama;
Situar a brincadeira de papis sociais na gnese da personalidade;
Abordar a atuao do educador na ampliao dos horizontes da brincadeira da criana e no desenvolvimento de sua personalidade.
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assumiremos a perspectiva de L. S. Vigotski (1896-1934) e autores prximos
ao seu trabalho criativo mais avanado, solicitando a apreciao crtica da
leitora e do leitor.
1 O DRAMA COMO MODO DE AGIR PROPRIAMENTE HUMANO
A palavra drama no muito comum nos nossos textos mais conhecidos
em teoria pedaggica ou psicolgica. No nosso cotidiano, ns a
relacionamos com um gnero artstico que pode contrastar com a
comdia ou a tragdia, por exemplo. Tais correlaes no deixam de
ter fundamento histrico. Seja na Antiguidade, quando Aristteles (334-330
a.n.e./1978) define que tanto tragdia quanto comdia so formas de
drama, por serem ambas apresentadas como ao. Seja na Modernidade,
quando Sanz de Robes (1949) define que o drama seria um gnero
intermedirio entre os extremos da tragdia e da comdia prximo da
vida como ela .
Porm, cabe destacar-
mos os significados principais
dessa palavra em trabalhos de
Vigotski. E argumentar que ela
tem lugar terico estratgico n
compreenso da gnese e
dinmica da personalidade
que , para o autor, o social
em ns (Vygotski, 1931/2000,
p. 337). Isto para que nos
apropriemos do conceito, no
sempre presente em nossas
reflexes sobre desenvol-
vimento e educao ensi-
no ou formao. Pelo
menos, dois significados pude-
mos antes constatar (Delari Jr., 2011) para drama em vrios textos do
Quando lemos a palavra educao em edies brasileiras de Vigotski, ela pode estar traduzindo, pelo menos, trs palavras russas diferentes:
1) Obutchenie [], tambm se traduz por instruo, ensino, para alguns: processo de ensino/aprendizagem;
2) Vospitanie [], tambm se traduz como formao, como no alemo bildung: 1 educao, instruo, cultura. 2 formao. 3 organizao.
3) Prosvieshtchenie [], tambm se traduz como ilustrao, esclarecimento. Era do que tratava, na URSS, o NARKOMPROS traduzido geralmente como Comissariado do Povo para a Educao.
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psiclogo bielorrusso: (1) o de pea teatral, mais coloquial; e (2) o de
modalidade especial de ao humana, mais filosfico.
Lembremos algumas passagens, para ilustrar o gosto de Vigotski pela
metfora do drama como pea teatral ao tratar de diferentes assuntos,
desde o estado crtico da psicologia, ao desenvolvimento da criana como
sequncia descontnua de vrios atos cnicos. Por exemplo: (a)
queixando-se de que o
ocorrido na psicologia
contempornea pode ser
expresso melhor pelo choro
desesperado de um dos heris
de um drama de Tchkhov
(Vygotsky, 1931-33/1999, p.
198); (b) aludindo aos atos do
drama geral do desenvolvi-
mento (Vygotski, 1932-34/
2006, p. 254); ou (c) apresen-
tando dentio, andar e
linguagem infantil como a-
tores principais e secundrios
desse drama [do desenvol-
vimento] (Idem, p. 338)!
O que h de esclare-
cedor e instigante nessa met-
fora de todo o desenvol-
vimento ontogentico como
uma vibrante pea teatral o
destaque que se pretende dar
ao fato de que no
assistindo a um s ato que
compreenderemos o sentido
de toda a pea. E tambm a
noo de que os processos
psquicos apresentados como
H forte relao de Vigotski com o teatro
Desde seu interesse precoce por Hamlet de Shakespeare (1564-1616), que culmina com a autoria de monografia para a Faculdade Histrico-Filolgica (Letras) da Universidade Shanivski (Veresov, 1999; Vigodskaia e Lifanova, 1996/1999a; 1996/ 1999b; 1996/1999c; 1996/1999d; Vigotski, 1916/ 1999). ateno para conceitos do dramaturgo Stanislvski (1863-1938), em seus lti-mos escritos (Vigotski, 1934; 1934/ 2001). Tambm tomando pistas da arte para a cincia, sem igual-las, notemos que Stanislvski (1938/2008a; 1938/2008b) v a representao de um papel como dialtica (oposio e fuso) entre vivncia e encarnao:
(1) A vivncia perejivanie [] uma forma de experincia, gerada pela prtica social, em que se produz uma unidade afetivo-cognitiva especialmente intensa frente a algo ou algum: uma obra de arte; uma pessoa amada; uma adversidade ou celebrao; um pensamento ou ato nossos...
(2) A encarnao voploshtchenie [] tambm traduzvel por incorporao ou personificao. Com o verbo correlato teramos, por exemplo: Ela personifica a sade, tal como: Ela a sade em pessoa.
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atores sempre esto mudando sua posio na cena, ora esto em
primeiro plano ora em segundo plano, ora seu papel entra em choque
com o dos demais, ora estabelece com eles profunda aliana. Alm disso, e
mais importante, a cada novo ato (perodo) a dinmica das relaes pode
mudar radicalmente do ponto de vista qualitativo, exigindo-nos desvelar
outras relaes gentico-causais.
Mas no basta dizer que processos psquicos contracenam no
drama do desenvolvimento de algum. fundamental assumir que tais
processos so inseparveis da vida de uma pessoa concreta, isto ,
sntese de muitas determinaes (Marx, 1859/1978, p. 116), a qual
vivencia e encarna seu prprio drama de papis sociais junto a outros
seres humanos. Eis o segundo e mais profundo significado de drama na
teoria de Vigotski, uma modalidade de ao propriamente humana, ou
seja, prpria de nossa existncia social.
Dizemos tratar-se de uma modalidade especial de ao social, pois
nela esto presentes, de acordo com a reflexo de Vigotski (1929/1986;
1929/2000), duas caractersticas que no podem ser deduzidas
diretamente da metfora da pea em vrios atos. (1) por o drama ser um
ato de deciso humana sobre a conduo de nosso destino histrico; (2) por
ser ainda o choque entre diferentes papis que cada pessoa
vivencia/encarna. Tais traos constituem o carter (in)tenso e
dialeticamente conflitivo da ao social de decidirmos por um caminho vital
ou outro em determinado contexto histrico-cultural. Desde o mais
corriqueiro at aquele no qual esteja envolvida uma situao de vida ou
morte ser ou no ser. Como se passa com Hamlet, no conhecido Ato III,
cena I (Shakespeare, 1601/1990).
A histria da cultura ocidental gera os dois significados principais para
a palavra drama constatados em diferentes obras de Vigotski. A
professora de literatura grega, Claire Nancy (2003) atesta tanto que
drama era uma forma especial de ao (diferente da posis, atividade
criadora; e da prxis, atividade orientada a um fim), quanto que, por sua
peculiaridade, acabou se tornando sinnimo de teatro. Atenhamo-nos
apenas ao que h de especial nesta ao, tal como presente em algumas
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cenas clssicas, isso pode nos ajudar a entender melhor a dinmica da
personalidade para Vigotski e a importncia da brincadeira de papis
sociais no seu desenvolvimento.
A noo de drama em Vigotski, como situao de deciso vital que
envolve intenso conflito (a qual retomaremos na seo 3), j estava
presente na antiga literatura grega. Lembremos que Agammnon, lder
supremo dos guerreiros helnicos, sem condies climticas para ordenar
a partida de seus barcos para a guerra, consulta o orculo. Este lhe diz que
s haver vento se sua filha Efignia for sacrificada por suas mos. Ele
precisa decidir: (a) se a nsia de todos, inclusive Agammnon, no fosse por
guerrear, a escolha no seria dramtica; (b) se ele no amasse tanto sua
filha, tambm no seria.
H um grande impasse, mas o rei sacrifica a filha, com muito pesar e
ciente de possveis conse-
quncias fatais deste ato. Num
salto da Antiguidade Renas-
cena, vemos Hamlet em
situao no idntica, mas
similar. O heri se queixa das
injustias dos mais fortes, os
maus-tratos dos tolos e cogita
obter sossego com um
punhal. Mas hesita e as
opes se chocam: de um lado,
a morte apenas sono; de
outro, ningum sabe os
sonhos que poder trazer o
sono da morte (Shakespeare
1601/1990, p. 74). Veremos
que tais figuras literrias
refletem e refratam a din-
mica real de nossa persona-
lidade.
Dois conceitos sobre a funo da arte em
nossas vidas.
Estamos utilizando a noo de drama como modo de agir bastante peculiar, do qual tomamos conscincia com exemplos de formas literrias, teatrais, artsticas. Sendo assim, vale destacar, pelo menos, dois conceitos importantes quanto s relaes entre arte e vida, as quais no so simtricas:
(1) O de que a arte no algo que apenas d um colorido a mais vida: A arte no um mero complemento da vida, mas o resultado daquilo que excede a vida no ser humano (Vigotski, 1924/2003b, p. 233)
(2) O de que a arte no uma forma de linguagem que reproduz a vida: Na arte, a realidade est sempre to modificada que no possvel fazer uma transferncia direta do significado dos fenmenos da arte para os da vida (Vigotski, 1924/2003b, p. 228).
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No vemos a arte como cpia da vida, nem o contrrio. Sua
relao dinmica e assimtrica. No teremos arte sem estarmos vivos
para cri-la ou apreci-la. Mas ela pode nos permitir exceder a vida sem
deix-la. Nossas vidas no so antes escritas, por ns ou por outrem, para
ento atuarmos. Nelas a autoria e o exerccio de nossos papis se
entrelaam e nos escapam, pois so sociais. A metfora da personalidade
como drama ser, a seguir, uma via figurada para chegar mais perto de
quem literalmente somos.
2 A METFORA DA DINMICA DA PERSONALIDADE
COMO DRAMA
Como dissemos de incio, o modo programtico de Vigotski conceber o
desenvolvimento da personalidade, em anotaes de 1932, momento j
avanado de seu trabalho criativo, um caminho para a liberdade. Se
caminho para, no a temos de sada. Se para a liberdade no numa
viso individualista, mas comunal. Emprestando palavras de um ativista
russo, assumimos que a liberdade antes de tudo um fato social. A
liberdade do prximo estende a minha ao infinito (Bakunin, s.data/2005,
p. 24). Ningum poder ser plenamente livre numa sociedade em que os
demais estejam aprisionados por um modo de produo baseado na
expropriao de seu trabalho.
Por isso Engels fala do salto (por ns ainda no dado) do reino da
necessidade para a esfera da liberdade (apud Vygotsky, 1930/1994, p.
182). E ver o desenvolvimento da personalidade na perspectiva de
Vigotski se torna um enorme desafio. Como educar de modo a contribuir
para o desenvolvimento integral da personalidade de nossos alunos,
mesmo no mundo atual? Como assegurar, a eles e a ns, meios para
resistirmos, mesmo em relaes sociais que tendem a formar
personalidades aprisionadas subservientes, fatalistas e/ou
acomodadas? O conceito de drama, como ato de decidir em meio ao
conflito, poderia ajudar? Disto buscaremos tratar nesta seo e seguintes.
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Nessa busca, admitamos que Vigotski, mesmo passando toda a
carreira em psicologia, de 1924 a 1934, sob regime de Iosif Stlin (1858-
1953), que no promoveu muita liberdade, no publicou questes como
as nossas, em tal perodo, at onde tivemos acesso. Supunha-se viver numa
sociedade socialista e o reino da necessidade viria sendo deixado para
trs. Por isso, a noo de educao para a liberdade insinuada por
Vigotski (1924/2003a) mais sovitica que escolanovista ou
revolucionria, no sentido atual de algo por fazer, sem sabermos
quando. L a Revoluo j fora feita! No se queria a velha liberdade
burguesa, nem uma libertao insurgente contra o regime.
Por tais razes, avanos de Vigotski podem nos aparentar serem
recuos hoje. Para ele, por exemplo: (a) uma ao livre aquela da qual
conhecemos as causas e talvez desejssemos ns mesmos causar nossos
atos; (b) um pensamento livre aquele que aborda o real alm do que as
sensaes apresentam e talvez preferssemos tambm poder transformar
a realidade; (c) somos livres quando imaginamos sadas novas para a vida
que temos e, novamente, talvez quisssemos efetivar o imaginado para
nos sentirmos livres; (d) por
fim, ao livre um ato
volitivo (eleio, escolha)
entre caminhos pos-tos e
talvez almejssemos criar
caminhos ainda no
existentes, por nos sentirmos
presos escassez de opes
possveis.
Dizemos serem aparen-
temente recuos ao campo da
liberdade pessoal, pois dada a
coero que o capita-lismo
tardio (Mandel, 1972/ 1982)
nos impe, com sua economia perversa e o sistema jurdico que a avaliza,
os mais inquietos poderamos considerar muito pouco: conhecer as causas
disso; abstrair conceitos sobre o que vemos; imaginar sadas no antes
No h s exemplos literrios e fictcios do drama da personalidade humana. Em estudo com trabalhadoras ligadas luta pela terra, uma entrevistada disse que, ainda criana, foi consultada pelos pais sobre aderir ou no luta. Havia duas opes: (a) ir para a zona rural com seus pais; ou (b) ficar na cidade com outros familiares. Mas seu desejo era continuar na cidade e junto com os pais. Ela consultada sobre a adeso e cogita no concordar, mas no suporta no acompanhar a famlia e ento adere (Melo, 2001, p. 141-142). Isto ilustra a limitao histrica da liberdade de escolha de algum. E eleger dentre opes nas quais igualmente haver perda realiza a essncia dramtica desse ato.
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presentes; e, por fim, decidir dentro do rol de opes reais limitadas pelo
sistema vigente. Porm, ignorar as causas de nossas aes no contexto
histrico e social, ficar presos fixidez das aparncias empricas, no
imaginar sadas para alm de iluses e no exercer o ato de decidir: tambm
no produz liberdade, tudo se torna fatalidade. Isso parece pouco, por
soar ser s para cada um, mas para ser minimamente atingido exige srio
esforo coletivo.
Segundo a lei gentica geral do desenvolvimento cultural (Vygotski,
1931/2000, p. 150): toda funo aparece em cena duas vezes, em dois
planos (idem): primeiro entre pessoas e ento na relao da pessoa
consigo mesma de. Isso tambm com o desenvolvimento de toda a
personalidade: sntese de funes psquicas. O caminho para a
liberdade na aquisio social das potncias de conhecer, abstrair, ima-
ginar e decidir por um modo de agir que produza algo novo, no igual em
distintas sociedades. Em tese, diferente buscar liberdade numa sociedade
que edifica o socialismo ou noutra em que ainda h antagonismo de classes.
Contudo, em diferentes contextos, h uma luta que prpria de todo ser
humano: O drama realmente est repleto de luta interna impossvel nos
sistemas orgnicos: a dinmica da personalidade o drama (Vigotski,
1929/2000, p. 35).
Vigotski d o exemplo fictcio de um juiz que julga a prpria esposa.
Simbolizando um conflito ausente em outros seres: no desequilibrao
do organismo (p.e. em Piaget), nem luta por sobrevivncia, onde vence
o mais adaptado (p.e. em Darwin). O juiz vivencia um impasse: (a) como
pessoa simpatizo, como juiz condeno; (b) sei que ela m, mas eu a amo;
(c) simpatizo, mas condeno, o que vencer? (Vigotski, 1929/2000, p. 37).
Esta modalidade de conflito, tal como em Agammnon e Hamlet, s h
no humano. Podemos deduzir que ela esteja presente em diferentes
culturas e sociedades. No socialismo ou no capitalismo os dramas teriam
formas e contedos diferentes, mas sempre haveria luta interior na
dinmica da personalidade, no caminho para a liberdade trilhado em
cada cultura e/ou modo de produo. Na seo seguinte, pensaremos
sobre como a brincadeira da criana pode ser passo importante nesse
caminho sempre em aberto, posto que histrico.
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3 A BRINCADEIRA DE PAPIS E O DESENVOLVIMENTO
PR-ESCOLAR
Comeamos por dizer de uma concepo muito peculiar do que venha a ser
o desenvolvimento da personalidade e partimos ento para a nfase numa
modalidade de ao humana que paradigmtica para a compreenso da
dinmica da personalidade. Assumimos que as condies histricas tanto
para tal desenvolvimento quanto para tal modo de agir se modificam em
diferentes pocas e em diferentes culturas e modos de produo. Porm,
constante para o ser humano seria desenvolver-se, tanto quanto viver
momentos (in)tensos de deciso ao longo de sua vida atos formadores de
sentidos. E como destes assuntos passaremos a falar da brincadeira de
papis sociais da criana? Que ligaes poderemos fazer, agora, entre tal
brincadeira e o que foi dito antes?
No temos, aqui, o propsito de apresentar o que Vigotski fala sobre
diferentes perodos do desenvolvimento humano e assim da conscincia e
da personalidade (para tanto, veja-se Vygotski, s.data/2006; 1932-34/2006;
1933-34/2006a; 1936-34-/2006b). Mas vemos que, para o autor, o curso
geral do desenvolvimento rumar para uma maior autonomia por parte da
pessoa, se as relaes sociais que ela vive assim possibilitarem. De modo
que, para Vigotski, as relaes com os outros no so, por lei alguma,
impedimento de nossa liberdade, mas uma condio fundamental para que
ela surja. Um ponto fundamental de relao entre brincadeira e
desenvolvimento, como caminho, que sua essncia promover o
surgimento da imaginao como neoformao guia da idade pr-escolar
(por volta de 3 a 6 anos). E imaginar contribui para a liberdade.
Pode soar contrrio ao costumeiro, mas diremos que a criana vir
a imaginar porque passa a brincar, e no que brincar por ser, de
antemo, imaginativa. Ocorre que a perspectiva que nos inspira concebe
os processos mentais sempre surgindo nas/das relaes sociais e no
movidos por foras originadas apenas dos nossos genes. E na ligao da
brincadeira com o surgimento da imaginao est tambm seu vnculo com
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o devir da liberdade da criana no interior do mundo social do qual ela
prpria parte (Vygotski, 1933-34/2006a, p. 382). Em carta para Elkonin,
Vigotski fala que a estrutura da brincadeira, em suas relaes
interfuncionais, resume-se em dois aspectos: o eficiente [relativo ao]
e semntico [relativo ao significado], dos quais emanam a abstrao e a
arbitrariedade = liberdade (s/data/1980, p. 276).
Tais conceitos, to condensados na carta ao colega, so encontrados
de modo mais desdobrado em texto que deriva de anotaes taquigrficas
de uma conferncia proferida em 1933 (Vigotski, 1933/2008).
interessante notar que as linhas de desenvolvimento da potncia de
abstrair e da potncia de arbitrar, para o autor teriam origem em diferentes
mudanas qualitativas geradas pela brincadeira. Daremos exemplos em
seguida, mas antes tracemos as linhas gerais. Uma mudana vai do
predomnio do objeto sobre o sentido ao do sentido sobre o objeto
(objeto/sentidosentido/objeto). Outra vai do predomnio da ao sobre
o sentido ao do sentido sobre a ao (ao/sentidosentido/ao). A
primeira leva ao caminho para o pensamento abstrato, a segunda leva ao
caminho para a vontade (Idem, p. 33).
Quando Vigotski afirma que na brincadeira da criana passa a haver
predomnio sentido/objeto, refere-se a que as coisas com que a criana
brinca podem ganhar sentidos bem diferentes dos que tm fora da
brincadeira. Como quando faz de conta que umas tampinhas plsticas de
garrafas pet sejam salgadinhos; e que uma tampa de caixa de sapatos seja
uma bandeja retangular... No por isso ela esquecer que tais objetos
mantm seu sentido usual, nem tentar mastigar e engolir as tampinhas!
Mas aprende a por em segundo plano o sentido usual e o modo
convencional de usar tais objetos. Para guiar-se pelo sentido que fazem
numa brincadeira, por exemplo, de ser garom/garonete numa festa.
Assim, nessa nascente plasticidade de atos de significao produzidos pela
criana para o mesmo objeto, o psiclogo v o impulso para o
desenvolvimento do pensamento abstrato [abstrao].
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Quando Vigotski afirma que na brincadeira da criana passa a haver
predomnio sentido/ao, refere-se a que atos cnicos da criana ao
brincar podem ser abreviados
comparados aos atos que
simulam. Como quando faz de
conta que, sentada numa
poltrona, est pilotando um
avio, e com os dedos aperta
teclas que no esto ali, faz
o movimento de ligar um
fone inexistente e fala com a
base, ou aciona um
dispositivo invisvel do piloto
automtico e se retira. No
por isso pensar que cai do
avio ao sair da poltrona, nem
que pousar de fato noutro
local. Mas aprende a por em segundo plano toda destreza tcnica que no
domina, seus gestos simbolizam o comando do voo, no substi-tuem. Para
guiar-se pelo sentido que eles fazem na brincadeira: de misso de piloto de
caa, talvez. Assim, nessa nascente plasticidade de atos de significao
produzidos pela criana para seu prprio movimento, o psiclogo v
impulso para o desenvolvimento da vontade [arbitra-riedade].
Claro que tais modalidades se fundem na brincadeira de papis
sociais, no sempre h ao sem objetos, e rara a significao de objetos
sem agir com eles. Tampouco abstrair e arbitrar esto em gavetas
separadas: (a) para escolher ser melhor servir ou no senhoras esnobes
na festa, optando pelo papel profissional ou pelo papel de no se
submeter, cabe abstrair as regras mais caras a seguir para manter a
altivez ou o emprego. (b) para obedecer a um comando de bombardear um
alvo civil, seguir o superior ou os tratados de guerra, tambm cabe
abstrair o imediato e firmar critrios. Brincar mais dramatizao
divertida, com muitas inverses de papis compondo o enredo, do que
drama (in)tenso. Mas o grmen deste j existe. No casual que Vigotski
A brincadeira inalienvel da vida. No se passa numa redoma de cristal com uma cultura alheia sociedade, inclusive suas desigualdades: de etnia, gnero, gerao e classe social. Toda brincadeira tem, ao menos, dois pilares: regras e situao imaginria. Com regras sociais implcitas e situao imaginria explcita, h brincadeira de papis ou jogo protagonizado (Elkonin, 1978/1980). Com regras explcitas e situao imaginria implcita, h o que em traduo de Leontiev (1944/1989) est como jogo, stricto sensu, p.e. o xadrez, cuja situao imaginria implcita seria, digamos, a de uma guerra.
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repita: no drama Ecce homo (1929/2000, p. 39) e na brincadeira Ecce
homo (s/data/1980, p. 277). Em ambos: Eis o humano!
4 A ATUAO DO EDUCADOR E A BRINCADEIRA
DE PAPIS DA CRIANA
Nas sees anteriores delineamos o desenvolvimento da personalidade
como processo dramtico repleto de importantes decises vitais cujos
ganhos e perdas no se apagam da memria facilmente. Processo que, ao
longo de nossa existncia histrica, se a sociedade possibilita, tende para
uma crescente capacidade de agirmos livremente frente aos outros e ao
mundo. No por fugirmos s regras da cultura, mas justo por obtermos
maior domnio sobre elas e tornarmo-nos aptos a discutir sua pertinncia
para a ampliao da liberdade de todos, que o mesmo que ampliao da
nossa prpria. Ligado intimamente a este longo processo de
desenvolvimento est o surgimento da brincadeira de papis sociais pela
criana, que representa (no cpia de) papis dos dramas de adultos,
abrindo caminho para a liberdade mediante nexos interfuncionais que
constituem a neoformao guia imaginao.
Como aludimos antes, Vigotski estimava a chamada idade pr-
escolar como um perodo relativo, em mdia, ao intervalo entre trs e seis
anos de vida a neoformao guia define a idade psicolgica para o autor
(1932-34/2006). Nenhum estudioso do desenvolvimento, seja Freud, Piaget
ou Gesell, assume que um perodo psicolgico coincida com datas de um
calendrio. Tampouco assumem que seja inevitvel que todas as fases
aconteam sempre para todas as crianas, embora, nesse caso, tendam a
entender que algo ruim isso poder causar e no apenas algo diferente.
Portanto, muito menos Vigotski assume estrita relao entre o que chama
de idade psicolgica e idade cronolgica. J que na perspectiva terica
deste autor h uma fuso dialtica entre as linhas de desenvolvimento
biolgico e cultural. A criana de trs a seis anos no Brasil de hoje (quantos
Brasis temos?) no a mesma da URSS do incio do sculo XX. So culturas
diferentes, modos de produo opostos.
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Notemos, portanto, que ns mesmos, em diferentes atos pertinentes
ao exerccio e autoria do nosso papel social de professores, tambm
podemos viver colises dramticas. Por um lado, sem compreenso dos
fundamentos tericos clssicos de nosso ofcio no podemos proceder com
criticidade. Por outro, no desejamos que crianas concretas
(multideterminadas) caibam, a todo custo, numa teoria que as concebeu de
modo geral num passado distante. De um lado, Vigotski concebe a
brincadeira como uma atividade humana que pode abrir uma nova etapa
do desenvolvimento da personalidade, como caminho para a liberdade.
De outro, no poderia haver tambm, em brincadeiras, aspectos
ideolgicos que gerem alienao, como investiga o professor Rodrigo
Lima Nunes (comunicao pessoal, agosto de 2013)? Nossa deciso por
tomar posio, abrindo-nos crtica, e mantendo a tenso.
Assim, em meio s vrias decises que nos cabe tomar, na constante
luta que segue sendo o ato de educar, assumiremos o conceito geral de
educador de Vigotski, entendido no quadro de uma educao sovitica,
que no a que temos hoje em nosso pas. Mas que, pelo contraste com
nossa realidade, ope-se s correntes neoliberais hegemnicas em
educao. Tanto no que diz respeito a seu pragmatismo para o qual
devemos ensinar aos alunos apenas tcnicas para obter informaes por
conta prpria (usar um computador em rede; consultar numa biblioteca
fsica; saber se portar num museu; entrevistar quem domine o assunto de
sua pesquisa, etc.). Quanto no que diz respeito a seu cientificismo para o
qual devemos ensinar contedos cientficos como formas racionais neutras
(sem historicidade, ou seja, sem meno luta de classes e sem considerar
a materialidade vivencial e afetiva como constitutiva do conhecimento).
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Para Vigotski, o papel do professor sovitico de grande distino,
como grande para ns hoje a dificuldade de fazer cumprir a funo
primordial da escola: socializar o conhecimento crtico fruto do trabalho
humano, mas pouco acessvel aos filhos dos trabalhadores. O autor, j em
1924, na Unio Sovitica,
entende caber educao
tarefa mais profunda que na
sociedade capitalista, dizendo
que educar significa orga-
nizar a vida (Vigotski, 1924/
2003a, p.220). A vida no pode
seguir espontanea-mente, sem
que se a organize, sem que nos
apropriemos de mtodo para
lidar critica-mente com as
contradies da realidade da
qual fazemos parte. Cabia a
toda aquela sociedade a
organizao da vida para a
consolidao do socialismo e,
no limite, do comunismo:
reino da liber-dade. Mas se
diferentes meios sociais
organizam a vida (a famlia, o
grupo de pioneiros, o partido
comunista, etc.), a escola sovitica no deixa de ser meio social privilegiado
entre os demais.
Em 1926, Vigotski adensa a concepo de professor como
organizador do meio social educativo (1926/1991, p. 159). Temos acordo
sobre o professor dever ensinar. Se o essencial ainda no houve no Brasil,
mantemos essa tautologia. Mas Vigotski no nega o essencial eleva-o... O
professor no pode organizar toda a vida social de seus alunos,
especfico da educao escolar garantir o domnio da arma da crtica
(Marx, 1843/2010, p. 151). Mas tal arma, na sociedade sovitica est em
funo da vida social que ela impulsiona. E a vida ultrapassa a crtica por ser
Para Vigotski, a educao com/para a liberdade no escolanovista, mas sovitica: Como a educao um processo inalienvel na vida do ser humano, a educao livre no significa rejeitar a restrio. [...] Se o ser humano renuncia educao, ento comear a ser educado pela rua, pelos mveis e pelas coisas. Por esse motivo, a educao livre deve ser entendida [...] dentro dos limites que pode ter essa liberdade no plano geral da educao e no meio social. [...] Devemos organizar a vida na escola de tal forma que seja benefcio para a criana avanar com o grupo, assim como bom que ela aceite as regras do jogo; a divergncia com o grupo, portanto, deixaria sua vida sem sentido, pois ela se sentiria como se tivesse sido excluda do jogo. A vida assim como o jogo, tem de exigir uma constante tenso das foras, na alegria permanente da atividade combinada (Vigotski, 1924/2003a, p. 221-222).
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prxis, critrio de verdade do pensamento (Marx, 1845/ 1978). Assim, tal
professor no um auxiliar ou animador, pois organiza e conduz, com
base cientfica, relaes sociais educativas: (a) dos alunos com outros; (b)
dos alunos com responsveis por acervos, laboratrios, etc.; (c) dos alunos
com a equipe pedaggica; (d) dos alunos, principalmente, com as aulas
intransferveis que ministra de modo planejado, rigoroso e profundo; etc.
Alm destas atribuies, cabe-lhe atuar na organizao geral da ao
do coletivo de professores, pois sua tarefa no a de um profissional
liberal. Embora os professores que Vigotski concebe devam ser intelectuais
munidos pelo Estado Sovitico, com recursos suficientes para o exerccio de
seu papel de organizadores, e tais condies nem sempre tenhamos,
seno com acirradas e prolongadas lutas, mantenhamos tal concepo
como guia de nosso dilogo. No como utopia, ou como chamado a
sacrifcio pela causa, mas como um sistema conceitual que esteja mais
adiante que o [nosso] desenvolvimento (Vigotski, 1933-34/2001 p. 322).
Como um ato de mediao simblica que organiza nossa reflexo sobre
as relaes entre brincadeira de papis sociais da criana (que ocorre em
diferentes relaes, mesmo
sem atuao intencional de
adultos) e educao como
relao social organizada por
um intelectual especialmente
preparado (que sempre
intencional, em seus distintos
modos de efetivar-se no
espao escolar).
Tendo em vista a
trabalhosa e essencial tarefa
do professor como intelectual
organizador do meio social
educativo escolar, comenta-
remos, para fins didticos, trs
formas de relacionar brinca-
deira e educao infantil: (a) a
concepo do aprender
Para as trs modalidades tipificadas de relao entre brincar (de faz de conta ou com regras explcitas: jogo) e a atividade estudar, h contedos que no se aprende fazendo de conta ou jogando. Vamos brincar de Hemisfrio Sul. Eu sou a frica, voc a Amrica do Sul, quem ser a Oceania? seria comum ouvir isso? Na brincadeira de papis, geralmente, so significadas aes humanas como age um continente? No jogo (com regras explcitas) h ven-cedores: talvez jogar memria com mapas de pases, sendo uma cor para cada continente, com seus nomes lidos pelo professor. Quem aprende menos perde? No h relao direta entre linguagem conceitual e brincadeira. Seria interessante um trabalho organizativo de traduo entre elas.
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brincando: seus limites e possibilidades; (b) a concepo do brincar
aprendendo: seus limites e possibilidades; e (c) a concepo do brincar
organizando a vida: seus limites e possibilidades. Fins didticos, no
sentido de organizao do nosso pensamento sobre prticas possveis. No
ato pedaggico efetivo se encontraro mtuas influncias entre estas
atitudes, formas intermedirias de organizao, ou inovaes de que no
temos notcia. Perpassando estas formas tipificadas, concluiremos
dialogando sobre: (d) relaes entre forma e contedo da brincadeira no
espao da educao infantil. Buscando pensar uma eleio criteriosa de
atos significativos que venham a potencializar brincadeiras de papis
sociais.
(a) A concepo do aprender brincando: seus limites e possibilidades.
Talvez a primeira imagem que nos venha mente quando, em educao,
propomo-nos relacionar a brincadeira e a educao noo, no muito
crtica de que a melhor maneira de a criana aprender brincando. Ouve-
se tal formulao repetir-se algumas vezes nos grandes meios de
comunicao de massas, no senso comum tambm, mas no
necessariamente em todas as suas esferas. Pois tambm se diz, por senso
comum, entre os mais velhos, que para aprender preciso estudar (sem
se queixar de que o ensino seja ruim). Alm disso, tal noo pode ter
impacto sobre tendncias pedaggicas acrticas. H um ideal a suposto, de
que a melhor forma de se obter o desejado seria sem fazer qualquer
esforo. E assim, aprender brincando seria timo, pois a brincadeira por
natureza no exige esforo e aprender seria mais fcil.
Podemos perceber algo equivocado em duas premissas. Primeiro, em
que o melhor que podemos obter na vida seja o que no d trabalho
conquistar pegar qualquer gro de areia e p-lo em lugar especial como
um diamante. No capitalismo falso que basta nos esforarmos para obter
o que precisamos, pois nosso trabalho expropriado. Porm, nada de
precioso a humanidade produz sem rduo e demorado trabalho de muitos.
No todo da sociedade, no vale a regra: menor esforo para resultado mais
desejado. Segundo, em que a brincadeira no exige esforo. Ao contrrio,
Vigotski (1933/2008) indica que crianas podem deixar de satisfazer desejos
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imediatos para cumprir uma regra (implcita ou explcita) da brincadeira. Se
brinca que a gua limpa e fresca num copo lcool de uma pequena
usina, onde trabalham seus bonequinhos, e tem sede, poder no beb-
la e buscar outra fazendo esforo extra.
(b) A concepo do brincar aprendendo: seus limites e possibilidades.
Educadores mais crticos, possivelmente ao perceber que, no interior da
brincadeira e do jogo, no haveria condies para contemplar o ensino e
aprendizagem de contedos escolares, parecem ter assumido a anttese: se
aprender no pode ser sempre divertido, brincar deve ser sempre
instrutivo. Assim, o mote deixaria de ser aprender brincando, mas
brincar como instrumento para aprender, o que tem sua expresso
mxima nos chamados jogos pedaggicos. Tais jogos sofreram crticas,
por sua vez, por criarem divises artificiais para seus usurios, como faz o
mercado editorial: livros para crianas pr-escolares (s imagens); livros
para crianas de 7 anos (frases e imagens); para crianas de 10 anos;
para adolescentes; para adultos, etc.
Como se fosse impossvel uma criana pequena ouvir uma fbula e
imaginar personagens, cenas... Ou ler para ela um conto clssico, sabendo
que poderia atribuir significados, dos quais d conta com seu
desenvolvimento, e avanar. Tambm com jogos pedaggicos visou-se a
fatias de mercado, sobretudo por idades. Mas em que ajudam jogos
pedaggicos mesmo que tomemos os para mais velhos e ensinemos os
menores a ir com eles at onde puderem com nossa mediao? Talvez se
tornem material didtico, se tiverem contedo cientfico. Mas como
brincadeira, mostraro dificuldades da concepo anterior. Brincar no
sempre se subordina ao contedo cientfico e vice versa. H quebra-
cabeas de continentes em que o mapa de cada pas uma pea. E se
uma criana preferir que o espao vazio para a frica seja um lago e peas
de pases sejam barcos? Ser brincadeira, sem contedo escolar. Presa s
regras do fabricante, haver contedos, no brincadeira.
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(c) A concepo do brincar organizando a vida: seus limites e
possibilidades.
No h aqui menos dificuldade que nas vises anteriores, mas tentemos dar
um passo adiante. Sendo um papel da escola proporcionar o domnio de
mediaes simblicas e tcnicas que impulsionem a gnese da
personalidade da criana, vale discernir as relaes sociais mais aptas a
promover tal impulso em cada momento de sua vida. A metfora de
Vigotski mais conhecida quanto ao impulso das relaes sociais ao
desenvolvimento humano a zona blijaishego razvitiia [
] (Vigotski, 1934, p. 218, 220 e 221), ou ZBR. Em
portugus: zona de desenvolvimento proximal, prximo, imediato ou
iminente (conforme o tradutor). Literalmente, a zona do
desenvolvimento mais prximo de todos, no pode ser distante. Ela
emerge, e se consolida num futuro muitssimo prximo, na nossa relao
com pessoas mais experientes.
Porm, se a relao social que gera ZBR na idade escolar o ensino,
a instruo, ou o processo ensino-aprendizagem (Vigotski, 1933-
34/2001); o que a gera na idade pr-escolar a brincadeira (Vigotski,
1933/2008), no o ensino ou instruo. Isto faz diferena. Pois a partir
da idade escolar, o papel da escola de socializar conhecimento crtico
coincidir plenamente com o de promover o avano do desenvolvimento
integral da criana, gerando ZBR. Mas, na educao infantil, na idade pr-
escolar, a funo da escola se duplica: (a) ensinar contedos sobre a
realidade como de fato: contraditria; e (b) proporcionar as melhores
condies para que a criana brinque e avance em seu desenvolvimento
integral. Quando a relao que d maior impulso ontogentico o ensino,
isso no exclui outras relaes. Quando a brincadeira d o impulso
principal, outras coisas importantes tambm se deve aprender.
Nosso entendimento, a ser submetido crtica da leitora e do leitor,
o de que a brincadeira no chega a ser to importante que tudo se deva
aprender brincando. Nem to sem importncia que se transforme em
simples ferramenta didtica na qual a sua potncia especfica de levar
adiante o desenvolvimento se perca. Pensamos que uma forma menos
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simplificada de olhar as relaes entre educao e brincadeira seja a de v-
la como modo de organizar a vida. Porque com o mundo social, do qual
nunca deixou de fazer parte ativamente, que a criana dialoga ao brincar.
Tomando como base material os dramas de papis sociais dos adultos,
para criar a estrutura semntica geral de suas brincadeiras, a criana
descola-se das sensaes imediatas como principal critrio para se
relacionar com o mundo para viver.
No mais lhe bastar saber de coisas, pessoas e relaes apenas:
como so; de que cor; que tamanho; onde esto; com que se parecem; etc.
Importar saber ainda o que significam: para que servem, quais apartes as
formam; como so classifi-
cadas; como se tornaram o
que so agora; que viro a ser
no futuro... A transio para o
predomnio do sentido, surgi-
da com a brincadeira,
primordial para tal salto de
qualidade no modo da criana
organizar sua vida: como a
entende e como a conduz, ao
mesmo tempo. Isso no
significa que tudo seja s
brincar, que no precise
realismo dando supor-te
imaginao. Nem que a
brincadeira seja fechada a um
mundo infantil (que no h),
e um educador no deva atuar
na organizao desta
modalidade de relao social.
Garantindo condies para
que se d at com mais potncia: sugerindo, instigando, participando, sem
a instrumentalizar ou tirar sua especificidade.
A brincadeira como contedo curricular?
Temos notcia de que, em alguns estados brasileiros, pode-se vir a considerar a brincadeira como contedo curricular da educao infantil, ao menos durante o perodo aproximado ao que Vigotski chama de idade pr-escolar. Tal opo teria dupla consequncia: (1) por um lado, admite que a principal fora motriz do desenvolvimento nesse momento da vida a brincadeira, que gera a imagi-nao, e conduz ao desenvolvimento da vontade [arbitrariedade] e do pensa-mento abstrato [abstrao] abrindo caminho para a liberdade; (2) por outro, torna-se difcil definir o contedo de uma atividade pedaggica (intencionalmente dirigida) como sendo a brincadeira, que uma forma de relao social, com modos peculiares de significar a realidade. Fica a pergunta: quais os contedos simblicos dessa for-ma de relao social na escola?.
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Quanto aos aspectos essenciais do ensino, propriamente dito,
durante a idade pr-escolar no nos coube o papel social de falar aqui. Mas,
pelo j assumido antes, fica acordado que no defenderemos um currculo
para crianas nesse perodo cujo contedo nem a forma sejam
exclusivamente a brincadeira. Teremos diversos contedos que no sero
acessveis se no forem ensinados num gnero discursivo mais srio por
adulto preparado, que gere confiana e clareza de o conhecimento ser
correto. Digamos que uma criana more em barraco de ocupao urbana e
questione: por que outras pessoas tm casa?. H cincia para explicar,
mentir no recomendado. Expliquemos de forma abreviada, mas realista
e no mtica ou ideolgica. Como isto no para este momento, vamos a
algumas pistas para a atuao do professor potencializando a organizao
vital que a brincadeira pode promover.
Poremos sua avaliao cinco sugestes simples de se efetivar, das
quais algumas podem ser descartadas conforme de cada realidade, assim
como haver ideias geniais de autoria de vocs que sero fundamentais.
importante haver uma lgica na organizao e ligao das sugestes em
conjunto, que no sejam itens isolados a escolher por sorteio para cada dia.
Para ns, uma primeira sugesto criar ou ampliar, na sala, um espao para
um acervo de brinquedos e livros, to diversificado quanto possvel: sejam
comprados ou de doaes; industriais ou artesanais; jogos de tabuleiro;
jogos didticos (podem servir para brincar); carrinhos; bonecas e
bonecos; mveis, eletrodomsticos e ferramentas em miniatura; conjuntos
com animaizinhos, dinossauros, soldadinhos; fantasias e mscaras podem
fazer parte... Assim como vrios livros, com ilustraes ou sem, para se leia
para/com as crianas...
Tais materiais podem ser comprados, ou fruto de doaes, e vrios
deles fabricados com sucata (com as crianas ou no), com cartolina e
papelo pintado ou no. O importante ser que possam cumprir a funo
de piv e dar suporte material para a produo de sentido (social, por
definio). A segunda sugesto, a partir da nossa experincia, de que
vlido organizar por categorias os brinquedos no espao disponvel, seja em
estantes, ou caixas de papelo encapadas com papel de presente
(mostrando zelo e carinho para com o que para todos). Essas categorias
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no precisam ser tcnicas nem hierrquicas, mas aconselhvel que se
escreva seu nome em cartes visveis sob os quais o material categorizado
fique, para que possa voltar ao lugar aps seu uso. Sob orientao do
professor que l, a criana poder observar que aquelas letras tm funo
e pode at perguntar o que est escrito.
Esta organizao no precisa ser imutvel, mas ter alguma
durabilidade para que o ato de ter acesso ao acervo de recursos para a
brincadeira v permitindo criana uma organizao mental coerente ao
faz-lo, entendendo tambm que as coisas no esto ali sem cuidado, nem
por acaso. Disso se origina uma terceira sugesto que a de o professor
organizar numa roda de conversa, uma discusso inicial sobre as mnimas
regras necessrias para o uso do acervo. Como a quantidade de brinquedos
que se pode pegar por vez, antes de devolver para pegar outros, sobre em
que situaes se poderia coletivamente usar todos, sobre (ao menos tentar)
devolv-los no lugar em que estavam, e outras medidas para todos terem
mais liberdade. Tal acordo pode ser periodicamente retomado, e feito um
cartaz com smbolos desenhados que faam lembrar cada regra, a qual
tambm pode estar l escrita, para que o professor leia para as crianas e
ele mesmo se lembre.
Nossa quarta sugesto de haver uma observao diagnstica
ativa, pelo professor, do uso no dirigido do acervo. Um pouco antes de
iniciar sugestes dirigidas, para ampliar a experincia da criana. Pois esta
fonte de recursos para imaginar (Vigotski, 1930/2009). Diagnosticar no
rotular as crianas: essa mais criativa, ou menos; essa trabalha em
grupo, outra centrada em si; essa desatenta, aquela focada... No
isso, mas conhecer relaes sociais, de modo qualitativo: como se d sua
breve histria; quais os passos das crianas na brincadeira, quais os atos
da pea. Sobretudo, de qu brincam, quais indcios h de sua vida social
alm da escola. O processo ativo, pois observar agir, mas tambm por
no ser preciso se ausentar do observado: crianas podem nos chamar a
atuar, ou pedir medio em conflito que surja. Tal observao crtica pode
ajudar a organizar atividades dirigidas.
Esse processo de conhecer atravessando (sentido arcaico de
diagnose) a realidade, no se resume aos primeiros encontros at
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propormos brincadeiras planejadas. Ele continua por todo ano letivo e
recurso para avaliao. Uma ideia seria termos um dirio para registrar o
que houve de mais significativo, se houver tempo de trabalho disponvel,
aps as aulas de preferncia. No durante, pois talvez quebre o ritmo das
relaes pedaggicas. Assim, nossa quinta sugesto quanto
potencializao das brincadeiras das crianas mediante atuao do
professor em sua organizao. O que entendemos poder se dar, pelo
menos, de duas maneiras: (1) sugerindo novas possibilidades dentro de
brincadeira j iniciada para a qual fomos convidados a atuar ou nos
convidamos (no est descartado); (2) iniciando com chamado coletivo a
participar de uma brincadeira de papis, cujo roteiro bsico ns
escrevemos e pode ser rescrito por toda a companhia na prpria
atuao.
Num planejamento com atividades para crianas pr-escolares, o
tempo reservado brincadeira, em tese, momento para atender uma
necessidade vital. A de aprofundarem sua integrao com a realidade social
da qual j fazem parte, numa tenso das foras, na alegria permanente da
atividade combinada (Vigotski, 1924/2003a, p. 222). Assim, provvel que
o acervo de objetos para brincar seja frequentado voluntariamente.
Orientaramos: Hoje, vocs aproveitaro parte do tempo pegando
brinquedos que precisarem para brincar do que escolherem. Mesmo que
alguns brinquem sozinhos, e/ou no fiquem num s lugar, diferentes
cenas ganhariam forma, em espaos definidos. Faramos trabalho
itinerante: passar por grupos, eleger situaes para entrar em atividade
combinada podendo migrar entre eles. Pode-se tanto dar apoio ao faz
de conta, dizendo professora ou professor (de escolinha) que ns,
alunos novatos, podemos ajudar na sala. Ou complicar a situao,
dizendo: no entendi professora/professor, explique outra vez?.
H tantas formas de dar apoio ou complicar, quantos forem os
contedos possveis da brincadeira presentes de fato na vida social, ou
apenas em obras de fico, fbulas, mitos, etc. Se crianas esto brincando
de casinha, podemos chegar, sem sermos convidados, como um
carteiro com uma encomenda para algum que more na casa. Essa
encomenda pode estar numa caixa real, e com isso se solicitar um empenho
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para haver solues que deem seguimento ao faz de conta: quem enviou?
Vamos mandar algo em retribuio? Mas outra situao seria a de preparar
uma proposta na qual digamos: Hoje vamos brincar de posto de sade,
como pode ser?; ou Hoje vamos brincar de posto de sade, vou dizer
como vai ser, mas vocs podem ajudar.... Tanto no primeiro tipo de
abordagem quanto na segunda no preciso haver qualquer
espontanesmo atitude de educar pautando-se apenas no que se
imagina ser o desejo espontneo das crianas.
H muitas coisas que para imaginar preciso ter grande experincia
no assunto, e o professor tem condies de comunicar sua experincia s
crianas, dando-lhes suporte ao na brincadeira. No fosse preciso
experincia para imaginar, diramos a algum que nunca trabalhou em
construo civil: Voc no tem casa, faa a sua, use a imaginao...
Poderia at us-la para fazer um desenho figurativo dela, mas no
conseguiria morar dentro disso. Mesmo na ao pedaggica de solicitar das
crianas o esforo de desenvolver seu ato de decidir (ato volitivo), sobre os
rumos da brincadeira, no as podemos deixar sozinhas. Noes talvez ainda
vagas ou abreviadas que, em sua idade, tenham de um posto de sade
podem ficar mais ntidas e desdobradas com narrativas, imagens, filmes e,
no limite, uma visita a um deles. Se as regras da escola permitirem e a
secretaria de sade no se opuser. Seria estranho brincar de posto de
sade (unidade bsica de sade)? Mas brincar de mdico liberal que atende
em casa normal?
Independente dos temas que definamos para propor uma
brincadeira de papis que envolva todas as crianas, nossa nfase para
que a experincia potencializa o faz de conta. Daniil Elkonin (1978/1980)
trabalhou com crianas que visitaram um zoolgico e depois,
voluntariamente, brincaram de agir como as pessoas que trabalhavam l.
Concluindo esta parte, no h porque nos preocuparmos por nossa
interveno interditar a imaginao das crianas. Ao contrrio, temos o
papel de contribuir para abrir caminhos para o avano de sua imaginao
e seus modos de significar e organizar a vida. Trazendo para sua apreciao
diferentes signos da experincia humana, ao mesmo tempo solicitando
delas, em seu desenvolvimento bem prximo, a responsabilidade por
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fazer escolhas, tomar decises, realizar atos volitivos (Vygotski,
1931/2000) prprios do drama humano, por toda a vida.
(d) Relaes entre forma e contedo da brincadeira no espao da
educao infantil.
Pelo que acabamos de dizer, assumimos a concepo de que, mesmo
considerando a brincadeira um contedo, ela sempre ter seu contedo
especfico, sua semntica, ou seja: colocar sentidos sociais em jogo. Estes
no surgem no/do vazio e trazem marcas das lutas sociais nas quais esto
inseridos. Toda brincadeira um ato de significar a realidade. Sendo ela
contraditria, com confrontos, alianas, diferenas e desigualdades, os
sentidos que a criana lhe atribui, mesmo no sendo o dos adultos, traro
algo de fidedigno. Processos de significao so atos de produzir sentidos
mediante sistemas de signos (palavras, silncios, desenhos, imagens,
gestos...). Com Bakhtin [Voloshnov] (1929/1992), focamos dois aspectos
dos signos: refletem e refratam a realidade; e so arena da luta de
classes.
A brincadeira, como linguagem, traz em si contradies que
constituem a realidade humana como e pode ser (a reflete). Mas
tambm, transforma tais contradies, no as domina totalmente, no
pode filmar sua essncia histrica, significa-a sob certo ngulo (a refrata).
Alm disso, a luta de classes estabelece um embate vivo quanto ao quais
sentidos prevalecero. Para um operrio sindicalizado, a palavra greve
pode no ter o mesmo sentido que para um proprietrio de fbrica apesar
da forma externa igual. As maneiras de as classes compreenderem os
signos, atribuindo-lhes juzo de valor (Bakhtin, 1974/2000, p. 401),
propagadas sociedade, continuaro em luta: no noticirio televisivo ou no
panfleto grevista. Crianas brincariam de fazer greve? De lutar por
direitos? De demitir lideranas e jogar polcia contra grevistas? S
investigando para saber... Porm nenhuma lei psicolgica o impede, se
tiverem experincia dos fatos e estes lhes disserem respeito.
No h qualquer obrigao, por Lei ou coero de pessoas mais
ilustradas/tituladas, de que assumamos uma pedagogia crtica ou uma
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viso poltica socialista, para cumprirmos nosso papel como educadores.
A ningum cabe induzir a leitora e o leitor a seguirem uma nica
interpretao terica, linha poltica e/ou projeto para a sociedade. Sempre
assumimos uma posio terica e poltica, sabendo qual ou no. Porm,
o que no possvel sermos crticos ou socialistas sem defendermos
a classe trabalhadora, ou no t-la como sujeito privilegiado da luta por
transformao social radical. Nem possvel assumir concepo
essencialmente vigotskiana da gnese da personalidade, se no for
crtica. Nesta perspectiva no h neutralidade.
Uma crtica sem opo pelos trabalhadores falaciosa, pois pelo
trabalho so produzidos todos os bens materiais prprios da cultura, sejam
tcnicos e/ou simblicos. Dos quais todos precisamos, mas nem sempre nos
apropriamos. A perspectiva de Vigotski sem crtica seria psicologismo.
Bastaria desenvolver funes psquicas superiores de alunos de todas as
classes sociais, como fosse natural haver classes. Mais importante que
desenvolver funes a pessoa que se desenvolve. Para Vigotski
(1930/1991) no importa a memria que algum vem a ter, a ateno, o
pensamento conceitual, mas que uso real que faz destas funes. Quais
propsitos elas efetivam? Tal uso envolve a totalidade sistmica e
semntica de sua conscincia e sua personalidade, posta em jogo em
relaes sociais concretas i.e.: sntese de mltiplas determinaes
materiais, dentre as quais a realidade econmica.
O caminho para a liberdade, em mxima potncia, no possvel
sem o fim das classes sociais, que s ser meta de trabalhadores no da
burguesia. Mas, a organizao da luta por transformao social no est,
exclusiva nem prioritariamente, sob a direo dos educadores.
Contribumos educando. Mostrando s crianas, mesmo pequenas, a
realidade como ela , repleta de contradies, sem falseamento. Abrindo
caminhos para a compreenso de tal realidade, com detalhes, pela relao
social mais apta a gerar ZBR na idade: a brincadeira. No se anulam: (a)
trazer o mximo de detalhes sobre a realidade (sem saturao que
atrapalhe a compreenso e/ou lembrana); e (b) abrir espaos para
imaginar e recriar o que apresentamos.
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Pois imaginar uma ponte para o pensamento abstrato (que vai
alm das aparncias) e a ao voluntria (que nega a subservincia ao
prmio e punio). Porm, no sugerimos desenvolver funes
deslocadas de seu contedo significativo, para tornar algum mais
humanizado de modo neutro, alheio histria da luta de classes (Engels,
1883/2003, p. 10). Ou olvidando que tambm h realidades ruins que
somente ns humanos produzimos (Delari Jr., 2013). Trabalhando com o
objeto do pensamento abstrato e as consequncias de nossa ao
voluntria para a coletividade, as duas conquistas favorecero lutas
futuras. Pelo dizer epicurista: Os que viro tambm so nossos.
* * *
Achilles Delari Junior
Umuarama-PR, Vila Operria, 21 de dezembro de 2013.
Este material passar por revises e ampliaes posteriores. Suas crticas e sugestes de correo so bem-vindas. Por favor, se desejar, envie-as para [email protected]
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RELEMBRANDO...
Ao longo do texto, destacamos que:
Desde o incio, optamos por nos pautar na perspectiva de L. S. Vigotski.
Vigotski, desde 1932, fala do desenvolvimento da personalidade como
caminho para liberdade renascimento do espinosismo no marxismo.
A liberdade humana uma conquista histrica, no um pressuposto.
Trata-se de liberdade no apenas pessoal, mas para toda coletividade.
No se pensa que a liberdade dos outros limita a nossa, mas a amplia.
Em diferentes sociedades tal caminho se d de modo distinto ou oposto.
A dinmica da personalidade a de um drama de papis sociais.
Drama, nesse caso, uma modalidade especfica da ao humana.
Tal especificidade reside na efetivao do ato de uma deciso vital
(in)tensa, pois implica arcar com perda em qualquer opo tomada.
De todos os perodos de desenvolvimento da personalidade, s tratamos
da idade pr-escolar, que Vigotski estima ser entre trs e seis anos.
O que define a idade psicolgica pr-escolar sua neoformao guia: a
imaginao. Esta surge das relaes sociais prprias desse momento.
A brincadeira a relao social que impulsiona a gnese da imaginao.
Com a brincadeira passa a haver o predomnio de sentido sobre objeto e
do sentido sobre ao, este levando vontade, aquele abstrao.
Ao voluntria e pensamento abstrato so caminho para a liberdade.
O desenvolvimento humano histrico e cultural. A criana pr-escolar
sovitica do anos 1920 e 1930 no a mesma dos Brasis atuais.
Vivemos o drama de nos pautar em teorias que tratam o ser humano em
geral como histrico e atuar com realidade histrica diferente da delas.
Optamos por Vigotski por sua proposta contrastar com a realidade atual.
Vigotski se choca com propostas neoliberais para a educao, tanto
pragmatistas quanto cientificistas. Para ele educar organizar a vida.
Vigotski v o educador como um intelectual organizador do meio social
educativo. O que implica domnio, intencionalidade e diretividade.
Fizemos cinco sugestes organizadoras: criar o acervo; organiz-lo por
categorias; discutir regras; observar criticamente; intervir na brincadeira.
Enfatizamos que os contedos da brincadeira no so neutros do ponto
de vista de classe social e dos valores dados emancipao humana.
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SUGESTES DE ATIVIDADES
a) Comecemos: Hoje vamos brincar de cidade ideal; a cidade ideal a que
tem tudo que mais gostamos; o que precisa ter na nossa cidade ideal?.
Trazemos uma lista e consultamos as crianas: Precisa ter ruas? Casas?
Moradores? Bosque? Escola? Fbrica? Bombeiros? Hospital? Farmcia?
Mercado? Padaria? Prefeitura? Banco? (ou outras opes nossas).
Conferimos o que mais bem-vindo e pedimos sugestes das crianas:
Que mais deve ter em nossa cidade ideal? Com a lista pronta veremos
se tudo cabe na sala, o que poderia estar no mesmo espao, com duas ou
mais funes... Podemos criar quarteires com um contorno de fita crepe
sobre o cho, as ruas estaro entre eles. Nos quarteires haver locais
para os itens da lista, com casas de famlia ou repblicas. No precisamos
paredes altas, podem ser como baixos biombos de papelo de at 20 cm,
s um contorno... Dentro dos locais, iro brinquedos escolhidos para as
vrias funes. Poderamos ter algum trabalho especfico na cidade, mas
no o de prefeito, nem de professor ou professora... Coordenar o
planejamento da cidade, ajudar a constru-la e depois interferir nas
relaes que surgirem nossa tarefa. Obs.: H uma cano de Chico
Buarque de Holanda, chamada Cidade Ideal, do lbum Os
Saltimbancos podemos ouvi-la antes de brincar.
b) Comecemos: Hoje vamos brincar de TV Popular; Esta a TV (caixa bem
grande de papelo, ou duas bem grandes unidas, com corte na frente, no
formato de tela, de modo que as crianas atrs dela paream estar na
imagem); vocs vo preparar apresentaes; os programas sero ao
vivo; podem ser: programa de cantores; recitar um verso; contar piadas;
noticirio sobre problemas e qualidades da cidade; filmes, que j viram ou
criarem; entrevistas com pessoas da cidade: operrios, cientistas, artistas
(ou outras opes nossas e sugestes das crianas). Enquanto uns
apresentam, outros assistem. Pode haver cadeiras para assistir, ou
sentarem-se conforme a moblia disponvel na sala. Cada programa pode
ter apresentador com fichas para chamar os convidados. Nas fichas pode-
se desenhar imagens que ajudem a lembrar quais os convidados.
Atentaremos para os modos de comunicao imaginados e encarnados,
quando fazem de conta serem para um pblico ausente.
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